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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR-UECE
ANA MARIA BORGES DO VALE
PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo
qualitativo sobre a experincia das famlias
beneficiadas
Fortaleza Cear
2009
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ANA MARIA BORGES DO VALE
PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo qualitativo sobre a experincia das famlias beneficiadas
Dissertao apresentada ao Programa e Mestrado Acadmico em Sade Pblica da Universidade Estadual do Cear como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. rea de Concentrao: Poltica e Servios de Sade. Orientador: Prof. Dr. Andrea Caprara.
Fortaleza Cear
2009
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ANA MARIA BORGES DO VALE
PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo qualitativo sobre a experincia das famlias beneficiadas
Dissertao apresentada ao Programa e Mestrado Acadmico em Sade Pblica da Universidade Estadual do Cear como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre.
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
__________________________________ Prof. Dr. Andrea Caprara
Universidade Estadual do Cear Orientador
___________________________________
Prof. Dr. Erasmo Miessa Ruiz Universidade Estadual do Cear
___________________________________ Prof. Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz
Universidade Estadual do Cear
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famlia, por ser a terra frtil onde brota toda semente.
A todos aqueles que tm cuidado ao cultivar.
s chuvas (oportunidades) necessrias
para fazer brotar os frutos.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, inteligncia suprema, causa primria de todas as coisas, pelo dom da
vida e por ter me dado a oportunidade de viver em uma famlia to maravilhosa e
que me traz experincias de amor inigualveis.
A minha querida e doce me,Neusa Borges de Arajo, pelo amor
incondicional e despretensioso que sempre me dedicou e pelo exemplo de mulher
corajosa, determinada e humilde. Efetivamente, devo a ela a consagrao deste
momento de superao e progresso intelectual.
A Almir do Vale, marido, companheiro e amigo, que sempre esteve
diuturnamente me amparando, me dando amor, carinho e muita fora.
Aos nossos filhos (Vilson, Lus Manoel e Paulo Henrique) queridos, pelos
quais agradeo a Deus todos os dias, pois sou uma me realizada. Agradeo a eles
pelo amor e pelo carinho; verdadeiramente, vocs especiais.
A minha tia Luzia Borges Alves (in memoriam), pelo exemplo de amor,
dedicao e resignao, que me faz continuar sempre. Onde quer que ela esteja, sei
que est muito feliz por mim, ao me ver subir mais um degrau na escada ngreme da
vida.
Aos meus irmos, Antnio Carlos e Sebastio, instrumentos feitos por Deus
para que eu percebesse o verdadeiro sentido do amor fraternal.
A minha amiga e irm Elizabete (Neca), por sempre confiar em mim e pelo
amor especial que me devota. Obrigado, Neca, pela fora e pela coragem.
Agradeo, especialmente, ao meu orientador Prof. Dr. Andrea Caprara,
pessoa sensvel e grandiosa, que muito me ensinou com sua sabedoria e
simplicidade, caractersticas dignas de um grande docente.
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Fbia, pela grande amizade, pela colaborao, apoio, pacincia e pela fora
nos momentos mais difceis.
Suely, amiga e companheira do mestrado, agradeo-te pelo apoio e
colaborao.
minha amiga Auxiliadora pela amizade, carinho e companheirismo.
Ftima Brasil, pela amizade e por estar sempre disposta a me auxiliar,
sempre professando nos momentos difceis a seguinte frase: calma, no final tudo d
certo.
Sabrina, que antes de ser uma amiga uma filha para mim, pela sua
ateno e amor dedicados.
A equipe do CRAS da Serragem em especial Claudia, Madalena, Marilcia,
Maria Bento, pela amizade, colaborao, fora e apoio.
Ao Prefeito do Municpio de Ocara-CE, Doutor Lonildo Peixoto Farias, por
valorizar a qualificao dos profissionais, e Secretria do Trabalho e
Desenvolvimento Social de Ocara-CE, Zulene Maia, pela compreenso, carinho e
apoio.
s famlias entrevistadas, pelo tempo devotado s indagaes.
Aos professores Dr. Erasmo Miessa Ruiz e Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz,
por me darem a oportunidade de t-los em minha banca, engrandecendo-a
sobremaneira.
professora doutora. Salete Bessa, pela dedicao e amor que tem pela
educao.
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RESUMO
Este ensaio um estudo qualitativo, que traz como foco o Programa
Bolsa Famlia do Governo Federal. Criado em 2003, no contexto da discusso sobre
transferncia de renda no Brasil, entendida como necessria para o enfrentamento
da fome e da pobreza no Pas, o Programa foi formulado com base no conjunto de
aes do Programa Fome Zero. O Bolsa Famlia, ao transferir renda diretamente s
famlias pobres e abaixo dos limites de pobreza, tem como perspectiva articular-se
com polticas e programas estruturantes no campo da sade, educao e trabalho,
no sentido de interromper o crculo de perpetuao da pobreza e promover a
emancipao social e econmica das famlias em situao de vulnerabilidade e
risco, mediante o acesso a direitos fundamentais. A desigualdade social no Brasil se
expressa pela desconformidades de renda e tambm pela desuniformidade na
situao educacional e de sade, em relao a pobres e ricos. Os fatores culturais e
ambientais, ou seja, o modo de vida das pessoas, interferem na sade pblica e na
longevidade da populao. Partindo desta relao entre desigualdade social e sade
e com suporte na viso das prprias beneficirias, este experimento analisa as
mudanas ocorridas na sade com a implantao do Programa Bolsa Famlia, tendo
como campo emprico o Municpio de Ocara, localizado na regio do semi rido do
Cear. As famlias pesquisadas expuseram suas experincias de vida, no que diz
respeito ao seu cotidiano, ao trabalho, sobrevivncia, sade e alimentao,
temas sempre relacionados com o benefcio, fazendo a avaliao das suas
condies de vida no perodo anterior incluso no Programa e o momento atual. O
estudo traz, ainda, a discusso sobre as condicionalidades do Programa e suas
implicaes na educao cidad e na autonomia das famlias.
Palavras-chave: Bolsa Famlia. Desigualdade Social. Sade. Famlia. Polticas
Pblicas.
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ABSTRACT
This work is a qualitative study which brings as focus the Bolsa Famlia
Program (Family Grant Program) of the Federal Government. Created in 2003, in the
midst of a discussion on income transfer in Brazil, seen as necessary to tackle
hunger and poverty in the country, the program was formulated from the number of
actions of the Zero Hunger Program. The Bolsa Familia, which directly transfers
income to poor and very poor families, aims to articulate with structural policies and
programs in health, education and work, so as to overcome the pattern of
perpetuation of poverty and promote social and economic emancipation of families in
situation of vulnerability and risk, through access to fundamental rights. Social
inequality in Brazil is expressed by the inequality of income, education and health
regarding rich and poor. The cultural and environmental factors, ie, the ways of living
of the population, interfere on public health and longevity. Having as starting point
this relationship between social inequality and health and the beneficiaries vision, this
paper examines the changes undergone in health with the implementation of the
Bolsa Famlia Program, having as empirical object the municipality Ocara, located in
the semi-arid region of the state of Cear. The families surveyed explained their
experiences of life, with regard to their routines, work, survival, health and nutrition,
topics related to the benefit, making an assessment of their living conditions in the
period prior to inclusion in the program and in the current moment. The study also
provides a discussion on the conditionalities of the Program and its implications on
citizenship education and empowerment of families.
Keywords: Family Grant, Social Inequality, Health, Family, Public Policy
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SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE QUADROS LISTA DE TABELAS LISTA DE GRAFICOS
1 INTRODUO.................................................................................... ........... 14
2 FUNDAMENTAO TERICA...................................................................... 2.1 Desigualdade social e sade .................................................................. 2.2 As Novas configuraes dos programas de transferncia de renda: O
Fome zero e o Bolsa Famlia.................................................................. 2.3 Poltica Nacional de Assistncia Social: contexto de implantao do
Centro de Referncia da Assistncia Social CRAS.............................
21 21 29
38
3 METODOLOGIA ............................................................................................ 3.1 Natureza do Estudo................................................................................. 3.2 Sujeitos de estudo................................................................................... 3.3 Campo de estudo.................................................................................... 3.4 Coleta de dados...................................................................................... 3.5 Mtodo de anlise das informaes........................................................ 3.6 Aspectos legais e ticos da
pesquisa...................................................................
45
45
46
47
53
54
58
4 ANLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSO ....................... 4.1 Perfil das famlias de Ocara, de acordo com o Cadastro nico............... 4.2 A vida das famlias antes do Programa Bolsa Famlia............................ 4.3 Bolsa Famlia e vida cotidiana ................................................................ 4.4 trabalho e sobrevivncia das famlias..................................................... 4.5 Mudanas na sade e na alimentao das famlias................................
60
60
68
75
86
92
5 CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 100
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 106
APNDICE...........................................................................................................
APENDICE A roteiro de entrevista...................................................................
APENDICE B exemplo de entrevista................................................................
APENDICE C termo de consentimento livre esclarecido.................................
APENDICE D parecer do Comit de tica da Universidade Estadual do
Cear...................................................................................................................
111
112
113
116
117
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BPC
- Benefcio de Prestao Continuada
CBIA
- Centro Brasileiro para a Infncia e Adolescncia
CIB
- Comisso Intergestora Bipartite
CIONE
- Companhia Industrial de leos do Nordeste
CIT
- Comisso Intergestora Tripartite
CLT
- Consolidao das Leis do trabalho
CMDS
- Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentvel
CNAS
- Conselho Nacional de Assistncia Social
CNS
- Conselho Nacional de Sade
CONSEA
- Conselho de Segurana Alimentar
CRAS
- Centro de Referncia da Assistncia Social
CVT - Centro Vocacional Tecnolgico EMATERCE
- Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Cear
FGV
- Fundao Getlio Vargas
IBGE
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH
- Indice de Desenvolvimento Humano
IDM
- Indice de Desenvolvimento Municipal
IPEA
- Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPECE
- Instituto de Pesquisas Econmicas do Cear
LBA
- Legio Brasileira de Assistncia
LOAS
- Lei Orgnica da Assistncia Social
NUTEC
- Ncleo de Tecnologia Industrial do Cear
ONU
- Organizao das Naes Unidas
PAIF
- Programa de Ateno Integral s Famlias
PCA
- Programa Carto Alimentao
PETI
- Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
PGMR
- Garantia de Renda Mnima (Projeto de Lei n. 80/1991, de
autoria do ento Senador Eduardo Suplicy) PNAS
- Poltica Nacional de Assistncia Social
PNUD
- United Nations Development Programme
PPAAS
- Plano Plurianual da Assistncia Social
PRONAF
- Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar
SEBRAE
- Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SENAR
- Servio Nacional de Aprendizagem Rural
SIAB
- Sistema de Informao da Ateno Bsica
SUAS - Sistema nico da Assistncia Social
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QUADROS
1 - AS ETAPAS DA INTERPRETAO
57
2 - ANLISE ESTRUTURAL DAS NARRATIVAS (PAUL RICOEUR)
58
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12
LISTA DE TABELAS
1 - Populao residente 1991 e 2000 49 2 - Indicadores Educacionais de Produtividade nos Ensinos
Fundamental e Mdio 2002 51
3 - Indicadores Educacionais de Capacidade de Atendimento
51
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13
LISTA DE GRFICOS
1 POPULAO RESIDENTE (2000)
49
2 TIPO DE LOCALIDADE
60
3 SITUAO DOS DOMICLIOS
60
4 TIPO DE CONSTRUO
61
5 ABASTECIMENTO DGUA
61
6 TRATAMENTO DE GUA
62
7 TIPO DE ILUMINAO
62
8 ESCOAMENTO SANITRIO 63
9 DESTINO DO LIXO 63
10 FAIXAS ETRIAS 64
11 ESCOLARIDADE 64
12 RENDA PER CAPITA 65
13 ESTADO CIVIL DAS TITULARES DO BENEFCIO 65
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1 INTRODUO
No decorrer de minha experincia profissional, trabalhando como tcnica
(Psicloga) do CRAS desde 2004, primeiramente em Redeno e em seguida no
Municpio de Ocara, pude vivenciar a implantao e desenvolvimento do Programa
Bolsa Famlia, tendo a oportunidade de observar suas dificuldades, avaliar as
crticas dirigidas ao Programa, bem como acompanhar a sua relao com o
cotidiano das famlias beneficiadas.
Alm do trabalho desenvolvido junto aos grupos familiares, tenho a
oportunidade de realizar aes em parceria com profissionais de vrios ramos,
dentre eles o da sade e da educao, da esfera governamental e no-
governamental. Muitos desses profissionais dirigem vrias criticas ao Programa
Bolsa Famlia, sendo a principal delas a de que induz as famlias ao comodismo,
pois estas, quando contam com o beneficio, no buscam outras formas de
incrementar a sua renda, tornando-se, por vezes, dependentes do referido Projeto.
Desta forma, a ideia de desenvolvimento deste trabalho teve incio com uma
sugesto do professor Dr. Andrea Caprara, o qual, tendo conhecimento do trabalho
que atualmente realizo no CRAS com as famlias beneficiadas pelo Bolsa Famlia,
instigou a pesquisa acerca do programa e das suas mudanas na realidade destes
ncleos familiares.
Naquela ocasio, acabara de ser publicado um artigo de Marmot, na revista
Lancet, direcionado anlise do Programa Bolsa Famlia e da sua relao com a
desigualdade social, o que auxiliou no desenvolvimento do tema, cuja abordagem
engloba a desigualdade social, a realidade da sade pblica no Brasil e a
contribuio desse projeto do Governo Federal para a modificao desse quadro,
nas vidas das famlias beneficiadas.
Neste sentido, algumas consideraes se fazem importantes para se
observar o contexto no qual se insere este relatrio de pesquisa. Compreender os
determinantes que contribuem para ampliar as desigualdades sociais nos remete
discusso acerca do contexto social, poltico e econmico em que estamos
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15
inseridos, cujas relaes humanas em todo o mundo so marcadas por estas
desigualdades e suas influncias na sade das populaes (MARMOT, 2007).
H uma crise no modelo econmico ocidental, que se mostra incapaz de
eliminar a pobreza, uma vez que a de distribuio de renda neste sistema no se
perfaz de modo equitativo (RICOEUR, 1994). A maioria das famlias pobres ocupa
moradias precrias, instalando-se em complexos urbanos denominados favelas,
nas quais a ocupao feita de forma desordenada.
Aquelas que permanecem no campo, como os sujeitos da pesquisa que
embasaram este trabalho, vivem ainda em habitaes igualmente precrias, sem a
prestao de servios essenciais como saneamento bsico, distribuio de gua
potvel e coleta regular de lixo, que possibilitam a propagao de doenas
(SOARES, 2006).
Consoante Marmot (2007), a expectativa de vida decai de acordo com o
nvel de renda da populao, pois maior disposio de capital possibilita um mais
cuidado com a sade. Conforme apresenta em sua pesquisa, a qual compara a
expectativa de vida de crianas da frica, do sul da sia e da Europa, o autor
conclui que nos pases mais pobres essa expectativa, alm de ser mais baixa,
praticamente no aumentou, no perodo estudado (1970 a 2000), em comparao
com os pases mais ricos. Por outro lado, a sade causa repercusso em outros
indicadores sociais, como educao, profissionalizao e desenvolvimento tcnico-
cientfico.
O estudo de Marmot ainda mais importante em relao realidade
brasileira. Nesse artigo, o autor expe que o Programa Bolsa Famlia conseguiu
reduzir o ndice Gini1 para 21% (MARMOT, 2007).
Diferentes so os estudos que, em anos recentes, abordaram o tema da
desigualdade social e sade. A ttulo exemplificativo citamos-se os artigos de:
1 Gini: coeficiente de medida de desigualdade desenvolvida pelo estatstico italiano Conrado Gini em 1912. comumente
utilizado para calcular a desigualdade de distribuio de renda, mas pode ser usado para qualquer distribuio. (HTTP://pt..wikipedia.org/wiki/coeficiente-de-gini)
http://pt..wikipedia.org/wiki/coeficiente
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16
Magalhes et al (2007) e Ribeiro (2007). Nesses textos, abordada a temtica da
pobreza e seus impactos na sade em diferentes grupos sociais, ressaltando os
autores as dificuldades de acesso sade de maneira igualitria, em razo das
especificidades de processos macro e microssociais.
Segundo Vaitsman (1992), as desigualdades sociais resultam de
microrrelaes de poder no contexto da famlia e de outras instituies (escolas,
servios de sade etc). A diversidade presente nas dimenses coletiva
(sociocultural) e individual (gentica, psquica e subjetiva) complementa o quadro da
desigualdade, que se reflete na estratificao social.
O conceito de desigualdade referencia a relao entre
desenvolvimento e justia social, estando relacionado com a distribuio de renda,
educao, moradia, servios (servios de sade, abastecimento de gua e
saneamento ambiental), acesso ao emprego, a bens de consumo, terra, bem
como ao poder de deciso e de influncia social.
A realidade brasileira, na atualidade, apresenta, em seu contexto socio-
econmico, profundas desigualdades sociais. Existem famlias, tanto na zona rural
quanto na rea urbana, que sofrem com os reflexos dessa disparidade, os quais so
observados na falta de acesso a direitos bsicos, como sade e alimentao, bem
como na ausncia de capacitao profissional, decorrente do no-investimento em
capital humano. Essa dificuldade no acesso s polticas sociais traz inmeras
conseqncias, dentre as quais se destacam o analfabetismo, o desemprego e a
precariedade na sade (MARMOT, 2007).
Ao discutir o contexto da vulnerabilidade social no Brasil, deve-se
ressaltar o conceito de pobreza e excluso social, o qual no se limita apenas s
privaes materiais, ao carter econmico, mas tambm se refere s privaes de
ordem cultural e poltica pelas quais passam milhes de pessoas, desprovidas de
conhecimentos elementares para o exerccio da cidadania. O conceito de excluso
social dinmico, totalmente associado ao de pobreza. Consoante Sawaia (2004: p.
20), a excluso no se trata de um processo individual, embora atinja pessoas, mas
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17
de uma lgica que est presente nas vrias formas de relaes econmicas, sociais,
culturais e polticas da sociedade brasileira.
As categorias pobreza e excluso social so discutidas durante todo o
fenmeno poltico e histrico do Brasil, permeando o debate e direcionamento das
polticas pblicas no Pas. Almeida (2003) discute variados conceitos de pobreza,
entre os quais se inclui o de pobreza nutricional, que aquela em que os
indivduos ou famlias no possuem renda suficiente para adquirir uma cesta
bsica. Essa condio de misria repercute na capacidade de aprendizado das
crianas, reduz a produtividade de adultos e torna as pessoas suscetveis a doenas
e morte prematuras.
Em razo do que se apresenta, o Estado chamado a intervir por meio
de polticas sociais, que refletem historicamente a relao constituda entre os
variados agentes sociais. O sculo XX trouxe a marca da expanso das polticas
sociais em sistemas de proteo social, refletindo os avanos no conceito de
cidadania, o chamado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), que garante
aes mais amplas de melhoria das condies de habitao, sade, educao e
bem-estar geral (MAGALHES, 2001).
A Constituio de 1988 concebe a seguridade social como um conjunto
que integra a sade, a assistncia social e a previdncia, introduzindo a noo de
direitos sociais universais como direito de cidadania, o denominado trip da
seguridade social. De acordo com Fleury (2003, p. 57), a poltica social no Brasil
passou a apresentar um novo padro constitucional que se caracteriza pela
universalidade na cobertura, o reconhecimento dos direitos sociais, a afirmao do
dever do estado, a subordinao das prticas privadas regulamentao em funo
da relevncia pblica das aes e servios nessas reas.
As polticas sociais brasileiras se tornaram tambm mais democrticas,
possuindo uma perspectiva publicista de co-gesto entre governo e sociedade e um
arranjo organizacional descentralizado. (FLEURY, 2003, p. 57).
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18
Embora a Constituio de 1988 tenha apontado vrias inovaes, uma
das que destacamos o mrito de indicar uma direo para a rea da assistncia
social, no mbito da seguridade social no Brasil. Nem todas estas inovaes,no
entanto, foram implementadas, pois necessitavam de uma legislao complementar,
a qual no restou aperfeioada.
A Constituio Federal de 1988 instituiu a seguridade social como direito
de todo cidado, sendo a sade e a assistncia social polticas de carter no
contributivo. Em 1991, entrou na agenda pblica brasileira o debate sobre
programas de transferncia de renda (SILVA, 2007), entretanto, somente em 1993 a
Lei Orgnica da Assistncia Social LOAS (BRASIL, 1993) veio regulamentar a
assistncia social como um direito do cidado e um dever do Estado.
No obstante essa regulamentao, foi somente em 2003, com o
governo Lula, que novas aes de polticas sociais foram criadas, pois, com base
nas polticas de ajustamento iniciadas nesse perodo, a assistncia social foi tendo
critrios cada vez mais severos para a incluso de indivduos em seus programas e
projetos, privilegiando apenas os considerados miserveis, ou seja, a populao
que ento vivia abaixo da linha de pobreza, definida pela ONU (MARTINS, 2002).
Sobre as novas aes de polticas sociais, destaca-se a realizao da IV
Conferncia Nacional de Assistncia Social, da qual saram diversas deliberaes
no sentido de dar concretude s diretrizes da Lei Orgnica da Assistncia Social
LOAS de 1993, que preconiza as garantias de cidadania, cabendo ao Estado a
universalizao da cobertura, a garantia de direitos e acesso para servios,
programas e projetos sob sua responsabilidade (BRASIL, 2004).
Nesse sentido, foi criado o Programa Fome Zero, que articula um
conjunto de aes governamentais e no governamentais, em todas as esferas de
governo, buscando a emancipao cidad, a fim de que todos possam viver do fruto
do prprio trabalho, bem como garante a dignidade da pessoa humana, fundamento
do Estado Democrtico de Direito brasileiro. O direito a uma alimentao adequada,
a promoo da segurana alimentar e nutricional e a contributo para a erradicao
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19
da extrema pobreza e para a conquista da cidadania, pela parcela da populao
mais vulnervel fome, so os objetivos primordiais do Programa (BRASIL, 2006).
Frei Beto, um dos lderes do Programa Fome Zero, assessor especial da
Presidncia e coordenador de mobilizao social para o Fome Zero faz uma crtica
ao Governo Lula, que teria substitudo um programa com um perfil emancipatrio,
formatado pela sua prpria equipe, e tido como prioritrio, pelo Bolsa Famlia, que
tem um carter mais assistencialista (UOL, 2008).
Um dos principais elementos do Fome Zero o Bolsa Famlia, um
programa de transferncia direta de renda, que beneficia famlias em situao de
pobreza, com o cumprimento de condicionalidades da sade e da educao. Para
acompanhar o do cumprimento dessas condicionalidades, foi criado o PAIF -
Programa de Ateno Integral s Famlias, desenvolvido pelo Centro de Referncia
da Assistncia Social CRAS.
O PAIF consiste numa unidade pblica estatal responsvel pela oferta de
servios continuados de proteo social bsica de assistncia social s famlias,
grupos e indivduos em situao de vulnerabilidade social. (BRASIL, 2006, p. 13). O
CRAS realiza o acompanhamento dos beneficirios, contribuindo para torn-los mais
autnomos para que deixem de depender dos programas de transferncia de renda.
Ocara, onde foi realizada a pesquisa, se localiza no semi rido brasileiro
onde bastante notria a relao entre os problemas de sade, a situao de
pobreza da populao, a escassez de alimentos e as precrias condies infra
estruturais, em especial no que diz respeito ao saneamento bsico sobre o que
no se pode deixar de ressaltar o acesso a recursos hdricos. Somam-se a baixa
escolaridade da populao, que tambm uma realidade no panorama social, e
indicadores que se refletem no IDH do municpio, com ndice de 0,594 de acordo
com a PNUD (2000), situando Ocara entre os 30 municpios mais pobres do estado
do Cear (IPECE, 2004).
Hoje, em Ocara, existem dois CRAS (nos Distritos Sede e Serragem) que
referenciam, respectivamente, cinco mil e trs mil e quinhentas famlias por ano
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beneficiadas com o Programa Bolsa Famlia. Uma das principais aes do CRAS se
refere promoo de grupos ou oficinas de convivncia e de trabalho scio
educativo para famlias, promovendo aes de capacitao e insero produtiva.
Neste contexto apresentado sobre as desigualdades sociais, o Programa
Bolsa Famlia e suas repercusses, e considerando a minha presena no Municpio
na qualidade de profissional da assistncia social, o qual apresenta vrias
dificuldades nas reas de sade, educao e na situao de pobreza das famlias,
(ou seja, problemas comuns aos municpios do semi rido), foi possvel realizar uma
investigao e analisar a situao das famlias ali beneficiadas pelo programa em
foco e as repercusses deste na realidade local.
Assim, este trabalho teve por objetivo principal analisar as mudanas
ocorridas na sade das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia. Para
chegar a este objetivo, buscamos, em primeiro lugar, caracterizar o perfil socio
econmico dos ncleos familiares inseridos no BF de Ocara.
Em seguida, foi realizada a descrio das condies de vida dos ncleos
familiares antes de serem beneficiados pelo Programa Bolsa Famlia e, por fim,
delinearam-se as mudanas ocorridas sob os aspectos da vida cotidiana,
principalmente o trabalho, a sade e a alimentao.
Consideramos relevante esta investigao, pois mostra como as famlias
beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia compreendem o beneficio. Na viso dos
sujeitos da pesquisa, possvel fazer uma anlise do Programa e sugerir melhorias,
principalmente nas reas social e da sade. Com isso nossa expectativa de que
contribua para uma melhor gesto do Programa, a fim de se poder indicar sugestes
sobre a gesto do Projeto, tanto sob o prisma local como federal, e assim cada vez
mais efetivar os direitos reais de cidadania da nossa populao.
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21
2 FUNDAMENTAO TERICA
2.1 Desigualdade social e sade
... quando um indivduo fere mortalmente algum, o seu ato chamado de assassinato; mas quando a sociedade coloca centenas de pessoas em tal situao que por no poderem sobreviver adequadamente, morrem prematuramente e ainda permite que estas condies assim permanea, isto tambm assassinato. Entretanto ningum pode ver o assassino porque a morte parece natural. (Engels, apud Prata,1992).
Torna-se cada vez mais urgente e tambm relevante a necessidade de
entender e agir, no sentido de minimizar os efeitos que a concentrao de renda e
seus reflexos, numa crescente e instalada desigualdade social, produzem na
sociedade.
Embora presenciemos um imenso potencial de capacidades produtivas,
contraditoriamente, estas no esto disponveis para transformar e melhorar as
condies de vida de grande parte da populao. Consoante mostra Kliksberg
(2002), de acordo com os dados do Banco Mundial, 1,3 bilho de habitantes
recebem renda inferior a um dlar por dia, estando, assim, em situao de pobreza
aguda. Dois quintos da populao mundial no dispem de servios sanitrios
adequados e nem de eletricidade.
Ainda analisando o contexto mundial, revelado na desigualdade social e
de acordo com o relatrio do PNUD/IPEA (1996), verifica-se um aumento acentuado
do nmero de pobres. Oitocentos milhes de pessoas no recebem alimentao
suficiente, cerca de quinhentos milhes esto em um estado crnico de desnutrio
e dezessete milhes morrem por ano por causa de infeces e doenas parasitrias
curveis, como diarreia, malria e tuberculose.
Todas as carncias mencionadas vo se configurando num crculo
perverso de pobreza, como destaca Kliksberg, que chama a ateno para a
gravidade do problema da desigualdade: o administrador do PNUD, Gustave Speth,
assinalou, na Cpula Mundial de Copenhague, que enfrent-lo nas prximas
dcadas algo crucial e inadivel (KLIKSBERG, 2002 p.17).
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22
Percebe-se, nos relatrios de organizaes internacionais, como o Banco
Mundial, a ONU, a UNICEF e outros, que a situao dos pobres e da desigualdade
social no est melhorando, destacando-se, ainda,o fato de que esta se acentua de
maneira mais elevada na Amrica Latina e na frica.
No contexto de persistncia e agravamento dos problemas sociais, h
uma exigncia generalizada de se buscar estratgias para a soluo efetiva da
desigualdade social. No obstante a necessidade de desenvolvimento econmico
ser uma condio necessria para reduzir a pobreza e a desigualdade social, esta
no constitui condio suficiente, porquanto necessrio observar a estrutura e a
qualidade deste crescimento (KLIKSBERG, 2002).
Para Vaitsman (1992), a estratificao social pode ser, portanto,
identificada por outras dimenses alm da classe social propriamente dita: pelas
desigualdades resultantes do acesso diferenciado a recursos socioeconmicos,
educacionais e ao poder poltico; pelas diferenas tnicas, religiosas e de
sexualidade; pela exposio desigual a fatores ambientais e geogrficos.
Ainda, segundo o autor, as desigualdades sociais resultam de
microrrelaes de poder ao nvel da famlia e instituies (escolas, servios de
sade etc), e a diversidade presente nas dimenses coletiva (sociocultural) e
individual (gentica, psquica e subjetiva) complementa o quadro da desigualdade,
que se reflete na estratificao social.
Conforme exprime Prata (1992), o desenvolvimento marcado por
desigualdades histricas ao longo do tempo entre naes, regies dentro de um
mesmo pas e entre grupos populacionais. Esta histria tambm um fenmeno
durante o qual indivduos, comunidades e grupos sociais interagem coletivamente
com o objetivo de melhorar as suas condies de vida, procurando
consequentemente, sobrepor-se injustia e s disparidades, encontrando as
prprias estratgias de sobrevivncia.
Para Kliksberg (2002, p. 23), amplas linhas de pesquisa e discussoe
aproveitam ao redor de uma reanlise em profundidade dos impactos sobre o
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23
desenvolvimento de formas de acumulao de capital, at agora no avaliadas
adequadamente.
Esta nova anlise considera que juntamente com os capitais tradicionais
o capital natural e o capital constitudo- h de se considerar outras duas
modalidades de capital: o capital humano e o capital social. O primeiro refere-se
qualidade dos recursos humanos, e o segundo, alude a elementos qualitativos,
como valores partilhados, cultura, capacidades para agir sinergicamente e produzir
redes e acordos voltados para o interior da sociedade (KLIKSBERG, 2002).
Segundo esse autor, analisando as causas do crescimento econmico
atravs de estudos do Banco Mundial sobre 192 pases, concluiu-se que no menos
de 64% do crescimento podem ser atribudos ao capital humano e ao capital social.
Considerando esta avaliao, formar capital humano corresponde ao
investimento sistematico e contnuo em educao, sade e nutrio entre outras
reas.
Investimentos combinados de educao e sade tm potenciais muito
elevados. A Organizao Mundial da Sade, a Organizao Pan-Americana de
Sade e o UNICEF tm estimulam investimentos em reas com elevada taxa de
mortalidade, obtendo em pouco tempo e com investimentos mnimos impactos muito
relevantes. Segundo Kliksberg, ao melhorar a educao podemos perceber
significativas mudanas:
acrescendo trs anos a mais de escolaridade bsica, segundo dados do Banco Mundial, haveria uma reduo de cerca de 15 por mil na mortalidade infantil. Estes anos significariam o incremento de seu capital educativo e isso lhes permitiria saber lidar melhor com problemas como gravidez na adolescncia, planejamento familiar, pr-natal, cuidado com recm-nascido e gesto nutricional ,( 2002, p. 27).
A sade tem na sua dimenso individual e coletiva (distribuda no espao
e no tempo) relao com fatores socioeconmicos, culturais, ambientais e histricos,
o que submete grupos populacionais, de maneira desigual, a fatores protetores e de
risco, tornando-os determinantes de sade e doena.
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24
O Brasil apresenta reconhecidamente um dos nveis mais elevados de
concentrao de renda no mundo. Adotando-se como medida de desigualdade a
razo entre a renda mdia dos 10% mais ricos em relao dos 40% mais pobres,
para grande parte dos pases, este indicador tem valores inferiores a 10, enquanto,
no Brasil, este parmetro situa-se no patamar de 30 (FGV, 2006).
Tomando-se como referencial a razo entre a renda mdia familiar per
capita entre os dois ltimos nveis da distribuio de renda, este ndice menor do
que 1,5 nos Estados Unidos, Japo e Hungria, situa-se em torno de 2,3 no Mxico e
na Argentina enquanto no Brasil ultrapassa o valor de 3,0 (PNUD/IPEA, 1996).
O modo de vida das pessoas e as condies em que elas vivem e
trabalham influenciam consideravelmente a sua sade e a sua longevidade. Os
cuidados mdicos podem prolongar a vida depois de se ter sofrido algumas doenas
graves, mas as condies econmicas e sociais, que afetam o estado de sade das
pessoas, so mais importantes em termos de benefcio para a sade das
populaes.
A maior parte das doenas e das causas de morte mais frequente,
quanto mais baixa for a hierarquia social. Na sade, o fosso social reflete a
desvantagem material e os efeitos da insegurana, ansiedade e falta de integrao
social (Frum Juntos pela Sade). De acordo com o texto citado no Frum, essa
desvantagem tem muitas formas e pode incluir a escassez de bens da famlia, a
deficincia da educao na fase da adolescncia, a falta de perspectiva de
crescimento profissional, ms condies de trabalho, ms circunstcias de habitao
e dificuldades no sustento da famlia.
Estudos evidenciam, tambm, que os socialmente menos privilegiados
tendem a adoecer mais precocemente. Por exemplo, algumas doenas crnico-
degenerativas tendem a se desenvolver nos grupos socialmente menos privilegiados
at trinta anos antes de seu surgimento nos indivduos dos grupos no topo da
pirmide social (HOUSE, 1990).
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25
As pesquisas e relatrios apontam que existe intensa correlao entre
indicadores sanitrios e renda per capita; isto , o aumento da renda per capita
tende a ser acompanhado de melhoria dos indicadores sanitrios. O efeito da renda
per capita na sade,entretanto, tende a diminuir medida que a renda ultrapassa
determinado valor, pois o crescimento da renda tem maior impacto na sade de
populaes mais pobres, j que possibilita a aquisio dos bens bsicos, como
comida e moradia. O patamar educacional e, no caso de crianas, o grau de
instruo da me so, tambm, fatores reconhecidamente associados sade
(TRAVASSOS et al, 1995).
Evans (1994) sugere algumas questes instigantes. Com base em
estudos prvios, aponta que incorreta a interpretao mais corriqueira de atribuir-
se correlao entre condies sociais e sade a existncia de indivduos em
situao de pobreza, privados das condies materiais bsicas necessrias boa
sade. Sem desconsiderar a noo de que pobreza est associada a precrias
condies de sade, chama ateno para o fato de que a associao entre
condies sociais e sade mantm-se para todo o espectro das desigualdades
sociais.
A autora chama ateno para a ideia de que as desigualdades em sade
refletem nas desigualdades sociais, principalmente em funo da relativa
efetividade das aes de sade. A igualdade no uso de servios de sade
condio importante para diminuir as disparidades entre os grupos sociais.
Entre os fatores explicativos da associao entre concentrao de renda
e situao de sade, sobressai a falta de investimento em polticas sociais (KAPLAN
apud SZACALD ET alii, 1999). Partindo com arrimo neste entendimento, possvel
dizer que as sociedades com grande nvel de concentrao de renda so as que
menos investem em programas sociais. Isto tem reflexos na sade e na educao
pblicas, alm de outras reas de interesse social, como habitao e capacitao
profissional. Neste contexto, para Travassos et al (1995), as condies de sade
refletem as desigualdades de acesso aos servios coletivos necessrios ao bem-
estar social.
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O uso de servios de sade pode impactar positivamente o bem-estar das
populaes, prevenindo a ocorrncia e mesmo erradicando algumas doenas (por
exemplo, doenas imunoprevenveis). Alm disso, tal fato reduz a mortalidade por
causas especficas e aumenta as taxas de sobrevivncia (por exemplo, tratamentos
para alguns tipos de cncer). No mais, os servios de sade devem desempenhar
um papel relevante no aumento do conforto e na diminuio do sofrimento, em
particular da dor, entre os pacientes (BROOK, 1991).
Uma vertente explicativa complementar entende que a desigualdade de
renda tem efeitos sobre a qualidade de vida, aumentando a frustrao, o estresse e
fomentando rupturas sociais e familiares, o que implica deteriorao adicional das
condies de sade, por meio da dinmica auto e hetero destrutiva de fenmenos
sociais complexos em interao permanente com o quadro especfico da sade,
como o crescimento das taxas de criminalidade e do abuso do lcool e de drogas
ilcitas, e a disseminao do HIV e outras doenas de transmisso sexual
(WALLACE et al., 1996).
Na medida em que, nas sociedades a sade vista como um direito
fundamental, somos obrigados a reconhecer que cabe ao Estado, com vistas a
resguardar o bem coletivo, dispor aos cidados servios de qualidade.
importante nesta anlise compreender de que forma as desigualdades
sociais e de renda so expressas, no contexto aqui j apontado, como fatores
determinantes e condicionantes que incidem sobre a sade pblica no Brasil e de
que forma o governo assume a responsabilidade de minimizar estes efeitos, seja da
desigualdade social, seja das condies de acesso aos servios de educao e
sade.
Alm da viso de que a desigualdade social expressa pela diferena de
renda, o programa Bolsa Famlia engloba a ideia de que a desigualdade social no
Brasil tambm se expressa pela desconformidade na situao educacional e de
sade, em relao a pobres e ricos.
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No que tange sade, algumas mudanas de paradigmas e de atuao
do Poder Pblico tambm se fizeram de suma importncia, a fim de suavizar estas
disparidades no campo sociolgico e que so sentidas pelos pases em
desenvolvimento, como o Brasil.
Inicialmente, cabe considerar que o conceito de sade apresentava uma
perspectiva individualista e de cunho estritamente biolgico, tendo evoludo para
uma viso mais ampla e afeioada com o social, de modo que o indivduo visto
como inserido em um grupo e contextualizado no seu meio. Significa isto dizer,
anteriormente, a sade era to- s compreendida sob o enfoque do tratamento da
doena que acometia o indivduo, ou seja, considerando apenas a assistncia
mdico-hospitalar, olvidando-se, assim, da anlise de fatores outros, como o meio
que o circunda, o contexto scio ideolgico no qual est inserido e tantas outras
variveis que contribuem para a adoo de polticas preventivas e educativas, as
quais resguardam no s o indivduo, em si, mas a coletividade, segundo
consideraes de Terris (1992).
Nesse sentido, foi de substancial importncia a remodelao do conceito
de sade pblica proposta por Terris (1992): a arte e a cincia de prevenir a doena
e a incapacidade, prolongar a vida e promover a sade fsica e mental mediante os
esforos organizados da comunidade . Assim, Terris (1992) prope quatro tarefas
bsicas para a teoria e prtica de uma Nova Sade Pblica: preveno das
doenas no infecciosas, promoo da sade, melhoria da ateno mdica e da
reabilitao.
A sade passa a estar ligada no s mazela que acomete o indivduo,
mas ao seu bem-estar dentro da comunidade, valendo-se mais de uma poltica de
preveno e busca da higidez fsica e mental do que de uma poltica de represso.
Saliente-se que se faz necessrio um acompanhamento paulatino da comunidade,
com vistas a observar os diversos fatores incisivos na efetivao da sade pblica.
Segundo esse mesmo autor, para se ter sade, necessrio um padro
de vida aceitvel, no qual esto includas condies apropriadas de trabalho,
educao, atividades culturais e recreao. Resta claro, portanto,a interao da boa
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sade com os demais fatores sociais, como o nvel de renda, a educao e o
trabalho.
Nesse contexto de conduo a um slido conceito de sade pblica,
estabelecida como um direito fundamental de cunho coletivo, comeam a se
consolidar as conferncias internacionais, voltadas ateno bsica sade, como
se pode observar na Carta de Ottawa de (1986).
A Organizao Mundial de Sade (OMS), com o objetivo de empreender
polticas de Promoo da Sade, publicou a denominada Declarao de Alma-Ata, a
qual foi resultado de uma assembleia realizada na capital do Cazaquisto. Nessa
Declarao, aprofundou-se a necessidade de se valorizar a sade pblica ou
coletiva, que tambm se consubstanciou em instrumento contnuo para o
desenvolvimento econmico e social, melhorando a qualidade de vida das pessoas.
Seguindo o posicionamento do que predispunham as conferncias
internacionais, a Constituio Brasileira de 1988 restou por efetivar a sade como
um direito fundamental, nos moldes encontrados no art. 6 da Carta Magna, bem
como estabeleceu o Sistema nico de Sade, o qual intenta se orientar por essa
necessidade de uma sade pblica, no s afeta ao aspecto individual e biolgico
(ANDRADE, 2001).
Vale salientar, ainda, a estruturao do chamado Programa de Sade da
Famlia, o qual tem por objetivo acompanhar a situao de inmeros grupos
familiares, nos mais variados municpios, implementando uma gesto preventiva e
orientada pela busca do bem-estar populacional, uma vez que composta por uma
equipe multidisciplinar (BRASIL,1997).
Desta forma, essas atuaes voltadas a uma busca pela efetivao da
sade pblica, aliadas a programas de transferncia de renda, so imprescindveis
para maior harmonizao do quadro social destoante do que encontramos no Brasil.
Este posicionamento ser ponto da discusso do tpico seguinte, que aborda ainda
o contexto e as configuraes dos programas de transferncia de renda mnima, que
ganham expresso com o advento da Constituio Federal de 1988 e se
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concretizaram amplamente em 2003, no governo Lula, principalmente por via do
Programa Fome Zero.
2.2. As novas configuraes dos programas de transferncia de renda: O Fome
Zero e o Bolsa Famlia
A transferncia de renda como direito do cidado institui-se com a
Constituio Federal de 1988, quando trouxe nova concepo para a assistncia
social brasileira, incluindo-a no mbito da seguridade social e regulamentada pela
Lei Orgnica da Assistncia Social LOAS em dezembro de 1993. Dessa forma, a
assistncia social passou para o campo dos direitos, da universalizao dos acessos
e da responsabilidade estatal (BRASIL, 2004).
De acordo com o artigo primeiro da LOAS,
(...)a assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Poltica de Seguridade Social no contributiva, que prev os mnimos sociais, realizada atravs de um conjunto integrado de iniciativa pblica e da sociedade, para garantir o atendimento s necessidades bsicas. (LOAS lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993).
Inserida no campo da seguridade social, a assistncia social ganhou nova
configurao que perpassa agora o campo da proteo social, ou seja, ao articular-
se a outras polticas sociais, est apontada para a garantia dos direitos, de proteo
e de condies dignas de vida (DI GIOVANNI1998 apud PNAS, 2004, p. 31).
Entendem-se por proteo social as formas:
(...)institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doena, o infortnio, as privaes (...) Neste conceito, tambm, tanto as formas seletivas de distribuio e redistribuio de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitiro a sobrevivncia e a integrao, sob vrias formas na vida social. Ainda, os princpios reguladores e as normas que, com intuito de proteo, fazem parte da vida das coletividades.
Partindo desse entendimento, a assistncia social, na qualidade de
poltica de proteo e espao de ampliao do exerccio do seu protagonismo,
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configura-se como possibilidade de reconhecimento da legitimidade das demandas
de seus usurios.
De acordo com a PNAS - Poltica Nacional de Assistncia Social (2004), a
proteo social deve garantir as seguintes seguranas: de sobrevivncia (de
rendimento e autonomia), de acolhida e de convvio ou vivncia familiar (BRASIL,
2004).
na segurana de sobrevivncia, de rendimento, que o programa de
transferncia de renda se apoia como garantia de direitos. A segurana de
rendimento, direito socio assistencial, a garantia de que todos tenham uma forma
monetria de assegurar sua sobrevivncia, independentemente de suas limitaes
para o trabalho ou do desemprego, ou seja, devem ser assistidas todas aquelas
pessoas e famlias em situao de vulnerabilidade social (BRASIL, 2004).
nesse contexto, ps- Constituio Federal de 1988, que emergem, com
maior intensidade, os movimentos sociais, de modo que h uma rearticulao
poltica da sociedade brasileira. A populao tem em mente a busca pela unificao
e ampliao da participao poltica das classes populares e pela efetivao dos
direitos sociais j regulamentados na Constituio Federal, fato este que d ensejo
s primeiras discusses sobre os programas de transferncia de renda.
Assim, surgiu, em meados de 1991, o Projeto de Lei n. 80/1991, de
autoria do senador Eduardo Suplicy, propondo a Garantia de Renda Mnima
(PGMR). O projeto previa uma complementao de renda dos indivduos de mais de
vinte e cinco anos que recebessem abaixo do teto legalmente estabelecido.
Tal ideal se inseriu na consolidao histrica das novas configuraes
que assumem os programas de transferncia de renda no Brasil, sendo ainda um
marco da instaurao de um debate que se amplia nos anos subsequentes
(SUPLICY, 2002; SILVA, 2004).
No obstante, quando se iniciaram os debates acerca dos programas de
transferncia de renda, no ano de 1991, a conjuntura poltica no se mostrava
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favorvel implantao de qualquer ao voltada para o enfrentamento da pobreza.
S ento, em 1992, com a instituio do movimento tica na poltica, que culminou
com o impedimento do presidente Fernando Collor de Melo, foi posta em pauta a
temtica da fome e da pobreza (SILVA, et al ,2004).
Ainda na dcada de 1990, introduzida nos programas de transferncia
de renda a ideia de articulao de um projeto que aliasse educao assistncia
social, por via de concesso de uma bolsa mensal s famlias que mantivessem
seus filhos de sete a quatorze anos regularmente matriculados em instituies
pblicas de ensino.
Percebe-se, desta forma, que as discusses j apontavam para a
argumentao da deficincia da formao educacional, como fator limitante para a
elevao da renda de futuras geraes.
Algumas experincias, seguindo esta concepo, foram iniciadas em
1995, em prefeituras municipais como Campinas, Ribeiro Preto e Santos,alm de
Braslia-DF, e em outros vrios municpios e estados da Federao, influenciando,
assim, a formulao de programas nacionais (LINHARES, 2005)
O elemento que qualificou o penltimo ano do governo Fernando
Henrique Cardoso, ano de 2001 foi a expanso e criao dos programas de
iniciativa do Governo Federal, com destaque para o Bolsa Escola e o Bolsa
Alimentao, os quais foram implementados de forma descentralizada, no contexto
municipal, alcanando a maioria dos municpios brasileiros (LINHARES, 2005)
Essa articulao de programas foi denominada de grande rede nacional
de proteo social, composta por 12 deles, que tm como ponto central, a
transferncia de renda para os beneficirios, os quais so definidos com base em
uma linha de pobreza (LINHARES, 2005).
O ano de 2003, primeiro ano do governo do presidente Luis Incio Lula da
Silva, apontou para mudanas significativas no plano das polticas de transferncia
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de renda de abrangncia nacional. Nesse sentido, a prioridade foi o enfrentamento
da fome e da pobreza no Pas, nos termos do que exps o Presidente:
Meu primeiro ano de mandato ter o selo do combate fome. Um apelo solidariedade para com os brasileiros que no tm o que comer. Para tanto, anuncio a criao de uma Secretaria de Emergncia Social, com verbas e poderes para iniciar, j em janeiro, o combate ao flagelo da fome. Estou seguro de que esse , hoje, o clamor mais forte do conjunto da sociedade. Se ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar trs vezes ao dia, terei realizado a misso de minha vida. (O GLOBO, 07/10/2003).
Foi, portanto, com este objetivo de combate fome, que o governo
federal trouxe a pblico o Programa Fome Zero, que se tornou uma referncia
mundial no combate fome. Este programa foi traado para ser abrangente,
coordenando medidas estruturais, especficas e locais.
O Programa Fome Zero configura-se como um conjunto de aes
implantadas gradativamente pelo Governo Federal, que tem por principal objetivo
promover aes para garantir segurana alimentar e nutricional aos brasileiros. As
iniciativas envolvem todos os ministrios, as quatro esferas de governo
(federal,distrital, estadual e municipal) e a sociedade, atacando as causas estruturais
da pobreza, o que requer outro modelo de desenvolvimento, que crie condies para
a superao da misria (BRASIL, 2008).
Entretanto, Para Frei Beto (UOL, 2008),entretanto, o Programa Fome
Zero, que foi concebido no mbito de uma compreenso emancipatria, apresenta-
se reduzido em suas finalidades, j que o Bolsa Famlia tem um carter mais
assistencialista, mas aps a sua implantao passou a ser a principal poltica de
superao da pobreza no Brasil, tendo sido deixadas em segundo plano as outras
aes do Fome Zero, que incluem reformas de estrutura necessrias para respaldar
as medidas que considera assistencialistas, como a transferncia de renda, pois,
para o autor, no adianta distribuir renda sem ao mesmo tempo efetivar, por
exemplo, a distribuio de terra.
De qualquer maneira, as discusses apontam que o Programa Fome Zero
pelo menos evidenciou, sobremaneira, a temtica da pobreza, ao trazer para o
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debate pblico o problema da fome, envolvendo a mdia, a opinio pblica, os
especialistas de reas diversas, as universidades, as lideranas locais, os
governantes de estados e municpios e outros cidados do Pas.
O Programa Fome Zero enquadra a pobreza e a fome como questes
pblicas, que pem em foco as opes de futuro para o Pas e os desafios da
cidadania e da conquista democrtica nesta sociedade excludente e desigual
(TELLES, 1998, p. 3).
, portanto, a disputa poltica, de realizar ou no, um processo de
efetivao de direitos, ou de continuidade do assistencialismo que conceder novo
rumo poltica de transferncia de renda. Assim, segundo (Iamamoto, (1998, p.28),
(...)sendo desigualdade tambm rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opem. nesta tenso entre produo da desigualdade e produo da rebeldia e da resistncia que se movem interesses sociais distintos e que disputam os sentidos da sociedade.
Como acentua Valente (2003, p.23), referindo-se solidariedade de
grandes grupos empresariais (Po de Acar, Nestl e outros),
(...) a Segurana Alimentar da populao no pode ser garantida por meio da solidariedade (...) estas aes devem ser progressivamente assumidas pelo Estado e desenvolvidas dentro da tica de garantia de direitos e inseridas em um processo emancipatrio de construo da cidadania.
As polticas sociais pblicas, por si, mediante suas competncias e
objetivos, no conseguiriam reverter os nveis to elevados de desigualdades sociais
vivenciadas no Brasil, mas sabe-se tambm que as polticas sociais suprem
necessidades e direitos concretos de seus usurios. Constata-se,no entanto, que no
Brasil nunca foi adotada uma poltica global de enfrentamento pobreza, ao
contrrio, as polticas sociais brasileiras exibem-se isoladas e tmidas, incapazes
sequer de atenuar a enorme desigualdade que caracteriza a sociedade (YASBECK,
2002).
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Com intuito de combater a pobreza e, principalmente, a fome, o Fome
Zero o eixo condutor dos programas e aes sociais, pois essa poltica pblica se
baseia, como j apresentado, na combinao de atuaes emergenciais com
programas emancipatrios, para romper o crculo vicioso da fome, da misria e da
excluso social (BRASIL, 2006).
Como poltica especfica emergencial, foi criado o Carto Alimentao
(PCA-Programa Carto Alimentao), que definiu um benefcio de R$ 50,00 para
cada famlia com renda mensal per capita inferior a meio salrio mnimo. As pessoas
beneficirias tinham necessariamente que restringir seus gastos compra de
alimentos, de tal sorte que o Governo Federal exigia a emisso de recibos e notas
fiscais (BRASIL, 2006).
Conforme Yasbeck (2002),
(...)o corte do pblico beneficirio pela linha de pobreza parece ser um dos pontos mais vulnerveis do programa, por focar nos mais pobres entre os pobres, promovendo seu cadastramento discriminatrio e sua fragmentao. Esse corte, para definir os beneficirios, acaba por estabelecer uma 'discriminao' que pode surtir efeitos negativos. Segundo a autora tal parmetro de seleo pode excluir famlias e pessoas que tambm esto em condies de pobreza e vulnerabilidade.
Em 20 de outubro de 2003, o Programa Carto-Alimentao foi
substitudo pelo Programa Bolsa-Famlia, com o objetivo de unificar os programas
nacionais de transferncia de renda. Esse momento foi marcado tambm por uma
expanso do pblico atendido pelos programas, o que ocorreu em virtude da
ampliao dos recursos a eles destinados (BRASIL-PRESIDNCIA DA REPBLICA,
2003).
Nesse sentido, j podemos falar na instituio de uma Poltica Nacional
de Transferncia de Renda, que passou a se constituir o eixo central da proteo
social no Brasil. Dessa forma, o Programa Bolsa Famlia foi lanado tendo como
finalidade:
(...)a unificao dos procedimentos de gesto e execuo das aes de transferncia de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mnima vinculado Educao Bolsa Escola, do Programa Nacional de Acesso Alimentao PNAA do Programa Nacional de Renda Mnima vinculada sade Bolsa
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Alimentao, do Programa Auxlio-Gs e do Cadastramento nico do Governo Federal. (BRASIL-PRESIDNCIA DA REPBLICA MP, n 132, art. 1, pargrafo nico, 2003).
No Programa Bolsa Famlia, podemos identificar cinco objetivos bsicos
em relao aos seus beneficirios, quais sejam:
(...)promover o acesso rede de servios pblicos em especial, de sade, educao e assistncia social; combater a fome e promover a segurana alimentar e nutricional; estimular a emancipao sustentada das famlias que vivem em situao de pobreza e extrema pobreza; combater a pobreza e promover a intersetorialidade, a complementariedade e a sinergia das aes sociais do Poder Pblico. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, Decreto n 5.209 de 17 /09/2004, art 4).
De acordo com a concepo do Programa, o pblico beneficirio passa
do campo de abrangncia da pessoa, considerada singularmente, para a vinculao
do benefcio famlia, entendida como
unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivduos que com ela possuam laos de parentesco ou afinidade, que forme um grupo domstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantm pela contribuio de seus membros. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, Lei n 10.836, de 09/01/2004).
O Cadastro nico do Governo Federal o banco de dados no qual as
famlias so registradas. Aps o cadastramento, so selecionados os grupos
familiares enquadrados no perfil legal, com renda per capita de at 137 reais, que
tero ingresso no Programa Bolsa Famlia.
s famlias em situao de extrema pobreza, com renda per capita at
R$ 69,00, destina-se um benefcio fixo no valor de R$ 62,00, que pode ser
acrescido por at trs benefcios eventuais no valor de R$ 20,00, por filho de at 15
anos, e ainda por um benefcio jovem no valor de R$ 30,00 por at dois
adolescentes de 16 e 17 anos, totalizando o mximo de R$ 182,00 por famlia
(BRASIL, 2008).
O segundo grupo de famlias elegveis ao Programa Bolsa Famlia so as
famlias em situao de pobreza, com renda per capita entre R$ 69,01 e R$ 137, 00,
podendo receber at trs benefcios eventuais no valor de R$ 20,00, por filho de at
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15 anos, e ainda um benefcio jovem no valor de R$ 30,00 por at dois
adolescentes de 16 e 17 anos, totalizando o valor mensal de R$ 120,00 por famlia
(BRASIL, 2008).
Soares (2006) aludem existncia da varivel de renda per capita para
eleger ou retirar as famlias do acesso ao Programa Bolsa Famlia. Por esse critrio
de seleo, a renda per capita, pode ensejar incentivos dependncia, uma vez
que ao ter sua renda aumentada pela aquisio de trabalho de um de seus
membros, a famlia ser desligada do Programa, mesmo que este trabalho possa
ser temporrio. Para o autor, a famlia beneficiria deveria ter a segurana de que
iriam contar com este auxlio enquanto permanecerem vulnerveis, como forma de
serem incentivadas a superar definitivamente os determinantes da vulnerabilidade.
Por meio da unificao dos programas e benefcios, o Bolsa Famlia
viabiliza a ampliao de seu pblico-alvo, incluindo o atendimento a famlias sem
filhos, e outros grupos como quilombolas, indgenas e moradores de rua. Essa
unificao tambm possibilita incrementar a qualidade dos gastos
pblicos,assentada em uma gesto coordenada e integrada de forma intersetorial.
A implantao do Programa Bolsa-Famlia, no plano local, de
responsabilidade da Prefeitura Municipal, cabendo sociedade civil a tarefa de
controlar as polticas pblicas (YASBECK 2002).
Para execuo do Programa Bolsa Famlia, os municpios assumem uma
srie de responsabilidades e atribuies, que vo desde a identificao e
cadastramento das famlias, gesto de benefcios, gesto e acompanhamento das
condicionalidades e oferta de servios educacionais e de sade que iro viabilizar o
cumprimento das condicionalidades.
Condicionalidades o termo usado para identificar os compromissos que
a famlia assumem em relao ao Programa, para que receba o recurso financeiro,
quais sejam: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil para as
crianas de zero a sete anos, assistncia ao pr-natal e ao puerprio, vacinao,
frequncia mnima de 85% da carga horria escolar mensal, em estabelecimento de
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ensino regular, de crianas e adolescentes de seis a quinze anos, frequncia de
85% a aes scio educativas do Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
PETI (BRASIL,2006).
De acordo com o Decreto N 5.209, de 17 de setembro de 2004, as
famlias no podero ser apenadas com a suspenso ou cancelamento do benefcio
quando no puderem cumprir as condicionalidades por ausncia de oferta dos
servios previstos, por fora maior ou caso fortuito (BRASIL-PRESIDNCIA DA
REPBLICA, Decreto N 5.209 de 17/09/2004, art. 4).
O histrico dos programas nacionais de transferncia de renda demonstra
que estes sempre esto acompanhados da necessidade de uma contrapartida, por
parte dos seus beneficirios, o que no Programa Bolsa Famlia foi denominada de
condicionalidades, como j citado.
Para o Programa Bolsa Famlia, o cumprimento destas condicionalidades
se apresenta como uma forma que as famlias tm de acessar ou de garantir direitos
sociais que j lhes so assegurados. Dessa forma, o cumprimento das
condicionalidades representa o exerccio de direitos, para que as famlias possam
alcanar sua autonomia e sua incluso social sustentvel, as quais impulsionam a
melhoria da qualidade da educao e o acesso a servios de sade, rompendo um
ciclo intergeracional de pobreza a que a maioria das famlias est submetida
(BRASIL, 2008).
Em tese, o Programa Bolsa Famlia percebe a desigualdade social de
forma coerente com outros programas redistributivos de renda e os ataca
basicamente em trs linhas: a desigualdade de renda, de educao e de sade,
distribuindo renda e colocando a necessidade de que as famlias atendam a um
conjunto de condicionalidades na educao e na sade.
Com isso, o municpio assume a responsabilidade e o compromisso de
garantir o acesso aos servios e programas que efetivem a estas famlias o que lhe
solicitado como contrapartida, ou condicionalidade para o recebimento do
benefcio.
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Com efeito, necessrio que haja articulao intersetorial capaz de
articular e mobilizar os diversos segmentos envolvidos, responsveis pela oferta,
monitoramento a gesto de servios, dentre os quais podemos citar sade,
educao e assistncia social.
Os conselhos de controle social do Programa Bolsa Famlia so rgos
colegiados de carter permanente, com funes de acompanhar, avaliar e fiscalizar
a execuo da poltica de transferncia de renda e incluso social.
Sua composio deve ser ampla, de modo a assegurar s suas
deliberaes a mxima representatividade e legitimidade, devendo esses colegiados
ser constitudos por integrantes das reas da assistncia social, da sade, da
educao, da segurana alimentar e da criana e do adolescente, quando
existentes, sem prejuzo de outras reas que o municpio julgar conveniente. O
nmero de vagas para as entidades ou organizaes representantes da sociedade e
dos beneficirios deve abranger pelo menos a metade do total de participantes dos
conselhos.
De acordo com o decreto que regulamenta o Programa Bolsa Famlia, o
Conselho pode ser constitudo especificamente para o Programa ou suas funes
podem ser desempenhadas por outros conselhos formalmente institudos, desde
que atendidos os princpios de intersetorialidade e de composio paritria entre
Governo e Sociedade.
Como j mencionamos, no entanto, a sociedade civil, tambm
corresponsvel pela execuo e gesto destas condicionalidades e pela avaliao e
acompanhamento do Programa.
2.3 Poltica Nacional de Assistncia Social: contexto de implantao do Centro
de Referncia da Assistncia Social - CRAS
O sistema de proteo social que vigorou no Brasil por quase todo o
sculo XX foi organizado durante as dcadas de 1930 e 1940 (PEREIRA, 2002).
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Verifica-se quem, a partir de 1930, a pobreza passou a ser reconhecida pelo Estado
como questo social e poltica, surgindo assim a atuao dos mecanismos de
proteo da coletividade.
Na dcada de 1940, destacaram-se algumas medidas que constituiram o
arcabouo de atuao do Estado na proteo e regulao social, podendo ser
citadas a promulgao da Consolidao das Leis do trabalho CLT, em 1942, e a
instituio do salrio mnimo, considerado como a primeira iniciativa de
estabelecimento de um patamar razovel de renda para o trabalhador brasileiro.
Dessa forma o sistema de proteo social brasileiro foi formado com
amparo em dois modelos distintos que se combinam. Como ressalta Fleury (2003)
um modelo de seguro social estabelecido em bases contratuais, cujo direito social
est condicionado a uma contribuio prvia- a condio de trabalho. Este seguro
abarca a rea previdenciria e a sade; o segundo modelo, denominado
assistencial, destinado populao no atendida pelo modelo anterior por no
possuir os vnculos trabalhistas. Esta forma no estabelece uma relao de direito
social.
No perodo de 1946 a 1964, no se verificaram transformaes
significativas nesse modelo. Houve, na verdade, uma expanso do sistema de
seguro social, embora o perodo compreendido pelos governos militares tenha
significado uma ruptura no sistema poltico, e no promoveu alteraes na lgica de
funcionamento do sistema de proteo social (FLEURY, 2003).
O cenrio poltico comeou a mudar na segunda metade da dcada de
1970 A repercusso do aumento dos ndices de pobreza no Brasil com a divulgao
do Censo de 1970, trouxe a preocupao com a pobreza no discurso oficial. O
regime militar deu sinais de esgotamento e foi neste contexto que a poltica social
teve o papel estratgico de reaproximar o Estado da Sociedade (PEREIRA, 2002).
Na dcada de 1980, no contexto da redemocratizao, houve crescimento
dos movimentos sociais, que iniciaram a luta pela ampliao e universalizao dos
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direitos, culminando com a Constituio Federal de 1988, representando uma
importante inflexo no padro de proteo social no Brasil.
Para Fleury (2003), o perodo que engloba os governos de Collor, Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso foi de grande submisso s influncias
externas que expressavam uma onda conservadora sob hegemonia do capital
financeiro e de orientao neoliberal.
Em 1990, com o governo Collor, a assistncia social passou a ser
destinada somente queles considerados realmente incapacitados. Durante o
governo de Itamar Franco, surgiu o Plano Real, que, dentre tantos objetivos, tinha
por meta a retrao das polticas sociais mediante cortes de gastos nesta rea,
subordinando, assim, mais uma vez, o social ao capital (SILVA, 2007).
Nessa poca, houve ainda a dissoluo dos principais rgos
governamentais de assistncia, como: o Centro Brasileiro para a Infncia e
Adolescncia (CBIA); a Legio Brasileira de Assistncia (LBA) e o Conselho de
Segurana Alimentar (CONSEA). O referido governo de Itamar Franco efetivou, de
modo mais acelerado, as polticas de ajuste estrutural determinadas pelos
organismos financeiros internacionais para os pases da Amrica Latina, no intuito
de reduzir os gastos estatais com os servios sociais prestados populao, dando
fora, assim, nova configurao do Estado capitalista, de carter neoliberal
(SILVA, 2007).
Hoje, a assistncia social no Brasil tem assento constitucional, sendo
parte integrante da seguridade social. Podemos defini-la como um amparo estatal
baseado no princpio humanitrio de ajudar indigentes, reconhecidamente pobres,
que no podem gozar dos benefcios previdencirios (BRASIL, 2004).
A Poltica Nacional de Assistncia Social/2004 aborda a proteo social
em uma perspectiva de articulao com outras polticas do campo social, dirigidas a
uma estrutura de garantias de direitos e de condies dignas de vida (BRASIL,
2004).
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O princpio da ateno social alcana, com efeito, um patamar balizado
pelo esforo de viabilizao de um novo projeto de desenvolvimento, no qual no se
pode pleitear a universalizao dos direitos seguridade social e da proteo social
pblica, sem a composio correta e suficiente da poltica pblica de assistncia
social em nvel nacional (BRASIL, 2004).
Os princpios da poltica municipal de assistncia social so norteados
pela Lei Orgnica de Assistncia Social para a universalidade e efetivao dos
direitos sociais, com base nas exigncias de rentabilidade econmica, para garantia
de benefcios, de servios com qualidade e sem discriminao (BRASIL, 2004).
As diretrizes so definidas na descentralizao poltico-administrativa,
com base na participao popular e centralidade na famlia. de responsabilidade
do Estado a conduo da Poltica de Assistncia Social, em consonncia com as
quatro esferas de governo, respeitando as especificidades de cada territrio e tendo
por objetivos
Desenvolver e executar os programas e servios integrados s polticas setoriais, contribuindo para incluso social e ampliao dos servios, tendo como foco a proteo social do indivduo dentro do mbito familiar; atender cidados e grupos que se encontram em situaes de vulnerabilidade e riscos. (BRASIL, 2004).
A contribuio da assistncia social nessa perspectiva, implementada
como poltica pblica afianadora de direitos, deve se realizar por meio de uma
estrutura poltico-administrativa que ressalte a fundamental relevncia do processo
da descentralizao, quanto ao redesenho do papel e da escala espacial de
organizao dos servios. Trata-se, efetivamente, de operar um modelo
emancipatrio, que requeira, ento, a proviso das medidas da poltica de
assistncia social que responda s necessidades individuais, decorrentes da
situao de vida das famlias (BRASIL, 2004).
Tal padro se realiza com respaldo nos parmetros de proteo, que
demarcam a sua especificidade no campo das polticas sociais e das
responsabilidades de Estado, prprias a serem asseguradas aos cidados
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brasileiros: a proteo social bsica e especial de mdia e alta complexidade
(BRASIL, 2004).
A proteo social de assistncia social consiste no conjunto de aes,
cuidados, atenes, benefcios e auxlios ofertados pelo Sistema nico da
Assistncia Social SUAS, para reduo e preveno do impacto das
vulnerabilidades sociais e naturais ao ciclo de vida, dignidade humana e famlia
como ncleo bsico de sustentao afetiva, biolgica e relacional (BRASIL, 2004).
A Proteo Social de Assistncia Social, ao ter por direo o
desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania, tem por princpios: a
matricialidade scio-familiar; territorializao, a proteo pr-ativa; integrao
seguridade social e integrao s polticas sociais e econmicas (BRASIL, 2004).
A Proteo Social Especial a modalidade de atendimento assistencial
destinada s famlias e indivduos que se encontram em situaes de risco pessoal
e social, por ocorrncia de abandono, maus tratos fsicos e, ou, psquicos, abuso
sexual, uso de substncias psicoativas, cumprimento de medidas scio-educativas,
situao de trabalho infantil, entre outras.
Alm de privaes e diferenciais de acesso a bens e servios, a pobreza
associada desigualdade social e a perversa concentrao de renda, revelam-se
numa dimenso mais complexa: a excluso social.
O termo excluso social confunde-se, comumente, com desigualdade,
misria, indigncia, pobreza (relativa ou absoluta), apartao social, dentre outras.
No obstante, diferentemente de pobreza, da misria, da desigualdade e da
indigncia, que so situaes, a excluso social um processo que pode levar ao
acirramento da desigualdade e da pobreza e, enquanto tal apresenta-se
heterognea no tempo e no espao (VAITSMAN, 1992).
A Proteo Social Bsica tem como objetivos prevenir situaes de risco
por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisies, e o fortalecimento de
vnculos familiares e comunitrios. Destina-se populao que vive em situao de
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vulnerabilidade social decorrente da pobreza, da privao (ausncia de renda,
precrio ou nulo acesso aos servios pblicos, dentre outros) e/ou fragilizao de
vnculos afetivos relacionais e de pertencimento social (discriminaes etrias,
tnicas, de gnero ou por deficincias, dentre outras) (BRASIL, 2004).
Os servios de proteo social bsica so executados de forma direta nos
centros de referncia da assistncia social CRAS e em outras unidades bsicas e
pblicas de assistncia social, bem como de forma indireta nas entidades e
organizaes de assistncia social da rea de abrangncia dos CRAS.
O CRAS uma unidade pblica estatal de atendimento e execuo dos
servios de proteo bsica (BPC e servios eventuais) que visa a atender famlias
e indivduos em seu contexto territorial (considerando os diferentes arranjos
familiares e os valores intrnsecos daquela famlia), visando orientao e ao
convvio socio-familiar e comunitrio. Executa os servios de proteo social bsica,
organiza e coordena a rede de servios scio assistenciais locais da poltica de
assistncia social (BRASIL, 2004).
O CRAS atua com famlias e indivduos em seu contexto comunitrio,
visando orientao e o convvio scio familiar e comunitrio. Neste sentido
responsvel pela oferta do Programa de Ateno Integral a Famlia (BRASIL, 2004).
O CRAS deve buscar conhecer o cotidiano da vida das famlias, com
suporte nas condies concretas do lugar onde elas vivem, e no s as mdias
estatsticas ou nmeros gerais, responsabilizando-se, assim, pela identificao dos
territrios de incidncia de riscos, no mbito da cidade, do estado e do Pas, para
que a assistncia social desenvolva uma poltica de preveno e monitoramento de
riscos (BRASIL, 2006).
A rede scio assistencial, com que trabalha o CRAS, deve ser um
conjunto integrado de aes de iniciativa pblica e da sociedade, que ofertam e
operam benefcios, servios, programas e projetos, o que supe a articulao entre
todos estas unidades de proviso de proteo social (BRASIL, 2006).
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A insero da assistncia social no sistema de bem-estar social brasileiro,
concebido como campo da seguridade social configurando o trip juntamente com
a sade e a previdncia social-, aponta para a sua articulao com outras polticas
do campo social, voltadas garantia os direitos e de condies dignas de vida
(BRASIL, 2006).
Um dos principais focos de atuao do CRAS est no acompanhamento
das famlias em descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Famlia.
O CRAS parte do entendimento de que as famlias que esto em
descumprimento destas condicionalidades so as que se encontram em situao de
maior vulnerabilidade social, e que, por isto, necessitam de apoio e
acompanhamento, para que passem a realizar os compromissos da famlia em
relapo ao programa.
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3 METODOLOGIA
3.1 Natureza do estudo
Trata-se de um estudo do tipo qualitativo, procurando analisar a
repercusso ocorrida na sade das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa
Famlia no Municpio de Ocara Cear. No captulo dos resultados so
apresentados dados secundrios do tipo quantitativo que permitem entender melhor
o contexto no qual a pesquisa foi realizada.
Escolhemos a abordagem qualitativa por ser, segundo Geertz (1989), no
somente um mtodo de pesquisa, mas um processo conduzido com a sensibilidade
reflexiva, levando em conta a prpria experincia no campo de estudo, que
possibilita uma participao ativa e dinmica dos agentes sociais. Partindo da
compreenso de Martinelli (1994),no entanto, sobre a relao entre pesquisa
quantitativa e qualitativa, consideramos de suma importncia os dados estatsticos.
Na lio de Martinelli (1994, p. 17), importante que possamos perceber
com clareza e afirmar com a devida convico que a relao entre pesquisa
quantitativa e qualitativa no de oposio, mas de complementaridade e
articulao. Tambm na viso de Minayo (2000), o conjunto de dados quantitativos e
qualitativos no se ope. Ao contrrio, se complementam, pois a realidade
abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia. Segundo
Minayo (2000, p.22),
A diferena entre quantitativo-qualitativo de natureza. Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatstica apreendem dos fenmenos apenas a regio visvel, ecolgica, morfolgica e concreta, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das aes e das relaes humanas, um lado no perceptvel e no captvel em equaes, mdias e estatsticas.
A interpretao e a anlise das narrativas do grupo foram fundamentadas
na Hermenutica interpretativa, de Ricoeur. Segundo o autor, Hermenutica a
teoria das operaes da compreenso em sua relao com a interpretao dos
textos (RICOEUR,1990).
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Para Silva (2001), as narrativas do acesso, mesmo que indiretamente,
s experincias dos outros, ao mesmo tempo em que nos trazem essas
experincias da forma como as interpretam. Desta forma quando fala das suas
experincias, os acontecimentos vo sendo reestruturados de maneira condizente
com o entendimento atual.
A metodologia do tipo qualitativo tem como caracterstica primordial
realizar uma aproximao mais intensa entre sujeito e objeto, uma vez que estes
so da mesma natureza (MINAYO, 1993). Segundo a autora, cumpre ressaltar que o
material mais importante da investigao qualitativa se traduz na linguagem
cotidiana, que materializa as relaes tcnicas e afetivas, seja em discursos
intelectuais, burocrticos ou polticos.
A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares, que nos
ajuda a uma melhor compreenso segundo Minayo (1994, p.20):
(...)nas cincias sociais ela se preocupa com um nvel de realidade que no pode ser quantificado. Ela trabalha com o universo de significados, motivos,aspiraes, crena, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos, que no pode ser reduzidos operacionalizao de variveis.
Esta abordagem nos possibilita, na ptica de Leopardi (2001),
compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja,
parte de sua vida diria, sua satisfao, desapontamentos, surpresas e outras
emoes, sentimento e desejos.
3.2. Sujeitos de estudo
Da pesquisa realizada junto s famlias beneficiarias do Programa Bolsa
Famlia, no Municpio de Ocara - CE fizeram parte 20 mulheres, titulares do
beneficio.
Conforme critrios estabelecidos para a definio do perfil das famlias,
todas as entrevistadas esto h mais de dois anos recebendo o beneficio, perodo
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considervel para avaliar as mudanas ocorridas nas famlias, seja pelo beneficio
em si ou pelas condicionalidades do Programa.
Para identificar os participantes do estudo foi criado um nome fictcio,
conforme estabelecem os princpios ticos quanto ao sigilo da identidade dos
informantes. A escolha do nome decorreu do fato de que, muitas vezes, nas falas
das mulheres, elas salientavam a religiosidade ao se referirem a situaes difceis
que enfrentaram e arrastou, ainda, especialmente ao ressaltarem a importncia do
benefcio Bolsa Famlia em suas vidas, expressando sempre a reverncia a Deus e
tambm quase sempre a Maria, cone do catolicismo no Brasil.
Em razo deste fato e tambm por ser um nome muito comum no meio
rural, resolveu-se nomear todas as participantes por Maria, sendo que a diferena
entre as diversas Marias foi dada pela nfase em alguma caracterstica mais
marcante dessas mulheres, passando a compor os seus nomes fictcios.
Salientamos que algumas mulheres que se chamavam Maria receberam tambm
nomes fictcios.
3.3 Campo de estudo
Ocara est localizada a 100 km da capital, Fortaleza, ocupando lugar de
grande importncia no macio de Baturit, com 762 Km de rea. Tem sua populao
estimada, de acordo com o senso 2000, em 21.499 habitantes assim distribudos:
rea urbana 28,45% da populao e a rea rural com 71,55% da populao total.
um municpio bastante novo, tendo apenas 18 anos de emancipao poltica
(IPECE, 2004).
Durante a emancipao poltica, em fins da dcada de 1980, vigorava a
explicao, de origem popular, de que o nome Ocara tinha sua origem no municpio
pai Aracoiaba, em virtude da formao lxica de seu nome. Aracoiaba contm os
mesmos caracteres lingsticos at a metade da palavra, porm em ordem invertida.
Ocara uma palavra em tupi, que designa o terreiro principal localizado no centro da
aldeia. composta de oca (casa) e a desinncia ara (que tem); aquilo que tem casa,
ou onde a casa est (IPECE, 2004).
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Considerando os aspectos geo econmicos o municpio composto por
seis distritos: Ocara Sede, Arisco Mariano, Curupira, Novo Horizonte, Sereno e
Serragem. O Municpio cortado pela rodovia estadual, CE 359, denominada
Estrada do Algodo, com um percurso de 4 km.
Em 2000, o Municpio de Ocara contava com 4.842 domiclios particulares
permanentes, dos quais 30,36% situavam-se na zona urbana e 69,64% na zona
rural (IPECE, 2004).
O Municpio de Ocara tem a economia assentada principalmente nas
atividades agrcolas, destacando-se o feijo, a mandioca, o milho, o algodo e os
cajueiros, alm do mel de abelha. O cultivo de caju bastante explorado na
economia local, impulsionando o desenvolvimento econmico do Municpio (IPECE,
2004).
A economia municipal destacada pelo setor primrio, no qual os
trabalhadores, em particular da agricultura, recebem baixos salrios e no tm seus
direitos trabalhistas, garantidos por lei, efetivados. Estes problemas so agravados
pelas difceis condies climticas, que ocasionam longas estiagens, o que prejudica
a populao em virtude da inexistncia de um sistema de armazenamento de gua.
Este setor equivale a 60% da populao economicamente ativa (IPECE, 2004).
No setor secundrio o municpio ainda muito carente de investimentos,
atingindo somente 7% da economia, o que se traduz nas poucas unidades
produtivas de pequeno porte. As empresas pblicas, o comrcio, e a prestao de
servios empregam cerca de 5% da populao economicamente ativa (IPECE,
2004).
A populao de Ocara, em 2000, era de 21.584 habitantes, representando
um crescimento de 0,95%, se comparado ao ano de 1991. Esta populao est mais
concentrada na zona rural, embora a taxa de urbanizao, que era de 26,13% em
1991,tenha passado para 29,52% em 2000, de acordo com o Censo IBGE 2000.
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O nmero de homens um pouco maior do que o de mulheres, na
proporo de 100 mulheres para, aproximadamente, 106,76 homens (razo de sexo
106,76). De acordo com a tabela 1 e o grfico, podemos verificar essa afirmao.
TABELA 1 - Populao residente 1991 e 2000
Discriminao 1991 2000
N % N %
Total 19.828 100,00 21.584 100,00
Urbana 5.182 26,13 6.372 29,52
Rural 14.646 73,87 15.2