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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA APLICADA
ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA
OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE
CECLIA MEIRELES A PARTIR DOS CONCEITOS DE
TEMA E SIGNIFICAO
Fortaleza- Cear
2013
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ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA
OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE CECLIA MEIRELES A
PARTIR DOS CONCEITOS DE TEMA E SIGNIFICAO
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em
Lingustica Aplicada (Posla) do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Cear (UECE), como requisito parcial
para obteno do ttulo de grau de mestre.
rea de Concentrao: Linguagem e Interao
Orientador: Dr.Joo Batista Costa Gonalves
FORTALEZA CEAR 2013
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Estadual do Cear
Biblioteca Central Prof. Antnio Martins Filho
Bibliotecrio Responsvel Dris Day Eliano Frana CRB-3/726
S729i Souza, Elisiany Leite Lopes
Os sentidos de educao nas crnicas de Ceclia Meireles a partir
dos conceitos de tema e significao / Elisiany Leite Lopes Souza. 2013.
CD-ROM. 178 f. ; il. (algumas color.) : 4 pol.
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7
mm). Dissertao (mestrado) Universidade Estadual do Cear, Centro
de Humanidades, Ps-Graduao em Lingustica Aplicada, Fortaleza,
2013.
rea de Concentrao: Linguagem e Interao.
Orientao: Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves.
1. Tema e significao. 2. Acento de valor. 3. Educao. 4.
Crnicas Cecilianas. 5. Sentido. I. Ttulo.
CDD: 418
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ELISIANY LEITE LOPES DE SOUZA
OS SENTIDOS DE EDUCAO NAS CRNICAS DE CECLIA MEIRELES A
PARTIR DOS CONCEITOS DE TEMA E SIGNIFICAO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Lingustica Aplicada do Centro de
Humanidades da Universidade Estadual do Cear,
como requisito parcial para obteno do grau de
Mestre.
rea de Concentrao: Linguagem e Interao
Orientador: Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves
Aprovada em: 08/04/2013
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Joo Batista Costa Gonalves (Orientador)
Universidade Estadual do Cear- IES/UECE
Prof. Dr. Maria Valdenia da Silva (1 examinadora)
Universidade Estadual do Cear- IES/UECE
Prof. Dr. Antnio Luciano Pontes (2 examinador)
Universidade Estadual do Cear e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-
IES/UECE e UERN
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, eu agradeo a Deus o dom da vida e a sabedoria na produo deste
trabalho acadmico, como tambm minha sade mental e fsica, o que me fez sentir apta
a faz-lo.
A minha me, Maria Socorro Leite Lopes de Souza, porque soube entender a minha
ausncia ora estava na universidade ora em alguma conferncia em outro estado; e pela
compreenso nos momentos mais difceis deste processo. Alm de agradecer ao
investimento na minha educao e o carinho que me dava nas horas certas.
Ao meu pai (in memoriam), Jos Lopes de Sousa, por me conceder a vida e os
ensinamentos, apesar de pouco tempo de convivncia aqui na terra.
Ao meu professor e orientador Joo Batista Costa Gonalves, por suas sugestes,
crticas e conselhos muito pertinentes sobre o meu objeto de pesquisa, alm de todas as
discusses feitas nos nossos encontros e nas leituras orientadas. Se este trabalho
conseguiu algum mrito, foi tambm por meio do seu olhar bakhtiniano e dialgico que
me ajudou, acolhendo-me e defendendo-me como um verdadeiro protetor.
s professoras Sarah Diva e Claudiana Nogueira por suas contribuies e sugestes
feitas na qualificao.
A todos os meus professores do Programa em Lingustica Aplicada (Posla) que
passaram importantes conceitos e apresentaram uma srie de teorias e autores que foram
fundamentais para a minha formao.
A todos os meus professores tanto da graduao em Letras/Ingls na UECE como os da
graduao em Comunicao Social/ Jornalismo, pois devo agradecer sempre a quem me
ajudou de alguma forma a chegar at este momento.
Aos grupos de pesquisa dos quais fao parte: NIPRA e GEBACE. Ambos contriburam
com discusses, palestras, encontros e, principalmente, como poderia esquecer-me do
Colquio Bakhtiniano (I COCEB) do qual fiz parte do comit de apoio e apresentei a
minha primeira palestra sobre a minha pesquisa no dia 9 de maio de 2012.
A Capes, Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, ao apoio
financeiro como bolsista. Por causa do financiamento, eu pude me dedicar inteiramente
pesquisa e participar de vrios congressos, simpsios, encontros e conhecer pessoas
influentes na minha rea.
Universidade Estadual do Cear, onde estudei e estudo at o presente momento, por
ter me oferecido um vasto conhecimento e ter aberto os meus olhos para um mundo
antes desconhecido.
As minhas colegas e companheiras de orientao Rafaelle Oliveira e rica de Abreu,
juntas, formamos o trio da Bakhtin Girls, que depois se ampliou e agregou as ento
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bolsistas da graduao a Laryssa e a Indira, hoje mestrandas, que trabalharam conosco
no I COCEB e tambm a Benedita.
Sem querer esquecer ningum, aos meus colegas e amigos do Posla, sem exceo, para
que no fiquem magoados, mais especialmente ao Tibrio(UECE) e Dulce (UECE),
inclusive a secretria Keilliane e o estagirio Pablo, a quem tanto perturbei nesse perodo.
A todas as pessoas que conheci e me ajudaram de alguma forma na minha pesquisa,
como o Ailton Srgio (RN), a Andra Costa (OP), a Mayra (UNB), Ana Carolina vulgo
Carol (USP), Poly (UECE), Emanoel (UECE), Cladia (UFC), a Laura, que amiga da
Carol e me deu vrias dicas de bibliografias, a Professora e Doutora Dina Maria Martins
(UECE), que, em vrios momentos, nos fez aprender com risos e de uma maneira
prazerosa.
Ceclia Meireles (in memoriam) que, apesar de no t-la conhecido fisicamente, por
meio de suas crnicas, conheci-a melhor e pude viajar na leitura fascinante de seus
textos que acabaram me levando a escolh-la como meu objeto de anlise na pesquisa
que agora apresento.
Aos membros da banca da dissertao: ao Professor Luciano Pontes, que, em meio a
tantos trabalhos acadmicos, gentilmente aceitou o convite; e a Professora Valdenia,
que, com sua tese de doutorado sobre as crnicas cecilianas, ajudou-me a enxergar
melhor os sentidos construdos neste material literrio, e ainda consentiu em participar
deste momento to significativo na minha carreira acadmica.
Enfim, eu sou extremamente agradecida a essas pessoas que atravessaram o meu
caminho, por transformar a minha ideia em um projeto, e depois neste trabalho de
dissertao.
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Dilogo
Minhas palavras so a metade de um dilogo
Obscuro continuando atravs de sculos impossveis.
Agora compreendo o sentido e a ressonncia
Que tambm trazes de to longe em tua voz.
Nossas perguntas e resposta se reconhecem
Como os olhos dentro dos espelhos.
Olhos que choraram. Conversamos dos dois extremos da noite,
Como de praias opostas. Mas com uma voz que no se importa...
E um mar de estrelas se balana entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.
Ceclia Meireles
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ---------------------------------------------------------------------------------- 25
Figura 2 ---------------------------------------------------------------------------------- 52
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 ------------------------------------------------------------------------------------- 64-65
Tabela 2-----------------------------------------------------------------------------------105-106
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1---------------------------------------------------------------------------------- 111
Grfico 2---------------------------------------------------------------------------------- 148
Grfico 3 --------------------------------------------------------------------------------- 148
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1---------------------------------------------------------------------------------- 107
Quadro 2 --------------------------------------------------------------------------------- 120
Quadro 3 -------------------------------------------------------------------------------- 121
Quadro 4--------------------------------------------------------------------------------- 122
Quadro 5 -------------------------------------------------------------------------------- 150
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RESUMO
Esta dissertao pretende mostrar, a partir dos conceitos de tema e significao
postulados por Bakhtin/Volochnov (2010), os diversos sentidos que a palavra/signo
educao assume nas Crnicas de Educao (v.1) de Ceclia Meireles (2001), conforme os acentos apreciativos e ideolgicos a presentes. Para dar conta teoricamente
da anlise deste material, temos, portanto, como referencial maior os pressupostos de
Bakhtin/Volochnov (2010), em Marxismo e Filosofia da Linguagem (MFL), bem como
outras obras do Crculo Bakhtiniano. No intuito de verificarmos as mudanas de sentido
nas diversas (re)significaes da palavra educao construdas por Ceclia
Meireles(2001), elaboramos o nosso corpus de anlise com base em dez crnicas do
livro Crnicas de Educao, textos que tiveram, na dcada de 30, sua publicao no
jornal Dirio de Notcias em sua coluna diria Pgina da Educao, e posteriormente,
compiladas em uma srie de livros de cinco volumes. De todo este arquivo de textos,
escolhemos para nossa pesquisa apenas o primeiro volume em razo de percebermos
que nesta obra a definio de educao exposta com maior nfase e clareza.
Observamos na anlise das crnicas de Ceclia Meireles (2001) que a palavra/discurso
educao definida a partir de uma concepo baseada na filosofia humanstica que
lidava com os fundamentos do movimento educacional Escola Nova a que a autora
estava vinculada, o qual, por sua vez, estava em franca oposio ao modelo de educao
tradicional predominante na dcada de 30. Assim, da anlise feita, constatamos algumas
definies-tema e significaes mais recorrentes gerados pela entonao do uso da
palavra educao nas crnicas cecilianas construdos a partir da viso humanstica
educacional, a saber: educao reconhecer a autonomia humana, que apresenta o sentido de liberdade e autonomia para a educao; educao conhecer a dimenso afetiva do homem, que mostra a palavra educao sendo (re)significada como aprender amar o outro e a si mesmo; educao transformar e adaptar o homem a sua realidade, que redefine a educao como uma soluo ou um remdio para acabar com uma enfermidade e transformar o aluno numa pessoa melhor; educao dar condies para a formao do aluno, em que a educao adquire uma significao de formar o carter e o intelecto do aluno para o mundo, isto , despertar o interesse pelo
conhecimento; e, por fim, educao a unio entre pais e professores para a cooperao e o equilbrio da escola, que caracteriza a educao pelo trabalho conjunto destes integrantes para transformar o modo de se educar.
Palavras-Chave: tema e significao; acento de valor; educao; crnicas cecilianas;
sentido.
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ABSTRACT
This paper aims to show, based on the concepts of theme and meaning postulates by
Bakhtin / Volochnov (2010), the various meanings that the word / sign "education"
takes on the Crnicas de Educao (v.1) by Cecilia Meireles (2001), according to
evaluative and ideological accents present there. To account theoretically analysis of
this material, we have, therefore, as the most referential assumptions Bakhtin /
Volochnov (2010), in Marxism and the Philosophy of Language (MFL), as well as
other works of the Bakhtinian Circle. In order to verify the effects of changes in the
various (re) signification of the word education built by Cecilia Meireles(2001), we
prepared our corpus of analysis based on ten chronicles of the book Crnicas de
Educao, these texts had, in the 30s, its publication on the newspaper Dirio de
Notcias in her daily column Pgina de Educao, and after they compiled into a book
of five volumes. Of all these texts, we chose for our research only the first volume
because we realize that in this work the definition of education is exposed with greater
emphasis and clarity. We observed in the analysis of the chronicles of Cecilia Meireles
(2001) that the word / discourse education is defined from a concept based on
humanistic philosophy that dealt with the fundamentals of the New School an
educational movement that the author was a member, which, on the other hand, this
method was in open opposition to the traditional model of education prevalent in the
30s.Thus, in the analysis, we found some definitions-themes most recurring generated
by intonation of using the word education in Cecilia Meireless chronicles built from the humanistic vision of education, namely: Education is recognizing human autonomy, which presents the sense of freedom and autonomy for education; "Education is
knowing the emotional side of man", which shows the word education and your
meaning how to learn to love each other and themselves; "Education is transforming
and adapting a man to his reality," which redefines education as a solution or a remedy
to end with a disease and make the student a better person; "Education gives conditions
to student education" in that education acquires a meaning to form the character and
intellect of students to the world, that is awake the interest for knowledge; and, finally,
"Education is the union between parents and teachers for their cooperation and balance
of school," which education characterized by the work of these members together to
transform the way to educate.
Key-words: theme and meaning; evaluative accent; education; Cecilia Meireless chronicles; sense.
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................14
CAPTULO 1: A PALAVRA SEGUNDO MLTIPLAS PERSPECTIVAS TERICAS
AVALIADAS SOB O PRISMA BAKHTINIANO
....................................................................................................................................19
1.1 ABORDAGEM DA MORFOLOGIA.............................................................................19
1.2 ABORDAGEM DA LEXICOLOGIA............................................................................23
1.3 ABORDAGEM DA SOCIOLINGUSTICA ....................................................................27
1.4 ABORDAGEM DA LINGUSTICA TEXTUAL .............................................................30
1.5 ABORDAGEM DA ANLISE DO DISCURSO .............................................................35
1.6 ABORDAGEM DO DIALOGISMO BAKHTINIANO: PREPARANDO-SE PARA UMA VISO
DISCURSIVA DA PALAVRA ..........................................................................................39
CAPTULO 2: OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA VISO BAKHTINIANA ................45
2.1 A NOO DE SENTIDO............................................................................................46
2.2 A QUESTO DO TEMA E DA SIGNIFICAO ............................................................54
2.2.1 SIGNIFICAO....................................................................................................55
2.2.2 TEMA ................................................................................................................59
2.3 ACENTO DE VALOR/ APRECIATIVO OU ENTONAO...............................................65
2.4 PALAVRA E CONTRAPALAVRA..............................................................................72
2.5 O CONCEITO DE GNERO EM BAKHTIN ................................................................80
CAPTULO 3: A VISO HUMANSTICA DA EDUCAO PELOS ESCOLANOVISTAS......86
3.1 O CONTEXTO DA EDUCAO TRADICIONAL..........................................................86
3.2 A VISO HUMANSTICA DA EDUCAO .................................................................90
3.3 O MOVIMENTO ESCOLA NOVA ............................................................... .............95
3.4 ESCOLA NOVA: SEU SURGIMENTO E SUA CONSOLIDAO NO BRASIL ...................100
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CAPTULO 4: A (RE) SIGNIFICAO DA PALAVRA EDUCAO NAS CRNICAS
CECILIANAS ...............................................................................................................107
4.1 CONTEXTUALIZANDO O CORPUS DE PESQUISA......................................107
4.1.1 Universo da pesquisa exploratria....................................................................107
4.1.2 Amostra..............................................................................................................108
4.1.3 Procedimentos de coleta ...................................................................................110
4.2 UM BREVE RELATO SOBRE A VIDA DE CECLIA MEIRELES ......................................112
4.2.1 AS CRNICAS DE EDUCAO: UMA RELAO ENTRE A POESIA E A PROSA ...........114
4.3 ALGUNS SENTIDOS GERADOS PELA ENTONAO NO USO DA PALAVRA
EDUCAO NAS CRNICAS CECILIANAS PELA VISO HUMANSTICA .......................119
4.3.1 EDUCAO RECONHECER A AUTONOMIA HUMANA ..........................................123
4.3.2 EDUCAO CONHECER A DIMENSO AFETIVA DO HOMEM ...............................128
4.3.3 EDUCAO TRANSFORMAR E ADAPTAR O HOMEM A SUA REALIDADE ..............133
4.3.4 EDUCAO DAR CONDIES PARA A FORMAO DO ALUNO ...........................138
4.3.5 EDUCAO A UNIO ENTRE PAIS E PROFESSORES PARA A COOPERAO E O
EQUILBRIO DA ESCOLA ..............................................................................................142
CONSIDERAES FINAIS .................................................................................151
REFERNCIAS .....................................................................................................155
ANEXOS..................................................................................................................164
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INTRODUO
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potncia, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em to rpida existncia,
tudo se forma e transforma!
Ceclia Meireles
A Lingustica Aplicada, por se caracterizar como um modo de investigao
transdisciplinar, permite uma anlise da linguagem produzida nas condies reais de uso em
uma perspectiva interdisciplinar. Nossa pesquisa de dissertao, inserida nesta perspectiva,
pretende compreender como Ceclia Meireles (2001) organiza seu discurso em um contexto
histrico-discursivo de modo a verificar sua relao no que se refere ao tema e significao,
conceitos sugeridos por Bakhtin/Volochnov (2010). Desta forma, partindo do pressuposto
dialgico bakhtiniano de que todo enunciado, e toda palavra se dirige para o outro,
compreendemos que os sentidos da palavra, no nosso caso a educao, so construdos na
relao dialgica que poder nos apresentar os diversos sentidos gerados pelo tema (como
veremos nos captulos que se seguem).
Uma vez escolhido o percurso terico que referencia a pesquisa, parte-se para
saber como a palavra pode ser um objeto de estudo e dar suporte para construir um trabalho
pautado na teoria bakhtiniana.
Com respeito palavra, categoria que constitui o material de nossa pesquisa,
precisamos dizer, inicialmente que, desde que o mundo surgiu, ela veio agregada de um valor,
diga-se mgico, pois, na Bblia, Deus ao cri-lo disse: No princpio existia o Verbo..., porque
a palavra o Verbo, e o Verbo Deus" (Joo, 1:1). O homem a utilizou para se expressar e
comunicar entre a sua gente e com outras pessoas de naes distintas. Com o passar dos anos,
as palavras foram mudando, se mesclando, se transformando, dando origem a novas palavras,
consequentemente, a outros significados.
Fruto deste movimento semntico, a palavra educao acumulou diversos
significados que ganhou ao longo do tempo. Em qualquer dicionrio de uso comum, por
exemplo, podemos encontrar o verbete educao cuja acepo, entre outras, traz o conceito
de transmitir algo a algum, ou ensinar, instruir e educar jovens e crianas. Da se infere
como a palavra educao, se formos nos basear somente no registro do dicionrio, tem se
modificado sempre, com o tempo e o meio.
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Se, por outro lado, formos examinar a concepo de educao nas teorias
pedaggicas, perceberamos como esta palavra recebeu diversos sentidos. Um exemplo disso
a proposta que vigorou por muitos anos e at hoje sobrevive, que a chamada Educao
Tradicional. Nessa concepo, o professor responsvel pela transmisso dos
conhecimentos. Ele detm o saber e a autoridade e dirige o processo sem nenhuma interao
com os alunos. Outra proposta, contrria anterior, a educao humanstica que enxerga a
educao como algo que tende a proporcionar as condies necessrias para a formao
humanstica do homem, assegurando-lhe o crescimento ou a adequao de vida;
desenvolvendo um processo coletivo essencialmente social em que transmite valores,
conhecimentos, costumes e mtodos com teoria associada prtica na vida do cidado ou da
cidad; indicando uma diferente viso de mundo e de cultura. o tipo de educao centrada
no aluno, no qual ele deve participar e interagir tanto na aula quanto no processo de escolhas
de mtodos, contedos e outros aspectos em comum acordo com o professor.
Esta ltima concepo foi adotada por Ceclia Meireles (2001) nas suas crnicas
sobre o assunto. Em vista disso, este trabalho pretende mostrar a definio de educao na
perspectiva humanstica das crnicas cecilianas e como elas so (re)significadas, gerando
diferentes efeitos de sentidos.
No intuito de mostrar a pertinncia da presente pesquisa, podemos afirmar o
seguinte: em primeiro lugar, como professora e estudiosa da linguagem, percebi o campo
fecundo entre a educao e os conceitos de dialogismo, de tema e de significao, de
palavra/contrapalavra e de sentido postulados por Bakhtin/Volochnov (2010) em Marxismo
e Filosofia da Linguagem, doravante MFL. Assim, tendo como base os fundamentos tericos
da obra bakhtiniana, buscamos direcionar o foco para a forma como se constri os sentidos da
palavra educao nas Crnicas de Educao (v.1) de Ceclia Meireles (2001), pautada nos
conceitos relativos s categorias mencionadas pelos autores acima: tema e significao.
O interesse pelo tema surgiu, na verdade, desde a minha graduao em
Jornalismo, quando descobri minha curiosidade sobre a relao entre o tema da educao, a
comunicao e a literatura, tanto que minha monografia de concluso de curso teve como
ttulo: A educao como a transformao do indivduo no estudo de caso do filme My Fair
Lady. Desde essa poca, quis dar continuidade aos estudos nessa perspectiva e, aps a
concluso do curso em Letras/ Ingls, como pensava em fazer um mestrado acadmico, para
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dar continuidade temtica, utilizando-me da teoria do Bakhtin e seu Crculo, a qual
contemplasse a experincia e as leituras j apreendidas.
Em segundo lugar, a relevncia desta pesquisa se mostra por ter escolhido um tipo
de abordagem terica capaz de dar conta da anlise da construo de sentidos nos mais
diversificados textos, discursos e gneros. De maneira especial, elegemos os elementos da
obra de Bakhtin/Volochnov (2010) em que observamos o tema e a significao para analisar
quais sentidos a palavra educao pode assumir nas crnicas escritas por Ceclia Meireles
(2001).
Apesar de existirem vrias pesquisas no campo da linguagem com as teorias de
Bakhtin/Volochnov, poucas enfatizam com maior fora os tpicos tema e significao. Entre
algumas pesquisas feitas, encontramos algumas dissertaes com temtica similar, como, por
exemplo: Os mltiplos sentidos do ldico em documentos oficiais do ensino sob uma
perspectiva das idias bakhtinianas, de Benedito Francisco Alves (2010), Meu destino t
traado. Vou ser marginal: A construo de sentidos-e-significados sobre a violncia em
escola pblica, de Miriam Mrcia de Souza Martins (2010) e O Discurso Poltico e o Tema
Corrupo: Construes Discursivo-Ideolgicas na Relao entre a Vida Pblica e a Vida
Privada de Michele Viana da Silva (2009). Todavia, nossa pesquisa investiga pontos tericos
diferentes das pesquisas acima citadas, bem como toma o objeto de anlise material diferente
dos analisados nos trabalhos apresentados acima. Por exemplo, na dissertao de Alves
(2010), embora se adote como suporte terico as ideias bakhtinianas, investiga-se a palavra
"ldico" em documentos oficiais; diferentemente, este trabalho aborda a palavra educao em
crnicas. A dissertao de Martins (2010), por sua vez, tambm elege o enfoque bakhtiniano
para a sua pesquisa, mas analisa os sentidos e significados sobre violncia em escolas
pblicas; como se v, assim como a nossa pesquisa, tambm a construo de sentidos foco
desta pesquisa, porm, no nosso caso, d-se nfase aos efeitos de sentidos que sero gerados
pela entonao.
Em relao constituio do corpus de pesquisa, que so as crnicas de
educao, de Ceclia Meireles (op.cit.), tivemos contato com a vasta obra literria neste
gnero, resultado de uma intensa publicao de textos de sua autoria sobre a educao no
Dirio de Notcias, do Rio de Janeiro, de 1930 a 1933, no qual manteve uma pgina diria
com entrevistas, noticirios, artigos e uma coluna denominada Comentrio. S nesta coluna,
h, aproximadamente, 960 textos que foram selecionados e distribudos em ncleos temticos,
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os quais foram compilados nos livros Crnicas da Educao em cinco volumes, alm de
escrever algumas crnicas na coluna Professores e estudantes do jornal A Manh, de 1941 a
1943. Para esta pesquisa, preferiu-se optar pelo primeiro livro em que a autora conceitua e
define, nas suas crnicas, o que educao dentro dos dois primeiros ncleos temticos da
obra, totalizando um corpus de dez crnicas. Na busca por material terico e analtico que nos
ajudasse a olhar para as crnicas de Ceclia, encontramos a tese As Crnicas De Ceclia
Meireles: Um Projeto Esttico e Pedaggico, de Maria Valdenia da Silva (2008), que tenta
averiguar a recepo das crnicas de Ceclia Meireles pelos leitores de hoje, considerando os
efeitos desencadeados pela experincia de leitura em dois grupos distintos de leitores: os
alunos de uma escola pblica e os navegadores de um blog, especialmente construdo com as
crnicas da mesma autora. Para o meu trabalho, especificamente, valho-me do segundo
captulo de sua tese.
Sobre a organizao da nossa dissertao, organizamo-la tentando discutir e
levantar algumas questes, como: I- Como as categorias de tema e significao propostas por
Bakhtin/Volochnov, em MFL, podem ajudar a entender a construo dos vrios sentidos da
palavra-discurso educao nas crnicas de Ceclia Meireles? II- Que efeitos de sentido so
gerados pela entonao ou acento apreciativo no uso do signo educao nas crnicas
cecilianas? III- Como as crnicas cecilianas ressignificam o conceito de educao a partir de
uma viso humanstica?
Com as perguntas traadas, buscamos as respostas que, consequentemente,
geraram esta dissertao cuja diviso contempla quatro captulos, excetuando a introduo, a
concluso e os anexos. No primeiro captulo, pautamos a palavra sob mltiplas abordagens,
tais como: a morfolgica, a lexicolgica, a sociolingustica, a da lingustica textual e a da
anlise do discurso, submetendo-as todas ao crivo da teoria bakhtiniana. Para s depois,
adentrar no tpico que mais interessa este trabalho, a viso dialgica da palavra bakhtiniana.
Para nortear este debate terico, utilizamos alguns autores, como, por exemplo, Bakhtin
(2010, 2011) e Brait (2010, 2008), Barbosa (1991), Baslio (1989), Biderman (1998), Calvet
(2002), Faraco (2010), Fiorin (2006), Koch (1997), Monteiro (1991, 2000), Mathews (1993)
e Pontes (2009).
No segundo captulo, abordamos sobre os estudos da linguagem luz dos
conceitos bakhtinianos, em MFL, como o sentido, o tema e a significao, o acento
apreciativo ou de valor, a palavra/contrapalavra e o gnero do discurso. Para dialogar com
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Bakhtin/Volochnov, apresentamos outros autores que seguem o mesmo fluxo de ideias,
como o prprio Medvidev (2012), membro do crculo bakhtiniano, Clark e Holquist (1998),
Cereja (2010), Colussi (2008), Dias (2008) e Mari (2008).
No terceiro captulo, fazemos um breve panorama da educao vigente no comeo
do sculo XX e pe-se, em evidncia, a nova teoria moderna da educao que teve como base
criadora as ideias de pensadores como John Dewey (1978) e Claparde (1958) e tantos
outros. Com a apropriao dessas ideias renovadoras, Ceclia Meireles, Fernando de
Azevedo, Ansio Teixeira e Loureno Filho e outros pensadores, que assinaram o Manifesto
dos Pioneiros da Educao, tentavam implantar essa educao no Brasil. Neste captulo,
fazemos um contraponto entre a educao tradicional e a educao da Escola Nova,
ressaltando as caractersticas principais da educao humanstica e a origem e a consolidao
dessa teoria no Pas. Alguns tericos que abrangem essas teorias so: Cunha (1994),
Claparde (1958), Dewey (1978), Loureno Filho (1974), Libneo (1986), Mizukami (1986),
Saviani (1991) e Teixeira (1955,1984).
No quarto captulo, contextualizamos o corpus da pesquisa e seus passos
metodolgicos, em seguida, retratamos de forma breve a vida e a obra da autora Ceclia
Meireles (2001), especificamente, o livro Crnicas de Educao (v.1). A partir desse
momento, conceituamos o gnero crnica traando uma relao com as crnicas cecilianas.
Depois, partimos para a anlise das dez crnicas da autora escolhidas para constituir o nosso
corpus, momento em que expomos como a cronista define a palavra educao, gerando
muitos sentidos e (re)significando esta palavra/educao a partir dos temas que conseguimos
apreender das caractersticas principais do movimento Escola Nova. Neste momento, nos
ancoramos nos seguintes autores: Machado (2010), Magaldi (2001), Lbo (2001), Moiss
(2003), Silva (2008), Todorov (1980) etc.
Na concluso, expomos os resultados a que chegou nossa pesquisa a partir do
arcabouo terico adotado. Destarte, levando-se em considerao os conceitos bakhtinianos
de tema e da significao, pudemos trabalhar a produo e a construo de sentidos da
palavra educao nas crnicas cecilianas, mostrando como esta palavra/discurso foi se
modificando em contraposio a uma viso tradicional e gerando outros sentidos, os quais
foram (re)significados de acordo com a perspectiva filosfico-educacional adotada por
Ceclia Meireles (2001).
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Captulo 1: A palavra segundo mltiplas perspectivas tericas
avaliadas sob o prisma bakhtiniano
A Word is dead when it is said, some say. I say it just begins to live that day 1
Emily Dickison
Antes de discutirmos sobre a concepo da palavra na viso dialgica da
linguagem, conceituaremos como a palavra vista por diferentes abordagens nos estudos
lingusticos, como, por exemplo, na morfologia, na lexicologia, na sociolingustica, na
lingustica textual, na anlise do discurso, e por ltimo, na perspectiva dialgica do Crculo de
Bakhtin, na qual nos basearemos para fazer uma apreciao desses pressupostos tericos.
1.1 Abordagem Morfolgica
Ao se pensar em palavras, pode-se dizer, com fundamento em Baslio (1989), que
elas constituem uma srie de unidades menores e que se apresentam em frases e enunciados2.
H aquelas que se conhecem e se utilizam, e, tambm, as que se sabem que existem, conhece-
se o seu significado, mas no se utiliza no dia a dia.
De acordo com Baslio (1989), a palavra uma dessas unidades lingusticas que
so muito fceis de reconhecer, mas bastante difceis de definir, se tomarmos como base a
definio na lngua falada. Entretanto, na escrita, no acontece esse problema, pois se pode
definir como qualquer sequncia que ocorra entre espaos ou sinais de pontuao. As palavras
eram consideradas como elementos indivisveis, embora pudessem apresentar variaes de
forma, tais como as flexes nominais e verbais. Quando se comea a formar palavras a partir
de outras, percebe-se a sua complexidade.
Segundo o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), no verbete
morfologia, esse o ramo que estuda a estrutura da palavra. As palavras tm uma estrutura
interna e, em particular, so constitudas por unidades menores chamadas morfemas3.
Tradicionalmente, a morfologia divide-se em duas reas principais: a flexo, isto , a variao
na forma para fins gramaticais de uma nica palavra, e a formao de palavras, a construo
1 Uma palavra morre quando dita, alguns dizem. Eu digo que ela comea a viver naquele dia.
2 Enunciados so as unidades reais de comunicao.
3 Alguns chamam de lexema e outros, de morfema. Morfema qualquer unidade lingustica dotada de forma e
significao. Os morfemas existem em dois tipos: afixo e raiz. Esta um morfema que pode constituir a base de
uma palavra. Os elementos que se acrescentam raiz para formar uma palavra so chamados de afixos. Os
afixos se subdividem em dois tipos, de acordo com a posio de ocorrncia. Alm do prefixo, que se acrescenta
antes da base para formar uma palavra, e o sufixo, que se acrescenta depois.
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de novos verbetes com base nos j existentes. Para dar nfase a essa afirmao, Matthews
(1993, p. 1) explica que a morfologia :
[...] morphology as the study of forms of words. Morphology in antiquity, and in nineteenth century: flectional, isolating agglutinating languages.
Morphology in structural linguistics: fusion of morphology with syntax
(Bloomfield, Chomsky); and with generative phonolgy4.
Deste modo, morfologia, para Matthews (1993), um termo simples para o ramo
da lingustica, que diz respeito s formas das palavras nos diferentes usos e construes. Na
viso tradicional da linguagem, as palavras so colocadas juntas para formar sentenas. Elas
diferem umas das outras pelo som e pelo significado. Entretanto, no s as palavras, mas a
construo e as formas delas variam de uma sentena a outra. Resumindo, a morfologia o
ramo da gramtica que trata das estruturas internas dos verbetes. Apesar de a palavra ser uma
unidade at familiar, a noo de sua estrutura interna no o tanto. Para colocar a definio
num contexto, apresenta-se de uma maneira mais geral em diferentes nveis da lingustica. O
morfema a unidade, o mnimo, o indivisvel ou o primitivo; a gramtica o estudo dos
regimes de morfemas dentro de declaraes; e a palavra a melhor parte de uma hierarquia de
unidades complexas ou no-mnimo, que tambm inclui a frase e a orao.
O autor acima explica que uma das razes para se estudar a morfologia
simplesmente esta: a faceta da linguagem que tem de ser descrita e a pesquisa de absorver
os problemas prticos. Mas os linguistas no esto somente concentrados com descries
prticas. Todos tambm devem se perguntar quo longe a teoria da morfologia possvel
chegar.
Portanto, para se saber o que estuda a morfologia e qual o conceito de palavra
nessa rea, cita-se Sandmann (1997, p. 15), que, baseado no pensamento de Huddleston,
assevera:
As duas unidades bsicas da sintaxe so a sentena e a palavra. A sentena
a unidade maior da sintaxe: quando nos movemos para cima, alm da
sentena, passamos da sintaxe para a anlise do discurso; a palavra a
unidade menor da sintaxe: movendo-nos para baixo, alm da palavra,
passamos da sintaxe para a morfologia.
Conforme o trecho acima, a morfologia estuda a estrutura interna das palavras e
suas relaes com outras palavras dentro do paradigma. Seu objeto de estudo formado nas
relaes que se podem estabelecer entre elementos que no esto todos presentes ao mesmo
tempo na frase ou no texto. Diferentemente, Bakhtin e o seu Crculo de Estudos constituram
4 Morfologia como o estudo das formas da palavra. Morfologia na antiguidade e no sculo XIX: flexionada,
isolando as lnguas aglutinadas. Morfologia na lingustica estrutural: fuso da morfologia com a sintaxe
(Bloomfield, Chomsky); e com a fonologia generativa (Traduo livre).
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o dialogismo como uma viso de mundo construda com a linguagem por meio dos sistemas
de signos. Trocando em midos, o dialogismo pode ser considerado a cincia das relaes e
importante para compreender as representaes como construo do sentido, sendo a palavra
a governante dessas relaes. A palavra5 no pode ser vista como uma srie de combinaes
para formar novos verbetes; pelo contrrio, ela deve ser entendida como transbordada de
ideologias presentes com palavras alheias que se misturam ao contexto histrico, social e
cultural de uma determinada poca.
Monteiro (1991) afirma que as palavras so formas livres e no podem existir
sozinhas em uma comunicao, seno estariam fora de um contexto e no teriam uma
possibilidade de significados. Toma-se como exemplo a palavra educao dissociada do
contexto para mostrar como esse tipo de proposta faz a anlise da palavra.
Por exemplo:
Educao a) educao (tema)
b) educ- (raiz)
c) a- (vogal temtica)
d) o- (desinncia de gnero)
Com o exemplo acima, Baslio (1989) assegura que as palavras no so formadas
apenas por uma simples sequncia de elementos constitutivos; elas so tambm estruturas em
camadas que podem atingir vrios nveis. O verbete, na viso morfolgica, no formado por
uma sequncia de morfemas, mas constitudo estruturalmente de uma base acrescida de um
afixo. A base da construo chamada de radical. D-se o nome de tema ao radical seguido
por uma vogal temtica, porm este termo s utilizado na estruturao de formas
flexionadas, como no exemplo acima. A palavra dissociada do seu contexto no pode ser
analisada dialogicamente como o pensamento bakhtiniano tanto apregoou. Desse modo, ela
estaria livre de uma interpretao dentro do texto e, possivelmente, no seria utilizada em
5 Em certos tericos que adotam essa perspectiva para o estudo da palavra, como Monteiro (1991), vemos a
noo de palavra e de vocbulo ao mesmo tempo e muitas vezes confundimos o que cada um significa. H uma
mxima que diz assim: Toda palavra vocbulo, mas nem todo vocbulo palavra (MONTEIRO, 1991, p.10). Para alguns tericos da linguagem citados acima, h a distino de que o vocbulo a palavra encarada como
um conjunto de fonemas, sem se levar em conta a significao ou a funo. Dessa maneira, a palavra seria o
vocbulo escrito. As palavras representam ideias e contm significado lexical. Alm de serem formas livres, por
exemplo, nomes, pronomes e verbos.
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algum gnero especfico. Pode-se dizer que a morfologia o estudo da estrutura da palavra
fora do contexto ou do uso.
Se, por exemplo, pegarmos uma gramtica normativa, veremos que os processos
de formao de palavras so tratados apenas pelo lado da caracterizao de classes de
palavras ou categorias lexicais excludas do seu uso em contextos reais de comunicao.
Geralmente, as palavras evoluem semanticamente juntas como em um todo, porm continuam
morfologicamente inalteradas. Segundo o que Fiorin (2006) expe, o pensamento de Bakhtin
sobre a lngua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, incluindo a a palavra, tem a
propriedade de ser dialgica, concluindo que todos os enunciados so dialgicos.
Como exemplo, a palavra educao, que vem do latim educatione, pode formar
um conjunto de outras palavras, tais como:
Grupo da palavra educao {educacional, educar, educacionismo, educador, educandrio,
educando, educativo...}.
Por essa teoria, deve-se perceber que em todas as palavras aparece o elemento
educ-. Os vocbulos desse conjunto so mantidos por um vnculo comum de forma e de
sentido. possvel notar que as palavras, se esto associadas por esse vnculo de significao,
no so sinnimas por conterem a raiz e outros elementos que as distinguem umas das outras.
Esses elementos so afixos, podendo ser ou prefixos ou sufixos.
Na teoria bakhtiniana, como enfatizamos, as unidades da lngua so completas,
porm no apresentam um acabamento que permita uma resposta. A palavra, a orao, o
perodo tm uma completude. Entretanto, isso no viabiliza uma resposta. Quem ir
responder palavra educao? Mesmo o perodo sendo completo, o enunciado, como uma
rplica, possui um acabamento especfico que permite uma resposta.
Logo, a anlise morfolgica consiste na depreenso dos morfemas e de suas
possveis combinaes na formao de palavras. Essa viso estruturalista, pois estabelece
formulaes muito gerais que correspondem s formaes j existentes na lngua, sem dar
importncia ao aspecto usual e dialgico. O morfema definido em relao ao significado,
criando um problema srio de anlise, pois, no lxico, as palavras apresentam um significado
global, que no necessariamente uma funo exclusiva do significado das partes.
Consequentemente, no se pode isolar o significado das partes do significado global, isto ,
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muitas vezes tm-se elementos constituintes de palavras que no podem ser definidos em
termos de significado. O aspecto morfolgico da palavra difere, portanto, do conceito
dialgico e ideolgico da palavra vista pelo Crculo bakhtiniano, em que a palavra dialoga
com outras e no pertence somente a si, mas tambm ao outro. Alm disso, nessa perspectiva,
a lngua, em sua totalidade, concreta, viva e tem a propriedade de ser dialgica.
1.2 Abordagem lexicolgica
A lexicologia um ramo da lingustica que estuda as palavras do ponto de vista de
sua origem, de sua formao, de suas relaes combinatrias, do significado dos sons e
tambm do sentido. Para Barbosa (1991), a lexicologia6 o estudo do lxico que abrange
todas as palavras de uma lngua, vistas em sua estruturao, funcionamento e mudana,
cabendo-lhe, entre outras tarefas: definir conjuntos e subconjuntos lexicais; examinar as
relaes do lxico de uma lngua com os universos naturais, sociais e culturais; conceituar e
delimitar a unidade lexical de base a lexia , bem como elaborar os modelos tericos
subjacentes s suas diferentes denominaes; abordar a palavra como um instrumento de
construo e deteco de uma viso de mundo, de uma ideologia, de um sistema de valores,
gerador e reflexo de sistemas culturais; analisar e descrever as relaes entre a expresso e o
contedo das palavras e os fenmenos decorrentes.
Diferentemente da abordagem anterior, a partir dessa definio da lexicologia,
podem-se ver certas caractersticas em comum com as ideias bakhtinianas, por exemplo: a
palavra vista como instrumento de construo, provavelmente, do sentido e tambm
portadora de uma ideologia, podendo ser dominante ou do cotidiano. Entretanto, a lexicologia
no investe com muita fora no aspecto ideolgico que a palavra veicula. Por meio desse
sistema de valores, podem-se refletir ou refratar essas relaes sociais, o significado das
palavras e os fenmenos que delas surgem. A principal diferena, possivelmente, que, em
um verbete do dicionrio, quase impossvel trazer toda a gama de significados reais de
qualquer palavra, pois a palavra dialoga com outras palavras/contrapalavras ou discursos em
diversos contextos histricos, sociais e culturais.
6Esta disciplina estuda o lxico, mas h vrias perspectivas de se estudar o lxico, como, por exemplo, a
Lexicografia Terica, a Lexicografia Prtica, a Lexicografia Discursiva, a Lexicografia Computacional, a
Lexicografia Pedaggica e outras. A nossa proposta no nos debruarmos com tanto afinco nessas subdivises
dessa cincia, mas apenas esclarecer o que, de fato, ela estuda e suas semelhanas e diferenas com a abordagem
dialgica.
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O lxico7 se define como um conjunto de palavras, vistas em suas propriedades,
como: as sintticas, morfossintticas, pragmticas, informaes etimolgicas, conforme
Pontes (2009). Entretanto, no se constitui somente de palavras, mas tambm de unidades
menores que servem para formar novos verbetes, como, por exemplo, radicais, prefixos e
sufixos.
A lexicologia, atualmente, ocupa-se dos vocbulos e vocabulrios das diferentes
normas lingusticas. Com o objetivo de produzir um dicionrio8, a produo lexicogrfica tem
por finalidade obras terminolgicas/terminogrficas9. Segundo o Dicionrio de Linguagem e
de Lingustica (2004), na abordagem lexicogrfica, as palavras so agrupadas conforme o
sentido palavras que diziam respeito s atividades da fazenda, aos nomes de frutas, etc.
A cincia da lexicologia tem estudo conectado a outras reas, tais como a
morfologia lexical e a semntica lexical, uma vez que o lxico no somente uma lista de
palavras, mas se organiza a partir de dois planos: o do sentido e o da forma, conforme Pontes
(2009).
Com esse mesmo ponto de vista, Krieger e Finatto explicam que:
Considerando que a constituio da palavra reside em essncia, na dualidade
forma/contedo, o que pressupe ainda a funcionalidade das unidades
lexicais, a Lexicologia relaciona-se intimamente com a gramtica, em
especial com a Morfologia, envolvendo a problemtica da composio e
derivao das palavras, da categorizao lxico-gramatical; bem como se
7 De acordo com Biderman (1978), os estudos lexicogrficos datam da Idade Mdia no mundo Ocidental. Indo
mais longe, remontam aos gregos e romanos, se considerarmos os trabalhos de fillogos dos clssicos gregos.
Com o sculo XX, apareceram mais trabalhos lexicolgicos. 8 Conforme o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), no verbete de lexicologia geralmente o dicionrio
apresenta um repertrio de palavras organizadas por ordem alfabtica para ajudar na consulta. Dentro dele h
informaes gramaticais, semnticas, pragmticas e outras. 9 Afinal, qual seria a diferena entre a lexicologia, a lexicografia e a terminologia? A lexicografia parte de uma
lista de palavras pra constituir uma obra lexicogrfica no caso, os dicionrios e as descreve por meio de definies. Na terminologia, tem-se uma lista de conceitos e procura-se a denominao para cada um. A
lexicologia tem por fim definir um vocbulo com a funo de decodificar. Em Castillo (1995), h dois elementos
que formam a estrutura da obra terminogrfica: a macroestrutura e a microestrutura. A primeira se divide em
parte introdutria, corpo da obra e anexos. J a microestrutura o conjunto de elementos e a disposio interna
que apresenta cada um dos artigos que compem a obra lexicogrfica. Devem compreender o dicionrio
terminolgico monolngue os seguintes pontos: lema, informao gramatical, definio e notas. Ou tambm
informaes nominais ou outra especificao verbal. Para a melhor estrutura na microestrutura do dicionrio
seria: ter o nmero de ordem consecutivo, o lema, informao gramatical, ndice de confiabilidade, definio,
vocbulos relacionados, equivalentes e algumas observaes.
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vincula aos enfoques sobre a estruturao dos sintagmas, alm das relaes
com a Semntica (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 45).
De acordo com a citao acima, a palavra possui uma forma e transmite um
contedo, ou seja, possui um sentido. No momento, no se exige que esse sentido seja algo
mutvel, mas pelo menos a palavra j apresenta um carter semntico. O campo da
lexicologia pode ampliar ainda mais, por exemplo: [...] uma disciplina que combina em si
elementos de etimologia, histria das palavras, gramtica histrica, semntica, formao de
palavras [...] (HAENSCH; OMEACA, 2004, p.34). Os estudos do lxico passaram a ser
analisados em anncios, notcias, textos (bate-papos) publicados em vrios segmentos. Desse
material de anlise, surgem sentidos e se revelam aspectos nunca antes estudados. Ao
contrrio da abordagem morfolgica, com a lexicologia, a palavra comea a ser vista
contextualmente, modificando os significados por carregar as ideologias de quem a utiliza por
intermdio dos gneros citados.
A lexicografia expressa em outras palavras da mesma lngua o contedo
significativo ou conceitual do definido. Resumindo, o objetivo da definio lingustica
distinguir de maneira clara as noes diferentes. Referente a esse tema, segue abaixo um
exemplo do verbete da palavra educao10
do primeiro dicionrio do Brasil, o Vocabulrio
Portuguez e Latino 11 de Bluteau, publicado entre 1712 e 1728, que abrangia 10 volumes
digitalizados pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de So Paulo (USP):
Figura1: definio da palavra educacam.
10
Optou-se por colocar uma acepo da palavra educao mais antiga, pois no captulo de anlise h a acepo
da educao mais atualizada. 11
O dicionrio foi digitalizado pelo IEB e pelo site da USP e nele conseguiu-se acessar o verbete educacam. Essa era a forma escrita do primeiro dicionrio brasileiro e, para dar mais originalidade, optou-se por deixar no
modo arcaico.
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Como se pode notar, o dicionrio obsoleto e, mesmo digitalizado, h algumas
palavras que no se conseguem entender por conta da escrita antiga. Ele dividido em duas
partes: uma definio em portugus e a outra em latim. A educao, para esse dicionrio,
cuidar de outra pessoa e educ-la, isto , d-lhe uma boa educao, tanto a do corpo como a
do esprito. Bluteau faz uma referncia ao poeta Turco ao afirmar que as crianas so como as
pedras tortas e precisam ser lapidadas para brilharem como sol. O autor cita o exemplo da
educao de um prncipe. Ele coloca referncias a outros termos e tambm respectiva
pgina. Da se infere que no existe dicionrio neutro, assim como no existe palavra neutra,
como diria Bakhtin/Volochnov (2010), pois quem produz possui uma ideologia. Apesar de
hoje serem as tecnologias que auxiliam no processo de construo dos dicionrios, o homem
ainda comanda esse processo, e se inscreve ideologicamente nessa construo.
Na avaliao das palavras do dicionrio, Castillo (1995) explica que a anlise do
contexto tem como objetivo fundamental estabelecer o conceito expressado por uma unidade
de denominao. Agora, com essa afirmao, podemos traar uma relao com a viso
dialgica da palavra bakhtiniana, pois o contexto/texto serve para se verem alguns dos
mltiplos significados por exemplo, o da palavra educao.
No que diz respeito acepo de um verbete lexicogrfico, ele pode ser simples
(monossmico), constitudo por uma s acepo (uma definio); e complexo (ou
polissmico), com mais de uma acepo (vrias definies). Para Pontes (2009), a acepo12
o sentido que adquirem as palavras, ou seja, no se catalogam todos os sentidos existentes,
somente aqueles fixados pelo uso.
Como aponta Biderman (1998), o vocabulrio exerce um papel crucial na
veiculao do significado. A informao veiculada pela mensagem faz-se por meio do lxico,
das palavras lexicais que fazem parte do enunciado. Assim, o lxico o lugar do
conhecimento sob o rtulo de palavras. Porm, como diria a viso bakhtiniana e de seu
Crculo russo da linguagem, as palavras dialogam umas com as outras. Para a construo do
sentido, as palavras precisam de um contexto para significar.
Pontes (2009, p. 214) comenta esse fato:
12
A acepo no definio. Esta pode ser enunciada como a verbalizao de cada uma das acepes mais
usuais da palavra-entrada, seguida dos princpios estabelecidos pela lexicografia tradicional, sendo os mais
conhecidos e o da identidade funcional e o da sinonmia.
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27
Com efeito, as palavras de uma lngua no podem ser consideradas como
isoladas, descontextualizadas, por isso hoje existe um consenso em torno da
necessidade de que apaream exemplos de uso nos dicionrios e, inclusive,
amplie-se o nmero de combinaes lxicas, compreendendo a as locues,
colocaes, frases-feitas etc.
Por fim, termina-se este tpico tentando-se mostrar que os significados das
palavras do dicionrio soltas sem nenhum texto/contexto, no so capazes de, de fato, mostrar
os sentidos construdos contextualmente e, por isso mesmo, tal abordagem segue na
contramo da teoria dialgica da linguagem, em que o enunciado tocado pela conscincia
dialgica em torno de um objeto de enunciao, no podendo deixar de ser participante ativo
do dilogo social. Com a concepo dialgica, a anlise histrica dos textos deixa de ser a
descrio de uma poca (como os exemplos dos dicionrios antigos) para se transformar numa
grande anlise semntica, que vai mostrando todo o percurso.
1.3 Abordagem da sociolingustica
Para Robin (1973), a sociolingustica13
o estudo das relaes entre a lngua e a
cultura (o pensamento bakhtiniano tambm considera o aspecto da cultura) no sentido mais
largo do termo ou a cincia que estuda a lngua em seu uso real, levando em conta as relaes
entre a estrutura lingustica e os aspectos sociais e culturais da produo lingustica, como
apontam Cezario e Votre (2008). Essa abordagem trata a lngua como uma instituio social e
deve ser analisada dentro do contexto situacional, cultural e histrico.
A sociolingustica tem como funo primordial o carter da covariao das
estruturas lingusticas e sociais e eventualmente estabelecer uma relao de causa e efeito,
partindo do princpio base de que a variao e a mudana so inerentes lngua. O estudioso
dessa cincia se interessa pelas manifestaes e as variedades da lngua. Robin (1973, p. 56)
salienta que: A sociolingustica tem um sentido: o de um acesso radicalmente
intralingustico s mediaes da vida social.
Faraco (2010) conta que, na dcada de 60, a criao da sociolingustica14
veio
acrescentar uma relao mtua e sistemtica entre as formas gramaticais e a estrutura social.
13
O termo sociolingustica foi cunhado em 1950 para especificar as ideias que os linguistas e socilogos
mantinham em relao s questes da linguagem e da sociedade e sobre o contexto da diversidade lingustica,
segundo Monteiro (2000). 14
Anteriormente criao da sociolingustica, o Crculo de Bakhtin, na dcada de 20, apontava para uma
estratificao no simplesmente e somente de formas gramaticais, mas para uma estratificao dada por
diferentes axiologias, dada pelo processo scio-histrico de saturar a linguagem de ndices sociais de valor, de
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28
Como resultado, h um grau maior de percepo da complexidade das lnguas, isto , elas
passam a ser vistas como um complexo emaranhado das diferentes estratificaes,
emaranhado em que se correlacionam as variaes geogrficas, sociais e temporais. Ela se
estabeleceu nos Estados Unidos devido ao mais conhecido terico William Labov.
Essa teoria da variao consiste em coleta e codificao de dados para observar as
variaes que ocorrem durante certo perodo em um determinado lugar. Quais palavras so
usadas em um povo e quais no so usadas ou certas expresses, grias, regionalismos etc.
Desse modo, a sociolingustica consegue medir o nmero de ocorrncias de usos da variante e
saber como ela continuar ou no num futuro prximo. Entretanto, mais importante que
analisar palavras e expresses isoladas compreend-las no contexto ou na comunicao do
dia a dia, saber quais ideologias esto imbricadas nelas e se so utilizadas em algum gnero.
O estudo dos processos de variao e mudana permite estabelecer trs tipos
bsicos de variao lingustica, conforme Cezario e Votre (2008, p. 144-145):
I) Variao regional: associada a distncias espaciais entre cidades, estados,
regies ou pases diferentes; a varivel geogrfica permite opor, por
exemplo, Brasil e Portugal; II) variao social: associada a diferenas entre
grupos socioeconmicos, compreende variveis j citadas, como faixa etria,
grau de escolaridade, procedncia etc.; III) variao de registro: tem como
variantes o grau de formalidade do contexto interacional ou do meio usado
para a comunicao, como a prpria fala, o e-mail, o jornal, a carta etc.
Na parte social esto as diferenas lingusticas verificadas com a comparao
entre o dialeto padro o correto, superior e os dialetos no padres incorretos, inferiores.
A variante padro transmitida pela sociedade e ensinada na escola, tanto pelos que a
utilizam como pelos que gostariam de utiliz-la. Entretanto, dependendo da situao, o falante
deve usar a linguagem adequada ao contexto em que se encontra. Por exemplo, em uma
palestra, deve-se utilizar a linguagem formal (portugus culto), escolher as palavras certas
para que a mensagem seja passada com eficcia. Mas, ao escrever um e-mail, pode-se utilizar
a linguagem informal com palavras simples, reduzidas e ou grias, dependendo de com quem
se fala, especialmente se for uma pessoa amiga ou conhecida. Em uma mesma comunidade
lingustica, existem usos diferentes, no havendo um padro de linguagem que possa ser
considerado melhor do que outro. O que determina a escolha de uma variao ou outra a
acordo com Faraco (2010). Todo esse universo de variedades formais est atravessado por outra estratificao,
que dada pelos ndices sociais de valor oriundos da diversificada experincia scio-histrica dos grupos
sociais.
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situao real da comunicao e a possibilidade de a lngua expressar a variedade cultural
existente em qualquer grupo.
Partindo do mundo real para a fico, na obra Pigmalio de Bernard Shaw, tem-se
uma jovem que fala o ingls incorreto e um professor de fontica que tenta ensin-la a falar
correto. Seus mtodos so bem tradicionais e consistem na repetio e na memorizao de
palavras difceis, frases e sentenas relacionadas ao clima e poltica. Para Calvet (2002), a
hipercorreo mostra a insegurana lingustica, pois se considera a sua fala como pouco
desprestigiosa e tenta imitar a forma mais prestigiosa. Dessa maneira, percebe-se o discurso
da sociedade inglesa do comeo do sculo XX, que considera errado falar algum outro
dialeto em vez de usar o ingls padro. No embate, h o conflito entre a linguagem da
populao e a linguagem da elite, sobrepondo a lngua padro, a mais correta, lngua
desprestigiada. No que diz respeito ao dialogismo, h um permanente dilogo que nem
sempre harmonioso, pois retrata os diversos discursos de uma comunidade, de uma cultura e
de uma sociedade. Brait (2008) toma o dialogismo como relao entre o eu e o outro nos
processos discursivos instaurados na histria pelos prprios sujeitos e tambm instaurados
por esses discursos.
Calvet (2002) explica que a sociolingustica parte da ideia de que a lngua reflete a
sociedade. Entretanto, ele tambm questiona em uma pergunta como possvel essa relao:
Mas como a lngua, uma lngua, poderia refletir a sociedade quando ela plurilngue?
(CALVET, 2002, p. 119). A soluo apresentada por ele sair da lngua e partir da realidade
social. Marcellesi e Gardin (1974) afirmam que a lngua e a palavra so interdependentes e
que poderia se falar de uma lingustica da palavra. A palavra um ato de vontade e de
inteligncia, isto , a manifestao do indivduo como tal. Monteiro (2000) mostra que a
lngua estabelece contatos sociais e o papel social por ela desempenhado de transmitir
informaes sobre o falante constitui uma prova de que existe uma relao entre lngua e
sociedade.
Algumas palavras podem ter sua prpria histria, o que comprovado por
pesquisas labovianas, em que a mudana afeta as classes de palavras e tambm os fonemas. A
palavra tem o poder de modificar muitas coisas, influenciar decises, ferir e inclusive matar
uma pessoa. Por exemplo: Hitler utilizou a hiptese da influncia racial sobre o modo de
como as pessoas falam, afirmando que o povo alemo era mais inteligente e superior.
Defendeu-se a ideia da superioridade da raa ariana e de conservar-se das impurezas ou
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ameaas inclusive lingusticas surgidas dos emprstimos de palavras pertencentes a outras
lnguas no puras. Por causa desse tipo de pensamento os judeus foram perseguidos,
exilados e executados por muitos anos.
H um outro exemplo: nos Estados Unidos, existe uma segregao lingustica que
tambm est relacionada a um apartheid social. Os negros vivem em bairros isolados dos
brancos e so discriminados no somente pela cor da pele ou por baixos salrios ou por
morarem em bairros (guetos) considerados perigosos, mas por falarem de modo truncado e
abrupto, com expresses e grias, como se fossem dialetos ou socioletos. Por causa disso, os
americanos brancos desconsideram esse tipo de linguagem por usarem novos verbetes ou
combinaes de palavras para criarem outras, alegando que esse no o ingls real. No
Brasil, o portugus diferente do portugus de Portugal, talvez pela mistura com outras
lnguas, como a dos indgenas e dos negros africanos. Apesar de toda essa mescla, em cada
regio h falares distintos com regionalismos e sotaques. Uma pessoa que mora no interior
fala diferente de quem mora na capital.
Com base nesses estudos sociolingusticos, as pesquisas labovianas mostraram as
desigualdades lingusticas. Para Monteiro (2000), dizer para a criana que sua linguagem
inferior tambm dizer que ela e todas as pessoas de seu meio so inferiores. Para que todos
falassem da mesma maneira, na sociedade no deveriam existir as diversidades dialetais.
claro que isso praticamente impossvel.
1.4 Abordagem da lingustica textual
Muitos gramticos tentaram estabelecer uma definio para o que palavra, mas
at hoje no entraram em acordo, afinal, o que pensar de uma rea que aborda o texto15
? Essa
corrente no tratar em nenhum momento a palavra; pelo contrrio, para se falar de texto,
necessita-se antes conhecer alguns aspectos que o constituem. claro que no se fala em
palavras soltas e isoladas, mas de como elas se organizam em estruturas que variam, por
consequncia, o sistema lingustico da lngua utilizada, o qual responsvel pelo significado
de uma palavra.
15
A palavra texto tem sua origem no latim textum , que significa tecido. H elementos que conferem corpo, estrutura ao texto, que o sentido. Este s ser processado atravs da relao e da interao entre
autor/texto/leitor.
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Segundo o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), a lingustica textual16
concentra-se nos diversos textos e na identificao explcita das propriedades lingusticas
formais que distinguem um tipo de texto do outro; essas propriedades so consideradas como
os fatores que definem a textualidade de um texto. Bakhtin tambm abordou a questo do
texto17
em um manuscrito inacabado chamado Problema do Texto. Isso alm de tratar de
gneros textuais, de literatura e de tantas outras coisas que o instigavam, segundo Faraco
(2010).
Uma falha na gramtica padro fez surgir a necessidade de uma gramtica textual,
mas logo se questionou se o contexto deveria ser levado em conta na construo dessa
gramtica, pois um texto no uma sequncia de frases isoladas, e sim uma unidade
lingustica com suas propriedades especficas. A palavra, aqui, deve ser o elemento
instaurador dos elementos textuais, como a referncia, a coeso e a coerncia. Koch e
Travaglia (2002, p. 71) explicam que apreender o sentido de um texto com base apenas nas
palavras que o compem e na sua estrutura sinttica indiscutvel para a importncia dos
elementos lingusticos do texto e para o estabelecimento da coerncia. E sugerem que
necessrio construir o universo textual dentro do qual as palavras e expresses do texto
ganham sentido.
Fvero e Koch (1988) abordam trs momentos fundamentais na passagem da
teoria da frase teoria do texto. O primeiro deles seria a anlise transfrstica, o segundo o
da construo das gramticas textuais e o terceiro o da construo das teorias do texto. Neste
primeiro momento, trabalha-se com enunciados ou sequncia de enunciados e parte-se para o
texto. Seu objetivo principal estudar os tipos de relaes que se podem estabelecer entre os
diversos enunciados que compem uma sequncia significativa.
Para Fvero e Koch (1988), no segundo momento da lingustica textual havia
algumas causas pertinentes ao surgimento do referido momento, tais quais as lacunas das
gramticas de frase no tratamento de fenmenos como a correferncia, a pronominalizao, a
16
A lingustica textual uma subrea da lingustica e se desenvolveu na dcada de 60, na Europa. Sua teoria tem
como unidade bsica o texto e no mais a palavra, por acreditar que ele a manifestao da linguagem. Abaixo
do texto, ou por trs dele, existem muitos processos, como o cognitivo, o social, o ideolgico etc. 17
Fiorin (2006) mostra que, para Bakhtin, o texto como uma manifestao do enunciado, uma realidade
imediata, dotada de materialidade, que advm do fato de ser um conjunto de signos. O enunciado da ordem do
sentido; o texto, do domnio da manifestao. O enunciado no manifestado apenas verbalmente, isto quer
dizer que o texto no exclusivamente verbal, pois qualquer conjunto coerente de signos, seja qual for a
expresso (pictrica, gestual e outros).
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ordem das palavras no enunciado, a relao tpico-comentrio, a entoao18
e vrios outros
que s podem ser devidamente explicados em termos de texto ou com referncia a um
contexto situacional (referncia ao contexto usado pelo Bakhtin e seu Crculo).
No terceiro momento, o tratamento dos textos vem no aspecto pragmtico:
primeiro, investiga-se o texto, o contexto e suas condies de produo, recepo e
interpretao de um texto. Assim sendo, a palavra analisada pelo contexto, levando em
conta as ideologias de quem a utiliza e tambm o gnero especfico. O texto pode ser oral ou
escrito com recursos de dois signos lingusticos, que podem ser supridos pela ocasio por
exemplo, um texto de uma s palavra, como Fogo!, que se compreende muito bem o
significado. O texto pode ser concebido como resultado parcial de atividade comunicativa,
que compreende os processos, as operaes e as estratgias que esto na mente e so
colocadas em situaes concretas. Na verdade, o sentido no est no texto, mas se constri a
partir dele, no curso de uma interao. E o texto formado por palavras, frases, oraes e
perodos.
Paladino e Luz et al. (2006, p.3) afirmam que o texto precisa apresentar
textualidade, isto , ser bem estruturado, ter palavras, frases e ideias articuladas entre si.
Palavras relacionando-se com palavras, frases com outras frases, pargrafos com outros
pargrafos. Essa conexo garantida pela coerncia e pela coeso textual19. As autoras
explicam: Numa palavra, elementos lexicais que integram as mesmas reas vocabulares
tendem a gerar fora coesiva quando ocorrem em frases do mesmo texto (PALADINO; LUZ
ET AL., 2006, p. 27). Assim, para a Lingustica Textual (LT), o texto necessita estar coeso e
coerente. Para isso utiliza as palavras, frases e oraes que formem um todo organizado.
Na viso bakhtiniana, porm, preciso ressaltar e a LT compartilha desta ideia
que a palavra que tece o texto determinada tanto pelo fato de que procede de algum como
pelo fato de que se dirige a algum. Nessa relao de autor e leitor, tambm so possveis a
interao e o surgimento de novas significaes de palavras. Nesta perspectiva, a palavra no
passiva e nem reflete ou reproduz novos conceitos, tanto sociais como culturais ou
histricos; pelo contrrio, exprime a conscincia que se tem da prpria palavra.
18
Aqui a entoao foi s citada, mas no captulo dois se dar mais ateno a este termo. 19
Segundo Koch (1997), a coeso um fenmeno que diz respeito ao modo como os elementos lingusticos
presentes na superfcie textual se encontram interligados, por meio de recursos tambm lingusticos, formando
sequncias veiculadoras de sentidos. A coerncia diz respeito ao modo como os elementos subjacentes
superfcie textual vm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configurao veiculadora de sentidos.
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A LT, tambm como a proposta dialgica bakhtiniana, parte do pressuposto de
que a lngua no funciona e nem se d em unidades isoladas, tais como os fonemas, os
morfemas, as palavras ou as frases soltas, mas sim em unidades de sentido chamadas de texto,
pois por meio do texto que ela funciona. De fato, a LT passou de estudar a palavra, frases
soltas, depois a gramtica do texto, para, posteriormente, chegar ao estudo do texto no
contexto. O que seria do texto sem as palavras ideolgicas que trazem um sentido para ele?
Provavelmente, seria uma intercalao de palavras soltas em frases que no teriam nenhum
significado, por exemplo: Eu estou com sede. Essa mesma frase, de uma maneira
desordenada, ficaria assim: Sede estou com eu. Pelo menos para falantes nativos e tambm
no nativos de portugus esse enunciado no faz sentido. No pode ser reconhecido como
texto20
, a no ser que existisse algum cdigo ou dialeto em que as pessoas falassem tudo ao
contrrio.
Agora, mostram-se trechos da crnica Triste Cena21
, de Ceclia Meireles (2001, p.
109-110), objeto de estudo, e faz-se uma anlise como a lingustica textual trataria a palavra
neste gnero:
A cena passa-se na escola, naqueles dias de maro em que se efetua a
matrcula das crianas. Uma senhora de boa aparncia aproxima-se da mesa
da professora e d todas as informaes exigidas para que seu filho possa
frequentar a escola. Depois dessa formalidade, ensaiando um sorriso
expressivo, de quem deseja fazer boas relaes com a professora, faz a
seguinte observao:
- Minha senhora, o meu pequeno muito malcriado. Muito vadio. No gosta
de estudar. No imagina o tormento que passo para o fazer vir escola. Fica
pelo caminho. Perde os livros. J h dois anos que est na mesma classe.
Primeiro, pensamos que era da professora. Ento, mudamo-lo de escola. Mas
na outra foi a mesma coisa. A senhora sabe que ns, as mes, sempre temos
mais pacincia. Mas o pai, que no gosta de graas, prometeu dar cabo do
pequeno, se este ano ele no for para outra classe. Ele um garoto
20
Beaugrande e Dressler (1981), em Introduction to text linguistics, apresentam sete critrios de construo
textual: coeso, coerncia, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade.
A coeso e a coerncia tratam de aspectos formais. Tendo como pressuposto que o texto no aquela pilha de
ideias nem uma interligao de palavras sem sentido, a coeso impede essa ausncia de sentido no texto. A
intencionalidade refere-se aos diversos modos como os sujeitos usam os textos para perseguir e realizar suas
intenes comunicativas. A aceitabilidade trata da concordncia do parceiro em entrar num jogo de atuao
comunicativa e agir de acordo com suas regras, fazendo o possvel para lev-lo a um bom termo. A
informatividade a distribuio da informao no texto e tambm ao grau de previsibilidade/redundncia com
que a informao nele contida veiculada. A situacionalidade remete ao conjunto de fatores que tornam o texto
relevante para uma situao comunicativa em curso ou possvel de ser reconstruda. Por fim, a intertextualidade
compreende as diversas maneiras pelas quais a produo/recepo de um texto depende do conhecimento de
outros textos por parte dos interlocutores. 21
O texto foi deixado no original. No se faz, portanto, nenhuma alterao ao texto de Ceclia Meireles (2001).
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insubordinado. Todos se queixam dele. Por isso, eu lhe queria pedir um
favor...
O texto de Ceclia Meireles (2001) uma crnica, mas, apesar de ela, nesse
caso, retratar uma histria que aconteceu de fato, assemelha-se ao conto, ou a uma narrativa.
O texto muito bem escrito (coeso), de forma clara e sucinta. Qualquer leitor do jornal pode
compreender de que trata o assunto (tem coerncia). Por exemplo: a autora utiliza alguns
elementos, como dessa formalidade, para se referir obrigatoriedade de ir escola; primeiro
e ento para continuar a coerncia no texto. Naquela poca, no havia tantos leitores de
jornais no comeo do sculo XX, poucas pessoas sabiam ler e escrever, as escolas no eram
pblicas, ou seja, s as classes mais altas tinham acesso educao. Deve-se levar em conta a
questo da produo, da circulao e da recepo do jornal. Por conta de sua coluna no jornal
e por ser professora, ela tinha certo domnio sobre o assunto. Esse texto faz referncia aos
ideais da Escola Nova corrente da qual Ceclia Meireles (op. cit.) fazia parte e que defendia
uma transformao na escola em que o aluno fosse o centro da aprendizagem e tem uma
intertextualidade com outras crnicas dela e com outros textos da Escola.
Apesar de ter proposto fazer uma anlise luz da LT, quase impossvel analisar
algo sem trazer tona outras teorias, como a da Anlise do Discurso (a seguir ser
explicitada) e a teoria do dialogismo, pois, para ser compreendido, esse texto dependeu dela
por completo. Se fossem retiradas algumas frases ou sentenas soltas fora do contexto, talvez
a mensagem no fosse transmitida com eficcia. Neste caso, a conversa, o entendimento face
a face com a criana para educ-lo seria a melhor postura a se ter. Enfim, Koch (2002, p. 22)
diz que as palavras e as sentenas no tm sentido em si mesmas, fora de seus contextos de
uso.
Em referncia ao trecho citado por Koch (op.cit.), quando se fala ou se escreve um
enunciado, este tem um comeo e um fim: as palavras do outro e, por seguinte, o enunciado
responsivo do outro. Do mesmo jeito, o texto tem um comeo e um fim: primeiro, o texto do
outro; depois da finalizao, um texto responsivo do outro. Os sujeitos/leitores esto, quase
sempre, internalizando e revozeando esses enunciados. Na outra seo, trata-se da abordagem
da Anlise do Discurso, na qual, em alguns momentos, conferem-se algumas semelhanas
com a LT.
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1.5 A abordagem da Anlise do Discurso
Nesta abordagem, tratamos das duas vises, mesmo que sinteticamente, da
Anlise do Discurso, a Anlise do Discurso Francesa e a Anlise do Discurso Crtica, e de
como essas cincias abordam a palavra. Conforme visto, a palavra, nos dois primeiros tpicos,
era tratada de uma forma mais abstrata, desvinculada de circulao e colocada como um
centro imanente de significados captados pelo olhar e ouvido fixo do outro. Durante o sculo
XIX e XX, os estudos da linguagem tinham na palavra o centro de observao dos fenmenos
lingusticos.
Stella (2005) relata que a gramtica seccionava a palavra e organizava suas partes
em paradigmas de flexo e declinao. Por sua vez, a Filologia descrevia a evoluo
histrico-fontica dos verbetes com a observao de documentos. Naquele mesmo perodo, a
lingustica passava por duas fases de estudo da palavra: uma organizava as lnguas em suas
famlias e respectivas ramificaes de acordo com suas origens, estudando as palavras em
documentos, e a outra, percebendo o funcionamento sistemtico da linguagem, descrevia as
relaes estruturais em vrios nveis a partir da palavra.
A Anlise do Discurso22
(AD) preencheu a necessidade indispensvel de uma
teoria que visse o texto de uma maneira mais ampla, trabalhando a opacidade dele e vendo
nela a presena do poltico, do simblico, do ideolgico e o prprio funcionamento da
linguagem. Ela se apresenta como objeto de reflexo e com uma teoria de interpretao de
sentido forte. Na Anlise do Discurso, a interpretao fonte de sentido. O indivduo
sujeito da interpretao e exposto interpretao de outro, de modo que, para que as palavras
apresentem sentido, preciso que elas estejam num espao de interao. O sentido
determinado pela histria e pela ideologia, ou seja, todos os sujeitos so afetados pela histria,
pela ideologia e pelo inconsciente. Entretanto, a palavra discurso tinha sido utilizada na
antiguidade por Aristteles e com significado equivalente palavra. As palavras podem
mudar de sentido segundo as posies determinadas por aqueles que as empregam.
Maingueneau (1997) mostra que as palavras do discurso possuem uma funo
ao mesmo tempo interativa (estruturao das relaes entre interlocutores) e argumentativa
22
Com o contexto desestruturado e afetado por duas rupturas, a Anlise do Discurso Francesa surge nos anos 60.
A anlise do discurso no visa entender o que o texto quer dizer isso seria anlise de contedo- e sim como o texto realmente funciona. Orlandi (2001) retrata que os trabalhos de Althusser, de Lacan, de Foucault e de
Barthes reforaram o status da anlise do discurso como disciplina.
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(estruturao de enunciados destinados a influenciar terceiros). Esses tipos de palavras so as
da primeira fase da AD que estavam polarizadas sobre lexemas de contedo ideolgico
imediato. O autor aborda a palavra-piv ou termo-piv como era tratada no comeo da AD. A
sua funo consistia em cristalizar a maioria das redes de sentidos de um universo textual. Ele
diz que uma unidade s definida como tal atravs de uma grade explcita de anlise de
vocabulrio que leva em conta, a um s tempo, o funcionamento da formao discursiva e o
valor da unidade em lngua (MAINGUENEAU, 1997, p. 151).
Tomando a perspectiva assumida por Pcheux em sua Teoria do Discurso,
observa-se que se aproxima bastante da concepo dialgica de discurso postulada por
Bakhtin. Alm do mais, Borges e Jesus (2010) focam que o conceito bakhtiniano se aproxima
tambm de toda a produo terica sobre o discurso que lhe seguiu e que o toma como objeto
de estudo. Entretanto, deve-se considerar que, nesses trabalhos, concebe-se, diferentemente da
abordagem bakhtiniana, uma perspectiva no subjetiva da enunciao, em que o sujeito no
o centro do discurso por ter sido descentrado tanto pela interpelao ideolgica (j afetado
por uma formao ideolgica) como pelo fato de ser um sujeito dotado de inconsciente, isto ,
um sujeito interpelado ideologicamente e pensa que o dono de suas palavras. Assim, o
sentido em si mesmo no existe, pela AD, e seria determinado pelas posies ideolgicas
colocadas no jogo da conversao em um processo scio-histrico em que as palavras so
produzidas.
Robin (1973) cita um artigo coletivo de Ch. Haroche, P. Henry e M. Pcheux em
que as palavras mudam de sentido dependendo do sujeito que as emprega. Cada verbete tem o
seu lugar e o seu sentido, concluindo que as palavras mudam de sentido ao passarem de uma
formao discursiva para outra. A partir desse pressuposto, pode-se inferir que as palavras no
so analisadas somente em funo das combinaes e das construes nas quais so
empregadas.
Semelhante ao enfoque bakhtiniano, a AD leva em conta o homem e a lngua em
suas concretudes, no como sistemas abstratos. Ela busca apreender como a ideologia se
materializa no discurso e como o discurso se materializa na lngua, de modo a entender como
o sujeito, atravessado pela ideologia de seu tempo, de seu lugar social, lana mo da lngua
para se significar. Nessa perspectiva discursiva, as palavras falam com outras palavras. Toda
palavra faz parte do discurso. Desse modo, um texto, ou discurso pleno, uma instncia de
um processo discursivo do qual fazem parte memrias discursivas e condies de produo.
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Robin (1973) explica que as palavras so um ndice do comportamento poltico, ou seja, que o
estatuto da palavra no discurso muito complexo. No se podem estudar as palavras soltas, e
sim dentro de um texto/contexto. A autora esclarece que no so as palavras que implicam um
modelo ideolgico, e sim a repartio delas no texto. Como resultado, seria uma iluso
estudar e analisar a palavra fora do seu contexto.
Maingueneau (1997) diz que necessrio no reproduzir o erro que cometem as
anlises lexicais fora de contexto. No discurso, no s a palavra que importa, mas a maneira
como explorada; da mesma forma, em um debate, um tema no poderia ser separado do
modo como esse debate tecido. Neste sentido, h um paralelo com a teoria bakhtiniana, que
considera a produo histrica e sociocultural em que o discurso foi produzido, os sujeitos,
o momento especfico e outros. Assim como, na fase inicial da AD, os tericos atriburam um
interesse s palavras, agora tambm no preciso esquec-las por completo.
A concepo bakhtiniana est assentada no princpio de que toda palavra
dialgica por natureza, porque pressupe sempre o outro, mas o outro ainda o outro discurso
ou os outros discursos que atravessam toda fala numa relao interdiscursiva, alm da
influncia da ideologia, segundo a qual a linguagem usada de maneira ideolgica. Com isso,
a palavra est sempre carregada de um contedo ou de um sentido ideolgico, dialgico ou
vivencial.
No primeiro momento deste tpico, tentou-se mostrar a concepo da abordagem
da Anlise do Discurso Francesa, relacionando-a com a viso dialgica da palavra. A seguir,
expe-se acerca de uma outra perspectiva discursiva de como tratar a palavra: a Anlise do
Discurso Crtica.
Conforme o Dicionrio de Linguagem e Lingustica (2004), a Anlise do Discurso
Crtica23
(ADC) analisa os textos em seu contexto social. Examina o texto de um ponto
estrutural, o vocabulrio e as construes s quais ele emprega os mecanismos lingusticos
que usa para ligar uma parte outra. Tomando o texto/crnica de Ceclia Meireles (2001),
Triste Cena, citado na seo anterior para falar da LT, pode-se utiliz-lo para fazer uma
23
Para Chouliaraki (2005), a ADC prope, com um dos seus membros e fundadores, Norman Fairclough, um
corpo terico da linguagem na modernidade que, alimentada na cincia social crtica, apresenta um foco mais
especfico nos modos como a linguagem figura na vida social, e um conjunto de mtodos para a anlise
lingustica de dados empricos, entendendo o texto em sentido amplo: escrito, oral, visual etc.
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anlise do discurso24
. Como seria essa anlise? Enfim, antes de tudo, deve-se questionar: Por
que o texto foi escrito? A quem era dirigido e por qu? O escritor ou orador tm objetivos
ocultos e, nesse caso, quais so esses objetivos? Que assunes no declaradas e que vieses
subjazem ao texto? (TRASK, 2004, p.31). Somente com essas questes respondidas se pode
partir para uma anlise verdadeiramente discursiva.
Fairclough (2001), principal terico da ADC, explana que essa abordagem possui
um carter transdisciplinar. Ela no apenas se utiliza de conhecimentos de outras reas, mas
tambm produz conhecimento a partir dessa interdisciplinaridade. Assim, a Anlise Crtica do
Discurso produz teorias prprias, que sintetizam outras teorias na mediao entre o social e o
lingustico (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Essa cincia se baseia em alguns
pressupostos, como o do Marxismo Ocidental, a concepo de discurso de Michel Foucault e
da ideia de linguagem e a palavra ideolgica de Mikhail Bakhtin. Outros conceitos deste autor
tambm influenciaram a ADC, como a viso do dialogismo e a questo dos gneros, pois
qualquer texto deve seguir um molde estabelecido culturalmente, mesmo que surjam novos
gneros a partir das mudanas que ocorrem com o tempo.
Por outro lado, nos trabalhos de Bakhtin e seu crculo, no apenas a palavra, mas a
linguagem, de forma geral, concebida e tratada de outra forma, levando-se em conta sua
histria aqui se assemelha AD , sua historicidade, especialmente a linguagem em uso.
Isso quer dizer que a palavra se reposiciona em relao s concepes tradicionais, passando a
ser encarada como um elemento concreto e ideolgico. Todo discurso por meio das palavras
possui um carter dialgico. Volochnov25
(1926), no texto Discurso na vida e discurso na
arte, mostra que a palavra aparece relacionada vida, arte, como parte de um processo de
interao entre um falante e um interlocutor, concentrando em si as entoaes do falante,
entendidas e socialmente partilhadas pelo interlocutor. A seguir, trataremos da abordage