Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Ana Paula Goyos Browne
A disciplina jurídica do condomínio de lotes
sob a perspectiva do Direito Urbanístico
Mestrado em Direito
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Ana Paula Goyos Browne
A disciplina jurídica do condomínio de lotes
sob a perspectiva do Direito Urbanístico
São Paulo
2016
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito sob a orientação do Professor
Doutor Nelson Saule Júnior.
Ana Paula Goyos Browne
A disciplina jurídica do condomínio de lotes
sob a perspectiva do Direito Urbanístico
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Direito sob a orientação
do Professor Doutor Nelson Saule Júnior.
Aprovada em: ___ de _______________ de 2016.
Banca Examinadora
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“A urbanização é uma das
características essenciais da
época contemporânea e sustenta
facilmente comparação com as
duas outras manifestações
marcantes que são atualmente, a
conquista do espaço (sideral) e
a domesticação da energia
atômica. Pode-se adiantar que a
urbanização é o fenômeno mais
importante da segunda metade
do séc. XX”.
LOUIS JACQUIGNON
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço imensamente ao Professor Nelson Saule Júnior,
meu orientador, por contribuir para meu crescimento acadêmico e pessoal. Pela
dedicação e paciência ilimitadas e principalmente pelas preciosas lições de direito
urbanístico que modificaram completamente minha forma de entender o direito.
Agradeço também a Professora Daniela Campos Libório pela sua disposição
e dedicação no exame de qualificação deste trabalho, o que permitiu a elaboração de
uma dissertação mais crítica e voltada às possíveis soluções do tema estudado.
Agradeço à minha querida família, meus pais Valentim Fraga Browne e
Rosana Goyos Browne e meus irmãos Ana Cecília Browne Makray e Roberto Goyos
Browne que sempre me apoiaram em todos os momentos da minha vida, sobretudo
recentemente na maior luta que enfrentei pela vida, momento em que tive a certeza de
que quem tem vocês tudo pode superar.
Ao meu marido, pelo apoio incondicional e pela compreensão por todas as
minhas ausências para dedicação deste trabalho. Sua visão permeia a minha forma de
ver o mundo e engrandece este trabalho, sempre sob o prisma do melhor interesse para a
sociedade.
Aos professores e funcionários da PUC/SP, muitos dos quais eu já convivia
desde os tempos da graduação, foi uma experiência muito agradável poder frequentar a
universidade com pessoas tão apaixonadas pelo que fazem.
RESUMO
BROWNE, Ana Paula Goyos. A disciplina jurídica do condomínio de lotes
sob a perspectiva do direito urbanístico. 2016. 153 f. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Direito Urbanístico da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo.
O presente trabalho trata da divisão de glebas urbanas sob o regime de
condomínio de lotes, apreciando-os na perspectiva do Direito Urbanístico.
Em primeiro lugar verificamos que os condomínios de lotes são uma forma de
expansão urbana que não é apreciada pela lei de parcelamento do solo, Lei 6.766/79 e,
tampouco, pela lei de condomínios em edificações, a Lei 4.591/64. É modalidade
híbrida que envolve interesses públicos e privados, sendo afeta tanto ao Direito Privado
como ao Direito Público. Trata-se de direito privado no que tange ao direito de
propriedade, e seus desdobramentos, regulado em especial pelo direito civil. Não
obstante, é instituto de direito público, já que impacta no espaço urbano que é estudado
principalmente pelo do direito urbanístico, mas também por outros ramos do direito
como o direito administrativo e o direito ambiental.
Foram estudadas as características dos condomínios e as modalidades de
parcelamento do solo urbano, destacando as semelhanças e diferenças destes
empreendimentos e apontando que os condomínios de lotes não se enquadram em
nenhuma modalidade e exige regulamentação própria.
Destacamos a relevância do papel cumprido pelos municípios na
regulamentação do espaço urbano e a função normativa da Corregedoria Geral de
Justiça dos estados, a fim de que à implantação dos condomínios de lotes seja realizada
de forma controlada, com requisitos e aprovações que atenuem os impactos da
segregação no direito à cidade.
Foi necessária a análise de outras modalidades de empreendimentos
residenciais fechados para diferenciarmos e compreendermos a disciplina jurídica dos
condomínios de lotes.
Finalmente, vimos que a vigência e aplicação dos dispositivos constitucionais e
legais permitem a regularidade dos condomínios de lotes, desde que em consonância
com as normas municipais estabelecidas, com a regulamentação da Corregedoria Geral
de Justiça e com as premissas do Direito Urbanístico.
Palavras-chave: condomínios de lotes; condomínios urbanísticos; parcelamento do
solo urbano; empreendimentos residenciais fechados.
ABSTRACT
BROWNE, Ana Paula Goyos. The legal discipline of the condominium of lots from the
perspective of urban law. 2016. 153 f. Dissertation (Master degree) - Postgraduate
Program in Urban Law at Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo
The present work deals with the division of urban areas under the
condominium regime of lots, appreciating them from the perspective of Urban Law.
Firstly, we find that lots condominiums are a form of urban expansion that is
not appreciated by the law of land subdivision, Law 6.766/ 79 and, neither, by the
condominiums law in buildings, Law 4.591/ 64. It is a hybrid modality that involves
both public and private interests, and affects both private law and public law. This is
private law with regard to the right to property, and its developments, regulated in
particular by civil law. Nevertheless, it is an institute of public law, since it impacts on
the urban space that is studied mainly by the urban law, but also by other branches of
law such as administrative law and environmental law.
The characteristics of the condominiums and the modalities of urban land
subdivision were studied, highlighting the similarities and differences of these
developments and pointing out that the condominiums of lots do not fit into any
modality and require their own regulation.
We emphasize the importance of the role played by municipalities in the
regulation of urban space and the normative function of the State Courts of Justice, so
that the implementation of lots condominiums is carried out in a controlled manner,
with requirements and approvals that attenuate the impacts of Segregation in the right to
the city.
It was necessary to analyze other modalities of closed residential projects to
differentiate and understand the legal discipline of lots condominiums.
Finally, we have seen that the validity and application of constitutional and
legal provisions permit the regularity of the condominiums of lots, in accordance with
the established municipal norms, with the regulation of the General Office of Justice
and with the premises of Urban Law.
Keywords: lots condominiums; urban condominiums; urban land subdivision;
residential developments.
ABREVIATURAS
Art. Artigo
ed. Edição
Idem Mesma obra; mesmo autor
Idem, ibidem Mesma obra; mesmo autor; mesma página
j. julgado em
Min. Ministro
n. Número
p. Página(s)
RE Recurso Extraordinário
rel. Relator
REsp Recurso Especial
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 11
1. CONTROLE DA EXPANSÃO URBANA POR MEIO DO PARCELAMENTO DO
SOLO .................................................................................................................................. 18
1.1 Competência para legislar sobre empreendimentos residenciais fechados ................ 30
1.2 Análise da tutela jurídica do desmembramento como forma de expansão urbana .... 45
1.3 Análise da tutela jurídica do desdobro ....................................................................... 48
1.4 Requisitos urbanísticos e procedimentos previstos para o desenvolvimento das
cidades ........................................................................................................................ 49
2. EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS, UMA TENDÊNCIA EM
BUSCA POR SEGURANÇA E SERVIÇOS...................................................................... 58
2.1 Condomínio tradicional ou comum com múltiplas frações em burla a lei do
parcelamento do solo .................................................................................................. 58
2.2 Condomínio Fechado de Casas Térreas ou Assobradadas e suas limitações
legais ........................................................................................................................... 62
2.3 Loteamento fechado com acesso controlado mediante autorização do Porder
Público e a supremacia do interesse público .............................................................. 68
2.4 Condomínio de lotes ................................................................................................... 79
2.5 Requisitos para registro dos condomínios .................................................................. 84
3. CONDOMÍNIOS DE LOTES E SEUS IMPACTOS NA CIDADE .................................. 89
3.1 Análise do surgimento dos modelos habitacionais fechados ..................................... 89
3.2 Regularidade dos residenciais fechados ..................................................................... 94
3.3 Papel da Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça e da atividade
registral na fiscalização dos requisitos legais dos residenciais fechados ................. 111
3.4 A disciplina jurídica dos condomínios de lotes à luz do Direito Urbanístico .......... 114
3.5 Estudo de casos sobre condomínio de lotes no Estado de São Paulo....................... 126
3.6 Princípios do Direito Urbanístico aplicáveis à disciplina jurídica dos
condomínios de lotes ................................................................................................ 136
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 146
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 148
11
INTRODUÇÃO
A urbanização é um fenômeno de concentração urbana não apenas
demográfico, mas também de caráter integrativo econômico, social e político. Isto
porque o crescimento ordenado das cidades pode refletir positivamente na circulação da
riqueza, nas relações civis e dos indivíduos com o Estado e propiciar melhores
condições de vida ao homem na comunidade onde vive.
Por outro lado, o crescimento urbano desordenado, também gera efeitos
sociais devastadores para a população, refletindo na degradação ambiental, nas
condições de transporte, moradia, prestação dos serviços públicos e violência urbana.
No Brasil a população passou de predominantemente rural para majoritariamente
urbana em menos de quarenta anos. Em 1950, a população urbana era equivalente a
36%; em 1980, já representava quase 70% da população brasileira (tabela A.4). De
1950 a 1960, a população urbana elevou-se em 70,39%. Em seguida, até 1970, o
aumento foi de 65,3%; até 1980, houve elevação de 55,02%; em seguida, até 1991,
ocorreu aumento de 35,19%, desacelerando para 24,24%, até 2000, e para 16,82%, até
2010. Em cinquenta anos, de 1960 a 2010, o Brasil urbano cresceu 402%, passando de
32 milhões para 160 milhões de pessoas1.
Como consequência desse crescimento não planeado, nota-se o crescimento
da criminalidade, a incapacidade do Poder Público de assegurar a prestação de serviços
básicos, a má qualidade dos serviços e das gestões públicas. Nesse contexto, os
residenciais fechados aparecem cada vez mais presentes como uma busca por segurança
e por serviços básicos bem prestados.
Enormes são as críticas do ponto de vista da ciência urbanística aos
residenciais fechados, pois seus muros geram segregação social, as suas áreas comuns
são usufruídas por um número limitado de pessoas autorizadas a frequentá-los, com
isso, tem-se uma forma de expansão urbana que não gera públicos e ainda impede a
1 Relatório Brasileiro para a Habitat III. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/
stories/PDFs/livros/livros/relatorio-habitat-iii_capitulo1.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2016.
12
circulação dos demais habitantes. Daí que, não há qualquer dúvida, para a construção de
cidades democráticas este não pode ser um modelo ideal a ser perseguido.
Entretanto, este modelo da habitação já é uma realidade posta e sua procura
tem sido cada vez maior nos grandes centros, sobretudo em razão dos altos índices de
violência. Se não é possível conter a criminalidade, nem os anseios da população por
esta forma de moradia, é dever do poder público controlar o desenvolvimento urbano,
impondo limitações e compensações aos particulares para que a expansão das
construções não fira o direito à cidade.
Sobre o direito à cidade a reflexão de Henri Lefebvre parte de uma análise
sobre as necessidades sociais inerentes à sociedade urbana, desde as necessidades
antropológicas, socialmente elaboradas, até necessidades específicas, como atividade
criadora. São necessidades da cidade e da vida urbana que devem estar contempladas
nesse direito à cidade. Nesse sentido, o direito à cidade que deve ser entendido como
direito à vida urbana, de forma a priorizar a posição dos cidadãos assentando o direito à
cidade na sua luta pelo direito de criação e plena fruição do espaço social2.
O direito à cidade envolve um conjunto de direitos que propicia aos
habitantes de todas as classes sociais uma vida urbana plena, com moradia adequada,
vias de circulação e meios de transporte eficientes, espaços públicos democráticos,
segurança pública, uso sustentável dos recursos naturais, preservação do meio ambiente
natural, respeito aos idosos e crianças, acessibilidade às pessoas portadoras de
deficiência, prestação de serviços públicos básicos de qualidade, distribuição equitativa
dos equipamentos urbanos no território, dentro outros ainda.
Sobre o direito à cidade, vale a conclusão de Peter Marcuse:
É necessário demandar, proteger e lutar pelos diversos direitos à
cidade. Serão plenamente concretizados quando se atinja o direito à
cidade. Talvez fosse útil agregar uma simples declaração a qualquer
citação dos direitos separadamente, buscados na urbe em diversos
pronunciamento ou cartas: Reconhecemos que cada um destes direitos
está vinculado integralmente com os demais. Já que consideramos que
outro mundo é possível, também cremos que outra forma de vida
urbana é possível, dentro e fora das cidades. Alguns, uma minoria, já
contam com a coleção completa dos direitos à cidade, frequentemente
2 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2011.
13
em detrimento dos demais, da vasta maioria das pessoas.
Considerando esse conflito, pensamos que este chamado pelos direitos
na cidade representa aqueles que não contam com os mesmos.
Acreditamos que uma posição que apóie diretamente os direitos da
maioria e que, necessariamente, limite os “direitos” dos demais a
explorá-los e dominá-los, é justa e, em última instância, benéfica para
todos3.
O condomínio de lotes, também denominado condomínio urbanístico, é uma
espécie de residencial fechado, ao lado dos loteamentos com fechamento autorizado e
dos condomínios de casas térreas ou assobradadas. Essas formas de habitações muradas
seguem diferentes regramentos. Enquanto os loteamentos residenciais fechados são uma
forma de parcelamento do solo com regulamentação na Lei 6.766 de 1979 e com
fechamento autorizado pelo Poder Público, os condomínios de casas são resultado de
uma incorporação imobiliária que dá origem a um condomínio edilício, nos moldes da
Lei 4.591 de 1964 e dos arts. 1331 e seguintes do Código Civil. Mas, e o condomínio
lotes? Este não se enquadra perfeitamente em nenhum dos diplomas supracitados.
No que se refere à legislação do parcelamento do solo, reflete na ordem
urbanística e no equilíbrio ambiental como elemento de intervenção planejada e
controlada na criação das cidades. A legislação federal que trata da matéria é rigorosa
ao prever os requisitos e aprovações necessários para a sua realização. Por isso, o seu
fechamento é excepcional e sempre a título precário. Isso porque o loteamento foi a
forma pensada pelo legislador para que ocorra a expansão urbana, que prevê a
infraestrutura necessária para a criação da própria cidade.
A criação de residencial fechado por meio desse instituto deve ser medida
excepcional que atenda primordialmente ao interesse público, pois as áreas públicas que
pertencem a toda a população passam a ser usufruídas por apenas aqueles moradores
beneficiados pelos fechamentos. É o caso das chamadas casas de vilas que surgiram no
Estado de São Paulo no início do da década de trinta.
Já os condomínios de casas, instalados em terrenos totalmente privados, são
formados unidades autônomas construídas de uso exclusivo e áreas comuns, exatamente
como ocorre nos edifícios de apartamentos que formam os arranha-céus atuais. O
3 MARCUSE, Peter. Os direitos nas cidades e o direito à cidade. cidades para todos. Organizadores
Ana Sugranyes, Charlotte Mathivet. Santiago Chile: Habitat. International Coalition, 2010.
14
condomínio de casas térreas ou assobradadas, também chamado de condomínio deitado
ou horizontal, confere um residencial que já nasce fechado, como resultado de uma
atividade de incorporação imobiliária em que unidade autônoma criada é ligada à
construção das casas, correspondente a um percentual do direito de propriedade do
terreno.
A figura do “Condomínio de Lotes”, entretanto, não está regulada pela
legislação federal atual, é uma figura nova que tem sido muito discutida no âmbito dos
registros imobiliários. Vários municípios, inclusive, regulamentaram esse instituto com
base na lei de incorporação imobiliária e condomínio edilício. Em especial, verifica-se
que no estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça chegou a tratar desse tema na esfera
administrativa nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, mas acabou por
revogar as suas normas, em razão de ainda haver necessidade de maiores estudos sobre
a matéria. Subsiste, todavia, esse regramento administrativo estadual no item 293,
capítulo XX, desse diploma, que se refere à regularização fundiária, para o fim de
legalização de moradias irregulares.
Colocam-se as seguintes questões: É possível o condomínio de lotes? Pode a
Lei Municipal autorizar sua execução?
Ademais, através de consulta às decisões administrativo-judiciais no âmbito
da atividade registral é constatado um número considerável de empreendimentos desta
modalidade, surgindo questões complexas que exigem estudo aprofundado pela área
jurídica, registral e, sobretudo, urbanística.
A falta de regulamentação dos condomínios de lotes instituídos no país
implica na irregularidade dos empreendimentos, e revela a falta de mecanismos da
tutela urbanística necessária.
Certamente a ausência de regulação gera um problema muito grave. No
Estado de São Paulo
Na prática, há muitos empreendimentos de parcelamento do solo, figura
eminentemente pública e estudada pelo Direito Urbanístico, que são autorizados pelas
autoridades municipais como condomínios, figura privada, afeta ao Direito Civil, em
que as vias comuns são privativas e não admitem acesso aos não condôminos.
15
Podemos notar que os condomínios de lotes configuram um instituto jurídico
híbrido, que supera a antiga dicotomia que segrega o Direito em Direito Público ou
Direito Privado.
Isto porque, ao instituir um condomínio de lotes há repercussões diretas no
espaço urbano: há modificação no traçado das vias públicas alterando a mobilidade
urbana local; há segregação dos demais habitantes da cidade; há alteração do regime dos
serviços públicos de distribuição de energia elétrica, saneamento básico, distribuição
dos recursos hídricos; transporte público, entre outras questões.
Em linhas gerais, o condomínio de lotes é figura híbrida, pois, apesar de ser
modalidade habitacional privada, afeta de modo direto as funções sociais da cidade e
tem finalidade de garantir segurança e o bem-estar de seus moradores, questões relativas
ao interesse público e que concernem ao Direito Urbanístico.
Em outras palavras, atualmente há loteamentos que parcelam o solo em
regime privado por meio da utilização da Lei de Condomínios, sem a preocupação com
os impactos que geram na urbe e na vida dos demais habitantes.
Desse modo, imprescindível que essa nova figura seja estudada e discutida
pelos especialistas da área registral imobiliária, sob o enfoque do Direito Urbanístico, a
fim de que se esclareça a sua real natureza.
Refletir sobre a viabilidade do condomínio de lotes como forma de expansão
urbanística é essencial para se atingir aos anseios sociais de uma realidade que já está
posta e para concretização dos postulados do Direito Urbanístico brasileiro, no sentido
de se construir cidades democráticas em que o interesse público é preponderante.
No parcelamento do solo, regulado pela Lei 6.766/79, os empreendimentos
urbanos ficam condicionados à criação de um espaço perfeitamente adequado ao
público que receberá, tendo como consequência imediata do parcelamento, a criação de
um novo sistema viário e a transferência para a Municipalidade da propriedade de todos
os equipamentos urbanos, bens de uso comum do povo necessariamente afetados.
De outro lado, a expansão da área urbana também se dá com a criação de
condomínios de casas, com a edificação de unidades imobiliárias autônomas
16
(condomínio edilício) e áreas de uso comum dos condôminos, regulados pela Lei
4.591/1964. Modalidade de empreendimento esta em que a área é totalmente privada.
O Condomínio de Lotes, entretanto, não se enquadra perfeitamente em
nenhuma das figuras mencionadas, na medida em que o objetivo do empreendedor é
sempre a criação de lotes e não de unidades imobiliárias edificadas, como ocorre no
condomínio edilício. Também não há intenção de transferências de áreas públicas, como
no loteamento, pois se é condomínio, todo o patrimônio vai ser privado.
O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, e a Constituição Federal atribuem à
Municipalidade a responsabilidade em relação à ordenação da ocupação do solo.
Atividade urbanística do Município, portanto.
Se o objetivo da atividade urbanística é exatamente garantir o pleno
desenvolvimento da cidade, e essa atividade consiste em ordenar a estrutura da urbe,
caberia ao Município, apesar da legislação federal, regulamentar a questão.
As Normas de Serviço Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do
Estado de São Paulo, quando regulamentaram a matéria, inovaram no item 222.2 do
Capítulo XX, ao estabelecer que as execuções das obras de infraestrutura equiparam-se
à construção da edificação para fins de instituição e edificação do condomínio.
Entretanto, a regra foi suprimida por se entender que há ainda necessidade de maior
estudo do tema para sua regulamentação.
É sob este enfoque que se pretende desenvolver o trabalho.
Pretendemos analisar a tutela da ocupação do solo pelo seu parcelamento
com a formação de condomínio de lotes, em total conformidade com os requisitos
essenciais que compõem o Direito Urbanístico.
Partindo de uma análise sistemática da Constituição Federal, se pretende
traçar um estudo do Registro de Imóveis, implementação da incorporação e constituição
de condomínio de lotes.
Neste contexto, dentre as espécies de residenciais fechados, iremos estudar a
viabilidade jurídica do condomínio de lotes e seus impactos na cidade. Para tanto,
imprescindível o estudo comparativo com as outras espécies de residenciais que são os
loteamentos fechados e os condomínios de casas térreas ou assobradadas. Seria o
17
condomínio de lotes uma forma de parcelamento do solo com burla à legislação
específica e ao registro especial do art.18 da Lei 6.766/79? Para responder essa questão
serão analisadas as modalidades de parcelamento do solo como a principal forma de
expansão urbana trazida pela legislação brasileira. Ou seria um empreendimento a ser
regulamentado pela Lei 4.591/64? Para responder essa outra indagação, serão analisadas
as modalidades de condomínio tratadas no ordenamento jurídico vigente.
18
1 CONTROLE DA EXPANSÃO URBANA POR MEIO DO
PARCELAMENTO DO SOLO
O parcelamento do solo advém da necessidade de ocupação do território pelo
homem, com o fracionamento da terra em lotes e a criação de vias públicas de
circulação.
Partindo desta necessidade social surge o parcelamento do solo urbano como
forma de divisão ordenada de um território. Como sintetiza Vicente Celeste Amadei e
Vicente de Abreu Amadei:
Parcelamento do solo urbano é subsistema do macrossistema da
cidade, que expressa operação polivalente de integração de espaços
públicos e privados, pelo fracionamento sustentável da propriedade
imobiliária, servindo de base a múltiplas acomodações civis,
urbanísticas e ambientais relevantes. Destaquem-se, na definição
proposta, as três perspectivas conceituais do fenômeno da
modificação dos terrenos por parcelamento do solo urbano: uma de
ordem privada (a civilista) e duas de ordem pública (a urbanística e a
ambiental). Ao nosso ver essas três perspectivas não expressam
evolução nem superação de uma visão pela outra, mas exigem, no
trato atual da matéria, compatibilização e complemento, que resultam
em noção integrativa dos diversos ângulos, atenta à necessária
homogeneidade institucional.4
Podemos notar que ao realizar o parcelamento do solo o empreendedor deve
considerar (i) a perspectiva civilista, que é representada pelo respeito às normas e
direitos subjetivos dos proprietários; (ii) a perspectiva ambiental, que envolve a
proteção dos recursos naturais locais; e (iii) a perspectiva urbanística, que não permite
compreender a propriedade urbana dissociada da ordenação do solo urbano.
Salienta-se que os condomínios de lotes, que são nosso objeto de estudo,
exigem um estudo multidisciplinar envolvendo a principiologia civilista, ambiental e
urbanística. Veremos que esta modalidade habitacional possui natureza jurídica híbrida
que envolve tanto interesses privados, quanto interesses públicos.
4 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 2-3.
19
Corroborando a necessidade de conciliação entre a ordem pública e a ordem
privada:
[...] o loteamento é a mais antiga das formas de urbanização dos novos
bairros, especialmente afetada à habitação individual. O grande
sucesso desta forma de urbanização é a sua flexibilidade. De início,
procedimento puramente privado, é cada vez mais submisso às
normas de ordem pública, para melhor conciliação com as novas
regras do urbanismo e notadamente para que o meio ambiente não
seja sacrificado... O foco, pois, é o da conciliação da ordem privada
(civil) à pública (urbanística e ambiental). A segunda, de Consuelo
Yoshida, ao qualificar a cidade como “macrossistema”: [...] a cidade
pode ser definida como um macrossistema resultante das interações
dos subsistemas, constituídos pelos meios físicos, biótico e antrópico
(incluído o espaço urbano construído), marcado por traços culturais,
visando assegurar as condições propícias ao desenvolvimento da sadia
qualidade de vida da sociedade urbana.5
Ora, porque o parcelamento do solo urbano é um elemento que compõe as
cidades, há de ser inserido como um de seus “subsistemas”.
Contudo, com o aumento da violência urbana houve o crescimento de
condomínios fechados, cercados por paredes e instalações de segurança sofisticadas. A
criação de condomínios privados de lotes para construção de casas, necessariamente
implica fracionamento do solo e urbanização.
Em face da ineficiência do Poder Público, grupos da sociedade civil têm se
organizado no uso e ocupação do solo, substituindo o papel tradicional do Poder
Público interventor na organização das cidades, deixando para tais grupos a tarefa de se
auto-organizar. O surgimento de “condomínios fechados” (horizontal/vertical), bolsões
de segurança, ruas fechadas e “Edge city”, são exemplos a serem citados. Todavia,
constituem um segmento de casos “felizes”, pois são o resultado da iniciativa de uma
classe econômica mais abastada, com condições de arcar com as despesas de
infraestrutura. É um custo a menos para o Poder Público que faz concessões legislativas
5 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 2-3.
20
e administrativas para viabilizar estes projetos particulares de organização territorial.
Isto tem acontecido principalmente para organizar moradia.6
Este fenômeno, somado ao crescimento exacerbado da violência urbana,
gerou uma demanda por empreendimentos fechados, em que as famílias buscam
segurança, lazer e qualidade de vida em face da deficiência na prestação destes serviços
por parte da Administração Pública.
Neste momento é primordial conceituar e distinguir loteamento,
desmembramento, condomínio deitado, loteamento fechado e condomínios de lote. Não
raramente esses conceitos são utilizados de modo equivocado na doutrina e
jurisprudência brasileiras.
A Lei 6.766/79 rege o parcelamento do solo para fins urbanos e prevê duas
modalidades para sua realização: loteamento ou desmembramento.
O loteamento, conforme o § 1º do art. 2º desta norma, é a subdivisão de gleba
em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de
logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
Por sua vez, o desmembramento está previsto no § 2º do art. 2º como sendo a
subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema
viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros
públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Conforme o art. 3º desta lei, tanto o loteamento como o desmembramento
apenas poderão ocorrer em áreas urbanas ou de expansão urbana, conforme
determinação do plano diretor do município ou mediante aprovação de lei estadual.
Em relação ao plano diretor e a competência legislativa municipal,
Guadalupe Abib de Almeida estabelece: é nosso entendimento que o plano diretor é o
único instrumento jurídico e normativo capaz de articular, de um lado, o cumprimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana a um planejamento da política de
desenvolvimento e, de outro, uma expressão urbana que assegure a implementação de
6 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de
vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 152.
21
instrumentos com vistas ao atendimento das diretrizes insertas no art. 2.º do Estatuto da
Cidade. Tratar tais questões fundamentais de forma juridicamente desarticulada, por
meio da utilização de leis municipais específicas, compromete o pressuposto
constitucional da competência legislativa privativa dos Municípios e afeta, ainda, a
gestão democrática e participativa no processo de tomada de decisões pela coletividade.
Este posicionamento reforça-se na medida em que, em nosso entender, o plano diretor
manifesta a competência legislativa privativa dos Municípios e as disposições legais
nele contidas teriam o condão de expressar o interesse local em matéria atinente ao
ordenamento territorial, e por consequência, a regulação jurídica da expansão urbana.7
Neste ponto, vale observar a função social do parcelamento do solo urbano
como instrumento para organizar e harmonizar a urbanificação da cidade:
Em suma, o parcelamento do solo urbano é estratégico para o bem
comum, por suas expressivas funções sociais, ora sintetizadas:
Na ordem jurídica, via conformação do domínio urbano, atuando
como instrumento destinado a concretizar a função social do
direito de propriedade urbana;
Na ordem urbanística e no equilíbrio ambiental, como elemento
de intervenção planejada e controlada na urbe, coparticipativo da
função social da cidade;
Na ordem social e política, como fator de difusão da propriedade
privada e de fomento de associação de moradores, em prol das
liberdades concretas do povo, da dilação de acesso à moradia, de
estabilização social e de potencial geração de canais
representativos necessários a gestão democrática da cidade;
Na ordem econômica, além do giro de capital e da geração de
empregos promovidos, como via que se pode direcionar a
distribuição de riquezas, para redução das desigualdades sociais,
no foco da justiça distributiva.8
Com base nestas lições, pode-se afirmar que o regular parcelamento do solo,
realizado de acordo com as disposições legais, viabiliza atuação preventiva de
atividades humanas predadoras e lesivas ao urbanismo local.
7 ALMEIDA, Guadalupe Maria Jungers Abib de. O papel dos municípios na regulação jurídica da
expansão urbana na zona costeira: limites e possibilidades. Tese (Doutorado). 2013. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 212. 8 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 30.
22
Ademais, não será permitido o parcelamento do solo, tanto por meio de
loteamento como de desmembramento, em casos que envolvam alguma das situações
elencadas no art. 3º, parágrafo único, da Lei 6.766/79, in verbis:
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas
as providências para assegurar o escoamento das águas;
Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à
saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por
cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades
competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a
edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição
impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
Convém lembrar que, desde a data o registro do loteamento, passará a
integrar o domínio do município “as vias e praças, os espaços livres e as áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos que constem do projeto e
do memorial descritivo”.9
Assim, em loteamentos as áreas comuns são públicas e podem ser utilizadas
por todos os habitantes da cidade com o intuito de democratizar o acesso e cumprir a
função social da propriedade urbana.
Acerca da distinção entre loteamento e desmembramento:
na boa e sintética definição de Afrânio de Carvalho, loteamento é
parcelamento “fora do sistema viário” e desmembramento é
parcelamento “dentro do sistema viário”. O critério de distinção, pois,
reside no sistema viário existente: sem interferência no sistema viário,
há apenas desmembramento de gleba em lotes; mas, havendo
interferência no sistema viário, qualquer que seja (abertura,
prolongamento, modificação ou ampliação de vias), há loteamento.10
Já os condomínios deitados estão conceituados e disciplinados pela Lei
4.591/64 e são uma invenção jurídica para conceber uma propriedade que é formada por
áreas privativas e áreas comuns. Na verdade, porém, a conjugação destes direitos, da
9 Art. 22 da Lei 6.766/79. 10 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 12.
23
propriedade exclusiva e da copropriedade, é tão íntima que não se pode atribuir a uma
ou a outra a preeminência, para afirmar qual a principal e qual a acessória. É por tudo
isto que há uma unidade jurídica da propriedade horizontal. Direito complexo, sem
dúvida, mas constituindo uma só relação jurídica da qual é sujeito ativo o dono do
apartamento; são sujeitos passivos todas as pessoas; objeto uma complexidade de bens e
direitos, em que se inscreve o apartamento como parte subordinada a um princípio de
sujeição individual e o solo e partes comuns de sujeição coletiva. Mas não basta, à
criação da propriedade horizontal, que em um mesmo terreno duas ou mais pessoas
construam unidades autônomas. É requisito fundamental de sua constituição, tal como
resultante da lei e assentado em doutrina, que tais edificações, em que se associem as
unidades autônomas e partes comuns, indissociáveis.11
O art. 8.º dessa norma prevê quais os requisitos necessários para constituição
de um condomínio deitado ou horizontal:
Art. 8.º Quando, em terreno onde não houver edificação, o
proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o
promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma
edificação, observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas
térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada
pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de
utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a
fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá
às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de
dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno
ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada
como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício,
e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que
corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser
utilizadas em comum pelos titulares de direito sôbre os vários tipos de
unidades autônomas;
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem
comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.
11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
p. 94.
24
Denota-se como característica dos condomínios deitados a possibilidade de
erigir casas térreas ou assobradas, com a formação de um condomínio de casas. Nada
estabelecendo a respeito de lotes.
Assim, a Lei 4.591/64, que trata acerca de condomínio em edificações e
regulamenta os condomínios deitados, prevê que as casas são unidades autônomas e
vincula ao terreno a sua construção. Ou seja, o terreno e sua construção constituem a
unidade autônoma do condomínio deitado, não havendo nenhuma menção aos lotes.
A partir da segunda metade do século passado começaram a surgir os
denominados loteamentos fechados.
Esses seriam loteamentos com projetos e aprovações nas prefeituras com
base na Lei 6.766/79 – a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Porém, as áreas de
domínio público passaram a ser revertidas para uma associação, formada pelos
proprietários dos lotes, com função de manutenção e controle de acesso ao loteamento.
Assim, esta associação cerca com muros e grades o loteamento e apenas é
permitida a entrada de pessoas autorizadas.
Para reversão das áreas comuns para a associação de moradores são
utilizados instrumentos como a permissão ou autorização de uso pelo Município. Nas
palavras de José dos Santos Carvalho Filho:
A permissão de uso é o ato administrativo pelo qual a Administração
consente que certa pessoa utilize privativamente bem público,
atendendo ao mesmo tempo aos interesses público e privado. O
delineamento jurídico do ato de permissão de uso guarda visível
semelhança com o da autorização de uso. São realmente muito
assemelhados. A distinção entre ambos está na predominância, ou
não, dos interesses em jogo. Na autorização de uso, o interesse que
predomina é o privado, conquanto haja interesse público como pano
de fundo. Na permissão de uso, os interesses são nivelados: a
Administração tem algum interesse público na exploração do bem
pelo particular, e este tem intuito lucrativo na utilização privativa do
bem. Esse é que nos parece ser o ponto distintivo. Quanto ao resto,
são idênticas as características. Trata-se de ato unilateral,
25
discricionário e precário, pelas mesmas razões que apontamos para a
autorização de uso.12
Dessa forma, a reversão das áreas comuns é feita a título precário pelo
Município à associação de moradores nos loteamentos fechados.
Já os condomínios de lotes ou condomínios urbanísticos, por sua vez, são
caracterizados
pela divisão de uma gleba de terra em quinhões autônomos (lotes); os
lotes constituem unidades imobiliárias autônomas atribuídas à
propriedade individual dos respectivos adquirentes, existindo ainda
partes da gleba que pertencem em comum a todos os titulares dos
lotes, e essas partes são as vias internas de circulação e outras coisas
que, por sua natureza, destinam-se ao uso comum. Essa espécie de
condomínio é objeto do art. 3.º do Dec.-Lei 271/1967, combinado
com o art. 8.º da Lei 4.591/1964 e com os arts. 1.331 seguintes do
Código Civil; sua implantação é regulamentada pelos municípios, por
força da competência que lhes atribuiu a Constituição em matéria
urbanística.13
Os doutrinadores que aceitam a existência dos condomínios de lotes
reconhecem a desvinculação do terreno à construção. Dessa forma, a unidade autônoma
seria o próprio lote e não uma casa edificada, térrea ou assobrada com um jardim ou
quintal.
É necessário apontar a distinção realizada pelo Superior Tribunal de Justiça:
De um lado, o PARCELAMENTO DO SOLO URBANO, do qual
resultam lotes, é regido pela Lei 6.766/79, subdividindo-se nas
seguintes espécies: (a) loteamento que consiste na subdivisão de
glebas em lotes, destinando-se à edificação, com abertura de ruas,
vielas ou outros logradouros públicos (§ 1.º do art. 2.º da Lei
6.766/79); (b) desdobramento que consiste na subdivisão de glebas
em lotes, destinando-se à edificação, mas com aproveitamento da
malha viária e dos equipamentos públicos já existentes (§ 2.º do art.
2.º da Lei 6.766/79); (c) desdobro – subdivisão de lotes em lotes – que
não têm previsão na mencionada Lei 6.766/79, mas em leis
municipais. [...] Nesse contexto, tanto os loteamentos como os
desdobramentos pressupõem a subdivisão de glebas em lotes com
destinação à edificação. A finalidade habitacional é pressuposto
12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010. p. 1276. 13 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;
JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:
modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1235-1236.
26
essencial ao parcelamento do solo urbano. Não o é, entretanto, a
construção ou o projeto de construção propriamente dito. Basta que a
divisão das glebas em lotes tenha a finalidade habitacional para a
caracterização do parcelamento do solo urbano. [...] O loteamento
fechado, no entanto, não tem disciplina específica na Lei 6.766/79,
mas pode ser tratado, no que couber, segundo as regras do loteamento
comum. De outro lado, os CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS têm
regramento na Lei 4.591/64, a qual estabelece que, para sua
caracterização, é necessária a existência de edificações construídas ou
em construção (art. 1.º) ou, ao menos, de plano para sua construção,
aprovado pela autoridade administrativa competente (art. 8.º), não
bastando apenas a existência de terrenos meramente destinados à
habitação, como ocorre com os loteamentos ou desdobramentos de
que trata a Lei 6.766/79.14
Após verificar a distinção entre estes institutos que são utilizados pelas
incorporadoras imobiliárias importa saber qual é a definição legal de incorporação
imobiliária:
O texto legal fornece elementos para a caracterização da atividade de
incorporação, permitindo conceituá-la como a atividade de
coordenação e consecução de empreendimento imobiliário,
compreendendo a alienação de unidades imobiliárias em construção e
sua entrega aos adquirentes, depois de concluídas, com a adequada
regularização no Registro de Imóveis competente (art. 44). Traço
característico dessa atividade é a “venda antecipada de apartamentos
de um edifício a construir”, que, do ponto de vista econômico e
financeiro, constitui o meio pelo qual o incorporador promove a
captação dos recursos necessários à consecução da incorporação; a
captação de recursos, observam Orlando Gomes e Maria Helena
Diniz, é a operação que “consiste em obter capital necessário à
construção do edifício, mediante venda, por antecipação, dos
apartamentos de que se construirá”. A atividade de construção está
presente no negócio jurídico da incorporação, mas incorporação e
construção não se confundem, nem são noções equivalentes. A
atividade da construção só integrará o conceito de incorporação se
estiver articulada com a alienação de frações ideais do terreno e
acessões que elas haverão de se vincular; mas, independente disso, a
atividade de incorporação pode, alternativamente, ser representada
somente pela alienação de frações ideais objetivando sua vinculação a
futuras unidades imobiliárias. Obviamente, a incorporação
compreende a construção, mas não é necessário que a atividade da
construção seja exercida pelo próprio incorporador, pois este pode
atribuir a outrem a construção. [...] Qualquer que seja a roupagem de
que se revista, a incorporação tem como elemento central a figura de
um incorporador, que é o formulador da ideia da edificação, o
planejador do negócio, o responsável pela mobilização dos recursos
necessários à produção e comercialização de unidades imobiliárias
14 STJ, REsp 709.403-SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 06.12.2011.
27
integrantes de edificações coletivas, bem como pela sua regularização
no registro de Imóveis, depois de prontas. O incorporador pode
exercer uma ou todas as funções relacionadas à atividade, como são os
casos da atividade de construção e de corretagem, mas para que fique
caracterizada sua função de incorporador basta que, antes da
conclusão da construção, efetive a venda de frações ideais de terreno
vinculadas a futuras unidades imobiliárias que integrarão um conjunto
dessas unidades, em edificação coletiva. A atividade da incorporação
tem natureza empresarial, pois a finalidade de lucro é da sua essência,
pouco importando seja o incorporador pessoa física ou jurídica.15
Assim, as incorporações imobiliárias são atividades empresariais com
finalidade de auferir lucro e construir moradias para a população, seja ela urbana ou
rural. Como atividade predominantemente privada as incorporações imobiliárias, ao
exercer suas atividades de modo regular, devem atentar às restrições impostas pelo
Poder Público com finalidade de preservação da máxima da supremacia do interesse
público em relação ao interesse particular.
Acerca do contrato de incorporação imobiliária e da figura do incorporador,
que é aquele que negocia ou vende uma futura edificação, e do construtor, responsável
técnico pela edificação:
No art. 29, outras situações ressaltam aos olhos e devem ser
comentadas para que não paire nenhuma dúvida sobre os contratos
que foram, inclusive, tipificados pela Lei n. 4.591/64. Trata-se do
contrato de incorporação, já referido, e do contrato de construção, o
qual será analisado. O legislador destacou: “[...] embora não
efetuando a construção [...]”. Na verdade, não é condição também
para que se tenha a figura do incorporador que ele próprio seja o
construtor. Pode até ser, como é mais habitual hoje em dia, ou seja, há
as figuras das “construtoras e incorporadoras”. Mais uma vez, recorre-
se às palavras de Caio Mário da Silva Pereira sobre o assunto, para
que se possam esclarecer os pontos obscuros. O professor destaca que
o incorporador pode ser o próprio dono do terreno, que pretende
promover a construção, pode ser um condômino ou um titular de
direito de opção, ou até um simples especulador. Pode também ser o
próprio construtor. É possível também que o incorporador adquira o
terreno e contrate um construtor. O incorporador pode negociar, com
o dono do terreno, a troca do terreno por área construída e contratar
um construtor para a realização da obra. O incorporador pode ser,
igualmente, um estabelecimento de crédito que financia a edificação.
Os próprios adquirentes do terreno podem pagar todo o preço da obra
15 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;
JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:
modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 11.
28
no decorrer da construção ou financiar uma parte com o incorporador.
Vê-se, de forma clara, que não é necessário que o incorporador realize
diretamente a construção do prédio, daí a alusão feita pelo art. 29 da
LCI. Da mesma sorte, deve ficar patente que o incorporador não é
necessariamente o proprietário do terreno sobre o qual será erguida a
edificação (art. 30, 1.ª parte). Everaldo Augusto Cambler é cristalino
na sua explicação sobre o tema aqui focalizado. Para ele, não se pode
confundir a noção de “promoção da incorporação”, que compete
indiscutivelmente ao incorporador, com a noção de “construção do
imóvel incorporado”. O incorporador pode até realizar a construção,
mas não é essa atividade que vai caracterizá-lo como incorporador. O
art. 29 refere, na sequência, que o incorporador é a pessoa que
compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno
objetivando a vinculação de tais frações às unidades autônomas, em
edificações a serem construídas ou em construção sob regime
condominial. Infere-se daí que, necessariamente, o objeto da
incorporação é coisa futura, ou seja, só se tem incorporação se a
edificação é ainda projeto a ser erguido ou se estiver em construção,
de modo que seja estiver pronta, vale dizer, após a expedição do
“habite-se” não se estará diante de uma incorporação, mas sim de uma
compra e venda de unidades autônomas (art. 30, parte final). Além
disso, o incorporador poderá celebrar contrato de promessa de compra
e venda da unidade ou efetivar a venda, ainda que seja só projeto ou
esteja em construção. Não se pode olvidar, nesse sentido, que se a
unidade autônoma ainda não está pronta, o incorporador só poderá
negociar a fração ideal do terreno vinculada a unidade condominial
autônoma futura.16
É o entendimento do STJ acerca das incorporações imobiliárias:
infere-se, portanto, que o ato de incorporação não pressupõe,
necessariamente, que a incorporadora responsabilize-se diretamente
pela construção. Há casos em que a incorporadora é também
construtora e, assim, além de promover a incorporação, executa, ela
própria, a obra projetada, vendendo as unidades autônomas por preço
global, compreendendo as cotas de terreno e de construção do imóvel
(Lei 4.591/64, art. 41). Há casos, porém, que o incorporador, por não
ser também construtor, celebra com o adquirente da fração ideal
apenas contrato de compra e venda, ficando o contrato de construção
separado, cuja celebração poderá ser estabelecida entre o construtor e
o incorporador ou entre aquele e os adquirentes do empreendimento.
Nesses casos, haverá um contrato de incorporação imobiliária
separado, mas vinculado a um contrato de construção, na modalidade
empreitada (Lei 4.591/64, art. 55) ou administração – preço de custo
(Lei 4.591/64, art. 58). O art. 48 da Lei 4.591/64 bem explicita a
questão, delineando que a construção do imóvel poderá estar incluída
no contrato de incorporação ou ser contratada, em separado, sob o
regime de empreitada ou de administração, seja por meio de ajuste
16 BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano de. Incorporação imobiliária à luz do CDC. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 182.
29
celebrado entre a construtora e a incorporadora ou entre aquela e os
adquirentes do empreendimento.17
Assim, não se confunde a figura do incorporador imobiliário com o
construtor. Pode ser a mesma pessoa responsável pelas duas atividades, mas, nem
sempre, isto ocorre. Não sendo o incorporador o construtor deve haver entre eles um
contrato de incorporação.
Com este mesmo entendimento Pedro Elias Avvad afirma que:
se o incorporador não for, ele próprio, construtor ou, melhor dizendo,
se a incorporação não estiver sendo realizada por uma empresa
construtora, nesse caso tem de existir um contrato de construção que,
segundo dispõe o art. 48 da Lei n. 4.591, de 1964, poderá ser pelo
regime de 'empreitada' ou por 'administração' e poderá ser contratada,
pelo incorporador, ou diretamente entre os adquirentes e a construtora.
A ressalva inicial tem seu fundamento no fato de que o contrato de
construção não é peça fundamental da incorporação, já que não se
inclui entre os documentos necessários ao arquivamento do memorial
e poderá não existir quando uma empresa construtora, além de
promover a incorporação e executar, ela própria, a obra projetada,
decide vender as unidades na forma do art. 41, isto é, por preço
global, compreendendo a cota de terreno e a construção. Na hipótese
acima, não haverá um contrato formal de construção, que deixa de ser
elemento específico da incorporação, já que o contrato existirá de
forma acessória ou tácita. O mesmo ocorre quando o incorporador
contrata a construção com terceiros, mas procede as alienações por
prego global, hipótese esta que, como a anterior, será apreciada no
título subsequente. Deve-se, ainda, destacar que as duas modalidades
de contrato de construção previstas na lei podem ser ajustadas pela
construtora escolhida pelo incorporador, diretamente com os
adquirentes ou, então, celebrado entre a construtora e o próprio
incorporador, nesse caso, com ou sem sub-rogação aos compradores
de unidades. Os contratos deverão conter, e/ou especificar, todos os
elementos técnicos constantes do memorial de incorporação e
subordinar a construção ao projeto aprovado, memorial descritivo,
especificações, prazo de entrega, de preferência das diversas etapas e
o prazo final, fixando-se; ainda, as hipóteses de prorrogação e
suspensão do prazo, o preço, as condições de pagamento, as
penalidades e multas, bem assim as condições especiais acaso
acertadas. A lei prevê, também, nessa parte geral que, no contrato de
construção, celebrado com os adquirentes, ou a estes sub-rogado no
momento da venda, se preveja a formação de um “condomínio
construção”, com a realização de assembleias, modo de convocação e
forma de instalação e funcionamento, registro das atas no Cartório de
Títulos e Documentos e a constituição de Comissão de Representantes
com as respectivas atribuições e prazo dos respectivos mandatos.
17 STJ, REsp 709.403-SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 06.12.2011.
30
Finalmente, diz a lei, o contrato deve estabelecer de quem será a
responsabilidade pelo pagamento das despesas com ligações de
serviços públicos, nem sempre previsíveis ao início da construção,
como às relativas a instalação do condomínio, decoração de portaria e
mobiliário, que devem atender as deliberações dos compradores e
possibilidades da maioria. Com esse dispositivo, o legislador liberou o
incorporador da obrigatoriedade de incluir tais despesas no custo geral
da obra, possibilitando, com isso, a cobrança de tais despesas,
destacadamente do preço da construção, mediante rateio entre todas as
unidades na proporção que for convencionada no contrato.18
Desse modo, o contrato de incorporação serve para estabelecer os deveres
exercidos pelo incorporador e pelo construtor especificando a responsabilidade destes
agentes. Este contrato prevê questões como: memorial da incorporação, modo como
será instituído o condomínio e responsabilidade pelos serviços básicos a serem
desenvolvidos para os moradores do empreendimento.
Em síntese, o estudo da disciplina jurídica do parcelamento do solo e dos
condomínios é fundamental para compreensão de todos os aspectos que circundam os
condomínios de lotes.
1.1 Competência para legislar sobre empreendimentos residenciais fechados
A repartição de competências constitucionais está disposta no Título III da
Constituição Federal de 1988. Será necessário analisar a competência legislativa sobre
Direito Urbanístico para compreendermos o papel dado aos municípios, vez que estes
podem legislar acerca dos condomínios de lotes, objeto de nosso estudo.
É sabido que o Brasil adotou a forma federativa de estado. Assim, possuímos
um Estado Federal composto por entes federativos dotados de autonomia. Conforme a
lição de Konrad Hesse a federação é
uma união de várias organizações estatais e ordens jurídicas e,
precisamente, aquelas dos “Estados-membros”, e aquelas do “estado
total”, em que estado-total e Estados-membros são coordenados
mutuamente na forma que as competências estatais entre eles são
repartidas, que aos Estados-membros, por meio de um órgão especial,
18 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário. Teoria geral e negócios imobiliários. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009. p. 628.
31
são concedidas determinadas possibilidades de influência sobre o
estado-total, ao estado-total determinadas possibilidades de influência
sobre os Estados-membros e que uma certa homogeneidade das
ordens do estado-total e dos Estados-membros é produzida e
garantida.19
Assim, uma das características fundamentais da federação brasileira, definida
na CF, é a existência de três centros de poder político, sem relação de subordinação
entre eles, mas sim com repartição constitucional de competências, embora, de longa
data, já se tenha registrado a “superioridade de fato” da União em relação aos demais
entes federados, diante da insuficiência financeira dos Estados e Municípios
brasileiros.20
Desse modo, podemos conceituar competência como a divisão do poder dos
entes federados estabelecida pela Constituição Federal.
A própria Constituição brasileira estabeleceu o princípio da autonomia
municipal que implica enorme responsabilidade aos Municípios do país:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório
para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico
da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2.º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
§ 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e
justa indenização em dinheiro.
§ 4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal,
do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
progressivo no tempo;
19 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto
Alegre: Fabris, 1998. p. 178. 20 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 117.
32
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
(grifo nosso).
Após a Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, veio
para completar a legislação urbanística e trazer novos instrumentos para viabilizar a
função social das cidades. Conforme Paulo Affonso Leme Machado,
o Estatuto da Cidade cria a expressão “ordem urbanística”, que passa
a integrar o conjunto dos valores ou bens a serem defendidos pela
ação civil pública (art. 1.º da Lei 7.347/1985, com a redação dada pelo
art. 53 da Lei 10.527/2001). [...] A ordem urbanística deve significar a
institucionalização do justo na cidade. Não é uma “ordem urbanística”
como resultado da opressão ou da ação corruptora de latifundiários ou
especuladores imobiliários, porque aí seria a desordem urbanística
gerada pela injustiça. A ordem urbanística há de possibilitar uma nova
cidade, em que haja alegria de se morar e trabalhar, de se fruir o lazer
nos equipamentos comunitários e de se contemplar a paisagem
urbana. Para que essa ordem seja factível, entre outros fatores, o nível
de emissão sonora precisa ser adequado e o transporte individual e
público deve ser transformado, evitando-se a poluição e o estresse dos
engarrafamentos.21
O plano diretor, igualmente, dotou os Municípios de competência para
elaborar um conjunto de normas obrigatórias e específicas, integrando o processo de
planejamento municipal, que regula as atividades e os empreendimentos do próprio
Poder Público Municipal e das pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou
Público, a serem levados a efeito no território municipal.22
Quanto ao tema Paulo Afonso Cavichioli Carmona dispõe:
Os Municípios e o Distrito Federal possuem competência
constitucional própria para estabelecer a política de desenvolvimento
urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes
(art. 182, caput) e para promover adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano (art. 30, VII). Isso explica por que o papel
21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
p. 412. 22 Idem, p. 413.
33
dos entes locais é de grande importância em matéria de Direito
Urbanístico.23
Para Adilson Dallari o Município recebia um número enorme de atribuições de
competência. Mas sabemos que a toda competência corresponde o dever de exercício
dessa competência. O exercício de uma competência exige recursos e esses recursos é
que inexistiam. Resultado o município se via compelido a ter que exercer uma série de
tarefas, ficando ao mesmo tempo, comprimido pela impossibilidade material de realizá-
las. A consequência disso era a necessidade de pedir socorro a autoridades estaduais e,
muito especialmente às federais, pois o recurso financeiro estava concentrado mais na
União.24
Quanto ao Direito Urbanístico a União, conforme art. 21, incisos IX e XX,
possui competência constitucional para elaborar e executar planos nacionais e regionais
de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social e, também, instituir
diretrizes para o desenvolvimento urbano, envolvendo matérias como habitação,
saneamento básico e transporte público.
De acordo com o art. 23 da Constituição Federal, é competência comum a
todos os entes federados:
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição
e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor
histórico, artístico ou cultural; [...] VI – proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as
florestas, a fauna e a flora; [...] IX – promover programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico; X – combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos setores
desfavorecidos; [...] XII – estabelecer e implantar política de educação
para a segurança do trânsito.
23 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 119. 24 DALLARI, Adilson de Abreu. Autonomia do munícipio na Constituição Federal de 1988. Caderno de
Direito Municipal. RDP, 97, p. 238, 1990.
34
Em seguida, o art. 24, inciso I, disciplina a competência concorrente entre a
União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre direito urbanístico, restando claro
no § 1.º deste artigo que cabe à União estabelecer as normas gerais que devem ser
respeitadas pelos demais entes federativos.
Dessa forma, os estados, municípios e o Distrito Federal poderão, com atenção
às normas gerais editadas pela União, legislar de modo suplementar.
Conforme estabelece Carmona, uma das grandes dificuldades em matéria de
competências legislativas, talvez a mais difícil, é estabelecer o que são normas gerais e
qual a sua extensão.25 Neste trabalho, será estudada a temática dos condomínios de lotes
adotando o entendimento que considera que as normas municipais não servem somente
de suplemento para as normas editadas por outros entes federativos.
Os municípios possuem competência genuína, garantida pela Constituição
Federal nos arts. 30, inciso VIII, e 182, para promover e planejar o ordenamento
territorial e ocupação do solo urbano. Assim, na falta de legislação federal disciplinando
acerca dos condomínios de lotes, pode o município exercer sua competência para
regulamentar esta espécie de empreendimento.
Quanto ao tema Guadalupe Maria Jungers Abib de Almeida afirma:
Quanto aos Municípios, ainda que tal competência suplementar não
lhes coubesse, como de fato lhes cabe e, a seguir, o demonstraremos,
restaria garantido seu poder de legislar sobre a matéria, já que a
combinação do art. 30, incs. I, II e VIII com o art. 182 da Constituição
Federal lhe atribui um papel fundamental na normatização urbanística.
Salientamos, no mais, que é de competência comum (executiva ou
material) dos entes federativos, o disposto no art. 23 da Carta Maior,
sendo que deste elenco destacamos os incisos IX e X a seguir
transcritos: “IX – promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. X –
25 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 120.
35
combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.26
Convém esclarecer que o Município possui competência legislativa para
ordenar a ocupação do solo urbano de acordo com suas peculiaridades locais.
Pode-se afirmar que a modalidade condomínio de lotes possui natureza
jurídica híbrida, vez que, apesar de ser um condomínio em que as vias internas são
privativas aos moradores, ele afeta interesses públicos de toda coletividade, pois há
restrições urbanísticas para a implantação destes empreendimentos.
Sabemos que não são todas as localizações urbanas que admitem a
implantação de condomínios de lotes, pois devem ser atentados os princípios de coesão
dinâmica da cidade e de acesso democrático a locais públicos de lazer, habitação e
mobilidade, como será estudado adiante.
Assim, ao estudar os condomínios de lotes deve-se ter em mente o seu caráter
híbrido, permitindo que os Municípios editem leis acerca de sua implantação.
Corroborando este entendimento será demonstrado, posteriormente, que alguns
Municípios brasileiros legislaram e permitiram a existência de condomínios de lotes em
total consonância com a legislação federal urbanística e respeitando sua competência
legislativa acerca de questões locais.
Com esta mesma compreensão o constitucionalista José Afonso da Silva
afirma acerca da competência municipal dada pela Constituição Federal de 1988:
Isso não é competência suplementar não. É competência própria,
exclusiva, que não comporta interferência nem da União, nem do
Estado. Vê-se que a finalidade do planejamento local é o adequado
ordenamento do território municipal, com o objetivo de disciplinar o
uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano. O solo qualifica-se
como urbano quando ordenado para cumprir destino urbanístico,
especialmente a edificabilidade e o assentamento de sistema viário.
Esse ordenamento é função do plano diretor, aprovado pela Câmara
Municipal, que a Constituição elevou à condição de instrumento
26 ALMEIDA, Guadalupe Maria Jungers Abib de. Instrumentos jurídicos para viabilizar a moradia
digna na região central da cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado). 2001. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 46.
36
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182,
§ 1.º). Vale dizer, combinando ambos os dispositivos, que o plano
diretor constitui o instrumento pelo qual se efetiva o processo de
planejamento urbanístico local, que é obrigatório para as cidades com
mais de 20.000 habitantes.27
Ao tratar das competências urbanísticas materiais e legislativas, Paulo
Afonso Cavichioli Carmona assevera que os Municipios e o Distrito Federal possuem
competência constitucional própria para estabelecer a política de desenvolvimento
urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (art.182, caput) e para promover
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VII). Isso explica por que o papel
dos entes locais é de grande importância em matéria de direito urbanístico28.
Acerca da competência exercida pelos Municípios, é preciosa a lição de
Nelson Saule Júnior:
A questão que deve ser desenvolvida é se o Município precisa ficar
dependendo da União para promover a política urbana, se esta não
instituir as diretrizes gerais através de uma lei federal , isto é, o
Município não pode instituir essas diretrizes em razão da omissão da
União? Celso Bastos, quando analisou o significado da competência
supletiva dos Estados-membros relativamente à legislação federal, em
vista da Constituicao de 1967, onde o constituinte elegeu a Uniao para
preferencialmente baixar leis em tais matérias, deixando aos Estados-
membros tão somente a competência para suplementá-las, afirmou
textualmente: isto não quer dizer que estes devam, todavia, esperar o
surgimento da lei federal, para só então legislarem no seu vácuo.
Poderão, sem dúvida, legislar, mesmo na ausência da norma federal.
Mas, surgida esta, automaticamente revogada estará a legislação
estadual naquilo em que a ela contrariar. Segundo José Afonso da
Silva a competência suplementar é correlativa da competência
concorrente e significa o poder de formular normas que desdobrem o
conteúdo de princípios, ou normas gerais, ou que supram a ausência
ou omissão destas. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto as
diretrizes gerais exigidas para balizar a política de desenvolvimento
urbano e, assim condicionar o plano diretor, podem ser tanto federais
(art. 21, XX), como as estaduais (art. 24, I), como, ainda, as próprias
diretrizes urbanísticas da lei orgânica municipal (art. 29). A
competência preponderante do Município, face aos artigos 29, 30 e
182, deve ser compreendida em função das demais competências
27 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 57. 28 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 119.
37
estabelecidas na própria Constituição para os Estados e União. No
âmbito da competência privativa, deve estabelecer as diretrizes gerais
da política de desenvolvimento urbano, mencionadas no artigo 182,
podendo essas diretrizes serem estabelecidas com base na
competência concorrente, através das normas gerais de direito
urbanístico. No caso da União deixar de exercer essa competência,
cabe aos Estados estabelecer as diretrizes gerais dessa política, que
deverão ser observadas pelos Municípios. Sem dúvida, é necessário
que sejam estabelecidas diretrizes gerais pela União para a promoção
de uma política nacional de desenvolvimento urbano, executada de
forma integrada pelas entidades federativas. Por exemplo, o combate
às causas da pobreza e da fome nas cidades somente serão eficazes se
for adotada uma política de segurança alimentar, que englobe recursos
e acoes integradas da União, Estados e Municípios. Essas diretrizes
podem ser estabelecidas através dos planos nacionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social, e por uma lei
federal de desenvolvimento urbano.29
No mesmo sentido é a lição de Lúcia Vale Figueiredo:
Todavia, com as alterações trazidas pela Carta Cidadã, o sentido de
tais averbações quedou-se no tempo, de modo que, de quase
exclusiva, a atribuição legiferante da União, relativa a diversos
aspectos da ordenação ambiental, passou a ser concorrente, devendo
ser exercida junto com as demais entidades federativas. Há que se
dizer que, nos termos do art. 24, inciso XVI, parágrafo 1o, no âmbito
das atribuições concorrentes, a competência da União deve-se limitar
à edição de normas gerais, ao passo que os poderes suplementares
para legislar são do Estado (art. 24, inc. XVI, parágrafo 2o) e que aos
Municípios, mercê do art. 30, inciso I, do próprio Texto
Constitucional, também incube, ao traçar o contorno de seu interesse
preponderante, adentrar em várias das matérias que se ligam
diretamente ao Urbanismo – tais sejam, as célebres “posturas” e
regulamentos administrativos acerca das construções, como
assinalado no art. 1.299 do Código Civil. (...) Cabe ao Município,
portanto, legislar, dentro de seu interesse preponderante, não
desbordando dos limites das disposições federais. Consequentemente,
questões atinentes à preservação das áreas verdes, remoção de árvores
e as sanções a que se submetem os descumpridores dessas obrigações
são matéria municipal30.
Maurício Balesdente Barreira, também a respeito da competência dos
municípios, afirma:
29 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Aergio Antonio
Fabris Editor, 1997. P.104-105. 30 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. 2a ed. São Paulo: Malheiros.
2005. p. 38-39.
38
Visando ao cumprimento do próprio objetivo do urbanismo, qual seja,
o ordenamento das cidades para propiciar às pessoas suas funções
básicas de moradia, locomoção, lazer e trabalho, ao Município cabe
legislar sobre diversos aspectos, mormente quanto à ordenação do
espaço urbano, através do Plano Diretor, do zoneamento, do
loteamento, do controle das construções e da composição paisagística,
além do controle de construções e posturas. (...) Ora, é fácil perceber
que a ordenação da cidade através de normas urbanísticas é assunto
predominantemente local, e tal ideia reforça-se ainda mais diante da
explicitação da natureza do Plano Diretor, verdadeiro instrumento de
planejamento estratégico do próprio Município, que, aplicado por sua
legislação correlata – Lei do Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo,
Código de Obras e Código de Posturas – deve conter diretrizes das
mais diversas, desde as relacionadas às condições de acesso dos
cidadãos aos seus direitos sociais e fundamentais, como emprego,
habitação e serviços, passando pela proteção ao meio ambiente e
patrimônio natural e cultural, até aquelas que digam respeito ao perfil
econômico do Município, entre outras.31
A doutrina registral também se posiciona desse mesmo modo, Flauzilino
Araújos dos Santos ao se debruçar sobre o tema dos condomínios de lotes, também
observa a respeito da competência municipal:
As distintas situações são, naturalmente, merecedoras de tratamento
diferenciado no sistema, cm conformidade com suas fisionomias
peculiares, razão pela qual o condomínio de lotes de terreno,
particularmente, confibrura-se na forma prevista pelo artigo 8°, “a”,
da Lei nº 4.591/ 1964, combinado com o artigo 3° do Decreto-Lei nº
271/ 1967 e com os artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil. É da
competência dos municípios as normas sobre a implantação dessa
modalidade de empreendimento, de conformidade com o ordenamento
e o planejamento territorial local (Constituição da República, artigos
30, VllJ, e 182, § 1°)...No mesmo sentido, Marco Aurélio S. Viana
salienta que a forma condominial por unidades autônomas de
utilização da gleba de terras já é definida pelo Código Civil, restando
apenas observância, pelos municípios, da política urbana: Não vemos
obstáculo à utilização de terrenos não construídos para erigir mais de
uma edificação, seja ela multifamiliar ou unifamiliar [ .. .] Devemos
entender que o Código dispõe a respeito de uma forma de utilizar a
propriedade, de obter os serviços que ela oferece. Tal utilização está
submetida apenas à política urbana, segundo os limites e fins
perseguidos pela Lei Maior, art.182. O que devemos examinar no caso
concreto é se essa maneira de criar núcleo de moradia fere o
desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus
habitantes, e atende às exigências fundamentais de
ordenamentourbano. Na verdade, nos dias que correm, introduzido o
31 BARREIRA, Maurício Balesdent. Direito urbanístico e o município. In: FERNANDES, Edésio.
Direito urbanístico. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1998. p. 21
39
conceito de função social da propriedade, assegurado ao proprietário o
exercício do seu direito, mas em consonância com sua finalidade
econômica e social, não se pode inibir essa forma de utilização como
de resto nenhuma outra que não ofenda os princípios constitucionais
indicados32.
Na disciplina jurídica do Direito Urbanístico, vários atores participam dos
conflitos oriundos da vida em sociedade, tais como o Poder Público, os proprietários do
solo, os terceiros vizinhos, os construtores, as associações de defesa, os elaboradores de
projeto, dentre outros. Para apaziguar esses conflitos, mister se faz emergir mecanismos
de consenso, acordo e também harmonia, na qual os interessados poderão expor suas
opiniões e buscar o melhor denominador comum para a coletividade.33
Assim, a disciplina jurídica federal dos condomínios de lotes deve ser editada
como mecanismo de consenso e de harmonia que viabilize essa dialética necessária
entre o interesse privado dos proprietários dos condomínios de lotes e os interesses
locais urbanístico que devem permitir a concretização das funções sociais da cidade em
prol do bem-estar de seus habitantes.
De acordo com as lições de Nelson Saule Junior:
O processo das Constituintes Municipais foi, sem dúvida, o momento
privilegiado para o exercício da autonomia do poder local. Com a
definição das regras de convivência entre os agentes públicos,
privados e sociais para a mediação dos conflitos de interesses
coletivos, através das Constituições das Cidades, foram definidas as
regras do jogo institucional para a instituição dos planos diretores.
Estas regras se traduzem nas normas municipais dirigentes da política
urbana que condicionam a legitimidade do plano diretor à observância
de seus preceitos.34
Assim, o Município, por ter competência constitucional para promover a
política urbana, com base nos arts. 30 e 182 da Constituição, tem competência para
32 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos
de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 336-338. 33 COSTA E SILVA, Tatiana Monteiro; SANTOS, Adelson Silva dos. Instrumentos internacionais na
defesa do direito urbanístico. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/
manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/152.pdf>. Acesso em: 6 out. 2016. p. 6. 34 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.
229.
40
estabelecer as diretrizes gerais dessa política através de lei municipal, no caso de a
União não instituir essas diretrizes mediante lei. A omissão da União, por não
estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, não resulta para o Município isenção
de responsabilidade. O município tem autonomia para cumprir com sua obrigação
constitucional de executar a política urbana nos termos do art. 182.35
Esta é a atual situação na regulação dos condomínios de lotes. Apesar de ser
modalidade habitacional em uso no país, não possui regulação federal acerca do tema.
Isto acabou gerando um abuso por parte dos empreendedores que acabam por prejudicar
a harmonia das vias de circulação e obstam o acesso as áreas públicas, privatizando
áreas sem o devido rigor procedimental que devem existir nestas situações.
Desse modo, a ausência das normas federais acerca dos condomínios de lotes
transfere o papel legislativo ao município que deve regulamentar e institucionalizar
procedimentos que verifiquem se os condomínios de lotes são compatíveis com sua
estrutura local e qual procedimento deve ser adotado para a implementação desta
modalidade de parcelamento do solo urbano.
Isto porque,
o Município tem competência para instituir as diretrizes gerais da
política urbana mediante lei municipal, no caso da inexistência de lei
federal, com base na sua competência para legislar sobre assuntos de
interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que
couber (art. 30, inciso I e II).36
Os instrumentos legislativos que podem ser utilizados pelos municípios para
edição de norma regulamentando os condomínios de lotes são a Lei Orgânica
municipal, o Plano Diretor e lei municipal especifica traçando os procedimentos
específicos para implementação e aprovação municipal dos condomínios de lotes.
Corroborando esta competência municipal acerca da disciplina sobre o
ordenamento do espaço urbano este foi o entendimento publicado em recente
informativo do Supremo Tribunal Federal:
35 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.
134. 36 Idem, p. 135.
41
Os Municípios com mais de 20 mil habitantes e o Distrito Federal
podem legislar sobre programas e projetos específicos de
ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam
compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor. Isso significa
que nem sempre que o Município for legislar sobre matéria
urbanística, ele precisará fazê-lo por meio do plano diretor. O Plano
Diretor é o instrumento legal que dita a atuação do Município ou do
Distrito Federal quanto ao ordenamento urbano, traçando suas linhas
gerais, porém a sua execução pode se dar mediante a expedição de
outras leis e decretos, desde que guardem conformidade com o Plano
Diretor.37
A Lei Orgânica
que se caracteriza como uma Constituição do Município, por ter
atribuição constitucional de dispor sobre a organização política,
jurídica e administrativa municipal (art. 29) e regulamentar as
matérias que são de sua competência, como é o caso da política
urbana (art. 29, XII e art. 30, VIII), é a lei municipal que deve instituir
as diretrizes gerais desta política. A posição da Lei Orgânica ter
competência para instituir as diretrizes gerais se consolidou com o
processo das Constituintes Municipais, uma vez que as Leis
Orgânicas contêm capítulos específicos com normas próprias sobre a
política urbana, pelas quais foram fixadas as diretrizes gerais para a
execução dessa política, compreendendo as diretrizes para a
formulação do plano diretor.38
Desta forma, a Lei Orgânica municipal, como estabelecedora das diretrizes
gerais para execução da política urbana municipal, deve prever as modalidades de
empreendimentos residenciais fechados que podem existir no seu território, sendo os
condomínios de lotes uma destas modalidades.
Pretendemos demonstrar que a falta de regulamentação é prejudicial, pois
gera desenvolvimento anacrônico da urbe, vez que há muitos empreendimentos que
configuram a modalidade de condomínios de lotes em nosso país, não obstante a
ausência de lei federal.
Quanto ao Plano Diretor municipal:
Como principal ente federativo responsável pela promoção da política
urbana, tendo a missão constitucional de exigir o cumprimento da
37 STF, Plenário, RE 607940/DF, rel. Min. Teori Zavascki, j. 29.10.2015 (Info 805). 38 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.
135.
42
função social da propriedade, com base no plano diretor, o município
da mesma forma que tem autonomia e a obrigação de legislar sobre as
diretrizes gerais, quando estas deixarem de ser instituídas por lei
federal pela União, tem também autonomia e a responsabilidade de
editar o plano diretor, sem depender da edição da lei federal
mencionada no art. 182 § 4º; A obrigatoriedade do plano diretor é
aplicável para os Municípios com mais de vinte mil habitantes nos
termos do art. 182, § 1º; A Lei Orgânica, por ter atribuição
constitucional para estabelecer normas gerais sobre a política urbana
municipal, tem como matéria obrigatória a regulamentação do
processo de formulação e implementação do plano diretor.39
Assim, enquanto a Lei Orgânica estabelece as normas gerais acerca da
política urbana municipal, o plano diretor regulamenta a forma de implementação destas
disposições.
Acerca da legislação sobre interesse local do Município e da possibilidade
deste ente federativo autorizar empreendimentos habitacionais fechados:
Ora, na medida em que compete ao Município definir, em lei, a
política de desenvolvimento e expansão urbana, e no contexto desta
encontram-se os regimes de fracionamento do solo urbano, é ao
Município que compete delimitar zonas para implantação das diversas
formas de fracionamento previstas na legislação federal ou definir
outras formas compatíveis com essa legislação. Veja-se a decisão
proferida por maioria de votos pelo Órgão Especial do Tribunal de
Justiça de São Paulo, que julgou improcedente a ADIn 68.759-0/0,
sendo requerente o Procurador-Geral de Justiça e requerido, o
Presidente da Câmara Municipal de São José dos Campos, tendo
como objeto a Lei 5.441/1998 daquele Município, que autoriza o
“fechamento” de loteamentos, vilas e ruas sem saídas, situadas em
zona residencial. O acórdão reconhece a autonomia municipal para
dispor sobre a matéria, destacando que “a competência municipal não
é subordinada e nem mesmo suplementar à competência estadual, no
que tange à ordenação do solo urbano [...]. Na hipótese, o alegado
“fechamento” não trará prejuízo aos moradores dos bairros lindeiros.40
Nota-se que não há subordinação nem suplementação das normas municipais
em relação às normas estaduais. Assim, conforme entendimento do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, são admissíveis fechamentos de determinadas áreas urbanas
para fins de moradias privadas, desde que em zonas residenciais e sem prejudicar os
39 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento
constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.
136. 40 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 117, jul.-dez. 2009.
43
moradores da zona de entorno aos empreendimentos e considerando que não podem ser
privatizadas áreas que habitualmente são utilizadas como zonas de lazer e cultura da
população urbana.
Com este entendimento a 7.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, nos Embargos Infringentes 019.611-5/2-0, em que se
reconhece a competência do Município para permitir o “fechamento” de loteamento e
ressalva as “questões sociológicas subjacentes à legislação, remetendo, portanto, à
formação da vontade política do município, por intermédio do seu órgão legiferante,
que é a Câmara Municipal. No seu âmbito é que se devem definir os modos de ser das
cidades, com a manifestação das diversas correntes políticas municipais”. O acórdão
segue apreciando de maneira mais ampla a questão, reconhecendo ao Município
competência para definir as formas de uso da propriedade urbana, não obstante a
competência da União para definir seu conteúdo e modo de constituição:
A distinção entre as formas de uso da propriedade urbana, inclusive
com amparo à frequência indiscriminada, pode ser realizada pela lei
municipal. O zoneamento o demonstra: da mesma forma a
distribuição dos requisitos para concessões de uso de áreas públicas.
Tanto é assim que os “loteamentos fechados” são realidade evidente
nas cidades atuais, com amparo tranquilo na doutrina e na
jurisprudência.41
Da mesma forma, os condomínios de lotes são uma realidade em nosso país
e, igualmente, amparados por legislações municipais, conforme será visto. Há a adoção
desta modalidade habitacional em inúmeros graus de desenvolvimentos social e
econômico.
A implementação da modalidade habitacional condomínio de lotes é
realizada em uma gleba em que, originariamente, não há vias públicas, criando vias de
circulação interna que constituirão áreas comuns. Assim, não seria viável, conforme os
princípios urbanísticos de acesso democrático a locais públicos de lazer e mobilidade,
privatizar vias públicas sob pena de constituir ilegal exclusão dos habitantes da cidade.
41 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 118, jul.-dez. 2009.
44
O objetivo do Direito Urbanístico é justamente o contrário: promover justiça
social, equilíbrio ecológico e desenvolvimento econômico. A efetiva implementação do
Estatuto da Cidade como instrumento de reforma urbana pelos nossos Municípios, traz
esperança deste ser aplicado como um valioso instrumento de política urbana que
viabilize a promoção da reforma urbana nas cidades brasileiras, contribuindo para
mudar o quadro de desigualdade social e de exclusão da maioria da nossa população
urbana, bem como para a transformação de nossas cidades em cidades mais justas,
humanas e democráticas.42
Diante da celeuma criada, Haroldo Fazano entende
perfeitamente legítima a postura municipal no sentido de legislar de
forma complementar visando atender aos anseios dos munícipes. Em
recente posicionamento jurisprudencial favorável a nova modalidade
de condomínio, em voto proferido pela 3.ª Câmara Civil do Tribunal
de Alçada de Minas Gerais (RT 734/466) ficou consignado que “essa
modalidade nova de condomínio, em que só se permite o ingresso aos
moradores e pessoas por ela autorizadas, ainda carece de legislação
específica. Nada impede, entretanto, que os municípios o
regulamentem, sobretudo no que se refere ao uso e propriedade das
vias internas de circulação, que não são bens públicos de uso comum
do povo.43
Por outro lado, a Lei 6.766/79, que dispõe acerca do parcelamento do solo,
especialmente dos loteamentos, estabelecendo, em sintonia com a Constituição Federal,
que os Estados e Municípios somente em caráter complementar, atendendo aos
interesses locais, podem estabelecer normas relativas ao parcelamento do solo, nos
termos do parágrafo único do seu art. 1.º. Interditado ao Município, pois, legislar contra
o texto da norma federal, desvirtuando o instituto do loteamento. Cabe à União
estabelecer as regras gerais sobre o tema, definindo os institutos e balizando-os em suas
linhas mestras.44
42 SAULE JÚNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade – Instrumento de Reforma Urbana. In: Fórum Nacional
de Reforma Urbana. Instrumentos de Democratização e Gestão Urbana, set. 2001. 43 FAZANO, Haroldo Guilherme Vieira. Da propriedade horizontal e vertical. Campinas: CS, 2003. p.
136. 44 SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. Loteamento fechado ou condomínio de fato.
Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 60.
45
Assim, sob pena de inconstitucionalidade por vício de incompetência, não
poderiam os municípios estabelecer outras modalidades de parcelamento, competência
esta exclusiva da União.
Vale ressaltar, contudo, que os condomínios de lotes não configuram
modalidade de parcelamento do solo propriamente estando autorizado aos Municípios
estabelecer regramentos com base nos interesses e peculiaridades locais.
Portanto, as limitações urbanísticas de cunho administrativo que incidem
sobre a propriedade privada ordenam o crescimento urbano a fim de atender o interesse
público dos munícipes.
1.2 Análise da tutela jurídica do desmembramento como forma de expansão
urbana
Necessário se faz, neste momento do estudo, analisarmos o conceito do
desmembramento e seus aspectos fundamentais, viabilizando a integral compreensão
dos condomínios de lotes como modalidade habitacional.
O desmembramento, espécie de parcelamento do solo urbano, consiste na
subdivisão de uma gleba em determinados lotes com finalidade de edificação e
aproveitamento do sistema viário existente, não sendo permitido que ele implique na
abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou
ampliação dos já existentes:
Desmembramento de pequeno porte é desmembramento despido da
feição de empreendimento imobiliário, aferível pelas circunstâncias
objetivas do parcelamento, quantitativas (especialmente a da
quantidade de lotes resultantes do fracionamento e de suas áreas) e
qualitativas (atento não só a cadeia de assentos, mas também de
domínio e ao lapso temporal entre as inscrições, dentre outras
circunstâncias peculiares que se possam agregar, aptas a inferir a
ocorrência, ou não, de fraude à Lei), ao qual se admite a dispensa do
registro especial (art. 18 da Lei no 6.766/79), bastando, então, a
46
averbação de controle (art. 167, II, 4, da Lei no 6.015/73) à vista da
aprovação urbanística.45
Além deste conceito determinado pela Lei 6.766/79, algumas legislações
locais acerca do parcelamento do solo urbano conceituam desmembramento como
“divisão de área em outra, para incorporação a lotes já existentes ou a terrenos
adjacentes”.46
Deste modo, em nenhum dos dois conceitos o projeto de desmembramento
implicará arruamento, porque, se implicasse, seria plano de arruamento e de loteamento.
Na verdade, no conceito das referidas leis municipais o desmembramento é uma espécie
de reloteamento, ou seja, redivisão da área em lotes que se incorporam em outros; ao
passo que no conceito da lei federal ele é uma espécie de divisão de área em lotes –
portanto, no fundo, simples loteamento (em sentido estrito), sem prévia operação de
arruamento, porque este já existe. Em qualquer dos casos, o regime jurídico é o mesmo
do plano de loteamento quanto às dimensões mínimas dos lotes, recuos, taxa de
ocupação e coeficiente de aproveitamento. Depende de aprovação Prefeitura e de
inscrição no Registro de Imóveis.47
A Lei 6.766/79, em seu art. 11, determina que aos desmembramentos devem
ser aplicadas as disposições urbanísticas vigentes para regiões. Ou, na sua ausência,
devem ser aplicadas as disposições urbanísticas vigentes para os loteamentos.
Apontado as diferenças entre loteamento e desmembramento Hércules
Aghiarian pondera que:
Loteamento requer a antevisão de vias de circulação e logradouros na
exteriorização do interesse social e público, enquanto a noção de
desdobramento se atém mais à certeza de negócio privado, meramente
fiscalizado pelo interesse público, em face de suas normas de posturas
e edificação.48
45 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 24. 46 Inciso VIII do art. 2.º da Lei paulistana 7.805/72. 47 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 340. 48 AGHIARIAN, Hércules. Curso de direito imobiliário. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.
132.
47
É necessário destacar que o art. 10 da Lei de Parcelamento do Solo estabelece
que para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará
requerimento à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal instruído com certidão
atualizada da matricula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis e com a
planta do imóvel a ser desmembrado, contendo:
I) a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;
II) a indicação do tipo de uso predominante do solo;
III) a indicação da divisão de lotes pretendida na área.49
A título de exemplo, o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São
Paulo, através de atividade extrajudicial, asseverou que atos divisórios de uma gleba
configura desmembramento, submetendo a incidência da Lei 6.766/79:
Cuida-se de dúvida suscitada a partir da apresentação, a registro, de
escritura pública de divisão, de acesso ao fólio negado sob a exigência
de prévio cumprimento do art. 18 da Lei 6.766. Processado o feito,
julgou-se procedente a dúvida, contra o que recorre o interessado,
tempestivamente, argumentando que a divisão feita, tendente a
extinguir condomínio, não se submete ao campo de abrangência da
Lei do Parcelamento do Solo. O Ministério Público foi pelo
provimento em primeira instância e pelo improvimento nesta
instância. É o relatório. Pretende o recorrente dar ingresso, no
cadastro, a escritura de divisão, pela qual desdobrou um lote em dois,
pondo fim a estado de condomínio que sobre ele se estabelecia até
então. Evidente que tal ato divisório implica em desmembramento,
abstraindo-se a questão do aproveitamento, no campo registrário, do
conceito tributário de desdobro. É fato também que, em princípio,
nenhum desmembramento de terreno urbano escapa da abrangência da
Lei 6.766 e das exigências que faz seu art. 18. Mas não menos certo é
que, atentando-se ao espírito da norma citada, seu rigor vem sendo
mitigado em casos em que o registro especial se mostre de
consumação desnecessária, porque já assegurado o que pretende o
texto legal proteger. Com efeito, assaz sabido que a exigência de
registro especial visa, de um lado, proteger a massa de adquirentes,
garantindo-lhes a liquidez do domínio da gleba parcelada, de outro
servindo à proteção ambiental e urbanística, considerada a densidade
de ocupação populacional do solo fracionado, e como conseqüência
deste fracionamento. Sucede que casos há em que, pela pequena
expressão do empreendimento, sem marcado caráter mercantil, em
que ademais não se vislumbre intenção de tangenciamento e burla da
Lei do Parcelamento, vem se dispensando o registro especial, mercê
mesmo de sua inutilidade, porque de maneira alguma potencialmente
resultante do parcelamento risco àqueles bens protegidos. Tal a
hipótese em tela. Cuida-se de divisão de um lote em dois, efetivada,
49 Art. 10 da Lei 6.799/79.
48
frise-se, por quem não foi o responsável quer pelo loteamento, quer
pelo subsequente desmembramento da área maior. Daí que o fato da
divisão suceder anteriores parcelamentos, sem registro especial,
quanto ao desmembramento feito, realmente indicativo, no mais das
vezes, de pretensão de contorno à exigência do art. 18 já aludido, no
caso em foco não pode ser assim considerado. De outra banda, a
divisão presente contou com o 'placet' da Municipalidade, destarte
atendido o aspecto urbanístico que a lei quis preservar, e a que se
refere a manifestação ministerial de fls. 50/54. Frise-se inclusive, a
propósito, que a aprovação municipal foi não só do projeto original do
desmembramento (fls. 18), como também de seu substitutivo (fls. 17).
Ou seja. A divisão efetuada, tomado o aspecto ambiental, não
representa significativo aumento da ocupação do solo, se é que algum
aumento há, está aprovada pelo ente responsável pelo controle da
expansão urbana e, por último, se negada em virtude da exigência do
registro especial ensejaria situação de prejuízo àquele comprador final
que a lei justamente tencionou assegurar. Destarte, e como já antes
decidido (Ap. n. 11.856-0/6), resta somente dar-se provimento ao
recurso interposto, para o fim de permitir o registro almejado, o que
ora se faz. Custas na forma da lei.50
Pode-se notar pela decisão que o desmembramento não se confunde com o
simples desdobro, conforme passa-se a expor.
1.3 Análise da tutela jurídica do desdobro
O desmembramento não se confunde com o desdobro, que consiste na
subdivisão de lotes em lotes, o que não têm previsão na mencionada Lei 6.766/79, mas
em algumas leis municipais brasileiras.
Nas palavras de Paulo Afonso Cavichioli Carmona: o desdobro não gera
alteração no desenho urbano da cidade, nem representa a criação de um novo
aglomerado populacional. Difere do desmembramento por incidir apenas sobre o lote e
não necessariamente se destinar à edificação.51
Deste modo, desdobro de lote é a divisão da área do lote para formação de
novo ou de novos lotes. Estes devem atender às exigências mínimas de
dimensionamento e índices urbanísticos para sua edificação, tal como se prevê para o
50 CSMSP, Apelação Cível 028389-0/9, comarca de Sorocaba, rel. Antônio Carlos Alves Braga, j.
26.04.1996. 51 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 328.
49
plano de loteamento. Quando o desdobro do lote estiver vinculado a projeto de
edificação, será aprovado automaticamente, com a aprovação desse projeto. Do
contrário deverá ser submetido à aprovação da Prefeitura, mediante requerimento do
proprietário, acompanhado com os documentos e projetos exigidos em lei, relativos à
situação existente e às modificações pretendidas e identificação da área, devendo ser
levado ao Registro de Imóveis competente, para averbação.52
Desse modo, pode-se afirmar que o desdobro não é modalidade de
parcelamento do solo e não está inserido sobre uma gleba. O desdobro incide sobre o
lote.
1.4 Requisitos urbanísticos e procedimentos previstos para o desenvolvimento
das cidades
Nesta parte do estudo cumpre analisar os requisitos urbanísticos que devem ser
atendidos para implementação das modalidades de parcelamento do solo urbano.
Verifica-se que a Lei 6.766/79 rege o parcelamento do solo e prevê os
requisitos mínimos para a criação das cidades. Essa legislação impõe uma proteção
mínima para o desenvolvimento urbano que consiste principalmente na criação da
infraestrutura básica para criação dos lotes. Como assevera Nelson Kojranski o
desaparecimento da gleba original decorre do processo de parcelamento a que é
submetida, consistente na abertura de vias e logradouros componentes do sistema de
circulação, na reserva de espaços livres para uso público, bem como na implantação de
melhoramentos de uso público. Enquanto “as vias de loteamento deverão articular-se
com as vias adjacentes oficiais”, a percentagem das áreas públicas “não poderá ser
inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba; além de “reserva de faixa non
aedificandi destinada a equipamentos urbanos''. Explica ainda, a Lei 6.766/79, que
considera “comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e
similares”, sendo “urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água,
52 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 340-
341.
50
serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás
canalizado”53.
De acordo a legislação atual, a infraestrutura básica dos parcelamentos é
constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação
pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública
e domiciliar e vias de circulação. Já a infraestrutura básica dos parcelamentos situados
nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no
mínimo, de: vias de circulação; escoamento das águas pluviais; rede para o
abastecimento de água potável; e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia
elétrica domiciliar.
Vale lembrar ainda que somente será admitido o parcelamento do solo para
fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim
definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Contudo, não será
permitido o parcelamento do solo:em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes
de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; em terrenos que
tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente
saneados; em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo
se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; em terrenos onde as
condições geológicas não aconselham a edificação; e em áreas de preservação ecológica
ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua
correção.
Como requisitos urbanísticos necessários, o art. 4º da referida lei dispõe que
os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
a) as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de
equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso
público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano
diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.
53 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado. Doutrinas essenciais direito registral. v. IV. Registro
imobiliário: modificações da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1279.
51
b) os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros
quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o
loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de
conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos
órgãos públicos competentes;
c) ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público
das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não
edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências
da legislação específica;
d) as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes
oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.
A lei prevê ainda que a legislação municipal definirá, para cada zona em que
se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de
parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e
máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento.
Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será
exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e
parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente,
conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.
Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em
cada loteamento, a reserva de faixa non edificandi destinada a equipamentos urbanos,
que são equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia
elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.
Diante de todos esses requisitos urbanísticos, pode-se afirmar que a expansão
urbana que tem por base a legislação federal de parcelamento do solo está em
consonância com o direito à cidade mencionado no início deste trabalho. As áreas de
circulação passam ao domínio do Poder Público, integrando o espaço urbano que
afinado com o direito à cidade é espaço público e coletivo que confere direito de uso de
todos os habitantes, sem privilégios ou distinções de qualquer espécie.
Sobre o tema, Nelson Kojranski resume da seguinte forma:
52
Em suma, o loteamento convencional, segundo os parâmetros da Lei
6.766/1979, faz desaparecer a gleba parcelada, que é substituída pelos
lotes localizados em áreas fisicamente determinadas no solo, com
identidade imobiliária independente da área maior que os gerou. As
novas vias de circulação e os equipamentos urbanos passam a
categoria de bens públicos municipais, como bens de uso comum do
povo, pelo que, à evidência, esses loteamentos tradicionais não podem
ser cercados, posto que se destinam aos usuários anônimos do povo54.
No entanto, há críticas na doutrina acerca desta legislação em razão da sua
insuficiência diante de novas modalidades de parcelamento que vêm surgindo nas
últimas décadas.
Quando da criação desta lei, no ano de 1979, o objetivo era reverter uma
situação de deterioração das áreas urbanas. Assim, ela estabelece os padrões
urbanístico mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como, sistema viário,
equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas; bem como as responsabilidades
dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder Público;
e tipifica os crimes urbanísticos.55 No entanto, ainda há grande irregularidade nos
loteamentos brasileiros.
Dessa forma, as modalidades de parcelamento do solo estão incluídas na Lei
Federal de Parcelamento do Solo Urbano. Conforme a repartição de competências
constitucionais estudada anteriormente, não poderia o Município inovar e estabelecer
outras formas de parcelamento do solo urbano, sob pena de inconstitucionalidade por
vício de incompetência.
Por outro lado, sendo os condomínios de lotes uma figura híbrida que não
constitui modalidade de parcelamento do solo propriamente dita, poderiam os
municípios legislar acerca desta tipologia habitacional e desta maneira muitos
municípios brasileiros vêm procedendo.
54 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado. Doutrinas essenciais direito registral. v. IV. Registro
imobiliário: modificações da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1281. 55 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto
Alegre: Fabris, 2004. p. 351.
53
Cabe ressaltar, novamente, o papel de dado aos Municípios para
regulamentação da matéria:
O regime da propriedade urbana foi modificado em razão do seu
condicionamento a política urbana do Município, em especial através
do plano diretor, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais, garantir a função social da propriedade e o bem-
estar de seus habitantes. O Município com base no plano diretor e no
plano urbanístico local tem competência para exigir do proprietário de
imóvel urbano uma obrigação de fazer./ (parcelar, edificar, utilizar) de
modo a conferir uma destinação social concreta a propriedade urbana.
A função da propriedade urbana é social quando o seu uso for
destinado: a beneficiar a coletividade; em intensidade compatível com
a capacidade de atendimento da infraestrutura e dos equipamentos e
serviços urbanos; ao aproveitamento e utilização compatíveis com a
preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído; a
beneficiar o acesso à moradia; a promover a justa distribuição dos
benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; para fins de
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pelas
comunidades necessitadas; para recuperar para a coletividade a
valorização imobiliária decorrente da ação do Poder Público.56
Assim, a aprovação dos loteamentos ou desmembramentos pelo poder público
municipal é um dos poderes que detém este ente federativo que cuida dos interesses
locais, sempre objetivando a concretização dos interesses da coletividade e o
cumprimento da função social da propriedade.
Traçando uma síntese acerca dos procedimentos para proceder com
parcelamento do solo:
O parcelador deverá primeiramente aprovar a planta de parcelamento
na Prefeitura Municipal (arts. 12/17) para posteriormente registrá-lo
(arts. 18/24). O depósito do modelo de contrato, no Cartório de
Registro de Imóveis, continuou obrigatório (art. 25/36). A venda de
lotes de parcelamento não registrado restou proibida (art. 37) e a
conduta é criminalizada (arts. 50/51). Vale observar que, na hipótese
de parcelamento de solo dentro de área metropolitana, região de
mananciais, ou se a gleba a ser parcelada perfizer mais de 10 milhões
56 SAULE JÚNIOR, Nelson. O direito à cidade na Constituição de 1988: legitimidade e eficácia do
plano diretor. Dissertação (Mestrado). 1995. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São
Paulo. p. 337.
54
de metros quadrados, antes do registro, o loteamento deverá ser
aprovado pela instância designada em lei estadual (art. 13).57
Como sabemos o loteamento e o desmembramento trazem inferências
urbanísticas nas cidades como o aumento horizontal da cidade, impactos ambientais, na
cobertura vegetal, no curso natural das águas, alteração na distribuição de saneamento
básico pelo Poder Público, destinação dos resíduos sólidos, entre outras implicações.
Por essa razão o projeto de parcelamento do solo urbano deve atender a uma
série de requisitos ambientais e urbanísticos para ser aprovado. A aprovação nada mais
é que uma limitação ao interesse privado do proprietário, constituindo crime qualificado
a venda de lotes antes do seu registro na serventia imobiliária competente, conforme art.
50 da Lei 6.766/79.
Em primeiro lugar deve ser realizada uma aprovação preliminar. Deverá ser
apresentado um projeto preliminar ao Município, conforme as determinações
estabelecidas nos arts. 12 a 17 da Lei 6.766/79.
O art. 13 desta Lei estabelece as seguintes situações como casos em que os
Estados deverão disciplinar a aprovação pelos Municípios:
I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de
proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico,
paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou
federal;
Il – quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área
limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas
regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei
estadual ou federal;
III – quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².
Ademais, há situações em que o poder público local não será competente para
aprovar o projeto. É o caso de imóveis localizados em regiões metropolitanas,
recentemente tratadas no Estatuto das Metrópoles, Lei 13.089 de 2015. Nestas
57 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto
Alegre: Fabris, 2004. p. 352.
55
circunstâncias, a provação do projeto caberá à autoridade metropolitana; não ao
Município.
Após o empreendimento adquirir as necessárias aprovações locais ou, de
acordo com a hipótese, as aprovações estaduais, a parte interessada deve apresentar o
projeto de desmembramento ou de loteamento para o devido registro no Cartório de
Registro de Imóveis.
Ressalte-se que o registro deve ser realizado no ofício em cuja área de
competência territorial se encontra o imóvel.
Para proceder a este registro no respectivo Cartório de Registro de Imóveis
deve ser apresentado um requerimento específico e os documentos elencados no art. 18
da Lei de Parcelamento do Solo, podendo ser utilizadas as figuras do instrumento
particular com firmas reconhecidas ou a escritura pública.
Estes documentos necessários para o registro são: (i) o título de propriedade
do imóvel; (ii) o histórico dos títulos de propriedade, abrangendo os últimos vinte anos;
(iii) certidões relativas aos proprietários atuais e seus respectivos cônjuges; (iv) o
memorial descritivo da área loteada ou desmembrada; (v) o termo de aprovação do
loteamento ou desmembramento pela autoridade pública local; (vi) o cronograma de
execução das obras de loteamento ou desmembramento; (vii) apresentação de garantias
de seu cumprimento; (viii) planta do loteamento; (ix) relação dos lotes; (x) apresentação
de contrato-padrão; e (xi) comunicação do oficial do Registro de Imóveis a Prefeitura e
comprovação da publicação de edital do loteamento ou desmembramento, redigido pelo
oficial e publicado pelo empreendedor em jornal de grande circulação.
O requerimento para registro:
Deve ser assinado por todos os proprietários, inclusive por cônjuge
que, pelo regime de bens, não tenha a propriedade, nem tenha que
normalmente prestar a outorga uxória. Isso ocorre pelo fato de a Lei
de Parcelamento do Solo, em seu art. 18, VII, exigir o expresso
consentimento do cônjuge para que se loteie a área,
independentemente de ser comunheiro ou não e também do regime de
bens. Sendo qualquer das partes representada por procurador, deve ser
apresentada procuração particular, com firma reconhecida por tabelião
56
de notas, ou pública, qualquer uma contendo poderes expressos para
requerer o registro do loteamento ou anuir com este.58
Este requerimento deverá descrever detalhadamente o imóvel sobre o qual
recairá o registro especial, nos termos do art. 225, caput e § 1º, da Lei de Registros
Públicos, conforme descrição constante da matrícula, com a indicação de seu número.
Questão interessante que pode ocorrer é na eventualidade de o imóvel a ser loteado ou
desmembrado abranger várias matrículas. Como regra geral, em respeito ao princípio da
unitariedade da matrícula, nestes casos devem os registros ser unificados/fundidos em
uma só matrícula para, só então, promover o registro especial. Se não for possível, deve
então ser promovido o registro especial em cada uma das áreas distintas.59
Estas são, então, as principais regras para proceder ao registro público dos
loteamentos ou desmembramentos. Assim, como estes empreendimentos promovem a
expansão horizontal das cidades é necessário que este procedimento rigoroso seja
seguido para seja parcelado o solo urbano de modo regular.
Destaque-se que o universo do parcelamento do solo urbano regular é o da
prevenção:
Primeiro se colhem as diretrizes, depois se aprova o projeto (e só aí se
pode interferir fisicamente na gleba, iniciando as obras) e se registra o
loteamento ou desmembramento (e só aí se pode iniciar as vendas),
tudo, ainda, sob rígido controle de implantação e entrega das obras de
infraestrutura. Assim, o parcelamento do solo é um plano (ainda que
“de pormenor”) no planejamento maior da cidade, que passa, antes da
atividade humana interventiva no meio ambiente urbano, por estreito
filtro de controle de legalidade, de estudos de impacto ambiental
(EIA) e de vizinhança (EIV), exigível conforme o tipo de
empreendimento, de licenciamento urbanístico e ambiental. E, por
isso, tem uma importante função social no equilíbrio urbanístico e
ambiental que se impõe para o desenvolvimento sustentável das
cidades.60
58 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos
especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 134. 59 Idem, p. 134. 60 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 29.
57
Por fim, cabe advertir que antes de adquirir uma gleba para implantação de
empreendimento imobiliário, seja através de parcelamento do solo ou de instituição de
um condomínio, é necessário verificar as limitações, impedimentos ou restrições
impostas pelo poder público municipal, estadual ou federal.
Sabemos que o panorama regulatório e interventivo na esfera da propriedade
privada é crescente, até porque crescente também é a complexidade urbanística de
nosso tempo.61 Com este entendimento:
Hoje vivemos, para além das restrições civis de vizinhança e de tutela
coletiva por convenções urbanísticas e condominiais, a ampliação das
limitações administrativas impostas em ordem ao bem comum das
cidades. Assim, multiplicam-se: a) os índices e parâmetros
urbanísticos: recuos, afastamentos, gabarito, taxa de ocupação, índice
de cobertura vegetal, taxa de permeabilidade, coeficiente de
aproveitamento (mínimo, básico e máximo; único ou por regiões;
utilizado e virtual), fração mínima de parcelamento, área e frente
mínima de lote etc.); b) os espaços zoneados e os critérios de
zoneamento: zoneamento de uso, de interesse social, ambiental,
cultural; agrupamento de zonas, macrozonas, sobreposição de
zoneamento; zona costeira, zona de delimitação de mata atlântica etc.;
c) mapas, cadastros e delimitações de áreas destinadas à intervenção
ou à preservação: áreas suscetíveis de parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios; áreas suscetíveis de outorga onerosa de
direito de construir e de transferência de potencial construtivo; áreas
suscetíveis de preempção pelo município e de desapropriação; áreas
de preservação ambiental; mapeamento de áreas de risco; cadastros de
áreas contaminadas; imóveis, regiões e bairros tombados etc.62
Em remate, para que ocorra o parcelamento é necessário atentar para todas as
restrições urbanísticas, ambientais e os requisitos técnicos impostos pela administração
pública, a fim de assegurar o desenvolvimento planejado e sustentável da cidade, e
ainda, que seja destinado a todos os seus habitantes de forma democrática e sem
discriminação.
61 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 71. 62 Idem, p. 72.
58
2 EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS, UMA
TENDÊNCIA EM BUSCA POR SEGURANÇA E SERVIÇOS
Os residenciais fechados são uma realidade que surgiu em razão da
ineficiência do estado na prestação dos serviços públicos. Trata-se de uma realidade que
já está posta e que deve ser regulamentada para que os impactos da sua implementação
sejam previstos e controlados.
2.1 Condomínio tradicional ou comum com múltiplas frações em burla a lei do
parcelamento do solo
Os condomínios, modalidade habitacional privada, estão cada vez mais
presentes na sociedade moderna, seja por conta do adensamento populacional
característico do século XX, seja pelo crescimento da população, ou pela complexidade
das relações modernas.
Para compreensão do nosso estudo é fundamental conceituar e apontar as
consequências jurídicas desta forma de propriedade. Condomínio é gênero do qual o
condomínio tradicional ou comum e o condomínio especial ou edilício são espécies.
Acerca das duas espécies de condomínios, o condomínio tradicional/ comum
e o condomínio especial por unidades autônomas:
O condomínio geral se caracteriza pela apropriação de uma coisa,
simultaneamente, por dois ou mais titulares (condôminos), na
proporção dos quinhões que adquiriram; os direitos de propriedade
dos condôminos são exercidos em comunhão, e não isoladamente; no
condomínio geral a coisa permanece indivisa, sem “demarcação” do
quinhão de cada condômino, salvo quando o imóvel for divisível,
hipótese em que se admite a extinção do condomínio, efetivando-se a
divisão de comum acordo ou mediante procedimento judicial. A
fruição de cada condômino se dá na proporção do quinhão que
adquiriu; nenhum condômino pode dar posse, uso e gozo de seu
quinhão sem assentimento dos demais condôminos; na hipótese de
alienação do quinhão, o condômino tem preferência perante estranhos.
Já o condomínio especial, por unidades autônomas, se caracteriza pela
divisão do imóvel (i) em partes independentes, atribuídas à
propriedade e ao uso individual e exclusivo do respectivo titular, e (ii)
em partes comuns, que são de propriedade e uso coletivo de todos os
titulares das unidades autônomas. Conjugam-se, assim, num mesmo
imóvel, duas espécies de direito de propriedade: (i) a propriedade
individual, que é atribuída a cada condômino e tem como objeto
59
unidades autônomas, e (ii) a propriedade comum, que é atribuída em
copropriedade a todos os condôminos e tem como objeto o solo sobre
o qual é implantado o condomínio, as vias de circulação interna e
outras áreas de uso comunitário. Institui-se essa espécie de
condomínio por meio de divisão do terreno em frações ideais,
abrangendo a totalidade da gleba, e sua vinculação a unidades
autônomas, que são individualizadas e demarcadas.63
Em regra, a propriedade de um objeto é individual, pertencendo a apenas uma
pessoa. Essa é a noção tradicional de propriedade, assenhorar um bem com exclusão
total de outros sujeitos. Mas, há situações excepcionais em que uma ou duas pessoas são
proprietárias simultaneamente da mesma coisa, sendo este fenômeno denominado
condomínio, compropriedade, indivisão ou comunhão.
De acordo com Caio Mário da Silva Pereira:
quando os direitos elementares do proprietário (CC, art. 1.228)
pertencerem a mais de um titular, existirá o condomínio ou domínio
comum de um bem. Configura-se este, portanto, quando determinado
bem pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual
direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes.64
As duas características mais marcantes nesse regime do condomínio comum
são a titularidade coletiva, entre duas ou mais pessoas, e o domínio de cotas, sem que
nenhum dos condôminos possua sozinho uma coisa determinada.
Desenvolvendo esta definição, Márcio e Monete Serra estabelecem que:
em primeiro lugar, existe cotitularidade dominial sobre uma mesma
coisa. Assim, somente existirá condomínio quando mais de uma
pessoa for dona, ao mesmo tempo, de um mesmo bem. Sempre que
apenas uma pessoa for proprietária de um bem, estará
descaracterizado o regime do condomínio. Contudo, nem sempre que
duas pessoas forem proprietárias, ao mesmo tempo, de um mesmo
bem, ocorrerá o condomínio. Para que isso seja adequadamente
explicado, é necessário antes compreender a segunda característica
básica do condomínio, a das cotas ideais. O regime jurídico que rege o
condomínio ordinário é o de cotas (ou também frações) ideais sobre a
coisa, possuindo cada condômino uma percentagem sobre o todo, sem
que seu direito incida sobre parte determinada. O direito de cada
condômino incide sobre o todo, indistintamente. Se sou condômino de
63 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009. 64 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Direitos reais. 29. ed. São Paulo:
Saraiva, 2016. v. IV, p. 175.
60
uma casa, não é possível determinar a “parte” que me cabe e a “parte”
que cabe aos demais condôminos. Seria o caso, digamos, de ser
“meu” o rol de entrada, a cozinha e a suíte, e o restante, como sala de
jantar, quartos e banheiros, dos demais. Tal divisão pode até ocorrer
faticamente, mas se dará o primeiro passo para a extinção do
condomínio comum, atribuindo área certa e determinada para cada um
dos coproprietários.65
O regime de condomínio comum em que os coproprietários possuem apenas
frações ideais do todo, sem parte certa e determinada no solo, não pode ser utilizado
como meio para burlar a lei de parcelamento do solo urbano ou de condomínio edilício.
Explica-se, há casos em que as múltiplas alienações de frações ideais evidenciam que a
propriedade é na verdade utilizada como modalidade de residencial fechado de vários
coproprietários sem qualquer ligação entre si e que não cumpriu nem a legislação
urbanística da Lei 6.766/79, nem a legislação que permite a criação de unidades
autônomas individuais da Lei 4.591/64.
Esses empreendimentos estão em situação de patente ilegalidade e o registro
das alienações das frações deve ser obstado pelo Oficial de Registro de Imóveis, o qual
tem a função de zelar pelo cumprimento das leis e normas vigentes. Para o fim de
identificar o condomínio comum como fraude, é necessário conhecer as suas
classificações. Assim, vale verificar que admite-se três critérios de classificação: (i)
quanto à sua origem, (ii) quanto ao objeto ou conteúdo e (iii) quanto à forma ou divisão.
Um dos critérios para verificação da fraude está na identificação da origem
da copropriedade. Em relação à sua origem, o condomínio comum poder ser
convencional, eventual ou necessário. O condomínio comum convencional é aquele
originado pela vontade das partes. O condomínio comum eventual é resultado da
vontade de um terceiro, como, por exemplo, um doador ou um testador. O condomínio
comum necessário ou legal é aquele imposto pela lei, como no caso do art. 1.327 do
Código Civil que estabelece a meação de muros, cercas e paredes. Quando não há
qualquer desses vínculos de origem entre os proprietários das frações ideiais há grande
indício de que houve a fraude.
65 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos
especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 86-87.
61
Outra questão diz respeito ao objeto. Em relação ao objeto do condomínio
comum ele pode ser universal ou singular. O condomínio comum universal é aquele em
que o condomínio recai sobre todos os bens, como no caso da comunhão hereditária. O
condomínio comum singular é aquele que abrange apenas uma coisa determinada, por
exemplo um muro divisório. A análise do objeto pode denunciar que os condôminos
não querem ter a propriedade comum de um único prédio.
Finalmente, quanto à forma ou divisão o condomínio comum pode ser pro
indiviso ou pro diviso. Ele também pode ser transitório ou permanente. Acerca do
condomínio comum pro indiviso ou pro diviso eles serão classificados de acordo com a
utilização de parte certa e determinada (pro diviso) da coisa ou de parte indivisa e
indeterminada (pro indiviso). O condomínio comum será transitório quando
convencional e eventual, podendo ser extinto a qualquer tempo por vontade de qualquer
condômino. O condomínio comum será permanente quando for criado por disposição
legal, perdurando enquanto existir a situação que o criou. O condomínio comum não
admite que a propriedade seja registrada sobre parte certa e determinada do terreno em
correspondencia à fração ideal que o condômino possui. O título de propriedade que
estabelece essa peculiaridade não tem ingresso no registro de imóveis.
Socorrendo-nos às palavras de Flávio Tartuce:
Nesse contexto de dedução, a respeito da estrutura jurídica do
condomínio, entre os clássicos, leciona Washington de Barros
Monteiro66 que o Direito Brasileiro adotou a teoria da propriedade
integral ou total. Desse modo, há no condomínio uma propriedade
“sobre toda a coisa, delimitada naturalmente pelos iguais direitos dos
demais consortes; entre todos se distribui a utilidade económica da
coisa; o direito de cada condômino, em face de terceiros, abrange a
totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade; mas, entre
os próprios condôminos, o direito de cada um é autolimitado pelo de
outro, na medida de suas quotas, para que possível se torne sua
coexistência”. Como se pode perceber [...] o condomínio tem natureza
real, havendo um conjunto de coisas e não de pessoas. Desse modo, o
condomínio não tem natureza contratual, sendo regido pelos
princípios do Direito das Coisas. Apesar da falta de previsão literal, o
66 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. 37. ed. por
Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 205-206.
62
condomínio pode ser enquadrado no inciso I do art. 1.225 pela
menção que se faz à propriedade (copropriedade).67
Deste modo, o condômino é coproprietário do bem, podendo exercer os
direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa comum, mas, sempre exercendo estes
poderes, de maneira limitada pela comunhão dos demais condôminos. Em linhas gerais,
no condomínio comum o exercício dos direitos dos proprietários está limitado pelos
direitos concomitantes e que incidem sobre a totalidade da coisa dos demais.
A fim de criar pacificação e harmonia social o condomínio comum pode ser
extinto através de acordo entre as partes ou através de decisão judicial. Se o bem for
divisível a divisão poderá ser feita de maneira amigável, sendo todos os condôminos
maiores e capazes, ou judicial, havendo algum condômino incapazes ou havendo
divergência entre os condôminos.68
Se o bem comum for indivisível a fragmentação dependerá da venda da coisa
comum, conforme disciplina do art. 1.322 do Código Civil.
Passa-se agora a analisar o condomínio especial de casas, apontando as
diferenças entre ele e o condomínio de lotes, objeto de nosso estudo.
2.2 Condomínio Fechado de Casas Térreas ou Assobradadas e suas limitações
legais
Neste ponto do estudo faremos uma análise da lei Lei 4.591/64, que dispõe
acerca dos condomínios em edificações e as incorporações imobiliárias e suas
limitações legais para a implantação em relação ao crescimento da urbe. Em outros
termos, esta lei cuida da disciplina da modalidade do condomínio especial ou edilício
que regula tanto o condomínio de unidades autônomas em prédios de apartamentos,
como também o de casas assobradadas, que deve seguir as mesmas limitações e padrões
do primeiro.
A Lei 4.591/64 dispõe acerca dos condomínios em edificações (condomínios
especiais) e as incorporações imobiliárias. Com fulcro nas clássicas lições de Caio
67 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil – volume único. 5. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 2831. 68 Art. 2.016 do Código Civil brasileiro.
63
Mario podemos definir que esta legislação cuida dos condomínios, como instituto em
que há uma fusão de direitos, configurando uma simbiose orgânica que cria uma
“relação subjetiva una e uma relação objetiva dicotômica”.69
A relevância do estudo aprofundado destes institutos está justificada pelo fato
de que a disciplina jurídica dos condomínios de lotes difere do tratamento dado pela Lei
de Parcelamento do Solo, anteriormente estudada, e também do tratamento dado por
esta legislação que cuida dos condomínios edilícios ou especiais.
Neste passo, vale observar que para instituição e constituição de um
condomínio especial basta estabelecer uma convenção de condomínio e um regimento
interno, procedimento infinitamente mais simplificado que aquele destinado aos
loteamentos.
Desse modo, não se pode confundir as figuras do loteamento e
desmembramento com as modalidades privadas condomínio. Como é cediço, no
loteamento e desmembramento as áreas comuns são de titularidade pública, enquanto
nos condomínios toda extensão do empreendimento é privada.
Na ausência do registro de instituição do regime especial de condomínio
edilício, o que há é o condomínio tradicional ou comum.
Ressalta-se que por muitas décadas esta legislação regulou sozinha a questão
dos condomínios especiais, entretanto, com a publicação do Código Civil brasileiro de
2002, alguns dispositivos da Lei 4.591/64 foram tacitamente revogados, sendo a matéria
disciplinada, também, nos arts. 1.331 e seguintes do Código Civil.
O condomínio especial ou condomínio edilício é caracterizado pela soma de
uma propriedade privativa ou autônoma e uma propriedade comum. A área privativa é
de titularidade exclusiva de um condômino e é, geralmente, constituída por
apartamentos, escritórios, salas comerciais, lojas, sobrelojas ou garagens.
Ao mesmo tempo, o proprietário da área privativa possui a titularidade de
uma fração ideal da área comum, pertencente a todos os condôminos do edifício, na
69 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
p. 93 e 171.
64
maioria das vezes representada por áreas de lazer, estrutura dos prédios, telhado, rede de
distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, entre outros.
Conforme o art. 1.331 do Código Civil:
Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e
partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como
apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas
frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a
propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente
por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não
poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ou condomínio,
salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
§ 2º. O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de
distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e
refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao
logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não
podendo ser alienados separadamente, ou divididos.
§ 3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma
fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada
em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do
condomínio.
§ 4º. Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao
logradouro público.
§ 5º. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária
da escritura de instituição de condomínio.
Assim, conforme o art. 1.331 do Código Civil,
caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma
propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa. Cada
condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma
(apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular de
partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado,
rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade,
calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades
autônomas e ao logradouro público etc.).70
Acerca deste tema Melhim Chalhub estabelece que:
O condomínio especial, composto por apartamentos ou casas,
caracteriza-se pela divisão do terreno em quinhões, aos quais essas
unidades imobiliárias se vinculam; foi inicialmente regulamentado
pela Lei 4.591/64 e é atualmente disciplinado pelos arts. 1.331 a 1.358
do Código Civil de 2002. Caracterizam-se os apartamentos e as casas
70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 2 – Contratos em espécies e direitos das coisas. São
Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.219.
65
como unidades imobiliárias autônomas, cuja propriedade é atribuída
com exclusividade a cada condômino, propriedade esta que existe
conjugada a áreas de copropriedade desses condôminos (vias de
circulação, portaria, etc.).71
O art. 8º da Lei 4.591/64 prevê a possibilidade da aplicação do regime do
condomínio especial para um conjunto de casas térreas ou assobradas que constitui um
condomínio também denominado pela doutrina por condomínio deitado, ou ainda
vertical, ou até mesmo horizontal. Este último nome, condomínio horizontal, também é
utilizado pela doutrina civilista para se referir ao condomínio edilício dos prédios
urabnos. Como não há unanimidade, utiliza-se aqui a nomenclatura dada pela lei,
condomínio de casas térreas ou assobradadas ou condominio especial de casas.
Em relação à este condomínio especial de casas é necessário atentar que
continua sendo obrigatória a existência de áreas comuns e áreas privativas para sua
configuração. A área privativa é a área construída da unidade autônoma de cada
condômino, o qual terá livre disposição dessa propriedade independentemente da
manifestação dos demais proprietários. Essa área construída é estabelecida no momento
da instituição do condomínio e não poderá ser livremente alterada pelos proprietários
individualmente. Isso porque, da mesma forma que em um condomínio de prédio, um
morador não pode aumentar a área de seu apartamento e construir uma sacada, também
nesse residencial de casas não podem alterar a metragem construída, o que implicaria
alteração do percentual de construção de todo o empreendimento. Somente por
alteração do registro da especificação é que pode haver esse tipo de modificação pelos
condôminos, alterando todo o residencial.
A regulamentação das áreas internas é feita por meio da convenção de
condomínio, que disciplina o uso das áreas comuns pelos moradores. É possível que
haja ainda mais restrições específicas para manutenção de um padrão dessas
residências, como materiais utilizados, cor, recuo, dentre outras. O raciocínio é o
mesmo utilizado para os edifícios de unidades autônomas em que há grandes limitações
que devem ser observadas pelos condôminos.
71 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.
66
Em linhas gerais, o condomínio especial da Lei 4.591 de 1964 foi pensado
para um residencial que não implique grande expansão urbana, suas restrições revelam
um tipo de residencial vinculado às acessões e que portanto, necessita da aprovação da
construção pelo município. Essa aprovação deve levar em consideração o traçado
urbano e os impactos no seu entorno, exatamente da mesma forma que o faz para a
aprovação dos arranha-céus de alto adensamento populacional.
No entanto, há casos em que esta modalidade habitacional é utilizada para
fraudar a lei de parcelamento do solo urbano e, nestas situações, não deve o registro de
imóveis proceder ao registro. Acerca desta situação:
Há diversos casos em que foi negada a instituição do condomínio
edilício pelo registro de imóveis pelo fato de a propriedade comum
prevista ser tão irrisória que descaracteriza o instituto, configurando
verdadeira tentativa de burlas às leis do uso e ocupação do solo, em
especial, a lei de loteamento. Por exemplo: João é proprietário de um
terreno de esquina de 200,00 metros quadrados. Ele não consegue o
desdobro do terreno pelo fato de os terrenos resultantes não terem,
cada um, o mínimo de 125,00 metros quadrados, embora pudessem ter
mais de 5,00 metros de confrontação com a via pública, por ser
esquina (vide art. 4º, II, da Lei 6.766/79). Intencionando construir dois
sobrados para vender, ele elabora projeto com o intuito de instituir,
futuramente no registro de imóveis, o condomínio especial. Cada
sobrado ocupa área certa, determinada e exclusiva, com saída própria
direta para a via pública, com medido próprio de água, luz e esgoto.
Não possuem nada de área comum, a não ser a caixa de água e os
muros e as paredes que separam uma construção da outra. Tal situação
constitui óbvia tentativa de burla a lei de parcelamento do solo e deve
ser recusada pelo registrador por não configurar a existência real do
condomínio edilício.72
Como mencionado, o condomínio de casas, apesar de previsto e aceito pela
legislação vigente e pela jurisprudência, também implica expansão do traçado urbano
por empreendimento privado, necessariamente com fracionamento do solo e isolamento
por muros ou cercado. Dessa forma, as críticas e sugestões que se fazem neste trabalho
à disciplina jurídica dos condomínios de lotes também se aplicam a esta modalidade de
empreendimento, embora não seja o objeto principal do presente estudo.
Cumpre destacar ainda que pode haver a instituição do condomínio edilício
mesmo com a existência de apenas um proprietário, conforme interpretação sistemática
72 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos
especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 94.
67
da obra de Caio Mario. Inicialmente o autor dispôs que “o primeiro elemento natural da
propriedade horizontal é a pluralidade subjetiva, pois que se há um prédio composto de
vários apartamentos, porém pertencente na sua integralidade um só dono, não há falar,
por inutilidade econômica e por desnecessidade jurídica, em propriedade horizontal”.73
Em outro momento o mesmo doutrinador afirma que “a alienação que o
proprietário exclusivo de um edifício faça, desmembrando-o em unidades autônomas,
importa, pela multiplicação de proprietários, na criação da propriedade horizontal, como
a venda em hasta pública por andares destacados, no propósito de lograr melhor preço
do que o leilão do prédio em globo”.74
Deste modo, a permissão da instituição do condomínio edilício com apenas
um proprietário tem o objetivo de viabilizar a venda das unidades autônomas, após a
construção. Para isso, é necessário também o registro concomitante da convenção e do
regimento interno, evitando, assim, situação litigiosa futura, em que a convenção não
esteja ainda registrada e dependente da aprovação dos novos titulares das unidades
autônomas. É instituição condicional, útil diante da necessidade econômica da vida
moderna, mas que somente configura efetivamente o condomínio edilício com a
concreta pluralidade de proprietários.75
A relevância do estudo aprofundado deste instituto está justificada pelo fato
de que os condomínios de lotes merecem tratamento diverso do dado pela Lei de
Parcelamento do Solo, anteriormente estudada, e também do tratamento dado para o
condomínio especial de casas. Assim, ao invés de o poder público determinar a
irregularidade dos condomínios de lotes, seria melhor, considerando a vasta utilização
desta modalidade habitacional em nosso país, que haja sua regulamentação.
Como visto, condomínios especiais de casas determinam que a construção
das unidades autônomas e privativas esteja vinculada ao terreno. Assim, não há
possibilidade de alienação de terrenos para futuras construções, como ocorre nos
condomínios de lotes.
73 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
p. 112. 74 Idem, p. 109. 75 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos
especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 96.
68
A doutrina aponta algumas diferenças entre os condomínios comuns e os
condomínios especiais que podem ser apontadas: o condomínio comum pode ser dotado
de transitoriedade, permitindo a legislação que a indivisão seja estabelecida em
contrato, por um prazo máximo de cinco anos. Por outro lado, o condomínio especial é
insuscetível de divisão.
No condomínio comum não deve ser permitido, no registro do imóvel, o uso
de parte certa por um proprietário, situação denominada de uso exclusivo. Mesmo que o
uso exclusivo exista faticamente não pode ser submetido ao registro no Cartório de
Imóveis, sob pena de configurar etapa da extinção do condomínio comum. Já no
condomínio especial, o uso exclusivo apenas é vedado para as áreas comuns. O uso
exclusivo das áreas exclusivas é inerente ao próprio conceito de condomínio especial.
Em relação à alienação da propriedade condominial, no condomínio comum
deve ser obedecido o direito de preferência conferido aos condôminos entre si; por outro
lado, no condomínio especial, a área comum é inalienável e as unidades autônomas
podem ser alienadas sem que haja direito de preferência aos demais condôminos.
Para a constituição do condomínio comum há necessidade de pluralidade de
condôminos; isto não ocorre no condomínio especial, que pode possuir apenas um
titular para sua criação. Em outras palavras, para a efetiva constituição do condomínio
especial não é necessária a pluralidade de condôminos, mas, posteriormente, para que
subsista o condomínio especial é necessária a pluralidade de condôminos.
Também, o condomínio comum pode ser aplicado a imóveis sem construção,
enquanto o condomínio especial exige a existência de uma área construída.
Por fim, a última diferença a ser apontada acerca dos condomínios comuns e
especiais: o condomínio comum não exige um ato formal de constituição, além da
própria pluralidade de condôminos, enquanto o condomínio especial necessita de um
ato formal registrado para a sua instituição e especificação de suas unidades.
2.3 Loteamento fechado com acesso controlado mediante autorização do Porder
Público e a supremacia do interesse público
Loteamento fechado ou loteamento de acesso controlado é modalidade de
parcelamento do solo que não possui disciplina legal, apesar de ser em parte aceito pela
69
doutrina e jurisprudência. Em linhas gerais, “loteamento fechado”, melhor denominado
de acesso controlado, é modelo de desenvolvimento urbano que se classifica no regime
próprio de loteamento, cujo perímetro é cercado ou murado, com acesso controlado ao
núcleo urbano, concebido para agregar segurança e qualidade de vida.76
Outro conceito de loteamento fechado é dado por Luiz Antônio Scavone
Junior,
o loteamento fechado nada mais é que o resultado da subdivisão de
uma gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas
vias de circulação e de logradouros púbicos, cujo perímetro da gleba
original, ao final, é cercado ou murado de modo a manter aceso
controlado. Nesse caso, os proprietários, mediante regulamento
averbado junto à matrícula do loteamento, são obrigados a contribuir
para as despesas decorrentes da manutenção e conservação dos
espaços e equipamentos públicos que passam ao uso exclusivo por
contrato administrativo de concessão entre o Município e uma
associação criada para esse fim.77
Acerca da evolução histórica desta modalidade de empreendimento:
O loteamento fechado surge a partir da metade do século XX, como
forma de suprir na prática a deficiência dos serviços públicos básicos
de limpeza, conservação e segurança; no loteamento fechado, esses
serviços são administrados e custeados pelos moradores, por meio de
uma associação de moradores ou sociedade assemelhada. O fenômeno
não ocorre exclusivamente em nosso país, mas se espraia mundo
afora: “os barrios cerrados, na Argentina, os fraccionamentos
cerrados, no México, os gated communities norte americanos e os
nossos loteamentos residenciais fechados e condomínios de casas
térreas ou assobradas são alguns dos tipos que respondem a essa
demanda social”.78
Podemos verificar que o que difere o loteamento fechado do loteamento
comum, regulado pela Lei 6.766/79, é o fato de aquele ser murado ou cercado enquanto
este é aberto. Assim, há alteração na estrutura urbanística, pois o loteamento fechado
possui entrada controlada, sob o argumento da garantia da segurança dos moradores.
76 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 15. 77 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário. Teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 111. 78 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 112, jul.-dez. 2009.
70
Eleusina Lavôr Holanda de Freitas, em sua tese de doutorado apresentada a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob a orientação
de Erminia Maricato entende pela ilegalidade dos loteamentos fechados com
fundamento em uma possível distorção legal que beneficia o setor imobiliário e os
futuros proprietários de lotes fechados:
A ilegalidade se dá pelo fechamento de áreas que são públicas, de uso
comum do povo. Entretanto, perante o Registro de Imóveis, trata-se
de loteamentos legais, registrados conforme a Lei Federal de
parcelamento do solo 6.766/79. A falta de controle urbano sobre os
fechamentos de ruas e praças e a invisibilidade desta informação nos
cadastros imobiliários fazem com que o fato seja ignorado tanto pelas
prefeituras como pelo estado e pelo Ministério Público.
A legalidade cartorial permite a livre comercialização de lotes em
loteamentos fechados sem que a ilegalidade do fechamento de ruas e
praças interfira de forma negativa nas operações de compra e venda.79
Para Eleusina, esta
é uma figura híbrida, que mescla características do loteamento
convencional, instituído pela Lei Federal 6.766/79 com a figura do
condomínio horizontal de casas, regulamentado pela Lei Federal
4.591/64. A seguir apresentaremos as duas leis enfatizando as
diferenças entre as mesmas no que tange à propriedade das áreas
comuns e as respectivas responsabilidades sobre elas, a forma de
fracionamento das unidades habitacionais. 80
Com entendimento semelhante Francisco de Assis Gonçalves Junior, em sua
tese de Doutorado apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São para obtenção do título de Doutor em Geografia, argumenta pela
ilegalidade de qualquer empreendimento residencial fechado, neles abrangendo os
condomínios de lotes:
Os loteamentos fechados se estruturam sobre essa condição de
produto do mercado imobiliário, com isso o objetivo principal torna-
se atender os interesses dos envolvidos na consolidação desses
empreendimentos, e não de realizar um planejamento que visa atender
as funções sociais e, por consequência, a sustentabilidade urbana em
seu aspecto mais amplo.
79 FREITAS, Eleusina Lavôr Holanda de. Loteamentos fechados. Tese (Doutorado). 2008. Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 96. 80 Idem, p. 97.
71
A sustentabilidade urbana deve ter no desenvolvimento econômico
um aliado na promoção de habitação, do trabalho, do lazer, da
educação, da saúde, da infraestrutura básica representada inclusive por
uma infraestrutura viária que garanta o livre direito de circular na
cidade.
Nos loteamentos fechados os bens públicos internos atendem apenas
aos interesses de seus próprios moradores, barrando o
desenvolvimento da função social da cidade, pois desde o fechamento
do loteamento características básicas são afetadas, como o acesso a
áreas de lazer e a circulação livre da população pelas ruas da cidade.81
Este autor argumenta que dois fatores contribuem para a proliferação dos
empreendimentos fechados, neles incluindo os condomínios de lotes:
Dessa constatação surge o questionamento: se os loteamentos não
podem ser fechados de forma a restringir o livre acesso as áreas
públicas, o que explica a forte proliferação deste tipo de
empreendimento no Brasil? A resposta se assenta em duas situações: a
irregularidade ou a aquisição junto à esfera municipal da concessão de
direito real de uso das áreas públicas, prevista pelo Art. 7o do Decreto
Lei 271/67, que dispõe sobre loteamento urbano a responsabilidade do
loteador e a concessão de uso.82
Quanto às concessões mencionadas:
Essa concessão se refere às vias públicas, espaços livres e espaços
institucionais (locais reservados a prédios públicos), áreas estas que
permanecem públicas quando há realização de um loteamento. Por
serem áreas de competência inteiramente municipal, são passíveis de
fechamento e utilização exclusiva por parte da comunidade, caso a
prefeitura verifique que o loteamento possui relação com os interesses
sociais, como destaca o artigo citado.
Já os condomínios horizontais são amparados pela Lei Geral dos
Condomínios 4.591/64, que dispõe sobre condomínios em edificações
e sobre as incorporações.
Segundo a Lei 4.591/64, essa forma de parcelamento do solo é
caracterizada pela edificação ou pelo conjunto de edificações de um
ou mais pavimentos, ou ainda pela construção de casas, prédios, salas
e lojas em uma gleba de terra única dividida em vários terrenos. Esses
terrenos, ou cada unidade dessa gleba constitui uma propriedade
autônoma, mesmo sem o parcelamento formal do solo urbano83.
81 GONÇALVES JUNIOR, Francisco Assis. Paisagem e sustentabilidade urbana: o papel dos
loteamentos fechados e condominios horizontais em Vinhedo – SP. Tese (Doutorado em Geografia).
2015. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo,
p. 86. 82 Idem, p. 88. 83 MOURA, G. G. Condomínios horizontais/loteamentos fechados e a vizinhança (in) desejada: um
estudo em Uberlância/MG. Uberlândia: Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geografia,
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2008.
72
Assim, essas unidades não podem ser servidas por vias públicas em
seu interior, portanto o que possuem são apenas áreas de circulação e
áreas comuns (não possuem logradouros públicos). Serviços e
equipamentos públicos instalados dentro dos condomínios são de
propriedade dos condôminos. Cada condômino tem o direito de usar e
fruir, com exclusividade de sua unidade autônoma, condicionados às
normas de boa vizinhança, podendo usar as partes comuns de maneira
a não causar dano ou incômodo aos demais moradores. As áreas
comuns internas são consideradas privativas e também de
responsabilidade dos condôminos, que pagam uma taxa condominial
para manutenção destas áreas, sendo está proporcional ao tamanho da
área de cada unidade autônoma, ou seja, todos os proprietários
também são donos de parte das áreas comuns, mas o pagamento por
sua manutenção ocorre perante o cálculo da fração ideal de cada
terreno comercializado individualmente no empreendimento, este é o
fato que justifica a denominação “condomínio”. 84
Diante dos argumentos expostos, não resta dúvida de que este não é o melhor
instrumento para a constituição das almejadas habitações residenciais fechadas, pois
segrega o espaço público dos habitantes da cidade em benefício de alguns moradores
locais. Como será visto, demonstra-se melhor o planejamento controlado deste tipo de
empreendimento residencial sob a forma de condomínio de lote, com legislação que
preveja a sua melhor forma de implantação.
Contudo, prevalece o entendimento de que não padece de ilegalidade o
fechamento se a autoridade municipal, diante das peculiaridades locais, verifica que em
determinada situação mais adequado se afigura a permissão das vias públicas para o
residencial que a manutenção pelo Poder Público. Por exemplo, uma área em que já não
há circulação de pessoas estranhas aos moradores locais e que gera um alto custo de
manutenção de serviços públicos, enquanto beneficia apenas aquelas mesmas pessoas.
O município atua sempre em conformidade com a supremacia do interesse
público sobre o interesse particular, e nessa medida é que deve ser autorizado o
fechamento quando as circunstâncias demonstrarem ser essa a melhor decisão a ser
tomada.
84 GONÇALVES JUNIOR, Francisco Assis. Paisagem e sustentabilidade urbana: o papel dos
loteamentos fechados e condominios horizontais em Vinhedo – SP. Tese (Doutorado em Geografia).
2015. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo,
p. 88-89.
73
No sentido da legalidade dos loteamentos fechados, a lição de Flauzilino
Araújo dos Santos:
Entendemos que, por sua estabilidade doutrinária e jurisprudencial, a
figura do loteamento fechado encontra-se hígida em nosso
ordenamento. Não há imoralidade, ilegalidade, ou
inconstitucionalidade alguma em loteamento que tenha essa
qualidade, atendidas as legislações municipais específicas que
estabelecem políticas urbanísticas e que disciplinam o fechamento do
loteamento e a concessão ou permissão de uso de ruas, outros espaços
ou serviços público, por associação de proprietários. Porém, para
exprimir no fólio real a verdade do solo e as reais aspirações do
empreendedor e dos adquirentes dos lotes, o condomínio de lotes
apresenta-se como instituto mais apropriado e com força de mais
tutela de direitos do que o loteamento fechado. Aliás, a própria lei
registral (n. 6.015/1973, art. 213) e a mais eminente das leis civis (CC,
artigo 1.247) fomentam a retificação do registro inexato para adequa-
lo aconfiguração física do imóvel, tanto no plano geodésico quanto no
urbanístico, bem como dos direitos reais inscritos, a fim de que o
registro espelhe a realidade da comunidade condominial.85
Não é diferente o entendimento de Vicente Celeste Amadei e Vicente de
Abreu Amadei para quem os loteamentos fechados são dotados de legalidade:
São legais, em nosso ver, quando aprovados, em conformidade com a
legislação Municipal urbanística, e não houver impedimento, mas
apenas controle de acesso. A falta de previsão da figura dos
“loteamentos fechados” em Lei Federal não é razão de
antijuridicidade alguma, uma vez que os Municípios têm autonomia,
assegurada constitucionalmente, para a disciplina do assunto, quer
urbanística, quer administrativa, inclusive para concessão de fins
urbanísticos de vias e áreas públicas, em favor de associações de
moradores ou proprietários de lotes, que exercem o controle de acesso
ao núcleo habitacional.
Basta, pois, a previsão legal Municipal específica (a exemplo de
vários Municípios do Estado de São Paulo como o da Capital, de
Campinas, de São José dos Campos etc.). Cogitar, de lege ferenda, em
previsão legal federal, convém, mas não é necessária à legalidade dos
“loteamentos fechados”, desde que eles tenham lastro em Lei
Municipal e sejam aprovados. [...]
Não se ignora, por outro lado, que as vias de circulação, praças e
espaços livres são de domínio do Município, nem se nega o direito
constitucional à liberdade de locomoção de qualquer um do povo. Por
isso, impedir o acesso é ilegal; mas apenas exercer o seu controle não
é. Entenda-se: não se deve confundir proibição à liberdade de ir e vir
(que é vedada) com controle de acesso – mera forma de agregar
segurança pela verificação de identidade e interesse da pessoa no
85 SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros
Públicos de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 338
74
ingresso ao núcleo habitacional – em “loteamentos fechados”, que,
repita-se, melhor seriam denominados loteamentos de acesso
controlado.86
Nota-se, contudo, que pesar da ausência de legislação federal, muitos
municípios regulam a matéria admitindo esta modalidade habitacional. Não obstante
reconhecida a constitucionalidade da legislação municipal sobre permissão de uso de
áreas de domínio público localizadas em loteamentos, o “fechamento” não supre de
forma plena e satisfatória essa espécie de demanda social. É figura anômala,
juridicamente e socialmente precária, pode contribuir para o aumento da desordem
urbana e tem ainda o inconveniente de sobrecarregar o Judiciário com demandas
relacionadas à cobrança de taxa de manutenção, como demonstra a farta jurisprudência
sobre a matéria.87
É certo que o Direito Urbanístico proíbe que sejam criados feudos fechados
no núcleo urbano que sirvam de barreiras para impedir que os cidadãos da urbe
possuam acesso aos logradouros públicos.
No entanto, o direito à segurança e ao sossego dos habitantes que desejam
viver em locais com restrições de acesso pode ser assegurado, desde que, uma vez
regularmente realizado o parcelamento do solo urbano, haja autorização do Poder
Público que verifica no caso concreto que o fechamento não fere o interesse da
coletividade. Assim, os loteamentos fechados podem ser disciplinados por lei municipal
de modo constitucional.
Em adição, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Superior Tribunal
de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se posicionam pela regularidade dos
loteamentos fechados, conforme se pode verificar.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao tratar da cobrança da pelos
serviços compartilhados, em recente julgamento estabeleceu que:
86 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 16. 87 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 120, jul.-dez. 2009.
75
O loteamento Recreio Internacional é loteamento fechado, legalmente
reconhecido, e administrado pela autora, SARI – SOCIEDADE
AMIGA DO RECREIO INTERNACIONAL [...]. a ré, por sua vez, é
proprietária de uma unidade localizada neste loteamento, não
parecendo minimamente justo que se beneficie dos serviços prestados
e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação.88
Assim, indiretamente é reconhecida a legalidade destes empreendimentos que
geram um custo de manutenção aos moradores beneficiados pelo fechamento.
De maneira indireta, o Superior Tribunal de Justiça, igualmente, asseverou
que:
o proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem
condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram
sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e
manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das
despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se
beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a
devida contraprestação.89 Assim, indiretamente é reconhecida a
formação de loteamento fechados: Civil e Processual. Loteamento
Fechado. Serviço de vigilância, lazer, administração e conservação
prestados ao proprietário dos imóveis. Compra do lote e adesão aos
estatutos. Recusa ao pagamento das despesas comuns. Ação de
cobrança. Procedência. I. Procede a ação de cobrança movida por
associação de moradores instituída em loteamento fechado contra
titular de lotes que após a aquisição e a adesão aos estatutos, deixa de
adimplir com o pagamento das despesas comuns relativas a serviços a
ele disponibilizados ou por ele fruídos.90
Podemos, inclusive, verificar o posicionamento favorável à instituição dos
condomínios de lotes, pois, conforme asseverado, o titular de lote em loteamento
fechado deve arcar com as despesas comuns. Resta claro que o STJ aceita os
loteamentos fechados como modalidades habitacionais vigentes no ordenamento
jurídico brasileiro.
Assim, o atual posicionamento é pela regularidade dos loteamentos fechados.
Inclusive, vejamos alguns exemplos de legislações municipais os admitindo: Lei
9.431/81, do município de São Paulo, SP, que permite o fechamento de determinados
loteamentos mediante outorga de direito real de uso para as vias de circulação e para 1/3
88 TJSP, Apelação 0000548-16.2010.8.26.0506 – Ribeirão Pires, rel. Des. Luis Mario Glabetti, j.
07.10.2016. 89 STJ, AGREsp 490419/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 10.06.2003, DJ 30.06.2003, p. 248. 90 STJ, REsp 443305/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 02.07.2008, DJ 10.03.2008.
76
das reservas destinadas a áreas verdes; Lei 8.736/96, do município de Campinas, SP,
que institui a “permissão a título precário de uso das áreas públicas de lazer e das vias
de circulação, para constituição de loteamentos fechados”; Lei 5.441/99, do município
de São José dos Campos, SP, que autoriza o fechamento dos loteamentos, vilas e ruas
sem saída, observados determinados critérios; Dec. 14.618/96, da cidade do Rio de
Janeiro, RJ, que permite a instalação de guaritas e traves basculantes em logradouros
públicos de uso estritamente residencial, sempre a título precário e mediante
requerimento de pelo menos ¾ dos moradores; LC 246/2005 de Caxias do Sul – RS,
cujo Capítulo VII regulamenta o “loteamento fechado”, especificamente para
determinadas localidades, com outorga de permissão de uso dos espaços públicos à
associação dos proprietários; e Lei 2.561/2008, do Município de Niterói, RJ, que
permite, “a título precário, a instalação de portões e grades em ruas sem saída, desde
que mediante proposição de mais da metade dos respectivos moradores do logradouro
público”, concedida essa permissão à associação de moradores do local.91
Também, na esfera acadêmica surgem estudos reconhecendo os loteamentos
fechados:
“Loteamento fechado”, hoje é reconhecido – até mesmo sob olhar
urbanista crítico de pesquisadora da FAU/USP – como um “padrão
que veio para ficar”, em face do “esgotamento do modelo de
desenvolvimento que se inicia na década de 70” e da circunstância de
que “veste como luva tanto para os empreendedores como para
consumidores e, principalmente, para o Estado”: no Estado de São
Paulo, dos 88 (oitenta e oito) projetos aprovados pelo Graprohab92 até
25.05.98, 10 (dez) podem ser enquadrados na categoria de
“loteamento residencial fechado”, como observou Elisabeth Carvalho
de Oliveira Salgado93 em sua tese de mestrado.94
Com semelhante entendimento:
91 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 113, jul.-dez. 2009. 92 Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais, criado pelo Decreto Estadual 33.499/91,
substituído pelo Decreto 52.053/2007. 93 SALGADO, Elisabeth Carvalho de Oliveira. O loteamento residencial fechado no quadro das
transformações da metrópole de São Paulo. Dissertação (Mestrado). 2000. Programa de Pós-
Graduação em Estruturas Ambientais Urbanas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo. São Paulo. 94 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 22.
77
“Loteamento fechado”, atualmente, também sob o prisma acadêmico
jurídico de pesquisador da PUC-SP, é considerado legítimo, não só
pelo lastro legal municipal, mas também pelo fundamento
hermenêutico no exame da colisão de princípios jurídico-
constitucionais (e, daí, de direitos fundamentais), que afirma a
primazia (de avaliação concreta, balizada pela razoabilidade) do
princípio da segurança pública (art. 5.º, caput, e art. 144, ambos da
CR/88) ao da liberdade de locomoção (art. 5.º, LXVIII, da CR/88).
[...] Em síntese: constatando-se que, no caso concreto, é o princípio da
segurança pública que prevalece em colisão com o princípio da
liberdade de locomoção, existindo Lei Municipal que defere a
concessão de uso dos bens públicos do loteamento aos seus
moradores, estão presentes a condição (o resultado da colisão de
princípios em favor dos moradores) e os requisitos (Lei Municipal que
defere o uso exclusivo e a concessão como instrumento hábil para a
sua realização) para que o loteamento passe a ser considerado
fechado.95
Assim, verificamos que tanto na doutrina como na jurisprudência são aceitos
os loteamentos fechados.
Cumpre salientar que o loteamento fechado sem autorização legal é proibido.
O que se afirma é que apenas os loteamentos fechados com autorização da
administração municipal, mediante a concessão de uso de áreas de domínio público são
permitidos. Nas lições de Melhim Namem Chalhub,
o primeiro caso – “fechamento” do loteamento feito por deliberação
unilateral dos moradores ou do empreendedor – configura
apossamento privado de áreas de domínio público. É, portanto, ilegal.
O segundo caso – “fechamento” decorrente de autorização da
administração municipal para uso privado de áreas públicas do
loteamento – é admissível quando a concessão de uso é fundamentada
em lei municipal.96
Como mencionado anteriormente, algumas vezes o loteamento fechado se dá
atrás de uma associação de moradores. Quanto à necessidade de pagamento de taxa de
conservação o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entende:
Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal, por sua E. Seção de
Direito Privado, se encontra basicamente pacificada, no proclamar que
“se o loteamento, do tipo condomínio fechado, é administrado por
uma associação, o proprietário condômino, ainda que não associado, é
95 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Loteamentos urbanos. Natureza jurídica. Loteamentos fechados,
bolsões e vilas com acesso restrito aos moradores. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 122. 96 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 103, jul.-dez. 2009.
78
obrigado a contribuir com sua quota-parte nos gastos razoáveis de
obras e serviços postos à sua disposição, sob pena de enriquecimento
ilícito”, independentemente de se tratar de proprietário ou inquilino,
na medida em que o pacto locatício assim o estatuto [...].97
Dessa forma, há obrigatoriedade do pagamento da taxa de manutenção
cobrada pelas associações de moradores, pois este posicionamento é amplamente aceito
pelos tribunais superiores, conforme demonstramos. O principal argumento para a
obrigatoriedade deste pagamento é a vedação do enriquecimento sem causa do morador
beneficiado pela manutenção do condomínio que não arcar com os custos de tal
beneficio.
Por fim, cabe diferenciar a figura do loteamento fechado com a modalidade
de condomínio de lotes. O loteamento fechado é aceito como modalidade de
parcelamento do solo urbano em que o uso das áreas comuns deve ser apenas
controlado e jamais obstado, sob pena de ilegal privatização de área pública.
Por sua vez, o condomínio de lotes é figura híbrida. Não pode ser
considerado forma de parcelamento do solo prevista na Lei 6.766/79. Entretanto, possui
caráter público e merece que para sua construção sejam respeitadas as regras
urbanísticas da lei de parcelamento do solo. Simultaneamente, após a instituição dos
condomínios de lotes, a área comum é privada, mas sem poder ser considerado um
condomínio especial de casas, pois não há vinculação entre o terreno e a construção,
como ocorre nesta espécie de condomínio.
Assim, os condomínios de lotes não podem ser confundidos com os
loteamentos fechados. Nos condomínios de lotes as áreas comuns são privadas;
enquanto nos loteamentos fechados as áreas comuns são públicas com fechamento
autorizado.
É fundamental apontarmos as seguintes terminologias antes de prosseguir com
nosso estudo:
– Parcelamento regular é parcelamento aprovado, registrado e
devidamente executado (ou implementado), em conformidade com a
Lei e com as licenças expedidas.
97 TJSP, Apelação Cível 112.894-4 – Atibaia, rel. Des. Quaglia Barbosa, j. 13.02.2001.
79
– Parcelamento clandestino é parcelamento não aprovado, oculto à
Administração Pública.
– Parcelamento irregular é parcelamento aprovado, mas não
registrado ou, ainda que registrado, com falha na implantação.
– Parcelamento regularizado é o parcelamento informal (clandestino
ou irregular) que foi formalizado, pela regularização urbanística,
administrativa, registraria e civil.98
Nelson Saule Júnior dispõe que:
a irregularidade do loteamento ocorre quando o loteador obtém a
aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do
Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de
Imóveis, porém, não executa as obras de infraestrutura necessárias
que constam do projeto de loteamento aprovado. Outra situação que
caracteriza loteamento irregular ocorre quando o loteador apresentou
o projeto de loteamento para a aprovação do órgão público municipal
competente, sem atender às outras etapas necessárias para a sua
implantação, nos termos da Lei 6.766/79, como a execução das vias
de circulação do loteamento, ou a demarcação dos logradouros
públicos. O loteamento é irregular em razão das irregularidades físicas
ou urbanísticas, quais sejam, as que tocam à questão de ausência de
infraestrutura e de áreas públicas, e as irregularidades jurídicas,
concernentes aos obstáculos existentes para o registro do loteamento,
consistentes, principalmente, na incorreção do título de propriedade da
gleba.99
Acerca da diferença entre parcelamento irregular ou clandestino:
os loteamentos irregulares são parcelamentos do solo urbano que
obtiveram aprovação do Poder Público municipal, mas que não foram
executados conforme o ato administrativo da aprovação. Os
loteamentos clandestinos são aqueles que não obtiveram nenhuma
aprovação por parte do Poder Público municipal e surgem diante da
inércia da Administração Pública em fiscalizá-los.100
2.4 Condomínio de lotes
Conforme mencionado anteriormente os condomínios de lotes são conjuntos
imobiliários murados ou cercados, com controle de acesso das pessoas estranhas ao
98 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 14. 99 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto
Alegre: Fabris, 2004. p. 353. 100 Idem, p. 351.
80
condomínio. A conservação, limpeza e a fiscalização são custeadas pelos próprios
moradores; a administração é feita pelo condomínio. A marca distintiva dos
condomínios de lotes é a existência de unidades autônomas compostas por lotes,
possuindo total desvinculação entre o terreno e a efetiva construção.
Desde já queremos pontuar a sua natureza jurídica híbrida. Em um primeiro
momento, para a implantação dos condomínios de lotes é fundamental o cumprimento
de princípios urbanísticos, tais como o princípio da função social da propriedade, o
princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, o princípio da justa distribuição
dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística, e o princípio da subsidiariedade,
sob pena de ilegal interferência no ordenamento do urbanismo local. Pelo aspecto de
interferência urbanística no ordenamento urbano local resta configurado o interesse
público na regulação desta modalidade habitacional.
Por outro lado, considerando que os condomínios de lotes são uma figura
habitacional privada, há interesse privado na sua constituição e as áreas comuns são de
titularidade exclusiva dos proprietários. Assim, também envolve interesses privados.
Deste modo, condomínio de lotes é figura híbrida sendo afeta ao interesse
público da comunidade urbana e interesse privado dos seus proprietários.
Em outras palavras, o condomínio de lotes de terreno urbano sem construção,
caracteriza-se pela divisão de uma gleba de terra em quinhões autônomos (lotes); os
lotes constituem unidades imobiliárias autônomas atribuídas à propriedade individual
dos respectivos adquirentes, existindo ainda partes da gleba que pertencem em comum a
todos os titulares dos lotes, e essas partes são as vias internas de circulação e outras
coisas que, por sua natureza, destinam-se ao uso comum. Essa espécie de condomínio é
objeto do art. 3.º do Dec.-lei 271/1967, combinado com o art. 8.º da Lei 4.591/64 e com
os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil; sua implantação é regulamentada pelos
municípios por força da competência que lhes atribui a Constituição em matéria
urbanística.101
Nas lições de Melhim Namem Chalhub:
101 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.
81
a instituição do condomínio de lotes prescinde da construção de casas
por parte do empreendedor. Tal como os apartamentos e as casas, os
lotes constituem “áreas privativas”, “unidades autônomas”
correspondentes a porções de terreno individualizadas, localizadas e
demarcadas, mas sem construção; nelas, os adquirentes erigirão, eles
próprios, as casas por sua conta, se e quando desejarem.102
Desse modo, ao contrário dos condomínios especiais de casa, nos
condomínios de lote não há vinculação do terreno com a construção.
Necessário se faz reforçar a relevância da atuação municipal: o Município
para cumprir suas missões constitucionais deve promover o planejamento como
instrumento de democratização da cidade, através de um processo permanente e
contínuo, descentralizado e participativo; o planejamento urbano recebeu um tratamento
especial da Constituição, pelo qual as normas urbanísticas estabelecidas pela União,
Estados e Municípios, destinadas a atender o objetivo da política urbana de garantir o
cumprimento da função social da propriedade, são vinculantes para o setor privado e
não meramente indicativas como dispõe o art. 174 da Constituição Federal brasileira.
As figuras estudadas anteriormente não podem ser confundidas com a
modalidade condomínio de lotes, que vem sendo muito utilizado na última década.
Isto porque, como já visto o parcelamento do solo urbano, disciplinado na Lei
6.766/79, possui caráter público e todas as vias de circulação, tanto no loteamento como
no desmembramento, devem integrar o patrimônio municipal.
No condomínio de lotes isto não ocorre. Esta é uma modalidade habitacional
privada, após a instituição do condomínio. Deve, certamente, respeitar os postulados do
Direito Urbanístico: princípio da função social da propriedade, princípio da coesão
dinâmica das normas urbanísticas, princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus
derivados da atuação urbanística, e o princípio da subsidiariedade e as normas
municipais de ordenamento do solo urbano. Entretanto, não há que se falar em áreas
públicas, pois toda a gleba é formada por um condomínio privado.
102 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;
JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:
modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1254.
82
Entretanto, os condomínios de lotes também não se enquadram, como visto,
nas modalidades apresentadas pela Lei de Condomínios, a Lei 9.541/64. Nas palavras
de Daniela Rosário:
O condomínio, diferente do que vai ocorrer no parcelamento do solo,
sempre vai pressupor propriedade comum a mais de uma pessoa.
Jamais existirá condomínio sem que haja propriedade comum. O
condomínio é a propriedade comum a mais de uma pessoa. Seja
condomínio comum, previsto no Código Civil, seja ele voluntário ou
acidental, voluntário ou involuntário, seja condomínio de paredes,
valas, tapumes, também previstos no Código Civil como condomínio
necessário, seja o próprio condomínio edilício ou condomínio especial
regulado no Código Civil e também regulado na Lei no 9.541/64. E
essa propriedade comum jamais existirá no parcelamento do solo por
ser incompatível com a sua natureza. No parcelamento do solo, ou a
propriedade é pública ou a propriedade é privada. Não existe uma
propriedade comum entre município e o particular, ou entre particular
comum entre os vários particulares adquirentes dos lotes. No
loteamento, ainda que ele seja fechado, a propriedade é pública ou a
propriedade é privada. Nos condomínios, a propriedade é sempre
privada. No condomínio não vai existir propriedade pública. Mesmo
em relação ao arruamento, mesmo em relação a sistema de
iluminação. Todo o patrimônio vai ser privado, e a responsabilidade,
portanto, é privada e não pública.103
Melhim Chalhub também aponta dessemelhança entre os condomínios de
lotes e as modalidades de parcelamento do solo urbano:
é verdade que, em aparência (e só em aparência), o condomínio de
lotes até tem conformação e função semelhantes às de um loteamento,
mas o certo é que essas figuras têm natureza jurídica distinta, cada
qual com regime jurídico próprio. A “barreira” ou “guarita” não
converte o loteamento em condomínio; é apenas um meio físico de
controle de acesso ao interior do loteamento, não um modo de
atribuição de direito real de propriedade. Uma “acomodação” de
interesses de grupos, que, não raras vezes, interfere negativamente na
dinâmica natural das cidades, com graves prejuízos para os cidadãos.
Já no condomínio de lotes a apropriação privada das vias de
circulação e demais áreas de uso comum é inerente à natureza desta
espécie de propriedade e constitui direito subjetivo que confere aos
condôminos poder jurídico de excluir os não condôminos e de
controlar o acesso à sua propriedade.104
Este mesmo autor afirma que:
103 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.
Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 70, 2012. 104 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.
83
a atribuição da propriedade dos lotes e das partes comuns se faz tal
qual nos condomínios de apartamentos ou casas: de uma parte, os
lotes (quinhões em que foi dividida a gleba, localizados e
demarcados) constituem objeto de propriedade individual dos
adquirentes e, de outra parte, as vias de circulação e demais partes
comuns são atribuídas à copropriedade dos titulares dos lotes; estes
podem usar, alienar ou gravar seus lotes independentemente de
anuência dos demais condôminos, bem como usar as partes comuns
do condomínio, responsabilizando-se, em contrapartida, pelo
pagamento das despesas de custeio de limpeza, manutenção,
vigilância e demais serviços do condomínio.105
Assim, nas palavras de João Pedro Lamana Paiva, Dércio Antônio Erpen e
Mário Pazutti Mezzari:
a unidade autônoma será o lote e não a edificação sobre esse. Admite-
se a cada proprietário de unidade autônoma a livre utilização e
edificação no lote, respeitadas as normas de ordem pública e as
prévias estipulações constantes na Convenção de Condomínio. Como
acessões que são, as edificações aderirão ao lote, sem, no entanto,
alterarem a condição jurídica estipulada de que é o lote a unidade
autônoma.106
Desse modo, sendo os condomínios de lotes uma modalidade habitacional sui
generis e de caráter híbrido (público e privado) que não possui legislação federal
própria e nem entendimento jurisprudencial consolidado que o admita, há relevância no
estudo em questão para debatermos os princípios já mencionados e instrumentos
urbanísticos à luz destes empreendimentos.
Ainda, a questão se torna mais controvertida se considerarmos que muitos
municípios, como será demonstrado, possuem legislações locais que admitem e regram
esta modalidade habitacional que é apontada por parte da doutrina e jurisprudência
como irregular.
Os condomínios de lotes são modalidades habitacionais privadas que estão
em desacordo com os ditames de acesso democrático à cidade? São inconstitucionais as
legislações municipais que preveem esta modalidade habitacional? Se sim, como se dá a
regularização ou extinção dos condomínios de lotes existentes atualmente no país?
105 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 131, jul.-dez. 2009. 106 PAIVA, João Pedro Lamana; ERPEN, Dércio Antônio; MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio
horizontal de lotes. Revista Jurídica 310/69. Disponível em:
<http://registrodeimoveis1zona.com.br/?p=242>. Acesso em: 17 nov. 2016.
84
Serão analisadas estas questões, mas já se pode adiantar que embora não haja
consenso na doutrina e na jurisprudência, há uma tendência em se admitir a
regularidade dos condomínios de lotes. A legalidade destes empreendimentos deve ser
prevista desde que em conformidade com os princípios do Direito Urbanístico: (i)
princípio da função social da propriedade, (ii) princípio da coesão dinâmica das normas
urbanísticas, (iii) princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da
atuação urbanística, e o (iv) princípio da subsidiariedade. A sua regulamentação pode
determinar as restrições necessárias para que atenda a peculiaridade municipal e de uma
forma que ordene o modo de implementação deste instituto.
2.5 Requisitos para registro dos condomínios
Importa estudar quais os requisitos para instituição de um condomínio e
analisar as semelhanças e diferenças com o parcelamento do solo urbano, estudado
anteriormente. Tanto o condomínio edilício como o parcelamento do solo são formas de
expansão do aparato urbanístico das cidades.
Vimos que a Lei 6.766/79 impulsiona a expansão horizontal da cidade,
enquanto os condomínios edilícios, regulados pelo atual Código Civil e pela Lei
4.591/1964, promovem a verticalização e adensamento da população urbana.
De acordo com o art. 1.332 do Código Civil,
Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar
daquele ato, além do disposto em lei especial: I – a discriminação e
individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas
uma das outras e das partes comuns; II – a determinação da fração
ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes
comuns; III – o fim a que as unidades se destinam.
Em seguida, para registro da instituição é exigida a convenção do
condomínio e o seu regimento interno, conforme arts. 1.333 e 1.334 do Código Civil.
De tal sorte, para registro de um condomínio basta que haja manifestação
expressa de vontade e o respectivo registro. Cada município, no entanto, estabelece um
procedimento diverso para expedição de habite-se e também é exigido pelo cartório a
certidão negativa de débitos emitida pelo INSS em nome da construção do condomínio
e o atendimento às regras da ABNT:
85
Embora não esteja explicitado na lei, o ato antecedente lógico e
necessário é a prévia averbação da construção, mediante
requerimento, instruído com “habite-se” emitido pela municipalidade
(cada município tem um procedimento ligeiramente diferente) mais a
certidão negativa de débitos emitida pelo INSS em relação à obra,
conforme previsão contida no art. 167, II, 4, da Lei n. 6.015/1973. [...]
Por fim, deve o instituidor atender também às normas técnicas
elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),
conforme determina o art. 53 da Lei 4.591/1964. Tais normas estão
contidas na NBR 12.721.107
Acerca da convenção do condomínio e seu regimento interno Flauzilino Araújo
dos Santos:
enquanto na convenção são traçados os princípios gerais e os direitos
subjetivos dos condôminos, dentro do esquema de matérias que o
Código Civil topograficamente previu como de conteúdo obrigatório e
mais aqueles julgados importantes pela comunidade [...] o Regimento
Interno visa a esclarecer detalhes da Convenção, desenvolvendo
assuntos periféricos e peculiaridades relativas ao uso e ao
funcionamento do edifício [...].108
Em linhas gerais, para a instituição de um condomínio é necessário o registro
de uma manifestação expressa de vontade dos condôminos.
Por outro lado, para parcelar o solo urbano são estabelecidas fases mais
rígidas de aprovação, passando por um procedimento administrativo com uma série de
documentos técnicos.
Aqueles que não admitem a figura do condomínio de lotes no Brasil,
consideram tratar-se de uma espécie de parcelamento irregular. Assim, a ausência de
vinculação da construção ao terreno impede a sua configuração legal como condomínio
especial de casas de forma a gerar ilegalidade.
Como já adiantado, o condomínio especial de casas também é forma de
expansão urbana e a crítica que se faz neste passo é que a análise de sua legalidade
deveria se ater mais aos impactos do empreendimento privado na cidade que ao projeto
das futuras casas a serem construídas no seu interior.
107 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos
especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 99. 108 SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Condomínios e incorporações no registro de imóveis: teoria e
prática. São Paulo: Mirante, 2012. p. 142.
86
Quanto aos condomínios de lotes, por interferir diretamente no urbanismo
local, não devem ser instituídos apenas com o registro da manifestação de vontade dos
condôminos no Cartório de Registro de Imóveis. Faz-se necessária aprovação municipal
e apresentação do projeto e documentos específicos que considerem o seu impacto na
cidade para viabilizar o registro.
Isto porque os condomínios de lotes constituem uma figura habitacional
híbrida. Em um primeiro momento, para sua implementação há alteração na estrutura
urbanística primitiva e, por isso, exige aprovação local e não simples instituição de um
condomínio. Posteriormente, após a aprovação pelo poder público, os condomínios de
lotes se tornam modalidade habitacional de cunho privado, não havendo áreas públicas
em seu interior, como ocorre com as modalidades de parcelamento do solo urbano. Por
essas razões constituem figura habitacional híbrida, não contemplada pela lei de
condomínios e edificações ou no Código Civil, tampouco pela lei de parcelamento do
solo urbano.
Essa figura não pode ser utilizada como forma de burlar o parcelamento do
solo urbano que possui procedimento complexo. Corroborando este entendimento:
Uma advertência, entretanto, é necessária. É que, não obstante a
existência de legislação própria para o fracionamento de gleba urbana
sob as formas de loteamento e condomínio especial, por unidades
autônomas, e apesar da notória distinção entre essas figuras e a do
condomínio geral, esta última regulada pelos arts. 1.314 a 1.326 do
CC, é, vez por outra, empregada fraudulentamente para encobrir
parcelamentos irregulares ou clandestinos. A prática viola o princípio
da boa-fé objetiva e expõe os adquirentes a insegurança jurídica, por
caracterizar oferta enganosa, em desconformidade com os “princípios
fundamentais do sistema jurídico a que pertence” (CDC, art. 30 e ss. E
art. 51); configura, efetivamente, oferta e venda de produto à margem
da legislação especial que regulamenta a atividade e, portanto, deve
ser coibida, pois, como se sabe, a autonomia material e jurídica dos
quinhões em regime de copropriedade só é legalmente admitida
mediante instituição de condomínio por unidades autônomas, nos
termos do art. 3.º do Dec.-lei 271/1967, art. 8.º da Lei 4.591/1964 e
art. 1.331 e ss. do CC.109
A não observância das legislações específicas por alguns empreendedores, que
muitas vezes se utilizam do condomínio tradicional para a alienação de frações ideais do
109 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 122, jul.-dez. 2009.
87
solo, implica modalidade de parcelamento irregular e tem como consequência jurídica a
inviabilidade do Registro destes empreendimentos nos Cartórios de Registro de Imóvel:
Observe-se que, nos casos citados, o empreendedor e os adquirentes
buscaram o registro de escrituras de compra e venda de lotes sem que
“os títulos de transmissão de parte ideal de imóveis estivessem
acompanhados de certidão da Prefeitura Municipal que atestasse
quanto à regularidade da utilização do solo”. Apresentada certidão da
Prefeitura incompatível com a conformação da área objeto do negócio
jurídico, não há como efetivar o registro. De fato, o empreendedor que
vende frações de um “condomínio geral”, em vez de lotes
identificados num loteamento ou num condomínio especial por
unidades autônomas, sem registro do respectivo Memorial no Registro
de Imóveis, submete o adquirente a situação de extrema desvantagem,
pois o negócio jurídico assim convencionado não assegura ao
adquirente direito de propriedade exclusivo e de fruição privativa
sobre determinado lote, nem lhe permite a venda do lote sem anuência
dos demais condôminos; é que, diferentemente do condomínio
especial, por unidades autônomas, no condomínio geral o direito dos
condôminos é restrito, não lhes sendo permitida a apropriação ou
fruição exclusiva de uma porção de terra determinada, pois o
exercício do seu direito de propriedade só é admitido em regime de
comunhão; além disso, no condomínio geral, se o condômino
pretender vender seu quinhão, será obrigado a dar preferência aos
demais comunheiros. É verdade que a lei admite divisão da gleba,
como referido no Parecer da CG de São Paulo, seja amigável ou
judicial, mas esse ato, além de constituir, na prática, fonte de conflito,
é relativamente complexo e inadequado para fins de fracionamento
destinado à comercialização de lotes e construção de casas na zona
urbana, sobretudo em relação a glebas de grande extensão.110
Qual seria, então, o regime jurídico adequado aos condomínios de lotes? Qual
seja aquele que permite a cada um de seus adquirentes a exclusiva titularidade de seu
demarcado lote no terreno, propiciando-o de autonomia para alienar ou onerar sua
unidade autônoma (lote), sem que seja necessária a anuência dos demais condôminos.
Ressalte-se que na realidade fática há inúmeros destes empreendimentos em
nosso país e a maioria dos municípios não possui legislação específica, muitos
condomínios de lotes são implementados com a mera instituição do condomínio com
um projeto de casa padrão no Cartório de Registro de Imóveis, sem o rigor exigido para
parcelamento do solo.
110 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 126, jul.-dez. 2009.
88
Vale dizer que a observância do ordenamento jurídico do Código Civil sobre
condomínio edilício, embora imprescindível para sua constituição do condomínio de
casas, também não garante por si só que a sua implementação atenda ao crescimento
ordenado das cidades segundo os princípios do direito urbanístico. Neste ponto,
afirmamos que tanto os condomínios de lotes, figura não regulamentada, como os
condomínios de casas, admitidos nos moldes da Lei 4.591/64, importam expansão
horizontal e geram impacto no seu entorno e na cidade em que criados.
Como os condomínios de lotes são figura híbrida, a melhor solução seria a
edição de uma norma federal acerca do tema. Assim, os municípios ao estabelecerem
suas normas locais de ordenamento do solo teriam que respeitar o piso mínimo de
proteção estabelecido pelo ente federal.
Contudo, apesar da ausência desta norma federal, prevalece nos tribunais a
regularidade dos condomínios de lotes e a constitucionalidade das legislações
municipais que preveem a sua instituição.
Dessa forma, atualmente, na medida em que os procedimentos para
assentamento no Registro de Imóveis já se encontram definidos na própria Lei 4.591/64,
para efeito de incorporação de edificações, trata-se apenas de adequar a relação de
documentos constantes no art. 32 dessa Lei às características de um empreendimento de
lotes. Assim, por exemplo, no Memorial de Incorporação de um condomínio de lotes
haverá um projeto de urbanização e de divisão da gleba em lotes, em vez de um projeto
de construção de edifício; os demais documentos são aqueles relacionados no art. 32 da
Lei 4.591/64, entre eles o título de propriedade da gleba, as certidões fiscais,
previdenciárias, forenses, o orçamento da obra, a discriminação das frações ideais, a
descrição e caracterização das unidades (lotes), a minuta da convenção de condomínio
etc., com adaptações que se fizerem necessárias no caso concreto.111
111 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 137, jul.-dez. 2009.
89
3 CONDOMÍNIOS DE LOTES E SEUS IMPACTOS NA CIDADE
3.1 Análise do surgimento dos modelos habitacionais fechados
A demanda social que gerou o surgimento de modelos habitacionais fechados
não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Em países da América Latina podemos
citar a Argentina e o México. Igualmente, nos Estados Unidos, a partir do século XX,
também há manifestações deste movimento que emergiu na criação de loteamentos
fechados.
No Brasil, acerca do surgimento da opção pela moradia em condomínios é
acertado dizer que a população passou a optar por esta modalidade habitacional com a
finalidade precípua de obter segurança, e assim melhor aproveitar o espaço comum
gerado, dividir as despesas relativas à manutenção das áreas comuns e busca por melhor
qualidade de vida e serviços.
Verifica-se que os serviços de segurança, limpeza e lazer que são
proporcionados pelos condomínios privados aos seus moradores são custeados pelas
taxas condominiais, desonerando o poder público de prestá-los nas áreas que ficam no
interior do condomínio. Como modalidade habitacional exclusivamente privada, esses
residenciais estão cada vez mais presentes na sociedade moderna, seja em razão da fuga
da violência urbana, seja na busca por áreas de laser.
No que diz respeito a essa busca por empreendimentos fechados Flauzilino
Araújo dos Santos ensina que há quem procure um residencial mais afastado do centro
da cidade para desenvolver um novo estilo de vida, menos urbano e mais próximo à
natureza, onde possa desintoxicar-se da poluição, do ruído, do estresse e da intolerância
presentes nas grandes cidades; outros consideram importante a possibilidade de seus
filhos terem o mesmo estilo de vida praticado anos atrás por aqueles que moravam em
90
bairros, onde era possível jogar bola na rua com amigos e andar de bicicleta sem o
temor de ser assaltado ou vítima de sequestro.112
Aqui, nesta técnica econômica nova, como no plano e obtenção da
casa própria pelo maior número, não foi a concentração da
propriedade a solução mais indicada. Mas, precisamente, o oposto:
sua dispersão. Concentração somente existe nos conjuntos
residenciais levantados pelo poder público ou por entidades
autárquicas, que são contudo em número tão reduzido que não
chegam a contar como técnica de solução. A iniciativa individual
imaginou no edifício de apartamentos uma forma nova de domínio,
em que a propriedade do solo converte-se em uma quota-parte de um
espaço necessário a certa aglomeração; Desloca-se o conceito
dominial da exclusividade para a utilização comum, restando o poder
exclusivo reduzido a uma unidade no conjunto, e mesmo assim
onerada de pesadas restrições.113
Este fenômeno pela busca de melhores condições habitacionais em face da
ineficiência estatal, consequentemente, gera segregação física da população. Não se
pode dizer que é uma segregação social na medida em que diversos níveis sociais e
econômicos optam pela moradia em empreendimentos fechados. Tampouco se pode
afirmar que esta segregação vai contra o modelo democrático de cidade, pois é a própria
vontade da população urbana que consolidou e criou este modelo habitacional.
Acerca deste fenômeno:
é bem verdade que a concepção clássica de zoneamento aplicável nas
cidades brasileiras, por meio da legislação urbanística, possui o papel
de divisão espacial do território atribuindo a cada qual uma função
precípua e desta forma contribuindo para uma segmentação social. É o
que se extrai da simples configuração de zonas estritamente
residenciais e zonas de uso misto, a primeira destinada à classe mais
abastada economicamente, a segunda admitindo o uso diversificado
do solo e uma maior miscigenação cultural e social.114
Essa estrutura de zoneamento, ainda que impondo territórios com padrões
distintos, mantém a concepção de uma cidade única onde a circulação e a integração
112 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos
de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. 113 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
p. 47. 114 BLANCO, Gabriel Ismael Folgado. Loteamentos fechados. Condomínios fictícios. Dissertação
(Mestrado). 2011. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 88.
91
não sofrem uma rígida delimitação por muros e cancelas. Isto não ocorre nos
condomínios de lotes, objeto de nosso estudo. O fechamento para se obter a tão
almejada segurança inevitavelmente impede a circulação de pessoas por suas vias
internas e gera isolamento dos moradores. Por isso, a sua extensão e o local de
implementação devem necessariamente ser ordenados pelo município.
Pode-se verificar que o Brasil possui um modelo próprio de procedimento para
parcelamento do solo urbano. Este modelo defende que as áreas comuns sejam públicas
para que a haja acesso democrático a todas as áreas urbanas, seja para lazer, mobilidade
ou habitação.
No entanto, com o advento da Lei de Condomínios de 1964 surge uma
criação jurídica denominada condomínio em que a propriedade é composta por áreas
privativas, obrigatoriamente formada por uma área de terreno e uma construção, e áreas
comuns pertencentes a todos os condôminos simultaneamente. Esta modalidade
habitacional é privada e não prevê a existência de áreas de circulação com acesso livre
aos não condôminos.
Estas são criações brasileiras que não encontram equivalência em
experiências internacionais. No entanto, a opção pelos empreendimentos residenciais
fechados (mesmo sem a existência de figuras como loteamento, desmembramento,
condomínio e condomínios de lotes, nos moldes que possuímos no Brasil) são
encontradas pelo mundo.
Em relação à experiência Argentina, neste país eles são conhecidos como
barrios cerrados ou clubes de campos. Acerca desta modalidade habitacional:
Distintos autores han estudiado las diversas causas del surgimiento de
los barrios cerrados en todo el mundo. Entre las principales pueden
citarse las siguientes: el aumento de la inseguridad y la violencia
urbana y la incapacidad del Estado para asegurar ciertos servicios
considerados básicos, como es la seguridad ciudadana; la progresiva
desaparición en la ciudad del sentimiento de comunidad; el aumento
de la desigualdad social y el acrecentamiento de la brecha entre
pobres y ricos, sumado al deseo de lograr status y cierta
homogeneidad social por parte de algunos grupos sociales; el deseo de
mayor contacto con la naturaleza o de un “estilo de vida diferente” y
el impulso, por parte de los desarrolladores urbanos, de una nueva
“moda” urbana, influenciada por el “American way of life”.La razón
principal por la que han surgido los barrios cerrados es, según
diferentes investigadores, el aumento del crimen, el miedo a la
92
violencia y el sentimiento de vulnerabilidad respecto a este problema
social. En el caso de Argentina, es evidente que en los últimos años, el
“boom” de este tipo de emprendimientos urbanos ha estado totalmente
determinado por el aumento de la violencia y la inseguridad urbana.
La privatización de la seguridad es un nuevo elemento en las
ciudades, relacionada no sólo con la aparición de barrios cerrados,
sino con la contratación de seguridad privada en bancos, negocios,
shopping centers y áreas residenciales. La proliferación de agencias de
seguridad en los últimos años muestra que se trata de una actividad no
sólo altamente demandada, sino a su vez rentable. Asimismo, la
privatización de la seguridad aparece como una respuesta al fracaso
del Estado en la provisión de este servicio, cuestionando y desafiando
el monopolio del uso legítimo de la fuerza que el Estado poseía
anteriormente.115
Verifica-se que, assim como no Brasil, a demanda pela segurança gerou a
criação dos barrios cerrados. Igualmente, o modelo habitacional semelhante aos
condomínios de lotes advém de um modelo americano de habitação que, apesar de suas
críticas pode também cumprir com uma função socializadora entre os moradores do
condomínio, conforme esta análise:
Respecto a la pérdida del sentimiento de comunidad en las ciudades,
mencionado anteriormente como otra causa, éste se refiere a redes y
relaciones sociales desarrolladas en un área geográfica reducida, tal
como lo es un barrio. La pérdida de este sentimiento se verifica en el
hecho de que las relaciones de vecindad resultan más débiles en la
ciudad abierta y las necesidades sociales son satisfechas fuera del
grupo local. En este sentido, los desarrolladores urbanos han
identificado este problema y han realizado un esfuerzo por enfatizar la
posibilidad de lograr relaciones de vecindad más cercanas en los
barrios cerrados. Estos nuevos emprendimientos urbanos pretenden
ser asociados con lo que fue hace algunas décadas atrás el barrio y la
vida social y las actividades que en él podían desarrollarse.
Sin embargo, según algunos investigadores, el desarrollo de un mayor
sentimiento de comunidad no parece ser un valor prioritario para
decidir residir en un barrio privado. Una posición intermedia respecto
a este tema está dada por aquellos autores que reconocen que los
barrios cerrados tienen una importante función socializadora, aún
cuando no en todos los casos sus residentes estrechan vínculos
sociales y afectivos hacia el interior del barrio por el hecho de residir
en el mismo lugar, ni realizan actividades sociales comunes.116
115 ROITMAN, Sonia. Barrios cerrados y segregación social. Scripta Nova – Revista Electronica de
Geografía y Ciencias Sociales. Universidade de Barcelona, v. VII, n. 146(118), 2003. Disponível em:
<http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-146(118).htm>. Acesso em: 9 nov. 2016. 116 Idem, ibidem.
93
Desta forma, apesar da aparente segregação criada pelos barrios cerrados há
também pontos positivos que podem ser verificados nesta modalidade habitacional
privada, como o desenvolvimento de atividades sociais comuns.
A experiência mexicana não é exitosa. Entretanto, no país eles não possuem
um modelo de empreendimentos privados que devem ser implementados de acordo com
requisitos urbanísticos. Apenas há a figura que no Brasil é conhecida como loteamento
fechado, lá conhecida como fraccionamento cerrado.
Ressaltamos que o fechamento, em nosso país, apenas é admitido em
condomínios, jamais em loteamentos, que são figuras habitacionais com caráter público
e admitem restrições ao acesso, não sua obstrução.
Ao realizar uma análise detida do fraccionamento cerrado no país os
estudiosos não apontam nenhuma vantagem neste modelo de empreendimento. No
Brasil, inclusive, ela é ilegal. O modelo mexicano gerou segregação social, exclusão
populacional e isolamento urbano sem coerência com a malha urbana no país:
Aun cuando el principal argumento de su preferencia por parte de la
población, se encuentre en una búsqueda por alejarse de los problemas
sociales de inseguridad y delincuencia, bajo la perspectiva del
ciudadano común la justificación de esta separación de la trama
urbana por medio de barreras físicas que en apariencia protegen, ya no
parece tan apropiada cuando se conoce que algunas de ellas también
son inseguras. (…)En última instancia esta segregación espacial afecta
a todos por igual porque divide y desconecta sectores, colonias y
barrios; su existencia no solo impide y desorienta el libre flujo de esta
parte de la ciudad, sino que a largo plazo estrangula su futuro
desarrollo. No solo se trata de la segregación especial impuesta por
muros y puertas, además de ella, la circulación normal de la ciudad se
altera, se restringe y lo mismo sucede con el impedimento del uso de
la diversa estructura que se va creando; en consecuencia el uso y
acceso de las redes y facilidades urbanas presenta una discontinuidad
que dificulta el adecuado desarrollo.117
A influência dos gated communities norte americanos no modelo de
implementação dos condomínios de lotes em nosso país e nestas experiências latino
americanas é evidente.
117 TENA, José Jorge Arceo. Evaluación de los fraccionamentos cerrados como forma de producción
inmobiliaria. Tesis (Doctorado). Disponível em: <file:///C:/Users/Andre/Downloads/TESIS%20155-
120508.pdf>. Consultado em: 9 nov. 2016.
94
Nos Estados Unidos os empreendimentos residenciais fechados são mais
utilizados pela parcela mais abastada da população. Estes empreendimentos são
definidos por Zygmunt Bauman como instrumentos da arquitetura do medo, vez que
gera ostensiva segregação física e social:
A forma mais comum de baluarte defensivo é representada pelas
gated communities, com os indefectíveis guardas armados e câmeras
de controle (parece óbvio que os folhetos dos agentes imobiliários e
os hábitos dos moradores ressaltem antes a primeira palavra –
“murada” – e não a segunda, “comunidade”). Nos Estados Unidos, as
gated communities são mais de vinte mil, e sua população supera os
oito milhões de pessoas. O significado de gate complica-se a cada
ano; há, por exemplo, um condomínio californiano chamado Desert
Island, circundado por um fosso de dez hectares. Brian Murphy
construiu para Dennis Hopper, em Venice, uma casa com uma espécie
de bunker, cuja fachada de metal ondulado não tem janelas. O mesmo
arquiteto projetou outra casa de luxo em Venice entre os muros de
uma velha estrutura em ruínas, recobrindo-a de grafites semelhantes
aos dos arredores, de forma a camuflá-la. [...] A arquitetura do medo e
da intimidação espalha-se pelos espaços públicos das cidades,
transformando-a sem cessar – embora furtivamente – em áreas
extremamente vigiadas dia e noite.118
Mas será que a experiência brasileira em relação aos condomínios de lotes
constitui a arquitetura de um direito urbanismo do medo? Será que esta segregação
física e social dos condomínios de lotes é real? Porque grande parcela da população, em
todos os níveis econômicos e sociais opta pelo modelo habitacional dos condomínios de
lotes? Como deve o Direito se posicionar em relação aos condomínios de lotes
existentes no país? E em relação às legislações municipais que permitiram e permitem
estes empreendimentos? Passa-se agora a analisar estas questões.
3.2 Regularidade dos residenciais fechados
Nunca é demais lembrar a importância de uma legislação urbana que
direcione o desenvolvimento democrático das cidades e organize os territórios urbanos
de forma inteligente para que possa gerar o maior aproveitamento possível,
minimizando os possíveis inconvenientes que inevitavelmente são gerados com o
desenvolvimento.
118 BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 62-63.
95
Uma teia invisível e silenciosa se estende sobre o território da cidade:
a legislação urbana, coleção de leis, decretos e normas que regulam o
uso e ocupação da terra urbana. Mais do que definir formas de
apropriação do espaço permitidas ou proibidas, mais do que
efetivamente regular o desenvolvimento de cidade, a legislação
urbana atua como linha demarcatória, estabelecendo fronteiras de
poder. Na verdade, a legalidade urbana organiza e classifica territórios
urbanos, conferindo significados e legitimidade para o modo de vida e
micropolítica dos grupos mais envolvidos na formulação dos
instrumentos legais. Por outro lado, a legislação discrimina
agenciamentos espaciais e sociais distintos do padrão sancionado pela
lei. Assim, a legislação atua como um forte paradigma político-
cultural, mesmo quando fracassa na determinação, na configuração
final da cidade.
Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes da lei.
Aparentemente, esta funciona como uma espécie de molde da cidade
ideal ou desejável. Mas no caso de São Paulo, e da maioria das
cidades Latino-Americanas, a legislação urbana regula apenas uma
pequena parte do espaço construído, uma vez que a cidade não é
resultado da aplicação inerte do modelo contido na lei.A cidade real é
conseqüência da relação que a legalidade urbana estabelece com o
funcionamento concreto dos mercados imobiliários que atuam na
cidade. Entretanto, ao definir formas permitidas e proibidas de
produção do espaço, a legislação define territórios dentro e fora da lei.
Essa delimitação tem conseqüências políticas importantes, na medida
em que pertencer a um território fora da lei pode significar uma
posição de cidadania limitada. Não existir, do ponto de vista
burocrático ou oficial para a administrada cidade, é estar fora do
âmbito de suas responsabilidades para com os cidadãos119.
Como vimos, o Brasil não tem uma legislação federal específica regulando a
implementação ou a proibição dos condomínios de lotes. Entretanto, muitos municípios
regulamentam e admitem esta modalidade habitacional. Ademais, há divergência
doutrinária a respeito da regularidade dos condomínios de lotes.
Os que não admitem a figura do condomínio de lotes no Brasil, passam a
trata-los como espécie de parcelamento irregular. Verifica-se que é errônea esta
terminologia, vez que os condomínios de lotes são figuras habitacionais privadas e não
dotadas de áreas públicas, como os casos de parcelamento do solo urbano.
Desse modo, não é possível parcelar o solo em regime de condomínio e não é
possível instituir um condomínio utilizando a modalidade do parcelamento do solo
urbano.
119 ROLNIK, Raquel. Para Além da legislação urbanística e cidadania (São Paulo 1886-1936). In:
FERNANDES, Edésio (org.). Direito urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 169.
96
Já a regularidade deste instituto urbanístico é calcada no regramento do art.3º
do Decreto-Lei 271/67 e reafirmada a possibilidade de outras espécies de
empreendimentos fechados pelo enunciado número 89 da I Jornada de Direito Civil
promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal. A título de
exemplo apontam-se as lições de Wanderli Acillo Gaetti:
O art. 3.° do Dec.-lei 271/1967 equipara as obras de infraestrutura à
cons trução da edificação. Desta forma a realização destas obras,
básicas em qual quer tipo de empreendimento imobiliário, irá
substituir a necessidade da pré via construção da casa ou da torre do
edifício no terreno comum, bastando, para que se constitua o
condomínio, esteja a infraestrutura totalmente conclu ída, ficando
atendido o requisito legal contido na lei de condomínios. ll, Diverso
do que ocorre no condomínio tradicional, onde a edificação sobre o
terreno é sempre considerada a unidade autônoma. Neste tipo de
empreendimento a unidade autônoma é o próprio lote. Aqui, cada
condômino é proprietário de sua unidade autônoma, livre no uso,
utilização e edificação no lote, respeitadas todas as normas de ordem
pública e tudo o que for estipulado na Convenção de Condomínio.
Deste modo, enquanto no condomínio horizontal tradicional os
cálculos e registros são feitos com base na área construída, sujeitos a
alteração a cada modificação, no condomínio de lotes os cálculos e
registros são feitos com base na área do lote. Aqui, estes cálculos
permanecem sempre imutáveis, mesmo se houver alterações de porte
nas edificações. As edificações no condomínio de lotes, diversamente
do que ocorre no condomínio tradicional, se aderem como acessões
aos lotes, sem que isto descaracterize sua condição jurídica de unidade
autônoma. Não é necessário se alterarem os cálculos, quadros de
áreas, projetos, muito menos haverá a necessidade de se modificar
registros e averbações do condomínio nos livros do RI, cada vez que
se erigir construção nova.
Da mesma forma, para Melhim Chalhub:
[...] condomínio de lotes – é legalmente admitido pelo art. 3.º do Dec.-
lei 271/1967, combinado com o art. 8.º, a, da Lei 4.591/1964 e com os
arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil; sua regulamentação é atribuída
aos Municípios, por força da competência que a Constituição de 1988
lhes atribui (arts. 30, VIII e 182, § 1.º).120
O mencionado Decreto-Lei 271/67 equiparou o incorporador ao loteador, os
compradores de lotes aos condôminos, e as obras de infraestrutura à construção da
edificação, permitindo a existência dos condomínios de lotes:
120 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;
JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:
modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1254.
97
Art 3.º Aplica-se aos loteamentos a Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro
de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores
de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da
edificação.
§ 1.º O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará êste
decreto-lei, especialmente quanto à aplicação da Lei n.º 4.591, de 16
de dezembro de 1964, aos loteamentos, fazendo inclusive as
necessárias adaptações.
§ 2.º O loteamento poderá ser dividido em etapas discriminadas, a
critério do loteador, cada uma das quais constituirá um condomínio
que poderá ser dissolvido quando da aceitação do loteamento pela
Prefeitura.
Pode-se depreender deste dispositivo que equiparando o loteador ao
incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à
construção da edificação, uma vez prontas todas as obras de infraestrutura, equiparadas
à construção da edificação, não há motivo para vincular o lote ou terreno à efetiva
construção da casa.
Discute-se se artigo em questão já estaria revogado, em conformidade com o
§ 1.º, do art. 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A Lei 6.766/79
teria revogado também o art. 3º Decreto-Lei 271/67 que autorizava a existência de
condomínios de lote. Assim, a Lei 6.766/79, que dispõem sobre o parcelamento do solo
para fins urbanos, ao regular inteiramente a matéria, automaticamente teria revogado
este Decreto-Lei.
Contudo, esse entendimento não tem prevalecido, defendendo-se a ideia de
que se trata de norma especial que permanece em vigor a par das novas regras. Este
decreto ainda é utilizado e aceito como permissivo aos condomínios de lotes no
ordenamento pátrio.
Nessa linha de pensamento, há legislações municipais, editadas conforme
competência constitucional para edição de normas locais de uso e ocupação do solo
urbano que permitem esta modalidade habitacional. Além de outras regras permissivas,
conforme passe-se a expor.
O Enunciado 89 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de
Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal estabelece que “o disposto nos arts.
1.331 a 1.358 do novo CC aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais
como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. Nota-se
98
que viabiliza a criação de outras modalidades de empreendimentos fechados, assim
como os condomínios de lotes.
A respeito dos condomínios especiais poderem configurar várias modalidades
de residenciais fechados:
trata-se de espécie de direito de propriedade que pode ter por objeto
edifícios de apartamentos, conjuntos de casa ou de lotes sem
construção, neste último caso com fundamento no art. 3.º do Dec.-lei
271/1967, combinado com o art. 8.º, a, da Lei 4.591/1964 e com o art.
1.331 e ss. do CC. Os apartamentos, as casas e os lotes constituem
partes de propriedade exclusiva, dotadas de autonomia, mas são
interligadas por vínculo material e jurídico às partes comuns; não
obstante essa ligação, as unidades autônomas são suscetíveis de livre
alienação ou oneração pelo seu titular, independentemente de
anuência dos demais condôminos, diferentemente do condomínio
geral, em que o condômino não pode alienar seu quinhão sem dar
preferência aos demais coproprietários. As partes de propriedade
comum são o terreno, a estrutura e os corredores do edifício, as ruas
nos condomínios de casa ou lotes, a rede de distribuição de água e
etc.; essas coisas são indivisíveis e inalienáveis separadamente das
unidades imobiliárias autônomas e sobre elas o condômino é titular de
um quinhão, uma fração ideal.121
Indubitavelmente, a loteamentos é aplicada a Lei 6.766/79; aos condomínios
é aplicada a Lei 4.591/64. Acerca do tema Luís Paulo Germanos escreve:
Reitera-se, primeiramente, que condomínio em edificações e
parcelamento do solo não se confundem. São dois institutos jurídicos
distintos, com procedimento, regras e leis próprios. O primeiro
pertence ao ramo do Direito Privado; o segundo, como bem esclarece
Orlando Gomes, ”mais interessa ao direito público do que ao direito
privado”. Incidem em grave equívoco aqueles que insistem em
sobrepor essas duas figuras. É licito compará-las, porém transformá-
las num único instituto seria o mesmo que negar-lhes existência e
pressupor a concepção de uma nova forma de aproveitamento do solo.
Nada mais absurdo.122
Como se pode notar, o ordenamento jurídico vigente não oferece
disciplinamento seguro e eficiente para que os condomínios de lotes sejam
121 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;
JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:
modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 128. 122 GERMANOS, Luís Paulo. Condomínio especial por unidades autônomas de terrenos –
desnecessidade de vinculação imediata do terreno à construção das unidades habitacionais.
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para obtenção do título
de mestre em direito civil. São Paulo, 2005. p. 136.
99
implementados, nem do ponto de vista da legalidade e muito menos do atendimento dos
princípios urbanísticos, em especial o princípio da função social da propriedade.
Em suma, não é possível realizar parcelamento do solo, em regência de
condomínio, sem a rigidez da lei de parcelamento do solo.
Em relação à legislação que cuida da temática, não possuímos lei federal que
regule os condomínios de lotes, o que evidencia que devem os Municípios regular a
matéria. Sabemos que
parte da violência existente nas cidades pode ser extinguida se os
instrumentos de Direito Urbanístico foram utilizados com a finalidade
de garantir e oferecer condições para que a população possa realizar
seus direitos suas expectativas, consideradas as diferenças sociais,
políticas, econômicas, etc. A efetivação da saudável qualidade de vida
urbana deve ocorrer em uma dinâmica que garanta a harmonia da
cidade, dos diversos grupos que a integram e, por último, mas nem
por isso menos significativo, a realização individual.123
Por isso, a relevância da regulação municipal acerca dos condomínios de
lotes. A atual situação fática brasileira revela a existência desta modalidade de
empreendimento. O ideal é que haja regulação municipal para que sejam cumpridas as
funções sociais da cidade e viabilize a harmonia das funções urbanas locais.
A ausência de regulação municipal e também de normas da Corregedoria
Geral de Justiça dos estados faz com que esses empreendimentos se tornem irregulares e
sejam indevidamente parcelados através da lei de condomínios que prevê vinculação
entre a edificação e o terreno, e que não contempla institutos de direito urbanístico.
Em 2014 foi editada a Medida Provisória 656/2014 que fez uma pequena
menção aos condomínios de lotes utilizando a nomenclatura “condomínios de lotes de
terreno urbano” em seu art. 11:
A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de
incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio de
lotes de terreno urbano, devidamente registrada, não poderá ser
objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais
credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual
crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao
123 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de
vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 153.
100
incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem
como da aplicação das disposições constantes da Lei n.º 8.078, de 11
de setembro de 1990. (grifo nosso)
A Lei 13.097/2015 converteu a MP 656/2014 em lei, no entanto, o art. 11 foi
alterado retirando a menção aos “condomínios de lotes de terrenos urbanos” e dispondo
o art. 55 da seguinte forma:
A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de
incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio
edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou
de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam
sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo
das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor,
decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das
disposições constantes da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Assim, podemos afirmar que o condomínio edilício disciplinado pela Lei
4.591/64 é figura diversa do “condomínio de lotes de terrenos urbanos”.
De acordo com o mencionado anteriormente, cabe a União dispor sobre a
legislação civil acerca do parcelamento do solo, enquanto os municípios são
competentes para legislar sobre Direito Urbanístico de modo atrelado às disposições
gerais previstas pela União.
Nas palavras de José Afonso da Silva:
Cabe advertir que o processo de loteamento se subordina a dois tipos
de normas jurídicas: as urbanísticas e as civis. As primeiras são da
competência municipal e visam a assegurar aos loteamentos os
equipamentos e as condições mínimas de habitabilidade e conforto,
bem como harmonizá-los com o plano diretor do Município, para o
correto desenvolvimento urbano; as normas civis são de competência
exclusiva da União (CF, art. 22, I), que dela se utilizou, editando o
Decreto-lei 58, de 10.12.1937, e seu Regulamento, constante do
Decreto 3.079, de 15.9.1938, e Decreto-lei 271, de 28.2.1967 –
legislação, essa, substituída pela Lei 6.766, de 19.12.1979 –, visando a
garantir a existência das áreas loteáveis e assegurar a regularidade das
alienações de lotes, para o quê estabeleceu os instrumentos formais
necessários ao loteamento e os registros convenientes à seriedade
dessas transações imobiliárias, sem afetar, e até reforçando, os
aspectos urbanísticos a cargo da legislação municipal – agora,
101
contudo, sujeita à observância das normas gerais estabelecidas pela
União, nos termos do art. 24, I, e § 1 da CF.124
Também, Hely Lopes Meirelles advertiu acerca das novas modalidades de
parcelamento do solo:
Loteamentos especiais estão surgindo, principalmente nos arredores
das grandes cidades, visando a descongestionar as metrópoles. Para
esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que
oriente sua formação, mas nada impede que os Municípios editem
normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são
os denominados 'loteamentos fechados ', 'loteamentos integrados ',
'loteamentos em condomínio', com ingresso só permitido aos
moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e
serviços urbanos próprios, para autossuficiência da comunidade.125
Igualmente, Luís Paulo Germanos adverte sobre a necessidade de edição de
norma que regule esta categoria de condomínios:
Sob o aspecto legislativo, verifica-se que não há, em qualquer
esfera de nosso ordenamento jurídico, lei específica que
contemple e discipline a figura do condomínio especial por
unidades autônomas de terrenos.
[...]
Apesar da inafastável incidência dos princípios norteadores do condomínio
edilício sobre a figura aqui sugerida, emprestados tanto da Lei 4.591/64, como da nova
codificação civil, entendemos que o condomínio especial por unidades autônomas de
terrenos reclama lei própria para ser recepcionado no ordenamento jurídico pátrio.
Sendo patente a necessidade de uma legislação especifica, resta saber
a quem compete, em nosso direito, a edição de normas sobre
condomínio.
Achando-se posicionado na esfera do Direito Civil e, portanto, no seio
do Direito Privado, é certo afirmar que o instituto em apreço ganhe
expressão legislativa através de lei federal. Isso porque, consoante a
Carta Política de 1988, compete privativamente à União legislar sobre
direito civil (art. 22, I).
Uma vez contemplado o condomínio especial por unidades autônomas
de terrenos em nosso ordenamento jurídico, seria salutar, para a
adequada implantação de empreendimentos dessa natureza, a
observância às regras de natureza urbanística.
[...]
124 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 328. 125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 561.
102
Nota-se que, no que concerne à matéria urbanística, o papel legislativo
da União atém-se à fixação de diretrizes e à edição de normas gerais,
aplicando-se tais linhas reguladoras a todo o país, 'incidindo de modo
mais intenso no âmbito municipal, que é onde ocorrem precipuamente
as atuações urbanísticas'.
Se imaginarmos a fixação desses preceitos norteadores da lei que venha a
regular o condomínio especial por unidades autônomas de terrenos, aos Municípios
seria permitido ajustar os contornos dessa forma de aproveitamento do solo de acordo
com os interesses e particularidades locais, procurando, assim, ordenar racionalmente a
ocupação de seus territórios e conferir à propriedade uso adequado e compatível com o
bem coletivo.126
É possível, dessa forma, deduzir que a regularidade da existência dos
condomínios de lotes está condicionada a edição de uma norma municipal regulando o
tema.
E assim foi feito por alguns municípios brasileiros, como se passa a analisar.
O Município de Niterói, localizado no estado do Rio de Janeiro, possui a Lei
1.968/2002, que institui o Plano Urbanístico da Região Oceânica, e em seu art. 56
admite os condomínios de lotes como modalidade de parcelamento do solo urbano, ao
lado dos loteamentos e desmembramentos.
No Município de Paço do Lumiar, no Maranhão, o Plano Diretor do
Município, em seu art. 49, § 1.º, estabelece que são formas de parcelamento do solo o
Desmembramento e seu respectivo Remembramento, o Loteamento e o Condomínio
Urbanístico.
O Município de Manhuaçu, em Minas Gerais também previu a
implementação de condomínio de lotes na Lei 2.623/2006 no art. 3º estabelecendo que:
a propriedade no condomínio urbanístico submete-se ao regime
jurídico estabelecido pelo art. 8º da Lei Federal no 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, e pelos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil, pelos
quais as áreas privativas, bem como as unidades imobiliárias que
126 GERMANOS, Luís Paulo. Condomínio especial por unidades autônomas de terrenos –
desnecessidade de vinculação imediata do terreno à construção das unidades habitacionais.
Dissertação (Mestrado). 2005. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.
p. 87.
103
sobre elas vierem a ser construídas, constituem objeto de propriedade
autônoma, exclusiva e individual de cada um dos respectivos
proprietários, promitentes compradores cessionários ou promitentes
cessionários, que poderão aliená-las ou gravá-las livremente,
independentemente de anuência dos demais condôminos, e as áreas
comuns constituem propriedade e uso comum a todos eles.
O município de Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul dedica a Lei
2.641/2004 a autorização dos condomínios horizontais de lotes no perímetro urbano.
Segundo o art. 2º:
As obras previstas no art. 8º da Lei no 4.591/64, por força do art. 3º do
Decreto-Lei no 271/67, são as obras de infraestrutura do
empreendimento ea unidade autônoma será o lote e não a edificação
sobre este. A propriedade do sistema viário e dos equipamentos
comunitários, não passará ao Município, ao contrário, permanece
como propriedade dos condôminos.
O município de Porto Alegre, também no Rio Grande do Sul, em sua Lei
Complementar 434/1999, que instituiu o Plano Diretor do município dispôs no art. 156,
§ 4º, “a instituição de condomínios por unidades autônomas, na forma do art. 8º, alínea
‘a’, da Lei Federal 4.591, de 16 de dezembro de 1964, poderá ser autorizada, a critério
do SMGP, ainda que não contenham os projetos relativos às edificações privativas,
respeitando as condições a serem estabelecidas em regulamentação desta Lei”. Ao
prever a desvinculação entre a edificação e o terreno, automaticamente, se autoriza a
instituição dos condomínios de lotes que possuem esta característica.
No Estado de São Paulo, o município de Fernandópolis publicou a Lei
4.346/2015 que dispõe sobre a implantação de loteamentos fechados e de condomínios
horizontais de lotes. O art. 2º, inciso V, apresenta a definição desta modalidade
habitacional,
condomínio horizontal de lotes: divisão de gleba ou lote em frações
ideais, correspondentes a unidades autônomas destinadas à edificação
para fins residenciais em edificação unifamiliares, com áreas de uso
comum dos condôminos, que não implique na abertura de logradouros
públicos, nem na modificação ou ampliação dos já existentes, com
abertura de vias internas de domínio privado.
104
No município de Araquari, em Santa Catarina, a Lei 2.851/2013 autoriza a
aprovação de projetos de condomínios horizontal de lotes residenciais em seu perímetro
urbano. Segundo o art. 2º desta lei,
as obras previstas no art. 8º da Lei no 4.591/64, por força do art. 3º do
Decreto-Lei no 271/67, são as obras de infraestrutura do
empreendimento e a unidade autônoma será o lote e não a edificação
sobre este. Parágrafo único – a propriedade do sistema viário e dos
equipamentos comunitários, não passará ao Município, ao contrário,
permanece como propriedade dos condôminos.
No município de Curitibanos, em Santa Catarina, possui a Lei 5.109/2013 que
disciplina a instituição de condomínio horizontal de terrenos. Segundo o art. 2º desta lei,
“considera-se condomínio horizontal de terrenos, o empreendimento que será projetado
nos moldes definidos no art. 1.331 e seguintes do Código Civil e art. 8º, da Lei
4.591/64, e no art. 3º, do Decreto-Lei 271/67, no qual cada terreno será considerado
como unidade autônoma, a ela atribuindo-se fração ideal do todo”.
Ainda no estado de Santa Catarina, no município de Otacílio Costa há a Lei
1.861/201º que disciplina a instituição de condomínio horizontal de terrenos. De acordo
com o art. 2º, “considera-se condomínio horizontal de terrenos, o empreendimento que
será projetado nos moldes definidos no art. 1.331 e seguintes do Código Civil e art. 8º
da Lei 4.591/64, e no art. 3º do Decreto-Lei 271/67, no qual cada terreno será
considerado como unidade autônoma, a ela atribuindo-se fração ideal do todo”.
O Município de Penha, em Santa Catarina, através da Lei Complementar
24/2010 dispõe sobre a ocupação do solo na forma de condomínio horizontal fechado
para fins residenciais e comerciais. O art. 24 desta lei desvincula a construção do
terreno, criando a possibilidade da instituição dos condomínios de lotes: “as edificações
a construir nas áreas do condomínio serão aprovadas pela Secretaria de Planejamento do
Município de Penha, posteriormente à aprovação do projeto do condomínio e após o
registro do condomínio no cartório competente, obedecendo aos parâmetros e índices
construtivos conforme a Lei Complementar 002/2007 e suas alterações”.
Resta comprovada a existência desta modalidade habitacional e quais os
requisitos estabelecidos pelos municípios brasileiros para sua implementação. Apesar
das críticas doutrinarias acerca do tema, certo é que disciplinar a matéria é prudente, vez
105
que a ausência de regulação gera a ilegalidade e a instituição desta modalidade de
empreendimento sem o respeito às normas de Direito Urbanístico.
Neste momento faz-se relevante mencionar que, atualmente, está em fase de
tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei número 3.057/2000, reproduzido no
projeto de Lei 20/2007, que objetiva implementar uma reforma no modelo brasileiro de
parcelamento do solo, o modernizando e adequando à nova realidade de nosso país.
Este projeto de lei cria a figura do condomínio urbanístico semelhante ao
condomínio de lotes estudado pelo presente trabalho.
Este projeto de lei define condomínio urbanístico como “a divisão de imóvel
em unidades autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideias
das áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio
privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio”.
Também, define-se a fração ideal como “índice da participação abstrata e
indivisa de cada condômino nas coisas comuns do condomínio urbanístico, expresso
sob forma decimal, ordinária ou percentual”.
Em relação a este projeto de lei:
Trata-se de forma especial de condomínio, na qual as porções em que
é dividida a gleba são demarcadas e denominadas unidades
autônomas identificadas numericamente, para efeito de sua
individualização, e constituem objeto de propriedade exclusiva dos
respectivos adquirentes. A cada unidade autônoma (lote) corresponde
uma fração ideal no terreno em que se assenta o empreendimento, que
poderá ser determinada em função da área do lote, sem vinculação à
futura edificação. Ressalvada a impropriedade da denominação
(condomínio urbanístico), essa proposição legislativa está formulada
em conformidade com a natureza jurídica da propriedade condominial
por unidades autônomas, com as necessárias adaptações às
peculiaridades inerentes ao fracionamento do solo urbano e sua venda
sem construção. De acordo com esse Projeto de Lei, a porção de
terreno em que é dividida a gleba é denominada unidade autônoma e é
destinada a uso privativo. A unidade autônoma corresponde ao lote de
terreno, estando a formulação do projeto de construção da casa e sua
execução na esfera da autonomia da vontade do respectivo titular. [...]
O sistema viário interno e demais espaços e equipamentos destinados
ao uso comum dos condôminos são atribuídos à copropriedade
privada destes, e não ao poder público. A cada lote corresponde uma
fração do todo, à qual corresponderá o direito exclusivo sobre
determinado espaço de terreno (unidade autônoma ou lote), com seu
respectivo potencial construtivo e, bem assim, um coeficiente de
participação abstrata do titular do lote nas áreas e coisas de uso
106
comum, como vias de acesso, áreas de recreação, instalações gerais
etc.127
Há requisitos formais em relação à disciplina registral para constituição dos
condomínios de lotes. Eles são elencados por João Pedro Lamana Paiva, Dércio
Antônio Erpen e Mário Pazutti Mezzari:
1. a existência de legislação municipal específica;
2. o enquadramento do empreendimento na Lei 4.591/1964;
3. a existência de instituição e convenção de condomínio, que
estabeleçam os requisitos e as limitações do direito de construir e de
usar as partes comuns;
4. a apresentação de memorial de que conste o projeto aprovado, o
memorial descritivo contendo a caracterização do empreendimento, na
sua totalidade, e das unidades autônomas, as especificações do
empreendimento, a discriminação das frações ideais do terreno e das
coisas comuns, a planilha contendo o cálculo das áreas, o orçamento
da execução das obras de urbanização e dos equipamentos comuns e a
anotação da responsabilidade técnica (ART) do responsável pela
execução da obra.128
Assim, estando em ordem a documentação constante desse dossiê, o Oficial
do Registro de Imóveis promoverá o registro da incorporação e da instituição de
condomínio; após a conclusão das obras, averbará sua execução conforme o projeto,
registrará a convenção de condomínio e abrirá matrícula para todos os lotes do
condomínio.129
A regulamentação interna é feita pela Convenção de Condomínio e toda a
manutenção das áreas comuns do condomínio é custeada com rateio das despesas entre
os condôminos por meio da taxa condominial.
Vale observar que, em outros empreendimentos residenciais, loteamentos que
são abertos e fechados há cobrança de taxas de conservação pelas associações de
moradores em face dos adquirentes dos lotes que optam por não serem associados, o
que faz com que surjam alguns problemas que acabam sendo levados ao judiciário.
127 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 142, jul.-dez. 2009. 128 PAIVA, João Pedro Lamana; ERPEN, Dércio Antônio; MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio
horizontal de lotes. Revista Jurídica 310/69. Disponível em: <http://registrodeimoveis1zona.
com.br/?p=242>. Acesso em: 17 nov. 2016. 129 Idem, ibidem.
107
Consequentemente, há soluções conflitantes nos processos que tratam a
temática, considerando que não há legislação sobre o tema e, tampouco, consenso na
doutrina.
Em algumas ações os magistrados optam pela exigência da cobrança de taxas
mesmo para aqueles moradores que optaram por não se associar. Essas decisões,
geralmente, se baseiam na máxima de proibição do enriquecimento sem causa.
Assim, não poderia um adquirente de lote se beneficiar das benfeitorias
realizadas pelas associações e, por não ser associado, não efetuar o pagamento pelas
mesmas. Neste cenário de injustiça haveria uma socialização das vantagens, de modo
que todos os adquirentes seriam beneficiados, enquanto apenas alguns arcariam com os
ônus dos pagamentos.
Desse modo, seria justo que ao se beneficiarem dos serviços de conservação e
de segurança os moradores não poderiam eximir-se do pagamento desta taxa, sob pena
de se auferirem enriquecimento sem causa.
Por outro lado, em oposição a este entendimento, a Constituição Federal em
seu art. 5.º, inciso XX, estabelece que a ninguém pode ser imposta a obrigação de
associar-se ou a de permanecer associado. Assim, como ninguém pode ser obrigado a
associar-se, não é possível cobrar taxa imposta pela associação de moradores aos que
não são a ela associados.
Nos condomínios urbanísticos não há o surgimento desta questão, pois a taxa
de condomínio é uma obrigação propter rem e, assim, pode ser exigida pelo simples
fato do exercício da propriedade.
Assim,
de efeito, não se me afigura razoável que alguém adquira um lote em
condomínio fechado, já implantado, que oferece diversas vantagens
aos proprietários, faça adesão contratual ao estatuto,
responsabilizando-se pelo pagamento da sua quota parte, para ao
depois excluir-se “em tese” do grupo, em favor de uma pseudo-
individualidade que sequer poderá exercer, na medida em que não tem
108
como se afastar da comunidade e irá, por conseguinte, continuar a
fruir de suas vantagens, ao menos em grande parte.130
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se extrai do
julgamento do Recurso Especial 490.419/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado.
Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas.
Obrigatoriedade de pagamento. – O proprietário de lote integrante de
loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente
instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de
serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com
o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois
não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços
prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação.
Precedentes. [...]
A questão posta a desate pelos agravantes consiste em aferir se são
obrigados ao pagamento das taxas condominiais cobradas pela
agravada em razão dos serviços prestados ao loteamento, ainda que
não sejam dela associados e não tenham se comprometido por
qualquer negócio jurídico ao pagamento dessas despesas.
Compulsando os autos, verifica-se que os dispositivos legais tidos por
violados não restaram apreciados pelo acórdão recorrido de modo a
evidenciar o prequestionamento, requisito específico de
admissibilidade do recurso especial. Incide, na espécie, o
entendimento consubstanciado no enunciado 211 da súmula deste
Tribunal, o que impede o conhecimento do recurso especial pela
alínea 'a' do permissivo constitucional. O recurso especial também não
prospera pela alínea 'c' do permissivo constitucional. O STJ já firmou
entendimento no sentido de que os proprietários de imóveis que
usufruem dos serviços prestados por sociedade ou associação ao
condomínio, ainda que atípico, devem contribuir no rateio das
despesas, sob pena de enriquecimento ilícito. [...]
Nesse ponto, alegam os agravantes que não estariam obrigados ao
pagamento das despesas realizadas pela agravada porque são
proprietários de lote situado em loteamento aberto. Não há, nos
precedentes acima alinhavados, menção expressa sobre o fato de
serem os loteamentos sobre os quais recaem as despesas condominiais
abertos ou fechados. Na verdade, não há de se fazer distinção. A
obrigatoriedade ao pagamento das despesas efetuadas por sociedade
ou associação em condomínio atípico não advém da caracterização do
loteamento como aberto ou fechado, mas sim da efetiva fruição dos
serviços prestados por seus moradores. Dessa forma, porquanto os
agravantes são beneficiários desses serviços, estão obrigados ao rateio
das despesas, ainda que moradores de loteamento aberto.131
130 STJ, REsp 443.305-SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.02.2008. 131 STJ, Recurso Especial 190.419-SP. DJU de 30.06.2003. Rel. Min. Nancy Andrighi.
109
Extrai-se que, inclusive moradores de loteamento abertos são obrigados a
arcar com as custas de manutenção. De certo, quando tratamos de loteamentos fechados
o vínculo entre os moradores é ainda maior, pois há um compromisso mútuo pré-
definido, integrado pelos lotes e residências.
Verifica-se que as decisões desta corte são contumazes ao estabelecer a
obrigatoriedade do pagamento da taxa condominial por todos os moradores, associados
ou não, com fundamento na vedação do enriquecimento sem causa:
CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS –
CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO NÃO REGISTRADA –
LOTEAMENTO – CONDOMÍNIO HORIZONTAL. I – O Registro
da Convenção de Condomínio tem por finalidade precípua imprimir-
lhe validade contra terceiros, não sendo requisito 'inter partes'. Por
isso não pode o condômino sob este fundamento recusar-se a cumprir
os seus termos ou a pagar as taxas para sua manutenção. II – Um
condomínio, ainda que atípico, caracteriza uma comunhão e não se
afigura justo, nem jurídico, em tal circunstância que um participante,
aproveitando-se do 'esforço' dessa comunhão e beneficiando-se dos
serviços e das benfeitorias realizadas e suportadas pelos outros
condôminos, dela não participe contributivamente. III – Recurso
conhecido e provido.132
Ação de cobrança. Associação de moradores. Precedente. 1. Como
assentado em precedente da Corte, o 'Registro da Convenção de
Condomínio tem por finalidade precípua imprimir-lhe validade contra
terceiros, não sendo requisito 'inter partes'. Por isso não pode o
condômino sob este fundamento recusar-se a cumprir seus termos ou
a pagar as taxas para sua manutenção'. 2. Não tem apoio no direito
autorizar que aquele que é beneficiado pela manutenção das áreas
comuns deixe de pagar as despesas respectivas, prevista a
incumbência da associação para esse fim. 3. Recurso especial não
conhecido.133
CONDOMÍNIO ATÍPICO. Associação de moradores. Despesas
comuns. Obrigatoriedade. – O proprietário de lote integrante de gleba
urbanizada, cujos moradores constituíram associação para prestação
de serviços comuns, deve contribuir com o valor que corresponde ao
rateio das despesas daí decorrentes, pois não é adequado continue
gozando dos benefícios sociais sem a devida contraprestação.
Precedentes. Recurso conhecido e provido.134
Em remate, resta incontroverso que o adquirente de imóveis, quando já
instalada à associação de moradores, firmou o compromisso de a integrar, não podendo,
132 STJ, Recurso Especial 139.952, DJ de 19.04.1999. Rel. Min. Waldemar Zveiter. 133 STJ, Recurso Especial 180.838, DJ de 13.12.1999. Rel. Min. Menezes Direito. 134 STJ, Recurso Especial 439.661, DJ de 18.11.2002. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
110
em absoluto, se eximir do pagamento das custas de manutenção. É o que reza a súmula
260 do STJ que prevê que “a convenção de condomínio aprovada, ainda que sem
registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos”.135
Quanto à regularidade do estabelecimento dos condomínios de lotes, é
necessário que sua criação esteja em consonância com a legislação municipal, as
normas da Corregedoria Geral de Justiça dos estados e em conformidade com os
ditames do Direito Urbanístico. Como nos casos das legislações municipais
mencionadas,
importa salientar, por fim, que essa eventual colisão refere-se a
“privatização” de áreas de domínio público situadas em loteamento, e
não à apropriação de áreas comuns de condomínio por unidades
autônomas, correspondentes a lotes de terreno; neste caso, não se
vislumbra a possibilidade de colisão, pois as vias de circulação e
demais áreas internas constituem propriedade e uso privados dos
condôminos e não de domínio público, sendo proprietários da
totalidade da gleba, pelo regime do condomínio especial (Lei
4.591/1964, art. 8º, alínea “a”, e Código Civil, arts. 1.331 e seguintes),
os condôminos estão investidos de poder jurídico que lhes assegura o
controle do acesso de estranhos.136
Posição igualmente favorável à instituição dos condomínios de lotes é a de
Marco Aurélio Viana:
não vemos obstáculo há utilização de terrenos não construídos para
erigir mais de uma edificação, seja ela multifamiliar ou unifamiliar
[...]. Devemos entender que o Código dispõe a respeito de uma forma
de utilizar a propriedade, de obter os serviços que ela oferece. Tal
utilização está submetida apenas à política urbana, segundo os limites
e fins perseguidos pela Lei Maior, art. 182. O que devemos examinar
no caso concreto é se essa maneira de criar núcleo de moradia fere o
desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus
habitantes, e atende às exigências fundamentais do ordenamento
urbano. Na verdade, nos dias que correm, introduzido o conceito de
135 STJ, 4.ª Turma, REsp n. 503768/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 01.09.2003:
CIVIL E PROCESSUAL. CONDOMÍNIO INSTITUÍDO SOBRE LOTEAMENTO. AUSÊNCIA DE
INSCRIÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS. EFEITO ERGA OMNES INEXISTENTE. VALIDADE,
ENTRETANTO, DA CONVENÇÃO ENTRE OS FIRMATÁRIOS. SÚMULA N. 260/STJ COBRANÇA
DE CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS. LEI 4.591/64, ART. 9.º. EXEGESE. I. A falta de registro da
convenção de condomínio obsta a sua oposição a terceiros, mas obriga, todavia, aqueles que dela
participaram, instituindo, voluntariamente, direitos e obrigações disciplinando as relações da
coletividade, inclusive no tocante à contribuição proporcional nas despesas comuns (Súmula n.
260/STJ). II. Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido e provido. 136 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 116, jul.-dez. 2009.
111
função social da propriedade, assegurado ao proprietário o exercício
do seu direito, mas em consonância com sua finalidade econômica e
social, não se pode inibir essa forma de utilização como de resto
nenhuma outra que não ofenda os princípios constitucionais
indicados.137
Igual posicionamento favorável é assumido por Daniela Rosário:
a falta de regulamentação específica realmente impede ou não que se
faça, que se execute o denominado condomínio de lotes? A meu ver,
que não é o posicionamento das decisões do Tribunal de Justiça de
São Paulo, não há vedação legal para que se estabeleça um
condomínio de lotes. Independentemente do Decreto-Lei n.º
271/1967, voltemos para o ponto inicial do nosso encontro de hoje. A
ocupação do solo compete ao município. O elemento imprescindível
será, portanto, que o município preveja essa forma de ocupação, que
ele traga a previsão de que é possível instituir um condomínio especial
cuja unidade autônoma é um lote destinado à edificação. Se o
município não trouxer essa previsão, não tem nem o que aprovar. Mas
se houver uma previsão normativa municipal adequada, que inclusive
possa usar por base o Decreto-Lei n.º 271/1967 – porque a falta dessa
regulamentação posterior não afasta os conceitos do Decreto-Lei n.º
271/1967 –, não haverá impedimento.138
Assim, nessa linha de raciocínio, com base em legislação municipal
autorizadora, normas de serviço da Corregedoria Geral de Justiça estadual e
cumprimento dos ditames do Direito Urbanístico podem ser dotados de regularidade os
condomínios de lotes consolidados no país. A regulamentação municipal permitirá
atenuar os impactos negativos desse tipo de urbanização e ao mesmo tempo desonerar o
município da prestação de serviços custeados pelos próprios condôminos.
3.3 Papel da Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça e da
atividade registral na fiscalização dos requisitos legais dos residenciais
fechados
Diante da celeuma criada pela discussão existente entre os favoráveis e
desfavoráveis à instituição e regulamentação dos condomínios de lotes a atividade dos
registradores de imóveis e das Corregedorias de Justiça estaduais resta prejudicada.
137 VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil – Dos direitos reais. Coordenador
Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 16. p. 374. 138 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.
Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 82, 2012.
112
A Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça estaduais possui
função normativa consistente em regulamentar as legislações visando disciplinar e
racionalizar a eficiência e qualidade dos serviços registrais e notariais. Essa função é
exercida através das chamadas Normas de Serviços.
Assim, as normas de serviços possuem como função primordial explicitar o
teor das leis, a fim de permitir a sua efetiva aplicação. A função correicional consiste na
fiscalização dos serviços notariais e de registro, sendo exercida, em todo Estado pelo
Corregedor Geral da Justiça, e, nos limites de suas atribuições pelos Juízes de Direito.139
O Tribunal de Justiça de São Paulo desenvolve essa atividade correcional e
através de instrumentos próprios como as correições ordinárias, extraordinárias e as
visitas correicionais.
Em relação aos condomínios de lote no Estado de São Paulo a posição da
Corregedoria Geral de Justiça passou por modificações a partir da edição do provimento
n.º 18/2012, sobre regularização fundiária. Atualmente, as Normas de Serviço da
Corregedoria Geral de Justiça permitem a realização de regularização fundiária dos
condomínios de lotes, com base no item 293 do Capítulo XX que determina:
293. Na hipótese de a irregularidade fundiária consistir na ocupação
individualizada de fato, cuja propriedade esteja idealmente fracionada,
as novas matrículas serão abertas a requerimento dos titulares das
frações ideais ou de seus legítimos sucessores, em conjunto ou
individualmente, aplicando-se, conforme o caso concreto, o disposto
no art. 1.º, da Lei n.º 4.591/64 ou no art. 2.º da Lei n.º 6.766/79.
293.1. O requerimento deverá especificar a modalidade de
regularização pretendida, se parcelamento do solo ou instituição e
especificação de condomínio, com as respectivas atribuições de
unidades autônomas ou lotes, obedecidas as condições abaixo.
293.2. O adquirente por meio de contrato ou documento particular de
fração ideal já registrada está legitimado a promover a especialização
dessa fração nos moldes desta subseção para fins de registro de seu
título aq muisitivo.
Nota-se que a Corregedoria Geral de Justiça reconheceu a vigência do
Decreto-Lei n.º 271/1967 e entendeu, para fins de regularização fundiária, como
superada a dicotomia existente entre loteamento e condomínio, determinando a
139 Art. 1.º, Seção I, Capítulo XIII, das Normas de Serviço de Cartórios Extrajudiciais – Tomo II.
113
existência dos condomínios de lotes como modalidade habitacional que admite
regularização.
Na medida em que não há legislação federal que trata com a devida
profundidade a existência e validade dos condomínios de lotes, há premente
necessidade de regulamentação deste tema, uma vez que regulamentar a situação fática
existente atende mais ao interesse público que ausência de norma, a qual gera situação
de ilegalidade.
É certo que o anseio da sociedade de viver em condomínios mais seguros não
resta absolutamente comprometido pela inexistência da modalidade dos condomínios de
lotes. Há qualidade de vida nos modelos vigentes que englobam a lei de parcelamento
do solo urbano ou a lei de condomínios edilícios.
A ilegalidade dos empreendimentos gera repercussões negativas na
urbanização. A título de exemplo, uma destas repercussões negativas poderia ser o
crescimento desordenado da urbe, sem preocupação com os requisitos urbanísticos
previstos na lei de parcelamento do solo. Com este entendimento:
Registro de Imóveis – Regularização de empreendimento imobiliário
como condomínio de casas – Inadmissibilidade – Ausência de
vinculação do terreno às construções – Vinculação de partes ideais de
cada unidade a áreas superficiais, com previsão tão-só de construção
de compartimento de madeira para barcos, sem definição precisa
quanto à edificação de residências, cuja construção depende, ainda, da
iniciativa dos titulares do domínio – Empreendimento que configura,
em verdade, parcelamento do solo urbano, na modalidade loteamento
(art. 2.º, § 1.º, da Lei n. 6.766/79) – Regularização somente possível
com observância do disposto nos arts. 38 e seguintes da Lei n.
6.766/79 e nos itens 152 a 155 das NSCGJ – Recurso não provido.
[...] A hipótese versa sobre requerimento administrativo por meio do
qual o Recorrente pretende a regularização de empreendimento por
ele projetado e implantado no imóvel objeto da matrícula n. 19.381 do
Registro de Imóveis da Comarca de Novo Horizonte, com amparo nos
itens 216 e 217 das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral da
Justiça, empreendimento esse denominado “Condomínio Deitado de
Lazer Praias da Mata”. Em que pesem os argumentos expendidos pelo
Recorrente, o recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não
comporta provimento, pois o empreendimento em questão, como
sustentado pelo Ministério Público e decidido pelo Meritíssimo Juiz
Corregedor Permanente, não configura o denominado condomínio de
casas, disciplinado pela Lei n. 4.591/1964, mas sim verdadeiro
parcelamento do solo, na modalidade de loteamento, implantado ao
arrepio da Lei n. 6.766/79. E, como tal, somente pode ser regularizado
com a observância das normas e procedimentos previstos nos itens
152 e seguintes das NSCGJ. A propósito, cabe lembrar inicialmente
114
que, nos termos do art. 8.º, letra “a”, da Lei n. 4.591/1964, o que
caracteriza o denominado condomínio deitado ou condomínio de
casas, e o distingue, fundamentalmente, para o que aqui interessa, do
loteamento, é a vinculação efetiva do terreno à construção,
constituindo-se as unidades autônomas de casas térreas ou
assobradadas. Daí se mostrar impossível admitir a figura do
condomínio de lotes.140
Por essa razão, faz-se necessária a edição de uma norma federal que
estabeleça um piso mínimo de proteção urbanística quando da implementação dos
condomínios de lotes, sob pena de sua utilização configurar burla à lei que rege o
parcelamento do solo urbano no Brasil.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, chegou a regulamentar a
matéria dos condomínios de lotes em suas Normas de Serviços de Cartórios
Extrajudiciais, mas optou por suprimir o item 222.2, do capítulo XX.
Entretanto, nas Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São
Paulo permanece ainda o regramento que admite os condomínios de lotes no âmbito da
regularização fundiária, no item 293 do Capítulo XX.
Essas regras tem caráter obrigatório para os Oficiais de Registro de Imóveis
que são verdadeiros fiscais do Poder Público na execução do controle urbanístico.
Assim é que ao qualificar um título registrário que represente ato de burla à lei do
parcelamento do solo ou da legislação de incorporação imobiliária o Oficial irá
qualificar negativamente o título, impedindo o acesso ao fólio real.
Desse modo, as normas da Corregedoria Geral de Justiça cumprem com a
finalidade de regular as questões registrárias, e nesse sentido, revelam-se como uma
importante ferramenta de controle de legalidade da expansão urbana.
3.4 A disciplina jurídica dos condomínios de lotes à luz do Direito Urbanístico
Sabe-se que os direitos do homem, tanto os Direitos Humanos quanto os
Direitos Fundamentais, são direitos históricos e surgem em determinadas circunstâncias
sociais. A sustentabilidade urbana integra o rol dos Direitos Humanos e dos Direitos
140 CGJSP. Processo: 2.051/2007. Comarca de Novo Horizonte. Data do julgamento: 16.10.2007.
Relator: Gilberto Passos de Freitas.
115
Fundamentais. Assim, é integrante do rol dos Direitos Humanos, pois reconhecida em
tratados internacionais; e também constitui um direito fundamental, pois a Constituição
Federal de 1988 determinou, no art. 182, que o município deve objetivar e ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
Assim, a realidade fática possui mais urgência e a disciplina jurídica tenta, de
prontidão, acompanhar a evolução da sociedade.
Contudo, o Direito ainda não ofereceu nenhuma resposta legislativa aos
condomínios de lotes, apesar da prática ser uma realidade em nosso país. Como visto, o
fundamento jurídico em que parte da doutrina o defende seria art. 3.º do Dec.-lei
271/1967 que equiparou o incorporador ao loteador, os compradores de lotes aos
condôminos, e as obras de infraestrutura à construção da edificação.
Os seguintes problemas surgem com a implementação dos condomínios de
lote: o fechamento destes residenciais gera a segregação social? Há impacto na
circulação de pessoas e veículos? Há prejuízo para o espaço público urbano e burla a
Lei 6.766 de 1979? Os condomínios de lotes cumprem a função social da propriedade
urbana?
Em relação à eventual segregação, essa á a maior crítica daqueles que não
concordam com o fechamento dos loteamentos. Ele cria uma segregação social. Então,
acaba se criando um grupo de pessoas de um padrão talvez mais elevado que mora
nesses núcleos e outro grupo de pessoas que não conseguem chegar a esse padrão e que,
portanto, não teriam acesso a esses mesmos benefícios. Hoje em dia, embora ainda seja
uma afirmação bastante forte na doutrina, já perdeu força, principalmente porque
existem inúmeros loteamentos fechados populares. Não é mais uma figura tão rara.
Dizer, “Nossa! Só a classe média, média alta que vive em loteamento fechado” já não é
uma realidade social. Hoje é muito comum que loteamentos com lotes de 125, 150, 200
metros quadrados e com volume enorme de unidades tenham o fechamento autorizado.
116
Não é algo mais tão incomum quanto era no passado. Então, por mais que apareça ainda
na doutrina, essa segregação social também já perde força.141
Sobre as classes sociais a que se destinam os empreendimentos residenciais
fechados, Flauzilino Araújo dos Santos aponta:
Paradoxalmente, a construção de conjuntos habitacionais fechados
ganhou impulso na política habitacional estatal voltada para as classes
mais necessitadas da sociedade, desenvolvida pelo Sistema Financeiro
de Habitação (SFH), administrado pela Lei nº 4.380/1964 pelo extinto
Banco Nacional de Habitação (TINI 1), em que procurava conciliar-se
a realização do sonho da casa própria com a parcimônia de haveres
das familias e a carestia dos terrenos. Quanto à circulação de pessoas
e veículos, aí sim o problema é real. O impacto na circulação de
pessoas e veículos. Quando o Poder Público autoriza o fechamento de
um loteamento, fecha-se o acesso a essas vias públicas de circulação.
O traçado das vias que estava previsto na organização do município se
altera. Altera-se substancialmente o impacto nesta organização do
município, circulação de ônibus, circulação de veículos nessa
restrição. Além do mais, ordinariamente, o tempo gasto por pessoas,
independentemente do meio de locomoção, também se altera na
medida em que passa a ter de fazer “retornos” ou “voltas” em razão
do caminho criado pelo loteamento, mas sem acesso em razão do
fechamento deste.
Paralelamente, os agentes privados viram na construção desse modelo
de espaço residencial um negócio que vislumbrava maximizar lucros,
ao atender classes de maior poder aquisitivo. Aliando atributos de
segurança, status, pai sagem e localização, eleva-se a mobilização de
capital para implantação desse tipo de empreendimento em áreas
privilegiadas.
Como giro histórico, alguns empreendedores imobiliários no Brasil já
estão projetando novos residenciais fechados dotados de infraestrutura
de segurança, de serviços e de inteligência, verdadeiros bairros
inteligentes, apontados para setores médios e médios baixos, que
também buscam residências cm áreas protegidas de acordo com essa
nova maneira de habitar a cidade.142
Quanto à circulação de pessoas e veículos, aí sim o problema é real. O
impacto na circulação de pessoas e veículos. Quando o Poder Público autoriza o
fechamento de um loteamento, fecha-se o acesso a essas vias públicas de circulação. O
traçado das vias que estava previsto na organização do município se altera. Altera-se
substancialmente o impacto nesta organização do município, circulação de ônibus,
141 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.
Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 79, 2012. 142 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos
de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 331.
117
circulação de veículos nessa restrição. Além do mais, ordinariamente, o tempo gasto por
pessoas, independentemente do meio de locomoção, também se altera na medida em
que passa a ter de fazer “retornos” ou “voltas” em razão do caminho criado pelo
loteamento, mas sem acesso em razão do fechamento deste.143
Entretanto, o Município, ao estabelecer o ordenamento do seu solo já
determinou onde estas modalidades habitacionais podem se instalar:
ao definir o zoneamento no território urbano, o poder público
municipal já terá indicado as regiões nas quais é exigida a livre
locomoção, de modo a assegurar o acesso da população aos
equipamentos urbanos e, de outra parte, terá identificado os locais em
que admite o uso privado de áreas de domínio público, com o
consequente fechamento e controle de acesso ao loteamento. [...]
situações nas quais se pode justificar o que ele define como
preponderância do direito à segurança, como, por exemplo, a de um
loteamento localizado em área mais afastada da cidade, mas desde que
não interfira na dinâmica mais natural da cidade.144
Para solucionar a questão da segregação social e com o intuito de adequar a
implementação deste modelo habitacional em áreas urbanas, sem comprometer de
maneira significativa o acesso democrático aos espaços físicos da cidade alguns autores
propõem que os loteamentos sejam implementados em zonas mais afastadas dos centros
urbanos:
Imagine-se um loteamento em área mais afastada de uma cidade em
que não existam em volta deste loteamento outros bairros que
dependam das suas ruas para aqueles não-residentes transitarem
normalmente; as ruas do loteamento, se não fossem o muro que o
cerca, de fato poderiam ser usadas por terceiros (não-residentes), mas
teriam pouca circulação, pois não há a dependência do uso destas ruas
pelo comércio local, não há hospitais cujo acesso encontre-se
seriamente comprometido com a convolação do loteamento em
fechado. Neste exemplo, a segurança pública almejada pelos
moradores deve ser prestigiada, isto é, será possível “fechar” o
loteamento. Outra situação: um loteamento em cidade litorânea, à
beira da praia, alcançará, com o uso exclusivo dos bens públicos (ruas,
calçadas e praças), o privilégio desmesurado e injustificável de
também gozar exclusivamente o respectivo trecho de praia. Neste
caso, a ênfase constitucional que o meio ambiente recebe como bem
de uso comum do povo (art. 225) prestigia a liberdade de locomoção
143 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos
de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. 144 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 115, jul.-dez. 2009.
118
que deve prevalecer à preocupação de um grupo de moradores em
reforçar sua segurança. As nuanças de cada caso concreto, então,
levarão a conclusões diferentes. Ora em favor do princípio da
segurança pública, ora em prestígio ao princípio da liberdade de
locomoção.145
Também, Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei argumentam
que:
todavia, o que nos parece relevante registrar, para o tempo atual, é o
fato de que o estigma (ou preconceito) que tem acompanhado a ideia
de “fechar” alguns espaços urbanos está em processo de revisão ou
diluição, não só no plano sociológico, mas também na esfera
acadêmica, urbanística e jurídica, quando acompanhado de
regramentos, planejamento e controle pelos órgãos públicos. Com
efeito, sob o ângulo sociológico, o significativo aumento da
criminalidade nos grandes centros urbanos e a falta de condições do
Estado responder de modo suficiente à prevenção necessária, tornando
a vida cada vez mais insegura, indica que a sociedade tem criado e
adotado, por si ou de modo associado com os Municípios, medidas
preventivas de autodefesa ao crime em soluções não só individuais
(como muros e portões nas casas, grades nas janelas e alarmes nas
portas), mas também coletivas (como o “fechamento” de vilas, de ruas
sem saídas e de loteamentos), que, embora não sejam ideais, são
necessárias e, por isso, os Poderes Públicos não podem ignorar, mas
devem respeitar, nos limites naturais do interesse público que lhes
cabe preservar.146
Como já salientado, os loteamentos, por serem regulados pela Lei de
Parcelamento do Solo Urbano não podem obstar o ingresso dos cidadãos em suas áreas
comuns. Isto porque esta modalidade de empreendimento tem caráter público e suas
vias comuns são áreas públicas por definição, apenas sendo admitido excepcionalmente
o controle em seu acesso, conforme já salientado.
De outro lado, nos condomínios de lotes isto não ocorre. Por se tratar de
condomínios todas as áreas do interior desta modalidade habitacional são privadas. E,
utilizando a ideia deste autor mencionada acima, podemos afirmar que o problema na
circulação de pessoas e veículos pode ser solucionado quando implementados
condomínios de lotes em áreas afastadas dos centros urbanos.
145 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Loteamentos urbanos. Natureza jurídica. Loteamentos fechados,
bolsões e vilas com acesso restrito aos moradores. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 40. 146 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:
Millennium, 2014. p. 21.
119
Deste modo, em áreas que historicamente não são destinadas à mobilidade de
pessoas e veículos ou ao lazer dos cidadãos não há ofensa ao acesso democrático aos
espaços públicos quando da implementação dos condomínios de lotes.
É certo que cada situação fática implica uma análise específica. Estamos
seguros de que os loteamentos não podem constituir modalidade de acesso fechado, e,
sim, de acesso excepcionalmente controlado. Por seu turno, os condomínios de lotes são
modalidade de empreendimentos fechados que podem, se efetivados em atenção aos
ditames urbanísticos constitucionais, não ferir o perfil urbanístico municipal e gerar
conforto e segurança para seus moradores.
Uma das questões centrais é a articulação das vias destes loteamentos. É
fundamental que as vias adjacentes às vias oficiais estejam harmonizadas à topografia
local para que não haja crescimento desordenado. Acerca desta situação a urbanista
Tânia Maria Bulhões Figueira dispõe:
O principal resultado de tal “política” (imobiliária, mais do que
habitacional) foi a desarticulação dos planos relativos à expansão
urbana. Desse modo, a cidades passaram a crescer seguindo modelos
de urbanizações dispersas, cujos deslocamentos de pessoas e bens
geraram uma série de problemas relativos ao tráfego de veiculas e à
mobilidade urbana, além do aumento com gasto energético e da
população local.
Além disso, esse modelo de dispersão de espaços na cidade
intensificou os processos de abandono ou subutilização de áreas
tradicionais da cidade, salientou a existência de uma segregação sócio
espacial e promoveu uma construção sequencial de empreendimentos
que, se ainda não superaram, podem vir a superar as demandas locais
– com desdobramentos negativos para a economia nacional.
Imersos ao contexto apresentado, as áreas das cidades destinadas à ocupação
e ao uso exclusivo da elite, representados no trabalho pelos condomínios urbanísticos e
loteamentos fechados de alto padrão, apresentam-se como produtos dessa lógica e,
simultaneamente, especialidades que a estimulam – particularmente porque colaboram
com a especialização econômica dos tecidos urbanos e sua consequente segregação.147
147 FIGUEIRA, Tânia Mara Bulhões. Produção social da cidade contemporânea: análise dos
condomínios urbanísticos e loteamentos fechados de alto padrão no subsetor sul de Ribeirão Preto.
Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e urbanismo da
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2013, p. 153.
120
Pode-se verificar que a urbanista acredita que os empreendimentos
residenciais fechados geram segregação e crescimento desordenado da urbe. Com
entendimento análogo:
Os eixos viários são elementos centrais para a estruturação da
segregação urbana, por influenciarem o tempo de deslocamento
necessário para a população realizar suas atividades cotidianas. Sendo
assim, a disputa principal é em torno das localizações de maior
fluidez.
O controle do tempo de deslocamento é a força mais poderosa que
atua sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja, sobre
a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho,
compras, serviços, lazer etc. Não podendo atuar diretamente sobre o
tempo, os homens atuam sobre o espaço como meio de atuar sobre o
tempo. Daí decorre a grande disputa social em torno da produção do
espaço urbano e a importância do sistema de transporte como
elementos da estrutura urbana.
Daí decorre também a segregação como um mecanismo espacial de
controle dos tempos de deslocamento.148
Ainda acerca desta segregação física criada por estas espécies de
incorporações: nossa tradição latina defende que a convivência entre diferentes permite
uma maior tolerância social. O local por excelência de convivência de grupos sociais
distintos deveria ser o espaço público. Uma questão importante colocada pelos
estudiosos dos condomínios fechados é justamente a privatização do espaço público, e
o fechamento para os espaços públicos adjacentes, bem como para os grupos sociais
vizinhos. Já no modelo norte-americano (ou mesmo anglo-saxão), a segregação étnica e
racial é uma prática historicamente aceita.149
Sem dúvida alguma a convivência harmônica da população no espaço
público é um ideal a ser perseguido e requer uma atuação estatal forte capaz de
propiciar ambiente urbano seguro e democrático. Diante da realidade que está posta,
entretanto, a solução é a possibilidade de o município regulamentar os condomínios de
lotes, em consonância com as regras urbanísticas constitucionais e do Estatuto da
Cidade, bem como em atenção ás normas da Corregedoria Geral de Justiça dos estados.
148 SUAREZ, Pedro Sales de Melo. O eixo São Paulo-Campinas, concentração de capitais e segregação
urbana. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e
urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 69. 149 D'OTTAVIANO, Maria Camila Loffredo. Condomínios fechados na região metropolitana de São
Paulo, fim do modelo centro rico versus periferia pobre? Tese (Doutorado). 2008. Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 226.
121
A ausência do direito posto não contém a demanda por moradia segura e com espaço de
lazer, e faz com que os anseios da sociedade sejam atendidos sem observância de
princípios urbanísticos. Por outro lado, a disciplina jurídica desse instituto permitirá
impor limitações para o atendimento de requisitos urbanísticos e a garantia da
sustentabilidade urbana.
Em sentido contrário é o posicionamento do magistrado Francisco Eduardo
Loureiro para quem é temerário permitir que os Municípios regulem a implementação
de condomínio de lotes frente à ausência de lei federal que regula o tema:
O primeiro risco seria de natureza eminentemente urbanística, de
organização e desenvolvimento das cidades. Basta circular por
qualquer cidade para constatar que os loteamentos, depois de
implantados, desaparecem como empreendimentos autônomos e se
inserem na malha urbana. Não se percebe, no mais das vezes, quando
se passa de um para outro loteamento, integrados que estão na cidade.
Os condomínios de lotes formariam verdadeiros encraves na cidade,
impedindo a circulação interna de veiculas. Claro que se pode
argumentar que tais condomínios somente seriam aprovados em
bairros distantes dos grandes centros. Lembre-se, porém, que as
cidades crescem rapidamente e alcançam bairros que hoje parecem
longínquos. Imagine, por exemplo, se na década de 30 a Cia. City
tivesse implantado um condomínio de lotes nos bairros então distantes
e nos limites da cidade, como o Jardim Paulista, ou o Jardim América,
ou o Alto de Pinheiros. Hoje teríamos verdadeiros guetos que
inviabilizariam o crescimento organizado da cidade e o acesso aos
bairros que se situam além deles. O segundo risco, ainda mais grave, é
o do controle dos requisitos urbanísticos dos loteamentos. Basta uma
leitura rápida daL. 6.766/79 para constatar que o parcelamento do solo
urbano se encontra sujeito a dezenas de requisitos de natureza
cogente, tais como largura mínima de ruas, tamanho mínimo de lotes,
obras mínimas de infraestrutura, vedação a implantação em terrenos
impróprios (inclinados, alagadiços, contaminados...). Se o
empreendedor pode livremente cambiar de regime jurídico e escapar
dos rigores da L. 6.766/79 para cair na L. 4.591/64, naturalmente irá
faze-lo, se tal migração importar menores custos. Basta imaginar a
hipótese, nada acadêmica, de um empreendedor inescrupuloso lançar
um “condomínio de lotes” popular, em terreno perigoso, sem qualquer
infraestrutura, com vias estreitas e lotes em tamanhos ínfimos.
Bastaria a aprovação junto à Prefeitura Municipal para implantar tal
“condomínio” em flagrante burla às normas rigorosas da Lei do
Parcelamento do Solo. Lembro que sempre pensamos em
“condomínios de lotes” de alto padrão, mas nada impede, do modo
como se encontram redigidas as Normas de Serviço, sejam estendidos
a empreendimentos populares. Destaco que a aprovação de um
loteamento exige aprovação muito mais rigorosa do que a aprovação
de um condomínio edilício. A L. 6.766/79 e as próprias Normas de
Serviço exigem, para loteamentos, licenças ambientais, procedimento
de registro rigoroso, aprovação junto ao GRAPOHAB, que envolve
quase uma dezena de secretarias e órgãos. Indago: qual empresário se
122
sujeitaria a tal rigor, se pode aprovar o mesmo empreendimento como
condomínio? O terceiro problema é que o art. 15 da L. 6.766/79
transfere para o domínio do Poder Público, no exato momento do
registro do empreendimento junto ao RI, as vias públicas e áreas
institucionais, destinadas à implantação de parques e equipamentos
urbanos, tais como escolas e hospitais. Estima-se que cerca de 1/3
parte de uma gleba loteável seja transferida gratuitamente ao Poder
Público quando do registro do loteamento. Pergunta-se: qual
empresário lançaria o empreendimento como loteamento, se pode
fazê-lo como condomínio de lotes, vendendo a totalidade da gleba?
Pior. Implantado o condomínio de lotes, haverá a subsequente
necessidade de equipamentos públicos para atender os moradores. O
Poder Público terá, então, de desapropriar áreas a elevado custo, que
deveriam ser suas gratuitamente, segundo a L. 6.766/79.150
Com entendimento similar Claudio Luiz Bueno de Godoy:
e tal o que se revela se se pensar na série de exigências específicas ao
registro especial do parcelamento (art. 18 da Lei 6.766/79), do ponto
de vista da preservação do meio ambiente e da paisagem urbanística, a
cuja constatação concorre, ademais, a necessidade de aprovação
prévia por inúmeros órgãos públicos de controle, o que não se dá, na
mesma extensão, no condomínio especial, tanto mais se não procedido
do registro de incorporação. Só para citar um exemplo do que se
tenciona ponderar, pense-se na exigência básica de tamanho mínimo
para os lotes, sem igual exigência para os condomínios, mesmo
porque não há fracionamento da área. Quer dizer, há no tratamento
legal dos loteamentos uma preocupação central – não só com os
adquirentes – mas com o adensamento populacional que propicia e
com os efeitos à cidade que daí decorrem, o que não parece convenha
ser obviado pela subversão da própria natureza jurídica do
empreendimento.151
Em suma, ressalvadas situações em que os efeitos do “fechamento”
prejudiquem a dinâmica natural da cidade, é de se admitir que a vontade de instituir o
condomínio possa prevalecer sobre a circulação dos não moradores se a área não for
previamente destinada ao lazer ou tráfico de pessoas ou veículos, circunstância que
justificaria o fechamento e o controle de acesso, desde que autorizada pela
administração municipal, com fundamento em legislação formal e materialmente
constitucional.
150 CGJSP, Processo 141.294/2014, Comarca de São Paulo, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j.
13.01.2016. 151 CGJSP, Processo 141.294/2014, Comarca de São Paulo, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j.
13.01.2016.
123
Outra máxima que deve ser atentada quando da implementação dos
condomínios de lotes é que estes devem respeitar a coesão dinâmica das vias públicas.
Acerca deste princípio:
o princípio da coesão dinâmica surge, justamente, para que as
modificações feitas pelas interferências urbanísticas sejam
continuadas por ações que tenham pertinência e nexo com o contexto.
As mesmas prioridades, o mesmo enfoque deverá ser dado para as
ações urbanísticas de um certo local em certo tempo. A dinâmica do
planejamento é fundamental para a eficácia deste princípio. Na
medida em que certo plano seja aplicado, ele vai se desatualizando
com relação ao seu objeto, justamente por transformá-lo. Assim, o
plano deverá prever mecanismo de revisão e atualização de seu
conteúdo. É a coesão dinâmica. [...] Na verdade, o raciocínio
norteador deste principio consagra a autonomia da vontade dos
particulares que só poderão ter seus comportamentos restringidos por
meio de disposição legal, sendo estas as consideradas nas normas
estabelecidas no art. 59 da Carta Magna. Por seu turno, o Poder
Público além de só poder impor limites à atuação particular através de
normas jurídicas, apenas poderá agir mediante disposição legal,
tornando todo o seu comportamento saudavelmente previsível.152
Assim, o respeito a coesão dinâmica é mais uma condicionante imposta ao
estabelecimento dos condomínios de lotes.
Importa observar que ao tratar dos condomínios de lotes é necessário realizar
a técnica de ponderação de princípios constitucionais como o do direito à locomoção, o
princípío da segurança pública, princípio da igualdade, direito ao lazer, princípio da
função social da propriedade urbana, entre outros.
Assim, pode-se verificar que a solução através da ponderação dos princípios
deve ser feita na análise do caso concreto, pois todas as peculiaridades da situação
devem ser consideradas para eleger qual princípio deverá prevalecer. Em abstrato, a
Constituição Federal confere aos municípios aprovar legislação que permita
condomínios de lotes, mas é necessário analisar se o fechamento não ofende o Direito
Urbanístico, como se passa a expor.
No caso da regularidade dos condomínios de lotes há de um lado o fato de
que o fechamento das vias de circulação e demais espaços livres que seriam de uso
152 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de
vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 74.
124
comum do povo no parcelamento, conforme disciplina dos arts. 4º e 22 da Lei de
Parcelamento do Solo, podendo configurar eventual violação aos princípios de
autonomia de locomoção que garante aos cidadãos livre acesso às áreas de domínio
público (art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).
Por outro lado, há também o princípio da segurança e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio público e privado, conforme arts. 6º e 144 da Constituição
Federal, que justifica o interesse pelos condomínios de lotes.
Assim, estaríamos diante de uma colisão de princípios: de uma parte, o da
segurança, justificado pela crescente demanda social de definição de espaços onde os
cidadãos possam ter assegurada a proteção de sua integridade física e patrimonial, ante
a escalada da criminalidade nos centros urbanos, e, de outra parte, o da liberdade de
locomoção, violado pelo fechamento de espaços públicos a pessoas e meios de
transporte estranhos ao loteamento. A tensão entre esses princípios só se soluciona
mediante exame do caso concreto, pois, em abstrato, todas as permissivas da criação de
espaços fechados nos loteamentos, aprovadas pela legislação municipal, são válidas e
eficazes, dada a competência que a Constituição confere ao Município.153
Portanto, a situação exige a solução através da técnica de ponderação de
princípios, de modo que, no caso concreto, é possível averiguar a legalidade ou não de
condomínios de lotes, considerando a sua área de extensão, o percentual da área do
município já destinado a empreendimentos fechados, o local de sua implementação, a
disponibilidade de equipamentos públicos no seu entorno, o seu impacto ambiental,
enfim, consideradas as consequências sociais, jurídicas e econômicas que ele vai gerar.
Na medida em que as cidades se expandem pelo território do município, a
criação de espaços públicos deve acompanhar o seu crescimento nessa mesma
proporção. Assim, não é possível pensar em desenvolvimento urbano sem criação de
153 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 119, jul.-dez. 2009.
125
espaços públicos. Como assevera Jordi Borja: “La ciudad es ante todo el espacio
público, el espacio público es la ciudad”.154
Ocorre que, o condomínio urbanístico é composto por área exclusivamente
privada e por essa razão fica fora do alcance da Lei 6.766 de 1979. Como
empreendimento residencial fechado que é, impede a criação de áreas públicas em seu
interior. Dessa forma, impacta de maneira inevitável na disponibilidade de espaços
públicos aos demais habitantes da urbe.
Conforme já ressaltado, esse impacto negativo pode e deve ser neutralizado
pelo empreendedor, o que pode ser feito, por exemplo, com a imposição do dever de
criação de áreas de compensação destinadas à parques, praças, ou outras modalidades
de espaços públicos que melhor atendam as peculiaridades locais. Nesse sentido, pode
até mesmo representar uma solução de desenvolvimento urbano com financiamento
privado em benefício da coletividade.
É possivel afirmar que a legalidade ou não dos condomínios de lotes não
possui solução uniforme. As circunstâncias fáticas de cada caso concreto irão
estabelecer quando a vontade dos instituidores do condomínio pode ser atendida ou
quando há interesse público em manter a área revertida à coletividade.
A respeito da juridicidade e legalidade:
dessa forma de divisão de glebas urbanas, entretanto, não implica
desprezo das exigências e dos requisitos de natureza ambiental e
urbanística nem justifica a generalização da implantação de
condomínios, em substituição ao loteamento. Ambas essas formas de
divisão de gleba urbana devem coexistir no ordenamento, aplicando-
se uma ou outra conforme as ciscunstâncias recomendarem. É de se
admitir, por exemplo, que a divisão sob forma de loteamento seja
mais adequada para gleba de grande extensão, pois neste caso suas
vias de circulação devem, necessariamente, integrar-se à malha viária
urbana, até para contrivuir para sua melhoria; além disso, a divisão
sob forma de loteamento importa em destinação de áreas para
instalação de escolas públicas, hospitais e outros serviços de interesse
de toda a população da cidade, à qual deve ser dado acesso
permanente, o que não ocorre nos condomínios. Mas, seja como for, a
definição das zonas urbanas nas quais é admitida uma ou outra forma
154 BORJA, Jordi. Espacio público y drecho a la ciudad. El Derecho a Ciudad 2011, p. 1. Disponível em:
<https://debatstreballsocial.files.wordpress.com/2013/03/espacio_publico_derecho_ciudad_jordiborja.
pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016.
126
de divisão de gleba é matéria reservada à legislação municipal, que
contempla o planejamento urbano e os critérios de ordenação,
ocupação e uso do solo urbano.155
Dessa forma, o que sempre prevalecerá é a supremacia do interesse público
em detrimento dos interesses particulares. Nesse sentido, a regulamentação por lei é
imperiosa para que sejam controlados os impactos urbanos, como o percentual máximo
de área destinada para empreendimentos residenciais fechados, as áreas de
compensação, a viabilidade ambiental, local destinado a sua implantação, dentre outros.
Ademais, é a ineficiência estatal que gera essa busca por moradias com maior
segurança e áreas de lazer. Então, é possível aferir que há situações em que a destinação
privada da área, com a implementação dos condomínios de lotes, é interessante ao
Poder Público visando as limitações estatais na prestação dos serviços de limpeza,
iluminação, segurança, dentre outros.
O condomínio de lotes executado uma forma que seja controlada pelo Poder
Público, e que atenda essas questões, pode gerar um impacto positivo na urbanização e
atender a função social da propriedade urbana.
3.5 Estudo de casos sobre condomínio de lotes no Estado de São Paulo
Conforme analisado até o momento, a disciplina do condomínio de lotes é
extremamente controversa.
Os defensores dos condomínios de lotes como modalidade de
empreendimento urbanístico afirmam que é extremamente importante regularizar os
atuais condomínios de lotes que estão à margem da lei. Isto porque parcela considerável
da população brasileira habita esta modalidade de empreendimento.
A fim de demonstrar a casuística, serão analisados três casos concretos de
condomínios de lotes: (i) Recurso Especial 709.403-SP, pois estabelece o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria; (ii) a Apelação Cível 244-6/5 do
Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, pois representa parcelamento ilegal do
155 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 132, jul.-dez. 2009.
127
solo urbano através da utilização equivocada e da figura dos condomínios de lotes; e
(iii) o processo 136/2006 da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, em que é
admita a regularização de um condomínio de lotes implantado anteriormente à Lei
6.766/79.
Iniciaremos com o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça
no Recurso Especial número 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado
em 06 de dezembro de 2.011.
Neste caso a controvérsia versava acerca da verificação, no caso concreto, de
o empreendimento imobiliário denominado “Condomínio Residencial Village Terras de
Indaiá” – localizado no Município de Indaiatuba, no Estado de São Paulo – configurar
condomínio especial horizontal de casas, regido pela Lei 4.591/64, ou loteamento
urbano, disciplinado pela Lei 6.766/79.
O Ministério Público do Estado de São Paulo efetuou pedido de declaração de
nulidade de registro de incorporação imobiliária do referido empreendimento, por haver
burla às normas do sistema de parcelamento do solo urbano.
O STJ apontou as principais distinções acerca do parcelamento do solo e da
instituição de condomínios:
como visto, nos termos da Lei 4.591/64, os condomínios horizontais
pressupõem a existência de edificações. O art. 8.º desse diploma legal,
embora admita a possibilidade de condomínio em terreno onde não
haja edificação, exige, ao menos, a existência de plano para a
construção delas. Há, nesse caso, necessidade de aprovação de um
projeto de construção de casas térreas ou assobradadas ou de edifícios,
ainda que não sejam edificados de imediato. Portanto, a conclusão
inafastável é de que a mencionada Lei 4.591/64 não admite o
condomínio sem vinculação à edificação, à construção. Não basta,
assim, a mera destinação do empreendimento à edificação, conforme
ocorre no loteamento ou desmembramento (Lei 6.766/79). Com base
nessas considerações, pode-se inferir que o loteamento, disciplinado
pela Lei 6.766/79, difere-se do condomínio horizontal de casas,
regulado pela Lei 4.591/64 (art. 8.º). E a diferença fundamental entre
o loteamento (inclusive o fechado) e o condomínio horizontal de casas
consubstancia-se no fato de que, no primeiro, há mero intuito de
edificação (finalidade habitacional), sem que, para tanto, haja sequer
plano aprovado de construção. No segundo, no entanto, se ainda não
128
houver a edificação pronta ou em construção, deve, ao menos, existir
aprovação de um projeto de construção156.
Este mesmo entendimento já era utilizado na doutrina de Luiz Antônio
Scavone Júnior:
Não se pode negar a existência de condomínio de casas, as chamadas
“vilas”, que encontram sustentáculo nos arts. 8.º e 68 da Lei 4.591/64,
e que também se tem chamado de condomínio horizontal ou fechado.
Entretanto, trata-se de instituto completamente diverso do loteamento
e do desdobramento, regulados pela Lei 6.766/79. A atividade de
parcelar o solo urbano, de acordo com a definição do ato trazida à
colação pelo art. 2.º da Lei 6.766/79 deve, necessariamente, submeter-
se às normas desta Lei. Essa atividade, caracterizada pelo ato de
subdividir uma gleba em lotes destinados à edificação, jamais pode
ser confundida com a de incorporar e construir estabelecida pela Lei
4.591/1964. Ora, o art. 28 da Lei 4.591/64 determina que é
considerada incorporação imobiliária a atividade exercida com o
intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou
parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de
unidades autônomas. Da atividade de parcelar o solo não surge a
necessidade de edificar, mas, tão somente, a finalidade de edificação,
inferência que se extrai do termo “destinação à edificação' contido nos
parágrafos do art. 2.º da Lei 6.766/79. [...] De fato, algumas
semelhanças existem entre o loteamento fechado e o condomínio
deitado, o que explicam, em parte, a confusão operada: perímetro de
ambos os empreendimentos é cercado e o acesso ao interior
controlado; ambos há comunhão de uso das vias internas e espaços
livres; e, nos dois tipos de empreendimento há a necessária aprovação
pela Prefeitura Municipal. Entretanto, as semelhanças param por aí,
começando as diferenças determinantes: I. Regulamentação da via
interna. No condomínio deitado ou horizontal, a vida interna é
regulada pela Convenção nos moldes do art. 9.º e seguintes da Lei
4.591/1964, enquanto que no loteamento fechado deve ser observado
o regulamento de uso, que apenas subsidiariamente utiliza os ditames
da Lei 4.591/1964. II. Objeto. No condomínio deitado ou horizontal o
objeto é uma casa térrea ou assobradada – unidade autônoma – bem
como fração ideal dos espaços livres, enquanto que no loteamento
fechado é um lote de terreno, sem construção. III. Espaços livres
internos e vias de circulação. No condomínio deitado, as vias de
circulação e os espaços internos, que não compõem a unidade
autônoma são frações ideais de uso comum e propriedade dos
condôminos. No loteamento fechado, por força do art. 22 da Lei
6.766/79, os espaços internos e vias de circulação são bens públicos,
apenas concedidos por ato administrativo ao uso exclusivo dos
proprietários de lotes, podendo tal ato ser revogado. IV. Registro. O
condomínio deitado submete-se aos trâmites da Lei 4.592/1964,
inclusive, às vezes, com prévio registro da incorporação, enquanto que
156 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro
de 2011.
129
o loteamento fechado submete-se ao disposto na Lei 6.766/79,
especificamente no seu art. 18.157
Considerando que o STJ não poderia realizar nova análise probatória dos
fatos apenas podendo realizar manifestações acerca do direito discutido foi consignado
que:
Diante dessas conclusões da colenda Corte local, delineadas com base
no acervo fático-probatório dos autos e nas cláusulas dos ajustes
celebrados entre as partes, não há outra solução senão, na via estreita
do recurso especial, adotar o suporte fático delineado nas instâncias
ordinárias, tendo em vista os óbices previstos nos enunciados n.º 5 e 7
da Súmula do eg. STJ, para, então, concluir pela lisura do ato de
incorporação imobiliária de empreendimento denominado
“Condomínio Residencial Village Terras de Indaiá”, registrado no
Cartório de Imóveis e aprovado pela Municipalidade. Ademais, o fato
de a incorporadora não ficar responsável pela edificação direta das
casas do condomínio não caracteriza ofensa aos dispositivos legais
invocados no especial. Ao contrário, a Lei 4.591/64 expressamente
prevê essa possibilidade, conforme art. 28 e 29158.
Vejamos o artigo que disciplina este dispositivo:
Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional,
reger-se-ão pela presente Lei. Parágrafo único. Para efeito desta Lei,
considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o
intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou
parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de
unidades autônomas.
Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica,
comerciante ou não, que embora não efetuando a construção,
compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno
objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em
edificações a serem construídas ou em construção sob regime
condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de
tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e
responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo,
preço e determinadas condições, das obras concluídas.
Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das
frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a
venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já
houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de
autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção,
respondendo o alienante como incorporador. (grifo nosso)
157 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário. Teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 122-123. 158 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro
de 2011.
130
Então, neste caso específico, o STJ asseverou que:
a interpretação a ser dada ao mencionado art. 29 da Lei 4.591/64 é no
sentido de que o incorporador, quando não for também construtor,
pode escolher tão somente alienar as frações ideais, sem se
compromissar com a execução direta da construção do
empreendimento incorporado, de modo que esta poderá ser
contratada, em separado, pela incorporadora ou pelos adquirentes do
imóvel, com terceiro – o construtor. Nessas hipóteses, para que fique
caracterizada a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o
negócio de construção, basta que o incorporador, no ato de
incorporação, providencie, perante a autoridade administrativa
competente, a aprovação de projeto de construção. Com efeito, o
contrato de incorporação imobiliária não deve incluir,
obrigatoriamente, a construção dos imóveis diretamente pela
incorporadora. O ato de incorporação é diverso do ato de construção,
embora se vinculem159.
É preciso ressaltar que o STJ, neste precedente, não admitiu a existência dos
condomínios de lotes, mas previu a possibilidade da incorporadora terceirizar a
construção das edificações das casas para uma construtora específica ou permitir que
cada adquirente do lote possa fazê-lo diretamente. Apenas é exigida a apresentação do
projeto de execução aprovado pela autoridade administrativa.
Este é então o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca dos
condomínios de lotes que são objeto de nosso estudo, não são admitidos, a não ser que
vinculados a uma futura construção com projeto aprovado, o que caracteriza
condomínio especial de casas.
Antes de prosseguir com o estudo de casos, vale pontuar que o Supremo
Tribunal Federal ainda não se posicionou acerca da regularidade dos condomínios de
lotes. Entretanto, de maneira indireta, o Supremo Tribunal Federal, utilizando a
denominação “condomínio horizontal”, asseverou a obrigatoriedade do pagamento das
taxas de manutenção a ser adimplidas pelos condôminos desta modalidade habitacional:
Cobrança – Condomínio Horizontal – Obrigatoriedade do Pagamento
de Cotas – Pagamento decorrente de serviços prestados. Tendo o
embargante adquirido imóvel em condomínio horizontal, em que as
contribuições recebidas são integralmente revertidas em favor dos
condôminos, com a prestação de serviços, inclusive de conservação,
159 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro
de 2011.
131
cabe a todos o pagamento de sua quota-parte, sob pena de haver
enriquecimento ilícito por parte daquele que, sem pagar sua parte,
usufrui dos serviços prestados à coletividade. [...] Fazendo a
Associação de Moradores a “oferta” de prestação de serviços a todos
aqueles que adquiriram imóveis, que é “aceita”, tacitamente, pela
usufruição contínua daqueles serviços, que foram instituídos em
benefício de toda coletividade, dá-se entre ambos o que a doutrina
moderna civilista denominou de Relação Contratual de Fato.160
Retomando os estudos de casos envolvendo condomínios de lotes, verifica-se
a Apelação Cível 244-6/5 do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, da
localidade de Piracicaba, julgada em 30.03.2005, tendo como relator José Mario
Antonio Cardinale.
Neste caso, o 2.º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de
Pessoa Jurídica da Comarca de Piracicaba negou o registro de escritura de compra e
venda relativa a fração ideal de terreno por considerar demonstrada a implantação de
parcelamento irregular do solo.
Por este motivo, suscitou dúvida perante o Conselho Superior da Magistratura
do Estado de São Paulo, entendendo este órgão pela inexistência de condomínio de
casas e pela impossibilidade de registro porque a venda de fração ideal do imóvel se
destinou, neste caso, a ocultar parcelamento irregular do solo em fraude à legislação
cogente que o regulamenta.
O condômino que pleiteava registro de seu imóvel apelou ao Tribunal de
Justiça que entendeu pelo total desprovimento do recurso, alegando:
A divisão do imóvel entre dez proprietários, feita mediante venda de
frações ideais para pessoas que não aparentam ter, entre si, vínculos
de parentesco ou outros vínculos especiais, é fato suficiente para
demonstrar que nele foi implantado parcelamento do solo em que não
foram observados os requisitos contidos na Lei n.º 6.766/79 e, ao
contrário do que pretende a apelante, em que também não foram
respeitadas as regras contidas na Lei n. 4.591/64.
Esta conclusão se impõe porque, neste caso específico, nenhum outro
elemento contido no registro, na escritura pública de compra e venda,
ou nos documentos que acompanharam a escritura justificam a
partilha da propriedade entre pessoas que adquiriram ou estão
comprando pequenas frações ideais do imóvel urbano sem manter
vínculos especiais entre si.
160 RE 340.561, rel Min. Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 01.02.2005.
132
A implantação de parcelamento irregular do solo urbano, ademais,
acabou expressamente confirmada pela apelante que afirmou existir
no imóvel um condomínio de casas. Pretende a apelante, com a
distinção entre loteamento e condomínio de casas, o reconhecimento
de que não existe irregularidade que obste o registro, o que faz
esclarecendo que: 'Não se nega que há ainda requisitos formais a
serem observados para a regularização do condomínio, consistentes
no ato de instituição e no registro da convenção já elaborada' (fls. 72,
item 2.15).
O condomínio de casas a que se refere a apelante é o condomínio
edilício regido pelos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil, e pela Lei n.º
4.591/64 na parte em que não foi revogada, e para que esta espécie de
condomínio tenha existência jurídica é requisito essencial o registro
da instituição no Registro de Imóveis, como expressamente estabelece
o art. 1.332 do Código Civil.
Sem o registro da instituição no Registro Imobiliário não há como
reconhecer a existência de condomínio edilício e, portanto, de
vinculação entre as frações ideais do terreno que foram vendidas e as
casas que nele foram edificadas.
Portanto, no presente caso não existe condômino edilício, por falta de
registro da instituição no Registro de Imóveis.
Outrossim, também não foi a divisão do terreno em partes certas e
localizadas precedida de regular parcelamento do solo mediante
registro de loteamento no Registro de Imóveis. Disso decorre o
reconhecimento de que o instituto do condomínio voluntário (arts.
1.314 a 1.330 do Código Civil) foi utilizado para fraudar a legislação,
cogente, que rege o parcelamento do solo urbano, o que impede o
registro pretendido pela apelante
Nota-se que não se admite que seja requerido registro e reconhecimento de
um condomínio de lotes que não seja na modalidade de condomínio edilício, sem que
seja realizada, previamente, a instituição do condomínio com seu respectivo regimento
interno.
Este caso configura evidente fraude à lei de parcelamento do solo urbano, que
exige aprovação do projeto de loteamento ou desmembramento pelo poder local,
seguida do pedido de registro público, instruído com a documentação e aprovação
necessárias.
Como afirmamos anteriormente, não se pode, com o objetivo de
parcelamento do solo urbano, instituir um condomínio de lotes, sob pena de burla à Lei
6.766/79 e consequente irregularidade do empreendimento habitacional.
Acerca da existência dos condomínios de lotes e sua adequação ao direito à
cidade, entende-se pela regularidade destes empreendimentos desde que respeitada a
ordem urbanística, isto é, desde que o empreendimento esteja em consonância com a
133
normativa estabelecida no âmbito municipal e as regras postas pela Corregedoria Geral
de Justiça dos estados.
Quanto à relevância desempenhada pela legislação urbanística municipal
acerca dos condomínios de lotes importa lembrar que:
essa prática gera tensão entre o processo de planejamento, essencial
para o equilibrio das funções da cidade, e a premente demanda social
por segurança e melhores serviços. O fechamento sem autorização da
adminitração municipal é ilegal, pois importa em arbitrária
apropriação, por particulares, de bens de domínio público, de uso
comum do povo. Mas, além do aspecto puramente legal, a apropriação
de áreas públicas sem a observância de critérios definidos por lei
municipal pode dar causa a disfunção da dinâmica da cidade, criando
ou intensificando o problema de circulação, agredindo o ambiente ou
privando os cidadãos de bens ou serviços que poderiam estar
localizados nesses loteamentos arbitrariamente fechados. Entretanto,
dada a disseminação desta prática algumas administrações municipais,
talvez visando mitigar seus efeitos ou convalidar a situação, passam a
disciplinar, mediante legislação, o uso privado dessas áreas, a título
precário, facultando aos moradores o controle do acesso ao
loteamento e exonerando o Poder Público do custeio dos serviços de
limpeza e conservação. [...] Em qualquer dessas hipóteses é
indispensável a edição de ato adminitsrativo de permissão de uso, a
título precário, fundado em legislação formal e materialmente
constitucional, ou ainda não declarada inconstitucional por via
concentrada de controle de constitucionalidade.161
Pode-se extrair que a regularidade dos condomínios de lotes está ligada à
existência de uma lei municipal que preveja maneiras de adequação às funções
dinâmicas e sociais das cidades.
Conforme exposto anteriormente, cabe ao Município estabelecer seu
zoneamento e prever quais áreas devem ou não possuir livre circulação aos habitantes
da cidade e quais áreas são passíveis de uso privativo.
De acordo com essas normas e em atenção à regulação dada pelas
Corrregedorias Gerais de Justiça dos estados podem os empreendedores executar
condomínios de lotes.
161 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 112, jul.-dez. 2009.
134
Por conseguinte não seria razoável condomínios de lotes em áreas com
finalidade de uso comum, pois haveria ofensa à liberdade de locomoção e lazer dos
cidadãos.
Sobre outras situações favoráveis à existência de condomínios de lotes, como
nas situações em que a gleba a ser parcelada esteja inserida em zona afastada ao centro
da cidade, observa-se:
A propósito, Luís Manuel Fonseca Pires aponta situações nas quais se
pode justificar o que ele define como preponderância do direito à
segurança, como, por exemplo, a de um loteamento localizado em
área mais afastada da cidade, mas desde que não interfira na dinâmica
natural da cidade.
De fato, situações como esta, em que a segregação da gleba não
interfira na dinâmica da cidade, pode justificar o “fechamento”, e,
ressalta esse autor, existindo norma legal que o autorize, estarão
presentes a condição e os requisitos para solução da colisão,
ensejando a prevalência do princípio da segurança.162
Por fim, passa-se a analisar a situação de condomínios de lotes
implementados antes da edição da Lei 6.766/79. Poderia haver a regularização destes
empreendimentos? Com fundamento no processo 136/2006163 da Corregedoria Geral de
Justiça de São Paulo entende-se que sim.
Neste processo foi interposto um recurso administrativo pelo Condomínio
Estância Marambaia contra decisão da Meritíssima Juíza Corregedora Permanente do
Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí que determinou o
bloqueio da transcrição da referida serventia predial, fundamentando restar
caracterizado, no caso, verdadeiro loteamento, e não condomínio, a impor a
regularização do registro predial para adequação deste à realidade jurídica do
empreendimento.
Os representantes do condomínio de lotes afirmam que o empreendimento foi
realizado há 32 (trinta e dois) anos, conforme registro apresentado. A legislação
aplicável à época era a Lei 4.591/64, a qual, em seu art. 8.º, permitia a criação de
162 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 120, jul.-dez. 2009. 163 CGJSP, Processo 136/2006, Comarca de Jundiaí, rel. Ruy Camilo, j. 24.03.2008.
135
condomínio de lotes, com reserva de áreas comuns, consistentes em ruas, praças e áreas
de recreio.
Por esta razão, a validade da instituição condominial foi reconhecida em
sentença judicial, confirmada, na seqüência, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo. Por outro lado, aduz que as ruas internas do condomínio são privadas e
não públicas, assim tendo sido registradas na serventia predial, não se podendo falar em
transferência destas para a Prefeitura Municipal, como se daria em autêntico
loteamento.
Assim, conclui, se houve, a partir de determinado momento, alteração na
forma dos registros, com supressão, nas matrículas das unidades autônomas, da parte de
cada uma no todo e do percentual das partes comuns, isto se deu por erro do Oficial
Registrador, não implicando, por evidente, em modificação da natureza da entidade
condominial.
Esse entendimento foi acolhido pela Corregedoria Geral de Justiça de São
Paulo que asseverou:
Ressalte-se que, embora anteriormente ao registro do empreendimento
(24.05.1974) tenha sido celebrado instrumento particular por meio do
qual a Prefeitura do Município de Vinhedo concedeu à empresa
Crediven o uso das ruas e sistemas de recreio, a indicar a idéia de que
haveria a transferência das referidas ruas e áreas de recreio ao
patrimônio municipal, própria a caracterizar, no caso, o loteamento, a
verdade é que, por ocasião do registro do empreendimento no fólio
real, tais vias e sistemas de recreio passaram a configurar “coisas de
uso comum dos condôminos da Estância Recreativa Esporte Clube
Banespa”. [...] Dessa forma, se houve, inicialmente, intenção de
implantar verdadeiro loteamento no local, com transferência de vias
internas para o domínio do Município de Vinhedo, a realidade é que,
por ocasião do registro imobiliário do empreendimento, tal intenção
não se concretizou, já que o que houve, de fato, foi o registro de um
condomínio, sem transmissão da propriedade das ruas internas, as
quais permaneceram como vias de propriedade particular e uso
comum dos condôminos. Anote-se que a ocorrência de efetiva
transferência da titularidade do domínio sobre as ruas à
Municipalidade e a eficácia da concessão de uso destas à
empreendedora do condomínio não podem ser analisadas nesta esfera
administrativo-registral, devendo prevalecer, ao menos por ora, o que
consta do registro predial. Eventual discussão a respeito somente
poderá ser travada na esfera jurisdicional, por iniciativa da própria
Prefeitura do Município de Vinhedo, não se mostrando viável
deliberação a respeito pelo Juízo Corregedor Permanente ou por esta
Corregedoria Geral da Justiça. Não se ignora, aqui, é importante
destacar, a circunstância de o Condomínio Estância Marambaia, ora
136
em discussão, ser um condomínio em que as unidades autônomas
aparecem sob a forma de lotes de terreno não construído, ou seja,
unidades em que inexiste vinculação efetiva do terreno à construção
de casa térrea ou assobradada, como exigido pelo art. 8.º da Lei n.
4.591/1964, o que tem levado esta Corregedoria Geral da Justiça, em
hipóteses semelhantes, a considerar inválido o registro
correspondente, por configurar manifesta fraude à lei relativa ao
parcelamento do solo urbano, Lei n. 6.766/79 (Proc. CG n. 1.536/96).
Todavia, há que se considerar, na espécie, que se está diante de
empreendimento realizado anteriormente à vigência da Lei n.
6.766/79 e que, sobretudo, a existência e a validade do condomínio
em questão foram expressamente reconhecidas na esfera jurisdicional.
[...] Logo, a legitimidade da constituição do Condomínio Estância
Recreativa Esporte Clube Banespa não encontra obstáculo na lei,
anotando-se, pelo exame da prova, o exato cumprimento de suas
disposições, antes do início da venda dos lotes164.
Dessa forma, antes da edição da lei que rege o parcelamento do solo urbano
atualmente foi instituído o referido condomínio de lotes. Sua regularidade é
reconhecida, pois o empreendimento cumpriu com as normas vigentes naquele tempo e,
por isso, dotado de legalidade o respectivo condomínio.
3.6 Princípios do Direito Urbanístico aplicáveis à disciplina jurídica dos
condomínios de lotes
Nesta parte do trabalho propõe-se a análise do estudo dos princípios do direito
urbanístico e a verificação se eles admitem a existência e regulamentação dos
condomínios de lotes no Direito brasileiro. Demonstraremos que os princípios são
fundamentais para dar harmonia e coerência lógica ao ordenamento jurídico brasileiro e
à tutela jurídica dos condomínios de lote.
Em especial pretendemos analisar os princípios: (i) princípio da função social
da propriedade, (ii) princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, (iii) princípio
da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística, e o (iv)
princípio da subsidiariedade.
Em primeiro lugar se faz necessário conceituar princípios jurídicos.
164 CGJSP, Processo 136/2006, Comarca de Jundiaí, rel. Ruy Camilo, j. 24.03.2008.
137
O ordenamento jurídico é composto por normas jurídicas. As normas são
gênero que possui como espécies as regras e os princípios. Diante da ideia de unidade
do ordenamento não há que se falar em hierarquia entre as normas jurídicas.165
Conforme Humberto Ávila,
um sistema não pode ser composto, somente de princípios, ou só de
regras. Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela
ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas
de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. E um
sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado
rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das
soluções às particularidades dos casos concretos. Com isso se quer
dizer que, a rigor, não se pode dizer nem que os princípios são mais
importantes que as regras, nem que as regras são mais necessárias que
os princípios. Cada espécie normativa desempenha funções diferentes
e complementares, não se podendo sequer conceber uma sem a outra,
e a outra sem a uma. Tal observação é da mais alta relevância,
notadamente tendo em vista o fato de que a Constituição Brasileira é
repleta de regras, especialmente de competência, cuja finalidade é,
precisamente, alocar e limitar o exercício do poder.166
Em outras palavras, não há hierarquia entre normas e princípios jurídicos.
Os princípios jurídicos são enunciados que exprimem valores, de acordo com
Robert Alexy. Para este autor, princípios são normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a
medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é
determinado pelos princípios e regras colidentes.167
165 Segundo Canotilho, o sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um “sistema
normativo aberto de regras e princípios”. É um sistema de regras e princípios, “pois as normas do
sistema tanto podem revelar-se sob à forma de princípios como sob a forma de regras”.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra:
Almedina, 1993. p. 1159. 166 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed.
São Paulo: Malheiros, 2007. p. 120. 167 ALEXY, Robert. SILVA, Luis Virgilio Afonso da (Tradução). Teoria dos direitos fundamentais. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 90.
138
No Direito Urbanístico, assim como todo ramo autônomo do Direito, os
princípios possuem papel de relevância que permitem a existência e a harmonia da
ordem urbanística. Ademais, a principiologia do Direito Urbanístico existe com a
finalidade de solucionar conflitos não contemplados pelas regras. Conforme Paulo
Carmona: não se pode olvidar que, no Brasil, o Direito Urbanístico é a expressão
jurídica dos conflitos existentes no meio ambiente urbano e seus pressupostos devem
estar obrigatoriamente relacionados à dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III da
CF/88), que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como a
erradicação pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III, da
Carta Magna), objetivos fundamentais do Estado brasileiro.168
O princípio da função social da propriedade enfraquece o interesse privado do
proprietário e valora o interesse público, que reclama o uso da propriedade visando o
bem-estar do proprietário e de toda sociedade. Nas palavras de Venicio Salles, o direito
de usar, gozar e dispor livremente veio condicionado ao exercício adequado da
propriedade, que deve estar voltado às finalidades econômicas e sociais de seu uso, com
respeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, histórico e artístico. Exige-se mais
do que literal respeito à “lei”, pois o Código cobra do proprietário certa consciência
social necessária à preservação de todos os bens naturais ou culturais,
independentemente de qualquer providência estatal ou da edição de ato ou norma
restritiva, por exemplo, o ato de tombamento. Enfraqueceu-se, destarte, a noção
subjetiva e absoluta de propriedade privada no Código Civil, que reclama uso produtivo
ou útil do bem, sem qualquer interesse menor, que possa prejudicar moradores ou
proprietários do entorno, prevendo limitação de vizinhança.169
Desta forma, a função social da propriedade reza que o meio ambiente urbano
e o direito de propriedade são noções a serem compatibilizadas. De acordo com o
Supremo Tribunal Federal, o direito de propriedade não mais possui caráter absoluto,
eis que, sobre o mesmo, pesa grave hipoteca social, a implicar que, descumprida a
função social que lhe é inerente (CF, art. 5.º, XXIII), se torne legítima uma intervenção
168 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 66. 169 SALLES, Venicio. Função social da propriedade. In: NALINI, José Renato; LEVY, Wilson (Org.).
Regularização fundiária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 1, p. 91.
139
estatal na esfera dominial privada (respeitando-se os limites constitucionalmente
previstos).170
Seria, então, a figura do condomínio de lotes compatível com a função social
da propriedade? É possível afirmar que sim, se sua implementação não prejudicar os
interesses da coletividade, em prol de privilegiar interesses privados dos proprietários e
desonerar o Poder Público da prestação de serviços em seu interior. Além disso
Quanto ao princípio da coesão dinâmica Daniela Libório afirma que:
este princípio implícito do Direito Urbanístico reflete o dinamismo e o
resultado que suas ações buscam ter, sendo-lhe extremamente
peculiar. As atividades urbanísticas procuram interferir, modificar,
salvaguardar, resgatar, restaurar a urbe com a finalidade de melhorar a
qualidade de vida local. [...] O princípio da coesão dinâmica surge
justamente para que as modificações feitas pelas interferências
urbanísticas sejam continuadas por ações que tenham pertinência e
nexo com o contexto. As mesmas prioridades, o mesmo enfoque
deverá ser dado para as ações urbanísticas de um certo local em certo
tempo. A dinâmica do planejamento é fundamental para a eficácia
deste princípio. Na medida em que certo plano seja aplicado, ele vai
se desatualizando com relação ao seu objeto, justamente por
transformá-lo. Assim, o plano deverá prever mecanismo de revisão e
atualização de seu conteúdo. É a coesão dinâmica.171
Poderiam os condomínios de lotes salvaguardar a qualidade de vida dos
moradores sem comprometer a dinâmica da malha urbanística preexistente? Entende-se
sim, desde que cumprida as regras municipais estabelecidas.
De acordo com este princípio, é possível atribuir os seguintes comandos
prescritivos de: (i) elaboração, revisão e execução dos planos, com base no art. 40, § 3.º;
(ii) integração entre os níveis de planejamento federal, estadual e municipal, com base
nos arts. 3.º, II, III e IV, 23, 25, § 3.º, 30, VIII, 43 e 241 da Constituição Federal e arts.
2.º, III e 4.º, I a III do Estatuto da Cidade e; (iii) integração entre o plano diretor e a
legislação sobre ordenação do solo produzida no âmbito municipal, com base no art.
182, § 1.º, da Constituição Federal. A sua identificação dessa forma, além de fornecer
maior densidade normativa ao princípio do planejamento, contribui para uma melhor
170 STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.213-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.2004. 171 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.
50.
140
aplicação das normas do Direito Urbanístico e permite mais controle dos instrumentos
de Direito Urbanístico, na medida em que o planejamento precede sua execução.172 Para
que haja esta integração entre o plano legislativo federal e municipal imperativa a
criação de uma norma federal que regule a matéria dos condomínios de lotes, vez que
muitos municípios brasileiros regulam a temática prevendo autorização e legalidade
desta modalidade habitacional.
Quanto ao princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da
atuação urbanística Paulo Carmona estabelece:
O princípio da justa distribuição do ônus decorrente da urbanização,
por sua vez, advém do princípio da isonomia e implica distribuir de
forma equânime as mais-valias do solo urbano, levando o princípio da
capacidade contributiva à organização do solo urbano. Encontra
fundamento constitucional no disposto no art. 3.º, notadamente no
inciso III (erradicação da pobreza e redução das desigualdades
regionais e sociais). Nesse sentido, o Estatuto da Cidade tem, como
diretrizes a justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do
processo de urbanização e a recuperação dos investimentos do Poder
Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.
2.º, incs. IX e XI, Lei n.º 10.257/2001, respectivamente). Uma
aplicação concreta desse princípio é o instituto da contribuição de
melhoria, previsto no inciso III do art. 145 da CF/88 e com disciplina
nos arts. 81 e 82 do CTN.173
O fundamento deste princípio é diminuir as desigualdades sociais no perímetro
urbano, de modo que as vantagens e prejuízos decorrentes dos processos de urbanização
devem ser suportados por todos os habitantes da cidade de modo equânime.
Os condomínios de lotes não afetam a distribuição equitativa dos
equipamentos urbanos, desde que o empreendedor ou os próprios condôminos arquem
com os prejuízos de seu empreendimento.
Dessa forma, eventuais externalidades negativas advindas da implementação
dos condomínios de lotes devem ser suportadas por seus proprietários. Jamais devem
172 SILVA, Júlia Maria Plenamente. O princípio jurídico da coesão dinâmica no direito urbanístico
brasileiro. Tese (Doutorado). 2016. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 136. 173 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.
p. 83.
141
ser repassadas, socializadas para toda sociedade. Se isto ocorrer, surge a ilegalidade
desta modalidade habitacional.
Assim, para a aprovação do projeto, poderia o município, por exemplo, impor
ao empreendedor a necessidade de criação de uma nova via de acesso para possibilitar o
novo fluxo de moradores que impactará as vias de circulação locais.
Da mesma forma, poderia prever a necessidade de criação de uma área pública
externa de compensação, como, por exemplo, uma praça, um parque, uma quadra
pública, dentre outros, já que o condomínio urbanístico é completamente fechado e
impede a convivência social democrática.
Em relação ao princípio da subsidiariedade, ele possui fulcro na máxima de
que o respeito às regras de direito urbanísticos é o respeito ao interesse público em
detrimento dos interesses ou direitos particulares.
Assim,
necessariamente, o Poder Público deverá coordenar todo o processo
de urbanismo oficial – esta é uma função pública. Ele deverá estar
presente desde o processo de planejamento até a execução final de
todas as intervenções previstas, fiscalizando cada etapa de execução
do plano. Ocorre que o particular pode participar das decisões de
caráter urbanístico de cunho finalista, ou seja, as determinações que
atingem direta e concretamente o particular, mas não aquelas que
definem como e quando a Administração Pública agirá. [...] O
princípio da subsidiariedade tem de se adequar aos parâmetros legais
para poder ser aplicado, porém entendemos que a omissão do Poder
Público ou sua recusa expressa a uma proposta de operação
urbanística pelo particular e custeada por este fere o princípio da
eficiência. Á sociedade, o que interessa é que os serviços públicos
sejam prestados e que estejam adequados, suficientes e proporcionais
à sua necessidade. Não há nenhuma vedação constitucional à
participação da coletividade no desenvolvimento urbano. O que
precisa ficar claro, entretanto, é que esta possibilidade de negociação e
participação pela sociedade não pode desvirtuar a supremacia do
interesse público sobre o privado.174
174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.
53.
142
Os condomínios edilícios surgem, justamente, com base no princípio da
subsidiariedade e com ganas de suprimir a deficiência na prestação dos serviços
públicos como a segurança, iluminação, limpeza, dentre outros.
Nesse sentido, gera um impacto positivo, pois custeia sua manutenção,
liberando a população da cidade de arcar com as despesas geradas pelos condôminos
moradores.
Os condomínios de lotes, por sua vez, não são figura puramente privada
conforme verificamos. Possuem natureza híbrida. Como esta modalidade habitacional
consiste em dividir uma gleba privada sem a criação de vias públicas, por vezes se
aproxima mais de uma modalidade de parcelamento do solo do que de um condomínio
privado.
Assim, há duas fases distintas para a criação de um condomínio de lotes, uma
primeira fase em que o interesse público deve prevalecer e outra fase regida pelo
interesse privado. A primeira fase possui caráter público, pois consiste em dividir uma
gleba em outras glebas, assemelhando-se à figura do loteamento.
Nesta primeira fase, princípios e requisitos impostos pelo Direito Urbanístico
na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor dos Municípios
devem ser observados para a aprovação do empreendimento. Em razão dos impactos
que gera, o plano diretor deve prever qual o zoneamento mais adequado para esse tipo
de moradia. Não pode gerar impedimento à circulação dos habitantes da cidade, nem
pode travar o fluxo do transporte da região.
Do mesmo modo, a sua extensão deve ser controlada. Não pode o Município
ao regulamentar os empreendimentos residenciais fechados admitir que cresçam tanto
em extensão a ponto de gerar uma cidade dentro de outra. Nem aos condôminos essa
forma de moradia interessaria, já que iria gerar uma necessidade de gestão quase tão
complexa quanto de outro município.
Se há na previsão do zoneamento urbano um percentual de construção e limite
de altura para o crescimento vertical das cidades que atinge todos os condomínios
143
edilícios de prédios, também deve haver percentual máximo de área urbana para
residenciais fechados e limite máximo de tamanho em extensão para estes condomínios.
As peculiaridades de cada cidade é que devem importar para estabelecer os
limites administrativos, com os estudos e licenças necessárias, e as restrições
urbanísticas de cada legislação.
Já é assim quando há regulamentação da altura dos prédios que beiram a praia
nas cidades litorâneas por exemplo. Não há porque não ser diferente na regulamentação
da limitação dos condomínios fechados.
Em seguida, será instituído o condomínio, passando área de cada lote ao
domínio exclusivo de seus proprietários, e as áreas internas comuns ao domínio de
todos os condôminos.
Deste modo, os condomínios de lotes constituem exemplo de aplicação do
princípio urbanístico da subsidiariedade, pois, ao final da instalação do condomínio esta
modalidade habitacional passa a ser privada, mas, para sua constituição, devem ser
respeitadas as regras urbanísticas criadas em prol da supremacia do interesse público.
Para melhor cumprimento do ônus constitucional que determina um
planejamento urbano que garanta o cumprimento das funções sociais das cidades deve a
União, no gozo de sua competência, editar legislação federal acerca dos condomínios de
lotes visando concretizar os princípios do planejamento e da eficiência.
Verificamos que a existência dos condomínios de lotes no país é atividade
consolidada em nosso território. Para evitar desvios às normas urbanísticas deveria a
União regular a matéria e determinar um piso mínimo protetivo, estabelecendo
limitação territorial para implementação desta modalidade habitacional.
Isto evitaria a criação de feudos privados dentro das cidades e permitiria o
acesso democrático à urbe sem obstar a liberdade de escolha por uma modalidade
habitacional privada. Verificamos que alguns municípios brasileiros utilizam sua
competência constitucional para legislar acerca dos condomínios de lotes.
144
Assim, a atividade de planejamento deve ser permanente no Estado brasileiro,
será por meio dela que este ordenará suas atividades e elencará prioridade. O art. 174 da
Constituição Federal traz esta determinação com alcance genérico, pois não indica o
setor em que o planejamento se deve dar. Lê-se, desta generalidade, portanto, que o
Estado deve sempre agir por intermédio da dinâmica do planejamento.[...] Deste
contexto, podemos entender que o planejamento das ações públicas é necessário sempre
que o Poder Público quiser interferir na ordem econômica e financeira. Assim, na
medida em que a política urbana está inserida no Capítulo II deste Título, o Poder
Público deve planejar suas atividades de cunho urbanístico.175
Na temática dos condomínios de lotes, pode-se afirmar que estes atendem à
função social da propriedade quando cumprem os requisitos impostos no Plano Diretor
municipal, de forma que atendam tanto o interesse dos seus condôminos, como também
ao interesse público dos demais habitantes da cidade. Isso ocorre, por exemplo, quando
a implantação do residencial em uma área gerar externalidades positivas como o
fomento da economia local, ou o desenvolvimento urbano desejado pelo município para
uma área afastada, ou até mesmo com a criação de áreas públicas de compensação.
Dessa forma, o Poder Público municipal pode e deve direcionar a expansão
urbana também por meio do condomínio de lotes, impondo as restrições e
compensações que melhor atenderem ao interesse público. Essa postura controladora no
desenvolvimento da cidade democrática é fundamental e revela-se mais eficiente que a
mera proibição dos residenciais fechados, que gera loteamentos e condomínios
irregulares.
Para que a coletividade toda se beneficie da implantação do residencial
fechado os seus impactos negativos como a segregação devem ser neutralizados com
ações positivas. A autonomia municipal permite que o poder local verifique de acordo
com as peculiaridades qual restrição ou ação mais adequada para o caso.
Assim, embora garantido o direito de propriedade, é o interesse da
coletividade que determina o modo de exercício das faculdades a ele inerentes. Nesse
175 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.
55.
145
contexto, ressalta a proteção dos valores ambientais, que integra e se funde com o
direito urbanístico nas questões relacionadas à qualidade de vida, e é exatamente
visando à sua proteção que a Constituição impõe o controle da interferência no
ambiente e veda práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora ou
possam provocar degradação ambiental, bem como aquelas que comportem riscos para
a qualidade de vida (CF, art. 225).176
176 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.
São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 106, jul.-dez. 2009.
146
CONCLUSÃO
Em 1988 a Constituição Federal brasileira foi pioneira em reservar um
capítulo específico para a política urbana, elevando o Direito Urbanístico ao patamar de
direito fundamental.
Por sua vez, os residenciais fechados passaram a surgir a partir da metade do
século XX, com o intuito de suprir a deficiência dos serviços públicos essenciais, tais
como segurança, limpeza e conservação.
Verifica-se que, como principal forma de expansão urbana, parcelamento do
solo urbano deve avaliar os impactos de seus empreendimentos, considerando as
esferas: ambiental, urbanística e civil. Não é possível que o proprietário privatize os
benefícios e externalize os prejuízos para toda sociedade.
Como em todo empreendimento que altera os equipamentos e funções
urbanísticas da cidade, deve-se atentar à máxima da supremacia do interesse público em
detrimento dos interesses particulares.
Inúmeros modelos de empreendimentos foram criados, dando destaque ao
modelo de parcelamento do solo regulamentado pela Lei 6.766/79 e aos condomínios
disciplinados pela Lei 4.591/64. Demonstrou-se que os condomínios de lotes não são
abarcados por nenhuma destas legislações, necessitando de regulamentação específica,
atualmente dada por alguns municípios.
Constatamos que a figura do condomínio de lotes é figura híbrida que exige
estudo transdisciplinar entre as esferas urbanística e civilista.
Apontamos pela necessidade de criação de uma norma federal que
regulamente os condomínios de lotes, harmonizando sua disciplina com os demais
direitos fundamentais urbanísticos previstos na Constituição Federal.
Na ausência de norma federal, a legislação municipal que estabeleça regras no
interesse local deve ser observada e pode significar importante instrumento para o
crescimento ordenado da urbe e a garantia do direito à cidade.
147
Propõe-se que o Município estabeleça limites em percentual de área urbana de
acordo com as peculiaridades locais para empreendimentos residenciais fechados, a fim
de que não haja prejuízo aos direitos dos cidadãos que vivem na cidade. Deve ainda ser
determinado o tamanho máximo que cada um desses condomínios podem atingir
individualmente para que não se chegue ao ponto de se criar outra cidade murada dentro
da antiga, o que além de impedir o direito à cidade dos habitantes da urbe, também não
atenderia aos anseios dos condôminos.
A legislação municipal deve considerar todos os impactos gerados,
principalmente a área de zoneamento adequada para minimizar os efeitos negativos
como a segregação e potencializar os efeitos positivos como a desoneração do poder
público da prestação de serviços internos. Além disso, a aprovação municipal pode
condicionar o empreendimento à realização de uma compensação em benefício da
coletividade, como a criação de alguma área pública externa ou a execução de obras
viárias que permitam o novo fluxo de moradores.
Não obstante o legislador federal quedar-se inerte no que tange à disciplina
dos condomínios de lotes, o que dissolveria as interpretações divergentes acerca da
temática, é necessário reconhecer a legalidade dos condomínios de lotes quando houver
aprovação lastreada em legislação municipal específica. O fundamento é o respeito à
autonomia municipal consagrada na Constituição brasileira.
Afirma-se a legalidade desta prática desde que realizada em consonância com
os elementos democráticos que compõem o Direito Urbanístico. Assim, a instituição de
condomínios de lotes só é admitida quando atende às normas ambientais e de ordenação
da cidade, com a indispensável harmonização entre o condomínio e as estruturas
existentes na cidade e no bairro, sempre com adequada ponderação de princípios
constitucionais relacionados à liberdade de locomoção, a mobilidade urbana, a
segurança pública, a preservação do meio ambiente e a justiça social.
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