CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
campus – Maria Auxiliadora - UNISAL
Ricardo Miquelino
PROJETO RETRETA NAS ESCOLAS:
estudo de um caso de educação sociomusical
Americana/SP
2015
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
Ricardo Miquelino
PROJETO RETRETA NAS ESCOLAS
estudo de um caso de educação sóciomusical
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão
Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – UNISAL – sob a orientação da Profa. Dra.
Valéria Oliveira de Vasconcelos.
Americana/SP
2015
Miquelino, Ricardo.
M57p Projeto Retreta nas escolas: estudo de caso de educação musical
/ Ricardo Miquelino. – Americana: Centro Universitário Salesiano
de São Paulo, 2015.
115 f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientador: Valéria Oliveira de Vasconcelos.
Inclui bibliografia.
1. Música. 2. Música na educação. Educação sociocomunitária.
3. Corporação musical – Brasil. I. Título.
CDD 372.87
Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539
Bibliotecária UNISAL – Americana
Nome: Ricardo Miquelino
Título: PROJETO RETRETA NAS ESCOLAS: estudo de um caso de educação
sóciomusical
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão
Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – UNISAL.
Dissertação defendida e aprovada em 26/06/2015, pela comissão Julgadora:
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________
Prof. Dr. Joel Luís da Silva Barbosa
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA
_____________________________________________
Profa. Dra. Sueli Maria Pessagno Caro
Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
______________________________________________
Profª Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos
Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL
Local: Americana, SP, Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
AGRADECIMENTOS
A Deus;
Ao meu pai Antonio Miquelino (in memorian), a quem dedico este trabalho;
À minha esposa Ieda, minha mãe Cleusa;
Aos meus filhos, Arthur, Raul e Nanny;
Ao Dr. Dorival Duarte e sua esposa Sônia, pelo acompanhamento e incentivo constante;
À Leo Gandelman, pela amizade e por acreditar em meu trabalho;
Ao Prof. Mestre Vandir Schäffer, meu eterno amigo e orientador;
À minha querida professora Rita Morelli;
À Corporação Musical 24 de Junho que muito me inspirou para este trabalho;
A todos os meus alunos, em especial Gustavo, Isadora e Marccella;
Ao Prof. Dr. Joel Barbosa;
Ao Maestro Francisco Belculfiné (Chiquito in memorian);
Aos Professores do Programa de Mestrado do Unisal;
Aos membros da Banca do Exame de Qualificação Profa. Valeria, Profa. Suely,
Prof. Joel Barbosa e Prof. Renato Soffner.
A todas as Corporações Musicais do Brasil.
RESUMO
O presente estudo de caso aborda os aspectos envolvidos num projeto de Educação Musical
denominado “Projeto Retreta”, que desde 2010 descentraliza o acesso ao ensino musical no
município de Artur Nogueira, estado de São Paulo. Inicialmente, foi realizado um breve
histórico acerca da origem das Corporações (Bandas) Musicais no Brasil, e também a história
da Corporação Musical 24 de Junho e seu desenvolvimento através dos anos. Se destaca na
pesquisa aqui apresentada, uma concisa abordagem sobre educação sociocomunitária,
ressaltando a importância da prática musical como ferramenta facilitadora de inclusão
sociocultural, e enfatizando o ensino coletivo de instrumentos musicais. Por meio deste estudo
de caso foi possível, através de um questionário digital coletar dados de docentes, discentes,
familiares e membros da comunidade local contendo informações relacionadas ao Projeto
Retreta. Como objetivo principal que se tem nesse trabalho é mensurar os aspectos a serem
melhorados e grau de influência que o projeto tem na esfera musical, mas também sociocultural.
Tem-se também como objetivo aferir o grau de envolvimento dos jovens e adolescentes com o
projeto. Por meio da análise dos dados, mostraram-se não somente as fragilidades que
dificultam o crescimento do projeto, mas principalmente afirmar as suas potencialidades, não
somente como o projeto inicialmente idealizado, mas também como ferramenta auxiliadora na
formação do caráter dos alunos como pessoas e cidadãos.
Palavras chave: Música, Educação Musical Sociocomunitária, Corporação Musical.
ABSTRACT
This case study investigates several aspects involved in the music education programme named
“ Retreta Project”, which since 2010 decentralizes access to music education in Artur Nogueira,
a city in the Sao Paulo state, in Brazil. Initially, a brief historical, functional and structural
analysis of the origin of Musical Corporations (Bands) in Brazil was made, including the history
of the Corporacao Musical 24 de Junho –which hosts Retreta Project- and its development over
the years. By means of a concise approach to socio-communitarian education, this research
shows the importance of musical practice as a facilitating tool to social and cultural inclusion,
and emphasizes the role of collective teaching of musical instruments in this process. By using
a digital questionnaire, it was possible to collect data from teachers, students, family and local
community members in order to relate information and statistics that summarize the results of
the Retreta Project. The main objective of this work is to measure the aspects to be improved
and the influence that the project has in its participants, not only in the musical sphere, but also
social and cultural. It is also intends to assess the degree of involvement of young people and
adolescents with the project. With such objectives in mind and through data analysis, it was
possible not only to show up the weaknesses that delay the project from fully developing, but
mostly point out their potential strengths. Thus, it was possible to evaluate the project not only
as it was initially dreamed and conceived, but also as an auxiliary tool in building the character
of the students as people and citizens.
Key words: Music, Musical Education, Social inclusion, Musical Corporation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Charamelas............................................................................................................... 28 Figura 2 - Flautas ...................................................................................................................... 30 Figura 3 - Trompete .................................................................................................................. 30 Figura 4 - Fagotes ..................................................................................................................... 31
Figura 5 - Jornal do Senado ...................................................................................................... 32 Figura 6 - Coreto de Artur Nogueira ........................................................................................ 42 Figura 7 - Retreta no Coreto de Artur Nogueira ....................................................................... 42 Figura 8 - Retreta no Coreto de Artur Nogueira ...................................................................... 43 Figura 9 - Daniel Cezário de Andrade ...................................................................................... 44
Figura 10 - Sr. Nico (à direita) ................................................................................................. 45 Figura 11 - Músicos da Corporação Musical 24 de Junho em 2010 ........................................ 45
Figura 12 - Sede da Corporação Musical 24 de Junho no ano de 2009 ................................... 45 Figura 13 - Sede da Corporação Musical 24 de Junho no ano de 2009 ................................... 46 Figura 14 - Logotipo do Projeto Retreta ................................................................................... 47 Figura 15 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho................................... 47
Figura 16 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho................................... 48 Figura 18 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho................................... 50
Figura 19 - Barraca de pastel .................................................................................................... 50 Figura 20 - Participantes do projeto após a restauração da Sede.............................................. 51 Figura 21 - Sede restaurada ...................................................................................................... 51
Figura 22 - Workshop realizado na sede da Corporação .......................................................... 52 Figura 23 - Workshop realizado em anfiteatro municipal ........................................................ 53
Figura 24 - Alunos do Projeto em viagem ................................................................................ 53 Figura 25 - Alunos do Projeto em visita à Sala São Paulo ....................................................... 54
Figura 26 - Recital de violões ................................................................................................... 54 Figura 27 - Recital do coral na EE Severino Tagliari............................................................... 55 Figura 28 - Aluna do Projeto durante recital ............................................................................ 55
Figura 29 - Apresentação do coral na EMEF Aparecida Dias ................................................. 56
Figura 30 - Recital da fanfarra do Projeto no CAIC ................................................................ 56 Figura 31 - Alunos do Projeto durante ensaio .......................................................................... 57 Figura 32 - Alunos do Projeto durante concerto....................................................................... 57 Figura 33 - Alunos do Projeto durante estudo .......................................................................... 58 Figura 34 - Professores do Projeto animando o Carnaval do asilo local .................................. 58
Figura 35 - Coral do Projeto no programa EJA ........................................................................ 58 Figura 36 - Corpo docente do Projeto ...................................................................................... 59
Figura 37 - Concerto da Banda da Corporação com o músico Derico Sciotti.......................... 59 Figura 38 - Concerto da Banda da Corporação com o músico Renato Carlini ........................ 60 Figura 39 - Concerto da Banda da Corporação no Programa do Jô ......................................... 60 Figura 40 - Van recebida da prefeitura antes da reforma ......................................................... 82 Figura 41 -Van recebida da prefeitura após a reforma ............................................................. 83
Figura 42 - Banda sinfônica jovem do Projeto Retreta ............................................................ 83
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição percentual da população extremamente pobre por faixa etária ......... 80 Gráfico 2 - Perfil entrevistado - Idade ...................................................................................... 92 Gráfico 3 - Perfil entrevistado - Gênero ................................................................................... 92 Gráfico 4 - Perfil entrevistado - Grau de escolaridade ............................................................. 93 Gráfico 5 - Perfil entrevistado - Estado civil ............................................................................ 93
Gráfico 6 - Perfil entrevistado - Envolvimento com o projeto ................................................. 94 Gráfico 7 - Primeira questão - contato musical anterior ........................................................... 94 Gráfico 8 - Segunda questão - contato com o projeto .............................................................. 95
Gráfico 9 - Terceira questão - o que o representa o projeto em sua vida ................................. 96 Gráfico 10 - Quarta questão - Opnião dos entrevistados sobre pontos fortes do projeto ......... 97 Gráfico 11 - Quinta questão - Opinião dos entrevistados sobre os pontos frágeis do projeto .. 98 Gráfico 12 - Sexta questão - Opinião dos entrevistados sobre o efeito da música ................... 99
Gráfico 13 - Sétima questão - Opinião dos entrevistados sobre aperfeiçoamento ................. 100
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Mapeamento das bandas de música por estado .................................................. 36 Ilustração 2 - Bandas de música no estado de São Paulo ......................................................... 38
Ilustração 3 - Bandas de música no estado de São Paulo (Coreto Paulista) ............................. 39
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - População em situação de extrema pobreza por faixa etária: .................................. 79 Universidades que exigem teste de aptidão ............................................................................ 111
SUMÁRIO
MEMORIAL ........................................................................................................................... 10
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 19
2 METODOLOGIA ................................................................................................................ 24
3 A BANDA DE MÚSICA: DA CAPA SEM CODA ........................................................... 26
3.1 Pra ver a Banda chegar ................................................................................................ 27
3.2 O Coreto Brasil............................................................................................................ 36
3.3 O Coreto “São Paulo” ................................................................................................. 37
3.4 O Coreto Militar .......................................................................................................... 39
3.5 A Corporação Musical 24 de Junho de Artur Nogueira/SP ........................................ 43
3.6 A Revitalização do prédio da CorporaçãoMusical 24 de Junho ................................. 47
4 A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL EXERCIDA PELAS BANDAS DE MÚSICA .......... 62
4.1 Aspectos relacionados sobre a intervenção sóciocomunitária através da música........... 65
4.2 A música como instrumento de intervenção sóciocomunitária ...................................... 68
4.3 Ensino coletivo de instrumentos musicais ...................................................................... 70
4.4 Método Da Capo ............................................................................................................. 76
4.5 Projeto Retreta nas escolas de Artur Nogueira ............................................................... 78
4.5.1 Lócus da pesquisa..................................................................................................... 78
4.5.2 Projeto Retreta como ferramenta de intervenção sóciocultural ............................... 81
4.5.3 Atividades do Projeto Retreta – propostas a partir dos participantes ....................... 86
4.5.4 Estrutura do Projeto Retreta ..................................................................................... 89
4.5.5 Divulgação na internet ............................................................................................. 90
5 SOB O OLHAR DO PARTICIPANTE ............................................................................. 92
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 101
7 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 106
ANEXO 1 - Tabela INEP ..................................................................................................... 110
ANEXO 2 - Relação dos melhores programas acadêmicos eleitos pelo guia do estudante
de abril de 2014 ..................................................................................................................... 111
ANEXO 3 - Relação de bandas de música cadastradas pela funarte (2015) ................... 112
ANEXO 4 - Relação das bandas paulistas segundo cadastro do projeto pró-bandas-SP
................................................................................................................................................ 112
ANEXO 5 - Dados completos do questionário virtual ...................................................... 112
ANEXO 6 - Questionário ..................................................................................................... 113
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MEMORIAL
A escolha deste tema está intrinsicamente ligada à minha biografia: nasci no início dos
anos 70, mais precisamente em 1973, os chamados anos de chumbo, filho de um músico militar
e de uma enfermeira. Minha trajetória até os dez anos de idade foi comum, aluno da rede pública
de educação, tive as minhas primeiras aulas de música com meu pai, Antonio Miquelino. Meu
pai era um músico trompetista, e dentre as suas inúmeras funções de caserna incluía-se também
a de maestro do Corpo Musical da Polícia Militar do estado de São Paulo. Nasci no Hospital
São Cristóvão, na rua Américo Ventura, 123, Alto da Mooca, perto da famosa avenida Paes de
Barros e bem no coração da maior comunidade italiana de São Paulo.
Os primeiros anos da minha infância foram marcados por inúmeras dificuldades devido
ao fato de eu ter nascido portador de bronquite asmática. Os recursos de tratamento
extremamente escassos da época, aliados ao alto índice de poluição da capital, contribuíram
para que os meus primeiros cinco anos de vida fossem vividos em frequentes internações no
Hospital da Policia Militar localizado no bairro do Cambuci. Os médicos da época,
recomendavam que eu fosse levado para um local que contasse com uma maior umidade no ar
bem como um menor índice de poluição.
Tal fato impulsionou meu pai para que colocasse em prática um antigo sonho que era,
(como para grande parte dos migrantes), voltar para a sua terra de origem: São João da Boa
Vista, S.P. Por este motivo, em 1982 ele conseguiu transferência do quartel Tobias de Aguiar
da cidade de São Paulo, para o 8o Batalhão da Policia Militar do interior localizado na avenida
João Jorge, 499, na Vila Industrial, no município de Campinas (era o quartel mais próximo da
sua cidade natal que contava com uma banda de música, já que esta era a sua função).
Ao completar dez anos de idade, sofri o primeiro grande golpe da minha vida: meu
querido pai foi assassinado por um grupo de assaltantes que invadiu uma agência do então
Banespa (que era localizada no interior da “Casa de Saúde de Campinas”). Sem ao menos exitar,
ao vê-lo fardado, os assassinos executaram os disparos. A partir daí, a vida da minha família,
que era constituída por minha mãe, minha irmã e eu, tornou-se uma verdadeira roda viva.
A minha mãe foi acometida de inúmeros problemas psicológicos por conta do
acontecido, o que motivou a nossa mudança para a cidade de Mogi Guaçu/SP, onde residiam
os meus avós maternos. Minha avó, D. Maria, uma senhora boa, entretanto indiferente para com
os netos; meu avô, Sr. Francisco, um homem austero, por vezes severo, atitudes estas que em
verdade escondiam um homem de bondade imensa que fora marcado pela vida.
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Foi neste cenário em que vivi minha pré-adolescência. Senti na pele o que um garoto
órfão de pai passa quando fica a mercê dos familiares. É impressionante como você passa a ser
o autor de absolutamente todas as traquinagens e outros pequenos “delitos” infantis, e nestes
casos todos os familiares se veem no direito de "educá-lo". Apesar de tudo, eu guardo desta
época muitas coisas positivas que inclusive me motivam hoje a realizar o presente trabalho.
Ainda em Mogi Guaçu, seis meses após a morte do meu pai, eu por vezes perambulava
pelas ruas para evitar ficar em casa. Em uma destas saídas eu passava pela calçada de uma
avenida chamada 9 de Abril, quando fui surpreendido por um som que me era familiar: uma
banda! Meu Deus! Uma banda! Que saudades do meu pai... Será que ele está lá? Foram os
devaneios de um pequeno garoto. Foi então que em meio ao "sonho”, surge um homem enorme
de pele muito clara, olhos azuis e um semblante aterrorizante. Empunhando um cigarro ele me
disse: O que você quer aqui? Eu...apenas um garoto, com muito medo respondi: Estou apenas
olhando! E ele prontamente replicou: entre!
Sem mais delongas, foi a primeira vez que entrei na Corporação Musical "Marcos
Vedovello" e o senhor citado era o maestro, Sr. Geraldo Vedovello, um italiano aposentado de
uma cerâmica que dedicava todo o seu tempo para aquela Corporação que fora fundada por seu
pai.
A metodologia aplicada ali era limitada aos conhecimentos do maestro, que certamente
havia aprendido de forma empírica. Entretanto, é inegável a eficácia do resultado musical. Com
o passar do tempo comecei a entender que assim como o meu avô Francisco, por trás de tanta
rigidez, o Sr. Geraldo fazia o seu melhor e amava os seus “discípulos”, como gostava de
denominá-los.
Já na adolescência, eu me dedicava totalmente à música, sendo que para tanto sempre
fui um aluno considerado de rendimento regular na escola convencional. Passava o dia inteiro
na sede da banda, inclusive ajudando meus amigos na “faxina” do prédio, que não possuía
qualquer funcionário e, no período noturno, ia para escola, muito a contragosto diga-se de
passagem.
Minha mãe casou-se novamente e, se por um lado as coisas melhoraram, inclusive com
a chegada do meu irmão mais novo (Arthur, o "Tuta"), por outro, as perseguições a mim foram
implacáveis. O fato de eu não me interessar por trabalho e estudos convencionais, (ao contrário,
eu pensava somente em música), desagradava muito à minha mãe e ao seu esposo, fazendo com
que mais uma vez eu encontrasse nas ruas o sossego desejado. Ainda na adolescência, por conta
própria, fui para o tão sonhado conservatório de Tatuí, onde tive acesso aos melhores
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professores e métodos de música da América-Latina. Minha formação musical começou a
melhorar e logo eu me tornaria um músico profissional.
Até os dezoito anos, em grande atividade profissional, tocava de quatro a cinco vezes
por semana nas boates de São Paulo (mais uma vez como uma forma de escapar de casa), e
ingressei no Exército Brasileiro. Foi um período realmente muito duro (senti saudades de
casa...) foi lá que passei por experiências pouco agradáveis, mas que hoje me servem também
de inspiração em meu trabalho.
Como tudo é prematuro em minha vida, em meio a esta época, nasceu o meu primeiro
filho, Raul Miquelino, um garoto muito desejado e amado. Deixei a música por um bom período
por conta da chegada do Raul. Trabalhei então como servente de pedreiro, borracheiro,
motorista de caminhão, entre outros “bicos” nos quais eu nunca permanecia.
A incompatibilidade no casamento era cada vez mais evidente, porém o amor ao Raul
era maior, o que se alongou com a chegada da minha filha Elaine (a "Nanny"). A Nanny era
especial, a minha filhinha querida. Ela chegou no mesmo período em que eu retomava a minha
carreira musical. E em pouco tempo eu já estava de volta aos grandes palcos, tocando com
diversos nomes consagrados da música popular brasileira. Permaneci por mais alguns anos
casado, porém, eu estava cansado e frustrado no ambiente familiar, o que culminou na
separação.
Anos depois, casei-me novamente e mudei muitas condutas em minha vida: abandonei
o cigarro, as bebidas e todos os excessos que me rodeavam, e iniciei um novo ciclo, sempre
tendo ao meu lado os meus filhos. Em 1997, fui convidado para lecionar música em um
consagrado colégio espanhol da cidade de Mogi Mirim, o Colégio Imaculada.
Apesar de nunca ter tido contato com a docência, aceitei o desafio inclusive
vislumbrando a possibilidade de viabilizar um ensino de qualidade para os meus filhos. Neste
período o Raul morava comigo e minha esposa Ieda. Foi um período muito gratificante, aprendi
a arte da docência na prática, observando antigos professores e ouvindo os conselhos das
madres.
Em paralelo, fui convidado pelo meu querido amigo Sr. Nico (já falecido), para ser o
maestro da Corporação Musical 24 de Junho, no pequeno município de Artur Nogueira/SP.
Uma banda... Como aquela do Sr. Geraldo, lembram?
Eis que na primeira visita à sede da corporação, me deparo com um quadro
desesperador: um prédio em ruínas, com uns poucos músicos amadores, sem o mínimo de
estrutura física. Entretanto, esses músicos recebiam uma subvenção municipal que deveria ser
destinada à manutenção da instituição.
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A verba era rateada entre os componentes, o que impedia investimentos em melhorias.
Devo aqui salientar que tal prática era e ainda é muito comum em muitas destas corporações
espalhadas pelo país. A vontade de retribuir à corporação todo o bem que me havia feito, foi
um fator determinante para que eu então começasse a pensar em alguma solução para aquele
que parecia um “caso perdido”.
O primeiro passo foi propor aos músicos que abrissem mão do numerário recebido, no
que fui prontamente atendido. Todavia, no próximo ensaio (que aconteceu na semana seguinte),
apenas a metade do quadro de músicos compareceu.
Muitos deixaram a Corporação por se sentirem ofendidos e, infelizmente, guardam
rancor da medida que tomei. Nessa época, confesso que quase desisti, pois conciliava as aulas
no Imaculada, a minha carreira profissional, que já incluía além de shows com artistas, aulas na
Universidade Adventista de São Paulo, da qual eu faço parte do corpo docente até os dias atuais.
A Corporação Musical 24 de Junho, muito embora com recursos escassos, se tornou para
mim uma obstinação. Eu queria fazer algo, porém algo diferente, e me perguntava como poderia
concretizar meu desejo. Nessa época eu passei a pesquisar projetos musicais, achava
interessante, mas faltava alguma coisa. Foi quando, eu remexendo o meu próprio "baú" da vida,
consegui por fim vislumbrar aquele garoto de Campinas que perdeu o pai tão cedo. Lembrei de
suas necessidades e anseios e o que a musica representou e modificou a sua vida, e assim
encontrei o diferencial do projeto que eu buscaria concretizar.
Nasceu então o Projeto Retreta, que oferece o ensino de música no município de Artur
Nogueira de forma gratuita, em que os educadores estão principalmente voltados para o fazer
sóciocomunitário. O Projeto já atendeu a mais de mil pessoas e atualmente conta com quinze
oficinas de instrumentos.
E a Banda? Ah! A Banda conta hoje com setenta e dois músicos provenientes de toda a
comunidade e classes sociais distintas. A Banda, que os munícipes chamam de "Orquestra",
realiza concertos por todo o estado de São Paulo, tendo inclusive participado do “Programa do
Jô” em 2014, convidada pelo próprio apresentador que se interessou pelo trabalho.
De Maestro a Educador Musical: a difícil tarefa de encontrar o caminho para oportunizar
o ensino de música para todo um município
Conforme citado anteriormente, realizar um trabalho de Educação Musical no município
de Artur Nogueira SP, deu-se inicialmente a partir da necessidade da renovação e ampliação do
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quadro de músicos da “Corporação Musical 24 de Junho”, a mais antiga entidade musical do
município, com 90 anos de existência.
Inicialmente, fui contratado como maestro para ensaiar uma pequena banda formada por
um pequeno grupo de pessoas, sendo este formado pela chamada “elite” da sociedade local.
Devido à minha crença (devo aqui dizer inconsciente) pelo fazer social, almejava ampliar as
vagas da Corporação, oportunizando a todas as camadas sociais o acesso ao fazer coletivo
musical.
Basta acessar os noticiários para aferirmos a triste realidade que nos permeia: um
importante número de crianças e jovens são expostos diariamente ao consumismo pela mesma
mídia que os condena, cidadãos cada vez mais alienados, e porque não dizer limitados, e
impedidos de expansão intelectual. O desejo de desenvolver um trabalho musical amplo e de
qualidade junto à comunidade me persegue há alguns anos, como músico, educador e
principalmente como uma forma de exercer a cidadania. À luz deste pensamento, iniciei há três
anos e meio a implementação do programa musical sóciocomunitário chamado: “Projeto
Retreta”, projeto este que me trouxe ao mestrado em busca de pesquisar a importância que um
programa assim exerce sobre os seus alunos.
Eu mesmo, como descrevi anteriormente, fui submetido a boa parte destas mazelas;
contudo, confesso que as sequelas diminuem à medida em que vislumbro a possibilidade de
fazer a diferença ao meu semelhante. Para tanto, entendo como necessário o acesso à academia
para que possamos, de forma imparcial, pesquisar e criar mecanismos que possibilitem a
viabilização de projetos de inclusão sociocomunitária no ambiente em que nos inserimos.
Um outro ponto muito importante a se destacar e algo ainda raro na carreira musical, é
acessar um curso superior de música. Quase nunca chega-se a uma pós-graduação. O ato de
ingressar em um curso superior em música oportuniza ao músico empírico compreender a
importância de aliar técnica e arte, alicerçando de maneira profunda os seus conhecimentos
musicais. No ensino superior, o aluno capacita-se ainda para reger grupos distintos, transitando
como uma maior fluência, tanto no repertório erudito quanto no popular, aprimorando ainda a
técnica de confecção de partituras para que estas sejam executadas pelos mais variados grupos.
A partir de dados colhidos no portal do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas)
que é localizado dentro do site do MEC (Ministério da Educação) (vide tabela contida no Anexo
1), podemos visualizar todos os cursos de nível superior em música em vigência no Brasil.
Nos cursos de graduação em música existentes no país, a disciplina e a prática diárias,
tanto dos fundamentos teóricos como do instrumento, são pontos fundamentais para o sucesso
do aluno. Os eleitos como melhores programas acadêmicos do Brasil (vide abaixo dados
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levantados pelo guia do estudante de abril de 2014 – Anexo 2) exigem do candidato uma prova
de aptidão que objetiva aferir a habilidade e o grau de conhecimento específico do candidato.
Na matriz curricular, encontram-se disciplinas como história da arte e música, percepção
musical e prática instrumental.
Por inúmeras circunstâncias, a minha formação acadêmica ocorreu tardiamente, casado
e com dois filhos, detentor apenas de um título técnico de conservatório e ensino médio
incompleto, corri em busca de compensar o tempo perdido voltando aos bancos escolares.
Poucos colegas da minha época terminaram o ensino médio, quase sempre atribuindo o
insucesso à sua limitação financeira ou até mesmo à desvantagem social. Assim sendo, partilhar
o testemunho da minha experiência, tornou-se uma obrigação a qual eu não posso me omitir e,
quem sabe, através desta, contribuir para o incentivo de outros.
No ano de 1998, enquanto músico da Banda Sinfônica de Americana/SP, aceitei atuar
como professor voluntário de fanfarra no CAIC “Espaginol Silva” do bairro Antonio Zanaga,
no mesmo município. Foi lá que eu tive o meu primeiro contato com a triste realidade na qual
se inserem muitas das crianças brasileiras. Tal experiência me foi muito chocante e mudou
radicalmente o modo como eu enxergava o fazer musical: passei a aproveitar as aulas de música
para trabalhar outros conceitos de cidadania para aqueles alunos e, para a minha surpresa, isso
funcionava, e muito.
No ano de 2000 ingressei na UNASP (Universidade Adventista de São Paulo) através
de vestibular. A mesma instituição acabara de me contratar como professor de instrumento, e
logo eu senti a necessidade do complemento acadêmico. Paralelamente, participava de vários
cursos de extensão oferecidos pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e integrava
ativamente diversos grupos musicais daquela instituição.
Posteriormente, em 2007, ingressei no curso de Pós-graduação em regência com
docência universitária na mesma instituição, pois outro grande interesse meu era pela área de
regência, atuar com grupos. Nesta época, tranquei o curso por várias vezes, uma vez que senti,
desde muito cedo, uma frequente “fogueira de vaidades”, a qual não me interessava. Tal
tendência ainda apresenta-se muito forte no meio acadêmico musical, desta forma eu vivia em
conflito, praticando fora do âmbito acadêmico soluções alternativas para planejar as minhas
aulas de música. Ou seja, na academia musical nos dedicamos integralmente à execução
artística. Tratam-se de inúmeras e exaustivas horas de estudo diário de instrumento e
fundamentos teóricos, entretanto, não se leva em conta a situação pessoal do indivíduo. São
raros os casos em que verificamos o sistema de avaliação por parâmetros, onde aferimos
indivídualmente o crescimento do aluno.
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Mesmo que tenha sido um período conturbado, eu trago boas recordações daquela
época, pois mais do que tudo contribuiu e muito para o meu crescimento como educador
musical. Hoje em dia, percebo que aliar a prática convencional de música com a inclusão social,
certamente melhora não só o aprendizado como a perspectiva de mundo do indivíduo que é
submetido a tal processo.
Levei alguns anos para tímidamente me aproximar da educação em si, o que em sua
totalidade ainda se trata de um terreno estranho para mim. Ainda assim, em 2012 ingressei
como aluno especial no curso de Educação Sóciocomunitária do UNISAL, o que foi-me uma
grata surpresa, ao encontrar no testemunho de professores como da Profa. Valéria, da Suely,
Norma e de amigos de curso como o Alex e irmã Marianne tudo aquilo em que eu acreditava
e acredito.
É bem possível que eu tenha me tornado um obstinado em defender a contribuição da
música e, neste caso principalmente, através do fazer coletivo, causou em minha vida. Assim
sendo, busco hoje descobrir o que tal metodologia causa na vida de cada um daqueles que
passam tal processo de intervenção sóciomusical.
A predileção em trabalhar com comunidades menos assistidas pela governança deve-se
ao fato de eu ter atuado muitos anos na rede privada onde eu acompanhava crianças e jovens
com acesso irrestrito a uma enorme diversidade de atividades, e quase sempre o seu
desempenho era lamentavelmente mediano. Partindo do pressuposto de que a música é
universal e um direito de todos, penso que deva fazer parte da formação integral de todo o
indivíduo independente da sua situação social.
O meu envolvimento com a “Corporação Musical 24 de Junho” de Artur Nogueira e a
idealização do “Projeto Retreta” se deu de forma natural; entretanto, foi necessário transpassar
inúmeras barreiras há muito tempo arraigadas em instituições como esta. Cheguei a uma
pequena cidade de cerca de quarenta mil habitantes, onde eu era apenas um jovem estranho com
a proposta de modificar a maneira como conduziam aquela entidade que já contava com mais
de setenta e cinco anos de existência.
Assim como muitas espalhadas por todo o território nacional, a Corporação Musical 24
de Junho privilegiava a poucas pessoas do município (cerca de 15 pessoas), sendo elas inseridas
na chamada classe média alta. Através da proposta do Projeto Retreta, que era a de
descentralização e intervenção sóciocomunitária utilizando as aulas de música como ferramenta
principal, da noite para o dia a Corporação Musical abre as portas para todos os interessados
sem nenhuma distinção de raça, credo ou situação social.
17
Inserir-me no maravilhoso mundo de pessoas pertencentes às mais diversas camadas
sociais me ensina muito mais do que eu penso ensiná-las. Aprender os diversos costumes e,
porque não dizer dialetos ou gírias, testemunhar a contribuição do fazer musical coletivo para
eles. É como se eu me visse em cada um deles, seja em uma condição familiar, financeira ou
de propósito que eles tenham na vida e hoje não sou apenas um idealizador com projetos em
minha mente, hoje faço parte de uma comunidade musical.
Através deste fazer de forma empírica, senti a necessidade de pesquisar outros trabalhos
semelhantes, para que a partir da coleta de experiências eu pudesse contribuir ainda mais com
a minha comunidade. Para um músico, tal missão parece impossível, já que dedicamos grande
parte do nosso tempo preocupados com questões artísticas.
No entanto, durante as aulas do mestrado eu pude perceber que a principal questão a ser
abordada seria a de como um programa como este contribui com a comunidade, já que o mesmo
se encontra em andamento. Assim, realizamos uma investigação sobre a concepção de alunos
e egressos a respeito do processo de ensino/aprendizagem para, a partir disso, planejar as nossas
ações com base nos dados obtidos. Além de refletirmos a respeito do programa proposto,
poderemos agir com mais qualidade ao definirmos os conteúdos pedagógicos e sociais do
Projeto Retreta.
O Projeto Retreta utiliza como ferramenta principal de aprendizado a prática coletiva de
instrumentos. Através desta, é possível que o educador trabalhe vários conceitos que
transcendem a prática musical. Além disso, a troca de experiência vivida pelos participantes
aponta importantes resultados.
Educadores como Paulo Freire (1983) e Joel Barbosa (2004), nos orientam a enxergar
o educando de forma ampla, como indivíduos dotados de distintos saberes, e nos indicam ainda
o caminho para desenvolvermos a prática educacional dentro da ética, solidariedade,
valorizando e reconhecendo em nossos alunos suas múltiplas capacidades. Desta forma, a partir
de aulas coletivas o aluno desenvolve de forma lúdica, a busca pelo saber, além da autoestima,
autocrítica, capacidade de reflexão e pesquisa.
Portanto, entendemos aqui o fazer musical sóciocomunitário como algo que deve ser
muito dinâmico, no qual o lúdico e a ânsia pelo saber devem ser um processo intrínseco, para
que não se corra o risco da padronização, o que comumente acontece com propostas de
educação musical.
Pretendemos, portanto, refletir sobre um projeto de educação musical alicerçado em
princípios da educação sóciocomunitária e da Educação Popular, buscando saber quais são os
resultados e qual a influência que as mesmas exercem sobre seus participantes diretos, indiretos
18
e egressos. A partir disso, podemos refletir sobre a ação que a música como ferramenta de
inserção sociocultural exerce sobre a comunidade.
Para fundamentar a pesquisa, tomaremos como referencial teórico os educadores Paulo
Freire e Joel Barbosa, que se destacam na área de educação popular e educação musical. Paulo
Freire, uma fonte inesgotável do saber popular, uma inspiração contínua para o fazer
sóciocomunitário. O educador musical Joel Barbosa, há quinze anos ocupa a cadeira de
professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), dentre as suas inúmeras atividades
como coordenador, consultor e e educador de projetos sóciomusicais em todo o território
nacional, tembém fez parte da Comissão de Community Music Activities da ISME
(International, Society for Music Education) e contantemente apresenta resultados dos trabalhos
por palestras e em eventos científicos.
Esta pesquisa busca ainda lançar um olhar analítico sobre a música coletiva como
ferramenta de intervenção sóciocomunitária. A experiência vivida por mim ao longo dos anos
foi de fundamental importância para que eu obtivesse uma melhor compreensão da diversidade
cultural e social que foram observadas dentre os discentes do projeto.
No decorrer da pesquisa procuramos verificar como esse projeto pode oferecer
possibilidades de promoção ou construção de um ambiente de educação, arte, música e
diferentes práticas sociais. Acreditamos que esse tipo de ensino musical que ocorre nos projetos
sociais que trabalham a música também é visto como um meio de inserção social onde o fazer
musical é “eixo aglutinador” (KLEBER, 2006) e através das interações entre os sujeitos
promove o seu desenvolvimento educacional, social e artístico. A presente pesquisa busca,
portanto, aprofundar essa compreensão e, possivelmente, ampliar os conhecimentos sobre
distintas formas de fazer musical.
19
1 INTRODUÇÃO
Música, a mais antiga manifestação da arte é intrínseca ao cotidiano de todos os povos.
Por mais que possamos retroceder na história da humanidade, sempre vamos encontar a música
presente em toda a história, como sendo ela primariamente ligada ao sagrado. Em diversas
circunstancias, sejam elas de alegria, tristeza, saúde, doença, catástrofes, conexões
sobrenaturais, o ser humano desde sempre vale-se da música em seus ritos. A música vocal,
corporal, ou mesmo aquela música“pensada” durante o duro trabalho, pequenos saraus
promovidos no interior de casas após o jantar, nas comemorações, nas danças sapateadas, ao
som de sanfona e violão, que animavam e ainda animam os bailes de jovens, adolescentes e
adultos nos finais de semana e se firmando como o som de uma vida. A música de louvor e a
música de “fervor”, todas elas ocupando um espaço imprescindível nas mais distintas
comunidades.
A banda de música destaca-se como um dos mais populares grupos de musicalização
coletiva, praticando o fazer sóciocomunitário de forma empírica. Trata-se de uma formação
instrumental muito requisitada e, dentre as suas atividades, destacam-se os concertos e retretas,
apresentações públicas nos coretos das praças, quando quase sempre mostra um repertório mais
elaborado, com peças eruditas, além das composições tradicionais (marchas militares, boleros,
valsas, maxixes, entre outras), preocupando-se ainda em executar peças atuais. Vale também
destacar a grande influência dos músicos europeus na formação dos nossos instrumentistas de
banda (STEHMAN, 1964, p. 125). D. João VI além de mandar muitos cantores para terras
brasileiras trouxe para o Rio de Janeiro por volta de 1812, vários músicos italianos e franceses
tais como: Christiano Antoni, Jean Antoine Gabriel, Giuseppe Moraglia, entre outros. No
entanto, pouco tempo depois já era possível encontrar em vários municípios espalhados pelo
país, várias famílias que se reuniam para a prática musical em conjunto, sendo que estas já
contavam com uma boa técnica no instrumento.
No início do século XX, devido à alta imigração no Brasil, deu-se início a vários
movimentos musicais em suas respectivas comunidades. Os grupos que formavam tal
movimento podem ser definidos como “banda musical”.
Há muito, questiona-se sobre a importância do trabalho da banda musical e da música
de uma maneira geral na sociedade, questiona-se ainda que resultados tem atingido ou deve
atingir o trabalho desenvolvido por estes grupos. Entreter? Expressar emoções? Comunicar?
Contribuir para a integração das pessoas através do lazer? A banda de música ao longo da sua
20
existência pratica todas essas funções, dentre outras prováveis que lhe foram certamente
atribuições como inatas.
Desde o seu surgimento, a banda de música já adotava mesmo que inconsciente a
metodologia do ensino coletivo de instrumentos musicais, pois todos os instrumentos eram
ensinados pelo maestro da banda em aulas coletivas. Tal método provoca uma troca de
informações que vai muito além do conteúdo artístico. O intercâmbio de experiências, que
quase sempre é mediado pelo maestro do grupo, faz com que cada integrante atue como uma
espécie de espelho, onde uns aos outros se refletem, promovendo assim uma imediata troca de
informações. Com isso é possível verificarmos o crescimento dos músicos, tanto na área
musical, quanto na área das relações interpessoais.
Além disso, as diversas experiências coletivas vivenciadas no ambiente musical pelos
educadores e educandos fazem com que a percepção do papel do indivíduo em sua comunidade
aumente gradativamente, promovendo assim um ambiente de cooperação.
Só conseguimos viver e experimentar a vida como uma coisa boa e valiosa
quando estamos juntos e partilhamos momentos significativos deste ‘estar
juntos’. Só podemos estar voluntariamente juntos quando cooperamos uns
com os outros e aprendemos a ser e viver uns por intermédio dos outros. Só
logramos compartir situações de cooperação quando não são uma necessidade
vital, mas quando uma vocação gratuita a ter os outros voluntaria e
afetuosamente junto a mim cria entre nós um contexto de emoções de
aceitação da pessoa do outro e de cooperação com ela (BRANDAO, 1985, p.
91).
Além de integrar, a música praticada no ambiente coletivo colabora também para o
crescimento individual da pessoa. Neste sentido, Confúcio, o grande filosofo chinês, afirmava
que a boa música contribui para a construção do caráter do homem: (CONFÚCIO, apud
IKEDA, 2015, p. 1).
A música do homem de espírito nobre, suave e delicada, conserva um estado
d’alma uniforme, anima e comove. Um homem assim não abriga o sofrimento
nem o luto no coração; os movimentos violentos e temerários lhe são
estranhos. Mais que isso: uma vez que os indivíduos são os materiais básicos
de construção da sociedade, a música também poderia afetar nações inteiras,
melhorando-as ou piorando-as. De acordo com Confúcio: “Se alguém desejar
saber se um governo é bem ou mal governado, se sua moral é boa ou má,
examine a qualidade da sua música, que obterá a resposta”.
Muitos filósofos dissertaram a respeito da grande importância da música no que diz
respeito à formação do homem, fazendo-se presente desde a antiguidade em todos os eventos
21
cotidianos a que se tem registro, sejam elas religiosas ou até mesmo de lazer, podemos dizer
que ela desde sempre cumpre um importante papel social. Treze séculos antes de Cristo, a China
já contava com a música em sua cultura. No Egito, a música era usada em todos os ritos
sagrados. O rei Davi era considerado músico, poeta e construtor de instrumentos, através dos
seus salmos e cânticos temos uma breve noção da música praticada por Davi. Infelizmente desta
época sobraram apenas indícios arqueológicos que nos revelam vagamente a história musical
daquele período.
Entretanto, o fato é que ela sempre esteve lá, como uma forma inclusive de educar.
Aristóteles, sugeria o ensino da música como um conteúdo importante a educação do corpo e
mente. Pensando na eficácia da prática coletiva de ensino de instrumentos, podemos ainda nos
apoiar em outro pensamento do mesmo filosofo que afirmava: “conhecer o universal também
nos faz conhecer o particular, mas conhecer o particular não envolve o universal”
(ARISTÓTELES, apud GARDNER, 1998, p. 47).
Partindo do pensamento de Aristóteles a respeito do conhecimento universal,
encontramos no “raga”, uma música de origem indiana que era praticada de forma empírica,
do professor para o aluno sem o seu registro formal em partituras, o conhecimento era apenas
passado de forma oral, objetivando a integração do grupo com o ser supremo em busca do
estado de espirito divino. Neste caso, utilizava-se a música em forma de mantras para
universalizar os conceitos pregados, tal prática buscava ainda fazer com que o indivíduo
transcendesse o estado material buscando uma meditação profunda, autoconhecimento e
concentração, o que segundo a crença resultaria na cura de doenças físicas e espirituais.
Passaram-se mais de cinco mil anos desde que a música do ser humano talvez não fosse
mais do que o percutir de restos de ossos sobre troncos, o que podemos entender como a
primeira forma de instrumentos de percussão, e a manifestação da música vocal, através de
sons desordenados emitidos pelo homem da antiguidade.
Não desconsiderando a teoria da evolução da espécie, proposta por Darwin, segundo a
cosmovisão cristã, existem registros do antigo Egito, oriente médio e em Roma que citam a
formação de grupos musicais ambulantes que podemos definir como uma banda; como
exemplo, o grupo citado no livro bíblico de Josué (cap. 6:6) a respeito da tomada de Jericó:
“Então o povo gritou quando os sacerdotes tocavam as suas trombetas”.
De volta aos dias atuais, mais especificamente no Brasil, a indústria midiática que busca
tão somente o sucesso financeiro tem cada vez mais fomentado a baixa qualidade de produção
artística, não se importando com quesitos como: qualidade poética, técnica, tampouco valores
sociais, transformando assim arte em um produto de prateleira comprometido apenas com os
22
altos índices de consumo. Uma das maneiras encontradas para amenizar esta problemática é a
intervenção educacional para que a música e as artes como um todo voltem a ter o seu valor
reconhecido desde a mais tenra infância, aplicada desde a primeira infância do indivíduo.
Neste sentido, Fonterrada (2008, p. 13) aponta que:
O fato de a música ter ou não seu valor reconhecido coloca-a dentro ou fora
do currículo escolar, dependendo do quanto é ou não considerada pelo grupo
social. Se, em determinada cultura, a música for uma das grandes disciplinas
do saber humano, o valor da educação musical também será alto, em pé de
igualdade com o de outros campos do conhecimento. Se, porém, não houver
esse reconhecimento, sua posição em relação às demais áreas será também
marginal. Esta é a questão crucial que se depara hoje no Brasil: o resgate do
valor da música perante a sociedade, único modo de recolocá-la no processo
educacional.
Acreditamos que a intervenção sóciocultural através da educação musical escolar pode
utilizar como ferramenta o método coletivo, assim como as bandas de música. O mediador da
classe deve promover a troca de informação com sabedoria e humildade, e aprender a todo o
tempo com o seu grupo. A este respeito Freire (1979, p. 15) diz que:
Por isso não podemos nos colocar na posição de ser superior que ensina grupo
de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber
relativo a outros que possuem outro saber relativo (É preciso saber reconhecer
quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com
humildade).
A proposta desta pesquisa vem exatamente nesta direção, qual seja, revitalizar a cultura,
através do ensino da música pela educação musical sóciocomunitária. Considerando que a
grande maioria dos municípios do Brasil, segundo os dados oficiais da Funarte, contam com a
antiga tradição de manter Corporações Musicais em atividade, escolhemos a “Corporação
Musical 24 de Junho de Artur Nogueira/SP, que desenvolve o Projeto Retreta nas Escolas da
rede pública para este estudo de caso.
Portanto, qual a influência que o uso da música como ferramenta de inserção
sóciocultural exerce sobre a comunidade participante do Projeto Retreta? O que
representou/representa o Projeto Retreta na vida dos participantes? O que pensam sobre a
metodologia de ensino utilizada no Projeto? Quais os pontos fortes e as fragilidades em sua
opinião?
Assim sendo, a proposta deste trabalho é de que sirva como mais um dispositivo deste
processo, partindo do pressuposto de que a contribuição artística/musical que ele fornece à
23
comunidade é de extrema importância para o crescimento do indivíduo. A partir disso, analisar
o fazer social no processo de ensino/aprendizagem, buscando aprofundar, ampliar e
fundamentar uma melhor proposta de educação musical a partir de um olhar sóciocomunitário.
A presente pesquisa está organizada em três capítulos. No primeiro veremos um
pequeno histórico das bandas de música, falando de seu repertório, sua funcionalidade, como
podem ser classificadas; conhecendo a sua estrutura e as diferenças existentes entre suas
variadas formações e tipos. No segundo, abordaremos algumas considerações sobre o processo
de educação não formal exercido pelas corporações musicais. Para finalizar, o terceiro, será
composto do conteúdo e análise da pesquisa de campo – estudo de caso do Projeto Retreta.
24
2 METODOLOGIA
Na presente pesquisa, optamos pelo estudo de caso, trata-se de uma forma característica
de averiguação empírica que objetiva descrever, apontar ou testar teorias que possam
proporcionar uma generalização analítica. Severino (2007) afirma que o estudo de caso é uma
pesquisa escolhida pelo pesquisador visando um caso específico e que poderá ser representativa
para um grupo de casos análogos, cujos resultados poderão ser aproveitados para o estudo da
sua realidade, e os dados obtidos através da pesquisa devem ser analisados com o máximo
cuidado.
Esta pesquisa pode ser classificada como estudo de caso, já que, para tanto, temos um
objeto investigado (Corporação Musical 24 de Junho), entidade que desenvolve o Projeto
Retreta. Com o presente estudo de caso, verificaremos os pontos fortes e frágeis do projeto. No
entanto, para agregar ainda mais credibilidade aos resultados utilizaremos ainda aspectos da
pesquisa quantitativa.
No tocante à pesquisa quantitativa de estudo de caso, Ludke e André (1986, p. 17) afirma
que tal metodologia objetiva o estudo de somente um caso. Tal ferramenta de pesquisa deve ser
empregada no momento em que o investigador pretende analisar um caso distinto. Elas apontam
ainda que “o problema deve ser bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente
definidos no desenvolver do estudo” (idem).
As autoras citam ainda as principais características do estudo de caso, que são:
a) Os estudos de caso visam à descoberta;
b) Os estudos de caso enfatizam a interpretação em contexto;
c) Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda;
d) Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação;
e) Os estudos de caso revelam experiência vicária e permitem generalizações
naturalísticas;
f) Os estudos de caso procuram representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos
de vista presentes numa situação social;
g) Os relatos de estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do
que os outros relatórios de pesquisa (LUDKE E ANDRE, 1986, p. 18-20).
O objetivo pretendido com a metodologia de pesquisa quantitativa é traduzir em gráficos
numerais a opinião dos participantes do projeto, apontando assim os pontos positivos e
negativos do objeto investigado. O instrumento a ser utilizado para a coleta de dados foi o
25
questionário digital, que possibilitou de maneira confiável o diagnóstico inicial para o
desenvolvimento dos gráficos.
O questionário foi partilhado com o auxílio da ferramenta Google.docs que é uma
plataforma de pesquisa digital muito utilizada na área da educação. A partir de um roteiro de
questões elaborados pelo pesquisador, os questionários foram enviados (via e-mail) a diversos
participantes de forma direta ou indireta do Projeto. Inicialmente, foi enviado um questionário
em caráter de teste, direcionado a um pequeno grupo de pessoas que auxiliaram com as suas
sugestões na melhor elaboração da ferramenta de pesquisa. A próxima etapa foi a análise dos
dados obtidos, para que o resultado das informações auxiliassem na obtenção da meta inicial
da presente pesquisa.
Partindo do pressuposto de que para o investigador de um estudo de caso interessa o
contato direto com o cotidiano do objeto investigado, desta forma, vale lembrar que projetos
semelhantes sofrem constantes mudanças do contexto social e até geográfico, o que certamente
ocasiona conflitos de dados dependendo do ambiente investigado.
Em resumo, os procedimentos metodológicos utilizados foram os seguintes: coleta de
dados por meio de um questionário digital, a fim de obter uma melhor compreensão do objeto
de estudo, e análise destes dados para fazer o diagnóstico e as considerações e, assim, obter os
resultados finais da pesquisa.
26
3 A BANDA DE MÚSICA: DA CAPO SEM CODA
Para compreendermos o contexto histórico e a importância da banda de música, é
necessário que, em primeiro lugar, saibamos claramente o significado da palavra “banda”. Uma
das possibilidades é a de que palavra “banda” tenha origem germânica anterior à Alemanha.
Segundo (SADIE, 1994, p. 71): o termo Banda é derivado de “bando”, trata-se de um conjunto
instrumental. Em sua forma mais livre, “banda” é usada para qualquer conjunto maior do que
um grupo de câmara. As cornetas e tambores, acompanhando um oficial que fazia uma
proclamação, formavam um bando. Nos tempos coloniais, era assim que anunciavam os
decretos, leis, festividades. Portanto, do bando veio a banda de cornetas, tambores, pífaros e,
desta, a banda militar ou de regimento completa e banda sinfônica.
Também pode-se explicar a sua origem francesa de “bande” que significa um sinal ou
uma bandeira. As fanfarras eram classificadas como banda por se tratarem de um grupo de
sopros e percussão o qual emitia sons demasiadamente altos.
Ainda a este respeito, Sadie (1994 p. 71) afirma que na Inglaterra do sec. XVIII, a
palavra banda era usada coloquialmente para designar uma orquestra. Hoje em dia, costuma
ser usada com referência a grupos de instrumentos relacionados, como em “banda de metais”,
“banda de sopros”, “banda de trompas”. Vários tipos recebiam seus nomes mais pela função
do que pela constituição (banda de dança, banda de jazz, banda de ensaio, banda de palco). A
banda destinada para desfiles (marching band), que se originou nos EUA, consiste de
instrumentos de sopro de madeira e metais, uma grande seção de percussão, balizas, porta
bandeiras etc.
Uma formação mais moderna é a banda sinfônica de sopros, norte-americana, que se
origina de grupos como a Gilmore’s Band , em 1859, e US Marine Band, dirigida por John
Philip Sousa, no período de 1880-92.
No que se refere à qualidade artística, ainda nos dias atuais conceitua-se erroneamente
uma certa hierarquia entre o grupo “banda” e “orquestra”. O músico violinista e compositor
americano John Phillip Sousa, um dos maiores ícones do movimento de bandas de todos os
tempos, sempre que indagado a respeito da qualidade de uma banda em relação à orquestra,
respondia: “Inferior nunca, apenas diferente! Em arte não há hierarquia. O critério de valor é o
efeito artístico” (MEIRA, 2000, p. 44).
Mundialmente falando, o número de bandas musicais é extremamente mais elevado
em relação às orquestras. Deve-se inclusive ao fato de ser muito mais fácil e simples a sua
viabilização do ponto de vista estrutural e financeiro. A facilidade logística de uma banda,
27
aliada à disciplina herdada dos jesuítas e dos militares, disseminaram a prática de banda, que
atuava e atua como uma espécie de conservatório popular, suprindo por décadas a lacuna da
educação musical formal, promovendo assim, uma das primeiras formas do fazer
sóciocomunitário através da música.
Podemos assim entender, ao confirmarmos a indispensável presença destes grupos nas
mais diversas manifestações públicas, sempre em “papel de destaque”, ao toque de uma banda
proclamaram-se guerras, foram e são recebidos reis, chefes de estado e todo o tipo de
autoridade, religiosa, militar ou política. São as bandas de música que servem para louvar nas
mais diversas manifestações espirituais, despertar o civísmo de distintos povos. Está presente
na música matrimonial e na música fúnebre, enfim, poderíamos enumerar muitas situações em
que a banda de música faz-se presente.
A seguir, veremos um pequeno histórico das bandas de música, falando de seu
repertório, sua funcionalidade, como são classificadas, conhecendo a sua estrutura e as
diferenças existentes entre suas variadas formações e tipos.
3.1 Pra ver a Banda chegar
Apesar de existirem indícios da existência da banda de música no estado do Pernambuco
por volta do século XVII, mais precisamente em Recife e Olinda - formações que hoje
classificamos como “grupos de pífanos” e “fanfarras” eram considerados “banda” na época. Foi
somente por volta da segunda metade do século XVIII que sua existência se ratifica com o
início do movimento de bandas no Brasil. Segundo apurou Pereira (1999), o registro mais
importante sobre o início do movimento de bandas no Brasil é por algum motivo até os dias
atuais pouco difundido. Trata-se de uma crônica do doutor em direito José Vieira Couto
Magalhães, que é citada por Vincenzo Cernicchiaro (1926), da qual Pereira (1999, p.21) destaca
o trecho referente à banda:
O padre Manuel de Paiva (que deveria ser um homem de mente extraordinária,
usando para o bem a arte musical) recebia em Santos a visita do padre Nunes
(Nunes), vindo de São Paulo. Depois do jantar o padre Nunes, maravilhado,
escuta uma serenata na vizinhança do convento. Eram os trovadores
portugueses e indígenas que mesclavam os próprios cantos com o dos
indígenas (sic), com boa e civil harmonia. A orquestra já organizada pelo
Padre Paiva era um atrativo para os jovens bárbaros, que tinham revelado rara
28
aptidão para a música. São brasis (sic) os vossos músicos? Alguns, porém
esperamos ter em breve uma banda completa dos nacionais.1
Ainda que o registro citado seja bem limitado, passa a ser de extrema importância, já
que apresenta nomes que não são citados comumente nos trabalhos históricos. A citação se
refere ao diálogo de dois padres que foram importantes na Companhia de Jesus, juntamente
com os padres Manuel da Nóbrega, em1549, e José de Anchieta, em 1553. O padre Manuel de
Paiva foi diretor e reitor do Colégio de São Paulo e o padre Leonardo Nunes, antes de 1550,
formou uma espécie de seminário ou colégio em São Vicente (REZENDE, 1954, p. 197 e 198,)
onde ensinava música aos meninos órfãos e aborígines.
Na citação inicial é importante destacar o diálogo que revela a “rara aptidão para a
música”, (o que não causa espanto, porque sabe-se que os indígenas desde as suas origens se
valem de inúmeras formas de manifestação musical, como por exemplo: em suas cerimônias
dedicadas aos “deuses” (do sol, da água, da terra), usavam flautas, chocalhos e outros tantos
instrumentos de percussão).
A respeito da denominação banda, vemos através da afirmação do padre Manoel Paiva:
formar “uma banda completa de nacionais” “em breve”. Na conversa, Leonardo Nunes
classifica o grupo ouvido como orquestra e mais adiante Manoel Paiva reafirma o termo banda.
Determinada a origem do termo e a existência da Banda de Música, já durante a
colonização, nos ateremos agora na busca de uma melhor compreensão a respeito dos
instrumentos que eram utilizados, sendo eles a grande maioria da família dos sopros e
provenientes da Europa.
Simão de Vasconcellos (1596-1671) confirma não só o interesse dos participantes pela
música, mas também a difusão do ensino musical e determina os instrumentos ao relatar: “São
afeiçoadíssimos à música, e os que são escolhidos para cantores do coro prezam muito do ofício;
e gastam os dias e noites a aprender e ensinar outros. Saem destros de todos os instrumentos
musicais: charamelas, flautas, trombetas e fagotes” (REZENDE, 1954, p.199).
Na Figura 1 podemos ver algumas ilustrações dos instrumentos citados por Simão.
Figura 1 – Charamelas
1Dada a importância histórica da citação, em que o termo Banda aparece explicitamente, podendo ser a primeira
informação bibliográfica sobre a origem da Banda de Música no Brasil, utilizou-se o grifo. Há o intercâmbio com
o termo orquestra, prática comum na época.
29
Fonte: JENSKINS (2009, p. 164)
A charamela é um instrumento de sopro construído em madeira, originário da Eurásia
(que podemos entender como um conglomerado dos continentes europeu e asiático), para a
emissão de som é necessário o uso de palhetas duplas ou simples, as charamelas contavam com
um grande volume sonoro. (No século XVII os grupos que antecederam a banda de música
eram denominados “charameleiros”, apesar de que os grupos não eram constituídos apenas de
charamelas). Provavelmente, instrumentos musicais como a clarineta, o oboé e até mesmo o
fagote originaram-se da charamela.
Na figura 2 temos diversas flautas, certamente um dos mais antigos instrumentos de
sopro dos quais se tem ciência. De acordo com MCCOMMON (1963) existem instrumentos
datados de 4.000 anos atrás que foram resgatados na região dos Alpes da Alemanha. Existem
muitas flautas também de origem indígena que eram confeccionadas com ossos de animais e
humanos, além de bambu e madeira. A flauta é classificada como um instrumento da família
das madeiras, trata-se de um tubo cilíndrico, o seu som é produzido pela vibração do ar ao
passar por uma aresta chamada bocal, a mudança da altura de notas se dá pelo processo
mecânico empregado nos orifícios encontrados por todo o corpo do instrumento.
30
Figura 2 – Flautas
Fonte: JENSKINS (2009, pp. 128-131)
Um dos instrumentos mais antigos que se tem registro é o Trompete (Figura 3) trombeta
ou pistão. Consta em documentos egípcios que registram a pintura do instrumento, além de
terem sido encontrados dois instrumentos no sarcófago do faraó Tutancâmon. Presença
constante na historiografia bíblica, o trompete é um instrumento oriundo dos chifres animais e
que hoje é construído em metal. O princípio de produção de som assemelha-se ao da flauta, no
entanto ao invés de orifícios o trompete conta em seu corpo com alguns mecanismos que são:
chave de água, pistões, volta de afinação, cotovelos e por fim o bocal.
Figura 3 – Trompete
Fonte: JENSKINS (2009, p. 108)
O próximo instrumento ilustrado na Figura 4 é derivado do italiano fagotto, o Fagote
também é um instrumento musical da família dos sopros, o som é produzido por um sistema de
palhetas duplas que são fixadas em um tudel de cobre, o seu corpo é construído em madeira de
cerca de 2,5 metros.
31
Figura 4 – Fagotes
Fonte: JENSKINS(2009, p. 176)
Alguns historiadores definem os instrumentos mais ligados aos indígenas. “Dançavam
e cantavam, por exemplo, em ocasiões de guerra, morte, doenças, colheitas, caça ou pesca.
Como instrumentos, usavam chocalhos de variada espécie, como o maracá, além de trombetas,
buzinas, flautas rústicas, assobios e os chamados bastões de ritmo” (REZENDE, 1954, p. 254).
Na Banda de música, ainda hoje, utiliza-se grande parte dos instrumentos de sopro que
provavelmente foram os primeiros a serem trazidos da Europa para o Brasil desde a
colonização. Além da presença significativa de instrumentos de sopro na época, uma das
formações mais mencionadas era o terno de flautas e de charamelas - os mais citados (JUSTI,
1995, p. 64).
A partir do século XVII, era muito comum a presença nas fazendas de café e outras
culturas, de bandas formadas por escravos e índios. Os senhores feudais, ou senhores de
engenho as exibiam aos demais como um troféu, concorrendo aos outros a respeito do tamanho
e da qualidade da sua “banda particular”.
No advento da abolição da escravatura, podemos verificar mais uma vez a forte presença
das bandas de música que foram as protagonistas dos festejos da época conforme comprova a
reportagem do “Jornal do Senado” de 1888 (Figura 5)
32
Figura 5 – Jornal do Senado
FONTE ( Rio de Janeiro, 2015)
Vale aqui apontar que, ainda nos dias atuais, permanece desde 1933 em atividade na
cidade de Campinas S.P., (município que tardiamente aderiu à abolição da escravatura), a
Corporação Musical Campineira dos Homens de Cor, a banda dos “homens de cor” (como é
chamada), teve como objetivo primário criar um espaço para que os negros pudessem se reunir
e expressar a sua arte através da música.
A este respeito Mariuzzo (1933, p. 1) cita que:
Por volta da metade do século XIX, várias bandas começaram a se formar em
Campinas, num processo que atingiu o seu auge em 1870, estendendo-se até
a virada do século. A expansão deste tipo de agrupamento musical ligava-se à
crescente urbanização pela qual a cidade passou neste período. Estas
mudanças permitiram a parcelas da população novas opções de lazer e
relações de sociabilidade. Neste cenário, é fundada a Banda Ítalo-brasileira no
ano de 1895, grupo que viria a gozar de grande prestígio na cidade. Pelo fato
33
da banda não aceitar a participação de músicos negros, essa foi a principal
motivação para a criação da Corporação Campineira dos Homens de Cor, em
1933. Um grupo de homens negros dos quais nem todos eram músicos,
resolveu criar uma banda que receberia apenas indivíduos negros. O objetivo
era criar uma alternativa de ensino musical e lazer para os negros de
Campinas, indo contra o forte legado escravista presente na sociedade
campineira.
Como podemos ver no texto de Mariuzzo , no século XIX, muitas bandas comunitárias
passaram a ser instituídas no pais ", difundindo assim a chamada“banda de barbeiros2”, que
além do repertório sacro, executavam músicas seculares nas mais diversas manifestações
populares.
Posteriormente, após o músico Anacleto de Medeiros fundar a banda de música da ilha
de Paquetá R.J., Anacleto a convite do tenente-coronel Eugênio Jardim formam a mais
importante Banda de Música que se tem registro no Brasil: A Banda de Música do Corpo de
Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. A respeito disso Cazes (2010, p.28) afirma que:
Em 1896, Anacleto recebeu do tenente-Coronel Eugenio Jardim o convite
para organizar a Banda do Corpo de Bombeiros e para isso arregimentou ex-
colegas do Arsenal de Guerra, como os trompetistas Luís de Souza e
Casemiro Rocha, e outros chorões de boa técnica. Isso fez com que a banda
passasse a se destacar das demais de sua época, pela melhor afinação, leveza
e arranjos bem-acabados.
Através do rigoroso trabalho de Anacleto de Medeiros a banda passou a agregar um
alto nível de qualidade técnica e artística, como podemos verificar no texto de Alexandre Pinto.
Além de exigente do ponto de vista técnico, Anacleto era considerado como um mestre
“violento”, devido a sua rispidez perante a Banda.
Como maestro ensaiador, transformou a Banda do Corpo de Bombeiros em
um conjunto de músicos professores que o respeitavam e o obedeciam, na
maior rispidez de suas energias, pois Anacleto, era um diretor de música
caprichoso e violento (PINTO, 1936, p. 78).
2Barbeiros - Realmente, dentre as atividades historicamente desempenhadas no Brasil Colônia por negros livres
ou a serviço de seus senhores, a que por seu caráter de atividade liberal mais conferia destaque pessoal era a de
barbeiro. O barbeiro, pela brevidade mesma do serviço - fazer barba ou aparar cabelos era questão de minutos -
sempre acumulara outras atividades compatíveis com sua necessidade manual e era representada pela função de
arrancar dentes e aplicar bichas (sanguessugas). Essas especialidades, sempre praticadas em público, situavam os
barbeiros numa posição toda especial em relação às profissões mecânicas ou demais atividades de caráter
puramente artesanal. E como seus serviços em tal atividade liberal lhe permitiam tempo vago entre um freguês e
outro, os barbeiros puderam aproveitar esse lazer para o acrescentamento de outra arte não mecânica ao quadro de
suas habilidades - a atividade musical (História Social da Música Brasileira, p. 157).
34
Há que se confirmar então que Anacleto de Medeiros arregimentou músicos de diversas
origens transformando-os em professores de alto nível, reconhecidos nacionalmente,
colaborando inclusive para as rodas de choro que se formavam naquela época nos subúrbios
do Rio de Janeiro, fazendo com que ambos os movimentos, a banda de música e as rodas de
choro passassem a contar com um admirável nível técnico e artístico.
A troca de saberes promovida pela ação de Anacleto de Medeiros ultrapassou os limites
artísticos; o processo de intercâmbio entre os músicos de banda e os de roda de choro, resultou
em um dos primeiros intercâmbio sociais a que se tem notícia no cenário musical brasileiro.
Cazes (2010, p. 31) afirma que: a ponte que Anacleto realizou entre a cultura das bandas
e das rodas de choro enriqueceu enormemente ambas as manifestações. Por um lado, a Banda
do Corpo de Bombeiros conseguiu um resultado único em termos de coesão e musicalidade,
por outro, a linguagem chorística se propagou como em nenhum outro momento.
Além de alavancar o cenário musical do Rio de Janeiro, Anacleto de Medeiros tornou
a Banda de Música do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro uma referência de
qualidade para todas as bandas do Brasil até os dias atuais.
A Banda Militar e a Banda Civil, dentre as mais diversas formações, são as duas
caracterizações mais utilizadas. De acordo com Kandler (2011), quanto a denominação
das bandas participantes dos concursos da Confederação Nacional de Bandas e Fanfarras
– CNBF5 existem: Banda de percussão; Bandas e Fanfarras, e essas três se subdividem
de acordo com a composição dos instrumentos
Banda de Coreto (trata-se dos grupos que se dedicam a se apresentar em praças públicas
nos espaços denominados “coretos”).3
Banda Musical(A banda musical além de cumprir as atribuições da banda de coreto,
apresenta-se ainda marchando)
Banda Sinfônica : A banda sinfônica, conta com um repertório e consequentemente um
instrumental mais amplo, o que inclui piano, contrabaixo, violoncelo e, por vezes, harpa; a
banda sinfônica normalmente se apresenta em teatros ou espaços fechados, assim como as
orquestras.
Banda Filarmônica (se diferencia das demais por tratar-se de sociedades musicais que
se mantém com o apoio privado)
3é uma cobertura, situada ao ar livre, empraçasejardins, para abrigar bandas musicais em concertos, festas
eromarias (dicionário Aurélio). 5Disponível em http://www.cnbf.org.br/regulamento.html. Acesso em 05/08/2015
35
Banda Marcial que vem da subdivisão da banda de percussão, podendo
atualmente, no Brasil, banda marcial é composta de instrumentos de metais e
percussão e corpo coreográfico. Nao inclui instrumentos de madeira. certamente é
a que mais se aproxima das bandas militares no que diz respeito ao uso impecável de
uniformes que incluem quepes, além da ordem unida). A banda marcial nasceu no final
do século XVII, quando músicos militares foram enviados para a então escola
republicana, com a missão de formar bandas de sopros e percussão com os alunos e
músicos amadores.
Corporação Musical, trata-se de organizações formadas por músicos, com o objetivo de
estruturar legalmente um trabalho musical, fazendo com que estes trabalhos pudessem
inclusive receber apoio financeiro da iniciativa privada e governamental;
Euterpe, segundo a mitologia grega, era a deusa da música, muitas bandas de música no
Brasil adotam a denominação “Euterpe”, dentre elas destaca-se a Euterpe Cachoeirense
que é a mais antiga do estado de Minas Gerais.
No tocante ao repertório, além de um vasto repertório de origem européia, que incluiam
músicas folclóricas a reduções de grandes obras sinfônicas, as bandas de música tiveram e tem
importante papel na difusão da música popular brasileira em seus respectivos coretos,
dedicando-se à execução de choros, maxixes, valsa e ainda um vasto repertório de músicas
regionais.
A esse respeito, Tinhorão (1998) afirma que certamente seria de muita conveniência ir
aos poucos habituando essa gente (referia-se ao povo das praças públicas, reunindo para ouvir
música de coreto) a apreciar também boas melodias, e assim modificar o juízo de que os
concertos públicos são unicamente para os que tem pelos sambas e maxixes restrita preferência.
Ainda a respeito de repertório, ressaltamos que a partir de 1995 a FUNARTE iniciou
um trabalho de resgate e reestruturação de vários tipos de obras que foram escritas
específicamente para as bandas de música, a série intitulada “Repertório de Ouro das Bandas
do Brasil”. Em uma primeira fase, foram lançados 14 títulos que foram cuidadosamente
trabalhados pelo renomado maestro Marcelo Jardim.
A seguir foi lançado a série: “Música Brasileira para Banda”. Trata-se de vinte títulos
de músicas populares compostas em diversas épocas, cuja releitura dos arranjos confere um
toque de sofisticação às obras sinfônicas, contudo sem perder a essência primária. Um outro
ponto muito importante a destacar é que este material possibilita a execução das obras para os
mais variados tipos de formação de banda, não importando o número de músicos executantes.
Tal ação inclui os grupos de menor porte existentes no país.
36
Há que se dizer ainda que esta vitoriosa iniciativa da FUNARTE, disponibiliza em sua
plataforma digital todos os títulos gratuitamente, caso seja de interesse adquirir o arquivo físico
basta apenas contatar a FUNARTE através do projeto bandas disponível no site.
3.2 O Coreto Brasil
Neste tópico serão expostos os registros oficiais denominando e quantificando a
existência de Bandas de Música no Brasil e no estado de São Paulo. A Ilustração 1 foi
desenvolvida a partir de dados coletados junto ao Ministério da Cultura, através do Projeto
Bandas. A listagem completa de tais bandas é apresentada no Anexo 3.
Ilustração 1 - Mapeamento das bandas de música por estado
Fonte: Departamento de Música Funarte
0
100
200
300
400
500
600
37
Fundado em 1976, um ano após o início da FUNARTE (Fundação Nacional de Artes),
o projeto bandas dedica-se à preservação do patrimônio histórico das bandas de música do
Brasil, através de censos e cadastros que periodicamente são atualizados, sendo possível o
acesso aos grupos cadastrados por todo o território nacional. Além do banco de dados, o projeto
bandas da FUNARTE, fornece instrumentos musicais, cursos de capacitação, além de um rico
acervo de partituras chamado “edições FUNARTE”. A ação da FUNARTE é de extrema
importância para a manutenção das bandas musicais do país.
3.3 O Coreto “São Paulo”
Assim como a FUNARTE que é mantida pelo Governo Federal, a Secretaria de Cultura
do Estado de São Paulo solicitou ao Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de
Campos” (o conservatório de Tatuí), um projeto que objetivasse o cadastramento, o auxílio
técnico além de uma ouvidoria para as bandas de música do estado. Para tanto, em maio de
2008 foi realizado um grande congresso de regentes de banda, na cidade de Serra Negra, São
Paulo, do qual este autor participou. No congresso, foram ouvidos os regentes, além de haverem
varias reuniões de mesa redonda; o resultado foi uma ação estadual para a produção de um
projeto padrão para as bandas de música de São Paulo, nascia ali o Projeto “Coreto Paulista”.
Para analisarmos o número de bandas de música em atividade no estado de São Paulo,
usaremos além dos dados da FUNARTE (Ilustração 1) os dados obtidos pelo projeto Coreto
Paulista. O levantamento realizado pelo projeto Coreto Paulista indica que existem 142 Bandas
de Música inscritas somente neste estado.
A Ilustração 2 demonstra a quantidade de corporações musicais em atividade no estado
de São Paulo, sendo que muitas destas instituições, mantem uma escola de música que fornece
instrumentistas para os seus respectivos grupos. A relação completa é apresentada no Anexo
4.
É preciso ainda registrar que existem divergências entre as informações da FUNARTE
em relação ao Coreto Paulista conforme é representado na Ilustração 3 a lista detalhada pode
ser visualizada no anexo 4, os pedidos de esclarecimento feitos por este autor (via email), não
foram atendidos.
39
Ilustração 3 - Bandas de música no estado de São Paulo (Coreto Paulista)
Fonte: Projeto Coreto Paulista
Vale ainda ressaltar que a coleta dos dados estatísticos sobre o cadastramento das bandas
de música feito, tanto pela FUNARTE quanto pelo Coreto Paulista, e feitos através de
questionários respondidos de forma digital sem a solicitação de qualquer tipo de documentos
que comprovem a veracidade das informações cadastradas. Desta forma, podemos considerar
como sendo “frágeis” as informações de ambos os censos.
3.4 O Coreto Militar
Este tópico nos causa uma sensação de saudosismo e, ao mesmo tempo, uma certa
intimidade e grande interesse para falar do assunto. Como já fora citado no memorial, sou filho
de um músico militar, o que me proporcionou passar um bom período da infância, percorrendo
os corredores e as salas de música do Corpo Musical da Policia Militar do Estado de São Paulo,
que localiza-se no interior do Regimento “Tobias de Aguiar” na capital.
A banda de música está intrinsicamente ligada ao militarismo desde as suas primeiras
manifestações, usadas principalmente para aplicar conceitos e unificar as tropas, verificamos
40
desde o século XIX a presença de grupos de charameleiros e fanfarras que eram classificados
como uma banda.
Segundo a pesquisa realizada por Binder (2006), os indícios da existência da banda
militar anterior a 1808 não se restringiam somente ao Rio de Janeiro. “No final do século XIX,
Recife, Olinda e João Pessoa, então denominada Paraíba, possuíam conjuntos de
instrumentação muito similares ao prescrito no decreto português de 1802”, de acordo com
Costa (apud BINDER, 2006, p.28):
As bandas de música militar datam de fins do século XVIII, pelas que foram
criadas nos regimentos do Recife e Olinda por ato do governador D. Tomas
José de Melo, a cujo exemplo foi criada também uma no terço auxiliar de
Goiânia, em 1789, mantida pela respectiva oficialidade, e mediante
consentimento daquele governador.
Neste mesmo período, com a instituição da banda da guarda nacional, organizada pela
corte portuguesa através da vinda de D. João, iniciou-se um processo de modernização da
infraestrutura destes grupos.
Em 20 de Agosto de 1810, D. João VI promulga o decreto que determina o efetivo
musical que deveria ser implantado em cada regimento militar. Através do decreto, cada
comandante de infantaria da Corte passaria a ter uma verba destinada para a criação e a
manutenção de um grupo musical que deveria contar com: um maestro e cerca de quatorze
soldados músicos.
Tendo como ponto referencial as excelentes bandas musicais formadas por soldados
recém chegados da guerra peninsular, fora sistematizado em 1814 um programa de ensino
musical em todos os quartéis brasileiros, onde cada oficial músico deveria ensinar a quatro
soldados por vez, diversos instrumentos.
As bandas militares talvez tenham sido uma das primeiras formas de trabalho formal
para o músico, inserindo inclusive o músico amador no quadro social o qual pertencia. A partir
da banda musical militar, o músico não erudito passou a encarar a prática musical de maneira
mais sistematizada, passando a ser então um ponto de descoberta e abrigo de inúmeros grandes
músicos a que se tem ciência no Brasil e no mundo.
Sendo os músicos considerados profissionais diferenciados, era comum o ingresso de
músicos civis, muitas vezes portando o próprio instrumento, passarem a integrar as “fileiras
militares”, reafirmando novamente que o fator social o qual passavam a se enquadrar fazia
com que os mesmos não se portassem como militares “subordináveis”: agiam como oficiais
de primeiro escalão, inclusive na equiparação do soldo. Um outro fator a considerar era a
41
dificuldade inclusive financeira e logística, no que se referia à aquisição do instrumental, já
que esses eram trazidos exclusivamente da Europa.
Em dias mais recentes, segundo Andrade (1997), no Brasil existem 120 Bandas das
Forças Armadas e 100 das Forças Auxiliares. Sendo 23 Bandas da Força Aérea e 30 Bandas
Marciais; no Exército são 79 bandas com formações que variam de 16 a 97 músicos. A Marinha
possui 16 bandas com 600 músicos, totalizando cerca de 3500 músicos. Passaram-se quase vinte
anos após esta coleta de dados e infelizmente não foi possível encontrarmos atualizações a esse
respeito.
Segundo o dicionário Michaelis (2015), a palavra “coreto” deriva de coro, referindo-se
mais especificamente a “pequenos coros”, tratam-se de pequenas edificações de origem
francesa, onde utilizava-se este espaço para pequenas manifestações artísticas, em geral os
coretos ainda são encontrados em praças públicas. No Brasil, encontra-se em maior número no
estado de Minas Gerais, devido ao alto número de bandas existentes lá (Ilustração 1).
Ao longo da minha vivência junto às bandas de música, pude ouvir relatos de músicos
mais antigos que justificavam o tamanho diminuto dos coretos, devido também à influência
militar. Segundo esses relatos, era muito comum que músicos militares na fase da sua
aposentadoria, ou “ida para a reserva” como preferem os militares, voltassem aos municípios
de sua origem. Não era raro que estes profissionais assumissem então as bandas daquelas
localidades. A partir de suas experiências militares, eles influenciavam não somente no
repertório, mas também na disciplina, desfiles, uniformes, e até mesmo sugeriam que um coreto
deveria abrigar de quinze a vinte músicos, tocando em pé, já que na caserna o padrão instituído
de bandas era este.
O pequeno município de Artur Nogueira também conta com o seu coreto. Recentemente
restaurado (Figura 6), o coreto é referência turística do município, além de se fazer presente em
diversas ocasiões que vão de Retretas da banda a manifestações políticas e religiosas como
monstram as Figura 7 e 8.
42
Figura 6 - Coreto de Artur Nogueira
Fonte: Autor (2015)
Figura 7 - Retreta no Coreto de Artur Nogueira
Fonte: Autor (2015)
43
Figura 8 - Retreta no Coreto de Artur Nogueira
Fonte: Autor (2015)
Quando mencionamos o repertório e a área de atuação percebe-se que as bandas civis
e militares estão intimamente ligadas, assim sendo, podemos concluir que o movimento de
bandas militares como um todo, influenciou e influencia diretamente na formação das
corporações musicais, bem como, na cultura de bandas em geral.
Outrossim, no que se refere especialmente às bandas marciais de desfile, o eixo-
norteador para o desenvolvimento do seu trabalho quanto à disciplina, o uniforme, repertório,
concursos, festivais. Portanto, mais uma vez confere-se às corporações militares um grande
legado na formação e difusão de grupos instrumentais de sopro.
3.5 A Corporação Musical 24 de Junho de Artur Nogueira/SP
A “Corporação Musical 24 de Junho”, “a nossa banda”, como é carinhosamente
chamada pelos munícipes, foi fundada no município de Artur Nogueira/SP em 24 de Junho de
1924, por um grupo de músicos locais, sendo eles imigrantes e descendentes de europeus que
colonizaram o território no início do século passado. A Corporação conta hoje com 90 anos de
existência, sendo a instituição mais antiga da cidade, mais velha até mesmo que a existência do
município, que completou 63 anos de emancipação em 10 de abril.
Atualmente, para manter as suas atividades, a Corporação Musical 24 de Junho recebe
patrocínio do Governo Municipal de Artur Nogueira.
44
O destaque de maior importância é para o empresário e benfeitor português Sr. Daniel
Cezário de Andrade, retratado na Figura 9.
Figura 9 - Daniel Cezário de Andrade
Fonte: Autor (2015)
Apesar de não ser músico, o sr. Daniel Cesário foi o responsável pela fomentação da
cultura e, consequentemente, do grupo no município, além de doar um terreno no centro da
cidade onde hoje se localiza a sede da Corporação.
Outra figura de extrema importância para a história da Corporação Musical 24 de Junho
é o músico Antonio de Faveri Neto, o “Sr. Nico”. Logo abaixo (à direita da foto) podemos vê-
lo ministrando aulas de música para o seu cunhado, o sr. Luis Fernandes de Sousa, mais
conhecido como Luís “Ventania”, (à esquerda da Figura 10). Sr. Nico atuou por sessenta e
quatro anos ininterruptos, contribuíndo sempre para que a carinhosa banda, transcendesse ao
tempo. Antes da sua morte o ele pode inaugurar a nova sede da Corporação, o que foi motivo
de grande orgulho e alegria para ele e seus familiares.
Quase um século se passou e no ano de 2010, conforme podemos ver na Figura 11, e a
banda da Corporação Musical 24 de Junho contava apenas com cerca de quinze músicos e
dispunha de uma péssima infraestrutura como mostram as Figuras 12 e 13, o que dificultava
seu andamento, principalmente no que dizia respeito à modernização, bem como à ampliação
do quadro de músicos.
45
Figura 10 - Sr. Nico (à direita)
Fonte: Autor (2015)
Figura 11 - Músicos da Corporação Musical 24 de Junho em 2010
Fonte: Autor (2015)
Figura 12 - Sede da Corporação Musical 24 de Junho no ano de 2009
Fonte: Autor (2015)
46
Figura 13 - Sede da Corporação Musical 24 de Junho no ano de 2009
Fonte: Autor (2015)
Neste cenário, deu-se início a uma intensa pesquisa e várias visitas aos principais
projetos musicais do país, visando à articulação de um projeto musical social que utilizasse a
música como ferramenta de inclusão sóciocomunitária. O projeto deveria possibilitar uma
educação musical diferenciada, onde crianças, jovens e adultos de todas as idades, raças ou
credos, caminhassem de mãos dadas rumo ao fazer musical coletivo.
A busca por um nome para o projeto baseou-se na bagagem histórica da Corporação
Musical 24 de Junho, então com 85 anos de existência, e em sua relação com a população. De
uma reunião entre o autor e dois alunos do projeto (Gustavo e Isadora), surgiu a idéia de
homenagear a banda sobre o coreto, durante uma apresentação, ou, no linguajar dos músicos
de outrora, durante uma Retreta. Nascia o nome “Projeto Retreta”. O dicionário Michaelis
define retreta como “Toque de música, nas praças públicas, por bandas, geralmente militares”
(MICHAELIS, 2015).
A concepção do logotipo do projeto nasceu do desafio de levar a “Retreta”, palavra
restrita ao universo musical, à população. Optando por uma abordagem lúdica, e ao mesmo
tempo abrangente, no sentido de conceituar a definição de apresentação musical do passado,
utilizou-se elementos relacionados ao universo infanto-juvenil para a construção do logotipo.
O logotipo, em sua versão final, apresentado na Figura 14, obteve total aceitação entre os
participantes, permanecendo em uso.
47
Figura 14 - Logotipo do Projeto Retreta
Fonte: Autor (2015)
3.6 A Revitalização do prédio da Corporação Musical 24 de Junho
O primeiro passo para a implantação do Projeto Retreta em Artur Nogueira foi buscar a
revitalização do prédio da Corporação Musical 24 de Junho que encontrava-se em uma situação
de absoluto descaso (Figura 15). Após muitas investidas do Maestro junto ao poder público,
enfim foi concedida uma parceria junto a municipalidade que proporcionou as obras de
restauração do prédio, que localiza-se na rua 10 de Abril, no centro do município de Artur
Nogueira.
Figura 15 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho
Fonte: Autor (2015)
48
Durante todo o período de obras, professores pais, alunos, membros da diretoria e o
próprio maestro, literalmente “botaram a mão na massa”: era o primeiro ato de ação
sóciocomunitária promovido pelo Projeto Retreta (Figura 16).
Figura 16 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho
49
Fonte: Autor (2015)
Um dos desafios para a revitalização do prédio era modernizá-lo mantendo ao mesmo
tempo às suas características históricas. Fizemos então um levantamento de relatos de
munícipes, documentos e fotos históricas, inclusive “raspando” a parede antiga do prédio. Foi
possível resgatar as cores originais do prédio, fornecendo subsídios para que o aluno do projeto
Gustavo Duzzi Libanori desenvolvesse um projeto de restauração de pintura para o prédio,
representada nas Figuras 17 e 18.
Figura 17 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho
Fonte: Autor (2015)
50
Figura 18 - Obra de revitalização da Corporação Musical 24 de Junho
Fonte: Autor (2015)
Devido aos altos preços de material de acabamento, os participantes do projeto passaram
a atuar em festas públicas como quermesses e afins; a atividade era a venda de pastéis (Figura
19). Com os valores recebidos o maestro juntamente com demais membros da diretoria saiam
para comprar os materiais de acabamento e durante o período noturno trabalhavam como
pedreiros e assistentes.
Figura 19 - Barraca de pastel
Fonte: Autor (2015)
51
Figura 20 - Participantes do projeto após a restauração da Sede
Fonte: Autor (2015)
Figura 21 - Sede restaurada
Fonte: Autor (2015)
52
A nova sede, apresentada nas Figuras 20 e 21, passou a contar com um maior espaço
físico, com acessibilidade e infraestrutura digital (o que não existia antes), um hall de entrada
com as fotos históricas, que foram resgatadas durante o processo de revitalização, uma copa,
almoxarifado para o armazenamento de instrumentos, equipamentos e partituras, banheiro
masculino e feminino (já que, historicamente, as bandas de música davam a preferência para o
público masculino). Tal comodidade possibilitou de imediato a ampliação das atividades além
de provocar uma curiosidade do público em geral, o que antes indicava um certo descaso à
instituição.
A partir de então, passaram a ser organizadas palestras sobre música e recitais, contando
inclusive com a presença de músicos renomados no cenário nacional. Por fim, o espaço da
Corporação Musical 24 de Junho permite agora uma melhor aceitação e interação com a
sociedade de forma geral, os músicos atualmente se sentem “em casa” quando lá estão, e a
secretaria da sede é alvo de novas inscrições diariamente.
A sede da Corporação representa ainda um espaço de conhecimento e informação
musical que atende a todas as classes sociais sem distinção e, mais do que isso, evidencia como
a música é eficaz quando utilizada como ferramenta de transformação sóciocomunitária, como
apresentam as Figuras 22 a 39.
Figura 22 - Workshop realizado na sede da Corporação
Fonte: Autor (2015)
53
Figura 23 - Workshop realizado em anfiteatro municipal
Fonte: Autor (2015)
Figura 24 - Alunos do Projeto em viagem
Fonte: Autor (2015)
54
Figura 25 - Alunos do Projeto em visita à Sala São Paulo
Fonte: Autor (2015)
Figura 26 - Recital de violões
Fonte: Autor (2015)
55
Figura 27 - Recital do coral na EE Severino Tagliari
Fonte: Autor (2015)
Figura 28 - Aluna do Projeto durante recital
Fonte: Autor (2015)
56
Figura 29 - Apresentação do coral na EMEF Aparecida Dias
Fonte: Autor (2015)
Figura 30 - Recital da fanfarra do Projeto no CAIC
Fonte: Autor (2015)
57
Figura 31 - Alunos do Projeto durante ensaio
Fonte: Autor (2015)
Figura 32 - Alunos do Projeto durante concerto
Fonte: Autor (2015)
58
Figura 33 - Alunos do Projeto durante estudo
Fonte: Autor (2015)
Figura 34 - Professores do Projeto animando o Carnaval do asilo local
Fonte: Autor (2015)
Figura 35 - Coral do Projeto no programa EJA
Fonte: Autor (2015)
59
Figura 36 - Corpo docente do Projeto
Fonte: Autor (2015)
Figura 37 - Concerto da Banda da Corporação com o músico Derico Sciotti
Fonte: Autor (2015)
60
Figura 38 - Concerto da Banda da Corporação com o músico Renato Carlini
Fonte: Autor (2015)
Figura 39 - Concerto da Banda da Corporação no Programa do Jô
Fonte: Autor (2015)
61
Através do trabalho de intervenção sóciocomunitária utilizando a música como
ferramenta transformadora, a Corporação Musical 24 de Junho e o Projeto Retreta
inegavelmente fazem parte do cotidiano do município de Artur Nogueira.
62
4 A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL EXERCIDA PELAS BANDAS DE
MÚSICA
No presente tópico analisaremos a função da educação não formal que aqui trataremos
como educação sóciocomunitária e de que forma a música pode ser considerada uma ferramenta
de intervenção social na comunidade. A música tem o poder de atrair as mais variadas pessoas,
independente do gênero, da raça, da idade ou da posição social. Ela encanta e envolve a todos,
não sendo necessário compreender sua estrutura para apreciá-la, pois trata-se de uma linguagem
universal, que dispensa legendas.
Para que possamos melhor compreender o papel da educação sóciocomunitária,
falaremos de educação formal e não formal, e claro, da educação sóciocomunitária. É preciso
frisar que a educação sóciocomunitária não se opõe às demais divisões, no entanto ela se
distingue.
Sempre que nos referimos à educação é muito comum associarmos como uma função
única e exclusivamente da escola, não levamos em conta porém a educação empírica que todo
sujeito recebe em casa, no seu cotidiano, podemos citar: os dialetos, os costumes, os paladares,
os critérios de escolhas (sejam elas quaisquer), as ações interpessoais, enfim, toda aquela
educação que aprendemos com os mais experientes, a começar pelo ambiente familiar.
Neste sentido, Brandão (apud CARO, 2004, p.1) apurou que: a vida está sempre ligada
à educação, não havendo uma forma única, nem um modelo de educação; a escola não é o
único lugar onde ela acontece e, talvez nem seja o melhor. A educação existe difusa, em todos
os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro sem
classes de alunos, sem livros e sem professores especializados; mais adiante com escolas, salas,
professores e métodos pedagógicos.
Mesmo sendo esta uma importante ferramenta para a formação do indivíduo, este tipo
de educação ainda não é visto com bons olhos, se comparado com a educação formal, aquela
institucionalizada e padronizada, aplicada pelas instituições de ensino, devido ao fato desta não
contar com uma metodologia sistematizada. Lamentavelmente, a educação formal não tem a
mesma representatividade para todos, privilegiando aqueles que são provenientes de uma
situação socioeconômica mais elevada. Na educação formal tradicional, o professor ainda
ocupa o papel de “ser supremo” em sala de aula, detentor de toda a sabedoria, muitas vezes
ignorando os múltiplos saberes dos seus educandos.
Conforme Freire (1979, p. 19):
63
O Professor ainda é um ser que ensina a ignorantes. Isso forma uma
consciência bancária. O educando recebe passivamente os conhecimentos,
tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que deposita,
para depois despejar nas provas. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio
homem, que perde assim, seu poder de criar, se faz menos homem, é uma
peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o
sujeito da sua ação.
Logo, ações de intervenção sóciocomunitária não se opõem à educação formal,
tampouco prometem solucionar a todos os problemas inerentes a quaisquer comunidades. A
intervenção sóciocomunitária propõe ações através da educação não-formal, que além de
educar, provoquem o senso crítico do indivíduo, para que desta forma seja promovida a
transformação social do seu meio. Mais do que ensinar-lhes o “atirei o pau no gato”, fazer com
que reflitam a respeito das consequências deste “pau” atirado contra a cabeça do pobre do gato.
Confirmando as ações da educação não formal ou não escolar Chinelli (1993, p. 70,
apud Caro, 2004) diz que: “trata-se de um projeto pedagógico que pretende ser mais amplo...o
projeto tem um objetivo ainda mais ambicioso: o de contribuir para a formação de uma nova
consciência na comunidade...”
Enfim, através da educação sóciocomunitária, podemos muito mais do que aplicar os
conceitos institucionalizados, promovemos através desta, a troca de saberes entre todos os
envolvidos, reconhecendo no outro seus valores, sua carga cultural adquirida, sua capacidade
de discernimento, o seu querer individual. Com isso, conferimos valores uns aos outros,
fazendo com que passem a atuar de forma consciente em seu meio, confirmando assim que a
educação não acontece apenas dentro do ambiente escolar. Segundo Brandão (2004), a
educação abrange todos os processos de formação do indivíduo, desta forma, a troca de saberes
pode ocorrer nos mais diversos ambientes, sendo eles institucionalizados ou não.
A educadora Gohn (2006) esclarece algumas diferenças entre a educação formal e a
não-formal. Na primeira, quem transmite o saber é o professor e o espaço de aprendizagem é a
escola, a segunda apresenta um outro tipo de educador, “o outro”, com quem se interage nos
mais diversos locais. Von Simson (2001) descreve a educação informal como aquela que
voltada para a formação geral dos indivíduos, com currículos mais abertos, flexíveis e voltados
às necessidades das classes mais populares.
Mesmo estando bem embasado, o currículo não—formal vem se alicerçando na prática,
e, por ser multidisciplinar, mescla conhecimentos de diversas áreas.
Gohn aponta as cinco dimensões da educação não formal “A educação não formal
designa um processo com cinco campos ou dimensões, que correspondem a suas áreas de
64
abrangência. O primeiro envolve a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos, enquanto
cidadãos. O segundo, a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem
de habilidades e desenvolvimento das potencialidades. O terceiro, práticas de aprendizagem
com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos. O quarto é a
escolarização formal escolar, em formas e espaços diferenciados, com uma forma de ensinar
organizada pelo próprio grupo ou comunidade. E o quinto, é a educação desenvolvida na e pela
mídia, em especial a eletrônica (GOHN, 1999, p. 98).
Paulo Freire foi um dos principais idealizadores do modelo de Educação Popular em
que o professor perde o protagonismo e o aluno participa ativamente da troca de saberes.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram fortemente influenciados pelas ideias de
Freire, entretanto, um estudo mais aprofundado de suas obras nos leva a concluir que ele
trabalhou muito mais na perspectiva da educação popular e não de uma educação formal
escolarizada. As obras de deste educador foram em grande parte responsáveis por disseminar
esta nova forma do fazer educativo e suas publicações embasam as propostas da educação não-
formal
Segundo ele, “A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B, ou de A sobre
B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a
outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visão impregnada de anseios, de dúvidas,
de esperanças ou desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se
constituirá o conteúdo programático da educação” (FREIRE, 1981, p. 98).
A educação fora dos espaços escolares apresenta inúmeros desafios, Freire reconhecia
a deficiência do estado em oferecer uma educação de qualidade e que atendesse às necessidades
de todos, portanto, seu objetivo era a oportunização de uma forma de ensino mais democrática
e adequada às necessidades sociais da nossa realidade. Este modelo de educação tem um grande
compromisso com a classe social mais humilde. A escola torna-se propriamente um órgão
público, com a participação e o apoio de toda a comunidade, assim o conhecimento surge a
partir de uma construção coletiva.
A educação popular ao cruzar a fronteira da escolarização, busca o resgate da cidadania
e a necessidade de inclusão em todos os sentidos.
De fato, a cidadania é formada a partir de diversas instancias, seria muito oportunismo
reduzir a construção do ser humano ao conteúdo formal escolar. Freire compreendeu a
importância da escola mas foi além e observou a interdisciplinaridade das políticas educativas
como formadora da justiça social na educação (FREIRE, 1995).
65
A educação popular, da forma como foi proposta por Freire, dialoga com a educação
não-formal ao buscar caminhos para formar o individuo a partir de sua realidade, onde estão
construídas as convenções sociais dos opressores e dos oprimidos, e este aprendizado acontece
como fruto de um processo contínuo e independente de um ambiente formal.
Percebo a linguagem musical como um importante elemento para o conhecimento e
conscientização social. De maneira não formal, diversos indivíduos buscam conhecimento
instrumental ou vocal de maneira não-formal e até mesmo auto-didata.
A música une protagonistas amadores, desperta o desejo de conhecer outras culturas e
de compreender seu próprio meio, preserva aspectos do conhecimento deixados de lado em um
ambiente de educação formal, produz motivações para a vida do individuo através de um novo
meio de se obter educação e possibilita ressignificação de valores.
Veremos a seguir, de que forma um trabalho musical pode exercer o papel de educação
sóciocomunitária, e de que forma podemos assim amenizar a falta de acesso ao fazer
sóciocultural, fazendo com que o participante passe a atuar de forma consciente, não somente
na atividade musical, mas no cenário sóciocultural a qual pertence.
4.1 Aspectos relacionados sobre a intervenção sóciocomunitária através da música
Desde a primeira infância somos submetidos a um processo educacional que encontra-se
inserido no seio familiar, as concepções que nos são passadas por nossos genitores e/ou
reponsáveis legais, invariavelmente acreditam ser as mais adequadas para a nossa inserção na
sociedade. Dentre as primeiras experiências sociais que vivemos, é bem provável que o culto
religioso, dentro das suas inúmeras formas, inicia a nossa construção de conceitos, ainda que
estes, quase sempre apresentem-se favoráveis ao ponto de vista ou aos dogmas estabelecidos
por seus respectivos grupos.
Ignorando esta forma de aprendizagem, comumente atribui-se à educação formal a tarefa
de educar o sujeito como um todo, já que especificamente no ensino público, (que deve ser
laico), espera-se ainda que cumpram o papel de interação e partilha das mais variadas
experiências do cotidiano.
Entretanto, mesmo na educação pública, podemos perceber uma enorme diversidade
sócioeconômica, religiosa e étnica que tornam-se impossíveis de serem discutidas, devido à
sistematização proposta pelo ensino formal. No entanto, através de um projeto de educação
sóciocomunitária é possível amenizar esta problemática.
66
Partindo da premissa que a intervenção sóciocomunitária causa uma ruptura nos
preconceitos do educando, torna-se o principal motivo pelo qual confirmamos que os projetos
que se utilizam da musicalização coletiva como eixo-norteador, apresentam notáveis resultados
nos grupos assistidos, devido ao fato de que a música em si, preencher a alguns aspectos
necessários para a promoção da integração social, tais como:
A música é uma linguagem universal que promove uma aceitação unânime da
sociedade;
Através da música é possível unificar valores culturais e comportamentais inerentes a
uma sociedade;
A prática musical coletiva não exige que o indivíduo renuncie da sua cultura, crença
religiosa, ou simplesmente do seu gosto musical, mas sim que através da troca de
experiência entre os participantes, permita a expansão e ampliação e compreensão sobre
as adversidades inerentes ao grupo.
O aprendizado musical exige o desenvolvimento de três qualidades imprescindíveis
para a vida: a paciência, a disciplina e a concentração. Recomenda-se que a prática musical
esteja presente desde a primeira infância para que esta possa auxiliar no desenvolvimento
psicomotor e cognitivo do indivíduo. Ao ler uma partitura, a pessoa treina interpretar signos e
símbolos, contribuindo para o desenvolvimento de inúmeras funções cerebrais que contribuem
para a a formação do pensamento lógico.
Incentivar a educação musical concorre para a formação de uma geração capaz de
compreender e trabalhar com esta arte, fortalecendo a cidadania e reconhecendo a arte musical
como agente de transformação social, conscientizando e tornando o indivíduo um ser crítico.
A música é dotada de uma dimensão política, como instrumento potencial de
transformação do homem e da sociedade, na medida em que, como as demais
formas de arte, ela contribui para a elaboração de um saber crítico,
conscientizador, propulsor da ação social, assim como para um
aperfeiçoamento ético individual (FREIRE, 1992, p. 14).
Tanto o universitário quanto o analfabeto, a criança ou o idoso, o pobre ou o rico, o
branco ou o índio apreciam e se beneficiam da música. Parafraseando Vandré (1964) “Somos
todos iguais braços dados ou não”, todos temos sons em nossas lembranças que nos remetem à
emoção: uma velha cantiga de ninar ou de roda, o som da chuva batendo na janela, a canção
que lembra o primeiro beijo, a trilha sonora daquele filme que fez chorar, aquela música que se
ouvia a mãe cantando... São memórias afetivas que são ativadas sempre que ouvimos algo
parecido. Sem querer as lembranças brotam e, com elas, revivemos as emoções.
67
Assim como Freire nos direciona para a humildade na troca de saberes, Brandão (2003
p.04) aponta para a tolerância quando afirma que: “[...] eu me ponho frente a um outro para me
fazer como ele, não para transformá-lo através de um projeto catequético ou pedagógico num
outro eu”. Ao praticarmos a docência com humildade e tolerância percebemos os diferentes
aspectos motivacionais inerentes ao processo de ensino-aprendizagem professor/aluno.
Notamos ainda que muitos alunos apresentam espontaneamente um enorme entusiasmo
e até mesmo facilidade durante o processo de aprendizagem, em contraponto, outros tantos
necessitam de uma atenção maior. Neste sentido, a capacidade do professor em manter acesa a
“chama” ou a “fome” do aprender do aluno torna-se imprescindível no processo de ensino.
Muitos fatores podem contribuir ou não para a motivação do aluno, o interesse pelo
conteúdo, a compreensão da sua aplicabilidade, entretanto, em minha opinião, o fator mais
importante para que se obtenha êxito talvez seja a atenção dispendida pelo professor, o interesse
em ouvir o aluno, conhecer os seus saberes e o contexto social em que se insere.
Vasconcelos (2010, p. 17) afirma que: “Quando os sujeitos não são ouvidos, quando não
lhes é dada a oportunidade de expressar os seus desejos e anseios, quando lhe são negados
direitos fundamentais, estão, igualmente, aleijados e impedidos de se reconhecerem como
sujeitos.”
Logo, percebemos o efeito que a aprovação e aceitação alheia que o professor que
estimula a aprendizagem provoca no aluno, mais do que acumuladores de informação, é preciso
despertar no aluno o seu senso crítico, que proporcionará a sua independência no processo de
aprendizagem. Ao aderirmos a estas ações, estamos não somente educando, mas, promovendo
pluralmente a integração social, buscando um objetivo comum junto ao grupo “ Caminhando e
cantando, seguindo a canção” (VANDRÉ, 1964).
Confirmando a diversidade da integração social, Almeida (apud MUNIZ, 2014, p. 830)
afirma que: [...] “a integração é antes definível como pluralidade vasta, aberta e mutável de
estilos de vida, todos partilhando a cidadania”. A integração social efetivamente acontece
quando se deixa de lado as diferenças para com o próximo, não praticando valores morais e sim
gozando das mesmas oportunidades dispostas em nossa sociedade. Por fim, entendemos que a
intervenção sóciocomunitária, e neste caso através da música, desempenha um papel de “colcha
de retalhos”, onde através da reflexão das inúmeras vivências e experiências do cotidiano,
resultem em um aumento do nosso conhecimento e sobre tudo o crescimento coletivo.
No decorrer do presente trabalho, podemos entender a educação sóciocomunitária
através da música, como sendo um conjunto de meios e ações que objetiva diminuir a exclusão
68
sóciocultural, oportunizando ao sujeito excluído a participação efetiva no processo de conquista
dos direitos e oportunidades sociais, dentre eles a cultura musical.
4.2 A música como instrumento de intervenção sóciocomunitária
Sendo a música uma poderosa ferramenta não só de prática artística mas de forte aliada
no processo de inclusão e interação social, deve- se ter extrema cautela no que se refere à sua
prática. Costumo dizer que a música é como uma enxada que cultiva a lavoura, mas se usada
de maneira mal intencionada pode se tornar uma arma e destruir vidas.
Mesmo na prática coletiva, o respeito à individualidade promove a troca de saberes e
experiências, que ajudam a melhorar o convívio em sociedade. Para tanto, o maior desafio é
transpor os obstáculos do dia a dia, a fim de melhorar e ampliar as relações interpessoais e
extraclasses abrindo assim novos espaços para que todos possam interagir e integrar-se, não só
no ambiente musical, mas na sociedade como um todo. Rumo a essa direção, devemos cada vez
mais, explorar e conhecer o mundo social e sonoro que nos rodeia, através desta que é
sabidamente uma linguagem universal, a música praticada de forma natural e ininterrupta.
Brandão (1985), aponta para o processo educativo como sendo todo o tipo de saber
adquirido no cotidiano do indivíduo. Logo, a educação ocorre em casa, no trabalho, no lazer,
na igreja, reuniões de família, enfim, um processo diário do qual todos nós fazemos parte.
Ninguém escapa da educação: Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um
modo ou de muitos, todos nos envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para
ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com
uma ou com várias: educação? Educações? (BRANDÃO, 1985, p. 7).
Devemos partir do princípio de que, com orientação e instrumentos adequados, podemos
contribuir para o crescimento harmonioso, coerente e saudável daqueles menos favorecidos
pela sociedade. O eixo norteador para este processo pode ser o ensino da música através do
fazer coletivo. Por isso além de desenvolver o sentido de coletividade, a prática em grupo traz
ao indivíduo que participa dele o exercício da cidadania plena (direitos e deveres). Direito a
aprender música e com isso ter uma identidade cultural e percebendo seu importante papel na
sociedade, pois através de sua arte tem o “poder” de ser aceito e respeitado pela sociedade.
Como dever vem a disciplina e o compromisso, pois para o estudo musical ele precisa
ter dedicação diária aos estudos e respeitar as instruções do maestro e do professor de música.
69
Utilizando os poucos recursos com que contam as corporações musicais, buscamos
possibilitar a todos o direito de praticarem arte, explorando, através da linguagem musical, a
sensibilidade e a criatividade, desenvolvendo sua percepção, a atenção, a autodisciplina, a
autocrítica, a comunicação. Com isso o levamos a conhecer e perceber melhor o mundo sonoro
que o rodeia. Explorar e descobrir os sons, antigos ou recentes, torna o seu uso e o seu
significado ainda mais real e compreensível.
Pereira (2003, p. 68 e 69), afirma que: “a banda de música é um dos locais que os jovens
podem desenvolver e concretizar uma convivência sociocultural mais afetiva, com vínculos de
amizade mais fortes além das atividades musicais que geralmente são gratuitas”.
Apresentarei uma sugestão, baseada em minha experiência pessoal e profissional, de
uma metodologia a se seguir no que se refere a um projeto de ensino coletivo de instrumento
cujo resultado final será a inclusão sóciocomunitária do grupo assistido além da formação de
uma banda comunitária. Esta proposta pode ser aplicada em escolas.
Ao contrário de outras disciplinas, o ensino sistematizado da música em sala de aula
nem sempre alcança o êxito esperado, o aluno atem-se muito mais à prática do que à teoria, no
entanto tal advento não invalida a sua eficácia dos conceitos cognitivos atrelados à prática
musical, aumentando a concentração de disciplina do aluno o que consequentemente auxilía e
muito no processo de ensino-aprendizagem dos demais conteúdos aplicados em sala de aula.
Através da prática coletiva musical, pode-se contribuir em várias áreas da formação do
indivíduo, contribuindo para a sua maturidade social. Villa-Lobos pregava que a música era
para todos: “A todo o povo assiste o direito de ter, sentir e apreciar a sua arte, oriunda da
expressão popular...” (apud GOLDEMBERG, 2002, p. 498). A prática em grupo, assim como
podemos verificar nos esportes coletivos, faz com que o indivíduo passe a ter a noção de atuar
em equipe, a troca de “inteligências” do grupo promove a interação e integração, resultando em
uma maior valorização interpessoal, e ainda colaborando para a construção da comunidade a
qual se encontra.
Na prática musical é muito importante que ninguém se sinta excluído, o essencial é que
todos sejam ouvidos e respeitados, os mais introvertidos devem ser os mais estimulados. Ao
utilizar-se a estratégia do ensino coletivo de música para a socialização, promove-se uma maior
satisfação no participante, que passa a sentir-se importante no papel de buscar o objetivo
comum definido pelo grupo. Do ponto de vista psicológico, são inúmeros os benefícios
resultantes deste processo, o fazer em grupo contribuí para a construção do ser e a melhoria
dos relacionamentos interpessoais. A formação do grupo deve cuidar para que sejam elencadas
as competências individuais, para que se alcancem as metas traçadas, respeitando a
70
individualidade e reconhecendo a interdependência entre eles, assim sendo o objetivo musical
coletivo será plenamente alcançado.
4.3 Ensino coletivo de instrumentos musicais
Podemos dividir a metodologia do ensino prático de um instrumento musical da seguinte
forma: o chamado ensino individual que é muito praticado por conservatórios. No ensino
individual ou tutorial encontram-se inúmeros pontos positivos, dentre eles o tutor tem uma
maior percepção no que diz respeito às dificuldades do aluno, podendo ainda trabalhar as
soluções com maior tempo.
O ensino individual se baseia na relação mestre-aprendiz (CERQUEIRA, 2010), onde o
professor atua diretamente como referência sonora para o aluno. Entretanto, tal comodidade
acarreta ao aluno um alto investimento financeiro, haja vista que cursos como esses quase
sempre acontecem em grandes cidades, o que inviabiliza o acesso à grande parte da população
interessada ao saber e ao fazer musical, quando se tem acesso ao ensino individual promovido
pela iniciativa pública a dificuldade está na exigência de uma pré-experiência musical que é
aferida através de testes rigorosos, restringindo as vagas tão somente àqueles que buscam a
música como um meio de profissionalização.
O principal modelo base de ensino musical do Brasil ainda é o individual, assim sendo
a grande maioria das escolas providas de uma boa estrutura pedagógica praticam o modelo
conservatório, onde exige-se um grande e oneroso quadro de professores o que culmina em
altíssimos investimentos financeiros. Outro ponto a considerar é o de que essas instituições
adotam os chamados testes de aptidão onde quantifica-se e qualifica-se o conhecimento e a
capacidade musical pré-existente no candidato para que este seja aceito no corpo discente.
Como já foi mencionado, tal realidade reserva-se apenas a um seleto grupo que
invariavelmente, já possuem uma importante experiência musical, e ali estão com o intuito de
profissionalização.
Contrapondo esta realidade, encontramos as Corporações Musicais, as bandas de coreto,
que há muito tempo suprem a lacuna da educação musical em seus municípios, formando
grande parte dos músicos em nosso país. Sobre isso o músico e historiador CAZES (2010, p.
31) diz: “Mesmo um pouco desbancada de sua importância social, as bandas de música
continuaram, ao longo de todo o século XX, fornecendo músicos para o choro”. Para se ter uma
ideia, Joaquim Callado e Paulo Moura, ambos filhos de mestre de banda, tiveram o mesmo tipo
de iniciação musical com quase um século de diferença. Outros grandes músicos e compositores
71
como Capiba, Severino Araújo, Netinho, Claudionor Cruz, Moacyr Santos e Silvério Santos,
também aprenderam em casa e começaram cedo tocando na banda dos pais.
Ainda a este respeito, Nascimento (2006, p. 95) afirma que:
Verifica-se ainda, a existência de músicos entre as grandes orquestras e bandas
militares, nas instituições de ensino musical e em grupos populares famosos,
que tiveram sua iniciação musical nas bandas de música. Nota-se, também,
com certa obviedade, que a maioria atua como instrumentistas de sopro:
clarinetistas, saxofonistas, trombonistas, trompetistas, flautistas, tubistas,
além de percussionistas - devido à configuração da banda de música ser
formada, majoritariamente, por instrumentos de sopro e percussão. Há a
possibilidade, também, de existirem músicos que tiveram sua origem musical
na banda e, hoje, exercem funções musicais como regentes, arranjadores,
diretores musicais, produtores ou cantores.
A partir desta realidade podemos encontrar hoje inúmeras fanfarras, bandas, bandas-
escola e projetos de educação musical que preferem o modelo coletivo de ensino. É muito
simples entendermos o porquê de tal escolha, pesquisando a realidade logística destas
instituições: nas aulas em grupo, reduzimos drasticamente o número de professores o que atinge
diretamente e de forma positiva o balancete financeiro destas instituições.
A escolha do ensino coletivo como ferramenta principal, deve-se também ao fato da sua
enorme importância educacional. O educador Joel L. Barbosa, em um artigo publicado em
junho de 1996 na revista da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM ) afirma que:
O ensino coletivo gera certo entusiasmo no aluno por fazê-lo sentir-se parte
de um grupo, facilita o aprendizado dos alunos “menos talentosos”, causa uma
competição saudável entre os alunos em busca de sua posição musical no
grupo, desenvolve as habilidades de se tocar em conjunto desde o início do
aprendizado, e proporciona um contato exemplar com as diferentes texturas e
formas musicais (BARBOSA, 1996, p. 41).
A partir disso, os educadores musicais deixam o papel central, desenvolvendo
integralmente o processo de ensino/aprendizagem. Passam a ser agentes facilitadores da
aprendizagem, caminhando assim de mãos dadas junto ao grupo em busca do conhecimento.
Através do ensino coletivo, podemos ainda, atender a um maior número de alunos, sendo
que estes são desobrigados de submeterem-se a quaisquer tipo de testes de conhecimento
específico. Na maioria das vezes, eles são iniciados ali mesmo no aprendizado teórico e
instrumental. Muito além do ensino de música, o ensino coletivo proporciona a chamada
intervenção social, a troca de experiência entre os participantes, promovendo também a auto-
estima do participante.
72
Sobre tal advento, Tourinho (2007, p. 2) ressalta que: “todos aprendem com todos”,
citado anteriormente nesse trabalho. De acordo com a autora os alunos atuariam como um
“espelho”, uns para os outros.
Vários educadores musicais confirmam o sucesso do ensino coletivo de instrumentos
musicais na aprendizagem do grupo. A este exemplo Swanwick afirmava que:
O trabalho em grupo é uma excelente forma de enriquecer e ampliar o ensino
de um instrumento. Não estou defendendo a exclusividade de ensino em
grupo, e muito menos denegrindo as aulas individuais. Simplesmente quero
chamar a atenção para alguns benefícios em potencial do ensino em grupo
enquanto uma estratégia valiosa de ensino de instrumento...Somos fortemente
motivados ao observar os outros, e tendemos a ‘competir’ com nossos colegas
o que tem um efeito mais direto do que quando instruímos apenas aquelas
pessoas as quais chamamos ‘professores’ (1994, p. 9).
Outrossim, a missão do educador musical no contexto da educação coletiva deve ser a
de estimular o grupo como um todo e, de forma subjetiva o discente a criar no decorrer dos
fazeres musicais.
Nos últimos anos, a prática do ensino coletivo de instrumentos musicais tem tido um
importante aumento em todo país, desta forma tem despertado cada vez mais o interesse da
academia para que sejam realizadas pesquisas neste sentido. Pode-se ainda considerar que o
ensino coletivo tem ganhado força entre as propostas metodológicas de ensino de instrumentos
musicais, tendo ainda grandes desafios, visto que essa modalidade de ensino ainda é mais
utilizada em projetos de educação musical que não visam à formação profissional.
O ensino coletivo, apesar do crescente número de professores que o escolhem como
modelo pedagógico, muitas vezes é utilizado sem objetivos, fazendo com que o mesmo fique
desacreditado. Para Cerqueira (2010),“o ensino coletivo deve ser adotado de acordo com os
objetivos da formação pretendida”. Partindo dessa premissa, o ensino coletivo deve ser pautado
por alguns princípios, fazendo com que as aulas sejam mais produtivas e os objetivos traçados
sejam alcançados.
A exemplo do que acontece nas escolas da rede pública dos Estados Unidos da América,
muitos projetos de música no Brasil tem adotado o trabalho de ensino coletivo de instrumentos
devido ao seu impacto positivo no grupo, o educador musical Joel Barbosa afirma que:
A experiência nos EUA tem demonstrado a eficiência da metodologia de
ensino coletivo. ‘Música para toda criança’ tem sido o objetivo filosófico
tradicional da educação musical das escolas americanas de primeiro e de
segundo graus. Este objetivo não teria alcançado o êxito atual se não fosse o
ensino coletivo de instrumentos heterogêneos. O impacto positivo desta
pedagogia pode ser notado nas três primeiras décadas de sua aplicação, 1910-
73
1940, através do crescente número de bandas escolares que tomaram parte nos
concursos nacionais (1996, p. 39).
Tourinho (2007, p. 2-4) apresenta seis princípios que devem ser aplicados ao ensino
coletivo. Estes princípios, não só fundamentam, mas também justificam a sua utilização:
a) “Acreditar que todos podem aprender a tocar um instrumento”.
O ensino coletivo é uma forma de alcançar um maior número de alunos, oferecendo a
oportunidade de aprender um instrumento musical. Partindo da premissa de que “todos podem
aprender um instrumento”, pode-se justificar a ausência de teste de seleção eliminatória por
parte de quem opta pela utilização do ensino coletivo como modelo pedagógico. Os testes não
só contrariam o princípio citado pela autora, já que eles limitam-se àqueles que já tocam os
instrumentos, como também limitam o alcance do curso oferecido.
b) “Acreditar que todos aprendem com todos”.
Pode-se dizer que esse princípio, exclusivo do ensino coletivo, é um dos mais
importantes, portanto, deve reger a atividade pedagógica do professor. Os alunos têm a
oportunidade de aprender e compartilhar conhecimentos com os colegas em sala. Esse princípio
valoriza a troca de experiência musical entre os alunos, mesmo aqueles que possuem menos
experiência podem trazer algo que contribua para o desenvolvimento dos outros alunos. Sobre
esse princípio a autora ainda acrescenta que “os colegas atuam como espelhos, refletindo (ou
não) as dificuldades individuais do grupo”.
c) A aula é “planejada e direcionada para o grupo, exigindo do estudante disciplina,
assiduidade e concentração”.
Um dos grandes problemas do ensino coletivo está no fato de que, muitos alunos não
possuem seus próprios instrumentos, e muitos lugares que oferecem aulas de instrumentos não
permitem que os alunos levem os instrumentos para a casa. Desta forma, a aula planejada
minimamente ameniza esta ocorrência. É preciso explorar cada minuto em sala de aula,
preocupando-se para que cada aluno tenha o mesmo tempo de estudo no instrumento
O tempo em sala de aula é precioso, já que muitos alunos não praticam em outros
horários. Tourinho (2007) menciona que “planejamento prévio, disciplina e concentração
também são pré-requisitos para o professor. A aula precisa ser planejada, deve haver um roteiro
de apoio”. As dificuldades encontradas pelos alunos devem ser sanadas em sala de aula. Por
74
isso, o professor precisa encontrar o ritmo de aula e as estratégias didáticas, fazendo com que
todas as dificuldades, de todos os alunos, sejam esclarecidas.
A autora ainda acrescenta que “a aula coletiva exige também grande concentração do
professor, que precisa estar atento a muitos estudantes simultaneamente”.
d) “O planejamento é feito para o grupo, levando-se em conta as habilidades
individuais de cada um”.
O professor deve planejar a aula valorizando o que cada aluno tem a oferecer.Ao
entendermos a importância de cada um no fazer coletivo, aumentamos a nossa auto-estima e
capacidade de interação social. Dessa forma, as atividades musicais e os exercícios propostos
devem ser direcionados para o grupo, o que abre portas para a criação de exercícios. Sendo
assim, o professor pode não só valorizar as habilidades dos alunos, mas também detectar suas
limitações, tornando as aulas mais produtivas.
e) “Autonomia e decisão”.
O aluno quando desenvolve autonomia e decisão nos trabalhos coletivos, contribui não
só para o resultado artístico, mas para o seu aumento de confiança no que diz respeito às
tomadas de decisão do cotidiano. Esse princípio aborda a individualidade musical de cada aluno
e está fortemente ligado ao quarto princípio. Deste modo, os alunos não só aprendem em
conjunto, mas desenvolvem habilidade, autonomia musical e desenvolvimento interpessoal.
Em relação à música, esse princípio é importante por mostrar que, mesmo em aulas
coletivas, pode-se preparar o aluno para tomar suas decisões interpretativas, não dependendo
do restante do grupo.
f) “O ensino coletivo elimina horários vagos”.
No ensino coletivo o professor ganha tempo porque, se um aluno falta, outros estarão
presentes. Porém, essa que parece ser uma vantagem, pode provocar grandes prejuízos na
aprendizagem. A autora lembra que a “dificuldade passa a ser administrar o progresso dos
faltosos”. Nesse caso, a velocidade do aprendizado é prejudicada, o que nos remete ao quarto
princípio, o planejamento deve ser feito para o grupo, visando minimizar também essas perdas.
Esses seis princípios são fundamentais para que se tenha objetividade nas aulas coletivas
de instrumentos. Nota-se que eles abrangem questões simples de organização e planejamento,
mas sem deixar de lado as questões musicais. É fundamental que o professor, ao ministrar sua
aula, tenha-se apropriado desses princípios.
75
De acordo com Cerqueira (2010, p. 3), a categorização do ensino coletivo de
instrumentos se divide em dois tipos: “aulas com executantes do mesmo instrumento ou aulas
que envolvam a participação de diversos tipos de instrumentos”. Entende-se com “mesmo
instrumento”, aulas que tenham dentro de uma mesma sala, alunos com instrumentos sem
nenhuma distinção, como uma sala de violinos ou uma sala de flautas. Quando se tem uma
classe com instrumentos do mesmo naipe, mas que possuam características distintas como:
tessitura, timbre, afinação, clave e mecanismo de funcionamento, que é o que acontece com os
instrumentos de metal, tem-se uma classe com a “participação de diversos tipos de
instrumentos”.
Essa generalização era, e ainda é, muito comum, principalmente no interior do Brasil
onde os mestres de banda são responsáveis pelas aulas de todos os instrumentos que formam o
grupo. Segundo Souza e Silva (2011, p. 16): “Embora seja louvável tal atitude, sabe-se que este
tipo de generalização fez com que muitos músicos e bandas fossem prejudicados no que diz
respeito aos diversos aspectos técnicos relacionados ao instrumento”.
Existe um limite de tempo de estudo para o ensino coletivo de instrumentos?
Para Cerqueira (2010, p.5) o objetivo geral do ensino coletivo é o “aprendizado de
instrumentos e canto a nível elementar de “música”, e enfatiza que “É um meio didático
apropriado, envolvendo motivação, interação social, aprendizado com os colegas e baixo
custo”. Com isso, acreditamos que o ensino coletivo é uma forma eficaz de aprendizagem
musical, no entanto, destina-se ao aluno iniciante no instrumento, sendo aconselhável que, a
partir do nível intermediário ou do estudo de repertório específico para o instrumento, o aluno
passe a frequentar aulas individuais com professor especialista no instrumento. As aulas
coletivas, para esse aluno, passam a fazer parte de outras atividades complementares para a sua
formação, como máster-classes, oficinas de performance e prática de grupo.
O ensino coletivo e o individual não se opõem um ao outro, pelo contrário, ambos se
completam e são de extrema importância para a formação do músico. Logo, seria recomendável
que alunos que estudam instrumentos musicais e queiram uma melhor performance, passem
pelas duas experiências de ensino. O ensino coletivo, tem como função proporcionar aos alunos
iniciantes a interação social e a experiência musical. O ensino individual, considerando a
formação do músico profissional, tem a função de proporcionar conhecimentos técnicos
avançados e o estudo de repertório específico. Neste caso, o aluno terá uma formação ampla,
completa, específica e técnica.
76
4.4 Método Da Capo
Para conhecermos o método de ensino musical “Da Capo”, é preciso que antes saibamos
a respeito do autor. Natural de Piracicaba, SP, Joel Barbosa teve a sua iniciação musical através
da Banda da Guarda Mirim Municipal daquele município. A banda da guarda mirim que ainda
hoje se encontra em plena atividade é uma entidade sem fins lucrativos de apoio social a
menores carentes. Posteriormente em 1985, Joel concluiu o curso técnico em clarineta neste
que é considerado a melhor escola pública de música da América Latina, o Conservatório Dr.
Carlos de Campos em Tatuí e, mais tarde em 1989, graduou-se bacharel também em clarineta
pela UNICAMP/SP. Dentre as suas inúmeras premiações, destacam-se o primeiro lugar do VIII
Concurso Jovens Instrumentistas do Brasil, em Piracicaba SP. Através de prêmios obtidos nos
concursos promovidos pela CAPES e VITAE, tornou-se Mestre e Doutor em Artes Musicais
(DMA), em 1992 e 1994, respectivamente, pela University of Washington, Seattle, EUA.
A tese de Joel Babosa trata de uma metodologia de ensino coletivo de instrumentos de
banda. A tese ainda culminou no primeiro método brasileiro de ensino coletivo para
instrumentos de sopro e percussão .O referido método faz-se hoje uma importante ferramenta
para a educação musical praticada por bandas de todo o território nacional. Ainda sobre o
método, Joel é convidado a discursar nos principais encontros de educação musical do país e
América Latina, além de contar com várias publicações pela Associação Brasileira de Educação
Musical (ABEM), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM),
International Society for Music Education (ISME) e Programa de Pós-graduação em Música
(PPGMUS).
Como clarinetista, Joel Barbosa tem atuado como solista no Brasil e em vários países
como: Colômbia, Alemanha, Áustria e Estados Unidos, tendo ainda obras que foram dedicadas
a ele de compositores brasileiros, japoneses, alemães e americanos
Atualmente, é Professor Titular da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia,
onde ocupa a cadeira titular do curso de clarineta, além de ter coordenado o Programa de Pós-
graduação em Música (PPGMUS). O dr. Joel coordena projetos de extensão universitária
desenvolvido pela escola de música da UFBA. Por meio deste, são oferecidos cursos na área de
instrumentos de banda para jovens de bairros populares de Salvador. Os mesmos habilitam
alunos da UFBA para trabalharem com a metodologia de ensino coletivo de instrumentos de
banda.
O método de ensino coletivo Da Capo foi editado no Brasil pela Keyboard Editora
Musical Ltda., com o apoio da Weril, fábrica de instrumentos musicais, desenvolvido para
77
iniciantes em instrumentos de banda num trabalho pioneiro no Brasil. A proposta do método,
com uma coleção de 12 livros, é atender a uma demanda de práticas de ensino de instrumentos
para aulas em grupo por naipes, em banda ou individuais. Isto se torna um desafio para o autor
devido às diferenças encontradas nas peculiaridades dos diferentes instrumentos que compõem
uma banda, bem como, nas diferenças que envolvem aulas em grupo, como: idades, gostos,
experiências, facilidades. Além disso, há ainda outros desafios que envolvem este tipo de
trabalho, como a questão da disponibilidade de tempo de estudo dos músicos e trabalhar com
afinação, sonoridade, sociabilidade.
Por outro lado, a proposta de estudo em grupo auxilia em uma série de fatores quanto
ao aprendizado, entre elas podemos citar que o aluno fica mais à vontade entre os colegas por
ser um trabalho em conjunto. De acordo com a professora Diana Santiago, “os alunos se
preparam melhor por efeito da presença do grupo; aprendem a ter mais confiança em si próprios;
tem mais tempo que nas aulas individuais para se recobrarem dos erros cometidos, o que é
favorável para a construção de uma auto-imagem positiva” (SANTIAGO, 1995, p. 74). Ele
exercita com esta experiência a socialização e perde a vergonha de tocar com outras pessoas.
Destaca-se neste trabalho também a motivação, o desafio de trabalhar em equipe e da
experiência que se cria com o trabalho musical em grupo. Outro ponto a destacar é a valorização
do estudo dos instrumentos de grupo, isto é, não solísticos.
Neste sentido, a proposta e o trabalho do método Da Capo atende a esta necessidade e
cumpre muito bem o seu objetivo. Ele possibilita a integração dos diferentes instrumentos, das
pessoas de diferentes níveis sociais e culturais, dos regionalismos e estilos musicais dando
ênfase total à música brasileira. A proposta do método apresenta um baixo custo devido às aulas
em grupo e a economia de horas/aulas, aproveitamento de instrumentos, partituras e salas. Este
fato possibilita o uso da música em trabalhos sociais e parcerias com empresas, escolas, governo
e apoio de ONG’s.
Nesse momento, vamos considerar, após uma análise dos diferentes instrumentos e
partes do maestro, alguns problemas específicos na produção do material no que se refere à
escrita, concordância entre os diferentes livros, qualidade de impressão, formatação das páginas
e textos:
a) Ensino da clave – ele é apresentado apenas na página seis do livro, isto é, na quarta
aula quando, na verdade, o aluno já a utiliza desde a primeira aula;
b) Ensino de embocadura – não há uma orientação ao aluno de como proceder para
produzir os sons dos instrumentos considerando a peculiaridade que há em cada
naipe;
78
c) Erros de paginação entre o livro do maestro e o dos instrumentos;
d) Disposição gráfica – não houve uma preocupação com formatação das páginas;
e) Articulações – não houve uma indicação ou orientação quanto as diferentes formas
de articular os diversos instrumentos;
f) Alguns exercícios ou atividades complementares poderiam vir preenchidos na parte
do maestro/professor;
g) Apresentação de poucos exercícios técnicos específicos para cada instrumento ou
naipes;
h) As seções deveriam concluir após as músicas de banda completa; seção I na página
11 e seção II na página 21;
i) As pausas dobradas desnecessárias em divisão de vozes;
j) Problemas no livro do maestro:
- falhas nas linhas da pauta;
- a inexistência do exercício 85, 106 e 107;
- o exercício 110 está distribuído entre os exercícios 106 e 107;
- mudanças desnecessárias de páginas numa mesma música;
- no exercício 100 falta o último compasso.
Estas questões não chegam a comprometer a proposta musical do método, no entanto,
se tratando de um trabalho e uma edição profissional isto não poderia acontecer. Problemas
desta natureza poderiam ser facilmente detectados e corrigidos antes da impressão ou produção
final. Se compararmos com o material equivalente de edições americanas iremos encontrar um
resultado gráfico de apresentação final bem diferente e com melhor acabamento.
Entretanto o método Da Capo possui todas as qualidades para ser incluído entre os
materiais de estudo para sopros e bandas que todos os músicos da área e regentes deveriam
conhecer. O uso desse material e dessa metodologia confirma a crença e a necessidade de que
o aprendizado de um instrumento musical é para todos ou, pelo menos, para uma grande
maioria.
4.5 Projeto Retreta nas escolas de Artur Nogueira
4.5.1 Lócus da pesquisa
Descreveremos aqui alguns aspectos do município de Artur Nogueira/SP e dos pontos
em que atuam o Projeto Retreta.
79
De acordo com o banco de dados da Prefeitura Municipal, Artur Nogueira é um pequeno
município do interior de São Paulo que foi fundado, entre outros, pelo madeirense Daniel
Cesário de Andrade, chegado ao Brasil cerca de 1910. A população estimada no último senso
realizado (2014) conta com 49.346 habitantes. A partir da década de 1970, com o declínio da
agricultura, pode-se verificar um importante êxodo rural que causou e causa uma grande
concentração populacional no município. Além disso, verifica-se a migração de famílias
inteiras vindas de outros estados da federação em busca de uma melhor qualidade de vida, o
que quase sempre não acontece, causando uma sobrecarga na infraestrutura do município.
Por consequência disso, a comunidade é extremamente dividida da seguinte forma: um
pequeno número de famílias que participaram da fundação do município e “definem as regras”,
e a grande maioria de segregados e estigmatizados pela sociedade. Esta grande maioria ocupa
os bairros de periferia que são formados por programas de casas populares que quase sempre
situam-se nas áreas de risco e desassistidas de infraestrutura urbana. Vários outros problemas
de ordem social resultam da falha no planejamento: do sistema de saúde, do meio ambiente,
do mercado de trabalho restrito, da educação básica considerada mediana e destacando-se ainda
a baixa qualificação profissional.
Segundo informações do Censo IBGE 2012, o município de Artur Nogueira contava
com uma população de 49.346 residentes, dos quais cerca de 504 em situação de extrema
pobreza. No total de extremamente pobres, 163 (32,8%) viviam no meio rural e 339 (67,2%)
no meio urbano.
O mesmo Censo (Tabela 1 e Gráfico 1) ainda revela que havia 20 crianças na extrema
pobreza na faixa de 0 a 3 anos e nenhuma na faixa de 4 e 5 anos. Já no grupo de 6 a 14 anos,
por sua vez, totalizou 117 indivíduos na extrema pobreza, enquanto no grupo de 15 a 17 anos
havia 45 jovens nessa situação. Ainda foram registradas 55 pessoas com mais de 65 anos na
pobreza. 36%2 dos extremamente pobres do município têm de zero a 17 anos.
Tabela 1 - População em situação de extrema pobreza por faixa etária:
Fonte: IBGE, diretoria de pesquisas, coordenação de população e indicadores sociais,
pesquisa de informações básica municipal (2014).
80
Gráfico 1 - Distribuição percentual da população extremamente pobre por faixa etária
Fonte: IBGE, diretoria de pesquisas, coordenação de população e indicadores sociais,
pesquisa de informações básica municipal (2014)
Do total de extremamente pobres no município, 258 são mulheres (51,2%) e 246 são
homens (48,8%). Do total da população extremamente pobre do município, 367 (72,8%)
classificam-se como brancos e 137 (27,2%) como negros. Dentre estes últimos, 137 (27,2%) se
declaram pardos, mas nenhum deles se declara preto, indígenas ou amarelos.
Do levantamento de dados acerca dos moradores classificados como pertencentes a
camada de extrema pobreza; 127 contam com limitações visuais; 39 auditivas e 39 de
locomoção motora. Na faixa etária dos 15 anos inclusos como extrema pobreza, 88 pessoas
(25,8%) não sabiam ler ou escrever, sendo 34 chefes de família. O Censo ainda aponta que
havia 20 crianças de 3 anos não frequentando a creche, o que totaliza (100,0%) das crianças
extremamente pobres nesta faixa etária. Havia ainda nanhuma criança na faixa etária de 4 a 5
anos fora da escola e no grupo de 6 a 14 anos não havia nenhuma. Por fim, dentre os jovens de
15 a 17 anos na extrema pobreza, 02 estavam fora da escola (5,1% dos jovens pobres nessa
faixa etária).
Apesar da baixa oferta de emprego, Artur Nogueira não registra nenhum caso de
moradores de rua, o que passa a ser um importante dado para o desenvolvimento social do
município. Importante salientar que os dados mencionados tratam de uma estatística que há
muito tempo vem sendo observada.
A partir dos dados apresentados, temos uma descrição das características gerais do
município de Artur Nogueira, São Paulo, e assim podermos obter uma melhor compreensão da
constituição social e cultural dos participantes do Projeto Retreta no contexto do município.
81
4.5.2 Projeto Retreta como ferramenta de intervenção sóciocultural
No dia 19 de Agosto de 2010, inicia-se o “Projeto Retreta”, projeto de intervenção
sóciocultural que utiliza a música como ferramenta, o objetivo inicial era o de completar e
ampliar o quadro de músicos da Corporação Musical 24 de Junho, utilizando para tanto o
método de ensino coletivo “Da Capo” (vide 3.2.4).
Além de tentar resolver o problema de baixo efetivo vivído pela Corporação, o Projeto
Retreta preconizava também a descentralização do ensino musical voltado para crianças, jovens
e adultos, por todo o município de Artur Nogueira SP.
A história deste projeto tem sido uma estrada dura e sinuosa desde o princípio. Para a
efetivação do mesmo foi preciso promover um enfrentamento direto junto a integrantes da elite
do município, que se contrapunham ao ingresso de pessoas pertencentes a classes menos
favorecidas. Conforme trabalho realizado anteriormente (2009), um dos relatos de uma
integrante da Corporação foi o seguinte:
Maestro, eu não gosto mais de participar da banda! [...]
“[porque]Todas as vezes em que entro aqui eu tenho que me esbarrar
com esta gente do Sacilotto4!
Histórias como esta infelizmente foram e por vezes ainda são comuns, entretanto, a cada
dia que passa os participantes do projeto através de suas trocas de experiência, suas produções
artísticas em conjunto, tem amenizado este problema de forma considerável.
Voltando à cronologia, apenas seis meses após o início das atividades do projeto, que
contava com apenas dois educadores (este autor e mais um), após muito trabalho o primeiro
concerto foi apresentado aos pais da EMEF do bairro Laranjeiras. O concerto foi um sucesso,
muito bem aceito pela comunidade e o resultado foi o ingresso de vários alunos para o quadro
de músicos da Corporação.
Em 2011, o projeto foi devidamente apresentado à sociedade nogueirense, quando
contava com uma pequena estrutura de banda de música, com uma equipe de trinta e cinco
músicos (seis professores e 29 alunos).
Concomitantemente à Corporação, o Projeto Retreta passou a cumprir um papel de
descentralização do ensino de música, atuando em escolas da periferia. Com o enorme
reconhecimento do trabalho desenvolvido, a então denominada “Banda Sinfônica Jovem do
4 Bairro de Artur Nogueira em que vivem pessoas de baixa renda.
82
Projeto Retreta” passou a acumular inúmeros convites para realizar concertos, dentro e fora do
município.
Em 2012, o maestro fez um pedido ao então prefeito municipal, para que este doasse
um veículo do modelo micro-ônibus, com o objetivo de auxiliar em pequenos transportes de
professores e alunos. Pedido aceito, conquista de grande valia para o projeto, entretanto o
veículo citado, não contava com: motor, câmbio, rodas e outros acessórios (Figura 40). Frente
a essa realidade, o maestro juntamente com os alunos, pais, membros da diretoria, sairam em
busca de uma solução, que foi a montagem de uma barraca de lanches e pastéis (Figura 19) que
atuava e ainda atua em festas populares realizadas no município, cujo ganho possibilitou a total
restauração do veículo que hoje serve de apoio logístico ao projeto como pode ser visto na
Figura 41.
Figura 40 - Van recebida da prefeitura antes da reforma
Fonte: Autor (2015)
83
Figura 41 -Van recebida da prefeitura após a reforma
Fonte: Autor (2015)
Atualmente, com quase quatro anos de existência, o Projeto Retreta vem alcançando
resultados muito animadores, dentre eles o atendimento efetivo de mais de oitocentos alunos
por ano. Conta com uma Camerata de cordas, duas fanfarras, três corais, grupo de flautas doce,
grupo de flautas transversal, grupo de clarinetas, grupo de saxofones, grupo de metais, grupo
de percussão, grupo percussão corporal, além da Banda Sinfônica Jovem com setenta e dois
músicos. A excelência do trabalho culminou em um convite feito pelo jornalista e apresentador
Jô Soares para que no início do segundo semestre (dia 16/08/2014), a Banda participasse do
Programa do Jô (Figura 42).
Figura 42 - Banda sinfônica jovem do Projeto Retreta
Fonte: Autor (2015)
84
Quando nos referímos ao estudo da música, facílmente confunde-se com algo destinado
ao lazer, ou então num outro extremo, imaginando ser aquele severo processo tradicionalista,
no qual requer-se o máximo de disciplina e concentração, focando tão somente o valor artístico,
muitas vezes deixando de lado toda a bagagem sóciocultural que nos permeia.
De certa forma, o segundo exemplo realmente faz parte do processo de aprendizagem,
contudo não deve ser de maneira úníca, afinal não podemos jamais restringir a prática musical
a esta concepção formalizada. O meio em que vivemos, a nossa comunidade proporciona-nos
um aprendizado contínuo. Portanto, podemos e devemos, também na prática musical, afirmar
que não existe uma única forma de musicalizar.
O conhecimento musical está presente no cotidiano, que muito embora se apresente de
uma forma tão diversificada, é inerente a todas as comunidades. É justamente através deste
processo social amplo de troca de saberes que se contribui, através da música, para a formação
integral de mais do que apenas músicos: formam-se pessoas, o que pode culminar em um
melhor viver na sociedade a qual se insere. Brandão (1985, p.7), afirma que: “Ninguém escapa
da educação, pois ela pode existir livre e entre todos”.
Desde o ano de 2010 o Projeto Retreta Musical atende parte das escolas da Rede
Municipal de ensino de Artur Nogueira, mais do que musicalizar, o projeto busca promover a
integração dos aspectos afetivos, estéticos e cognitivos, bem como a interação e comunicação
social, conferindo assim um caráter significativo à linguagem musical. Sendo a música uma das
mais importantes formas de expressão humana, por si só já se justificaria sua presença na
educação.
Através da parceria firmada entre a Corporação Musical 24 de Junho e a Prefeitura
Municipal de Artur Nogueira, a introdução em música se inicia com os alunos da educação
infantil atendendo a partir da creche e vai até o quinto ano do ensino fundamental. No ensino
fundamental, as aulas de música estão inseridas na disciplina “Educação Artística”, com
apreciação musical.
A prática instrumental é realizada principalmente na sede da Corporação Musical, mas
conta ainda com diversos pontos distribuídos entre algumas unidades escolares, a
descentralização do ensino possibilita ao aluno um melhor acesso a todos os tipos de
instrumento que compõem as bandas, orquestras e corais do projeto. Através de uma parceria
85
firmada entre o projeto e a Universidade local (UNASP), os participantes podem inclusive
cursarem uma graduação em música.5
O método utilizado é o de ensino coletivo, tal ferramenta visa proporcionar um resultado
muito mais amplo no que diz respeito ao conteúdo artístico além do processo de integração
sóciocomunitária. Pela observação percebe-se claramente que a não distinção de raças, credos
e posição socioeconômica, torna-se um eixo central para o resultado artístico.
Através da afirmação de Brandão, podemos entender que o processo de
ensino/aprendizagem dos métodos coletivos nada mais é do que a prática sóciocomunitária:
As pessoas convivem umas com as outras e o saber flui, pelos atos de quem
sabe-e-faz, para quem não-sabe-e-aprende. Mesmo quando os adultos
encorajam e guiam os momentos e situações de aprender de crianças e
adolescentes, são raros os tempos especialmente reservados para o ato de
ensinar (1985, p. 18).
Com sede na Rua Dez de Abril 760, centro Artur Nogueira, no Projeto Retreta alunos
são introduzidos na música por um corpo docente de profissionais capacitados, nas mais
diversas áreas da educação musical. Segundo os documentos de registro da instituição, o Projeto
Retreta adota uma orientação metodológica que leva o aluno a vivenciar novas experiências.
Através das atividades musicais o aluno percebe um melhor desenvolvimento em suas
atividades psicomotoras e sensoriais. O desenvolvimento do aluno é imediatamente percebido
através da sua participação na grade curricular da sua escola.
Neste caso, o método de ensino coletivo contribui também para direcionar o aluno no
processo de aquisição do conhecimento musical e relacionamento interpessoal, de modo que
ele possa resolver suas dificuldades, almejar, traçar e concretizar seus projetos e adquirir
autonomia na música e na vida.
Santos afirma ainda que:
Essa prática tem se destacado cada vez mais dentro do processo de ensino
instrumental, como um importante recurso metodológico que estimula e
favorece o desenvolvimento técnico e musical a partir da observação,
imitação, interação e convívio com os demais alunos (2007, p. 2).
Partindo do pressuposto de que é melhor estudar, construir ou colher novos
conhecimentos, se for através do prazer, da estimulação e da vivência, devemos abrir o caminho
5 O UNASP, campus Engenheiro Coelho, mantêm convênios com o município de Artur Nogueira fazendo parcerias
e atendendo a comunidade em vários setores; dentre eles, parcerias musicais aonde as escolas e outras entidades
têm sido beneficiadas.
86
a partir de uma discussão sobre o que o aluno conhece, pensa, e espera em relação à música e
suas relações sociais.
4.5.3 Atividades do Projeto Retreta – propostas a partir dos participantes
Através de debate com o grupo, podemos também aprender sobre o conhecimento que
o aluno traz consigo mesmo de forma empírica, a sua capacidade de convivência em grupo, de
trabalho em equipe, seus conhecimentos dos instrumentos e fontes musicais, sua preferência
por cantores e gêneros musicais. Nessa metodologia acreditamos que devemos propor ao aluno
algumas atividades que favoreçam o seu desenvolvimento sensorial como um todo, usando
como por exemplo as aulas de percussão corporal, onde através do tato é possível conhecer de
forma detalhada todo o seu corpo e compreendê-lo assim melhor, inclusive no que diz respeito
aos cuidados higiênicos e alimentares
Algumas sugestões de atividades para executar a proposta acima são utilizadas:
Estimular respostas para perguntas do tipo: existe um momento ou lugar em que
predomina o silêncio absoluto? Onde? Em qual momento? ;
Identificar quais são e qual é a intensidade dos barulhos que se encontram ao
nosso redor ou não;
O que você mais gosta nas aulas de música?
Perceber a importância da ausência de som, ou o silêncio;
Identificar barulhos ou ruídos que fazem parte do nosso cotidiano;
Sugerir aos alunos que fiquem em silêncio por alguns minutos e em seguida
perguntar-lhes: que tipo de sons escutaram sem que possamos interferir para
eliminá-lo?
Controlar a ansiedade ao se expressar, respeitando a dinâmica de grupo,
esperando o momento oportuno para se pronunciar;
Para a consecução destas propostas, também é utilizado um questionário com a
finalidade de conhecer melhor o universo musical do aluno, contendo algumas questões:
O que você entende por música?
A partir dos exemplos musicais propostos em sala de aula, questionar qual deles
o aluno gosta, qual gosta menos e qual já era do seu conhecimento;
Peça para o aluno escrever o nome de alguns cantores ou grupo que conhecem e
apreciam;
Em que lugar costuma ouvir música?;
87
A partir da exposição da família de instrumentos musicais, (que podem perdurar
por algumas aulas), questionar qual já era familiar;
Cite fontes sonoras.
A seguir: sugere-se que os alunos respondam às questões, os resultados obtidos poderão
ser analisados e discutidos no término da aula. O objetivo é buscar, a partir das respostas, maior
integração e troca de informações entre o grupo e entre este e o professor. A partir de então,
surgem ideias de novas atividades. Exemplos:
Com o intuito de trabalhar a percussão corporal e ao mesmo tempo a descoberta das
partes do corpo, os alunos podem de forma lúdica explorar todas as possibilidades do
fazer em conjunto. No início colocamos a música para a apreciação e porque nao dizer
a diversão de todos, em seguida todos deverão aprender a letra da música fazemos um
círculo, onde o professor no centro fará os movimentos que deverão ser imitado por
todos. A letra aumenta gradativamente a medida em que incluímos mais membros do
corpo, poderá ser feita também em ordem aleatória, o que aumenta a velocidade do
raciocínio, e todos deverão tatear o devido membro mencionado de acordo com a letra.
Durante o processo, o professor deve verificar o grau de envolvimento de todos, instigando
o interesse do grupo, criando variáveis do exercício como: fazê-lo em duos, trios e assim por
diante.
Ex: Boneca de lata:
Minha boneca de lata bateu com a cabeça no chão...
Levou quase uma hora pra fazer a arrumação
Desamassa aqui, pra ficar boa...
Minha boneca de lata bateu com o ombro no chão...
Levou mais de duas horas pra fazer a arrumação
Desamassa aqui, Desamassa ali pra ficar boa...
...E assim sucessivamente
Coloque para os alunos para ouvirem alguns sons de instrumentos separadamente, em
seguida coloque os instrumentos tocando de forma coletiva e peça para eles
identificarem os instrumentos.
Conhecendo os grandes músicos ( de preferência brasileiros) cito como exemplo Luiz
Gonzaga, o professor conta uma breve história a respeito do músico, dados geográficos
e sociais do seu estado de origem e em seguida oferece uma de suas obras ao grupo que
88
inicialmente deverá interpretar o texto e discutir em grupo o conteúdo, no segundo
momento o grupo canta a obra, esta atividade deve ser transposta para inúmeros
compositores, ela propicia além de tudo uma melhor compreensão da diversidade
cultural brasileira.
Leitura de cordéis (sempre explicando sua origem), trava línguas, desenhos musicais,
certamente integram de maneira lúdica e faz com que o grupo caminhe além do ensino
musical, caminhem literalmente de mãos dadas para a construção de uma comunidade
melhor.
Além das atividades sugeridas, o professor deve (dentro do planejamento pedagógico)
ter a liberdade de “improvisar” novas atividades com o grupo, procurando interagir com o
conteúdo curricular em vigência, para que assim a música colabore efetivamente no processo
de ensino-aprendizagem. Dessa forma, buscamos alcançar um objetivo maior que é despertar o
aluno para o mundo sonoro e social, auxiliando-o constantemente no processo de integração
social.
Sempre mostrando a todos eles a possibilidade de uma integração satisfatória, bem como
a importância da vivência musical coletiva no contexto da banda.
Uma das hipóteses no desenvolvimento do projeto é que, mesmo com carga horária
reduzida, podemos obter um avanço significativo: a participação em um projeto musical
procicia ao aluno uma compreensão que vai muito além do fazer artístico, ele passa a entender
com mais tolerância e serenidade a realidade que o cerca.
A intervenção sociocomunitária na proposta do Projeto Retreta, aliada à experiência
inédita de tocar um instrumento, suscita um maior interesse no aluno, aumentando assim sua
motivação e participação mais efetiva nas atividades propostas.
As diferenças e deficiências são sempre respeitadas no decorrer deste trabalho. As
oportunidades de manipular e explorar os elementos da música são aprimoradas, seja através
da teoria musical ou através da prática do instrumento.
As aulas devem ainda, ter dinâmica própria a partir da participação ativa dos alunos e
da integração e motivação conquistadas. Torna-se possível o planejamento e a organização das
aulas subsequentes que, pautadas em conteúdos significativos, coerentes com a realidade do
aluno e com tendência à interdisciplinaridade, criam uma expectativa e uma participação mais
ousada, propiciando a autoconfiança dele além da crença na sua capacidade de construir,
avançar e fazer parte de um grupo.
Acreditamos que a educação musical, em suas diferentes estruturas, pode propiciar aos
alunos uma vivência igualitária entre os participantes culminando em uma experiência musical
89
em grupo, envolvendo e dando oportunidades a todos. Salientamos ainda que muitos benefícios
ao comportamento e atitudes dos alunos regulares e egressos do projeto são possíveis,
reafirmando assim um verdadeiro processo educativo de integração sociocultural através da
música.
Os pontos de atuação do Projeto Retreta dividem-se da seguinte forma:
Sede da Corporação Musical 24 de Junho aulas de:
Instrumentos de madeira (Flautas, Clarinetas, Saxofones);
Instrumentos de metais (Trompa, Trompete, Trombone, Bombardino, Tuba);
Instrumentos de Percussão (Bateria, percussão sinfônica, percussão acessórios,
teclas);
Cordas Sinfônicas: (violino, viola, violoncelo e contrabaixo).
EMEF Prefeito Ederaldo Rossetti:
Coral da EJA;
Fanfarra;
Percussão Corporal;
EMEF Aparecida Dias:
Coral infantil;
Flauta doce;
Centro Cultural Tom Jobim:
Piano;
Violão;
Viola Caipira.
4.5.4 Estrutura do Projeto Retreta
A implementação do Projeto Retreta resultou na estrutura musical abaixo:
- Banda sinfônica jovem – 70 músicos;
- Banda sinfônica infanto-juvenil – 35 músicos;
- Fanfarra – 60 músicos;
- Orquestra de violas caipira – 55 músicos;
- Coral Jovem – 60 cantores;
- Coral da 3ª idade – 43 cantores.
90
Os alunos participam de uma aula e dois ensaios semanais nos diversos grupos. Tanta
dedicação e investimento tem feito com que a população de Artur Nogueira tenha grande
acessibilidade à cultura musical.
Para desenvolver todo o programa estabelecido no Projeto Retreta, a Corporação
Musical além do apoio do governo municipal, necessita também do apoio da iniciativa privada.
Este apoio visa uma melhoria na estrutura física básica para que este projeto tenha continuidade
e excelência, oferecendo assim um ensino musical de qualidade para a população de Artur
Nogueira e região.
Ao chegar às proximidades do prédio da Corporação é possível ouvir sons de
instrumentos musicais, cuja arte e o gosto é perceptível, a música ecoa dentro da Corporação
mesmo quando esta encontra-se vazia. Esta música se expande hoje para todo o município,
levada pelos “músicos da banda”, como denominam carinhosamente os munícipes.
4.5.5 Divulgação na internet
Através do site da Corporação Musical 24 de Junho de Artur Nogueira é possível acessar
um link onde se pode acompanhar todas as etapas de desenvolvimento do PROJETO
RETRETA, aumentando sensivelmente a transparência na aplicação e utilização dos recursos
captados.
Com o registro e veiculação dos concertos dos grupos aumenta-se significativamente a
divulgação do projeto, acrescendo de forma ilimitada o número de pessoas com acesso as
apresentações musicais.
As bandas de música possuem importância ímpar na educação musical nas pequenas
cidades do interior do Brasil, exercendo o papel dos conservatórios das grandes cidades, e são
praticamente a única opção para o aprendizado musical na área de sopros desses locais. Além
dos benefícios educacionais, a realização dos concertos proporciona cultura e entretenimento
para a população da cidade e região.
Sabemos que o Brasil ainda conta com um número reduzido de bandas sinfônicas, pois
poucas são as cidades brasileiras que possuem este tipo de formação musical em função do alto
custo dos instrumentos musicais. Por esta razão, incentivar a formação de bandas sinfônicas
resulta no engrandecimento cultural de nosso povo e de nosso País.
Com a gravação e a divulgação via internet, estaremos ampliando significativamente o
número de pessoas beneficiadas com o projeto, e registrando nossas tradições e experiências.
91
Deste modo, ligados com nossas raízes, conservamos nossa verdadeira identidade, um
povo sem memória não tem identificação, e desconhecendo sua história, não compreende
corretamente o presente, e certamente, encontra dificuldade em construir seu futuro. Para
manutenção do Projeto Retreta, a Corporação Musical 24 de Junho conta basicamente com as
subvenções da Prefeitura Municipal, que totalizam hoje apenas dez salários mínimos.
Uma das diretrizes básicas de Projeto Retreta é manter constante desenvolvimento
técnico-instrumental, artístico e interpessoal do educando.
92
5 SOB O OLHAR DO PARTICIPANTE
A pesquisa de campo que embasa este estudo foi realizada no intuito de vislumbrarmos
o trabalho sóciomusical e a contribuição da Educação Musical praticada pelas Corporações no
cenário musical do Brasil e no processo da inclusão sociocultural do indivíduo nas
comunidades.
Esta pesquisa foi realizada entre fevereiro e março de 2015 onde foram enviados, via e-
mail, cerca de 100 questionários previamente definidos com nove perguntas (ver ANEXO 1).
O primeiro passo foi traçarmos um perfil social dos entrevistados, iniciamos com a idade
(Gráfico 2), tendo que 17% dos entrevistados estão numa faixa etária de 10 a 15 anos, 30.2%
de 16 a 25 anos, 29.2% de 26 a 40 anos e 23.6% 41 anos ou mais. Outra característica do perfil
social foi o gênero dos entrevistados (Gráfico 3) onde 44.1% é do gênero feminino e 55.9%
masculino. Com isso temos uma pesquisa realmente válida pois abrange várias faixas etárias,
não tendo inclinações por gênero ou idade, realizando então uma analise da comunidade como
um todo.
Gráfico 2 - Perfil entrevistado - Idade
Fonte: Autor (2015)
Gráfico 3 - Perfil entrevistado - Gênero
Fonte: Autor (2015)
93
Em relação à formação acadêmica (Gráfico 4), pudemos observar uma grande diversidade de
graus de escolaridade, de estudantes à doutores, sendo a maior proporção concentrada em
estudantes sem formação e de nível superior. Mais precisamente 42.5% possuem nível superior,
12.3% especialização, 1.9% mestrado, 1.9 doutorado e 41,5% estudantes, desde o ensino básico
até o superior. Estes dados nos mostram que a análise sociocomunitária engloba todos os tipos
de pensamentos, desde os iniciantes aos mais “maduros” academicamente. Quanto a situação
cível (Gráfico 5), 58.5% solteiros, 34% casados, 4.7% união estável e 2.8% declararam-se
separados.
Gráfico 4 - Perfil entrevistado – Grau de escolaridade
Fonte: Autor (2015)
Gráfico 5 - Perfil entrevistado – Estado civil
Fonte: Autor (2015)
Um dado relevante para a pesquisa é também o grau de envolvimento do entrevistado,
nesse quesito 13.8% dos entrevistados são ex-participantes, 63.3% são participantes e 22.9%
são apenas conhecedores do projeto (Gráfico 6). O envolvimento com o projeto foi um ponto
importante a ser analizado, pois assim não há apenas a opinião dos envolvidos, mas também
94
daqueles que apreciam ou não o projeto mas de forma passiva, tendo eles um contato anterior
ou não. Podendo visualizar de forma mais palpável a influencia sociocomunitária do mesmo.
Gráfico 6 - Perfil entrevistado – Envolvimento com o projeto
Fonte: Autor (2015)
No Gráfico 7 é apresentado um relatório com uma breve análise dos resultados da
primeira questão obtivemos 45.1% dos participantes que tiveram o seu primeiro contato com a
música através do Projeto Retreta, e outros 54,9 % já haviam tido um outro contato por outros
meios. Esta foi a primeira questão que realmente nos mostrou a mescla do perfil musical dos
envolvidos no projeto, mostrando que o grupo envolvido está dividido de forma equilibrada a
respeito do contato prévio musical. Deixando claro que o projeto não apenas trouxe a
oportunidade de aprender Música a muitos jovens, como também possibilita sua prática por
aqueles que já tinham contato por outros meios.
Gráfico 7 – Primeira questão – contato musical anterior
Fonte: Autor (2015)
95
Analisando as respostas da segunda questão, 35,3%% dos participantes tomaram
conhecimento do Projeto Retreta através da escola, 62.7% através de amigos, 11,8% ficaram
sabendo através de parentes, 4.9% em suas respectivas igrejas e outros 14,7% declararam outros
meios, essas proporções podem ser visualizadas no Gráfico 8. Estes dados nos mostram do tipo
de divulgação do projeto, que mesmo sem poderes aquisitivos para marketing, obteve uma
grande divulgação por meio do “networking” dos envolvidos. Mostrando que aqueles que por
mínimo contato com o projeto, perceberam que a intervenção sociocomunitária do projeto era
válido.
Gráfico 8 – Segunda questão – contato com o projeto
Fonte: Autor (2015)
As respostas da terceira questão – “O que representa o PROJETO RETRETA para você?” – na
qual poderiam ser assinaladas quantas alternativas lhe fossem adequadas, obtivemos as
seguintes porcentagens, para 32.7% o projeto representa lazer, para 83.2% aprendizado musical,
5.9 profissionalização, 1% obrigação escolar, para 64.4 % representa socialização/interação
social, para 55.4 é uma realização pessoal, para 4% status social, para 30.7% diversão e para
4% há outras representações (Gráfico 9). Este é um dos resultados mais importantes, pois
mostra qual o envolvimento real, sendo ela direta ou indiretamente, se destacando nas
porcentagens o aprendizado, socialização/interação social e realização pessoal. Vemos que os
principais objetivos estão sendo alcançados de forma individual.
96
Gráfico 9 – Terceira questão – o que o representa o projeto em sua vida
Fonte: Autor (2015)
As respostas da quarta questão – “Quais os pontos fortes do PROJETO RETRETA? ” – na
qual poderiam ser assinaladas quantas alternativas lhe fossem adequadas, 67.3% dos
participantes disseram que os pontos fortes do Projeto Retreta são participação em grupo, 88.1%
aprendizado de um instrumento, 61.4% participação em concertos, 47.5% ensaios, 20.8% são
as viagens, 50.5% disseram que é a forma de ensinar dos professores, 53.5% relacionamentos
entre os participantes, 59.4% disciplina e apenas 6.9% respondeu que outras (Gráfico 10).
Vemos que os pontos mais fortes são participação em grupos, aprendizado de um instrumento,
participação de concertos e disciplina. Para uma comunidade desestruturada, como a qual
busca-se trabalhar, é surpreendente o tipo de envolvimento dos mesmos com aprendizado,
disciplina e relacionamentos em grupos, pois nos mesmos não estão apenas aqueles de seu meio,
mas sim uma miscigenação de gêneros e origens que surpreenderia muitos que assistissem um
ensaio. Em uma análise rápida e superficial, é quase que impossível reunir tantas variedades de
pessoas, de credos religiosos, classes econômicas ou origens sociais em um mesmo ambiente,
com um mesmo objetivo e acima de tudo, valorizando o que estão fazendo.
97
Gráfico 10 – Quarta questão – Opnião dos entrevistados sobre pontos fortes do projeto
Fonte: Autor (2015)
Em contraponto, as respostas da quinta questão – “Quais os pontos frágeis do PROJETO
RETRETA? ” – Na qual poderiam ser assinaladas quantas alternativas lhe fossem adequadas,
obtivemos 9.7% dos participantes consideram que os pontos frágeis do projeto são participação
em grupo, 2.8% aprendizado de um instrumento, 6.9% participação em concertos, 15.3%
consideraram os ensaios como pontos frágeis, outros 26.4% citaram as viagens, 9.7% disseram
forma de ensinar dos professores, 11.1% relacionamento com os participantes, 18.1%
disciplina, e ainda 34.7% disseram outros (Gráfico 11). Para poder interpretar esses resultados
de forma mais profunda é necessário recordar que em sua maioria, os entrevistados são jovens,
e quase metade deles tiveram seu primeiro contato com a música no projeto. Isso faz com que
os mesmos anseiem mais apresentações, mas não apenas em seu meio, mas também poder ter
apresentações em outros lugares, podendo viajar, e de forma inconciente muitas vezes, ver suaa
valorização do seu empenho e dedicação. Não vendo muitas vezes as barreiras que há na
sociedade para encarar uma intervenção sociocomunitária como um trabalho sério como é feito
o PROJETO RETRETA, e também entender que as limitações financeiras existem e são
realmente significativoas, pois as mesmas envolvem custo de infraestrutura, equipamentos,
profissionais especializados e também o custo das viagens.
98
Gráfico 11 – Quinta questão – Opinião dos entrevistados sobre os pontos frágeis do projeto
Fonte: Autor (2015)
As respostas da sexta questão – “O que o ensino de música causa em você? ” – na qual
poderiam ser assinaladas quantas alternativas lhe fossem adequadas, 81.2%% dos participantes
disseram que o ensino de música lhes causa felicidade, 3% pressão, 5.9% ansiedade, 54.5%
paz, 0% angústia, 65.3% determinação, 71.3% melhora da autoestima, 1% piora a autoestima,
2% medo, 47.5% tranquilidade e 9.9% responderam outras (Gráfico 12). Esse é um ponto
importante para analisar se os objetivos do projeto, sendo o ponto principal o ensino da música,
estão sendo realmente alcançados de forma individual. E pelos dados obtidos ficam claros os
frutos do mesmo, sendo felicidade, paz, tranquilidade objetivos importantes, mas juntamente
com esses estão determinação e melhora do auto estima, o que pode impactar de forma
inimaginável uma sociedade, a qual proposital ou não pode retirar participantes da sociedade
menos privilegiada.
99
Gráfico 12 – Sexta questão – Opinião dos entrevistados sobre o efeito da música
Fonte: Autor (2015)
As respostas da sétima questão – “Quais itens podem contribuir para a melhoria do
PROJETO RETRETA? ” – na qual poderiam ser assinaladas quantas alternativas lhe fossem
adequadas, 37,4% maior número de aulas, 12.1% maior diversidade no repertório34.3% maior
carga de ensino de teoria musical, 2% a mudança do quadro de professores, 37.4% ampliação
do quadro de professores, 37.4% aquisição de mais instrumentos, 69.7% dos participantes
disseram que suporte financeiro e 66,7% citaram que a ampliação do espaço físico pode
contribuir para a melhoria do Projeto Retreta (Gráfico 13). Vemos nesses dados que há muito
a ser melhorado, mas na maioria das indicações/necessidades há necessidade de envolvimento
monetário, o que dificulta, e muito, pois por se tratar de um projeto filantrópico as rendas são
provenientes apenas de doações ou auxilio da prefeitura. Os dados mostram que há percepção,
por por parte dos participantes do projeto, da necessidade de apoio financeiro e melhores
condições de espaço físico, uma vez que tais fatores foram citados diretamente por grande parte
dos participantes, e suas consequências (ampliação do quadro docente, maior carga de aulas)
foram citadas de modo menos frequente. Assim, não apenas o suporte financeiro e um espaço
adequado são necessários ao desenvolvimento do projeto, mas afetam diretamente a percepção
dos participantes sobre o mesmo.
100
Gráfico 13 – Sétima questão – Opinião dos entrevistados sobre aperfeiçoamento
Fonte: Autor (2015)
101
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo de caso buscou analisar a importância e a influência da intervenção
sociocomunitária através da música, praticada pelo Projeto Retreta que é desenvolvido no
município de Artur Nogueira São Paulo pela Corporação Musical “24 de Junho”. A Corporação
Musical “24 de Junho” é uma entidade sem fins lucrativos que conta com subsídios da
municipalidade para a sua manutenção, a entidade conta com 91 anos de existência, sendo
inclusive mais antiga do que o município citado.
Vale ressaltar que a educação musical praticada por estas corporações vem de longa
data, muito embora as mesmas contem com inúmeras dificuldades que vão do financeiro ao
pedagógico. Estas instituições praticam a mais de um século a educação sociocomunitária de
forma empírica. Na maioria dos casos além de contribuirem através dos seus grupos para a
participação nos mais diversos acontecimentos sociais do município, elas ainda bravamente
conservam a tradição musical brasileira tanto no repertório como na manutenção de escolas de
música que funcionam como verdadeiros conservatórios populares, cumprindo assim um papel
de educação sociocomunitária.
As instituições denominadas como “Corporação Musical” apesar de serem as mais
antigas no segmento, por algum motivo ainda são as menos investigadas dentre os grupos
ligados à educação. A partir de dados pesquisados junto a Funarte, as corporações musicais
estão presentes em grande parte dos municípios brasileiros; só no estado de São Paulo em 1975,
foram registradas 742; em 1984 cerca de 1027 e em 2000 foram verificadas 1302.
Em todo o Brasil, nos dois primeiros censos, o movimento cresceu em 20 estados
brasileiros. Na atualização ocorrida em 2000, em 18 estados brasileiros foram mantidos os
crescimentos, destacando que em 6 estados havia mais de 50 corporações e em 5, mais de 30.
Estas instituições trabalham essencialmente com projetos de banda, focando músicos amadores
da cidade e ainda ensinando música para novos interessados que queiram aprender instrumentos
e inseri-los gradativamente no programa da banda.
Tudo isto mantido por subvenções da municipalidade, estado, iniciativa privada,
associações de pais e amigos. Merece destaque nesta questão iniciativas do governo estadual e
federal tais como: programa de apoio às bandas de música, FUNARTE, lei Rouanet, e PROAC
(lei de incentivo fiscal).
A partir deste estudo, foi possível quantificar e qualificar a influência exercida pelo
trabalho do Projeto Retreta em relação aos alunos. Dessa forma, a ferramenta desenvolvida
102
tornou possível determinar o comportamento sociocultural da criança que participa das aulas
de música no projeto foco deste estudo.
Durante o desenvolvimento da pesquisa de campo, detectou-se que os participantes
impactados pelo projeto julgam que a música em sua vida causa felicidade e melhoria da
autoestima, e gostam de estar no projeto pelo aprendizado musical e interação social
possibilitados. Por outro lado, percebem-se fragilidades referentes às poucas viagens realizadas
pelos alunos, bem como pelo pouco apoio financeiro. Tais dados servirão de subsídio não
somente para a avaliação das potencialidades e fraquezas do projeto, mas como indicador para
a realização de mudanças que permitam seu maior sucesso.
Salientamos ainda que o projeto musical deve ser integralmente ligado ao processo de
educação sociocomunitária que trata o conhecimento obtido no chamado “extramuros”
escolares, tal tipo de ação desobriga a escola da função tradicional da sistematização do saber.
Por fim, entendemos que através da intervenção sociocomunitária na música torna-se
possível a construção de uma dinâmica estrutura metodológica musical/social capaz de aplicar
conteúdos artísticos de uma forma interativa, interpretativa, dialogando sobre as relações
humanas de maneira singular.
Em se tratando de intervenção sociocomunitária, que ferramenta mais democrática a ser
utilizada para reunir pessoas do que a música? Através da música podemos fazer um baile (ou
uma balada), organizar um recital ou utilizá-la como ferramenta de ensino, que pode vir a
formar profissionais da música ou somente bons apreciadores. Se tomarmos como exemplo o
ensino da música como ferramenta sociocomunitária podemos levantar vários aspectos: o
aprendizado em si, trazendo novos conteúdos culturais; a convivência entre os alunos, trazendo
noções básicas de respeito aos demais e senso de hierarquia; o desenvolvimento de
responsabilidade e autonomia, aumentar a sua capacidade de enxergar a vida em sua amplitude
muito além do abissal.
Tylor expressa em relação ao assunto da seguinte maneira:
Há pessoas tão concentradas no aspecto individual da vida de outras que não
conseguem aprender a noção de ação de uma comunidade como um todo; tal
observador, incapaz de uma visão ampla da sociedade, está adequadamente
descrito no dito: “as árvores o impedem de ver a floresta” (2005, p. 69).
Como hipótese, vamos pensar em uma banda como sendo a nossa floresta, composta
por um maestro, músicos de diversos instrumentos, pessoas que auxiliam na organização do
espaço, na distribuição de partituras, na limpeza do local.
103
Poucas atividades podem ser tão educativas quanto participar de uma banda. Há que se
respeitar a hierarquia, onde o maestro coordena, mas há que se respeitar cada componente da
mesma, pois cada um ao seu momento colocará em prática seus conhecimentos. Não há o mais
ou o menos importante. Todos trabalham para uma perfeita sincronia, com o objetivo de trazer
a quem está assistindo toda à emoção contida na execução da música.
Não importa quem tocou primeiro ou por último, se algum instrumento se sobressaiu ou
não, o que importa é o conjunto, ou seja, todos tocando juntos provocando a emoção na platéia,
que na maioria das vezes, não perceberá este ou aquele instrumento, mas sim a harmonia entre
todos eles. Não é assim que imaginamos uma sociedade saudável e produtiva? Todos inseridos
em um mesmo contexto, fazendo a sua parte, no seu momento, coordenados sim, mas com total
responsabilidade pela sua própria execução, que dependerá única e exclusivamente de seus
esforços pessoais.
A música tem esse poder, o poder de agregar pessoas diferentes entre si, porém com
propósitos semelhantes. Quando ouvimos uma banda, não sabemos a que religião pertence cada
músico, qual a sua origem, a sua orientação sexual, a cor de seus olhos ou sua idade. Levamos
dentro de nós apenas o resultado emocional de tantos sentimentos e sensações ativados por uma
boa música. E os músicos, o que levam dentro deles? A certeza de que pertencem a uma
sociedade e de que podem desenvolver boa parte de seu potencial, independentemente de seu
status econômico, gênero, raça ou credo.
104
REFLEXÕES SOBRE O MAESTRO
Município de Artur Nogueira SP, diretoria da Corporação Musical 24 de Junho, alunos
e professores do Projeto Retreta, familiares, poder público, iniciativa privada, enfim, a
comunidade como um todo hoje formam uma verdadeira catarse que resulta em um lindo e
prazeroso trabalho musical que tem feito a diferença para todos os envolvidos. Como todo
grande trabalho, o Projeto Retreta veio de um sonho, o meu sonho, o sonho do Maestro Ricardo
Miquelino, o sonho que atingiu um patamar que ninguém conseguiria imaginar no início do
trabalho devido há algumas das minhas características pessoais importantes.
Sou um sujeito de personalidade forte, um homem que não tem medo de dizer o que
pensa, por este motivo muitos me enxergam como um alguém arrogante, insensível ou rude,
perfil este que me trouxeram inúmeros contratempos, mas por outro lado aguçaram outras três
características fundamentais: coragem, persistência e liderança.
Coragem de fazer algo nunca antes feito em Artur Nogueira e a persistência para
enfrentar todos os que resistiam e não compreendiam a ideia do Projeto surgiram muitos
obstáculos. A liderança que busca não apenas o sucesso de um projeto ou uma banda, mas sim
de jovens que em certo ponto me idenfico, seja em um olhar determinado ou em um espirito
guerreiro que busca sair de onde está. E e este espirito de liderar que, pautado pela qualidade
de falar o que e preciso a qualquer preço e enfrentar tudo e todos. Tais ações trouxeram muitos
resultados, no entanto a um alto preço. Com o passar do tempo percebo que a minha capacidade
de liderança foi e está se moldando, tornando-se capaz de minimizar tal preço.
Essa experiência diária no Projeto Retreta me fez evoluir como maestro sim, mas
principalmente como pessoa pois a cada dia vejo o quanto nós influenciamos as pessoas ao
nosso redor. Ao pensar em quem eu sou, Ricardo Miquelino, não consigo pensar, definir ou
elaborar mais que poucas frases além de: alguém que busca fazer a diferença. Mesmo quando
há dificuldades no projeto, busco fazer com que as mesmas não afetem o trabalho que tenho
desenvolvido ou atrapalhem os objetivos que tenho em minha vida pessoal e profissional.
Nada mais me vem a mente. Mas ao perguntar de forma informal a alguns colegas de
profissão e integrantes do Projeto Retreta pude contemplar algo que, realmente em alguns
momentos, me surpreendeu. Ao se referir a mim, alguns falam Maestro ou simplesmente
Miquelino, alguns são bem diretos e dizem alguns adjetivos: determinado, orientador, lutador,
esperançoso, ambicioso, cooperador, dedicado, meticuloso dentre outros desta mesma natureza.
Entretanto quando falamos em um Projeto sociomusical vemos que o maestro não é apenas o
105
maestro, ele deve se envolver em toda a infraestrutura que vai desde as aulas até a realização
dos concertos, contratação de professores, ficar responsável por dirigir veículos (inclusive de
grande porte como: caminhão e ônibus). Levar instrumentos para a manutenção, compra de
equipamentos, arranjos musicais, busca de patrocínio, relacionamentos políticos e dentre
outras, sua ocupação é a regência da banda, coral ou orquestra.
Tanto nos ensaios quanto nas aulas e demais atividades do projeto, o Maestro deve
perceber e aproveitar-se de oportunidades para passar aos alunos não somente lições
relacionadas ao fazer musical, mas de cidadania e respeito ao próximo. Gosto de pensar que
através da arte sempre tive como objetivo promover a formação e o resgate do ser humano,
contribuindo para a evolução das pessoas através da universalidade da música. E acredito sim
que, contribui e contribuo na formação de crianças e jovens que se desenvolveram, não
necessariamente para a música, mas para a vida. Busco sempre estar aberto e disponível para
todos aqueles que necessitam de orientações ou apoio. Em alguns momentos, ou muitos quando
procurado por alunos e professores que encontram-se em meio a algum tipo de desanimo ou até
mesmo de conflitos pessoais, busco ensiná-los o que eu tive que aprender sozinho, e para ser
mais didático utilizo com frequência textos que já fazem parte do cotidiano da maioria deles:
“ Se enxerguei mais longe e porque eu subi no ombro de gigantes” Isaac Newton, “Ninguém
bater tão forte quanto a vida. Porem não se trata de quão forte você pode bater, se trata de quanto
você suporta apanhar se levantar e seguir em frente. E assim que a vitória e conquistada.”
Sylvester Stallone
Penso ainda que um líder ou um educador de um projeto musical deva ser movido pelo
ideal de levar a música àqueles que não tem acesso à cultura musical. No âmbito artístico deva
demonstrar todas as habilidades necessárias para a execução de um repertório variado e com
qualidade, além de ser capaz de aglutinar alunos e músicos voluntários em torno de um
programa comum.
O educador deve estar sempre aberto e disponível para todos aqueles que necessitam de
suas orientações e de seu apoio. Ao reger um grupo, mantenha-se sempre com imponente
postura, e firmeza em sua batuta, passando assim segurança e determinação ao grupo, mesmo
que isso por vezes esconda que em seu íntimo reside um homem/mulher sensível e com um
coração imenso. Deve, inclusive, visar o melhor para seus alunos, extrair, brigar (literalmente)
com eles para que se esforcem e cheguem ao mais próximo possível do seu potencial. O bom
educador instrui, critica e auxilia, mostrando e descobrindo novos caminhos junto ao educando.
Enfim, deve depositar a crença no potencial de cada aluno, professor, familiar que está ao seu
redor, de que são capazes e por isso devem caminhar lado a lado.
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109
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VON SIMSON, Olga R.M. (org) Educação Não Formal: Cenários de Criação. Campinas:
São Paulo. Editora da UNICAMP/ Centro de Memória, 2001
111
ANEXO 2
Relação dos melhores programas acadêmicos eleitos pelo guia do estudante
de abril de 2015
Universidades que exigem teste de aptidão
FACULDADE ESTRELAS
(MG) Belo Horizonte – UFMG ★★★★★
(RS) Porto Alegre – UFRGS ★★★★★
(SP) São Paulo – Unesp ★★★★★
(SP) São Paulo – USP ★★★★★
(BA) Salvador – UFBA ★★★★
(DF) Brasília – UnB ★★★★
(GO) Goiânia – UFG ★★★★
(MG) Belo Horizonte – Uemg ★★★★
(MG) Uberlândia – UFU ★★★★
(PB) João Pessoa – UFPB ★★★★
(PR) Curitiba – UFPR ★★★★
(PR) Maringá – UEM ★★★★
(RJ) Rio de Janeiro – UFRJ ★★★★
(RJ) Rio de Janeiro – Unirio ★★★★
(RN) Natal – UFRN ★★★★
(RS) Pelotas – UFPel ★★★★
(RS) Santa Maria – UFSM ★★★★
(SC) Florianópolis – Udesc ★★★★
(SP) Campinas – Unicamp ★★★★
(SP) Ribeirão Preto – USP ★★★★
(SP) São Paulo – Fasm ★★★★
Fonte: Editora Abril (2015)
112
ANEXO 3
Relação de bandas de música cadastradas pela funarte (2015) http://www.funarte.gov.br/bandas/estado.php?uf=SP
Vide arquivo digital
ANEXO 4
Relação das bandas paulistas segundo cadastro do projeto pró-bandas-SP http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.07db94ea1e7d7825e1628fc7a8638ca
0/?vgnextoid=990b30b51025c410VgnVCM1000008936c80aRCRD
Vide arquivo digital
ANEXO 5
Dados completos do questionário virtual
Vide arquivo digital
113
ANEXO 6
Questionário
PROJETO RETRETA
QUESTIONÁRIO- PESQUISA DE CAMPO
PROJETO RETRETA NAS ESCOLAS: estudo de um caso de educação sócio-musical
Prezados colegas,
Dentro do Programa do Mestrado do UNISAL, Unidade Americana - SP, estamos realizando
uma pesquisa sobre o Projeto Retreta, buscando identificar o perfil dos participantes e egressos,
compreender o que o Projeto representou ou representa em suas vidas e buscar subsídios para
a melhoria do Projeto e para a implantação de outras iniciativas de educação sócio-musical.
Para tanto desenvolvemos um questionário como forma de recolha de dados e informações a
serem posteriormente analisados.
Eu, autorizo o uso do depoimento escrito e imagem de acervo pessoal, por parte dos
pesquisadores Ricardo Miquelino e Valéria Vasconcelos, mestrando e docente do programa de
Mestrado em Educação – UNISAL, unidade Americana-SP, respectivamente, para fins
estritamente acadêmicos.
( ) Sim ( ) Não
114
PROJETO RETRETA
QUESTIONÁRIO- PESQUISA DE CAMPO
Prezados
Com o objetivo de conhecer o perfil dos participantes do Projeto Retreta, solicitamos sua
colaboração respondendo a este questionário. Gratos.
Idade -
Gênero –
Escolaridade
Estado civil
Ano de ingresso no projeto -
Ano de saída do projeto –
1. Você havia estudado música antes de ingressar no PROJETO RETRETA?
( ) Sim Onde ?______________________________________
( ) Não Porque?_____________________________________
2. De que forma tomou conhecimento da existência do PROJETO RETRETA?
(Assinalar quantas alternativas considerar adequadas)
( ) Escola
( ) Amigos
( ) Parentes
( ) Igreja
( ) Outros Quais? __________________________
3. O que representa o PROJETO RETRETA para você?
(Assinalar quantas alternativas considerar adequadas)
( ) Lazer
( ) aprendizado musical
( ) Passatempo
( ) profissionalização
( ) obrigação escolar
( ) socialização/interação social
( ) realização pessoal
( ) status social
( ) diversão
( ) Outros Quais? __________________________
4. Em sua opinião, quais os pontos fortes do PROJETO RETRETA? (Assinalar quantas
alternativas considerar adequadas)
( ) participação em grupos
( ) aprendizado de um instrumento
( ) Participação em concertos
( ) ensaios
( ) viagens
( ) forma de ensinar dos professores
( ) relacionamento entre os participantes
115
( ) disciplina
( ) Outros Quais? __________________________
5. Em sua opinião, quais os pontos frágeis do PROJETO RETRETA? (Assinalar quantas
alternativas considerar adequadas)
( ) participação em grupos
( ) aprendizado de um instrumento
( ) Participação em concertos
( ) ensaios
( ) viagens
( ) forma de ensinar dos professores
( ) relacionamento entre os participantes
( ) disciplina
( ) Outros Quais? __________________________
6. O que o ensino de música causa em você?
(Assinalar quantas alternativas considerar adequadas)
( ) felicidade
( ) pressão
( )Ansiedade
( ) Paz
( ) Angústia
( ) Determinação
( ) Melhora a auto-estima
( ) Piora a auto-estima
( ) Medo
( ) Tranquilidade
( ) Outros Quais? __________________________
7. Quais dos itens abaixo podem contribuir para a melhoria do PROJETO RETRETA?
(Assinalar quantas alternativas considerar adequadas)
( ) maior número de aulas
( ) maior diversidade de repertório
( ) maior carga de ensino de teoria musical
( ) mudança do quadro de professores
( ) ampliação do quadro de professores
( ) aquisição de instrumentos
( ) suporte financeiro para o projeto
( ) ampliação do espaço físico
( ) Outros Quais? __________________________
8. Escreva no máximo três palavras que vêm a sua cabeça ao ouvir o nome do “PROJETO
RETRETA”
1______________________ 2______________________ 3_____________________
9. Escreva aqui outros comentários que considerar relevantes: