Centro Universitário Anhanguera de São Paulo
Curso de Bacharelado em Comunicação Social
Habilitação em Jornalismo
HANDERSON FARIA DE OLIVEIRA
Que Deus Perdoe Essas Pessoas Ruins: A relação de Adriano Imperador com a Imprensa
São Paulo 2016
HANDERSON FARIA DE OLIVEIRA
Que Deus Perdoe essas Pessoas Ruins: A relação de Adriano Imperador com a Imprensa
Projeto Experimental apresentado à Banca Examinadora, como exigência acadêmica para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Orientador: Prof. Esp. César de Holanda Bezerra
São Paulo
2016
Agradecimento
São tantas as pessoas que merecem uma menção, a quem eu me sinto
não apenas no dever mas também uma vontade de agradecer. São pessoas que exerceram alguma influência positiva não apenas nos meses em que estive quase
que recluso para a elaboração dessa pesquisa, mas ao longo de toda minha graduação.
Infelizmente é impossível citar todos por uma limitação de espaço, tenho total certeza que cada uma delas sabe o importante papel que tiveram.
Entretanto, alguns nomes eu não apenas não posso, como devo citar. Primeiramente, minha família, em especial meus pais, Jurema e Haroldo, meus
irmãos Ellen, Giselle e Júnior, que me apoiaram, me incentivaram e me ajudaram a concluir esse importante período na minha vida.
Meus amigos de fora da faculdade, que entenderam os momentos em que tive que me ausentar para me dedicar ao trabalho que apresento agora. E
principalmente aos que estiveram mais próximos a mim durante a graduação, não vou citar nomes pois não temo ser injusto com algum. Em especial meu grande
amigo Gustavo, que foi muito mais do que um amigo, um irmão ao longo desses quatro anos, uma parceria que levarei para a vida toda, também a Ângela e
Renata. Meus professores, todos eles, que desde o início da minha vida acadêmica,
que tiveram grande importância nessa caminhada, em especial aos da faculdade, professor Inácio Rodrigues que sempre esteve presente para ajudar e ensinar. E
principalmente ao meu orientador Cesar Holanda, que foi muito mais do que professor e orientador, foi um amigo, que me aconselhou, cobrou, criticou,
elogiou, ajudou, tudo na medida certa para que eu me sentisse confortável e ciente do meu potencial, e o mais importante, me faz acreditar em mim mesmo,
principalmente nos momentos em que duvidei. Obrigado mestre, jamais esquecerei desses momentos.
A todos os entrevistados que se dispuseram a separar alguns momentos de suas respectivas agendas para falar comigo.
Quero que todos se sintam abraçados, pois é esse o gesto que que ofereço, além do meu eterno agradecimento. Muito Obrigado!
Epígrafe
“No Brasil, fazer sucesso é a
maior das ofensas pessoais”.
Tom Jobim
Resumo
Essa pesquisa e as histórias retratadas em questão têm como objetivo
contar a trajetória profissional do jogador de futebol Adriano Leite Ribeiro, conhecido como Imperador, focando na forma como o atleta se relacionou, quase
sempre, de maneira conturbada com os jornalistas e a mídia esportiva. Tão importante quanto à história da carreira, buscou-se mostrar de
forma objetiva, usando o atleta como objeto central, a forma e quais são os critérios que a imprensa esportiva escolhe e em como ela retrata, às vezes de
maneira equivocada, a carreira de jogadores do esporte mais popular do país, dando um enfoque em demasia a vida pessoal em detrimento a profissional.
No caso específico, tentou-se mostrar que tanto Adriano quanto a imprensa tiveram momentos em que ultrapassaram a linha tênue do que é ou não
importante que se chegue ao público. Sofrendo uma exposição muitas vezes exagerada, com base em
leituras de materiais impressos, entrevistas, vídeos, fotos e uma série de dados foi possível traçar uma linha dessa relação.
Muitas vezes sincero ao extremo, o jogador foi durante a carreira, alvo fácil de determinada ala da imprensa que cobriu de forma ampla sua vida pessoal.
A metodologia usada para a pesquisa, foram as formas Documental e Bibliográfica. Além de trabalho de entrevistas com diversas fontes de grande
relevância no tema, como jornalistas esportivos, psicólogos, amigos, pessoas próximas ao convívio do atleta, professores e profissionais ligados a
comunicação. Por se tratar de um assunto envolvendo uma figura que durante anos
foi personagem principal de diversos tipos de matérias, seria necessário um levantamento amplo de dados que já tivessem sido divulgados. Para cada caso
citado nesta obra, além das informações obtidas em entrevistas diretas com as fontes, foi usado algum material publicado sobre assunto citado, desde matérias
divulgadas em jornais, revistas e principalmente sites esportivos. A pesquisa baseou-se de forma mais direta na Teoria de Comunicação
do Gatekeeper, que trata da forma como os veículos de comunicação e um
profissional específico determinam não apenas o que, mas como um fato será
noticiado por eles. Palavras-chave: Futebol, Adriano Imperador, Imprensa Esportiva, Polêmicas,
cobertura jornalística
Summary This research and the stories portrayed in question are aimed at telling the
professional trajectory of soccer player Adriano Leite Ribeiro, known as Emperor, focusing on how the athlete has almost always been in a troubled way with
journalists and sports media. As important as the history of the career, it was sought to show objectively, using
the athlete as the central object, the form and what are the criteria that the sports press chooses and how it portrays, sometimes in a wrong way, the career of
Players of the country's most popular sport, giving too much focus to personal life over professional.
In the specific case, it was tried to show that both Adriano and the press had moments in which they surpassed the fine line of which it is or not important that it
reaches the public. Suffering an exposure often exaggerated, based on readings of printed materials,
interviews, videos, photos and a series of data was possible to draw a line of this relationship.
Often sincere to the extreme, the player was during the career, easy target of certain wing of the press that covered his personal life broadly.
The methodology used for the research were the Documentary and Bibliographic forms. In addition to the work of interviews with several sources of great relevance
in the theme, such as sports journalists, psychologists, friends, people close to the athlete's conviviality, teachers and communication professionals.
Because it is a subject involving a figure who for many years was the main character of various types of material, it would be necessary a broad survey of
data that had already been disclosed. For each case cited in this work, in addition to the information obtained in direct interviews with the sources, some published
material on the cited subject was used, from material published in newspapers, magazines and mainly sports sites.
The research was based more directly on Gatekeeper's Communication Theory, which deals with how the media and a specific professional determine not only
what, but how a fact will be reported by them. Key words
Sumário Introdução................................................................................................................9
1. Apresentação.....................................................................................................10
1.1. Cronograma....................................................................................................14
2. Capítulo I – Adriano x Adriano...........................................................................15
3. Capítulo II – Um Imperador, Dois Adrianos.......................................................27
4. Capítulo III – Eu Só Quero É Ser Feliz..............................................................34
5. Capítulo IV – A Conflituosa Relação Com A Imprensa......................................41
6. Capítulo V – Que Deus Perdoe Essas Pessoas Ruins......................................54
7. Capítulo VI – Por Que Adriano É Notícia?........................................................69
8. Capítulo VII – Império Particular: A Vila Cruzeiro.............................................78
9. Capítulo VIII – Imperador Das Multidões..........................................................88
10. Capítulo IX – Sonho Americano......................................................................98
11. Capítulo X – Fim Do Império.........................................................................102
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………...107
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Introdução
OBJETIVO GERAL:
• Identificar os critérios de valor na produção da narrativa da mídia esportiva, no que diz respeito aos jogadores. Para tal, foi usado a figura
do atleta Adriano Leite Ribeiro, o Imperador como corpus, retratando como sua carreira e sua personalidade foram abordadas pela crônica
esportiva.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
- Apresentar e analisar o personagem central da pesquisa. Sua personalidade,
sua carreira e a visão que as pessoas próximas construíram dele.
- Dar voz e ouvir as opiniões de jornalistas que conviveram com o atleta ao longo de sua carreira.
- Apresentar momentos importantes da carreira de Adriano e em como a imprensa abordou os mesmos.
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1. Apresentação Quando a ideia de escrever um livro para o trabalho de conclusão de
curso em minha graduação já era algo inexorável, me vi diante de alguns dilemas, que ao menos em um primeiro momento, pareciam complicados de serem
dissolvidos a ponto de conseguir que aquilo que eu tinha em mente ficasse exatamente da forma como queria no momento em que fosse necessário colocá-
lo na pratica. Tinha a obrigação de resolvê-los a qualquer custo, de forma que o tema abordado não deixasse dúvidas nem para mim, muito menos aos leitores,
que folhearem as páginas a seguir. O primeiro deles era qual personagem seria retratado. Nesse momento
já sabia que seria sobre um jogador de futebol, o que surpreendentemente pode atrapalhar muito mais do que ajudar, uma vez que não é uma escolha fácil no
país onde se respira esse esporte. No Brasil, o futebol é algo realmente levado a sério, recebe uma
atenção muito maior do que ele realmente tem. É uma prática de lazer, um trabalho para os jogadores, sim, mas para os torcedores, apenas uma diversão.
Não digo que seja algo banal, sem sombra de dúvidas entre as coisas menos importantes talvez o futebol seja uma das mais importantes. Mas o
problema é que isso nem sempre é entendido dessa maneira, por isso, não é algo raro vermos discussões acaloradas sobre o esporte, amizades sendo desfeitas e
o mais grave, gente morrendo por causa de algo que no ponto de vista prático, não mudará em absolutamente nada em nossas vidas.
Nosso time de coração ganhando ou perdendo, sendo campeão ou não, no dia seguinte nós teremos que nos levantar para ir à escola ou trabalhar
para colocar a comida na mesa e pagar nossas contas. Devido a essa importância e a possibilidade de ter uma vida melhor, o
que não falta são garotos que nutrem o sonho de serem jogadores de futebol, milhares ficam pelo caminho é bem verdade, mas outros tantos conseguem. A
consequência disso é o número extremamente elevado de potenciais personagens para esse livro. Escolher apenas um entre centenas era tarefa
árdua.
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Seguindo uma série de escolhas, das mais variadas possíveis, que iam
desde ideais particulares até interesse do público e fazendo um exercício de eliminação, cheguei até um nome, Adriano Leite Ribeiro, o Didico para os mais
próximos na favela da Vila Cruzeiro, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro ou Adriano Imperador, para os outros milhares de fãs mundo afora.
Ele é um grande personagem, isso é inegável, com uma história repleta de momentos difíceis na vida pessoal e profissional. Para muitos, um grande
talento desperdiçado. Ultrapassado o primeiro dilema, era o momento de eliminar o segundo.
Como retratar o jogador de forma a fugir da tentação de adotar o sensacionalismo para narrar a história de alguém, que mesmo sem querer, oferece todas as
ferramentas para que a imprensa use o contestado gênero jornalístico. Para entender melhor essa segunda parte tenho que, obrigatoriamente,
abrir um enorme parêntese. Adriano Imperador é um jogador que obteve grande êxito na carreira profissional, ficou rico, famoso, ganhou poder, mulheres e tudo
aquilo que o futebol oferece, mas, mais importante do que isso, conseguiu vencer através do esporte.
Foi alçado de forma rápida e agressiva a um mundo totalmente distinto ao que foi criado, isso ao mesmo tempo em que soa como algo extremamente
positivo pode ser duro para os jovens sem um mínimo de estrutura e se deslumbrar parece ser o caminho natural.
No caso de Adriano, ele representa em único jogador tudo aquilo que a imprensa visualiza como um chamariz de audiência e durante anos foi a galinha
dos ovos de ouro da mídia que explora a vida pessoal de um jogador, muito mais do que a profissional.
Isso pode ser imoral, mas está muito longe de ser ilegal, afinal, se tem quem consome esse tipo de notícia, porque não publicá-la?
Minha ideia de narrativa nem de perto passará por esse conceito, pois acredito que às vezes uma parte, não seria irresponsável de generalizar, da
crônica esportiva, e isso não é uma crítica e sim uma observação e opinião pessoal, perde muito tempo tentando encontrar uma polêmica de um grande
jogador. A eterna procura do pelo em ovo, somado à ala da imprensa que nada
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tem a ver com o esporte mais embarca nessa viagem sem piloto de perseguir
atleta. Acho que jogador de futebol tem que jogar, enquanto estiver fazendo
isso com profissionalismo, o que ele faz fora do campo é o que menos importa. E note que isso não é nenhuma descoberta da pólvora de minha parte, o ex-
jogador, treinador e comentarista esportivo João Saldanha já dizia isso. No documentário que narra sua vida, “João Saldanha” dirigido por André Iki Siqueira
e Beto Macedo, em um trecho ele diz. “A imprensa sensacionalista diz, “fulano de tal saiu ontem à noite com uma mulher”. Isso pouco me importa, que bom que
saiu com uma mulher, pior se tivesse saído com um homem”. Hoje essa declaração não é bem aceita, mas peço que não julguem o
velho Saldanha pela opinião absolutamente machista e que beira a homofobia, afinal, que mal tem o jogador sair com homem? Isso não interessa a ninguém que
não seja ele próprio, mas primeiro que os tempos eram outros, se hoje em dia o mundo do futebol já é bem machista, imagine na década de 60 e 70, nesse tempo
essa declaração era repetida quase que como um mantra e não era recriminada por ninguém.
O contexto da declaração era outro, ainda mais se tratando de Saldanha, um homem que foi a frente do seu tempo, de rara inteligência e que
não está mais entre nós para se explicar, se ele aqui estivesse o faria. Salvo engano, tenho a clara impressão de que o que Saldanha quis dizer é que o que o
jogador faz fora de campo pouco importava e era problema dele, desde que jogasse bola estava tudo certo, era o que bastava. Se o jogador saiu com uma
mulher isso não poderia ser de forma alguma notícia. E olha que Saldanha entendia do tema, sabia melhor do que ninguém
do que estava falando, com experiência própria, pois foi treinador no Botafogo na década de 50 daquele que talvez tenha sido a maior fonte de notícia extracampo
para os repórteres, da imprensa esportiva ou não, Garrincha, no auge de suas estripulias noturnas era um jogador no qual Saldanha precisava, ou ao menos
tentava domar, pouco se importando com as suas noitadas enquanto estivesse fazendo gols pelo Botafogo.
Portanto, era necessário encontrar uma forma de fugir desse caminho e não ser apenas mais um cuidando da vida particular de Adriano.
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Depois, tinha que adotar um tom verdadeiro, que não pendesse nem
para o positivismo e muito menos para o negativismo da vida do atleta, e sim da verdade, baseada em fatos, nenhuma invenção que buscasse “glamourizá-lo” ou
derrubá-lo. E isso era parte importante, pois Adriano de fato fez coisas que
prejudicaram sua carreira, talvez se não as tivesse feito, teria sido ainda maior do que é. Da mesma forma como a vida lhe colocou obstáculos que também seriam
determinantes para que todo seu potencial não fosse atingido. O grau de problemas seguiu um triste equilíbrio entre os causados por ele mesmo e pelo os
que o perseguiram sem sua vontade. E por fim, queria que o livro não soasse como um “livro de futebol”, não
o é! Evidente que você verá muito futebol em suas páginas, não poderia ser de outra forma, afinal, o personagem principal é um jogador, ídolo de ao menos três
grandes torcidas, entre elas a maior do Brasil, a do Flamengo, e no mínimo admirado por todas as demais.
Porém, o futebol não é o foco, a ideia é mostrar um Adriano que parte do público não conhece, seja por que a mídia não mostrou ou preferiu dar outra
conotação, um Adriano humano, que não esquece nunca suas raízes, que é capaz de se envolver em diversas polêmicas, mas ser incapaz de fazer mal a
outro ser humano, como dizem inúmeras pessoas, do futebol e fora dele, que conviveram com ele e ouvidas para a esse livro.
Aqui você lerá sobre jornalismo, sobre a forma como sua carreira foi mostrada pela imprensa, sobre história, afinal o apelido de Imperador não foi dado
por acaso, sobre seu amor por suas origens humildes, por sua família e amigos e sobre muito outros temas.
Esse é um livro a ser lido por quem gosta de ler, não tem barreiras, não tem restrições, apenas a vontade de retratar alguém de forma condizente a seus
feitos. Se Adriano foi injustiçado pela mídia, se foi perseguido, se foi adorado
em demasia, ou se não foi um jogador ainda mais sensacional do que é apenas por sua própria causa, chegar a tais veredictos não é o objetivo aqui, cada um
tirará daqui suas próprias conclusões, meu trabalho é apenas apresentar as ferramentas para isso e mostrar alguns pontos importantes de sua carreira.
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1.1 Cronograma
• Início da elaboração do pré-projeto e pesquisa bibliográfica: fim de abril de
2016.
• Apresentação do pré-projeto a pré-banca: final de junho de 2016.
• Início da primeira parte da pesquisa de campo - coleta de dados e contatos
com profissionais da área do jornalismo esportivo: a partir de julho de 2016.
• Finalização da pesquisa de campo e início da elaboração dos conteúdos
coletados em forma escrita e realização do livro: setembro de 2016.
• Finalização da elaboração dos conteúdos coletados em forma escrita e em
livro: novembro de 2016.
• Entrega do projeto experimental concluído e apresentação para a banca
final: início de dezembro de 2016.
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2. CAPÍTULO I : Adriano Imperador x Adriano Imperador
Falar de Adriano Imperador não deixa muitas dúvidas. Foi um homem que apesar do poder, dinheiro e fama adquiridos em sua área de atuação, e que
através de suas próprias habilidades e ideais, de certa forma fez algo diferente, seguindo um caminho distinto do convencional de outros que também usufruíram
de condição semelhante. Além disso, não incorporou um espírito de grandeza com grandes
extravagâncias apesar da excelente condição na carreira. É dessa maneira que os historiadores ensinam e é assim que ele será lembrado, alguém que
incorporou um novo sentido a alcunha de Imperador. Pode ser que até o presente momento você tenha pensado que estava
me referindo ao jogador Adriano Imperador, ídolo da torcida do Flamengo e de enorme sucesso na Itália defendendo as camisas de Parma, Fiorentina e Inter de
Milão. Mas não, por enquanto, não é dele que estou falando. A confusão é compreensível e provavelmente aconteceu, pois o
jogador e o imperador romano possuem muito mais em comum do que apenas o nome e o apelido, imponente, forte, agressivo, mesmo que contrariando algumas
das características particulares de ambos, as trajetórias dos dois se confundem em alguns pontos interessantes de serem observados.
Quando Publios Aelius Hadrianus, ou Adriano, iniciou seu império em
Roma no ano 117, não fazia ideia que no longínquo e totalmente inimaginável ano
de 1982 nasceria, na Vila Cruzeiro, uma favela parte do complexo da Penha, no Rio do Janeiro, Brasil, alguém de nome igual ao seu, que assim como acontecia
como ele naquele momento, também iria ser chamado futuramente de Imperador. Dono de um império bem diferente do seu, é verdade, mas ainda assim um
império. Adriano foi o terceiro imperador da dinastia dos Antoninos, governou
Roma durante os anos de 117 a 138, sucedendo seu primo, Trajano, que era um importante oficial do exército.
Tanto Adriano, da Vila Cruzeiro quanto o de Roma perderam o pai cedo. Enquanto o nascido no Rio de Janeiro se viu obrigado a se despedir de seu
pai Almir Leite Ribeiro, vítima de um infarto em 2004, aos 24 anos. O Imperador
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romano, por outro lado, perdeu o seu ainda mais precocemente, aos nove anos
de idade. Curiosamente foi com essa mesma idade que o homônimo dava os primeiros passos no futebol, quando chegou ao Flamengo, seu clube do coração,
levado pela mãe. A morte do pai fez que com que Adriano fosse criado pelo primo mais
velho, que assumira ali a figura paterna. Ao longo da vida Trajano levou o primo para todo lado, inclusive quando recebeu ordens de seus superiores a se mudar
para a capital imperial, saindo da Espanha, onde viviam. Lá Trajano faria amizades importantes e que posteriormente iria transformá-lo em Imperador.
Se por aqui Adriano saiu do Rio de Janeiro para se consagrar no futebol da Itália, o outro também faria dessa forma, sairia de seu país para
receber seus momentos de glória. Ele e sua família eram da cidade de Itálica, perto de Sevilla, na
Espanha Moderna, foi lá que Adriano nascera no ano de 075 D.C. Na Espanha seus pais possuíam certa influência. Eram descendentes de colônias Italianas,
devido a isso criaram os filhos dizendo-os que eram Romanos. Ainda que tenha vivido parte de sua infância na Itália, sua história com
Roma, de fato, teve início aos dezoito anos, quando iniciou sua carreira na administração imperial. Curiosamente, foi também aos dezoito anos, que o jovem
da Vila Cruzeiro partiria para a Itália. Um ano depois de fazer sua estreia no time profissional do Flamengo diante do Botafogo no torneio Rio-São Paulo de 2.000.
Em 096 D.C o então imperador Dominício era assassinado, esfaqueado em um macabro plano arquitetado por sua esposa juntamente com
alguns membros do Senado. O esquema de sucessão indicava que o senador mais velho assumiria o posto, sendo assim, o senador Nerva era alçado à posição
de imperador Romano. O problema era que Nerva não era bem visto por membros do exército.
Sabendo que o apoio dos militares seria de extrema importância para que seu reinado tivesse êxito, Nerva fez aquilo que é tão comum na política, procurou se
aproximar de alguém capaz de trazer o apoio do exército para seu lado, fez uma aliança com um importante oficial, sabendo que isso daria a ele a importante
popularidade.
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O nome do oficial escolhido para esse trabalho era Trajano, o primo de
Adriano e que anos antes chegara a Roma. O resultado dessa união foi que Trajano seria nomeado co-imperador.
Entretanto, essa configuração de poder não durou por muito tempo. Dois anos após se tornar imperador, Nerva morreu. Assumira o posto então,
Trajano. Quando se casou, Trajano e sua esposa, Plotina, não tiveram filhos,
dessa forma acabariam por adotar Adriano como o legado que a natureza não os dera. Mais tarde, o carinho de Plotina pelo jovem seria determinante para sua
chegada ao poder. Da mesma forma que dona Rosilda seria peça chave para a conquista
do sucesso de Adriano no futebol. Portanto, ambos "imperadores" tiveram a figura feminina da mãe, ainda que Plotina não fosse a legítima de Adriano de Itálica,
como grande influência para a chegada ao topo de suas respectivas áreas. Enquanto em Roma, Plotina desenvolveu uma admiração e amor
maternal pelo primo do marido, no Rio, dona Rosilda também foi uma grande incentivadora do filho e é frequentemente apontada por Adriano como uma das
grandes responsáveis pelo seu sucesso no futebol, e por ter sido um jogador que com sua potente perna esquerda rompera não apenas defesas mundo a fora, mas
também diversas dificuldades que a vida lhe oferecera para chegar ao sucesso. A chegada de Adriano ao cargo máximo da hierarquia romana não foi
repentina. Enquanto Trajano ia ganhando notoriedade por suas conquistas territoriais, o sobrinho ia galgando cargos importantes dentro do governo e
assumindo espécies de "sub-impérios" das regiões que ia conquistando liderando os exércitos.
Até que aos 64 anos, Trajano, aquele que se tornara pai de Adriano, teve um infarto e morreu subitamente. O mesmo infarto que alguns séculos mais
tarde, em 2004 também levaria seu Almir da vida do já famoso Adriano, quando este jogava na Inter de Milão.
O imperador Trajano e Plotina não tinham filhos e sua morte súbita impediu que ele nomeasse um sucessor para o cargo. Entretanto, em nove de
agosto de 117, Plotina lia uma declaração indicando que Trajano antes de sua morte adotara oficialmente o sobrinho.
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Somado com o apoio das legiões do leste Adriano se tornava o novo
Imperador Romano. O dia era 17 de fevereiro, o ano 1982, o lugar Rio de Janeiro. Nesse
dia o mundo recebia Adriano Leite Ribeiro. Dona Rosilda e seu Almir não tinham ideia, e nem poderiam mesmo saber, mas aquele garoto faria jus ao nome que
eles escolheram e que o destino trataria de aproximar, ao menos em coincidências ao homônimo que séculos antes chegava ao império de Roma.
Da sua maneira, com a bola nos pés, Adriano também daria início ao seu próprio império, no mesmo país em que o outro já tinha atingido sua glória
particular.
Figura 1 - O pequeno Adriano, já com o pé esquerdo sobre a bola, no colo do pai, o "Seu Mirinho"
A infância não foi das mais simples, a mesma história que milhares de
garotos Brasil afora vivenciam, pobreza, família humilde e condições adversas que seriam capazes de tirar tantos outros do caminho correto. Mas Adriano
seguiu uma escrita e seja qual fosse a via, parecia ser seu destino que se concretizasse.
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Ainda pequeno e magro, Adriano chegava aos nove anos de idade no
Flamengo. Lá fez toda a sua preparação, passou por todas as categorias de base na lateral-esquerda, bem diferente da posição em que seria reconhecido como um
dos melhores do mundo, o ataque. Aos dezessete anos, em 1999, Adriano já era alto, media 1,89, característica física que o imperador de Roma no ano de 117
também possuía. Os músculos que ganharia mais tarde para aguentar os choques no
duro futebol italiano ainda lhe faltavam, era um atleta alto, mas que ainda continuava magro, entretanto sua potente perna esquerda já era comentada nos
bastidores do clube carioca. Pelo amador do Flamengo, Adriano disputou entre os anos de 1993 a
2.000, cento e vinte e sete jogos e marcou trinta e sete gols, um número extremamente elevado para um jogador de defesa, já que boa parte desses anos
jogou como lateral. Na noite de 2 de fevereiro de 2000, Adriano entrava em campo pela
primeira vez como jogador profissional do Flamengo no clássico diante do Botafogo, no Maracanã, pelo torneio Rio-São Paulo.
Quando subiu ao profissional o habilidoso já abandonara a posição de lateral esquerdo sendo deslocado para o ataque. Era um enorme desperdício ter
um atleta que com uma perna esquerda tão potente e sendo habilidoso como era, colocá-lo na lateral esquerda tendo que se preocupar em vigiar o atacante
adversário, seu lugar era perto da área, do gol, ali um chute seu seria praticamente indefensável.
Quem concordou com isso foi o treinador da equipe principal do Flamengo, quando o lançou naquela partida. Na ocasião esse técnico era Paulo
César Carpegiani, ex-jogador do clube e que já havia dirigido o time carioca no principal título da história do Flamengo, o Mundial Interclubes de 1981, com o
lendário time de Leandro, Adílio, Andrade, Júnior, Nunes e o maior ídolo do clube, o camisa 10, Arthur Antunes Coimbra, o Zico.
Assim como todo torcedor do Flamengo, Adriano tem em Zico um grande ídolo, e um episódio em especial foi uma prova disso.
No ano de 2009, quando retornou ao clube para liderar, ao lado do sérvio Petkovic, o time que seria campeão brasileiro daquela temporada, o
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número da camisa a ser usado provocou uma pequena saia justa, exigindo assim
bastante jogo de cintura dos dirigentes.
Figura 2 - Em uma de suas melhores formas, Adriano leva o Flamengo ao título de Campeão Brasileiro de 2009. Jogador
foi o artilheiro do torneio
Foto: Globoesporte.com
No futebol, historicamente, os números das camisas correspondem às respectivas posições dos jogadores. Por exemplo, o goleiro fica com o número
um, o lateral direito com o dois, o meio campo e cérebro do time com a dez e o atacante, o responsável por empurrar a bola para dentro do gol, veste a nove.
Adriano chegara ao Flamengo naquele momento como o principal atacante do time, o lógico seria que usasse a camisa nove, imortalizada por Nunes, o
“artilheiro das decisões” na década de 80. É bem verdade que Adriano até vestiu o número em sua apresentação,
e posou para os fotógrafos virando as costas e mostrando o nove em sua camisa
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para os jornalistas, mas nos bastidores já havia revelado aos dirigentes rubro-
negros a vontade em vestir a camisa dez de seu ídolo Zico, mesmo sendo ambos de posições distintas.
Para resolver esse impasse foi feita então uma eleição na internet para que os internautas rubro-negros escolhessem qual camisa o Imperador usaria. Se
o dez vencesse, o assunto morreria ali, tanto a torcida quanto o atacante queriam o número dez. Isso “se” a torcida optasse pelo número, o que não ocorreu. O
resultado da votação apontou a camisa nove, até como era de se esperar, na verdade. No fim das contas o desejo de Adriano prevaleceu e durante sua
segunda passagem pelo clube ele usou a número dez. Mas como ignorar o desejo da torcida, que decidiu democraticamente
pela camisa nove? Se isso fosse feito de uma hora para outra, sem justificativa, poderia passar a impressão que Adriano já havia chegado escolhendo camisa e
brigando por um simples número nas costas. No Flamengo é comum coisas pequenas assim se transformarem em
enormes incêndios gerando desnecessários problemas. Ainda havia outro problema, a equipe de 2009 contava também com Petkovic, que ao contrário de
Adriano, jogava no meio-campo e já havia vestido a dez em sua primeira passagem pelo clube em 2000/2001, naturalmente a camisa seria dele.
Na ocasião o então vice de futebol do Flamengo, Kleber Leite, usou a criatividade para sair da embaraçosa. "Está tudo bem equacionado. Adriano vai
jogar por um período com a nove e depois realizará o sonho dele de infância de
usar a camisa de Zico. Vamos agradar a todos", encerrando dessa forma o
assunto o dirigente. Naquele ano e no seguinte, Adriano usou a dez e Petkovic a 43, em
homenagem ao seu histórico gol de falta contra o Vasco, na partida final e que deu o tri-campeonato estadual de 2001 para o Flamengo, aos 43 minutos do
segundo tempo, na vitória por 3x1. Quando realizou sua estreia pelos profissionais, o público presente era
bem diferente daqueles que mais tarde ele iria se acostumar em grandes apresentações com as camisas de Flamengo, Parma, Fiorentina, Inter de Milão,
São Paulo e seleção Brasileira, apenas 10.187 pessoas, segundo o borderô da
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partida, viram Adriano substituir Fábio Baiano e entrar no palco sagrado do
Maracanã. Mal sabiam elas, mas presenciaram naquele exato momento um dos
grandes atacantes do futebol mundial dar seus primeiros chutes como profissional. O jogo acabaria empatado em 2x2, os gols foram marcados pela
dupla de ataque do Flamengo, Leandro Machado e Reinaldo, aos 14 e 41 do 1º tempo, enquanto os do Botafogo foram do zagueiro rubro-negro Fabão, contra,
aos 30 do 1º tempo e Zé Carlos, aos 4 minutos do 2º tempo. Adriano não brilhara, ainda.
Quatro dias depois, na noite de seis de fevereiro, porém, Adriano estava mais a vontade, com mais tempo em campo conseguiu colocar uma
exibição de gente grande. O público presente passara a ser testemunha do nascimento para o futebol do craque, diante do São Paulo, no Morumbi, em
partida válida pelo mesmo campeonato, o torneio Rio-São Paulo. Nesse jogo Adriano precisou de apenas 45 minutos para apresentar
suas credenciais, entrou no intervalo da partida no lugar do lateral direito Maurinho. O Flamengo já perdia por 2x1 e a entrada do jovem atacante, em um
momento tão adverso poderia não dar a paz que os jogadores prata da casa do Flamengo necessitam diante da exigente torcida rubro-negra.
Mas Adriano, vestindo a camisa quatorze, não sentiu a pressão, na primeira bola que recebeu fez sua jogada clássica, aquela mesma que repetiu
milhares de vezes ao longo da carreira e que era praticamente impossível de ser bloqueada.
Recebeu lançamento longo de Rodrigo Mendes na ponta direita, se lançou em direção a bola em grande velocidade, que por sinal, era outra de sua
característica e que jogadores altos como ele geralmente não possuem, dominou no bico da grande área, já a dois passos dentro dela, com mesmo toque que deu
pra dominar já jogou a bola para dentro, para a perna esquerda, em seguida já chutou forte no canto esquerdo de Rogério Ceni, que sequer se mexeu, não teve
tempo, quando viu a bola já passara por entre seu corpo e a trave, estufando a rede do gol, a direita das cabines de rádio e televisão do Morumbi.
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Era o gol de empate do Flamengo e seu primeiro como profissional,
justo na equipe que oito anos mais tarde o abriria as portas para se recuperar e onde passaria seis meses jogando em bom nível.
O placar final foi uma massacrante vitória do Flamengo, de virada em cima do São Paulo por 5x2. Para completar a exibição, Adriano ainda deu
assistência para o gol de Leandro Machado, o segundo do atacante na partida e o quinto do Flamengo. A partir dali, o público passara a conhecer Adriano.
Uma das pessoas que observou o atacante naquela temporada foi o então técnico da seleção brasileira, Emerson Leão. Isso porque o atacante
receberia, para sua surpresa e de muita gente, a primeira convocação para a seleção brasileira, para enfrentar a Colômbia, pelas eliminatórias da Copa do
Mundo. Era sua primeira temporada como profissional e ainda tentava se firmar na equipe de cima.
Quando perguntando sobre a convocação de Adriano, o técnico se justificava, quase que com um tom de profecia sobre a carreira do atacante. “É
um jogador novo, um centroavante canhoto, que há muito tempos nós temos, um
jogador alto, um jogador de futuro, que serve como referencial e um jogador que
eu posso mudar o esquema tático dentro de uma partida quando tiver
necessidade”, explicou Leão durante a coletiva de imprensa para anunciar os
convocados, no dia 30 de outubro de 2000. Para falar sobre a primeira convocação é necessário fazer um exercício
de viagem no tempo, para entender o que seria dali pra frente, a história do atacante com a camisa amarela da seleção. Isso porque Adriano foi o último
grande atacante do futebol brasileiro, inclusive da seleção. Evidente que inúmeros jogadores dessa posição surgiram e obtiveram
destaque no futebol brasileiro, mas que se esperasse tanto, que se imaginasse sendo o camisa nove que nos daria ao menos mais um título mundial, sem dúvida
Adriano foi o último. Para muitos ele seria o sucessor de Ronaldo Fenômeno. No ano de
2.000, Ronaldo ainda era um atacante implacável, que apesar de lutar com as contusões e operações no joelho, seria peça fundamental no Penta Campeonato
Mundial do Brasil em 2002 na Coreia e Japão, que sediaram juntas a competição, fazendo os dois gols da vitória por 2x0 na final contra a Alemanha.
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A dupla ainda jogaria junta a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha,
naquela que deveria ser a passagem do bastão, digamos assim, da camisa nove da seleção brasileira, do Fenômeno para o Imperador. Mundial que foi um
fracasso para o Brasil do início ao fim, com uma preparação que mais parecia uma eterna festa, sem nenhuma privacidade e com treinos que deveriam servir
para entrosar a equipe se transformando em um oba-oba sem fim. Tudo isso aos olhos passivos de Parreira, técnico e Zagallo, auxiliar.
Nessa competição, diversos jogadores se apresentaram em péssima forma física, com alguns quilos a mais, que se caso a preparação fosse levada a
sério, poderiam perdê-los, o que obviamente não ocorreu. Tanto Ronaldo quanto Adriano, foram dois desses jogadores.
Por diversos motivos, essa transição não aconteceu como esperado, e ainda que tivesse momentos de destaque com a camisa amarela, Adriano não
alcançou o que se esperava dele defendendo a seleção. Desde então, nenhum atacante camisa nove brilhou pelo Brasil. Diversas tentativas foram feitas por
vários técnicos, muitos jogadores tiveram chance, mas nenhum assumiu o protagonismo de Ronaldo na posição, aquele que chegou mais perto foi Adriano,
ao menos no imaginário e desejo da torcida. Essa lacuna, por sinal, não foi preenchida nem mesmo nos clubes, a
posição carece até hoje de grandes nomes. Voltando a temporada de estreia, Adriano entraria em campo pelo
Flamengo naquele ano em trinta e duas partidas, marcando dez gols e sendo advertido duas vezes com cartões amarelos. A convocação, como já é de
conhecimento no futebol brasileiro, despertaria a cobiça dos gigantes europeus. O que não demorou muito a ocorrer, na temporada 2011 Adriano
jogaria apenas mais quatorze partidas antes de ser envolvido em uma bizarra negociação. Presidido por Edmundo Santos Silva, o Flamengo cedeu os passes
de Adriano e Reinaldo à Inter de Milão em troca do volante Vampeta e mais U$$ 5 milhões.
Na época a negociação já pareceu absurda e um péssimo negócio, tanto Adriano quanto Reinaldo eram atletas crias da base do Flamengo com um
enorme potencial a ser explorado, futuramente poderiam dar um ganho não apenas técnico ao clube como financeiro ainda maior. O final da história quase
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todos conhecem, Adriano e Reinaldo obtiveram êxito na Europa enquanto Vampeta foi um fracasso total, a ponto de dar a célebre declaração. "Eles fingem
que me pagam e eu finjo que jogo".
Agora Adriano esteva na terra de seu homônimo, no lugar onde séculos antes o outro reinou, governou, conseguiu grandes feitos.
Talvez seja nesse momento, que a sua vida tenha dado uma reviravolta na qual ele próprio não houvesse tomado ciência. Jamais saberemos
se caso o Flamengo houvesse esperado mais para negociá-lo, se tivesse existido um trabalho melhor de preparação no psicológico dele, se essa atenção poderia
de certa forma, evitar alguns problemas que Adriano teve. E olha que não foram poucos.
Imagine para um jovem que cresceu na favela, vendo de perto a pobreza, violência, miséria e soma-se a isso o fato de ser extremamente apegado
à família, com apenas dezoito anos ver sua vida mudar de forma tão rápida. A realidade da favela era trocada pela capital da moda, Milão. Os ônibus davam
lugar aos carrões, o dinheiro que até aquele momento era contado, passaria a entrar aos montes na conta bancária. Essa era a nova vida de Adriano.
A história nos mostra que ao contrário do que praticamente todos os demais imperadores romanos, Adriano não tinha, ao menos não da mesma forma,
uma visão de grandiosidade, do poder que sua condição oferecia. Quando assumiu o poder, Roma vinha de uma série de conquistas
territoriais, anos de sangrentas batalhas davam um enorme domínio de terras. De acordo com sua estratégia, era hora de não conquistar mais e sim proteger o que
já havia conquistado, era o fim da política expansionista comum até aquele momento.
Essa e outras medidas causaram certa revolta de alguns generais. Ficou famoso por suas obras grandiosas, entre elas a grande "Muralha de
Adriano" com cerca de 120 quilômetros para proteger as terras da potencial invasão dos povos bárbaros.
Em Roma, Adriano se mostrava um imperador que não seguia a estrutura que parecia ser regra naquele tempo. Não era alguém que buscava um
sucesso em demasia, tinha medidas que muitas vezes mostravam certa humildade e feitas para o povo.
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Da mesma forma como para todo mundo que acompanha o mundo do
futebol é muito claro que Adriano é um jogador diferenciado em alguns pontos importantes dos demais. Claro que enriqueceu e usufrui bem do dinheiro
conquistado com o futebol, mas para ele o dinheiro não parece ser primordial. Fato comprovado por diversas atitudes ao longo de sua carreira.
Se um imperador achou por bem manter o que tinha, outro não se curvou aos milhões e jamais esqueceu suas origens. Em acontecimento futuros,
Adriano mostraria isso ao mundo, estar com as pessoas que ama, com o lugar onde nasceu e cresceu era mais importante do que conquistar mais.
Sobre a situação que Adriano enfrentaria na Europa, é importante que se diga que situações como essas, são as mesmas que inúmeros jogadores de
futebol também passaram e souberam lidar muito bem com essa virada. Não é uma regra, com um pouco de estrutura e orientação essa barreira do choque de
realidade pode ser muito bem rompida. Dito isso, assim como alguns problemas foram criados por um próprio
deslumbramento de Adriano, outros foram simplesmente impostos pela vida, tirando-lhe o controle sobre tais.
Mas dentro de campo o caminho parecia ser outro, logo em sua estreia, no dia quatorze de agosto de 2001, marcou um gol contra o Real Madrid,
dentro do Santiago Bernabeu. Devido ao excesso de jogadores estrangeiros, a Inter resolveu
emprestá-lo para que adquirisse experiência, nesse momento sofria com o idioma e o frio, coisas que não conhecia no Brasil.
De parte de 2001 até 2004, passou por Fiorentina e Parma, onde marcou gols e demonstrou estar pronto para brilhar pela equipe de Milão.
Em 2004, Adriano já era outro atleta e homem, pelo menos para o mundo não era mais o Didico da Vila Cruzeiro. Estava forte, confiante, brigador,
características bem semelhantes as que o primo de Trajano, nascido em Itálica, o governante de Roma em 117 D.C também possuía, naquele mesmo durante os
anos em que governou Roma. Para se referir a Adriano a imprensa italiana passou a adotar o
L’imperator. Muitos séculos depois a Itália reverenciaria outro Adriano, outro homem, outro... Imperador.
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3. CAPÍTULO II – UM IMPERADOR, DOIS ADRIANOS
A carreira de jogador de futebol não é simples. Ainda que muita gente
acredite que essa é a profissão perfeita, aquela dos sonhos de todo garoto que antes mesmo de aprender a andar já recebe uma bola de presente do pai.
Muitas vezes, é inclusive do próprio pai o desejo de ter um filho atleta desse esporte, porque em alguns casos, dessa forma ele tem a chance de
depositar no filho todo o sonho que por algum motivo não pôde realizar. E também porque haverá naquele presente, um futuro melhor para toda a família.
Uma das coisas que sempre ficou muito evidente nos profissionais do esporte mais popular do país, principalmente naqueles que alcançaram grande
sucesso, fama e dinheiro, é a personalidade forte, por vezes relaxada e despreocupada, além do estilo de vida e a forma como enxergam a carreira.
Muitas vezes esse atleta tem uma espécie de secto, alguém que faz tudo pra ele, que torna sua vida muito mais simples do que deveria ser. Isso em
muitos casos molda sua personalidade de uma forma dúbia, de complicada aceitação por quem não é do mundo particular do futebol.
Nesse quesito, Adriano talvez seja o caso, ao menos nas últimas décadas, mais emblemático e que mais seja atraente fazer uma espécie de
análise. Pode parecer até contraditório, pois o Imperador é uma pessoa que
sua figura se mostra imponente, seu porte físico e seus 1,89 de altura e ainda um apelido como esse, seriam elementos suficientes para que se criasse certo temor,
respeito, uma pessoa que se impõe nas também situações do dia a dia e não apenas dentro de campo.
Acontece que praticamente todo mundo que convive com ele faz exatamente uma mesma observação. Para eles Adriano é uma “criança grande”
ou “incapaz de fazer mal a qualquer pessoa”, essas duas definições são coisas bem comuns no momento de ternar defini-lo.
É um discurso, de que tão repetido, por vezes parece até ensaiado, elaborado nos mínimos detalhes para que se crie uma imagem altamente positiva
sobre ele.
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Mas de combinado não tem nada. Adriano de fato é uma pessoa dócil,
gentil, extremamente apegada à família. Quem convive com ele repete esses adjetivos e fomenta esse aspecto de sua personalidade.
Diversos jornalistas que cobriram sua carreira, em todos os momentos, também notaram essa postura no Imperador e sempre fazem questão de externá-
la. A jornalista Patrícia Lopes, hoje correspondente da Bein Sports da
Rede Al Jazeera é uma dessas pessoas que identificou de forma bem clara esses aspectos. Foram várias as oportunidades em que entrevistou o atacante, na
maioria das vezes quando ainda fazia parte do quadro de funcionários do canal esportivo de televisão ESPN Brasil.
A relação dele com a família me chamou muito a atenção. Fiquei
realmente impressionada. Todos os tios, são sete ao todo,
ganharam casa própria. Ele tirou todo mundo da favela. Primos,
tios e parentes trabalham com ele. O irmão perdeu o pai muito
cedo e Adriano assumiu a responsabilidade. Por trás daquela
imagem de jogador problemático existe uma boa pessoa. Na
verdade ele só fazia mal a ele mesmo. Certas vezes era até
ingênuo.
É dessa forma que muitas pessoas veem o atleta, alguém que teve problemas na carreira por conta de uma ingenuidade inexplicavelmente pueril
para um homem que aprendeu desde cedo que a vida não seria boa o tempo todo.
Ao mesmo tempo em que se caracterizou por ser um jogador agressivo, no quesito esportivo, dentro de campo, que arrancava quase que de
forma imparável em direção ao gol adversário, fora dele é exatamente o oposto, uma pessoa que trata a todos com educação, ainda que sempre demonstre certa
desconfiança. O curioso é que é possível notar esse tipo de contrariedade, de
aspectos que não convergem. No que diz respeito à carreira, além da habilidade, um jogador que ficou conhecido por seu temperamento forte, em alguns
momentos até explosivo e que apresentou problemas de indisciplina nos clubes
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onde passou, mas que na vida pessoal é um verdadeiro menino que só quer estar
à vontade com as pessoas que ama e dar a elas tudo de melhor. É como se houvesse duas pessoas em uma, o Adriano Imperador e o
Didico, como é conhecido pelos amigos e parentes. Até os apelidos caminham em lados opostos.
Para algumas pessoas pode ser difícil entender que uma situação como essa possa existir, afinal trata-se da mesma pessoa. Mas profissionais
ligados à área da psicologia e que trabalharam com o jogador, tratam a questão da mesma forma.
Em entrevista para esse livro, o Dr. Paulo Ribeiro, hoje professor de Psicologia e Esporte e Psicofisiologia na Universidade Veiga de Almeida, no Rio
de Janeiro e que trabalhou com Adriano, na época em que era psicólogo do Flamengo, em dois momentos importantes da carreira do atleta, quando deu os
primeiros passos como jogador no clube carioca e quando voltou em 2009, já como Imperador e um dos maiores atacantes do mundo, conta sua percepção
sobre o atacante. Esse menino foi meu atleta desde a base e em 2001 foi para o
exterior. Só voltei a ter contato com ele em seu retorno ao Brasil
para o Flamengo. O que posso dizer não em escala profissional
até por que isso não é um diagnóstico, é o que o Adriano é das
pessoas mais doces que conheci na vida. Um cara muito
preocupado com o outro e pouco com ele.
Inclusive, essa é uma questão que nos últimos anos vêm ganhando cada vez mais terreno no mundo do futebol. Tratar da cabeça do jogador de
futebol, afinal a história da maioria dos atletas desse esporte é bem parecido. Quase sempre são pessoas que saem da miséria em favelas e que
encontram no futebol a maneira de vencer na vida, conquistar fama, sucesso, dar uma vida melhor para a família, exatamente como aconteceu com Adriano. O
grande problema é que nem sempre existe uma estrutura para aguentar essa mudança tão radical, uma virada tão repentina.
Os clubes têm investindo nos últimos anos nesse quesito, na verdade ao contrário do que muita gente pensa, existe, sim, essa preocupação por parte
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dos clubes de futebol. No Rio de Janeiro, por exemplo, esse tipo de situação já é
comum. Aos mais jovens, os clubes estão investindo muito na sua
formação e, desde muito cedo pelo menos nas grandes equipes,
os jogadores já começam a se conhecer um pouco mais e, a ter a
sua disposição, ferramentas que o ajudem no trato de seu
comportamento emocional. Aqui no RJ, todos os grandes e
médios clubes têm psicólogos nas categorias de base.
Mas quando se trata de jogadores já experientes essa ajuda nem sempre é bem aceita pelos jogadores, é recorrente ouvir nos bastidores jogador
afirmando “não ser maluco” para precisar de ajuda psicológica. Durante seus quase 20 anos a frente da área psicológica do Flamengo,
o Dr. Paulo Ribeiro presenciou essa situação inúmeras vezes. Para qualquer pessoa suportar a pressão do sucesso é tarefa muito complicada.
Bom, para falar disso vamos cair numa história antiga e
desgastada do não saber lidar com fama e dinheiro por parte de
pessoas que não tiveram essa oportunidade em outro setor da
vida. Partindo dessa ideia, observamos a luz da ciência, a grande
dificuldade de os atletas lidarem bem com uma coisa chamada
planejamento e, que envolve função executiva cerebral. A tomada
de decisão por parte desses atletas fica prejudicada por
justamente não saberem lidar com três palavrinhas básicas:
PENSAR, SENTIR e AGIR. Uns só pensam, outros só sentem e
ainda outros, só agem. Não existe nesses casos uma harmonia
entre ação e consequência. Junta-se a isso, as enormes
facilidades que encontram as grandes estrelas em driblar muitas
regras. Eles, invariavelmente são convidados de honra, não
ocupam lugares em fila, tem seus problemas resolvidos por outras
pessoas e por ai vai. Acredito que hoje essa história esteja um
pouco melhor, uma vez que existem empresas especializadas na
condução da carreira de atletas de renome.
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A dificuldade em aceitar esse tipo de ajuda foi algo que Adriano
também enfrentou, mesmo que existisse uma unanimidade de opiniões de que essa ajuda para ele seria essencial, ainda assim Adriano relutava em realizar
consultas com psicólogos. Em uma entrevista em 2011, durante sua terceira e última passagem
pelo Flamengo, clube de seu coração, Adriano foi categórico sobre essa situação.
Hoje eu não preciso, com certeza. Precisava quando passei
aquela depressão, quando falei para todo mundo o meu problema
(com bebida alcoólica), ali eu tive (ajuda). No São Paulo, eu tive
psicólogo. Em 2009, cheguei a fazer quatro ou cinco sessões com
um psicólogo. Hoje, não tenho mais necessidade, sinto isso. Se
precisar, vou comunicar ao Flamengo, tenho idade bastante para
saber quando estou precisando ou não. Mas hoje estou feliz. Se
der uma escorregada, aí, sim. Opa: “Zinho (gerente de futebol do
clube em 2011), tô precisando disso, disso, disso” – disse Adriano
na época.
O problema a que Adriano se referiu, e que segundo ele, foi quando realmente precisou de ajuda psicológica, teve seu ápice no esquisito caso da
aposentadoria precoce. Por mais que jogador de futebol seja uma figura pública, na maioria das
vezes o torcedor não fica sabendo da vida particular do atleta. Assim era ao menos nos anos 2.000, quando a internet ainda não era da forma como vemos
hoje. Atualmente é praticamente impossível não saber quase tudo sobre um jogador de futebol.
Se ele vai a um bar no seu dia de folga, os celulares com câmeras potentes estão lá para capturar o momento, em minutos aquilo está na internet,
em alguma rede social e uma situação particular virou pública. Em 2009, isso ainda não era tão intenso como atualmente, então
algumas pessoas não tinham muita noção do problema que Adriano passava, agravado pela morte daquele que o atacante idolatrava, o pai, Seu Mirinho, em
2006.
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A morte do pai trouxe a depressão para Adriano, como consequência,
problemas sérios com álcool e até mesmo pensamentos sombrios em tirar a própria vida, como ele relata em entrevista ao site Globoesporte.com.
Figura 3 - Matéria do Globoesporte.com onde Adriano conta sobre a fase de sua depressão
Figura Fonte: Globoesporte.com
Estava sofrendo muito, comecei a desacreditar até em Deus, a
quem sou muito apegado. Estava na Itália ainda. Deus não existe,
eu dizia. Às vezes, pensava que, se fosse para fazer minha família
chorar e sofrer, eu preferia ir embora. Nunca tive medo de morrer,
de fazer nada da minha vida. Sempre fiz o que acho que tinha que
fazer. Aquilo que quero, eu faço. Esse é meu lado homem. Foi
muito complicado.
Nos anos anteriores a 2009, Adriano já era alvo da imprensa italiana
que divulgava festas em que ele estava presente, regadas a muito álcool e mulheres. Ainda assim Adriano jogava em alto nível e era peça constante nas
convocações da seleção brasileira. Em 2008 os problemas já eram conhecidos pelos dirigentes da Inter de
Milão e a preocupação com a conduta do atleta, que abusava do álcool e tinha na depressão um marcador que ele simplesmente não conseguir driblar, Adriano
chegava ao São Paulo para se recuperar de uma lesão no renomado Reffis (Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica). Mas na verdade a
ideia do clube italiano era claramente tirar o atacante do olho do furacão que ele se encontrava em Milão e o São Paulo que recebia diversos atletas de outros
clubes para se recuperarem de lesão no moderno departamento abriu as portas.
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Após se recuperar, Adriano conseguiu junto a Inter de Milão a liberação
para que passasse seis meses jogando pelo tricolor paulista. Foram seis meses onde o atleta atuou bem e a proximidade com sua casa e amigos parecia ter
surtido efeito.
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4. CAPÍTULO III – EU SÓ QUERO É SER FELIZ
Em 1995 Adriano ainda dava seus primeiros passos ainda nas categorias de base do Flamengo. A vida ainda não era nem mesmo nem de perto
aquela que ele viveria anos mais tarde. Talvez nos melhores sonhos ele pudesse imaginar que iria usufruir de uma situação financeira confortável e convivendo
com tudo de melhor que o dinheiro e o sucesso podem comprar. Nesse mesmo ano, um funk, que assim como o jogador também nascia
nos morros cariocas, nascia e simbolicamente viria a representar em diversos aspectos ao que o atleta tinha e ainda tem como traços mais fortes de sua
personalidade. Os jovens Cidinho e Doca imortalizaram os versos: “Eu só quero ser
feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar e ter a
consciência que o pobre tem seu lugar”.
A letra carregada de protesto e evidenciando o quanto as classes menos favorecidas lutam por condições básicas de sobrevivência nas favelas do
Rio de Janeiro, pode ser aplicada a realidade que o Imperador passou em boa parte de sua vida. E mesmo tantos anos depois cairia como uma luva na situação
do atleta. Para qualquer pessoa que acompanha o futebol, mais especificamente
a carreira do atacante, já o ouviu dizer em diversas oportunidades o quanto estar feliz, ter carinho, afeto, estar ao lado das pessoas que ama é importante. Era
quase que como um requisito básico para que ele atingisse o ápice de sua técnica dentro de campo.
Evidente que isso não é exclusividade dele, todos nós precisamos dessas coisas para estarmos aptos a realizar nossas obrigações da melhor
maneira possível, ninguém consegue render em sua profissão se estiver insatisfeito, triste ou se sentir sozinho, o ser humano é assim.
Porém, no mundo do futebol, são poucos os casos onde isso é algo tão visível, tão notório e até mesmo tão externado por um atleta e pelos clubes por
onde ele passa como foi com Adriano. As tentativas para que ele tivesse tudo isso foram buscadas em praticamente todos os clubes onde passou e convenhamos,
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nesse sentido, é provável que Adriano tenha sido o jogador que mais contou com
a compreensão de seus empregadores, ao menos nas últimas décadas. Se na canção os interpretes dizem que só o que querem é ser feliz e
poder andar entre os seus semelhantes, de forma tranquila, ter paz e se livrar de toda a violência e descaso que permeia as favelas, o jogador buscou exatamente
isso quando optou por voltar ao Brasil, ao Flamengo, ao Rio de Janeiro, e claro, para a sua comunidade e ser abraçado por aqueles que o amam.
Após a curta passagem pelo São Paulo, no segundo semestre de 2008 e primeiro de 2009, Adriano estava de volta à Itália, mas os problemas também. E
por mais que tenha ficado a sensação de que os dias de glória seriam retomados na Itália, a felicidade já não acompanhava mais o atleta no país europeu, e logo
isso ficaria muito claro. Na noite do dia 01 de abril de 2009, em Porto Alegre, a seleção
brasileira entrava em campo no estádio do Internacional-RS, José Pinheiro Borda o “Beira Rio”, para enfrentar a seleção do Peru, pelas eliminatórias para a Copa
de 2010, na África do Sul. Além das 55.000 pessoas que pagaram ingresso para ver aquela partida, Adriano também a assistiu do lado de fora, viu do banco de
reservas a seleção brasileira vencer a equipe peruana por 3x0, com gols marcados pelo volante Felipe Melo aos 18 minutos da segunda etapa e dois
marcados pelo atacante Luís Fabiano, aos 17 e 19 minutos do primeiro tempo, seu concorrente para a vaga de titular na seleção que jogaria a Copa no ano
seguinte. Naquela partida Adriano, sequer saiu do banco de reservas, durante os
90 minutos em que esteve sentado do lado de fora do campo, algo raro em sua vitoriosa carreira, o atacante pensara no que seriam os próximos dias de sua vida.
Provavelmente ali, ele refletiu sobre a felicidade que não o acompanhava mais, a alegria de jogar futebol já não existia. Como ele mesmo confirmou em entrevista coletiva alguns dias depois. “Não gostaria de voltar para a Itália. Quero viver em
paz, aqui no Brasil. Não sei se vou ficar um, dois, ou três meses sem jogar. Não
estava feliz na Itália. Sou feliz no Brasil ao lado dos meus amigos e dos meus
familiares.”
Após o jogo, os jogadores estariam liberados para voltarem aos seus clubes ou partiriam para folgas, quem as tivesse. Adriano não tinha. Havia a
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expectativa de que tomasse o voo na capital gaúcha naquela noite e se
reapresentasse a Inter de Milão. Para preocupação de todos no clube, isso não ocorreu.
Pior, o atacante simplesmente sumiu por três dias, durante esse tempo não existiam notícias suas e uma série de boatos corria em uma velocidade
absurda. Como já são comuns com esse tipo de situação, diversas informações apareciam sem ninguém saber qual era a fonte. As mais alarmistas e
sensacionalistas davam conta de que o atacante havia falecido, outros, um pouco mais próximos da realidade, informavam que ele havia partido para o único lugar
em todo o mundo no qual realmente se sente em casa, a Vila Cruzeiro. Local onde nasceu e foi criado, a favela faz parte do complexo da
Penha, localizada no Bairro de mesmo nome, na Zona Norte da capital fluminense e uma espécie de refúgio de Adriano até hoje.
Por motivos que não difíceis de justificar muita gente que vive na favela, fica por lá por toda a vida. Como é o caso da moradora Cláudia
Sacramento, ou apenas Tia Cláudia, como é conhecida na comunidade, de 46 anos. Tia Claudia vive desde que nasceu no morro, é “semente da Vila Cruzeiro”,
como ela mesma se denomina, resume a relação do jogador com o local.
Quem nasce aqui tem esse sentimento, não me vejo morando em
outro lugar. Veja o Adriano, esta sempre por aqui. Saiu da favela,
mas a favela não saiu dele, cresceu aqui, tem muitos amigos. O
pai dele tinha um time e ele desde criança já frequentava os
campos.
Portanto, era até esperado que os dias em que esteve sumido, não
seria muito difícil de imaginar por onde esteve o atacante. Soube-se mais tarde, que de fato, o jogador se abrigou em seu reduto
após o jogo da seleção em Porto Alegre e lá permaneceu, pensando nos rumos que sua carreira tomou e sobre o que faria dali pra frente.
O grande problema é que durante esses três dias, Adriano fez muito mais do que apenas pensar.
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A Edição de número 2.057, da revista semanal “Isto É”, do dia 15 de
abril de 2009, vinha com uma enorme matéria sobre o período de reclusão. Intitulada “As 72 horas de Adriano”, a edição da revista apontava que os dias
eram regados a muita cerveja, baile funk e festas com a presença de traficantes da Vila Cruzeiro. A matéria é assinada pelo jornalista Francisco Alves Filho.
Durante três dias, o renomado jogador Adriano, da Internazionale
de Milão e da Seleção Brasileira, conhecido como "Imperador" na
Itália por seu talento dentro de campo, ficou desaparecido.
Ninguém sabia o paradeiro do craque de 27 anos, que havia sido
visto pela última vez na quarta-feira 1º, quando os jogadores da
Seleção Brasileira se despediram no vestiário do estádio Beira
Rio, em Porto Alegre, depois da vitória de 3 a 0 sobre o Peru. Na
ocasião, Adriano tinha nas mãos uma passagem aérea para
Milão, para onde deveria ter embarcado.
Figura 4 - Matéria da revista Isto É, de abril de 2009, sobre os três dias na Vila Cruzeiro
Fonte: Revista Isto É
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De acordo com a revista, Adriano se divertiu na presença de amigos.
Durante o tempo em que esteve sumido, Adriano se divertiu num
baile funk, bebeu muita cerveja na rua com uma turma de amigos
e circulou pela favela acompanhada de uma morena misteriosa.
Seu quartel general foi à casa dos tios, na rua A. Lá ele chegou
ainda na noite da quarta-feira 1º. Mas nem dormiu. Já na quinta-
feira, 2, por volta de 9h30, foi visto na região da comunidade
conhecida como Grotão. Vestia bermuda e camiseta e calçava
chinelo.
Já em outro trecho o jornalista aborda na matéria da Isto É o consumo
de bebida alcóolica pelo atleta.
A cena relatada por outros moradores descreve o atleta cercado
de amigos e bebendo cerveja em quantidade bem acima do
recomendado a um esportista. Tanto na sexta quanto no sábado
foi visto conversando com jovens que fazem parte da quadrilha do
tráfico local. Alguns foram seus companheiros de infância
A essa altura, Adriano já era visto por diversos moradores da Vila
Cruzeiro, e o que antes era apenas um boato estava confirmado, ele lá estava. A preocupação tomou conta dos familiares que elaboraram um plano para tirar o
jogador da favela. Até que na manhã de domingo, dia 05 de abril de 2009, juntamente
com o sol, chegava Dona Rosilda, mãe de Adriano para levá-lo até sua casa, na Barra da Tijuca, onde permaneceu por mais alguns dias.
A bomba veio na tarde de quinta-feira, dia 09. Adriano convoca uma entrevista coletiva em um hotel, no Rio de Janeiro, e pega a todos de surpresa. O
anúncio era de que estava dando um tempo na carreira. As palavras ditas pelo jogador vieram acompanhadas de uma breve
explicação. “Eu dei um tempo na minha carreira, pois perdi a alegria de jogar”.
Durante a entrevista coletiva, quando questionado sobre seus
problemas com álcool e se tinha a intenção de frequentar uma clínica de
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reabilitação, a resposta veio de forma direta. “Não vou à clínica nenhuma, não sou
doente!”.
Figura 5 - Entrevista coletiva onde Adriano anuncia que está dando um tempo na carreira.
Fonte: IG
Essa atitude, por sinal, é muito comum em pessoas que passam por
esse tipo de problema. Por muitas vezes relutam muito em um primeiro momento a admitir e depois aceitar ajuda. O Dr. Paulo Ribeiro, em entrevista para o site Globoesporte.com, em 2011, explica sobre esse processo. “O primeiro passo é a
pessoa admitir e aceitar que precisa de tratamento. Só o Adriano pode querer
isso, ninguém mais pode falar ou fazer por ele – afirmou o psicólogo.” explicou o
psicólogo.
Esse episódio é importante para se ter uma ideia de que Adriano, jogador, possui uma personalidade que invariavelmente precisa estar em
equilíbrio com a do homem, com a do menino da Vila Cruzeiro, ainda que ambas caminhem por vezes em lados opostos.
O jogador é capaz de jogar tudo para o alto, e ainda que sofrendo de uma séria doença como a depressão, faz um grande mal apenas a si mesmo e é
capaz das mais belas atitudes que alguém com fama pode fazer ao próximo.
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Conviver com Adriano é uma experiência ótima, como vários relatos
confirmam, tanto no aspecto pessoal quanto profissional. Dentro de campo é agregador, parceiro, amigo, que sempre ajudou aos
jogadores mais jovens que estavam há pouco tempo no time profissional e ainda não tinham nem a maturidade necessária no meio esportivo e muito menos o
aspecto financeiro, principalmente nos clubes onde existia o problema de atraso de salários.
Para se ter uma ideia do quanto Adriano é uma pessoa simples e que cativa a todos que o cercam, uma rápida olhada em suas redes sociais são
suficientes para vê-lo brincando com as crianças da Vila Cruzeiro, a vontade com a família e fazendo a alegria de amigos e fãs com sua presença.
É possível afirmar, com base em todos os depoimentos, que a personalidade do jogador é resultado de uma infância difícil, e da virada na vida
quando ainda era muito jovem, uma mente imprevisível em diversos momentos. Talvez isso explique não apenas a idolatria em cima de Adriano, mas a
curiosidade que muitos têm sobre sua personalidade é algo muito presente em quem acompanha sua carreira.
Figura 6 - Em 2009, após anunciar uma pausa na carreira, Imperador volta ao Flamengo, onde fez sua última grande temporada como jogador profissional
Foto: mundo rubronegro
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5. CAPÍTULO IV – A CONFLITUOSA RELAÇÃO COM A IMPRENSA
Para um país que vive, respira futebol de forma tão intensa como o Brasil, é natural que jogadores sejam alçados de forma rápida a um patamar de
grandes celebridades. Mas, para que isso aconteça a imprensa tem um papel de grande destaque. Veremos em breve que com Adriano a história não foi diferente,
mais do que isso, a relação sempre foi de altos e baixos. Durante as inúmeras entrevistas feitas com jornalistas que conviveram
profissionalmente com Adriano para coberturas de seus respectivos veículos, foi pedido que usassem uma única palavra para descrever a relação
imprensa/Adriano. De certo modo o resultado foi um pouco surpreendente, a resposta que mais ouvi foi: Conturbada.
Tal qual um grande discurso ensaiado, os entrevistados iam repetindo essa palavra seguidamente, uma forma de exemplificar como era o atleta no dia a
dia com os repórteres. Afinal, entre os amigos, parceiros de clube e familiares, já sabemos que o atleta é adorado por todos, um agregador, que jamais mediu
esforços para ajudar ao próximo. A pergunta que pode surgir dessa situação é que por qual motivo
então, uma pessoa que é tão querida por todos, que os mais belos adjetivos são usados para descrevê-lo teria uma relação conturbada com a imprensa? A
resposta para esse questionamento, olhando a situação mais de perto, pode ser encontrada e até justificada, ainda que tenha havido exageros de ambas as
partes. Do ponto de vista profissional, de cobertura jornalística, percebemos
que a situação é dividida em duas etapas. O jogador não foi um dos alvos preferidos da imprensa, seja ela esportiva, policial ou sensacionalista de um dia
para o outro. Até se transferir para a Itália, se consolidar como um grande goleador e receber o apelido de Imperador, a situação ainda não era assim.
Isso porque até que se provasse o contrário, ele seria apenas mais um jogador despontando no futebol, em um país que revela potenciais estrelas
internacionais a cada ano, campeonato após campeonato. No ano em que surgiu no profissional do Flamengo, lançado pelo
técnico Paulo César Carpegiani, Adriano certamente não imaginava como as
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coisas seriam para ele. Assim como os jornalistas, acostumados a cobrir o
esporte podem ter demorado a perceberem que estava nascendo ali uma fonte quase que inesgotável de material jornalístico.
Quando o atleta conseguiu de fato mostrar que era um potencial craque, na partida contra o São Paulo, pelo torneio Rio-São Paulo, em 2001, os
jornalistas que ali estavam ainda não sabiam, mas estava diante de seus olhos um grande personagem, que mais tarde teria sua vida pessoal exposta a
exaustão pela mídia sensacionalista, principalmente a carioca. Por muito tempo sua vida pessoal era tão, ou em alguns casos, até
mais coberta do que seus feitos dentro de campo. Para complicar ainda mais a situação, Adriano ainda foi jogar na Itália, outro país onde a imprensa também se
mostra implacável. Seja no Brasil ou na Europa, somado aos problemas que apareceriam
ao longo da carreira, estava formado um conflito que seria muito mais prejudicial para o atacante do que para os veículos de comunicação.
Quem trabalhou em coberturas de clubes de futebol no qual Adriano passou, sempre soube que ele seria a grande entrevista, o grande personagem a
ser ouvido. Conseguir uma entrevista era tarefa bem complicada, era necessário estabelecer uma relação mais próxima com o atleta.
Foi com essa impressão que a jornalista Patrícia Lopes, quando ainda trabalha na ESPN Brasil, ficou ao longo dos anos em que trabalhou na empresa.
Conheci o Adriano quando ele ainda estava começando no
Flamengo e foi vendido para a Itália. Eu estava no começo da
carreira e ele ainda era um garoto, na época foram poucos
contatos. Depois quando ele se destacou na Itália e na seleção
brasileira fiz só entrevistas coletivas. Quando o atacante voltou
para o Flamengo em 2009 me aproximei mais. Já conhecia o
Gilmar Rinaldi, empresário dele na época. Estava também no dia
em que ele resolveu largar tudo e dar um tempo na carreira. Só
que fazer uma entrevista exclusiva com Adriano não era nada
fácil. Ele parecia evitar o contato direto. Precisava ganhar
confiança. Falava pouco em coletivas, mas quando resolvia falar
as entrevistas eram sempre muito boas.
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A forma arredia com que Adriano se mostrava com os jornalistas, pode
ser justificada. Em inúmeras situações era claro que o que se esperava em uma entrevista com ele era uma declaração polêmica, arrancar algo dele que rendesse
uma boa matéria. Esse tipo de situação tornou o atacante alguém que não se sentia confortável com a imprensa, dar entrevistas parecia não ser sua praia.
Na primeira entrevista exclusiva que fiz Adriano não fugiu de
pergunta nenhuma. E a impressão que tinha é que ele achava que
eu não ia fazer nada para prejudicá-lo. Ele é uma pessoa que veio
de origem humilde e sabe muito bem que as pessoas nem sempre
vão ser legais. E havia mesmo alguns jornalistas mais
preocupados com a vida noturna dele, mais do que com o futebol.
Adriano precisava ter a segurança que ali era uma entrevista
séria. A partir dali foram varias entrevistas exclusivas. No
Flamengo, Seleção, delegacia, Corinthians, etc.. E já tiveram
umas duas vezes que ele marcou na casa da mãe e não
apareceu. Depois se desculpou e falou durante quase uma hora
na entrevista seguinte. A impressão que sempre tive do Adriano
era de uma criança grande. Um filho maravilhoso e que poucas
pessoas sabiam do lado dele com a família. Há 3 anos, Desde
que passei a ser correspondente da Bein Sports da rede Al
Jazeera, tentei umas 3 vezes entrevista com ele, mas ele diz que
não tem nada que possa ser legal para falar. Prefere ficar mesmo
escondido, longe dos holofotes.
Como não poderia ser diferente, ter alguém com tanto apelo, com uma
vida pessoal intensa como a de Adriano, naturalmente esse seria um grande aspecto a ser dada grande importância, principalmente por parte da imprensa
sensacionalista, que por vezes se faz presente entre os repórteres esportivos. Esse tipo de perseguição, vamos classificar dessa forma, não agradava ao
Imperador e ele se mostrou irritado com isso em diversas vezes. Certa vez, durante um treino do Flamengo, em 2012, na sua terceira
passagem pelo clube, o atacante não escondeu o descontentamento. Ao se aproximar da linha lateral para fazer exercícios físicos, Adriano notou o intenso
movimento dos repórteres por ali, principalmente dos fotógrafos. Nesse momento
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ele disparou contra os jornalistas. “Vocês não me deixam em paz.
Impressionante. Mas vocês me amam. Tem que ter muita cabeça mesmo”.
O desabafo não surtiu muito efeito, e ao se aproximar novamente do
local para repetir os movimentos do treinamento, notou as máquinas fotográficas trabalhando a todo vapor novamente, dessa vez, preferiu adotar um tom irônico para reclamar. “Depois, manda essas fotos para mim. Minha avó vai adorar, vou
fazer um quadro” - disse, rindo de forma irônica.
A cada ano, a cada matéria sobre Adriano que era publicada, era nítido que a relação ia saindo dos trilhos pouco a pouco, certa antipatia mútua era
sendo consolidada a cada ano. Para alguns jornalistas, a postura desconfiada do atleta com a imprensa, nada mais era do que uma tática para encobrir seus
próprios deslizes extracampo. Essa é a opinião do jornalista esportivo Dasleer Marques, que cobriu
para o portal Terra, algumas entrevistas de Adriano, na época em que defendeu o Corinthians, em 2012.
Na época eu trabalhava no Terra e ia ao clube para fazer
matérias. O que sempre observei é que o Adriano se irritava
bastante com a exposição da vida pessoal, principalmente. Mas,
de certo modo, procurava canalizar um sentimento para a
imprensa para encobrir algumas situações dele.
As entrevistas, por sinal, sempre foram situações em que Adriano se
mostra totalmente desconfortável. Ainda que seja necessário reconhecer que ele nunca deixou de ser uma pessoa autêntica diante das câmeras. Em algumas
dessas entrevistas o atleta levou sua sinceridade a patamares bem altos, o que explica o interesse de alguns veículos de comunicação por esse tipo de trabalho
jornalístico com ele. Sempre foi de conhecimento de todos no meio jornalístico que uma
entrevista com Adriano certamente renderia uma boa matéria, por isso cada momento era explorado ao máximo. O jogador, como é de se imaginar, ficava
incomodado com isso. Mas ainda assim em diversas oportunidades acabou falando o que o repórter esperava, ou o que ninguém esperava.
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Em uma das entrevistas exclusivas que o atleta concedeu ao
Fantástico, que foi ao ar na noite do dia 22 de abril de 2012, Adriano, ainda de muletas e com perna enfaixada, resultado de uma operação no tendão de
Aquiles, conversou com a repórter Graziela Azevedo e falou sobre diversos temas polêmicos. A entrevista foi a primeira após ter sido demitido por justa causa do Corinthians. “A gente cai para aprender a levantar. Foi isso. Mais uma vez, eu dei
uma caidinha, só depende de mim para levantar.” disse na época, reconhecendo
que falhou em sua passagem pelo clube paulista.
Figura 7 - Em entrevista ao Fantástico, Adriano fala sobre sua saída do Corinthians
Fonte: Globoesporte.com
Na ocasião, o atleta foi confrontado pela repórter sobre temas polêmicos, como o álcool, por exemplo, mas não fugiu da pergunta, mais do que
isso, deu uma resposta carregada de uma sinceridade que por vezes falta entre os boleiros. “Depois que passou a cirurgia eu bebi. Gente, todos os jogadores de
futebol bebem. Todos. E todo mundo sabe disso. Isso não é novidade para
ninguém.”
Questionado sobre a quantidade em que bebeu, novamente uma resposta difícil de imaginar que seria dada.
Beber quanto? Uma cervejinha. Você consegue beber uma
cervejinha? Eu não consigo beber uma cerveja. Quando estou
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com meus amigos aqui, comendo churrasco, é impossível. Tenho
30 anos de idade, eu sei muito bem o que eu estou fazendo.
Ainda durante a entrevista, o jogador também reclamou daquela ala da
imprensa que mais o incomodava, os papparazi. “Não tenho privacidade nem
dentro da minha casa. Daqui a pouco, eu tenho que ficar aqui, olhando para um
lado, olhando para outro, para ver se tem nego tirando foto dentro da minha
casa.” desabafou o imperador.
Essa sempre foi a parte da imprensa em que Adriano mais batia de frente. Com a imprensa esportiva ele até que se resolvia, afinal, por mais que
alguns torcedores incorporem uma figura esquisita de vigilante de atleta, principalmente em seus momentos de folga e se ficassem irritados quando viam
uma matéria do Imperador na noitada, a eles, bastavam os gols, os títulos e estava tudo certo, a raiva passava e a patrulha era deixada de lado, então, sendo
assim os jornalistas esportivos não tinham muito que se meter nessa área. Mas o de celebridade, aquele que busca o sensacionalismo, esse sim, esperava essas
escapulidas, e isso incomodava demais Adriano. Para o jornalista Bernardo Itri, atualmente assessor de imprensa da
Federação Paulista de Futebol, mas que trabalhou na coluna Painel FC, da Folha de S. Paulo, que faz coberturas dos bastidores do futebol, o destaque dado a vida
pessoal de Adriano era o que azedava a relação com toda a imprensa.
Adriano sempre foi uma pessoa com carisma e que demonstrava
autenticidade, fatores que contribuíam para um bom
relacionamento com a imprensa. Sua relação com a imprensa era,
de uma maneira geral, boa. Os casos envolvendo noitadas e mau
comportamento, porém, desgastavam essa conexão e,
consequentemente, sua imagem. Ele se incomodava, sim, muito com assuntos que saíam do futebol, tratava suas "escapadas"
como algo normal, que não afetava seu rendimento, o que não era
realidade.
Entretanto, Itri afirma não acreditar que pudesse existir algum tipo de perseguição ao jogador por parte da imprensa, pelo contrário, acredita que devido
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ao seu jeito, sua história, havia, sim, até mesmo certa compreensão, ainda que
reconheça que a imprensa sensacionalista estava sempre ligada para situações que pudessem ser exploradas.
Não é correto dizer que a imprensa o perseguiu. Acho até que a
imprensa, em geral, tinha boa vontade com ele por seu talento,
carisma e história de vida. É fato, no entanto, que parte da
imprensa carioca -um tanto sensacionalista- aproveitava seus
momentos de farra para noticiar suas saídas. Suas festas, suas
baladas e sua conexão com a Vila Cruzeiro eram bastante
exploradas pela imprensa carioca.
Sempre existiu por parte dos clubes onde Adriano passou uma
preocupação extrema para que situações extra-campo não vazassem para a imprensa, isso é fato. No Flamengo campeão brasileiro de 2009 ele tinha uma
série de regalias, mesmo jogando ao lado de outros medalhões, como o goleiro Bruno e Petkovic e que só foram descobertas bem depois do torneio ter sido
conquistas. Mas não foi apenas no Rio de Janeiro que situações que poderiam complicar sua imagem, e a do clube, aconteceram.
Enquanto esteve na capital paulista, jogando tanto pelo São Paulo quanto pelo Corinthians, Adriano deu de suas escapulidas noturnas e houve
verdadeiras cruzadas dos clubes para que isso não chegasse até a imprensa. No seu tempo de Painel FC, Bernardo Itri se lembra de um ocorrido
desse tipo e conta como foi.
Quando estava no São Paulo, Adriano não deixou de badalar.
Mas ele estava em uma boa fase. Em certo dia, um funcionário do
São Paulo recebeu uma ligação dizendo que Adriano estava
embriagado em um local na zona leste de São Paulo e, portanto,
não tinha condições de treinar naquele dia. Pensando na
reputação de Adriano, que poderia ser abalada se essa notícia
vazasse, o funcionário do São Paulo foi buscar o atacante, o
colocou no carro e o levou para o CT do clube. Chegando lá,
Adriano aparentava não ter condições de treinar. Mas como o
clube iria explicar que ele faltou ao treino? Foi então que fizeram
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Adriano se trocar, colocar o uniforme de treino e andar por 10
minutos numa esteira, de modo que a imprensa visse que o
atacante estava lá e não havia faltado ao treino. Esse tipo de ação
para, digamos, encobertar Adriano é comum de se ouvir entre
profissionais que trabalharam nos clubes por onde ele passou.
Mas existe uma questão, talvez um fator, que jamais deve ser deixado
de lado no momento em que se propõe a analisar e comentar a forma como imprensa e Adriano tocaram a relação ao longo da carreira do atleta.
Evidente que o jogador, por muitas vezes, ou não se deu conta de que era um personagem incrível para a mídia, aquele por qual editores, pauteiros e
repórteres sonham a cada vez que dão início a um dia de trabalho ou sua autenticidade o impedia de dar declarações politicamente corretas. Se diz isso,
pois todos sabem que o jornalismo vive de fatos, de notícias, de pessoas que podem dar combustível para essa enorme máquina de produzir conteúdo que é essa área da comunicação.
E no sentido em dar material para a imprensa trabalhar, o Imperador era tão bom quanto em marcar gols. Foi uma série de situações em que a
imprensa se viu diante de situações polêmicas em que ele estava envolvido, como por exemplo, o no mínimo curioso, caso do baile funk na favela da Chatuba,
que veremos mais adiante. Outra situação esquisita foi o episódio em que fotos suas vazaram com
pessoas que seriam supostos traficantes, para a imprensa. Nas imagens o Imperador aparece segurando uma metralhadora e na outra fazendo com as
mãos um C e um V, o que seria supostamente as iniciais da facção criminosa “Comando Vermelho”, que domina o tráfico de drogas em diversas favelas do Rio
de Janeiro. Dito isso, não é exagero supor que o atacante pode não ter se dado
conta do quanto estava sendo explorado. Sendo ele uma figura pública, talvez, fosse necessário tomar certos cuidados para que sua vida pessoal não se
transformasse em um grande show de televisão. Do outro lado dessa linha está o público, que inexplicavelmente ainda consome em demasia notícias sobre a vida
particular dos atletas do futebol.
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E nesse ponto que podemos ter uma visão um pouco mais clara de
como alguns aspectos do jornalismo esportivo divide opiniões. Existem muitas pessoas, dentro e fora da imprensa que defendem que a área deve sim noticiar a
vida fora de campo do jogador, pois a vida pessoal interfere na parte profissional. Por outro lado, outros acham que uma coisa não tem a ver com a outra, e para o
jornalista e o público interessam apenas o que o atleta faz dentro de campo, as banalidades, como em qual e com quem determinado atleta passou a noite, se foi
visto bebendo uma cerveja em seu momento de folga ou que a esposa grávida está sendo traída não se devem sequer dar atenção.
Um jornalista que faz essa crítica ao que ele denomina como “jornalismo manja”, é o carioca Lúcio de Castro, um dos maiores jornalistas
investigativo da crônica esportiva nacional, com passagens pela Rede Globo, Sportv e ESPN Brasil.
De todas as entrevistas feitas para esse livro e as pesquisas para o mesmo, talvez Lúcio de Castro tenha sido o jornalista que bateu de forma mais
dura nesse tipo de jornalismo feito, não apenas em cima do Imperador, mas como de qualquer atleta que tem a sua vida particular de certa forma invadida e exposta
a exaustão para uma massa que acredita que essa isso seja tão, ou até mais, importante do que aquilo que se faz dentro de campo. Durante o programa “Bate-
Bola” da ESPN Brasil, no dia 31 de março de 2011, Lúcio indicou o que achava do tipo de cobertura a vida pessoal dos atletas por parte da imprensa.
Eu já externei minha ojeriza quanto a isso, ao que eu chamo de
jornalismo manja, as pessoas ficam vigiando a vida dos outros,
para mim isso é coisa de recalcado, frustrado, preconceituoso e
tudo isso. Ninguém tem nada a ver com a vida do sujeito fora das
quatro linhas. Agora, dentro das quatro linhas ele tem que
comparecer, se o treino é as 9h, ele tem que estar as 9h, a partir
do momento em que ele não está presente, aí ele está errado,
isso é óbvio. E mais, não vale nem aquele argumento “mas a
gente tem que falar da vida pessoal dele porque está interferindo
na vida profissional”. Se o treino é às 9h da manhã e ele não está
lá, que se cobre quanto a isso, fora dali não interessa a ninguém.
Ele tem que ser cobrado e ele errou em diversas ocasiões não
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estando presente na hora marcada. Mas o futebol não pode ser
essa coisa tão cartesiana, todo mundo é igual, o Adriano precisa
de um ambiente de carinho, precisa disso tudo e aí dentro de
campo ele rende. No Brasil, o histórico dele mostra que sempre
quando esteve em um ambiente de carinho ele funcionou.
Muitas pessoas pensam dessa forma, de que Adriano foi um jogador
que sempre precisou de carinho, de um ambiente que fosse de certa forma, preparado para ele, com pessoas que estivessem dispostas a abraçá-lo no
momento em que tivesse passando por algum tipo de crise. Afinal, dentro de campo ele era fora de série, mesmo quando esteve no Brasil em suas duas
melhores passagens, no São Paulo de 2008 e Flamengo de 2009, onde não era mais o jogador que passou a ser chamado de Imperador na Itália, ele estava em
um nível técnico bem acima perante os demais jogadores. Tanto que mesmo chegando com o campeonato brasileiro de 2009 já em andamento, ainda conseguiu sair campeão e artilheiro pelo Flamengo, com 18 gols.
Esse ambiente de carinho a que Castro se refere, foi de fato o que ele encontrou em 2009 no Flamengo, onde era constantemente blindado pela
diretoria carioca, recebendo uma série de regalias da direção. Somado a isso estava a força de vontade do jogador, que tentando mostrar que ainda tinha muito
a dar ao futebol, por um momento se dedicou intensamente, entrou em forma e liderou a equipe durante a campanha vitoriosa.
Os resultados positivos deram de volta a Adriano a confiança de que por estar fazendo um ótimo papel dentro de campo, fora dele sua vida era apenas
dele. De fato ocorreu uma série de casos de indisciplina. Acreditava-se na época, que esses casos ocorriam, pois o Flamengo
vivia momentos turbulentos, com certo desmando por parte da direção, problemas que foram abafados com o imprevisível título conquistado naquele momento.
Estando o jogador em uma equipe mais profissional, onde os horários teriam que ser cumpridos, faltas não seriam toleradas e um ambiente mais linha dura fosse
estipulado, o atacante seria controlado. Em 2008, o São Paulo Futebol Clube era exatamente tudo isso. O tricolor paulista era sinônimo de organização, de
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eficiência e trabalho sério. Esperava-se que estando Adriano nesse ambiente
profissional, as coisas seriam diferentes. Não foram. Existe uma série de relatos de jornalistas que cobriam a equipe da
capital paulista naquele momento, como o de Bernardo Itri, que você teve conhecimento por aqui, de que o atleta dava suas escapadas, e não eram
poucas. Aparecia sem condições de treinar e era deixado na academia para que sua condição não fosse revelada.
Essas informações foram de certa maneira comprovadas por ninguém menos do que o já falecido Juvenal Juvêncio, então presidente do São Paulo, em 2011, quando deu a icônica declaração. “Adriano é um grande jogador, mas uma
figura indomável. Se conseguíssemos trancá-lo por 15 dias, a partida estaria
ganha”.
A frase pode parecer dura, mas reflete exatamente como devia ser o
estilo de vida do jogador fora das quatro linhas. Ainda na mesma ocasião, Juvenal concluiu seu ponto de vista. “É preciso ter estrutura para controlar Adriano”.
Para alguns jornalistas, entretanto, parte da imprensa, a chamada de “manja", por Lúcio de Castro, tinha outro problema grave com Adriano, o
preconceito. Em um texto publicado em seu blog, no dia 10 de março 2010, Castro
explica sua opinião.
Sigo achando que a maior parte do que se fala e publica sobre
Adriano, como foi com Romário, como foi fulano, sicrano, etc, é
fruto de preconceito. Quando eu, você e qualquer um de nós nos
pronunciamos, sempre pode vir à tona aquele nosso preconceito
enraizado lá no fundo da alma. Lutar contra ele todo dia diante do
espelho é tarefa de cada um, e não é fácil. Repito, antes que os
apressados de sempre tragam suas pedras: estou nessa também,
tentando vencer esses demônios que se escondem em nossas
almas todos os dias. Senão, salvo tal preconceito e desprezo que
vem lá da Casa Grande na direção da Senzala, como entender
porque é possível tanta adjetivação, tanta conclusão? Alcoólatra
(e antes que alguém diga, Adriano já falou que “teve problemas
com bebida”, o que é bem diferente de dizer que é alcoólatra),
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dependente químico, envolvido com o tráfico, dito assim, sem
qualquer prova. “Tenho boa fonte que me garante que...” é o que
mais escutei sobre Adriano nos últimos tempos. Se todas fossem
verdade, estaríamos falando de um morto. Pode ser que alguma
seja comprovada amanhã ou depois. Hoje não se pode nem
especular. Ontem, um vespertino de esporte na tv foi inteiro
dedicado ao drama do alcoolismo no esporte, sucessivas
matérias, sempre vinculadas a Adriano. Ainda aguardo ver
programas de dependência química em referência ao político, já
que estamos falando de suposições sem laudo, sem
comprovação. E então pergunto: por que razões ninguém fica na
tv horas debatendo o vício e a dependência do sujeito ou de outro
do naipe, vindo da Casa Grande, baseado nas especulações?
Com o negro e favelado pode? Com o politicão, com tantos
outros, não pode.
Essa visão é corroborada por muita gente, seja do meio do futebol ou
fora dele, umas das vozes mais importantes da literatura mundial, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano. Certa vez ele entrou nesse tema e disse
acreditar que Adriano sofria de fato desse problema. A imprensa era repleta de preconceito com o negro, favelado, sem estudo e oportunidades que venceu na
vida sem precisar apelar para a criminalidade. Antes de falecer, em 13 de Abril de 2015, Galeano, teve uma conversa
com o amigo Lúcio de Castro, sobre o tema que eles, e parte da imprensa, denominavam de “Caso Adriano”. As palavras de Galeano ditas ao jornalista
carioca foram gentilmente cedidas para integrarem o conteúdo dessa obra. Segue abaixo a opinião do escritor:
Eu creio que o caso de Adriano é revelador, como bem disse, de
preconceitos e julgamentos que vão além das anedotas. O
bombardeio que Adriano sofre revela, por exemplo: A obsessão
universal pela vida privada dos que tem êxito, e acima de tudo
pelos desportistas vencedores que vem da miséria e que tinham
nascido estatisticamente condenados ao fracasso. Exige-se deles
que sejam freiras de convento, consagrados ao serviço dos
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demais e com rigorosa proibição do prazer e da liberdade. Os
puritanos que os vigiam e os condenam são, em geral, medíocres
cujo desafio mais audacioso, sua mais perigosa proeza, consiste
em cruzar a rua com luz vermelha, alguma vez na vida, e isso tem
muito a ver com a inveja que provoca o êxito alheio. Tem muito a
ver com a demonização dos pobres que não renegam sua mais
profunda identidade, por mais exitosos que sejam. E muito tem a
ver, também, com a humana necessidade de criar ídolos e o
inconfessável desejo de que os ídolos se derrubem.
Um abraço do teu amigo, Eduardo Galeano
De um gênio para outro, Tom Jobim certamente aprovaria e as letras e linhas
certeiras que Galeano mandou ao analisar a situação de Adriano. Isso porque Jobim já dizia bem lá atrás que “No Brasil, fazer sucesso é a maior das ofensas pessoais”.
Tanto Jobim quanto Galeano, até mesmo Lúcio de Castro e qualquer outra
pessoa, que consiga entender que por muitas vezes em nosso país, vencer, seja através
da música, da arte, do esporte, pode ser um grande fardo a se carregar, afinal, para
alguns, do que serve um ídolo se não for para vê-lo cair.
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6. CAPÍTULO V – QUE DEUS PERDOE ESSAS PESSOAS RUINS
A chuva que caía vezes suave, vezes intensa, mas incansável e sempre molhando o gramado do estádio Mário Filho, o Maracanã, no Rio de
Janeiro, na verdade parecia querer estar presente para lavar a alma daquele que acreditava ser necessário uma redenção, um desabafo.
Aquela noite ficaria marcada como um dos momentos mais controversos da carreira de Adriano. Naquele domingo, 14 de Abril de 2010, um
“Clássico dos Milhões”, forma como é conhecido o confronto entre Flamengo x Vasco, era disputado para que arquibaldos e geraldinos pudessem ter ali, naquele
momento, naquele estádio a chance de ver o Imperador dar a seus súditos o que nem mesmo eles pudessem imaginar.
É provável que se, caso estivesse vivo, o gênio Nelson Rodrigues estaria vendo aquele jogo, e também notaria a presença de uma de suas maiores
criações, o Sobrenatural de Almeida, aquele que fez e ainda faz as coisas mais impressionantes acontecerem nos gramados do Rio de Janeiro. Isso, pois só
mesmo ele explicaria o que estava prestes a acontecer nos 90 minutos subsequentes ao apito do árbitro, no centro do gramado.
Se olharmos apenas para o quesito de definição do campeonato, o jogo em si valia muito pouco naquele momento, se tratava apenas da quarta
rodada da Taça Rio, segundo turno do Campeonato Carioca. O público não era dos piores, mas longe de fazer jus à alcunha do confronto, baixo, se comparado a
finais onde por diversas vezes já ultrapassara a marca dos 100.000 espectadores. De acordo com o borderô do jogo, foram 30.214 pessoas pagantes e 37.104 de
público presente, com uma renda de R$ 841.565,00. Mas em breve notaremos que um clássico como esse e ainda mais
com Adriano Imperador vestindo a camisa rubro-negra com aquele número 10 em suas costas jamais seria sem importância.
O Flamengo era o atual campeão brasileiro naquele ano, liderados pelos ídolos do clube, Bruno, o meio-campista sérvio Dejan Petkovic e Adriano
Imperador, comandados pelo técnico Andrade, grande jogador do clube nos anos 80, conquistaram no ano anterior o Hexacampeonato. Quem também fazia parte
do elenco naquele fatídico domingo era o atacante Vagner Love, outro jogador
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identificado com o clube e que no início de 2010 chegava para formar com
Adriano o famoso ataque apelidado de “Império do Amor”. Grandes amigos, os dois formaram mais do que o ataque que, ao
menos na teoria, deveria ser o melhor do Brasil. Juntos eles levaram a parceria para fora dos campos. Foram inúmeras tabelinhas em festas, churrascos e
principalmente bailes nos morros da cidade maravilhosa. Entre eles o famoso baile funk da Chatuba.
Se a vida do Imperador fora de campo já era movimentada durante a campanha do título brasileiro, no ano seguinte ele tinha a conquista do torneio, a
artilharia, à volta para a seleção brasileira, e a presença de Vagner Love, para fazer não apenas o terror das defesas adversárias, mas para juntos usufruir de
todo o potencial noturno da cidade do Rio de Janeiro, claro que a marcação da imprensa seria implacável, até chegar a níveis de insatisfação bem altos naquela
temporada. Quando ano de 2009 terminou, Adriano já era alvo fácil da imprensa
sensacionalista, que aproveitava cada pisada na bola sua para fazer um estardalhaço. Gostem ou não alguns jornalistas e público desse tipo de patrulha,
eram polêmicas demais para não serem noticiadas. Uma dessas polêmicas que ficou famosa foi a queimadura em seu pé
esquerdo. O campeonato brasileiro já estava na reta final, naquela altura o Flamengo brigava ponto a ponto com São Paulo, Palmeiras e Internacional para
levantar a taça de campeão e faltando duas rodadas para o fim do torneio, o clube perderia para a penúltima rodada seu principal jogador, o craque, o goleador, o
camisa 10, da forma mais amadora possível. A equipe se preparava para enfrentar o Corinthians, no dia 29 de
novembro de 2009, no estádio Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, São Paulo. A rodada era a penúltima do campeonato brasileiro e dependendo da
combinação de resultados a equipe da gávea poderia assumir a liderança do torneio, bastando apenas uma vitória diante do Grêmio, na última rodada, no
Maracanã, para finalmente voltar a vencer a competição. Em outras palavras, uma verdadeira decisão de campeonato, um jogo de extrema importância em que
Adriano, que não escondia em decisões, poderia ser o grande nome do jogo e ajudar o time a dar mais um passo rumo ao título. Poderia, mas não foi.
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Na véspera do jogo, no dia 28 de novembro, Adriano se apresenta ao
clube com um curativo em seu pé esquerdo, um pouco acima do calcanhar. Por baixo da gaze, estava uma grave queimadura, que o impossibilitava de sequer
calçar as chuteiras, jogar então, muito menos. Após exames realizados pelo então médico do clube, Dr. José Luís Runco, o que mais temiam comissão técnica,
diretoria e principalmente torcedores, estava confirmado, o Imperador estava vetado para a partida.
Figura 8 - Adriano caminha no CT Ninho do Urubu com um curativo no pé esquerdo, de acordo com a versão do
atacante, uma lâmpada teria causado a queimadura.
Foto: Vipcom
Após o choque inicial, ficou a dúvida no ar. Afinal de contas, como o
atacante sofreria uma queimadura como aquela, naquela parte do pé? A explicação do atleta foi um tanto quanto estranha. Segundo Adriano, a
queimadura era originária de uma forte lâmpada, instalada no chão do jardim de
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sua casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. Ele havia se descuidado,
pisado no objeto e queimado o pé. A versão oficial era essa. Entretanto, tal explicação não convenceu muito aos jornalistas e não
demorou muito para que novas versões para o episódio fossem aparecendo. A mais plausível era de que, na verdade, a queimadura ocorrera quando o jogador
andava na garupa de uma moto na Vila Cruzeiro, e de chinelos de dedo, encostara o pé no escapamento do veículo.
Com a quantidade de boato correndo solto no clube acerca da contusão do craque, a diretoria se apressou em tentar contornar a situação. A
alternativa encontrada era encarar o problema, para isso, convocaram uma entrevista coletiva e colocaram diante dos repórteres o próprio atacante ao lado
do Dr. Runco. A coletiva foi um grande constrangimento. Talvez já prevendo o que
viria pela frente, Adriano se antecipou e comentou diante dos microfones. “Vai ter
muita gente dizendo que foi isso [ou aquilo].”
Para depois, entrar mais fundo na questão da queimadura pelo suposto acidente de moto. “Se fosse de moto, eu falaria. Espero que tenham o bom senso
de não começar a inventar um monte de coisas. Quem sai perdendo sou eu, que
estou disputando a artilharia e o título.” Disse o atacante na coletiva.
Se Adriano tentava se justificar e convencer a todos que o acidente aconteceu da forma como explicou, Dr. Runco por outro lado, tentou, mas não
conseguiu esconder o mal estar, com sua sinceridade e seriedade já conhecidas no mundo do futebol, disparou. “Não sei se foi queimadura na moto, na lâmpada
ou na água quente. E nem sou cirurgião plástico para avaliar o tipo de
machucado” .
De fato, para quem viu a queimadura, acompanhada de uma grande bolha em seu calcanhar, garante que o ferimento tinha todas as características de
ter sido mesmo provocado pelo escapamento de uma moto. Na ocasião, um membro de um grupo de motociclistas do Rio, foi
ouvido pelo jornal carioca Extra. Ao analisar a foto ampliada do ferimento, o homem deu sua opinião. “Ele devia estar de chinelo. Queimou justamente na
parte onde fica o cano de uma moto esportiva.” opinou a fonte.
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Figura 9 - Matéria do jornal Extra, contraria Adriano e afirma que a queimadura foi em uma moto
Fonte: Jornal Extra
No fim das contas, o Imperador desfalcou o clube no jogo diante do Corinthians, mas não fez falta. A vitória por 2x0, com gols de Zé Roberto, aos 26
minutos do primeiro tempo e Léo Moura, de pênalti, sofrido por ele mesmo, aos 43 do segundo tempo.
Apenas a título de curiosidade, a partida tinha um grande atrativo, poderia ser o embate entre os dois últimos grandes atacantes da seleção
brasileira. Isso porque o Corinthians contava em seu elenco com o fenômeno Ronaldo, que ao contrário do amigo até entrou em campo. Já apresentando
declínio físico de fim de carreira, Ronaldo estava pesado, lento, uma caricatura do grande craque que foi, participou muito pouco do jogo, aos 23 minutos do primeiro
tempo, após tentar uma arrancada pela ponta direita sentiu uma fisgada na coxa e foi substituído.
Os resultados dos rivais ajudaram e o que se esperava aconteceu, o clube carioca assumia ali a liderança do torneio faltando apenas uma rodada para
o fim. Bastava vencer o Grêmio na rodada seguinte, já com Adriano em campo, para sagrar-se campeão, e foi exatamente o que ocorreu.
Vale pontuar que a situação do Imperador poderia ter ficado bem complicada caso o Flamengo não vencesse aquela partida e consequentemente
não conquistasse o título. Seria uma cobrança extrema em suas costas por ter se ausentado daquela maneira do jogo.
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Essa foi apenas uma das polêmicas que acompanhariam Adriano no
fim de 2009 e começo de 2010, das quais lhe trariam problemas sérios. Voltando ao clássico diante do Vasco, uma partida disputada com
inúmeras chances de gol. O Vasco da Gama, por exemplo, teve a seu favor dois pênaltis, ambos batidos pelo atacante Dodô e os dois defendidos por Bruno,
excelente goleiro que vivia grande fase desde o ano anterior, mas que meses mais tarde seria preso acusado de mandar matar a amante Eliza Samúdio, em
Minas Gerais. Se o cruz-maltino não foi capaz de converter em gol nenhum de seus
pênaltis, o Flamengo não cometeu o mesmo erro. Aos 5 minutos do segundo tempo, o atacante Vinícius Pacheco, dominou a bola em um contra-ataque no
meio campo, com a defesa vascaína toda desarrumada, ele deu um toque longo na bola e em grande velocidade com apenas mais 2 toques já estava dentro da
área, cara a cara com o goleiro Fernando Prass, que saiu na bola nos pés do atacante, e com um tapa a afastou alguns centímetros, no rebote o zagueiro
Márcio Careca agarra Léo Moura, o árbitro Péricles Basols, apita. Pênalti para o Flamengo.
Diante do gol, imóvel e olhando fixamente para as redes, as mãos na cintura, está Adriano. O Imperador toma grande distância, parte em direção a
bola, desacelera a corrida, e ao chegar nela da um toque de pé esquerdo sem muita força, mas com enorme categoria no canto esquerdo do goleiro, a torcida se
levanta e grita eufórica, é gol do Flamengo, é gol de Adriano Imperador. A surpresa geral vem na comemoração do gol, aparentemente sem
demonstrar muita alegria, o atacante corre em direção as câmeras e antes de ser abraçado pelos companheiros, tira a camisa do clube, por baixo está uma camisa regata toda branca, com os dizeres escritos em preto, feitos à mão: QUE DEUS
PERDOE ESSAS PESSOAS RUINS.
Em um primeiro momento ninguém entendeu ao certo o que era e para quem era aquele recado. O que Deus devia perdoar? Quem eram as pessoas
ruins?. A realidade é que de improviso aquele gesto teve muito pouco, o
próprio fato do jogador já estar com a camisa por baixo da do clube, pronta para ser mostrada em rede nacional caso marcasse um gol, o momento máximo do
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futebol, onde todos os olhos, câmeras e microfones estariam voltados para ele,
mostra que aquilo era mesmo um grande desabafo e que ele fazia questão que fosse ouvido.
Figura 10 - Após marcar o gol da vitória, Adriano mostra a camisa que entraria para a história
Foto: Fernando Soutello/Gazeta Press.
Para entendermos melhor o motivo da camisa com aquele pedido para
Deus, temos obrigatoriamente que voltar uns meses antes da partida, vencida por 1x0 pelo Flamengo com aquele gol de Adriano.
O começo de 2010 não foi muito bom para o Imperador, entre problemas para recuperar a forma física do ano anterior e faltas aos treinos, o
atleta tinha outra situação que o tirava o foco, era o relacionamento com sua então noiva, a personal trainer Joana Machado.
Eram inúmeras as notícias de brigas do casal, nesse ponto, voltamos a entrar na questão da vida pessoal do jogador ser explorado pela mídia. A cada
semana um jornal trazia a tona alguma situação privada do casal. Obviamente que Adriano detestava isso.
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Figura 11 - Adriano leva a então noiva Joana Machado, ao treino do Flamengo, na Gávea
Foto: Globoesporte.com
Mas o pior ainda estava por vir, na noite de sexta-feira 05 de março de
2010, após voltar ao Brasil de Londres, onde participou de uma partida com a seleção brasileira, o atacante resolveu se divertir. Parou em uma festa na Barra
da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, após curtir um pouco no local, Adriano resolver dar uma esticada em um lugar onde ele nunca escondeu se sentir bem, a favela.
Para essa próxima festa, porém, Adriano não estava só, acompanhado de outros 10 jogadores do Flamengo, o atacante partiu para um baile funk, o
destino: Favela da Chatuba, uma das comunidades que compõe o complexo da Penha, onde também está localizada a Vila Cruzeiro, lugar onde o jogador nasceu
e cresceu. Foi lá que ocorreu o impressionante episódio que ficaria conhecido
como o “Baile Funk da Chatuba”. O episódio é repleto de situações curiosas. São vários os tipos de informações sobre a confusão, algumas até mesmo engraçadas
para quem está de fora.
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Um dos jogadores que estava ao lado de Adriano no morro era
ninguém menos do que Bruno Fernandes de Souza, acusado e condenado a 22 anos e 3 meses de prisão como mandante pela morte de sua amante, Eliza
Samúdio. Alguns casos da noite de baile funk da Chatuba estão relatados no livro
“Indefensável”, (2014, p. 8) escrito pelos autores Léslie Leitão, Paula Sarapu e Paulo Carvalho, que conta a história do assassinato da amante do goleiro Bruno.
Os autores descrevem da seguinte forma a série de acontecimentos ocorridos naquela noite:
Os dois (Adriano e Bruno) e mais uma meia dúzia de
companheiros de time, haviam subido o Complexo da Penha para
participar de uma festa. “Os jogadores do Flamengo nem sabiam,
mas, naquela noite, estavam ali comemorando, junto com os
bandidos, um assalto bem-sucedido a um carro-forte, em que
roubaram R$ 600 mil no Shopping Nova América” – revelaria o
sargento Pedro, à epoca lotado na Delegacia de Roubos e Furtos
(DRF) e um dos responsáveis por monitorar o bando. Se não
sabiam que se tratava de uma comemoração criminosa, decerto
não lhes escapava a informação de que o baile funk na favela era
promovido e frequentado por traficantes. Ninguém esperava,
entretanto, que a festa acabasse com um barraco daqueles que
entram para os anais – e que tal fosse protagonizado não por
bandidos, mas por atletas profissionais do Flamengo. Então noiva
de Adriano, a modelo Joana Machado, uma jovem loura, linda e
bem-criada – e que, anos depois, ficaria milionária ao ganhar o
reality-show A Fazenda, da TV Record - foi a grande estrela da
noite. Descobrira a pulada de cerca do namorado e subira o morro
para tomar satisfação. Resultado: dois carros de jogadores
quebrados e uma porção de versões jamais comprovadas, a mais
estapafúrdia foi a de que Adriano só conseguira frear-lhe a fúria
após amarrá-la a uma árvore. O fato é que Bruno tampouco
gostara da postura de Joana naquela noite. Os dois, por pouco,
não trocaram agressões físicas: “O meu carro você não quebra,
não, que eu te mato a porrada” – ameaçara, irritado. A turma do
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deixa-disso logo chegaria, e Bruno então resolveria esfriar a
cabeça com um inusitado passeio. Pegou um cavalo emprestado
com um morador e partiu, becos e vielas adentro, para espairecer
e não tornar a situação ainda mais grave. O caso pararia nas
primeiras páginas do noticiário. Adriano, naturalmente negou tudo.
(LEITÃO, Léslie, SARAPU, Paula, CARVALHO. 2014, p. 8)
Como era mesmo de se imaginar, pois não é todo dia que se tem o goleiro e capitão, e o craque, o camisa 10, o principal jogador do clube mais
popular do país envolvidos em uma confusão desse tamanho, a imprensa não deixou passar aquela noite e explorou da forma como pôde a confusão.
Ainda sobre esse episódio, dias depois Bruno, ao tentar defender o amigo, simplesmente se esqueceu, ou ao menos sequer se importou, de que era
uma figura pública, que cada declaração sua poderia influenciar de forma positiva e negativa muita gente, deu diante das câmeras e microfones uma das frases mais infelizes que poderia dar naquela hora. “Quem nunca saiu no braço com a
mulher?”
A declaração por si só já é desprezível, mas para piorar ainda mais,
Bruno escolheu o pior dia para tal: 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Nos dias seguintes o Flamengo enfrentaria o time do Resende pelo
Campeonato Carioca e o Caracas, na Venezuela, pela Copa Libertadores da América, Adriano, entretanto, ganhava um “folga” da direção do clube e estava
afastado dos dois jogos após a confusão com a noiva. Quem ficou encarregado de explicar a situação foi Marcos Braz, então
vice-presidente de futebol do clube. “Os problemas do Adriano são conhecidos e
notórios, assim como seu gerenciamento. Foi feita uma programação que,
infelizmente, ele não poderá cumprir. Está com um problema pessoal e não tem
condições" – disse em entrevista coletiva.
Após o período para esfriar a cabeça, o Imperador voltaria no domingo seguinte, no clássico contra o Vasco. Irritado com a cobertura da imprensa sobre
o ocorrido na Chatuba, o jogador pensara em como dar a sua resposta aos jornalistas, seria uma camisa com os dizeres: Que Deus Perdoe essas Pessoas
Ruins. Na opinião do atleta a imprensa fez um circo midiático e tentara criar uma
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crise na gávea. Eram os jornalistas as pessoas ruins e Deus devia perdoá-los por
supostamente tentarem criar tumulto. Se realmente era isso, a confirmação só o atacante pode mesmo dar.
Esse tipo de visão que o Imperador tinha com a imprensa, de que era sempre alvo de uma injustiça, inclusive também é notado no meio jornalístico. O
jornalista Alexandre Pretzel cobriu São Paulo, Seleção, Flamengo e Corinthians enquanto os defendeu e acredita que a cabeça foi o grande adversário do
Imperador. Sempre foi um cara difícil. Nunca gostou da imprensa e tinha
mania de perseguição. Um grande talento desperdiçado por causa
da cabeça complicada. Talvez os clubes passassem a mão na
cabeça para tentar recuperar o ser humano, mas Adriano nunca
se ajudou. Sempre teve mania de perseguição e era pouco afeito
à disciplina.
Nas semanas seguintes ao ocorrido, como mais uma forma de retaliação contra a imprensa, o Imperador parou de dar entrevistas. Não falava
com os repórteres nas tradicionais entrevistas na beira do gramado, nas saídas para o intervalo e ao fim do jogo. As exclusivas e coletivas na sala de imprensa do
clube então, menos ainda, nada de contato com os jornalistas a quem ele acreditava que o perseguiam.
O período pós baile da Chatuba, não azedou de vez a relação com a imprensa, com a própria torcida rubro-negra a situação não era das melhores.
Mesmo fazendo gols importantes e sendo convocado para a seleção, Adriano ainda estava longe da forma física da campanha do título no ano anterior, sempre
aparentando estar acima do peso, passou a ser vaiado em algumas partidas. Além das atuações abaixo do esperado, as constantes notícias sobre
sua vida pessoal, que relatavam festas seguidas de atrasos em treinos foram irritando os torcedores. As vaias incomodavam o atleta e ele passou a não
comemorar mais os gols que marcava. Foram diversos gols marcados sem nenhum tipo de reação, apenas os tradicionais abraços nos companheiros e
seguia caminhando lentamente para o centro do campo.
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Acompanhar a vida pessoal de atleta com certeza não é uma
unanimidade entre o meio jornalístico. Porém, nesse aspecto, Pretzel faz uma ressalva.
Acho que o jogador tem que ser cobrado pelo rendimento em
campo. Agora, se algo extra-campo atrapalha ou diminui seu
desempenho, isso deve ser noticiado. Claro que muitos se
encostam em contratos longos, mas o desempenho e o custo-
benefício é que devem ser analisados.
Jogar na conta desse episódio do baile a responsabilidade pelo semestre fraco do jogador no clube rubro-negro pode não ser o mais correto,
embora seu inferno astral durante aquela temporada pode ter tido ali seu início, passando pela não convocação para a Copa do Mundo de 2010.
O técnico Dunga e seu auxiliar Jorginho eram grandes admiradores do estilo de jogo do atacante, e estavam dispostos a colocá-lo no mundial, talvez mais do que o próprio jogador, que faltou em um treino no Flamengo algumas
semanas antes da convocação final. Seria apenas mais um falta comum no clube e que seria abafada pelos
dirigentes. Seria, se não fosse pelo pequeno detalhe que justo naquele treino que ele perdeu estavam presentes Dunga e Jorginho, que foram até lá exatamente
para vê-lo de perto. Para muitos, naquele momento o Imperador bateu o último prego no caixão que o tirou da Copa.
Mas não foi só, para terminar de complicar a situação, um problema com a justiça. No dia 24 de março de 2010, o jornal carioca O Dia, publicava a seguinte matéria em seu site: “Moto de R$ 35 mil para mãe de 'pessoa ruim’”.
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Figura 12 - Matéria publicada no site do jornal carioca O Dia, apresenta a história da moto comprada por Adriano
Fonte: O Dia
A matéria diz que em julho de 2008, Adriano comprou uma motocicleta
avaliada em R$ 35 mil. Até aí, nada de novidade, jogadores de futebol e automóveis importados sempre andaram juntos. O problema veio na
documentação da motocicleta Hornet 600. O registro estava em nome de Marlene Pereira de Souza, mesmo ela, então com 64 anos, jamais ter tirado a Carteira
Nacional de Habilitação e ainda ser analfabeta, era também mãe de Paulo Rogério de Souza Paz, o Mica, então chefe do tráfico na favela da Chatuba, a
mesma onde Adriano e Joana deram o barraco no baile. Após o episódio, no dia 25 de março de 2010, Adriano era chamado a
depor na 22.ª Delegacia de Polícia, na Penha (zona norte do Rio). Nele, Adriano negou que soubesse sobre o emplacamento em nome da mãe do traficante e muito menos que a tenha dado de presente ao traficante. “Ele (Adriano) disse que
comprou as motos (por meio de Marquinhos), mas afirmou que no dia do
emplacamento viajou para a Itália e que desconhece que uma das motocicletas
tenha sido emplacada no nome da mãe do traficante Mica.” contou o delegado
Jáder Amaral. De acordo com o depoimento do jogador, ele admitiu que pediu a um
amigo, de nome Marcos José de Oliveira, também conhecido como Marquinhos, que comprasse duas motos e que uma delas seria registrada em seu nome e a
outra no de Marquinhos.
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Ainda no depoimento, Adriano confirmou que conhecia o traficante, a
relação existia, pois os dois haviam estudado juntos quando eram crianças, mas que naquele momento o contato era apenas no sentido de se cumprimentarem
quando se viam na favela. O caso não causou transtornos maiores para o Imperador, mas com
tudo isso acontecendo, os problemas se acumulando, poderia ser a hora de se despedir novamente do Brasil. Alguns meses depois chegaria às mãos de seu
empresário na época, Gilmar Rinaldi, uma proposta do Roma, da Itália. No dia 27 de junho de 2010 o atacante se despedia do Brasil e do
Flamengo, clube onde havia recuperado a alegria de jogar futebol para voltar ao país onde a havia perdido. Parece contraditório, mas o que não foi na carreira do
Imperador?
Figura 13 - Adriano se despede do Flamengo para voltar a Itália em 2010, daquele que foi o último grande momento de
sua carreira
Foto: 101greatgoals
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7. CAPÍTULO VI – POR QUE ADRIANO É NOTÍCIA?
Para quem acompanha os noticiários, sejam eles esportivos ou não, pode por algumas vezes se perguntar por qual motivo algum tipo de assunto ou
pessoa estão sempre na mídia, mostrados à exaustão como se aquilo fosse uma grande necessidade humana.
De fato é o ser humano parece ter uma vontade inexplicável por aquilo que gera polêmica, pelo controverso, pelo macabro, pela violência. Talvez esteja
nessa vontade a explicação pelo qual programas de televisão adeptos do sensacionalismo continuam no ar, com uma audiência fiel e disposta a
acompanhar caso a caso. Como não poderia deixar de ser, a imprensa esportiva está inserida
nesse cenário. Caso não estivesse, o que explicaria a forma como grandes estrelas do futebol continuam a ter sua vida pessoal invadida de forma tão
incansável pelos jornalistas. Os exemplos são os mais diversos, no Brasil ou no exterior. Nos
últimos anos Adriano viveu isso na pele. Pode até ser que ele não tenha se dado conta por algum período, mas a vida dele, o que ele faz fora das quatro linhas era
um campo extremamente fértil para a proliferação de notícias. Para ficar um pouco mais claro esse pensamento, usaremos um
exemplo de uma situação que inclusive já vimos aqui nesse livro. O baile funk da Chatuba.
Vimos que na ocasião o Imperador estava acompanhado de nada menos do que dez atletas da equipe profissional do Flamengo, o clube mais
popular do país. Juntamente com ele, era exatamente a quantidade de atletas que compõe o número de jogadores em cada equipe para uma partida tenha início.
Mas de forma aparentemente sem explicação, ainda que a confusão tenha sido armada por ele e sua então noiva, ele foi aquele que a imprensa
destacou. O nome dos outros atletas sequer sabemos ao certo, fora uma especulação aqui e outra ali, não se tem uma confirmação de quem eram os
outros, apenas sabemos que um deles seria Bruno, pois ele de fato interveio na confusão, mas sobre os demais, nada. Nem uma notícia e suas carreiras
seguiram sem que essa macha marcasse seus currículos.
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Na verdade, de inexplicável esse fato não tem nada. Pelo contrário,
uma série de teorias de comunicação usadas como alicerces que seguram a base desse ramo da comunicação social explicam muito bem a escolha por qual
assunto ou quem será notícia. Isso se chama “Agendamento de Pauta”. Conhecido como “quarto
poder”, o jornalismo claramente, ao menos para aqueles que dedicam um tempo de estudo sobre os aspectos e formas de veiculação de conteúdo noticioso, é
capaz de exercer de forma efetiva um papel em quem recebe a informação, no caso a população.
Existem diversas teorias que são totalmente capazes de confirmar essa afirmação. A primeira delas foi a teoria hipodérmica, desenvolvida pela escola
norte-americana através do Mass Comunication Research, orientada pelo funcionalista Harold Laswell. O estudo da teoria buscou aponta o poder que a
notícia tem de penetrar através da pele do receptor, sem encontrar resistência, afetando de forma uniforme a um público de massa, gerando nele uma aceitação
quase que imediata daquele dado ou informação. Se pensarmos que o público que, segundo a teoria hipodérmica,
recebe via mídia uma informação ou notícia se comporta sempre da mesma forma, sem oferecer nenhum tipo de questionamento, o caminho que os veículos
de comunicação irão percorrer até direcionar a população para as suas próprias convicções se torna muito mais simples.
A massa compreendida pela teoria hipodérmica não busca se informar completamente sobre um assunto e seus entendimentos, mas “apontam
diretamente para o objetivo e procuram atingi-lo pelo caminho mais curto, o que
faz com que exista sempre uma única ideia dominante, a mais simples possível.”
(Wolf, 1995, p.8) Nesse modelo é mostrado como a mídia é eficiente no sentido de
influenciar naquilo que a população tomará como assunto do cotidiano (McCOMBS e SHAW, 1972).
A Agenda Setting, desenvolvida nos Estados Unidos, no ano de 1960, teve como grandes pesquisadores em seu estudo, Maxwell MacCombs e Donald
Shaw. Para chegar ao modelo, entretanto, partiram de outros pontos e autores de tema similar. A intenção era mostrar como a pauta das pessoas em seu cotidiano
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é administrada pela mídia, em como a imprensa conseguia, literalmente,
determinar o que as pessoas iriam falar. Um poder absurdo se pensarmos que atualmente cada um é capaz de
buscar informação sobre qualquer tipo de assunto e consequentemente falar e argumentar sobre os mesmos. A disseminação de meios tecnológicos, sobretudo
a internet, propicia a cada cidadão uma infinidade de dados informativos sobre qualquer tipo de tema.
Esse poder atribuído sobre a mídia é explicado ou mostrado quando Walter Lippman, um jornalista norte-americano e uma espécie de pioneiro no
estudo sobre agenda, diz que “a notícia não é um espelho das condições sociais, mas um relato de um aspecto que se impôs”. Em outras palavras e de forma
muito mais grosseira, ele supõe que existe uma imposição sobre aquilo que o consumidor de notícia receberá e não como um fato poderia e deveria ser
representado. Essa “manipulação”, assim pode classificar, é de certa forma o que
baseia parte do que vemos na publicação de matérias, nas coberturas de casos de grande interesse do público, como os envolvendo Adriano, por sinal, uma vez
que informações, dados, pontos de vista e até mesmo foto são escolhidas criteriosamente por aqueles que detêm o poder para determinar o que e como
será noticiado e como consequência absorvido pelos ouvintes, telespectadores e leitores.
Foi o que Lippman mostrou no clássico livro Public Opinion, quando ele aponta que “a seleção de notícias feita pelos jornais é responsável por definir o
que as pessoas saberão a respeito da realidade”. (Lippamn, 1922) E o autor ainda completa. “A partir do momento em que alguns
detalhes são acentuados e outros não, a notícia se torna o veículo de uma
representação específica da realidade”.
Basicamente é isso o que vemos na publicação a respeito de Adriano, quando um veículo prefere, de acordo com sua linha editorial e seguindo o
pensamento de publicar aquilo que “vende”, o que as pessoas se interessariam em ler em detrimento ao que de fato houve na conturbada vida profissional e
pessoal do atleta.
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Sabe-se que a vida do atacante não foi fácil e que a infância não foi um
mar de rosas, pois jogadores de futebol que não possuem essa história de vida são mais difíceis de encontrar, além de próprias declarações dele mostrando esse
lado. Porém, é inegável que por poucas vezes houve uma busca na investigação, apuração e divulgação por parte da imprensa de como o comportamento do
jogador pode ser explicado por esses fatores. Não que tenham existido, mas decerto foram menos acentuados do
que sua participação no baile da Chatuba, seus problemas com o álcool e suas noitadas.
Esse pensamento foi estudado de forma muito mais profunda pela dupla norte-americana MacCombs e Shawn, na Universidade de Austin, no
Texas. Para chegarem a tal resultado, uma série de estudos foi apresentada, comprovando que o conceito de agenda é verdadeiro.
Na imprensa existem alguns critérios utilizados como marcadores para determinar o que será noticiado. Porém, é importante notar que a internet mudou
um pouco esses conceitos e atualmente ela também pauta o que será notícia. Porém parte dos critérios que a mídia utiliza na construção da narrativa
nem sempre são claros, mas sabe-se que existem e que são eles que compõem o sentido da Agenda Setting. É isso o que diz o jornalista e professor Luís Mauro Sá
Martino. (2009, p. 208).
A seleção de assuntos tratados pelos indivíduos em suas relações
sociais está vinculada a inúmeros critérios e variáveis. A cada dia
é possível verificar sobre quais assuntos falamos, e esses
assuntos formam a nossa “agenda pessoal” de temas discutidos.
(MARTINO, Luis Mauro Sá. 2009. p.208)
Aquilo que a mídia escolhe através de critérios determinados por cada linha editorial específica e por um conceito geral do jornalismo, será capaz de
formar a opinião pública. Um pouco mais adiante em seu livro, Teoria da Comunicação, Martino
é ainda mais enfático sobre o assunto.
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O modelo de Agenda Setting prevê que no meio dessa agenda
temática pessoal é possível encontrar assuntos que estão
pautados pela mídia. Os temas da mídia ganham importância em
sua divulgação horizontal: não são as principais preocupações de
ninguém, mas estão nas preocupações de praticamente todo
mundo.
Por exemplo, é relevante para a mídia esportiva que a carreira do jogador Adriano começou a dar claros sinais de decadência quando o atleta
perdeu o pai e como consequência passou a abusar das festas, álcool e supostas orgias?
Se for relevante então já passa existir uma incompatibilidade sobre muita coisa que saiu na mídia sobre o jogador, uma vez que em inúmeras
oportunidades ele recebe dos torcedores e de pessoas que não acompanham o futebol a alcunha de problemático, indisciplinado, sem que haja uma ressalva que
esse comportamento pode ter uma explicação no momento em que o ser humano Adriano Leite Ribeiro perdeu aquele que foi o grande incentivador de sua carreira.
Quando isso ocorre, o julgamento do público pode ficar comprometido, pois ele foi impedido de ter acesso a informações que ajudaria a formar uma
imagem mais próxima da realidade do atleta. É o que diz o jornalista e professor Caio Túlio Costa, em seu livro
“Ética, Jornalismo e Novas Mídias”
A descrição de conflitos morais clássicos pode servir como
referência funcional na discussão de dilemas éticos do jornalismo:
desde os conflitos de interesse, tanto no plano social (onde se
inclui o empresarial) como no plano da consciência individual, até
os vícios mais comuns da profissão, como as omissões, as
distorções, o uso da mentira como recurso para se obter
informação ou as complexas e enganadoras relações com as
fontes. Na maioria das vezes, o julgamento público será definitivo
em relação ao que foi mal apurado, preguiçosamente editado ou
deliberadamente distorcido.
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A escolha do que é ou não relevante para ser noticiado, ou até mesmo
quais aspectos de determinada notícia serão mais explorados não é algo novo e nem sempre quer dizer manipulação.
Ainda que em muitas vezes o que o veículo de comunicação deseja seja atrair é o maior número de telespectadores, leitores, ouvintes ou internautas,
em algumas ocasiões essa seleção se dá por uma condição pré-estabelecida no meio jornalístico.
Mas como sabemos, tais escolhas existem e são explicadas por um movimento conhecido como Newsmaking. Os estudos sobre essa teoria apontam
que ela existe para que uma história seja contada de determinada maneira, com o objetivo de enquadrá-la naquilo que o veículo entende como melhor para ele
próprio. Por esse motivo que tanto se fala sobre manipulação, ao notar que por
mais que a notícia não seja modificada ou que não se invente nada, a forma como ela é colocada pelos meios de comunicação já será suficiente para determinar o
entendimento dos consumidores de notícia. Ao fim desse processo, determinada matéria já não será mais retratada
como o que de fato aconteceu. Terá existido uma espécie de modificação na linguagem que certamente irá colocar o acontecimento, agora adaptado, dentro
de um princípio criado pela própria mídia e que irá dessa forma, suprir suas próprias necessidades, seja elas quais forem.
É nesse cenário que conhecemos no meio jornalístico a figura do profissional conhecido como Gatekeeper, que em linhas gerais quer dizer o
jornalista, na maioria das vezes o editor chefe de uma redação, que irá determinar o que será noticiado no seu veículo ou o que não será noticiado, é ele quem
determina o grau de relevância para a empresa e com base em estudos e linha editorial o que e como será colocado para que chegue ao público. É essa a teoria
que melhor explica a forma como a imprensa abordou não apenas a carreira, mas a vida de Adriano.
Mais uma vez usando o exemplo do baile na Chatuba. Chegou a informação ao Gatekkeper de determinado jornal que acontecia naquela noite
uma grande confusão na favela envolvendo Adriano, sua noiva e uma série de
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jogadores do Flamengo, é ele que decidira se aquilo vale uma matéria a ser
publicada. A existência desse profissional no fazer jornalismo foi mostrada por
Thomas McNelly em 1959. Segundo McNelly, era possível identificar a presença do Gatekeeper na comunicação, sua função era transformar a informação em
seleção de notícias. Se existe quem faça esse papel de seleção de notícias, existe também
um modelo para tal função. Talvez o mais influente nesse aspecto seja o modelo conhecido como Newsworthness, consolidado por dois noruegueses, J. Galtung e
M. Ruge no ano de 1965. Na visão dos pesquisadores, toda a ação efetuada pelos Gatekeepers
é de certa forma sinalizada ou então orientada por uma série de critérios de valores-notícia e também por um dinamismo interno da imprensa na esfera da
comunicação jornalística. Eles concluíram que existe um modelo que segue uma norma de
construção de narrativa e seleção de notícias. E para que isso fosse possível, Galtung e Ruge fizeram um estudo do comportamento da imprensa em duas
situações de crises políticas, a de Cuba de 1960 e do Congo em 1964. (Galtung, & Ruge, M.H. “The structure of foreign news”. Journal of Peace Research, 2,
1965, p. 64-90) O resultado deste estudo foi um modelo que aponta que eventos
cotidianos passam por um primeiro filtro, que é a percepção da mídia, o que sai dessa parte do sistema é então enquadrado em 12 fatores de seleção de notícias,
ou seja, os critérios estabelecidos pela imprensa. Após esse processo, está pronta a notícia, chamada de Imagem da Mídia.
Baseado no que foi apresentado por Galtung e Ruge, uma das partes mais importantes desse modelo são exatamente os critérios determinados pela
mídia, escritos por eles no artigo “The structure of foreign news”. No livro “Teorias de Comunicação” (Martino, 2009), esses critérios são apresentados da seguinte
forma: 1 – Frequência ou momento do acontecimento: Se um acontecimento
for bem próximo a realidade imediata, com certeza ela será escolhida para ser
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noticiado Assim o como a periodicidade das publicações também será
determinante, telejornais e jornais diários tratarão de casos mais específicos. 2 – Magnitude do acontecimento: Se o caso for de extrema importância
e for de interesse de um número grande de pessoas, sua publicação será colocada em destaque.
3 – Clareza: Se uma situação que pode render notícia for muito clara, esse será um ponto que pesará a favor de sua publicação.
4 – Significação: Não apenas o quão mais próximo for de nós um acontecimento será determinante para ser noticiado. Sua relevância cultural
também influencia. 5 – A correspondência ou consonância: Se o evento tiver um
planejamento, for de forma antecipada avisada ou esperada serão consideráveis as chances dele ser noticiado.
6 – O inesperado: Se determinado fato for inesperado, for algo que pode surpreender ou chocar a população.
7 – Continuidade: Se o tema ou os envolvidos tiverem poder para permanecer na mídia por um bom tempo, isso é elemento importante na
construção da narrativa da imprensa. 8 – Composição: Por mais que uma notícia seja boa para o veículo de
comunicação, nenhum deles quer ficar marcado como aquele que cobre apenas um tipo de situação, seja ele policial, esportivo, política, enfim. A forma como a
notícia puder ser encaixada em meio a outras, de diferentes segmentos é valorizada.
9 – Notícias sobre o Primeiro Mundo: Isso é algo que podemos notar claramente ao analisarmos os cadernos de Internacional dos principais jornais,
por exemplo. Se a situação política dos Estados Unidos, por exemplo, estiver passando por um processo conturbado, ela terá mais destaque na mídia do que
qualquer de nossos vizinhos sul-americanos que estejam passando por algo similar ou ainda pior.
10 – Reportagens sobre elites: A elite é sempre muito visada, sobretudo quando são celebridades, para alguns casos, existem não só cadernos,
mas um jornalista específico para essa função.
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11 – Personalização: Aquilo que foi citado no início dessa pesquisa,
conhecido como “interesse humano” por temas como violência, tragédias e crimes, é um ponto de extrema relevância na escolha da narrativa.
12 – O Negativo: Esse critério é explorado intensamente pelo jornalismo sensacionalista. As pessoas nutrem esse interesse pelo negativo, pela
tragédia. Coisas ruins terá um grande espaço na mídia. Se pararmos para analisar cada um desses fundamentos, veremos que
cobrir a vida de Adriano Imperador, se encaixa na maioria dos critérios, por isso sua vida profissional e principalmente pessoal sempre foi tão explorada. Notícias
sobre Adriano vendem. As pessoas, sejam elas torcedoras de futebol ou não, parecem querer saber sobre sua vida pessoal.
Ainda existe outro aspecto que é apontado por profissionais de imprensa e que na opinião de alguns deles era um dos principais motivos da
“patrulha”, digamos assim ao atleta. Imaginem um jogador de nível elevado, em um dos maiores clubes do mundo, da seleção brasileira, mas que jamais
conseguiu separar sua vida pessoal da profissional. Para o jornalista Alexandre Pretzel, essa era uma questão primordial
na relação Adriano/Imprensa. “Hoje ele não é mais notícia. Era antes porque seu
extra-campo atrapalhava o desempenho. Agora, é ex-jogador.”
Muitos dirão que ser famoso implica no fim da privacidade e que a imprensa apenas faz seu papel. Mas o papel da imprensa por muitas vezes é
deixado de lado devido a questões que estão acima do jornalista. Esse discurso para justificar uma exploração excessiva da imagem do
jogador é muito mais fácil das pessoas comprarem. E é isso que parte da mídia quer. Vender.
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8. CAPÍTULO VII – IMPÉRIO PARTICULAR: A VILA CRUZEIRO
Não há lugar como nosso lar. É certo que cada um de nós, ao menos em algum momento, já disse essa frase e é fato de esse clichê é um dos mais
verdadeiros que existe. Para algumas pessoas, aquelas que relutam em romper o laço afetivo
do lugar de onde saíram, abandonar o próprio lar é uma tarefa árdua. A explicação pode ser encontrada partindo do pensamento de que a nossa casa é o
lugar onde nos sentimos amados, confortáveis e principalmente seguros. Segurança que falta quando se é necessário abandonar esses adjetivos para
desbravar um mundo de riqueza, fama, dinheiro e sucesso profissional, tudo aquilo que Adriano alcançou ainda tão jovem.
É mais ou menos como diz o cantor Mano Brown, nos versos do sucesso de seu grupo de Rap, Racionais Mc’s, na canção “Um Homem na
Estrada”. “Equilibrado num barranco um cômodo mal acabado e sujo, / porém,
seu único lar, seu bem e seu / refúgio...”.
Guardada as devidas proporções, pode ser classificada dessa forma a relação que o atleta tem com a sua comunidade, o local onde nasceu e cresceu, a
Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, é seu lar, seu refúgio. Porém, para compreender um pouco melhor sobre o fascínio e a forma
como o jogador jamais abandonou sua comunidade, precisamos necessariamente conhecer um pouco mais sobre o local.
A favela da Vila Cruzeiro não é um reduto de pessoas que lutam por melhores condições de vida e carecem de oportunidades e vida mais digna por
acaso. Sua história foi forjada na luta ha séculos. No século XIX, logo após a Abolição e alheios a melhores condições e
da vida política econômica do país, tinha início um Quilombo. A sonhada liberdade finalmente era uma realidade e era o momento dos, naquele momento,
ex-escravos, tentarem caminhar com as próprias pernas. O endereço já estava escolhido, nas vizinhanças da Igreja de Nossa
Senhora da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi lá que os ex-escravos cariocas se abrigaram para que se tentasse estabelecer um local para sua
moradia. O local era as terras de uma fazendo que havia sido doadas pelo seu
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proprietário à Igreja Católica e não foi escolhido por acaso, pois ali eles
encontrariam nos braços de um padre abolicionista e republicano o suporte necessário.
Passado alguns séculos, o que antes era conhecido como Quilombo da Penha se transformou na Vila Cruzeiro. O local ganhou esse nome devido a uma
vila que tinha no alto do morro onde estava uma cruz. O local é atualmente a Rua Sargento Ricardo Filho.
É provável que Adriano não saiba sobre a origem do local onde nasceu, mas de alguma forma sua história de vida forjada na luta diária por
melhores condições, pelo esforço dos pais para que pudesse ir até a Gávea treinar diariamente, fez jus aqueles que deram origem a Vila Cruzeiro, lá no
século XIX. Certamente eles ficariam orgulhosos se pudessem ter conhecimento do amor do filho mais famoso por seu lar.
Nem mesmo o mundo aos seus pés nos melhores anos de sua carreira, as mansões adquiridas nos mais belos endereços, tanto na Itália, quanto
no Brasil foram capazes de fazê-lo abandonar o lugar.
Figura 14 - Adriano faz a barba em um salão improvisado no morro. Cena comum.
Foto: EGO
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Para os moradores da Vila Cruzeiro ter Adriano andando entre eles, da
mesma forma que caminhava quando o dinheiro lhe faltava, bermuda, chinelos e camisa jogada sobre os ombros é um grande motivo de orgulho.
Mas a Vila Cruzeiro tem seus problemas, e acreditem, eles não são poucos. A favela faz parte de um complexo de outras comunidades que atende
pelo nome de “Complexo da Penha”. Fazem parte dele as favelas da “Chatuba”, “Fé/Sereno”, “Vila Cruzeiro” e “Parque Proletário da Penha”.
De acordo com dados do Instituto Pereira Passos, com base em IBGE, Censo Demográfico (2010), a população estimada da Vila Cruzeiro seja de 17.000
pessoas distribuídos em cerca de 4.800 domicílios. Quando se fala do local e sempre citamos coisas relacionadas a
melhores condições ou então pela busca de uma vida digna, não existe nenhum exagero nisso. A favela da Vila Cruzeiro é apontada como uma das mais violentas
da cidade do Rio de Janeiro, sendo durante anos comandada pelo tráfico de drogas e a violência em índices alarmantes.
Figura 15 - Favela da Vila Cruzeiro
Foto: Raphael Peixoto
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A situação só veio a mudar, ainda que superficialmente, quando foi
estabelecido no estado do Rio de Janeiro um plano apontado como o maior no que diz respeito a segurança pública no país, as Unidades de Polícias
Pacificadoras (UPP), pela batuta do então secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame.
Sendo a Vila Cruzeiro uma das mais violentas da cidade, naturalmente nela estava assegurada a instalação do plano de segurança. E assim ocorreu no
dia 28 de Agosto de 2012. Antes de voltarmos a falar de forma mais clara sobre a Vila Cruzeiro,
cabe a abertura de um parênteses para entendermos o que é ou deveria ser a UPP e de qual forma ela exerce influência no dia a dia da comunidade.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, através de seu site, classifica o plano da seguinte forma.
A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um dos mais
importantes programas de Segurança Pública realizado no Brasil
nas últimas décadas. O Programa engloba parcerias entre os
governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores da
sociedade civil organizada e tem como objetivo a retomada
permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como
a garantia da proximidade do estado com a população. Além de
levar paz aos moradores da comunidade, a pacificação tem um
papel fundamental no desenvolvimento social e econômico das
comunidades, pois potencializa a entrada de serviços públicos,
infraestrutura, projetos sociais, esportivos e culturais,
investimentos privados e oportunidades.
Olhando dessa forma, uma comunidade que sofre com questões de
violência, principalmente devido ao tráfico de drogas, poderia obter um grande avanço em diversos sentidos com um plano elaborado nesses pilares de uma
sociedade mais justa para todos. Infelizmente na prática as coisas não funcionam dessa maneira, isso
quem garante são os próprios moradores ou pessoas que trabalham no local. Inclusive moradores da favela fazem questão de tratar a chegada da UPP com as
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palavras "Invasão" e "Militarização" ao contrário da "Ocupação" que é usada pela
mídia e órgãos de segurança pública. É o que explica a professora Daniela Azini, que das aulas em uma
escola da Vila Cruzeiro.
Vieram as UPP's, militarizou. Entretanto cadê a outra parte, que
são os investimentos sociais? Os investimentos em áreas de
lazer, em áreas esportivas, nas escolas, saneamento básico, não
houve essa segunda etapa. Então, por exemplo, se você pegar a
Vila Cruzeiro, algumas pessoas que moraram antes e depois da
ocupação questionam isso, que a UPP chegou, mas que benefício
houve para a Vila Cruzeiro? Veio muito pouco. Hoje eu tenho a
oportunidade de até andar mais pela favela e realmente eu vejo
que é um espaço que carece de investimentos, sobretudo na área
de saneamento básico, escolas, lazer, quadras para esportes.
Então, só a UPP não funcionou.
Figura 16 - Foto de uma das quadras disponíveis na Vila Cruzeiro para a prática de esportes. Como se pode ver, as
condições são precárias
Foto: Daniela Azini
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Evidente que a situação teve ligeira melhora em alguns pontos e isso
também é ressaltado pela professora.
Quando se faz essa crítica a UPP, a gente tem também que
relativizar porque alguns moradores, sobretudo pais de alunos, de
forma meio que velada, não fazem essa fala abertamente, até
pela questão do medo, eles também reconhecem que durante um
período dessa falsa pacificação, eles tiveram um pouco de
sossego na vida deles, eles puderam transitar de forma mais
segura por esse espaço. Por exemplo, não tinha mais a boca de
fumo na porta da sua casa, você não encontrava mais algumas
vezes corpos por alguns espaços da favela. Então isso também
precisa ser pesado nessa crítica. É isso que a gente precisa
discutir, houve essa esperança. Conheço outros professores que
trabalharam aqui antes do processo, como eu falo sempre entre
aspas, pacificação, são quase que unânimes em afirmar que
houve um período de calmaria e tranquilidade sim. Então a gente
não pode desconsiderar isso, que houve um cenário, um momento
onde tinha certa calmaria e tranquilidade na comunidade e que
isso repercutiu no próximo rendimento escolar. Os alunos
puderam ir de forma frequente para a escola, voltaram a ter uma
rotina pedagógica, porque as aulas eram interrompidas
constantemente por conta de confrontos. E é o que esta
acontecendo agora, que já vem acontecendo desde o final de
2014, isso eu posso dizer, pois já estava lá, eu cheguei em 2012,
e também em 2013 foram anos relativamente tranquilos, onde eu
particularmente não ouvi um tiro sequer perto da escola. Mas em
2014, depois da Copa já começam algumas tensões, 2015 se
intensifica e em agora em 2016 têm sido um inferno.
Portanto, vemos que a favela da Vila Cruzeiro passou por momentos de esperança, de que fosse possível depois de todo o horror que a população da
comunidade era exposta diariamente devido a violência ter um lugar onde as crianças pudessem estudar, praticar esportes, onde as famílias tivessem sua
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dignidade assegurada mas que devido a falha no projeto das UPP's hoje ela
infelizmente não usufrui desse sentimento. E é nesse cenário que Adriano é visto com frequência, sua ligação com
a Vila Cruzeiro é tão forte que nem mesmo a violência do local é capaz de afastá-lo de lá, pelo contrário, o Imperador faz da Vila Cruzeiro seu império particular, lá
ele tem não só o carinho que sempre demonstrou precisar ao longo de sua vida, mas, sobretudo lá ele tem o respeito dos moradores, sejam eles os de bem ou
aqueles que escolheram outro caminho, muito deles, amigos de infância do atleta. Para quem mora na favela ter essa proximidade daquele que poderia
facilmente abandonar de vez suas raízes, devido a fama e dinheiro conquistados, para quem vive o dia a dia da Vila Cruzeiro, como Daniela, isso é algo muito
positivo e admirado.
Nesse contexto todo temos a figura do Adriano, esse jovem que
digamos assim, teria tudo pra que, dentro dessa realidade, desse
contexto, pra dar errado, ele acaba tendo essa visibilidade através
do esporte ele acaba conseguindo sair dali em um primeiro
momento, ele vai traçar uma carreira internacional, mas que hoje
ele é visto constantemente pela Vila Cruzeiro, em bares, fazendo
a barba, cortando o cabelo nos salões da comunidade. Então ele
mantém esse vínculo ainda com a Vila Cruzeiro, o que
particularmente eu acho muito positivo, considerando a postura de
alguns atletas, de alguns jogadores depois que eles adquirem um
status social e, sobretudo mudam sua condição por causa do
dinheiro que eles ganham através do futebol. Então esse é um
aspecto que eu acho positivo na imagem do Adriano.
Quando se pensa em poder ter um lugar que se conhece a cada canto, cada rua, parar a cada esquina e ser abraçado pelo dono do bar, da padaria, ser
cumprimentado pelo vendedor de gás, é normal ter ali seu porto seguro, e como vimos Adriano sempre precisou e buscou muito isso.
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Figura 15 - Durante evento na Vila Cruzeiro, lugar de onde nunca escondeu a paixão
Foto: Zulmair Rocha/UOL
Ainda que abandonar ou mesmo tentar se desvincular de um lugar
onde a miséria e violência os acompanharam na infância, seja um direito, uma escolha pessoal de cada jogador que atinge a fama, o contrário não chega a ser
novidade, nem exclusividade de Adriano. A relação é similar, em alguns aspectos, com a de Mané Garrincha e
sua amada Pau Grande, pacato distrito do interior do Rio de Janeiro. Foi lá que "demônio das pernas tortas" como era conhecido o jogador que ficou famoso com
a camisa do Botafogo e da Seleção Brasileira, nasceu e manteve vínculos afetivos imensos, mesmo após ter conquistado as Copas de 1958 e 1962. A vida
humilde, as peladas no campinho de terra com os amigos, as conversas de mesa de bar, sem nenhum luxo ou ostentação eram o que Garrincha mais admirava e
não abria mão. Exatamente como faz Adriano com a Vila Cruzeiro. Para ambos, ter o mundo aos seus pés não foi suficiente para tirar o lar do coração.
Os aspectos que fazem o local tão atrativo para o Imperador não é tão diferente de muitos outros, uma vez que quando se conhece tão bem um lugar, as
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pessoas, sua rotina acaba ficando fácil se apegar aos pequenos detalhes que
fazem dele ser único. Morador da favela desde o nascimento, Arthur Lucena, aponta os
motivos que na opinião dele, fazem a favela da Vila Cruzeiro um lugar tão amado, você certamente notará que sua opinião vai ao encontro de tudo aquilo a que
Adriano sempre afirmou ser essencial para ele.
Moro há 30 anos na Vila Cruzeiro, ou seja, desde o meu
nascimento. E para mim o que tem de melhor aqui é o ambiente
de afinidade, onde sair na rua pra comprar algo, como ir à padaria,
demora, por termos que conversar pelo caminho, acenar pros
conhecidos, enfim, vivenciando a favela e seu clima amigável.
A visão é acompanhada pelo jovem Daniel Caldeira, de 26 anos e também morador da Vila Cruzeiro.
Acho que o que a Vila Cruzeiro tem de melhor são as pessoas, a
comunidade. Também acho que a história, uma das coisas que
identifico de melhor aqui, ainda que muita gente não conheça, da
Penha como um todo e que começa na Vila Cruzeiro por si só.
Mas acho que a festividade é bacana, cada um tem uma forma
diferente de lidar com as emoções, dentro de cada festa, cada
baile e as coisas que são geridas dentro da própria comunidade,
seja o baile funk, seja uma festa na casa de alguém, aqui ninguém
fica abalado 100% com a violência e a guerra contra as drogas o
tempo todo.
Claro que a favela tem os lados altamente negativos, isso é fato. Desde problemas como a falta de opções de lazer, cultura, saneamento básico aos já
conhecidos relacionados ao tráfico de drogas e para Daniel, esse é realmente o pior deles.
Hoje a coisa de pior que existe aqui, que eu identifico, são os
conflitos, a guerra que se tem contra as drogas. Claro que existem
outros, como por exemplo, algumas situações que causam alguns
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impactos ambientais, mas, no momento para mim o que causa o
maior estrago é a guerra contra as drogas.
Atualmente vivendo na comunidade, o jovem explica que demorou até
entender a favela da Vila Cruzeiro, um processo que custou alguns anos de afastamento.
Meu contato com a Vila Cruzeiro tem poucos mais de 16 anos,
mas foi um contato de afastamento daqui, eu não me sentia parte
daqui, não entendia a logística do local, não conhecia muito os
moradores e nem ficava muito por aqui. Frequentava algumas
festas locais, mas nada que fosse muito forte, ia por causa de
amigos, eu fui "educado" que nada daqui prestava nada era bom e
tudo o que fosse de cultura "boa" vinha de fora, procurava escutar
música clássica para parecer diferente da maioria.
A situação mudou completamente e hoje ele tenta, inclusive ter uma
proximidade maior com os moradores e ainda oferecer algo relacionado a cultura para as crianças, ainda que a tarefa seja árdua, pois como se pode imaginar,
ajuda de fora é quase zero. Olha atualmente além dos bailes não vejo algo nesse sentido, de
oferecer algo de lazer e cultura para a comunidade, eu tentei
começar um projeto de valorização de cultura e história daqui,
mas infelizmente por falta de recursos como um computador eu
tive que dar uma parada.
Sobre os aspectos que podem passar uma imagem negativa sobre a Vila Cruzeiro, o morador Arthur Lucena é um pouco mais comedido na crítica
relacionada a violência e prefere adotar um discurso de que a situação não é tão simples.
Na hora de apontar o que tem de pior na Vila Cruzeiro é
complicado, pois o que se espera como resposta de um morador
seria uma crítica ao tráfico de drogas, porém, historicamente, as
favelas já são vítimas da violência policial, figura representativa de
como o Estado trata os moradores de periferias. E tais situações
conflituosas influenciam no cotidiano e em eventos culturais, pois,
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muitos são cancelados, impedindo a percepção de como existem
saídas contra essa desigualdade social.
Hoje vemos que a favela da Vila Cruzeiro passa longe de momentos de
calmaria, por um curto espaço de tempo esse sonho esteve próximo com um projeto de segurança pública, que se implantado da forma correta, poderia
realizar o maior sonho da comunidade, a paz. Por outro lado, as favelas, de modo geral, ainda possuem aquela aura
de superação, de amor, de pessoas que se ajudam, que dividem o pouco que tem com o próximo e não se importam com isso, problemas todos os lugares tem, mas
são essas características que fazem do morro, da Vila Cruzeiro especificamente, um lugar acolhedor para qualquer um, mesmo que o filho em questão não seja
qualquer um, seja um Imperador, que ganhou o mundo, mas ironicamente fez do lugar onde muitos querem sair seu Império particular.
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9. CAPÍTULO VIII – IMPERADOR DAS MULTIDÕES
Se procurarmos no dicionário a palavra Imperador, teremos o seguinte significado: Aquele que impera. Governante de um império, ou de um grupo de
nações ou Estados. Seja na essência da palavra para definir os imperadores romanos ou
para o Imperador conhecido no mundo do futebol, o significado faz todo o sentido, pois foi exatamente o que Adriano fez, governou, futebolística falando, um grupo
de nações, seja na Europa ou Brasil. Para quem vive o futebol, sejam jogadores, jornalistas ou até mesmo
torcedores, sabe a pressão que é ser ídolo de um clube com um número elevado de fãs. A missão é das mais ingratas possíveis, espera-se de você que tenha uma
série de pré-requisitos que muitos jogadores não possuem, sendo assim acabam por sucumbir dessa jornada.
Pode-se falar uma série de coisas de Adriano, menos que ele não reunia as características necessárias para ser idolatrado. Talvez, em uma
daquelas inexplicáveis ironias do destino, ele tivesse como clube de coração exatamente o Flamengo, o clube com o maior número de torcedores do Brasil,
sua torcida conhecida como “Nação Rubro-Negra” não poderia ter um ídolo recente diferente daquele menino da Vila Cruzeiro, que levado pela mãe para
treinar no clube da Gávea mais tarde se tornaria o Imperador de outras, claro, mais principalmente dessa nação, que o abraçou em todas as vezes que
necessitou e certamente ainda o abraça. Após a primeira passagem pelo Flamengo, o jovem jogador foi
encontrar na Itália o futebol que daria o forte apelido, mas é inegável que é no clube carioca que ele encontra os maiores e mais fanáticos súditos.
É impressionante a forma como a torcida o vê, estando ele em atividade ou não. Uma idolatria por muitas vezes inexplicável, que se não o coloca
no mesmo nível de Zico, o maior de todos os ídolos do Flamengo, com toda certeza o eleva a um seleto grupo de jogadores que fizeram história no centenário
clube vermelho e preto. Em épocas de redes sociais, basta uma leve olhada nas contas
pessoais do atacante para entender o quanto ele é amado pela torcida. Basta
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aparecer uma foto simples dele realizando as mais diversas atividades do dia a
dia, para que a página seja inundada de comentários apaixonados que pedem sem nenhum constrangimento sua volta ao clube.
A história do jogador com o clube carioca é repleta de altos e baixos, como pudemos ver nas páginas anteriores, mas seja qual for o deslize que ele
tenha eventualmente cometido em algum momento, sua imagem parecer ser imune a qualquer arranhão ou rachadura. E isso é tarefa bem difícil de atingir, os
exemplos existem aos montes de jogadores ídolos, mas que por um motivo ou outro acabaram por perder esse status devido a alguma atitude, que os exigentes
torcedores brasileiros, desaprovem. Muitos torcedores, principalmente os mais jovens, o consideram um
dos maiores que já vestiram pesada camisa rubro-negra. No clube carioca foram três passagens, 94 jogos e 46 gols como profissional.
Sem o mesmo brilho foi a passagem de Adriano por outra grande equipe do futebol brasileiro com milhares de torcedores, o Corinthians.
Em março de 2011 o Imperador chegava ao Parque São Jorge para defender a camisa alvinegra, porém, a passagem pelo clube paulista não foi nem
de perto o que a torcida esperava. Com a benção do amigo e naquela altura já ídolo do Corinthians,
Ronaldo Fenômeno, Adriano tinha mais uma chance de mostrar que ainda tinha muito futebol para oferecer e tentar retribuir o voto de confiança que recebia da
torcida após passagem sem brilho pelo Roma, da Itália. O grande problema é que para muitas pessoas que acompanharam o
atleta nessa fase em São Paulo, mais uma vez a falta de comprometimento foi a grande vilã dessa história. Ainda mais porque dessa vez, Adriano seria treinado
pelo vitorioso técnico Tite, veremos em breve que os problemas entre os dois não demorariam a aparecer.
Assim como aconteceu na maioria dos clubes onde passou, principalmente após o ano de 2006, o Imperador lutava contra um grande inimigo,
seu peso. O atacante sempre teve em seu físico avantajado o grande aliado de seu futebol altamente técnico, para ele, estar bem fisicamente era essencial para
que sua habilidade fosse explorada em seu esplendor.
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Figura 16 - Adriano pega pipa durante treino no Corinthians, no clube o atacante não repetiu o sucesso dos outros clubes.
Foto: UOL
Para complicar ainda mais a situação, uma grave lesão no tendão de Aquiles o tiraria de praticamente toda a temporada. Quando chegou a São Paulo
vindo da Itália, Adriano ainda se recuperava de uma lesão no ombro, mas no mês seguinte nova contusão, a do tendão do pé esquerdo que para frustração de
todos seria necessário uma operação. Foram cinco meses parado para se recuperar, o que para um jogador
que já sofria com o problema de peso, seria terrível. Adriano voltou, mas nitidamente já não era o mesmo. Na época, especulou-se que o jogador havia
faltado a cerca de 60 compromissos profissionais, desse número a maior parte em sessões de fisioterapia.
Sobre as faltas o jogador se defendeu. Na entrevista concedida ao programa Fantástico, da Rede Globo, em abril de 2012, ele deu sua versão.
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Eu realmente não tomei os cuidados certos para que eu pudesse
estar bem, eu tenho a pura consciência disso. O pessoal do
Corinthians me orientou, mas eu fui teimoso. No começo da
recuperação eu realmente faltei muito, era o começo, eu vinha pra
cá para o Rio, aí não queria voltar no outro dia, mas, nunca deixei
de avisar, nunca, eu sempre ligava e falava “olha, eu posso ir
amanhã?” E eles sempre concordaram, nunca falaram “Olha
Adriano, não quero saber, tem que vir pra cá”
Seja avisando ou não de que faltaria, o fato é que o jogador não se recuperou totalmente, quando voltou mancava em campo, o que provocou uma
nova cirurgia no mesmo local para que o problema fosse enfim resolvido. A essa altura o comportamento do atacante já irritava aos diretores
corintianos e no dia 12 de marco de 2012, prestes há completar um ano no clube, o casamento era encerrado, a nota divulgada no site oficial do clube dava um
ponto final na relação.
Confira a nota oficial
No final da tarde desta segunda-feira, dia 12, a diretoria do Sport
Club Corinthians Paulista e o atacante Adriano decidiram, em
comum acordo, encerrar o contrato de trabalho entre as duas
partes, que era válido até junho próximo. Passo seguinte, os
representantes do atleta e o departamento jurídico do clube
negociarão os detalhes do distrato. Desta forma, Adriano não
integra mais o grupo profissional do Corinthians e, por
consequência, está dispensado de reapresentar-se amanhã com o
restante do elenco.
Pelo clube o atleta participou oito partidas tendo marcando apenas dois
gols, um deles ainda foi de grande importância, o que deu a vitória ao clube, aos 43 minutos do 2º tempo na partida contra o Atlético-MG na 34ª rodada, na reta
final do campeonato brasileiro de 2011, torneio em que o clube sagrou-se campeão.
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Em entrevista à Rádio Globo na época, o diretor de futebol Roberto de
Andrade explicou sobre a saída do atleta.
O Corinthians fez tudo para ajudar o Adriano. Ele mesmo disse
isso. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance para deixá-lo em
forma. Chegamos à conclusão que era melhor encerrar o contrato,
e ele concordou. Mas não vai sair sem receber nada. O
departamento jurídico vai sentar com ele para um acordo, mas
adianto que não há multa.
O jogador, mesmo reconhecendo que pisou na bola sobre sua
recuperação, se sentiu magoado com a decisão, uma demissão por justa causa. Cobrando cerca de R$ 50 milhões o atleta acionou o clube na justiça. O clube e o
atleta, porém, entraram em acordo, o Imperador recebeu R$ 1 milhão e encerrou a batalha judicial.
Porém, a recuperação demorada e faltas seguidas não foram os únicos motivos para que o atleta fosse demitido. Dois fatores, ligados entre si
diretamente, foram também determinantes, o seu peso e a relação com o técnico Tite.
No livro “Tite” escrito pela jornalista Camila Matoso, o treinador revela seu ponto de vista sobre como foi a relação com o Imperador no Corinthians.
Ele era muito franco. Acho que só tive tanta paciência com ele
porque era autêntico. Falava tudo na frente. Chegava e dizia: “Não
tenho condição hoje, não vai dar”. O extracampo dele era
realmente muito complicado.
Já Adriano, afirmava que não existia diálogo entre os dois. Na
entrevista ao Fantástico ele deu sua versão. “Nesse tempo todo que estive no
Corinthians, ele só conversou comigo duas vezes”.
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Figura 17 - Tite e Adriano conversam durante uma partida, na versão do atacente, cenas assim ocorreram poucas vezes durante sua passagem pelo clube
Foto: Eliária Andrade
Mas a verdade é que tanto o clube quanto o técnico tentaram de
diversas formas recuperar o jogador. Sobre isso, no livro escrito por Camila, essa questão é relatada da seguinte maneira.
Aliás, Tite cansou de pedir ajuda para tentar recuperar o
Imperador, a maior decepção de sua carreira. Não teve
fisioterapeuta Bruno Mazziotti que salvasse. Depois de um ano
trabalhando com o atacante, desistiram. Pouco antes de mandá-lo
embora, em fevereiro, Tite acordou com a comissão técnica e a
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diretoria de arriscar uma experiência inédita, a última tacada para
salvar Adriano. A ideia era que ele passasse seis dias no CT,
concentrado, com dieta específica, trabalhos de musculação e
controle de horários para dormir e acordar. Não adiantava,
mesmo. Enquanto o noticiário falava da drástica decisão do time
alvinegro, o atleta conseguiu escapar do CT.
– Ele passou quase sete dias internado, na concentração, e teve
problema de novo – diz Tite.
– Eu disse: “Não aguento mais. Tudo que eu podia fazer para
ajudar o Adriano, já fiz. Agora, vocês, como amigos, colegas,
companheiros, vão ter que ajudar. Quem quer se comprometer
enquanto equipe, pega o Adriano, por favor. Ele chegou no limite
comigo. Não dá mais. Vocês têm de ajudar” – Tite resgata suas
próprias lembranças. – Era o último choque que eu poderia dar.
Todos os outros eu já tinha dado, sendo amigo, sendo
conselheiro, sendo técnico... – comenta.
O treinador lembra que assim que ficou sabendo, convocou uma
reunião com os jogadores, mas não deixou que os novos
contratados participassem – nem o Imperador.
A verdade é que quem conhece Tite e a forma justa como ele trata os atletas, marca de seu sucesso, era de se esperar que Adriano não tivesse vida
fácil, principalmente pelo fato de ao longo da carreira, ter se acostumado a ter suas atitudes relevadas, acobertadas, tudo esperando que as regalias fossem
capazes de mate-lo motivado a participar dos jogos e decidi-los, já que era um jogador acima da média.
Mas com Tite a situação seria um pouco diferente. A jornalista publica em seu livro uma discussão mais acalorada entre os dois, quando quase
chegaram as vias de fato.
No segundo semestre de 2011, quando o técnico ainda tinha fé na
salvação, chegou a ter um momento de afronta, muito perto de um
contato físico.
– Nós nos afrontamos. Havia outras pessoas por perto. O Edu
Gaspar estava. Eu disse: “É só eu e ele aqui, e ninguém se mete”.
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E eu aumentei o tom de voz e falava: “Tu tá errado, tu faz isso, tu
faz aquilo”.
Ele respondia, aumentando o tom de voz também, um perto do
outro. Tentava falar mais alto para fazer Tite recuar.
– Ele queria me convencer de que eu estava errado. Dizia que
tava se dedicando, que tava na luta. Que não foi no treino porque
não deu, que não sei lá o quê... Que era humano. Mas ele não
tava tentando – termina Tite.
Toda a situação envolvendo o peso de Adriano teve dois capítulos cruciais, que minaram qualquer possibilidade de reconciliação entre o jogador,
treinador e clube. O período de sete dias, em regime de concentração total imposto pelo
clube ao jogador, em uma tentativa final de coloca-lo em forma foi um deles. Mesmo tendo acatado a decisão, o Imperador fez questão de deixar claro durante
sua entrevista ao Fantástico o que achou do “castigo”.
Eu fiquei lá dentro uma semana preso, não falei um “A”, eu aceitei,
mas em nenhum momento o Corinthians falou que eu tinha
aceitado pra ficar, eles passaram que foi tipo um castigo, para
mostrar pra todo mundo que no Corinthians não tem moleza. É
ruim, em certo ponto eu estava me sentindo até um pouco
humilhado.
Para o então diretor de futebol, Roberto de Andrade, a demora para
que o jogador tivesse apto a jogar e devolver não só a confiança do treinador, mas também os investimentos financeiros pesaram na decisão.
O problema foi a demora em colocá-lo bem fisicamente. Isso
derrubou a confiança, porque é chato ficar treinando físico, abateu
um pouco o Adriano. Mas isso faz parte. Talvez ele não tenha tido
paciência, e acabou havendo um desgaste de todas as partes -
O outro episódio polêmico envolvendo Adriano no clube foi o caso da
balança, quando o jogador se recusou a subir na balança para se pesar, pratica
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comum com todos os jogadores, até mesmo para que os departamentos médico e
físico possam estipular a melhor rotina de treinos do jogador. De acordo com reportagens da época, no dia 9 de março de 2012. Os
jogadores passaram pelo procedimento no CT Joaquim Grava, todos cumpriram a atividade, menos Adriano. Irredutível o jogador se recusou a subir na balança
mesmo com a insistência dos preparadores físicos do clube. A atitude chegou aos ouvidos de Edu Gaspar, gerente de futebol na ocasião e do técnico Tite. Sem
pensar duas vezes o treinador tirou o atleta da relação de jogadores que enfrentariam Guarani e Cruz Azul (México).
Figura 18 - Passagem com pouco brilho e briga na justiça com o Corinthians
Foto: Daniel Augusto Jr.
Dessa maneira melancólica, a passagem do jogador estava encerrada. Os clubes que contratavam o jogador de certa forma tinham a consciência de que
o Imperador era um atleta que trazia grande bagagem de aspectos altamente positivos e outros negativos, saber encontrar o equilíbrio entre as duas partes era
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o grande desafio. Se faltaram os gols, as arrancadas, os títulos sobraram as
polêmicas. Ao menos no Corinthians, Adriano levou apenas parte da bagagem.
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10. CAPÍTULO IX – SONHO AMERICANO
Após a traumática demissão do Corinthians Adriano ainda mantinha o desejo de seguir jogando. Do ponto de vista técnico ele ainda de fato tinha alguns
anos de futebol em alto nível, afinal de contas era um jogador de apenas 30 anos. Se já não era mais um garoto se encontrava em uma idade onde o jogador
geralmente acabou de atingir seu ápice. Os exemplos são muitos, Romário jogou até os 40 anos, o meia
atacante Zé Roberto seguiu jogando após completar a mesma idade, e se usarmos exemplos um pouco mais distantes, guardadas as devidas proporções e
sem nenhum tipo de comparação, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo se revezam como melhores do mundo bem próximos dos 30 anos.
O grande problema é que para alcançar esse tipo de nível é necessário se cuidar, não apenas da carreira, mas principalmente do físico, algo que, seja
qual forem os motivos, já ficou claro que não foi o que Adriano fez ao longo de sua carreira.
Assim que encerrada sua curta temporada no Corinthians, magoado e desacreditado, não era muito difícil de prever qual seria sua próxima parada, o
clube de seu coração, onde era amado, idolatrado, tinha dado um título brasileiro três anos antes, o Flamengo.
E foi exatamente o que aconteceu. Estando o clube na gestão da presidente Patrícia Amorim, o Imperador chegava no dia 22 de outubro de 2012
ao clube para sua terceira, e última, passagem pelo clube carioca. O contrato era até dezembro, previa uma remuneração por produtividade e caso o atacante
retomasse o alto nível das atuações, seria revisto e prolongado. Visivelmente fora de forma o Imperador beijou o escudo do clube na
camisa, com o tradicional número 10 as costas e apresentou um discurso que parecia animador, mesmo com os sete meses sem disputar uma partida oficial.
Quero deixar aqui minha gratidão a todos que torceram por mim
na superação de mais um obstáculo na minha vida. Agora é
honrar a camisa da “casa” que sempre foi minha com muitos gols.
Impossível descrever a alegria e emoção que estou sentindo
nesse momento. Obrigado Deus, obrigado ao meu empresário
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Luca, que ficou ao meu lado esse tempo todo, obrigado meus
amigos, minha família, aos profissionais que me ajudaram e,
agradeço imensamente também, aos torcedores do Flamengo,
que fizeram toda a diferença! As mensagens no Twitter me deram
muita força nessa recuperação. Contem comigo – disse em
comunicado via assessoria de imprensa na ocasião.
Sob o comando do treinador Dorival Junior, Adriano começou a treinar para entrar em forma, chegou até perto disso, porém, não o bastante para voltar a
dar alegrias à torcida rubro-negra. As já conhecidas faltas e atrasos estavam de volta e no dia 07 de novembro sem sequer entrar em campo uma única vez em
partidas oficiais, Adriano entrava novamente na sala de imprensa do CT Ninho do Urubu, em Vargem Grande, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, a mesma
onde meses antes falava que estava disposto a recomeçar, só que dessa vez seria para se despedir.
Bom dia mais uma vez. Estou aqui para dar uma satisfação,
explicar a decisão que tomei com minha família. Tomei essa
decisão porque eu acho que esse ano... Acho, não, tenho certeza
que esse não seria o ano que poderia representar o futebol como
sei fazer. Tenho que resolver algumas coisas particulares e resolvi
me afastar do Flamengo para resolver essa parte e para não
atrapalhar o Flamengo. Agradeço o Flamengo por abrir a porta,
por dar carinho e apoio, vão continuar me dando, conversei com o
Zinho esses dias todos. Me apoiou, me queria aqui, mas acho que
essa decisão vai ser boa para mim. Tenho muita coisa para
resolver. Se não resolver essa parte, vou atrapalhar o Flamengo –
afirmou durante entrevista coletiva.
Ainda na mesma coletiva, o Imperador ainda fez uma surpreendente
mea culpa, direcionada justamente aqueles que durante anos ele julgou serem
seus inimigos. Quero agradecer a vocês (jornalistas) também, desculpa por
qualquer coisa. Todo mundo tem problemas, eu também tenho os
meus. Felizmente estou podendo resolver. Não queria ficar
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faltando aos treinos. Estou muito tranquilo e consciente do que
estou fazendo. Em 2013 estarei aqui para recomeçar, se Deus
quiser - concluiu.
A expectativa não se cumpriu, o Imperador só voltou aos campos em dezembro de 2013, dessa vez para jogar no Atlético-PR, mas o final da passagem
não foi muito diferente da daquela que teve no anterior no Flamengo, muitas faltas, apenas um gol marcado e fim do ciclo no clube por dispensa apenas seis
meses de chegar. Atualmente o futebol brasileiro briga com outros mercados quando
pensa em ou repatriar um grande jogador que está na Europa ou manter aqui um que está já em fase final de carreira, o futebol dos Estados Unidos da América.
Após sediarem a Copa do Mundo de 1994, os norte-americanos que aparentemente nunca foram muito ligados ao futebol, principalmente se
comparado aos tradicionais, basquete, beisebol e Nascar, por exemplo, e também por boas campanhas nas copas seguintes, passaram a investir no esporte.
Para lá foram uma série de craques, mas que já caminhavam para o fim de suas brilhantes carreiras, como Kaká, por exemplo.
No dia 29 de janeiro de 2016, aos 34 anos, e em um confuso negócio, o Imperador era anunciado pelo Miami United após adquirir 40% das ações do
clube. Porém, só se apresentou em março para disputar seus primeiros jogos. Na estreia pelo clube a derrota por 5x0 para Miami Fusion, na abertura da National
Premier Soccer League (NPSL) já deixou o atacante desconfortável, o que já o fez ir para o Rio, onde passou nove dias.
Na passagem pelo clube dos Estados Unidos Adriano disputou apenas um outro amistoso, onde marcou um gol de pênalti. Mas de forma estranha e sem
muitas explicações claras, o clube anunciava o fim da passagem apenas quatro meses depois da chegada.
Era o fim do sonho americano para o Imperador e para muitos, o encerramento, de fato, da carreira do atacante.
Embora sua assessoria de imprensa afirme que ele não encerrou a carreira e que segue aguardando propostas, essa é a versão oficial. No entanto, a
de quem acompanha o esporte é quase unanimidade que o jogador já é apenas
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uma sombra do craque que foi e que sua carreira já poderia ter sido encerrada
após o fracasso no Atlético-PR, a última grande oportunidade que ele teve, e com a certeza, a última grande desperdiçada.
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11. CAPÍTULO X – FIM DO IMPÉRIO
Para quem acompanha o esporte mais popular do Brasil de forma mais efetiva com toda certeza já ouviu dizer a famosa frase que “jogador de futebol
morre duas vezes”, a primeira é quando abandona a carreira.
Isso acontece, pois, ao menos em sua maioria, os atletas acabam não
se dando conta de que ao contrário de qualquer outra profissão, a carreira de jogador é curta. Levando uma vida regrada, se dedicando aos treinos e cuidado
do corpo, um atleta tem cerca de 20 anos apenas jogando em um bom nível. Nessa profissão, com 35 anos o jogador já é considerado velho, aos
40, praticamente acabado para o futebol. Aí chega a hora de parar e quem achou que a festa nunca acabaria ela infelizmente acabou.
Vemos uma série de jogadores que simplesmente não aceitam a aposentadoria e tentam continuar jogando mesmo quando o corpo não suporta mais a pesada carga de treinos, viagens e jogos, são os famosos “ex jogadores
em atividade”, expressão tão comum no meio boleiro.
Isso sem contar outro grande problema, que é quando o atleta não se prepara financeiramente para a aposentadoria, não faz uma economia quando
jogava, não investe em algo que irá lhe dar retorno quando abandonar os campos. Como resultado vemos uma longa lista de ex jogadores na miséria,
passando necessidades, abandonados no ostracismo, algo muito diferente dos tempos de glória.
Alguns jogadores ainda acreditam com todas as forças serem vítimas de uma grande injustiça, que quando pararam de dar retorno financeiro ou técnico
para os clubes ou quando passam por problemas de contusão, foram abandonados, esquecidos, isso nem sempre acontece.
Mais uma vez usando o exemplo de Mané Garrincha e sempre guardando as devidas proporções, o jogador por muito tempo, quase que até a
sua morte, se queixou de que foi explorado e esquecido pelo povo e pelas pessoas do meio do futebol. Explorado, de fato ele foi, como é mostrado de forma
muito contundente no livro de Ruy Castro, “Estrela Solitária”, mas se queixar de não ter recebido ajuda, Garrincha não podia. Foram inúmeras as tentativas de
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reerguer o gênio contra seu vício pelo álcool. Talvez as tentativas não fossem
feitas da forma correta, mas que existiram isso é fato. Então, por vezes a proximidade do fim da carreira e a aposentadoria
consumada podem pesar tanto na vida de alguns atletas. O sucesso e a fama são coisas que, se não forem muito bem administradas, são difíceis de aceitar que em
algum momento deixarão de ser o dia a dia em sua vida. Por esses e alguns outros motivos se diz que o fim da carreira é a
primeira morte do jogador. No caso de Adriano, acredito que não se encaixe nessas situações
citadas, ao menos em algumas delas. Ao longo da carreira na mesma medida que acumulou problemas extra-campo o Imperador conquistou uma grande fortuna, ao
menos é o que se imagina. Mas tem nos amigos e na família a estabilidade que ele acredita serem as coisas que o deixam mais feliz.
Embora a declaração oficial por parte do Imperador é a de que, ao menos no momento, ele não encerrou a carreira, é difícil imaginar que ainda
tenha condições de atuar em alto nível. Após a passagem frustrada pelos Estados Unidos, o atacante não
voltou a jogar mais, se mantém de certa forma recluso para a imprensa, é uma grande dificuldade ter acesso para uma entrevista com ele.
Atualmente, em épocas onde as redes sociais são uma ferramenta de extrema importância da figura pública com os meios de comunicação e com o
próprio público. A imagem que temos do Imperador em suas contas pessoas na internet é a de uma pessoa que após a carreira curte a vida.
Na sua amada Vila Cruzeiro, vemos a figura do jogador em festas, eventos na comunidade, brincando com as crianças, cortando o cabelo e fazendo
a barba nos salões improvisados na favela, e sempre mostrando uma humildade e simplicidade que pautou sua carreira.
Por mais que seja uma pessoa bem sucedida financeiramente, o Imperador não abandona o visual que inclusive já lhe causou problemas quando
jogava, como no episódio da bolha no pé, a camisa pendurada no ombro, bermuda e chinelos de dedo.
Se o futuro ainda reserva algo dentro de campo para Adriano é difícil prever e ao mesmo tempo em que se afasta cada vez mais da vida pública, o
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interesse da imprensa por sua vida vai diminuindo gradativamente. É a forma
como a relação foi construída. Enquanto jogava e sua conturbada vida noturna interferia em seu
rendimento, o atleta era notícia, era uma fonte segura de boas matérias, seja para a imprensa esportiva ou não. Agora, já em uma fase onde o interesse por sua
vida particular claramente não é o mesmo, pelo fato de não estar jogando, é um personagem pelo qual jornalistas podem não ver mais tanta razão em cobrir.
Isso é algo normal e talvez seja o que o jogador sempre buscou ao longo da carreira, poder viver a vida da forma como ele gosta, sem ter a
preocupação de ser esconder de câmeras e microfones. É provável que ele não tenha se dado conta que isso seria impossível quando jogava, consegue agora,
pois o futebol em sua plenitude já passou para ele. Ele ainda é uma figura pública, ainda é um influenciador na vida de
muitos torcedores, basta uma rápida olhada nos comentários em suas publicações nas redes sociais para entender perfeitamente que a figura do ídolo,
do craque, do Imperador arrancando em velocidade com a bola nos pés e marcando o gol do título ainda está muito viva na memória dos torcedores. Ou
seja, qualquer coisa que ele faça, boa ou ruim, ainda irá impactar de forma contundente na vida de muitos outros jovens.
É uma responsabilidade que, justa ou não, pessoas como ele carregam. Saber lidar com isso é a grande dificuldade.
Talvez esse não tenha sido um problema para Adriano durante a carreira, é provável que seus conflitos internos tenham sido mais devastadores do
que essa responsabilidade, isso só ele mesmo é quem pode afirmar. Mais é fato que dono de uma personalidade forte, carregada de certa
inocência para lidar com tudo o que envolve a vida de um grande craque, o jogador teve uma carreira intensa em tudo o que envolve a profissão, dinheiro,
fama, polêmicas, brigas com a imprensa. Mas pode-se dizer qualquer coisa sobre o jogador, menos de que não
foi sincero e justo com aquilo que ele próprio acreditava e foi dessa forma que sua carreira foi construída. Certamente é o que se espera de um Imperador, seja ele
de Roma ou da Vila Cruzeiro.
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Figura 19- O grande momento com a camisa da seleção brasileira, gol aos 47 minutos do segundo tempo, na decisão da Copa América de 2004, contra a rival Argentina
Foto: UOL
Figura 20 - Com a camisa 10 da Inter de Milão, Imperador vive seu auge na Itália
Foto: Reprodução
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Considerações finais Para a elaboração do trabalho em questão, foi feita uma análise sobre
diversos aspectos que pautam a forma como a mídia em geral, mas de forma específica a esportiva, escolhe, apura e veículo informações sobre determinado
assunto. Tendo como objeto de pesquisa o jogador Adriano Leite Ribeiro, o
trabalho teve como principal objetivo ser capaz de determinar se a carreira do atleta sofreu uma exposição demasiada pelos meios de comunicação e
publicações da crônica esportiva. Após todo o processo de levantamento de dados, pesquisas, leituras
dos principais, jornais, revista e portais na internet sobre o assunto, é possível que concluir que a relação entre o jogador de futebol e a imprensa foi de certa
maneira conturbada muito mais por certa inocência do atleta, uma autenticidade que não é comum no mundo esportivo.
Muitas vezes sincero ao extremo, o jogador acabava por não se dar conta que estava oferecendo grande material para que os jornalistas fizessem
matérias que invariavelmente seriam relacionadas a sua vida pessoal, uma vez que a parte profissional era diretamente afetada.
Por outro lado, o trabalho conclui que certa ala da imprensa se aproveitou, de certa maneira, desse modo de ser do atleta para que uma série de
matérias sensacionalistas fossem criadas, explorando sua imagem sempre em um aspecto negativo, seja através de manchetes tendenciosas, escolha de fotos
para publicação que não condiziam com o texto, invasão de privacidade, entre outras falhas éticas, jornalisticamente falando. Essa afirmação, inclusive, foi
levantada por diversas fontes entrevistadas para esse trabalho.
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Referências bibliográficas
LIVROS
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• MARTINO, Luis Mauro Sá. Teoria da Comunicação: Ideias – 5ª ed..
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. 292p.
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8ª ed.. Lisboa: Presença, 1995. 255p.
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SITES
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• PORTAL G1: FANTÁSTICO. Adriano diz que vai brigar na Justiça contra o Corinthians. Disponível em
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2012/04/adriano-diz-que-vai-brigar-
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http://extra.globo.com/esporte/adriano-queima-pe-em-moto-esta-vetado-
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• PORTAL JORNAL O DIA. Moto de R$ 35 mil para mãe de 'pessoa ruim'. Disponível em http://odia.ig.com.br/portal/ataque/flamengo/moto-
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