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7/26/2019 PSICOTERAPIA PREVENTIVA
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sicoterapia
preventiva
famlia
yad Simon
P
s ico terapia prevent iva da
famlia o nome que assu
miu um procedimento de
atendimento e pesquisa de
senvolvido pelos membros da Socie
dade de Psicologia Clnica Preventiva
nestes ltimos oito anos. Um dos m
bitos de estudo de nossa Sociedade a
comunidade. Como meio de alcanar
a comunidade partimos da famlia.
Finalidade
O psiclogo preventivo assume
que seu cliente a famlia. Quando
ele se fixa nesse objetivo, seguem-se
conseqncias inerentes a essa posi
o. Por exemplo, quando a famlia
acha que apenas um dos membros
precisa de assistncia, o psiclogo no
contraria essa opinio. Todavia, f ica
alerta para captar as ramificaes do
relacionamento desse membro da fa
mlia com todos os demais. E, desse
modo, alcanar uma viso muito mais
ampla da interdependncia das aes
e reaes de cada componente da fa
mlia. Essa viso seria muito mais res
trita se o psiclogo apenas cuidasse
do membro da famlia que o procura,
ou lhe encaminhado, como no aten
dimento tradicional.
A amplitude do conhecimento da
diversidade de fatores que influem na
adaptao de cada pessoa vai tornar
mais rico o entendimento do psiclo
go.
A abundncia de conhecimentos
pe rmi t i r e s t ru tu r a r um p lano de
atendimento
mais exato.
Tendo uma
noo mais precisa de qual o ncleo
do problema, a interveno preventi
mais eficaz.
Da prpria eficcia
resulta que o
tempo
necessrio para
alcanar determinado efeito ser
mais
Tornando-se a psicoterapia pre
ventiva da famlia mais eficaz e mais
breve, os cus tos se tornaro mais
acessveis a maior nmero de pessoas.
Assim, cada famlia atendida ir assi
milando uma mentalidade preventiva.
( M entalidade preventiva resulta de
uma transmisso de conhecimentos
famlia objetivando alert-la para os
sinais precoces de distrbios adaptati
vos para que os corrija bem como
elevar o nvel de exigncia existente,
de modo a tornar ainda mais eficaz
uma adaptao que j adequada
promoo de sade ) . No dif cil
supor e de fato acontece que
cada famlia sentido-se bem assistida
ir divulgar para as prximas a utili
dade da ajuda preventiva. E, pouco a
pou co, num contgio benfico, iro se
es tendendo ramif icaes formando
uma rede que fortalece a sade ps
quica e protege a comunidade contra
fo rm as de ada p ta o menos e fi
cazes(*)
Mtodo, Objetivos e Discusso
A ida do psiclogo ao domiclio
da famlia possibilita-lhe uma percep
o direta do ambiente material e re
lac ional famil iar . Pode-se obje tar
(*) Ada pta o mais (ou menos) eficaz um
concei to que foi operacional izado em meu l ivro
P sic olo gia Cl nica Preven t iva (Simon, R.
1983) .
Significa genericamente que o conjunto
das solues encontradas para os problemas
vi tais permitem grat i ficaes qual i tat ivas e
quant i tat ivas e, tam bm, produ zem relativa
mente reduzidos confl i tos int rapsquicos e am
bientais.
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qu an to pure za da observao ,
vis to que a presena do observador
no campo domiciliar altera o objeto
observado. De fato, haver famlias
que arrumam melhor a casa quando
esperam a vis ita do psiclogo. Toda
via, isso em si j um dado. E que
dizer das famlias que, sabend o em bo
ra da visita domiciliar, mal se preocu
pam em ocultar a desordem? A viso
de uma casa suja, desarrumada, com
crianas e animais e atrope lando , des-
p e r t a r a p i d a m e n t e s e n t i m e n t o s e
compreenso da desorganizao fa
miliar que de outro modo, no consul
trio, por exemplo, s tarde ou nunca
seriam capta das. (A desorganiz ao
familiar pode geralmente ser eviden
ciada pela incapacidade de ordem
material da dona de casa; e isso, por
sua vez, reflete sua desorganizao
intrapsquica que termina por conta
minar a famlia, principalmente as
crianas. A desordem que est for a
da cabea projetada est tam
bm in t ro je tada de ntro da ca
bea.)
Por outro lado, as interaes fa
miliares no domiclio so suposta
mente mais espontneas e menos ini
bidas do que se verificadas em outro
local. Assim, o psiclogo pode obser
var no domiclio uma pessoa isolada,
uma dupla, ou a famlia inteira, co
lhendo rapidamente fartas informa
es. Estas informaes tanto podem
ser
materiais
(qualidade e estado do
ambiente
sico transferenciais
(de ca
da familiar para o psiclogo) extra-
transferenciais (relaes dos familia
res entre s i) contra-transferenciais
(reaes do psiclogo face o ambiente
e os mem bros da famlia). claro que
essas informaes sero muito mais
ntidas e aproveitveis quanto mais
confortvel o psiclogo se sinta no
domiclio. E quanto mais vontade
consiga deixar a famlia com sua pre
sena. Essas consideraes sugerem
que o psiclogo, saindo do consult
rio e indo para o domiclio, asseme
lha-se ao explorador diante de uma
cultura aliengena. E que ele precisar
desenvolver mtodos que so mais do
mbito do antroplogo do que do
clnico. Assim como j existe uma
Psicologia Social precisamos desen
volver uma Psicologia Antropolgica
especfica.
Ao procurar uma famlia, ou ser
procurado por ela, o psiclogo inicia
pelo diagnstico. Concebe-se a evolu
o familiar com o um processo que se
opera no tempo. Ao efetuar o diag
nstico, o psiclogo executa dois cor
tes no processo evolutivo temporal.
Um corte
transversal,
que fornece os
fatos do presente (imediato ou prxi
mo) . Esse corte contm os elementos
da s ituao -problema atual. Ele inclui
a que ixa . Geralmente a queixa
apenas um aspecto e no o mais
importante da s ituao-problema
(que at pode estar inconsciente para
os familiares). A investigao do corte
transversal d as respostas s seguin
tes perguntas da s ituao-problema:
o qu? quem ? e como ? O que
est acontecendo agora? Quem est
envolvido? Com o o envolvimento?
O corte
longitudinal
completa o diag
nstico do processo da evoluo fa
miliar remetendo-nos ao passado. Ele
r e s p on d e s p e r g u n t a s : o n d e ?
quan do? e po r qu? Onde ocor
reu o problema? Quando comeou o
envolvimento? P or que aconteceu? As
respostas a todas essas perguntas per
mitem-nos compreender a trama do
relacionamento familiar . Atualmente
es tudamos tcnicas de d iagns t ico
que nos possibili tem obter o diagns
tico preventivo familiar , no mximo
em trs entrevistas.
Concludo o diagnstico, passa-
se ,
quando for o caso, psicoterapia
preventiva da famlia, propriamente
dita. Obedece a uma estratgia direti
va. O psiclogo procura ativamente
dar aos familiares uma compreenso
afetiva dos elementos da s ituao-
problema. Para ser acessvel maioria
da populao, a psicoterapia preven
tiva deve ser breve. Conforme a com
plexidade da s itua o-problem a. tra
a-se uma plano psicoterpico que
abrange de uma a doze sesses. A
abordagem flexvel, dirigindo-se ora
a um, ora a outro, ou mais membros
da famlia. A tcnica ecltica,
usan
d o - s e o r a a b o r d a g e n s
suportivas
(reasseguramento, persuaso, orien
tao, modificaes ambientais , etc) ,
o ra
psicodinmicas
(explicao dos
dinamismos inconscientes das rela
es familiares, e, quando necessrio,
interpretao da transferncia e das
resistncias).
O
alcance
da psicoterapia pre
ventiva da famlia compreende desde
os sintomas individuais at as dificul
dades de ajustamento intra ou extra-
familiares.
O
objetivo
promover a integra
o familiar a nveis de adaptao
mais eficazes. Para alcanar esse obje
tivo faz-se um seguimento preventivo
a cada trs meses. Desse modo veri
f icado periodicamente o estado de
adaptao familiar , independente de
haver chamada para ajuda psicolgi
ca. A famlia vai compreend endo pela
experincia o que significa preveno
primria. Assim, o atendimento pre
ventivo da famlia combina dois mo
delos de assistncia psicolgica: um
mtodo breve, quando surge um pro
blema situacional (e cai no mbito da
preveno secundria ou terciria) e
um mtodo de atendimento por prazo
indeterminado, que visa manter e
melhorar o nvel de eficcia adaptati
va da famlia (mbito da preveno
primria) .
Com o intuito de i lustrar como
se processa a psicoterapia preventiva
da famlia, cito um atendimento relati
vamente simples. Uma famlia com
posta de quatro pessoas: o casal e
dua s filhas de 9 e 6 anos , na oca sio
do incio do atendimento. A queixa
era e que a filha mais nov a, apresen ta
va mau aproveitamento escolar e no
iria ser aprovada no exame para in
gresso numa escola muito conceituada
e muito exigente. Essa escola era fre
quentada pela irm mais velha e to
dos os filhos dos parentes prximos.
Para os pais era uma questo de hon
ra que a filha ingressasse nessa escola.
A psicloga incumbida do atendimen
to conclui que a criana problema, M ,
tinha inteligncia normal. Pela inves
tigao da dinmica familiar verificou
que a menina sofria de carncia afeti
va. Os pais trabalhavam fora de casa.
Ela usava o mau aproveitamento es
colar como forma de obter afeto dos
pais . M ,com ume nte, telefonava para a
me no local de trabalh o, angustian
do-a com queixas de mal-estar fsico.
Se os pais estavam apreensivos com o
xito escolar de M, esta aproveitava
esse fato para obter toda aten o pos
svel. A soluo teraputica era apa
ren temente s imples . Se M obt inha
afeto com sua inferioridade escolar,
bastava que os pais deixassem de de
mons trar angs t ia nessa s i tuao .
Cessaria o ganho que M obtinha e
desapareceria o motivo para ser uma
estudante relapsa. Mas a recomenda
o no pde ser facilmente acatada,
principalmente pelo pai, que se an
gustiava muito com a insuficincia
escolar de M.
Aprofundando as investigaes,
verificou-se que o pai, na infncia,
fora por sua vez um estudante inefi
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ciente, tendo sido rejeitado por isso.
Mais tarde, quando se candidatara
mo da futura esposa, a famlia desta
fizera-lhe restries. Assim, o pai pre
cisava provar para a famlia da sogra
que suas filhas eram excelentes estu
dantes , para desmentir os prognsti
cos desfavorveis na ocasio do na
moro. claro que tudo isso que a
psicloga apurou era inconsciente pa
ra os familiares. Assim, o pai de M
pde perceber que estava submetido
s figuras paternas de sua infncia. E,
posteriorme nte, aos sogros rejeitado
res com quem se identificava e, por
isso,
atormentava M. Ao ser possvel
mostrar-lhe que sua filha M estava
nas mesmas condies de quando o
pai era criana, este pde identificar-
se com a filha. Sua atitude mudou de
crt ica para s imptica. M, obtendo
gratificao afetiva direta, dispensou
o mtodo antigo, melhorou nos estu
dos e ingressou na escola pretendida.
Cont inuando o a tendimento t r imes
tral nas visitas peridicas preventivas
a psicloga obteve um quadro mais
amplo da s ituao e sua relao com
as famlias dos parentes . A me de M
tambm fora uma criana rejeitada
pelos familiares. Assim, se M era o
bode expiatrio da famlia, seus pais ,
quando cr ianas , tambm o haviam
sido. A famlia de M, em seu conjun
to ,
era rejeitada pelas outras famlias
de parentes, isto , era uma famliabode-expiatrio. Em sntese, t nha
mos comeado com uma criana que
era bode-expia tr io da faml ia , e
constatam os qu e a famlia por sua vez
era bode-expiatrio das famlias pa
rentais . Dificilmente chegaramos a
essa amplitude de conhecimento se
restr ingssemos o atendimento apenas
ao consultrio. A psicloga trab alho u
essa circunstncia dando apoio afeti
vo aos pais , desenvolvendo sua auto-
estima, ajudando-os a serem mais as
sertivos com as famlias dos parentes.
Sugeriu-lhes que se tornassem menos
dependen tes , p rocu rando con ta to s
com famlias diferentes. Discutiu os
problemas in ter - famil iares , es t imu
lando a rebelio contra a submisso.
E assim, aos poucos, melhorou a inte
grao intra-familiar , e aumentou a
auto-estima e indepedncia no conta
to extra-familiar.
Mritos
O atendimento preventivo da fa
mlia tem vrios mritos. Cito os mais
importantes , a) Promovendo um se
guimento trimestral indefinido desen
volve uma mentalidade de assistncia
preventiva permanente. b) Essa vigi
lncia preventiva corresponde a um
seguro de sade mental familiar pou
co oneroso, c) Em termos de preven
o secundria ou terciria, o proce
dimento de ir em busca de famlias
dentro da comunidade permite alcan
ar casos que s muito tarde ou n unca
ir iam procurar ajuda especializada. E
assim se pode evitar o agravamento
ou a cronicidade de muitos dis trbios
de adaptao , poupando sof r imento
desnecessrio a grande nm ero de
pessoas, d) Nosso modelo alternativo
de atend imen to liberta o psiclogo e a
comunidade da dependncia governa
mental. Isso no pouca coisa, consi
derando os vcios dos servios pbli
cos.
Os mais graves sendo a ineficin
cia burocrtica, a impessoalidade no
atendimento, a diluio da responsa
bilidade no anonimato insti tucional.
Em nosso modelo sempre o mesmo
psiclogo que cuida da mesma fam
lia, que conhece o atendimento com
pleto e assume pessoalmente o vncu
lo afetivo e a responsabilidade pelo
trabalho preventivo. e) Amplia a rea
de atuao do psiclogo para alm do
consultrio. O psiclogo pode ocupar
as horas vagas no consultrio assu
mindo o atendimento preventivo da
famlia. Por o utro lado h m uitos psi
clogos que gostariam de trabalhar
em clnica, mas no tm recursos p ara
montar consultrio. Nem seria eco
nmico se o fizessem, por falta de
clientes. Todavia, esse psiclogo que
precisa trabalhar em outra rea por
mot ivos de subs is tncia , adotando
nosso modelo preventivo poderia dis
pensar a infra-estrutura consultorial e
dar assis tncia em horrio no-co-
mercial. A Sociedade de Psicologia
Cl n ica Prevent iva oferece- lhe um
curso de especializao, superviso
do atendimento, grupo para pesquisa
e discusso das experincias, e um
banco de famlias esperando assis
tncia.
Concluses
Em suma, o atendimento preven
tivo da famlia tem um princpio: o
cliente a famlia;
um mtodo:
o
trab alho domiciliar, com tcnicas de
psicoterapia breve;
um propsito:
se
guimento interminvel com intuito de
vigilncia preventiva; um fim: cobrir
todas as fases da preveno prim
ria, secundria e terciria.
Visto que na Sociedade de Psico
logia Clnica Preventiva somos todos
psiclogos trabalhando por amor
pesquisa, temos somente o escasso
tem po livre para investigar. Nosso co
nhecimento vai avanando lentamen
te .
C onvidam os os interessados a jun
tarem-se a ns para ampliarmos nos
so esforos.
Quando Freud deixou a hipnose
pelo mtodo da associao-livre, des
cobriu a Psicanlise. Quando Melanie
Klein ad otou o mto do da ludotera
pia, trouxe vrios progressos psica
nlise. O atendimento preventivo da
famlia um campo novo, que aguar
da o aparecimento de seus Freud e
Melanie Klein. Mas para encontr-los
preciso estar trabalhando.
Para f inalizar , abo rdo o lado pr
tico e seus problemas atuais. A Socie
dade de Psicologia Preventiva tem
procurado funcionar de dois modos
nessa rea da comunidade. De um
lado,
dando formao aos psiclogos
atravs de cursos de especializao.
De outro, servindo como centro de
coord ena o dessa assistncia preven
tiva famlia. Nesse duplo funciona
mento nem tudo so rosas . Do lado
do psiclogo, temos que o profiss io
nal mais experiente, acostumado
segurana e s tcnicas mais conheci
das do trabalho em consultrio, dif i
cilmente se dispe a arriscar-se nesse
campo desconfortvel e incerto do
atendimento domiciliar . A soluo
contar com ps ic logos novos , no
vic iados nas comodidades t rad ic io
nais ,
mas tambm sem experincia e
com pouco conhecimento para l idar
em rea to complexa. Por conseguin
te ,
so muitas as frustraes, desen
cantos e angstias . Poucos suportam
todas essas vicissitudes. Quanto s
famlias atendidas, habituadas a uma
assistncia paternalista gratuita, difi
cilmente se prestam a pagar os mdi
cos preos do atendimento domiciliar
e que mal bastam para custear as
despesas do psiclogo. Esses so os
percalos e desencanto nessa rdua
tarefa de disseminar os princpios da
Psicologia Clnica Preventiva.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
S I M O N , R . -Psicologia C lnica Prev enti
va - Novos - Fundamentos-
So Paulo;
Vetor - Edi tora Psicopedaggica, 1983.
Edio esgot ada . Ser reed i t ado pe l a
E.P.U. - Edi tora P edaggica U niversi tria,
tamb m de So Pau lo, no 2 semestre de
1989).