Download - Poemas de vários autores
Cuido
Avisto ao longe o lânguido Mondego
Olho as serras distantes ao luar
E sinto ânsias de nele repousar
Envolvido no aroma do sossego.
Vejo Coimbra, princesa de horizontes,
Onde pairam enleios e harmonias
De rainhas e antigas fantasias
Dispersas pelos vales, pelos montes.
Dom Pedro vive ainda em seu desejo,
No meu amor enorme, amor sem lei,
Que ainda enleia as almas como um beijo.
E eu a pensar na lenda desse rei,
E no cortejo que após ele vejo,
Cuido um instante que também amei...
Dinis da Luz, Ponta da Madrugada,
Antologia Poética
Cavador Amigo cavador, fica por mim.
Vivo ao pé de ti, e com amor
Aprendi a lição do teu suor...
Como te hei de mentir se te amo assim.
Se alguma vez te for buscar à aldeia
A tentação ruim das capitais,
Olha para a tua enxada... e nunca mais
Te prenderá o canto da sereia.
E ora um pouco sobre a terra fria
Que oculta as cinzas brancas dos avós.
Tu hás de ouvir lá dentro a mesma voz
Que o teu bom pai ouviste na agonia.
Lê pelo campo o poema de valor
Que escreveram, heróis, a breves traços
Com a pena sagrada de seus braços,
Sem outra tinta mais que o seu suor.
Dinis da Luz, Ponta da Madrugada, Antologia Poética (poema dedicado a seu pai)
Antologia Poética
Férias da Páscoa
Férias da Páscoa, que bom!
Para poder descansar
Pegar na Bicicleta
Dar passeios, viajar
Dormir em casa da avó
Prolongar mais o serão
Ir à praia ou à montanha
Acompanhada pelo cão
Jogar no computador
Comer doces com fartura
Encontrar-se com os amigos
E NÃO ESQUECER A LEITURA.
Isabel Lamas, O Livro da Páscoa
Cuidadinho!
Sabem o que aconteceu
à Maria Jesus?
Caiu-lhe o ovo das mãos
Lá se partiu, catrapus
«Olha o que fizeste!»
Diz-lhe a Galinha a sorrir
«Para a outra vez tem cautela
E não o deixes cair!»
«Desculpa Galinha amiga»
Diz-lhe a menina a chorar
«Fui muito tonta, pateta
Não me podes desculpar?»
«Sempre que agarrares num ovo
Deves ter mais cuidadinho
Deste já não nasce nada
É menos um pintainho!»
Isabel Lamas, O Livro da Páscoa
Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendos
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca, Charneca em Flor,
in Poesia Completa
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Presságio O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente… Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar…
Fernando Pessoa
O Paço do Milhafre
À beira da água fiz erguer meu Paço
Da Rei-Saudade das distantes milhas:
Meus olhos, minha boca eram as ilhas;
Pranto e cantiga andavam no sargaço.
Atlântico, encontrei no meu regaço
Algas, corais, estranhas maravilhas!
Fiz das gaivotas minhas próprias filhas,
Tive pulmões nas fibras do mormaço.
Enchi infusas nas salgadas ondas
E oleiro fui que as lágrimas redondas
Por fora fiz de vidro e, dentro, de água.
Os vagalhões da noite me salvavam
E, com partes iguais de sal e mágoa,
Minhas altas janelas se lavavam.
Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso.
Mãe Ilha III
Foi isto outrora na ilha das fadas
Embrumada em hortênsias. Não sonhei.
Sobre as lagoas de águas encantadas
Dormiam os fetos e não havia lei.
As vacas, nas colinas esfumadas
Ruminavam o eterno. Ali folguei
Na festa das crianças coroadas.
Reinava o Amor e não havia Rei.
Dentro da música a casa repousava.
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.
Rumores longínquos da infância oclusa,
Que num desvão da alma ainda debruça
Uma varanda sobre um mar de auréolas.
Natália Correia, Sonetos românticos
Retrato
Meu corpo é água,
Onda que vai e vem, Abraça, foge, não para ...
No fundo, mágoa.
Meus olhos, água.
Fundura do mar salgado, Quem sabe onde tem seu fim?
No fundo, mágoa.
Minh’alma é água,
Que canta, que chora e fala: Doce cantiga das fontes,
Brando choro das ribeiras, Marulho eterno das vagas ...
No fundo, mágoa.
Armando Côrtes-Rodrigues, Horto Fechado e outros Poemas
Mar
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Eu …
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho e desta sorte
Sou a crucificada … a dolorida …
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
Regresso
E contudo perdendo-te encontraste. E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos. E foste. E aproximaste.
Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar. Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.
Mas já no mar quem fomos é estrangeiro e já em Portugal estrangeiros somos.
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro vamos achar em Portugal quem nunca fomos.
De Calicute até Lisboa sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar e de voltando achar em Portugal
esse país que se perdeu de mar em mar.
Manuel Alegre
Tempo de Poesia
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã à névoa do outo dia.
Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram. Vidas qua amar se consagram.
Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos à confusão da harmonia.
António Gedeão
Lição sobre a água Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
António Gedeão
Heroísmos
Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.
Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Cesário Verde