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PRODUÇÃO DO CARNAVAL EM ESCOLAS DE SAMBA: TRAÇO DA ECONOMIA
DA CULTURA EM FLORIANÓPOLIS COM REFLEXOS NA ESCALA URBANA
Hoyêdo Nunes Lins (UFSC – E-mail: [email protected])
Kamilly dos Santos Ribeiro (UFSC – E-mail: [email protected])
Área 7 – Desenvolvimento Regional e Urbano
Resumo
A economia da cultura representa área de pesquisa e formulação de políticas que adquiriu
vulto no Brasil recentemente, refletindo tendência mais antiga em outros países. O carnaval,
devido à sua presença histórica, à direção assumida pelos festejos principalmente nas grandes
cidades – onde a produção do desfile de escolas de samba virou atividade que se desdobra por
meses a cada ano –, ao envolvimento de grandes contingentes em numerosas comunidades,
geralmente de menor renda, e à mobilização de volumosos e diversificados recursos, constitui
importante elemento da economia da cultura no país. O estudo se ocupa dessa temática
focalizando um assunto específico: o processo produtivo do desfile de carnaval de uma escola
de samba de Florianópolis, a Protegidos da Princesa, a mais antiga das agremiações do gênero
nessa cidade. Em grande parte, o texto representa registro de iniciativa cujo maior destaque
foi uma pesquisa direta junto à instituição no segundo semestre de 2014. São descritas em
detalhe as várias etapas da chamada cadeia produtiva do carnaval da Protegidos e são
abordados alguns reflexos socioeconômicos da preparação do seu desfile, que ocupa
praticamente todo o segundo semestre de cada ano nas comunidades implicadas (pertencentes
ao Maciço do Morro da Cruz, próximo ao centro da cidade).
Palavras chaves: Economia da cultura, escolas de samba, cadeia produtiva, Florianópolis
“Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio”
(Noel Rosa)1
1 Introdução
O tema deste artigo inscreve-se em área de estudos acadêmicos e proposição de
políticas que, segundo parece, ganha terreno no Brasil: a economia da cultura. O foco é bem
específico, como convém a texto com limitação de tamanho. De perfil exploratório, o trabalho
privilegia um aspecto da economia da cultura com inquestionável destaque no país, a
produção do carnaval. E não se trata da festa em termos gerais, mas da sua manifestação em
escolas de samba, capturado que foi o carnaval, ao menos nas maiores cidades, pela lógica da
competição (em grandiosos desfiles) e pela comunicação de massa.
A atenção recai na Protegidos da Princesa, a mais antiga das escolas de samba em
atividade no carnaval de Florianópolis, incrustada em comunidades do chamado Maciço do
Morro da Cruz, que ladeia o centro urbano. O objetivo é mostrar como se dá, no âmbito dessa
instituição, a produção do evento que representa o clímax do percurso cumprido por meses a
1 Versos de Noel Rosa no samba Feitio de Oração, composto em parceria com Vadico em 1932.
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cada ano: o desfile oficial das escolas de samba do grupo especial em Florianópolis.
Apresentar aspectos centrais desse processo produtivo também significa tangenciar a
problemática dos reflexos socioeconômicos nas comunidades envolvidas, uma questão
realçada no artigo. Por esse ângulo, o estudo se aproxima do debate sobre o desenvolvimento
na escala local, mormente em meio urbano.
Baseado em pesquisa direta, com visitas às instalações da Protegidos da Princesa (cujo
barracão fica no bairro do Itacorubi, embora a principal comunidade envolvida diga respeito
ao Morro do Mocotó), no segundo semestre de 2014, que resultaram em manuseio de
documentos disponibilizados e em entrevistas, o artigo possui três seções além desta
introdução e das considerações finais. Na próxima parte discorre-se sobre a economia da
cultura, tanto em termos gerais quanto com uma dupla especificação: de um lado, os vínculos
entre atividades culturais e ambiente urbano; de outro, a presença do carnaval na economia da
cultura no Brasil. Depois se fala da produção do carnaval como aspecto da economia da
cultura, utilizando a noção de cadeia produtiva. Em seguida, descreve-se com detalhes a
produção do carnaval da Protegidos da Princesa, em narrativa completamente instruída pela
pesquisa de campo. Por último, também refletindo os ensinamentos da pesquisa direta,
aborda-se a questão das interações e dos reflexos socioeconômicos da produção desse
carnaval.
2 Economia da cultura: aspectos gerais, ambiente urbano e o espaço do carnaval
A expressão “economia da cultura” designa campo de pesquisa, ressoando em
formulação de políticas, voltado às atividades ligadas à produção e circulação e ao consumo
de produtos e serviços culturais, incluindo a gestão das correspondentes iniciativas (ROUET,
1998). Sua emergência, refletindo-se em elaborações teóricas relevantes, é relativamente
recente, não autorizando visão retrospectiva até muito antes da década de 1960, algo que o
escasso interesse histórico da teoria econômica pelo setor e também as condições de contexto
ajudam a explicar (TOLILA, 2007).
2.1 Contornos gerais e uma problemática específica da economia da cultura
Na segunda metade do século XX, pela importância crescente das atividades culturais
na economia de diferentes países e regiões – como se observa especialmente nos Estados
Unidos (REIS, 2007a), mas também, por exemplo, no Canadá (LESSA, 2002) –, esse campo
ganhou envergadura a ponto de ensejar a criação, naquele país, de uma associação e de um
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periódico acadêmico de circulação internacional2. Esse percurso expressou o dinamismo
econômico de parte daquele período, designado “era dourada” do capitalismo por alguns
autores (MARGLIN, SCHOR, 1990), que estimulou as “indústrias culturais” e fixou nos
produtos culturais o rótulo de mercadoria (JAMESON, 1997).
Mas a referida área não se apresenta imune a dificuldades de natureza teórica. Um dos
aspectos é a complexidade, perceptível em tentativas de sistematização do conhecimento
acumulado (BENHAMOU, 2007), incluindo as controvérsias quanto à delimitação.
Sobre questões ligadas à teorização, é útil o teor da citação a seguir:
Num nível mais geral, para além da teorização em termos estritamente econômicos, vale
evocar, como ilustração da amplitude e da complexidade da temática, a ideia segundo a qual
os objetos (mercadorias, serviços) em torno dos quais gira parte importante das interações
sociais têm dimensões ou significados distintos. Pode-se reconhecer, de um lado, uma
dimensão (ou significação) econômica propriamente dita, sem obstáculos (ao menos
teoricamente falando) à quantificação (riquezas geradas, contingentes empregados, impostos
recolhidos). Mas existe igualmente uma dimensão (ou significação) simbólica, relacionada a
desejos e valores, especificamente valores culturais, que espelham (e se traduzem em)
atitudes, práticas e aspectos intelectuais e morais da vida. Refratária à quantificação, essa
outra dimensão tem a ver, como propõem alguns, com o “capital cultural” [...] (LINS, 2011, p.
234).
Sobre a problemática da delimitação da área, que remete a questões conceituais, é
importante salientar
[...] que economia da cultura não é exatamente a mesma coisa que economia criativa, uma
expressão de uso também frequente na literatura e considerada em iniciativas de política. Essa
duplicidade constitui, em si, assunto para debate, mas vale assinalar que referir à segunda
normalmente envolve considerar direitos de propriedade intelectual, principalmente direitos
autorais. Vários setores ou segmentos teriam lugar nessa designação [...] (LINS, 2011, p. 235).
De fato, a chamada economia criativa engloba segmentos e atividades como
desenvolvimento de software, propaganda, moda, design, arquitetura e mesmo artesanato,
alguns dos quais, exibindo componentes culturais, lograram atingir nas últimas décadas uma
grande vitalidade econômica. Mas a articulação com a economia da cultura não é integral,
pois nesta a dimensão simbólica cumpre importante papel, ao lado da dimensão econômica3.
A economia da cultura relaciona-se, conforme assinalado por Reis (2007b, S.p.),
[...] aos produtos e serviços que têm, ao mesmo tempo, potencial econômico e valor simbólico
(mensagem, identidade, valores). Encaixam-se nesse critério, por exemplo, o artesanato, as
indústrias culturais, o turismo cultural, o patrimônio cultural, a moda, o design, os
equipamentos culturais (teatros, cinemas, museus etc.)
Importante eixo de pesquisa e formulação de políticas em torno da economia da
cultura refere-se à concentração geográfica de atividades de produção e comercialização de
2 Trata-se da Association for Cultural Economics, surgida nos anos 1970, tornada Association for Cultural
Economics International em 1993. O periódico chama-se Journal of Cultural Economics. 3 Um útil esforço de clarificação do sentido dessas modalidades é o artigo de Friques (2013).
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objetos e serviços culturais, notadamente em ambientes urbanos. As iniciativas tanto
analíticas como de promoção consideram que possui mão dupla, quanto aos reflexos e
impulsos, a relação entre economia da cultura e realidades urbanas.
De um lado, a aglomeração dessas atividades, quer dizer, sua condição socioespacial,
inseparável da atmosfera urbana e mesmo regional, é vista como vetor que contribui para o
desenvolvimento da economia da cultura, haja vista os benefícios das externalidades,
economias de aglomeração e interações. De outro lado, o fortalecimento da produção e
comercialização de objetos e serviços culturais tende a favorecer e impulsionar, pelas
diferentes oportunidades (ocupação, renda) que propicia, a recuperação de ambientes
sobretudo urbanos carentes de vitalidade.
As denominações, sugeridas pelas experiências em diferentes países, e as escalas de
observação são variadas. Assim, Santagata (2002) e Mizzau e Montanari (2008) falam em
distritos culturais, que podem ter a escala de uma região ou de um ambiente urbano (e
também rural), com intensas relações de vizinhança, geralmente povoados de
empreendimentos de natureza cultural (micro e pequenas empresas, ateliers) e instituições
vinculadas.
Grande parte das abordagens contempla situações em espaços intraurbanos.
Montgomery (2003, p. 293), por exemplo, estuda o que chama de quarteirões culturais,
salientando as iniciativas de política voltadas à promoção das respectivas atividades: “[...]
quarteirões culturais são frequentemente vistos como parte de uma estratégia maior de
integração entre o desenvolvimento cultural e o econômico. Isso aparece vinculado, em geral,
ao redesenvolvimento ou regeneração de uma área urbana central selecionada [...]. Sentido
semelhante aparece em Stern e Seifert (2010), que empregam a expressão clusters culturais
para discutir a revitalização dos vínculos sociais ao nível das relações de vizinhança.
A mais divulgada experiência de promoção nesses termos diz respeito a Londres, cujas
iniciativas parecem ter sido precursoras. Nesse caso, a ênfase recaiu, até onde se pode
perceber, na economia criativa, pela importância dada aos direitos de propriedade.
Os instrumentos da experiência londrina incluíram desde esquemas específicos de
financiamento até a instalação de “bairros criativos”, idealizados para que artistas e criadores
em geral pudessem dispor de espaços para suas atividades em situação de
proximidade/contiguidade. O alvo, via de regra, foram áreas centrais decadentes, com imóveis
restaurados pelo poder público e disponibilizados, com aluguéis a preços módicos, até o
momento em que os empreendimentos conseguissem subsistir por conta própria. A ideia era
que, atingido esse estágio, ocorresse a transferência e a cessão dos lugares para outros
empreendimentos, em contínua sucessão (LINS, 2011, p. 238).
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Mas a experiência londrina é só uma entre muitas, seja na Grã-Bretanha (TAYLOR,
2004) ou em outros países (MONTGOMERY, 2004). A motivação tem claramente a ver com
os acenos e possibilidades para a socioeconomia local, resultantes da concentração espacial de
atividades de produção de bens e serviços culturais (e artísticos) e daquelas situadas a
montante e a jusante das primeiras, como destacam Markusen e King (2003) e Markusen,
Schrock e Cameron (2004).
2.2 Um olhar sobre economia da cultura no Brasil e o lugar do carnaval
No Brasil, só nos últimos anos o campo da economia da cultura logrou atrair alguma
atenção em termos governamentais e também acadêmicos, não obstante a diversidade
sociocultural do país e o imenso potencial que isso representa em vários sentidos. Iniciativa
institucional importante para ampliar e aprimorar o conhecimento sobre a produção cultural
brasileira tomou a forma do documento intitulado Sistema de Informações e Indicadores
Culturais 2003-2005 (SISTEMA, 2007), fruto de cruzamentos de classificações de atividades
utilizadas em diferentes órgãos (como o IBGE).
Aquele esforço institucional não se limitou a esse documento. Dois outros foram
produzidos, no mesmo sistema de parceria, o mais recente publicado no segundo semestre de
2013 (SISTEMA, 2013).
Entre as informações disponibilizadas está a identificação das atividades integrantes
do setor cultural e o rol das profissões e ocupações consideradas pelo Sistema como de
natureza tipicamente cultural, na indústria de transformação, no comércio e nos serviços.
Emerge dos dados um amplo e profundamente diversificado setor cultural no país. Os
números sobre o peso dessa economia, quanto às empresas (majoritariamente de menor porte)
e ao pessoal ocupado, encorpam a percepção sobre o que significa a cultura no Brasil, apesar
das variações entre os três grandes setores da economia.
O reconhecimento institucional da importância desse setor para o país, tendo em vista
os sinais relativamente à geração de postos de trabalho e de renda, representando avanços em
termos de inclusão social, transparece na atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). O maior destaque é, talvez, o Programa BNDES para o
Desenvolvimento da Economia da Cultura (BNDES Procult), destinado ao financiamento de
projetos e planos de negócios de empresas que operam no setor (BNDES, S.d.).
O carnaval é uma expressão da cultura e os processos e atividades que concorrem para
a sua realização perfilam-se como integrantes da economia da cultura. O carnaval expressa a
cultura porque, de origens historicamente muito remotas e presença mais que milenar ao
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longo da aventura humana no planeta (COLAÇO, 1988), sendo incorporado no século XV
pelo calendário da igreja católica como festa de fartura e desvarios logo antes da Quaresma
(SEBE, 1986), sua manifestação é bastante diversa e reflete as condições socioculturais dos
ambientes (países, regiões) onde ocorre. No Brasil, o perfil europeu do carnaval (introduzido
pelos portugueses) foi adaptado aos trópicos com elementos indígenas e africanos. Estes
afetaram especialmente a música, tornando-se o samba o ritmo por excelência, em evolução
(passando pelo maxixe) desde o lundu trazido da África pelos escravos (SODRÉ, 1998).
Três períodos básicos são identificados por Queiroz (1992) na história do carnaval no
Brasil. O primeiro refere-se ao “entrudo” (entrada), trazido pelos portugueses, com
brincadeiras e comportamentos que beiravam a agressão (banhos de água fria, ataques com
ovos podres), vedado aos escravos e proibido na metade do século XIX (TRAMONTE,
1996). O segundo período, relativo ao “grande carnaval”, registrou incidência principalmente
urbana e o envolvimento de camadas médias e, sobretudo, abastadas da população, aptas a
gastar com vestimentas caras. Mas, aos poucos, a crescente participação de afrodescendentes
e outros contingentes populares fez emergir e se consolidar o “pequeno carnaval” ou
“carnaval popular”, sem empecilhos à participação de quem quer que fosse.
Nessa terceira fase, surgem no Rio de Janeiro, nos anos 1920, as escolas de samba,
“[...] sociedades civis de cultura e lazer, sem finalidades lucrativas”(QUEIROZ, 1992, p. 74).
Criadas em ambientes comunitários e populares, essas agremiações converteram-se ao longo
do tempo em prática cultural com importantes reflexos nas relações socioeconômicas e
políticas protagonizadas no seu entorno. A essas instituições, em primeiro lugar, faz
referência a expressão “mundo do samba”, evidenciando a preponderância dessa modalidade
musical no ritmo e na coreografia do carnaval (LEOPOLDI, 1978).
Com o início dos desfiles das escolas de samba, na metade da década de 1930,
deflagrou-se a trajetória do evento que posteriormente ganharia o (ambicioso e apoteótico)
epíteto de “maior espetáculo da Terra”. A concorrência, a rivalidade e o simbolismo que
permeiam a preparação e realização desses desfiles, assim como os vários interesses em jogo,
tornaram a produção do carnaval em cada escola de samba um feixe grande, complexo,
diversificado e oneroso de atividades.
É a produção desses desfiles que, talvez antes de tudo, autoriza referir ao carnaval
brasileiro com o uso da expressão “economia da cultura”. Mas cabe no escopo desta,
igualmente, a miríade de atividades associadas às diversas maneiras de festejar o carnaval e de
fazê-lo acontecer, fora da “institucionalidade” das escolas de samba e com presença em todas
as latitudes do país.
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3 Produção do carnaval em escolas de samba: aspecto da economia da cultura no Brasil
O estudo do aspecto da economia da cultura representado pelo carnaval, especialmente
no âmbito de escolas de samba que, como no Rio de Janeiro, participam de desfiles com
sentido de competição, encontra na ideia de cadeia produtiva um suporte analiticamente útil4.
Por cadeia produtiva, como assinalam Dantas, Kertsnetzky e Prochnik (2002), entende-se a
sucessão de etapas interligadas, com transformação e transferência de insumos, até a
disponibilização de um produto. Divisão do trabalho, conjugação de competências e recursos
diversos e interações de diferentes tipos, abrangências e intensidades, são elementos dessas
cadeias.
Tanto quanto as articulações produtivas (e envolvendo igualmente serviços)
registradas em quaisquer setores, a preparação dos desfiles das escolas de samba pode ser
considerada à luz da problemática das cadeias produtivas porque tal procedimento não
representa outra coisa senão um conjunto de atividades sequenciadas que têm como finalidade
última a apresentação oficial. O movimento como um todo pode ser descrito como um “[...]
processo cujo desenrolar, etapa por etapa, da pré-produção ao consumo, leva a um produto
final, que é consumido por milhares de pessoas ao vivo e milhões de telespectadores no país e
no mundo” (PRESTES FILHO, 2009a, p. 20).
Uma descrição detalhada da cadeia produtiva da economia do carnaval em escolas de
samba do Rio de Janeiro pode ser encontrada em Prestes Filho (2009b). Uma apresentação
mais sintética, privilegiando somente aspectos gerais dos grandes elos dessa cadeia, é
oferecida em Prestes Filho (2012).
Na abordagem mais minuciosa (PRESTES FILHO, 2009b), um leque abrangente de
segmentos e atividades é considerado, para além dos relativos às escolas de samba do grupo
principal naquela cidade. O autor refere ao desfile das escolas de samba do grupo especial,
com as atividades (direta e indiretamente) ligadas à “fabricação” e divulgação do seu “produto
carnaval”, mas também aos desfiles das escolas do grupo de acesso e dos blocos e bandas;
alude aos direitos de propriedade intelectual e da personalidade (como os de imagem);
menciona as políticas públicas de investimentos em infraestrutura e incentivo/fomento; fala da
produção de vestimentas, calçados e adereços, sem a qual os desfiles simplesmente não
podem ocorrer; discorre sobre as esferas comerciais, incluindo a exportação; e evoca diversas
atividades de cunho social, cultural e profissional.
4 Esse não é o único ângulo explorado na literatura sobre o assunto. Matos e Britto (2014) utilizam ferramentas
analíticas de corte neo-schumpeteriano e falam em “sistema produtivo e inovativo do carnaval carioca”. Tendo
em vista os objetivos deste artigo, optou-se pelo enfoque de cadeias produtivas.
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Tudo isso significa envolvimento, com estímulo e dinamização, de diversos
profissionais e empresas e, sobretudo, de comunidades, geralmente de baixa renda. No que
toca às escolas de samba, o centro de gravidade é o chamado barracão, espaço onde se
estruturam, organizam e executam diferentes funções e de onde emanam impulsos com
diferentes “conteúdos” e alcances. Todas as atividades de “fabricação” do entretenimento que
o desfile das escolas significa podem ser analiticamente condensadas, na opinião de Prestes
Filho (2009b), em quatro grandes grupos ou elos de uma cadeia produtiva.
O primeiro desses grupos ou elos diz respeito à pré-produção, envolvendo
concepção/criação e incluindo enredo, samba enredo, fantasias e adereços e
também carros alegóricos; nessa etapa são definidos os insumos, conforme as
determinações da concepção/criação.
O segundo grupo engloba a produção propriamente dita, com transformação dos
insumos – adquiridos segundo as diretrizes recebidas da fase anterior – em
“objetos carnavalescos” (fantasias, adereços, alegorias, carros alegóricos); trata-se
de feixe de procedimentos realizados no espaço do barracão, em ambientes de
atelier e de oficina, e que mobilizam volumosos recursos financeiros e numerosas
pessoas em diferentes funções.
O terceiro grande elo é o da distribuição do produto representado pelo
entretenimento, quer dizer, o seu encaminhamento ao mercado com vistas ao
consumo; os meios de comunicação, nas suas distintas vertentes, desempenham
importante papel no processo de distribuição.
O consumo, que se constitui no quarto grande passo, ocorre no desfile oficial,
incidindo em aspectos tangíveis – o desfile em si, o samba apresentado, o
esplendor das fantasias e alegorias – e intangíveis – o simbolismo da escola, com
seu nome, sua origem e sua história, com os incrustados laços comunitários e de
vizinhança; mas o consumo também se apresenta em situações intermediárias ou
“intersticiais”, como nos ensaios das escolas em seus barracões.
Pertencem à órbita da economia do carnaval as incontáveis atividades, de maior ou
menor tamanho e sofisticação e de diferentes naturezas, que giram em torno desse
entretenimento e de sua produção. As escolas de samba não visam, propriamente, lucrar com
os desfiles, e mesmo a recompensa das que vencem a disputa não permite falar em objetivos
financeiros. Essas instituições despendem recursos, e em grande quantidade, com o propósito
principal, não parece equivocado asseverar, de permanecerem como “contadoras de histórias”
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nos desfiles e de bem representar suas comunidades de origem, por mais que o sentido
mercadológico tenha se apoderado do carnaval em muitos ambientes e circunstâncias.
Entretanto, a “fabricação” do carnaval representa elevados ganhos para os setores,
segmentos e atividades que formam a tessitura da cadeia produtiva, direta e indiretamente.
Isso é evidente, sobretudo, nas interações a montante na cadeia, com fornecedores diversos de
bens e serviços. Mas também ganham o setor de turismo (o aparato receptivo, com hotéis,
restaurantes e assemelhados, e o segmento de viagens, entre outros serviços), a indústria
editorial e gráfica, os setores audiovisual e fonográfico (transmissão por TV, divulgação por
CDs e DVDs), a indústria de instrumentos musicais (notadamente de percussão) e o ramo de
bebidas, para ficar só no que é mais notório.
Os reflexos são abrangentes e variados. No Rio de Janeiro, Prestes Filho (2009b)
estimou que o carnaval de 2006 traduziu-se no engajamento de milhares de trabalhadores
(algo entre 450 e 500 mil) nas diversas atividades e funções envolvidas, direta e
indiretamente. A “indústria” desse carnaval teria gerado um faturamento total, derivado dos
gastos realizados por pessoas, empresas, associações e órgãos públicos, de quase R$ 700
milhões, tendo cerca de 40% desse montante sido canalizado às remunerações dos
trabalhadores implicados.
Em escala de país, a movimentação financeira associada ao carnaval certamente atinge
a escala de bilhões de reais, considerando-se os grandes centros de realização dessa festa (Rio
de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador) e também as cidades menores (como Florianópolis).
Em todas, a produção e realização do carnaval, especialmente em escolas de samba, mas
também em diversas outras modalidades de manifestação, representam dinamização da
economia e oportunidades em termos de ocupação e renda. Na Bahia, por exemplo, Salvador
à frente, o carnaval, tornado um evento afro-elétrico-empresarial no dizer de Miguez e Loiola
(2011, p. 286), “[...] configurou-se como um mercado que extrapolou os limites da festa
carnavalesca propriamente dita”.
4 Produzindo carnaval em Florianópolis: a Escola de Samba Protegidos da Princesa
Aborda-se a produção do carnaval como aspecto da economia da cultura em
Florianópolis observando os procedimentos da Escola de Samba Protegidos da Princesa –
doravante designada Protegidos –, uma entre várias agremiações desse tipo que participam
dos desfiles oficiais do carnaval na cidade. Influenciou essa escolha o fato de se tratar da mais
antiga instituição do gênero em Florianópolis, embora as manifestações carnavalescas locais,
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como em outras latitudes brasileiras, remontem muito no tempo e apresentem diferentes
formas de expressão (CABRAL, 1972; COLAÇO, 1988; RAMOS, 1997; TRAMONTE;
1995).
A fundação da Protegidos ocorreu em 1948, com nome que homenageia a Princesa
Isabel, signatária da Lei Áurea em 13 de maio de 1988, o instrumento que aboliu a
escravatura no país. Essa escola de samba teve reconhecida a sua utilidade pública pela Lei
Municipal n. 777, publicada no Diário Oficial n. 8.134, de 13/09/1966. Atualmente, sua
designação formal é Grêmio Cultural Esportivo e Recreativo Protegidos da Princesa.
Em linha com os registros sobre estudos desse tipo em outras realidades locais no país,
notadamente o Rio de Janeiro – que tem no desfile das escolas de samba o evento mais
cintilante do seu carnaval –, falar em produção do carnaval no âmbito da Protegidos implica
referir a uma verdadeira rede de atividades e funções, protagonizadas por diversos tipos de
agentes, que admite referência como cadeia produtiva. Seus vários elos formam uma
considerável engrenagem, com clara divisão do trabalho e com desdobramento espacial que,
além das imediações do centro de gravidade das correspondentes atividades, alcança outros
ambientes, alguns bem distantes.
O espaço imediato, onde as relações em torno do carnaval envolvem práticas
cotidianas e interações do tipo face a face, mergulhadas em ambiente comunitário, refere-se
ao Maciço do Morro da Cruz ou Maciço Central de Florianópolis. Trata-se de conjunto de
morros, com orientação nordeste-sudoeste, que separa o triângulo central da cidade – em
ponta que se projeta na direção do continente, na porção centro ocidental da Ilha de Santa
Catarina – de bairros como Trindade, Itacorubi e Saco dos Limões.
Nesses morros o processo de ocupação foi desencadeado no começo do século XX e
produziu ao longo do tempo crescentes manchas de habitações muito precárias, ocupadas por
contingentes de baixa renda e designadas pela retórica oficial como Áreas de Interesse Social
(LINS, 2001). A comunidade do Morro do Mocotó, situada na face ocidental do referido
maciço, é a que mais sobressai no envolvimento com a Protegidos.
Pode-se falar sobre a cadeia produtiva do carnaval da Protegidos nos termos utilizados
por Prestes Filho (2009a,b) sobre as escolas de samba do Rio de Janeiro, em que o autor
salienta o aspecto de sequência de atividades, com transformação sucessiva e transferência de
insumos entre os elos. Cabe comentar que dizer “sequência” não significa referir a processo
em que as atividades se sucedem completamente, sem superposições temporais e/ou
produtivas. Paralelismos e concomitâncias crivam a preparação do carnaval na escola de
samba, sem que o sentido de encadeamento fique ausente.
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4.1 Providências iniciais: enredo, samba enredo e pré-produção
Segundo se observou na pesquisa de campo que subsidiou este estudo, o (por assim
dizer) ponto de partida na “fabricação” do carnaval da Protegidos diz respeito à escolha do
enredo, quer dizer, do tema que caracterizará a evolução da escola durante o desfile. Trata-se,
numa palavra, da “narrativa” protagonizada pela agremiação perante o público.
A diretoria administrativa da escola responde por essa tarefa, da qual dependem todas
as atividades enfeixadas na cadeia produtiva do seu carnaval. Conforme as informações
recolhidas na pesquisa, a própria organização do desfile, querendo isto referir inclusive à
disposição das várias alas da escola na passarela, é condicionada pelo enredo. Pode-se dizer,
portanto, que sua escolha constitui o “marco zero” da preparação/produção do carnaval.
Definido o enredo, têm início duas atividades distintas, embora conectadas. Uma
relaciona-se à etapa da pré-produção do carnaval. A outra diz respeito à seleção do samba
enredo.
A pré-produção inclui, em primeiro lugar, as funções de criação/concepção de
fantasias, adereços e carros alegóricos. Para as fantasias e adereços, é necessário, antes de
tudo, que o carnavalesco da escola – responsável pela criação com base no enredo – desenhe
todos os moldes, que são elaborados no próprio barracão. Os moldes são desenhados, um para
cada ala da escola, e passam a compor um “livro” que registra a concepção integral do
carnavalesco quanto ao desfile idealizado.
Uma cópia desse documento é entregue ao setor responsável pelas compras dos
materiais necessários à produção das fantasias e adereços. Tais aquisições ocorrem, de fato,
nessa fase inicial. Diferentes mercados são objeto dessas iniciativas, conforme os materiais
demandados. Uma relação obtida junto à Protegidos fornece uma ideia sobre a abrangência
setorial e geográfica das compras:
Borracha e plástico, geralmente comprados em São Paulo (mas nem sempre a
escola utiliza tais materiais)
Acetato, isopor e espuma, de utilização frequente e intensa, obtidos no mercado da
Grande Florianópolis, mais especificamente no município de São José;
Vestuário e calçados, comprados em Florianópolis ou, no caso de
indisponibilidade local, em São Paulo; observe-se que se compram calçados
somente para as alas e os quesitos principais, a saber, a comissão de frente, o casal
formado pelo mestre sala e pela porta bandeira, a bateria e, eventualmente, a ala
das crianças;
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Madeira, utilizada especialmente nas bases dos carros alegóricos, adquirida na área
de Florianópolis;
Tecidos e outros artigos e artefatos têxteis, na maioria para a produção de fantasias
e adereços; a compra (para cerca de 80% das necessidades) é feita em conhecida
loja do Rio de Janeiro que oferece vários tipos de artigos para o carnaval,
constituindo-se, a rigor, num dos maiores fornecedores desses produtos na
América Latina; essa loja nem sempre pratica o melhor preço, mas a variedade, a
qualidade e a facilidade de crédito acabam por torná-la mais atraente do que
concorrentes em São Paulo; recorre-se ao segundo mercado só para acessórios não
encontrados no Rio de Janeiro, especificamente alguns produtos de origem
chinesa; os 20% restantes do que é empregado nas fantasias e adereços provêm de
São Paulo ou mesmo da área de Florianópolis, pois nem sempre o custo da viagem
compensa o deslocamento;
Produtos da metalurgia, adquiridos integralmente no município de Biguaçu, na
Grande Florianópolis;
Tintas, compradas na sua totalidade em Florianópolis;
Eletroeletrônicos, equipamentos e máquinas, obtidos junto ao comércio da Grande
Florianópolis ou no próprio município sede, em lojas que praticam os menores
preços.
Ao mesmo tempo realiza-se a seleção do samba enredo, o que geralmente ocorre na
primeira semana de outubro. A escolha ocorre meio de concurso do qual participam vários
sambas, e o vencedor é objeto de gravação no Rio de Janeiro, onde os recursos de
equipamentos e instrumentos musicais, entre outros, permitem realizar essa tarefa com o
necessário nível de adequação e profissionalismo.
A definição do samba é uma etapa especialmente estratégica na produção do carnaval.
De fato, é necessário levar em conta, além da óbvia vinculação com a “narrativa” a ser
executada pela escola, também a duração do desfile: uma hora e quinze minutos, querendo
isto dizer que o samba será cantado cerca de trinta vezes na passarela. Se o samba for muito
complexo e difícil de ser cantado, dificilmente agradará ao público, que certamente não
“reagirá” na forma de um envolvimento entusiasmado.
Pode acontecer igualmente de o samba favorecer bastante um aspecto da escola –
como a bateria, por exemplo –, sem contrapartida, ou até com comprometimento, em outros
setores, como a comissão de frente. Assimetrias desse tipo devem ser evitadas a todo custo,
13
pois tendem a significar prejuízo para a harmonia do desfile e, por conseguinte, representar
riscos na avaliação dos jurados5.
4.2 A produção propriamente dita do carnaval
A fase seguinte da preparação do carnaval diz respeito à produção propriamente dita.
As matérias primas e os insumos, adquiridos na etapa anterior, são recebidos e conferidos no
barracão da escola, e tem início o conjunto de atividades pelas quais esses materiais tomam a
forma de fantasias, adereços e carros alegóricos, de acordo com as indicações originárias do
processo de concepção/criação.
Os moldes das fantasias, sistematizados no “livro” anteriormente referido, são
enviados para empresa em São Paulo que disponibiliza o arame utilizado na estrutura de
sustentação das vestimentas e adereços. Mas a preparação dessa estrutura exige,
primeiramente, a montagem de um modelo piloto, que é enviado à escola para avaliação por
parte do carnavalesco. Quando aprovado, esse modelo dá lugar à produção do conjunto de
estruturas na quantidade especificada.
Uma cópia do mencionado “livro” de moldes é entregue à costureira responsável pelos
cortes das fantasias. Geralmente a escola contrata cerca de cinco costureiras para a preparação
das fantasias, ficando um delas responsável pela tarefa de cortar todo o conjunto, de todas as
alas. Executa-se inicialmente um modelo de corte que representa uma fantasia piloto, em
conformidade com o “livro” de moldes. O carnavalesco examina e, com a sua aprovação,
efetua-se o corte de todas as fantasias de cada ala. A abordagem é caso a caso, isto é, ala a ala,
cujo número total é dezenove.
Ocorre de outras costureiras serem contratadas para cortar fantasias de segmentos
menores da escola, em geral correspondentes aos quesitos de julgamento durante o desfile.
Assim, acontece de uma costureira específica fazer serviços em menor quantidade e somente
para certas alas ou funções no desfile, como para os mestres de bateria e o departamento
feminino da escola, entre outros grupos. Outra costureira pode se encarregar só do corte das
indumentárias do mestre sala e da porta bandeira. E uma terceira, engajada com atribuição
igualmente bem definida, acaba implicada apenas no corte da vestimenta da comissão de
frente. Em outras palavras, ao lado do grupo principal de costureiras, atuam profissionais em
produção de pequena escala, conforme as necessidades pontuais da agremiação.
5 Cabe assinalar que são avaliados os seguintes quesitos nos desfiles das escolas de samba: comissão de frente,
enredo, samba enredo, evolução, harmonia, alegoria e adereços, figurino, casal do mestre sala e porta bandeira e
bateria.
14
Observe-se que, quando prontas, as estruturas de arame assinaladas anteriormente são
enviadas às “aderecistas”, que as recebem em suas próprias residências. Essas profissionais
formavam, no período em que se realizou a pesquisa de campo, equipe de dezessete pessoas
cujo trabalho é decorar as estruturas de arame com os adereços escolhidos pelo carnavalesco e
com pedaços de tecidos cortados pelas costureiras.
Assim como as “aderecistas”, também as costureiras trabalham em seus próprios
domicílios, distribuídos na Grande Florianópolis, em comunidades de baixa renda. No
município de Florianópolis, esses locais de moradia dizem respeito, além da já indicada
comunidade do Morro do Mocotó, também ao Monte Verde (localidade ao norte do centro de
Florianópolis, próxima à rodovia SC-401, nas imediações do bairro Saco Grande) e à Serrinha
(na face oriental do Maciço do Morro da Cruz ou Maciço Central de Florianópolis).
Outro aspecto é que, segundo informado, as fantasias referentes aos quesitos pelos
quais a escola será avaliada na passarela, assim como as fantasias das alas, são
disponibilizadas aos integrantes somente no dia do desfile. O motivo é claro: como se trata de
uma competição, há que preservar o sigilo, o que impõe evitar vazamentos, através de fotos
ou informações antecipadas, que representem risco de cópias e, de uma maneira geral, possam
comprometer o atendimento da exigência (pelo regulamento do desfile) de ineditismo.
Com respeito aos carros alegóricos, outro importante elemento do desfile, o processo
de preparação do carnaval é distinto. A especificidade tem a ver, por um lado, com a grande
necessidade de espaço. Em virtude do tamanho (sobretudo em altura) das estruturas, a
construção tem lugar integralmente no barracão da escola.
Mas esses procedimentos também implicam os serviços de equipe especializada com
origem muito distante da comunidade local e mesmo de Santa Catarina. De acordo com a
pesquisa de campo, a Protegidos utiliza a competência e a experiência de profissionais do
município de Parintins, no estado do Amazonas (na fronteira com o estado do Pará), local
amplamente conhecido por abrigar um dos mais divulgados e concorridos festivais folclóricos
do Brasil. Trata-se do Festival Folclórico de Parintins, centrado nos bois bumbás (boi
Caprichoso versus boi Garantido), realizado no último final de semana de junho. Soldadores,
escultores, serralheiros e decoradores integram a equipe de Parintins que atua na produção dos
carros alegóricos da Protegidos.
O cronograma cumpre um papel essencial na dinâmica produtiva do carnaval. A
informação obtida sobre o assunto, durante a pesquisa, é que não é possível ultrapassar
outubro nas atividades de pré-produção e início da produção. Caso contrário, a evolução da
15
escola no desfile de carnaval pode ficar sob risco, haja vista a quantidade de providências e
detalhes a serem encaminhados e equacionados.
O processo como um todo, pelos depoimentos registrados, leva mais ou menos cinco
meses a contar do momento em que o carnavalesco inicia a elaboração dos desenhos das
fantasias e adereços, com base no enredo escolhido. Daí em diante, semana após semana,
vive-se o frenesi da produção do carnaval, numa sequência incessante e vertiginosa até a data
do desfile.
4.3 Distribuição e consumo do “produto carnaval”
A distribuição diz respeito não às fantasias e aos adereços, que são disponibilizados
somente às vésperas do desfile, como se falou, por razões de proteção e preservação do
ineditismo. O que é distribuído são os outros materiais que a escola produz ou faz produzir
com vistas à obtenção de recursos financeiros. O leque inclui camisetas oficiais da Protegidos,
em que aparecem estampadas referências ao enredo a ser apresentado no desfile, assim como
CDs e DVDs, entre outros artigos oferecidos à compra pelo público interessado.
Certos tipos de material são também (até majoritariamente) doados, segundo
informação registrada em entrevista com o presidente da escola de samba. O motivo tem a ver
com estratégia de marketing desenhada para promover a instituição. Esse procedimento é
bastante comum entre as escolas de samba, de uma maneira geral, pelo que foi possível captar
durante a pesquisa de campo.
Não somente elementos tangíveis integram o conjunto de objetos distribuídos.
Também o direito de imagem – envolvendo o próprio nome da escola, que se torna, assim,
passível de referência/publicação em páginas na internet, revistas e jornais – pertence a esse
domínio de tarefas da cadeia produtiva do carnaval. A utilização desses elementos, como o
nome da escola e os sinais que a evocam, depende, naturalmente, de autorização.
Papel central desempenhado nesse processo relaciona-se ao envolvimento da Liga das
Escolas de Samba de Florianópolis (LIESF). Realmente, é essa entidade que coordena as
tarefas enfeixadas na divulgação, por meio de contratos individuais firmados com as escolas.
Tal instituição funciona como “membrana” entre órgãos importantes da ossatura do carnaval:
as escolas de samba, de um lado, e os meios de comunicação em geral, de outro. É a LIESF
que negocia os termos e celebra contratos com os vários canais de comunicação, um tipo de
função especialmente importante no que concerne à transmissão televisionada do desfile6.
6 Uma ideia sobre as atividades da LIESF pode ser obtida no site da entidade: http://liesf.blogspot.com.br/
16
Essa transmissão permite, ao lado do comparecimento do público à Passarela do
Samba Nego Quirido (local em Florianópolis, no aterro da Baía Sul, onde as escolas de samba
se apresentam, sendo os ingressos – com diferentes categorias – vendidos pela internet e em
lojas da cidade)7, a concretização da etapa final do ciclo inteiro de preparação (ou produção)
do carnaval: o “consumo” do desfile. É para esse ato derradeiro que se enlaçam e se
encadeiam tarefas, decisões, viagens e trabalhos, envolvendo numerosas pessoas,
representando gastos e mobilizando esferas diversas, durante quase meio ano.
Mas ocorre consumo do samba e da agitação típica do carnaval também antes do
clímax representado pelo desfile oficial. Refere-se aqui aos ensaios para o desfile, necessários
para que ajustes sejam providenciados e para que o samba seja “inoculado” nos integrantes. E
não é somente dos integrantes que se trata, pois esses ensaios – que não implicam,
obviamente, o uso de fantasias sendo confeccionadas e de adereços sendo montados – podem
ser abertos ao público externo interessado. A Protegidos tem realizado esses ensaios tanto no
seu próprio barracão como em outros locais, como praças e outros espaços utilizados para
esse fim em comum acordo com a administração da cidade.
Informou-se nas entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo que a Protegidos
reduziu a quantidade de ensaios abertos nos últimos anos. Em média, esse número não tem
sido maior que três. O motivo básico é que a vinculada arrecadação de recursos, que ocorre
nos ensaios realizados no barracão, não é suficiente para bancar o próprio evento específico,
quanto mais para contribuir efetivamente ao financiamento do carnaval da escola. Assim,
recentemente, a Protegidos limitou a prática ao processo de escolha do samba enredo (o que
significa dois eventos) e, quando a escola vence o concurso do desfile oficial, à chamada
“Feijoada da Campeã”, para comemorar o título. Também acontecem algumas projeções
extramuros da escola na forma de participação do Grupo Show (alguns ritmistas e passistas) e
de segmento da bateria em festas (aniversários, formaturas, casamentos), assunto do qual se
falará posteriormente.
* * *
Uma estilização da cadeia produtiva da Protegidos da Princesa, considerando as
informações levantadas na pesquisa de campo e apresentadas nesta seção, pode ter os
contornos apresentados na Figura 1. Embora se trate de uma cadeia, o que pressupõe
7 O nome dessa passarela homenageia um sambista histórico de Florianópolis, sendo “Quirido” uma corruptela
de “Querido” que registra o modo local de falar. A designação é oficial, usada na Prefeitura Municipal de
Florianópolis: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/turismo/index.php?cms=passarela+nego+quirido&menu=0
17
sequência – claro que com superposições – de etapas e atividades, optou-se por desenhar uma
estrutura circular que tem como centro o enredo.
Figura 1 – Cadeia produtiva do carnaval da Escola de Samba Protegidos da Princesa:
uma estilização com destaque para a definição do enredo
Fonte: elaboração própria com base nas informações coletadas na pesquisa de campo
A escolha do enredo é o ponto de partida, representando o acontecimento que faz todo
o resto entrar em funcionamento, sequencialmente – em cadeia, justamente. Mas, sendo o
enredo o centro de gravidade, seu papel nessa estrutura merece ser colocado em destaque. No
fundo, ainda que isto possa soar exagerado por causa da intensa agregação que acontece nas
atividades encadeadas, é o enredo, num certo sentido, que se pré-produz, produz, distribui,
comercializa e consome.
5 Interações e reflexos socioeconômicos locais na produção do carnaval
Produzir carnaval em escolas de samba é tarefa onerosa não só em tempo, mas
também, e sobretudo, em dinheiro. A visão geral propiciada anteriormente não permite dúvida
sobre isso, tantos são os materiais necessários e os serviços profissionais mobilizados. Assim,
em pesquisa sobre o assunto, indagar sobre os recursos necessários à colocação da escola na
avenida, para o desfile que representa o ponto culminante de um esforço de meses, é iniciativa
natural e incontornável.
18
Colocada a integrantes da diretoria da Protegidos a pergunta sobre a origem dos
recursos financeiros, obteve-se a informação de que várias são as instituições e agentes que
contribuem. O Governo do Estado de Santa Catarina e a Prefeitura Municipal de Florianópolis
perfilam-se com destaque como fontes principais.
Também ocorre auxílio de patrocinadores, na forma de empresas privadas, algo nem
sempre assegurado e que tampouco representa ajuda financeira em todas as ocasiões. Quando
acontece patrocínio nesses termos, costuma ser formada uma parceria escorada em acordo
sobre a venda das fantasias. Esta, assinale-se, é geralmente realizada pela disponibilidade em
página na internet destinada à aquisição on line e também de forma direta na secretaria da
escola de samba, instalada no próprio barracão.
Na parceria, o patrocinador propõe-se a participar da comercialização das fantasias
destinadas a esse fim, quer dizer, das que não são encaminhadas à doação. A doação,
esclareça-se, costuma beneficiar pessoas que ajudaram a escola voluntariamente, em qualquer
tipo de serviço que tenha representado necessidade nesse sentido, desde tarefas muito gerais
até a contagem das fantasias e adereços no controle final para o desfile. Porém, segundo
informado, a doação só ocorre nas vezes em que a escola não consegue atingir o número
mínimo de integrantes para o desfile. Esse patamar, pelo regulamento do concurso,
corresponde a 1.500 integrantes. A Protegidos tem desfilado com cerca de 2.000 integrantes.
Os ganhos tendem a ser recíprocos nesse tipo de arranjo, pois o patrocinador logra ser
referido no desfile, o que representa exposição com formato de marketing, e a escola tem
diminuídas as chances de não conseguir vender, ela própria, as fantasias produzidas. Pelo que
se conseguiu apurar, a Protegidos considera tratar-se de um importante auxílio, ainda que sem
tradução em disponibilidade financeira direta.
Cabe indicar que as vendas das fantasias tendem a espelhar a conjuntura sobretudo
econômica da cidade, o que também inclui a maior ou menor presença de turistas, entre outros
aspectos. Essa restrição ilustra uma relação aparentemente geral entre cultura e economia,
conforme sublinhado por Florissi e Waldemar (2007), pela qual a situação da segunda (no
país, na região, na cidade) determina o peso da primeira (na forma de dispêndios, por
exemplo) no dia a dia das pessoas, mesmo que estas atribuam importância aos produtos e
serviços culturais e encontrem nestes uma fonte de grande satisfação.
O custo do carnaval da Protegidos, considerando a experiência do último desfile (em
março de 2014), atinge mais ou menos R$ 1,4 milhão. Aproximadamente metade desse
montante refere-se às despesas com mão de obra e a outra metade é dirigida aos gastos com o
material necessário à produção (fantasias, adereços, carros alegóricos). Deve-se sublinhar que
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o custo total depende do tema – traduzido no enredo – escolhido pela escola para a narrativa
que tem lugar durante o desfile. Alguns assuntos exigem bem menos do que a apontada
quantia de R$ 1,4 milhão. Outros, implicando fantasias mais luxuosas e elaboradas, requerem
muito mais. Também em relação a isso revela-se o caráter estratégico da escolha do enredo.
Aspecto importante do debate sobre economia da cultura, como campo de reflexão que
exibe pontos de contato com a questão do desenvolvimento na escala local, incluindo a
problemática das políticas de promoção, tem a ver com a geração de oportunidades de
trabalho nas correspondentes atividades. Assim, merece destaque a informação, obtida na
pesquisa de campo, de que a produção do carnaval da Protegidos representa a mobilização
direta de 140 trabalhadores em média, com alguma variação ao longo dos anos e, certamente,
também nos meses em que se dá a preparação do desfile, nas várias etapas da cadeia
produtiva.
A Tabela 1 apresenta os postos de trabalho vinculados à produção do carnaval dessa
escola, nas diversas funções necessárias ao processo. A distribuição refere-se à preparação do
carnaval de 2014, do mesmo modo que o dimensionamento do custo antes referido. Mas, pelo
que se levantou, a estrutura pouco se altera entre os vários carnavais da escola.
A categoria mais numerosa é a dos empurradores de carros alegóricos durante o
desfile. Porém a respectiva tarefa corresponde a um único momento na cronologia da
produção do carnaval: o desfile em si. A segunda modalidade em número é a das
“aderecistas”, cujo trabalho desenrola-se no tempo. Depois aparecem os trabalhadores da
equipe proveniente do município amazônico de Parintins, composta por soldadores,
serralheiros, decoradores e escultores, responsável pela construção dos carros alegóricos.
Também representam números expressivos as funções de diretor de bateria e de intérprete do
samba, cujo envolvimento é constante, até pelas exigências em termos de ensaios, podendo-se
dizer o mesmo sobre os casais de mestre sala e porta bandeira. As costureiras, como
informado, totalizam cinco profissionais engajadas de forma direta, embora costumem ser
formados vínculos de terceirização, não computados nesta visão geral. Todas essas funções
são remuneradas.
Ao lado desses profissionais, atuam igualmente ocupantes de postos de trabalho
voluntários. O número atinge perto de trinta pessoas, que de forma espontânea e voluntária se
articulam antes do desfile para contar e conferir as fantasias no barracão. Essa é uma atividade
de pura manifestação de apreço pela escola de samba, reflexo do entendimento da sua
importância (de cunho cultural e outros) para a comunidade e para a trajetória desta.
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Tabela 1 – Número e natureza dos postos de trabalhos ligados à produção do carnaval
na Escola de Samba Protegidos da Princesa – situação do carnaval de março de 2014
Funções/Setor
Nº de
trabalha-
dores
“Aderecistas” 17
Administrativo 3
Auxiliar de serviços gerais 3
Carnavalesco 1
Casais de mestre sala e porta bandeira 6
Contador 1
Coordenador carros alegóricos 1
Coordenador das “aderecistas” 1
Costureiras 5
Diretores de bateria 8
Empurradores de carros na avenida 60
Equipe de Parintins - carros alegóricos (soldadores, serralheiros, decoradores, escultores) 15
Intérpretes (cantores) 8
Iluminação dos carros na avenida 5
Músicos (cavaquinho, violão) 4
Transportador de materiais e produtos 2
Total 140
Fonte: elaboração própria com base nas informações disponibilizadas pela diretoria administrativa da Escola de
Samba Protegidos da Princesa
Informações como essas sugerem os reflexos econômicos e sociais que a produção de
uma festa como o carnaval há de provocar no plano da sociedade local. Esse é o caso, mais
especificamente, nas várias comunidades que, direta e intensamente envolvidas, nutrem
relações de vizinhança ou proximidade e, possivelmente, compartilham aspirações e cultuam
valores mais ou menos comuns, ligados, por exemplo, à própria história da localidade.
A Protegidos é somente uma das escolas que participam do carnaval “oficial” de
Florianópolis. As outras são, pela programação do carnaval de 2015: Embaixada Copa Lord,
Consulado, Unidos da Coloninha, União da Ilha da Magia e Dascuia, esta a mais nova
incorporação ao chamado “grupo especial”. Em todas, o segundo semestre de cada ano é
período de febris atividades de preparação, com o que isso significa em mobilização de
recursos e de pessoas, como permite entrever a relatada experiência da Protegidos.
Há igualmente escolas de samba que compõem o chamado “grupo de acesso”, com
desfile em data específica8, cujo carnaval é igualmente produzido na órbita comunitária,
envolvendo atividades de natureza semelhante – não obstante a escala muito menor – à
8 Página na internet de um guia de entretenimento em Florianópolis registra seis escolas nessa condição:
http://www.guiafloripa.com.br/sites/carnaval/2014/programacao-de-carnaval-2014-em-florianopolis.php3
21
registrada na pesquisa sobre a Protegidos. E, naturalmente, existem numerosos blocos de
sujos, de maior ou menor tamanho, e grupos de amigos e/ou formados por relações de
vizinhança, em diferentes ambientes da cidade, que igualmente fazem fabricar fantasias e
adereços e compram instrumentos musicais não raramente de segunda mão e recuperados por
mão de obra profissional.
Em suma, em ambientes urbanos que cultivam a vivência coletiva do carnaval, nos
moldes do que ocorre em Florianópolis (e, obviamente, também no Rio de Janeiro, entre
outros lugares), dizer carnaval corresponde a referir a um importante segmento da economia
da cultura. Significa, da mesma forma, tangenciar a temática da dinamização econômica local,
mesmo que grande parte dos insumos e matérias primas que entram na produção do carnaval
das escolas de samba, como se observou na Protegidos, tenha origem (muito) distante.
Os múltiplos serviços envolvidos nas atividades da cadeia produtiva do carnaval, nas
suas várias etapas, reverberam localmente, na órbita da cidade e, mais especificamente, no
seio das comunidades. Portanto, falar em “possível contribuição ao desenvolvimento local”, a
respeito do assunto, não parece manifestação despropositada ou mesmo exagerada.
Mas é importante olhar além da dimensão mais tangível desse processo. Pelo menos
na Protegidos, fabricar o carnaval e protagonizar o evento que é a culminação de duradouro e
extenuante esforço – o desfile – são atividades com sentido de, nas palavras do presidente da
escola em entrevista realizada durante a pesquisa de campo, resgate da autoestima das
comunidades envolvidas. Há, com efeito, muito de simbolismo nessa relação com o carnaval.
O envolvimento das comunidades aparece, claro, na participação no próprio desfile,
nas várias maneiras pelas quais isso pode acontecer. Mostra-se também no engajamento à
produção material do festejo, querendo isto referir, com grande destaque, às atividades de
costureiras e “aderecistas”, por exemplo. Mas tomar parte nessa dinâmica significa mais do
que auxiliar na preparação de um evento que tem na pressão do calendário uma fonte de
irrecusável excitação e agitação. A leitura (entusiasmada) do presidente é que cada carnaval
dá sequência a um projeto de escola de samba marcado pelo gradualismo nas suas conquistas.
Essas conquistas exibem diversas dimensões, tendo o destaque, na entrevista, recaído
nas de cunho cultural, artística e social. Assim, o desfile oficial do carnaval, embora
represente o ápice de trajetórias anuais com duração de pelo menos meio ano, não esgota o
“sentido” da Protegidos, segundo sublinhado. O mais importante papel da escola é, foi dito
com ênfase, promover a inclusão sociocultural dos seus integrantes, quer dizer, da(s)
comunidade(s) que representa(m) a sua base social.
22
Esse propósito permeia conjunto de atividades desenvolvidas permanentemente no
âmbito da agremiação. A escolinha de mestre sala e porta bandeira, frequentada por muitos
jovens aspirantes a tais posições na escola de samba ou simplesmente interessados em
aprender a dança, com suas evoluções, funciona em sintonia com tal princípio.
Pode-se dizer o mesmo com respeito ao Grupo Show da Protegidos, criado em 2005.
Formado por ritmistas jovens e por representantes da chamada corte da escola, incluindo
rainha de bateria, cidadão e cidadã samba e casal de mestre sala e porta bandeira, e de
composição flexível, o grupo faz apresentações em eventos públicos, festas de casamento e
bailes de formatura, entre outros, divulgando a agremiação e ajudando a “enraizá-la” ainda
mais na atmosfera da cidade. O critério de juventude para a definição dos participantes mira
simultaneamente a renovação dos contingentes envolvidos e a continuidade das interações
comunitárias em torno da escola, e, ao mesmo tempo, opera como instrumento de inclusão
social para os jovens.
É importante destacar também o departamento feminino da Protegidos. Criado há
décadas, representa fonte de contínua ajuda em funções cotidianas, como ilustrado pela
preparação de refeições para os que se engajam na produção do carnaval durante a escalada de
tarefas que culminam no desfile. Esse departamento também promove a escola ao participar
de eventos que possam resultar em melhorias para as comunidades implicadas,
especificamente as do Maciço do Morro da Cruz, mais particularmente no Morro do Mocotó.
O “enraizamento” da Protegidos no ambiente sociocultural local atinge, do mesmo
modo, as atividades da ala dos compositores. Atuando continuamente, na criação voltada ao
desfile e também produzindo obras variadas de samba, esse segmento da escola tem composto
sambas para blocos de rua e até contribuído musicalmente para campanhas publicitárias.
Cabe uma menção especial à velha guarda da escola, reduto de preservação da história
e tradição da Protegidos. Sua existência foi formalizada em fevereiro de 2005 – com a
denominação Galeria da Velha Guarda –, o que favoreceu a execução de projetos enfeixados
no seu Programa de Ação Social. As correspondentes atividades envolvem participação direta
e indireta em vários eventos na cidade e intercâmbio sociocultural em diversas frentes,
especialmente com entidades do Rio de Janeiro. As ações incluem com destaque encontros
com comunidades do Morro do Mocotó e Morro da Queimada e visitas a instituições de saúde
e de abrigo a idosos e carentes.
Possuindo um grupo musical próprio, a Velha Guarda também faz apresentações do
gênero em acontecimentos beneficentes, objetivando, por exemplo, arrecadar fundos para
edificar prédio para pacientes infantis e juvenis portadores de câncer e para abrigar seus
23
familiares, oriundos do interior de Santa Catarina. A Velha Guarda igualmente comparece
dessa maneira em datas comemorativas (Páscoa, Dia das Crianças, Natal) e nas integrantes do
calendário turístico estadual, como as festas de outubro, no Vale do Itajaí (Oktoberfest,
Fenarreco) e em Florianópolis (Festa Nacional da Ostra).
6 Considerações finais
A economia da cultura ganha terreno acadêmico e, em vários sentidos e instâncias,
também institucional no Brasil. O carnaval perfila-se como importante – certamente um dos
mais importantes – elemento dessa economia no país. É assim em escala nacional, com realce
para as escolas de samba e outras agremiações (como os grandes blocos, em várias regiões)
que arregimentam numerosos participantes e mobilizam vultosas quantias. É assim em
Florianópolis, onde o modelo do “carnaval espetáculo”, adotado por osmose da experiência
carioca, representa “fabricação” do entretenimento carnavalesco que se estende por meses,
canaliza muito dinheiro e trabalho e tem como ápice o desfile, na culminância do calendário
oficial do festejo.
O estudo específico sobre a escola de samba Protegidos da Princesa, desenhado e
executado à luz da noção de cadeia produtiva, mostra o modus operandi nas etapas que
conduzem à oferta do produto final. Graças à pesquisa direta que se pôde efetuar, aspectos
importantes são ressaltados e informações que permitem uma boa ideia sobre as implicações
das atividades realizadas são oferecidas. A inescapável conclusão é que a Protegidos, e isto
pode ser estendido às demais escolas que integram o carnaval de Florianópolis, é um
importante agente da economia da cultura nessa cidade e na sua região.
Os reflexos socioeconômicos e culturais, principalmente em escala comunitária, e o
interesse – que provavelmente se manifesta nas outras escolas e suas respectivas comunidades
– também em aspectos intangíveis e de cunho simbólico, como o resgate da autoestima
(frisado pelo presidente da Protegidos), autorizam associar – postula-se aqui – a problemática
da produção e realização do carnaval, nos moldes explorados no artigo, ao debate sobre o
desenvolvimento em nível local, no plano da cidade.
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Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina.