PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
TEREZINHA CARMEN GANDELMAN
A RELIGIOSIDADE E A ESPIRITUALIDADE DOS ALUNOS NO
CURSO DE FORMAÇÃO DE PSICÓLOGO
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2013
I
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Terezinha Carmen Gandelman
A Religiosidade e a Espiritualidade dos Alunos no Curso de Formação de
Psicólogo
Dissertação apresentada à banca
examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Psicologia Clínica, sob
orientação da Profa. Dra. Marília Ancona-
Lopez.
São Paulo
2013
II
VERSO DA FOLHA DE ROSTO
GANDELMAN, Terezinha Carmen.
A Religiosidade e Espiritualidade dos Alunos no Curso de
Formação de Psicólogo/ Terezinha Carmen Gandelman. São Paulo,
2013.
115 f.
Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Psicologia Clínica, PUC-SP
Orientadora: Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
1. Religiosidade. 2. Espiritualidade. 3. Psicologia. 4. Formação.
III
GANDELMAN, Terezinha Carmen. A Religiosidade e a Espiritualidade dos
Alunos no Curso de Formação de Psicólogo. Dissertação apresentada à
banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob
orientação da Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez.
BANCA EXAMINADORA
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IV
DEDICATÓRIA
À Geni, minha mãe, e ao José, meu pai, que
saudades! Passagens intensas de amor tão
profundo! Minha eterna gratidão pela ternura,
pela prontidão e pela longa dedicação,
aceitando-me incondicionalmente em minha
caminhada.
Ao meu amado filho, Marcos, pois é a mais
concreta manifestação do Sagrado em minha
vida.
V
AGRADECIMENTOS
A Deus, muito obrigada! Por mostrar que sou protegida, guiada e iluminada
pela Sua presença divina no mais íntimo do meu ser, por Seu amor incondicional,
sustentando-me nos momentos mais difíceis, não me deixando esquecer que Você é
a força que dá vida a minha alma. Obrigada!
Aos meus pais, que já se encontram em outra dimensão, por terem me
conduzido a caminhos que percorri na vida, mostrando-me que eu não sou melhor
do que ninguém... mas que devo ter orgulho de quem sou, já que tudo que sou e
tudo que conquistei foi com muita dignidade, herança que me foi transmitida.
Ensinaram-me a amar a vida e, diante de uma derrota, nunca desistir, mas
recomeçar, acreditando eternamente nos valores humanos acima de tudo.
À minha orientadora, Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez, por acreditar em mim
e ajudar-me nesta trajetória longa e cheia de obstáculos, que eu pude vencer graças
a seu acolhimento amoroso e competente. Com sua generosidade, você me mostrou
um caminho para que eu pudesse chegar até aqui. Minha convivência com você só
me faz crescer. Minha eterna gratidão!
À Profa. Dra. Maria Elisabeth Montagna e à Profa. Dra. Ligia Caran Costa
Corrêa, cuja participação em minha Banca de Qualificação contribuiu muito ao
processo desta pesquisa.
Ao meu irmão Amauri (in memoriam), que foi para mim um exemplo
incontestável de resiliência e luta pela existência terrena, ensinando-me a alcançar
grandes voos por meio do desapego e do destemor e, principalmente, encorajando-
me no desafio de ser plenamente humana.
Aos amigos que conquistei durante minha trajetória no Mestrado: Suzana,
Simone, Aline, Leidilene, Padre Vandro, Padre Anselmo, Yvone, Padre João, Oiama,
Neuza, Pastor Merlinton, Marta, Beatriz, Diogo, Rafaela, Carine, Marília, Renata,
Telma, Terezinha, Telênia, Padre Gerson, Padre Vanildo, Patricia, Guilherme, Kelcy,
Magali, Ênio, Manuela, Divina, Melissa e Felipe.
VI
À Bia, obrigada por ter partilhado comigo toda a sua bagagem de experiência,
mostrando-me que a fé e a esperança são possíveis quando alguém aposta muito
na capacidade e nos recursos do outro. Obrigada por ouvir minhas lamentações e
suportar o meu cansaço existencial. O meu carinho e a minha amizade.
Um profundo agradecimento ao Rodrigo e à Roberta, pela disponibilidade e
pela grandiosidade de proporcionarem tão rica oportunidade de conhecer as suas
histórias de vida e a sua compreensão e pela coragem de compartilharem as suas
experiências comigo, o que muito enriqueceu meus conhecimentos e minha
caminhada e fez com que esta dissertação se tornasse possível. Minha eterna
gratidão!
A Universidade Paulista, que permitiu que a parte prática da entrevista se
desenvolvesse dentro do Campus Rangel-Santos.
À Camila, que no final do mestrado, auxiliou-me e acompanhou-me a
organizar as minhas ideias até os últimos momentos desta dissertação, minha
eterna gratidão.
Ao Rodrigo Rios, pela disponibilidade e atenção na revisão final, dando um
toque especial na leitura deste trabalho.
E, por fim, a todos aqueles que, por lapso, não mencionei, mas que
colaboraram para esta pesquisa.
Abraços fraternos a todos!
VII
EPÍGRAFE
“Eu queria conhecer seus mistérios, viver
sem fronteiras, nessas experiências,
busquei a compreensão para fenômenos
situados próximos a interface entre a
ciência e a espiritualidade”.
Fernando Pessoa
VIII
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo compreender a religiosidade e a
espiritualidade de alunos do curso de formação de psicólogos. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa. Inicialmente refleti sobre minha própria vivência espiritual e
religiosa, a fim de apreender como ela se relacionava com a minha vida pessoal e
profissional. Posteriormente realizei entrevistas semidirigidas com dois graduandos
do último ano letivo de um curso de Psicologia. Como critério para a escolha dos
entrevistados considerei o tempo de ingresso no curso de Psicologia, definindo a
opção por alunos do último ano letivo, período em que se supõe que tenham
adquirido os conhecimentos propostos e já estejam realizando estágios na área
clínica e aplicando os conhecimentos adquiridos. Outros critérios foram terem entre
20 e 25 anos, valorizarem a vida religiosa e espiritual e terem condições de
expressar seus sentimentos e pensamentos a respeito do tema da entrevista. Foram
identificados aspectos de convergência e divergência nas entrevistas, agrupados em
temas que foram tratados de forma distinta: as crenças religiosas e espirituais dos
formandos de Psicologia; a visão de mundo dos entrevistados e a necessidade de
diferenciação entre religiosidade e espiritualidade; distinção entre a religiosidade e
espiritualidade do paciente e do próprio psicólogo; a religiosidade e a espiritualidade
na prática da clínica psicológica; a religiosidade e a espiritualidade na formação
acadêmica em Psicologia. A partir de levantamento bibliográfico, englobando
religiosidade e espiritualidade, foram tecidas considerações e realizou-se um diálogo
com autores desta área sobre os tópicos definidos para a análise. Evidencia-se que
há necessidade de um olhar aprofundado sobre a inserção destes temas na grade
curricular do curso de Psicologia como forma de contribuir para o desenvolvimento
pessoal e profissional dos alunos.
Palavras-chave: Religiosidade; Espiritualidade; Psicologia; Formação.
IX
ABSTRACT
This thesis aims to understand the religiosity and spirituality of psychology
students in their undergraduate training. This is a qualitative research. Initially I
reflected on my own experiences spiritual and religious, in order to grasp how it was
related to my personal and professional life. Later semidirected conducted interviews
with two graduates of the last school year of a psychology course. As a criterion for
the selection of respondents considered the time of enrollment in Psychology course,
setting the option for students last school year, a period that is supposed to have
acquired the knowledge already proposed and performing stages in the clinical area
and applying knowledge acquired. Other criteria have been between 20 and 25
years, appreciate the religious and spiritual life and have conditions to express their
feelings and thoughts about the subject of the interview. We identified aspects of
convergence and divergence in the interviews were grouped into themes that were
treated differently: the religious and spiritual beliefs of students of psychology, the
world view of respondents and the need to differentiate between religiosity and
spirituality; distinction between religiosity and spirituality and the patient's own
psychologist, religiosity and spirituality in the practice of clinical psychology,
religiousness and spirituality in academic education in psychology. From literature,
encompassing religiosity and spirituality, considerations were made and held
dialogue with authors from this area on the topics identified for analysis. It is evident
that there is need for a thorough look on the inclusion of these topics in the
curriculum of the Psychology course as a way to contribute to the personal and
professional development of students.
Keywords: Religiosity; Spirituality; Psychology; Training.
X
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
CAPÍTULO I – RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE:
CONTEXTUALIZAÇÕES............................................................................................. 8
1. Desenvolvimento religioso ................................................................................. 16
CAPÍTULO II – PSICOLOGIA E RELIGIÃO .............................................................. 20
1. A Religiosidade e a Espiritualidade na formação acadêmica ............................. 20
2. A religiosidade e a espiritualidade na Psicologia Clínica ................................... 26
CAPÍTULO III – MÉTODO ......................................................................................... 35
1. Objetivo .............................................................................................................. 35
2. Caminhos da Pesquisa ...................................................................................... 35
3. Pesquisa Qualitativa .......................................................................................... 36
CAPITULO IV – SÍNTESES DAS ENTREVISTAS: ROBERTA E RODRIGO............ 40
1. Síntese da Entrevista com o Rodrigo ................................................................. 40
2. Síntese da entrevista com a Roberta ................................................................. 47
CAPITULO V – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ........................................................ 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 70
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 72
ANEXOS ................................................................................................................... 80
ANEXO I: PARECER PARA O COMITÊ ÉTICO ....................................................... 81
ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................... 82
ANEXO III: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS .................................................... 85
Entrevista I ............................................................................................................. 85
Entrevista II ............................................................................................................ 91
1
INTRODUÇÃO
Questões sobre espiritualidade sempre geraram inquietações e estiveram
presentes em minha história de vida. Nasci em uma família católica, da qual recebi
todos os ensinamentos dessa religião, e no decorrer de minha existência conheci
outras religiões e formas de entrar em contato com o Sagrado. Como comenta
Giovanetti (1999, p. 90), “O Sagrado é algo que nos atrai de maneira arrebatadora”.
O meu caminhar foi marcado por essas experiências.
Ser tocado pelo Sagrado é uma experiência que deve envolver com sua atmosfera o meu pensar, o meu sentir, e o meu agir. (...) É a trilha que descobre para mim a rota que eu sigo, convencido de que ela me leva para onde eu me encontro, para o que constitui meu anseio mais profundo – não importando o que este seja ou o que possa ser. (MULLER, 2004, p. 43).
Em minha trajetória pessoal, profissional e espiritual convivi com o
desconhecido, com o mistério, e enfrentei situações que levantaram muitas dúvidas
em mim e causaram-me perdas. Para compreendermos nossas respostas às perdas
é preciso inicialmente entendermos nossas preocupações e interesses espirituais e
religiosos (PARGAMENT, 2007). No entanto, sempre as vivenciei como
oportunidades para novas descobertas e para a construção de novos sentidos em
minha vida. Logo, acreditei que elas foram propulsoras de mudanças e crescimento.
Considero importante sentir a presença de algo que me transcende. Acreditar
na existência de algo maior, sagrado, que dê suporte para transpor os obstáculos da
vida, sempre me fascinou. Vivi em um meio familiar em constante reconstrução, mas
sempre acreditei que este algo maior acabaria por dar sentido às dificuldades
enfrentadas.
Cresci acreditando que Deus daria solução para o sofrimento humano.
Também a crença no Anjo da Guarda me trouxe paz e, ainda hoje, a fé religiosa
acalenta-me em momentos difíceis de minha existência, me acolhendo e
protegendo. Dessa forma, sempre estive aberta a trilhar caminhos que me
2
possibilitassem vivências significativas por meio de rituais e orações. Procurei
também apoio para a minha vida no processo terapêutico. Busquei, assim, recursos
que me ajudassem a dar sentido para a minha vida. Nesse caminhar, sofri
transformações significativas, fui tocada por experiências que me posicionam de
uma forma própria.
Para Frankl (1990) a religião é uma ferramenta na busca de sentido para a
vida, é uma procura por razões para viver em meio às dificuldades da existência. “A
religião é a consciência que o homem tem da existência de uma dimensão sobre-
humana e sua fé básica no sentido último que reside nessa dimensão” (FRANKL,
1990, p. 199).
Segundo Amatuzzi (2001), a religião é o campo das indagações últimas pelo
sentido, que estão implicitamente presentes em todas as demais inquietudes e
movimentos humanos. Para ele a ligação com algo superior influi no equilíbrio total
do ser humano, em suas escolhas, em seu estilo de vida.
A Psicologia preocupa-se com o homem em sua totalidade psíquica, incluindo
pensamentos, emoções, comportamentos, percepções e toda a gama de conteúdos
que constituem seu universo particular e suas relações com a realidade circundante.
Nesse contexto inclui-se a reflexão sobre o modo como as pessoas lidam com suas
crenças e seus valores religiosos, que fazem parte de suas subjetividades, vidas e
ações pessoais e profissionais. Amatuzzi (1999) definiu a Psicologia da Religião
como uma área que inclui o estudo da experiência religiosa e que entende como a
relação entre o homem e a esfera transcendente é estabelecida ao longo das
situações cotidianas.
Ribeiro (2004, p. 14) considera:
Estudar o homem psicologicamente e excluir dele o estudo de seu aspecto espiritual é o mais alienante descompromisso da Ciência e ou da academia com a totalidade existencial humana, da qual nasce todo e qualquer significado.
O autor questiona como a Psicologia, enquanto ciência, pode entrar em
conflito com a religião ou desconsiderá-la frente às angústias do ser humano à
procura de seu sentido último. Concordo com Ribeiro quando ele diz que o papel da
3
Psicologia não é estudar Deus ou afirmar ou negar os dogmas religiosos, e sim olhar
o ser humano em sua totalidade dinâmica e compreendê-lo em seus aspectos mais
complexos. Portanto, parece-me que o desafio da Psicologia é não se esquivar
dessa área.
Ribeiro afirma que, quando a Psicologia estuda o homem em sua totalidade,
ela não se “amedronta diante da ideia de Deus, do sagrado, da espiritualidade, da
religião, até porque são processos que constituem a identidade individual e social do
homem e da comunidade” (RIBEIRO, 2004, p. 32). Para ele (2004, p. 33) o
profissional de Psicologia precisa aprender a conviver com o Deus que habita na
humanidade e que se expressa através de fé, esperança, angústia, amor, medo e
temor.
Graduei-me em Psicologia há 32 anos. Desde então sempre atuei em
clínicas-escola de Psicologia e na docência em nível superior. Durante esse tempo
observei, tanto em minha formação quanto em meu trabalho, que as questões da
religiosidade e da espiritualidade não tinham espaço no contexto acadêmico do
curso de Psicologia. Quando os docentes psicólogos abordavam o tema com seus
alunos, ou mesmo com seus colegas de profissão, não o faziam com clareza e
objetividade. Não permitiam questionamentos e revelavam preconceitos em relação
ao assunto, o que demonstrava dificuldade em enfrentar a temática ao ignorar sua
importância no desenvolvimento da subjetividade humana.
Como relata Esteves (2004), possivelmente e de modo geral a postura dos
docentes frente à religião interfira na formação dos graduandos, como se pode
observar nos cursos de Psicologia. Muitas vezes a conduta profissional sugerida
para os alunos quando surgiam temas relacionados à religiosidade era diferente
daquela de quando outras questões eram abordadas. Era frequente dar-se aos
alunos a orientação de que convinha evitar a abordagem do tema, pois este era
delicado e poderia dar margens a discussões ou confronto entre diversas crenças,
inconvenientes na clínica. Era sugerido apenas ouvir a fala religiosa sem se deter a
ela e não tratar desse assunto nos atendimentos. Eu sentia atacada tanto as minhas
crenças quanto a profissão que havia escolhido ao ouvir essas colocações, que
desqualificavam não só de meu pensamento sobre o modo como eu via o homem,
Deus e o mundo, mas também de minhas reflexões sobre essas crenças, aliadas
aos conhecimentos psicológicos aprendidos em meu curso de Psicologia.
4
Amatuzzi (2007) ressalta que os alunos apresentam grande carência de
elaborações teóricas e informações científicas relacionadas à dimensão religiosa da
experiência humana.
Amatuzzi (1989) também destaca a importância de focalizar a experiência do
aluno em uma atitude dialógica para facilitar a construção de um conhecimento real
que se transforme em ação.
Complementando Amatuzzi, Placco (2004) diz que é preciso que os
educadores compreendam a sala de aula como lugar para conhecer o aluno e suas
necessidades e demandas, como um encontro de pessoas concretas, com intenções
e possibilidades infinitas de mudança, sendo que as relações pedagógicas em
Psicologia devem abarcar relações pessoas significativas entre os atores em sala de
aula, alunos e docentes.
Segundo Costa (2008), o curso de Psicologia aborda temas diversos, como a
autoestima, as crenças pessoais, os tipos de personalidade, os processos cognitivos
e outros. Ao fazê-lo, a formação em Psicologia estimula, também, a reflexão sobre o
sentido da vida e a busca de autoconhecimento. Como afirma Forghieri, “ao mestre
compete ajudar o estudante a desvendar vários caminhos de sua existência, dentro
do fisicamente pequeno, mas vivencialmente imenso espaço de uma sala de aula”
(FORGHIERI, 2007, p. 60). Por isso, o discente precisa e espera ter ouvidos os seus
questionamentos e encontrar acolhimento no professor e no supervisor do curso,
inclusive em questões relacionadas a sua religiosidade. No entanto, isso nem
sempre acontece.
Tenho refletido muito a respeito dessa questão, pois em meu trabalho
observo as inquietações, as incertezas e as inseguranças dos alunos do curso de
Psicologia. Ancona-Lopez (2008, p. 153) destaca:
O desconhecimento de estudos na área, aliado ao preconceito existente no meio acadêmico e científico contra as posições religiosas, consideradas pouco racionais, ingênuas e ultrapassadas, impede a discussão aberta do tema com professores e supervisores e termina por dificultar a elaboração e assimilação reflexiva das vivências espirituais. Consequentemente, o hiato entre as experiências pessoais e a linguagem profissional é grande e dificulta o estabelecimento de um diálogo interno e externo consistente.
5
Inúmeras vezes, quando eu perguntava informalmente aos professores qual
sua posição a respeito da religiosidade, eles afirmavam que evitavam falar sobre o
tema com os alunos por tratar-se de assunto de foro íntimo, que não poderia,
portanto, ser exposto ao alunado. Parecia-me que trazer à tona o tema significava
desafiar o papel profissional do docente psicólogo, assim como sua autoimagem.
Comportavam-se como se as crenças e os valores existentes em cada pessoa não
participassem de sua constituição psíquica e, consequentemente, não
influenciassem a sua vida profissional.
Eu percebia nesses contatos a falta de familiaridade dos profissionais com o
tema e o quanto este lhes gerava ansiedade e desconforto. Refleti muitas vezes
sobre a incoerência existente entre o pressuposto de que os psicólogos devem
acolher o ser humano em sua totalidade, considerando todas as suas experiências,
e a falta de atenção dada à religiosidade por eles. Uma vez que os psicólogos
precisam considerar a pessoa em sua totalidade, o indivíduo deveria ser respeitado,
aceito e compreendido também em sua dimensão espiritual. Como afirma Zacarias
(2004), se o paciente traz conteúdos religiosos, a conduta mais apropriada do
terapeuta é compreendê-los sem julgamentos ou preconceitos.
Em meu caminhar profissional trabalhei muitos anos na clínica atendendo
crianças excepcionais e suas famílias. No atendimento aos pais dessas crianças
observei a tensão e a ansiedade existentes frente ao futuro dos filhos e aos projetos
de vida que poderiam ser traçados. Esses pais muitas vezes expunham concepções
que explicavam e justificavam a deficiência de seus filhos como “vontade de Deus”.
Questões sobre religiosidade frequentemente faziam-se presentes em nossos
encontros sob a forma de explicações que davam sentido às dificuldades que eles
encontravam. Este fato me deixava inquieta, porque era evidente a importância da
religiosidade para aqueles pais e eu me sentia frustrada por não saber como lidar
com o assunto. Questionava-me sobre a forma como a religião contribuía para a
visão de mundo deles e sobre a possibilidade de trabalhar este aspecto na clínica.
Percebia como era essencial contextualizar, na prática clínica, as dimensões social e
histórica (em toda sua relevância), incluindo nelas a religiosidade como algo que
constituiu o modo de ser de pais de crianças excepcionais.
Em 1999 mudei-me para a cidade de Santos e assumi o cargo de diretora de
uma unidade universitária. O convívio com alunos e professores levou-me
6
novamente a observar como as questões da religiosidade se configuravam tanto
para os docentes quanto para os discentes. No campus universitário observava a
presença de diversos interesses, como a arte, a política e o esporte. No entanto,
temas ligados à religião eram alheios ao meio acadêmico. Em conversas informais
com membros da comunidade, observei que eles acreditavam que haveria, no
futuro, harmonia entre as diferentes ciências, mas as religiões e a espiritualidade
não estavam incluídas nessa perspectiva e tampouco eram consideradas na
formação dos alunos.
Giovanetti (2005, p. 129) afirma:
O tema da espiritualidade tem sido objeto de muitos estudos, extrapolando a fronteira da tecnologia e exigindo outras perspectivas para melhor compreensão desse fenômeno humano. (...) a psicologia também se vê às voltas com essa realidade. Assim, o psicólogo, principalmente o psicólogo clinico, esbarra com essa faceta da vida humana no seu trabalho. Daí, a necessidade de se buscar uma compreensão do que seja a espiritualidade, a fim de poder compreender melhor o ser humano na busca de sua ajuda profissional.
Os cursos de Psicologia não dão acesso ao estudante a trabalhos nesse
campo desenvolvidos no Brasil ou em escolas europeias e americanas, o que
poderia facilitar um olhar psicológico não redutor aos fenômenos religiosos e
espirituais. Usualmente os cursos apresentam ao futuro psicólogo apenas as
posições da Psicologia que excluem as experiências religiosas e espirituais do
âmbito de seus estudos ou que as focalizam como patológicas.
Observam-se movimentos contraditórios diante da proposta de flexibilização
do currículo e dos modos de ensino trazida pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (1996), que oscilam entre o uso excessivo da liberdade de organização
dos cursos, que por sua vez não garantem uma homogeneidade básica de ensino
no país, e o engessamento das propostas que obedecem principalmente a
interesses das instituições. Nesse processo ainda há os professores que buscam
espaço para as suas preferências teóricas, para fazer prevalecer os seus modos de
compreender como deve ser a formação do psicólogo (ANCONA-LOPEZ, 2007).
A partir dessas observações vários questionamentos vieram à tona. Comecei
a fazer um levantamento de trabalhos em Psicologia relativos à questão da
7
religiosidade e da espiritualidade no meio acadêmico e verifiquei que há uma
escassez de estudos desenvolvidos com os alunos de Psicologia que tratam da
religiosidade.
Um trabalho que me chamou a atenção foi uma pesquisa desenvolvida por
Costa et al (2008) com 136 universitários de Psicologia da PUC-RS, com o objetivo
de avaliar a qualidade de vida e o bem-estar espiritual destes universitários. O
estudo evidenciou que 86% dos participantes da pesquisa mencionaram ter religião;
83,8% afirmaram ter interesse pelo espiritual; e 77,9%, disseram ter interesse em
discutir o assunto em sua formação acadêmica.
Nesse estudo, Costa et al (2008) propõem o cultivo de aspectos relacionados
à espiritualidade no meio acadêmico para a melhoria da qualidade da formação
universitária. Propõem também que os cursos de formação invistam em programas
de sensibilização dos professores para temas de bem-estar espiritual e qualidade de
vida, visando demonstrar ser essencial aproximar a formação profissional do
psicólogo das experiências de religiosidade e de espiritualidade e considerando os
aspectos sociais e culturais dos contextos nos quais os estudantes estão inseridos.
As reflexões acima e a convivência com professores, psicólogos e alunos
dentro de uma universidade, a minha trajetória pessoal levaram-me a definir meu
objetivo de pesquisa: compreender a religiosidade e a espiritualidade dos alunos no
curso de formação de psicólogo.
8
CAPÍTULO I – RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE:
CONTEXTUALIZAÇÕES
UMA ORAÇÃO CELTA - I Bendito seja o anseio que te trouxe aqui e que aviva a tua alma com assombro. Que tenhas a coragem de acolher o teu anseio eterno. Que aprecies a companhia crítica e criativa da pergunta “Quem sou eu?” e que ela ilumine o teu anseio. Que uma secreta Providência Divina guie o teu pensamento e proteja o teu sentimento. Que a tua mente habite a tua vida com a mesma certeza com que teu corpo se integra ao mundo. Que a sensação de algo ausente amplie a tua vida. Que a tua alma seja livre como as sempre renovadas ondas do mar. Que vivas perto do assombro. Que te integres ao amor com o arrebatamento da Dança. Que saibas que estás sempre incluído no benévolo círculo de Deus.
John O´Donohue
As diversas manifestações da religiosidade contam a história de um povo e
mostram a sua identidade. Ribeiro (2004) diz que todos os povos na história da
civilização tiveram rituais e deuses. Para ele, as religiões surgem em função do
desejo intrínseco do homem de “responder e explicar anseios internos, complexos,
como ansiedade, medo e culpa, diante do sentido do mundo, da vida e do outro”
(RIBEIRO, 2004, p. 12).
Para Gleiser (2006), em várias culturas a natureza é vista como divina. Por
meio de rituais e oferendas os grupos primitivos tentavam agradar aos deuses e,
assim, garantir a própria sobrevivência. Ainda segundo Gleiser (2006, p. 17), a
relação religiosa com os deuses permitia impor valores morais e éticos ao grupo
como garantia de coesão e possibilitava ao ser humano organizar sua existência,
dando sentido a fenômenos misteriosos e ameaçadores. Conforme esse autor, as
questões sobre a origem do universo e sobre a morte geravam diferentes respostas
de ordem metafísica e religiosa, que procuravam satisfazer a necessidade que o ser
humano tinha de lidar com o imprevisível e o inexplicável.
Ribeiro (2004) complementa a posição de Gleiser (2006), dizendo que o
homem primitivo iniciava a prática de rituais em busca de um sentido à realidade que
9
enfrentava. Acreditava que a solução para suas inquietações estava além de seu
alcance e os rituais traziam-lhe tranquilidade e uma percepção normal do mundo.
Para ele,
O homem é um ser emocional. É por receio da emoção que o homem se mantém atento aos sinais do que o mundo lhe manda (...). Quando o homem não é capaz de entender suas emoções, de conviver com elas, frequentemente, busca alhures, explicações para aqueles sentimentos dos quais não consegue livrar-se. (RIBEIRO, 2004, p. 12).
O ser humano caminha pela vida movido por uma força interior e em busca de
plenitude. Ele faz sua caminhada existencial procurando uma realização plena, um
último sentido, uma finalidade. Sendo incompleto, almeja constantemente algo que o
complete. Fascinado pelo mistério da vida, tenta entender não somente a sua
própria origem, mas também a do mundo. Gleiser (2006) aponta que o desejo de
saber sobre a origem do universo e da vida é inerente ao ser humano e transpõe
barreiras temporais e geográficas. Ao tentar compreender a sua origem e a do
universo, o homem busca razões para sua existência; as religiões constituíam um
sistema que oferece sentido à vida, acrescenta Ribeiro (2004).
Aletti (2004, p. 25) concorda com os autores mencionados no que se refere à
busca do homem por respostas às suas questões existenciais. Tal busca reflete uma
tendência à transcendência, a um sentido que ultrapassa os limites do estar no
mundo. Para ele a forma como o ser humano lida com essas perguntas determina,
de certa maneira, suas escolhas e seu modo de ser.
Para Vergote (1969) a religião é um conjunto orientado e estruturado de
sentimentos e pensamentos, por meio dos quais o homem toma consciência vital de
seu ser íntimo e último e na qual, simultaneamente, se torna presente o poder do
sagrado. Por outro lado, o ser humano tem consciência de sua finitude e de seus
limites, mas tem o desejo de superá-los, buscando sentido para suas experiências e,
também, para o sentido último da existência. A religião é um fenômeno relativo ao
desejo, descrito por Vergote (1969, p. 9-24) “como uma tendência psicológica que
orienta para experiências e modos de existência que fazem gozar e celebrar: a
beleza, o amor, a experiência do divino e a relação com ele”. Nesse contexto, a
religião é um instrumento que dá sentido à vida dos homens, ou seja, que responde
10
aos seus questionamentos. O ser humano anseia por respostas às suas indagações
sobre o infinito. E essa sede de saber é inesgotável, embora a condição humana
seja um limitador para a sua capacidade de compreensão.
Massimi e Mahfoud (1999) destacam que há anseios que emergem do
cotidiano do homem comum e que remetem continuamente a novas perguntas sobre
o sentido de tudo; esperam uma resposta totalizante, pedem contato com uma base
da experiência de si, das coisas e do mundo. Para eles estas perguntas são de
ordem religiosa, mesmo que inconfessadamente. Logo, a relação com algo superior,
a vivência do sagrado e as emoções religiosas no cotidiano auxiliam no
enfrentamento de situações (corriqueiras ou não) e nos pequenos e grandes
desafios da vida.
A ênfase na busca pela compreensão dessas questões é o que se pode
chamar de sentido religioso. O sentido religioso é, portanto, a capacidade do ser
humano de questionar e de procurar conhecer mais a si mesmo, de penetrar na sua
realidade para buscar um significado total para o seu existir no mundo. Segundo
Giussani (2000), o sentido religioso está presente em todas as dimensões da vida
por meio de atos diários como justiça, verdade, beleza ou felicidade. O sentido
religioso nos aponta para o mistério da vida e do mundo. O mistério é reconhecido
pela nossa razão, mas não pode ser por ela abarcado. O homem não consegue nem
compreender o mistério e nem renunciar a ele. Como lembra Ales Bello (2004), o
homem precisa de respostas totais, últimas, que têm um aspecto religioso.
Giovanetti (1999) afirma que a interrogação feita pelo homem sobre a sua
vida o coloca diante do “Sagrado”, ao qual define como a disposição religiosa do
homem perante algo que o transcende, algo que ele acolhe como diferente de si
próprio e como resposta às suas questões sobre a finitude. Em busca de um estado
de harmonia entre o si mesmo e o mundo, o homem constitui sentidos para as suas
experiências. Novas experiências propiciam novos sentidos, e estes configuram uma
visão de mundo e subjetividades pessoais. Segundo Giovanetti a subjetividade é
constituída pelo mundo no qual estamos inseridos, e ao mesmo tempo o constitui.
Ela expressa tanto a singularidade da pessoa quanto a sua cultura. A cultura é o
lugar da intersubjetividade, ou seja, das subjetividades partilhadas, do encontro
existencial entre os homens.
11
De acordo com Ales Bello (1998, p. 38), “O mundo não é somente o conjunto
das coisas físicas, mas é constituído por toda a bagagem de experiência vivencial
que cada ser humano possui e compartilha com o grupo ao qual pertence”. Também
segundo Ales Bello (2004) as manifestações espirituais estão presentes no cotidiano
humano e todas as experiências estão ligadas à razão e à vontade. “A esfera
espiritual é também uma esfera valorativa e, nela são produzidos e conferidos
significados à realidade” (ALES BELLO, 2004, p. 250).
Para Frankl (1990, p. 80), o homem luta por uma vida significativa,
empenhando-se na conquista do sentido. Este autor acredita que a religião é uma
ferramenta utilizada para tentar encontrar sentido para a vida e razão para viver em
meio às adversidades da existência. “A religião é a consciência que o homem tem
da existência de uma dimensão sobre-humana e sua fé básica no sentido último que
reside nessa dimensão”. (FRANKL, 1990, p. 199).
Porém, não é a única forma que o homem encontra para dar sentido à vida.
Como aponta Valle (2005, p. 102),
De um ponto de vista histórico e cultural, a espiritualidade humana se expressou preferencialmente, por milênios, quase só em linguagem e vivências de cunho religioso. No entanto, essa não é a única maneira de ela se expressar. Existem experiências e modalidades de profundo sentido do espiritual que não se identificam com o religioso. Todas as experiências humanas realmente criativas e profundas - até as negativas - podem chegar a propiciar ao ser humano um des-velamento (= tirar o véu que encobre) de sua espiritualidade.
Nesta perspectiva, a espiritualidade é descrita por Valle (2005) como sendo
essencialmente uma busca pessoal de sentido para o próprio existir e para o próprio
agir, ligada a um Ser ou a uma força transcendente.
Consequentemente, “pessoas muito religiosas podem ter horizontes
espiritualmente válidos, ao passo que um ateu pode ser uma pessoa espiritualmente
rica” (VALLE, 2005, p. 102).
Do mesmo modo, Pargament (2007, p. 216) coloca a religião como uma
forma de o homem buscar significado para a sua vida:
12
(...) diferente de outras instituições pessoais, sociais, o mundo religioso se envolve na busca pelo significado em poderes maiores (deidades) e nas crenças, experiências, rituais e instituições associadas com essas forças transcendentais. [Tradução nossa].
Amatuzzi (1999, p. 124) acrescenta:
Religião não é coisa que alguém tem ou não tem, que é verdadeira ou não é, mas sim um campo de experiência no qual crescemos ou deixamos crescer. É o campo das indagações últimas, das indagações pelo sentido.
Desse modo, a vivência e a experiência da religiosidade permitem ao
indivíduo indagar sobre o sentido último de sua existência. Nesta perspectiva, a
religiosidade como experiência significativa possibilita um salto para outras
dimensões. Ainda para Amatuzzi (1999), o desenvolvimento e o crescimento global
como pessoa humana no campo da experiência religiosa consistem em levar adiante
as indagações últimas, em abrir-se para experiências novas e significativas que
possibilitem este crescimento, que se articulem ao desenvolvimento religioso,
marcantemente pessoal e transformador, ligado ou não a alguma religião. Este autor
afirma que, independente de vontade, há uma ligação com algo superior, e que esta
ligação determina de certa forma o equilíbrio do ser humano, as suas escolhas, o
seu estilo de vida.
Nesse sentido, Oliveira (2006) argumenta que a religiosidade possui um duplo
aspecto. Primeiro tendo sentido de religião, quando é expressa como exterioridade
através de práticas devocionais, ritos, cumprimento de preceitos, celebrações e
doutrinas; segundo tendo sentido de vivência na interioridade, ao impulsionar à visão
do invisível, à crença no que não pode ser constatado pela razão, em uma Força
Transcendente.
Giovanetti (2005, p. 137) define a espiritualidade como “uma atividade do
nosso espírito, e não necessariamente implica na fé em algum ser transcendente,
característica necessária na vivência da religiosidade”. As experiências espirituais
são vivências significativas que produzem mudanças profundas no interior do
homem, podendo levá-lo à integração consigo e com outros homens. Giovanetti
(2005) acredita, portanto, que conduzir a vida de acordo com valores e significados
atribuídos à própria existência é guiar-se pela espiritualidade, que não tem
13
necessariamente relação com a religião.
Como afirma Farris (2005), o significado da existência é construído por meio
dos relacionamentos e da interação com o outro e com o mundo. Ele compreende a
espiritualidade como um fenômeno humano e considera necessário, inicialmente,
que o homem transcenda seu universo de significados pessoais e teóricos para que
a Psicologia e a espiritualidade possam se encontrar.
A “religião” é assim definida por Ancona-Lopez (2005, p. 156):
A religião é estruturada, organizada, estabelece pressupostos, atribui sentidos e valor, define horizontes espaciais e temporais, insere-se no tempo e na história. Permite rever o passado, viver o presente e projetar o futuro.
Já a religiosidade implica a relação com o transcendente, pois se relaciona
com a religião, que pressupõe a existência de um Deus.
Apoiada nessas conceituações, entendo a religiosidade como uma dimensão
da existência humana que supõe uma sensibilidade capaz de levar o homem a se
vincular com o sagrado e a buscar em suas representações elementos necessários
à construção de sentidos para si, para o mundo e para a sua relação com este.
Ancona-Lopez (2005, p. 156-157) afirma que a espiritualidade
(...) não tem limites, contornos, causas lógicas. Abre um vértice infinito de possibilidades e de interpretações. A religião é estruturada, organizada, tem conceitos e linguagem definidos, estabelece pressupostos, atribui sentidos e valor, define horizontes espaciais e temporais, insere-se no tempo e na história. Permite rever o passado, viver o presente e projetar o futuro. (...) a religião, desconectada da espiritualidade, transforma-se em um conjunto de regras institucionalizadas, uma camisa de força que termina por sufocar o sentimento que lhe deu origem.
Segundo a autora, é comum haver certa confusão conceitual entre os termos
“religião”, “religiosidade” e “espiritualidade”, e isso reflete negativamente na difusão
do conhecimento da Psicologia e da Religião. Além da dificuldade, o
desenvolvimento da elaboração teórica naquela área ainda limita as reflexões sobre
a sua prática quando assuntos acerca da religiosidade surgem na clínica.
Segundo Pargament (2007) a espiritualidade é um modo de ser amplo e
14
profundo, que abarca praticamente todas as dimensões da vida. A espiritualidade
está presente no cotidiano, revelando-se no modo como pensamos, sentimos,
agimos, nos relacionamos. Para ele podemos encontrar o espiritual em parte de uma
música, no sorriso de um estranho que passa, na cor do céu ao entardecer ou na
oração. Sendo assim, a espiritualidade corresponde a uma dimensão pessoal
afetiva. Trata-se de uma busca sagrada que pode estar contida na religião ou existir
independentemente dela. Ainda de acordo com Pargament (2007), a espiritualidade
é a busca de sentido de unidade e transcendência, e a religião se define pelo
organizacional, pelo ritual e pelo ideológico. No entanto, para ele, o ponto chave da
questão está no conceito de “sagrado”, que possibilita a unificação entre religião e
espiritualidade, uma vez que a religião é a busca do significado pela via sagrada e a
espiritualidade é “a busca do sagrado”. Logo, segundo Pargament, a espiritualidade
é a função central da religião.
Para Teixeira (2005, p. 13-30), a espiritualidade está calcada em valores, e
não em crenças ou dogmas limitantes de ordem religiosa ou psíquica. Ultrapassa a
racionalidade e a linguagem, residindo no que há de mais íntimo no si mesmo.
Conforme o autor, a espiritualidade ocorre no interior da pessoa e, quando efetiva,
reflete-se em mudanças visíveis em sua conduta e em suas relações com os outros
e com o mundo circundante.
Segundo Paiva (2005, p. 40),
se religião denota Deus, o culto, a oração, a espiritualidade, denota também autonomia face à tradição ou à instituição, a busca pessoal de sentido, a afirmação de uma espécie de conexão entre todos os seres e afirmação de uma universalidade dependente de um princípio transcendente.
Ademais, Paiva (2009, p. 69) ensina que a religiosidade é característica do
que é religioso, assim definindo o termo:
(...) uma atitude indiscriminadamente favorável às várias formas religiosas, à composição de elementos oriundos de matrizes religiosas diversas, ao sentido de totalidade e unidade como o conjunto da humanidade com as energias cósmicas e como universo.
Esse autor cita a religiosidade como “uma atração pela religião, em geral com
15
ou sem adesão formal a uma religião precisa” (PAIVA, 2009, p. 69) Essa concepção
é sustentada também por Dalgalarrondo (2008), ao citar diferentes estudiosos, como
Larsen, Swyers e Mclough (1998). Segundo os autores citados a religiosidade inclui
não só crenças pessoais — tais como a crença em um Deus ou em um Ser Superior
— mas também crenças vinculadas às práticas institucionais, desfrutadas em função
de uma afiliação compromissada, inclusive com a frequência constante a cultos
relacionados a um determinado sistema doutrinário.
Em suma, o homem busca o significado da sua existência e da vida, e a
religiosidade é um caminho por meio do qual o homem tenta encontrar respostas às
suas questões existenciais. Tanto a religiosidade quanto a espiritualidade são
vividos individualmente. A espiritualidade é um modo de ser amplo e profundo, sem
a ligação necessária com uma religião. Enquanto a religião está relacionada à
prática institucionalizada com pressupostos, ritos, linguagem e símbolos específicos,
a espiritualidade se refere a um domínio mais amplo.
16
1. Desenvolvimento religioso
Para compreender como se dá a influência da religiosidade e da
espiritualidade no desenvolvimento de uma pessoa, é necessário dar ênfase aos
momentos em que as vivencia ao longo de sua vida.
Vergote (1998) considera que a riqueza simbólica e cultural de uma dada
religião é uma herança recebida ao nascer, como todo o aparato linguístico e social
do contexto ao qual se pertence. A aderência e a não aderência religiosa no futuro
são reações diferentes a esse mesmo fenômeno, que afeta todas as sociedades,
repercutindo de forma diferente em cada pessoa e em cada momento de sua vida.
Fowler (1992) parte do pressuposto de que a fé humana é fundamental para o
desenvolvimento da fé religiosa, que engloba uma dimensão universal. Desde o
nascimento o ser humano é dotado de capacidades inatas para a fé, e estas
capacidades são desenvolvidas dependendo de como somos recebidos no mundo,
bem como da interação social que estabelecemos com o ambiente. O autor
considera a fé como a forma que cada um dá sentido à vida; a fé é o modo pelo qual
a pessoa vê a si mesma em relação aos outros sobre um pano de fundo de
significados e propósitos partilhados: ela é sempre relacional. Estamos ligados a
outros, partilhamos centros de valor, símbolos e mitos. Independentemente da
crença ou da religião, a fé é a categoria mais fundamental na busca de
relacionamento com a transcendência. E essa relação molda a nossa identidade.
Ainda segundo Fowler (1992), a fé é um sistema dinâmico de valores, imagens e
compromissos que orientam nossa existência e dão realmente sentido à vida,
ajudando-nos a formar um espaço de vida confiável, um ambiente último. Ainda
recorrendo a Fowler (1992, p. 16):
A fé é uma preocupação universal antes de sermos religiosos ou irreligiosos, antes de nos concebermos como católicos, protestantes, judeus ou mulçumanos, já estamos engajados em questões de fé. Quer nos tornemos incrédulos, agnósticos, ateus, estamos preocupados com as formas pelas quais ordenamos a nossa vida. Além disso, procuramos algo para louvar e respeitar, e que tenha o poder de sustentar nosso ser.
17
O autor acredita que a fé não pode ser compreendida dentro de uma
perspectiva relativa e que ela somente tem validade nos limites das crenças e das
comunidades onde é manifestada.
Tomando como base Piaget, Kohlberg e Erikson, Fowler trata dos estágios da
fé a partir do seu desenvolvimento e do seu crescimento nas vidas das pessoas e
enfatiza a importância de adotar esta teoria como uma forma de compreender e
explicar os processos de vida, mas tendo em vista que tais processos nunca
poderão ser abarcados em sua complexidade pela teoria.
Para Fowler (1992), cada estágio da fé se desenvolve numa época
circunscrita, relacionada à idade cronológica. Assim, na transição de um estágio
para outro, são importantes as características do processo de maturação biológica,
da idade cronológica e do desenvolvimento psicológico. As características de um
estágio podem estar presentes em outro estágio, independente da faixa etária em
que a pessoa se encontra. Crises, desafios, experiências diversas e mudanças,
podem favorecer ou não a passagem de um estágio para o outro.
O estágio que corresponde a fé sintético-convencional surge na adolescência.
Os aspectos descritos acima, estão mais presentes, pois é uma fase da vida em que
ocorrem grandes transformações, sendo um estágio importante no sentido de
estruturar a passagem para outros estágios da fé. A oposição na adolescência é
reconhecida por Fowler (1992) como típica do pensamento operacional formal, que
possibilita a capacidade de reflexão sobre o próprio pensamento, no qual valores e
crenças são estabelecidos de forma tácita e não são questionados nem examinados.
A pessoa simplesmente tem consciência destes valores e pode se sentir
emocionalmente vinculada a eles, mas não os questiona e, por vezes, pode nem ter
consciência deles. Neste estágio as pessoas tendem a relacionar-se com o
transcendente por meio de símbolos considerados sagrados. É um estágio
conformista, em que dependem do julgamento e da expectativa dos outros sem
conseguir manter uma perspectiva autônoma, na qual a percepção não está
suficientemente segura da própria identidade. Nesta fase os conflitos nas relações
interpessoais e na relação com Deus são mais acentuados.
A transição para o estágio seguinte, a fase do jovem adulto, pode ocorrer a
partir dos conflitos surgidos entre as autoridades valorizadas pela pessoa. Além
18
disso, deparar-se com outras perspectivas, que a coloca diante da relatividade de
seus próprios valores e crenças que orientam a sua história de vida. Esta fase é
para Fowler a de fé individuativo-reflexiva. Dos 18 aos 25 anos de idade. Nesse
estágio, a pessoa passa a refletir sobre sua identidade e sobre a forma como vê o
mundo e o vivencia, começa a assumir a responsabilidade por seus compromissos,
estilo de vida, crenças, atitudes e reconhece a complexidade da vida. Ainda nessa
fase há a transposição da autoridade externa para uma autoridade interna, não
somente a autoridade, mas a opinião dos outros serão expostas a crítica interna
mediante escolhas pessoais. Caracteriza-se também como a procura, frequente no
jovem, de uma fundamentação individual para a sua identidade e pelo
desenvolvimento de um ponto de vista próprio, não mais definido pelos papéis ou
significados atribuídos por outras pessoas. Nessa fase, os símbolos e rituais
considerados sagrados em si passam a ser questionados em seus significados. Tal
desmitologização dos símbolos e rituais pode vir carregada por sentimentos de
perda, pesar e até culpa.
Ao estudar o desenvolvimento da religiosidade, Amatuzzi (1999; 2001) relata
que no jovem adulto há uma fase de tomada de decisão diante da vida que envolve
um desafio central no processo de formação do eu. Consiste em passar de certo
fechamento para uma abertura, que permite um relacionamento mais profundo, uma
relação que seja verdadeiramente pessoal, uma experiência de intimidade não só
física, mas religiosa e espiritual. O que surge dessa experiência é verdadeiramente
um novo eu. Assim, para o autor, na fase do jovem adulto uma relação superficial
não é mais suficiente para sustentar uma postura religiosa: a pessoa necessita de
uma fundamentação para as coisas que faz, necessita de uma fase crítica para a
sua religiosidade ou fé, qualquer que seja, ou um modo de ser mais criticamente
refletido. “É tempo de sentir, é tempo de discutir” Amatuzzi (1999, p.136): é
momento de o jovem adulto perceber a importância do pessoal no campo da fé e ser
capaz de falar sobre isso.
Articulando a contribuição de Fowler (1982), penso que o desenvolvimento
religioso assume uma relevância na vida pessoal do ser humano. Como destaca
Hernandez (1996): “a pessoa sempre tem um espaço sagrado e, por conseguinte,
misterioso e cheio de significado”. Assim, a relação dinâmica que se estabelece
entre a dimensão religiosa e o sujeito da fé evolui com seu desenvolvimento
19
psíquico, sofre impactos ao longo da sua vida, e também mudanças, o que justifica
destacar o desenvolvimento religioso que ocorre para cada etapa de vida e que irá
somar às experiências pessoais e profissionais. Esta etapa do desenvolvimento, a
do jovem adulto, foi enfatizada em minha pesquisa por se tratar do universo no qual
realizo este trabalho.
20
CAPÍTULO II – PSICOLOGIA E RELIGIÃO
UMA ORAÇÃO CELTA - II Que despertes para o mistério de estar aqui e compreendas a silenciosa imensidão da tua presença. Que tenhas alegria e paz no templo dos teus sentidos. Que recebas grande encorajamento quando novas fronteiras acenam. Que respondas ao chamado do teu Dom e encontre a coragem para seguir-lhe o caminho. Que a chama da raiva te liberte da falsidade. Que o ardor do coração mantenha a tua presença flamejante e que a ansiedade jamais te ronde. Que a tua dignidade exterior reflita uma dignidade interior da alma. Que tenhas vagar para celebrar os milagres silenciosos que não buscam atenção. Que sejas consolado na simetria secreta da tua alma. Que sintas cada dia como uma dádiva sagrada tecida em torno do cerne do assombro. Por John O´Donohue
1. A Religiosidade e a Espiritualidade na formação acadêmica
Ao longo da história assistiu-se à sobreposição de diferentes paradigmas. A
busca por maior compreensão sobre a complexidade humana já foi sustentada sob
alguns pilares. Na Idade Média, por exemplo, Deus era o princípio norteador de tudo
e as instituições religiosas, com seus dogmas e rituais, prescreviam condutas morais
a serem seguidas com o intuito de se chegar ao Paraíso. A partir do século XVIII,
com o desenvolvimento da ciência, as áreas do conhecimento começaram
gradualmente a limitar os seus métodos e objetos de estudo ao que era observável e
mensurável. Com a Psicologia não foi diferente, e, no seu campo, prevaleceu o
estudo do comportamento observável e passível de experimentação, atendendo ao
paradigma científico vigente.
Peres (2007) relata que as discussões sobre a religião que prevaleceram no
âmbito da Psicologia no século XX foram trazidas por Freud, que a considerou como
remédio ilusório contra o desamparo. Para ele a crença na vida após a morte
21
embasa-se no medo da morte, análogo ao medo da castração e da reação do ego a
um iminente abandono. Massimi e Mahfound (1999) acrescentam, porém, que Freud
era consciente de que a Psicanálise não possuía subsídios suficientes para
interpretar o fenômeno religioso.
Em outras abordagens psicológicas, as experiências espiritual e religiosa
deixaram de ser consideradas fontes de patologias e, em certas circunstâncias,
passaram a ser reconhecidas como provedoras de saúde. Autores clássicos, como
James, Jung, Frankl, Maslow, Allport, Fowler, Grof e Assagioli, afirmam, com base
em vários estudos, que a espiritualidade pode ser um fator de proteção para uma
vasta gama de conflitos psíquicos.
Outros estudos investigam o quanto a espiritualidade pode auxiliar na relação
com a saúde geral (MARQUES, 2000; 2003), em contextos de violência e
desestruturação familiar, no tratamento e na prevenção de dependência química e
do abandono escolar (SANCHES et NAPPO, 2002), nas questões referentes ao
suicídio (ALMEIDA, LOTUFO NETO et KOENIG, 2006), no enfrentamento de
situações estressantes e traumáticas (PANZINI, ROCHA, BANDEIRA et FLECK,
2007), na promoção de qualidade de vida (PANZINI, ROCHA, BANDEIRA et FLECK,
2007) e na abordagem da sexualidade dos jovens (CERQUEIRA-SANTOS, 2008).
Publicações e estudos na área de Psicologia (CAPRA, 1982; 1999; 2005;
2008; AMATUZZI, 1999; 2005; CREMA, 2002; WEIL, 2003; BOCCALANDRO, 2004;
2008; GIOVANETTI, 2004; PAIVA, 2005; VALLE, 2005; SALDANHA, 2008), que têm
como referência diferentes concepções teóricas, continuam a afirmar a dimensão
espiritual do ser humano e a sua importância.
A produção da área aponta para a importância de o psicólogo conhecer,
reconhecer e promover o desenvolvimento dessa dimensão, tornando-se apto ao
seu manejo. Para Ribeiro (2004, p. 14),
O mais alienante descompromisso da ciência e ou da academia para com a verdade humana, para com a totalidade existencial humana, da qual nasce todo e qualquer significado. Tal exclusão tornaria ou torna a Psicologia extremamente pobre, parcial.
Ainda segundo Ribeiro (2004), é importante desenvolver pesquisas nos
22
campos da Psicologia e da Religião para contribuir a uma prática psicológica em
uma perspectiva maior. Um dos expressivos avanços nessa direção foi o
comunicado final do colóquio A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento,
conhecido universalmente como a Declaração de Veneza, de 7 de Março de 1986
(D’AMBROSIO, 2011). Em espírito de abertura e com questionamentos aos valores
do nosso tempo, ela resultou de um acordo entre representantes da comunidade
científica sobre aspectos importantes que deram origem à Declaração de
Vancouver, de 15 de setembro de 1989. Ela reconheceu o importante papel das
preocupações espirituais e religiosas na saúde mental das pessoas e enfatizou a
necessidade do conhecimento da realidade de um mundo multireligioso e do
desenvolvimento de uma tolerância capaz de permitir a cooperação mútua entre as
religiões, quaisquer que sejam as suas diferenças.
A Declaração de Vancouver afirma que a evolução da Ciência leva a permitir
a aceitação de outras formas de conhecimento, que dão ao ser humano a
capacidade de recuperar a riqueza das crenças e a variedade de experiências
espirituais. Isso resultou na inserção dos problemas místicos e espirituais no DSM
IV, em 1994, na categoria “Problemas Religiosos ou Espirituais”. Essa inserção
sinalizou aos psicólogos a importância de se refletir sobre a espiritualidade e o seu
papel para a saúde. Apesar dessa indicação, a dimensão espiritual, na prática, ainda
era negligenciada pelos psicólogos. Há que se considerar, no entanto, as mudanças
que vêm ocorrendo, como as práticas científicas que embasam a importância da
espiritualidade e os seus desdobramentos na clínica psicológica. Apesar dessa
perspectiva, a espiritualidade ficou e permanece fora dos cursos Psicologia, embora
os profissionais da área defendam a integração de todas as dimensões humanas.
Em um estudo desenvolvido com o objetivo de investigar o perfil da
religiosidade e da espiritualidade do jovem universitário, Ribeiro (2004) conclui que a
espiritualidade é uma forma de libertação da alienação das forças sociais. Segundo
ele, a espiritualidade do jovem universitário é ampla, mas não encontra espaço para
ser traduzida à universidade.
Há estudos focados na espiritualidade dos psicólogos (MARQUES, 1996;
PERES, SIMÃO et NASELO, 2007), na espiritualidade dos estudantes durante a
formação acadêmica em Psicologia e, principalmente, na importância da
espiritualidade na clínica psicológica (GASTAUD et al, 2006; COSTA et al, 2008).
23
Costa et al. (2008) fizeram uma pesquisa com 136 universitários de Psicologia
da PUC-RS e verificaram que 86% dos participantes referiram ter religião, 83,8%
mostraram ter interesse pelo assunto espiritualidade e 77,9% mostraram ter
interesse em discutir o assunto na sua formação. Este estudo mostra a importância
de o tema ter uma inserção na formação acadêmica dos universitários.
Cavalheiro (2010) buscou, em dois estudos, conhecer como a espiritualidade
tem sido abordada na formação em Psicologia e na clínica psicológica. No primeiro
investigou os índices de espiritualidade de calouros e de formandos de Psicologia de
universidades gaúchas. Utilizou-se de um questionário biossociodemográfico, da
Escala de Bem-Estar Espiritual (EBE) e da Subescala de Espiritualidade,
Religiosidade e Crenças Pessoais SRPB-WHOQOL-100. Participaram deste
primeiro estudo 1064 estudantes de Psicologia (672 calouros e 392 formandos). Os
resultados revelaram índices de espiritualidade menores nos formandos, quando
comparados aos calouros de Psicologia. O número de formandos que disseram
acreditar em Deus e/ou em uma força superior foi significativamente inferior ao de
calouros. Os resultados demonstraram que o bem-estar espiritual dos formandos em
Psicologia também é inferior ao dos calouros do mesmo curso: conclui-se que a
formação acadêmica em Psicologia exerce influência significativa sobre o declínio
nos níveis de bem-estar espiritual dos futuros psicólogos.
Em uma segunda investigação, para aprofundar a compreensão sobre a
espiritualidade na formação e na clínica psicológica, Cavalheiro (2010) realizou um
estudo qualitativo com formandos de universidades; os participantes referiram-se à
espiritualidade como algo negado e rechaçado durante a graduação. Os grupos de
maior índice de bem-estar espiritual a consideraram inerente ao humano e sentiam-
se despreparados para atender a demanda sobre o tema na clínica psicológica,
tendo que buscar conhecimentos fora do ambiente acadêmico. Os grupos de menor
índice de bem-estar espiritual consideraram a espiritualidade irrelevante.
Esta pesquisa apontou para a necessária inserção do conhecimento sobre a
espiritualidade na formação acadêmica em Psicologia, para que o psicólogo possa
lidar com a dimensão espiritual da mesma forma que lida com outras dimensões na
clínica psicológica (CAVALHEIRO, 2010).
De acordo com Cavalheiro (2010), para os formandos a importância da
24
espiritualidade na clínica psicológica, no enfrentamento de situações cotidianas e na
busca do autoconhecimento, da qualidade de vida e da saúde mental também foi
considerada menos relevante do que para os calouros. A autora observa que os
posicionamentos dos formandos de Psicologia reforçam a ideia de que a
espiritualidade deve estar sendo negligenciada ou reprimida na formação acadêmica
dos alunos. Tais resultados apontam para a necessidade de reavaliação da
abordagem do tema no curso.
Segundo Ancona-Lopez (2005), confusões conceituais entre os termos
“religião”, “religiosidade” e “espiritualidade” refletem-se negativamente na difusão do
conhecimento da Psicologia da Religião, além de dificultarem o desenvolvimento de
elaboração teórica nessa área, atitude limitadora para reflexões sobre a prática
terapêutica acerca da religiosidade. Lembra também que os psicólogos interessados
em Psicologia e Religião devem evitar o reducionismo de uma área em outra.
Salienta que é necessário saber, prudentemente, penetrar nos caminhos de uma e
de outra, estabelecendo pontes entre elas sem confundir suas competências e
especificidades. Ancona-Lopez (2005) afirma que, nos currículos dos cursos de
Psicologia em nosso país, salvo algumas exceções, dificilmente são encontrados
conteúdos que abordem a religião. Assim, os psicólogos têm poucas possibilidades
de inserir suas experiências espirituais e religiosas no universo acadêmico e integrá-
las aos conhecimentos psicológicos e, consequentemente, encontram dificuldades
para desenvolver uma ação psicológica congruente na vida profissional.
Cesar (2007, p. 135) relata, em sua pesquisa, que uma de suas
colaboradoras, uma psicóloga,
Não encontrou a abertura que lhe permitisse ser ela mesma, considerando as influências recebidas da sua religião; teve grandes empecilhos para elaborar sua visão de homem e do mundo fundamentada na Psicologia. Isso fez com que sua prática não tivesse um embasamento teórico consistente, utilizando-se de recortes descontextualizados de várias abordagens (...) sua atuação passou a ser direcionada exclusivamente pelos fundamentos de sua religião, supervalorizando a dimensão espiritual em detrimento das outras dimensões, como a física, a psíquica e a social, reduzindo a origem dos problemas a uma explicação fundamentada somente no espiritual.
Vergote (2002, p. 106) afirma que, embora a competência da Psicologia no
25
domínio da Religião tenha limites, não lhe cabe explicá-la: os psicólogos precisam
conhecer o modo como o homem se relaciona com o discurso religioso.
Como aponta Ancona-Lopez (2005), a falta de abertura para o tema Religião
nos cursos de Psicologia impossibilita que ocorram a elaboração e a assimilação
reflexiva das vivências espirituais, o que gera um grande distanciamento entre as
experiências pessoais e a linguagem profissional. Dificulta-se, desse modo, um
diálogo interno e externo consistente. Para a autora torna-se relevante, além do
estabelecimento de uma linguagem religiosa para a experiência espiritual, incluir
esta experiência “em um discurso compartilhado, que permita a sua discussão e
reflexão. Significa dar-lhe um contorno, impedindo que se disperse em uma
irrealidade ou na total subjetividade” (ANCONA-LOPEZ, 2005, p. 156). Por outro
lado, Ancona-Lopez (2005) considera que, em um ambiente propício e acolhedor, os
psicólogos descrevem suas experiências em formas espirituais carregadas de
afetividade e poesia. Dificilmente, no entanto, esses mesmos psicólogos conseguem
expressar suas vivências espirituais quando se utilizam de uma linguagem
psicológica. Isso ocorre porque sentimentos, valores e crenças ficam distantes dos
pressupostos das teorias de sua escolha. Para Ancona-Lopez (2005), as teorias
psicológicas não dão conta do fenômeno religioso e espiritual e mostram-se
reducionistas diante da vasta gama da experiência humana.
Ribeiro (2004, p. 14) considera que a Psicologia, principalmente a acadêmica,
tem se comportado como se a religião não existisse. No entanto, “Por trás da
relação religião e espiritualidade, a Psicologia encontra sempre o fantasma de
Deus”. O autor destaca ainda:
O psicólogo não tem que acreditar em Deus ou ser religioso, mas precisa aprender a conviver com um Deus que mora na sua humanidade ou no cosmos e que se expressa, frequentemente nos homens, nos nossos clientes por meio de gestos que incluem fé, amor, esperança e, também muitas vezes, medo, temor e angústia.
O fato é que ainda hoje a espiritualidade permanece fora do currículo e da
formação acadêmica em Psicologia na maioria das universidades. Pargament (2007)
mostra que, quando estes temas aparecem em sala de aula, o docente os aborda
em diferentes enfoques, dependendo da forma como ele vive e compreende sua
26
própria religiosidade e espiritualidade.
Paiva (2002) discute a presença da religião dentro das universidades por
meio de estudos feitos com pesquisadores de diversas áreas. Ele nota que a
aderência ou não a uma religião está mais ligada a aspectos pessoais e psicológicos
do que às elaborações críticas e às posturas epistemológicas. Acredita que,
possivelmente, a postura dos docentes interfira na formação dos graduandos.
Apesar de todas estas considerações, o diálogo entre a Psicologia e a
Religião não é suficientemente consistente para romper com os preconceitos
existentes no universo acadêmico e, assim, contribuir para uma melhor
compreensão da dimensão espiritual nas discussões científicas. Em suma, no que
diz respeito à Psicologia, urge a necessidade de uma ampliação na formação
acadêmica dos psicólogos, que não consegue abarcar a múltipla variedade de
avanços alcançados pela Psicologia como ciência e profissão.
A mim interessa, sobremaneira, o mundo vivido, que é o solo originário de
nossas experiências, onde os fenômenos surgem com suas significações: é o nosso
espaço vivencial. É aí que busco a compreensão do modo de viver das pessoas, das
coisas que as rodeiam, sua cultura, sua religiosidade, seu modo de sentir e de
significar suas vivências. Desde o início desta dissertação construo um olhar que me
permita captar as experiências religiosas e espirituais dos alunos no curso de
formação de psicólogo.
2. Religiosidade e espiritualidade na Psicologia Clínica
Sendo a Psicologia Clínica o campo que lida com a subjetividade e as
vivências singulares, são muitos os aspectos a que os profissionais devem estar
atentos quando o tema religiosidade e espiritualidade aparece. Segundo Amatuzzi e
Antunes (2006), questões que as envolvem atualmente estão muito presentes na
atividade clínica. Diversas pesquisas mostram que a maioria das pessoas que a
procuram são religiosas ou acreditam em Deus.
Segundo Ancona-Lopez (1999), no Brasil, no final do século XX, em média
27
90% dos clientes que buscavam psicoterapia identificavam-se com alguma religião,
86% acreditavam em Deus, 49% frequentavam alguma instituição religiosa e 47%
consideravam a fé muito importante em suas vidas.
Shafranske e Malony (1990) apontam quatro motivos principais para que se
considere a religiosidade do sujeito na clínica psicológica: a relevância da religião na
cultura, a incidência do fenômeno religioso na clínica psicológica, as relações entre
religiosidade e saúde mental e a consideração dos valores na prática clínica.
Ancona-Lopez (1999) aponta que hoje nenhuma abordagem em Psicologia
ignora o meio cultural na formação da subjetividade. A cultura apresenta diferentes
nuances na história e na formação pessoal de cada ser humano, além de ser uma
fonte significativa de valores que incidem positiva ou negativamente na saúde
mental. Ancona-Lopez (1999) recorda que desde 1992 a American Psychological
Association recomenda, nos Princípios Éticos dos Psicólogos e em seu Código de
Conduta, que os profissionais de Psicologia considerem as diversidades culturais
dos clientes – o que inclui a religião – para garantir a competência dos serviços
prestados a partir de um princípio fundamental: o respeito pelo outro.
Em nota pública de 02 de fevereiro de 2012, o CFP (Conselho Federal de
Psicologia) publicou esclarecimentos sobre Psicologia e religiosidade no exercício
profissional, conforme segue:
Não existe oposição entre Psicologia e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós. A relação dos indivíduos com o “sagrado” pode ser analisada pela (o) psicóloga (o), nunca imposto por ela (e) às pessoas com as quais trabalha. Assim, afirmamos o respeito às diferenças e às liberdades de expressão de todas as formas de religiosidade conforme garantidas na constituição de 1988 e, justamente no intuito de valorizar a democracia e promover os direitos dos cidadãos à livre expressão de sua religiosidade, é que o Código de Ética Profissional da (o) psicóloga (o) orienta que os serviços de Psicologia devem ser realizados com base em técnicas fundamentadas na ciência psicológica e não em preceitos religiosos ou quaisquer outros alheios a esta profissão.
Angerami (2004) acrescenta que os psicólogos precisam considerar suas
próprias características pessoais, educacionais, étnicas e religiosas, bem como
respeitar as de seus pacientes.
28
Ancona-Lopez (2005) considera que o silêncio existente na Psicologia e na
academia sobre o assunto contrapõe-se ao aumento na demanda clínica de
questões acerca da espiritualidade. Como tal demanda é observada de forma clara e
crescente nos consultórios, é preciso recuperar os estudos na área, incluindo-os no
campo acadêmico e profissional da Psicologia. Há necessidade de legitimar a
preparação e a instrumentalização dos profissionais de Psicologia Clínica nos níveis
teórico, técnico e ético desde a formação universitária. A compreensão e o
acolhimento das experiências espirituais e religiosas exigem que o psicólogo
desenvolva habilidades para tratá-las abertamente e conheça suas peculiaridades.
Segundo Coliath (2007), cada vez mais os psicólogos deparam-se com
questões sobre religiosidade e espiritualidade em seus consultórios, o que lhes
exige atenção sobre esses assuntos. Para a autora, entretanto, os psicólogos não
estão preparados para lidar com a temática. Menciona que, em sua própria
formação, foi orientada a não aprofundar tais questões com os clientes nem abordá-
las na clínica psicológica.
Para Ancona-Lopez (2008) a dificuldade em relação a essa questão é
acentuada pelo pouco contato que os alunos têm com os estudos de Psicologia da
Religião nos cursos de formação de psicólogos. Comumente o psicólogo conhece
apenas posições da Psicologia que excluem as experiências religiosas do âmbito de
seus estudos ou as consideram como patológicas. Ainda segundo a autora, a
dificuldade do psicólogo de compreender a integração entre suas teorias, sua
religiosidade e os conteúdos religiosos apresentados na clínica decorre também da
falta de estudos, reflexões e interesse da Psicologia pelo tema.
Angerami (2004) reforça esta ideia ao dizer que para o exercício da Psicologia
Clínica requer-se uma revisão, uma atualização e uma ampliação profundas dos
princípios vigentes. No papel dos psicólogos clínicos como agentes e sujeitos em
transformação urge incluir uma reflexão sobre a postura desses profissionais frente
à espiritualidade humana; isso inclui refletir sobre o papel que a formação
acadêmica em Psicologia exerce sobre a espiritualidade dos próprios psicólogos e
sobre a forma como esta dimensão é abordada na prática psicológica. No caso da
Psicologia, e ainda mais na clínica psicológica, o compromisso essencial com o
outro ganha dimensões ricas e profundas quando se considera a espiritualidade.
Assim, é fundamental o reconhecimento e o desenvolvimento da dimensão espiritual
29
do próprio psicólogo, para seu posterior encontro pleno com o outro, conferindo-lhe
verdadeira significação.
As teorias em Psicologia reservam pouco espaço para a dimensão religiosa
do ser humano e, consequentemente, os profissionais que se mostram preocupados
em compreender melhor a religiosidade nem sempre estão seguros em relação ao
procedimento clínico adequado. Ancona-Lopez (2007, p. 201) acrescenta:
Eles ficam impedidos de brincar com suas teorias e crenças, no sentido de construir e desconstruir, e sem essa atividade dificilmente encontrarão, mais tarde, realização e satisfação no seu trabalho.
Ancona-Lopez (1999) argumenta que lidar com os próprios preconceitos é a
maior dificuldade enfrentada pelo psicólogo clínico quando este procura conhecer a
religiosidade do seu cliente. Outro obstáculo decorre da dificuldade em encontrar
uma abordagem que lhes dê suporte teórico, visto que poucas perspectivas em
Psicologia contemplam a dimensão religiosa e espiritual.
O psicólogo encontra-se muitas vezes perdido e vai buscar referências em outras disciplinas ou em sua própria experiência. O problema que o psicólogo clínico enfrenta é a ausência de eixos referenciais que o auxiliem a refletir e considerar as experiências religiosas quando elas aparecem na clínica. (Ancona-Lopez, 1999, p.77).
Luczinski (2005) complementa as colocações acima argumentando que a
dimensão pessoal do psicólogo também interfere na forma como este acolhe a
dimensão religiosa nos seus alunos e nos seus clientes.
Para contribuir com essa reflexão, Ancona-Lopez (1999, p. 78-82) apresenta
as quatro categorias de desenvolvimentos da experiência religiosa de Wulff (1997), a
partir das quais avalia diferentes situações ligadas à atitude do psicólogo frente ao
tema na clínica psicológica:
1. Negação Literal – Esta atitude assume que a linguagem religiosa deve ser entendida de forma literal, porém rejeita todo o conteúdo nela apresentado. Os psicólogos nesta posição desconsideram a singularidade das experiências religiosas, o milagroso, e hipervalorizam os princípios formais do conhecimento. Os profissionais que adotam esta atitude tendem
30
a ignorar a religiosidade do sujeito ou reduzem a religião a um conjunto de afirmações irracionais a serem extirpadas ou apropriadas pelas ciências para serem explicadas racionalmente. O paciente nessa posição encontra-se fechado à linguagem simbólica. 2. Afirmação Literal – Diz respeito à afirmação literal do objeto religioso. Os psicólogos nesta posição aceitam os conhecimentos das teorias psicológicas, desde que não se choquem com suas crenças. É atitude dos fundamentalistas e dos religiosos ortodoxos. A atitude frequente desses psicólogos é a de atuar a partir do ponto de vista de sua religião e da visão de homem nela contida, valendo-se basicamente de generalizações idealizadas e de um conjunto de regras de comportamento. Esta forma de atuação choca-se com a proposta do atendimento clínico que propõe uma aceitação total do paciente. 3. Interpretação Redutiva – Vê a religião como um fenômeno social ultrapassado e ingênuo, excluindo a transcendência da linguagem e as práticas religiosas. Esta atitude assemelha-se muito com a negação literal. Os psicólogos nesta posição buscam perspectivas científicas para interpretar, a partir delas, os conteúdos religiosos. O objetivo implícito nesta atitude é o de transformar ou eliminar o campo religioso, reduzindo-o a outras áreas. 4. Interpretação Restauradora – É a atitude que considera a especificidade da experiência religiosa. Os psicólogos nesta posição examinam as crenças e posicionamentos pessoais de seus pacientes e buscam compreender e aproximar-se do fenômeno religioso abrindo-se para as vivências, símbolos e metáforas que o paciente traz. Esta atitude implica em humildade epistemológica e clareza quanto aos próprios pressupostos e adesões religiosas.
A autora ressalta que o modelo proposto por Wulff é dinâmico e que as
pessoas mudam de uma posição para outra de acordo com as situações vividas.
Esses posicionamentos frente ao religioso articulam-se entre a dimensão pessoal,
teorias de apoio e crenças de cada profissional. Ancona-Lopez (1999) ressalta a
impossibilidade de separação entre as esferas pessoal, cultural e profissional do
psicólogo. Schoenfeldo (1993) concorda com a autora, acrescentando que alguns
profissionais consideram apenas os aspectos patológicos das crenças religiosas de
seus clientes.
Safra (2004) comenta a necessidade de acolhimento da experiência religiosa
na clínica. Para esse autor, o fato de compartilhar algo estando junto com a pessoa
no que ela vivencia é o caminho para o seu crescimento. Por meio da experiência
religiosa dos clientes é possível conhecê-los melhor em suas singularidades. A
tarefa do terapeuta é buscar o sentido religioso do cliente, que revela o modo de ser
da pessoa e as respostas encontradas por ela para sua existência.
De acordo com Ancona-Lopez (2005), torna-se essencial à escuta psicológica
o reconhecimento e desenvolvimento da dimensão espiritual, em primeiro lugar a do
próprio psicólogo, para o encontro pleno com o outro, conferindo-lhe verdadeira
31
significação. Para a autora, a escuta genuína acolhe a experiência, que vai além do
que a fala ou dos sentimentos de expressão. A ansiedade em dar respostas e achar
soluções ao paciente muitas vezes afasta as questões religiosas quando estas
aparecem de formas desesperadas ou conflitantes para o psicólogo.
Segundo Luczinski (2005) a questão da escuta merece especial atenção por
ser a primeira atitude desenvolvida pelo Psicólogo e, ao contrário do que se pensa,
não é natural e espontânea, é difícil de desenvolver e é preciso estar por inteiro e
totalmente presente na relação com o outro, o que não é tarefa fácil.
Para Shafranske e Malony (1990) os psicólogos devem ter um olhar atento à
incidência do fenômeno religioso na clínica psicológica, levando em consideração os
valores implícitos e explícitos presentes na prática clínica. No entanto, segundo
Ancona-Lopez (1999), o que se observa na prática é que muitos psicólogos têm
dificuldade em compreender essa temática naquilo que ela possui de específico
como manifestação humana e, portanto, ficam sem saber como lidar com a
religiosidade e a espiritualidade nos atendimentos. Segundo a autora, os psicólogos
refletem sobre seus clientes à luz de teorias de suas escolhas e, na medida em que
estas não contemplam a religiosidade, eles ficam sem referenciais para lidar com a
questão e optam, muitas vezes, por procurar orientação em outros campos do
conhecimento ou apenas em suas experiências pessoais.
Ancona-Lopez (2007) complementa que na estrutura da Psicologia são
desconsideradas as histórias pessoais dos alunos e é inibida a exteriorização de
suas crenças religiosas e espirituais: é neste aspecto que elas são desqualificadas
na formação do psicólogo e, portanto, apresentam-se como geradoras de
sofrimento.
Complementando Safra, Amatuzzi (2007) chama a atenção para o risco de se
banalizar a experiência religiosa, ressaltando que tanto a experiência quanto a fé
devem ser considerada na prática clínica. Caso isso não aconteça corre-se o risco
de a prática clínica ser transformada em modelos prontos, o que prejudica o ser
humano ao criar-se uma ilusão de integração pessoal.
Segundo Pargament (2007), a opção espiritual ou religiosa pessoal não se
traduz, necessariamente, em recursos eficazes para o terapeuta conduzir uma
psicoterapia espiritualmente integrada, pois a compreensão da espiritualidade e da
32
religiosidade exige uma preparação formal. Ele salienta seis recomendações para tal
preparação:
1. Um seminário sobre Psicologia da Religião e Espiritualidade na graduação que introduza os alunos à rica e contemporânea literatura, tanto teórica quanto empírica, a respeito desses tópicos. 2. Um curso de Religião Comparada que ofereça aos alunos uma visão geral da diversidade de tradições religiosas, crenças e práticas que existe no mundo. 3. Um curso em Psicoterapia Espiritualmente Integrada que ofereça aos alunos meios de compreender, avaliar e lidar com a religiosidade, tanto como fonte de problemas, quanto de soluções em Psicoterapia. 4. A integração de assuntos espirituais em outras disciplinas da graduação, incluindo Psicopatologia, várias formas de Psicoterapia, Supervisão e Manejo Clínico. 5. Supervisão de casos clínicos que considere a espiritualidade de forma sensível. 6. Educação continuada em espiritualidade que possa atualizar os terapeutas em relação aos desenvolvimentos recentes e aos avanços nesta área de estudo e prática que crescem rapidamente. (tradução nossa)
Pargament (2007) enfatiza que a educação espiritual busca criar
oportunidades para que os alunos estudem, envolvam-se, debatam valores, tópicos
e interesses no campo espiritual.
Observa-se que o docente tem papel de influência no direcionamento dos
alunos. Existem problemas de ordem cultural; dentre eles chama a atenção o
relacionamento passivo entre alunos, professores, currículos e programas. Os
professores tornam-se meros reprodutores de conhecimentos que os alunos os
assimilam sem questionamento crítico (ANCONA-LOPEZ, 2007).
O docente deve lembrar que o ouvir ativo é um recurso para o
desenvolvimento de um relacionamento de confiança que permita que o outro fale
sem medo de ser julgado ou ignorado. Mahoney e Almeida (2004) entendem que o
ouvir ativo é uma atitude do professor em relação ao aluno que mostra a vontade de
compreender do professor, seu desejo de captar o que está por trás da fala, o que
está intrínseco na mensagem e identificar os sentimentos presentes naquela
situação. É na educação que o diálogo fará sentido e que o aluno poderá identificar
os pressupostos da prática psicológica, por meio da atuação de um docente que
tenha ouvir ativo e abertura para discutir assuntos religiosos e espirituais de forma
que os alunos compreendam como lidar com estas questões na prática clínica.
33
Nas palavras de Esteves (2009, p. 41):
O papel do professor visa a uma ação, que desemboca na formação integral do aluno, com consequências para a sociedade como um todo. Implica, então, acolher todo tipo de assunto que seja mobilizado no ensino de sua disciplina. É preciso ir além da objetividade exclusiva, imposta pela ciência tradicional, incorporando diferentes dimensões ao campo educacional: a relação com o contexto, a reflexão crítica sobre os conceitos, a valorização da singularidade dos estudantes.
Esteves (2009) entende que a docência traz como resultados ações que nas
práticas pedagógicas e educativas são refletidas na relação dos alunos com seus
contextos e, especificamente no caso dos estudantes de Psicologia, refletirá em
suas relações com seus clientes e na prestação de um serviço mais ético. A autora
complementa:
Psicologia e educação estão intimamente relacionadas, pois lidam com a pessoa na totalidade. O psicólogo acadêmico, que exerce a docência e a supervisão, encontra-se na interseção dessas duas áreas do saber, devendo estar atento às exigências éticas de ambos os campos. Incluir o tema da religião faz parte do trabalho do psicólogo clínico, tanto quanto do educacional, que se ocupa de ações pedagógicas e de formação. a forma de tratar o tema será diferente, indo pela via da experiência no primeiro caso e da teoria no segundo, mas ambos são aspectos fundamentais presentes na pessoa em sua relação com o mundo.
Luczinski (2005) alerta para a necessidade urgente de estabelecer um diálogo
entre a Psicologia e a Religião. Complementa que alguns esforços têm sido feitos
nesse sentido, inicialmente fora do Brasil, defendendo este diálogo e apontando
formas de efetuar sua inclusão na Psicologia, além de trazer questões presentes
nessa interface (VERGOTE, 1998; SHAFRANSKE,1996). Os autores aqui citados
concordam que esse diálogo faz-se necessário para buscar uma forma de
integração deste tema à teoria e à prática. Na busca pelo diálogo entre Religião e
Psicologia procuro compreender a religiosidade e espiritualidade dos alunos no
curso de formação de psicólogo.
Todas as questões levantadas até aqui apontam para a necessidade de
aprofundar-se no tema. Penso que o papel do psicólogo é tentar resgatar, junto ao
34
ser humano, seu bem-estar e sua singularidade. Para desempenhar essa função, é
preciso abrir-se em uma postura desprovida de preconceitos, carregada de respeito
pela necessidade, pelo sofrimento, pelo desejo e pelo universo do outro, incluindo
suas experiências religiosas e espirituais.
35
CAPÍTULO III – MÉTODO
UMA ORAÇÃO CELTA - III Que atendas ao teu anseio de ser livre. Que as molduras da tua integração sejam suficientemente amplas para os sonhos da tua alma. Que te levantes todos os dias com uma voz de bênção murmurando em teu coração que algo de bom te vai acontecer. Que encontres uma harmonia entre a tua alma e a tua vida. Que a mansão da tua alma nunca se torne um local assombrado. Que reconheças o anseio eterno que vive no cerne do tempo. Que haja benevolência no teu olhar quando contemplares o teu íntimo. Que nunca coloques muros entre a luz e ti. Que o teu anjo te liberte das prisões da culpa, medo, decepção e desespero. Que permitas que a beleza espontânea do mundo invisível te recolha, cuide de ti e te inclua na integração. Por John O´Donohue
1. Objetivo
Esta pesquisa busca compreender a religiosidade e a espiritualidade dos
alunos no curso de formação de psicólogo.
2. Caminhos da Pesquisa
No desenvolvimento desta pesquisa, após expor os caminhos que me
levaram à escolha do tema, empreendi a leitura de autores de Psicologia
relacionados a questões do tema religiosidade e espiritualidade, movida por meus
questionamentos iniciais a respeito das frequentes manifestações dos psicólogos
sobre as dificuldades encontradas para tratar de assuntos relacionados a ele
durante a graduação. Esses autores enfatizam a religião, a religiosidade e a
espiritualidade como formas constituintes do ser humano e mostram a importância
36
das crenças espirituais na constituição de sentido das experiências vividas pelas
pessoas. A literatura que aborda o assunto mostra as dificuldades encontradas por
parte dos psicólogos em seus cursos para tratar de assuntos religiosos e o
sofrimento decorrente dessa pouca abertura por parte dos docentes. Considerei que
conhecer a religiosidade e espiritualidade dos alunos no curso de formação de
psicólogo poderia ajudar a compreender melhor essa questão e oferecer condições
aos próprios alunos para refletirem sobre o tema.
3. Pesquisa Qualitativa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Para Chizotti (2003, p. 221) o termo
qualitativo “implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem
objetos de pesquisa, para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes
que somente são perceptíveis a uma atenção sensível”. A pesquisa qualitativa
permite compreender que sentidos a vivência adquire para a pessoa, possibilitando
uma reflexão que mostre os significados que atribui a estas vivências, constituídos
por crenças e valores pessoais e culturais em sua trajetória. Na pesquisa qualitativa
constroem-se os caminhos perseguindo-se os objetivos, o que significa que cada
pesquisador fará o seu caminho de pesquisa.
Para atingir o objetivo proposto nesta pesquisa, compreender a religiosidade
e a espiritualidade dos alunos no curso de formação de psicólogo, entrevistei dois
graduados do último ano letivo de um curso de Psicologia.
Como critério para a escolha dos entrevistados considerei o tempo de
ingresso na graduação em Psicologia, optando por alunos do último ano letivo,
período em que se supõe já terem adquirido os conhecimentos propostos pelo curso
e já estarem realizando estágios na área clínica, quando se começa a aplicar os
conhecimentos adquiridos. Utilizei esse critério porque a clínica-escola é o lugar no
qual os estagiários começam suas práticas como futuros psicólogos e,
consequentemente, voltam-se para o outro e penetram em suas vivências, incluindo
a religiosa e a espiritual, possibilitando, assim, a melhor reflexão dos conteúdos
37
aprendidos.
Outros critérios foram terem entre 20 e 25 anos, valorizarem a vida religiosa e
espiritual e terem condições de expressar seus sentimentos e pensamentos a
respeito do tema da entrevista.
Quanto ao critério da idade, levei em consideração os estudos de Fowler
(1992) sobre o desenvolvimento espiritual, sendo a vida adulta marcada pelo estágio
denominado “individual-reflexivo”. A crença deixa de ter como referência o grupo e
passa a ter como referência o próprio indivíduo, tornando-se parte integrante da
identidade pessoal. A importância desta fase relaciona-se com a capacidade do
indivíduo de refletir criticamente sobre a sua identidade e a sua vida, assumindo
uma atitude mais dialética.
Inicialmente, o objetivo da pesquisa foi exposto aos alunos do último ano do
curso de Psicologia por um supervisor, solicitando que os interessados no tema se
manifestassem.
Foram escolhidos dois colaboradores: Rodrigo e Roberta.
Usei como instrumento de pesquisa a entrevista semidirigida.
Gil (1999) observa que a entrevista semidirigida, embora livre, aborda um
tema específico; isso permite ao entrevistado falar espontânea e naturalmente sobre
o assunto e ao entrevistador agir na recondução do tema original quando o
colaborador se desvia muito dele.
Segundo Bardin (2011), esse tipo de entrevista permite ao entrevistado uma
fala espontânea sobre aquilo que viveu, sentiu ou pensou a respeito do tema
proposto. Cabe ao entrevistador expor a questão que pretende conhecer, dar
liberdade aos entrevistados para falarem sobre ela, clarear e aprofundar as
colocações dos entrevistados e reconduzi-los ao tema, se necessário.
Amatuzzi (2001) reforça a importância de se estar aberto ao outro, em uma
atitude de aceitação e compreensão. Diríamos que o vivido é surpreendido na
relação pela própria pessoa, que então o comunica facilitado pelo pesquisador.
Após a escolha dos colaboradores conforme os critérios estabelecidos,
telefonei para cada um deles marcando dia e horário de sua preferência, em local
que garantisse privacidade e tranquilidade durante as nossas conversas. Ao iniciar
38
as entrevistas solicitei permissão para que fossem gravadas em áudio e pedi a cada
um que assinasse o termo de consentimento para uso do material. Observei todos
os cuidados éticos para a pesquisa com humanos, conforme o projeto de pesquisa
que passou pela avaliação do Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e recebeu parecer favorável (Protocolo de Pesquisa nº 317/2011). No
termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em anexo) foi assegurada a
privacidade do participante, a confidencialidade das informações fornecidas (o que
implicou a modificação de seus nomes, dados e locais que possibilitassem sua
identificação, e ofereceu autonomia e decisão para, a qualquer momento, poder
desistir da mesma sem constrangimentos). Expliquei a importância da pesquisa para
a compreensão e o auxílio de outras pessoas em situações semelhantes.
Foi enfatizado aos colaboradores que, caso a pesquisadora observasse a
necessidade de mais um encontro, ele seria realizado para dar continência aos
sentimentos e às emoções advindos da situação vivenciada. Cada entrevista, com
duração aproximada de uma hora e meia, foi conduzida de modo que os
colaboradores se sentissem sem reservas, seguros e livres para relatar suas
vivências. Eles ficaram à vontade durante a entrevista e se expressaram
espontaneamente.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e entregues aos colaboradores
para que alterassem aquilo que não correspondesse aos seus relatos; não houve
qualquer modificação.
Posteriormente, realizei uma leitura da transcrição das entrevistas; procurei
reportar-me novamente ao momento do encontro no intuito de tornar cada relato
familiar. Em um primeiro momento ouvi e reli todas as duas, procurando imergir no
relato sem a preocupação de interpretar o que ali estava escrito. Depois fiz várias
leituras na tentativa de alcançar o que os entrevistados haviam relatado e elaborei
uma síntese de cada entrevista. Com uma leitura mais atenta e detalhada, a partir
da síntese, analisei o conteúdo das entrevistas considerando a repetição e a
frequência dos temas que iam ao encontro do objetivo da pesquisa e o apresentei
em forma de relato descritivo, tecendo considerações em diálogo com os autores
pesquisados.
Após a elaboração da síntese individual foi feita a análise em conjunto, para
39
fornecer um contexto para o alcance dos objetivos da pesquisa, constituindo assim
uma análise descritiva. Cada tema foi tratado na análise em concordância com o que
se extraiu de cada entrevista, mencionando a visão de Rodrigo e a de Roberta e
complementando com o conteúdo teórico referente àquele aspecto, o que permitiu o
alcance do objetivo da pesquisa.
Nas conclusões a análise decorrente dos dados oportunizou reflexões sobre a
religiosidade e a espiritualidade dos alunos no curso de formação de psicólogo.
40
CAPITULO IV – SÍNTESES DAS ENTREVISTAS DE ROBERTA E DE
RODRIGO
UMA ORAÇÃO CELTA - IV Que sejas abençoado nos Nomes Sagrados daqueles que suportam a nossa dor pela montanha da transfiguração acima. Que conheças o suave abrigo e a graça restauradora quando fores chamado a resistir na morada da dor. Que os pontos de escuridão no teu íntimo se voltem na direção da luz. Que te seja concedida a sabedoria de evitar a falsa resistência e, quando o sofrimento bater à porta da tua vida, sejas capaz de lhe vislumbrar a dádiva oculta. Que sejas capaz de enxergar os frutos do sofrimento. Que a memória te abençoe e te abrigue com a arduamente obtida luz do esforço passado, que isso te dê confiança e segurança. Que uma janela de luz sempre te surpreenda. Que a graça da transfiguração te cure as feridas. Que saibas que, embora a tempestade possa rugir, nem um fio do teu cabelo será magoado. Por John O´Donohue
1. Síntese da Entrevista com o Rodrigo
Rodrigo é natural do Estado de São Paulo, tem 23 anos e é filho adotivo de
uma família de classe média. O pai era engenheiro e a mãe é dona de casa;
decidiram adotá-lo antes que completasse um ano de idade pela impossibilidade de
terem filhos. Os pais lhe proporcionaram educação em escolas particulares e com
nível de ensino de qualidade. Aos seis anos perdeu o pai em um acidente e em seu
relato mencionou ter sido muito difícil este período para a mãe, a partir de então
sozinha e com um filho pequeno para criar. Como era dona de casa, teria que
enfrentar a vida de outra maneira. Lembra-se do pai como um homem romântico,
conforme suas palavras, “apesar de ter sido militar rígido e correto”.
Inicialmente pensou em seguir a profissão do pai, Engenharia, mas percebeu
que as angústias humanas chamavam-lhe a atenção, optando, assim, por cursar
Psicologia. Rodrigo fez esta escolha porque acreditava que o conhecimento a ser
adquirido no curso daria a ele subsídios para ajudar as pessoas necessitadas de
41
apoio psicológico, contribuindo para seu crescimento pessoal, e foi neste âmbito que
ingressou no curso.
Com relação aos conhecimentos do universo religioso-espiritual, Rodrigo diz
não ter religião, apesar de ter sido criado dentro dos princípios da Igreja Católica e
de seu falecido pai ter sido um católico fervoroso. Rodrigo frequentou a Igreja
Católica juntamente com o restante de sua extensa família até os catorze anos, e
até esta idade interessou-se pelos preceitos religiosos transmitidos por sua família.
Com entre quatorze e quinze anos começou a estudar outras religiões e seus
dogmas, passando a questionar os dogmas impostos aos fiéis pelas religiões e
percebendo que elas, de maneira geral, eram construções históricas humanas.
Depois desses questionamentos optou por não aderir a nenhuma religião,
mas acredita na espiritualidade como algo que faz parte da existência humana
enquanto possibilidade do existir. Justifica seu afastamento por não precisar de um
sistema religioso para dar espaço à sua espiritualidade. Questiona os dogmas de
diferentes religiões e define a Religião como um sistema criado pelo homem. Por
outro lado, reforça o fato de necessitar acreditar no poder da oração e recorrer à
transcendência para dar sentido à sua vida. Acrescenta que a dimensão espiritual
ensinou-o a olhar e a ouvir as pessoas como elas são, sem preconceito. Diz que as
experiências falam muito sobre a pessoa e sobre sua visão de mundo.
Rodrigo descreve claramente seu incômodo com as religiões e considera-as
menos importantes do que a fé e o cultivo da dimensão espiritual, para os quais
declara estar aberto. Quando fala de religiosidade, relaciona-a a sentimentos e
valores que passou a perceber e cultivar em sua vida mesmo que
inconfessadamente, como, por exemplo, acreditar na força e na firmeza que Deus
proporciona para encarar os desafios da vida.
Rodrigo acredita em um universo espiritual e fala que tanto a espiritualidade
quanto Deus estão representados na natureza. Para ele Deus é o universo, Deus e
universo são palavras sinônimas, o que elimina a necessidade de definir o “seu
Deus”. Ele acredita também no contato do universo com o mundo espiritual e na vida
após a morte. Para ele o mundo dos homens, o mundo de Deus e a vida após a
morte são dimensões que se comunicam, existindo um outro mundo possível à
espera do espírito, que permanece vivo. Ademais, a palavra de Deus está associada
42
à ajuda em determinados momentos de sua vida.
Embora tenha tido uma vivência religiosa familiar muito forte, Rodrigo diz não
acreditar em um Deus antropomórfico, que se assemelhe ao homem, mas seus
questionamentos acerca dos dogmas religiosos fazem com que ele se abra para a
espiritualidade, e consequentemente para a crença em Deus. Ele chama a sua
vivência espiritual de Deus e, por isso, valoriza a fé em Deus ou em algo que dê
sentido à vida. Neste momento da entrevista, demonstra alguma inquietude e
confusão, pois faz uso de uma oração e recorre à transcendência mesmo não tendo
uma religião institucionalizada.
Todas as experiências vividas por Rodrigo que ele considerou transcendentes
à razão ou sobrenaturais chamaram a sua atenção e, segundo ele, deram lugar,
cada vez mais, à sua espiritualidade. Relata fatos de sua vida que reforçam este
posicionamento: por exemplo, em certa ocasião ele teve que passar por uma cirurgia
e uma amiga de sua mãe fez uma promessa que ela cumpriria caso a operação
fosse bem-sucedida. Ela, no entanto, não pagou a promessa e depois disso a tia de
Rodrigo, que não sabia desse fato, sonhou com o pai dele, já falecido, dizendo que
uma pessoa deveria pagar uma promessa ainda pendente. Quando a tia contou o
seu sonho para a mãe de Rodrigo, esta questionou a sua amiga, que começou a
chorar e disse não ter cumprido a promessa.
Ele relata outras experiências entendidas como sobrenaturais e menciona ter
medo destas vivências. Conta que uma ocasião viu um vulto que parecia ser de uma
mulher. Ele teve medo e fugiu. Pouco depois encontrou a mãe, ainda muito
assustado, e recebeu a notícia do falecimento da tia-avó, ocorrido há poucas horas.
Rodrigo relata que essa e outras experiências foram vivenciadas com muita dor e
medo, mas que se esforçou para compreendê-las melhor.
Rodrigo contou que, durante seu estágio na faculdade, um paciente seu
colocava toda a esperança de recuperação em Deus. Disse que Deus era a figura
máxima para o paciente, era aquele com quem dividia o peso e a dor de sua
doença, aquele que lhe dava força e firmeza para encarar a doença e seus desafios,
já que Deus orava e olhava por ele.
Quando questionado sobre como relaciona sua religiosidade e sua
espiritualidade aos conhecimentos adquiridos em seu curso de graduação, Rodrigo
43
atribuiu grande importância à articulação entre Psicologia e Religião. Mencionou que
existe um preconceito no universo acadêmico com relação à Religião. Em sua visão
a vivência da religiosidade e da espiritualidade torna-se elemento importante para a
existência humana na medida em que dá sentido à vida e atribui novos significados
a ela; e, para ele, todos esses elementos devem ser considerados pela Psicologia.
Rodrigo acredita que em sua formação acadêmica é preciso enxergar a si
mesmo como um todo, de forma a visualizar um ser humano bio-psico-social-
cultural-espiritual. Logo, disse que, independente da religião do indivíduo, é preciso
ouvi-lo falar sobre sua crença e perceber a importância e sentido que ela tem dentro
da vida do paciente.
Para Rodrigo questões sobre religião, religiosidade e espiritualidade deveriam
constar nas grades dos cursos de Psicologia, uma vez que, segundo ele, o psicólogo
lida diretamente com as pessoas e as suas subjetividades e, ao mesmo tempo, com
a objetividade e as inter-relações. Na prática do atendimento psicológico, no que se
refere à religiosidade e à espiritualidade, Rodrigo sugeriu que essas questões não
são abordadas adequadamente. Ele afirmou ter sido a sua experiência pessoal em
relação à espiritualidade que lhe deu subsídios para lidar de uma forma própria com
o paciente, ouvindo-o e acolhendo-o em sua dimensão religiosa e espiritual.
Dessa maneira, a inserção do estudo da dimensão religiosa e espiritual
humana na formação acadêmica em Psicologia foi considerada relevante por
Rodrigo para assegurar não só uma qualificação profissional devidamente atualizada
pelos estudos científicos emergentes na contemporaneidade, mas também para
garantir a ética em Psicologia, inclusiva a todas as dimensões humanas trazidas
pelo paciente ao psicólogo. Relatou que o conhecimento e o preparo para lidar com
a religiosidade e a espiritualidade não são suficientes na formação acadêmica e
afirmou considerar que é “engessada” e prejudicial à atuação profissional.
Por fim, ele disse acreditar ser fundamental o estudo das questões referentes
à espiritualidade em Psicologia porque, em sua opinião, a ciência não pode ignorar
algo que faz parte da constituição do ser humano e está presente em seu dia-a-dia.
Desconsiderá-la significa excluir a riqueza da totalidade humana. Rodrigo sentiu-se
desconfortável no tratamento do tema religião e espiritualidade no curso de
Psicologia e buscou uma abordagem que viesse ao encontro de seu modo de
44
compreender o homem. Entende que o tema religiosidade e espiritualidade deve ser
tratado com maior rigor no curso de Psicologia e em todos os outros, mas enfatizou
que a Psicologia, especialmente, trata diretamente com as pessoas, as questões
profundas do ser e as suas interrelações.
Como considera o ser humano um ser bio-psico-social-espiritual, para ele a
dimensão religiosa e espiritual é inerente à sua estrutura. Em sua visão, o homem
deve ser entendido em sua totalidade, em todas as dimensões. Em seu relato
explicitou a falta de conhecimento teórico referente às questões religiosas e
espirituais, uma vez que a espiritualidade e a Psicologia estão relacionadas, já que o
ser humano é uma unidade. Disse ainda considerar a dimensão religiosa e espiritual
relevante à compreensão do ser humano e da vida.
Rodrigo relacionou o bem-estar religioso e espiritual à saúde. Acrescentou
que, mesmo antes da Organização Mundial da Saúde tratar do assunto, ele já
apresentava uma visão a respeito destas questões. Percebeu em conversas com
médicos que as instituições hospitalares começam a dar espaço às questões
religiosas e espirituais dos pacientes. Reforçou essa colocação mencionando que,
apesar de a religiosidade e a espiritualidade serem vistas com certo descrédito, elas
têm muito a oferecer no que tange à saúde. Embasou suas considerações ao
mencionar pesquisas que apontam para a força positiva exercida pela religião e pela
espiritualidade no campo da saúde. Segundo essas pesquisas, pacientes religiosos
apresentam quadros de melhora e recuperação com maior frequência ou são
psicologicamente mais aptos a aceitar a doença e a possibilidade de falecer.
Para ele o tema religiosidade e espiritualidade não é tabu e, por isso, a sua
discussão não deve ser proibida. Assim, ele sempre procura acolher e compreender
essas questões juntamente com os outros dados que surgem em seus
atendimentos. Enfatizou, mais uma vez, a ausência de um ambiente suficientemente
receptivo, dentro do âmbito acadêmico, que aborde a religiosidade e a
espiritualidade. Considera ser necessário dialogar mais sobre o assunto e buscar
compreender como os psicólogos interferem na dimensão espiritual de seus
pacientes, pois acredita que há uma interferência direta.
Rodrigo afirmou, enfaticamente, que as questões sobre a religiosidade e a
espiritualidade em sua formação não foram abordadas direta nem suficientemente.
45
Revelou que teve algum contato com elas em apenas uma disciplina, Psicologia
Social, ainda que de forma isolada. Contou que seus colegas de curso estranharam,
dizendo que em um curso de Psicologia o foco é o estudo da mente, e que tais
questões não deveriam estar envolvidas com ela. A atitude de grande parte de seus
colegas foi a de se retirarem da sala de aula, abordarem o assunto de uma forma
meramente religiosa ou argumentarem que Religião e Psicologia não se misturam.
A abordagem desses temas e as colocações do professor sensibilizaram
Rodrigo e tiveram um efeito positivo sobre ele quando viu que o professor, formado
e experiente, possuía a mesma visão que a sua. Relatou entender o motivo pelo
qual o professor não se aprofundou no assunto: como não faziam parte da grade
curricular esses temas foram abordados sem muita ênfase. Mas, para si, Rodrigo
entendeu que é importante e necessária a consideração da religiosidade e da
espiritualidade na clínica psicológica.
Rodrigo comentou ter encontrado na faculdade muitos colegas que, no início
da graduação, consideravam que algumas disciplinas, tais como História, Sociologia
e Antropologia, não deveriam ser ministradas em um curso de Psicologia; para ele
ouvir isso de um colega parecia antagônico.
Rodrigo relatou que, no curso, parecia existir um impedimento não explícito
de falar sobre vivências pessoais e individuais, o que lhe causava certo
constrangimento. Suas experiências nos atendimentos mobilizaram vivências
profundas e ele sentia falta de um espaço para discuti-las, o que possibilitaria
integrar as dimensões religiosa e espiritual aos conhecimentos teóricos aprendidos.
Ele percebeu que os professores e os supervisores reconhecem a existências de
vivências religiosas e espirituais, mas não as consideram profundamente, pois, para
eles, estão fora de seu campo de atuação profissional.
Rodrigo disse que tem poucos recursos para articular teoria e prática em
relação a questões religiosas e espirituais. Teve uma formação voltada para a
Psicanálise, que para ele é uma teoria que possui limites no modo de ver o ser
humano em sua totalidade. Sua preferência pela Fenomenologia deu-se em função
de essa abordagem privilegiar a compreensão do significado da vivência para a
pessoa, aceitando tudo o que se apresenta a ela no mundo, e deu-lhe recursos para
acolher as crenças religiosas e espirituais de seus pacientes, quando trazidas por
46
eles, embora sem muita consistência, pela falta de conhecimento teórico sobre esta
abordagem.
Para Rodrigo, independentemente da linha teórica que se adote – apesar de
ele enfatizar que a visão holística possibilita um olhar integrado para as questões da
religiosidade e da espiritualidade nos atendimentos psicológicos – os conhecimentos
teórico-práticos relacionados com a vivência da religiosidade e da espiritualidade,
articulados a abordagens teóricas afins, poderiam ser úteis na formação do
psicólogo. Segundo ele, trabalhar com essa temática na prática profissional depende
do conteúdo que o paciente trouxer, o que pode contribuir para o Psicólogo estar
aberto ao outro e, principalmente, estar interessado em contribuir para o seu
desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e espiritual.
Ao relatar suas vivências pessoais, Rodrigo retomou algumas experiências
para justificar, mais uma vez, o que contribuiu para que ele se abrisse à
espiritualidade. Contou que, com a morte do pai, teve que adquirir responsabilidade
muito cedo e cresceu com a visão de que sua existência dependia somente dele.
Por um tempo apoiou-se na namorada como suporte para suas angústias
existenciais e tomadas de decisões, mas aos poucos percebeu o quanto este
relacionamento de dependência estava impedindo-o de assumir as suas escolhas e
decisões pessoais. Quando rompeu com a namorada percebeu que teria que lutar
sozinho e com mais liberdade para “olhar para si com mais cuidado e carinho”. Isto
fez com que ele deixasse de “cutucar” a sua barba, fato que deixava seu rosto todo
ferido, pois, segundo ele, se mutilava por não conseguir se libertar de situações que
lhe traziam muita ansiedade. Todos estes acontecimentos contribuíram para que
pudesse abrir-se para o mundo e encarar estas tomadas de decisões como um novo
renascimento de vida.
Na opinião de Rodrigo o tema religiosidade e espiritualidade deveria ser mais
abordado na academia, de forma a contemplar, ao longo da formação profissional do
psicólogo, maior profundidade para a prática e a clínica psicológica, pois contribuiria
para que ele pudesse ter uma opinião mais critica acerca do tema, bem como um
melhor conhecimento sobre o manejo destas questões ao lidar com os pacientes.
Acredita que a inserção da espiritualidade em sua prática profissional é
importante, assim como ter um espaço no curso para trabalhar sua espiritualidade,
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resultando num bom desempenho como psicólogo. Considera que teria condições
para analisar e compreender as crenças de seus pacientes, com o intuito de ajudá-
los a se conhecerem e a aprenderem a lidar com seus próprios questionamentos e
angústias.
Para Rodrigo as linhas teóricas holísticas parecem dar mais suporte na
compreensão das questões religiosas e espirituais na relação entre o terapeuta e o
paciente. Ele mencionou que uma relação vai muito além das aparências ou do que
pode ser explicado. Ao que é sentido e acolhido, a seu ver, abrem-se maiores
possibilidades de um encontro verdadeiro.
Rodrigo terminou dizendo que a entrevista foi terapêutica, no sentido de que
permitiu-lhe fazer um retrospecto de sua própria vida e refletir, especialmente, sobre
a questão da religiosidade e da espiritualidade em sua vida pessoal e em sua
formação profissional. Relatou que pretende sair do Brasil para fazer alguns cursos,
inclusive para rever melhor as questões que não foram contempladas no curso de
Psicologia.
2. Síntese da entrevista com a Roberta
Roberta é natural do Estado de São Paulo, tem 25 anos, está casada há
quatro, tem uma filha de um ano e oito meses, mora na baixada santista, seus pais
são casados há 30 anos e tem um irmão, também casado. Foi batizada e se casou
na Igreja Católica por tradição familiar, e não por fé; experimentou várias religiões e
atualmente é evangélica, tendo inclusive se batizado.
Sua escolha pela Psicologia se deu em função de uma experiência familiar,
pois até os 15 anos conviveu com uma grande depressão do pai, que frequentou
psiquiatras e psicólogos, fez vários tratamentos e apresentou uma melhora ao longo
do tempo. A partir desta experiência, quis entender como uma pessoa, no caso seu
pai, com família estruturada, carreira de sucesso em um banco e aparentemente
sem grandes problemas familiares e financeiros poderia entrar numa depressão
profunda. Este foi o motivo pelo qual decidiu ingressar no curso ao invés de procurar
48
uma explicação espiritual, para entender os aspectos psicológicos do ser humano, já
que a doença do pai mobilizou toda a família.
Quando começou o curso de Psicologia optou por se distanciar de todas as
questões ligadas às religiões, por acreditar que qualquer dogma iria aprisioná-la a
ponto de não abrir-se para questões cientificas: considerava que se tivesse alguma
crença esta iria atrapalhar e criar preconceitos em seu desenvolvimento profissional,
limitando-a e impedindo-a de ver o mundo de outras formas. Para ela há uma
dicotomia entre religião e questões científicas e acredita que, dependendo da
personalidade de cada um, a religião poderá levar ao fanatismo, aprisionando a
pessoa. Assim, buscou explicações para as questões da vida através da ciência que
o ser humano havia conquistado.
Na visão de Roberta, de maneira geral, as pessoas tendem a explicar os seus
problemas cotidianos a partir de sua crença. Acredita que se tivesse um dogma,
uma crença ou uma religião especifica não se abriria para as explicações dadas pela
ciência. Para ela, a crença e a fé são mais emocionais e a ciência é mais racional.
Reconhece que encontramos na saúde mental influência da espiritualidade,
mencionando o exemplo de que uma pessoa que está delirando ou alucinando pode
estar vendo algo. Todavia, para ela, a crença religiosa do psicólogo não deve
interferir no tratamento do paciente; como acredita em influências, pensa que deve
ter muito cuidado ao misturar Religião e Psicologia. Menciona como exemplo o fato
de ter passado por uma experiência com uma terapeuta holística que considera a
espiritualidade em seu trabalho: nessa terapia teve vontade de retornar à religião
evangélica à qual havia abandonado e percebeu, por parte da terapeuta, uma
tentativa de impedir.
A partir desta experiência Roberta passou a acreditar que, quando existe uma
crença ou uma religião muito forte, a tendência é fazer com que as pessoas
participem dela também, ocorrendo o mesmo com a Psicologia: se o terapeuta
apresentar uma crença muito forte em alguma religião ou filosofia é quase
impossível não influenciar o paciente.
Roberta relatou também que muitos colegas de faculdade tiveram dificuldades
de trabalhar com seus pacientes por serem evangélicos, acrescentando que em sua
formação acadêmica recebeu orientação para ser neutra e não deixar que suas
49
crenças interferissem no atendimento. Justificou sua posição dizendo que todos, têm
uma vivência religiosa, mesmo os ateus. Trouxe uma experiência para mostrar sua
dificuldade de lidar com as questões da religiosidade no atendimento psicológico:
teve uma paciente que se negava ao tratamento do câncer por acreditar que
receberia um milagre e que tinha recebido uma revelação. Roberta disse ter se
deparado com um grande dilema – “até onde a religião e a ciência podem curar?” –,
não conseguindo lidar com a situação. Não recebeu orientação suficiente dos
professores: “é como que empurravam e deixavam as coisas acontecerem por si
próprias”, de uma maneira superficial. Sentiu-se intimidada diante daquela situação.
Em outra oportunidade uma amiga atendeu uma paciente que levou a filha
para tratamento de sopro no coração, mas a menina foi submetida a uma cirurgia e
ficou em estado vegetativo. A mãe não acreditava que tal situação era irreversível e,
em sua fé, achava que a filha poderia sair daquele estado, já que não estava morta.
Para a ciência era impossível reverter o quadro: “minha amiga, entrou em conflito:
será que deixava a mãe com sua crença e seu conforto ou faria a mãe voltar à
realidade?”. De acordo com Roberta, são questões que ficam sem respostas.
Conversou sobre o assunto com um colega que lidava com a Psicologia
Transpessoal e concluíram que o trabalho em hospitais é muito difícil para os
formandos, pois lá as questões da espiritualidade emergem com frequência e muitas
vezes se sentiu impotente diante da fé intensa do paciente: “se não temos nenhuma
espiritualidade, não conseguimos entender o sofrimento alheio”. Reafirmou que
todos os professores são bem categóricos em não envolver a Religião com a
Psicologia e que Psicologia, Religião e espiritualidade não se misturam.
Sente-se presa à Psicologia e percebe que isto a separa até do aspecto físico
de sua existência, como se a especialização focasse somente a psique e ignorasse
o corpo, e ainda mais a espiritualidade. Quando questionada sobre como vivencia a
separação entre Ciência, Religião e espiritualidade, ela relatou ter tratado do
assunto com os amigos do curso, trocando ideias e discutindo conceitos, já que, o
professor assume uma postura mais formal, não dando abertura para discuti-lo.
Ressalta que a Psicologia deve levar em conta a dimensão espiritual, principalmente
nas questões da patologia, que são delicadas. Para ela as teorias psicológicas, de
maneira geral, não explicam as questões da espiritualidade e que esta é real para o
paciente que sofre, por exemplo, uma esquizofrenia. Em seu estágio clinico optou
50
por uma abordagem cognitiva comportamental, por ser mais diretiva, acreditando
que poderia lidar melhor com as dimensões religiosas e espirituais dos pacientes.
Roberta mencionou que nenhuma das abordagens psicológicas se aproxima
de qualquer explicação sobre as questões de espiritualidade e que o importante no
tratamento não é o que o terapeuta pensa, e sim o fato de que deve considerar a
crença do paciente. Relata a experiência de uma paciente que era sozinha e idosa:
acreditando que as religiões têm como aspecto positivo a acolhida, Roberta pensou
que poderia indicar-lhe alguma; mas, como percebeu que a paciente não tinha se
encontrado em nenhuma religião, achava que poderia direcioná-la para outra
atividade, como a yoga, colocando-a dentro de um grupo: todavia, perguntou: “não
me comprometeria como Psicólogo, mas e aí?”.
Para Roberta a religião é importante, pois não somente agrupa socialmente,
mas responde a questões profundas e complexas sobre a existência, permeando o
sentido da vida, e a sua origem, o seu caminho e o seu destino. Desde o início do
curso considerou natural separar religião e ciência, mas quando iniciou seus
estágios sentiu “peso grande em lidar com o sofrimento alheio”. Seus
questionamentos acerca das questões religiosas e espirituais se acentuaram – “é
como se Deus e o psicólogo fossem concorrentes, ou seja, se a pessoa é bem
resolvida dentro de uma religião ela não procura ajuda psicológica, e vice-versa”.
Todas estas experiências fizeram com que Roberta pesquisasse em seu
Trabalho de Conclusão de Curso temas ligados a religiosidade, espiritualidade e
felicidade; relatou que foi muito difícil ligar esses temas à ciência e que os sujeitos
da sua pesquisa fizeram distinção entre religião e espiritualidade. Decidiu, a partir
desta vivência, voltar para suas crenças, das quais havia se distanciado, para
entender na prática “o significado de tudo”. Disse ter buscado respostas em seu
trabalho para seus questionamentos existências e se surpreendido com o resultado:
“as pessoas consideram a fé em Deus e a religião como mais importante para a
felicidade”. Chegou à conclusão de que as perguntas são mais importantes do que
as respostas para uma reflexão, pois as respostas certas já vêm explicita. Ficou
aliviada em saber que, como futura psicóloga, não poderia resolver todos os
problemas das pessoas, pois depende do contexto geral de vida de cada um; o
psicólogo a seu ver, é mais um “acolhedor do que alguém que resolve tudo”.
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Roberta acredita na complexidade da fé em Deus e aborda a relação
existente entre fé e felicidade. Para ela as pessoas acreditam que a felicidade pode
ser alcançada a partir da fé em Deus e usam esta percepção para que se sintam
fortalecidas e capazes, como se a fé pudesse trazer soluções e felicidade. Todas
essas experiências serviram para que Roberta descobrisse que a espiritualidade é
pessoal. Entende que a felicidade é relacionada a crenças e valores e que a
felicidade eterna liga-se ao altruísmo e a momentânea ao prazer. Acredita que as
pessoas em geral pensam que a felicidade é passageira: por este motivo, acredita
ser importante a Psicologia contemplar estes aspectos.
Em seu trabalho, Roberta mostra dificuldade em relacionar religiosidade,
felicidade e ciência e, embora acredite que o protestantismo está crescendo porque
explica de forma mais ampla as questões através de Deus, até hoje não conseguiu
definir o que é a felicidade, distanciando-se de suas crenças, embora no último ano
tenha retornado a elas para entender o significado destas questões em sua vida.
Como psicóloga, considerou: “o psicólogo carrega um pouco da onipotência
de resolver tudo, e descobri que não resolvemos nada, pois não somos heróis”.
Nesta reflexão entendeu que tudo depende do contexto individual de cada um e que
o psicólogo é acolhedor, sendo a espiritualidade muito pessoal. Neste momento da
entrevista ficou em silêncio, abaixou a cabeça, suspirou e retomou a fala, dizendo:
“neste momento, veio um vazio muito grande”. Concluiu que o ser humano deve
voltar a ter ou ter uma fé, um valor, uma crença para se encontrar como pessoa.
Finalizou dizendo que seu distanciamento da espiritualidade a fez ver a
importância de voltar a rever os seus valores e reafirmou que o momento da
entrevista foi de reflexão: “durante minha fala fui vendo o tanto que preciso me
aprofundar como psicóloga nas questões das crenças, da fé”. Disse sair da
entrevista acreditando ser possível aprofundar estas questões sem se sentir
angustiada.
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CAPITULO V – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
UMA ORAÇÃO CELTA - V Que saibas que a ausência está repleta de terna presença e que nada jamais está perdido ou esquecido. Que as ausências na tua vida estejam repletas de eco eterno. Que sintas ao redor do secreto “Outro Lugar” que contém as presenças que deixaram a tua vida. Que sejas forte na aceitação das tuas perdas. Que a dolorosa fonte de luto se transforme em uma fonte de ininterrupta presença. Que a tua paixão se estenda àqueles de que nunca temos notícia e que tenhas a coragem de falar em nome de excluídos. Que venhas a ser o afável e apaixonado sujeito da tua vida. Que não desrespeites o teu mistério por meio de palavras insensíveis ou integração falsa. Que sejas acolhido por Deus, em quem o amanhecer e o crepúsculo se unem, e que a tua integração habite os seus sonhos mais profundos no interior do abrigo da Grande Integração.
John O´Donohue
Rodrigo e Roberta, durante suas vidas, principalmente na adolescência,
passaram por experiências familiares relacionadas à religião que os fizeram romper
com as suas instituições religiosas originárias, pois estas não iam ao encontro de
seus anseios de responder às suas angústias existenciais. Os dois percorreram
várias religiões em busca de respostas para os seus questionamentos, mas Rodrigo
optou por não aderir a nenhuma religião institucionalizada e Roberta se encontrou
na igreja Evangélica.
Vergote (1998) considera que a riqueza simbólica e cultural de uma dada
religião é uma herança recebida ao nascer, como todo o aparato linguístico e social
do contexto ao qual se pertence. A aderência religiosa a essa herança no futuro ou a
não aderência são formas diferentes de reações a esse mesmo fenômeno, que afeta
todas as sociedades, repercutindo de forma diferente em cada pessoa e em cada
momento de sua vida. No jovem adulto essa oposição é reconhecida por Fowler
(1992) como a procura, frequente no jovem, de uma fundamentação individual para
sua identidade, com o desenvolvendo de um ponto de vista próprio, e não mais
definido pelo composto de papéis ou significados de outras pessoas. Nessa fase a fé
anterior é questionada e símbolos e mitos são desmitologizados.
53
Também, Amatuzzi (1999; 2001) relata que o início de vida adulta é uma fase
de tomada de decisão diante da vida que envolve um desafio central no processo de
formação do eu: consiste em passar de um fechamento para uma abertura que lhe
permita um relacionamento mais profundo e verdadeiramente pessoal, uma
experiência de intimidade não apenas física, mas religiosa e espiritual. Assim, uma
relação superficial não é mais suficiente para sustentar uma postura religiosa: ele
necessita de uma fundamentação para as coisas que faz , adota um modo de ser
criticamente reflexivo: “É tempo de sentir, é tempo de discutir” (2001, p. 136). Nesse
momento o jovem adulto percebe a importância pessoal no campo da fé e é capaz
de falar sobre isso.
Tanto Rodrigo quanto Roberta acreditam na religiosidade e na espiritualidade
como possibilidades existenciais e se preocupam como estas questões nos níveis
pessoal e profissional. Para ele a espiritualidade é um sentimento pessoal que
estimula seu interesse pelos outros e por si, um sentido de significado capaz de
fazê-lo suportar as diversidades da vida. Assim, a espiritualidade é para Rodrigo
uma forma eficiente de apoio para lidar com as situações quando estas vêm
sobrecarregadas de ameaças à vida. Para Roberta, a religiosidade fornece
explicações para o sentido da vida e para as motivações humanas relacionadas a
situações e males que incidem nas pessoas, sendo um aporte que irá conduzir a um
significado sobre o que ocorre e como ocorre em nível pessoal e profissional.
Parece que esse é o movimento do Rodrigo e da Roberta, transformando-os e
provocando uma revisão de valores, crenças e fé. Nesse aspecto é interessante
observar que as colocações de Rodrigo sobre a religião e a espiritualidade indicam
que para ele esta dimensão deve ser incluída entre os aspectos relevantes para a
compreensão integral da estrutura humana, já que ela é inerente ao humano e à
vida e, portanto, também faz parte da sua visão de mundo.
Roberta, neste aspecto, apresenta-se mais segura em relação a sua crença
religiosa, mas também é embutido nela o medo de trazer a tona crenças referentes a
sua religiosidade e a sua espiritualidade como se estas fossem destituí-la de valor
enquanto profissional, mesmo sendo a sua busca incessante para compreender as
dimensões humana e do sentido da vida.
Rodrigo reforça a não adesão a uma religião, porém percebo que para ele a
54
religiosidade tem um papel fundamental na compreensão do paciente. Em sua visão
parece que a espiritualidade é entendida como algo que é maior e, ao mesmo
tempo, faz parte da própria estrutura humana. Para ele é algo que faz parte do poder
de cada individuo, da fé que está além da dimensão pessoal (física, mental,
emocional e social).
Roberta define sua crença a partir da aproximação com uma religião que
escolheu como a mais completa para lhe dar suporte em sua busca por sentido de
vida e explicações sobre a incidência das crenças nas motivações humanas,
enfatizando que quando se trata do contexto profissional de Psicologia, estas devem
ser deixadas de lado.
Com esta perspectiva, entendo que a presença do contexto espiritual que
permeia a vida do ser humano, seja de forma religiosa ou não, delineia, assim, seu
estilo de vida e o seu discurso.
Para Rodrigo e para Roberta tanto a religiosidade quanto a espiritualidade
poderiam ser entendidas como acesso à dimensão transcendente, que está além
dos aspectos pessoais da existência. Por outro lado, apesar de Rodrigo trazer um
relato que o coloca distante de religião, observo que para ele a religião tem como
propósito dar sentido às experiências que fogem do racional, trazendo conforto para
as pessoas, principalmente para o paciente em momentos difíceis e
incompreensíveis diante das adversidades da vida. Roberta apresenta necessidade
de um suporte religioso para suas questões internas, que trate do significado da
vida, e sua reserva é em torno do quanto a religião pode influenciar na vida de uma
pessoa e em sua formação profissional.
A forma como Rodrigo concebe o ser humano revela que as diversas
dimensões do bio-psico-sócio-espiritual, que para ele são inerentes à constituição
psíquica, tornariam a reflexão, no contexto acadêmico sobre o assunto,
enriquecedora. Para ele tais questões acabam por interferir nos aspectos pessoais
do psicólogo e cada profissional articularia Psicologia e Religião a partir de suas
experiências pessoais, sem discuti-la criticamente ou relacioná-la adequadamente
aos conhecimentos propostos pela Psicologia. Este é o movimento do Rodrigo.
Segundo Roberta, as explicações psicológicas para os acontecimentos da
vida são dadas por meio da ciência, e as suas questões religiosas não entram neste
55
contexto. Para ela as pessoas tendem a pautar suas vidas e explicam seus
problemas a partir de crenças e religiões, mas se ela fosse seguir este caminho não
se abriria para as explicações científicas. Para ela “a crença e a fé são mais
emocionais e a ciência é mais racional”, não dando conta destas questões.
Fica evidente tanto na fala de Rodrigo quanto na de Roberta a importância da
dimensão espiritual em suas vidas. Rodrigo não oferece à religião uma conotação
negativa no que tange a seus efeitos na promoção e na manutenção da saúde
humana. Rodrigo e Roberta acreditam que ouvir e acolher a dimensão religiosa do
paciente em sua singularidade – pois a palavra do paciente traz um sentido por si
mesmo – e perceber qual o sentido da sua crença no seu contexto de vida torna-se
importante. Deve-se levar em consideração que vários aspectos, como o emocional
e o fisiológico, independentemente da religião do paciente, contribuem para a sua
melhora. Essa consideração encontra apoio em Massimi e Mahfoud (1999): os
autores destacam que a relação com algo superior, a vivência do sagrado e as
emoções religiosas no cotidiano auxiliam no enfrentamento de situações
(corriqueiras ou não) e nos desafios da vida, sejam estes pequenos ou grandes.
Complementando a colocação desses autores, Giovanetti (1999) afirma que a
disposição religiosa do homem perante algo que o transcende, que ele acolhe como
diferente de si mesmo e como resposta às suas questões existenciais, coloca-o
diante do sagrado. Rodrigo acredita que a fé (que para ele é acreditar em uma força
superior) está relacionada à saúde; menciona pesquisas que reafirmam seu
posicionamento quanto à força positiva exercida pela religião e pela espiritualidade
na saúde. De fato, algumas pesquisas investigam o quanto a espiritualidade pode
auxiliar na relação com a saúde geral (Marques, 2000; 2003). Autores clássicos,
como James, Jung, Frankl, Maslow, Allport, Fowler, Grof e Assagiolli afirmam, com
base em vários estudos, que a espiritualidade é um fator de proteção contra uma
vasta gama de desfechos clínicos. Atualmente a experiência espiritual e religiosa
deixou de ser considerada fonte de patologia e, em certas circunstâncias como
provedora do reequilíbrio e saúde.
O sentido da fé para Rodrigo e para Roberta vai ao encontro de Fowler
(1992), que a apresenta como uma forma de dar sentido à vida. A fé é a relação de
confiança no transcendente e de lealdade para com ele. Fowler (1992) a considera
uma questão universal que independe das religiões, pois antes mesmo de estas
56
fazerem parte de nossas concepções a fé já existe como forma de ordenarmos
nossas vidas e como algo para valorizarmos e respeitarmos como sustento do ser.
Ainda segundo o autor, a fé é uma verdadeira orientação da pessoa total, dando
propósito e alvo para lutar e esperanças para os pensamentos e as ações da
pessoa.
Ao iniciarem seus estágios, Rodrigo e Roberta deram seus primeiros passos
na prática da Psicologia. Naquele momento precisavam utilizar os conhecimentos
teóricos que adquiriram ao longo de sua formação e confrontar-se com as suas
crenças religiosas e espirituais. Essa realidade encontra apoio em Costa (2008),
quando ressalta que o curso de Psicologia aborda temas diversos como a
autoestima, crenças pessoais, tipos de personalidade e processos cognitivos, entre
outros. Ainda segundo a autora, a formação em Psicologia pode estimular também a
reflexão sobre o sentido da vida e o autoconhecimento, bem como o encontro com a
espiritualidade.
Em seus estágios Rodrigo e Roberta começaram a olhar para o outro,
penetrar em seu universo e compreendê-lo em seus aspectos mais complexos a fim
de ajudá-lo. Ambos justificam suas escolhas pela Psicologia por acreditarem que o
conhecimento que poderiam adquirir no curso daria subsídios para a compreensão
do ser humano em sua totalidade. Roberta procura descobrir as motivações e as
crenças que levam o ser humano a adotar determinados posicionamentos de vida e
até a desenvolver patologias; tomou este caminho a partir de suas experiências
familiares, que lhe trouxeram a necessidade de escutar e entender o outro em toda a
sua dimensão humana.
Esta visão de Roberta e de Rodrigo é considerada na literatura da Psicologia:
Ancona-Lopes (2005) menciona que se tornam essenciais à escuta psicológica o
reconhecimento e o desenvolvimento da dimensão espiritual, em primeiro lugar no
próprio psicólogo, para o encontro pleno com o outro, conferindo-lhe verdadeira
significação. Para a autora a escuta genuína acolhe a experiência, que vai além da
fala ou dos sentimentos de expressão. A ansiedade para dar respostas e achar
soluções ao paciente muitas vezes afasta as questões religiosas quando estas
aparecem de forma desesperada ou conflitante para o psicólogo.
No contexto da prática do atendimento, e devido à falta de mais reflexões,
57
subsídios teóricos e condições de manejo clinico, Rodrigo sente-se impedido de dar-
se conta da experiência de desconforto que surge no atendimento a pacientes que
trazem determinados temas religiosos e espirituais, não conseguindo ultrapassar as
dificuldades encontradas na ação clínica. Rodrigo considera uma aproximação entre
a espiritualidade e a Psicologia possível: acredita que a espiritualidade é constitutiva
do ser humano e que este possui em seu íntimo o desejo da transcendência. Penso
que o fato de Rodrigo estar sempre revendo a sua visão de homem indica que ele a
foi construindo no decorrer de sua vida, de forma bem pessoal, mesmo que ainda
não a tenha elaborado totalmente. Compreendo assim que, para Rodrigo, o homem
é um ser bio-psico-social-espiritual. Para ele é necessária, por parte do psicólogo,
uma postura de acolhimento e de atenção, um ouvir ativo, independente de qualquer
adversidade trazida pelo paciente.
Roberta apresenta conflitos sobre a prática do atendimento, uma vez que
considera que é exercida influência sobre o paciente quando são tratados os temas
relacionados com a religiosidade e a espiritualidade; acredita que o psicólogo pode
conduzir o paciente nesta questão de forma negativa, embora entenda a importância
do paciente considerar estas questões em sua vida.
Segundo Luczinski (2005), a questão da escuta merece especial atenção por
ser a primeira atitude desenvolvida pelo Psicólogo e, ao contrário do que se pensa,
por não ser natural e espontânea, e sim difícil de desenvolver. É preciso estar por
inteiro e totalmente presente na relação com o outro, o que não é tarefa fácil, pois
não é só o conteúdo da fala que interessa, mas o movimento vivencial no qual a
pessoa está envolvida, com sentidos velados e compreendidos e com tudo o que diz
sobre ela no processo. A sociedade atual não educa as pessoas a falarem de suas
experiências, e sim a distanciarem-se delas sem escutá-las; desaparece, assim,
também o ouvir aos outros (AMATUZZI, 1989; RIBEIRO, 2004).
Percebo que Rodrigo e Roberta refletem sobre a sua formação referindo-se a
suas experiências de vida e aos seus acervos de valores, crenças e sentimentos,
que no todo incentivaram a buscar respostas para suas dúvidas e sentido tanto para
suas vidas quanto para suas profissões como futuros psicólogos. Nessa busca está
implícita a questão da religiosidade e da espiritualidade. Quando se considera a
dimensão espiritual de Rodrigo, tudo que ele não pode compreender ou explicar
plenamente, o mistério da existência humana, é experimentado com interrogações e
58
mobiliza-o a achar significados que lhe dão sentido. Esse mistério está presente em
seu cotidiano, chegando a ser difícil para ele ignorar a sua existência. Suas
experiências o colocaram diante da imprevisibilidade da existência humana,
causando insegurança e medo.
Roberta mostra-se mais contida, mencionando que fez uma terapia dentro de
uma abordagem holística e se sentiu influenciada pela terapeuta, que possuía
crenças diferentes das suas, o que a faz entender que o terapeuta pode impor suas
crenças ao paciente e isso acaba por ser prejudicá-lo. Isso corresponde a quando
Ancona-Lopez (2008) menciona que o psicólogo não encontra eixos referenciais
para lidar com questões da religiosidade e da espiritualidade e acaba impondo sua
religião ou não considerando nenhum aspecto das dimensões religiosa e espiritual.
Ribeiro (2004, p. 16) acrescenta que há uma “lógica cultural que obedece a uma
constituição lenta, que nasce de uma procura do ser humano à solução do seu
próprio mistério”.
Acredito que durante a sua trajetória de vida Rodrigo procurou estabelecer
uma relação com diferentes saberes; sua busca de significados sobre si e sobre o
mundo incluiu o sentido da religiosidade e da espiritualidade em sua vida. Roberta
se apresenta mais inclinada a estas questões, tentando desvendar o mundo a partir
da adoção de crenças religiosas que sustentam suas dúvidas por um tempo; quando
percebia que uma crença não era suficiente buscava outra, encontrando sentido e
explicações para as suas indagações quando aderiu à crença evangélica.
Rodrigo caminha no sentido de cultivar a sua espiritualidade e reflete sobre as
pessoas que estão vivenciando este processo. Quer acreditar no transcendente e
aderir a um movimento neste sentido, mas ainda não consegue. Reconhece que um
dia talvez possa se abrir mais intensamente para a dimensão do mistério em sua
vida, já que ela provoca interrogações e a busca de significados. Assim, parece que
o mistério faz parte do processo da vida dele nos aspectos transcendentes e nos
cotidianos. Ao refletir sobre sua crença e ao relatar algumas experiências
transcendentes que ocorreram em sua vida, percebo que elas reforçam a sua crença
na espiritualidade.
Roberta buscou na religião segurança e compreensão de mundo, voltando-as
a respostas às suas questões para definir sua visão de mundo. Nesta busca,
59
conheceu e experimentou algumas religiões, decidindo-se por uma que vem
seguindo por acreditar que esta pode dar suporte às suas crenças e explicar o
mistério que ronda o mundo dos significados humanos.
Ao comparar as experiências de Rodrigo e de Roberta entendo que há
influência de um conjunto de compreensões que formam uma visão religiosa e
espiritual que influencia em suas percepções de como devem praticar a Psicologia.
A percepção de ambos vai ao encontro do que diz Ribeiro (2004, p. 23):
Estamos inundados, cercados do religioso, do espiritual, do sagrado. Toda existência humana é feita de encontros nos mais diversos níveis, e um desses níveis é a possibilidade de se encontrar com Deus. É na alma do homem que isso tudo revelara, e a Psicologia torna-se o lugar desse encontro homem-espiritual, homem-sagrado-mundo.
Para Rodrigo o homem deve ser compreendido em sua totalidade. Essa
posição assemelha-se à de Ribeiro (2004), para quem o ser humano é um ser bio-
psico-social-espiritual cujas dimensões constituem o experimental, o experiencial, o
existencial e o transcendental. Angerami (2008) ressalta que uma ciência que
pretenda conceber o homem integrado, atribuindo importâncias equivalentes aos
aspectos biológicos, psicológicos e sociais, não pode negligenciar a dimensão
espiritual, presente em quase todas as dimensões humanas. Para Rodrigo, cuidar
das dimensões religiosa e espiritual do paciente é velar pela sua saúde como um
todo. Noto que para ele quando o paciente possui uma abertura para o religioso, o
espiritual e os valores transcendentais, ou seja, quando se permite ser tocado pelo
espiritual, a sua recuperação parece ser mais positiva. Dessa forma, Rodrigo parece
concordar com a concepção de Giovanetti (2005), que considera importante que o
paciente cultive a espiritualidade, que abarca toda vivência capaz de conduzir para
mudanças no interior do homem e o levar à integração total.
Para Roberta existe influência da religiosidade no atendimento psicológico,
porém o psicólogo deve tomar cuidado para não misturar suas crenças religiosas
com as do paciente, sendo que ela recebeu instrução na faculdade para ser neutra
neste contexto. Ela entende que se uma pessoa possui uma crença muito forte pode
influenciar os outros a segui-la e, sendo assim, é quase impossível não influenciar o
paciente. Por isto separa a Religião da Psicologia, o que lhe traz muita insegurança.
60
As dificuldades de manejo do tema religiosidade e espiritualidade no
atendimento psicológico vivenciadas pelos entrevistados manifestaram-se de
diferentes maneiras. Para Rodrigo dependem da forma como o paciente expressa a
sua religiosidade: ele reconhece que deve acolher esta dimensão, mas sem saber a
melhor forma de lidar com ela. Já Roberta optou por se manter o mais neutra
possível sobre as questões religiosas e espirituais na vida profissional. Ela possui
maior dificuldade frente a elas, tendo reações de medo e tensão diante destes
assuntos em seus atendimentos e se preocupando com o impacto que as suas
experiências podem repercutir nos pacientes. Assim, tanto Rodrigo quanto Roberta
revelaram que suas dificuldades em relacionar as suas experiências religiosas e
espirituais aos conhecimentos aprendidos em sua formação estão fortemente
relacionadas às suas histórias de vida. A forma como elaboraram as experiências
liga-se aos conhecimentos adquiridos em sua formação, que incluem elementos
teóricos e técnicos e modelos profissionais com os quais os dois se identificaram.
Um aspecto relevante são as posições teóricas da Psicologia sobre as
experiências de Rodrigo e de Roberta, que se preocupam com o ensino do manejo
do tema religiosidade e espiritualidade nos atendimentos psicológicos. Angerami
(2008) ressalta que é importante acolher as buscas do paciente pelos caminhos da
religiosidade, o que não implica que o psicólogo tenha as mesmas crenças que ele.
Isso sugere que os aspectos religiosos e espirituais de Rodrigo e de Roberta estão
no caminho do amadurecimento.
Como afirma Ancona-Lopez (2005, p. 5), é a dimensão espiritual do homem
que “o impulsiona a uma continua transcendência, a um movimento sem fim de sair
de si mesmo, conhecê-lo e conhecer a si mesmo, buscando transcender, em seu
limite, a si mesmo e ao mundo”.
Os modos como Rodrigo e Roberta se referem à religiosidade e à
espiritualidade vão ao encontro de Farris (2005): para o autor o significado da
existência é constituído por meio dos relacionamentos e da interação com o outro e
com o mundo; ele compreende a espiritualidade como um fenômeno humano.
Roberta lida com questões pessoais sobre a religiosidade e a espiritualidade,
mas distancia a sua crença da prática psicológica por ter internalizado a visão de
que Psicologia e Religião não se misturam, embora apresente conflitos por não
61
saber lidar com estas questões quando surgem nos atendimentos, uma vez que
acredita que influenciarão o tratamento e que é muito difícil lidar com isto. Menciona
o exemplo de uma paciente que se recusava a tratar um câncer por acreditar em um
milagre, alegando que este contexto gerou um dilema: “até que ponto ciência e
religião podem curar?” Neste ínterim relatou não ter recebido suporte dos
supervisores para lidar com estas questões, o que lhe causou angústia.
A partir de sua própria experiência, Rodrigo entende como necessária a
fundamentação destes aspectos na prática da profissão e na formação em
Psicologia, sendo que entende o quão estas questões estão entrelaçadas às
crenças dos pacientes e o quanto isto pode contribuir para um resultado mais
satisfatório em um atendimento psicológico.
Ancona-Lopez (2007) argumenta que na estrutura da Psicologia as histórias
pessoais dos alunos são desconsideradas e a exteriorização das suas crenças
religiosas e espirituais é inibida: é neste aspecto que ambas são desqualificadas na
formação do psicólogo e, portanto, apresentam-se como geradoras de sofrimento. O
sofrimento dos psicólogos que foram alvos da interdição de confrontar suas crenças
pessoais com as explicações psicológicas vai além da falta de um espaço
acadêmico que permita elaborar e refletir sobre suas premissas acerca da vida, do
homem e do mundo. Eles ficam impedidos de “brincar” com suas teorias e crenças,
no sentido de construir e desconstruir, e sem essa atividade dificilmente encontrarão
mais tarde realização e satisfação no seu trabalho (ANCONA-LOPEZ, 2008).
Rodrigo acrescentou que poucas vezes o tema foi abordado durante o curso,
e quando isso ocorreu foi apenas em uma disciplina, sem muita ênfase e de forma
superficial. Para ele as questões sobre a religiosidade e a espiritualidade ainda são
como um tabu no universo acadêmico. Sente na universidade também um grande
preconceito quanto a uma abordagem de homem holística, que inclua os aspectos
religiosos e espirituais do ser humano. Roberta compartilha desta opinião e
acrescenta que os professores não dão suporte a estas questões, assumindo uma
postura de neutralidade, o que impele os estudantes a serem também neutros.
Em um estudo cujo objetivo foi investigar o perfil da religiosidade e da
espiritualidade do jovem universitário, Ribeiro (2004) concluiu que esta é uma forma
de libertação da alienação das forças sociais. Segundo ele, a espiritualidade do
62
jovem universitário é ampla, mas não encontra espaço para ser traduzida na
universidade. Ainda para Ribeiro (1998), a dimensão pessoal do psicólogo é deixada
de lado em nome de uma neutralidade e da busca pela objetividade.
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Pargament (2007) coloca que a
espiritualidade está presente no cotidiano, revelando-se no modo como pensamos,
sentimos, agimos e nos relacionamos. Rodrigo afirmou que sua experiência pessoal,
seus questionamentos e seus relacionamentos deram condições para que lidasse de
uma forma própria com a espiritualidade. Segundo suas palavras: “Talvez, se não
tivesse passado por toda essa experiência, poderia não ouvi-lo (o paciente) sem
acolher aquilo que lhe dava sentido”. Ele sente que, ao abrir-se para a
espiritualidade, as respostas às suas indagações existenciais tornaram-se
significativas e passaram a reforçar a sua fé, diferentemente de Roberta, que
acredita que a ciência pode explicar suas questões de vida porque sua orientação foi
para deixar de lado as questões espirituais no atendimento psicológico.
Um fator importante, conforme afirmam vários autores, é que a formação do
psicólogo durante todo o curso preconiza que se deve manter a neutralidade, ou
seja, que o psicólogo deve deixar em suspenso suas opiniões e crenças pessoais
para se colocar em posição neutra, podendo assim agir com objetividade. Esta
colocação termina por concluir que a religiosidade do psicólogo não deve estar
presente em seu trabalho: o raciocínio clínico deve ser guiado basicamente pelos
conhecimentos psicológicos e pela observação do que ocorre entre ele e o seu
paciente.
Roberta mencionou que nenhuma das abordagens da Psicologia se aproxima
de qualquer explicação sobre as questões religiosas e espirituais. Entende que o
importante no atendimento não é o que o terapeuta pensa, e sim a crença do
paciente, que deve ser levada em consideração no atendimento. Roberta aponta a
necessidade de uma formação mais completa, que inclua religiosidade e
espiritualidade, sendo que a discussão ao longo do curso deve contemplar estes
aspectos como parte de uma formação profissional mais completa e realista, apesar
de ela não ter esta orientação em sua formação. Entendo que questões religiosas e
espirituais emergem muito frequentemente nos atendimentos psicológicos de
Roberta e em muitos casos geram conflitos sobre a sua atuação como psicóloga.
Ela acredita que sem a compreensão da religiosidade e da espiritualidade não se
63
pode entender o sofrimento do ser humano, mas a postura que o supervisor e o
professor assumem é a de distanciar Religião e Psicologia, sem abertura para
debates e discussões sobre o tema, o que acaba gerando sofrimento para os
alunos.
Ancona-Lopez (1999, p. 77) menciona a dificuldade do psicólogo em integrar
questões espirituais e religiosas em sua prática clinica, sendo que esta pode ocorrer
pela ausência de uma abordagem que lhes dê suporte teórico, visto que poucos
estudos em Psicologia contemplam o aspecto religioso:
O psicólogo encontra-se muitas vezes perdido e vai buscar referências em outras disciplinas ou em sua própria experiência. O problema que o psicólogo clínico enfrenta é a ausência de eixos teóricos e referenciais que o auxiliem a refletir e considerar as experiências religiosas quando elas aparecem na clinica.
O desconhecimento é um dos aspectos que impedem o manejo das questões
religiosas na clínica, pois o psicólogo sente-se inseguro e despreparado para tratar
de assuntos religiosos (ANCONA-LOPEZ, 1999). Giovanetti (1999) concorda com
Ancona-Lopez (1999) e complementa que há falta de um conhecimento
sistematizado que ofereça suporte para explorar esta dimensão.
Para Shafranske e Malony (1990) a religião tem um significado singular nas
histórias de vida das pessoas e, portanto, exerce efeito positivo ou negativo na
constituição da saúde mental do individuo. Assim, a incidência dos temas religiosos
na clínica psicológica é grande. Esse posicionamento está em consonância com
Frankl (1990), para quem a religião é uma ferramenta utilizada na busca de sentido
para a vida, razão para viver em meio às dificuldades, aos infortúnios e às tragédias
da existência. O tema religiosidade e espiritualidade na formação acadêmica em
Psicologia vai ao encontro do cerne desta pesquisa e traz os resultados finais para
que possamos concluir sobre a necessidade de incluí-lo no curso de Psicologia, a
partir da experiência de Rodrigo e Roberta.
Rodrigo reflete sobre a falta de conhecimento teórico frente às questões
religiosas e espirituais e sobre a falta de discussão sobre o assunto, reforçando a
posição de que, em sua formação acadêmica, as linhas teóricas são apresentadas
de forma que não há espaço para discutir, refletir e integrar a teoria à prática.
64
Inicialmente a Psicanálise era uma verdade absoluta para ele, mas aos poucos
percebeu que não oferecia suporte teórico a suas questões religiosas e espirituais.
Para resolver este conflito optou por uma abordagem que fosse ao encontro de suas
crenças e de sua maneira de conceber o ser humano e o mundo: a Fenomenologia.
Optou por esta abordagem por acreditar que ela oferece um olhar mais integrado de
ser humano, mas percebe que não encontrou subsídios teóricos suficientes para
fazer esta integração em seu curso.
No aspecto intelectual Rodrigo traz um discurso coerente. Na prática, sempre
afirma a falta de conhecimento teórico e de subsídios para a compreensão dos
diversos elementos contidos no trabalho psicológico para a compreensão do
paciente. Isso mostra que, mesmo dentro da abordagem que contempla estas
questões, ele não conseguiu uma compreensão maior das dimensões religiosa e
espiritual em sua formação, capaz de lhe dar suporte. Quanto à opção de Roberta
por uma abordagem cognitiva comportamental, acabou por dar um suporte maior à
sua insegurança diante das adversidades trazidas na prática clínica: como esta
abordagem é mais diretiva assegura, em sua visão, que cometa menos erros em
sua prática profissional.
Ao longo da entrevista com Rodrigo, percebi que sua concepção sobre a
relação entre Ciência e Religião – esferas entre as quais enxerga uma possibilidade
de diálogo teórico – parte do pressuposto de que a Psicologia não deve fragmentar o
homem. Mas noto que o conteúdo do seu discurso marca um distanciamento entre
os campos da Psicologia, da Religião e da espiritualidade, aspectos estes que para
ele permanecem à margem do âmbito acadêmico. De início se posicionou dizendo –
e enfaticamente – que questões sobre a religiosidade não foram abordadas
formalmente em nenhum momento de sua formação acadêmica. Afirmou que a sua
experiência pessoal é que deu subsídios para lidar de um modo próprio com o
atendimento ao paciente. A inserção do estudo das dimensões religiosa e espiritual
na formação acadêmica em Psicologia foi considerada relevante por ele para
assegurar não só uma qualificação profissional devidamente atualizada, mas
também uma ética e a inclusão de todas as dimensões humanas na Psicologia.
Roberta está em conflito com relação a tais questões: aceita que deve haver
distanciamento entre Religião e Psicologia, mas de modo contraditório considera a
importância da experiência religiosa e espiritual na prática e na formação
65
psicológica. Embora se preocupe com as crenças, principalmente as religiosas, e
tente distanciá-las ao máximo da Psicologia, defende o debate sobre religiosidade e
espiritualidade até como forma de os estudantes compreenderem que papel exercer
perante o paciente no atendimento e como trabalhar com estas questões de forma
imparcial. Questiona a influência da religiosidade e da espiritualidade na prática
clínica, mostra que estas dimensões estão presentes no contexto individual e
profissional e requer discussões sobre o quanto podem ser consideradas relevantes
em uma patologia e na atuação do psicólogo, por serem parte essencial do universo
de conteúdos a serem trabalhados no curso de Psicologia.
Para Ancona-Lopez (2007), quando afirmações teóricas da Psicologia e da
Antropologia, que envolvem diferentes concepções de homem e de mundo, são
confrontadas com as crenças pessoais dos alunos, frequentemente pode haver
questionamentos, aderências ou conflitos. Amatuzzi (2007) ressalta que os alunos
têm uma carência grande de elaborações teóricas e informações científicas
relacionadas à dimensão religiosa da experiência humana.
Grande parte das colocações teóricas levantadas nesta dissertação vai ao
encontro do conteúdo das entrevistas. O diálogo entre Psicologia, Religião e
espiritualidade se faz necessário, buscando uma forma de integração destes temas
à teoria e à prática. Todavia, nas visões de Rodrigo e de Roberta, existe um
distanciamento entre esses campos. Essa posição é encontrada em Angerami
(2008), que mostra haver no âmbito acadêmico certa intolerância quando da
evocação de temática religiosa, que parece ganhar contornos ainda maiores na
Psicologia. Ele atribui este fenômeno aos fatos de a Psicologia no Brasil ainda estar
nos primeiros passos da busca por reconhecimento científico e acadêmico e de, ao
se confrontarem com questões de religiosidade, a primeira postura de seus doutores
ser a de rechaçar tais questões. Ressalta ainda que uma ciência que pretende
conceber o homem integrado, atribuindo equivalente importância aos aspectos
biológicos, psicológicos e sociais, não pode negligenciar a dimensão espiritual,
presente em quase todas as manifestações humanas.
Com relação a este aspecto, Rodrigo enfatiza a necessidade de se ter
conhecimento sobre o tema na grade curricular em Psicologia. Outro aspecto
mencionado por ele é o desconforto por parte dos colegas de curso ao se abordar o
tema em sala de aula; tal preconceito pode ser atribuído a uma mentalidade
66
enraizada na formação em Psicologia e transmitida pelos docentes desde o início do
curso. Roberta também considera que a formação em Psicologia deve incluir um
aporte teórico que contemple os aspectos religiosos e espirituais do indivíduo.
A forma como o tema é tratado ainda não tem espaço na academia, uma vez
que a formação é pautada dentro de estruturas clássicas, sob as premissas do
cientificismo e em consonância com o que se aprende na graduação. As dimensões
religiosa e espiritual estão fora deste contexto e frequentemente são associadas a
questões da psicopatologia. Assim, os cursos são lineares, apresentam sequências
de diversas teorias e técnicas e partem para o estágio profissionalizante, como se
bastasse aplicar uma técnica (ANCONA-LOPEZ, 2007).
O contexto educacional vigente em Psicologia faz com que os psicólogos
esqueçam que a compreensão humana está em contínuo movimento e as teorias
são sempre limitadas, pois a experiência humana vai além de suas explicações.
Esquece-se, assim, como acrescenta Figueiredo (1987, p. 10), que a História da
Ciência e a História da Psicologia não acabaram e “todos têm em princípio o direito
e a obrigação de produzir não só novos conhecimentos, mas novas formas
socialmente aceitáveis de produção de conhecimento” (ANCONA-LOPEZ, 2007).
Massimi e Mahfound (1999) consideram que, por tempo prolongado, a
espiritualidade ficou à margem das discussões acadêmicas e das pesquisas
científicas (PERES, 2007). Sendo assim, a dissociação entre o mundo e seus
objetos e a subjetividade humana afastou a espiritualidade do âmbito da ciência; a
espiritualidade e a religião ainda permanecem fora do universo acadêmico.
Há necessidade de legitimar a preparação e a instrumentalização dos
profissionais de Psicologia Clínica nos níveis teórico, técnico e ético desde a
formação universitária. A compreensão e o acolhimento das experiências espirituais
e religiosas exigem que o psicólogo desenvolva habilidades para tratá-las
abertamente, conhecendo suas peculiaridades.
Para Rodrigo o profissional imbuído da concepção de homem descrita
anteriormente buscará um atendimento que contemple o homem em todos os seus
aspectos constitutivos, para que suas intenções possam contribuir com o seu
crescimento. É papel do psicólogo acolher a pessoa na sua dimensões bio-psico-
social-espiritual, ajudando-a a elaborar suas experiências, integrando-as. Essa
67
integração só é possível no encontro com outra pessoa, pois o homem se constrói
na relação com o outro. Todavia, Rodrigo demonstra desconhecer as implicações
positivas e negativas desta relação, ou quando as conhece são decorrentes de
experiências pessoais, sem fundamentação teórica que lhes dê suporte. De acordo
com ele, a graduação em Psicologia ainda negligencia esta dimensão humana, já
legitimada pelo atual paradigma científico.
Luczinski (2005) alerta para a urgente necessidade de estabelecer um diálogo
entre a Psicologia e a Religião; para ele alguns esforços têm sido feitos nesse
sentido, inicialmente fora do Brasil. O autor defende este diálogo, aponta formas de
incluí-lo na Psicologia e traz questões presentes nessa interface (VERGOTE, 1998;
SHAFRANSKE, 1996). Outros pesquisadores também têm se empenhado em
explicitar a forma como a religião aparece em diversas questões e situações em
relação à Psicologia (MASSIMI & MAHFOUND, 1999; PAIVA, 2002; AMATUZZI,
2001).
Rodrigo fez uma associação direta com a contribuição que a formação
acadêmica em Psicologia teria exercido se contemplasse questões religiosas e
espirituais dos pontos de vista tanto do aluno quanto do paciente. Um ponto comum
dos entrevistados é a influência exercida pelos professores, que de alguma forma
interferiu tanto na formação de Rodrigo quanto na de Roberta. A posição negativa de
professores e supervisores frente ao tema revelou-se uma fonte de dúvidas sobre
como lidar com esses aspectos no atendimento psicológico, uma vez que não
encontraram espaço para dialogar sobre a questão, nem o acolhimento de suas
crenças. Esta lacuna contribuiu para que Roberta assumisse uma postura de
neutralidade para não influenciar no atendimento de seus pacientes.
Penso que Rodrigo e Roberta devem entender as dimensões religiosa,
espiritual e científica como complementares em qualquer processo, incluindo a
busca por dar sentido à vida e qualificá-la. Só assim poderiam levar em consta a
visão integral do ser humano e a sua complexidade. Ambos consideram importante
que se estudem questões referente à dimensão espiritual em Psicologia porque, em
suas opiniões, a ciência não pode ignorar algo que faz parte do ser humano e está
presente no cotidiano da existência. Na visão de Rodrigo essa exclusão acaba
redundando em fazer as coisas “pela metade, e não 100%”. Tal consideração vai ao
encontro dos achados de Cavalheiro (2010): a autora observa que os dados
68
apontam para a necessidade de inserção do conhecimento sobre a espiritualidade
na formação acadêmica em Psicologia, para que o psicólogo possa lidar com outras
dimensões circunscritas ao humano na clínica psicológica.
Outro aspecto relevante diz respeito ao papel do professor na experiência dos
entrevistados. Parece que a forma como algumas questões são tratadas ou mesmo
discutidas pelos docentes pode marcar negativa ou positivamente o aluno que
assume a sua religiosidade ou a sua espiritualidade no curso. Parece que esse
posicionamento, de alguma forma, influenciou de forma marcante a formação de
Rodrigo e de Roberta. A relação professor-aluno deve propiciar o desenvolvimento
de ambos.
Paiva (2002) discute a presença da religião dentro das universidades, em
estudos feitos com pesquisadores de diversas áreas. Observa que a aderência ou
não a uma religião está mais ligada a aspectos pessoais e psicológicos do que a
elaborações criticas e posturas epistemológicas. Possivelmente, a postura dos
docentes interfere na formação dos graduandos, como se pode observar nos cursos
de Psicologia (ESTEVES, 2004). Para Esteves a forma como os professores lidam
com seus alunos diante do tema está relacionada aos significados que eles
conferem às suas vivências no aspecto pessoal, não proporcionando, assim, uma
reflexão teórica ou estudos sobre a melhor maneira de lidar com o tema.
Entendo, dessa forma, que a adequação e a integração entre a temática
religiosa e espiritual, a teoria e as crenças pessoais deverão ter uma linguagem
psicológica por parte do docente. Ancona-Lopez (1999) comenta que tal dificuldade
é consequência da ausência de eixos referenciais que auxiliem os psicólogos na
reflexão e na consideração das experiências religiosas quando elas aparecem na
clínica, o que também é confirmado por Giovanetti (1999), que aponta que não há
nos currículos dos cursos de Psicologia, com algumas exceções, nenhuma disciplina
que se proponha a estudar questões sobre a religiosidade e a espiritualidade.
Rodrigo e Roberta entendem que há uma necessidade da aprendizagem do
manejo de questões religiosas e espirituais como uma forma de ter mais
instrumentos e ferramentas para lidar com estas questões em sua prática clínica,
possibilitando assim um olhar para o outro de forma mais integrada.
Como aponta Ancona-Lopez (2005), a falta de abertura para o tema nos
69
cursos de Psicologia impossibilita que ocorra a elaboração e assimilação reflexiva
das vivências espirituais, o que gera um grande distanciamento entre as
experiências pessoais e a linguagem profissional. Desse modo, acaba havendo um
prejuízo na consistência dos diálogos internos e externos.
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi compreender a religiosidade e a espiritualidade
dos alunos dos cursos de formação de psicólogos.
Tanto Rodrigo quanto Roberta tiveram experiências em suas histórias de vida
que precisaram trabalhar dentro de si durante o seu desenvolvimento pessoal, o
que, de alguma forma, refletiu em suas escolhas profissionais e os fez buscar a
Psicologia para entender o ser humano. A religiosidade e a espiritualidade fizeram
parte deste processo de escolha da sua profissão.
Nas entrevistas pude perceber que ambos se preocupam em ser neutros para
não influenciar o atendimento e que isto tem sido levado com rigor nas suas práticas
profissionais; a religiosidade influi em suas experiências e nos seus direcionamentos
profissionais. A influência da religiosidade e da espiritualidade dos entrevistados em
suas práticas clínicas provoca inseguranças nos alunos, quando se veem diante das
questões religiosas e espirituais.
Por inexperiência, pela falta de oportunidade de tratar o assunto durante a
formação acadêmica e pela dificuldade em relacionar as experiências religiosas e
espirituais na sua formação, os entrevistados vivem a separação da Psicologia das
dimensões religiosa e espiritual como conflitantes, e não tendo condições para fazer
uma articulação entre estas dimensões, no sentido de discuti-las e esclarecer suas
dissonâncias, possíveis aproximações e distanciamentos.
Embora eu soubesse da influência da subjetividade do profissional de
Psicologia no atendimento psicológico, e consequentemente de sua religiosidade e
de sua espiritualidade, ela se mostrou mais concretamente nas análises das
entrevistas. A sinceridade dos colaboradores ao falarem de suas dificuldades,
experiências e opiniões deu-me a visibilidade dessa questão, tão importante para a
formação em Psicologia.
Trabalhar com estas questões durante a graduação propicia experiências de
maior abertura e leva a compreender que é necessário um novo olhar sobre a
formação profissional, que contemple a importância do debate de questões
religiosas e espirituais capazes de pautar a conduta dos futuros psicólogos e reduzir
71
suas dúvidas e conflitos nos atendimentos psicológicos, tendo como foco o
desenvolvimento bio-psico-social-cultural-espiritual dos pacientes.
A sugestão que decorre desta pesquisa é a de que a inclusão destes temas
no curso conduzirá a um atendimento mais integrado e a uma prática psicológica
mais consistente.
Foi possível observar que tanto os conhecimentos psicológicos, teóricos e
técnicos quanto as experiências vividas ao longo da formação e os modelos
profissionais com os quais Rodrigo e Roberta se identificaram influenciaram em seu
crescimento pessoal, em seu futuro profissional e no modo como eles manejam as
questões religiosas e espirituais na prática profissional.
Neste caminho, é importante que os alunos adquiram uma postura crítica
quanto à própria religiosidade e a espiritualidade, e os valores que as norteiam,
condição para o não preconceito e para a aceitação do outro.
Por fim, elaborar esta dissertação permitiu-me perceber que a forma como
nos colocamos na presença do outro é fundamental quando queremos compreendê-
lo. Ao estudar o universo dos alunos entrevistados percebi o quanto necessitam de
compreensão e acolhimento em sua formação, esperando que seus professores e
supervisores os ajudem a interpretar suas experiências religiosas e espirituais, a
compreender os mistérios que envolvem estas questões e as suas relações com o
mundo, com os outros e, sobretudo, consigo mesmos.
Percebo que a proposta deste estudo trata de uma perspectiva importante no
que tange à pesquisa científica e à possibilidade de contribuir para outros estudos
que possam emergir, porém, é novamente limitada, na medida em que se trata
apenas de uma das formas de olhar.
72
REFERÊNCIAS
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80
ANEXOS
81
ANEXO I: PARECER PARA O COMITÊ ÉTICO
82
ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Projeto de Pesquisa
Título do estudo: As vivências de religiosidade e espiritualidade nos alunos
do curso de Psicologia.
Autor (a): Terezinha Carmen Gandelman
Orientador (a): Marília Ancona-Lopez
Palavras-Chave: Psicologia e Religião; Psicologia Fenomenológica;
Formação do psicólogo.
Justificativa: A convivência com professores, psicólogos e alunos em uma
universidade, aliada a uma trajetória pessoal e ao interesse pela religiosidade,
despertou a necessidade de compreender como alunos do curso de Psicologia
83
relacionam suas vivências de religiosidade e espiritualidade aos conhecimentos
adquiridos no curso. Acreditamos que o desenvolvimento de uma pesquisa que
esclareça a questão possa proporcionar condições facilitadoras para pensar na
formação dos psicólogos.
Os significados que as pessoas atribuem às suas vidas são constituídos por
crenças e valores adquiridos ao longo de suas histórias. É importante para o
professor psicólogo que trabalha na formação de outros psicólogos buscar
compreender como os alunos se posicionam diante dessas crenças por meio de
observação e conhecimento dos sentidos das experiências que eles vivem.
Esteves (2009), em sua tese de doutorado, conclui haver necessidade de
desenvolvimento de trabalhos focados nos alunos, pressupondo-se que as
experiências espirituais e religiosas deles podem apontar aspectos importantes para
sua formação acadêmica.
Objetivo da Pesquisa: Compreender como alunos do curso de Psicologia
relacionam suas experiências religiosas e espirituais aos conhecimentos que
adquirem em seu curso.
Métodos e Procedimentos a serem utilizados: Entrevistas semidirigidas
gravadas, analisadas a partir de uma metodologia qualitativa de base
fenomenológica.
Desconfortos e riscos: Não se trata de procedimentos de intervenção
terapêutica e não será utilizado procedimento invasivo.
Métodos alternativos existentes: Não há métodos alternativos no caso.
Forma de assistência e responsável: A pesquisadora se responsabiliza e
se compromete a fornecer assistência psicológica aos alunos entrevistados, caso
surjam desconfortos de ordem psicológica provenientes da entrevista.
84
Liberdade de recusa: Os entrevistados são livres para recusar participar das
entrevistas ou retirar seu consentimento em qualquer momento do trabalho sem
sofrer penalização de nenhuma espécie.
Garantia de Sigilo e Privacidade: É garantido aos entrevistados o sigilo das
informações que fornecer ao pesquisador responsável, referentes às suas vidas
pessoais, de modo a garantir suas privacidades. Os resultados da pesquisa somente
poderão ser divulgados sob a forma de trabalho científico, preservando a identidade
dos colaboradores.
Termo de consentimento:
Os objetivos e detalhes deste estudo foram-me completamente explicados,
conforme seu texto descrito. Entendo que não sou obrigado a participar do estudo e
que posso descontinuar minha participação, a qualquer momento, sem ser em nada
prejudicado. Meu nome não será utilizado nos documentos pertencentes a este
estudo e a confidencialidade dos meus registros será garantida. Desse modo,
concordo em participar do estudo e cooperar com o pesquisador.
Registro, aqui, o meu pleno consentimento para que a(s) entrevista(s)
referente(s) ao estudo acima mencionado, possam ser gravadas, bem como para a
utilização dos dados, retirados das transcrições das fitas, guardadas as Normas
Éticas do Conselho Profissional.
85
ANEXO III: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Entrevista I
Tereza: Obrigada por você ter aceitado participar da minha pesquisa. Vamos
conversar um pouco sobre suas experiências. O objetivo deste meu trabalho é
compreender como os alunos do curso de Psicologia relacionam as suas vivências
de religiosidade e espiritualidade com os conhecimentos que adquirem em sua
graduação. Assim, gostaria que você me contasse quais os significados que esses
temas, religiosidade e espiritualidade, têm para você e como você lida com estas
questões na sua formação. Conte-me sua experiência.
Roberta: De forma pessoal? O significado de forma pessoal?
Tereza: Sim.
Roberta: Não tive orientação religiosa no intuito de tentar me direcionar a
uma religião específica. Fui batizada, casei na Igreja Católica por tradição, e não por
fé em tal dogma. Já frequentei Espiritismo, já li sobre Rosa Cruz, Seicho-No-Ie.
Tenho bastante interesse! Inclusive já me batizei na Igreja Evangélica. Mas quando
ingressei na Psicologia optei por me distanciar de todas essas questões. Achava
que qualquer dogma iria me aprisionar ao ponto de não me abrir para questões
científicas. E, a princípio, eu achava assim: se eu tivesse algum dogma ou alguma
crença isso iria me atrapalhar e me trazer algum preconceito. Que fosse me fechar,
me impedindo de ver o mundo de outras formas, pois acredito que de certa forma as
crenças aprisionam, dependendo da personalidade da pessoa, se a pessoa leva
para o fanatismo, a pessoa acaba ficando aprisionada e é o que percebemos em
algumas religiões específicas. Então me afastei e fui procurar entrar em contato com
86
as explicações pelas questões científicas. Pois são dois tipos de explicações que
temos para as coisas, né? As científicas e as religiosas. Achei meio contraditório, a
princípio, tentar abarcar as duas explicações.
Tereza: Conte-me: como é isto?
Roberta: Bom. A gente percebe que a pessoa explica tudo a partir da sua
crença. Por exemplo, se a pessoa tem um relacionamento que não vai bem, ela
acha que está sendo influenciada por um mau espírito ou pode dizer que não está
sendo abençoada. Então, todas estas explicações giram em torno dessa crença.
Acredito que se eu tivesse um dogma ou uma crença ou uma religião específica não
me abriria para outras explicações. Porque a Ciência explica de outra forma,
completamente diferente. Bom, observo que as pessoas precisam ter alguma
crença. Observei em um estágio num hospital que eu fiz que, quando a ciência falha,
a religião entra para explicar tudo isso. A crença/fé é mais emocional e a ciência é
mais racional. Encontramos na saúde mental muito da espiritualidade, a pessoa está
delirando/alucinando ou realmente está vendo algo. A religião explica de forma
diferente do que a ciência. A formação se fecha mais na ciência, pois a religião não
tem verdades absolutas. A fé é mais ficcional.
Os problemas pessoais do psicólogo não devem interferir nos tratamentos
dos pacientes. Mas, na verdade, influenciam. Não tinha condições financeiras para
ter tratamento psicológico e parti para uma terapeuta holística, que considera a
espiritualidade no seu trabalho. Senti uma vontade de voltar para a religião
evangélica e senti uma tentativa dela em me fazer não voltar à minha religião.
Acredito que quando mistura religião com Psicologia devemos ter muito cuidado. Se
você tiver uma crença muito forte em alguma crença e/ou religião, é quase
impossível você não influenciar o seu paciente. Os valores de cada religião acabam
levando aos seus fiéis a pregarem para as pessoas. Muitos amigos da faculdade
tiveram conflitos em trabalhar com seus pacientes, pois eram evangélicos e
acreditavam na origem do homem (Adão e Eva), o que é bem discutível dentro da
Ciência. No entanto, temos a orientação de sermos neutros e de não nos
envolvermos. Todos temos uma vivência dentro de alguma religião, mesmo que
87
sejamos ateus, temos nossas próprias experiências. Tive uma paciente que se
negava ao tratamento de câncer, pois acreditava que receberia um milagre e que
tinha recebido uma revelação. Não podemos dizer veementemente que tal milagre
não aconteceria. Portanto, me deparei com o grande dilema: até onde a religião e a
ciência poderiam curar? Não consegui lidar muito bem com tal situação. Não obtive
orientação suficiente dos professores, é como que empurravam e deixavam as
coisas acontecerem por si próprias.
Tereza: Como foi tal experiência para você, uma vez que você disse não ter
conseguido lidar com isso?
Roberta: Com esta pergunta me lembrei de outra vivência: uma mãe que
levou a filha para tratamento de sopro no coração. A menina operou e ficou em
estado vegetativo. Uma amiga minha atendeu esta mãe e disse que a mãe pensava
que uma vez que a filha não tinha morrido ainda era porque voltaria do estado
vegetativo. Pela ciência, era quase impossível uma volta, mas minha amiga entrou
em conflito: será que deixava a mãe com sua crença e seu conforto ou faria a mãe
voltar à realidade? São questões que emergem e que ficam sem respostas.
Procurei um amigo que lidava com a Psicologia Transpessoal. O estágio em
hospital é muito pesado para os formandos. Muitas questões sobre a espiritualidade
vieram à tona. Temos que ter alguma espiritualidade para lidar com tudo isso. Há
momentos que a fé é tão forte para o paciente que, se não temos nenhuma
espiritualidade, não conseguimos entender o sofrimento alheio, embora eu não
tenha ciência de nenhuma religião de nenhum professor de Psicologia e todos são
bem categóricos em não envolver religião com a Psicologia. É como se a Psicologia
não fizesse parte da religião. Você se torna preso à Psicologia, deixa de lado até o
físico. É como se especializasse somente na psique, deixando de lado o corpo e
bem mais a espiritualidade.
Tereza: Como você vivenciou está separação ciência/religião/espiritualidade?
88
Roberta: De forma empírica. Com o professor a ligação é bem mais formal,
mas com os amigos de formação trocamos muito nossos conceitos. A patologia é
algo difícil de lidar, pois a pessoa pode, dentro do Espiritismo, estar realmente vendo
algo além do normal ou do plano visível, e esta questão não é abordada pela
Psicologia. Tudo é real para a pessoa que sofre patologias como a esquizofrenia,
onde o paciente vê demais. Nessas áreas a Psicologia deveria levar em
consideração a espiritualidade.
A Psicologia Cognitiva Comportamental acredita em uma crença central, que
comanda todo o comportamento de uma pessoa. Se a pessoa acredita em um Deus
bom, ela se sentirá bem acolhida no mundo. Se tiver a crença de um Deus punitivo
se sentirá mais perseguida, sempre devendo algo ao mundo. Já a Psicologia
Humanista, centrada na pessoa, já trata da crença da pessoa; você acolhe
incondicionalmente; fica a postura da neutralidade. O que importa é o que a pessoa
faz, e não o que você faz. A Psicanálise já não tem muita familiaridade, pois
interpreta algumas questões. Mas, de modo geral, nenhuma se aproximou de
explicar as questões de espiritualidade na Psicologia.
Tereza: Você tentou experimentar algo que complementasse o que não
conseguiu de explicação na sua formação?
Roberta: Na verdade não. Na Psicoterapia Cognitiva sim, principalmente no
hospital. Fiz Cognitiva Comportamental no estágio. Tinha uma paciente que era
sozinha e idosa e a religião tem como aspecto positivo a acolhida. A Psicologia
Cognitiva é diretiva. Eu poderia indicar uma religião, mas tudo era muito complicado,
pois ela não tinha se encontrado em nenhuma religião. Uma pessoa de 65 anos que
vivia sozinha, na minha concepção, não precisava de uma religião. Mas na verdade
eu é que não me sentia confortável em direcioná-la para uma religião, achava que
outra atividade, como a Yoga, a colocaria dentro de um grupo, e assim não me
comprometeria como psicóloga. Mas e aí? A religião não só agrupa socialmente,
mas responde coisas mais complexas da vida, como de onde viemos, para onde
vamos e qual o sentido da vida. Para mim era natural separar religião e ciência, mas
no último ano de estágio senti um peso grande em lidar com o sofrimento alheio. E
89
após a morte será necessário acreditar em algo maior. Se não nos remetermos ao
pós-morte a vida fica toda sem sentido, principalmente para quem está sofrendo.
Talvez quem tenha alguma crença não procure tanto o psicólogo, pois entre os
meus pacientes nenhum tinha uma religião específica: é como se Deus e o
psicólogo fossem concorrentes, ou seja, se a pessoa é bem resolvida dentro de uma
religião ela não procura ajuda psicológica, e vice-versa.
No meu TCC as pessoas souberam separar religião e espiritualidade. Os
sujeitos acreditavam que ter uma espiritualidade independe de ser religioso. A
pessoa não precisa ter uma religião para ter Deus, porém 75% acreditavam que é
essencial a fé para se ter felicidade e bem-estar.
Tereza: E você?
Roberta: Acredito que a fé em Deus é importante, pois se você não está bem
de saúde não pode estar bem. É como se você não acreditasse em Deus, você
estivesse muito individualizado. Porém, quando se depara com questões que não
pode resolver, como a perda de um filho, se a pessoa não acreditar que existe
Alguém maior do que si próprio, ela entra em depressão, se sente impotente e
incapaz. No entanto, é difícil unir este conceito com a Psicologia. É difícil abordar
isso; é complicado porque cada um vive a sua vida de forma não tão ampla. Você
vai vivendo com seus projetos e não pensa muito. É difícil pensar em algo maior,
como missão, Karma ou o modo como entendo qual é o sentido de eu existir no
mundo. Não soube definir o que é a felicidade: por isso fui fazer minha pesquisa em
cima disso. A Psicologia busca o bem-estar e tudo está focado no mal-estar, nas
patologias etc. É a mesma coisa entender que a religião e a espiritualidade merecem
pesquisas e muito trabalho. Tudo está relacionado à paz. É você caminhar de
acordo com os seus valores. Se você andar em um caminho oposto aos seus
valores você se afasta desta ligação com Deus e com a espiritualidade. A felicidade
eterna está ligada mais ao altruísmo e a felicidade momentânea está mais ligada ao
prazer. Como as pessoas acreditam que a felicidade é passageira nesta vida não se
ligam na espiritualidade, que aborda a felicidade como algo possível de se viver
ainda nesta vida. Pois as pessoas acreditam que só se é possível ser feliz após a
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morte. Por isso, acho importante a Psicologia contemplar estes aspectos.
No meu trabalho foi muito difícil ligar religiosidade, felicidade e ciência, pois
inclui Budismo, Islamismo, Protestantismo, Umbanda etc. Acredito que o
Protestantismo está crescendo muito no âmbito de explicar todas as questões
através de Deus e do Inferno. Até hoje não consegui definir exatamente o que é
felicidade: procurei me distanciar das minhas crenças, mas no último ano procurei
voltar para entender, na prática, o significado de tudo.
As pessoas consideram a fé em Deus e a religião como mais importantes
para a felicidade, o que foi uma surpresa. A hipótese foi construída por três, mas me
surpreendi bastante. Por outro lado, um fato surpreendente nas minhas entrevistas
foi que as pessoas acreditam que o dinheiro não é a coisa mais importante para uma
pessoa ser feliz. Ou seja, o capitalismo caiu por terra. Família ficou em primeiro
lugar, saúde em segundo, e religião e fé em Deus ficaram em sexto lugar dentre os
fatores citados, embora tenham sido bem citadas.
Tereza: O que ficou de mais importante para você nestas experiências?
Roberta: Tentei buscar respostas na formação e no TCC e não consegui
verdades absolutas. As perguntas são mais importantes do que as respostas.
Quando nos perguntamos refletimos e já encontramos, de certa forma, algum tipo de
resposta. O psicólogo carrega um pouco da onipotência de resolver tudo, e descobri
que não resolvemos nada, pois não somos heróis. Tudo depende do contexto geral
de vida de cada pessoa. Fiquei bem aliviada ao saber que sou impotente em muitos
aspectos e que o psicólogo é, na verdade, mais um acolhedor do que alguém que
resolve tudo. Todas estas percepções vieram para mim no último ano de formação.
(Silêncio).
Tereza: Algo a acrescentar?
Roberta: Descobri que a espiritualidade é algo muito pessoal e, enquanto
91
você fazia as perguntas, me vinha um vazio muito grande, por saber que todo ser
humano deve ter ou voltar a ter uma fé, um valor, uma crença para se encontrar
como indivíduo. O meu distanciamento da espiritualidade me fez ver a importância
de voltar a rever os meus valores. Este momento aqui foi de reflexão: durante minha
fala fui vendo o quanto preciso me aprofundar como psicóloga nas questões das
crenças e da fé.
Tereza: Quer acrescentar algo mais?
Roberta: Não, acho que já falei muito, espero ter contribuído. Para mim foi
muito importante: estou saindo daqui acreditando ser possível aprofundar estas
questões sem me sentir angustiada.
Tereza: Obrigada. Foi muito bom estar com você neste encontro.
Entrevista II
Tereza: Obrigada por você ter aceitado participar da minha pesquisa. Vamos
conversar um pouco sobre suas experiências. O objetivo deste meu trabalho é
compreender como os alunos do curso de Psicologia relacionam as suas vivências
de religiosidade e espiritualidade com os conhecimentos que adquirem em sua
graduação. Assim, gostaria que você me contasse quais os significados que esses
temas, religiosidade e espiritualidade, têm para você e como você lida com estas
questões na sua formação. Conte-me sua experiência.
Rodrigo: De acordo com a minha formação, não fomos capazes de chegar a
esse aporte e olhar para esse campo que a própria OMS – Organização Mundial de
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Saúde – trata. Enfim. O sermão BIO-PSICO-SOCIAL-CULTURAL-ESPIRITUAL.
Primeiramente considero importante por este fato. Para criarmos e termos essa
visão como mais uma possibilidade de enxergar a nós mesmos, e dentro de uma
formação acadêmica, o ser humano. Contudo, é somente com a formação
acadêmica de Psicologia que podemos englobar todos esses temas. Não tive essa
formação, porém, alguns professores trouxeram esse debate deste tema, mas não
como a visão de uma religião: nasceu de forma superficial, até porque a
religiosidade e a espiritualidade não dizem respeito à religião, e sim a algo além
deste mundo, dessa nossa vivência.
Tereza: Isso que é importante: saber de você, da sua vivência.
Rodrigo: Pessoalmente, é algo singular para mim. Não tenho uma religião
em si. Fui criado em uma família cristã. Meus pais... Meu falecido pai era católico
fervoroso e, até os seis anos, frequentei uma Igreja Católica aonde ia aos domingos
com minha mãe, uma católica não praticante, juntamente com o restante da minha
extensa família. Embora tenha tido em minha criação uma visão religiosa onde todos
optaram por uma religião comum, eu, aos meus catorze, quinze anos, fui refletindo,
observando e estudando mais sobre algumas religiões e alguns dogmas que
algumas igrejas, principalmente a Católica, impõem aos fiéis. Com isso, pude
perceber que essa era uma construção sócio-histórica. Muitas vezes a igreja tem a
visão de um “porquê” e de um “para quê” mundano daquilo que foi construído pelo
homem. Isso fez com que eu questionasse a visão “objetiva” da Igreja, que no caso
da igreja católica são Deus, Jesus Cristo e os Santos: pelos seus dogmas comecei a
questioná-los. Questionei minha mãe, mesmo ela não tendo recursos teóricos para
lidar com isso, pois tinha os recursos de mãe. Bem parecidos. Contudo, não optei
por uma religião, e sim por algo que temos na existência enquanto possibilidade,
que é a questão da espiritualidade. Tive algumas experiências na minha família,
como quando tinha dezesseis anos, se não me engano: ia sofrer uma cirurgia e uma
amiga da minha mãe fez uma promessa sobre a qual não havia contado a ninguém.
Ela prometera que se eu saísse bem da cirurgia pagaria a sua promessa. Saí bem
da cirurgia, senão não estaria aqui, mas ela não pagou a sua promessa. Talvez
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tenha se esquecido. Tenho uma tia chamada Dora que não sabia da cirurgia e,
meses após a cirurgia, teve um sonho muito bonito com meu pai pedindo para que
uma pessoa pagasse uma promessa que havia sido feita; minha tia, muito confusa
com tudo isso, ficou sabendo que eu tinha operado e que houve uma promessa e
queria saber que tipo de promessa era. Sendo assim, foi conversar com minha mãe,
que explicou que talvez essa promessa pudesse ter vindo dessa amiga. Por acaso,
se é que isso existe, essa amiga apareceu neste mesmo dia na casa da minha mãe
para entregar umas revistas e minha mãe acabou a indagando. A amiga começou a
chorar, dizendo que havia feito uma promessa e não cumprido. Então essas
experiências, esta em particular, foram chamando minha atenção para tudo aquilo
que transcende a razão. Em outro caso, quando estava de férias em uma colônia
perdi minha tia-avó, e morro de medo de ver algo...
Tereza: Conte-me como é.
Rodrigo: Tudo que é sobrenatural, tenho esse medo. No dia da morte da
minha tia-avó eu estava em uma colônia de férias com a minha namorada e
conversávamos no estacionamento quando eu vi. Eu, que nunca tinha visto até
então. Isso ocorreu há cerca de cinco ou seis anos atrás, mais ou menos. Na
ocasião estava sem meus óculos e tenho miopia, que à noite fica pior, ainda mais
quando via algo que parecesse não ser natural. Pensei que pudesse ser um espírito,
que se localizava atrás de um carro. Não consegui definir bem, mas parecia ser uma
mulher, e minha ex-namorada, que tinha mais intimidade com esse tipo de situação
por ter um avô médium, tratou a situação com mais naturalidade e afirmou pra mim
que era a alma de uma mulher. Dito isso, minha reação foi sair correndo e não
pensei duas vezes. Pensei: “Vou me mandar daqui”. Essa é a única certeza que eu
tenho e saí correndo. Quando cheguei ao quarto, ainda muito assustado, minha mãe
nos deu a notícia que essa tia-avó havia falecido havia poucas horas. Essas
experiências. Essa dor, não que tenham sido dogmas para chegar até elas, entendê-
las ou até mesmo senti-las, mas, mesmo com medo, acabei sentindo e tentando
compreendê-las melhor, dando espaço para que pudesse sentir ou enxergar tudo de
uma forma mais natural.
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Tereza: Como estas experiências influenciaram sua vida pessoal e
acadêmica?
Rodrigo: Esses acontecimentos foram gerando espaço para a
espiritualidade, não a religião. A religião, para mim, nada mais é do que um sistema
criado pelos homens para entender algo que poderão sentir, que no nosso caso,
aqui, trata-se da espiritualidade. Digamos que a religião é um sistema onde as
pessoas entendem algo que muitos sentem e acabam compreendendo. No meu
caso, não preciso desse aporte religioso para poder sentir. Senti na experiência nua
e crua e, assim, fui me abrindo para questão da espiritualidade, que penso que
exista como possibilidade para todos nós. Alguns seguem para a religião, outros vão
apenas sentindo e considerando a espiritualidade como possibilidade. Outros podem
se fechar, como se fecham para um trabalho ou para o relacionamento com outro
alguém. Na questão da formação, pude dar espaço para que “ouvisse”, sem
“preconceitos”, sem uma demanda completamente minha e respeitando o olhar do
outro, que pudesse trazer uma experiência mística ou espiritual. Por experiência
própria, e mesmo antes de a OMS ter tratado sobre o assunto, minha visão a
respeito já estava consolidada. Venho construindo essa visão ao longo da minha
vida e aliando esse pensamento a minha prática sinérgica. Acredito ser muito
importante quando alguém que, por exemplo, está em um hospital – onde faço uma
pesquisa, onde tenho campos a serem preenchidos como religião ou crença, ou algo
do tipo – acredito ser muito importante a opinião pessoal de cada um a esse
respeito. Sobre como esse indivíduo vê a vida ou a enfermidade pela qual está
passando ou, propriamente dizendo, uma autofiscalização, tendo como base
crenças pessoais como possibilidade de rever, entender e talvez até sentir essas
manifestações e como elas acontecem. Isso é muito importante. Estas experiências
falam muito sobre a pessoa, sobre a sua visão de futuro e sobre como pode se
recuperar. Certa vez atendi um paciente que me falou que sua recuperação
baseava-se em Deus. Que orava e olhava por Ele e que isso fazia com que se
sentisse com muita força e firmeza, pois sua mulher não fazia isso por ele. Digamos
que essa crença e essa razão dada por ele são instintivas e que sua religiosidade
era algo que lhe dava apoio, fazendo-o se sentir mais forte para que pudesse
encarar sua doença e seus desafios. Sendo assim, não podemos negar ou agir
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preconceituosamente tendo esse tipo de fato como base. Preconceito é um “pré-
conceito”. Faz-se um pré-conceito em cima do que o outro diz. Independente da
religião do indivíduo é preciso ouvi-lo, pois suas palavras possuem um sentido para
si, e perceber qual o sentido de sua crença dentro da sua vida torna-se importante,
pois percebemos que para este indivíduo este é mais um recurso para lidar com a
sua existência. Acredito que esse tipo de experiência tem sua importância e que
deveria constar na grade dos cursos de Psicologia. Na verdade, de todos os cursos.
O curso de Psicologia tem essa demanda porque nós lidamos diretamente com as
pessoas, com o subjetivo e, ao mesmo tempo, com o objetivo e suas inter-relações.
Temos uma prática do atendimento, da demanda psicológica. Acho que seria
interessante, o assunto deveria ser abordado com mais rigor no curso.
Tereza: Como, em sua opinião, as experiências tidas por você contribuíram
para que pudesse encarar o paciente que te traz essa temática? Essas questões
espirituais, as religiosas ou a própria religião?
Rodrigo: Justamente. Passei pela fase da adolescência me questionando a
respeito de eu ter uma mãe religiosa, que possui uma religião, mas não a pratica
com frequência, porque eu, enquanto filho, não tinha ou não precisava de uma
religião. Não via sentido em seguir os dogmas para que se tornasse possível
entender a espiritualidade e o interior do ser humano. Essas experiências vieram até
mim e se apresentaram, por assim dizer, e eu apenas as acolhi do meu modo meio
estabanado. Mas acolhi, vivenciei, justamente. Isso, pra mim, teve o sentido de olhar
para a espiritualidade como algo natural, como algo que faz parte da nossa
existência. Um dia até posso vir a necessitar ou ver algum sentido nos dogmas e no
sistema religioso, até mesmo de uma religião em si; mas isso não faz com que não
olhe meu paciente, não olhe se ele falar de uma religião. Existe o caráter trans e tem
a parte da espiritualidade. É muito importante estarmos olhando por esse lado.
Houve um caso de um paciente no hospital que demonstrou a importância de ser
ouvido ao falar de sua religião para mim. Poderia ter sido outra pessoa. Talvez, se
não tivesse passado por essa experiência e não tivesse uma formação que olhasse
o assunto sob a mesma ótica, poderia ter considerado o fato uma tremenda
96
bobagem. Poderia não ouvi-lo, mudar de assunto, direcionar a conversa ou somente
ouvi-lo sem escutá-lo, sem acolher aquilo a que ele dava sentido. Sentido que ele
dava tendo como base a religião ou espiritualidade. Este caso foi mais uma forma de
explorar de fato como o outro sente as coisas. Esse atendimento foi muito
significativo pra mim, pois vi na prática do atendimento o quanto era importante para
as pessoas passarem e demonstrarem seus sentimentos. Este paciente passava por
uma doença, uma hospitalização difícil da qual se recuperou e, quando teve alta, vi
em seus olhos e fala o quanto suas palavras faziam para ele, dando mais espaço,
ou acolhimento, fazendo com que se sentisse melhor com isso. Este fato é algo que,
por exemplo, não vejo na prática de uma instituição hospitalar, e que me parece que
começa a ganhar esse olhar. Percebo através de conversas de médicos que ouvi
que isso começa a mudar. Para alguns estagiários de medicina, talvez isso seja uma
mentira sem valor.
Tereza: A questão da religiosidade?
Rodrigo: A questão da religiosidade. Acho essa atitude execrável. Por isso
deve ser dada importância para a adequada formação. A formação nos traz o
profissional do amanhã e, sem o profissional do amanhã, não temos uma
responsabilidade social em vista, como a cidadania. Se a sociedade tem que mudar
ou abrir os olhos para outras coisas ou, até mesmo, compreender melhor certos
aspectos, esse trabalho deve começar principalmente pela universidade, pela
formação. Através da formação teremos maiores possibilidades de encarar o nosso
dia-a-dia, tendo visão própria e nos tornando seres mais esclarecidos. Essas
ferramentas são importantes para auxiliar o aluno e acabam se tornando uma
ferramenta de expressão social. Acredito que a sociedade somente pode ser não
digo mudada, pois quando se quebra um paradigma outros nascem; pois não
sabemos sobre o futuro e quais paradigmas ele pode trazer, apenas mais uma forma
de se lidar. A educação em si, a básica, traz isso. Enquanto não mudar ou não se
tornar mais flexível, enquanto não a olharem com atenção, não há como apontar
culpados, seja na sociedade, em grupos ou até mesmo para uma forma culpada de
pensar. Mais à frente, após a educação básica, tem-se a formação. Temos diversas
97
áreas em Ciências Humanas, Exatas e Biológicas, e quando uma formação se
engessar atingirá o seu profissional e aquilo em que este estiver atuando, seja um
médico, que é responsável direto pela vida de quem cuida, seja outro profissional
com relações indiretas, que estará atuando e representando um seguimento do qual
a sociedade necessita. Enquanto pessoa, ser formado, tendo mais instrumentos e
ferramentas, teria um olhar mais completo. Fico pensando que poderia ter exigido
mais na faculdade sobre estas questões.
Tereza: Como vê essas questões na sua formação?
Rodrigo: Já passei por momentos difíceis desde a minha formação. Não sei
se isso irá responder sua questão de uma forma abrangente, mas chegaram
momentos em que pensei: “Estou estudando, estou fazendo as coisas, mas parece
que as coisas não estão tão certas quanto esperava. Está tudo saindo pela metade
e não os 100% que desejava ou próximo disso”. Mesmo não tendo uma religião,
recorria a algo Trans. Estamos acostumados ao nome de Deus. Não acredito em um
Deus antropomórfico (que se assemelha ao homem), antropo hostilizado pelo
homem, quando uso o nome dele. Uso também a oração. Parece que está tudo
confuso, poderia pensar melhor.
Tereza: Como é seu Deus?
Rodrigo: Justamente. Li sobre Panteísmo e Neo Panteísmo e, digamos que
olhando para a natureza, a espiritualidade está no universo, e acredito que em todo
o infinito. Para mim a espiritualidade vai se esbarrar nisso, nesse universo, como
conhecemos e como conceituamos. Conceito universal. Houve a possibilidade de
existir a matéria. O planeta, onde existiram diversas condições criadas pela própria
dialética da matéria, contra o oposto disso, fora do novo. Novo conceito, nova forma,
como possibilidade de revolução (como disse Charles Darwin). Por isso, a teoria da
evolução não é contrária a uma espiritualidade, e sim vem somar-se a ela. É nisso
que acredito: um universo espiritual, onde dentro desse universo ocorreu a matéria e
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que esta é uma forma de expressão de espiritualidade, ou Deus. O que chamo de
Deus, para mim, é a espiritualidade.
Tereza: Você está chamando de Deus à natureza?
Rodrigo: Isso. É isso. Temos um contato com isso. Também acredito em um
plano espiritual. Nunca li nada sobre o Espiritismo, apenas tenho uma mãe, que
também não é espírita, mas lê alguns livros; não acredito em espíritos
antropomórficos também. O Neo Panteísmo vê o Espiritismo não como outro plano
modificado, como se lá em cima tivesse um ônibus ou uma casa, mas não como
para nós. Pode haver casas, mas como um sentimento de acolhimento, como algo
seguro, não como um sentimento de algo que já tiveram projetado, não
materialmente. Lido com a espiritualidade desta forma e, se tiver que dar um nome
para isso, encaixando o que penso a uma nomenclatura, seria um Neo Panteísmo
Espírita. Acreditar na natureza aqui e acreditar que possui um contato, e que temos
contato, que a matéria tem contato com um mundo espiritual, um mundo onde, creio
eu, utilizando uma palavra do Espiritismo, desencarnar do corpo, da matéria, talvez
passe por estágios, não sei como é. Mas acredito que exista algo “além disso” e que
os pensamentos e os sentimentos que construímos nessa vida vão além disso.
Acredito que uma pessoa que tenta o suicídio ou mesmo aquela que concretiza o
suicídio não conseguirá terminar com seu sofrimento, pois o corpo dela é usado, é
onde há o Ser e o Ente, o corpo e a mente estão onde o Ser continua. Então, talvez
eu não saiba como essa pessoa vê o sentido do suicídio, pois esta poderá arcar com
essa responsabilidade lá em cima. Acredito que tudo não acaba com a matéria. A
matéria não pode cessar o fenômeno que é o Ser, que por sua vez, somos nós.
Tereza: Você me contou que passou por várias experiências espirituais...
Rodrigo: Sim. É um campo espiritual. Eu acredito em uma possibilidade de
vida após a morte.
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Tereza: Como você relaciona toda essa vivência espiritual e religiosa com
sua formação e as linhas teóricas que você estudou?
Rodrigo: Como a Psicologia como um todo, na minha classe tem um grupo
que lê muito sobre Psicologia Transpessoal. Nunca procurei ler nem falar sobre
Psicologia Transpessoal. Acho que realmente tem a ver espiritualidade com
Psicologia, porque o ser humano é uma unidade e não há como separá-lo.
Teoricamente gosto da Psicanálise, mas especificamente de Melanie Klein. Já li
muito sobre Fenomenologia, mas ainda não fechei ideias a respeito. Mesmo não
tendo lido, mas tendo uma ideia sobre esse conceito, acredito que deve ser muito
interessante e deve conceder ao paciente mais uma forma de falar, de se expressar,
através da religiosidade e espiritualidade. Na Transpessoal creio que devam existir
mais mecanismos para compreendê-lo e entendê-lo, e assim trabalhá-lo melhor
desta forma. Eu, Rodrigo, tendo essas experiências, com exceção do atendimento
no hospital, que foi breve, porém muito significante, não deixei de lado essa visão do
meu paciente; ao contrário, acolhi, embora conheça pessoas que não tivessem feito
o mesmo, acabando por fazer com que a demanda desse paciente fosse freada,
pois não tinha uma condição. Acredito que não poderia encaixar minhas crenças,
minhas experiências para aquilo que o paciente diz, mas no olhar de empatia,
compreendendo o fato porque já passei por essas experiências, sejam elas místicas
ou espirituais. Então, diante da fala do meu paciente, tenho recursos pessoais para
lidar melhor com essa demanda trazida por ele, tratando com mais naturalidade,
colocando isso na análise, pois para ele existe um significado com tudo isto, que
quando trazido não era abordado nas supervisões. Significado junto com o BIO, o
PSICO e o SOCIAL que estava muito ligado à recuperação deste paciente. Ao BIO –
Biológico. Está ligado a tudo, mas principalmente à crença do paciente com relação
a sua recuperação: mesmo que para os médicos biologicamente o sentido fosse
oposto, para o paciente, espiritualmente, que se sentia indo à luta. Contudo, com
algo o acolhendo, acreditando nele, e mesmo o corpo não respondendo a certas
expectativas médicas, o campo espiritual lhe deu isso. Este fato lhe deu a
possibilidade de compreender que, mesmo hospitalizado e doente, sua
espiritualidade o ajudaria a enfrentar melhor sua situação, assim como muitos
acreditam que até mesmo pacientes de câncer têm uma melhora devido a esse fato.
100
Existem pesquisas que apontam que pacientes que possuem uma religião
apresentam quadro de melhora ou recuperação estando psicologicamente mais
aptos a aceitar sua situação, mesmo que viessem a falecer. Os que não tinham
religião, ou não acreditavam e nem estavam abertos a isso, tiveram outros tipos de
resultados. Acredito que, ao realizar o atendimento com meus pacientes levando em
consideração essas experiências, trabalharei de forma mais natural, sem ter uma
demanda pessoal que fizesse com que não pudesse enxergar isso. Pelo contrário:
digamos que fosse possível lidar melhor com esse tipo de situação. Posso te dizer
que na faculdade pouco foi trazido sobre esses temas. Se não fossem minhas
experiências pessoais, que soube aproveitar nos meus atendimentos, de maneira
geral não teria nada na faculdade.
Tereza: E como você relaciona essa dimensão espiritual com as linhas
teóricas que você estudou no seu curso?
Rodrigo: Investi em psicanálise e acredito que nossa mente leve em
consideração o inconsciente: o YIN e YANG. Talvez do Yin possa falar melhor.
Acredito que nossa mente seja e esteja apta a essa ideia, entre o caminho do campo
espiritual, mente e o mundo. Isso falando de uma forma grosseira, pois é uma
percepção de algo extremamente irracional, ou que possa ter alguma lógica.
Contudo, é algo que percebo e posso sentir. Dentro da Psicanálise de Melanie Klein,
quando falamos sobre Instinto de Vida e Instinto de Morte, observo-os como
expressões do campo espiritual. Digamos que um espírito que aqui viveu não
tivesse evoluído e reencarnasse; estaríamos entrando no campo do Espiritismo e, se
isso realmente for verdade, o Instinto de Morte dele, do qual trata a Psicanálise, o
delimitaria muito, pois não é pelos tipos de morte ou de vida que se deixa de ser
algo. Temos ainda o SOCIAL e o BIOLÓGICO. Acredito que dentro de uma linha
teórica, tendo eu mais intimidade com a Psicanálise, vejo dessa forma. Gostaria de
ver o lado Transpessoal, mesmo não conhecendo muito e nunca tendo lido a
respeito. Alguns professores têm visão similar à minha e trouxeram essa questão
durante o curso. Algumas pessoas estranharam, pois em um curso de Psicologia o
foco é a mente. Não precisamos ir muito longe: no curso de Psicologia vejo colegas
101
que no início se questionam o porquê de estudar História, Sociologia e Antropologia
se estão na Psicologia. Pra mim isso é no mínimo antagônico ouvir isso de um
colega, pois esperam que a Psicologia estude a mente, que esta não possua
nenhum outro fator envolvido e que não sejamos seres BIO-PSICO-SOCIAIS, pois,
se temos que lidar, digamos, com a mente, não há como ignorar estes aspectos.
Alguns poucos professores trouxeram o assunto, dois ou três no máximo. Sempre
gostei de História e aprendi no curso, também, que, não sabia até que ponto, o
âmbito SOCIAL poderia estar ligado ao PSICO, e o curso trouxe-me isso. Psicologia
Social foi uma aula que gostei demais, que me trouxe mais essa visão, ampliando a
gama e o espaço. Em se tratando da parte sobre a espiritualidade, foi algo que veio
a mim e foi bom, porque vi que meu professor, psicólogo formado, possuía essa
visão e que se encaixava com minhas experiências. Hoje estou na Psicologia e, para
mim, a espiritualidade e a Psicologia sempre caminhavam juntas, e com esses
professores que me trouxeram mais informações dentro da Psicologia, fazendo esse
link, comecei a ver que existia muito mais do que imaginava e que tudo formava uma
unidade. Digamos que minha formação veio somar mais ainda com tudo isso. Claro
que os professores não poderiam tratar o assunto de forma mais especifica, porque
não fazia parte da grade de matérias. Não tivemos uma aula onde pudéssemos ter
uma abordagem abrangente sobre esses assuntos, onde os alunos pudessem trazer
suas questões e ter suas dúvidas retiradas: muito pelo contrário, foram debates
curtos, rápidos...
Tereza: Isolados.
Rodrigo: Isolados... Isso. Mas tiveram sua importância, principalmente para a
minha pessoa. Algumas pessoas, diante desses debates, ausentavam-se da sala,
enquanto outros já levavam totalmente para o lado religioso, dizendo que Psicologia
e Religião não se misturavam, embora eu acredite que não era Religião e
Psicologia, e sim religiosidade e espiritualidade. Acredito que todos esses fatos, em
se tratando de Fenomenologia, são uma possibilidade a mais para ser
compreendida no mundo. Justamente isso, aberto a esse campo espiritual, na minha
visão a espiritualidade. É mais uma possibilidade. Existem pessoas que não
102
possuem uma visão religiosa, como o meu paciente, que poderia estar sofrendo por
estar vendo seu corpo perder suas energias e sua capacidade e poderia
desenvolver um transtorno ou qualquer tipo de doença mental, pelo fato de não ter
explicação sobre o fato de estar vendo o corpo adoecer. Este paciente viu seu corpo
adoecer através da religião.
Tereza: E como você enfrentava essas questões?
Rodrigo: Então, começo a pensar de acordo com a visão da fenomenologia,
porque com a Psicanálise me senti cessado. Não conseguia lidar com o que
acontecia porque a forma com que o paciente me contava sobre sua doença era
através de um mecanismo de defesa, desde a primeira vez em que o ouvi. Fiquei
pensando após chegar a minha casa que este paciente negava a própria doença;
portanto, usava a racionalização como mecanismo de defesa, dando-lhe uma
expressão lógica racional, utilizando-se da religião, enquanto, ao mesmo tempo,
negava seu corpo enfermo. Com a visão da Fenomenologia precisei abrir, através
das minhas experiências e daquilo que tinha aprendido na faculdade, para que
pudesse me fazer olhar para aquele ser humano como um todo sem estar ligado a
mecanismos de defesa, sem o engessar, sem aplicar diretamente a Psicanálise
sobre este individuo. Começou deste jeito. Fui então buscar nas fundamentações
psicanalíticas que havia aprendido na faculdade que... Justamente, comecei a
perceber que não conseguiria lidar com o que havia aprendido na Psicanálise. Não
tinha ferramentas para fazer essa absorção; então, percebi que através das minhas
experiências conseguia fazê-lo, e através da Fenomenologia consegui obter tal
resultado. Encaixar possibilidades de um mundo construído através de um indivíduo:
assim rebaixei todos os meus pensamentos que me levavam a crer que estava
lidando com mecanismos de defesa e negação, pois o paciente não estava fazendo
isso, e sim lidando com o acontecimento de outra forma.
Tereza: Qual a sua concepção de homem?
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Rodrigo: Minha concepção de homem? Boa pergunta. A concepção de
homem, do ser? Minha concepção de ser? Boa pergunta. Há as interpelações do
mundo em que estamos e existem limites. A matéria impõe limites. Contudo,
atribuímos sentidos a coisas que não possuem tais limites. A Psicanálise possui
limites, sim. A atribuição de sentidos seria um estágio cognitivo que estaria ligado a
um preso, um estágio emocional mais profundo, ligado a um Complexo de Édipo que
fecha o indivíduo. Já a Fenomenologia, que enxerga a pessoa como um todo, e sem
dirigir minhas teorias e pensamentos a ele, sem encará-lo como se apresenta,
encaminhou meu atendimento para esse caso. Este fato me deu mais aporte para
olhar suas crenças como sendo dele, e não escritas em um livro sob o título
“Mecanismos de Defesa”, ou outros assuntos. Dessa forma, pude encará-lo como
um todo, ouvindo-o, acolhendo-o e a sua livre expressão. Já estou me aproximando
da visão da fenomenologia. Justamente isso. A Fenomenologia lida com os
fenômenos de uma forma muito mais natural do que, por exemplo, a Psicanálise.
Nesse mundo eu sou muito inseguro. Venho de uma criação onde perdi meu pai
cedo. Acabei me abrindo para o mundo por conta própria, adquirindo
responsabilidade, mas não aquela dos afazeres, e sim a da existência. Penso que
sou responsável pelo que penso, e o que eu penso ou sinto determinarão minhas
atitudes, pelas quais sou e serei responsável. Isso, para mim, faz sentido. O futuro
está em mim e devo entender isso, que é de minha responsabilidade. Olhar para
mim, cuidar de mim, e só fui ter isso depois que, aos meus quinze, dezesseis anos,
quando pararam de me levar à escola, quando disse que não queria mais. Este foi
um exemplo, mas esse tipo de comportamento atrapalhou até o meu namoro. Minha
ex-namorada tinha me dito que parecia um “bebezão” da mamãe. Em se tratando de
namoro, fui percebendo que havia coisas que precisavam se resolver, e não
somente em namoros, mas também em mim enquanto pessoa. Como o fato de estar
aqui, dando essa entrevista. Voltando à época da faculdade, quando, por exemplo,
quem investia nos estudos da minha ex era a própria, tive vontade de fazer como
ela. Percebi que quando comecei a pensar sem ela, sem tê-la como meio para me
conectar ao mundo, estar no mundo, vi que tinha perdido muita coisa, mas também
havia muita coisa que ainda estava por vir; precisava lidar com isso e não seria ela
quem me ajudaria a lidar: a responsabilidade seria minha. Houve coisas às quais
atribuí sentido tarde, porque acreditava que, se as tinha, poderia adiá-las, e já que
104
tinha quem as fizesse por mim, fui adiando. Então percebi que precisava olhar com
mais carinho para mim. Falando nisso, até pouco tempo eu cutucava minha barba,
como forma de autoagressão, e isso se tornava algo feio que todos percebiam.
Quando comecei a me dar conta do que fazia por conta desse relacionamento
comecei a me desvincular dessa pessoa. Senti o impacto, pois percebi que estava
me maltratando e não sabia o porquê, mas hoje estou com a minha barba inteira
porque eu me preocupo com ela agora. Cuido dela, não é mais algo que não dou
atenção. Sabia que me incomodava, mas não em como lidar com o incômodo.
Quando percebi que a responsabilidade pelo meu ser era minha, cabia a mim decidir
por quanto tempo iria continuar daquela forma. Conversei com minha mãe sobre
isso e recebi elogios por minha nova postura.
Tereza: É um abrir-se para o mundo.
Rodrigo: Isso. É um abrir-se. É um novo nascer, em que pude compreender
coisas até mesmo da época da faculdade, quando pensávamos que queríamos ser
bons profissionais, bons terapeutas. Pensava: como poderia ser um bom terapeuta
se não conseguia lidar com certas questões? Engraçado, falando isso para você me
fez lembrar que, ao mesmo tempo em que me abri, veio a mim a questão da
espiritualidade, como real possibilidade. Não tinha me atentado para isso.
Tereza: De que forma veio?
Rodrigo: Então, essas experiências, a morte da minha tia-avó, vieram mais
ou menos durante esse tempo em que estava me abrindo. Não sei como seria minha
reação ou compreensão a esse respeito, se ainda não tivesse me apropriado disso.
Parece que foi agora, neste estudo do qual estou falando para você sobre
espiritualidade; cheguei a falar disso antes com minha mãe sobre uma época em
que me sentia debaixo d’água, mas quando saí da água senti minha espiritualidade.
Agora faz sentido. Foi até terapêutico isso.
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Tereza: Acho que é um encontro. Porque aqui temos um encontro. É singular,
exclusivo; então, mobilizou algumas coisas para você, assim como para mim.
Rodrigo: Sim.
Tereza: Acredito que essa relação intencional fez com que compartilhemos
experiências e vivências.
Rodrigo: Verdade. Verdade. E que vivência! Tem coisas que só falamos a
nós mesmos. Eu me escutei, na realidade.
Tereza: Acredito que praticamente abordamos de uma forma geral um todo.
Agradeço bastante. Acho que foi muito produtivo. Muito bom.
Rodrigo: Gostei muito.