Download - Projeto TCC Bruna - Banca Qualificação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Redes em Ciência e Tecnologia: um olhar antropológico a partir de um laboratório
de Engenharia
Projeto de Pesquisa apresentado como
qualificação do Trabalho de Conclusão,
com vistas à obtenção do título de Bacharel
em Ciências Sociais.
Acadêmica: Bruna Klöppel
Orientadora: Dra. Miriam Pillar Grossi
Florianópolis, abril de 2014.
1. Introdução
1.1 Trajetória acadêmica
Inicio este projeto relatando um pouco da trajetória acadêmica que me levou à
elaboração dessa pesquisa, a ser realizada como meu trabalho de conclusão do curso.
Entendo tal relato como pertinente na medida em que parto do pressuposto de que as
questões que constroem o objeto desta pesquisa são guiadas pelo que Donna Haraway
(1995) chama de conhecimentos localizados, ou seja, que partem de um ponto de vista
local e, assim, diferem-se de um projeto de ciência que se pretende universal. Não serei,
por óbvio, exaustiva, mas acredito ser importante destacar alguns pontos que localizam
meu interesse na construção do objeto a ser pesquisado.
Após cursar um ano de Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) durante o ano de 2008, passei a cursar Direito na Universidade
Regional de Blumenau (FURB), no período entre 2009 e 2011. Durante esse tempo,
realizei leituras e participei de discussões sob a orientação do professor Dr. Marcos
Antônio Mattedi1, sociólogo da ciência, coordenador do Núcleo de Estudos de
Tecnociência da mesma Universidade. O professor me apresentou Bruno Latour, suas
ideias críticas à noção clássica de “social” (LATOUR, 2005) e seus escritos sobre a
ciência (LATOUR, 2000, 2001). Além disso, a etnografia realizada por ele e Steve
Woolgar serviu de inspiração para esse projeto (WOOLGAR; LATOUR, 1997). Essa
aproximação foi retomada quando cursei a disciplina de Teoria Antropológica III, com
minha orientadora Miriam Grossi, e na segunda prática de pesquisa, realizada sob a
orientação do professor Theophilos Rifiotis2, ambas no primeiro semestre de 2013.
No segundo semestre de 2011, voltei a cursar Ciências Sociais na Universidade
Federal de Santa Catarina e, desde setembro do mesmo ano, sou bolsista de Iniciação
Científica no Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS), coordenado
pela Professora Dra. Miriam Pillar Grossi, de quem me aproximei ao cursar a disciplina
Relações de Gênero nesse mesmo semestre. Em tal núcleo, dei continuidade a uma
pesquisa desenvolvida por Giovanna Triñanes Aveiro que buscava analisar, sob um viés
de gênero, as trajetórias de Ruth Cardoso e Eunice Durham e da Escola de Antropologia
1 O professor fez estágio pós doutoral no Centre de Sociologie de l’Innovation, com Bruno Latour, em
2002. 2 Com esse professor, também pude aprender muito ao realizar a disciplina “Indivíduo e Sociedade”, em
2012.1.
Urbana de São Paulo, da qual são criadoras. Tal pesquisa foi fundamental para que eu
me aproximasse da história do campo da qual faço parte, ou seja, a Antropologia, e para
que eu pudesse entender melhor a íntima relação entre as ciências e as dinâmicas de
poder. Foi de grande importância, portanto, para que eu pudesse formular esse novo
problema de pesquisa.3
Meus estudos então tinham se concentrado, sobretudo, em dois campos: “História
da Antropologia Brasileira” e “Gênero e Ciências”. Foi participando das discussões no
grupo de estudos promovido pelo núcleo e intitulado “Gênero e Ciências” que eu obtive
grande parte da minha formação nessa área4. Em 2013, incorporei também leituras do
campo intitulado “Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia” e do campo “Antropologia
da Ciência e Tecnologia”, em expansão no Brasil, e com o qual minha pesquisa
pretende dialogar em primeiro plano. E, por isso, foram de muita importância a minha
participação na IV Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia5 e na disciplina
de Antropologia da Ciência e da Tecnologia, ministrada pela professora Edviges Ioris
em 2013.2.
Outro ponto importante nessa trajetória foi ter acompanhado em 2013 algumas
atividades da pesquisa realizada pela pós-doutoranda, Dra. Caterina Rea6, no campo da
farmacologia. Dentre tais atividades, tive a oportunidade de acompanhá-la em algumas
de suas incursões a campo em um departamento de farmacologia bastante reconhecido
no Brasil. Foi a partir daí que passei a ter vontade de fazer também uma pesquisa que
olhasse para a ciência e tecnologia a partir de um laboratório considerado de excelência.
A oportunidade surgiu quando, durante a disciplina “Teoria Antropológica III”,
ministrada por minha orientadora em 2013, fizemos uma visita a um laboratório de
3 Ainda está no prelo a publicação com os resultados das pesquisas realizadas no NIGS e no quadro do
projeto PNPD CAPES vinculado ao PPGICH – UFSC sobre gênero e ciências, na qual se inclui o meu artigo junto de minha orientadora Miriam Grossi sobre Ruth Cardoso e Eunice Durham, e o trabalho de Caterina Rea sobre a farmacologia. 4 Esse grupo foi coordenado pela pós-doutoranda Caterina Rea e contou com a participação de diversos
outros integrantes do NIGS, como minha orientadora Miriam Pillar Grossi, as pós-doutorandas Arianna Sala e Pilar Miguez, e graduandos e pós graduandos, como Julia Godinho, Bruno Cordeiro, Camila Laurindo, Laura Martendal, Carla Nagel, Izabela Liz Schlindwein, Vinicius Kauê Ferreira, Fernanda Azeredo de Moraes, Jimena Massa, Cristhian Caje, e ainda outros. Também contamos com intervenções das professoras Luzinete Simões Minella (UFSC) e de Ilana Lowy (CERMES-França), que foram fundamentais para minha pesquisa. 5 O evento aconteceu na UNICAMP entre 24 e 26 de setembro de 2013. A coordenação geral foi
realizada por Daniela T. Manica (IFCS/UFRJ), Marko S. Monteiro (DPCT/UNICAMP) e Pedro P. Ferreira (IFCH/UNICAMP). 6 Caterina Rea, atual professora da UNILAB, foi bolsista pós doutoral no projeto PNPD – CAPES sobre
gênero e ciências, desenvolvido no NIGS.
engenharia considerado de excelência e entrevistamos o professor/pesquisador
responsável. Nessa entrevista, além de outros assuntos abordados, o professor disse que
o laboratório estaria aberto para que uma pesquisa fosse ali realizada. Foi nesse contexto
em que se abriu a possibilidade de se pensar neste projeto e a partir daí pude começar a
construir um objeto de pesquisa.
Estudar um laboratório de engenharia foi algo pela qual me interessei porque há,
em geral, pouco ou nenhum diálogo entre as ciências ditas humanas e as ditas exatas,
apesar da proximidade destas em uma mesma universidade. Além disso, pude perceber
ao ter contato com os estudos sociais da ciência, e também no cotidiano da
universidade, uma espécie de rivalidade entre essas ciências que se pensam tão
diferentes. Como escreveu Oscar Calavia Sáez (2008)7,
A relação entre os dois grandes blocos da ciência se estabeleceu de um modo
parecido ao que contrastou capitalistas e comunistas durante a guerra fria.
Um certo consenso sobre áreas de influência predefinidas – grosso modo
correspondente ao divisor natureza-cultura –, unido a um menosprezo dos
princípios do outro bloco, raramente proclamado em público. Para os
praticantes das hard sciences, as ciências humanas são um blá-blá-blá inócuo;
para os humanistas, o outro lado está sempre à beira da blasfêmia de lesa
humanidade. Uma atitude bem mais irada surge quando as fronteiras são
violadas: os sicários das ciências exatas (veja-se o affaire Sokal) dizem
finalmente o que pensam dos tagarelas quando estes ousam se aventurar na
física ou na vida de laboratório, e os letrados olham como cobras
peçonhentas aqueles agentes do outro lado mais proclives a se aventurar no
seu território (geneticistas, ecólogos, etólogos e outras alimárias). (SÁEZ,
2008, p. 15)
1.2 Primeiras descrições do campo
A “guerra fria” continua
Como parte de minha pesquisa de campo, acompanhei nos últimos meses os
acalorados debates na rede social facebook nos quais essa rivalidade também apareceu
de forma bastante marcada entre @s estudantes da UFSC. Tais debates, nos quais os
estereótipos são constantemente reafirmados, são geralmente caracterizados por
discordâncias entre alun@s do Centro Tecnológico (CTC) e do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas (CFH). A entrada da polícia federal, militar e do batalhão de choque
na UFSC no último 25 de março também deflagrou uma polarização na Universidade.
Enquanto a maior parte d@s alun@s que ocuparam a reitoria durante três dias e
protestaram contra a entrada da polícia militar no campus eram do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas (CFH), a maior parte d@s alun@s que protestaram contra a
ocupação e em apoio à entrada da polícia militar no campus eram do Centro 7 Professor que tive o privilégio de ter nas disciplinas de Teoria Antropológica I (2012.1) e Mitológicas
(2013.2).
Tecnológico (CTC). O auge do embate foi na sexta-feira, 28 de março, em que os dois
grupos se encontraram no centro da Universidade e se enfrentaram com palavras de
ordem e vaias. Enquanto o “grupo do CTC” hasteava a bandeira brasileira e cantava o
hino nacional, o “grupo do CFH” hasteava a bandeira símbolo do movimento LGBTs e
entoava palavras de ordem contra o racismo, o machismo, a homolesbotransfobia, a
presença da polícia militar no campus, em prol dos trabalhadores e em memória das
mais recentes vítimas da polícia no País. A partir dessa polarização, os debates ficaram
ainda mais acirrados no facebook, nos quais o CFH é associado constantemente à
esquerda, ao comunismo e ao socialismo e, a partir do último incidente, também ao uso
e tráfico de maconha. Já os integrantes do CFH, que comentam menos no grupo,
associam o CTC à direita liberal ou conservadora e utilizam o termo “coxinha”8 para
fazer referência a eles. Acusações de machismo, racismo e homofobia são diversas
vezes dirigidas contra estudantes do CTC. Tomo como exemplo algumas dessas falas,
retiradas do grupo aberto da UFSC no facebook9. Lá, um aluno de ciências da
computação comenta que “o ideal seria colocar câmeras por todo o cfh e em seguida
congelar as atividades do CTC (consequentemente a arrecadação de $$$) por um ano e
observar em pay-per-view os bunda-rojas definhando sem ter quem parasitar.” Com
esse comentário, demonstra acreditar que o CTC é quem sustenta os cursos do CFH.
Outra aluna, do curso de Química, concorda com ele, quando diz:
As pessoas de outros centros gostando ou não tem que estar conscientes que
o que direciona as verbas pra universidade são as publicações cientificas!!!
Todos os cursos são importantes pra sociedade, mas a verdade tem que ser
dita o CTC e o CFM são os centros que mais publicam!!! Fim de papo!!!!
Em outra discussão, sobre o Ciência sem Fronteiras10
, uma aluna do curso de Farmácia
defende a manutenção da exclusão das ciências humanas do programa, dizendo: “Claro
que repassar conhecimento é muito importante, mas isso não produz alimentos, não
desenvolve cura pra doenças nem produz tecnologia, então acho impossível querer
colocar humanas como área mais importante numa sociedade.” Por fim, reproduzo
8 Tal termo se popularizou a partir das manifestações de junho de 2013 e tem sido usado por pessoas
consideradas de esquerda para fazer referência às pessoas com posições políticas conservadoras e/ou mal informadas. 9 Reproduzo as falas como foram escritas na rede social. Além disso, as informações sobre as pessoas
que tecem esses comentários também são retiradas do facebook, através dos respectivos perfis. 10
Segundo consta no sítio oficial, www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/o-programa, o Ciências sem Fronteiras é um programa do governo federal que “busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional.” O programa, contudo, não contempla todas as áreas do conhecimento, privilegiando as chamadas áreas prioritárias.
ainda uma crítica que um aluno de engenharia mecânica faz aos movimentos que lutam
contra o preconceito, geralmente apoiados no grupo por alun@s do CFH:
Esta rolando aí um coitadismo por parte de alguns negros que se deixam
levar por esses movimentos e põe a culpa de todo problema que sofrem na
vida por sua cor de pele. Na maioria das vezes as pessoas não tratam mal as
outras por cor de pele, sexo, condição social ou etc, tratam mal por serem
escrotas mesmo.
O laboratório
O laboratório pesquisado foi fundado nos anos 1980 e faz pesquisas básicas e
aplicadas em uma das áreas de Engenharia. Logo após sua fundação, disponibilizou um
software comercializável, hoje utilizado por muitas empresas e grupos de pesquisa no
Brasil e no exterior. Em 1997, foi contemplado com um projeto pelo Programa de
Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) do CNPq, sendo pioneiro na obtenção de
recursos e do prestígio a ele associado e o único da área a ter integrado o grupo de
laboratórios PRONEX na Região Sul do Brasil. Sua equipe é composta, no início de
2014, por 8 professores, 17 alun@s de doutorado, 08 alun@s de mestrado, 9 alun@s de
Iniciação Científica, 1 secretária executiva e 1 administrador de rede.11
Logo na entrada do laboratório, lê-se na porta de vidro as inscrições que
identificam o laboratório junto dos dizeres “Núcleo de Excelência – PRONEX”. Em
2013, para entrar e sair livremente por essa porta, era necessário que se obtivesse um
cartão magnético; caso contrário, dever-se-ia interfonar para que a secretária abrisse a
porta. Em março do presente ano, a porta estava ficando aberta. Há no laboratório um
espaço de recepção com três cadeiras, uma geladeira e os escaninhos dos professores
associados ao núcleo. Em um mural, há ainda um quadro de fotos d@s integrantes com
seus respectivos nomes e funções, avisos de defesas, propagandas de congressos
nacionais e internacionais da área e anúncios de aulas de inglês e francês. Há ainda a
sala da secretária e uma sala de aproximadamente 10m2 para cada professor (com
exceção de três deles, que dividem uma maior) e outro espaço comum com
aproximadamente 30m2, com 30 cabines com computadores disponíveis para os
integrantes do laboratório. Há aparelhos de ar condicionado em todos os espaços e uma
rede de internet com o nome do laboratório. Os professores associados ao laboratório
vestem calças jeans, camisas polos ou camisetas das mais diversas cores e sapatos. Os
11
Informações retiradas do sítio do laboratório. Acessado em 26/01/2014.
estudantes se vestem também com calças jeans, camisetas e alguns com tênis e outros
com sapatos.
Dentre os oito professores do laboratório, sete são pesquisadores com bolsa PQ
do CNPq. Cinco deles estão na categoria 1 (entre esses, dois em nível A, um em nível
B, um em nível C e um em nível D) e dois na categoria 2. Dentre todas as pessoas que
integram o laboratório, apenas cinco são mulheres. Dentre elas, duas são alunas de
doutorado, outras duas são alunas de iniciação científica e a secretária, sendo que não há
nenhuma professora mulher associada ao núcleo e nem alunas de mestrado. A presença
de mulheres na engenharia, um campo na qual a maior parte das pessoas se
autoidentifica como homens, foi amplamente debatida por Carla Cabral12
em sua tese de
doutorado (2006), na qual tentou explorar a dinâmica desse processo excludente.
Entender o que o elemento gênero implica para a vida em laboratório será um dos
objetivos dessa pesquisa.
O laboratório trabalha também associado a algumas empresas da região sul do
Brasil. Alguns alunos fazem a parte experimental de suas pesquisas nessas empresas, às
vezes utilizando ensaios já prontos realizados por elas e outras realizando eles mesmos
dentro das empresas. Poucas das experiências são realizadas dentro da Universidade.
Esse é um procedimento bastante comum nos laboratórios de engenharia da
Universidade pesquisada. O laboratório possui também convênios com laboratórios de
outras duas universidades brasileiras e de universidades da Bélgica e da França.
2. Objeto de Pesquisa
A pesquisa tem como principal objeto de reflexão as redes que se formam a
partir de um laboratório considerado de excelência na área de Engenharia13
. Sabe-se que
essas redes, ao mesmo tempo em que tornam a existência desse laboratório possível
enquanto tal, também são modificadas por ele enquanto existe. Tomo como objeto a
análise desse processo quando se trata de um laboratório considerado de excelência na
área de Engenharia. Isso significa entender as relações entre o laboratório e aqueles que
o integram, a própria Universidade, o CNPq e outros órgãos do governo, além dos
convênios supracitados. Levando em conta também a minha formação na área de
12
Carla Giovana Cabral também realizou pós-doutorado no NIGS, na área de história das ciências, estudando a trajetória de Helena Amélia Stemmer, primeira engenheira professora da Universidade Federal de Santa Catarina. 13
Optei, por questões éticas, por não dar elementos que possam identificar o tipo de pesquisa e área específica de conhecimento do laboratório estudado.
Gênero e Ciências, também incluo nessa rede as concepções de gênero que as
percorrem, explicitamente ou não.
3. Justificativa
Os estudos no campo da Antropologia da Ciência e Tecnologia têm se mostrado
pertinentes porque explicitam as relações constitutivas entre ciência e sociedade,
demonstrando que as redes de produção do conhecimento - e ao mesmo tempo produção
da sociedade - são muito mais complexas e protagonizadas por um número muito maior
de agentes do que se poderia pensar em princípio. O trabalho de Daniela Manica (2012)
sobre tecnociência contraceptiva, por exemplo, mostrou como as pesquisas científicas e
os pesquisadores na área da saúde se ligam a laboratórios farmacêuticos, agências de
financiamento nacionais e internacionais, à Organização Mundial da Saúde, a
concepções de gênero e a ainda outros agentes. Tal contextualização na forma de
mapeamento dessas redes é importante na medida em que localiza vários interesses e
agentes diversos que se articulam para a formação de qualquer laboratório e,
consequentemente, de qualquer dispositivo tecnocientífico que venha a ser produzido a
partir dele. A pesquisa que faço dá continuidade a esse trabalho de identificação dessas
redes, mas partindo de um laboratório de engenharia considerado de excelência.
Acredito que uma pesquisa que evidencie essas redes que envolvem um laboratório
considerado de excelência científica na área seja importante para entendermos melhor
como funciona a produção do conhecimento científico (e da sociedade). Isso
principalmente por se tratar da engenharia, área na qual o governo brasileiro tem
investido bastante por considerá-la estratégica na busca do “desenvolvimento e da
soberania nacional” (CAPES, 2010, p. 287).
4. Objetivos
4.1 Objetivo Geral
O objetivo geral é mapear e entender as redes que se formam a partir de um
laboratório de Engenharia considerado de excelência pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
4.2 Objetivos Específicos
a) Compreender como acontece a produção e a formação científica nessa rede
específica da qual o laboratório faz parte;
b) Identificar como se constituem os diferentes pontos da rede que se ligam ao
laboratório;
c) Acompanhar e descrever o cotidiano dos integrantes dentro do laboratório e,
quando possível, também fora dele;
d) Investigar como são as relações entre os diferentes integrantes do laboratório
com as outras instituições que fazem parte da rede;
e) Descrever as relações entre os integrantes, com olhar atento às possíveis
hierarquias dentro do laboratório;
f) Investigar quais as concepções de gênero, também em interseção com outras
categorias, compartilhadas pelos integrantes do laboratório e no que isso
afeta o coletivo.
5. Quadro Teórico
As Engenharias
Como mostram Silvia Figuerôa (2010) e Simone Kropf (1996), no Brasil do século
XIX, quando do debate sobre a remodelação da cidade do Rio de Janeiro, os
engenheiros se identificaram como um grupo comprometido com o projeto de
modernização nacional. Através do “saber instrumental”, legitimaram-se perante a
sociedade como representantes dos ideais de progresso e modernidade e, portanto,
capacitados para intervir na realidade social. Tal legitimidade se mantém - muitas vezes
também associada à racionalidade conferida pelo saber científico “duro” - e o poder
político associado a ela é bastante significativo.
Atualmente, esse poder político se traduz também nos maciços investimentos
realizados pelo governo brasileiro através de sua política científica e tecnológica,
representada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. No último Plano
Nacional de Pós-Graduação, as engenharias estão colocadas entre as áreas consideradas
estratégicas para o desenvolvimento e a soberania nacional, através do programa Pró-
Engenharias. Esse programa tem como objetivos
contribuir para o fortalecimento e a ampliação de programas de pós-
graduação stricto sensu no país, promover o intercâmbio e estimular
parcerias entre diversas Instituições de Ensino e Pesquisa; e apoiar a
formação de recursos humanos em nível de pós-graduação stricto sensu.
(CAPES, 2010, p. 287)
Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia
O campo da Antropologia da Ciência e Tecnologia, ainda recente, surge a partir do
diálogo da antropologia com campos diversos. Um deles foi o que se convencionou
denominar Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (ESCT). Marcos Mattedi (2006)
explica que o campo teve como um de seus precursores Robert Merton, nos anos 1930.
Ele foi um dos primeiros a tomar a ciência como objeto de estudo sociológico, tendo
rompido com os epistemólogos. Depois dele, há uma segunda onda, que tem seu foco
menos nos cientistas e mais no conhecimento produzido cientificamente e sua relação
com a sociedade. Seus mais relevantes representantes são o Programa Forte da
Sociologia do Conhecimento, com David Bloor, e o Programa Empírico do
Relativismo, com Harry Collins e Trevor Pinch. Há ainda, a partir dos anos 1970, uma
terceira onda, mais focada na prática da pesquisa científica. Esse movimento se iniciou
com as etnografias de Karin Knorr-Cetina (1983) e Bruno Latour (1997), realizadas nos
Estados Unidos, marcando um rompimento com as abordagens estruturalistas. É nesse
momento que se dá o início de uma aproximação mais explícita entre os ESCT e a
antropologia. Isso porque esses dois autores se apropriam do instrumental metodológico
por excelência da antropologia, a etnografia. Além disso, Latour (1997) dialoga
diretamente com a antropologia quando a critica dizendo que ela até então nunca se
voltou para o centro e restringiu-se apenas às margens, dizendo pouco sobre as
instituições pilares da sociedade ocidental. Ao mesmo tempo, ainda, a Antropologia
também passou a se interessar por temas ligados à ciência e à tecnologia, expandindo
seu interesse para além das culturas não ocidentais. Assim, há um cruzamento entre os
ESCT e a antropologia que, em partes, passam a convergir em direção a uma
antropologia da ciência.
Antropologia e Etnografia das Ciências
A entrada da etnografia nos ESCT marcou também o crescimento do campo e a sua
institucionalização disciplinar, como colocado por Marko Monteiro (2012). Esse autor
coloca ainda que não há consenso em torno do que significa fazer “etnografia da
ciência”; o que existe é uma convivência de diversas abordagens que demonstram a
diversidade de práticas e relações que compõem os contextos tecnocientíficos. As
primeiras etnografias no âmbito das ciências, às quais já fiz referência acima, estão
associadas à abordagem construtivista do conhecimento científico e o caráter contextual
(tempo e espaço) da prática científica. Sendo assim, é importante pontuar ainda que a
ida da análise da produção do conhecimento enquanto prática dentro do laboratório para
o contexto social na qual este se insere “tem sido uma orientação cada vez mais
relevante nos ESCT, justamente na sua interseção com a etnografia.” (MONTEIRO,
2012, p. 141) Tal ponto se contrapõe à ideia de que a etnografia estaria restrita ao
“micro”, o que levou alguns críticos a dizer que ela não possibilitaria questionamentos
sociológicos mais globais.
Contudo, nem todos os estudos antropológicos relativos à ciência e à tecnologia
estiveram sempre ligados aos ESCT. Monteiro (2012), mapeando os antecedentes
teórico-metodológicos de uma linhagem antropológica dos estudos sobre práticas e
contextos científicos, identifica os estudos feministas e de gênero, do qual falarei em
seguida, e outra leva interessada em práticas ligadas às biotecnologias, e também
relacionada com debates metodológicos na disciplina. Nesse quadro, os debates em
torno de saúde/doença, natureza/cultura, corpo e identidades são frequentes. Paul
Rabinow é, dentro desse contexto, uma referência fundamental, com sua ideia de
“biossocialidade” e seus questionamentos quanto à divisão clássica entre natureza e
cultura. A etnografia multissituada (MARCUS, 1995) também tem aqui um espaço
importante, chamando atenção para a necessidade de perpassar fronteiras espaciais bem
delimitadas, já que hoje não se pode ignorar a circulação de pessoas, objetos e
conhecimentos em circuitos globais.
Gênero e Ciências
Além dos ESCT, o campo denominado Gênero e Ciências, que se consolidou nos
Estados Unidos na década de 1980, também foi fundamental para uma mudança no
olhar sobre a ciência e para o desenvolvimento do campo da antropologia da ciência.
Gênero é entendido aqui como uma “categoria usada para pensar as relações sociais
que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e expressas
pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual.” (GROSSI, 1998, p. 5). Isso
significa dizer que penso o gênero como relacional, situado social e historicamente.
Além disso, é importante ressaltar que a categoria gênero precisa estar sempre em
intersecção com outras categorias, a fim de que a análise reflita melhor as complexidades
das relações sociais existentes. É necessário, portanto, um olhar atento a essas
intersecções que, como ensina Antônio Flávio Pierucci (1999), estão presentes “num
mesmo indivíduo de pertencimentos múltiplos, múltiplas lealdades, múltiplas posições,
múltiplas identificações e identidades grupais, múltiplos ‘reposicionamentos’ além do
mais.” (PIERUCCI, 1999, p. 143)
Quanto ao campo Gênero e Ciências, pode-se dizer que a física e bióloga Evelyn
Fox Keller foi das primeiras a refletir acerca da ciência com um olhar dos estudos de
gênero. Em um artigo clássico na qual faz um balanço das críticas feministas à ciência
(1982), ela diferencia as de caráter liberal das mais radicais. Segundo ela, as críticas de
caráter liberal alcançam os privilégios masculinos nas práticas empregatícias, de gestão
e de condução de pesquisas. Já as críticas mais radicais teriam como alvo o
androcentrismo como princípio das ciências e os próprios pressupostos de objetividade
e racionalidade. Dentro desse segundo grupo de críticas, as teorias feministas do ponto
de vista tiveram como uma de suas proeminentes representantes Sandra Harding. A
autora (HARDING, 1993; 2001) coloca as tensões entre as principais correntes da
epistemologia feminista, diferenciando-as entre as mais afins ao projeto iluminista
moderno e aquelas consideradas mais radicalmente anti-iluministas. O primeiro grupo –
associado ao empirismo feminista - estaria mais apegado aos ideais de objetividade e
racionalidade. Tal corrente entende que uma ciência feminista é capaz de corrigir as
distorções feitas pela ciência androcêntrica, sendo assim mais capacitada para alcançar
os fatos da realidade. O objetivo, portanto, é o mesmo das ciências tradicionais:
resultados objetivos e isentos de valor. De outro lado, nas correntes mais claramente
anti-iluministas, da qual a teoria feminista do ponto de vista é um exemplo, há uma
radicalização da historicidade e localidade das ciências, levando em conta a situação
concreta e social d@s praticantes da ciência. Harding tenta superar tais diferenças,
defendendo uma “ambivalência principista” autoconsciente e articulada teoricamente
(HARDING, 2001, p. 113). Ao mesmo tempo em que rechaça o relativismo radical de
algumas posições pós-modernas, ela defende que as epistemologias feministas do ponto
de vista levantam exigências teóricas e políticas importantes, como o caráter parcial da
ciência, a relação intrínseca entre saber e poder, a ideia de que as produções científicas
se dão socialmente e a importância da experiência histórica e social das mulheres.
Apesar da enorme importância política e teórica que podemos atribuir à teoria
feminista do ponto de vista, ela também é passível de críticas por se apresentar muitas
vezes como essencialista. Como coloca Donna Haraway,
Não há um ponto de vista feminista único porque nossos mapas requerem
dimensões em demasia para que essa metáfora sirva para fixar nossas visões.
Mas a meta de uma epistemologia e de uma política de posições engajadas e
responsáveis das teóricas feministas de perspectiva permanece notavelmente
potente. (HARAWAY, 1995, p. 32)
Outro risco que corremos com a noção de que há apenas um ponto de vista feminista
é o de silenciar as mulheres que não têm os privilégios dado às mulheres cis14
, brancas,
heterossexuais e de grupos economicamente favorecidos. É o caso de grande parte das
mulheres não brancas, trans, lésbicas, colonizadas, dentre outras. Também concordo
com Donna Haraway (1995) quando ela é cética em relação a uma ciência
epistemologicamente superior, defendendo a inevitável localidade e parcialidade de
qualquer conhecimento – o que, em última instância, implica também em assumir
responsabilidade por nossas práticas científicas. Não se trata, contudo, de perseguir a
parcialidade por si mesma, “mas pelas possibilidades de conexões e aberturas
inesperadas que o conhecimento situado oferece” (HARAWAY, 1995, p. 33). Haraway
também tem um papel importante na medida em que, em sua crítica à ciência, acaba por
desconstruir binômios constitutivos da modernidade ocidental, caros à antropologia,
como natureza/cultura, sujeito/objeto e construtivismo/realismo. Seguem o mesmo
caminho as críticas de Ilana Löwy (2000) em direção à noção de universalidade.
Revisando o trabalho de alguns historiadores da ciência, lembra que estes chegaram à
conclusão de que “não é porque são universais que os conhecimentos científicos
circulam, eles são universais porque circulam.” (LÖWY, 2000, p. 31) E relembra ainda
que para manter essa circulação e difusão de práticas, instrumentos e indivíduos é
necessário um investimento contínuo de tempo, dinheiro e trabalho. Para essa autora, os
conhecimentos localizados e parciais são a única alternativa ao totalitarismo de uma
visão única e ao relativismo radical. É essa a ciência que “pode abrir caminho para uma
outra definição de objetividade e de universalidade – definição que inclui a paixão, a
crítica, a contestação, a solidariedade e a responsabilidade.” (LÖWY, 2000, p. 38)
Atualmente, conforme Caterina Rea coloca na parte introdutória do livro sobre
gênero e ciências que será publicado em 2014, os principais focos de pesquisa desse
campo no Brasil podem ser divididos em estudos sobre a participação, inclusão e
visibilidade das mulheres na ciência; estudos sobre mulheres pioneiras em diversas
14
Segundo Jaqueline Gomes de Jesus, “chamamos de cisgênero, ou de “cis”, as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando ao nascimento. (...) Denominamos as pessoas não-cisgênero, as que não se identificam com o gênero que lhes foi determinado, com transgênero, ou trans.” (GOMES DE JESUS, 2012, p. 10)
áreas de conhecimento; análises de como as epistemologias feministas modificaram a
ciência e, por fim, os estudos que se cruzam mais diretamente com os ESCT, voltando-
se mais para as formas de interseção entre conhecimento científico e conhecimento
sobre gênero e sexualidade – principalmente nas ciências biomédicas. Portanto, os
estudos sobre gênero e ciências, os quais têm crescido significativamente no Brasil e
fora dele, têm contribuído muito para o entendimento da ciência, do conhecimento e da
prática científica.
Há diversas aproximações e distanciamentos entre os ESCT e o campo chamado
Gênero e Ciências. Segundo Maria Margaret Lopes (1998) uma das aproximações é
explícita, no conceito de “objetividade forte”, criado por Sandra Harding para tratar do
olhar privilegiado proporcionado pelo ponto de vista feminista. Esse conceito estaria
fazendo referência ao Programa Forte de Sociologia do Conhecimento, de David Bloor,
e dialogando diretamente com ele. Entretanto, Lopes (2006) critica essa reapropriação
do conceito de objetividade por parte de algumas feministas, sustentando que dessa
forma acabaram por reforçar a história das ideias. Dessa forma, elas se distanciaram de
outros movimentos contemporâneos – como os ESCT que, além de refutar as
interpretações tradicionais de que as ideias flutuavam em espaços conceituais, também
“avançavam velozmente na busca de maiores e mais amplas contextualizações de
temporalidades, localidades e caracterizações da diversidade das culturas
tecnocientíficas.” (LOPES, 2006, p. 43) O problema, na visão de Maria Margaret, é que
as epistemologias do ponto de vista feminista não questionaram a centralidade e a
atemporalidade do conceito de objetividade com que trabalharam. Outra aproximação se
dá quanto à noção de localidade. As afinidades entre os conhecimentos situados de
Donna Haraway (1995) e Ilana Löwy (2000) com o pensamento de Steve Shapin são
evidentes. Como já comentei sobre as duas autoras acima, cito Shapin quando coloca
que
science is undeniably made in specific sites, and it discernibly carries the
marks of those sites of production, whether sites be conceived as the personal
cognitive space of creativity, the relatively private space of the research
laboratory, the physical constraints posed by natural or built geography for
conditions of visibility and access, the local social spaces of municipality,
region, or nation, or the "topical contextures" of practice, equipment, and
phenomenal fields. (SHAPIN, 1995, p. 306)
Já outro distanciamento acontece quando os ESCT criticam algumas autoras feministas
que essencializam a ciência como masculina, desconsiderando aspectos contextuais. Já
as críticas colocadas pelas feministas em direção aos ESCT tomam dois sentidos. O
primeiro refere-se ao receio feminista de cair em um relativismo radical, que nem
sempre é compartilhado pelos teóricos dos ESCT, já que nem todos têm uma
preocupação assumidamente política como os estudos feministas. A segunda questão é a
que Margaret Lopes (1998) aponta: se os ESCT reconhecem a eficiência única com que
o conhecimento científico viaja, carregando marcas dos sítios específicos onde é
construído, por que o gênero nunca foi levado em consideração como uma dessas
marcas? Por que a questão de gênero teve tão pouca entrada nos ESCT?
Quanto aos estudos sobre ciência no campo antropológico no Brasil, escreve Sergio
Carrara (2012) que tiveram início a partir dos estudos sobre a história da própria
disciplina. Depois disso, expandiram-se através de antropólogos que trabalhavam em
escolas de saúde pública, institutos de medicina social ou cursos de saúde coletiva. Por
fim, acabou se espalhando entre os mais diversos âmbitos. É assim que nos últimos 20
anos, o campo da antropologia da ciência e tecnologia tem se expandido muito no
Brasil, e também está em diálogo muito próximo com os ESCT e os estudos feministas.
O livro organizado por Claudia Fonseca e Fabiola Rohden (2012) e as Reuniões de
Antropologia da Ciência e Tecnologia (2007, 2009, 2011, 2013), além dos grupos de
trabalho organizados para a última Reunião Brasileira de Antropologia (2012) e para a
X Reunião de Antropologia do Mercosul (2013) ilustram o crescimento do campo nos
últimos anos no País.
As Redes em Ciência e Tecnologia
Em trânsito entre esses campos, são diversos os autores que me servem de
inspiração para a construção e análise de meu objeto de pesquisa. É o caso de John Law
(1992), Donna Haraway (1995) e Bruno Latour (2000), por suas noções de redes
fluidas, temporárias e que se dão em função de associações em torno de diversos
interesses, que se misturam e transformam uns aos outros. Bruno Latour e John Law,
além de Michel Callon, são os expoentes do que ficou conhecido como Actor-Network
Theory (ANT), ou Sociologia da Tradução. Segundo John Law (1992), os principais
autores da ANT, que começaram estudando ciência e tecnologia, chegaram à conclusão
de que o conhecimento era corporificado em diversas formas materiais (artigos, livros,
patentes, conferências, dentre outros), sendo produto final de trabalho no qual elementos
heterogêneos são justapostos numa rede que supera suas resistências. Na visão da ANT,
a ciência é então
a process of ‘heterogeneous engineering’ in which bits and pieces from the
social, the technical, the conceptual and the textual are fitted together, and so
converted (or ‘translated’) into a set of equally heterogeneous scientific
products. (LAW, 1992, p. 381)
Seguindo tal argumento, não interessam às ciências sociais apenas as pessoas,
mas também as máquinas, os animais, os textos, o dinheiro e tudo o que estiver inserido
nessa rede que é sempre heterogênea. Nesse contexto, a nossa tarefa seria caracterizar
tais redes em sua heterogeneidade e explorar como geram poder e desigualdades, sem
pressupor, em última análise, um determinismo tecnológico ou social. Como nos ensina
Leticia de Luna Freire (2006), o que Bruno Latour e Michel Callon fizeram foi dar
continuidade ao trabalho de David Bloor que, em 1976, deu início ao Programa Forte.
A ideia principal desse programa era de que os estudos sobre as ciências deveriam levar
em conta tanto o contexto social quanto o conteúdo científico. Para isso, Bloor sugeriu o
princípio de simetria, que dizia “que os mesmos tipos de causas devem explicar as
crenças valorizadas como verdade e as rechaçadas, uma vez que não há diferença
essencial entre verdade e erro” (FREIRE, 2006, p. 48). Só dessa forma seria possível
tratar simetricamente os vencidos e os vencedores. Estendendo tal princípio, Latour e
Callon propuseram o princípio de simetria generalizada, na qual, além do erro e da
verdade, também a natureza e a sociedade devem ser analisadas sob um mesmo plano e
não separadamente. Dessa forma, trata-se de analisar essa rede heterogênea dando
espaço a todos os seus elementos, sejam máquinas, humanos, animais ou outros.
Para a ANT, ainda segundo John Law (1992), os agentes sociais não estão
localizados apenas nos corpos. Cada ator (ou actante) é uma rede de relações
heterogêneas ou um efeito delas. A alegação é de que todos os traços que geralmente
atribuímos somente aos seres humanos são gerados em redes que passam pelo corpo e
vão tanto para dentro, como para além dele. É por isso que, para a ANT, todo ator é
também uma rede. Tal raciocínio, se generalizado, leva-nos a entender não só pessoas,
máquinas e animais como redes, mas também as organizações e instituições. Elas são
entendidas como redes nas quais há papeis precariamente padronizados desempenhados
por pessoas, textos, máquinas, prédios – sendo que todos estes podem tornar a rede
instável quando oferecem algum tipo de resistência. Tal rede pode ser ainda mais
expandida se pensarmos com Latour (2000) que, ao utilizar a ANT para analisar a
ciência, mostrou como os cientistas, para poderem fazer aquilo que chamamos de
ciência e tecnologia, integram redes nas quais se inserem não só cientistas, mas também
empresas e indústrias, políticos, agências de financiamento, gestores, mídia, associações
– isso para não listar todos os objetos materiais envolvidos e necessários. Sem todos
esses elementos em uma relativa estabilidade, não é possível a consolidação de
descobertas científicas e nem o desenvolvimento de pesquisas – o que se poderia pensar
como a atividade fundamental de um cientista.
6. Métodos
A etnografia, como explica Theophilos Rifiotis (2012), é produzida a partir da
definição de um objetivo de pesquisa relacionado à fundamentação teórica, de registros
realizados enquanto há o contato com o campo pesquisado e, por fim, a análise do que
se produziu e a escrita do texto etnográfico. James Clifford (1998) coloca ainda alguns
outros pontos que são fundamentais para a pesquisa etnográfica clássica, como a
observação direta e participante, a centralidade das práticas e modos de falar do grupo
pesquisado, a observação feita a partir de partes que ao final são integradas em uma
totalidade e a necessidade de diálogo entre informações teóricas e observações de
campo. Clifford Geertz (1978) acrescenta ainda outras características: segundo ele, a
etnografia é sempre um registro fixo de um discurso social dinâmico, é interpretativa e
microscópica.
Contudo, como colocam Latour e Woolgar (1997), a etnografia das ciências
pode se diferir um pouco da etnografia clássica já que “o campo da primeira confunde-
se com um território, enquanto o da segunda toma a forma de uma rede” (LATOUR;
WOOLGAR, 1997, p. 37). A etnografia multissituada, defendida por George Marcus
(1995), também ajuda a pensar uma etnografia que ultrapassa fronteiras e estabelece
conexões em escalas diversas, já que observamos hoje a intensa circulação de pessoas,
de objetos e de conhecimentos. É necessário, segundo o autor, que sigamos as
trajetórias dos fenômenos, tratemos de fazer as conjunções das situações e
estabeleçamos as associações entre elas. É o que se pretende fazer aqui.
Para a realização da pesquisa, utilizarei do método etnográfico, privilegiando a
observação do cotidiano de trabalho das pessoas envolvidas com o laboratório, assim
como defesas de trabalhos de conclusão de estudantes vinculados ao laboratório e, se
possível, acompanharei um congresso/evento de peso na área para observar o lugar que
os membros deste laboratório ocupam no campo nacional e internacional. Entrevistas,
formais e informais, fazem parte da pesquisa de campo, seguindo algumas questões
chaves desse projeto.
a) Observação das defesas de trabalho de conclusão de curso, dissertações e teses
de pesquisadores do laboratório;
b) Observação das práticas nos laboratórios com atenção à distribuição de tarefas
entre os pesquisadores;
c) Entrevistas formais e informais com colaboradores envolvidos nas atividades
relativas ao laboratório, incluindo, além dos pesquisadores, iniciantes ou não,
outros profissionais que fazem parte do cotidiano de trabalho;
Farei também uma pesquisa documental através da análise de currículos, editais nos
quais o laboratório concorre e publicações acadêmicas do grupo estudado dentro de sua
área de conhecimento.
a) Análise dos currículos Lattes dos pesquisadores envolvidos na produção
acadêmica;
b) Análise de editais e resoluções do PRONEX e do INCT;
c) Análise dos principais livros, revistas e outras publicações da área, com atenção
às publicações dos integrantes do laboratório.
7. Cronograma
Mar Abr Mai Jun Jul
Pesquisa bibliográfica X X
Pesquisa de campo X X
Organização dos dados e análise X X
Redação de trabalho de
conclusão de curso
X X X
8. Referências Bibliográficas
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