PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito
NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:
Por uma compreensão da Função Social dos Contratos
Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa
Belo Horizonte
2011
Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa
NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:
Por uma compreensão da Função Social dos Contratos
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação stricto sensu em Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito Privado.
Orientador: Professor Doutor Leonardo
Macedo Poli
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Barbosa, Aline Santos Pedrosa Maia B238n Novo princípio contratual: por uma compreensão da Função Social dos
Contratos. / Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa. Belo Horizonte, 2011. 117f. Orientador: Leonardo Macedo Poli Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Contratos. 2. Democracia. 3. Estado de Direito. 4. Brasil. I. Poli, Leonardo
Macedo. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 347.4
Aline Santos Pedrosa Maia Barbosa
NOVO PRINCÍPIO CONTRATUAL:
Por uma compreensão da Função Social dos Contratos
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação stricto sensu em Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais.
________________________________________________________
Professor Doutor Leonardo Macedo Poli (Orientador) – PUC Minas
______________________________________________________
Professora Doutora Taisa Maria Macena de Lima – PUC Minas
_____________________________________________________
Professor Doutor Rodolpho Barreto Sampaio Júnior - FDMC
Belo Horizonte, 25 de Abril de 2011.
Dedico este trabalho ao meu querido esposo Leandro e nossa filha
Isabella, cuja chegada aguardamos ansiosos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força para concluir este trabalho; ao Leandro, meu amor e
companheiro de todas as horas, pela torcida e encorajamento, elementos
indispensáveis para que eu pudesse chegar até aqui; aos meus pais e irmãs pelas
orações; ao professor Leonardo Macedo Poli, meu orientador; aos meus amigos da
Bernardes e Advogados Associados, pela cumplicidade.
“Para combater os problemas que enfrentamos,
temos de considerar a liberdade individual um
comprometimento social.”
Amartya Sen
RESUMO
O contrato é instituto que remonta ao Direito Romano, sendo importante instrumento
para a circulação de riquezas, possibilitando a troca entre as pessoas e fomentando
a economia. Trata-se, pois, de elemento fundamental para o desenvolvimento da
sociedade. Em sua concepção clássica, mais precisamente à época do Liberalismo
Econômico, o contrato apresentava contornos nitidamente individualizados,
prevalecendo o primado da liberdade e da autonomia da vontade, que legitimavam
sua formação. O intenso desenvolvimento econômico provocado pela Revolução
Industrial, bem como as crescentes desigualdades sociais e miséria de grande parte
da sociedade, provocaram uma nova postura institucional, na qual o Estado figurou
como interventor nas relações individuais, visando promover o bem-estar da
sociedade. A crise do sistema social, provocada pela ineficiência e burocracia,
proporcionou o surgimento de uma nova ordem, visando equilibrar as esferas
pública e privada por meio de um sistema inclusivo e garantidor das liberdades
individuais: o Estado Democrático de Direito. A teoria contratual, profundamente
influenciada por essas novas tendências, reconheceu o surgimento de nova
principiologia a informar as relações contratuais. O contrato passou a ser visto como
instrumento de promoção dos objetivos constitucionais. O nascimento dos novos
princípios, dentre eles o princípio da função social dos contratos, não invalidou os
clássicos já existentes, mas sim proporcionou a coexistência de várias funções
exercidas pelo contrato. Este novo princípio vem consagrar a teoria de que o
contrato não gera implicações somente para as partes que dele participam
diretamente, mas também desempenha funções sociais, econômicas e pedagógicas
na sociedade, sem ordem hierárquica ou de prevalência. Havendo conflito entre os
princípios do contrato, ou mesmo entre a importância das funções que ele
desempenha em determinado caso concreto, a decisão deve ser construída com
base em argumentos normativos postos pelo próprio ordenamento jurídico,
observando-se o mais adequado.
Palavras-chave: Função social; contrato; princípios; democracia.
ABSTRACT
The contract is an institute dating back to Roman law, being an important instrument
for the circulation of wealth, enabling the exchange between people and promoting
the economy. It is therefore the key to the development of society. In a classic sense,
more precisely the period of economic liberalism, the contract had clearly outlines
individual, whichever is the primacy of freedom and autonomy, which legitimized their
training. The intensive economic development caused by the Industrial Revolution,
as well as rising social inequality and poverty of much of society, created a new
institutional approach, in which the state figured as intervenor in individual relations,
to promote the welfare of society. The crisis of the social system, caused by the
inefficiency and bureaucracy, allowed the emergence of a new order to balance the
public and private spheres through an inclusive system and guarantor of individual
liberties: the Democratic State. The contract theory, deeply influenced by these
trends, recognized the emergence of new principles, to inform the contractual
relationships. The contract was seen as an instrument to promote constitutional
objectives. The birth of the new principles, among them the principle of the social
function of contract, did not invalidate the existing classics, but provided the
coexistence of various functions performed by the contract. This new principle has
been devoted to the theory that the contract has implications not only for parties who
participate directly, but also performs social, economic and educational roles in
society, with no hierarchy or prevalence between them. If some conflict arises
between the principles of contract, or even between the importance of the roles it
performs in a particular case, the decision must be built based on normative
arguments made by the legal system, noting the most appropriate.
Keywords: social function; contract; principles; democracy.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 09
2. O CONTRATO – OBJETIVO E ELEMENTOS .............. ...................................... 11
2.1 Elementos constitutivos do contrato............ .................................................. 14
2.1.1 Elementos essenciais: subjetivos, objetivos e formais ............................ 15
3. OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ...................... ................................................. 17
3.1 Princípios clássicos........................... ............................................................... 17
3.1.1 Autonomia privada ........................... ............................................................. 18
3.1.2 A Liberdade contratual ...................... ........................................................... 24
3.1.3 Obrigatoriedade do contrato ................. ....................................................... 28
3.1.4 Relatividade dos efeitos contratuais ........................................................... 35
3.2 Princípios contemporâneos...................... ....................................................... 37
3.2.1 Princípio da Boa-fé objetiva ................ ......................................................... 40
3.2.2 Princípio do Equilíbrio econômico ........... ................................................... 43
3.2.3 Princípio da Função social dos contratos: bre ve introdução do problema
e da perspectiva clássica social .................. ......................................................... 44
4. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS................... ......................................... 49
4.1 Das diversas definições de função social dos co ntratos segundo a visão
clássica social ................................... ..................................................................... 49
4.2 Apontamento de outras funções do contrato, desc onsideradas na visão
clássica social – econômica e pedagógica .......... ................................................ 63
4.3 Críticas à visão clássica solidarista ......... ...................................................... 64
4.4 Função social dos contratos numa perspectiva de mocrática ..................... 72
4.5 Natureza jurídica da função social dos contrato s ......................................... 82
4.6 Aplicação do princípio da função social do cont rato ao caso concreto .. 101
5. CONCLUSÃO....................................... .............................................................. 108
6. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 111
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1. INTRODUÇÃO
O Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações à teoria dos contratos,
determinando em seu artigo 421 que “a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”. (BRASIL, 2007)
Não existe disposição semelhante do Código Civil anterior, de 1916, sendo
uma novidade que tem provocado inúmeras discussões acerca de sua interpretação,
alcance e objetivo.
Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social afirma
que a proposta do legislador ao incluir três novos princípios na teoria contratual
clássica (função social, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual) seria auxiliar a
promoção da solidariedade social, condicionando a validade do contrato à utilidade
que o mesmo possa ter na consecução dos interesses gerais da sociedade.
Esta doutrina atribui as mudanças ao processo de constitucionalização do
Direito Civil, que implicaria na substituição do seu “centro valorativo”, antes fixado no
Código Civil e agora na Constituição da República. A solidariedade social se
sobreporia à liberdade individual.
Ocorre que, o que se tem observado é verdadeira tentativa de promoção de
certa justiça social e distribuição de renda por meio da autorização judicial ao
descumprimento contratual. Com efeito, foram apontadas inúmeras críticas às
decisões judiciais que, embasadas no pensamento solidarista, reduzem juros,
garantias e alteram unilateralmente condições antes pactuadas, gerando enorme
insegurança econômica.
Sim, uma das funções sociais do contrato é a de fomentar a economia,
promovendo o desenvolvimento da sociedade. Todavia, essas decisões judiciais
criticadas geram incentivos negativos na economia, muitas vezes prejudicando o
interesse social que diziam proteger.
Havendo grande confusão acerca da natureza jurídica e da aplicação do
princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação equivocada, como
mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que justamente busca
evitar, a missão do presente trabalho será, portanto, tentar esclarecer estas
questões obscuras, interpretando-se a função social sob uma perspectiva
10
democrática e plural, sem desconsiderar as variantes e o contexto em que está
inserido o contrato.
11
2. O CONTRATO – OBJETIVO E ELEMENTOS
Como bem explicitado por Emanuel Bouzon (2000) e Bruno Torquato de
Oliveira Naves (2007), na antiga Mesopotâmia já se encontra referência ao instituto
do contrato, com bastante simplicidade, é verdade, representando mecanismo de
regulação da “compra e venda, arrendamento e empréstimo a juros” (Naves, 2007,
p.230), disposto nas leis de Eshnunna.
Posteriormente escrito, o Código de Hamurabi também apresentava
“dispositivos semelhantes, regulamentando alguns contratos específicos, a
execução desses contratos, as taxas de juros cobradas, bem como o preço de
determinados serviços”. (Naves, 2007, p.231).
Percebe-se, desde a antiguidade, que o contrato, mesmo em sua forma mais
arcaica e simples, sempre esteve ligado à atividade econômica, proporcionando a
efetivação dos negócios e sendo importante mecanismo de evolução das
sociedades.
No entanto, foi o Direito Romano Clássico que estruturou o contrato, apesar
de não chegarem a formular uma teoria dos contratos, tendo por base o acordo de
vontades acerca de determinado objeto. O contrato e o pacto eram espécies do
gênero convenção.
“O contrato era a convenção que gerava obrigação e direito de ação, o pacto
era o acordo de vontades que produzia uma obrigação natural, não acompanhada
do direito de ação”. (Nader, 2006, p.8)
Segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves:
No direito romano arcaico, o contrato era o ato que submetia o devedor ao poder do credor. Em razão da forte presença de crenças religiosas, especialmente nos deuses domésticos, o cumprimento de um contrato era questão de honra e o vínculo jurídico era pessoal, levando o credor, em caso de inadimplemento, a atingir o corpo do devedor. No direito romano clássico, podemos perceber a utilização de três vocábulos para designar fenômenos semelhantes: convenção, contrato e pacto. Contratos eram convenções normatizadas e por isso protegidas pela via da actio. Três eram as espécies contratuais: a) litteris, que exigia inscrição no livro do credor (denominado codex); b) re, que se fazia pela tradição efetiva da coisa; e c) verbis, que se celebrava pela troca de expressões orais, como em um ritual religioso. Esses contratos tinham proteção judicial prevista pelo ius civile, podendo o credor reclamar via actio sua execução.
12
Havia, no entanto, outra categoria de convenção, com finalidades semelhantes – o pacto. O pacto era um acordo não previsto em lei. Não exigia forma especial, nem era protegido pela actio. Durante a República Romana e o Alto Império Romano ( direito romano clássico), para os pactos mais freqüentes foi criada proteção judicial. Os pretores, por meio de seis editos, começaram a proteger os pactos mais freqüentes, o que acabou por erigi-los à categoria de contratos. Criou-se, então, uma nova espécie contratual – os contratus solo consensu – que envolviam venda, locação, mandato e sociedade. Para esses contratos bastava a emissão de vontade, sem nenhuma formalidade. Por fim, algumas constituições imperiais também concederam proteção a alguns tipos de pacto. (NAVES, 2007, p.231-232).
O Feudalismo com o relativo isolamento das cidades simplificou sobremaneira
a economia, representando o contrato a vinculação jurídica entre senhor e vassalo
(Naves, 2007, p.232). A evolução do direito canônico na Idade Média elevou a
vontade como fonte do direito contratual, sendo valorizada a palavra empenhada,
alçada à condição de lei. Houve, inclusive, resgate do Direito Romano Clássico,
sendo exigidas certas formalidades na celebração do contrato, visto como uma
obrigação moral. (Naves, 2007, p.233)
Posteriormente, com a ascensão do Jusnaturalismo, a obrigatoriedade do
cumprimento da obrigação contratual passou a ser a razão, e não a moral, pois “o
homem é senhor de seus atos, indivíduo autônomo, que não deve se submeter a
nenhuma autoridade exterior. Assim, o contrato seria a submissão a normas criadas
pelo próprio indivíduo, sendo, portanto, legitimada pela vontade das partes.” (Naves,
2007, p.233).
Veja-se que a vontade, o consenso, é fundamento do contrato desde a
antiguidade, permanecendo até a modernidade, quando passou a ser questionada
como critério de validade do mesmo, como se verá à frente.
Como visto, o Direito Romano estruturou o contrato, apesar de não chegarem
a formular uma teoria dos contratos, tendo por base o acordo de vontades acerca de
determinado objeto.
Os princípios clássicos da teoria dos contratos, desta forma, vêm da tradição
romana, como a necessidade da existência de um acordo de vontades (autonomia e
consensualismo), a criação de obrigações recíprocas para os contratantes
(relatividade), poder de recorrer à ação em caso de inadimplemento
(obrigatoriedade).
Analisando os conceitos de contrato, em geral iguais para toda a doutrina com
uma ou outra diferença mínima, este instrumento seria “a mais comum e mais
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importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras
repercussões no mundo jurídico”. (GONÇALVES, 2007, p.3).
O fundamento moderno do contrato seria a vontade humana em
conformidade com a ordem jurídica e sua finalidade maior seria instrumentalizar e
facilitar as relações econômicas, circulando riquezas.
Sua importância é fundamental para toda a sociedade, pois não haveria
crescimento, progresso e riqueza sem a circulação de bens materiais e imateriais
realizada e formalizada pelo contrato. O desenvolvimento das atividades sociais e
econômicas tornou o contrato corriqueiro e de aplicação generalizada. Qualquer
indivíduo contrata, seja de que grau de instrução, nível social ou padrão econômico
for.
O contrato, desta forma, é parte de uma realidade maior e um dos fatores de
alteração da realidade social, atuando como verdadeira alavanca de
desenvolvimento.
Esta representação do negócio jurídico se constitui por declaração de vontade
das partes e tem natureza essencialmente econômica, sendo que a lei fixa as
condições de formação e seus efeitos jurídicos, conferindo obrigatoriedade aos
termos pactuados pelas partes. Estas discutem seus direitos e deveres no
instrumento e individualizam o objeto a que ele se refere.
Desta forma, o que foi pactuado em conformidade e nos limites do
ordenamento jurídico se torna lei entre as partes, obrigando-as ao seu cumprimento,
com algumas exceções, como a aplicação da teoria da imprevisão.
As partes essencialmente participam dessa relação em igualdade jurídica, sob
pena de ser necessária a intervenção do Estado ou até mesmo decretação de
nulidade de algumas cláusulas ou do contrato por inteiro.
Segundo Nader (2006), os interesses dos contratantes são disciplinados nos
contratos por normas semelhantes àquelas integrantes do ordenamento jurídico,
porém com diferenças fundamentais. As normas jurídicas são abstratas e visam à
generalidade e universalidade, pretendendo alcançar o maior número de
destinatários possível, originando-se do poder público. Já as normas contratuais
tendem a ser mais concretas, apesar desse instrumento poder apresentar algumas
normas abstratas, e se originam de um ato de autonomia.
Em resumo, classicamente pode-se dizer que o objetivo do contrato seria
circular riquezas e promover o desenvolvimento econômico atendendo ao interesse
14
de ambos os contratantes, sendo seu objeto o que foi pactuado livremente e
licitamente entre eles.
2.1 Elementos constitutivos dos contratos
Conforme salientado por Cezar Fiúza (2007, p. 254), contatos são negócios
jurídicos praticados por força das necessidades mais diversas, sejam elas reais ou
fabricadas. Devem, portanto, obedecer aos requisitos de existência e validade dos
negócios jurídicos.
Os elementos constitutivos dos contratos consistem em essenciais e
acidentais. Os elementos essenciais são aqueles que integram qualquer modalidade
de contrato, sob pena do negócio jurídico ser inexistente.
Desta forma, “a evolução permanente que se opera na tipologia dos
contratos, como resultado precípuo das mudanças sociais, não interfere nos
elementos essenciais”. (NADER, 2006, p. 17).
Neste sentido:
As transformações do contrato salientadas pela doutrina moderna, não se exercem quanto à existência de seus elementos essenciais, que são permanentes, mas em relação à influência das concepções filosóficas e dos fenômenos econômicos sobre a compreensão e conjugação desses elementos. (ESPÍNOLA apud NADER, 2006, p.17).
Elementos acidentais são aqueles inseridos nas cláusulas contratuais por livre
opção das partes. Estes são meramente dispositivos, constando na legislação e se
aplicando aos contratos quando as partes não excluírem sua incidência.
Os elementos essenciais são os mais importantes para este trabalho na
medida em que são permanentes, variando apenas de acordo com o tipo de
contrato, e não podem ser modificados pelas transformações que o instituto do
contrato vem sofrendo, sob o risco de se desvirtuá-lo.
15
2.1.1 Elementos essenciais: subjetivos, objetivos e formais
Os elementos subjetivos dizem respeito aos sujeitos contratantes, sendo
quatro elementos segundo Maria Helena Diniz: “a) existência de duas ou mais
pessoas, [...] b) capacidade genérica das partes contratantes para praticar os atos
da vida civil [...], c) aptidão específica para contratar [...], d) consentimento das
partes contratantes.” (DINIZ, 2007, p. 17).
O primeiro elemento exige a participação de duas ou mais pessoas ocupando
distintamente o pólo passivo e o pólo ativo da relação, sendo impossível que um só
indivíduo contrate consigo mesmo.
O segundo elemento essencial subjetivo é a capacidade de fato das partes,
ou capacidade para os atos civis. Como qualquer negócio jurídico, deve observar o
disposto no art. 104, I, do Código Civil: “a validade do negócio jurídico requer agente
capaz.” As partes não podem enquadrar-se no 3º e 4º artigos do Código Civil, que
dizem respeito aos absolutamente e relativamente incapazes, segundo Maria Helena
Diniz (2007), sob pena do contrato ser nulo ou anulável.
O terceiro elemento existe quando o ordenamento jurídico impõe certos
limites à celebração de determinados contratos. Para estes casos, não basta a
capacidade de fato, sendo exigida, ainda, a legitimação para o ato, como nos casos
de venda de ascendente para descendente.
O quarto elemento é a declaração de vontade das partes ou consentimento. É
pela vontade que as partes expressam o desejo de celebrar o negócio,
determinando as condições e o objeto da convenção. Esta declaração deve ser
espontânea e sem vícios acerca da existência e natureza do contrato, seu objeto e
cláusulas que o compõem.
Segundo a doutrina de Paulo Nader (2006), os elementos essenciais objetivos
dizem respeito ao conteúdo e forma do contrato: objeto lícito, não podendo ser
contrário à lei, à moral, aos princípios de ordem pública e aos bons costumes.
O objeto deve ainda ser possível, ficando desobrigado aquele que se obrigou
a realizar coisa impossível, seja pela capacidade humana, seja porque não existe,
etc. Deve ser determinado ou determinável, contendo pelo menos a especificação
do gênero, espécie e quantidade, de modo que possa incidir a obrigação e, por
16
último, o contrato deve ser economicamente apreciável, capaz de se converter em
dinheiro.
Os requisitos formais dizem respeito à apresentação dos contratos que deve
ser prescrita ou não defesa em lei. A regra é a liberdade de forma, comportando
algumas exceções nos casos de contratos em que a lei determina a realização de
alguma solenidade.
17
3. OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
3.1 Princípios Clássicos
Analisando o contrato sob o paradigma do Estado Liberal, tem-se um
instrumento através do qual se realiza o intercâmbio econômico entre indivíduos,
traduzindo-se a autonomia da vontade como princípio supremo dos contratos,
determinando os efeitos e o alcance das convenções realizadas entre os
particulares.
Realçando a teoria do Estado mínimo, este paradigma tinha como base a
menor intervenção estatal possível nas relações privadas. O Estado seria, nessa
visão, um mal necessário com atuação restrita à garantia da ordem pública, cujo
objetivo era tão-somente manter a paz e a justiça.
Em virtude disso, surgiram as liberdades e garantias individuais, chamados
direitos de primeira geração, para proteger o indivíduo da atuação danosa do
Estado, sendo oponíveis a ele.
O Estado Liberal deveria evitar a perturbação da ordem, assegurando o livre
exercício das liberdades, colocando-se como poder de equilíbrio para prevenir e
corrigir conflitos individuais, não poderia interferir na esfera privada de cada um, sob
pena de praticar atos ilegais, cabendo resposta dos indivíduos através de remédios
processuais criados para este fim.
Era o Estado árbitro, não intervencionista na vida econômica e social, ou seja,
possuía uma atuação negativa, proporcionando a existência de relações jurídicas
fundadas numa igualdade formal e na lógica individualista.
Assim, como afirma Teresa Negreiros (2006), a modernidade foi marcada por
um movimento que tornava absoluta a vontade individual, em contraposição à
vontade do Estado, e, portanto, projetando aspectos antagônicos do princípio da
legalidade no direito privado (tudo o que não é proibido por lei é permitido) e no
direito público (tudo o que não for permitido por lei é proibido).
Segundo a teoria liberal, a propriedade privada é fundamento e símbolo da
liberdade, bem como sua circulação se dá pelo livre exercício da autonomia
18
negocial. Daí a importância fundamental do contrato para aquela sociedade, pois é
através dele que circulam as riquezas e promove-se o crescimento dos Estados.
Em virtude dessa valorização da vontade individual, vista como elemento que
garantia o equilíbrio econômico e a prosperidade, os princípios clássicos contratuais
na teoria liberal eram assim concebidos: 1) liberdade contratual, 2) obrigatoriedade
do contrato (pacta sunt servanda), 3) relatividade dos efeitos contratuais. Estes
princípios, todos, estariam intimamente relacionados à autonomia, sendo a vontade
individual o seu fundamento de validade, representando a liberdade do homem de
criar normas para si mesmo, e cumpri-las exatamente por este motivo, somente
podendo ser as tais normas exigíveis daqueles que manifestaram a vontade de se
submeter a elas.
De acordo com esta doutrina liberal, a satisfação dos interesses individuais
tem como conseqüência certa a satisfação do interesse geral, de toda a sociedade,
numa concepção de que este último seria a soma dos primeiros.
Como afirma Humberto Theodoro Júnior, “sob o predomínio do Estado
Liberal, o contrato pode ser visto como fonte criadora de direito, ad instar da própria
lei (pacta sunt servanda), como v.g., afirmava Kelsen em sua noção positivista do
fenômeno negocial.” (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 34).
3.1.1 Autonomia privada
Indiscutível que o acordo de vontades é essencial ao contrato, pois este
nasce justamente do consenso. (Fiuza, 2007).
Segundo André Ruger e Renata de Lima Rodrigues, “o sentido originário da
palavra [autonomia], herdada da tradição, representa o poder de estabelecer por si,
e não por imposição externa, as regras da própria conduta”. (RUGER; RODRIGUES,
2007, p.4).
No âmbito do contrato verifica-se uma gama maior de possibilidades para o
exercício desta autonomia:
Além de jurídico, o contrato é uma instituição social cuja função serve para dar segurança aos agentes econômicos nas relações patrimoniais que entre si venham a ajustar. Essa função não encontra paralelo em qualquer
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outro instituto jurídico, nem pode ser absorvida por qualquer um deles. Seria possível, sem contratos, promover a regular e segura circulação de bens em uma dada sociedade? Sem contratos, a liberdade para dispor, livremente, dos próprios interesses ficaria prejudicada. (SZTAJN apud POMPEU, 2010, p. 406).
Percebe-se, ainda, que o contrato é importante instrumento para o exercício
da autonomia, estando intimamente relacionado ao desenvolvimento econômico da
sociedade, uma vez que promove segurança nas negociações.
A autonomia negocial (ela deriva da noção de autonomia privada, com designação exclusiva para o locus contratual) que promove o que se denominou de ajuste de condutas, possibilitando a troca entre particulares, é o núcleo deste instrumento chamado contrato. Ele então representa um conceito jurídico que recepciona no plano da existência um fato social composto pelas relações entre particulares que ajustam ou combinam os seus interesses. (POMPEU, 2010, p.406)
A liberdade contratual, princípio ser tratado logo em seguida, é uma das
expressões da autonomia privada.
Na doutrina liberal, a liberdade contratual:
[...] se apresentava em três grandes vertentes: na liberdade de celebrar ou não um contrato, na liberdade de escolher com quem contratar e na liberdade do estabelecimento das cláusulas que obrigariam as partes. (RUGER; RODRIGUES, 2007, p.4).
Importante ressaltar que a liberdade decorria essencialmente da autonomia
da vontade e era apenas formal. Ao Estado não caberia a intervenção na esfera da
vontade individual.
Levada às últimas conseqüências a liberdade apregoada no liberalismo
contribuiu para o alargamento da distância e desigualdade social entre as pessoas.
Desta forma, numa tentativa de solucionar essa questão surge o Estado Social,
essencialmente interventor, chamando a si o dever de regular as relações sociais de
forma mais concreta.
A autonomia passa, então, por mudança estrutural, não sendo mais
expressão da vontade individual, mas sim da vontade limitada pelo Estado, que
passou a determinar certas condutas aos indivíduos. Surge a necessidade de
observação dos bons costumes, da ordem pública, assim como do interesse social:
20
Ordem pública é o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política e econômica da sociedade, numa certa fase de sua evolução histórica, e que, por isso, devem considerar-se imanentes no ordenamento jurídico que vigora para aquela sociedade, naquela fase histórica. [...] estes [princípios de ordem pública] não podem, de facto, provir da consciência pessoal e da ideologia individual do juiz, mas sim encontrar sempre um qualquer fundamento de direito positivo – ainda que não nesta ou naquela norma específica, mas na lógica inspiradora de um sistema normativo complexo. (ROPPO, 2009, p.179-180)
Os princípios de ordem pública estariam inseridos na Constituição, aplicando-
se às relações entre particulares. Expressão desses princípios seria o interesse
social. Assim, segundo este autor, os contratos que prejudicassem bens ou valores
fundamentais do indivíduo estariam contrariando a ordem pública, assim como
aqueles que ameaçassem o ordenamento constitucional do Estado, embaraçando o
funcionamento da administração pública. (Roppo, 2009).
Já os bons costumes seriam:
[...] aquelas regras não escritas de comportamento, cuja observância corresponde à consciência ética difundida na generalidade dos cidadãos e cuja violação é, portanto, considerada moralmente reprovável. Os contratos que atentem contra o bom costume dizem-se contratos imorais. (ROPPO, 2009, p. 185)
Portanto, a autonomia privada encontraria limitação nas normas de ordem
pública e bons costumes, limites fixados pelo Estado:
A autonomia privada não é um poder originário e ilimitado. Deriva do ordenamento jurídico estatal, que o reconhece e exerce-se nos limites que este fixa, limites esses crescentes, com a passagem do Estado de direito para o Estado intervencionista ou assistencial. (AMARAL, 2008, p.79)
Há autores como Naves (2007, p.238), que entendem não existir limitação da
autonomia privada, mas conformação de seu conteúdo relacional de forma
intrínseca, ou seja, a própria essência da autonomia, (relacional e principiológica)
conteria as suas limitações, inserida num horizonte histórico.
Não há como falar em autonomia se não existir uma perspectiva relacional,
considerando-se o outro. Apesar dessas considerações, grande parte da doutrina
considera a autonomia privada como uma limitação estatal à vontade individual.
Com o advento do Estado Social passou-se a defender a primazia do
interesse público sobre o interesse particular, com mitigação da autonomia, uma vez
que certos contratos representando negociação de bens essenciais passam a ser
21
obrigatórios, ou seja, não haveria liberdade para escolher contratar ou não; ou
mesmo escolher com quem contratar, e ainda tornaram-se obrigatórias às partes
cláusulas ou deveres implícitos que não teriam sido diretamente pactuados em
cláusulas contratuais, como a boa-fé.
O princípio da boa-fé é um princípio ético-jurídico, uma diretiva básica e geral que orienta o intérprete na realização do direito. Isso dá-lhe significativa importância no campo da metódica jurídica, que reconhece a atividade criadora da jurisprudência e o papel que nela desempenham os princípios jurídicos. [...] seu conteúdo compõe-se de um dever de lealdade, que impede comportamentos desleais (sentido negativo) e de um dever de cooperação entre os contraentes (sentido positivo). (AMARAL, 2008, p. 83)
No entanto, o Estado Social se mostrou ineficiente e altamente burocrático,
provocando muitas vezes a “quebra” de países, em virtude do inchaço da máquina
estatal.
Não se critica, com a frase acima, a necessária limitação da autonomia
individual, especialmente com a inclusão dos deveres anexos das relações
contratuais, como a boa-fé. No tanto, deve-se ter em mente que a perspectiva do
Estado Social não funcionou, trazendo inúmeros problemas estruturais para a
sociedade. Ignorar tal fato é um retrocesso e consiste no mesmo equívoco do
Estado Liberal, que elegeu a liberdade como valor supremo.
Buscando uma síntese entre as perspectivas anteriores, Liberal e Social,
surge uma nova modalidade de Estado, regulador e não diretamente empreendedor,
que prima pela inclusão das minorias, não representadas pelo interesse geral,
anteriormente imposto, mas que coíbe o abuso de direito, conseqüência da
liberdade absoluta.
Este Estado inclusivo trouxe novamente modificações à noção de autonomia,
como bem salienta Roberta Elzy Simiqueli de Faria citando Daniel Sarmento:
Segundo Daniel Sarmento, não se pode, hoje, desvincular a liberdade política das liberdades individuais, tendo em vista que, sem um ambiente político em que as liberdades individuais estejam efetivamente garantidas, com opinião pública livre, tolerância e direito à diferença, a democracia não passará de um simulacro. Por outro lado, sem o governo da maioria e a responsabilidade política dos governantes exigidas pela democracia, os grupos instalados no poder facilmente fariam sobrepor seus interesses sobre os interesses dos governados. (SARMENTO apud FARIA, 2007, p.59)
22
O Estado Democrático de Direito deve proteger a liberdade do indivíduo de
realizar seus próprios projetos, não impondo sua adesão a um projeto que não seja
o deles. Essa seria a noção de autonomia privada, como uma liberdade conferida
pelo ordenamento jurídico, podendo o indivíduo manifestar sua liberdade dentro de
um conteúdo e eficácia determinada, coibindo-se os abusos de direito, tão em voga
na época da liberdade absoluta da vontade.
A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. [...] Autonomia privada não se confunde com autonomia da vontade. Esta tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto aquela exprime o poder da vontade no direito, de modo objetivo, concreto e real. Por isso mesmo a autonomia da vontade é a causa do ato jurídico (CC, art.185) enquanto a autonomia privada é a causa do negócio jurídico (CC, art. 104), fonte principal de obrigações. (AMARAL, 2008, p.77-78)
Desta forma, tem-se que a autonomia da vontade conteria essencialmente
elementos da esfera íntima do indivíduo, elementos subjetivos e psíquicos
relacionados com seus desejos e com a faculdade de escolher, de maneira livre, os
atos a serem praticados para se alcançar o fim almejado, atendendo aos interesses
íntimos.
Por outro lado, a autonomia privada diz respeito a uma esfera pessoal de
atuação, delegada ao indivíduo pelo ordenamento jurídico, sendo conformada a
vontade às disposições do direito. Ou seja, delimita-se o espaço lícito para ação dos
sujeitos.
Rogério Monteiro Barbosa e Wellington Pereira (2010) criticam essa posição
como uma abordagem equivocada, que não coaduna com o paradigma do Estado
Democrático de Direito. Para esses autores, este entendimento de autonomia
privada encontra-se visivelmente enraizado no paradigma do Estado Social,
merecendo ser reconstruída com base na teoria discursiva de Habermas:
Como já mencionado, tem-se entendido que para autonomia privada, tal reconstrução e revalorização [deste princípio sob a perspectiva constitucional] passam pela conformação de seus atos pela ordem pública, substanciada pela dignidade da pessoa humana, que condiciona seus atos levando-os à valorização da pessoa humana. E ao serem tutelados pela Constituição, são, portanto, dirigidos à realização de interesses e funções que sejam política, econômica e socialmente úteis, sem excluir o aspecto individual, ponto fulcral da própria noção de autonomia. A reconstrução e revalorização da autonomia privada passa pela sua funcionalização. Por funcionalização do direito privado entende-se a
23
análise de seus princípios, normas ou institutos em relação às outras ciências sociais, para melhor compreensão do fenômeno jurídico. [...] Esta interdisciplinaridade tem sido característica dos estudos contemporâneos, onde o jurista procura saber não só como o direito é feito, mas também para que serve. (BARBOSA; PEREIRA, 2010, p.315)
A crítica destes dois autores é a limitação da autonomia pela funcionalização
do direito que, segundo eles, direciona a utilidade dos institutos jurídicos para a
realização dos interesses gerais da sociedade, com a finalidade de promover o
desenvolvimento econômico e o bem-estar social.
Esta perspectiva não estaria de acordo com o Estado Democrático de Direito.
Do ponto de vista Liberal há proteção ao egoísmo individualista, que pode gerar
abuso de pode e de direito. Do ponto de vista Social há pressuposição de
congruência dos projetos de vida, com supremacia do interesse público sobre o
interesse individual.
A redefinição da autonomia privada com base no paradigma Social, a partir da
busca de realização de valores e interesses comuns e coletivos não se mostra viável
numa sociedade contemporânea pluralista. Neste sentido, válida a lição de Naves:
O risco de se adotar a idéia de valor ou utilidade social é desterrar o indivíduo em prol de uma pretensa coletividade, que nada mais é do que a posição de um pequeno grupo (ou mesmo de um grande grupo). A proteção da diferença é também a proteção daqueles que foram alijados do processo decisório. E quem determina qual é a utilidade social? (NAVES, 2009, p.305)
A autonomia privada, então, deve ser apreciada num contexto de respeito às
diferentes liberdades. Sendo intersubjetiva a construção da autonomia, não há
prevalência da vontade individual onipotente e, da mesma forma, não se afigura
legítima a argumentação que limite a autonomia privada em favor de interesses
coletivos ou funcionais, independentemente da existência de um processo
argumentativo que problematize a questão e que seja construído pelos seus
destinatários. (Barbosa; Pereira, 2010, p.324).
Segundo ensinamento de Francisco Amaral (2008, p.80), os princípios
contratuais decorrem imediatamente do princípio da autonomia privada, sendo
delineados a seguir.
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3.1.2 A Liberdade contratual
A liberdade contratual consiste no poder que as partes têm de estipular
livremente, da forma que melhor lhes aprouver, a disciplina de seus interesses. Este
princípio manifesta-se no poder de escolher contratar ou não, de escolher com quem
contratar e ainda sobre o que contratar, fixando o conteúdo do negócio.
Existe diferença entre liberdade contratual e autonomia da vontade, como
visto. Segundo Cláudia Lima Marques (2002) a autonomia da vontade era a pedra
angular do Direito, sendo que a concepção de liame contratual estava centrada na
idéia do valor da vontade como elemento principal e única fonte do contrato,
conferindo legitimidade para a criação de direitos e obrigações oriundas da relação
jurídica contratual.
Sob a ótica do Estado Liberal, superado o Estado Absoluto, surgiu o indivíduo
absoluto. Desta forma, não era aceitável que o Estado interviesse na esfera
particular. Qualquer tentativa neste sentido seria considerada arbitrária. “[...] a
proteção à liberdade incluiria, numa visão assim extremada, até mesmo a liberdade
de não ser livre.” (NEGREIROS, 2006, p. 16).
O Código Civil de 1916, por exemplo, tinha uma feição nitidamente
individualista, sendo que justiça significava o exato cumprimento das cláusulas
contratuais, que as partes de livre e espontânea vontade pactuaram.
Na concepção clássica, as regras contratuais compunham um quadro de
normas supletivas, interpretativas, para permitir assim como assegurar a plena
autonomia de vontade dos indivíduos, e a liberdade contratual.
A autonomia da vontade é intimamente ligada à livre iniciativa, princípio
consagrado do capitalismo, importantes para o desenvolvimento das relações
econômicas. Não poderiam ser obstaculizadas pelo Estado.
Assim, na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está ligada
diretamente à doutrina da autonomia da vontade e “ao seu reflexo mais importante,
qual seja, o dogma da liberdade contratual.” (MARQUES, 2002, p. 42)
Portanto, a vontade das partes, declarada ou interna, é o elemento principal
do contrato, representando não só a sua criação, mas também a legitimação sua
própria e de seu poder vinculante e imperativo.
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Segundo o princípio da autonomia da vontade, somente a vontade livre,
isenta de vícios ou defeitos, pode dar origem a um contrato válido, fonte de
obrigações e de direitos.
Nesse sentido, “a função da ciência do direito será a de proteger a vontade
criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes.”
(MARQUES, 2002, p.42).
Conforme, ainda, a doutrina de Cláudia Lima Marques (2002), é no direito
natural que se encontra a base do “dogma” da liberdade contratual, uma vez que a
liberdade de contratar seria uma das liberdades naturais do homem, podendo ser
restringida apenas pela vontade do próprio homem. Desta forma, as pessoas só
podem se submeter às leis que elas mesmas se dão:
A idéia de autonomia da vontade está estreitamente ligada à idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito. (MARQUES, 2002, p. 48)
Teresa Negreiros (2006) cita uma interessante notícia veiculada no jornal
Economist, edição de 13 de julho de 1850 na Inglaterra, cuja opinião era contrária ao
movimento sanitário da época, apresentando forte reação à Lei que tornava
compulsória a ligação das casas à rede de esgoto mediante o pagamento de tributo.
O jornal alegou, acerca das precárias condições de moradia e altos índices de
mortalidade, que:
[...] provêm de duas causas, as quais serão agravadas por estas novas leis. A primeira é a pobreza das massas que, se possível, será aumentada pela tributação imposta pelas novas leis. A segunda é que as pessoas nunca puderam cuidar de si mesmas. Elas sempre foram tratadas como servos ou crianças e tornaram-se imbecis principalmente com relação aos objetivos que o governo decidiu realizar por elas. [...] Há um mal pior que o tifo ou a cólera ou a água contaminada que é a imbecilidade mental. (OSER e BLACHFIELD apud NEGREIROS, 2006 P. 17)
Esta era a liberdade almejada pela época. Cada pessoa tem capacidade para
cuidar de si mesma, sem necessidade de se submeter às ordens do Estado.
A idéia da liberdade contratual preencheu importantes funções à época do
liberalismo. De um lado permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e
26
livre no mercado, valendo-se das potencialidades da economia, baseada em um
mercado livre, o que acabou por criar a importante figura da livre concorrência,
assim como do poder auto-regulador do mercado.
Por outro lado, nesta economia livre e descentralizada, deveria ser
assegurada a cada indivíduo a maior independência possível para se “auto-obrigar”
nos limites que desejasse, podendo defender-se contra a imputação de outras
obrigações para as quais não tivesse manifestado sua vontade, principalmente das
intervenções estatais.
Por isso ganhou importância o consenso, a vontade do indivíduo. Desta
forma, o dogma da liberdade contratual “aparece intrinsecamente ligado à autonomia
da vontade, pois é a vontade, que, na visão tradicional, legitima o contrato e é fonte
das obrigações, sendo a liberdade um pressuposto dessa vontade criadora, uma
exigência, [...] mais teórica do que prática.” (MARQUES, 2002, p. 49)
As necessidades sociais cresceram e viu-se que esta liberdade apenas formal
não atendia aos anseios da sociedade. Era preciso limitá-la, ou antes conformá-la
com a nova ordem social, pois “a liberdade contratual ilimitada concedida às
concentrações de poder econômico possibilitadas por essa mesma economia [pós
guerra] conduziria a uma situação na qual a liberdade dos mais fortes se
transformaria na privação da liberdade dos mais fracos.” (WIEACKER, 2004, p.
631).
Como ensina Joaquim de Sousa Ribeiro (2003, p.100), a teoria clássica
contratual era classificada como formalista, uma vez que desconsiderava o fato de
as partes possuírem ou não a disponibilidade dos meios e condições para
efetivamente exercitar a sua liberdade. De tal entendimento conclui que a liberdade
contratual era garantida a todos “apenas como instrumento jurídico, como
oportunidade ou permissão de livre conformação de interesses”. (RIBEIRO, 2003,
p.101).
Antes mesmo do surgimento do Estado Social já se verificava uma mitigação
da liberdade contratual, uma vez que a produção e a contratação em massa
proporcionaram a criação de cláusulas contratuais gerais e contratos de adesão, a
fim de facilitar as operações econômicas, sendo o teor das normas contratuais
imposto por uma parte (economicamente mais forte) a outra parte (economicamente
vulnerável).
Segundo Francisco Amaral:
27
Com as transformações da sociedade contemporânea, a idéia do social começa a prevalecer sobre a do individual, levando a uma intervenção crescente do Estado no domínio econômico, que suscita novos temas, o da função social e o do abuso de direito. (AMARAL, 2008, p.85)
O Estado intervencionista proporcionou a criação de mecanismos que, se não
eficientes para equilibrar a relação contratual, promovendo a igualdade material
entre os contratantes, serviram para mitigar o poder supremo da parte
economicamente mais forte, impedindo que a mesma se aproveitasse de certas
situações, especialmente nas contratações feitas a partir de contratos com cláusulas
pré-definidas:
No domínio contratual, a liberdade material não é, em regra, susceptível de uma directa garantia positiva: a invertenção não parifica posições de desigualdade, somente impede algumas das vantagens que a parte mais forte delas poderia oportunisticamente retirar. Como complexo normativo, o direito dos contratos não tem potencialidades para moldar ou restaurar as condições materiais de uma autonomia efectiva, mas apenas para as inscrever entre os requisitos do reconhecimento da liberdade contratual, extraindo conseqüências limitativas da sua não verificação. (RIBEIRO, 2003, p.107).
Exemplo desses mecanismos no Brasil é a Lei n. 8.078/90, conhecida como
Código de Defesa do Consumidor que, dentre outros, prevê a nulidade de cláusulas
abusivas, bem como a interpretação mais favorável ao consumidor, considerado a
parte vulnerável da relação de consumo.
Posteriormente, com a entrada em vigor do Novo Código Civil brasileiro, Lei n.
10.206/02, uma tentativa de limitação ou conformação do princípio da liberdade
contratual, como adiante se verá, foi a previsão normativa de uma função social
exercida pelo contrato que, segundo entendimento já descrito anteriormente, numa
perspectiva social, supostamente pretende subordinar o ato de contratar, assim
como as cláusulas contratuais, à consecução de justiça social. Tal pensamento
comporta reservas, como se verá, e não corresponde a uma perspectiva
democrática.
O princípio da autonomia privada tem, como pressuposto, a liberdade individual, que, filosoficamente, é a possibilidade de opção, como liberdade de fazer ou de não fazer, e sociologicamente, ausência de condicionamentos materiais e sociais. Do ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato não ordenado nem proibido por lei, e, de modo positivo, é o poder que as
28
pessoas têm de optar entre o exercício e o não-exercício de seus direitos subjetivos. (AMARAL, 2008, p.78)
A liberdade contratual pode ser vista como uma das faces da autonomia
privada, que decorre, por sua vez, da liberdade individual. A autonomia privada tem
um âmbito maior de incidência, uma vez que não se limita às questões patrimoniais,
englobando as existenciais no universo jurídico, já que a pessoa tem poder para se
autodeterminar em uma ou outra área.
A liberdade individual, por sua vez, é o aspecto mais amplo de todos, uma vez
que não se insere apenas no campo jurídico.
Nas palavras de João de Matos Antunes Varela, pode-se conceituar e
diferenciar autonomia privada e liberdade contratual:
Uma coisa é, na verdade, a faculdade reconhecida aos particulares de fixarem livremente, segundo o seu critério, a disciplina vinculativa dos seus interesses, nas relações com as demais criaturas (autonomia privada). E outra coisa, embora estreitamente relacionada com essa, é o poder reconhecido às pessoas de estabelecerem, de comum acordo, as cláusulas reguladoras (no plano do Direito) dos seus interesses contrapostos (liberdade contratual), que mais convenham à sua vontade comum. (VARELA, 2000, p.226)
Em uma perspectiva democrática, a liberdade contratual não pode ser vista
como poder absoluto das partes de delinearem o negócio jurídico, desconsiderando
os efeitos que o contrato provoca no meio social, bem como as demais liberdades
por ela afetadas.
3.1.3 Obrigatoriedade do contrato
Este princípio determina que as estipulações feitas no contrato devam ser
cumpridas fielmente, sob pena de execução judicial contra o inadimplente.
Muito se discute acerca do fundamento da obrigatoriedade das avenças
contratuais. Numa definição bem simples, o contrato é um negócio jurídico onde as
partes, através da manifestação de vontade, disciplinam determinados efeitos,
buscando promover seus interesses.
29
Na obra “Contrato como promessa” o autor Charles Fried (2008) afirma ter o
Direito contratual uma base moral, consubstanciada no princípio da promessa. O
Direito contratual, então, se fundaria na instituição moral primitiva do prometer. Este
autor explica a relação contratual no contexto do liberalismo econômico, onde a
autonomia da vontade é a máxima expressão da liberdade de um indivíduo.
Desta forma, se o indivíduo decide livremente comprometer-se a realizar algo
e faz uma promessa, gera legítimas expectativas na outra parte, devendo ser a
mesma, portanto, cumprida. Expressão do princípio “pacta sunt servanda”, sendo o
contrato lei entre as partes.
Charles Fried (2008) fundamenta que o princípio da promessa é fundado no
ideal liberal, que faz a distinção entre o que é o bem, que pertence à esfera das
aspirações e o que é correto, que estabelece os termos e limites dentro dos quais os
indivíduos se esforçam. O ideal liberal, nesta visão, permite que os indivíduos
tornem-se proprietários daquilo que conseguem, legando aos mesmos, também, os
fracassos e responsabilidades por seus autos, independentemente de
compartilharem ou não sua fortuna ou esperarem ajuda quando fracassarem.
Através da manifestação da vontade, o indivíduo possuiria uma gama
praticamente infinita de possibilidades para o próprio desenvolvimento, limitadas
apenas pela existência de outro indivíduo na relação. As demais pessoas não
podem ser “utilizadas” para consecução dos interesses de outrem por não estarem à
disposição deste, haja vista que possuem, igualmente, autoconsciência e
autodeterminação. Mas ninguém pode desenvolver-se sozinho. A saída para tanto,
segundo o Autor, foi a “descoberta moral de que os homens livres podem mesmo
assim servir livremente aos objetivos uns dos outros”, (FRIED, 2008, p. 10).
O grande dilema de Charles Fried consistiu em determinar como transformar
em não opcional uma conduta que geralmente seria opcional, ou seja, como
restringir a autonomia individual. Ele descobriu que o interesse individual, ou as
considerações utilitárias, não são suficientes para sustentar a convenção, pois o
promitente pode não estar mais interessado em cumpri-la quando chegar o
momento, se ela se mostrar inconveniente ou onerosa.
Na obrigação moral, o cumprimento da promessa não se baseia em
argumentos de utilidade, e sim no respeito à autonomia individual e na confiança.
Desta forma, um indivíduo estaria moralmente obrigado a cumprir suas promessas
porque intencionalmente invocou uma convenção cuja função é fornecer a base para
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que outra pessoa espere o desempenho prometido. É uma expressão do princípio
Kantiano de confiança e respeito, em que cada um age de forma que sua ação
possa ser universalizada.
Nos casos de descumprimento da promessa, o indivíduo responsável deverá
entregar o equivalente do desempenho prometido, medindo-se o ressarcimento pela
expectativa gerada. Percebe-se, portanto, que o princípio da promessa pode até
explicar a obrigatoriedade do contrato numa situação ideal. Entretanto, quando
confrontado com o descumprimento, em geral a obrigação é resolvida pela sanção,
perdas e danos e outros princípios ligados à responsabilidade civil. Não se pode
negar que algumas pessoas cumprem os contratos em razão da palavra dada, mas
também há outras que cumprem apenas em razão de outros motivos, especialmente
das sanções impostas. Se não fosse assim, não haveria necessidade de previsão de
multa contratual, pois as partes livremente cumpririam o pactuado.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2007), o contrato “é a mais comum e a
mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras
repercussões no mundo jurídico”. O contrato seria, para ele, fonte de obrigação, fato
que lhe dá origem.
Já Darcy Bessone de Oliveira Andrade afirma que:
É certo que, unanimemente, as legislações consagram a obrigatoriedade dos contratos. A própria uniformidade de regulamentação jurídica evidencia que não se trata de regra arbitrária, inserta em todos os códigos por simples coincidência. Qual seria, então, a sua razão? O problema pertence à Filosofia do Direito. (ANDRADE, 1960, p. 31).
Ele delimita oito tentativas para explicação do princípio da obrigatoriedade do
contrato, sendo eles: 1) A sociabilidade ou pacto social; 2) ocupação, posse ou
tradição; 3) abandono da própria liberdade; 4) interesse; 5) a consciência e a razão;
6) a vedação ao ato de causar prejuízo a outrem; 7) a veracidade, obrigação de
dizer a verdade; 8) liberdade de disposição da própria liberdade e respeito ao direito
do aceitante.
Afirma, também, que o fundamento da obrigatoriedade não está no
consentimento, na fusão de duas vontades, pois o ato jurídico também pode ser
formado unilateralmente. Sendo o contrato um negócio jurídico que pressupõe duas
ou mais vontades, a análise do contrato se decomporia em promessas unilaterais
obrigatórias, o que guarda consonância com a doutrina de Charles Fried. Mas, por
31
que obriga a declaração de vontade? Darcy Bessone explica que a declaração deve
ser sempre obrigatória quando afetar interesses alheios, sendo imprescindível que o
seu cumprimento possa ser compelido.
Afirma, portanto, que a sanção é essencial à segurança das relações
jurídicas, pois quem é beneficiário de uma promessa deve poder contar com sua
execução. Alem disso, justifica a obrigatoriedade pela autonomia da vontade do
promitente, constituindo a promessa uma renúncia da própria liberdade.
O fato de encontrar-se previsto na grande maioria das legislações, senão em
todas, conforme salientou Darcy Bessone (1960), pode significar que o princípio da
obrigatoriedade do cumprimento dos contratos vem de um princípio moral.
Sobre a questão, Miguel Reale cita a teoria do mínimo ético, que consiste em:
[...] dizer que o Direito representa apenas o mínimo de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. A moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social. (REALE, 2009, p. 42)
Assim, o Direito não seria algo diverso da Moral, mas uma parte da mesma,
possuindo garantias específicas para o seu cumprimento. Ainda segundo Miguel
Reale (2009, p.44), “o ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra”.
Ou seja, só existe conduta verdadeiramente moral quando o indivíduo pratica
conscientemente, por convicção íntima, o que se encontra previsto na norma. O ato
moral é espontâneo, não pode ser objeto de coerção. Esta seria justamente uma das
principais diferenças entre o Direito e a Moral, a coercibilidade do primeiro.
O Direito seria “a ordenação coercível da conduta humana” (REALE, 2009, p.
48). As normas jurídicas podem ou não coincidir com as convicções morais de cada
um, devendo ser cumpridas em todos os casos, mesmo que não se concorde com
elas. Isso ocorre em razão da objetividade das normas jurídicas, ao contrário da
convicção subjetiva moral.
Nas palavras de Miguel Reale:
A validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma
32
relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatários, é o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa nota diferenciadora, afirmando ser a Moral autônoma, e o Direito heterônomo. (REALE, 2009, p.49)
Acerca das características coercitivas do Direito, Miguel Reale ainda afirma que:
Durante muito tempo, os juristas, sob a influência da Escola Positivista, contentaram-se com a apresentação do problema em termos de coercitividade; em seguida, renunciaram à “teoria da coação em ato”, para aceitá-la em “potência”, ou seja, depois de verem o Direito como coação efetiva, passaram a apreciá-lo como possibilidade de coação, mas nunca abandonaram o elemento coercitivo. Este permaneceu como critério último na determinação do Direito. Podemos dizer que o pensamento jurídico contemporâneo, com mais profundeza, não se contenta nem mesmo com o conceito de coação potencial, procurando penetrar mais adentro na experiência jurídica, para descobrir a nota distintiva essencial do Direito. Esta é a nosso ver a bilateralidade atributiva. (REALE, 2009, p. 50)
Esta teoria da bilateralidade atributiva, conforme salienta Miguel Reale,
corresponde à “imperatividade atributiva” de Petrazinski, citado por ele. (Reale,
2009).
Segundo esta teoria, existem duas situações a ser consideradas: a primeira
quando nos dispomos a realizar algo por mera caridade, movidos pela solidariedade
humana, como no caso de dar esmolas a um necessitado que pede. Outra situação
advém quando o pagamento decorre de uma contra-prestação, como no caso de um
indivíduo que paga o deslocamento do taxista.
Na primeira situação, não há laço de exigibilidade, mas na segunda sim, pois
o taxista pode exigir o pagamento ante a prestação do serviço. Desta forma, “há
bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma
proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo.”
(REALE, 2009, p. 51).
Assim, nos enlaces contratuais “nenhuma pessoa deve ficar à mercê da outra,
pois a ação de ambas está subordinada a uma proporção transpessoal ou objetiva,
que se resolve numa relação de prestações e contraprestações recíprocas.” (Reale,
2009, p. 52).
João de Matos Antunes Varela (2006) demonstra que o termo “obrigação”
pode ser utilizado tanto na linguagem corrente, como na literatura jurídica, com
sentidos diversos, cabendo a distinção à ciência jurídica.
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Desta forma, a obrigação pode ser um dever jurídico, ou seja, uma
necessidade imposta pelo Direito às pessoas de observar certo comportamento,
expressa através de um comando. Não é simples conselho ou advertência, mas
exigência normalmente acompanhada de sanções. Segundo João de Matos Antunes
Varela:
Quando a ordem jurídica confere às pessoas em cujo interesse o dever é instituído o poder de disporem dos meios coercitivos que o protegem – quando, por outros termos, o funcionamento da tutela do interesse depende da vontade do titular deste – diz-se que ao dever corresponde um direito subjetivo. O direito subjetivo é o poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio ou alheio. O titular do direito subjetivo não é, assim, apenas um vigilante interessado do comportamento prescrito; é o árbitro ou o juiz da vantagem do funcionamento, em cada caso concreto, da tutela jurídica do dever, mesmo quando dela não possa dispor livremente (direitos indisponíveis). (VARELA, 2006, p. 53)
No âmbito do dever jurídico encontra-se o dever de prestação,
correspondente às obrigações. A possibilidade de exigir, então, o cumprimento da
obrigação, segundo este autor consiste no direito subjetivo conferido às partes,
contrapondo-se ao dever jurídico de efetuar a prestação. Não é apenas a promessa
que gera esse direito subjetivo, mas a previsão legal de que as obrigações devem
ser cumpridas, sob pena de execução forçada ou resolução em perdas e danos,
afetando o patrimônio da parte que descumpriu.
Cesar Fiúza (2002) faz uma breve digressão histórica acerca do fundamento
da obrigatoriedade, demonstrando que, para os jusnaturalistas, seria uma norma de
Direito Natural, baseando-se tanto no contrato social, quanto na própria natureza
humana.
Por outro lado, os utilitaristas encontram o fundamento do princípio da
obrigatoriedade contratual na conveniência de respeitar para ser respeitado. Já os
positivistas afirmam que o fundamento está no próprio Direito Positivo, vigorando o
princípio por estar previsto em lei.
Nas palavras de Fiúza (2002) Kant aduz que o fundamento encontra-se na
liberdade, sendo obrigatório porque as partes assim acordaram.
Entretanto, modernamente:
A obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos na Teoria preceptiva, segundo a qual as obrigações oriundas dos contratos obrigam não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à
34
sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas conseqüências econômicas e sociais. A esfera contratual é espaço privado, em que as partes, nos limites impostos pela lei, podem formular preceitos (normas) para regular sua conduta. A obrigatoriedade contratual também se baseia no princípio da confiança. Baseado no valor social da aparência (Betti), o contrato vincula por razões sociais, ou seja, as partes têm que ter a segurança ou a confiança de que o contrato será cumprido, mesmo que à força. (FIÚZA, 2002, p. 365)
Desta forma, consoante disposto por Fried (2008), a vinculação das partes
passa pela questão da confiança gerada, que o ordenamento jurídico pretende
proteger, mas não se baseia simplesmente na promessa, tendo uma característica
objetiva.
Esta obrigatoriedade, numa perspectiva liberal, se explica segundo Maria
Helena Diniz, porque “o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao
ordenamento jurídico, constituindo verdadeira norma de direito, autorizando,
portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da
obrigação não cumprida segundo a vontade que a constituiu.” (DINIZ, 2006, p. 29)
Como conseqüência da auto-regulamentação dos interesses das partes
contratantes, surge a imperiosa necessidade de proteção da confiança que cada
uma das partes depositou no negócio estipulado.
E ainda, traz a idéia de que o contrato é intangível e imutável, admitindo
apenas algumas exceções como nos casos de caso fortuito ou força maior, ou ainda
se as partes o rescindirem voluntariamente.
Neste sentido:
Se o homem é livre para manifestar sua vontade e para aceitar somente as obrigações que sua vontade cria; fica claro que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia da superioridade da vontade sobre a lei. O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê-la, interpretá-la e reconhecer sua força criadora. O contrato, como diz o art. 1.134 do Código Civil francês, será a lei entre as partes. A própria lei, oriunda do Estado, vai buscar o seu poder vinculante na idéia de um contrato entre todos os indivíduos desta sociedade. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos. (MARQUES, 2002, p. 50)
Se o contrato foi realizado validamente, com a observância de todos os
requisitos essenciais e formais, tem força obrigatória para as partes, não podendo
ser alterados os termos nem mesmo judicialmente. Portanto, as partes não podiam
furtar-se ao cumprimento das obrigações, mesmo em razão de desequilíbrio sofrido
35
em conseqüência de fatos imprevisíveis nas relações contratuais e que
acarretassem exploração de um sobre o outro.
A idéia clássica da força obrigatória dos contratos significa que, uma vez
manifestada sua vontade, as partes estarão ligadas por um contrato, que contém
direitos e deveres dos quais não poderão se desvincular, exceto por outro acordo de
vontades ou por motivo de caso fortuito e força maior.
Essa força seria reconhecida pelo direito e imposta ante a tutela jurisdicional,
pois ao juiz não caberia modificar e adequar à equidade a vontade das partes, pelo
contrário, nessa visão tradicional caber-lhe-ia respeitá-la e assegurar que fossem
atingidos os efeitos almejados pelas partes.
A doutrina moderna já aceita que este princípio não é absoluto como se
afirmava. Tudo conforme a interpretação cumulada com os princípios
contemporâneos acerca da equivalência das prestações e do equilíbrio contratual.
Certo é que o Poder Judiciário já vinha aplicando a teoria da imprevisão há
algum tempo, sob a justificativa de restabelecer o satus quo ante, ou seja, o
equilíbrio entre as partes.
Além disso, o contrato tem passado por profundas modificações, sendo
informado por três novos princípios: boa-fé objetiva, equilíbrio contratual e função
social dos contratos. Desta forma, não apenas a palavra e a confiança podem ser
consideradas fundamento da obrigatoriedade, tendo em vista que as implicações
sociais, os deveres anexos da boa-fé objetiva e a necessidade de equilíbrio material
entre prestação e contra-prestação trouxeram novos limites à vontade das partes,
vinculando o cumprimento dos contratos.
3.1.4 Relatividade dos efeitos contratuais
Segundo este princípio clássico, o negócio jurídico avençado não beneficia
nem prejudica terceiros, vinculando e gerando efeitos apenas para as partes
contratantes: res inter alios acta allis neque nocere neque prodesse potest1. Logo,
1 O que foi negociado entre as partes não pode prejudicar nem beneficiar terceiros.
36
não tem eficácia em relação a terceiros e seu patrimônio, como ensina Maria Helena
Diniz (2006).
O contrato nasce de um acordo de vontades, assim, ninguém pode se
submeter à relação contratual se destarte não quiser ou se a lei não determinar.
Como qualquer instituto de Direito, tem suas exceções.
É coerente com o modelo clássico do contrato, pois confere a impressão de
que objetiva exclusivamente a satisfação das necessidades individuais daqueles que
o haviam celebrado.
O Código Civil brasileiro de 1916 previa em seu artigo 928 que: “A obrigação,
não sendo personalíssima, opera assim entre as partes, como entre seus herdeiros.”
(BRASIL, 1916)
Como corolário da autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos
fica limitada às pessoas que dele participaram, manifestando a sua vontade.
Assim, como a legitimidade do contrato era determinada pela vontade livre e
isenta de vícios e defeitos, quem não exprimiu essa vontade não poderia sofrer os
benefícios ou malefícios das determinações contratuais.
Esta visão vem sendo modificada, pois já se sabe que alguns contratos
podem atingir terceiros, direta ou indiretamente, que não façam parte deles. Além
disso, como ensina Carlos Roberto Gonçalves: “o princípio da relatividade dos
efeitos do contrato, embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo
reconhecimento de que as cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública,
não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes”.
(GONÇALVES, 2007, p.27)
O contrato é coisa percebida por outras pessoas que dele não participaram,
como explica Sílvio de Salvo Venosa (2007). Esse aspecto é bastante observado
nos contratos de consumo.
Existem inúmeras exceções a este princípio da relatividade como as
estipulações em favor de terceiro (artigos 436 a 438 do Código Civil de 2002),
convenções coletivas de trabalho, etc.
Além disso, Sílvio de Salvo Venosa explica que “esse princípio da relatividade
não se aplica tão-somente em relação às partes, mas também em relação ao
objeto.” (VENOSA, 2007, p. 345). Assim, o contrato sobre o bem que não pertence
às partes não atinge terceiros. (Esta regra também comporta exceções).
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
37
O legislador atentou aqui para a acepção mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, como se ele tivesse existência autônoma, fora do mundo que o cerca. Hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. (PEREIRA, 2006, p.13)
Segundo a teoria clássica, em regra, as obrigações não podem ser opostas a
terceiros, nem por eles invocadas, como uma conseqüência lógica da necessária
manifestação de vontade a legitimar um contrato, pois, sem o consentimento válido,
não pode ter existência o ato jurídico e, por conseguinte, a obrigação em relação a
essas pessoas que na formação contratual não intervierem, é como se não existisse.
Desta forma, segundo Teresa Negreiros (2006), pode-se falar em um nexo de
causa e efeito estabelecido entre o princípio da autonomia da vontade e o princípio
da relatividade dos efeitos do contrato.
3.2 Princípios Contemporâneos
Na concepção tradicional de contato, a relação contratual seria obra de dois
indivíduos em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, que discutiriam
livremente e de forma individual as cláusulas de seu acordo de vontades.
A função social no modelo liberal “era implícita à própria idéia de liberdade
individual que se expressava na plenitude da autonomia”. (RÜGER; RODRIGUES,
2007, p.18)
No entanto, a liberdade individual ilimitada, assim como a igualdade apenas
formal converteu-se em arbitrariedade, entrando em colapso o sistema liberal.
Na sociedade de consumo estabelecida pela Revolução Industrial, pode-se
dizer que o comércio jurídico se despersonalizou, pois a empresa e mesmo o
Estado, pela sua posição econômica e atividades de produção e distribuição de bens
e serviços, começaram a constituir uma série de contratos no mercado.
São contratos de conteúdo homogêneo, mas concluídos com uma série ainda
indefinida de contratantes. Desta forma, por uma questão de economia e praticidade
38
as empresas se propuseram a dispor antecipadamente de um esquema contratual,
oferecido à simples adesão dos consumidores.
Nesse tipo de contratos não havia, e ainda não há, a liberdade contratual de
definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o aderente apenas aceitá-lo
ou recusá-lo.
A profunda renovação do Direito Contratual deve-se a fatos como, nas
palavras de Cláudia Lima Marques, “o incremento da vida contratual, cada vez mais
intensa e estandardizada, a mudança de uma economia agrária em economia
industrial e capitalista, concentradora de riquezas e de poder, e a criação de uma
sociedade de consumo.” (MARQUES, 2002, p. 222).
O processo acelerado de acumulação de capital, bem como o aumento da
desigualdade social agravando os problemas sociais e a necessidade de proteção
ao consumidor passaram a exigir a intervenção estatal, mormente no que tange à
liberdade contratual, que já se encontrava limitada pelos contratos de adesão. Ao
contrário do que se acreditava, o dogma da liberdade contratual tornou-se uma
ficção: liberdade de uns e opressão dos outros, da mesma forma que a livre
concorrência não foi suficiente para conduzir a economia a resultados aceitáveis.
Assim, ficou evidente que o fenômeno da industrialização, conforme ensina
Cláudia Lima Marques (2002), e a massificação das relações contratuais,
especialmente através da criação dos contratos de adesão provocaram novos
questionamentos acerca da teoria contratual, pelos quais o conceito clássico de
contrato não mais se adaptava à realidade socioeconômica do século XX.
Além disso, o processo de democratização do Estado teve como
conseqüência a diversificação dos interesses, sendo objetivo da administração
pública procurar satisfazê-los.
Desta forma, manteve-se o regime de economia de mercado, porém sujeito a
algum dirigismo em busca de equilibrar os interesses. O Estado Social de Direito
assenta-se sobre um humanismo democrático, em substituição ao individualismo do
Estado Liberal. Após a “crise” também do Estado Social, conforme salientado,
provocada pelos excessos da interferência estatal, caíram por terra os postulados
que privilegiavam a vontade coletiva em detrimento da vontade individual.
Os ideais do Estado Liberal e aqueles do Estado Social pressupunham uma imanente tensão entre interesse público e interesse privado. Naquele, os interesses individuais sobrepunham-se aos demais e, ao Estado, cabia
39
a manutenção da ordem para que os interesses privados pudessem ser satisfeitos. Já no Estado Social, havia uma concepção equivocada de que as pessoas deviam servir à sociedade política, como instrumento de interesses “maiores”. (NAVES, 2009, p.311).
Passou-se a questionar a classificação estanque de interesse público e
interesse privado, bem como a própria noção de interesse como situação jurídica.
Neste sentido, Naves cita com precisão Daniel Sarmento:
Portanto, o quadro que se delineia diante dos olhos é muito mais o de convergência entre interesses públicos e particulares do que o de colisão. Tal situação, repita-se, não constitui a exceção, mas a regra. Na imensa maioria dos casos, a coletividade se beneficia com a efetiva proteção dos interesses de seus membros da sociedade, razão pela qual se torna em regra impossível dissociar os interesses públicos dos privados. (SARMENTO apud NAVES, 2009, p.311).
Tais mudanças refletiram nos contratos e tiveram como conseqüência não o
abandono dos princípios clássicos contratuais, mas sim o acréscimo de outros,
visando à conformação dos antigos e sua adequação à nova realidade social.
O Estado Democrático de Direito, consagrado no país pelo marco da
Constituição da República Brasileira de 1988, inseriu no ordenamento jurídico pátrio
certos princípios voltados para a priorização crescente de normas públicas que
harmonizassem a esfera individual e a social. Desta forma, não mais se acredita na
supremacia do interesse público sobre o privado, mas sim, na harmonia entre os
dois.
Em que pese não ser modificada fundamentalmente a finalidade do contrato,
qual seja, a circulação de riquezas, a nova doutrina contratual tem defendido a
consideração do contrato como instrumento de promoção dos objetivos declarados
na Constituição da República, tais como proporcionar o desenvolvimento nacional,
construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais,
etc., emergindo nesse caso uma função social.
Segundo Habermas, “o Estado Democrático define que todo direito subjetivo
deve sua existência a uma ordem jurídica objetiva, que irá possibilitar e garantir a
integridade de uma vida autônoma, mas em comum, fundada em uma ordem de
coisas que tenham como vetor o mútuo respeito.” (HABERMAS, 1995)
Não há supressão da autonomia, uma vez que não se pode defender o
Estado totalitário, mas respeitando-se a necessária vida em comum, coíbe-se os
abusos de direito.
40
Assim, a nova concepção do Direito Contratual não se limita à existência dos
três princípios clássicos mencionados, mas abrange ainda outros três, como registra
Antônio Junqueira de Azevedo citado por Humberto Theodoro Júnior (2004, p.4): “1)
princípio da boa fé objetiva, 2) princípio do equilíbrio econômico, 3) princípio da
função social dos contratos.”
A existência de novos princípios não eliminaria os antigos, mas acrescentaria
fundamentos éticos e funcionais necessários à criação e execução dos contratos.
Como será visto posteriormente, a pretensão de utilização de valores éticos no plano
da aplicação do Direito deve ser afastada, uma vez que a coerção, instrumento
imprescindível na consecução do direito, somente pode ser garantida pela
normatividade, estando os valores ligados ao plano de justificação apenas.
A Constituição da República, em artigo 1º, descreve como fundamento da
República, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Tais
valores representam interesses da coletividade, que devem ser representados por
direitos subjetivos, para fins de eficácia.
Desta forma, no paradigma do estado Democrático de Direito, a aplicação dos
princípios contratuais não deve ser feita com base numa escala de valores, nem
eleger um valor supremo, mas sim, considerando a normatividade dos princípios,
resolver eventuais conflitos pela adequação ao caso concreto. Deverá conciliar
princípios novos e clássicos, buscando respeitar os objetivos da República e seus
fundamentos.
A seguir serão tratados rapidamente os novos princípios contratuais, dando-
se ênfase apenas à função social dos contratos, objeto deste trabalho.
3.2.1 Princípio da boa-fé objetiva
É a consagração do entendimento de que não só o acordo de vontades obriga
as partes contratantes, mas sim, alguns “deveres paralelos” nas palavras de
Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 9), sendo estes últimos acessórios àqueles que
foram pactuados.
41
O artigo 422 do Código Civil de 2002 dispõe: “Art. 422. Os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios da probidade e boa-fé.” (BRASIL, 2007)
Neste sentido, difere-se a boa-fé subjetiva ou o estado de espírito do agente,
da boa-fé objetiva:
A boa-fé objetiva desliga-se completamente do elemento vontade, para focalizar sua atenção na comparação entre a atitude tomada e aquela que se poderia esperar de um homem médio, reticente (sic), do bom pai de família. O eixo da análise é deslocado. Enquanto na primeira modalidade o reconhecimento do animus nocendi é vital, na segunda desimporta. (USTARRÓZ apud THEODORO JÚNIOR, 2004, p.10).
Assim, ambos os contratantes devem agir segundo os costumes das
pessoas honestas. Segundo Teresa Negreiros, o princípio da boa-fé representa o
valor da ética, lealdade, correção, veracidade, com fundamento na Constituição
através da cláusula geral de tutela da pessoa humana e solidariedade social, em
que “o respeito ao próximo é elemento essencial de toda e qualquer relação
jurídica”. (NEGREIROS, 2006, p. 117).
Segundo Caio Mário, “a maior crítica que certamente se podia fazer ao
Código Civil de 1916 era a de que nele não se tinha consagrado expressamente o
princípio da boa-fé como cláusula geral”. (PEREIRA, 2006, p. 20).
Este princípio incide sobre todas as relações jurídicas da sociedade, sendo
de observância obrigatória, embora contenha um conceito jurídico indeterminado
que se concretiza apenas nas peculiaridades do caso concreto.
Apesar disso, a doutrina tem delineado contornos a este princípio,
parâmetros que permitem ao intérprete verificar sua existência ou ausência em cada
caso.
Estes parâmetros dizem respeito ao comportamento do agente em
determinada relação jurídica de cooperação, conforme ensina Caio Mário da Silva
Pereira (2006). Seu conteúdo são padrões de conduta que variam de exigências
conforme a necessidade do tipo de relação existente entre as partes.
Neste sentido, difere da boa-fé subjetiva que se qualifica como estado de
consciência da parte de estar se comportando conforme determina o ordenamento
jurídico ou não. Assim, a boa-fé subjetiva cria deveres negativos para as partes.
Já a boa-fé objetiva:
42
Cria também deveres positivos, já que exige que as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas obtenham o proveito desejado. Assim, o dever de simples abstenção de prejudicar, característico da boa fé subjetiva, se transforma na boa-fé objetiva em dever de cooperar. (PEREIRA, 2006, p.21).
O princípio é elemento interpretativo, além de possuir função limitadora e de
criação de deveres jurídicos (acessórios) de equidade, razoabilidade e correção, em
prol do interesse social e da segurança das relações jurídicas.
Segundo Cláudia Lima Marques (2002), o princípio da boa-fé objetiva na
formação e execução das obrigações possui as seguintes funções:
A primeira é uma função criadora, seja como fonte de novos deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato ilícito, ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora, reduzindo a liberdade de atuação dos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e liberando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta. A terceira é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o que permite uma visão total e real do contrato sob exame. (MARQUES, 2002, p. 180)
Nesse sentido, os deveres anexos à boa-fé podem ser entendidos como
cooperação e respeito, conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações.
Significa fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa alheia,
consubstanciada em atitude de lealdade e cuidado que se costuma observar e que é
genuinamente almejada nas relações entre pessoas honestas.
A observância do princípio da boa-fé leva à necessidade do cumprimento
desses deveres mencionados, mesmo que não previstos expressamente no
contrato, mas que são deveres gerais de conduta em todas as relações sociais.
Ainda nas palavras de Cláudia Lima Marques:
Esses deveres nasceram da observação da jurisprudência alemã ao visualizar que o contrato, enquanto fonte imanente de conflitos de interesses, deveria ser guiado e, mais ainda, guiar a atuação dos contraentes conforme o princípio da boa-fé nas relações. Dever aqui significa a sujeição a determinada conduta, sujeição esta acompanhada de uma sanção em caso de descumprimento. (MARQUES, 2002, p. 184-185)
43
Assim, apesar da nomenclatura “deveres anexos”, trata-se de obrigações a
corroborar que a relação contratual obriga não somente ao cumprimento da
obrigação principal, no caso a prestação objeto do contrato, mas também ao
cumprimento de várias outras acessórias, sob pena de sanção, e que devem ser
observados tanto na fase pré-contratual, como na contratual e na pós-contratual.
3.2.2 Princípio do equilíbrio econômico
A avença contratual entre as partes pressupõe que estas estejam em pé de
igualdade e possam de maneira igualitária discutir nas cláusulas, os direitos e
deveres que se originarão do que for pactuado. Havendo disparidade, não pode
haver liberdade e autonomia da vontade, princípio fundamental do contrato.
Desta forma, a ordem jurídica buscou, com a inclusão deste princípio no
ordenamento, concretizar a igualdade material das partes, não apenas formal como
prezava o liberalismo.
“[...] torna-se anulável o contrato ajustado por quem age sob premente
necessidade ou por inexperiência, obrigando-se a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação proposta.” (PEREIRA, 2006, p. 12).
Além disso, podem ocorrer fatores que tornem a prestação avençada lesiva
ou excessivamente onerosa para uma das partes. Mesmo que à época da
convenção a situação das partes fosse de equilíbrio, acontecimentos extraordinários
podem tornar a prestação excessivamente onerosa para uma parte e extremamente
vantajosa para a outra. Nestes casos, para se igualar prestação e contraprestação
restabelecendo o equilíbrio, a lei permite a revisão dos termos contratuais, ou
mesmo sua resolução. Este princípio encontra previsão no Código Civil, artigos 157
e 478:
Art. 157. Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação proposta. § 1º. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. §2º. Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. [...]
44
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a declarar retroagirão à data da citação. (BRASIL, 2007)
Como bem explica Teresa Negreiros, o “contrato não deve servir de
instrumento para que, sob a capa de um equilíbrio meramente formal, as prestações
em favor de um contratante lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do
outro contratante.” (NEGREIROS, 2006, p. 158). Tudo sob a ótica da do princípio
constitucional da igualdade substancial previsto no art. 3º da Constituição da
República de 1988, já mencionado, e da justiça social.
Neste sentido:
[...] o princípio do equilíbrio econômico incide sobre o programa contratual, servindo como parâmetro para a avaliação de seu conteúdo e resultado, mediante a comparação das desvantagens e encargos atribuídos a cada um dos contratantes. Inspirado na igualdade substancial, o princípio do equilíbrio econômico expressa a preocupação da teoria contratual contemporânea com o contratante vulnerável. Em face da disparidade de poder negocial entre os contratantes, a disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca. (NEGREIROS, 2006, p.159).
Essa tendência de avaliar o conteúdo e resultado do contrato se contrapõe
ao Direito Contratual clássico, onde se verificava a avaliação prevalente da fase de
formação, bem como da manifestação da vontade.
3.2.3 Princípio da função social dos contratos – br eve introdução do problema
e da perspectiva clássica social
O princípio da função social dos contratos está disposto no artigo 421 do
Código Civil de 2002: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social dos contratos.” (BRASIL, 2007), combinado com o
parágrafo único, do artigo 2.035, da mesma lei: “Nenhuma convenção prevalecerá
se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código
para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.” (BRASIL, 2007).
45
Função quer dizer papel, desempenho, atuação, sendo uma determinação a
ser cumprida pela coisa.
Segundo César Fiúza (2007, p.262), os contratos possuem três funções
fundamentais: uma econômica, outra pedagógica e outra social. A função econômica
traduz-se pela atividade de circulação de riquezas, distribuição de renda e geração
de empregos; a função pedagógica do contrato transforma-o em instrumento de
educação do indivíduo para a vida em sociedade; e a função social seria uma
síntese das anteriores, um modo de promoção da dignidade da pessoa humana.
Social quer dizer relativo à sociedade. Logo, em uma primeira análise, pode-
se definir função social do contrato como o papel que ele desempenha relativo à
sociedade.
Em uma perspectiva “lato sensu”, dada a importância dos contratos para o
desenvolvimento da sociedade, poder-se-ia falar que a função social contém todas
as funções do contrato, inclusive a econômica. Numa perspectiva democrática, o
respeito à função social do contrato não poderia relevar as demais funções que o
mesmo desempenha, ante a importância social delas.
Não se pode falar em função social que descarta a função econômica do
contrato, ou a pedagógica. O contrato influencia um domínio externo ao dos
contratantes, atingindo todo o meio social, consistindo em seu importante
instrumento de modificação.
A justificativa para o presente trabalho consiste no fato da grande
indeterminação tanto da natureza jurídica, quando da eficácia deste princípio
contratual. Buscou-se analisar estas questões sob o referencial democrático,
ultrapassando-se a visão social do instituto, que tem sido confundida com uma
pretensa visão democrática:
Muito se tem dito e escrito sobre a função social do contrato. Ela vem a reboque da tendência da funcionalização inerente a toda situação jurídica subjetiva. É natural, como em qualquer campo da ciência ou da experiência, que a curiosidade do ser humano o instigue a desbravar o novo, o inusitado. O cuidado com o tema é justificado: o art. 421 do Código Civil de 2002 é uma cláusula geral de grande envergadura e confins ainda imprecisos. [...] Em tempos de abertura para o novo, a tendência da jurisprudência é a de empregar a função social do contrato como uma panacéia para os males do rigor contratual. Pablo Rentería assume que a grande dificuldade para o operador do direito “diz respeito à identificação de uma especificidade normativa para a função social do contrato, ou seja, de um conteúdo normativo que lhe atribua um escopo de aplicação próprio e efetivo.” (ROSENVALD, 2007, p.369)
46
Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social,
afirma que a proposta, não só da função social do contrato, mas também dos
demais princípios recentes, é auxiliar na promoção da solidariedade social, na
medida em que o patrimônio deixaria de ser o eixo da estrutura social para se tornar
instrumento de realização da pessoa humana.
Nesta concepção, com a mudança da perspectiva de visão da autonomia
privada, todos os princípios contratuais que dela decorrem, como defendido por
Francisco Amaral em citação anterior, passam a ser ferramentas de justiça social.
Assim, “o exercício da autonomia privada em nossos tempos deve orientar-
se não só pelo interesse individual, mas também pela utilidade que possa ter na
consecução dos interesses gerais da comunidade.” (AMARAL apud THEODORO
JÚNIOR, 2004, p. 14).
A justiça social, neste caso, seria revelada nos deveres das partes com
relação à sociedade, tendo por superado aquele individualismo liberal em favor dos
interesses gerais de todos.
Teresa Negreiros, (2006), grande defensora de tal tese, atribui essas
mudanças ao processo de constitucionalização do Direito Civil, o que implicaria na
substituição de seu “centro valorativo”. Em lugar do indivíduo, surge a pessoa,
sobrepondo-se ao reino absoluto da liberdade individual a solidariedade social.
Segundo João Hora Neto (2006), na sociedade moderna buscar-se-ia a
realização de um contrato que leve em conta sua função social, ou seja, em que
pese desenvolver uma função de circulação e transferência de riquezas, realize
ainda um papel na sociedade que diz respeito à dignidade da pessoa humana e
redução das desigualdades, conforme os valores e princípios constitucionais.
Também explicita Maria Helena Diniz:
Ante o disposto no artigo 421, repelido está o individualismo, nítida é, como diz Francisco Amaral, a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Amputam-se, assim, os excessos do individualismo e da autonomia da vontade. Consagrado está o princípio da socialidade. O art. 421 é um princípio geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. (DINIZ, 2007, p. 24).
47
Em contraposição a este pensamento, surgiram doutrinadores críticos dessa
função de promoção dos interesses coletivos e da justiça social, como Luciano
Benetti Tim. Para ele, “os defensores do solidarismo jurídico acreditam que, por meio
da funcionalização do Direito Privado, dominar-se-á o mercado, civilizando-o através
de normas jurídicas solidárias e justas.” (TIM, 2008, p.42)
Defende, ainda, que este pensamento se reflete nas decisões judiciais mais
recentes, em que os juízes servem-se das cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados para intervir diretamente no contrato e na propriedade de uma forma
maléfica:
Infelizmente, não há evidências empíricas de que o Direito Privado (especificamente no âmbito empresarial) possa transformar a realidade econômica e social. Até agora, não existe nenhum estudo de campo que tenha demonstrado que as ações revisionais de leasing e de contratos bancários tenham contribuído para a diminuição de juros. Ao contrário, as evidências hoje são justamente ao contrário, ou seja, de que elas só fizeram os juros aumentar diante do aumento de risco de inadimplência e mesmo do tempo envolvido para a recuperação de ativos. Igualmente não existem levantamentos estatísticos de que decisões que desrespeitam o direito de propriedade contribuem para a redistribuição da renda. (TIM, 2008, p.43)
Grande parte da doutrina encontra-se presa ao paradigma do Estado Social
e através da aplicação do princípio da função social, busca incluir novas funções ao
ato de contratar, como reduzir as desigualdades sociais, e buscar a realização dos
interesses gerais da sociedade. No entanto:
[...] no âmbito dos contratos e da empresa, a sociedade não deixa de integrar o espaço público do mercado, podendo, neste sentido, ser considerada atentatória à função social do contrato uma decisão irracional do ponto de vista econômico que desarranje o mercado, ou seja, que tenda a gerar mais custos à sociedade do que benefícios. [...] Note-se que propositalmente alguns autores buscaram traçar uma irreal e contra-fática distinção entre o plano econômico e o plano social, esquecendo que as relações sociais são estabelecidas no mercado, e, em contrapartida, as relações de mercado são relações sociais. Nenhuma opção economicamente ruim pode ser socialmente boa. O desperdício de recursos não pode ser bom socialmente. (TIM, 2008, p.55)
A explanação feita até aqui mostra que, mesmo defendendo estar-se
argumentando sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, qualquer visão
que eleja um princípio ou função contratual suprema, seja social ou econômica, em
detrimento das demais, nada tem de democrática.
48
Havendo grande confusão acerca da natureza jurídica e da aplicação do
princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação equivocada, como
mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que justamente busca
evitar, a missão do presente trabalho será, portanto, tentar esclarecer estas
questões obscuras, interpretando-se a função social sob uma perspectiva
democrática e plural, sem desconsiderar as variantes e o contexto em que está
inserido o contrato.
49
4. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
4.1 Das diversas definições de função social dos co ntratos segundo a visão
clássica social.
Como já introduzido, a funcionalização dos institutos jurídicos do Direito
Privado tem suas raízes no Estado Social, criação de uma teoria solidarista que
remonta a Durkheim e suas definições de solidariedade mecânica e solidariedade
orgânica.
“A análise jurídica não deveria partir do direito subjetivo de uma pessoa, mas
sim da função que aquele direito desempenha no tecido social.” (TIM, 2008, p.58).
Segundo Luciano Tim, como o indivíduo é considerado parte da sociedade, sendo
esta última anterior ao primeiro, deve repartir os riscos com a coletividade,
buscando-se sempre uma divisão igualitária dos lucros e dos ônus. Esta seria a
razão do Estado assumir de forma direta certos papéis na economia, buscando
regular e diminuir as desigualdades.
Segundo Durkheim (2008, p.13), perguntar qual é a função de determinada
coisa seria investigar a que necessidade ela corresponde. Para ele, a vida em
sociedade pressupõe a existência de solidariedade, sendo o Direito um símbolo
visível dela. Ele faz distinção entre dois tipos de solidariedade, de acordo com a
classificação das regras jurídicas pelas sanções que a elas são aplicadas.
Neste sentido, existiriam dois tipos de sanção: a repressiva e a restitutiva. A
sanção repressiva diz respeito ao Direito Penal. As regras que o direito penal
sanciona exprimem, pois, as similitudes sociais mais essenciais, correspondendo à
solidariedade social que deriva das semelhanças:
Daí resulta uma solidariedade sui generis que, nascida das semelhanças, vincula diretamente o indivíduo à sociedade. [...] Essa solidariedade não consiste apenas num apego geral e indeterminado do indivíduo ao grupo, mas também torna harmônico o detalhe dos movimentos. [...] Por conseguinte, cada vez que entram em jogo, as vontades se movem espontaneamente e em conjunto no mesmo sentido. (DURKHEIM, 2008, p.78-79)
50
Trata-se da solidariedade mecânica, que pretende a manutenção da coesão
social através das similitudes dos indivíduos.
Já a solidariedade orgânica corresponde ao direito cooperativo, vem da
divisão do trabalho e liga-se à definição de sanção restitutiva. Compreende, dentre
outros, o direito contratual, uma vez que “as relações aí regulamentadas são de uma
natureza totalmente diferente das precedentes; elas exprimem um concurso positivo,
uma cooperação que deriva essencialmente da divisão do trabalho.” (DURKHEIM,
2008, p.98).
Verifica-se que a solidariedade mecânica pressupõe o esforço comum dos
indivíduos, havendo iguais necessidades. A solidariedade orgânica, por sua vez,
pressupõe interesses comuns e interdependentes, relacionados à diversidade.
Do mesmo modo que as similitudes sociais dão origem a um direito e a uma moral que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras que asseguram o concurso pacífico e regular das funções divididas. [...] A divisão do trabalho não põe em presença indivíduos, mas funções sociais. Ora, a sociedade está envolvida no jogo destas últimas: conforme concorram regularmente ou não, ela será sadia ou doente. Portanto, sua existência depende delas, e tanto mais intimamente quanto mais forem divididas. (DURKHEIM, 2008, p.430)
Desta forma, a moral das sociedades organizadas pede:
[...] apenas que sejamos ternos com nossos semelhantes e que sejamos justos, que cumpramos nossa tarefa, trabalhemos para que cada um seja convocado para a função que pode desempenhar melhor e receba o justo preço de seus esforços. (DURKHEIM, 2008, p.430)
A divisão do trabalho gera, portanto, coesão social, já que os indivíduos
dependem uns dos outros, promovendo respeito à dignidade da pessoa humana.
Estas seriam as bases do pensamento solidarista, que direcionou os estudos e a
criação de normas jurídicas voltadas para a “proteção da sociedade” e a
funcionalização do direito contratual.
A funcionalização dos institutos jurídicos significa, então, que o direito em particular e a sociedade em geral, começam a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no tocante ao controle ou disciplina social, mas também no que diz respeito à organização e direção da sociedade, abandonando-se a costumeira função repressiva tradicionalmente atribuída ao direito, em favor de novas funções, de natureza distributiva, promocional e inovadora, principalmente na relação do direito com a economia. Surge, assim, o conceito de função no direito,
51
ou melhor, dos institutos jurídicos, inicialmente em matéria de propriedade e, depois, de contrato. (BARBOSA; PEREIRA, 2010, p.315).
Menciona Nelson Rosenvald (2004) que, o Código Civil traz em seu bojo
essencialmente o princípio da socialidade. Para explicar esta expressão, adentra a
definição de direito subjetivo como o poder de um indivíduo, concedido pelo Estado,
de satisfazer seus interesses. Ele afirma que:
Nos dois últimos séculos, fortemente influenciados elo positivismo jurídico e individualismo liberal, os juristas compreendiam que a satisfação de um interesse próprio significava a busca pelo bem individual, pois a soma de todos os bens individuais consagraria o bem comum da sociedade. Os homens seriam individualmente considerados como uma realidade e a sociedade não passaria de uma ficção. Não se cogita de solidariedade, pois, a partir da vontade de cada indivíduo, seria possível alcançar a felicidade coletiva. (ROSENVALD, 2004, p.18).
Desta forma, os ideais de uma sociedade livre e igualitária consagrados pelo
liberalismo dos séculos XIX e XX defenderam um sistema jurídico fortemente
exclusivista, no qual existia espaço apenas para algumas classes como o
proprietário, o contratante e o marido/pai.
Os ordenamentos jurídicos posteriores, denominados sociais, perceberam
que ao conceder um direito subjetivo a alguém para satisfazer seus interesses,
deveriam estabelecer também condições, em prol da comunidade, para que a
satisfação pessoal não atrapalhasse as expectativas coletivas.
Consoante tal entendimento, percebe-se a busca de limitação ao exercício
dos direitos subjetivos, segundo Rosenvald (2004), que são dados pela própria
sociedade, sendo que, no momento em que se atingisse a harmonia entre a
autonomia da vontade e a solidariedade social, restaria conciliada a liberdade a uma
igualdade material e concreta.
O Código Civil de 2002 apresentaria um princípio de eticidade implícito em
suas normas. Contrapondo-se ao Código Civil de 1916, que abandonou os
questionamentos éticos, influenciado pelo formalismo jurídico, a nova legislação
apresenta a técnica das cláusulas gerais, transformando-se “o ordenamento privado
em sistema aberto e poroso, capaz de captar o universo axiológico que lhe fornece
substrato.” (ROSENVALD, 2004, p. 22).
52
O Código Civil de 1916 servia às classes dominantes, com sua técnica
positivista de reduzir a ciência do Direito às emanações do direito positivo legislado,
conforme explica Rosenvald (2004).
Afinal, o ordenamento correspondia aos ideais burgueses, sendo os juízes
meros autômatos, apenas aplicando a norma ao caso concreto, sem qualquer
espaço para interpretação e criação do Direito.
Tal assepsia e neutralidade seriam perigosas, pois abririam um leque de
possibilidades para se cometer as maiores atrocidades e injustiças em nome do
Direito, como nos Estados fascistas e nazistas.
O horror cometido por estes Estados serviu para demonstrar aos demais
que existem valores que são intrínsecos à natureza humana, valores sociológicos e
filosóficos que influenciam profundamente o Direito e a idéia de justiça.
Surge, no pós-guerra, um movimento para constitucionalização do Direito
Civil, segundo o qual deve ser reconhecido o lugar hierarquicamente superior da
Constituição nos ordenamentos jurídicos de cada país, precedendo as leis
ordinárias. Destarte, qualquer controvérsia oriunda da aplicabilidade de normas deve
ser resolvida conforme os valores previstos na Constituição.
Na Itália se vê claramente o movimento, como exemplifica Perlingieri:
O conjunto de valores, de bens, de interesses que o ordenamento jurídico considera e privilegia, e mesmo a sua hierarquia, traduzem o tipo de ordenamento com o qual se opera. Não existe, em abstrato, o ordenamento jurídico, mas existem os ordenamentos jurídicos, cada um dos quais caracterizado por uma filosofia de vida, isto é, por valores e por princípios fundamentais que constituem a sua estrutura qualificadora. O ordenamento italiano constitui-se por leis e códigos que foram e são expressões de uma ideologia e de uma visão do mundo diversas daquelas que caracterizam a sociedade moderna, e, de qualquer modo, certamente diversas daquelas que estão presentes na Constituição da República. A questão da aplicabilidade simultânea de leis inspiradas em valores diversos (o Código Civil italiano, lembre-se, é de 1942: pertencia, portanto, ao ordenamento fascista; a Constituição, ao contrário, entrou em vigor em 1948) resolve-se somente tendo consciência de que o ordenamento jurídico é unitário. A solução para cada controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam. (PERLINGIERI, 2007, p.5)
Além disso, verificou-se um grande número de leis esparsas que surgiram
para disciplinar determinados aspectos da vida privada, ainda que num contorno
fragmentado, de forma que, para parte da doutrina, o Código Civil teria perdido sua
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posição centralizadora, restando o papel de norma unificadora do sistema às
Constituições. Chega-se a falar em movimento de descodificação, com o advento de
microsistemas normativos, cabendo ao intérprete a defesa da unidade do sistema
por meio da observância dos princípios constitucionais, uma vez que, agora, é a
Constituição que funda e une o ordenamento.
Da mesma forma, segundo Perlingieri (2007, p.11), não havendo norma
ordinária que discipline o fato, nada impede que a norma constitucional seja aplicada
diretamente ao caso.
A norma constitucional torna-se a razão primária e justificadora (e todavia não a única, se for individuada uma normativa ordinária aplicável ao caso) da relevância jurídica de tais relações, constituindo parte integrante da normativa na qual elas, de um ponto de vista funcional, se concretizam. Portanto, a normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como uma regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-a aos novos valores. (PERLINGIERI, 2007, p.12)
Nas palavras de Teresa Negreiros:
De fato, num tempo em que o muro a separar o Estado e a sociedade ainda estava de pé, as relações ditas privadas circunscreviam-se ao espaço normativo delimitado pelo Código. [...]. Tais relações [privadas] qualificavam-se como sendo aquelas que diziam respeito ao indivíduo e á sua liberdade, donde Savigny definir o Direito Privado como o “conjunto das relações jurídicas no qual cada indivíduo exerce a própria vida dando-lhe um especial caráter”. À Constituição caberia, ao invés, ordenar as relações públicas – definidas subjetivamente como as relações das quais participasse o Poder Público – e, em se tratando do indivíduo, protege-lo frente ao poder de império do Estado. (NEGREIROS, 2006, p.48-49).
Havia um paralelismo entre o Direito Civil e o Constitucional, na medida em
que se poderia falar de duas constituições, uma privada e uma pública.
Na proposta da teoria de constitucionalização do Direito Privado, este
paralelismo se transforma em convergência, pois as normas e princípios
constitucionais passam a atingir e regular as relações jurídicas de natureza civil
como família, obrigações, sucessões, etc.
Neste sentido, tem-se a opinião de Gustavo Tepedino citado por Teresa
Negreiros:
O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem
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princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. (TEPEDINO apud NEGREIROS, 2006, p. 50).
Segundo esses doutrinadores, não se pretende afirmar a supremacia da
coletividade sobre o indivíduo, porém seria necessária a harmonização do
componente social e individual, buscando justiça material, sem se desprezar as
garantias individuais.
É neste sentido que emergiria a função social dos contratos, não para
desvirtuar o instituto do contrato, mas para humanizá-lo, na medida em que seus
efeitos não gerariam conseqüências apenas entre as partes, mas atingiriam toda a
sociedade, sendo o contrato instrumento de justiça social, devendo promover o
desenvolvimento da pessoa humana.
Segundo Humberto Theodoro Júnior:
[...] proclamou-se, em termos genéricos, o compromisso de todo o direito dos contratos com a ideologia constitucional de submeter a ordem econômica aos critérios sociais, mediante a harmonização da liberdade individual (autonomia da vontade) com os interesses da coletividade (função social). (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 38)
O Estado Democrático da Direito valoriza o trabalho e a iniciativa privada,
pois através deles promove-se o desenvolvimento econômico que interessa a toda a
sociedade. Desta forma, as teorias da constitucionalização e despatrimonialização
do Direito Privado afirmam que, o que se busca é um desenvolvimento econômico
vinculado (subordinado) ao desenvolvimento social.
Veja-se que a despatrimonialização do Direito Privado é defendida com base
na suposta hegemonia, existente na Constituição, das situações jurídicas
existenciais sobre as situações jurídicas patrimoniais.
A jurisprudência dos valores constitui, sim, a natural continuação da jurisprudência dos interesses, mas com maiores aberturas para com as exigências de reconstrução de um sistema de “Direito Civil Constitucional”, enquanto idônea a realizar, melhor do que qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios constitucionais, uma indiscutida preeminência. [...] Com o termo, certamente não elegante, “despatrimonialização”, individua-se uma tendência normativa-cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo
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(superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores). Com isso não se projeta a expulsão e a “redução” quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e naquele civilístico em especial; o momento econômico, como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável. A divergência, não certamente de natureza técnica, concerne à avaliação qualitativa do momento econômico e à disponibilidade de encontrar, na exigência de tutela do homem, um aspecto idôneo, não a “humilhar” a aspiração econômica, mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da pessoa. (PERLINGIERI, 2007, p.32)
A visão acima descrita mostrou-se equivocada considerando-se
o paradigma que a justifica. Ou seja, apesar de citar o Estado Democrático de
Direito como fundamento para este argumento, a escolha “a priori” de valores
existenciais sobrepostos aos patrimoniais, ou mesmo a tentativa de subordinação de
um pelo outro se verifica característica do Estado Social.
Considerando esta premissa como base, toda a construção teórica brasileira
hodierna acerca da função social dos contratos tem sido feita numa perspectiva
puramente social, não democrática.
O Código Civil brasileiro, publicado em 2002, nas palavras de Miguel Reale
(2004), foi elaborado visando superar o formalismo e o individualismo do Código de
1916. Para tanto, utilizou-se de novas técnicas legislativas: as cláusulas gerais e
conceitos jurídicos indeterminados, que permitissem ao julgador uma maior
liberdade de interpretação da realidade jurídica, bem como facilitasse a adequação
entre Direito e realidade. Foram, ainda, inseridos ou destacados novos princípios
jurídicos:
Uma das novidades do Código Civil ora em vigor refere-se, efetivamente, à preferência por normas jurídicas abertas, ou seja, com conteúdo amplo, de modo a facilitar sua aplicação pelos operadores do Direito, advogados ou juízes. Essa orientação decorre do abandono do pandectismo que presidiu a elaboração do Código revogado, o qual, a exemplo do Código Alemão de 1900, prefere operar com categorias estritamente jurídicas, com reduzida referência a preceitos de caráter ético ou social. Percebe-se, em suma, logo nos primeiros meses de vigência da Lei de 2002, que esta exigia novas formas de interpretação jurídica, decorrente de seus pressupostos doutrinários, ou seja, aos princípios da eticidade, socialidade e operacionabilidade. (REALE, 2004, p.3)
Os princípios da eticidade, socialidade e operacionabilidade direcionaram,
então, a criação do novo Código Civil. A intenção foi retirar da letra da lei os
preceitos de caráter ético ou social, deixando as normas abertas, mas determinando
a sua interpretação com base nesses citados princípios informadores. Veja-se que
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surge uma nova dificuldade, reconhecida por Miguel Reale, acerca da necessidade
de se instituir novas formas de interpretação jurídica.
Ao contrário do que afirmou o renomado autor, a criação de normas jurídicas
abertas, com conteúdo amplo, nem sempre poderá ser vista como facilitadora de
aplicação pelos operadores do Direito.
Em primeiro lugar, em virtude da herança positivista e privilegiadora da
segurança jurídica, este motivo, por si só, já é um complicador da questão da
interpretação de uma cláusula aberta. Em segundo lugar, corre-se o risco de
banalizar um instituto jurídico, quando não se tem delineados os parâmetros de sua
aplicação.
Por tratar da função social dos contratos, dentre os princípios anteriormente
citados como informadores da interpretação das normas jurídicas elencadas no
Código Civil de 2002, o presente trabalho se aterá à questão da socialidade.
Apenas a título de exemplo, cita-se como modelo do princípio da eticidade a
inserção dos artigos 1132 e 4223, do Código Civil, restando explicitado por Miguel
Reale que “muito embora um direito pertença a uma pessoa, esta deve conciliá-lo
com os interesses de terceiros” e, como exemplo da operacionabilidade a própria
inserção das cláusulas gerais. (REALE, 2004, p.3)
Ao definir a socialidade, Miguel Reale (2004) discorre acerca da tentativa de
superação do caráter individualista do Código Civil de 1916, feito num contexto
social eminentemente agrícola, possuindo 80% da população vivendo no campo. Ele
afirma que, no presente momento, a mesma proporção de pessoas vive nas
cidades, o que teria provocado intensa modificação na mentalidade reinante, de
forma que o social predominaria sobre o individual. Como exemplo dessa
socialidade, cita o artigo 4214, do Código Civil de 2002, objeto deste trabalho.
Pelo teor da norma, verifica-se que se trata de conceito aberto, não restando
explicitado em todo o Código Civil de 2002 em que se basearia ou em que consistiria
essa função social do contrato, cabendo ao doutrinador e ao julgador a tarefa de dar
conteúdo à referida norma.
2 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. 3 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 4 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos.
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Desta forma, como bem lembrado por Adriano Augusto de Castro (2009, p.14-
15), no mesmo ano de publicação do Código Civil de 2002, antes mesmo de iniciada
a sua vigência (que se daria somente em 11 de janeiro de 2003), foram iniciados
estudos para interpretação e uniformização da aplicabilidade dos novos princípios.
Um exemplo a ser citado são as Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho
da Justiça Federal (CJF), tendo a primeira ocorrido em 12 e 13 de setembro de
2002. Nesta primeira jornada três enunciados trataram do artigo 421, do Código Civil
de 2002:
21 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. 22 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. 23 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. (CASTRO, 2009, p 15)
Na terceira jornada, realizada em 1º a 3 de Maio de 2004, foram elaborados
os seguintes enunciados:
166 - Arts. 421 e 422 ou 113: A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil. 167 - Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos. (CASTRO, 2009, p. 15)
Na quarta jornada de direito civil, realizada em 25 a 27 de outubro de 2006,
foram elaborados os seguintes enunciados:
360 – Art. 421: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes. 361 – Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. (CASTRO, 2009, p. 15)
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Como salientado por Adriano Augusto de Castro (2009, p.16), em uma
simples leitura dos enunciados acima citados observa-se a imprecisão da definição
do termo “função social do contrato”, ora tratado como cláusula geral, ora como
princípio, ora mecanismo de revisão judicial dos contratos, ora limitador da
autonomia contratual, sobrepondo-se a ele o princípio da dignidade da pessoa
humana.
A doutrina também está longe de definir os contornos da função social dos
contratos com profundidade. Flávio Tartuce (2007, p. 244) ensina que o
condicionamento da liberdade contratual à função social dos contratos, previsto no
artigo 421, do Código Civil de 2002, é criação brasileira, não havendo norma
correspondente no Direito estrangeiro, cabendo à doutrina pátria preencher seu
conteúdo, uma vez que este não foi desenvolvido no Direito comparado.
Para este autor a função social dos contratos tem dois sentidos: interno e
externo. “O sentido interno está relacionado às partes contratantes, enquanto o
sentido externo, para além das partes contratantes.” (TARTUCE, 2007, p.245).
Inclusive, a proposição do enunciado n. 360, da IV Jornada de Direito Civil do CJF
foi feita por ele.
O conceito dado por Flávio Tartuce para a função social dos contratos é:
“regramento contratual, de ordem pública, (art. 2.035, parágrafo único, do CC), pelo
qual o contrato deve ser, necessariamente, analisado e interpretado de acordo com
o contexto da sociedade”. (TARTUCE, 2007, p.248)
Para Teresa Negreiros, a função social dos contratos “[...] quando
concebida como um princípio, antes de qualquer outro sentido e alcance que se lhe
possa atribuir, significa muito simplesmente que o contrato não deve ser concebido
como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes, impermeável às
condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas.”
(NEGREIROS, 2006, p.206).
Já Humberto Theodoro Júnior entende que “ofende-se o princípio da função
social dos contratos quando os efeitos externos do contrato prejudicam injustamente
os interesses da comunidade ou de estranhos ao vínculo negocial.” (THEODORO
JÚNIOR, 2004, p.51).
Humberto Theodoro Neto combina uma definição pessoal com citação do
entendimento de Antônio Junqueira de Azevedo:
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É verdade que a função social demanda uma reinterpretação da relatividade dos efeitos contratuais ou, ao menos, uma composição entre os dois princípios, sempre que, em dada situação concreta, estiverem em confronto, pois o novo princípio revela “preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas”. (THEODORO NETO, 2007, p.75)
Para Carlos Roberto Gonçalves a função social dos contratos:
[...] tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contratantes. [...] constitui, assim, princípio moderno a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam. (GONÇALVES, 2007, p.5)
Segundo Caio Mário, a redação do artigo 421, do Código Civil de 2002:
[...] deve ser interpretada de forma a se manter o princípio de que a liberdade de contratar é exercida em razão da autonomia da vontade que a lei outorga às pessoas. O contrato ainda existe para que as pessoas interajam com a finalidade de satisfazerem os seus interesses. A função social do contrato serve para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. Considerando o Código que o regime da livre iniciativa, dominante na economia do País, assenta em termos do direito do contrato, na liberdade de contratar, enuncia regra contida no art. 421, de subordinação dela à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem pública, e atentando a que o contrato não deve atentar contra o conceito de justiça comutativa. (PEREIRA, 2006, p.13)
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, assim definem a função
social dos contratos:
Em um primeiro plano, a socialização da idéia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais. Nesse sentido, repercute necessariamente no trato ético e leal que deve ser observado pelos contratantes, em respeito à cláusula de boa-fé objetiva [...]. Em um segundo plano, o contrato é considerado não só como instrumento de circulação de riquezas mas, também, de desenvolvimento social. [...] Para nós, a função social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2006, p. 48).
E ainda Giselda Hironaka:
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Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura da concepção filosófico-socialista, deve restar esclarecido tal equívoco. Não se trata, sem sombra de dúvida, de se estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais, através da idéia-princípio, a um só tempo antiga e atual, denominada “doutrina da função social”. (HIRONAKA, 2000, p. 105)
A definição, segundo Gustavo Tepedino:
A rigor, a função social do contrato deve ser entendida como princípio que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV) – fundamentos da República – e da igualdade substancial (art. 3º, III) e da solidariedade social (art. 3º, I) – objetivos da República – impõe às partes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos. (TEPEDINO, 2009, p. 66)
Ressalta Nelson Rosenvald:
[...] atualmente as obrigações revelam uma função social, uma finalidade perante o corpo social. Para além da intrínseca função da circulação de riquezas, o papel das relações negociais consiste em instrumentalizar o contrato em prol de exigências maiores do ordenamento jurídico, tais como a justiça, a segurança, o valor social da livre iniciativa, o bem comum e, o princípio da dignidade da pessoa humana. [...] Aqui surge em potência a função social do contrato. Não para coibir a liberdade de contratar, como induz a literalidade do art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem Constitucional. (ROSENVALD, 2007, p.374)
Para este autor, a função social seria a própria ratio dos atos de autonomia
privada, não simplesmente como um limite externo e restritivo da liberdade do
particular, mas qualificando internamente a relação negocial, a partir de uma
investigação das finalidades empreendidas pelos parceiros por meio do contrato.
(Rosenvald, 2007).
Sem querer esgotar as definições existentes, verifica-se que os pontos
comuns tratam de uma suposta subordinação do interesse privado individual ao
interesse social, bem como a função de promover a justiça comutativa, limitação à
61
autonomia privada e liberdade contratual, além de proteção aos interesses de
terceiros, direta ou indiretamente afetados pela relação contratual.
Alguns autores chegam a afirmar que existem duas funções sociais, uma
interna e outra externa à relação contratual, como Flávio Tartuce (2007) e Nelson
Rosenvald (2007).
O primeiro afirma que a eficácia interna da função social seria limitação à
autonomia privada, em busca da promoção da dignidade da pessoa humana,
citando como exemplos, dentre outros, a possibilidade de revisão do contrato em
caso de lesão, abuso de direito, revisão contratual em virtude de imprevisibilidade,
repúdio ao enriquecimento sem causa. No entanto, essa proteção caberia
perfeitamente na noção de boa-fé objetiva, que se verifica mais adequada no âmbito
interno da relação contratual.
Já a eficácia externa estaria ligada à limitação do princípio da relatividade
dos efeitos do contrato, citando como exemplo, dentre outros, a estipulação em favor
de terceiro e a tutela externa do crédito. No entanto, que a questão do abuso de
direito está ligada não somente à relação contratual entre as partes contratantes,
mas também aos efeitos externos do contrato, consistindo em proteção da
sociedade.
Nelson Rosenvald (2007) afirma que a função social interna do contrato
corresponderia à proteção da dignidade da pessoa humana e, mesmo havendo
observância do princípio da boa-fé objetiva na relação contratual, poderia ocorrer
violação ao princípio da função social. Para explicitar, cita como exemplos a
proteção da dignidade da pessoa humana, a exigência de correlação entre o
interesse perseguido na relação contratual e as exigências comunitárias previstas na
Constituição e a busca da igualdade material entre os contratantes.
Todavia tais argumentos não se sustentam, uma vez que encontram
proteção nos demais princípios informadores dos contratos, como a boa-fé objetiva e
o equilíbrio contratual. Apesar de reconhecer que [...] “o superdimensionamento da
função social do contrato – como de qualquer princípio – é pernicioso, pois acaba
por retirar-lhe a efetividade”, (ROSENVALD, 2007, p. 381) afirma ser necessário o
reconhecimento de uma função social interna à relação contratual, sob pena de
debilitar o sistema jurídico.
Reconhecendo que os valores jurídicos encontram-se protegidos, não se
vislumbra nenhuma lógica nessa constatação feita acima, a não ser o fato e o risco
62
de se continuar inserindo novos contornos e significados ao princípio da função
social, de forma que possa se aplicar a qualquer situação, banalizando-o.
Por fim, a função social externa corresponderia ao ato de repensar o
princípio da relatividade dos efeitos contratuais, sendo visualizada em três situações:
“a) contratos que ofendem interesses metaindividuais ou o princípio da dignidade da
pessoa humana; b) contratos que ofendem terceiros; c) terceiros que ofendem
contratos.” (ROSENVALD, 2007, p. 386)
Voltando ao raciocínio inicial, as decisões judiciais também não diferem
muito destas definições de função social, muitas vezes aplicando-se o princípio
como argumento para justificar a possibilidade de descumprimento contratual ante a
impossibilidade financeira superveniente do contratante, ou mesmo para revisar
taxas de juros aplicadas, fixando-se judicialmente percentual inferior ao pactuado,
como exemplifica o trecho do acórdão abaixo:
[...] Importante registrar, ainda, que a perfeição de forma e parte no momento em que foi firmado o contrato não impede sua posterior revisão, tanto pela constatação do contratante de onerosidade excessiva, quanto pela sua impossibilidade financeira de continuar honrando com os compromissos assumidos, sendo tais condições supervenientes, imprevisíveis e excepcionais que possibilitam a revisão do pacto de financiamento, mormente para que sejam preservadas sua boa-fé, probidade e função social. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, 2009 – Ap. 1.0702.08.472415-3/001(1) Numeração Única: 4724153-04.2008.8.13.0702 Relator: Des.(a) OTÁVIO PORTES Data do Julgamento: 13/05/2009 Data da Publicação: 26/06/2009).
Ocorre que esta visão solidarista por vezes desconsidera, efetivamente, que o
contrato possui uma função econômica, assim como uma função pedagógica, que
também podem ser consideradas sociais, já que influenciam a sociedade. Lado
outro, também deve ser visto com reservas o pensamento segundo o qual o contrato
seria instrumento hábil para promover a justiça social.
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4.2 Apontamento de outras funções do contrato, desc onsideradas na visão
social clássica – função econômica e pedagógica
Função diz respeito ao papel que alguém ou algo desempenha em
determinadas circunstâncias. Tem ligação com a idéia de finalidade, ou, como afirma
Durkheim, (2008), a qual necessidade determinada coisa corresponde.
Neste sentido, o contrato possui várias funções que desempenha no meio
social, não se podendo eleger apenas uma delas como hierarquicamente superior.
Contrário a este pensamento, tem-se de um lado a doutrina clássica solidarista,
como visto, e de outro lado uma doutrina mais liberal, voltada exclusivamente para a
função econômica do contrato que, segundo estes autores, seria o mais importante
e precípuo papel deste instituto.
Para Humberto Theodoro Júnior (2004), por exemplo, o único objetivo do
contrato seria o de promover a circulação de riqueza, pressupondo sempre que as
partes tenham interesses diversos e opostos que serão harmonizados pela “saída
negocial”.
“Fazer incidir a função social do contrato no terreno da promoção da
igualdade das partes leva o problema para um dilema ou até mesmo para uma
contradição insuperável”. (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 45). Isso porque nem
sempre os interesses individuais são idênticos, não havendo qualquer problema na
constatação deste fato, desde que não haja abuso por uma das partes.
Aliás, o grande objetivo do Estado Democrático de Direito seria a proteção
desses interesses nem sempre convergentes. Nas palavras de Judith Martins Costa:
O sentido da quebra da unidade legislativa está em que não é mais possível acomodar, num mesmo e harmônico leito, todos os interesses, porque não há apenas um único sujeito social a ser ouvido, não há mais um sujeito comum, como aquele desenhado na esteira da revolução francesa pelo princípio da igualdade, abstrata, frente à lei. (COSTA, 2000, p.281)
Além disso:
O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a estrutura que, geometricamente desenhada como um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais completa tradução na codificação oitocentista. Hoje a sua inspiração, mesmo do ponto de vista da
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técnica legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. (COSTA, 2000, p.285)
Outra função do contrato seria a pedagógica, citada por César Fiúza (2007)
que diz respeito ao papel de instrumento educador do indivíduo na sociedade. Ora,
como mecanismo de alteração do meio social, a contratação é um dos maiores
exemplos da necessidade da vida em comum e do respeito ao outro. Sem o “outro”
não há relação contratual e, ocorrendo abuso, tem-se desequilíbrio social.
Por outro lado, como afirmado por este mesmo autor, a função econômica
está contida na função social, uma vez que é através da circulação de riquezas que
a sociedade se desenvolve.
Com estas considerações, verifica-se, portanto, a necessidade de delinear
contornos mais nítidos da função social dos contratos, bem como as peculiaridades
de se tratá-la como cláusula geral ou como princípio, e ainda, de se analisar a
questão sob a ótica do Estado Democrático de Direito, que é inclusivo e pluralista.
Ou seja, o contrato possui várias funções, dentre elas a função social, sendo que a
visão democrática do instituto contratual não pode ser focada em apenas uma
função, ou não deveria ser escolhida a função principal, ou mais importante.
4.3 Críticas à visão clássica solidarista
Contrapondo-se à visão solidarista, alguns doutrinadores começaram a
questionar qual seria a função do contrato, chegando à conclusão inafastável de que
a visão social não estaria levando em conta uma das características principais do
contrato, que seria o fomento da economia.
Entra em foco a perspectiva da análise econômica das relações privadas,
como mais um ângulo da interpretação jurídica, cuja importância deve ser
considerada. Este é o entendimento de Renata Guimarães Pompeu:
O que se quer dar ênfase no presente texto é que a noção de contrato como realidade jurídica deve sempre considerar a operação econômica que lhe subjaz, pois assim tornará mais consistente o arcabouço legal do direito dos contratos. (POMPEU, 2010, p.403)
65
Como visto, a doutrina solidarista tem considerado como função social a
possibilidade e legitimidade do Estado intervir nas relações entre contratantes,
limitando a liberdade contratual e, a fim de promover igualdade e justiça social, rever
cláusulas contratuais. Luciano Benetti Tim esclarece:
Parte significativa dos autores pesquisados entende a função social como a expressão, no âmbito dos contratos, dos ditames da “justiça social” próprios do Welfare State. Trata-se do fenômeno denominado de “publicização” ou “socialização”, ou mesmo de “constitucionalização”, do Direito Privado, em razão do qual institutos tradicionalmente de Direito Civil – como o contrato, a propriedade, passam a ser orientados por critérios distributivistas próprios do Direito Público. (TIM, 2008. p.70)
Os argumentos a favor dessa concepção “socialista” partem do pressuposto
de que é a função social que “torna o contrato um fenômeno transcendente dos
interesses dos contratantes individualmente considerados”. (NEGREIROS, 2006)
A força obrigatória do contrato resultaria não da vontade, mas da lei,
submetendo-se a vontade à satisfação de escopos não consubstanciados somente
no mérito particular de quem a emitiu, mas também à satisfação de uma função
social.
Nas palavras de Teresa Negreiros:
A afirmação da lei como fundamento da força obrigatória de todo e qualquer contrato implica funcionalizá-lo aos valores para cuja realização ele passa a servir de instrumento. É nesta ótica que o novo Código Civil determina, como visto acima, que a liberdade de contratar seja exercida “em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421). O poder jurígeno reconhecido à vontade individual não é, pois, originário e autônomo, mas derivado e funcionalizado a finalidades heterônomas. (NEGREIROS, 2006, p. 231)
Segundo essa concepção, a liberdade permanece, pois persistem seus
espaços abertos, mas esta liberdade é consentida (pela lei), de forma que não
define o sistema privado, por si só.
E, sendo a lei o fundamento dessa força obrigatória do contrato, como
conclui Teresa Negreiros, “tal força obrigatória encontra a sua razão de ser nos fins
visados pelo Direito em geral: justiça social, segurança, bem comum, dignidade da
pessoa humana.” (NEGREIROS, 2006, p. 231).
A força vinculante do contrato, fundada na lei, passa a estar funcionalizada à
realização das finalidades traçadas pela ordem jurídica, tratando-se de objetivos
66
previstos constitucionalmente que devem ser perseguidos tanto pelo Estado, como
pela sociedade.
Luciano Tim acrescenta:
O princípio da função social é visto, neste quase-consenso, como uma limitação do princípio da liberdade contratual [...] considerado individualista. A função social do contrato garantiria a preponderância dos interesses coletivos frente aos interesses individuais. Isso significa, na prática, (embora nem todos os autores citados concordem) a proteção da parte mais fraca na relação contratual, que, muitas vezes, não manifestaria sua vontade livremente, mas sucumbiria ao maior poder de barganha da parte economicamente mais forte. Para os autores analisados, isso significaria redistribuir o resultado econômico do contrato entre os contratantes. Portanto, trata-se de um modelo de concepção de contrato, em qualquer um dos âmbitos de análise aqui descritos, que supõe fictícia a liberdade contratual, sendo mais correto falar em submissão, quando o poder econômico desequilibra o poder de barganha entre as partes. Significaria também identificar legítimos interesses de terceiros (portanto, estranhos ao contrato) serem tutelados (interesses difusos e coletivos). Daí a necessidade de reequilíbrio das partes pelo Estado. (TIM, 2008. p.70)
Como anunciado por Luciano Tim, a intenção de realizar justiça distributiva
no âmbito contratual é perigosa, e pode ter efeitos diversos do pretendido.
Baseando-se nos conceitos acima descritos, a jurisprudência tem permitido
o descumprimento de cláusulas contratuais, ou mesmo a revisão contratual fora dos
casos de lesão, da teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, gerando
insegurança nas relações contratuais e, por conseqüência, no mercado.
Decio Zylberstajn (2005) cita que, embora a teoria econômica tenha
ignorado os contratos por muitos anos, esta situação tem mudado, sendo os
economistas influenciados por Ronald Coase, passando a perceber que as
transações econômicas não são reguladas exclusivamente pelo sistema de preços,
mas também pelos mecanismos lastreados nos contratos.
Ou seja, os riscos de inadimplência, a tendência das decisões judiciais, os
custos de transação, tudo isso influencia a economia e as taxas de juros, não
apenas a oferta e a procura.
A economia baseia-se em conceitos de eficiência (PIMENTA, 2007), ou seja,
trabalha suas decisões buscando o maior lucro, tendo o menor custo possível. Para
tanto são analisados os riscos da operação.
Segundo Decio Zylberstajn:
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[...] um contrato significa uma maneira de coordenar as transações, provendo incentivos para os agentes atuarem de maneira coordenada na produção, o que permite planejamento de longo prazo e, em especial, permitindo que agentes independentes tenham incentivos para se engajarem em esforços conjuntos de produção. A teoria da escolha contratual prevê que os contratos poderão variar em termos de eficiência, conforme o seu desenho defina incentivos para os agentes atingirem objetivos predefinidos. Os arranjos institucionais (contratos) somados ao ambiente institucional definirão diferentes mecanismos de incentivos, assim como os remédios para o não cumprimento das promessas. (ZYLBERSTAJN, 2005, p.104).
Verifica-se, portanto, que as decisões judiciais, ao permitirem o
descumprimento contratual em busca de uma justiça distributiva, geram incentivos
negativos na economia, muitas vezes inviabilizando certos tipos de contratação, pelo
aumento de seu custo. Fatalmente o mercado tentará se reorganizar, evitando
certos tipos de contratação, ou mesmo inserindo no custo da transação os riscos da
inadimplência, onerando toda a sociedade, como remédio para o seu não
cumprimento.
Zylberstajn (2005) afirma que, de acordo com a teoria contratual da nova
economia institucional, a escolha de certo tipo de contrato para se realizar um
negócio é feita com base na soma de certas variáveis, como as previsões legais; a
capacidade de coerção do poder judiciário, do descumprimento contratual e o
surgimento de mecanismos privados para garantia dos agentes envolvidos na
contratação.
Assim, a escolha de arranjos contratuais alternativos dependerá de razões
de eficiência, sendo preferencialmente escolhidos aqueles que oferecerem
incentivos e mecanismos de solução de disputas mais eficientes. Fala-se de questão
estratégica.
O contrato, sendo um elemento fundamental, que oferece amparo à troca e
às relações econômicas de um modo geral, deve ser analisado sob as perspectivas
acima descritas, pois o ato de contratar é custoso, gerando efeitos diretos sobre o
desempenho econômico.
Como afirma Eduardo Goulart Pimenta:
Ainda que, do ponto de vista fático, seja possível que um bem ou um serviço seja inteiramente produzido ou distribuído exclusivamente por uma pessoa e por seus recursos materiais, essa operação econômica se revelará certamente mais eficiente – ou seja, mais lucrativa e menos dispendiosa – se efetuada a partir do esforço conjunto e dos recursos
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materiais de diferentes pessoas, cada qual responsável por uma cadeia produtiva. (PIMENTA, 2007, p. 292)
Os contratos têm, então, uma grande importância para o desenvolvimento
da economia, pois são instrumentos que permitem a circulação de riquezas,
oferecendo amparo às trocas e relações econômicas de modo geral, permitindo que
cada indivíduo produza segundo suas aptidões e negocie com outros indivíduos os
demais bens que necessita para o seu desenvolvimento. Assim a sociedade evolui.
Não se pode deixar de considerar que o contrato é celebrado no ambiente
de mercado. Luciano Tim (2008) inclusive sugere que não se pode pensar no todo
social, numa relação contratual, sem considerar o mercado como um fato social,
uma parte integrante da sociedade.
Deve-se considerar que, apesar de efetuar diversas previsões acerca da
dignidade da pessoa humana, da solidariedade e justiça social, a Constituição da
República de 1988 também consagrou os princípios da ordem econômica, prezando
pela liberdade e livre concorrência, dentre outros.
Como visto, a doutrina brasileira afirma que o Código Civil de 2002 trata a
função social como um limitador da liberdade contratual. Entretanto, esta concepção
teria sido concebida no paradigma de um Estado Social que se revelou ineficiente,
tendo a doutrina e jurisprudência começado a desenhar o significado da norma
insculpida no artigo 421, do Código Civil de 2002, como prevalência de interesses
coletivos sobre os individuais.
Como visto acima, esta não é a melhor interpretação do artigo 421, do
Código Civil de 2002, uma vez que não nos encontramos mais sob a perspectiva do
Estado Social, mas sim do Estado Democrático de Direito.
[...] trata-se, originalmente, de criação dos solidaristas ou dos defensores do Estado Social [...], os quais romperam com o paradigma individualista do modelo jurídico-liberal das codificações oitocentistas por acreditar que a análise jurídica não deveria partir do direito subjetivo de uma pessoa, mas sim da função que aquele direito desempenha no tecido social. [...] O Direito Social (ao contrário do Liberal) é uma nova forma de perceber a relação entre o todo e a parte (grupo e indivíduos) no seio da sociedade (um “novo contrato social”). Com efeito, segundo o modelo “welfarista”, no Estado Social, o grupo tem existência autônoma e não se confunde com o Estado, mas a ele se adiciona. Como a sociedade antecede ao indivíduo, este último passa a ter alguns deveres derivados da repartição ou da socialização do risco com a coletividade; algo essencialmente solidário, fundado na concepção de justa distribuição dos ônus e dos lucros sociais,
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funcionando o Direito Social como um equilíbrio entre interesses conflitantes das pessoas. (TIM, 2008, p. 59)
Segundo esse paradigma social, as normas jurídicas devem prever
comportamentos, estimulando formas obrigatórias de cooperação e solidariedade
entre a comunidade, viabilizando a pacificação social. Nesse modelo, há intensa
regulação do contrato, com várias formas de intervenção estatal na autonomia
privada dos contratantes, cabendo ao Estado, em situações de conflito, transformar
a realidade social egoísta, buscando o ideal de “justiça social”. (TIM, 2008).
Conforme salienta este mesmo autor:
[...] o ideário solidarista exige uma nova racionalidade jurídica, caracterizada por uma maior abstração das normas jurídicas (normas programáticas na maioria das vezes), justamente para dar espaço ao juiz para resolver os conflitos sociais, cada vez mais complexos, diante de uma sociedade cada vez mais especializada e funcionalizada. [...] racionalidade dirigida à redistribuição dos benefícios do capitalismo para com os menos favorecidos, protegendo, através da lei, os fracos – em síntese, uma racionalidade essencialmente material e não formal. (TIM, 2008, p. 62)
A adoção desse direito contratual, próprio do Estado Social, não é coerente,
todavia, com a presente realidade, o Estado Democrático.
Lênio Luiz Streck traz a seguinte definição de Estado Democrático de
Direito: “[...] o Estado Democrático de Direito faz uma síntese das fases anteriores,
agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as lacunas das
etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da
modernidade”. [...] (STRECK, 2009, p. 37)
A busca pela igualdade material entre as partes, que influi na liberdade das
mesmas é essencial na democracia. No entanto, justificar o descumprimento do
contrato com base na hipossuficiência de uma parte, aplicando-se o conceito comum
de função social, pode trazer inúmeros prejuízos à sociedade, e ao bem comum que
se buscou proteger.
A autorização judicial para descartar certas regras previstas em contratos
bancários, por exemplo, em benefício da parte que contestou o contrato por meio de
um processo, na verdade, está servindo não ao bem comum e social, mas sim ao
interesse privado daquele indivíduo considerado hipossuficiente, uma vez que a
decisão judicial faz coisa julgada inter partes.
70
Ao contrário, tal decisão prejudica o meio social em flagrante incentivo
negativo, uma vez que o mercado encontrará outros meios para se resguardar dos
futuros riscos que essas decisões provocam, aumentando taxas de juros, requisitos
para concessão de crédito, etc. Nas palavras de Luciano Tim:
Em uma perspectiva econômica, ainda que não se renuncie à preponderância do interesse social, essa tese de utilização de critérios distributivos ou de Direito Público aos contratos, (espaço privado) não faz sentido, pois acaba confundindo o interesse coletivo com a parte mais fraca (que muitas vezes espelha um interesse individual e não coletivo), ou mesmo com a redistribuição dos benefícios econômicos do contrato entre as partes arbitrariamente, descurando da autonomia privada. Nem sempre aquele interesse social significa interferir no contrato em favor de uma das partes. Ao contrário, exemplos recentes no mercado de crédito dão conta de que a interferência estatal no acordo entre as partes pode favorecer a parte mais fraca no litígio e prejudicar a posição coletiva, ao desarranjar o espaço público do mercado que é estruturado em expectativas dos agentes econômicos. (TIM, 2008. p.68)
No mesmo sentido, a lição de Renata Guimarães Pompeu:
Pretende-se esclarecer que a conduta que promove interesse próprio nem sempre recusa, rejeita ou prejudica interesse comum, bem como a conduta que afirma considerar o bem-estar social nem sempre auxilia no desenvolvimento de todos. (POMPEU, 2010, p.408)
Portanto, a pretensão de proteção do hipossuficiente na relação contratual,
da dignidade da pessoa humana, do interesse social, muitas vezes não se revela
eficaz na realidade, ante a utilização do princípio da função social de forma
equivocada, sem atentar para a inafastável característica econômica do contrato,
bem como do meio em que está inserido: o mercado.
Ou seja, a teoria solidarista não considera todas as variáveis que
influenciam a aplicabilidade das normas jurídicas.
Outro ponto que merece destaque é a suposta supremacia do interesse
público sobre o interesse individual. Historicamente se verifica que esta concepção
tem vínculo com os estados fascistas e nazistas, que justificavam seus atos com
base no bem comum. Nas palavras de Enzo Roppo:
[...] a loucura do individualismo e do liberalismo de ora em diante não tem mais espaço no direito alemão (Hans Frank), e que a esta deve substituir-se a rígida subordinação da liberdade e da iniciativa autônoma do indivíduo às exigências e aos interesses da comunidade nacional (a comunidade dos alemães de raça ariana), e aos seus desígnios de potência e de domínio. A velha imagem do contrato, construída sobre a idéia de liberdade individual
71
e de igualdade jurídica como reflexo da igualdade natural entre os homens, devia desaparecer: os homens (e os povos) são naturalmente desiguais, e esta desigualdade entre superiores e inferiores deve ser sancionada pela lei (legislação racial); o contrato não pode ser expressão da liberdade do indivíduo e meio para a satisfação dos seus interesses particulares, mas deve constituir instrumento para a realização do bem comum da nação alemã; e aos juízes do Reich era confiada a tarefa de valorar – com amplíssima margem de discricionaridade – se cada contrato era conforme a um tal bem comum, que em concreto de resumia e se fazia coincidir com a vontade do Führer, elevada assim a sumo critério de valoração jurídica. (ROPPO, 2009, p.55)
Espantosamente verifica-se a coincidência de vários termos e intenções no
texto acima compilado com os argumentos utilizados pela teoria solidarista dos
contratos. E em que pese a tentativa de justificar a teoria com base no advento da
Constituição da República e do Estado Democrático de Direito, o que se verifica é
um retrocesso aos valores de utilidade, eticidade e interesse apregoados pelo
Estado Social.
Tal posicionamento denota inúmeros riscos, como se passa a demonstrar.
Naves ressalta bem a natureza jurídica dos interesses:
Interesses são valores, isto é, elementos sociais, econômicos, religiosos e políticos ligados à utilidade que desempenham na vida das pessoas. São fatos e não normas e, como tais, podem fazer parte do conteúdo da norma jurídica, mas não são elementos jurídicos que podem incidir no caso concreto. Dizer que interesses públicos nada mais são do que os “valores fundamentais” ou “primordiais” do ordenamento já demonstra muito bem sua localização no mundo da Moral. Para que um dado valor seja primordial, deve ele prevalecer “a priori” sobre os demais valores. Assim o ordenamento é tratado como um conjunto de valores hierarquizados de antemão e aplicados segundo uma prevalência subjetiva, já que o ordenamento não deixa expressa essa ordem de predominância axiológica. (NAVES, 2009, p. 309)
“A noção de interesse foge, muitas vezes, da seara da normatividade. As
normas jurídicas são oriundas de vários interesses.” (NAVES, 2009, p. 308). Ou
seja, os interesses influenciam a elaboração das normas, o processo legislativo, mas
não seriam elementos jurídicos.
Este autor ainda afirma que, embora o ordenamento jurídico contenha
ferramentas voltadas à proteção de certos interesses, no momento da aplicação do
Direito não são considerados elementos legítimos, apenas os elementos normativos
o são.
Assim, o risco de elevar um valor à categoria de modo de solução de
conflitos permitiria que a decisão judicial se pautasse na subjetividade, ante a
72
existência de uma gradação de preferências. Ora, não se pode considerar, em uma
sociedade pluralista e que respeita as minorias, um valor não expresso por uma
situação jurídica de direito subjetivo ou demais categorias existentes no espaço
normativo tais como deveres jurídicos, direitos potestativos, sujeição, faculdade,
ônus e poder, (Naves, 2009, p. 309-310), mais importante que outro ao se
fundamentar uma decisão judicial.
4.4 Função social do contrato numa perspectiva demo crática
O Estado Liberal, fruto da racionalização defendida pelo Iluminismo, trazia
como traço principal a idéia de que o poder Estatal não pode ser exercido
indiscriminadamente em todas as esferas da vida de um indivíduo, especificamente
no âmbito da economia e da vida privada.
Desta forma, seria essencial limitar o poder do Estado, de forma que
restassem garantidos os direitos à vida, à liberdade, à segurança. Tais direitos
seriam caracterizados como “naturais”, não dependendo da outorga da coletividade
ou do governo. Teriam como pressuposto a imagem de contrato social como origem
da sociedade.
A idéia de direitos naturais, bem como do contratualismo, estava intimamente
ligadas à posição individualista amparada pelo Iluminismo.
Neste paradigma, o Estado é visto como “mal necessário”, tem função mínima
de garantir a segurança e a possibilidade de crescimento dos indivíduos.
A liberdade liberal era caracterizada pela segurança nas relações privadas,
garantia de que os direitos do indivíduo não seriam feridos pelo Estado. Uma
atuação negativa.
Conforme salientado por Francisco Amaral (2003), “a sociedade moderna
(séculos XVIII-XIX) era o mundo do individualismo, da segurança e da certeza do
direito, da igualdade formal, da razão e das liberdades individuais”.
O individualismo exacerbado e a igualdade apenas formal tão em voga à
época tiveram como conseqüência um colapso econômico e a necessidade de
reestruturação do Estado. Surge o Estado Social, a fim de garantir direitos básicos
73
de sobrevivência dos indivíduos como saúde, previdência, moradia, trabalho, enfim,
os direitos sociais.
O Estado Social, ao contrário do liberal, acresceu inúmeras funções à
instituição, tomando para si aquelas consideradas essenciais ao desenvolvimento do
indivíduo como pessoa e cidadão. Surge como resposta às conseqüências
indesejáveis da Revolução Industrial.
Neste novo paradigma cabia ao Estado um papel ativo de gerenciador da
crise como agente econômico, provedor de insumos essenciais à economia, com
objetivo de construir uma rede de proteção “absoluta” para o cidadão com a criação
de políticas públicas voltadas ao bem-estar da população. Os reflexos dessas
políticas logo foram sentidos com o endividamento dos Estados e a precariedade
dos serviços públicos, que não conseguiam atender a toda a população,
especialmente nos países mais pobres.
Foi a época, também, de ditaduras populistas, com ênfase em discursos
paternalistas e medidas de grande intervenção na economia.
Segundo Francisco Amaral:
A ele [Estado Liberal] sucedeu o Estado Social de Direito, nascido com a primeira guerra mundial, caracterizado pela tendência intervencionista no domínio econômico, além da garantia não só dos direitos e liberdades fundamentais como também dos direitos econômicos, sociais e culturais. Seu principal objetivo era a consecução do bem-estar social, donde ser também conhecido pela designação de Estado do bem-estar, ou ainda Estado Assistencial, Estado Industrial. Distinguia-se pela preocupação com a igualdade substancial em vez da formal, do Estado de Direito, e pela solidariedade e a intervenção do Estado na economia, absorvendo atividades econômicas dos particulares e desenvolvendo os serviços públicos. (AMARAL, 2003, p. 72-73)
A partir da década de 1970, percebe-se uma crise no “welfare state”, que
critica a lógica do dirigismo estatal. Nas palavras de Daniel Sarmento:
O Estado havia se expandido de modo desordenado, tornando-se burocrático e obeso, encontrava enormes dificuldades para se desincumbir das tarefas gigantescas que assumira. A explosão de demandas reprimidas, gerada pela democratização política, tornara extremamente difícil a obtenção dos recursos financeiros necessários ao seu atendimento. Por outro lado, o envelhecimento populacional, decorrente dos avanços na medicina e no saneamento básico, engendrou uma perigosa crise de financiamento na saúde e na previdência social – pilares fundamentais sobre os quais se assentara o Estado Social. (SARMENTO, 2006, p. 195)
74
Para este autor, pode-se afirmar, em síntese, que no Estado Liberal, estando
os direitos fundamentais concebidos como limites à atuação estatal e estranhos às
relações entre particulares, as relações privadas se dariam entre partes iguais, que
deveriam gozar de plena autonomia para determinar e regular seus próprios
interesses. Nesta concepção, o Código Civil era visto como o centro do sistema do
Direito Privado.
No Estado Social, ante a cristalina desigualdade entre particulares,
representada pela opressão do mais forte sobre o mais fraco, o ordenamento
jurídico passa a disciplinar relações econômicas e privadas, surgindo a Constituição
como norma jurídica efetiva e não apenas diretriz política.
Ao Estado Social sucedeu o Estado Democrático de Direito. Apesar de conter
algumas características do Estado Social, como a solidariedade e a igualdade
substancial, dele difere pela forma de legitimação das normas e decisões estatais,
bem como da crítica à supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
O Estado Democrático de Direito, como o próprio nome diz, busca tratar as
questões de forma participativa com a sociedade, garantindo o direito das minorias e
da diversidade. É a consagração da soberania popular num discurso de inclusão.
Nas palavras de Francisco Amaral, o Estado Democrático de Direito se
caracteriza pela “institucionalização da convergência da democracia e do socialismo,
superando o neo-capitalismo próprio do Estado Social de Direito. A República
Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.” (AMARAL,
2003, p. 73)
Para José Afonso da Silva a democracia é:
[...] meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, democracia não é mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história. (SILVA, 1997, p. 126-127).
No Estado Democrático de Direito os indivíduos têm ciência de que
dependem uns dos outros, sendo a solidariedade fundamental para a integração
social. No entanto, também busca proteger as diferentes liberdades fundamentais,
75
com proteção das minorias. Desta forma, necessária é a reconstrução dos “modelos
de compreensão dessa realidade” (AMARAL, 2003, p. 73).
No Estado Democrático de Direito a Constituição torna-se a base
hermenêutica de interpretação de todo o ordenamento jurídico, legitimando-se nas
escolhas feitas pela sociedade.
Como ensina Naves, “é certo que a funcionalização dos contratos exerce
papel de grande relevância nessa transformação, desde que entendida como
garantia de “iguais liberdades fundamentais” no interior da relação jurídica
contratual. (NAVES, 2009, p. 304)
Tendo o contrato mais de uma função, conforme se viu, sendo que todas
poderiam ser englobadas na função social, pelo princípio democrático não se deve
escolher uma delas como mais importante, e que se sobrepõe às demais. Neste
sentido as palavras de Leonardo Macedo Poli:
[...] é imprescindível que se esclareça a razão da adoção, neste estudo, de uma concepção pluralista da funcionalidade do direito subjetivo ao invés de se adotar uma concepção monista em que uma de suas funções prevaleça sobre as demais. Essas concepções monistas parecem ser defendidas por grande número de civilistas brasileiros, provavelmente influenciados, inicialmente, pelo texto constitucional e, posteriormente, pelo texto do atual Código Civil que se referem, respectivamente, à necessidade do exercício do direito de propriedade e do direito contratual, em conformidade com a função social. Uma interpretação comumente defendida tem sido a de que a menção expressa à função social nos referidos textos poderia ser entendida como uma hierarquização das funções do direito subjetivo que alçaria sua função social a um patamar soberano em relação às demais, que seriam preteridas diante daquela. Seria a redenção do paradigma social garantida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Esse entendimento parece recair no mesmo equívoco que o ordenamento jurídico buscou corrigir. A interpretação clássica do direito privado preteria as demais funções do direito subjetivo em prol de sua função econômica. (POLI, 2007, p. 322)
Se a idéia do Código foi justamente evitar o individualismo, suplantando o
paradigma liberal, a escolha de nova concepção pautada na socialidade,
hierarquizando-a e colocando-a em posição de primazia contraria o princípio
democrático do Estado de Direito, modificando-se apenas os atores, mas
permanecendo o palco.
Como bem ensina Leonardo Macedo Poli, (2007) a interpretação da função
social deve ocorrer de forma inclusiva. É a garantia de que a mesma será inserida
no discurso, assim como as demais funções do contrato: pedagógica e econômica.
Uma vez que a sociedade é democrática, não se deve impor a prevalência de uma
76
função sobre as demais. Assim, para uma adequada interpretação do caso concreto,
a aplicação da função social deve considerar a função econômica e a função
pedagógica do contrato.
Humberto Theodoro Júnior (2004) ensina que a função social da
propriedade se delineou a partir da teoria do abuso do direito, artigo 186, do Código
Civil, na qual há a previsão de que, sendo abusiva e ilícita a finalidade para a qual se
utiliza o bem, esta se torna incompatível com as finalidades tanto econômicas como
sociais.
O direito de propriedade, antes visto como a mais absoluta concepção do
domínio e liberdade do indivíduo, passou a ser analisado e inserido num contexto
social.
O caput do artigo 1228, e seus §§ 1º e 2º, do Código Civil, dispõem:
Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. §2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (BRASIL, 2007)
Nesta linha de raciocínio, Humberto Theodoro Júnior (2004) afirma que a
falta de um poder direto sobre a coisa, no que tange às obrigações pessoais
nascidas do contrato, dificulta a definição da função social que também a ele se
imputa.
Afinal, o contrato é uma obrigação pessoal, o credor tem o direito de exigir
uma prestação do devedor e apenas dele, na maioria dos casos. Por isso é
considerado um direito relativo. Assim, só se poderia pensar em função social do
contrato na medida em que dessa convenção surgissem efeitos externos, não
somente para as partes, mas abrangendo todo o meio social.
Embora os efeitos do contrato não sejam tão nítidos como aqueles advindos
do direito de propriedade, não se pode negar que refletem na sociedade, uma vez
que são instrumentos para realização de diversas transações responsáveis pelo
desenvolvimento social. Conclui-se, portanto, que os contratos têm uma clara função
na sociedade.
77
Em razão da generalidade do disposto no artigo 421, do Código Civil,
existem vários conceitos de função social. Uma primeira dificuldade na interpretação
surge do fato de que, para a doutrina, ainda não se tem esclarecida a natureza
jurídica da função social do contrato. Adriano Augusto de Castro expõe:
Tomando-se os enunciados do CJF como esforço interpretativo feito para “tentar explicar o sentido e o alcance das disposições do novo Código” [...], interessante se torna perceber ser o citado art. 421 do Código Civil um dos dispositivos que mais recebeu atenção. [...] Desse primeiro esforço hermenêutico, praticado por aplicadores do Direito – magistrados federais -, percebe-se nitidamente a imprecisão do conceito da “função social do contrato”. Seria ela “cláusula geral” (enunciados 21, 22), “princípio” (enunciado 360), garantia constitucional (enunciado 23), novo arcabouço teórico do instituto contratual (enunciado 167) ou mecanismo de revisão judicial do seu conteúdo por diversas hipóteses não necessariamente vinculadas à dignidade da pessoa humana (enunciados 166, 361)? (CASTRO, 2009, p 15-16).
Humberto Theodoro Júnior (2004) afirma que a função social seria um
princípio e que não se confunde com o princípio da boa-fé objetiva, pois o primeiro
aborda a liberdade contratual em seus reflexos sobre terceiros e não apenas entre
os contratantes. Já o segundo princípio se restringiria ao relacionamento constituído
entre os sujeitos do negócio jurídico.
Para Caio Mário da Silva Pereira, “a função social do contrato, portanto, na
acepção mais moderna, desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo
podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade.” (PEREIRA,
2006, p.14).
Neste trabalho considerou-se a função social como um princípio contratual,
balizando a interpretação do instituto nos casos concretos.
O reconhecimento da inserção do contrato no meio social e da sua função
como instrumento que influencia a vida das pessoas, bem como a ausência de
contornos definidos para aplicação do princípio da função social dos contratos aos
casos concretos delega, portanto, à doutrina e jurisprudência a tarefa de analisar
sua presença difusa no ordenamento jurídico, levando em consideração os
princípios informativos da ordem econômica e social delineados pela Constituição,
além das características precípuas do contrato, bem com suas demais funções.
Também para este trabalho considera-se a existência de uma função que se
caracteriza pela externalidade dos efeitos do contrato, cabendo ao princípio da boa-
78
fé objetiva e do equilíbrio contratual a tutela e a proteção dos direitos subjetivos
internos à relação contratual.
O princípio da função social do contrato está relacionado ao princípio
clássico da relatividade dos efeitos do contrato que determina o isolamento da
relação contratual, atingindo seus efeitos apenas com relação aos contratantes, não
podendo ser utilizado como justificativa para o descumprimento de cláusulas
contratuais.
O princípio clássico liberal da relatividade delimita o âmbito da eficácia do
contrato. A doutrina explica que o principal efeito do contrato é criar um liame
obrigacional entre as partes contratantes. A este liame, a lei confere obrigatoriedade,
por isso diz-se que o contrato faz lei entre as partes. Esta força vinculante é
equiparada à lei.
Além da limitação referente aos efeitos do contrato, existe ainda a limitação
quanto ao objeto. O credor só pode exigir do devedor o que foi expressamente
pactuado no contrato, nem mais, nem menos.
Como visto acima, em termo de mercado, é justamente em relação aos
efeitos de uma relação contratual alcançando terceiros que se pode falar em função
social do contrato, não havendo que se falar em função social interna à relação
contratual. Ao contrário, a função social interna, na verdade, diz respeito à boa-fé
objetiva e ao equilíbrio contratual, princípios que devem ser observados pelos
contratantes.
O princípio da função social, assim como os demais princípios
contemporâneos, é norma geral de cunho constitucional que passou a se incorporar
ao contrato, por força de lei.
Desta forma, não somente as cláusulas contratuais obrigam as partes, mas
também o conteúdo normativo destes princípios.
A idéia central da relatividade encontra fundamento na liberdade contratual.
Se não houvesse essa manifestação de vontade, o liame contratual não poderia se
formar em relação à pessoa, desta forma, numa perspectiva liberal, o contrato
geraria efeitos somente entre as partes contratantes, não prejudicando nem
beneficiando terceiros por não participarem da relação. “Ninguém pode ser obrigado
a executar uma prestação resultante de um contrato do qual não é parte, e que um
terceiro não pode pretender-se credor de uma obrigação que não foi contraída em
face dele.” (THEODORO NETO, 2007, p. 38).
79
Segundo Humberto Theodoro Neto:
O século XX, contudo, introduziu na organização do Estado Democrático a preocupação com o dado social. O indivíduo, a pessoa humana, não deixou de ser o principal alvo de tutela do direito. Reconheceu-se, no entanto, que como ser gregário, sua dependência da sociedade era natural e inevitável, tornando necessário reconhecer que, a par dos interesses individuais, existiam outros interesses que pertenciam ao grupo de que dependia o indivíduo para desfrutar os próprios direitos individuais em plenitude e segurança. (THEODORO NETO, 2007, p. 65)
Desta forma, forma-se a consciência de que qualquer objetivo social, que
tutela o bem-estar coletivo, necessita do amparo de uma estabilidade econômica e
jurídica na relação entre os indivíduos, transformando-se o contrato em um dos
instrumentos de realização do projeto constitucional, assim como ocorreu com a
propriedade. Veja-se que no contexto democrático o contrato deve ser analisado
inserido em um horizonte histórico.
Pois bem, o contrato não é considerado apenas como instrumento de
circulação de riquezas, mas também de desenvolvimento social. Ocorre que todo
desenvolvimento deve ser sustentado, racionalizado e equilibrado.
Assim, a limitação do princípio da relatividade dos efeitos contratuais pela
função social do contrato seria atentar para seus efeitos sociais, econômicos e
ambientais, pois, como aceitar como válido e chancelar um negócio que, apesar de
atender aos seus pressupostos formais de validade, desrespeite leis ambientais ou
pretenda fraudar leis trabalhistas? Muito menos se pode admitir um contrato que
viole a livre concorrência, as leis de mercado ou a defesa do consumidor.
Neste sentido:
É verdade que a função social demanda uma reinterpretação da relatividade dos efeitos contratuais ou, ao menos, uma composição entre os dois princípios, sempre que, em dada situação concreta, estiverem em confronto, pois o novo princípio revela preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas. Enquanto isso, de maneira oposta, o princípio da relatividade isola a relação contratual, circunscrevendo seus efeitos aos contratantes. (THEODORO NETO, 2007, p.75)
Muito embora em um primeiro momento tenha-se pensado que a função
social representaria um princípio de garantia para uma parte dentro da relação
80
interna em face da outra, pressupõe-se, de forma oposta, uma repercussão dela no
mundo externo.
É importante tecer algumas considerações acerca do significado de “parte” e
“terceiro”. Segundo Teresa Negreiros (2006), no âmbito da teoria clássica
voluntarista, parte é o indivíduo que se vincula ao contrato por uma manifestação de
vontade, sendo terceiros todos os outros, ou seja, uma definição por exclusão.
Nestes termos, terceiros não são:
[...] quaisquer pessoas alheias ao acto do negócio, mas sim apenas aqueles que possam ter adquirido ou vir a adquirir outros direitos idênticos ou de diferente natureza, mas conflituantes, sobre as mesmas coisas que já são objecto dum direito análogo por parte de outras; neste caso, estas segundas dizem-se partes do negócio e as primeiras, terceiros em sentido estrito. (MONCADA apud NEGREIROS, 2006, p.222).
A doutrina moderna francesa, nas palavras de Teresa Negreiros (2006),
busca definir partes como pessoas submetidas ao efeito obrigatório do contrato por
efeito de sua vontade ou da lei. Essa conclusão de que o fundamento legal da força
obrigatória dos contratos repercute na interpretação do princípio da relatividade, na
medida em que desloca a vontade do centro da teoria contratual e conduz à
necessidade de se analisar o efeito relativo do contrato à luz dos novos princípios,
dentre eles a função social.
O terceiro se relaciona com o conteúdo do contrato de duas formas,
segundo Teresa Negreiros (2006): sendo vítima de um dano provocado pelo
inadimplemento de uma obrigação originária de um contrato do qual ele não
participa diretamente; ou quando o terceiro contribui para o inadimplemento da
obrigação assumida pelo devedor. Pode nestes termos, ser vítima ou ofensor do
contrato.
“Ofende-se o princípio da função social dos contratos quando os efeitos
externos do contrato prejudicam injustamente os interesses da comunidade ou de
estranhos ao vínculo negocial.” (THEODORO JÚNIOR, 2004, p.51).
Além disso, pode-se concluir também que o princípio da função social do
contrato é violado sempre que a decisão judicial autorize o descumprimento de
cláusulas contratuais, justificada na proteção de pretenso interesse social, com base
em argumentos valorativos e desconsiderando a realidade social e econômica em
que a avença foi pactuada.
81
Cite-se, ainda, como exemplo de contratos que não obedecem ao princípio
da função social aqueles que promovem dominação de mercado e afrontam a livre
concorrência, bem como os contratos consumeristas que apresentam propaganda
enganosa, etc.
Sobretudo, deve-se levar em conta que a função natural do contrato é a
circulação de riquezas. Neste sentido, verifica-se a existência de função social no
próprio mercado e, desta forma, a interpretação do princípio da função social deve
levar em conta todas as peculiaridades, bem como os resultados que poderá causar,
e que atingirão toda a sociedade.
É preciso salientar que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não exerceu plenamente a sua liberdade contratual.5 (ALVIM apud THEODORO JÚNIOR, 2004, p.100)
Como já exposto, embora o contrato tenha uma função social, não tem
função de assistência social. O instituto tem finalidade econômica a realizar, que não
pode ser preterida ou ignorada pelo legislador nem pelo magistrado aplicador da lei.
Deve-se, desta forma, garantir a proteção de todas as funções do contrato,
especialmente em virtude de que o seu conjunto forma a função social que o mesmo
desempenha. Não se pode, querendo regular a função natural do contrato, suprimi-
la, sob pena de se destruir o instituto ou desvirtuar seus objetivos.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:
O contrato pode ser invalidado por ofensa aos limites da função social. Não pode, entretanto, ser transformado pela sentença, contra os termos da avença e ao arrepio da vontade negocial, em instrumento de assistência social. Impossível é determinar que se preste gratuitamente o que se ajustou oneroso. Nem tampouco se admite exigir, pelo mesmo preço, prestação maior ou diversa do que se contratou. Isto equivaleria a um confisco dos valores econômicos a que o contratante tem direito, segundo a ordem econômica tutelada pelo sistema constitucional vigente. (THEODORO JÚNIOR, 2004, p.102).
5 ALVIM, Arruda, et al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 72.
82
Função social, função econômica e função pedagógica do contrato não se
anulam nem substituem, mas sim devem existir conjunta e harmoniosamente. A
função econômica do contrato está inserida na sua função social.
4.5 Natureza jurídica da função social dos contrato s
A doutrina civil moderna trouxe para a teoria clássica do Direito Contratual
certos princípios e conceitos denominados cláusulas gerais. São conceitos abertos e
indeterminados que devem ser preenchidos pelo juiz, na análise do caso concreto.
Estas cláusulas foram adotadas com a finalidade de resolver a questão da
defasagem entre o direito positivo e a realidade. Consistem em uma técnica
legislativa fruto da evolução do pensamento de que os Códigos não poderiam conter
toda a disciplina de determinado ramo do Direito, de forma completa e absoluta.
Miguel Reale (2004, p.4), afirmou que a maior contribuição e objetivo do
novo Código Civil, publicado em 2002, seria superar o manifesto caráter
individualista do Código de 1916.
O Código de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua tinha espírito oitocentista,
como preleciona Judith Martins Costa, consistindo em uma concepção de “sistema
como ordem e unidade interna, dotado de pretensão da completude ou plenitude
legislativa” (COSTA, 2000, p.259):
A pretensão da plenitude, a preocupação com a segurança, certeza e clareza (no sentido de precisão semântica) que marcam a obra de Beviláqua não permitiriam espaço para a inserção de cláusulas gerais. [...] A imutabilidade é considerada a primeira e fundamental característica de uma legislação civil, ao lado da pretensão de plenitude, que a completa. [...] [Assim] o raciocínio jurídico e, por extensão, a interpretação de normas jurídicas amarram-se fortemente ao contido no texto da lei, ponto de referência exclusivo do jurista, o qual entende ter por missão deduzir passivamente os dados que lhe são transmitidos pela vontade da lei ou pela vontade do legislador, realizando a operação de subsumir um determinado ato, fato ou relação jurídica em uma ou outra determinada qualificação normativa também já previamente delimitada. (COSTA, 2000, p.267-268)
No entanto, as mudanças políticas e econômicas ocorridas em meados do
século XX, em tempo relativamente curto, tornando o sistema pós-guerra
83
socialmente complexo, assim como o desenvolvimento da tecnologia, a alteração
das formas de produção, todas elas consistiram em impulso para o questionamento
de um ordenamento jurídico fechado, que não possuía mais a capacidade de
abranger todas as situações jurídicas necessárias, advindas dessas mudanças.
A necessidade de aperfeiçoamento do sistema, bem como de obter-se uma
resposta para as atuais necessidades da sociedade culminou na criação de uma
técnica legislativa nova, segundo a qual o Código seria um referencial legislativo,
sendo inseridas nele normas de cunho aberto, cujo conteúdo poderia ser alterado
pelo juiz, de acordo com o caso concreto.
Assim:
[...] as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo. (COSTA, 2000, p.274)
O conceito formulado por Judith Martins Costa restou assim descrito:
Estas normas buscam a formulação de hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Em outros casos, verifica-se a ocorrência de normas cujo enunciado, ao invés de traçar punctualmente a hipótese e suas conseqüências, é intencionalmente desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de valores, princípios, diretrizes e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas normas: são as chamadas cláusulas gerais. (COSTA, 2000, p.286)
Analisando o conceito acima, entende-se que mesmo as cláusulas gerais,
dotadas de conceitos jurídicos indeterminados, devem possuir uma moldura, mesmo
que vaga. Não se discute acerca da evidente vantagem trazida pela inserção de
cláusulas gerais no ordenamento jurídico, uma vez que são instrumento hábil para
manter o texto legal atualizado, já que é impossível a tarefa do legislador de
supostamente prever todas as situações jurídicas possíveis e normatizá-las.
No entanto, como bem delineado pela autora acima citada, mesmo as
cláusulas gerais devem ter um mínimo de parâmetros de aplicabilidade, ou vaga
moldura, sob pena não de se cair em insegurança jurídica (termo este bastante
84
criticado atualmente), mas sim de se banalizar a aplicação do instituto. Afinal, o que
serve para tudo e todos, na verdade não serve para ninguém.
A questão simplesmente da segurança jurídica é controvertida. Ora, toda
norma, por mais fechada e literal que seja a sua construção, é passível de
interpretação. A segurança que se espera das relações e decisões judiciais é aquela
possível, considerando-se principalmente a pluralidade em que se vive. Judith
Martins Costa fala que vive-se atualmente o “mundo da insegurança”:
Hoje vive-se, diversamente, no “mundo da inseguraça”. Esta não reside apenas na circunstância da multiplicidade dos textos legais que abalaram a estrutura codificada, mas fundamentalmente, da impossibilidade de manter-se, no universo em que vivemos, a integridade lógica do sistema. (COSTA, 2000, p.276)
No entanto, um mínimo de segurança é necessário para evitar o caos:
[...] entre as principais necessidades e aspirações das sociedades humanas encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança jurídica, para atingir seus objetivos e até mesmo para sobreviver. (DALLARI, 1980, p.26)
Judith Martins Costa (2000, p.287) afirma que o exemplo paradigmático de
cláusula geral veio do Direito alemão, com a previsão no parágrafo 242, do BGB, de
referência à necessidade do devedor cumprir a obrigação que lhe é devida com
observância da boa-fé e dos costumes do tráfego jurídico, sendo tal proposição
extremamente criticada à época (1896). No entanto:
A utilização da cláusula geral da boa-fé mostrou-se particularmente frutífera na jurisprudência alemã do pós-guerra, por forma a permitir a construção ou o desenvolvimento, no direito obrigacional, dos casos de exceptio doli, da inalegabilidade de nulidades formais, de culpa na formação dos contratos (culpa in contrahendo), de abuso da posição jurídica, de modificação das obrigações contratuais por alteração superveniente das circunstâncias. Serviu ainda para evidenciar a complexidade do conteúdo da relação obrigacional e seu intrínseco dinamismo. (COSTA, 2000, p.292)
Assevera a autora que a prática foi posteriormente estendida a diversos
outros países, tornando os códigos mais recentes permeados de cláusulas gerais, a
exemplo do brasileiro.
Ocorre que, como bem observado por Antônio Junqueira de Azevedo, a
forma utilizada no Código Civil de 2002 é ultrapassada:
85
[...] verificamos que o grande problema que afinal surgiu depois de se resolver a mudança, saindo daquela rigidez da lei geral e abstrata para todos, e atribuindo poder ao juiz, foi a perda de uma certa segurança jurídica. Aquela espécie de arbitrariedade entregue às autoridades não foi o ideal na vida prática. Então, procurou-se caminhar para dar algum conteúdo àqueles conceitos vagos. [...] No caso do Projeto de Código Civil, infelizmente não há essas diretrizes. O Projeto limita-se a dizer que os contratantes devem comportar-se segundo a boa-fé. Os Códigos modernos trazem as diretrizes. (AZEVEDO, 2002).
A Constituição brasileira de 1988, elogiada pelos autores que pregam a
supremacia das cláusulas gerais, também traz conceitos indeterminados em seu
conteúdo. No entanto, a exemplo dos modernos Códigos, como analisou Rodolpho
Barreto Sampaio Júnior (2008), apresenta as balizas necessárias para a correta
aplicação daquelas normas. A título de exemplo pode-se citar a previsão do artigo
188 da Constituição da República, que estabelece a função social da propriedade.
Logo em seu parágrafo segundo explicita que a propriedade cumpre sua função
social quando atende às especificações do plano diretor. Resta restringida, portanto,
a discricionariedade do magistrado, sem que fosse necessário abrir mão da cláusula
geral.
A Constituição da República de 1988 previu em seu texto a função social da
propriedade. No entanto, não deixou o conceito, nem a aplicação do princípio sem
direcionamento. Pelo contrário, em técnica jurídica avançada, deu contornos à
cláusula geral que contém este princípio, indicando o direito básico a ser protegido,
a função ou necessidade a ser suprida pelo titular do direito e, por fim, a sanção que
visa garantir essa função do direito. (NAZARA, 2008, p.69).
O artigo 5º, inciso XXII, da Constituição da República, ao assegurar o direito de propriedade, afirma que o mesmo deve ser exercido segundo a sua função social. O mesmo texto constitucional de 1988, agora nos artigos 182, § 2º e 186, indica ao titular da propriedade imobiliária urbana que a sua função social será obtida quando o uso, gozo e disponibilidade do domínio estiverem adequados às normas de ordenação da cidade descritas no plano diretor, bem como elucida ao dono da propriedade rural que seu fim social será atingido quando a propriedade for exercida de modo produtivo. Em derradeiro, o constituinte criou meios de coação aos titulares da propriedade urbana e rural com vistas a que estes não descurassem da função social a que as mesmas se destinam, impondo, por exemplo, a desapropriação do imóvel rural, por interesse social, quando a produtividade for baixa ou inexistente, bem como a desapropriação do imóvel urbano para fins urbanísticos. Neste exemplo, vislumbra-se de modo solar a técnica de funcionalização de um direito subjetivo segundo os três estágios apontados. (NAZARA, 2008, p.69)
86
Está disposto na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXII e XXIII:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos:
[...]
XXII. é garantido o direito de propriedade;
XXIII. a propriedade atenderá sua função social. (BRASIL, 2007)
Encontra-se previsão constitucional acerca da função social da propriedade
também no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, comprovando que não só
se exige que a propriedade atenda a sua função social, como a eleva à categoria
dos princípios informadores da ordem econômica.
Este princípio é mais simples de se visualizar do que a função social dos
contratos, pois é intrínseco o efeito do exercício de um direito real sobre o meio
social. Além disso, a Constituição da República de 1988 trouxe diretrizes para
aplicação da função social da propriedade, que não se vê no Código Civil.
O direito real estabelece uma relação entre o titular e a coisa, e ao mesmo
tempo uma relação de abstenção que se opera erga omnes. Trata-se de uma
obrigação de toda a sociedade de não interferir na coisa objeto do direito. Esse
direito envolve concretamente os interesses sociais, como afirma Venosa (2007),
pois a propriedade só pode ser analisada como entidade social e jurídica, só pode
ser definida com relação às outras propriedades.
Neste sentido, a exemplo da Constituição da República de 1988, o
“aperfeiçoamento da técnica legislativa das cláusulas gerais inviabiliza que o
julgador aplique, por exemplo, a sua própria noção de função social ao caso
concreto”. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)
O Legislador contemporâneo não se restringiu à criação de preceitos, mas
utilizou com freqüência de alguns expedientes que se destinam a fixar valores a
serem respeitados no cumprimento das normas que compõem o ordenamento
jurídico, conforme explica Humberto Theodoro Júnior, (2004).
Estas normas não prescrevem uma certa conduta, mas sim definem
parâmetros hermenêuticos, servindo como ponto de referência no momento da
interpretação, oferecendo os critérios normativos.
87
Como visto, os limites às determinações das cláusulas gerais seriam
conferidos pela jurisprudência, tendo o juiz um papel fundamental na interpretação
dessas normas e sua aplicação ao caso concreto.
Em virtude desta mentalidade, muito se tem discutido acerca do papel do
juiz no processo e ainda o poder criativo e normativo que estar-se-ia concedendo ao
judiciário.
O Código Civil de 1916, não se pode negar, tinha uma feição individualista,
consagrando a primazia da vontade. Por conseguinte, a justiça era alcançada no
cumprimento exato das cláusulas contratuais que foram acordadas em liberdade
pelas partes.
Esse sistema colocava o legislador num papel de suprema imaginação e
auto-suficiência, buscando prever todas as situações que poderiam ser alcançadas
pela norma ou existir no mundo concreto. O objetivo era regular qualquer
circunstância, privilegiando-se a lei acima de tudo, sendo o juiz mero aplicador da
norma através da subsunção ao caso concreto, tendo pouca ou nenhuma atividade
criadora.
Ocorre que os problemas enfrentados pela sociedade da época eram, e
ainda são por demais imprevisíveis para que se pudesse ter a soberba de imaginar
que seria possível abranger toda a gama de casos concretos na lei.
Segundo Thomas Kuhn citado por Antônio Junqueira de Azevedo6 (2007), o
mundo intelectual caminha por mudanças de paradigmas, sendo que o paradigma é
o modelo de solução que uma determinada área das ciências utiliza para a solução
dos problemas. É um padrão segundo o qual as decisões para a resolução dos
conflitos e problemas são tomadas, ou mesmo a interpretação que se dá a esses
eventos.
Os problemas mudaram, mudou-se o paradigma, restando superadas as
deliberações do sistema fechado do Código Civil de 1916.
Nas palavras de Francisco Amaral:
Enfim, no que a experiência jurídica privada possa oferecer como subsídio à disciplina dos conflitos que a pós-modernidade suscita, só podemos dizer que a criação de soluções jurídicas para tais problemas passa pela compreensão da complexidade da nova sociedade, que exige a superação dos modelos e paradigmas ainda vigentes, próprios da modernidade. [...]
6 KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1975.
88
Quanto às fontes do Direito, a sua tradicional doutrina deve evoluir para a substituição do modelo absoluto e exclusivo do princípio da legalidade pela idéia das fontes como mecanismos institucionais, democraticamente estabelecidos. (AMARAL, 2003, p. 77)
O Código Civil de 2002 adotou, conforme mencionado, o modelo de
cláusulas gerais como técnica legislativa. Cláusulas gerais “nada mais são do que
normas jurídicas legisladas, incorporadoras de um princípio ético orientador do juiz
na solução do caso concreto, autorizando-o a que estabeleça, de acordo com aquele
princípio, a conduta que deveria ter sido adotada no caso.” (HENTZ, 2004).
A justificativa para a criação de um modelo aberto, como visto, está no fato,
apregoado a partir do advento do Estado Social, de que o Direito é um sistema
aberto, flexível e dinâmico, consentindo que o juiz tenha um grau maior de
discricionariedade nas decisões dos casos concretos, valendo-se, inclusive, de
conceitos existentes em diversas áreas como sociologia, economia, biologia, etc.,
que possam contribuir para uma solução justa do caso concreto.
João Hora Neto (2006), admite que a cláusula geral é um instrumento
hermenêutico indispensável, à disposição do julgador, na consecução do ideal de
justiça social. Segundo este autor, a cláusula geral é uma formulação legal de
grande generalidade, abrangendo o largo espectro de casos que possam existir.
Segundo Antônio Junqueira de Azevedo (2007) o paradigma do positivismo,
do juiz autômato, foi ultrapassado. O paradigma seguinte trazia o Estado
intervencionista, que usava os conceitos jurídicos indeterminados, ou cláusulas
gerais, conferindo primazia a quatro princípios: função social, boa fé, ordem pública
e interesse público.
A problemática enfrentada pelos estudiosos desse paradigma consistia
justamente em tentar determinar o conteúdo dessas normas, pois elas seriam vazias
do ponto de vista axiológico.
Segundo esse autor, o paradigma do juiz, do Estado intervencionista,
também foi ultrapassado por um novo: o paradigma do caso concreto e da
Constituição. Isso também em virtude de uma “fuga do juiz”, ou seja, cada vez mais
a sociedade procura resolver os conflitos do dia a dia extrajudicialmente, invocando
a Constituição e outras soluções como a arbitragem. Desta forma, ainda na visão de
Antônio Junqueira de Azevedo (2007), o projeto do Código Civil, cujas previsões são
89
repletas de cláusulas gerais, estaria no paradigma já ultrapassado, ao contrário da
legislação alienígena.
Em que pese essa não ser a discussão do presente trabalho, tal
controvérsia merece atenção, à medida que influencia profundamente a aplicação do
princípio da função social do contrato.
Uma outra crítica desse autor está no fato de que a própria Constituição da
República traz as diretrizes para a aplicação do princípio da função social, mormente
no que tange à propriedade privada, como já visto. E é verdade. Nos artigos 182 e
186 a Constituição da República prevê e delimita o que ela considera como função
social, tanto da propriedade urbana, quanto da propriedade rural.
Desta forma, falhou o Código Civil que traz apenas um jogo de palavras
retórico, sem dar diretriz alguma ao aplicador da norma, nem à própria sociedade,
tornando difícil a compreensão do que seria o conteúdo das cláusulas gerais, assim
como seus limites.
O papel do juiz nesse cenário deve ser adequado a tais mudanças.
Realmente seria viável conferir tamanho poder interpretativo e criador aos
magistrados, sob pena de serem proferidas decisões de cunho essencialmente
subjetivo, provocando insegurança, ou ainda aproximando o modelo judiciário
brasileiro ao “common law” existente nos Estados Unidos da América?
Citados por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, dois votos proferidos por
Ministros do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no EResp 319997,
comprovam os riscos da concessão de poderes ilimitados aos magistrados.
Transcreve-se abaixo o trecho do voto do Ministro Francisco Peçanha Martins:
O arbítrio não é regra seguida no Judiciário livre no Estado Democrático de Direito brasileiro. Demais disso, ainda não temos a Súmula vinculante com força obrigatória. O juiz só está obrigado a aplicar a lei consoante os ditames da sua consciência. Tenho para mim que a nova redação do art. 557 e parágrafos é inconstitucional. Tenho trabalhos publicados sobre o tema e não me convenci do acerto da decisão tomada pela maioria, tanto mais após conhecer a opinião do eminente processualista brasileiro Barbosa Moreira, em "Temas de Direito Processual", Sétima Série, pág. 83, onde inquina de inconstitucional decisão proferida pelo STF no Ag.Rg. no RE nº 227.030, comentando-a sob o título "Lei nº 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz". Livre para divergir, continuarei na defesa das minhas opiniões pouco importando como pensa ou quer o Leviatã. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2003)
Na mesma esteira, o trecho do voto do Ministro Humberto Gomes de Barros:
90
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2003).
Verifica-se, portanto, que a concessão de ampla discricionariedade ao juiz
pode não ser a resposta que a sociedade moderna procura, uma vez que, conforme
visto acima e bem destacado por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, (2008), o
recurso foi julgado sendo rejeitadas posições doutrinárias com base em argumentos
de consciência e investidura legal, e não em fundamentos jurídicos.
Não se está, (é bom repetir), insurgindo contra o uso das cláusulas gerais,
mas sim contra a utilização dessas normas segundo um modelo ultrapassado, como
critica Antônio Junqueira de Azevedo (2002), que não delimita critérios de aplicação
do seu conteúdo:
Com esses quatro conceitos [ordem pública, função social, interesse público e boa-fé], o juiz poderia decidir o que bem entendesse, ou seja, podia declarar: isso não pode valer, porque vai contra a ordem pública, ou Esse contrato entre “a” e “b” fere a função social. Entretanto, ninguém definia ordem pública, função social, boa-fé, nem interesse público; e este último seria o pior, porque continua a vigorar até hoje com o mesmo caráter vago. Leio muito em petições de advogados, até em artigos de doutrina, que o interesse público prevalece sobre o privado. A frase não diz absolutamente nada, porque não é verdade. Às vezes a dignidade humana, que é interesse privado, tem de prevalecer sobre o interesse público. Então, não é tão simples assim. (AZEVEDO, 2002).
Na linguagem da economia, está-se diante de um “trade-off”, ou seja, na
lição de Gregory Mankiw (2005) para obter alguma coisa que se deseja, em geral
deve-se abrir mão de outra coisa que também se gosta. Assim, devem ser
analisados os riscos, custos e benefícios de se restringir a segurança em prol da
91
atualização da legislação, ou a que nível se pode reduzi-la e alcançar o melhor
resultado possível.
Certo é que a moderna dogmática jurídica, conforme mencionado, superou a
idéia de que as leis possam sempre ter uma solução adequada e justa para cada
caso. Nesse sentido, “a objetividade possível do direito reside no conjunto de
possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece.” (BARROSO, 2006, p.
9)
A cláusula geral oferece inúmeras possibilidades de interpretação possíveis
para o magistrado e, conforme salientou AMARAL (2003), há uma perda crescente
da importância da certeza e da segurança jurídica em favor do primado da justiça,
outro valor fundamental.
Além de ser um ato de conhecimento, a aplicação do direito é também um
ato de vontade, pois o aplicador deve escolher dentre as possibilidades
interpretativas mesmo quando está diante de normas mais “fechadas”.
Nesse aspecto entra a concepção de que o direito privado está intimamente
influenciado pelo direito constitucional, pois é na Constituição que o aplicador da
norma encontrará os limites em que exercerá suas escolhas e seu senso de justiça.
Assim, com relação ao problema levantado por Antônio Junqueira de
Azevedo e mencionado acima, apesar de o Código Civil de 2002 não traçar as
diretrizes para o juiz na aplicação da função social ao caso concreto, tal omissão
deve ser suprida pela importância da Constituição, bem como do direito
constitucional, que ditará os limites que devem ser observados, além do
ordenamento jurídico como um todo, utilizando-se também a legislação especial e
esparsa para se chegar aos parâmetros de aplicação de determinada cláusula geral.
Com relação a este fato, é imperioso registrar que a Constituição brasileira
tem como principal fundamento a dignidade da pessoa humana, sendo que alguns
doutrinadores chegam a elevar este preceito a um superprincípio.
Se, no século XIX, o Código Civil desempenhou a função de normatizar as
relações jurídicas entre particulares, a partir do pós-guerra a Constituição passou a
ser o elemento unificador do ordenamento jurídico, contendo princípios e valores a
condicionar todos os ramos do Direito.
No entendimento de Judith Martins Costa (2000, p.315), há substancial
diferença entre cláusula geral e princípio, apesar de existir respeitável doutrina com
entendimento diverso:
92
[...] a equiparação entre princípios jurídicos e cláusulas gerais decorre, fundamentalmente, da extrema polissemia que a ataca o termo “princípios”; as cláusulas gerais não são princípios, embora na maior parte dos casos os contenham, em seu enunciado, ou permitam a sua formulação. O conceito de princípio no direito é polissêmico e polêmico, pesadamente carregado de história. [...] Na raiz da polêmica e da polissemia estão a determinação de sua natureza (isto é, o que são os princípios, se constituem ou não normas jurídicas), os modelos lingüísticos que podem seguir em cada ordenamento e a delimitação de suas funções. (COSTA, 2000, p.316)
Em que pese as diversas definições colocadas pela autora em sua obra,
para o presente trabalho será considerada a definição de princípio em Ronald
Dworkin como norma jurídica.
Claudio Luzzatti citado por Judith Martins Costa explicita:
[...] na estrutura dos sistemas jurídicos, os princípios são aquelas normas que vêm consideradas pelo legislador, pela doutrina e pela jurisprudência como fundamento (em um dos sentidos deste termo) de um conjunto de outras normas, já emanadas ou ainda a serem emanadas (aí os chamados princípios programáticos). (LUZZATTI apud COSTA, 2000, p.320)
Desta forma, Judith Martins Costa (2000, p.323), considera que as cláusulas
gerais contêm princípios, mas com eles não se confundem, uma vez que estes
últimos podem ser implícitos ou explícitos e as cláusulas gerais somente podem ser
explícitas. Por outro lado, segundo a autora, não existiria cláusula geral que não se
remeta a outros espaços do ordenamento jurídico, ou a valores, Standards jurídicos
ou extrajurídicos, ao contrário dos princípios.
Por fim, a diferença entre cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, conforme preceitua Judith Martins Costa (2002, p. 325) traduz-se no
fato de que, apesar de ambos terem alto grau de vagueza semântica, as primeiras
remetem-se a instâncias valorativas meta ou extrajurídicas e os conceitos
indeterminados remetem-se às regras ordinárias de experiência para se precisar o
seu conteúdo. Além disso, continuando em sua explanação, a autora afirma que,
enquanto na aplicação dos conceitos indeterminados o caso é de subsunção, a
partir do momento em que, pela experiência, se determina se o fato é típico, na
aplicação das cláusulas gerais há criação do direito, concorrendo o juiz ativamente
para formulação da norma.
93
Ante a definição acima descrita, verifica-se que a cláusula geral do artigo
421, do Código Civil, contém o princípio da função social direcionado às relações
contratuais.
A função social do contrato é, em si, um princípio jurídico, padrão que deve
ser observado, com respaldo na busca pela justiça, influenciando a interpretação do
conteúdo do contrato e sua aplicação.
Como já exposto, o maior problema de aplicação do princípio da função
social do contrato prevista no artigo 421, do Código Civil, encontra-se no conteúdo
indeterminado desse dispositivo, que tem gerado as mais diversas interpretações
por parte dos tribunais e estudiosos do Direito, muitas vezes sendo utilizado o
conceito de função social como fundamento para promoção de paternalismo e
assistencialismo. Este equívoco gera incentivos negativos e promove insegurança
no mundo econômico, prejudicando o desenvolvimento social.
Apesar de ser vistos com certa controvérsia, aqueles que defendem a
utilização de conceitos indeterminados, como Miguel Reale (2004), exaltam a
“esperteza” da criação de um dispositivo elástico, que poderá evoluir com o Direito.
Como visto, a aplicação do princípio da função social pode entrar em conflito
com a autonomia privada e o princípio da relatividade dos efeitos contratuais.
Para análise do conflito entre princípios, deve-se primeiro entender as
teorias acerca da diferenciação entre princípios e regras.
O Direito é uma ciência que incorpora e concretiza valores do cotidiano da
sociedade ao longo do tempo, relacionando-se com a dinâmica social de duas
maneiras, na explicação de Maurício Godinho Delgado (2001), criando, ou seja,
antecipando normas de conduta e interpretando a ordem jurídica.
Nessa relação, os princípios cumprem papel fundamental, pois compõem o
ordenamento, atuando de forma decisiva no ajustamento do direito à vida social,
pois molda a interpretação da regra jurídica.
Importante frisar que, após a consolidação do Estado Democrático de
Direito, os princípios gerais do direito passaram por um processo de
constitucionalização, transformando-os em princípios constitucionais.
Em primeiro lugar, é certo que na doutrina existe diferenciação entre regras
e princípios. Segundo Marcelo Campos Galuppo (1998), essa distinção é antiga,
sendo discutida por Norberto Bobbio, Del Vecchio, Betti etc.
Para eles,
94
Inicialmente, os princípios seriam “normas mais gerais”, que valeriam ou para todo um ordenamento, ou para toda uma matéria, ou para todo um ramo do direito. Em segundo lugar, seriam normas fundamentais (ou de base) do ordenamento jurídico. Em terceiro lugar, seriam normas diretivas, no sentido que indicariam a orientação ético-política em que um determinado sistema se inspira. [...] Em quarto lugar, seriam normas indefinidas, que comportam uma série indefinida de aplicações. [...] E finalmente seriam normas indiretas, ou seja, normas que não seriam atuáveis se outras não lhes precisassem o que se deve fazer para as atuar ou normas cuja função precipuamente construtiva e conectiva consiste em determinar e reassumir o conteúdo da norma. (GALUPPO, 1998)
Esses autores procuravam solucionar a problemática acerca da
normatividade dos princípios, bem como sua operatividade jurídica. Ocorre que este
questão já foi superada, restando a discussão acerca do conflito entre princípios e
sua aplicação.
Alexy citado por Galuppo (1998) elaborou teorias acerca da diferenciação
entre regras e princípios, sendo que estes seriam espécies do gênero norma.
Para tanto, criticou as antigas teorias mencionadas, demonstrando que a
diferença entre princípios e regras não é quantitativa, mas qualitativa. Assim, não
seria o maior ou menor grau de generalidade e abstração que diferenciaria essas
categorias normativas.
Uma norma, para Galuppo (1998) é o significado de um enunciado que diz
que algo deve ser. Elas expressam necessariamente modalidades deônticas:
mandado, proibição e permissão.
Portanto, como as regras e os princípios expressam algo que deve ser,
juridicamente, ambos devem ser entendidos como normas jurídicas.
A teoria tradicional utilizava como critério de diferenciação o critério
quantitativo da generalização crescente. Ocorre que, como explica Galuppo (1998),
a generalidade não é uma causa, mas quando muito uma conseqüência do conceito
e não diferencia essencialmente as duas categorias, apesar de que os princípios
geralmente possuem um maior grau de generalização. Para tanto, cita como
exemplo o princípio federativo, que não seria generalização de nada.
Desta forma, chegou-se à seguinte conclusão conceitual:
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus,
95
e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também jurídica. [...] De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. [...] Os princípios não contêm mandados definitivos mas somente prima facie. Do fato que um princípio valha para um caso não se infere que o que o princípio requer deste caso valha como resultado definitivo. Os princípios apresentam razões que podem ser ultrapassadas por outras razões opostas. [...] Totalmente distinto é o caso das regras. Como as regras exigem que se faça exatamente como nelas se ordena, contêm uma determinação do âmbito de possibilidades jurídicas e fáticas.7 (ALEXY apud GALUPPO, 1998)
Assim, nenhum princípio goza de primazia perante outro. Um conflito entre
princípios jurídicos existe quando, aplicadas de forma separada, as normas
principiológicas levam a resultados diferentes e incompatíveis.
Segundo Marcelo Campos Galuppo, “exatamente por isso a solução do
conflito entre princípios difere do conflito de regras: é que este último tem existência
em abstrato, enquanto conflito entre princípios só tem existência, e portanto solução,
no caso concreto.” (GALUPPO, 1998)
Duas regras em conflito, em geral, não podem ser ao mesmo tempo válidas,
mas os princípios conflituosos, ao contrário, não deixam de ser ambos válidos. Quer
dizer apenas que eles não podem ser aplicados na mesma intensidade ou
contemporaneamente.
A questão pode ser assim explicada:
Quando dois princípios entram em colisão [...], um dos princípios tem que ceder ante o outro. Mas isso não significa declarar inválido o princípio que não teve curso, nem que haja de se introduzir no princípio que não teve curso uma cláusula de exceção. Ao contrário, o que acontece é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada de forma inversa. (ALEXY apud GALUPPO, 1998)
A resolução de conflitos de regras, portanto, se dá na dimensão da validade,
e o de princípios na dimensão de peso.
Superada a questão acerca da impossibilidade de existirem princípios
absolutos, bem como a impossibilidade da alegação de invalidade de um em
detrimento de outro, resta a análise do melhor método para solução da colisão.
7 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
96
Segundo ensina Marcelo Campos Galuppo (1998), a ponderação, concebida
por Alexy, refere-se a qual dos interesses possui maior peso no caso concreto. Certo
é que os princípios não são absolutos, nem podem ser considerados inválidos em
situação de conflitos, razão pela qual a sua colisão pode ser solucionada através do
método da ponderação.
O método da ponderação busca indicar quais as condições sob as quais um
princípio precede a outro num determinado caso concreto.
Há conflito entre princípios quando estes dão soluções diversas ao mesmo
caso, de forma incompatível ou contraditória. Certo é, também, que a definição dos
limites da aplicação de determinados princípios pelo poder judiciário encontra
fundamento na Constituição da República de 1988.
A pergunta que surge levanta questionamentos acerca de como são
tomadas as decisões pelo judiciário, como se chega ao resultado da determinação
da precedência de um princípio sobre o outro, e ainda em que grau um princípio
poderia ser preterido em razão de outro.
Para muitos, a ponderação levaria, nas palavras de Marcelo Campos
Galuppo (1998), a um grau muito elevado de discricionariedade pelo judiciário,
promovendo-se insegurança jurídica ao abrir um vasto leque de possibilidades de
interpretações subjetivas e decisionistas.
A resposta de Alexy a esse confronto é que o procedimento de ponderação
de princípios jurídicos deve ser racional, sendo que, apesar de possibilitar decisões
diferentes, esse método limita ou estabelece condições racionais para as decisões.
Desta forma:
Uma ponderação é racional se o enunciado de preferência a que conduz puder ser fundamentado racionalmente. Desta maneira, o problema da racionalidade da ponderação conduz à questão da possibilidade da fundamentação racional de enunciados que estabeleçam preferências condicionadas entre valores ou princípios opostos. (ALEXY apud GALUPPO, 1998, p. 139)
Galuppo (1998) esclarece, ainda, que o tribunal constitucional alemão tende
a levar em conta a formulação de uma regra constitutiva de ponderações expressa
nos seguintes termos: “Quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de
um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro”.
(GALUPPO, 1998, p. 139)
97
Esta seria a “lei da ponderação”, segundo a qual o peso dos princípios não é
determinável em si mesmo ou de forma absoluta. Mas pode-se falar apenas em
pesos relativos aos outros princípios, bem como aos prejuízos pelo descumprimento
destes no caso concreto.
Neste sentido:
Nas ponderações, por exemplo, entre o princípio de liberdade de imprensa e de segurança externa, trata-se não exatamente de quão grande é a importância que alguém concede à liberdade de imprensa e à segurança externa, mas de quão grande é a importância que se deve conceder a elas no caso concreto, o que implica que um grau muito reduzido de satisfação ou uma afetação muito intensa da liberdade de imprensa em benefício da segurança externa só é admissível se o grau de importância relativa da segurança externa for muito alto. (ALEXY apud GALUPPO, 1998, p. 140)
Desta forma, buscando a racionalidade do método, Alexy formulou uma “lei
de colisão”, segundo a qual havendo uma tensão entre princípios no caso concreto,
formula-se uma regra que determina, naquele caso ou nos demais que tenham os
mesmos contornos fático-normativos, a otimização de um dos princípios.
Assim, seria possível estabelecer um critério que vincularia a ponderação a
uma teoria da argumentação jurídica racional, podendo-se estabelecer, inclusive,
relações de prioridade importantes para a decisão de outros casos.
É muito importante bosquejar parâmetros e standards para estes casos de colisão, com o objetivo de fornecer pautas que possam estreitar as margens de discricionariedade judicial, ampliando a segurança jurídica, e estabelecendo critérios para o controle social e a crítica pública das decisões jurisdicionais proferidas neste campo. (SARMENTO, 2006, p. 271)
De acordo com essa doutrina, os princípios jurídicos são vetores centrais
que proporcionam estruturação lógica do ordenamento jurídico, são expressões de
valores superiores. Os princípios vinculam-se entre si, não admitindo considerações
independentes ou auto-suficientes. Desta forma, no caso concreto, os princípios
admitem balanceamento de valores e interesses, em busca de harmonização.
A ponderação de princípios exige que o resultado seja orientado em direção
à promoção dos valores superiores da ordem constitucional, sintetizados na idéia da
dignidade da pessoa humana.
98
Esse método não se trata de simplesmente dar primazia a uma norma em
prejuízo de outra, mas sim alcançar um grau de efetivação otimizada, mediante
permissões mútuas, preservando-se o máximo de cada um, na medida do possível.
Essa efetivação otimizada quer dizer que nenhum dos princípios pode ser
restrito ao ponto de atingir o seu “núcleo essencial”.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:
Um princípio tem um sentido e alcance mínimos, um núcleo essencial, no qual se equiparam às regras. A partir de determinado ponto, no entanto, ingressa-se em um espaço de indeterminação, no qual a demarcação de seu próprio conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete. Um exemplo é fornecido pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Além de não explicitar os comportamentos necessários para realizar a dignidade da pessoa humana – esta, portanto, é a primeira dificuldade: descobrir os comportamentos – poderá haver controvérsia sobre o que significa a própria dignidade a partir de um determinado conteúdo essencial, conforme o ponto de observação do intérprete. (BARROSO; BARCELOS, 2006, p. 341)
Essa característica dos princípios é que permite sua adaptação ao longo do
tempo, a diferentes realidades. À vista do caso concreto, o intérprete deve fazer
escolhas fundamentadas, demonstrando o fundamento racional a legitimar sua
atuação.
Cada um dos elementos deverá ser considerado na medida de sua
importância e pertinência para o caso concreto de modo que, ao fim, todos possam
ser percebidos, ainda que algum se destaque sobre os demais.
Ana Paula Barcellos e Luiz Roberto Barroso destacam três etapas do
processo de ponderação que devem ser consideradas:
Na primeira etapa, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. [...] Na segunda etapa, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. [...] Na terceira etapa, [...] fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa. [...] Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais. (BARROSO; BARCELLOS, 2006 p. 347)
99
O problema relacionado a essa técnica de interpretação decorre da ausência
de referências materiais para a valoração ser feita, conforme salientado por
BARROSO e BARCELLOS (2006).
No estágio atual, a ponderação não atingiu ainda o padrão desejável de
objetividade, dando lugar a ampla discricionariedade, embora os esforços de Alexy
acerca da argumentação racional serem válidos como solução para o controle de
legitimidade das decisões.
Coura (2004) procura demonstrar o erro ao se pretender interpretar normas
jurídicas levando-se em conta sua valoração, já que devem ser tomadas em seu
sentido deontológico.
Segundo este autor:
Enquanto valores correspondem a preferências intersubjetivamente compartilhadas, relacionando-se a bens e interesses que em coletividades específicas são considerados relevantes e que são realizados gradualmente mediante ações dirigidas a determinados objetivos ou finalidades; normas legítimas obrigam seus destinatários igualmente, sem exceção, a cumprir as expectativas generalizadas de comportamento, valendo-se de um código binário, e não gradual. (COURA, 2004, p. 436)
A atividade jurisdicional norteada por valores desconsidera a diferença entre
a aplicação e concepção do direito, contemplando o status de uma legislação
antagonista e desconsiderando que o ponto de vista normativo deve predominar
sobre qualquer outra intenção ou objetivo conjeturado na atividade jurisdicional, que
não deve ser o meio para que o conteúdo teleológico ingresse no direito.
É importante salientar a posição de Alexandre de Castro Coura:
Afirmou-se que o processo se criação das normas, que permite considera-las válidas, possibilita a consideração de diversos argumentos, entre os quais encontram-se argumentos morais, éticos e pragmáticos. Contudo, esse processo complexo articula-se por meio de uma racionalidade que requer que os direitos legitimamente estabelecidos passem a ser concebidos, segundo Ronald Dworkin, como “trunfos” que podem ser usados, no discurso jurídico de aplicação normativa, contra argumentos de política, ou seja, contra argumentos não jurídicos, como os exclusivamente éticos, morais ou pragmáticos, que não podem, no momento da decisão judicial, ser inseridos, tomados ou elevados à condição da Direito. (COURA, 2004, p. 440)
Desta forma, os princípios possuem uma “força justificatória” maior que os
valores, sendo que estes últimos devem ser analisados em razão de outros valores,
caso a caso. Na análise de valores, não há padrão racional, pois eles variam
100
subjetivamente, produzindo avaliações judiciais arbitrárias e muitas vezes
irrefletidas.
Os direitos devem ser concebidos numa visão deontológica e não axiológica,
para que as decisões acerca do conflito entre princípios não passe por uma análise
(questionável) de custo-benefício, conforme salienta Alexandre de Castro Coura
(2004).
Acerca do sopesamento de princípios Habermas afirma:
No interior de um campo de validação como esse, o direito se apresenta diante de seus destinatários, assim como antes, munido de uma reivindicação de validação que exclui uma pesagem dos direitos segundo o modelo da ponderação de ‘bens jurídicos’ precedentes ou menos importantes. A maneira de avaliar nossos valores e a maneira de decidir o que ‘é bom para nós’ e o que ‘há de melhor’ caso a caso, tudo isso se altera de um dia para o outro. Tão logo passássemos a considerar (por exemplo) o princípio da igualdade jurídica meramente como um bem entre outros, os direitos individuais poderiam ser sacrificados caso a caso em favor de fins coletivos; no caso de uma colisão, deixaria de ocorrer o ‘recuo’ de um direito em relação a outros, sem que ele tivesse que perder com isso sua validade. (HABERMAS, 2002, p. 356)
Para essa doutrina, o caráter deontológico dos princípios não pode ser
comprometido, mesmo quando dois princípios se apresentem, num caso concreto,
como concorrentes ou conflitantes.
Assim, recorre-se à técnica da adequação, pois, não se deve sopesar
valores, mas sim examinar, prima facie, as normas que são aplicáveis ao caso e
encontrar a que seja mais adequada a ele, num verdadeiro “juízo de
adequabilidade”.
Neste sentido, adequabilidade seria a verificação da validade de um juízo
singular, que deriva de uma norma válida, de forma que seja totalmente preenchido
pelo sentido. A relação entre os comandos deontológicos, concorrentes em um
primeiro plano, pode alterar a cada caso concreto, porém, sujeitando-se a uma
condição de coerência do sistema normativo, que possibilita uma resposta correta
para cada situação de aplicação, conforme ensina Coura (2004).
Desta forma, segundo a técnica da adequação, o exame de normas
controversas pelo judiciário:
deve ser realizado de forma a reafirmar a relevância dos pressupostos comunicativos e condições procedimentais do processo legislativo democrático, a fim de que a abordagem da jurisdição constitucional,
101
especialmente no que se refere à questão da afirmação de sua legitimidade, possa ser considerada adequada ao Estado Democrático de Direito. (COURA, 2004, p. 444)
Para tanto, os juízes devem decidir de acordo com o ordenamento jurídico
vigente, ao invés de utilizar argumentos meramente valorativos ou morais, sob pena
de se gerar incerteza quanto ao Direito, devendo as decisões ser apresentadas
consistentes e racionalmente aceitáveis, coerentes com o Direito e aplicadas
adequadamente a cada situação normativa.
4.6 Aplicação do princípio da função social do cont rato ao caso concreto
Analisadas as questões acerca da definição de princípios e a diferença
destas espécies normativas em relação às regras, bem como a existência de colisão
entre o princípio da função social dos contratos e a autonomia privada (que implica
na colisão com o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e da liberdade
contratual), cumpre analisar como se dá a solução para este conflito, assim como
qualquer conflito entre os princípios contratuais tradicionais e os modernos.
Como restou salientado que a função social do contrato diz respeito aos
efeitos externos que a relação contratual causa na sociedade, o conflito mais
aparente entre princípios contratuais seria a função social X a relatividade dos
efeitos contratuais.
O estudo do princípio da função social do contrato, acerca do qual a relação
contratual produz efeitos no mundo social que não podem ser ignorados pela teoria
contratual, visa a verificar de que modo se dá a interação entre tal princípio e os
demais princípios clássicos, especialmente a relatividade dos efeitos contratuais
que, em sentido oposto, determina o isolamento da relação contratual, atingindo
seus efeitos apenas com relação aos contratantes.
O princípio da relatividade delimita o âmbito da eficácia do contrato. Não
havia, no Código Civil de 1916, um dispositivo que expressamente determinasse que
o contrato fosse ineficaz perante terceiros. Esta eficácia relativa era deduzida do
artigo 928.
102
A doutrina explica que o principal efeito do contrato é criar um liame
obrigacional entre as partes contratantes. A este liame, a lei confere obrigatoriedade,
por isso diz-se que o contrato faz lei entre as partes. Esta força vinculante é
equiparada à lei.
Como qualquer princípio, a relatividade não é absoluta, comportando
exceções e ainda sofrendo limitações em razão dos novos princípios que vieram
integrar a moderna teoria dos contratos.
É imprescindível tratar da relevância social e econômica dos contratos para
valorar a necessidade de sua tutela no meio social e não somente entre as partes.
Desta forma, não bastam aqueles pressupostos formais e ainda a
obediência aos princípios clássicos contratuais, na medida em que a convenção
atinge a sociedade e não apenas as partes que a pactuaram.
No caso do terceiro prejudicado pelo inadimplemento de obrigação
contratual, a doutrina clássica chegaria à conclusão de que, pelo princípio da
relatividade, ele não teria legitimidade para pleitear indenização em face da parte
inadimplente. Desta forma, “a responsabilidade pela inexecução das obrigações
contratuais é um dos ‘efeitos’ do contrato e, como tal, não pode alcançar terceiros
não contratantes”. (NEGREIROS, 2006, p.233).
A doutrina moderna, porém, tem admitido a flexibilização do princípio da
relatividade, levando alguns a admitir que, em determinado âmbito e circunstância, a
responsabilidade contratual pode alcançar terceiros, lesando seu patrimônio através
do descumprimento de obrigação objeto de contrato que não tenha participado.
Exemplos: 1) Possibilidade de ajuizamento de ação de indenização contra a
seguradora, em caso de acidente de automóvel, pela vítima do acidente, o que já se
tem admitido nos tribunais. 2) Nos casos de responsabilidade do fabricante em face
do consumidor, apesar de não haver entre eles vínculo contratual.
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, citado por Teresa Negreiros (2006),
associa a relativização do princípio da relatividade com a massificação e a
despersonalização das relações de consumo.
Cumpre, agora, analisar a questão inversa, a propósito da responsabilidade
de terceiro que contribui para o descumprimento de obrigação originária de contrato
do qual ele não seja parte.
Segundo o exame de Teresa Negreiros (2006) acerca da matéria, excluindo-
se as hipóteses em que o terceiro “ofensor” atinge diretamente a coisa devida, ou o
103
devedor, de forma que este não possa, contra a sua vontade, adimplir a obrigação,
cumpre observar a violação do crédito alheio provocada por outro contrato.
Cite-se como exemplo a responsabilização de distribuidoras de combustíveis
que celebram contratos com postos vinculados a outra distribuidora em termos de
exclusividade.
Na concepção contratual clássica, de acordo com a doutrina de Teresa
Negreiros (2006), a eficácia do contrato estaria cingida à relação entre devedor e
credor, não podendo o terceiro ser responsabilizado em virtude de outro contrato.
Para tanto, invoca-se a figura do “abuso de direito”. Davi Monteiro Diniz,
citado por Teresa Negreiros, explica que:
A explicitação do dever geral de não violar os bons costumes, presente no artigo 187 do Código Civil, auxilia a rigorosa condenação de atos emulativos, embasando a responsabilização extracontratual de terceiro que dolosamente provoca, instiga ou auxilia o inadimplemento de direito de crédito, objetivando causa prejuízo ao titular. O crédito de natureza contratual participa deste esquema de responsabilização, revelando patrimônio efetivamente lesado em decorrência de ilícito delitual.8 (DINIZ apud NEGREIROS, 2006, p. 254)
Quando o terceiro age com o objetivo específico de prejudicar, a
responsabilização torna-se um problema de abuso de direito, não se relacionando
especificamente com a relativização. A conclusão de Teresa Negreiros (2006) é de
que tanto em casos de abuso de direito, quanto em casos em que o propósito não
seja especificamente o de prejudicar, desde que o terceiro conheça previamente a
incompatibilidade entre os “sucessivos ajustes”, o contrato por ele celebrado com o
devedor estará em desacordo com o princípio da função social da liberdade de
contratar.
A função social, assim como o abuso de direito são fundamentos para a
responsabilização do terceiro.
Nas palavras de Fernando Noronha:
A verdade é que em toda essa matéria o que está em causa é a medida da autonomia que é atribuída (ou reconhecida) às pessoas. Tanto o efeito relativo do contrato, como a própria liberdade contratual só têm valor na precisa medida em que a autonomia privada é relevante, por razões de ordem econômica e social.. (NORONHA, 1994, p. 120)
8 DINIZ, Davi Monteiro. Aliciamento no contrato de prestação de serviços: responsabilidade de terceiro por interferência ilícita em direito pessoal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 27, p. 82-92, jan-fev 2004.
104
Assim, quanto maior a importância se conferir ao princípio da autonomia
privada em detrimento dos novos princípios do Direito Contratual, menos se admitirá
a responsabilização do terceiro pelo descumprimento de um contrato do qual não
seja parte, ou seja, para o qual não haja consentido.
Desta forma, os princípios interagem e se limitam reciprocamente, sendo
que a função social traduz o declínio do subjetivismo individualista que caracterizava
o modelo liberal.
Sendo conceito aberto, a interpretação da função social deve se pautar por
certos parâmetros, na tentativa de evitar que o poder discricionário conferido ao
magistrado seja utilizado para proferir decisões baseadas em simples opções de
consciência, ao invés de jurídicas.
São essas decisões simplistas que, muitas vezes, permitem o
descumprimento contratual por uma parte, com a justificativa cunhada no bem
comum e na função social. Decisões desse tipo geram insegurança dos agentes
econômicos nas instituições, aumentando os custos da contratação e prejudicando a
economia e o próprio cidadão.
Portanto, deve ser visto com ressalva o “benefício” da utilização de
conceitos indeterminados, criando-se mecanismos para, ao menos, delimitar o
campo de atuação do instituto, como já existem na Constituição da República de
1988, e nos Códigos modernos estrangeiros.
Desta forma, deve ser verificado de onde surgirão os parâmetros para a
decisão, uma vez que não se pode deixar ao livre alvedrio do magistrado, pelas
razões já expostas.
No presente caso, como afirmado, não existindo indicação na própria
legislação civil, deve-se buscar o sentido na Constituição, que formulou a teoria da
função social da propriedade com base no abuso de direito.
Essa, a nosso ver, deve ser a solução para o problema da aplicação da
função social. Não se trata de promover assistencialismo ou diminuir as
desigualdades sociais. Essa não deve ser uma função do contrato, sob pena de
inviabilizá-lo e prejudicar toda a sociedade.
Neste sentido ensina Rodolpho Barreto Sampaio Júnior:
105
Inquestionavelmente, a sua interpretação meramente gramatical torna admissível entender que a contratação passa a ter um novo requisito de validade, consistente na observância à função social do contrato. Esse elemento se somaria à capacidade do agente, à licitude e determinação do objeto e à observância à forma legalmente prescrita para ser reputado válido pelo ordenamento jurídico. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)
Na perspectiva solidarista, somente quando celebrado em prol da sociedade
é que o contrato seria objeto de tutela jurídica. Vejamos o que afirma Maria Celina
Bodin de Morais, citada por Rodolpho Barreto Sampaio Júnior:
[...] seus conteúdos se tornam complementares: regulamenta-se a liberdade em prol da solidariedade social, isto é, da relação de cada um, com o interesse geral, o que, reduzindo a desigualdade, possibilita o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos membros da comunidade. (SAMPAIO JÚNIOR, 2008)
No entanto, como afirmou Judith Martins Costa em doutrina já citada neste
trabalho, atualmente não há como se falar em proteção ao interesse geral, uma vez
que a sociedade plural possui vários interesses, devendo todos eles ser protegidos.
Por outro lado:
Há grande erro em se afirmar que o interesse social sobrepõe-se ao interesse particular. Este é integrante daquele e, não raras vezes, estar de acordo com o interesse social é satisfazer o particular. Não devemos descaracterizar o contrato como instrumento de realização privada, mas impedir que seja meio egoísta de se sobrepor à parte mais fraca. (NAVES, 2007, p.248).
Além disso, conforme preleciona Bruno Torquato de Oliveira Naves (2007,
p.236), somente se terá autonomia numa perspectiva relacional, pressuposto da
socialidade e intersubjetividade. Desta forma, a proteção da autonomia também é
necessária para proteção do social:
[...] há um interesse social de tutela do direito subjetivo individual como forma de se manter o equilíbrio social. O direito subjetivo é instrumento social de proteção dos interesses individuais, assim, há o interesse social de garantir a eficácia do instrumento. Nesse ponto, vale ressaltar a necessidade de se fazer uma inversão substancial no conceito de função social, uma vez que sua principal finalidade é de preservar o interesse individual e não de subjugá-lo, como se tem pregado. O conflito aparente entre ambos, nos casos em que o interesse individual não é reconhecido por ter sido exercido fora de seus limites, não se deve ao fato de o interesse individual ter sido subjugado ou preterido, mas do fato de que, naquele caso, não há interesse individual legítimo a ser tutelado – abuso não é uso. A noção de que função social teria como principal finalidade a supressão do interesse individual parece ser uma distorção baseada em
106
uma falsa noção de segurança jurídica, em que para se evitar o abuso de poder dever-se-ia aceitar o abuso de direito. (POLI, 2007, p.331)
Na relação contratual as partes não são o único centro de interesses
relevante, desta forma, não há nos sujeitos contratantes um poder absoluto,
devendo o direito de contratar ser exercido dentro dos limites que lhe legitimam, ou
seja, fora das circunstâncias em que se configuraria abuso.
O artigo 187 do Código Civil assim dispõe: “também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (BRASIL,
2007)
Desta forma, o contrato somente será válido quando exercido de acordo
com seu fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes.
Segundo Leonardo Macedo Poli, acerca dos direitos autorais:
[...] não se pode mais considerar que os princípios aplicáveis ao Direito Autoral se encontrem exclusivamente na legislação autoral. A necessidade de unidade do sistema jurídico faz com que as regras de Direito Autoral sejam interpretadas dentro do contexto principiológico em que se inserem, à luz dos princípios gerais da propriedade intelectual, do Direito Civil e do Estado Democrático de Direito. O princípio aplicável ao caso concreto de direito autoral não estará, portanto, necessariamente contido na LDA, mas pode estar na lei de propriedade industrial, no Código Civil ou na Constituição Brasileira, por exemplo. (POLI, 2007, p. 323.)
Trazendo a explicação para o contexto do presente trabalho, verifica-se que
os limites e parâmetros de aplicação da função social devem considerar as normas
previstas na Constituição, no Código Civil e demais leis especiais, não podendo ser
utilizados em uma decisão judicial apenas argumentos provenientes da consciência
e valores individuais do magistrado:
[...] a decisão na democracia juridicamente institucionalizada não pode preterir os direitos fundamentais. Nesse sentido, enquanto elementos legitimadores da decisão judicial, não são apenas instrumentos constitucionais de construção hermenêutica, mas também limites da atividade interpretativa. [...] faz-se necessária a transição da concepção de Estado como entidade para a concepção de Estado como espaço processualmente demarcado à discursividade: produção, recriação e aplicação dos direitos positivados. Para tanto, os fundamentos jurídicos do Estado de Direito não podem ser vistos como meros valores ou “ideário de artifícios para decisões prodigiosas”, mas como princípios normativos, “meios lógico jurídicos positivados no instrumento constitucional” que não podem ser preteridos pela faticidade da atividade jurisdicional. (POLI, 2007, p.326)
107
Desta forma, a construção da decisão nos casos de conflitos entre
princípios, deve ser feita a partir do problema posto, ou do caso concreto, atentando-
se para os efeitos que produzirá na sociedade:
A análise particularizada no contrato impede, muitas vezes, perceber a globalidade do “negócio” celebrado. A venda a baixo preço (contrato) pode objetivar a eliminação de um concorrente (negócio) e transformar-se em ilícita à luz da regulamentação da concorrência. (LORENZETTI, 1998, p. 541)
A aplicação do princípio da função social pode relativizar a aplicação do
princípio da relatividade dos efeitos do contrato e da autonomia privada, sendo
instrumento para coibir o abuso de direito, devendo ser analisadas na decisão as
conseqüências que a mesma trará para a sociedade.
108
5. CONCLUSÃO
As características básicas, informadoras do contrato, remontam à
época do direito romano, sendo que, basicamente, o contrato pode ser definido
como acordo de vontades opostas, realizado em conformidade com o ordenamento
jurídico, com o fim básico de circulação de bens materiais e imateriais, adquirindo,
modificando ou extinguindo relações jurídicas de natureza patrimonial, configurando
fonte de obrigações. É instrumento fundamental para o progresso e desenvolvimento
da sociedade, consistindo em fator de alteração da realidade social.
Os princípios clássicos contratuais alcançaram grande importância no Estado
Liberal, definindo seus contornos pelo dogma da liberdade máxima, ligando-se a
este todos os outros. A vontade, como elemento principal do contrato, representava
não só a sua criação, como também sua própria legitimação, bem como seu poder
vinculante e imperativo.
A mudança do paradigma, provocada pelas crescentes necessidades sociais,
e pela consciência de que os modelos clássicos não mais atendiam aos anseios da
sociedade, teve como conseqüência uma nova postura institucional que refletiu
sobre a teoria do contrato. O Estado passou a intervir mais na economia, numa
tentativa de promover o bem-estar social.
Grande parte da doutrina, arraigada aos fundamentos do Estado Social afirma
que a proposta do legislador ao incluir três novos princípios na teoria contratual
clássica (função social, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual) seria auxiliar a
promoção da solidariedade social, condicionando a validade do contrato à utilidade
que o mesmo possa ter na consecução dos interesses gerais da sociedade.
Esta doutrina atribui as mudanças ao processo de constitucionalização do
Direito Civil, que implicaria na substituição do seu “centro valorativo”, antes fixado no
Código Civil e agora na Constituição da República. A solidariedade social se
sobreporia à liberdade individual.
Ocorre que, a tentativa de promoção de certa justiça social e distribuição de
renda por meio da autorização judicial ao descumprimento contratual, muitas vezes
tem se mostrado como defesa de interesses particulares e não sociais. Com efeito,
foram apontadas inúmeras críticas às decisões judiciais que, embasadas no
pensamento solidarista, reduzem juros, garantias e alteram unilateralmente
109
condições antes pactuadas, gerando enorme insegurança econômica para a
sociedade.
Uma das funções sociais do contrato é a de fomentar a economia,
promovendo o desenvolvimento da sociedade. Todavia, essas decisões judiciais
criticadas geram incentivos negativos na economia, muitas vezes prejudicando o
interesse social que diziam proteger.
Objetivando esclarecer a grande confusão acerca da natureza jurídica e da
aplicação do princípio da função social dos contratos, podendo sua aplicação
equivocada, como mostram as críticas feitas acima, contribuir para os males que
justamente busca evitar, a conclusão do presente trabalho é que a função social do
contrato é um princípio jurídico, informando a criação e interpretação das relações
contratuais.
Conclui-se, ainda, que o contrato possui várias funções: social, econômica e
pedagógica, podendo o seu conjunto, numa perspectiva lato sensu, ser englobado
por uma função social maior. É inegável a importância do contrato para a sociedade.
Sendo as três funções parte de uma perspectiva maior e, considerando o
paradigma do Estado Democrático de Direito, conclui-se que não pode haver
preponderância, a priori, se uma sobre as outras, cabendo ao juiz determinar a
solução mais adequada no caso concreto.
Conclui-se, ainda, que numa perspectiva stricto sensu, a função social do
contrato se relaciona diretamente ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais,
bem como à doutrina do abuso de direito, sendo este o seu conteúdo normativo a
ser considerado em caso de conflito com os demais princípios contratuais.
Os contratos têm uma grande importância para o desenvolvimento da
economia, pois são o instrumento que permite a circulação de riquezas, oferecendo
amparo às trocas e relações econômicas de modo geral. A interpretação equivocada
do princípio da função social tem levado muitos julgadores a serem coniventes e
aceitarem o descumprimento contratual, sob a justificativa de promoção do bem
comum.
Todavia, as decisões judiciais, ao permitirem o descumprimento contratual,
geram incentivos negativos na economia, muitas vezes inviabilizando certos tipos de
contratação, pelo aumento de seu custo. Fatalmente o mercado tentará reorganizar-
se, evitando certos tipos de contratação, como remédio para o seu não
cumprimento.
110
Existem limites ao exercício dos direitos subjetivos decorrentes da própria
convivência em sociedade, é verdade, nas, considerando-se como pressuposto o
modelo democrático, e ainda as várias funções do contrato (social, econômica e
pedagógica), não há que se escolher e elevar à categoria de superioridade apenas
uma delas. Da mesma forma, não há que se considerar a função social
hierarquicamente superior aos demais princípios contratuais, devendo a decisão
judicial, em caso de conflito, ser construída com base em parâmetros postos pelo
próprio ordenamento jurídico, de acordo com o caso concreto.
111
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