PAISAGENS CULTURAIS DA REGIÃO DE LIMEIRA - SP: CONSEQÜÊNCIAS DA PRÉ-
INDUSTRIALIZAÇÃO DAS FAZENDAS DE CAFÉ?
Juliana Binotti Pereira Scariato [email protected]
Paisagens culturais da região de Limeira – SP:
conseqüências da pré-industrialização das fazendas de café?
Resumo
O presente artigo aborda algumas considerações sobre o patrimônio cultural de três fazendas
históricas, localizadas na região de Limeira – SP, formadas a partir do século XIX, e procura
apresentá-las como um campo de estudos para a preservação de suas paisagens culturais. O
estudo desta arquitetura rural busca fazer uma reflexão sobre a ordenação territorial destas
propriedades com o intuito de reconhecer a importância das transformações agrárias ocorridas
nessas terras, que proporcionaram o desenvolvimento do processo de industrialização e
fomentaram o crescimento das próprias cidades onde estão inseridas. O resgate da história para
compreender a valorização de suas paisagens foi fundamental para contextualizar o
empreendimento agroindustrial que resultou em cenários que começam a ser revalorizados
através da apropriação do turismo rural como instrumento para o “re”-conhecimento dessas
paisagens culturais.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural, Paisagem Cultural, Ordenação Territorial, Industrialização,
Agroindústria.
Introdução
Seriam as fazendas históricas responsáveis pelo processo de industrialização da região de
Limeira – SP? Para tanto procurou-se compreender como ocorreu o processo de industrialização
no contexto nacional, iniciado a partir do período colonial até meados do século XX, e que teve
seu auge nesta região durante o período cafeeiro.
As fazendas históricas apresentadas possuem grande parte de seu patrimônio edificado no
período do café, ainda hoje, remanescente em seu território. As fazendas Ibicaba (Cordeirópolis –
SP), Santa Gertrudes (Santa Gertrudes – SP) e Quilombo (Limeira – SP) pertencem à um
conjunto de fazendas históricas que procuram fomentar o desenvolvimento do turismo rural em
suas propriedades, apresentando suas histórias que contribuíram para a formação e crescimento
de outras cidades da região.
A importância do reconhecimento desse vasto conjunto patrimonial faz compreender a importância
da própria história industrial da região, que iniciou-se com a criação de máquinas para o beneficio
do café, e pela utilização de motores à vapor para movimentar estas máquinas. Grande parte
desta industrialização deve-se ao processo imigratório que foi iniciado pelo pioneirismo do
Senador Vergueiro, na Fazenda Ibicaba.
Processo evolutivo da indústria brasileira
O processo evolutivo da indústria no Brasil percorreu um período de grande lentidão no início de
seu desenvolvimento, num período basicamente agrícola, tardou a apresentar um surgimento
mais efetivo em sua formação. Apesar das dificuldades iniciais, o Brasil possuía grande parte das
“pequenas indústrias” internas ao núcleo agrícola das fazendas, que baseava-se quase que
exclusivamente pela produção e manufatura de produtos de consumo primários.
O desenvolvimento industrial foi insignificante até a década de 1920, com exceção para a
industrialização do açúcar, que fez do país um dos maiores produtores no século XVII
(CHIOCHETTA et al, 2004). Durante o período colonial a industrialização não fora prioridade. O
Brasil não passava de mero “escravo”, onde somente as atividades de extrativismo tinham
importância, com a exploração do pau-brasil, açúcar e a mineração de ouro e diamantes.
Durante esse período as atividades produtivas desenvolvidas não podiam competir nem prejudicar
os interesses comerciais da Coroa Portuguesa devido às regras da política mercantilista. O
governo português, em meados do século XVIII chega a proibir o funcionamento de fábricas na
colônia brasileira. Os primeiros esforços importantes para a industrialização, somente acontecerão
na época do Império1. No século XIX e início do XX, as indústrias brasileiras ainda eram muito
incipientes, não passando de pequenas oficinas, marcenarias, tecelagens, serrarias, moinhos de
trigo, de fábricas de bebida entre outras.
Neste período, o país importava bens de produção, matérias-primas, máquinas e equipamentos e
ainda grande parte dos bens de consumo.
Com o crescimento da produção cafeeira em meados do século XIX, e a consequente
comercialização do café como um dos principais produtos de exportação, o país desencadeia
definitivamente um processo de crescimento da industrialização, que será um marco para as
novas indústrias que sucederão, e será fonte geradora de recursos para financiar novos
empreendimentos no Brasil.
Somente com a queda da Bolsa de Nova York em 1929, e a crise na agroindústria do café, que
era responsável por 71% das exportações no país2, é que a política econômica vai assumir um
caráter mais nacionalista e industrialista e que irá modificar definitivamente a economia do país.
A primeira experiência de industrialização no país ocorreu somente na década de 1950, com o
impulso do governo. Este primeiro período teve o crescimento de sua produção baseada, quase
que exclusivamente, à produção do setor agrícola-exportador (SUZIGAN, 1988, p.6). A partir daí o
setor industrial passa a ter importância econômica.
Indústria em Limeira
Na região de Limeira, as fazendas de café tiveram grande importância no desenvolvimento de
indústrias que surgiram para produzir máquinas para o beneficiamento da rubiácea.
Na história da indústria limeirense, em documento histórico intitulado “Suplemento Histórico”, da
Gazeta de Limeira, de setembro de 19803, a fazenda Ibicaba aparece como pioneira no ramo
industrial, destacando-se por suas oficinas que produziam grande parte dos suprimentos
necessários para a subsistência da fazenda.
As oficinas da Fazenda Ibicaba, por volta de 1850, fabricavam carroças, arados e instrumentos
agrícolas para uso próprio, chegando também a fornecer alguns equipamentos para outros
fazendeiros. O próprio Senador Vergueiro idealizou e mandou construir em suas oficinas uma
máquina descascadora de café, que veio contribuir para o processamento dos grãos de forma
mais efetiva. Ibicaba também foi fornecedora de instrumentos para os soldados brasileiros durante
a Guerra do Paraguai. Estas referências comprovam o registro das primeiras atividades industriais
ocorridas em Limeira.
1 CHIOCHETTA, João C. HATAKEYAMA, Kazuo e LEITE, Magda L. G. Evolução histórica da indústria brasileira: desafios, oportunidades e formas de gestão. Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia. Brasília, set.2004.2 Ibidem.3 Gazeta de Limeira. Suplemento histórico: Limeira 1826-1980. Limeira: Gazeta de Limeira, set.1980. p.41.
O primeiro período da indústria limeirense está relacionado à fundação da Fábrica de Chapéus
Prada (1907), as empresas da família Levy (1912) que fabricavam fósforos, pregos e caixas além
de serraria própria, e ainda a criação da Machina São Paulo, em 1914, por Trajano de Barros
Camargo, que impulsionou o surgimento de muitas outras fábricas no município.
A indústria Machina São Paulo desenvolveu e fabricou as primeiras máquinas de classificadores
de café. De ímpeto criador, Dr. Trajano inventa um novo processo de descascar café, que por sua
eficiência e simplicidade ganhou o prêmio máximo na Exposição Internacional do Centenário em
19224. A partir deste advento, a Machina São Paulo amplia-se rapidamente, sendo esta indústria
considerada o marco do desenvolvimento industrial de Limeira5. Muitos de seus empregados após
a década de 1930, foram deixando a empresa e iniciando pequenas fábricas e oficinas que
tornaram-se posteriormente grandes empresas.
Fazendas históricas da região de Limeira - SP
Em recente pesquisa, Scariato (2009) identificou sete fazendas históricas (Fazendas Ibicaba,
Santa Gertrudes, Morro Azul, Quilombo, Itapema, Citra-Dierberger e Tatu) localizadas na região
de Limeira-SP, onde foram descritas paisagens culturais que marcam o reconhecimento de um
conjunto patrimonial remanescente do século XIX, na região de Limeira-SP. Com a formação das
fazendas, e o consequente crescimento na produção de café, estas tornaram-se importantes para
a economia local e também para a do estado de São Paulo.
Das fazendas históricas pesquisadas, as fazendas Ibicaba, Santa Gertrudes e Quilombo
apresentam um conjunto arquitetônico do período cafeeiro de grande importância para o
reconhecimento dos marcos patrimoniais que fazem parte da história da agroindústria da região.
As intensas modificações ocorridas no ambiente rural, são constante preocupação com a
preservação das importantes construções ainda presentes no território destas fazendas históricas,
principalmente nas últimas décadas, com a substituição das antigas lavouras de café e laranja,
pela monocultura da cana-de-açúcar para a produção de álcool etanol.
O conjunto arquitetônico rural, que Argollo Ferrão (2004) define como “arquitetura rural”, passa
atualmente por processo de transformação para se auto-sustentar em um “novo” cenário, não
mais simplesmente agrário, de re-valorização de todo o seu patrimônio, com a visão do turismo
cultural, no sentido de preservar paisagens que ainda hoje possuem o mesmo caráter do início de
sua formação.
4 Gazeta de Limeira. Suplemento histórico: Limeira 1826-1980. Limeira: Gazeta de Limeira, set.1980. p.40.5 Ibidem. p.41.
A Fazenda Ibicaba
No período de 1820 a 1850, as fazendas iniciam a formação de suas lavouras para a produção de
café, substituindo o plantio anterior da cana-de-açúcar dos antigos engenhos. A Fazenda Ibicaba,
antes de ser grande produtora de café, foi formada para o cultivo da cana e a produção de açúcar,
que no período colonial foi um dos principais produtos de exportação do Brasil. O Engenho do
Ibicaba foi um importante produtor de açúcar, entre final do século XVIII e início do XIX.
A formação da Fazenda Ibicaba como produtora de café, a partir da década de 1820-1830, foi
marcada também pela substituição do trabalho escravo pelo imigrante europeu, através de uma
iniciativa pioneira, onde seu proprietário o Senador Vergueiro, proporcionou a vinda de imigrantes
europeus para trabalhar no cultivo das lavouras de café.
A proibição do tráfego negreiro no Brasil, a partir de 1850 e o alto custo da mão-de-obra escrava,
inviabilizava a comercialização do café. Por este motivo, a vinda de imigrantes contribuiu com
para com o sucesso na produção do cafeeiro, proporcionando a contratação de um outro tipo de
mão-de-obra, não somente a escrava, pois agora dependia de uma quantidade muito maior de
pessoas para que o cultivo da rubiácea fosse eficaz.
Assim, ocorreu nas propriedades uma transformação no ambiente físico, uma vez que as senzalas
foram sendo paulatinamente substituídas pela construção de colônias para a moradia dos
imigrantes europeus, desenvolvendo uma nova ordenação no território.
Os imigrantes foram também responsáveis pela introdução de equipamentos agrícolas – como o
arado utilizado pela primeira vez na fazenda Ibicaba6 – que contribuíram com o desenvolvimento
de muitos procedimentos agroindustriais realizados no ambiente das fazendas.
Figura 1 – Trabalhadores no terreno de café no Ibicaba Figura 2 – Colônia VergueiroFonte: HEFLINGER, 2007. p.67 Fonte: FORJAZ, 1924. p.25
6 BUSCH, Reynaldo Kuntz. História de Limeira. 3ª. Ed. Limeira-SP, Sociedade Pró-Memória de Limeira: Unigráfica, 2007. 402p.
Durante um certo período, ainda podia-se encontrar a presença de escravos e colonos imigrantes
vivendo e trabalhando no mesmo local. A Fazenda Ibicaba foi partícipe deste processo como
podemos observar em fotos de época, como na Figura 1.
Fazenda Ibicaba, a mais antiga delas, possui remanescentes arquitetônicos de várias épocas.
Entre os imóveis mais antigos presentes na área produtiva da fazenda encontramos as tulhas
localizadas defronte aos terreiros, além dos edifícios de casa de máquinas e as oficinas. A casa-
sede não é a original, a existente hoje foi construída na década de 1850-1860, tendo sido
demolida a primeira. Do antigo engenho nada sobrou.
A maioria das construções destinada à produção de café encontra-se próxima aos terreiros e
ainda hoje pode ser identificada no território da fazenda. Os terreiros remanescentes já não
possuem sua função original, sendo alguns deles transformados em “campinhos de futebol” e
áreas de lazer. Embora modificados, ainda podem ser reconhecidos no “desenho” do processo
produtivo como elemento centralizador do espaço de produção da antiga cultura cafeeira.
Uma das primeiras colônias, a Colônia Vergueiro (Figura 2) – a maior e mais importante delas –
foi destruída após o arrendamento da terra para o plantio da cana-de-açúcar para as usinas de
álcool, na segunda metade do século XX. Encontram-se ainda alguns poucos remanescentes de
outras colônias presentes no território.
A Fazenda Ibicaba conserva muitos registros da época do café, estando sua paisagem muito bem
preservada. Embora as construções do antigo engenho e muitas colônias tenham sido demolidas,
outras que edificadas para o processo produtivo do café ainda podem ser encontradas na área da
fazenda e identificam cenários de tempos passados através das lentes do presente. A paisagem
cultural torna-se compreensível sobre o contexto agroindustrial que pouco mudou ao longo dos
últimos cinqüenta anos.
Figura 3 – Casa de máquinas vista a partir do terreiro Figura 4 – Vista da casa de máquinas à direitaFonte: SCARIATO, 2006 Fonte: HEFLINGER, 2005. p.105
Figura 5 – Antiga casa-sede da Fazenda Ibicaba Figura 6 – Atual casa-sede da FazendaFonte: HEFLINGER, 2005. p.87 Fonte: HEFLINGER, 2005. p.102
Figura 7 – Vista do terreiro da Fazenda Ibicaba Figura 8 – Vista do terreiro com sede ao fundoFonte: HEFLINGER, 2005. p.107 Fonte: SCARIATO, 2006
A Fazenda Santa Gertrudes
A Fazenda Santa Gertrudes foi constituída em 1854, quando Ibicaba já era uma das principais
produtoras de café da região de Limeira. Santa Gertrudes também possui muitas construções
remanescentes do período do café extremamente preservados em sem território.
Assim como Ibicaba, a Fazenda Santa Gertrudes também tem nos terreiros o papel centralizador
na organização do espaço para o complexo produtivo de benefício do café. A partir dos terreiros,
todas as funções, desenvolvidas para o processo de preparo do café e comercialização, são
realizadas ao seu redor. A casa-sede, as tulhas, a casa de máquinas e as oficinas além de outras
edificações destinadas a atividades sociais e culturais, como a igreja e o cinema também estão
localizados no entorno dos terreiros.
A implantação da fazenda, segundo Rocha (2008), provavelmente pode ter sido elaborada através
de algum manual, como o proposto por Laborie. O trabalho de Laborie serviu de base para muitos
fazendeiros no século XIX, onde eram apresentadas muitas informações necessárias à produção
e beneficiamento do café.
A fazenda receberia inúmeras benfeitorias, a partir de 1895, sob a administração de seu
proprietário na época, Eduardo da Silva Prates, o Conde Prates, que iria incorporar muitos
hectares de terras, que quase dobram de tamanho a área da fazenda, proporcionando grande
desenvolvimento, mesmo durante os períodos de crise que prejudicaram muitos outros
cafeicultores.
A Fazenda Santa Gertrudes possui um patrimônio histórico-arquitetônico muito bem preservado. A
grande maioria das construções utilizadas no processo produtivo de beneficio do café ainda
podem ser vistas em perfeito estado de conservação. Assim como a Fazenda Ibicaba, Santa
Gertrudes também utiliza suas instalações remanescentes para atividades culturais, sociais e
turísticas que atualmente proporcionam a sustentabilidade do patrimônio edificado, tendo suas
paisagens culturais reconhecidas até por emissoras de televisão para filmagens de novelas de
época.
Figura 9 – Tulha Figura 10 – Vista das oficinasFonte: SCARIATO, 2006 Fonte: SCARIATO, 2006
Figura 11 – Terreiro com vista para a colônia Figura 12 – Terreiro com vista para o cinemaFonte: SCARIATO, 2006 Fonte: SCARIATO, 2006
Figura 13 – Terreiro (século XIX) Figura 14 – Terreiro com vista para a sedeFonte: Disponível em: Fonte: Disponível em:<www.fazendasantagertrudes.com.br> <www.fazendasantagertrudes.com.br>
A Fazenda Quilombo
A Fazenda Quilombo foi formada em 1870, a partir do desmembramento de parte das terras da,
também histórica, Fazenda Morro Azul. Neste período a fazenda inicia o plantio de café, que na
ocasião era um dos produtos mais lucrativos de atividade agrícola, sendo a sua comercialização
uma grande oportunidade para obtenção de lucros.
Posteriormente, com a crise do café, a fazenda diversifica a sua produção com o cultivo de outros
produtos, como a laranja.
A Fazenda Quilombo, assim como as fazendas Ibicaba e Santa Gertrudes, também possui grande
parte dos antigos edifícios destinados a produção de café preservados em seu território. Seu
patrimônio arquitetônico remanescente, também apresenta os terreiros como o elemento
centralizador e organizador do espaço agroindustrial. Ao redor dele encontram-se as construções
destinadas ao processo produtivo de benefício do café, sendo o terreiro, novamente, o
responsável pela ordenação do espaço de produção.
A casa-sede, assim como o conjunto composto pelos edifícios destinados a produção (terreiros, ,
tulha, casa de máquinas e paiol), foi construída anos depois da constituição da fazenda, em 1892.
Estes edifícios formam um conjunto patrimonial que preserva parte de seus antigos cenários
históricos, ainda que parte de suas construções tenha sido demolida.
Na Quilombo, ao contrário das outras fazendas, seus proprietários ainda residem em sua sede. E
como nas outras, a Fazenda Quilombo também utiliza parte de suas instalações para promover
ações de cultura, educação e turismo, como forma de sustentabilidade do patrimônio edificado.
Figura 15 – Casa-sede da Fazenda Quilombo Figura 16 – Terreiro, com vista para o portal de entradaFonte: SCARIATO, 2009 Fonte: SCARIATO, 2006
Figura 17 – Vista das instalações da fazenda Figura 18 – Vista dos fundos do antigo paiol.Fonte: Acervo da família Araújo Ribeiro. Fonte: Acervo da família Araújo Ribeiro.
Figura 19 – Terreiro com vista para a sede à direita. Figura 20 – Vista do antigo paiol reformado.Fonte: SCARIATO, 2009. Fonte: SCARIATO, 2009.
Reconhecimento das paisagens culturais das fazendas de café
As paisagens rurais, formadas pelos cenários dessas fazendas históricas são de grande
importância para o reconhecimento da cultura nesta porção territorial. A conceituação das
paisagens culturais perpetua sobre o território das fazendas através da interrelação da paisagem
natural com as edificações formadas ao longo da história, que formam o complexo arquitetônico
remanescente do período áureo do café, o qual é facilmente identificado no território das
fazendas.
Este “re”-conhecimento faz parte de uma nova proposta para o setor econômico dessas
propriedades, que vêem na atividade turística a finalidade de desenvolver ações que visem a
sustentabilidade das propriedades patrimoniais, através da compreensão do processo agrícola de
produção formado pelas paisagens culturais apresentadas sobre a leitura de seu patrimônio
edificado.
Neste sentido a caracterização destas paisagens proporcionou reconhecer o processo de
“industrialização” do café, através dos marcos ainda presentes no território das fazendas, onde
cada edifício possuía uma função especifica durante o processo de beneficiamento do grão de
café até sua exportação. Uma das importâncias deste reconhecimento deve-se principalmente à
identificação de um “desenho” do processo produtivo no espaço edificado das propriedades que
apresentou um padrão no planejamento do espaço físico.
A este “padrão” entende-se a organização do processo agroindustrial do espaço edificado das
propriedades, onde o terreiro passa a ser o elemento centralizador e organizador do processo,
com as atividades de benefício ocorrendo ao seu redor, sempre sob o “olhar” do fazendeiro.
Segundo Scariato (2009), a partir da sede da fazenda, era possível “controlar a propriedade toda,
o trabalho na terra, a lavagem do grão e seu beneficiamento, enfim todo o processo produtivo, e
ainda avistar ao longe a imensidão da paisagem”.
Carrilho (2006) ao citar a obra de Laborie, fala sobre o cuidado que os fazendeiros deveriam ter
para situar de forma adequada as plantações, e que para a residência do proprietário era
desejável “garantir o domínio visual das instalações, evidenciando o propósito do controle do
conjunto das atividades”.
A identificação destas paisagens culturais através da inventariação do processo produtivo,
também conhecido como “arquitetura industrial”, forneceu requisitos importantes para a
interpretação das relações de trabalho e dos processos de produção desenvolvidos no ambiente
rural destas fazendas.
A necessidade de compreender o conjunto das atividades que formam esse processo de
produção desenvolvido nas fazendas, proporcionou também identificar o arranjo produtivo das
atividades agrárias de cada unidade. O que pode-se constatar foi a identificação de um “desenho”
arquitetônico, formado por um pioneirismo no “auto de se projetar” a implantação das construções
nas áreas destinadas da fazenda, onde o terreiro passa a ser elemento ordenador do espaço, e
consequentemente organizador de todo o processo de produção.
A iniciativa de ordenar o processo de produção a partir do terreiro, talvez tenha ocorrido,
principalmente, em função de que este era o ponto de partida para o “start” no processo de
beneficiamento do café a partir da secagem dos grãos nos terreiros. E isto permitiria o controle de
toda a produção, pois no momento em que o café colhido entrava na área dos terreiros dava-se
início o processo de secagem, para posterior industrialização do produto. Daí a necessidade que o
fazendeiro tinha em observar todos os edifícios do processo, de modo a obter o controle de todas
as etapas de produção, exercendo um completo domínio sobre o cenário apresentado.
Neste sentido, o desenho apresentado por Carrilho (2006) na Figura 21, mostra que a implantação
da fazenda seguia uma padronização, tendo o terreiro como elemento centralizador do espaço
produtivo, exercendo a função de organizador de todo o processo de produção que viria a
desenvolver o circuito de beneficiamento do cafeeiro. Este desenho pode ser identificado também
nas três fazendas da região de Limeira, com os terreiros ao centro, estando os outros edifícios no
seu entorno.
Figura 21 – Planta do estabelecimento de Mr. B. In: LABORIE, P.J. O Fazendeiro de Café na Ilha de S. Domingos (VELLOSO, 1799).
Fonte: CARRILHO, Marcos J. Fazendas de café oitocentistas no Vale do Paraíba. Anais do Museu Paulista. vol.14, n. 001. São Paulo: Museu Paulista, jun. 2006. p.62.
Na identificação das propriedades estudadas, pode-se constar através das representações
artísticas das implantações das fazendas, apresentadas nas Figuras 22, 23 e 24, que o terreiro
realmente apresentava uma forte influência sobre a organização do espaço produtivo. Ao seu
redor desenvolviam-se todas as atividades inerentes ao processo de cultivo e beneficiamento da
rubiácea, de forma que o controle sobre a produção tornava-se mais eficaz à medida que o
fazendeiro detinha o domínio sobre seu bem maior, que era o café.
A implantação da fazenda Ibicaba, observada na Figura 22, tem os terreiros como elementos
centralizadores do processo produtivo, onde ao seu redor acontecia a ordenação espacial de
todos os outros edifícios utilizados na agroindústria cafeeira. Devido à localização topográfica da
sede, e também pela presença de uma torre de relógio, que funcionava como mirante, era
possível avistar as lavouras de café em toda a sua extensão.
Na Fazenda Santa Gertrudes esta organização espacial também é facilmente reconhecida, como
pode ser observada na Figura 23. A casa-sede da Santa Gertrudes era ligada em linha reta à
igreja, separando desta forma os terreiros em duas porções iguais, estando de um lado os
edifícios destinados ao beneficio do café (tulhas e casa de máquinas) e às oficinas, e de outro aos
edifícios destinados ao lazer e à moradia de parte dos colonos.
Figura 22 – Implantação da Fazenda IbicabaFonte: SCARIATO, 2009. p.162
Em Santa Gertrudes, outras construções destinadas às atividades de subsistência da fazenda
ficavam um pouco afastadas da sede, além de grupos de colônias que encontravam-se
espalhadas por outras áreas da fazenda mais próximas às plantações.
O que pode-se observar nas figuras apresentadas, é como a plantação de cana-de-açúcar
encontra-se hoje muito próxima ao núcleo agroindustrial destas fazendas, motivo pelo qual existe
muita preocupação com a preservação desses conjuntos arquitetônicos que são reconhecidos
como de grande importância histórica e cultural para as comunidades locais e também para a
história da industrialização do próprio estado de São Paulo.
Figura 23 – Implantação da Fazenda Santa GertrudesFonte: SCARIATO, 2009. p.169
Na implantação da fazenda Quilombo (Figura 24), também podem ser observados os terreiros
como ordenador do espaço agroindustrial, estando ao seu redor todas as outras construções do
processo.
Figura 24 – Implantação da Fazenda QuilomboFonte: SCARIATO, 2009. p.175
A fazenda Quilombo é a única das fazendas estudadas que ainda produz e comercializa café,
como pode ser observado na imagem apresentada. Alguns dos edifícios localizados ao redor do
terreiro foram demolidos, outros ainda podem ser vistos na área. Das antigas colônias muitas já
não existem mais, e hoje podem ser vistas algumas poucas casas presentes no território.
Outras intervenções também podem ser observadas na propriedade, uma vez que parte do
terreiro foi inutilizada para a construção da casa do antigo administrador e que hoje é moradia de
membros da família proprietária.
Conclusão
Conforme apresentado, as três fazendas de café localizadas na região de Limeira-SP possuem
um valor histórico e cultural que vem sendo reconhecido como de importância para os municípios
locais, embora que ainda muito lentamente pelos poderes públicos.
O avanço tecnológico da atividade agrícola vem tomando cada vez mais espaço nas áreas das
fazendas, ocasionando em algumas vezes, prejuízo ao patrimônio edificado da propriedade.
Das fazendas estudadas, pode-se identificar a importância destas no processo de reconhecimento
de seu potencial histórico, aonde o turismo vem ganhando novos adeptos, com o intuito de
divulgar a importância da preservação para a história das comunidades.
A industrialização iniciada com o processo de produção do café ao longo da história, vem reforçar
a importância no reconhecimento dos processos produtivos que ocasionaram a formação e
desenvolvimento das primeiras indústrias na região.
O processo agroindustrial fomentou o surgimento de indústrias que foram criadas para produzir
máquinas especializadas para contribuir com o beneficiamento do café, tornando o município de
Limeira, não somente pioneiro no processo de substituição da mão-de-obra escrava pelo do braço
livre do imigrante europeu, como também proporcionou as primeiras iniciativas de industrialização
da produção.
Portanto, pode-se concluir que a pré-industrialização do processo produtivo das pequenas
indústrias, proporcionou a industrialização da produção do café, sendo responsável nesta região,
pelo reconhecimento das fazendas como paisagens culturais, que merecem ser preservadas pelo
pioneirismo do desenvolvimento das indústrias locais, principalmente na cidade de Limeira.
Referências Bibliográficas
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Limeira: Unigráfica, 2007. 402p.
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