UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE CCAATTÓÓLLIICCAA PPOORRTTUUGGUUEESSAA
FFAACCUULLDDAADDEE DDEE TTEEOOLLOOGGIIAA
RRAAZZÃÃOO,, EEMMOOÇÇÃÃOO EE
IINNTTEELLIIGGÊÊNNCCIIAA EESSPPIIRRIITTUUAALL
EEMM EEDDIITTHH SSTTEEIINN
César Miguel Silva Costa
210106776
Trabalho realizado para o Seminário
Neurociências, inteligência espiritual e
teologia no Ocidente da Professora
Doutora Isabel Varanda.
BBRRAAGGAA
MMAARRÇÇOO 22000088
Página 1
ÍÍNNDDIICCEE
ÍNDICE .......................................................................................................................... 1
BIOGRAFIA DE EDITH STEIN ........................................................................................... 4
ESCRITOS E OBRAS DE EDITH STEIN ............................................................................. 11
PERÍODO FENOMENOLÓGICO (1916-1922) ....................................................................... 12
� Aproximação à filosofia cristã (1925-1931) ........................................................ 13
� Conferências (1928-1931) ................................................................................... 14
PERÍODO ANTROPOLÓGICO-TEOLÓGICO (1932-1933) .......................................................... 15
PERÍODO MÍSTICO-ESPIRITUAL (1933-1942) ..................................................................... 15
� De carácter autobiográfico ................................................................................. 16
� Meditações espirituais ........................................................................................ 16
� Escritos histórico-doutrinais ................................................................................ 17
� Escritos de espiritualidade e mística ................................................................... 17
� Obras literárias .................................................................................................... 18
RAZÃO, EMOÇÃO E INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL ............................................................. 20
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 27
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 28
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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
No âmbito da unidade curricular – seminário – do campo da teologia,
Neurociências, inteligência espiritual e teologia no Ocidente, entre os vários temas
propostos para trabalho e apresentação oral e escrita propus-me trabalhar este sobre
uma das grandes personalidades do século XX: Edith Stein.
Como abertura deste trabalho gostaria de começar com um texto da escritora
norte-americana Oriah Mountain Dreamer, que se ajusta e enquadra perfeitamente com
esta grande mulher, que ao longo de toda a sua vida percorreu o árduo e fascinante
caminho de busca da verdade:
“Não me interessa qual é o teu modo de vida.
Quero saber o que anseias, e se ousas sonhar conhecer os desejos do teu coração.
Não me interessa que idade tens.
Quero saber se arriscas procurar que nem um louco o amor, os sonhos, a aventura
de estar vivo.
Não me interessa saber quais os planetas que estão em quadratura com a tua lua.
Quero saber se tocaste o centro da tua própria dor, se estiveste aberto às traições
da vida ou se te encolheste e te fechaste com medo de outros sofrimentos! Quero saber se
consegues sentar-te com a dor, a minha ou a tua, se te mexeres para te esconder,
disfarçar ou compor. Quero saber se consegues viver a alegria, a minha ou a tua; se
consegues dançar com loucura e deixar que o êxtase te encha até às pontas dos pés e das
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mãos sem nos advertires para termos cuidado, sermos realistas, ou nos relembrares as
limitações de ser humano.
Não me interessa se a história que me contas é verdadeira.
Quero saber se consegues desapontar o outro para seres verdadeiro contigo
mesmo; se consegues suportar a acusação de traição e não atraiçoares a tua própria
alma.
Quero saber se consegues ser fiel e, por isso, digno de confiança. Quero saber se
consegues ver beleza mesmo num dia não muito bonito, e se consegues alimentar a tua
vida da presença de Deus. Quero saber se consegues viver com o erro, teu e meu, e
mesmo assim ficar de pé à beira de um lago e gritar à Lua prateada, «Sim!».
Não me interessa onde vives nem quanto dinheiro tens.
Quero saber se, depois de uma noite de dor e desespero, exausto, dorido até ao
tutano, consegues levantar-te e ocupares-te das necessidades das crianças.
Não me interessa quem és, como chegaste aqui.
Quero saber se permaneces no centro do fogo comigo sem te ires embora.
Não me interessa onde ou o quê ou com quem estudaste.
Quero saber o que te sustém interiormente quando tudo o mais cai à tua volta.
Quero saber se consegues estar só contigo mesmo; e se verdadeiramente gostas da
companhia que tens nos momentos vazios”1.
1 O Convite, de Oriah Mountain Dreamer, escritora norte-americana, Maio de 1994. ZOHAR, Danah –
MARSHALL, Ian – Inteligência Espiritual. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004.
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BBIIOOGGRRAAFFIIAA DDEE EEDDIITTHH SSTTEEIINN∗∗∗∗∗∗∗∗
Apresentar Edith Stein e sua grande personalidade numas poucas pinceladas é uma
tarefa difícil e diria mesmo redutora, dado que, de todas as personagens do século
transacto, de poucas se escreveu tanto e de forma tão diversificada como desta mulher
(mais de duzentas biografias em todo o mundo).
Edith Theresa Hedwing Stein, beatificada a 1 de Maio de 1987 e canonizada a 11 de
Outubro de 1998 pelo Papa João Paulo II, foi nomeada em finais do século XX (1999)
padroeira da Europa “pelo particular contributo cristão que outorgou não só à Igreja
Católica, mas especialmente à mesma sociedade europeia através do seu pensamento
filosófico”2 e porque soube viver momentos transcendentais da história deste velho
continente partindo da lucidez da razão e da fé, com integridade humana e cristã, sendo
vítima testemunhal de uma história marcada pela sem-razão, pelo desprezo do humano e
do divino.
Breslau é a capital da Baixa Silésia, situada entre a Europa oriental e ocidental, nas
margens do rio Odra. Esta cidade especialmente simbólica no destino da Europa, ponto
de conflito entre a Alemanha e a Polónia e ponte entre a cultura germânica e eslava viu
nascer Edith, de origem judaica, a 12 de Outubro de 1891. Esta data coincide, nesse ano,
∗ Para esta resenha biográfica sucinta confrontar a biografia que nos apresenta a Introdução geral “I. Uma personalidade impactante e o seu significado”. Obras Completas de Edith Stein. Escritos autobiográficos y Cartas. Dir. Julen Urkiza e Francisco Javier Sancho. Vol. I. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002; e PASCUAL, Laurentino Novoa, cp – Edith Stein: Pasión por la Verdad, Pasión por Dios. Revista STAURÓS, Teología de la Cruz. Madrid. N.º 39 (2003) pp. 67-90. 2 WIKIPÉDIA, Enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Edith_stein. 16-11-2007 18:15.
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com a grande festa judaica da Expiação ou Reconciliação. Podemos dizer que este é um
símbolo do que foi a sua vida: uma vida vivida em reconciliação entre a razão e a fé, o
judaísmo e o cristianismo, a religião e a cultura, a tradição e o futuro, oferecida como
expiação pelo seu povo e pelo bem comum.
Nascer em finais do século XIX numa família judaica e em território prussiano
significava ter a oportunidade de crescer num ambiente liberal e mais aberto, mas o facto
de ser mulher implicava ultrapassar uma quantidade de barreiras discriminatórias, que
farão sofrer Edith e pelas quais lutará em toda a sua vida.
Esta marca judaica estará bem presente em toda a sua vida, mesmo depois da sua
conversão ao cristianismo, sobretudo quando se lança na aventura, arriscando tudo e
enfrentando todos: “O judeu é capaz de ser tenaz, esforçado, e incansável; suportar
privações ano após ano, mas enquanto tenha a meta diante dos seus olhos…”3.
Sua mãe, Auguste Courant, cujo marido, Siegfried Stein, falece no verão de 1983,
antes de Edith completar dois anos de idade, teve de assumir o negócio de madeiras do
marido e educar a família nunca lhes faltando com nada: sete filhos vivos (quatro haviam
morrido prematuramente) dos quais Edith é a última. É uma mulher com uma profunda
fé judaica e que esteve sempre muito unida a Edith ao longo de toda a sua vida,
marcando-a profundamente.
Na sua infância e juventude, como ela própria descreve na sua Autobiografia onde
narra detalhadamente o seu dia-a-dia num lar judeu, manifesta um temperamento tenaz,
3 Autobiografia, II, 2.1. Obras Completas de Edith Stein. Escritos autobiográficos y Cartas. Dir. Julen Urkiza e
Francisco Javier Sancho. Vol. I. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002, p. 212.
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independente, livre, dinâmica e de uma capacidade intelectual extraordinária. Com
catorze anos e meio decide deixar a escola (o que a todos surpreende) e abandonar
conscientemente a religião, dada a infinidade de perguntas, dúvidas e falta de
argumentos que a assaltam. Sua mãe, preocupada, envia-a a Hamburgo, cidade onde
reside a sua irmã mais velha Else com o seu marido. Este tempo aí passado transforma-a
radicalmente e Edith começa a identificar-se com um humanismo prático e a centrar a
sua atenção no problema da existência da humanidade e no sentido da vida do Homem.
Retoma os estudos como forma de responder a essas inquietudes, e conclui-os com
grande êxito em 1911.
De volta a Breslau inicia os seus estudos universitários em psicologia, filosofia,
história e germanística. Nesse período, o número de mulheres na universidade era muito
reduzido, dado que na Alemanha tal só passou a ser permitido a partir de 1901. Orienta
os seus estudos com o objectivo de chegar a descobrir a verdade que explique o homem
e em que se fundamenta a sua dignidade. Mas a visão reducionista e mecanicista do ser
humano tanto da psicologia como da filosofia não a satisfazem. Posto isto começa a
atravessar uma crise intelectual que a leva a interessar-se pela nova corrente filosófica
iniciada por Edmund Husserl, quando lê Investigações lógicas, do dito filósofo.
Completamente entusiasmada pelo método fenomenológico, em 1913 muda-se para a
universidade de Göttingen, onde leccionava Husserl e onde está em plena ebulição o
círculo fenomenológico.
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Com o seu método, Husserl afasta-se do idealismo para partir em busca das coisas
(fenómenos) e chegar assim à sua verdadeira realidade sem prejuízos subjectivos. É
precisamente esta busca da verdade que entusiasma Edith Stein.
Começam agora a dar-se os primeiros passos de uma profunda transformação
interior. O primeiro grande impulso neste caminho de conversão recebe-o de Max
Scheler, filósofo judeu convertido ao cristianismo, que conheceu na universidade: “Este
foi o meu primeiro grande contacto com este mundo para mim completamente
desconhecido. Não me conduziu à fé, mas abriu-me a uma esfera de «fenómenos» ante
os quais nunca mais poderia passar cegamente”4. Mas Edith tem ainda um longo caminho
a percorrer. Husserl tinha a filosofia como auge do saber; não sendo cristão respeitava a
religião. Aceita orientar-lhe a tese sobre a Empatia na qual se aplica com todas as suas
forças.
No ano seguinte rebenta a I Guerra Mundial que despertou em Edith o seu sentir
patriótico. O encontrar-se com a doença, com a dor, com a morte e o contemplar de
perto os desastres da guerra ajudam-na no seu processo de busca da verdade. Inscreve-se
como enfermeira voluntária na Cruz Vermelha relegando para segundo plano os seus
estudos.
Entretanto Husserl havia-se mudado para a universidade de Friburgo. É aqui que
Edith, depois de ter retomado os estudos, defenderá a sua tese de doutoramento: Sobre
o problema da Empatia. Com esta tese pretende completar a filosofia imanente da
4 Autobiografia, II, 6.1. Obras Completas de Edith Stein. Escritos autobiográficos y Cartas. Dir. Julen Urkiza e
Francisco Javier Sancho. Vol. I. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002, p. 366.
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consciência do seu mestre através da intuição, o que lhe abre a razão à possibilidade da
fé. Obtém nota máxima, «summa cum laude» e é eleita pelo próprio Husserl como sua
assistente, o que faz dela uma pioneira: objectivos e função nunca antes exercidos por
uma mulher na Alemanha. Durante cerca de dois anos que está como assistente do seu
mestre (1916-1918) dedica-se essencialmente a ordenar o imenso trabalho de Husserl.
Entretanto, continuando o seu processo de busca da verdade, vai-se abrindo cada
vez mais à realidade da fé. A morte em combate de um seu amigo, A. Reinach, em finais
de 1917 e a reacção cristã da viúva, foi para Edith uma experiência forte e essencial nessa
sua abertura à fé, começando a sentir no mais íntimo de si mesma o desejo ardente de
crer.
Em 1918 deixa voluntariamente o seu cargo de assistente, que para ela significava
ao mesmo tempo trabalhar lado a lado com o seu mestre, mas também o ficar presa a um
trabalho mecânico de secretaria. Regressa à sua cidade natal e tenta aceder a uma
cátedra universitária, o que não chega a conseguir dada a sua condição de mulher.
Em 1921, após pouco mais de um ano de crise e sofrimento interior, que podemos
chamar noite espiritual, e após a leitura de O Livro da Vida de Santa Teresa de Jesus, Edith
converte-se. Nesse livro biográfico de Santa Teresa vê-se retratada e sente que Deus se
lhe manifesta com clareza e de forma iluminadora. Sente-se transformada de uma forma
surpreendente, o que não consegue perceber com a razão. Edith nunca afirma que nesse
livro encontra a verdade mas descobre algo que a filosofia nunca lhe tinha ensinado: Deus
é amor, e põe assim fim à sua grande busca da verdadeira fé.
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A presença desta personalidade no seio da Igreja Católica alemã dos anos 20 é
providencial. Esta é a época áurea do catolicismo alemão, quer pela presença de diversos
católicos qualificados no mundo político e social que farão ressaltar a consciência da co-
responsabilidade assim como da aproximação da Igreja ao mundo cultural, quer pelo
despontar da nova intelectualidade católica moderna – Rahner, Von Balthasar, Metz –,
criando assim os gérmenes da nova cultura católica que se universalizará no Concílio
Vaticano II.
No despontar do movimento feminista católico, Edith desempenha um papel
importante onde, através das conferências que se conservam até aos dias de hoje,
ressalta a necessidade da mulher tomar consciência da sua vocação, nas suas dimensões
natural e sobrenatural.
Desde a sua conversão procura levar uma vida de oração e a partir de 1923, e
durante oito anos, lecciona literatura e língua alemã num colégio das Irmãs Dominicanas.
A partir de 1928 entra em contacto com a abadia beneditina de Beuron e aí, por várias
vezes, se retira para se dedicar mais intensamente à oração. Traduz De veritate de S.
Tomás de Aquino entrando assim em contacto com a filosofia escolástica.
Em 1931 deixa a leccionação no colégio e no ano seguinte é nomeada professora de
antropologia e pedagogia na universidade, mas com o triunfo de Hitler em 1933 acaba
por não exercer funções.
Iniciando a perseguição aos judeus, Edith compreende que chegou o momento de
opções, mas não sabe o quê nem como.
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A 14 de Outubro de 1933, solenidade de Santa Teresa de Jesus, ingressou no
Carmelo de Colónia, onde no ano seguinte toma o hábito carmelita e o nome de Teresa
Benedita da Cruz e onde a 21 de Abril de 1935, domingo de Páscoa, emite os primeiros
votos (votos temporários). A 14 de Setembro de 1936, à mesma hora que Edith, agora
Irmã Teresa, renovava os votos, morria a sua mãe.
A 27 de Abril de 1938, dias depois de fazer a sua profissão perpétua e solene,
morreu o seu admirado mestre Edmund Husserl.
Entretanto, e como a situação política ia piorando, a Irmã Teresa transladou-se para
o convento de Echt (Holanda) a 31 de Dezembro de 1938, onde também é acolhida a sua
irmã Rosa como terciária carmelita. Mas nem aqui estava a salvo. Em Maio de 1940 as
tropas hitlerianas ocupam a Holanda e, como represália aos protestos do clero holandês
pela perseguição aos judeus, em Agosto de 1942 são deportados todos os judeus
católicos residentes em Holanda, entre os quais a Irmã Teresa Benedita da Cruz e sua
irmã Rosa, para o campo de concentração de Westebork. No dia 7 de Agosto são enviadas
para outro campo de concentração, Auschwitz, onde acabariam por morrer nas câmaras
de gás, a 9 de Agosto desse mesmo ano de 1942, tendo a Irmã Benedita da Cruz 50 anos.
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EESSCCRRIITTOOSS EE OOBBRRAASS DDEE EEDDIITTHH SSTTEEIINN∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗
Como já tivemos a oportunidade de ver, Edith Stein, ou Irmã Teresa Benedita da
Cruz, é uma figura de referência do século passado, pela sua adesão ao cristianismo, pelo
seu pensamento filosófico e teológico e pelo esforço na defesa dos direitos da mulher.
Ao longo da sua vida estabeleceu relações com outras grandes personalidades de
então que serão uma ajuda no seu caminhar. Entre outros destacam-se o seu mestre e
amigo Husserl, M. Heidegger, que conheceu aquando da sua estadia em Freiburg, E.
Peterson, teólogo e biblista protestante, a mística Theresa Neumann, que conheceu antes
do seu ingresso no Carmelo, entre outros.
Santo Agostinho, São Francisco de Assis, São João da Cruz, Santa Teresa de Jesus e o
cardeal J. H. Newmann são alguns dos autores cristãos que influenciaram de forma
peculiar a sua obra.
A sua obra é sumamente ampla e variada, de distintos tipos literários, focando
diversos temas e na qual a pessoa humana, em todas as suas dimensões, ocupa um lugar
central.
Toda a sua produção literária pode ser dividida cronologicamente em três períodos:
1º o período fenomenológico (1916-1922); 2º o período antropológico-teológico (1932-
∗∗ Para esta apresentação dos Escritos e Obras de Edith Stein confrontar Introdução geral “II. Escritos: Temas, manuscritos, Publicações.”. Obras Completas de Edith Stein. Escritos autobiográficos y Cartas. Dir. Julen Urkiza e Francisco Javier Sancho. Vol. I. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002; e PASCUAL, Laurentino Novoa, cp – Edith Stein: Pasión por la Verdad, Pasión por Dios. Revista STAURÓS, Teología de la Cruz. Madrid. N. º 39 (2003) pp. 67-90.
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1933); 3º o período místico-espiritual (1933-1942). A cada uma destas etapas
correspondem géneros literários diferentes, apesar de alguns se sobreporem. Assim,
encontraremos obras filosóficas, pedagógicas, antropológicas, teológicas, biográficas,
místicos-espirituais, histórico-doutrinais, conferências, peças teatrais, poesias,
traduções…
PPEERRÍÍOODDOO FFEENNOOMMEENNOOLLÓÓGGIICCOO ((11991166--11992222))
Este período corresponde à sua vida antes da sua conversão, antes da sua entrada
na Igreja Católica. Como o próprio nome o indica trata-se de um período de investigações
sob o método fenomenológico, que aprofunda e desenvolve com Husserl.
Como primeiro escrito deste período destaca-se a sua tese de doutoramento Sobre
o problema da Empatia, apresentada em 1916, em que pretende analisar o acto de
comunicação possível entre indivíduos e a sua capacidade para poder penetrar na sua
experiência e torná-la própria, ou seja, é um esclarecer do sentido e a dinâmica do
problema da empatia. “A empatia de que nos fala Edith é uma forma de comunhão
espiritual, uma participação das vivências interiores que tem outra pessoa, a consciência
que tenho do que o outro está a viver e que requer um transferir-me à sua interioridade.
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O outro apresenta-se-me como alguém vivo já sua corporalidade, pela qual se distingue
de um mero corpo físico”5.
Aparecem-nos ainda Causalidade Psíquica; Indivíduo e comunidade; Uma
investigação sobre o Estado; O que é a Fenomenologia?; Introdução à Filosofia; Sobre a
essência do movimento.
�� AAPPRROOXXIIMMAAÇÇÃÃOO ÀÀ FFIILLOOSSOOFFIIAA CCRRIISSTTÃà ((11992255--11993311))
Entretanto Edith vai-se aproximando à filosofia cristã que, apesar de não se
considerar uma etapa da sua vida, a situamos cronologicamente entre 1925-1931. Edith
vai-se aproximando da filosofia católica tradicional com o intuito de criar pontes entre a
fenomenologia e o tomismo. Neste sentido destacamos os seguintes escritos: A
fenomenologia de Husserl e a filosofia de São Tomás de Aquino. Uma confrontação. Esta
obra, em homenagem a Husserl, do ano 1929, pretende estabelecer pontos em comum
das duas correntes filosóficas: fenomenologia e tomismo. Na sua versão original
estabelece-se um diálogo imaginário entre Husserl e São Tomás. Encontramos ainda
publicados por Edith: Potência e acto; Significado «ideológico» da fenomenologia;
Conhecimento, verdade, ser, e Ser actual e ideal – Espécies – Arquétipo e modelo;
Liberdade e Graça; Ser finito e Ser Eterno. As obras A filosofia existencial de Martin
5 BONO, José Luis Caballero – Meditación iconológica sobre Edith Stein. Vida Religiosa. Madrid. n.º 4. Abril,
2001, pp. 17.
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Heidegger e A Fenomenologia, apenas serão publicados depois da morte da autora,
devido à lei que proibiu publicações de autores judeus.
�� CCOONNFFEERRÊÊNNCCIIAASS ((11992288--11993311))
Cronologicamente este não é um sector diferente do anterior. Coexiste com ele e
nele. Apenas o separamos por uma questão meramente temática. Os escritos que aqui
são apresentados foram conferências dadas por Edith em diversas cidades e que
assentam em três pilares: o viver e ser cristão, a educação e o papel da mulher. Assim,
temos: Verdade e clareza no ensino e na educação; A dignidade da mulher e a sua
importância para a vida do povo; Os tipos da psicologia e o seu significado para a
pedagogia; Contributos dos Institutos monásticos na formação religiosa da juventude;
Fundamentos teóricos do aspecto social da educação; Educação eucarística; O «Ethos» da
profissão feminina; Sobre a ideia de formação; Princípios fundamentais da formação da
mulher; O mistério do Natal; Determinação vocacional da mulher; Isabel da Hungria:
natural e sobrenatural na formação de uma santa; Desenvolvimento da vida segundo o
espírito de Santa Isabel; Vocação do homem e da mulher segundo a ordem da natureza e
da graça; O intelecto e os intelectuais; Formação da juventude à luz da fé católica; Vida
cristã da mulher; A arte da educação materna; Tempos difíceis e ensino; Natural e
sobrenatural no «Fausto» de Goethe; A mulher como membro do Corpo místico de Cristo;
Professora de formação universitária e professora de magistério; Mensagem das
académicas católicas e Fundamento teórico da formação da mulher.
Página 15
PPEERRÍÍOODDOO AANNTTRROOPPOOLLÓÓGGIICCOO--TTEEOOLLÓÓGGIICCOO ((11993322--11993333))
Este curto período da vida de Edith corresponde ao tempo que leccionou no
Instituto em Münster. Estes escritos são, grosso modo, as aulas que deu ou pretendia dar
antes da interdição da leccionação de judeus. A formação da pessoa humana é o texto
das aulas dadas no semestre de Inverno de 1932-1933 e é sem sombra de dúvida das
obras mais aprazíveis de Edith Stein. Trata-se de uma síntese antropológica, a partir das
suas reflexões filosóficas e das suas conclusões teológicas. Disseca o ser humano a partir
da sua unidade pessoal e da sua unidade com Deus e com a humanidade. Encontramos
ainda: Problemas da formação da mulher e Antropologia teológica.
PPEERRÍÍOODDOO MMÍÍSSTTIICCOO--EESSPPIIRRIITTUUAALL ((11993333--11994422))
Neste terceiro período da sua vida é quando nos aparece mais variedade de
géneros literários, e escritos em geral mais breves e ocasionais. Correspondem ao tempo
da sua vida consagrada no Carmelo. As obras desta secção podem ser divididas em cinco
grupos, segundo os temas e os géneros literários: de carácter autobiográfico; meditações
espirituais; escritos histórico-doutrinais; escritos de espiritualidade e mística; obras
literárias.
“A espiritualidade de Edith Stein, como a dos grandes místicos do Carmelo
Teresiano, é uma espiritualidade forte e evangélica, caracterizada pela sobriedade e pelo
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realismo, cristocêntrica e acrisolada no mistério da Cruz, distanciada dos entusiasmos
místicos e orientada a viver a história quotidiana a partir da nudez da fé e da aceitação da
vontade de Deus; uma espiritualidade cheia de força e esperança, que pode orientar-nos
e ajudar-nos na nossa sociedade secularizada e necessitada de verdadeiro alimento
espiritual”6.
�� DDEE CCAARRÁÁCCTTEERR AAUUTTOOBBIIOOGGRRÁÁFFIICCOO
De entre estes escritos de cariz biográfico encontramos Autobiografia. Vida de uma
família judaica. Esta obra tem o objectivo, por assim dizer, de demonstrar,
nomeadamente aos anti-semitas alemães, o quotidiano e a normalidade de vida de uma
família judaica, que tem um grande sentir patriótico e vive de uma forma plenamente
integrada na sociedade. Ainda encontramos dentro deste subtema: Como cheguei ao
Carmelo de Colónia; Testamento e Voto de fazer o mais perfeito.
�� MMEEDDIITTAAÇÇÕÕEESS EESSPPIIRRIITTUUAAIISS
Trata-se aqui de escritos do foro comunitário, portanto que não foram feitos para
publicação. Nestes textos de meditação a Irmã Benedita da Cruz expõe a consagração
religiosa e os conselhos evangélicos à luz do mistério da Cruz e da Epifania do Senhor:
Ditosos os pobres de espírito; Amor pela Cruz. Alguns pensamentos por ocasião da festa
6 PASCUAL, Laurentino Novoa, cp – Edith Stein: Pasión por la Verdad, Pasión por Dios. In Revista STAURÓS,
Teología de la Cruz. Madrid. N.º 39 (2003) pp. 67-90.
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do Santo Pai João da Cruz; Sancta Discretio; Exaltação da Cruz; Vida escondida e Epifania;
Por ocasião da Profissão da Irmã Miriam; As bodas do Cordeiro; Na festa da Epifania;
Elevação da Cruz; Os três Reis Magos.
�� EESSCCRRIITTOOSS HHIISSTTÓÓRRIICCOO--DDOOUUTTRRIINNAAIISS
Estes escritos foram realizados a pedido da sua comunidade religiosa aquando da
sua estadia no Carmelo de Colónia. O que mais se destaca é Sobre a história e o espírito
do Carmelo onde demonstra um grande domínio e saber sobre a espiritualidade e história
carmelita. Santa Teresa Margarida do Coração de Jesus; Amor com amor. Vida e obra de
Santa Teresa de Jesus; Madre Francisca dos Infinitos Méritos de Jesus; Um reformador
conventual: P. André de São Romualdo, OCD; Maria-Amada de Jesus e 300 anos do
Carmelo de Colónia são outras obras que se enquadram neste subtema.
�� EESSCCRRIITTOOSS DDEE EESSPPIIRRIITTUUAALLIIDDAADDEE EE MMÍÍSSTTIICCAA
A oração da Igreja é, talvez, o escrito de espiritualidade mais conhecido da Irmã
Teresa Benedita da Cruz. Nele procura uma certa harmonia nas distintas formas de
oração dentro da Igreja, ressaltando a oração litúrgica. Encontramos ainda Uma
especialista na educação e na formação: Teresa de Jesus; Castelo Interior; Os caminhos do
conhecimento de Deus; Ciência da Cruz (escrito mais difundido).
Página 18
�� OOBBRRAASS LLIITTEERRÁÁRRIIAASS
De entre estes escritos, chamados por alguns Escritos menores, encontramos peças
de teatro e poesias, elaboradas para momentos comunitários do Carmelo. São obras
marcadas pela simplicidade mas também por um forte conteúdo religioso e cultural.
Das peças de teatro apresentam-se cinco: Diante do trono de Deus; Eu estarei
sempre no meio de vós; Te Deum Laudamus; Diálogo nocturno e Para o 13 de Junho de
1942 – São Miguel (onomástico da priora do Carmelo de Echt).
Na poesia, género literário muito cultivado no Carmelo, encontramos: Poesia
comemorativa do casamento de Erna Stein e Hans Biberstein; Por ocasião das bodas de
ouro sacerdotais do prelado Joseph Schwind; Hoje cumprem-se 60 anos; Canto ao Santo
Pai José; A vinha do Carmelo; Noite Santa; Juxta crucem tecum stare!; São José, socorre-
nos; O Senhor quer vir a ti; A Deus Pai; Ó Mãe Altíssima; Para a Madre Otília; Sentenças
no mês de Junho; Ao leme; Transverberação; Pax vobis!; Profissão Maria Rosa de Jesus;
Pela ocasião da Profissão na Ordem Terceira do bispo G. Lemmens; Esposa do Espírito
Santo; Ao Espírito Santo; Eu permaneço entre vós; Tal como se honra nesta imagem
minha, ó Filha.
São ainda de acrescentar a estas obras todas, de distintos géneros literários, as suas
inúmeras cartas a diversas pessoas; recensões de livros filosóficos ou espirituais; os
escritos necrológicos, ou seja, uma pequena biografia de alguma religiosa falecida, típicos
da vida conventual carmelita; os seus cadernos de apontamentos de aulas; e ainda
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traduções de vários livros das diversas línguas que dominava (latim, grego, inglês, francês,
holandês, espanhol e polaco).
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RRAAZZÃÃOO,, EEMMOOÇÇÃÃOO EE IINNTTEELLIIGGÊÊNNCCIIAA EESSPPIIRRIITTUUAALL
Depois de um pequeno périplo pela vida, escritos e obras de Edith Stein, passemos
ao tema deste trabalho: razão, emoção e inteligência espiritual em Edith Stein. Procurarei
fazer, ao longo da reflexão, algumas precisões terminológicas acerca dos termos em
questão, e que são a base e o núcleo central deste trabalho.
A razão e o conhecimento, tomados em sentido amplo, significam a única faculdade
espiritual, em contraposição à sensível, de conhecimento do Homem. A razão, que numa
linguagem corrente é compreendida como a capacidade e a actividade intelectiva,
entendida como actividade orientada a um fim, orientada ao conhecimento, atinge Edith
Stein, que “viveu a experiência da busca”7 da verdade.
Nesta busca orienta primeiramente os seus passos por Husserl, e mais tarde, sem
deixar a fenomenologia, segue a filosofia de São Tomás de Aquino. Para Husserl a razão
está para além da distinção entre natural e sobrenatural, imanente e transcendente. A
sua fenomenologia resulta como se a nossa razão fosse ilimitada. Distingue-se, portanto,
da razão em São Tomás de Aquino. “São Tomás de Aquino distingue entre o intellectus,
que no conhecimento dos princípios se aproxima a uma contemplação espiritual, mas
7 JOÃO PAULO II, Papa – Homilia na cerimónia de canonização de Edith Stein, in VATICANO
www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/1998/documents/hf_jp-ii_hom_11101998_stein_po.html. 23-11-2007 21:30.
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sem alcançá-la, e a ratio, como a faculdade do conhecimento abstracto, que separa e une,
que progride dos princípios às consequências”8.
Edith na filosofia busca a verdade, procurando-a da forma mais completa possível.
Neste sentido, descobre que a fé abre a razão a verdades inacessíveis pela razão.
“Defende o conceito amplo de racionalidade, tão amplo como são os múltiplos recursos
cognitivos do Homem, por isso ultrapassa a ideia clássica: o Homem racional”9,
estendendo, nas suas reflexões no campo da fé, o Homem para lá do acessível
racionalmente.
Durante a vida de Edith Stein, na primeira metade do século XX, o grande tema em
plena ebulição era o QI, ou seja, quociente de inteligência intelectual e racional. Como
vimos, Edith foi uma mulher inteligente, com um QI elevado, que apesar de ter desistido
por algum tempo dos estudos, a eles retornou com grande convicção e neles se aplicou
com dedicação, acabando o seu doutoramento com nota máxima.
Pensar e Sentir andam de mãos dadas10, e por isso ao falar da razão, do pensar,
somos conduzidos às emoções, ao sentir. As emoções11 são, grosso modo, todo e
qualquer impulso interior que nos leva a agir.
8 DICCIONARIO de Filosofía. Dir. Walter Brugger. Barcelona: Editorial Herder, 1988.
9 JESUS, Elisângela Maria de – Edith Stein: a liberdade no mais profundo do Homem.
http://www.paralerepensar.com.br/elisangela_edithstein.htm. 27-11-2007 16:50. 10
Cf. CAMÕES, Cristina – A inteligência emocional (QE) e o surgimento de um terceiro tipo de inteligência (QS) potenciadora de sucesso e felicidade. O PORTAL DOS PSICÓLOGOS http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0291.pdf. 27-11-2007 18:00. 11
Há centenas de emoções, incluindo respectivas combinações, variações, mutações e tonalidade, muitas delas ainda por classificar. Alguns teóricos, não estando todos de acordo, propõem um agrupar das emoções por famílias básicas: Ira, Tristeza, Medo, Prazer, Amor, Surpresa, Aversão e Vergonha. Cf. GOLEMAN, Daniel – Inteligência Emocional. Lisboa: Sociedade Indústria Gráfica, 1996, pp. 310 e 311.
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A partir de meados da década de 90 foi popularizado por Daniel Goleman o
conceito QE, quociente de inteligência emocional12. É a “capacidade de a pessoa se
motivar a si mesma e persistir a despeito das frustrações; de controlar os impulsos e adiar
a recompensa; de regular o seu próprio estado de espírito e impedir que o desânimo
subjugue a faculdade de pensar; de sentir empatia e de ter esperança”13. Goleman diz-
nos ainda que o QE faz-nos ter consciência dos nossos sentimentos e dos sentimentos dos
outros, e quanto maior for o nosso QE, maior será a nossa capacidade de reagir à dor e ao
prazer, a capacidade de resiliência, sendo um requisito essencial do anterior (QI).
“A mente emocional é muita mais rápida do que a mente racional, (…) a sua rapidez
exclui a reflexão deliberada e analítica”14, e é como se fosse o nosso radar contra o
perigo, ainda que com o risco deste poder falhar e nos encaminhar para juízos erróneos.
Edith procura avaliar, a cada passo, o que a rodeia para reagir de forma adaptativa.
Avaliando a situação política, social e até mesmo religiosa que a rodeia e as emoções que,
naturalmente lhe causam, modula as suas respostas emocionais, ou seja, a forma de
reagir. Ante a perseguição, deportação e morte dos judeus pelo regime nazi, ante os
horrores da guerra, ante a discriminação da mulher na sociedade em que vive, ante a sua
12 Os cientistas Peter Salovey e John D. Mayer dividiram a inteligência emocional em quatro domínios:
percepção das emoções - inclui habilidades envolvidas na identificação de sentimentos por estímulos: através da voz ou expressão facial, por exemplo, a pessoa que sobressai nessa habilidade percebe a variação e mudança no estado emocional de outra; a segunda ramificação da inteligência emocional, o uso das emoções – implica a capacidade de empregar as informações emocionais para facilitar o pensamento e o raciocínio; a terceira, entender emoções, é a habilidade de captar variações emocionais nem sempre evidentes; e, por último a habilidade de controle (e transformação) da emoção, o aspecto mais habitualmente identificado da inteligência emocional – aptidão para lidar com esse sentimento. WIKIPÉDIA. http://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncia_emocional. 15-11-2007 16:30. 13
GOLEMAN, Daniel – Inteligência Emocional, p. 310. 14
Idem, p. 312.
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busca da verdade, Edith Stein poderia reagir com desânimo, cólera, melancolia, horror,
desprezo, desgosto, humilhação, etc… No entanto, Edith harmoniza as suas respostas
emocionais, procurando agir com esperança e perseverança, com coragem, com ânimo,
com compaixão e caridade. Fruto destas suas respostas emocionais, temos os seus
escritos: Autobiografia como forma de demonstrar a normalidade de uma família judaica,
o seu voluntariado aquando da I Guerra Mundial, as suas conferências e escritos em
defesa da mulher, a sua persistência até e depois da sua conversão…
Ao cair do pano do século XX apresenta-se-nos um terceiro «Q», uma nova aptidão
do ser humano, que resulta da sua capacidade para reflectir dando sentido à sua própria
vida e à dos outros: o QEs. Segundo Danah Zohar e Ian Marshall, é a inteligência “com que
lidamos e resolvemos problemas de sentido e valor, a inteligência com que podemos
colocar as nossas acções e as nossas vidas num contexto gerador de um sentido mais
vasto e mais rico, a inteligência com que podemos inferir que uma determinada rota de
acção ou um caminho de vida tem mais sentido que qualquer outro”15.
Edith Stein entranha a sua vida totalmente, num âmbito gerador de um sentido
mais profundo: primeiro no campo da fenomenologia, procurando sempre mais e mais e
percorrendo um caminho em busca do que procura, a verdade; e depois na sua entrega
radical a Jesus Cristo, em quem descobre a Verdade que procura, e no qual encontra o
15 ZOHAR, Danah – MARSHALL, Ian – Inteligência Espiritual. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004, p. 16.
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caminho de vida com mais sentido, pois Ele é, como disse a Tomé, “o Caminho, a Verdade
e a Vida”16.
Assim como o QE é a base do QI, o QEs é a base do QI e do QE, tornando-se a
inteligência suprema. É esta inteligência, evidente na personalidade de Edith, que a
orienta.
Como já vimos anteriormente, o QEs não depende de valores e/ou da cultura, antes
cria a possibilidade de valores. O mesmo acontece com e na religião: não depende dela
mas torna-a possível ou até mesmo necessária. Em Edith isto é notório. Na sua busca da
verdade emerge no mundo da fenomenologia mas ainda insatisfeita e sentindo-se
incompleta descobre e vai-se abrindo à fé. A sua inteligência espiritual torna possível a
religião, a fé e, com a sua conversão, torna-a necessária, levando Edith a uma radicalidade
de vida.
É o QEs que dá sentido à vida e que é o nosso guia, a nossa bússola, a nossa
consciência. Diria que é a sua insaciável busca da verdade que vai fazendo desenvolver o
seu QEs, dando assim sentido à sua vida, sendo o seu guia. “No hebraico, as palavras
«consciência», «bússola» e «verdade interior e escondida da alma» têm todas a mesma
raiz”17, e aqui, nesta imponente figura do século XX, encontra a sua melhor expressão.
Fruto de um QEs desenvolvido – utilizo aqui o termo «desenvolvido» e não o termo
«elevado», que daria uma ideia de quantificação, porque “ao contrário da inteligência
16 Jo 14, 6.
17 ZOHAR, Danah – MARSHALL, Ian – Inteligência Espiritual, p. 26.
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comum, a inteligência espiritual não se pode quantificar”18 –, Edith torna-se
espiritualmente inteligente em relação à religião, pois lança-nos ao coração das coisas, à
unidade por detrás da diferença, sem fanatismos ou preconceitos, mas percorrendo o
caminho de procura da verdade. Quando falo de «caminho», refiro-me, baseado no livro
Inteligência Espiritual19, ao buscar e encontrar o próprio sentido e integridade mais
profundos, que levam Edith Stein a actuar e agir segundo as suas motivações e a fazer
com que se repercutam no que a rodeia, seja a família, os que participam nas suas
conferências, a sua comunidade religiosa, os seus leitores, a sua pátria. A exemplo disto
apresentam-se os seus escritos em que coloca no centro das atenções a pessoa humana
em todas as suas dimensões, as suas conferências em defesa do papel da mulher e o
ressaltar da necessidade da mulher tomar consciência da sua vocação, a sua vida de
oração e silêncio após a sua conversão e, mais intensamente, após a sua entrada no
Carmelo, o seu sentir patriótico aquando da I Guerra Mundial que a leva a deixar a sua
vida pessoal para se dedicar, como enfermeira voluntária, aos que necessitam.
O «caminho» é a viagem que Edith fez pela vida, as suas relações, o seu trabalho, os
seus sonhos e a forma como viveu todas estas coisas. Seguir este «caminho» de forma
espiritualmente inteligente, significa comprometer-se e dedicar-se profundamente a uma
causa na qual crê profundamente.
“Para entrarmos na posse total da nossa inteligência espiritual, por vezes foi preciso
termos visto o rosto do Inferno, termos conhecido a possibilidade de desespero, da dor,
18 Idem, p. 299.
19 Cf. Idem, p. 245 e 246.
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do sofrimento profundo e da perda, e termos feito as pazes com isso”20, e como já vimos
anteriormente, Edith viu dito «rosto».
A inteligência espiritual leva-nos a uma mudança de paradigma: Edith ao entrar em
contacto com um todo maior, mais profundo, mais rico faz mudar a sua perspectiva,
criando nela a necessidade de uma harmonização da sua situação com «algo para além
de», «algo mais»21. Faz-nos ultrapassar os obstáculos e problemas graves que se nos
apresentam, e de uma forma geral faz-nos seres com valores, holísticos, independentes,
curiosos, espontâneos, generosos e sobretudo com um espírito positivo perante a vida22.
“Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não
se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da
filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi
por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a
partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita
para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: «Quem procura a verdade,
consciente ou inconscientemente, procura a Deus»23.
20 Idem, p. 27.
21 Cf. Idem, p. 31.
22 Cf. Cf. CAMÕES, Cristina – A inteligência emocional (QE) e o surgimento de um terceiro tipo de inteligência
(QS) potenciadora de sucesso e felicidade. O PORTAL DOS PSICÓLOGOS http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0291.pdf. 27-11-2007 18:35. 23
JOÃO PAULO II, Papa – Homilia na cerimónia de canonização de Edith Stein. VATICANO www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/1998/documents/hf_jp-ii_hom_11101998_stein_po.html. 23-11-2007 21:30.
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CCOONNCCLLUUSSÃÃOO
Depois de ter realizado algumas leituras sobre Edith Stein, e após a realização deste
trabalho – apresentado oralmente a 28 de Novembro do ano transacto –, creio que
consegui atingir aquilo a que me propus, aquando da escolha deste tema: Razão, Emoção
e Inteligência Espiritual em Edith Stein.
Foi um desafio e ao mesmo tempo um prazer e uma aventura de descoberta ter
realizado este trabalho sobre esta figura magnânime do século XX.
Esta mulher, insaciável na sua procura da verdade, viveu a Verdade Jesus Cristo
com uma profundidade radical, deixando-nos um exemplo de vida esplêndido. Toda a sua
vida e filosofia de vida, todo o seu pensamento e acções, a sua forma de ser e de estar
ante a vida, são um eloquente ensinamento para cada um de nós, peregrinos em busca
ao encontro da Verdade.
Pessoalmente e como Religioso Passionista, gostei de «encontrar-me» com Santa
Teresa Benedita da Cruz, cuja espiritualidade se aproxima à da Congregação da Paixão de
Jesus Cristo (Missionários Passionistas) e cujo pensamento se mantém actual e vivo nos
dias que correm.
Santa Teresa Benedita da Cruz, rogai por nós!
César Miguel Silva Costa
Barroselas (Viana do Castelo)
14 de Março de 2008
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BBIIBBLLIIOOGGRRAAFFIIAA
Por ordem alfabética, passo a enumerar todas as obras, livros, artigos e
conferências que utilizei e citei ou que simplesmente me serviram de apoio para a
realização deste parco trabalho académico:
BÍBLIA SAGRADA. Coordenação geral de Herculano Alves. Fátima: Difusora Bíblica,
2002.
BONO, José Luis Caballero – Meditación iconológica sobre Edith Stein. Vida
Religiosa. Madrid. N.º 4. Abril, 2001, pp. 15-19.
CAMÕES, Cristina – A inteligência emocional (QE) e o surgimento de um terceiro tipo
de inteligência (QS) potenciadora de sucesso e felicidade. O PORTAL DOS PSICÓLOGOS
http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0291.pdf.
DICCIONARIO de Filosofía. Dir. Walter Brugger. Barcelona: Editorial Herder, 1988.
DICCIONARIO de Psicología. Dir. Friedrich Dorsch. Barcelona: Editorial Herder, 1985.
GOLEMAN, Daniel – Inteligência Emocional. Lisboa: Sociedade Indústria Gráfica,
1996.
JESUS, Elisângela Maria de – Edith Stein: a liberdade no mais profundo do Homem.
http://www.paralerepensar.com.br/elisangela_edithstein.htm.
JOÃO PAULO II, Papa – Homilia na cerimónia de canonização de Edith Stein.
VATICANO www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/1998/documents/hf_jp-
ii_hom_11101998_stein_po.html.
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Obras Completas de Edith Stein. Escritos autobiográficos y Cartas. Dir. Julen Urkiza e
Francisco Javier Sancho. Vol. I. Burgos: Editorial Monte Carmelo, 2002.
PASCUAL, Laurentino Novoa, cp – Edith Stein: Pasión por la Verdad, Pasión por Dios.
Revista STAURÓS, Teología de la Cruz. Madrid. N.º 39 (2003), pp. 67-90.
WIKIPÉDIA. http://pt.wikipedia.org/wiki/Edith_stein.
WIKIPÉDIA. http://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncia_emocional.
ZOHAR, Danah - MARSHALL, Ian – Inteligência Espiritual. Lisboa: Sinais de Fogo,
2004.