INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA
Programa de Pós-Graduação em Clima e Ambiente – PPG CLIAMB
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA AMAZÔNIA:
CLIMA PRESENTE E CENÁRIOS FUTUROS
VINÍCIUS MACHADO ROCHA
Manaus, Amazonas
Dezembro, 2016
VINÍCIUS MACHADO ROCHA
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA AMAZÔNIA:
CLIMA PRESENTE E CENÁRIOS FUTUROS
ORIENTADOR: Prof. Dr. Francis Wagner S. Correia
Tese apresentada ao Instituto
Nacional de Pesquisas da
Amazônia e à Universidade do
Estado do Amazonas como parte
dos requisitos para obtenção do
titulo de Doutor em Clima e
Ambiente, área de concentração
Interações Clima-Biosfera da
Amazônia.
Manaus, Amazonas
Dezembro, 2016
ii
iii
R672 Rocha, Vinícius Machado
Reciclagem de precipitação na Amazônia: clima presente e
cenários futuros / Vinícius Machado Rocha. --- Manaus: [s.n.],
2016.
xii,117 f.: il.
Tese (Doutorado) --- INPA, Manaus, 2016.
Orientador: Francis Wagner Silva Correia
Área de concentração: Clima e Ambiente
1. Precipitação. 2. Mudanças climáticas. 3.Amazônia. I. Título.
CDD 551.577
Sinopse:
Estudou-se a distribuição espaço-temporal da reciclagem de
precipitação na Amazônia para o clima presente, utilizando
dados de reanálises, e as mudanças climáticas projetadas ao
longo do século XXI, devido ao aumento na concentração dos
gases de efeito estufa na atmosfera, por meio de modelagem
numérica.
Palavras-chave: Amazônia, reciclagem de precipitação, balanço
de umidade, reanálises Era-Interim, modelo regional Eta.
iv
Dedico à minha esposa,
Paula Magalhães Villela Machado.
v
AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos:
ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e à Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), pela oportunidade de ter participado do Programa de Pós-Graduação em
Clima e Ambiente (PPG CLIAMB);
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão
da bolsa de estudo no período de agosto de 2012 a agosto de 2016;
ao Dr. Francis Wagner Silva Correia, pela orientação segura e experiente que possibilitou a
conclusão da presente pesquisa;
à Dr. Sin Chan Chou, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por ter
disponibilizado os dados da simulação do modelo Eta-HadGEM2-ES, para o clima presente e
cenários futuros;
aos membros da Banca Examinadora, pelas críticas e sugestões apresentadas;
a todos os professores do PPG CLIAMB que contribuíram para o meu amadurecimento na
pesquisa científica;
aos colegas de trabalho do Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre
(LABCLIM), da UEA, Paulo Ricardo Teixeira da Silva, Rildo Gonçalves Moura, Weslley de
Brito Gomes, Leonardo Alves Vergasta, Maximiliano da Silva Pereira Trindade, Adriano
Lima Pedrosa e Josyanne Jhennifer Santos da Silva, por todo o auxílio durante a execução da
pesquisa e pelos momentos de descontração e carinho;
à minha família: pais – Joubert Paschoalino Rocha e Cornélia Machado Soares Rocha; e
irmão – Augusto Machado Rocha; pelo total incentivo, amor e pela compreensão devido à
distância;
à minha querida esposa, Paula Magalhães Villela Machado, pela compreensão de minha
ausência em datas importantes nos últimos quatro anos, pela dedicação, pelo respeito e
admiração que sente por mim, e pelo apoio incondicional que me permitiu concretizar mais
um sonho na carreira profissional;
ao G.A.D.U., por ter me dado a oportunidade de estudar e aprimorar meus conhecimentos
para a lapidação da Pedra Bruta (que ainda sou).
vi
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo avaliar a distribuição espaço-temporal dos
componentes do balanço de água e da reciclagem de precipitação na Amazônia para o clima
presente, por meio de um estudo observacional com as reanálises do ECMWF (Era-Interim)
no período de 1980 a 2005, e seus impactos em cenários futuros regionalizados a partir do
Modelo Climático Regional Eta forçado com o cenário de emissões RCP 8.5 proveniente do
modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES. Para estimar a reciclagem de precipitação foram
utilizados métodos fundamentados no balanço de umidade na atmosfera. De modo geral, o
estudo observacional com as reanálises do ECMWF revelou que, a bacia amazônica se
comporta como um sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do
transporte de origem oceânica quanto da evapotranspiração da floresta por meio do
mecanismo de reciclagem. Em escala regional, a Amazônia representa uma importante fonte
de umidade para outras regiões da América do Sul, contribuindo para o regime da
precipitação em áreas remotas. Na média, a reciclagem de precipitação na Amazônia é de
aproximadamente 20%, com valores variando entre 10-15% na porção norte e 40-50% na
porção sul. Dessa maneira, do total da precipitação na bacia, cerca de 20% é decorrente do
processo de evapotranspiração local; indicando que, a contribuição local para a precipitação
total representa um percentual significativo no balanço de água regional e desempenha um
papel importante no ciclo hidrológico amazônico. Em média na bacia, a contribuição
advectiva é mais importante para a precipitação, enquanto que, na porção sul a
evapotranspiração local tem papel importante no regime da precipitação. Considerando a
simulação do modelo Eta-HadGEM2-ES para o clima presente (sem o cenário de emissões
RCP 8.5), na média, a reciclagem de precipitação na bacia amazônica é de 22%, apresentando
variação espacial e sazonal, com maiores valores na Amazônia meridional (27%). As
mudanças projetadas para o clima futuro mostram que, os impactos nos componentes do
balanço de umidade foram mais significativos durante a estação chuvosa e na porção sul da
bacia, sobretudo, no final do século. O mecanismo de retroalimentação positivo foi
configurado durante o verão austral e na média anual, isto é, a redução da convergência de
umidade (por meio da alteração na estrutura termodinâmica da atmosfera e na circulação
regional) e da evapotranspiração agiram no mesmo sentido para reduzir a precipitação total;
no entanto, o mecanismo de retroalimentação negativo se estabelece no inverno austral, em
que a redução da evapotranspiração é parcialmente compensada pelo aumento da
convergência de umidade, porém, não o suficiente para inibir a redução da precipitação. A
redução projetada da precipitação total na Amazônia foi decorrente tanto da redução da
precipitação de origem local quanto advectiva, sendo que a advectiva teve papel predominante
devido às mudanças na circulação regional e no transporte de umidade sobre a bacia. De
maneira geral, a redução da reciclagem de precipitação na Amazônia é mais pronunciada na
estação seca, atingindo 40% no final do século, sendo diretamente influenciada pela redução
da evapotranspiração da superfície, mas, principalmente, pela intensificação do fluxo de
umidade sobre a bacia. Contudo, a mudança na reciclagem é maior na Amazônia meridional –
redução da ordem de 50% na estação seca no final do século. Os resultados obtidos sugerem
que, a mudança do clima devido ao aumento dos gases de efeito estufa pode afetar de forma
significativa os componentes do balanço de água e a reciclagem de precipitação na bacia
amazônica, implicando em graves consequências ecológicas ao bioma, tais como: afetando a
dinâmica dos ecossistemas, reduzindo a capacidade da floresta em absorver o carbono da
atmosfera, favorecendo a ocorrência de eventos extremos (secas e enchentes), aumentando a
temperatura à superfície e, consequentemente, a frequência e intensidade das queimadas.
Palavras-chave: Amazônia; reciclagem de precipitação; balanço de água; mudanças
climáticas; modelo regional Eta.
vii
ABSTRACT
The objective of this work is to assess the spatiotemporal distribution of water budget
components and precipitation recycling in the Amazon basin for the present climate, through
an observational study using the ECMWF (Era-Interim) reanalysis for period 1980-2005, and
impacts in future scenarios using the Eta Regional Climate Model forced by RCP 8.5
emissions scenario from the HadGEM2-ES earth system model. To estimate precipitation
recycling were adopted methods based on the atmosphere moisture balance. In general, the
observational study with the ECMWF reanalysis showed that, the Amazon basin acts as a sink
for atmospheric moisture receiving water vapor transported from the ocean and from
precipitation recycled from evapotranspiration by the forest. At the regional scale, the
Amazon basin is an important source of water vapor, contributing to precipitation in other
remote locations of South America. On average, precipitation recycling in the Amazon basin
is 20%, approximately, varying between 10-15% in the northern portion and 40-50% in the
southern portion. Thus, 20% of the total rainfall in the basin is derived from local
evapotranspiration processes indicating that the local contribution to the total precipitation
represents a significant contribution to the regional water budget and plays an important role
in the Amazon water cycle. In the Amazon basin, on average, advection processes are more
important for precipitation while local evapotranspiration processes play a more important
role in the precipitation regime in the southern portion of the basin. Considering the Eta-
HadGEM2-ES model simulation for the present climate (without the RCP 8.5 emissions
scenario), on average, precipitation recycling in the Amazon basin is 22%, with spatial and
seasonal variation, and more intense recycling in the southern Amazon (27%). The changes
projected for future climate show that the impacts on the water budget components were more
significant during the rainy season and southern basin sector, especially at the end of the 21st
century. The positive feedback mechanism is configured during the austral summer and on
average annually, i.e., the reduction of moisture convergence (due to change the
thermodynamic structure of the atmosphere and regional circulation patterns) and surface
evapotranspiration acted in the same way to reduce total precipitation. The negative feedback
mechanism is seen during the austral winter, where the reduction of evapotranspiration is
partially offset by the increase in moisture convergence, however, not sufficient to offset the
reduction in precipitation. The reduction in total precipitation in the Amazon was due to both
the decrease of local and advective precipitation, but the advective had a major role due to
changes in the regional circulation and moisture transport over the basin. In general, the
reduction of precipitation recycling in the Amazon was predicted to be more pronounced in
the dry season, reaching 40% at the end of the 21st century, and was directly influenced by the
reduction in surface evaporation, but was primarily driven by enhancing the moisture
transport over the basin. However, the change in recycling is higher in the southern Amazon –
a reduction of around 50% in the dry season at the end of the century. The results suggest that
climate change due to increased greenhouse effects can significantly affect the components of
the water budget and precipitation recycling in the Amazon basin, resulting in serious
ecological consequences for the biome, such as affecting ecosystem dynamics, reduction in
the forest's ability to absorb carbon from the atmosphere, causing the occurrence of extreme
events (drought and flooding), increasing the surface temperature, and hence, the frequency
and intensity of fires.
Keywords: Amazon basin; precipitation recycling; water budget; climate change; Eta
regional model.
viii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... x
INTRODUÇÃO GERAL ....................................................................................................... 14
OBJETIVOS ........................................................................................................................... 17
CAPÍTULO 1 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA AMAZÔNIA: UM
ESTUDO DE REVISÃO ........................................................................................................ 19
Resumo.................................................................................................................................. 20
Abstract ................................................................................................................................. 20
1. Introdução .......................................................................................................................... 21
2. Fontes de umidade para a Amazônia e o transporte de vapor d’água sobre a América do
Sul ......................................................................................................................................... 22
3. Mecanismos de retroalimentação do processo de reciclagem de precipitação .................. 27
4. Reciclagem de precipitação: estudos observacionais e de modelagem numérica ............. 29
5. Considerações finais .......................................................................................................... 33
CAPÍTULO 2 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: UM
ESTUDO UTILIZANDO AS REANÁLISES DO ECMWF – ERA-INTERIM ............... 35
RESUMO .............................................................................................................................. 36
ABSTRACT .......................................................................................................................... 38
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 40
MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................................. 42
Método da reciclagem de precipitação .............................................................................. 42
RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 45
Precipitação e evapotranspiração ...................................................................................... 45
Transporte e convergência de umidade ............................................................................. 51
Reciclagem de precipitação ............................................................................................... 55
Ciclo anual ........................................................................................................................ 60
CONCLUSÕES .................................................................................................................... 62
AGRADECIMENTOS ......................................................................................................... 64
CAPÍTULO 3 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: O
PAPEL DO TRANSPORTE DE UMIDADE E DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DA
SUPERFÍCIE .......................................................................................................................... 65
RESUMO .............................................................................................................................. 66
ABSTRACT .......................................................................................................................... 67
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 68
ix
2. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................... 69
2.1. MÉTODO DA RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO ............................................. 70
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 71
3.1. PRECIPITAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO ....................................................... 72
3.2. TRANSPORTE DE UMIDADE ................................................................................ 74
3.3. RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO ...................................................................... 75
3.4. CICLO ANUAL ......................................................................................................... 77
4. CONCLUSÕES ................................................................................................................. 78
5. AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... 80
CAPÍTULO 4 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA:
CLIMA PRESENTE E CENÁRIOS FUTUROS ................................................................ 87
RESUMO .............................................................................................................................. 88
ABSTRACT .......................................................................................................................... 90
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 92
MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................................. 95
Modelo da reciclagem de precipitação .............................................................................. 95
Cenário de emissões .......................................................................................................... 98
Os modelos ........................................................................................................................ 98
Estratégia de integração numérica .................................................................................. 100
RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 101
Precipitação e evapotranspiração .................................................................................... 102
Transporte e convergencia de umidade ........................................................................... 105
Reciclagem de precipitação ............................................................................................. 108
Balanço de umidade e ciclo anual ................................................................................... 113
CONCLUSÕES .................................................................................................................. 118
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 120
SÍNTESE ............................................................................................................................... 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 124
x
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA AMAZÔNIA: UM
ESTUDO DE REVISÃO
Figura 1: Modelo conceitual de reciclagem de precipitação. Os termos Pm e Pa referem-se às
taxas de precipitação provenientes da evapotranspiração e do vapor d’água advectados para a
região, respectivamente; Fin e Fout são os fluxos de vapor d´água que entra e sai da região
considerada, respectivamente; E é a taxa de evapotranspiração e W é o armazenamento de
água na atmosfera (água precipitável). Fonte: Adaptado de Brubaker et al. (1993). ............... 22
Figura 2: Modelo conceitual do jato de baixos níveis (JBN), a leste dos Andes, que transporta
umidade da Amazônia (flecha azul) e do oceano Atlântico subtropical (flecha verde). Fonte:
Marengo et al. (2004). .............................................................................................................. 24
Figura 3: Modelo conceitual do sistema de lagos e rios atmosféricos (RAs) sobre a América
do Sul na estação chuvosa. Fonte: Arraut et al. (2012). ........................................................... 26
Figura 4: Regiões onde a reciclagem de precipitação, apresentada na Tabela 1, foi calculada.
Fonte: Mohamed e Savenije (2002). ........................................................................................ 29
CAPÍTULO 2 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: UM
ESTUDO UTILIZANDO AS REANÁLISES DO ECMWF – ERA-INTERIM
Figura 1. Diagrama conceitual dos processos considerados na reciclagem de precipitação: P
precipitação total (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); Fin e Fout são os fluxos de vapor
d’água integrado na vertical (kg m-1 s-1) que entra e sai da região, respectivamente; F fluxo de
umidade médio na área (kg m-1 s-1); L escala de comprimento (km). Fonte: Adaptado de
Brubaker et al. (1993)............................................................................................................... 43
Figura 2. Domínio da área de estudo. Bacia amazônica (limite em preto), Amazônia
setentrional (limite em vermelho) e Amazônia meridional (limite em azul)............................ 45
Figura 3. Precipitação média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON........................................................ 48
Figura 4. Evapotranspiração média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON........................................................ 50
xi
Figura 5. Média sazonal do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-1 s-1) sobre a
América do Sul utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a
2005: (a) verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON............. 53
Figura 6. Média sazonal da convergência de umidade (mm dia-1) sobre a América do Sul
utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão
– DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON...................................... 54
Figura 7. Média sazonal da reciclagem de precipitação (%) sobre a América do Sul utilizando
as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON........................................................ 59
Figura 8. Ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de
precipitação na (a) Bacia Amazônica, (b) Amazônia Setentrional e (c) Amazônia Meridional:
P precipitação (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); C convergência de umidade
(mm dia-1); R escoamento superficial (mm dia-1); F fluxo de umidade integrado verticalmente
(kg m-1 s-1); REC reciclagem de precipitação (%). Climatologia gerada com base nas
reanálises Era-Interim (ECMWF) para o período de 1980 a 2005........................................... 62
CAPÍTULO 3 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: O
PAPEL DO TRANSPORTE DE UMIDADE E DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DA
SUPERFÍCIE
Figura 1. Diagrama conceitual do volume de controle atmosférico. Fonte: Adaptado de
Eltahir e Bras (1994)................................................................................................................. 81
Figura 2. Domínio da área de estudo. Bacia amazônica (limite em preto).............................. 81
Figura 3. Precipitação média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON........................................................82
Figura 4. Evapotranspiração média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON........................................................83
Figura 5. Média sazonal do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-1 s-1) sobre a
América do Sul utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a
2005: (a) verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera –
SON...........................................................................................................................................84
xii
Figura 6. Média sazonal da reciclagem de precipitação (%) sobre a América do Sul
utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão
– DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON......................................85
Figura 7. Ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de
precipitação na bacia amazônica: (a) P precipitação (mm dia-1), E evapotranspiração (mm dia-
1), C convergência de umidade (mm dia-1); (b) F fluxo de umidade integrado verticalmente
(kg m-1 s-1), REC reciclagem de precipitação (%). Climatologia gerada com base nas
reanálises Era-Interim (ECMWF) para o período de 1980 a 2005...........................................86
CAPÍTULO 4 – RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA:
CLIMA PRESENTE E CENÁRIOS FUTUROS
Figura 1. Diagrama conceitual dos processos considerados na reciclagem de precipitação: P
precipitação total (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); Fin e Fout são os fluxos de
vapor d’água integrado na vertical (kg m-1 s-1) que entra e sai da região, respectivamente; F
fluxo de umidade médio na área (kg m-1 s-1); L escala de comprimento (km). Fonte: Trenberth
(1999)........................................................................................................................................ 96
Figura 2. Domínio do modelo. Bacia amazônica, limite em preto; Amazônia setentrional,
limite em vermelho; Amazônia meridional, limite em azul....................................................101
Figura 3. Distribuição média da precipitação (mm dia-1) para o clima presente e a diferença
entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-
ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da esquerda para a direita: 1 –
clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 –
2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas paletas de cores à
direita......................................................................................................................................103
Figura 4. Distribuição média da evapotranspiração (mm dia-1) para o clima presente e a
diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo RCP 8.5 Eta-
HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da esquerda para a
direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-
2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas paletas de cores
à direita....................................................................................................................................105
Figura 5. Distribuição média do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-1 s-1)
para o clima presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo
modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas
da esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-
2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas
paletas de cores à direita.........................................................................................................107
xiii
Figura 6. Distribuição média da convergência de umidade (mm dia-1) para o clima presente e
a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo RCP 8.5 Eta-
HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da esquerda para a
direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-
2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas paletas de cores
à direita....................................................................................................................................108
Figura 7. Distribuição média da reciclagem de precipitação (%) para o clima presente e a
diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo RCP 8.5 Eta-
HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da esquerda para a
direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-
2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas paletas de cores
à direita....................................................................................................................................110
Figura 8. Distribuição média da precipitação de origem local (mm dia-1) para o clima
presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo
RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da
esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-
2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas
paletas de cores à direita......................................................................................................... 113
Figura 9. Distribuição média da precipitação de origem advectiva (mm dia-1) para o clima
presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo
RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da
esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 2015-
2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é destacada nas
paletas de cores à direita......................................................................................................... 113
Figura 10. Média do ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de
precipitação simulado pelo modelo Eta-HadGEM2-ES para o clima presente (1985-2005) e
períodos futuros (2015-2035, 2045-2065 e 2079-2099) utilizando o cenário de emissão RCP
8.5 na bacia amazônica (coluna à esquerda), Amazônia setentrional (coluna central) e
Amazônia meridional (coluna à direita). Linhas de cima para baixo: 1 – precipitação total (P,
mm dia-1); 2 – evapotranspiração da superfície (E, mm dia-1); 3 – convergência de umidade
(+C convergência e -C divergência, mm dia-1); 4 – fluxo de vapor d’água integrado
verticalmente (F, kg m-1 s-1); 5 – reciclagem de precipitação (RP, %); 6 – precipitação de
origem local (Pl, mm dia-1); 7 – precipitaçãode origem advectiva (Pa, mm dia-1)..................118
14
INTRODUÇÃO GERAL
A Amazônia é a única grande extensão contínua de floresta tropical úmida da Terra,
com uma área de aproximadamente 6,5 milhões de km2 que corresponde a 56% das florestas
tropicais do planeta, e desempenha um importante papel nas trocas de energia, umidade e
massa entre a superfície continental e a atmosfera, fornecendo serviços ambientais
fundamentais para a manutenção do clima regional e global, tais como: o armazenamento e a
absorção do excesso de carbono da atmosfera, o transporte de gases traço, aerossóis e vapor
d’água para outras regiões do continente sul-americano e, principalmente, a geração de
chuvas locais por meio da reciclagem de precipitação (Artaxo et al., 2005; Fearnside, 2005;
Marengo, 2006; Malhi et al., 2008; Nobre et al., 2009a,b; Satyamurty et al., 2013).
Considerando o balanço de água, a bacia amazônica se comporta como um sumidouro de
umidade da atmosfera recebendo vapor d’água tanto do transporte de origem oceânica quanto
da evapotranspiração realizada pela própria floresta tropical. No que concerne à circulação
regional, a bacia atua como uma fonte de umidade para o Centro-Sul do Brasil, incluindo a
bacia do Prata, contribuindo para a ocorrência de precipitação nessas regiões (Marengo, 2004,
2005 e 2006; Vera et al., 2006; Correia et al., 2007; Satyamurty et al., 2013).
O conceito de reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de retroalimentação
“feedback” entre a superfície e a atmosfera em que a evapotranspiração local contribui,
significativamente, para a precipitação total sobre uma região. Em outras palavras, a
reciclagem de precipitação pode ser definida como a quantidade de água que evapotranspirada
da superfície terrestre em uma determinada região retorna na forma de precipitação sobre a
mesma região (Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Trenberth, 1999; Rocha et al.,
2015). Os estudos sobre reciclagem tem demonstrado que o mecanismo é fortemente
influenciado pela precipitação total, evapotranspiração da superfície e pelo transporte de
vapor d’água sobre a região. Utilizando dados observacionais, reanálises e modelos numéricos
de diferentes centros meteorológicos, diversos trabalhos foram realizados com o objetivo de
quantificar e descrever a distribuição da reciclagem de precipitação na bacia amazônica:
Molion (1975) – 56%; Marques et al. (1977) – 50%; Brubaker et al. (1993) – 24%; Eltahir e
Bras (1994) – 25-35%; Trenberth (1999) – 34%; Costa e Foley (1999) – 20%; Nóbrega et al.
(2005) – 24%; Van der Ent et al. (2010) – 28%; Satyamurty et al. (2013) – 30%; entre outros.
Os resultados desses estudos, apesar de apresentarem diferenças quantitativas, demonstram
que o mecanismo de reciclagem é um forte indicador da importância dos processos de
15
superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como da sensibilidade climática relacionada
às alterações nesses processos. Embora a maior parte da umidade necessária para gerar as
chuvas na Amazônia seja proveniente de fora da região (oceanos adjacentes), conforme
verificado em vários estudos na literatura, a contribuição da evapotranspiração local para a
precipitação total sobre a bacia representa uma porção significativa do balanço de água
regional e desempenha um importante papel no ciclo hidrológico amazônico, influenciando os
padrões espaciais de umidade do solo, a produtividade e a ocorrência de eventos extremos,
tais como secas e enchentes (Correia et al., 2007; Rocha et al., 2009; Satyamurty et al., 2013).
A Amazônia é sensível às variabilidades e mudanças no sistema climático devido tanto
às variações naturais (não lineares) inerentes ao próprio sistema quanto às antropogênicas, tais
como: o aumento na concentração dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e as
mudanças no uso e cobertura da terra como, por exemplo, desflorestamento, atividades
agrícolas e urbanização (Scholze et al., 2006; Ambrizzi et al., 2007; D’Almeida et al., 2007;
Salazar et al., 2007; Sampaio et al., 2007; Correia et al., 2008; Rocha et al., 2012; Marengo et
al., 2012). Essas ações antropogênicas podem colocar em risco o funcionamento dos
ecossistemas amazônicos, reduzindo a capacidade de capturar o carbono da atmosfera,
aumentando a temperatura à superfície, reduzindo a umidade do solo, enfraquecendo o ciclo
hidrológico regional e, conseqüentemente, afetando a reciclagem de precipitação (Marengo et
al., 2011). Embora os estudos envolvendo reciclagem de precipitação tenham produzido
novos conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e o ciclo
hidrológico, os efeitos das mudanças climáticas globais nesse mecanismo ainda não estão
completamente compreendidos. Apesar das mudanças projetadas no ciclo hidrológico da
Amazônia ao longo do século XXI pelos modelos globais adotados no Quarto e Quinto
Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC
(IPCC, 2007; IPCC, 2013) utilizando os cenários de emissões Special Report on Emissions
Scenarios – SRES (Nakicenovic et al., 2000) e Representative Concentration Pathways –
RCPs (IPCC, 2008), respectivamente, assim como pelos cenários regionalizados para a
América do Sul com o modelo regional Eta, do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias –
INPE, forçado com o cenário SRES A1B produzido a partir de quatro membros do modelo
global HadCM3 do Met Office Hadley Centre – MOHC (Marengo et al., 2012) e com os
cenários RCPs 4.5 e 8.5 provenientes do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES (Chou et
al., 2014), ainda não se sabe quais as implicações que as mudanças no clima futuro podem
promover na reciclagem de precipitação sobre a bacia amazônica e quais mecanismos físicos
contribuirão para alterar a reciclagem.
16
Diante dos potenciais impactos no ciclo hidrológico da bacia amazônica decorrentes
da mudança do clima global, previstos pelos modelos climáticos, uma importante questão em
pauta na ciência climática é: “De que maneira a mudança do clima, devido ao aumento na
concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, pode afetar o balanço de água e,
principalmente, a reciclagem de precipitação na Amazônia durante o século XXI?”. Esta
Tese foi desenvolvida com o intuito de esclarecer a problemática supracitada por meio de um
estudo observacional, utilizando as reanálises do European Centre for Medium-Range
Weather Forecasts (ECMWF – Era-Interim), e de modelagem numérica com o modelo
regional Eta forçado com o cenário RCP 8.5 proveniente do modelo do sistema terrestre
HadGEM2-ES.
17
OBJETIVOS
Objetivo Geral
O objetivo geral desta Tese foi realizar um estudo observacional e de modelagem para
avaliar os impactos do aumento dos gases do efeito estufa (GEE) na distribuição espaço-
temporal dos componentes do balanço de água e da reciclagem de precipitação na Amazônia.
Para o cálculo da reciclagem utilizou-se métodos fundamentados no balanço de umidade na
atmosfera. Na análise observacional, foram utilizadas as reanálises do European Centre for
Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF. Na etapa de modelagem, foram adotados o
modelo regional Eta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e cenários de
emissão dos GEE referentes ao clima presente e projeções para o século XXI.
Objetivos Específicos
Investigar a variabilidade espaço-temporal dos componentes do balanço de água e da
reciclagem de precipitação na bacia amazônica para o clima presente e cenários
futuros;
Investigar o papel dos mecanismos físicos que regulam o processo de reciclagem de
precipitação na Amazônia para o clima presente e cenários futuros;
Investigar os potenciais efeitos do aumento na concentração dos gases de efeito estufa
na atmosfera no balanço de água e na reciclagem de precipitação da Amazônia durante
o século XXI.
Esta Tese, em formato de artigo científico, possui quatro capítulos e está estruturada
da seguinte maneira: o Capítulo 1, publicado na Revista Brasileira de Meteorologia com o
título “Reciclagem de precipitação na Amazônia: Um estudo de revisão”, apresenta uma
perspectiva histórica da evolução do conhecimento sobre a reciclagem de precipitação e
fornece uma visão crítica do estado da arte atual. Neste capítulo também são retratadas as
principais fontes de umidade para a precipitação na Amazônia e o transporte de vapor d’água
sobre a América do Sul. Os Capítulos 2 e 3 referem-se à etapa observacional deste estudo,
realizada com as reanálises do ECMWF (Era-Interim) no período de 1980 a 2005 e os
métodos descritos por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) – Capítulo 2 – e Eltahir e
Bras (1994) – Capítulo 3 – que quantificam a reciclagem de precipitação na Amazônia tendo
como base o balanço de umidade da atmosfera. O Capítulo 4 refere-se à avaliação dos
18
impactos das emissões antropogênicas dos gases de efeito estufa sobre o balanço de água e a
reciclagem de precipitação na bacia amazônica simulados pelo modelo Eta-HadGEM2-ES ao
longo do século XXI. O método descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) para
estimar a reciclagem é utilizado neste capítulo. Ao final, dispõe-se uma síntese dos resultados
obtidos em todos os capítulos, e também se apresentam sugestões para pesquisas futuras
associadas a temática.
19
CAPÍTULO 1
Rocha, V.M.; Correia, F.W.S.; Fonseca, P.A.M. 2015.
Reciclagem de precipitação na Amazônia: Um estudo de
revisão. Revista Brasileira de Meteorologia 30(1): 59-70.
20
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA AMAZÔNIA: UM ESTUDO
DE REVISÃO
PRECIPITATION RECYCLING IN THE AMAZON: A REVIEW STUDY
Vinícius Machado Rocha*1
Francis Wagner Silva Correia2
Paula Andrea Morelli Fonseca1 1Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Escritório Central do LBA – Campus 2. Avenida André Araújo, 2.936, Bairro Petrópolis, CEP: 69067375 - Manaus, AM. 2Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Escola Superior de Tecnologia (EST). Av. Darcy Vargas, 1200, Bairro Parque 10 de Novembro, CEP: 69065020 - Manaus, AM. *Autor para correspondência: Vinícius Machado Rocha, e-mail: [email protected]
Resumo:
Este artigo traz uma perspectiva histórica da evolução do conhecimento sobre a reciclagem de
precipitação e fornece uma visão crítica do estado da arte atual. São retratadas as principais
fontes de umidade para a precipitação na Amazônia e o transporte de vapor d’água sobre a
América do Sul. A quantificação do mecanismo de reciclagem é um indicador da importância
dos processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como da sensibilidade
climática relacionada às alterações nesses processos. Os aspectos climatológicos da
reciclagem na América do Sul mostram que a contribuição advectiva é mais importante para a
precipitação sobre a Amazônia e o Nordeste do Brasil, ao passo que na região Centro-Sul a
contribuição local tem importante papel na precipitação. Estima-se que a reciclagem de
precipitação na Amazônia é da ordem de 20-35%. A advecção de umidade domina o
fornecimento de vapor d’água em grande parte da região amazônica, entretanto, o papel da
evapotranspiração local na reciclagem é mais importante no setor sul da bacia. Embora os
estudos sobre reciclagem tenham produzido novos conhecimentos acerca da interação entre os
processos de superfície e o ciclo hidrológico, os efeitos das mudanças climáticas globais nesse
mecanismo ainda não estão completamente compreendidos.
Palavras-chave: Amazônia; reciclagem de precipitação; transporte de umidade; balanço de
água; interação biosfera-atmosfera.
Recebido em 17 de março de 2014.
Aceito em 21 de julho de 2014.
Abstract:
This paper constitutes a historical perspective in the evolution of the knowledge on
precipitation recycling and provides a critical view on the current state-of-the-art. The main
sources of moisture for Amazon rainfall and the transport of water vapor over South America
are described. The recycling mechanism quantification is an indicator of the importance of the
land-surface processes and climate to the hydrological cycle, as well as climate sensitivity
associated to changes in these processes. The climatological aspects of the recycling
precipitation over South America shows that the advective contribution is more important for
the precipitation over the Amazon basin and Brazil’s Northeast, while in the Central-South
region the local contribution plays an important role in the precipitation. It is estimated that
the precipitation recycling in Amazon basin is 20-35%. Over the Amazon, advection of
moisture dominates the supply of atmospheric water vapor over much of the river basin but
local evaporation is much more prominent over the southern region. Although the
21
precipitation recycling studies have produced new information concerning the interaction
between the land-surface processes and hydrological cycle, the effects of global climate
change in this mechanism are not yet fully understood.
Keywords: Amazon Basin; precipitation recycling; moisture flux; water budget; biosphere-
atmosphere interaction.
1. Introdução
A Amazônia é a única grande extensão contínua de floresta tropical úmida do mundo. Com
uma área de aproximadamente 6,5 milhões de km2, que corresponde a 56% das florestas
tropicais da Terra, a Amazônia desempenha um importante papel nas trocas de energia,
umidade e massa entre a superfície continental e a atmosfera, fornecendo serviços ambientais
fundamentais para a manutenção do clima regional e global, tais como: o armazenamento e
absorção do excesso de carbono da atmosfera, o transporte de gases traço, aerossóis e vapor
d’água para regiões remotas e, principalmente, a reciclagem de precipitação. A floresta
amazônica também atua como uma das fontes indispensáveis de calor para a atmosfera global
por meio de sua intensa evapotranspiração e liberação de calor latente de condensação na
média e alta troposfera em nuvens convectivas tropicais, contribuindo na geração e
manutenção da circulação atmosférica em escalas regional e global (Fisch et al., 1998; Rocha,
2001; Artaxo et al., 2005; Fearnside, 2005; Marengo, 2006; Malhi et al., 2008; Nobre et al.,
2009a,b; Satyamurty et al., 2013).
No que se refere ao balanço de água, a bacia amazônica comporta-se como um sumidouro de
umidade da atmosfera (precipitação maior que evapotranspiração), recebendo vapor d’água
tanto do transporte de origem oceânica quanto da evapotranspiração produzida pela própria
floresta tropical. Com relação à circulação regional, a Amazônia representa uma importante
fonte de umidade para o Centro, Sudeste e Sul do Brasil, assim como para o norte da
Argentina, incluindo a bacia do Prata, contribuindo para a ocorrência de precipitação nessas
regiões (Marengo et al. 2004, Marengo, 2004, 2005 e 2006; Vera et al., 2006; Correia et al.,
2007; Satyamurty et al., 2013). Nesse sentido, Arraut e Satyamurty (2009) mostraram que a
atividade convectiva sobre o sul do Brasil e norte da Argentina é influenciada pelo transporte
de umidade através da fronteira sul da bacia amazônica, realizado pelos Jatos de Baixos
Níveis (JBNs) a leste dos Andes.
O conceito de reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de retroalimentação
“feedback” entre a superfície e a atmosfera onde a evapotranspiração local contribui,
significativamente, na precipitação total sobre uma região (Figura 1). Em outras palavras, a
reciclagem de precipitação pode ser definida como a quantidade de água que evapotranspirada
da superfície terrestre em uma determinada região retorna na forma de precipitação sobre a
mesma região (Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Trenberth, 1999).
22
Figura 1: Modelo conceitual de reciclagem de precipitação. Os termos Pm e Pa referem-se às
taxas de precipitação provenientes da evapotranspiração e do vapor d’água advectados para a
região, respectivamente; Fin e Fout são os fluxos de vapor d´água que entra e sai da região
considerada, respectivamente; E é a taxa de evapotranspiração e W é o armazenamento de
água na atmosfera (água precipitável). Fonte: Adaptado de Brubaker et al. (1993).
Com base na interpretação de dados observacionais, de reanálises e de modelos numéricos de
diferentes centros meteorológicos, diversos estudos foram realizados com o objetivo de
quantificar e descrever a distribuição da reciclagem de precipitação na bacia amazônica:
Molion (1975) – 56%; Marques et al. (1977) – 50%; Brubaker et al. (1993) – 24%; Eltahir e
Bras (1994) – 25-35%; Trenberth (1999) – 34%; Costa e Foley (1999) – 20%; Nóbrega et al.
(2005) – 24%; Silva (2009) – 27%; Van der Ent et al. (2010) – 28%; e Satyamurty et al.
(2013) – 30%. Os resultados desses estudos, apesar de apresentarem diferenças quantitativas,
demonstram que a quantificação desse mecanismo (reciclagem de precipitação) é um forte
indicador da importância dos processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim
como da sensibilidade climática relacionada às alterações nesses processos.
Este artigo traz uma perspectiva histórica da evolução do conhecimento sobre a reciclagem de
precipitação, abordando os mecanismos de retroalimentação envolvidos nesse processo, e
fornece uma visão crítica do estado da arte atual. São retratadas as características do clima da
Amazônia no que concerne às principais fontes de umidade para a precipitação regional,
assim como o transporte de vapor d’água sobre a América do Sul. Uma revisão dos estudos
observacionais e de modelagem numérica com o objetivo de quantificar e avaliar a reciclagem
de precipitação na Amazônia e em outras regiões do planeta é apresentada.
2. Fontes de umidade para a Amazônia e o transporte de vapor
d’água sobre a América do Sul
A grande maioria dos estudos sobre reciclagem de precipitação tem demonstrado que este
mecanismo é fortemente influenciado pela precipitação total, pela evapotranspiração da
superfície e pelo transporte de vapor d’água sobre a região.
O fluxo de umidade do Atlântico Equatorial associado com os ventos alísios é a principal
fonte de umidade para a Amazônia (Costa e Foley, 1999; Arraut e Satyamurty, 2009; Arraut
23
et al., 2012; Satyamurty et al., 2013). Avaliando o transporte de vapor d’água e a reciclagem
de precipitação na Amazônia utilizando dados de reanálises do National Center for
Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research – NCEP/NCAR (Kalnay
et al. 1996), Satyamurty et al. (2013) mostraram que: as fontes de umidade para a bacia
amazônica estão localizadas no Oceano Atlântico Tropical Norte e Sul; o transporte de
umidade que alimenta a bacia ocorre de leste para oeste durante todas as estações do ano; e a
reciclagem de precipitação, por meio da evapotranspiração, é estimada em cerca de 33% no
período chuvoso e apresenta valores menores na estação seca.
Drumond et al. (2014) utilizaram um modelo Lagrangiano (FLEXPART) e as reanálises
ERA-Interim no período de 1979-2012 para investigar o papel da umidade da bacia
amazônica no balanço hidrológico regional ao longo do ano. Os resultados obtidos indicam
que o Atlântico Tropical é a principal fonte de umidade para a Amazônia. O Atlântico
Tropical Norte contribui principalmente durante o verão austral, enquanto que a contribuição
do Atlântico Tropical Sul prevalece no restante do ano. Durante eventos de El Niño, a
contribuição do Atlântico Norte aumenta superficialmente entre junho-janeiro, ao passo que a
contribuição do Atlântico Sul é maior no outono do ano seguinte.
Drumond et al. (2008) investigaram as principais fontes de umidade para o Brasil Central e a
bacia do Prata num período médio de 5 anos (2000-2004), utilizando um método Lagrangiano
que identifica as contribuições de umidade no balanço de água de uma região. Os resultados
encontrados revelam a importância do Atlântico Tropical Sul, enquanto fonte de umidade
para o Brasil Central, assim como, da reciclagem de precipitação para a bacia do Prata,
sobretudo durante o verão austral. Ademais, o Atlântico Tropical Norte é também considerado
uma fonte adicional de umidade para ambas as regiões. Doyle e Barros (2002) verificaram
que a circulação associada à parte oeste da Alta Subtropical do Atlântico Sul transporta vapor
d’água do Oceano Atlântico Sul para a América do Sul Subtropical.
O papel climatológico do Oceano Atlântico Norte Subtropical como fonte de umidade para a
Amazônia foi discutido por Gimeno et al. (2012 e 2013), que avaliaram a influência das
regiões oceânicas na precipitação continental. De acordo com os autores, o Oceano Atlântico
Norte Subtropical fornece umidade para a precipitação em uma grande área continental, que
se estende do México até partes da Eurásia e, até mesmo, para o continente sul-americano
durante o inverno boreal.
A bacia amazônica também se comporta como fonte de vapor d’água para outras regiões,
fornecendo umidade predominantemente para o sudeste da América do Sul, região Central e
Sudeste do Brasil, e bacia do Prata, e principalmente nos meses de primavera e verão
(Marengo, 2005; Drumond et al., 2008; Arraut e Satyamurty, 2009). A umidade fornecida a
partir da evapotranspiração da Amazônia é transportada pelos ventos predominantes, e a
precipitação decorrente da evapotranspiração aumenta de nordeste para sudoeste na bacia
(Eltahir e Bras, 1994). Parte da umidade é interceptada pela Cordilheira dos Andes e
transportada através dos JBNs, a leste da cadeia de montanhas, para a bacia do Prata, sendo
que 70% da precipitação nesta região é de origem terrestre; isto significa que, a
evapotranspiração com origem na Amazônia tem uma contribuição significativa sobre os
recursos hídricos na bacia do Prata (Van der Ent et al., 2010). Ademais, segundo Drumond et
al. (2014), o transporte de umidade da Amazônia em direção ao sudeste da América do Sul
aumenta durante anos cujo fenômeno El Niño é configurado.
Os JBNs ocorrem com frequência em muitas partes do mundo. Estes ventos de máxima
velocidade nos baixos níveis da atmosfera são importantes no que concerne aos fluxos
verticais e horizontais de temperatura e umidade, e estão associados com o desenvolvimento e
a evolução da convecção profunda. Uma vez que a convecção profunda é ativada, uma
24
quantidade significativa de nebulosidade é produzida, sobretudo nos níveis superiores, e isto é
responsável por parte da precipitação sobre a América do Sul durante o verão. A relação entre
JBNs e convecção profunda sugere que os JBNs exercem um importante papel na manutenção
do clima regional (Stensrud, 1996).
Marengo et al. (2004) desenvolveram uma climatologia do JBN da América do Sul (Figura 2),
a leste dos Andes, utilizando os campos de umidade e circulação provenientes das reanálises
do NCEP-NCAR no período de 1950-2000 e observações de ar superior realizadas sobre a
Bolívia e o Paraguai desde 1998. Os campos de circulação nos níveis alto e baixo da
atmosfera foram derivados das médias sazonais e os compostos do JBN durante as estações de
verão e inverno. No que concerne às características da circulação regional, durante o verão os
compostos do JBN mostram o aumento no transporte de umidade meridional em baixos níveis
proveniente da América do Sul Equatorial, bem como, um trem de ondas em altos níveis
oriundo da parte oeste do Oceano Pacífico propagando-se para o continente sul americano. A
intensificação do JBN no verão austral associa-se ao estabelecimento de uma crista em altos
níveis no sul do Brasil e um cavado sobre grande parte da Argentina. As anomalias de
circulação nos níveis superior e inferior da atmosfera sugerem que a intensificação do JBN
afeta a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), intensificando-a e, posteriormente, a
penetração de frentes frias produz chuvas intensas na região de saída do jato, contribuindo
para a formação dos Complexos Convectivos de Mesoescala (CCM).
Figura 2: Modelo conceitual do jato de baixos níveis (JBN), a leste dos Andes, que transporta
umidade da Amazônia (flecha azul) e do oceano Atlântico subtropical (flecha verde). Fonte:
Marengo et al. (2004).
25
Com relação à variabilidade temporal, o JBN da América do Sul parece ocorrer durante todo
o ano, transportando massas de ar úmida tropical da Amazônia para o centro-sul do Brasil e
norte da Argentina, sobretudo no verão, e conduzindo massa de ar tropical marítima da alta
subtropical do Atlântico mais frequentemente no inverno. No verão, os JBNs são observados
principalmente ao norte de 20°S, aproximadamente, enquanto que ao sul eles parecem ocorrer
durante o ano todo. Em escalas de tempo interanual, embora exista uma fraca tendência para
fortes e mais frequentes episódios de JBN durante o verão em anos com águas superficiais
aquecidas anomalamente no Pacífico Tropical, não é possível afirmar que há uma relação
consistente entre a ocorrência de eventos de El Niño e o número e/ou intensidade de episódios
de JBN (Marengo et al., 2004).
Grande parte do vapor d’água, transportado meridionalmente através das latitudes médias,
ocorre por meio de corredores estreitos denominados Rios Atmosféricos (RAs) (Zhu e
Newell, 1998). Em outras palavras, o conceito de RAs remete-se às principais vias do fluxo
de umidade na atmosfera. Ao contrário dos rios de superfície, os rios atmosféricos ganham
(perdem) água por meio da evaporação (precipitação) (Arraut et al., 2012). Conforme salienta
Gimeno et al. (2014), os RAs são caracterizados pelo alto conteúdo de vapor d’água e ventos
fortes em baixos níveis (um JBN), e formam uma parte do extenso cinturão de correntes
quentes dos ciclones extratropicais que desempenham um importante papel no transporte de
calor sensível e latente em direção aos polos, para equilibrar a contribuição de outros
componentes do ciclone que transportam relativamente ar frio e seco para o equador.
Arraut et al. (2012) realizaram um estudo observacional do transporte de umidade em larga
escala sobre a América do Sul e sua relação com a precipitação subtropical. De acordo com os
autores, os ventos de leste (alísios) sobre a Amazônia juntamente com o fluxo norte/noroeste
para as regiões subtropicais, a leste dos Andes, constituem os RAs da América do Sul (Figura
3). Outrossim, definido pelos autores, os lagos atmosféricos são os setores da via de umidade
onde o fluxo desacelera e se alarga, devido à difluência, tornando-se mais profundo e com
maior água precipitável. Este é o caso sobre a Amazônia, região a jusante da confluência dos
ventos alísios. A descarga do RA nos subtrópicos é comparável à do Rio Amazonas. As
variações na quantidade de umidade proveniente da Amazônia tem um efeito importante na
variabilidade da descarga. No entanto, as correlações entre o fluxo oriundo da Amazônia e a
precipitação subtropical não são fortes.
26
Figura 3: Modelo conceitual do sistema de lagos e rios atmosféricos (RAs) sobre a América
do Sul na estação chuvosa. Fonte: Arraut et al. (2012).
O transporte de umidade das fontes oceânicas para os continentes estabelece a conexão entre a
evaporação oceânica e a precipitação continental. Um estudo detalhado deste transporte pode
fornecer uma melhor compreensão, tanto das mudanças observadas, quanto de alguma
evidência física para sustentar os resultados de projeções do clima futuro (Gimeno et al.,
2012). Cenários de mudanças climáticas sugerem que a alta sensibilidade da pressão de
saturação do vapor d’água à temperatura resultará em aumentos na evaporação e, portanto, na
precipitação, conduzindo a intensificação do ciclo hidrológico (Held e Soden, 2006). Nesse
sentido, Gimeno et al. (2013) investigaram duas questões chaves referentes ao ramo
atmosférico do ciclo hidrológico que, ainda, permanecem uma incógnita: (1) de que maneira
as mudanças climáticas afetam o transporte de umidade? e, em especial, (2) de que modo as
possíveis alterações na intensidade e localização das fontes poderiam afetar a distribuição da
precipitação continental num clima em mudança?. Os autores utilizaram um conjunto de
simulações de multi-modelos (multimodel ensemble) que permitiu delimitar as regiões
oceânicas onde as mudanças climáticas provavelmente conduzirão o aumento na evaporação
(E) menos precipitação (P). Um modelo Lagrangiano foi utilizado para identificar quais
regiões continentais serão afetadas pelas mudanças na precipitação (E – P < 0) proveniente de
cada fonte de umidade oceânica. De acordo com os resultados, durante o inverno boreal
grande parte da Europa, Ásia, Oriente Médio, América do Sul e África Meridional é afetada,
porém a América do Norte surge como a região continental mais impactada. No inverno
austral, as mudanças mais pronunciadas ocorrem, sobretudo, na América Central e do Norte.
Outra importante questão científica que necessita de melhor entendimento é o papel
desempenhado pela Oscilação do Atlântico Norte e pelo El Niño-Oscilação Sul na
27
variabilidade das regiões fontes de umidade, bem como uma avaliação detalhada da umidade
transportada pelos JBNs e os RAs.
3. Mecanismos de retroalimentação do processo de reciclagem de
precipitação
A umidade que origina a precipitação sobre regiões continentais é proveniente de duas fontes:
(i) advecção de vapor d’água oriundo de outras regiões por meio de movimentos de massas de
ar e (ii) o vapor d’água local por meio da evapotranspiração da superfície da região.
A reciclagem de precipitação é definida como a água que evapora da superfície continental
dentro de um volume de controle e precipita no mesmo volume (Brubaker et al.,1993), ou
como o índice da razão da precipitação reciclada em relação à precipitação total, e tem por
característica uma relação não linear entre a evapotranspiração, o transporte de umidade e a
precipitação total em uma região. O transporte de umidade para a região depende da dinâmica
atmosférica e das fontes de origem da umidade. A evapotranspiração, por sua vez, depende da
disponibilidade de umidade na área ou abaixo da superfície (zona insaturada), que é
evaporada diretamente ou através da transpiração da vegetação. Consequentemente, qualquer
alteração no uso e cobertura da terra e no clima que modifiquem esses processos pode afetar a
quantidade de precipitação sobre a região, assim como a reciclagem.
Por meio de estudos observacionais e de experimentos numéricos sabe-se que a
evapotranspiração da superfície tem dois efeitos:
1. A evapotranspiração aumenta a umidade atmosférica, o que favorece mais
precipitação. Dados observacionais sobre a Amazônia e outras regiões (Eltahir e Bras,
1994; Trenberth, 1999) mostram uma contribuição significativa da evapotranspiração
local para a umidade atmosférica. A importância relativa depende da quantidade de
umidade advectada para a região, isto é, a evapotranspiração terá efeito pronunciado
quando a umidade advectada for pequena. Bosilovich e Schubert (2001) calcularam
uma taxa de reciclagem de precipitação 20% menor sobre a região central dos Estados
Unidos durante a inundação de 1993, quando uma grande quantidade de umidade foi
advectada para a região. Esta taxa é maior que 60% durante o mesmo mês no ano seco
de 1988, associada com menores quantidades de umidade advectada;
2. A evapotranspiração altera a termodinâmica da coluna vertical de água, favorecendo
precipitações futuras. Maior evapotranspiração (associada com solos úmidos) reduz
tanto o albedo da superfície, quanto a razão de Bowen (Brutsaert, 1982). Isto resulta
em maior saldo de radiação à superfície e aumento na transferência de calor para a
atmosfera, o que implica em aumento na energia estática úmida da camada limite. A
energia estática úmida desempenha um importante papel na dinâmica das tempestades
convectivas locais, o que fortalece a circulação de monção em grande escala (Schar et
al., 1999; Eltahir, 1998).
Gimeno et al. (2012) identificaram as principais fontes de umidade atmosférica, tanto
oceânicas quanto terrestres, em escala global. Os autores avaliaram como as áreas
continentais são influenciadas pela água de diferentes regiões fontes de umidade. Segundo os
autores, algumas porções continentais somente recebem umidade da evaporação que ocorre
no mesmo hemisfério (por exemplo, a Europa Setentrional e a América do Norte Oriental);
28
enquanto que outras regiões são abastecidas de umidade de ambos os hemisférios, com
grandes variações sazonais, tais como a América do Sul Setentrional, incluindo a bacia
amazônica.
Drumond et al. (2011) investigaram o papel das águas quentes do Hemisfério Ocidental
Tropical (Tropical Western Hemisphere Warm Pool – WHWP) no fornecimento de umidade
para a atmosfera no decorrer do ciclo anual a fim de identificar as regiões que podem ser
afetadas pela precipitação cuja origem encontra-se nesta fonte. Utilizando o modelo
Lagrangiano FLEXPART e as condições médias mensais no período de 2000-2004, os
autores mostraram a contribuição da WHWP para os regimes de precipitação sobre o leste da
América do Norte, Atlântico Norte e na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT),
considerada o mais importante sistema meteorológico de chuva para a região tropical,
sobretudo na Amazônia (Marengo e Nobre, 2009).
Embora a maior parte da umidade necessária para gerar as chuvas na Amazônia seja
proveniente de fora da região, a contribuição da evapotranspiração local para a precipitação
sobre a bacia representa uma porção significativa do balanço de água regional e desempenha
um importante papel no ciclo hidrológico amazônico, influenciando os padrões espaciais de
umidade do solo, a produtividade e a ocorrência de eventos extremos, tais como enchentes e
secas (Correia et al., 2007; Rocha et al., 2009; Satyamurty et al., 2013). O papel da vegetação
no abastecimento do transporte de umidade sobre a Amazônia foi discutido por Spracklen et
al. (2012). Os autores observaram que a massa de ar que passa sobre áreas de floresta densa
produz, pelo menos, o dobro de chuva em comparação ao ar que passa sobre superfícies com
pouca vegetação.
Angelini et al. (2011) quantificaram a extensão do acoplamento entre a vegetação e a
atmosfera sobrejacente utilizando dados climatológicos referentes à emissividade, temperatura
do ponto de orvalho, e os registros históricos de precipitação e cobertura florestal, dentre
outros. A partir da análise isotópica da precipitação, os autores encontraram que a chuva na
Amazônia ocorre, a princípio, devido a sistemas meteorológicos de grande escala, não sendo
acionada diretamente pela evapotranspiração local. De acordo com o estudo, alterações na
cobertura vegetal influenciam a temperatura e o conteúdo de umidade à superfície, assim
como a camada limite atmosférica, mas não se refletem em mudanças na precipitação; o que
significa, segundo os autores, que as mudanças na precipitação sobre grandes áreas
continentais são um produto de processos complexos apenas parcialmente influenciados, mas
não controlados, pelas fontes de água locais e/ou a vegetação.
As transições de fase da água na atmosfera desempenham um importante papel no sistema
climático terrestre, mas seu impacto direto na dinâmica atmosférica necessita de grande
atenção. Nesse sentido, Makarieva et al. (2013) avaliaram como a condensação influencia a
pressão atmosférica através da remoção da massa da água a partir da fase gasosa com um
balanço simultâneo da liberação do calor latente. Os autores mostraram que a condensação
está associada com uma diminuição da pressão do ar na baixa atmosfera. Esta diminuição
ocorre até certa altura, que varia de 3 a 4 km para temperaturas de superfície de 10º a 30ºC.
Makarieva et al. (2013) estimaram as diferenças de pressão horizontal associadas com a
condensação do vapor d’água e encontraram que estes são comparáveis em magnitude com as
diferenças de pressão conduzidas pelos padrões de circulação observados. O vapor d’água
fornecido para a atmosfera através da evaporação representa um estoque de energia potencial
disponível para acelerar o ar e, assim, conduzir ventos. Os resultados encontrados sugerem
ainda que a potência média global em que esta energia potencial é liberada pela condensação
é de, aproximadamente, 1% da energia solar global, isto é semelhante à energia dissipativa
estacionária da circulação geral da atmosfera.
29
4. Reciclagem de precipitação: estudos observacionais e de
modelagem numérica
Vários estudos observacionais e de modelagem numérica têm sido realizados com o objetivo
de avaliar a reciclagem de precipitação em diferentes regiões do planeta, como os de Budyko
(1974), Molion (1975), Marques et al. (1977), Brubaker et al. (1993), Eltahir e Bras (1994 e
1996), Savenije (1995), Trenberth (1999), Costa e Foley (1999), Bosilovich e Schubert
(2001), Nóbrega et al. (2005), Silva (2009), Van der Ent et al. (2010) e Satyamurty et al.
(2013).
Diversos trabalhos realizados anteriormente estimaram diferentes taxas de reciclagem de
precipitação sobre uma mesma região. Isto ocorre, dentre outros fatores, devido ao método
utilizado para quantificar a reciclagem de precipitação e a fonte de dados utilizados, e também
a estação do ano considerada no estudo. Bosilovich e Schubert (2001), utilizando as reanálises
do National Aeronautics and Space Administration Goddard Earth Observing System (GEOS-
1) e dois métodos distintos baseados no balanço de umidade, calcularam em dois diferentes
episódios de verão a taxa de reciclagem de precipitação sobre a região central dos Estados
Unidos. Os autores encontraram uma taxa de reciclagem de 25% e 36% a partir dos métodos
descritos por Brubaker et al. (1993) e Eltahir e Bras (1996), respectivamente.
A Tabela 1 apresenta uma comparação entre alguns dos resultados encontrados na literatura
referentes à reciclagem de precipitação anual em diferentes regiões do planeta. A localização
aproximada das regiões pode ser consultada na Figura 4.
Figura 4: Regiões onde a reciclagem de precipitação, apresentada na Tabela 1, foi calculada.
Fonte: Mohamed e Savenije (2002).
b
30
Tabela 1: Média anual da reciclagem de precipitação sobre diferentes regiões.
Bacia Amazônia Mississipi África Ocidental Eurásia Método e dados
Budyko (1974) 11% Modelo unidimensional de Budyko e dados observados
de várias fontes.
Molion (1975) e
Marques et al. (1977)
56%
50%
Observações de precipitação, vazões dos rios e dados de
radiossondagem.
Brubaker et al. (1993) 24% 24% 31% 11% Modelo de Budyko reformulado em duas dimensões e
dados observados.
Eltahir e Bras (1994) 25%
35%
Modelo numérico bi-dimensional e duas fontes de dados:
ECMWF1 (25%) e GFDL2 (35%).
Savenije (1995)
63%
Modelo numérico unidimensional e dados observados de
chuva e escoamento superficial, apenas na estação
chuvosa.
Trenberth (1999)
34%
21%
Modelo de Brubaker et al. (1993) com base na escala de
comprimento L. Na Amazônia L é 2750 km e no
Mississipi L é 1800 km. Dados do CMAP3, NVAP4 e
NCEP5.
Costa e Foley (1999)
20%
Modelo derivado de Eltahir e Bras (1994), cálculo do
fluxo de entrada do vapor d’água em cada célula de
grade e utilizando as reanálises do NCEP/NCAR (1976-
1996).
Nóbrega et al. (2005) 24% Modelo de Trenberth (1999) e as reanálises
NCEP/NCAR (1978-1998).
Silva (2009) 27% Modelo de Brubaker et al. (1993) e as reanálises do
NCEP/NCAR (1979-2007).
Van der Ent et al. (2010) 28% 27% 45% 28% Reanálises do ECMWF (ERA-Interim, 1999-2008).
Satyamurty et al. (2013) 30% Reanálises do NCEP/NCAR (1978-2010).
1European Centre for Medium-Range Weather Forecasts. 2Geophysical Fluid Dynamics Laboratory. 3Climate Prediction Center Merged Analysis of Precipitation. 4NASA Water Vapor Project. 5National Centers for Environmental Prediction.
31
Budyko (1974) desenvolveu um modelo unidimensional para estimar a contribuição da
evapotranspiração local e umidade advectada na precipitação sobre grandes regiões. O autor
definiu β como a razão entre a precipitação total e a precipitação que é originada devido à
umidade advectada. Calculando β para a Eurásia, o autor estimou que a contribuição local
para a precipitação média anual sobre a região foi de apenas 11%.
Os estudos sobre o balanço de umidade na região amazônica foram inicialmente realizados
com observações de precipitação, vazões dos rios e dados de algumas poucas estações de
radiossondagem. Esses estudos mostraram que, em média, 50% da precipitação é reciclada e
volta à atmosfera por meio da evapotranspiração (Molion, 1975; Marques et al., 1977).
Outrossim, as pesquisas pioneiras consideraram que toda a evapotranspiração na bacia era
transformada em precipitação na própria região.
No entanto, com base no estudo do balanço dos isótopos de O18 do vapor d’água que entra na
região e nas águas do Rio Amazonas, Salati et al. (1979) estimaram que grande parte do vapor
que entra na região pelos ventos alísios é transportado para fora da bacia e contribui para a
geração de precipitação em outras regiões. De acordo com os autores, esse fluxo de umidade é
da ordem de 3 a 5 1012 m3 ano-1 e parte desse vapor d’água dirige-se para a região Centro-
Sul do continente sul-americano.
Brubaker et al. (1993) adaptaram o modelo desenvolvido por Budiko (1974) em duas
dimensões, com fluxos de umidade entrando e saindo em um volume de controle. Utilizando
dez anos de dados observados de vento e umidade do Geophysical Fluid Dynamics
Laboratory (GFDL) – National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), os autores
determinaram a convergência de vapor d’água atmosférico e a fração da precipitação que tem
origem local, sobre quatro regiões continentais: Eurásia, África, América do Norte e
Amazônia. De acordo com os resultados obtidos, os autores verificaram que a contribuição da
evapotranspiração para a precipitação local varia sazonal e localmente. A reciclagem média
anual determinada para as quatro regiões foram: Eurásia – 11%; América do Norte – 24% e
África Ocidental– 31%. Na Amazônia, os valores máximo (32%) e mínimo (14%) foram
estimados nos meses de dezembro e junho, respectivamente.
Eltahir e Bras (1994) desenvolveram um modelo numérico bi-dimensional e utilizaram dados
de reanálises (ECMWF e GFDL) para quantificar a reciclagem de precipitação na bacia
amazônica. Os resultados encontrados revelaram uma reciclagem média anual da ordem de
25% e 35% de acordo com os dados do ECMWF e do GFDL, respectivamente. A distribuição
espacial da reciclagem de precipitação apresentou diferenças significativas. A razão máxima
de reciclagem foi identificada no setor sudoeste da bacia, com índices superiores a 50%.
Savenije (1995) utilizou um modelo unidimensional para calcular a reciclagem de
precipitação em Sahel (África Ocidental) com base em dados observacionais de chuva e
escoamento superficial no período de 1950-1990. Segundo o autor, a evapotranspiração é o
mais importante mecanismo de retroalimentação “feedback”, que sustenta as chuvas em
bacias continentais, especialmente em regiões semiáridas. A reciclagem no Sahel é
responsável por mais de 90% da precipitação na estação chuvosa; contudo, o valor encontrado
é considerado superestimado, uma vez que a umidade no modelo proposto por Savenije
(1995) não deixa a região através da atmosfera, mas apenas pelo escoamento superficial
“runoff”.
Trenberth (1999) utilizou o modelo proposto por Brubaker et al. (1993) e os dados do CMAP,
NVAP e reanálises do NCEP/NCAR, no período de 1979-1995, para avaliar a distribuição
espacial e sazonais na reciclagem de precipitação em escala global. Os resultados encontrados
mostram que o valor da reciclagem de precipitação depende da escala de comprimento L
considerada. Na Amazônia, a forte advecção de umidade domina o fornecimento de vapor
32
d’água em grande parte da região, porém, o papel da evapotranspiração local é mais
importante sobre o setor sul da bacia. Considerando o ciclo anual, cerca de 34% da
precipitação é reciclada localmente. Entretanto, para a bacia do Mississipi, a reciclagem de
precipitação estimada é da ordem de 21%.
Também utilizando as reanálises do NCEP/NCAR, a reciclagem de precipitação na Amazônia
foi estimada por Costa e Foley (1999) – 20%; Nóbrega et al. (2005) – 24%; Silva (2009) –
27% e Satyamurty et al. (2013) – 30%. Um resumo desses estudos sugere que: (a) os fluxos
de vapor d’água do Atlântico Equatorial associados aos ventos alísios são as principais fontes
de umidade para a bacia amazônica; (b) admitindo-se que o Atlântico Norte seja a única fonte
de umidade, é impossível explicar o padrão das chuvas na Amazônia, o que ressalta o papel
da floresta na reciclagem de precipitação; e (c) a Amazônia é a principal fonte de umidade
para o Brasil Central no período de setembro a fevereiro (Marengo e Nobre, 2009).
Costa e Foley (1999) analisaram a variabilidade dos componentes do balanço de umidade na
bacia para o período de 1976-1996. Os autores observaram que existe uma tendência de
diminuição no transporte de vapor d’água, tanto o que entra, quanto o que sai, sobre a
Amazônia. Essa tendência está associada com o “enfraquecimento” dos ventos alísios de
sudeste, assim como do gradiente de pressão leste-oeste, e com o aquecimento da temperatura
da superfície do mar (TSM) no Atlântico equatorial sul. Enquanto o transporte atmosférico de
vapor d’água através da Amazônia reduziu, a reciclagem de precipitação no interior da bacia
aumentou.
Nóbrega et al. (2005) analisaram os campos do fluxo de vapor d’água, evapotranspiração e
precipitação no período entre 1978-1998 para investigar a variabilidade sazonal e interanual
da reciclagem de precipitação sobre a América do Sul. Os resultados encontrados indicaram
valores de reciclagem relativamente pequenos sobre a Amazônia e o Nordeste do Brasil, e
maiores na parte central da América do Sul, com núcleos de até 50% durante o verão. De
acordo com os autores, os aspectos climatológicos da reciclagem de precipitação sobre a
América do Sul mostram que a contribuição advectiva é mais importante para a precipitação
sobre a Amazônia e o Nordeste do Brasil, ao passo que na região Centro-Sul a contribuição
local tem importante papel na precipitação. A reciclagem média anual verificada sobre a bacia
amazônica foi da ordem de 24%, com valor mínimo (21%) no bimestre junho-julho e máximo
(27%) no mês de novembro.
Silva (2009) avaliou a reciclagem e a precipitação de origem externa em seis regiões distintas
da América do Sul para o período de 1979-2007, conforme o modelo desenvolvido por
Brubaker et al. (1993). Os campos sazonais da precipitação de origem externa sobre a porção
norte da América do Sul indicam contribuição dominante da umidade de leste, principalmente
durante o inverno. Por outro lado, a maior parte da precipitação que ocorre sobre o Centro-
Oeste e Sudeste do Brasil deve-se à umidade proveniente do leste e do norte. Sobre o sul da
América do Sul, a maior contribuição para a precipitação é proveniente da umidade vinda do
oeste. Na Amazônia setentrional (central), verificou-se que 77% (73%) da precipitação é
proveniente de umidade externa e 23% (27%) de origem local; na região Centro-Oeste, 36%
da precipitação é de origem externa e 64% é gerada localmente; no Sudeste do Brasil, 30% da
precipitação é de origem externa e cerca de 70% é local; na bacia do Prata, aproximadamente
55% da precipitação é de origem externa e 45% é gerada localmente.
Van der Ent et al. (2010) demonstraram o quão importante é o papel da circulação geral da
atmosfera, topografia e uso da terra nos padrões de reciclagem de precipitação sobre os
continentes e na distribuição mundial dos recursos hídricos. Os autores utilizaram os dados de
reanálises do ECMWF (ERA-Interim, no período de 1998-2008) para quantificar os índices
globais de reciclagem. De acordo com o estudo, em média, 40% da precipitação sobre os
33
continentes tem origem na evapotranspiração da superfície terrestre; além disso, 57% de toda
a evapotranspiração da superfície retornam como precipitação sobre os continentes. Os
valores da reciclagem de precipitação estimada para o continente sul americano e,
especificamente, na Amazônia foram de 36% e 28%, respectivamente.
Viana et al. (2010) utilizaram o modelo regional BRAMS (Brazilian Regional Atmospheric
Modeling System) para avaliar os efeitos sobre a reciclagem de precipitação decorrentes do
desflorestamento de grande escala na bacia amazônica. As condições iniciais e de contorno
foram fornecidas pelo Modelo de Circulação Geral da Atmosfera (MCGA – CPTEC/INPE).
Para estimar a reciclagem de precipitação os autores se basearam no método desenvolvido por
Brubaker et al. (1993). Os resultados revelaram uma heterogeneidade na reciclagem de
precipitação, com valores mais intensos no centro-sul da bacia, principalmente no período
chuvoso. Na estação seca (chuvosa), a reciclagem de precipitação foi da ordem de 14,3%
(25%); sendo que, a redução na evapotranspiração e o aumento no transporte de umidade
contribuíram, significativamente, para a diminuição da reciclagem no período de estiagem.
Com base nos resultados dos estudos discutidos, estima-se que a reciclagem de precipitação
na bacia amazônica é da ordem de 20-35%. Tanto o desflorestamento, quanto as mudanças do
clima global, devido ao aumento das emissões antropogênicas dos gases de efeito estufa,
podem afetar o funcionamento dos ecossistemas amazônicos, reduzindo sua capacidade de
capturar o carbono da atmosfera, aumentando a temperatura à superfície, reduzindo a umidade
do solo, modificando o ciclo hidrológico regional e, conseqüentemente, a reciclagem
(Marengo et al., 2011). Embora os estudos sobre reciclagem de precipitação tenham
produzido novos conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e o ciclo
hidrológico, os efeitos das mudanças climáticas globais nesse mecanismo ainda não estão
completamente compreendidos.
5. Considerações finais
O presente trabalho apresentou uma perspectiva histórica da evolução do conhecimento e uma
visão crítica do estado da arte atual sobre a reciclagem de precipitação, abordando os
mecanismos de retroalimentação envolvidos nesse processo. Foram retratadas as
características do clima da Amazônia no que diz respeito às principais fontes de umidade para
a precipitação na região, bem como o transporte de vapor d’água sobre o continente sul
americano. Uma revisão dos estudos observacionais e de modelagem numérica com o
objetivo de quantificar e avaliar a reciclagem de precipitação na Amazônia e em outras
regiões do planeta foi apresentado.
O transporte de umidade das fontes oceânicas para os continentes estabelece a conexão entre a
evaporação oceânica e a precipitação continental. Nesse sentido, o fluxo de umidade do
Atlântico Equatorial associado com os ventos alísios é a principal fonte de umidade para a
Amazônia. O transporte de vapor d’água que alimenta a bacia ocorre de leste para oeste
durante todo o ano. A Amazônia também se configura uma importante fonte de umidade para
o sudeste da América do Sul, região Central e Sudeste do Brasil, e bacia do Prata, sobretudo
durante a primavera e o verão. O vapor d’água fornecido a partir da evapotranspiração da
floresta é transportado pelos ventos predominantes, e a precipitação decorrente da
evapotranspiração aumenta de nordeste para sudoeste na bacia. Parte da umidade é
interceptada pelos Andes e transportada através dos JBNs para a bacia do Prata, no qual 70%
da precipitação nesta região é de origem terrestre.
34
A quantificação do mecanismo de reciclagem é um forte indicador da importância dos
processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como, da sensibilidade
climática relacionada às alterações nesses processos. Os aspectos climatológicos da
reciclagem de precipitação sobre a América do Sul mostram que a contribuição advectiva é
mais importante para a precipitação sobre a Amazônia e o Nordeste do Brasil, ao passo que na
região Centro-Sul a contribuição local tem importante papel na precipitação. Com base nos
resultados dos estudos discutidos, estima-se que a reciclagem de precipitação na bacia
amazônica é da ordem de 20-35%. A advecção de umidade domina o fornecimento de vapor
d’água em grande parte da região, entretanto, o papel da evapotranspiração local na
reciclagem é mais importante no setor sul da bacia.
A Amazônia demonstra vulnerabilidade às variabilidades e mudanças do sistema climático. O
risco dos impactos no ciclo hidrológico regional, na reciclagem de precipitação e,
consequentemente, sobre os ecossistemas amazônicos é potencializado quando alterações nos
usos da terra em escala regional são acompanhadas por mudanças no clima em escala global.
Embora os estudos apresentados tenham quantificado a distribuição da reciclagem de
precipitação sobre os continentes, os efeitos das mudanças climáticas globais nesse
mecanismo ainda não estão completamente compreendidos.
Agradecimentos
Este artigo é parte da Tese de Doutorado do primeiro autor sob orientação do Dr. Francis
Wagner Silva Correia. O primeiro autor agradece ao orientador pela orientação segura e
experiente que possibilitou a conclusão do presente trabalho. O autor também agradece à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão da
bolsa de estudo.
35
CAPÍTULO 2
Rocha, V.M.; Correia, F.W.S.; Satyamurty, P.; da Silva,
P.R.T.; Gomes, W.B.; Jardine, A.; Vergasta, L.A.; Moura,
R.G.; Trindade, M.S.P.; Pedrosa, A.L.; Silva, J.J.S. 2016.
Reciclagem de precipitação na bacia amazônica: Um
estudo utilizando as reanálises do ECMWF – Era-Interim.
Manuscrito em preparação para Climate Dynamics.
36
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: UM ESTUDO 1
UTILIZANDO AS REANÁLISES DO ECMWF – ERA-INTERIM 2
3
RESUMO 4
O objetivo desse trabalho é avaliar os componentes do balanço de umidade e a 5
reciclagem de precipitação na bacia amazônica, abordando os mecanismos físicos 6
envolvidos neste processo, utilizando as reanálises do European Centre for Medium-7
Range Weather Forecasts – ECMWF (Era-Interim) para o período de 1980 a 2005. 8
Reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de retroalimentação entre a 9
superfície e a atmosfera no qual a quantidade de água que evapotranspirada da 10
superfície terrestre de uma determinada região retorna na forma de precipitação sobre a 11
mesma região. De forma geral, a bacia amazônica se comporta como um sumidouro de 12
umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do tranporte de origem oceânica 13
quanto da evaportranspiração da floresta por meio do processo de reciclagem de 14
precipitação. Em escala regional, a Amazônia representa uma importante fonte de 15
umidade para outras regiões da América do Sul, contribuindo para o regime da 16
precipitação em áreas remotas. Na média, a reciclagem de precipitação é da ordem de 17
22% na bacia amazônica, com valores variando entre 10% na porção norte e 50% na 18
porção sul. Dessa forma, do total da precipitação na bacia, aproximadamente, 20% é 19
decorrente do processo de evapotranspiração local; indicando que, a contribuição local 20
para a precipitação total representa um percetual significativo no balanço de água 21
regional e desempenha um importante papel no ciclo hidrológico amazônico. Na média 22
da bacia, a contribuição advectiva é mais importante para a precipitação, enquanto que, 23
na porção sul a contribuição local (evapotranspiração) tem importante papel no regime 24
37
da precipitação. Contudo, as variabilidades e mudanças no sistema climático devido 25
tanto às variações naturais e antrópicas, tais como: o aumento na concentração de gases 26
do efeito estufa na atmosfera e as mudanças no uso e cobertura da terra, por exemplo, 27
desflorestamento, atividades agrícolas, desertificação e urbanização, podem afetar o 28
ciclo hidrológico regional, influenciando os padrões espaciais de umidade do solo e a 29
ocorrência de eventos extremos (secas e enchentes) e, consequentemente, afetando a 30
reciclagem de precipitação. Embora os resultados apresentados tenham produzido novos 31
conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e o ciclo 32
hidrológico, os efeitos das varibilidades e mudanças naturais e antropogênicas do clima 33
sobre a reciclagem de precipitação na Amazônia necessitam ainda ser investigados. 34
Palavras-chave: Amazônia, reciclagem de precipitação, reanálises ECMWF (Era-35
Interim). 36
38
PRECIPITATION RECYLCING IN THE AMAZON BASIN: A STUDY USING 37
THE ECMWF ERA-INTERIM REANALYSIS DATASET 38
39
ABSTRACT 40
The objective of this study is to assess the water budget components and precipitation 41
recycling in the Amazon basin, addressing the physical mechanisms involved in this 42
process, using the European Centre reanalysis for Medium-Range Weather Forecasts – 43
ECMWF (ERA-Interim) for period 1980-2005. Precipitation recycling refers to the 44
feedback mechanism between the Earth’s surface and the atomosphere wherein the 45
amount of water that is evapotranspired from a given region of the surface returns to the 46
same area in the form of precipitation. In general, the Amazon basin acts as a sink for 47
atmospheric moisture, receiving water vapor transported from the ocean and from 48
precipitation recycled from evapotranspiration by the forest. At the regional scale, the 49
Amazon basin is an important source of water vapor, contributing to precipitation in 50
other remote locations of South America. Here we show, on average, 22% of 51
precipitation in the Amazon basin is recycled, varying between 10% in the northern 52
portion and 50% in the southern portion. Thus, approximately 20% of the total rainfall 53
in the basin is derived from local evapotranspiration processes indicating that the local 54
contribution to the total precipitation represents a significant contribution to the regional 55
water budget and plays an important role in the Amazon water cycle. We also 56
demonstrate that in the center of the basin, advection processes are more important for 57
precipitation while local evapotranspiration processes play a more important role in the 58
precipitation regime in the southern portion of the basin. However, the variability and 59
changes in the climate system due to both natural and anthropogenic forcings such as 60
39
the increase in the concentration of greenhouse gases in the atmosphere and changes in 61
land use and land cover (i.e. deforestation, agricultural activities, desertification and 62
urbanization) can affect the regional hydrologic cycle, influencing the spatial patterns of 63
soil moisture and the occurrence of extreme events (droughts and floods) and 64
consequently impact precipitation recycling. Although the results presented here have 65
produced new knowledge about the interactions between surface processes and the 66
hydrologic cycle, the effects of varibility and of natural and anthropogenic climate 67
change on the precipitation recycling in the Amazon basin requires further investigation. 68
Keywords: Amazon basin, precipitation recycling, ECMWF (Era-Interim) reanalysis. 69
40
INTRODUÇÃO 70
A Amazônia é a maior extensão contínua de floresta tropical úmida do planeta, 71
com uma área de aproximadamente 6,5 milhões de km2 que corresponde a 56% das 72
florestas tropicais da Terra, e desempenha um importante papel nas trocas de energia, 73
umidade e massa entre a superfície continental e a atmosfera, fornecendo serviços 74
ambientais fundamentais para a manutenção do clima regional e global, tais como: o 75
armazenamento e absorção do excesso de carbono da atmosfera, o transporte de gases 76
traço, aerossóis e vapor d’água para regiões remotas e, principalmente, a reciclagem de 77
precipitação – de grande importância para a manutenção de seus ecossitemas. A floresta 78
amazônica também atua como fonte indispensável de calor para a atmosfera global por 79
meio de sua intensa evapotranspiração e liberação de calor latente na média e alta 80
troposfera tropical, contribuindo na geração e manutenção da circulação atmosférica em 81
escalas regional e global (Artaxo et al., 2005; Fearnside, 2005; Marengo, 2006; Malhi et 82
al., 2008; Nobre et al., 2009a,b; Satyamurty et al., 2013). 83
No que concerne ao balanço de água, a bacia amazônica se comporta como um 84
sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do transporte de 85
origem oceânica quanto da evapotranspiração produzida pela própria floresta tropical. 86
Com relação à circulação regional, a Amazônia representa uma importante fonte de 87
umidade para o Centro, Sudeste e Sul do Brasil, assim como para o norte da Argentina, 88
incluindo a bacia do Prata, contribuindo para o regime da precipitação nessas regiões 89
(Marengo et al. 2004; Marengo, 2004, 2005 e 2006; Vera et al., 2006; Correia et al., 90
2007; Satyamurty et al., 2013). Arraut e Satyamurty (2009) mostraram que a atividade 91
convectiva sobre o sul do Brasil e norte da Argentina é fortemente influenciada pelo 92
41
transporte de umidade através da fronteira sul da bacia amazônica, exercido pelo jato de 93
baixos níveis (JBN) a leste dos Andes. 94
O conceito de reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de 95
retroalimentação “feedback” entre a superfície e a atmosfera onde a evapotranspiração 96
local contribui, significativamente, na precipitação total sobre uma região. Em outras 97
palavras, a reciclagem de precipitação pode ser definida como a quantidade de água que 98
evapotranspirada da superfície terrestre em uma determinada região retorna na forma de 99
precipitação sobre a mesma região (Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; 100
Trenberth, 1999; Rocha et al., 2015). Utilizando dados observacionais, reanálises e 101
modelos numéricos de diferentes centros meteorológicos diversos estudos foram 102
realizados com o objetivo de quantificar e descrever a distribuição da reciclagem de 103
precipitação em difentes regiões do planeta: Molion (1975), Marques et al. (1977), 104
Brubaker et al. (1993), Eltahir e Bras (1994), Trenberth (1999), Costa e Foley (1999), 105
Nóbrega et al. (2005), Van der Ent et al. (2010), Satyamurty et al. (2013), entre outros. 106
Os resultados desses estudos, apesar de apresentarem diferenças quantitativas, 107
demonstram que o mecanismo de reciclagem é um forte indicador da importância dos 108
processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como da sensibilidade 109
climática relacionada às alterações nesses processos. Entretanto, devido à importância 110
da Amazônia para o balanço de água em escalas regional e global, é de fundamental 111
importância o entendimento da distribuição da reciclagem de precipitação na bacia 112
amazônica. Desta forma, este artigo apresenta um estudo observacional dos 113
componentes do balanço de água e da reciclagem de precipitação na Amazônia, 114
abordando os mecanismos físicos associados ao processo de reciclagem. 115
116
42
MATERIAL E MÉTODOS 117
Diferentes abordagens são utilizadas na formulação de métodos para quantificar 118
a reciclagem de precipitação. Os métodos pautados no balanço de umidade da atmosfera 119
(Budyko, 1974; Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Savenije, 1995; Schar et al., 120
1999; Trenberth, 1999), por exemplo, fazem uso de dados de estações meteorológicas, 121
reanálises ou simulações de modelos atmosféricos. Entretanto, métodos baseados na 122
trajetória de moléculas de água na atmosfera desde sua fonte de origem até a ocorrência 123
de precipitação também são utilizados (Koster et al., 1986; Dirmeyer e Brubaker, 1999). 124
Neste estudo, o método adotado para quantificar a reciclagem de precipitação baseia-se 125
no balanço de umidade na atmosfera, descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth 126
(1999). Dados de reanálises do ERA-Interim, do European Centre for Medium-Range 127
Weather Forecasts – ECMWF (Dee et al., 2011), para o período de 1980 a 2005, foram 128
utilizados para estimar a variabilidade espaço-temporal dos componentes do balanço de 129
água e da reciclagem de precipitação na bacia amazônica. Os dados de reanálises são: 130
precipitação, evapotranspiração, pressão ao nível médio do mar e da umidade específica 131
do ar, velocidade zonal e meridional do vento nos níveis de 1000, 925, 850, 700, 600, 132
500, 400 e 300 hPa; encontram-se na resolução de 1,0° 1,0° de latitude x longitude, 133
abrangendo a América do Sul e estão disponíveis em: http://apps.ecmwf.int/datasets/. 134
135
Método da reciclagem de precipitação 136
O método descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) define que, 137
considerando a escala de comprimento L, a evapotranspiração E e a precipitação total P 138
em uma determinada região, os fluxos de vapor d’água integrado na vertical que entra 139
(Fin) e sai (Fout) dessa região (Figura 1) podem ser determinados pela Equação 1: 140
43
141
142
Figura 1. Diagrama conceitual dos processos considerados na reciclagem de 143 precipitação: P precipitação total (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); Fin e Fout 144
são os fluxos de vapor d’água integrado na vertical (kg m-1 s-1) que entra e sai da região, 145
respectivamente; F fluxo de umidade médio na área (kg m-1 s-1); L escala de 146 comprimento (km). Fonte: Adaptado de Brubaker et al. (1993). 147
148
LPEFF inout (1)
Onde o fluxo horizontal médio do vapor d’água na área é definido como: 149
LPEFFFF inoutin 5,05,0 (2)
No método proposto por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999), a precipitação total 150
(P) na região é particionada em precipitação de origem local (Pl) e precipitação de 151
origem advectiva (Pa), ou seja: 152
al PPP (3)
Dessa forma, o fluxo horizontal médio proveniente da umidade advectada para a região 153
é dado por: 154
44
LPF ain 5,0 (4)
E o fluxo horizontal médio oriundo da evapotranspiração local é dado por: 155
LPE l5,0 (5)
Supondo que a atmosfera é bem misturada, de maneira que a razão da precipitação 156
proveniente da advecção versus aquela decorrente da evapotranspiração é proporcional 157
à razão entre o fluxo de umidade advectado e o evapotranspirado, então, tem-se a 158
seguinte expressão: 159
LPE
LPF
P
P
l
ain
l
a
5,0
5,0
(6)
Logo, a reciclagem de precipitação (β) pode ser determinada por: 160
in
l
FEL
EL
P
P
2
(7)
Utilizando a Equação 2, a reciclagem de precipitação (β) pode ser reescrita da seguinte 161
forma: 162
FPL
EL
2
(8)
Portanto, o pressuposto básico deste método é que a atmosfera é bem misturada e a 163
mudança no armazenamento de umidade na atmosfera é desprezível em comparação aos 164
outros termos. Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) recomendam que para a bacia 165
amazônica seja utilizada a escala de comprimento L = 2.750 km na estimativa da 166
reciclagem. 167
45
168
RESULTADOS E DISCUSSÃO 169
A maioria dos estudos sobre reciclagem de precipitação tem demonstrado que o 170
mecanismo é fortemente influenciado pela precipitação total, evapotranspiração da 171
superfície e pelo transporte de vapor d’água sobre a região. A seguir, a variabilidade 172
espaço-temporal dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de 173
precipitação na bacia amazônica é avaliada. O domínio da área de estudo abrange a 174
maior parte da América do Sul (Figura 2). 175
176
Figura 2. Domínio da área de estudo. Bacia amazônica (limite em preto), Amazônia 177 setentrional (limite em vermelho) e Amazônia meridional (limite em azul). 178 179
Precipitação e evapotranspiração 180
As Figuras 3 e 4 apresentam, respectivamente, a distribuição média da 181
precipitação e evapotranspiração sobre o continente sul americano nas quatro estações 182
46
do ano (verão – Dezembro-Janeiro-Fevereiro, DJF; outono – Março-Abril-Maio, MAM; 183
inverno – Junho-Julho-Agosto, JJA; primavera – Setembro-Outubro-Novembro, SON). 184
Na Amazônia, a precipitação apresenta significativa variabilidade espaço-temporal 185
determinada pela influência de diferentes sistemas de escala local, mesoescala, escala 186
sinótica e de grande escala que atuam na região (Marengo e Nobre, 2009; Nobre et al., 187
2009b). A precipitação média anual é de aproximadamente 2.300 mm, apresentando três 188
núcleos com precipitação abundante. O primeiro localizado no noroeste da Amazônia, 189
com chuvas acima de 3.500 mm ano-1 associadas à condensação do ar úmido por efeito 190
orográfico sobre a Cordilheira dos Andres (Marengo e Nobre, 2009). A segunda 191
máxima de precipitação, localizada sobre a foz do Rio Amazonas, está associada à Zona 192
de Convergência Intertropical (ZCIT) e circulações locais (brisa marítima) relacionadas 193
às linhas de instabilidade que surgem ao longo da costa, principalmente ao final do 194
período vespertino (Cohen et al., 1995). O terceiro centro localiza-se na parte sul da 195
região amazônica, sobretudo durante os meses de janeiro/fevereiro/março (verão 196
austral), sendo influenciado pela presença constante de aglomerados convectivos 197
associados a sistemas frontais sob a área de influência da Zona de Convergência do 198
Atlântico Sul (ZCAS). A maior parte da América do Sul tropical e subtropical recebe 199
mais de 50% do seu total anual de precipitação no verão austral, sob a forma de 200
precipitação convectiva com forte variação sazonal e diurna (Nobre et al., 2009b; 201
Satyamurty et al., 2013). 202
Na escala sazonal, a Figura 3(a-d) mostra o início da estação chuvosa, ou forte 203
atividade convectiva, no sul da Amazônia durante a primavera (SON). Observa-se que 204
os máximos de chuva situados na parte oeste e central da Amazônia ocorrem em DJF, 205
associados com a posição da Alta da Bolívia (AB). No outono, a banda de máxima 206
47
precipitação está localizada na Amazônia central, extendendo-se desde o setor oeste da 207
bacia até a foz do Rio Amazonas. Em JJA, o centro de máxima precipitação desloca-se 208
para o norte e situa-se sobre a América Central, estabelendo a estação seca (sem grande 209
atividade convectiva) sobre a Amazônia central e meridional que se encontram sob o 210
domínio do ramo descendente da Célula de Hadley. Entretanto, neste período, o 211
máximo de precipitação ocorre na Amazônia setentrional. Os trimestres mais secos na 212
região Norte do Brasil mudam progressivamente de setembro/outubro/novembro no 213
extremo norte, para agosto/setembro/outubro, numa longa faixa latitudinal desde o oeste 214
da região Nordeste do Brasil, para julho/agosto/setembro no vale da bacia amazônica, 215
sobretudo a oeste, e para junho/julho/agosto na parte sul. 216
48
217
Figura 3. Precipitação média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as 218 reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; 219 (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON. 220 221
49
Diferentes estudos apontam para o importante papel da superfície vegetada, 222
notadamente a floresta tropical amazônica, como fator regulador do clima regional ao 223
fornecer grande quantidade de vapor d’água para a atmosfera durante todo o ano por 224
meio da evapotranspiração (Gash et al., 1996). A evapotranspiração oriunda da floresta 225
amazônica representa uma das principais fontes de vapor d’água tanto para a própria 226
bacia quanto para regiões remotas, exercendo um papel fundamental no processo de 227
geração de chuvas. Além disso, a contribuição da evapotranspiração local para a 228
precipitação sobre a bacia amazônica representa uma porção significativa no balanço de 229
água regional e exerce papel de destaque no ciclo hidrológico amazônico, influenciando 230
os padrões espaciais de umidade do solo, a produtividade e a ocorrência de eventos 231
extremos, tais como enchentes e secas (Rocha et al., 2009; Satyamurty et al., 2013). 232
Outrossim, essa variável está diretamente associada ao mecanismo da reciclagem de 233
precipitação sobre o continente. 234
De acordo com a Figura 4(a-d), observa-se que evapotranspiração está próxima 235
daquela encontrada em experimentos micrometeorológicos realizados na Amazônia, tal 236
como o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA 237
(Avissar e Nobre, 2002), com valores variando entre 3,5 e 4,0 mm dia-1. Os altos índices 238
de evapotranspiração na bacia amazônica em SON e DJF estão associados à maior 239
disponibilidade de energia durante as estações de primavera e verão, respectivamente. 240
Durante o outono e inverno austral, devido à variação sazonal da ZCIT e o 241
deslocamento da banda de nebulosidade para o norte, diminui a atividade convectiva 242
sobre a Amazônia central e meridional, aumentando a radiação solar incidente à 243
superfície e, consequentemente, a evapotranspiração. 244
245
50
246
Figura 4. Evapotranspiração média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul 247
utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) 248 verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON. 249
250
51
Transporte e convergência de umidade 251
As Figuras 5 e 6 apresentam, respectivamente, os campos médios sazonais do 252
fluxo de vapor d’água integrado verticalmente e sua convergência sobre a América do 253
Sul para as quatro estações do ano. Em DJF, a circulação atmosférica apresenta uma 254
baixa térmica persistente sobre a região do Chaco, posicionada entre 20° e 30°S, 255
associada à máxima nebulosidade sobre a Amazônia central e o Altiplano da Bolívia, no 256
período em que a ZCAS é mais ativa e intensa. Uma importante característica da 257
circulação equatorial durante o verão e outono são os ventos alísios que transportam 258
umidade para o interior da bacia amazônica, associados à maior pressão atmosférica no 259
Oceano Atlântico tropical norte. Conforme salientam Arraut e Satyamurty (2009), 260
Arraut et al. (2012), Satyamurty et al. (2013) e Drumond et al. (2014), esse fluxo de 261
vapor d’água proveniente do Atlântico equatorial é a principal fonte de umidade para a 262
Amazônia. Quando os ventos alísios encontram os Andes, então, o fluxo de vapor 263
d’água é desviado para sudeste e a umidade, por sua vez, é transportada da Amazônia 264
para o Centro-Sul do Brasil, bacia do Prata e norte da Argentina através do jato de 265
baixos níveis (JBN), canalizado à leste dos Andes (Figura 5a). Nesse período, a 266
atividade convectiva e a precipitação na Amazônia central e meridional (Figura 3a) 267
estão associadas à intensa convergência de umidade sobre essas áreas (Figura 6a). O 268
JBN da América do Sul parece ocorrer durante todo o ano, transportando massas de ar 269
úmida tropical da Amazônia para o Centro-Sul do Brasil e norte da Argentina, 270
principalmente no verão, e conduzindo massa de ar tropical marítima da Alta 271
Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) mais frequentemente no inverno. Drumond et al. 272
(2008) adotaram um método Lagrangiano que identifica as contribuições de umidade no 273
balanço de água de uma região para investigar as principais fontes de umidade para o 274
52
Brasil Central e a bacia do Prata, no período entre 2000 a 2004. Os resultados 275
encontrados revelam a importância do Atlântico tropical sul como fonte de umidade 276
para o Brasil Central. Doyle e Barros (2002) verificaram que a circulação associada à 277
parte oeste da ASAS transporta vapor d’água do Oceano Atlântico sul para a América 278
do Sul subtropical. As características da circulação atmosférica observadas sobre a 279
América do Sul tropical e subtropical durante o verão austral configuram o que Arraut e 280
Satyamurty (2009) e Nobre et al. (2009b) denominam de regime de Monção de Verão 281
da América do Sul (MVAS), determinado pela intensa convergência de umidade sobre a 282
Amazônia e o Brasil Central. A MVAS se enfraquece entre março e maio, quando a 283
atividade convectiva (Figura 6b) progride-se em direção ao norte. Neste período, a 284
precipitação se intensifica, sobretudo, na Amazônia setentrional e no Nordeste do Brasil 285
(Figura 3b). 286
Em JJA, a climatologia sazonal da circulação em baixos níveis (Figura 5c) 287
mostra que há uma convergência dos ventos alísios de sudeste e nordeste transportando 288
umidade para a América Central, e também para o leste do Nordeste do Brasil e o 289
noroeste da América do Sul, o que aumenta a precipitação sobre essas áreas. Por outro 290
lado, a divergência de umidade em baixos níveis é preponderante sobre a Amazônia 291
meridional e a porção central do continente (Figura 6c), determinando a redução da 292
atividade convectiva e, portanto, da precipitação, configurando-se a estação seca na 293
América do Sul. 294
53
295
Figura 5. Média sazonal do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-1 s-1) 296 sobre a América do Sul utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o 297 período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) 298 primavera – SON. 299
54
300
301
Figura 6. Média sazonal da convergência de umidade (mm dia-1) sobre a América do 302 Sul utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: 303 (a) verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON. 304 305
55
Reciclagem de precipitação 306
A umidade que da origem à precipitação sobre regiões continentais é 307
proveniente de duas fontes: (i) advecção de vapor d’água oriundo de outras regiões por 308
meio de movimentos de massas de ar e (ii) o vapor d’água local por meio da 309
evapotranspiração da superfície da própria região. A evapotranspiração tem efeito 310
pronunciado quando o fluxo de umidade é menos significativo. O transporte de umidade 311
para a região depende da dinâmica atmosférica e das fontes de origem da umidade. A 312
evapotranspiração, por sua vez, depende da disponibilidade de umidade na área ou 313
abaixo da superfície (zona insaturada), que é evaporada diretamente ou através da 314
transpiração da vegetação. Consequentemente, qualquer alteração de uso e cobertura da 315
terra e do clima que modifiquem esses processos pode afetar a quantidade de 316
precipitação sobre a região, assim como a reciclagem. 317
Vários estudos observacionais e de modelagem numérica têm sido realizados 318
com o objetivo de avaliar a reciclagem de precipitação em diferentes regiões do planeta, 319
como os de Budyko (1974), Molion (1975), Marques et al. (1977), Brubaker et al. 320
(1993), Eltahir e Bras (1994 e 1996), Savenije (1995), Trenberth (1999), Costa e Foley 321
(1999), Bosilovich e Schubert (2001), Nóbrega et al. (2005), Silva (2009), Van der Ent 322
et al. (2010), Satyamurty et al. (2013), entre outros. A Tabela 1 apresenta os principais 323
resultados encontrados na literatura. A diferença nas estimativas sobre uma mesma 324
região deve-se, entre outros fatores, ao método adotado para quantificar a reciclagem, a 325
fonte de dados utilizada e a estação do ano considerada no estudo. 326
A Figura 7(a-d) apresenta os campos médios sazonais da reciclagem de 327
precipitação sobre a América do Sul nas quatro estações do ano. De modo geral, a 328
reciclagem de precipitação é mais intensa sobre a porção centro-sul do continente, 329
56
sendo diretamente influenciada pela evapotranspiração da região. Em DJF, a reciclagem 330
de precipitação apresenta valores maiores (menores) sobre o setor sul (norte) da bacia 331
amazônica associados à menor (maior) intensidade do fluxo de umidade e valores altos 332
(baixos) da evapotranspiração. No entanto, os máximos são registrados na região da 333
bacia do Prata, especificamente, no Sul do Brasil, Uruguai, leste do Paraguai e nordeste 334
da Argentina, área em que a evapotranspiração apresenta valores significativos e onde 335
ocorre a desintensificação do JBN situado a leste dos Andes. Os valores da reciclagem 336
de precipitação na Amazônia tendem a aumentar de leste para oeste devido à redução da 337
intensidade do fluxo de vapor d’água para oeste. Este padrão é claramente identificado 338
durante o outono. Os maiores valores de reciclagem observados no sudoeste da bacia 339
amazônica em MAM mostram que o efeito do aumento na evapotranspiração se 340
sobrepõe a redução do transporte de umidade naquela região. Os máximos observados 341
sobre o continente ocorreram no Pantanal e Sudeste do Brasil e, segundo Trenberth 342
(1999) e Nóbrega et al. (2005), estão associados à evapotranspiração, devido ao alto teor 343
de umidade do solo, e a redução do transporte de umidade próximo a ASAS. 344
Em JJA, embora sobre a Amazônia setentrional a evapotranspiração, 345
convergência de umidade e precipitação tenham apresentado valores significativos, o 346
aumento na intensidade do fluxo de umidade foi preponderante para que a reciclagem 347
de precipitação apresentasse valores inferiores (~ 16%) em relação à Amazônia 348
meridional (~ 28%). Os máximos observados sobre a América do Sul estão situados na 349
faixa que se estende desde o oeste da bacia amazônica a região Sudeste do Brasil, 350
incluindo o Pantanal, também associados à desintensificação do fluxo de vapor d’água 351
sobre essas áreas. A primavera é a estação em que a reciclagem de precipitação 352
apresentou os maiores valores sobre a bacia amazônica (~ 27%). A evapotranspiração 353
57
da floresta, que é maior neste período, se sobrepôs ao efeito do fluxo de umidade 354
apresentando-se como o fator preponderante para a reciclagem e a precipitação regional. 355
Considerando a América do Sul, os valores médios da reciclagem de 356
precipitação variaram entre 10% e 80%, com índices extremos da ordem de 70% a 80% 357
sobre os Andes. Sazonalmente, os valores diminuem do verão para o inverno. Na média 358
anual, a reciclagem de precipitação na bacia amazônica foi de 22%, com valores 359
variando de 50% na porção sul a 10% na porção norte. Com base nos resultados de 360
trabalhos anteriores e deste estudo, estima-se que a reciclagem de precipitação na bacia 361
amazônica é da ordem de 20-35%. Esses resultados mostram que, do total da 362
precipitação sobre a bacia amazônica, aproximadamente, 20% é decorrente do processo 363
de evapotranspiração local; mostrando que, a contribuição local para a precipitação total 364
representa um percetual significativo no balanço de água regional. A contribuição 365
advectiva é mais importante para a precipitação sobre a bacia amazônica do que a 366
contribuição local, isto é, aquela decorrente da evapotranspiração. Em outras palavras, a 367
advecção de umidade domina o fornecimento de vapor d’água em grande parte da 368
região, no entanto, o papel da evapotranspiração local na reciclagem de precipitação é 369
mais importante no setor sul da bacia. Entretanto, as variabilidades e mudanças naturais 370
e/ou antropogênicas no sistema climático podem afetar de maneira significativa os 371
componentes do balanço de água e, consequentemente, a reciclagem de precipitação, 372
influenciando os padrões espaciais de umidade do solo, a produtividade e a ocorrência 373
de eventos extremos, tais como secas e enchentes. Embora os estudos sobre reciclagem 374
de precipitação tenham produzido novos conhecimentos acerca da interação entre os 375
processos de superfície e o ciclo hidrológico, os efeitos das variabilidades e mudanças 376
do clima na reciclagem sobre a Amazônia precisam ser ainda investigados. 377
58
Tabela 2. Média anual da reciclagem de precipitação sobre diferentes regiões. 378
Bacia Amazônia Mississipi África Ocidental Eurásia Método e dados
Budyko (1974) 11% Modelo de Budyko e dados observados de várias fontes.
Molion (1975) e
Marques et al. (1977)
56%
50%
Baseado na razão E/P; observações de precipitação,
vazões dos rios e dados de radiossondagem.
Brubaker et al. (1993) 24% 24% 31% 11% Modelo de Budyko reformulado em duas dimensões e
dados observados.
Eltahir e Bras (1994) 25%
35%
Modelo numérico bi-dimensional e duas fontes de dados:
ECMWF1 (25%) e GFDL2 (35%).
Savenije (1995) 63% Modelo unidimensional e dados observados de chuva e
escoamento superficial, apenas na estação chuvosa.
Trenberth (1999)
34%
21%
Modelo de Brubaker et al. (1993) com base na escala de
comprimento L. Na Amazônia L é 2750 km e no
Mississipi L é 1800 km. Dados do CMAP3, NVAP4 e
NCEP5.
Costa e Foley (1999)
20%
Modelo derivado de Eltahir e Bras (1994), cálculo do
fluxo de entrada do vapor d’água em cada célula de
grade e utilizando as reanálises do NCEP (1976-1996).
Nóbrega et al. (2005) 24% Modelo de Trenberth (1999) e as reanálises do NCEP
(1978-1998).
Silva (2009) 27% Modelo de Brubaker et al. (1993) e as reanálises do
NCEP (1979-2007).
Van der Ent et al. (2010) 28% 27% 45% 28% Reanálises do ECMWF (ERA-Interim, 1999-2008).
Satyamurty et al. (2013) 30% Reanálises do NCEP (1978-2010).
Este estudo
22%
Modelo de Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999)
com base na escala de comprimento L da bacia
amazônica, igual a 2750 km, e as reanálises do ECMWF
(ERA-Interim, 1980-2005).
1European Centre for Medium-Range Weather Forecasts. 2Geophysical Fluid Dynamics Laboratory. 3Climate Prediction Center Merged Analysis of Precipitation. 4NASA Water Vapor Project. 5National Centers for Environmental Prediction.
59
379
Figura 7. Média sazonal da reciclagem de precipitação (%) sobre a América do Sul 380
utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) 381 verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON. 382 383
60
Ciclo anual 384
O ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de 385
precipitação apresenta diferenças entre as porções norte e sul da bacia amazônica, 386
conforme mostra a Figura 8. O ciclo anual da convergência de umidade (C) e da 387
precipitação (P) apresenta uma defasagem de três meses entre o norte e sul da bacia. A 388
convergência de umidade e a precipitação apresentam pronunciado ciclo sazonal na 389
porção sul em relação à porção norte. Diferente do observado em outros estudos, a 390
precipitação apresenta-se em fase com a convergência de umidade em ambas as 391
porções. O início e o fim da estação chuvosa na Amazônia deslocam-se gradativamente 392
de sul para norte. Na porção sul, o início da estação chuvosa acontece no final da 393
primavera e no começo do verão, terminando em abril; enquanto que, na porção norte 394
termina em setembro-outubro. A variabilidade interanual do início e do fim da estação 395
chuvosa depende dos campos de anomalias de temperatura da superfície do mar no 396
Pacífico ou no Atlântico Tropical, que exercem um papel dinâmico no controle do início 397
e do fim da estação chuvosa (Marengo e Nobre, 2009). A sazonalidade da precipitação 398
está associada ao padrão do regime de monção da América do Sul e à oscilação no 399
sentido norte-sul da ZCIT. 400
A razão E/P é um indicador da taxa de evapotranspiração continental (Marengo, 401
2005 e 2006). Em outras palavras, a razão E/P representa uma fração da precipitação 402
continental. O termo exibe um ciclo sazonal mais pronunciado na Amazônia meridional 403
quando comparado ao setor norte da bacia, cuja amplitude da variação é pequena ao 404
longo do ano. No setor sul da Amazônia a razão E/P é mais significativa em JJA (Figura 405
8c), indicando que o papel da evapotranspiração no ciclo hidrológico é relativamente 406
mais importante durante a estação seca. No entanto, na média anual, a bacia amazônica 407
61
comporta-se como um sumidouro de umidade da atmosfera, uma vez que, a taxa de 408
precipitação é maior que a taxa de evapotranspiração (P > E), porém, na escala regional 409
a Amazonia representa uma importante fonte de umidade para outras regiões do 410
continente. 411
Considerando o ciclo anual do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente e 412
da reciclagem de precipitação, obseva-se que, de maneira geral, a reciclagem de 413
precipitação é inversamente proporcional à intensidade do transporte de umidade, isto é, 414
quanto maior (menor) o fluxo de umidade sobre a Amazônia menor (maior) é a 415
reciclagem de precipitação. Outrossim, a evapotranspiração exerce efeito preponderante 416
quando o fluxo de umidade é menos intenso. O ciclo anual da reciclagem de 417
precipitação é maior (menor) na Amazônia meridional (setentrional) e está associado ao 418
transporte de umidade menos (mais) intenso nesse setor da bacia. Na bacia amazônica, e 419
nas sub-bacias do norte e do sul, a reciclagem de precipitação apresenta valores 420
máximos (mínimos) em SON (MAM) associados à maior (menor) evapotranspiração da 421
floresta e a desintensificação (intensificação) do fluxo de umidade integrado 422
verticalmente durante a primavera (o outono). 423
424
62
425
Figura 8. Ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de 426
precipitação na (a) Bacia Amazônica, (b) Amazônia Setentrional e (c) Amazônia 427
Meridional: P precipitação (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); C convergência 428
de umidade (mm dia-1); R escoamento superficial (mm dia-1); F fluxo de umidade 429 integrado verticalmente (kg m-1 s-1); REC reciclagem de precipitação (%). Climatologia 430
gerada com base nas reanálises Era-Interim (ECMWF) para o período de 1980 a 2005. 431 432
CONCLUSÕES 433
O presente trabalho apresentou um estudo observacional sobre a reciclagem de 434
precipitação na Amazônia, abordando os mecanismos físicos envolvidos neste processo. 435
A análise observacional foi realizada com base nas reanálises do European Centre for 436
Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF (Era-Interim), no período de 1980 a 437
2005. Para estimar a reciclagem de precipitação utilizou-se o método fundamentado no 438
balanço de umidade na atmosfera descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth 439
(1999). 440
63
Verificou-se que, geralmente, a bacia amazônica se comporta como um 441
sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do tranporte de 442
origem oceânica quanto da evaportranspiração da floresta por meio do processo de 443
reciclagem de precipitação. Em escala regional, a Amazônia representa uma importante 444
fonte de umidade para outras regiões da América do Sul, contribuindo para o regime da 445
precipitação. 446
A quantificação do mecanismo de reciclagem é um forte indicador da 447
importância dos processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como, da 448
sensibilidade climática relacionada às alterações nesses processos. De forma geral, a 449
reciclagem de precipitação na bacia amazônica foi da ordem de 22%, com valores 450
variando entre 10% na porção norte e 50% na porção sul. Os resultados mostram que, 451
do total da precipitação na bacia amazônica, aproximadamente, 20% é decorrente do 452
processo de evapotranspiração local; indicando que, a contribuição local para a 453
precipitação total representa um percetual significativo no balanço de água regional e 454
desempenha um importante papel no ciclo hidrológico amazônico. Os aspectos 455
climatológicos da reciclagem de precipitação sobre a América do Sul mostram que a 456
contribuição advectiva é mais importante para a precipitação sobre a Amazônia, 457
enquanto que na região centro-sul do continente a contribuição local tem importante 458
papel na precipitação. Contudo, as variabilidades e mudanças no sistema climático 459
devido tanto às variações naturais (não lineares) inerentes ao próprio sistema quanto às 460
antropogênicas, tais como o aumento na concentração de gases do efeito estufa na 461
atmosfera e as mudanças de uso e cobertura da terra, por exemplo, desflorestamento, 462
atividades agrícolas, desertificação e urbanização, podem prejudicar a dinâmica dos 463
ecossitemas amazônicos, reduzindo sua capacidade de absorver o carbono da atmosfera, 464
64
aumentando a temperatura à superfície, modificando o ciclo hdrológico regional, 465
influenciando os padrões espaciais de umidade do solo e a ocorrência de eventos 466
extremos (secas e enchentes) e, consequentemente, afetando a reciclagem de 467
precipitação. Embora os resultados apresentados tenham produzido novos 468
conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e o ciclo 469
hidrológico, os efeitos das varibilidades e mudanças naturais e antropogênicas no clima 470
sobre a reciclagem de precipitação na Amazônia necessitam ainda ser investigados. 471
472
AGRADECIMENTOS 473
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, desenvolvida no 474
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em parceria com a Universidade 475
do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus, Amazonas – Brasil, sob orientação do Dr. 476
Francis Wagner Silva Correia. O primeiro autor agradece à Coordenação de 477
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de 478
estudos. 479
65
CAPÍTULO 3
Rocha, V.M.; Correia, F.W.S.; Silva, P.R.T.; Gomes,
W.B.; Vergasta, L.A.; Moura, R.G.; Trindade, M.S.P.;
Pedrosa, A.L.; Silva, J.J.S. 2016. Reciclagem de
precipitação na bacia amazônica: O papel do transporte de
umidade e da evapotranspiração da superfície. Submetido
a Revista Brasileira de Meteorologia.
66
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: O PAPEL DO
TRANSPORTE DE UMIDADE E DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO DA SUPERFÍCIE
RESUMO
O objetivo desse trabalho é avaliar a distribuição dos componentes do balanço de água e da
reciclagem de precipitação na bacia amazônica, abordando os mecanismos físicos associados ao
processo de reciclagem. De forma geral, a bacia amazônica se comporta como um sumidouro de
umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do transporte de origem oceânica quanto
da evaportranspiração da floresta por meio do processo de reciclagem de precipitação. Em
escala regional, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para outras regiões da
América do Sul, contribuindo para o regime da precipitação em outras áreas do continente. Na
média, a reciclagem de precipitação é da ordem de 20% na bacia amazônica, com valores
variando entre 15% na porção norte e 40% na porção sul. Dessa forma, do total da precipitação
na bacia, aproximadamente, 20% é decorrente do processo de evapotranspiração local;
indicando que, a contribuição local para a precipitação total representa um percentual
significativo no balanço de água regional e desempenha um importante papel no ciclo
hidrológico amazônico. Entretanto, as variabilidades e mudanças no sistema climático devido
tanto às variações naturais quanto antropogênicas (aumento na emissão de gases estufa e
desflorestamento) podem afetar a reciclagem e o ciclo hdrológico regional.
Palavras chaves: Amazônia; reciclagem de precipitação; transporte de umidade; interação
biosfera-atmosfera; reanálises Era-Interim.
67
PRECIPITATION RECYCLING IN THE AMAZON BASIN: THE ROLE OF
MOISTURE TRANSPORT AND SURFACE EVAPOTRANSPIRATION
ABSTRACT
The objective of this study is to evaluate the distribution of water budget components and
precipitation recycling in the Amazon basin addressing the physical mechanisms involved in the
recycling process. In general, the Amazon basin acts as a sink for atmospheric moisture,
receiving water vapor transported from the ocean and from precipitation recycled from
evapotranspiration by the forest. At the regional scale, the Amazon basin is an important source
of water vapor, contributing to precipitation in other remote locations of South America. Here
we show, on average, 20% of precipitation in the Amazon basin is recycled, varying between
15% in the northern portion and 40% in the southern portion. Thus, approximately 20% of the
total rainfall in the basin is derived from local evapotranspiration processes indicating that the
local contribution to the total precipitation represents a significant contribution to the regional
water budget and plays an important role in the Amazon hydrological cycle. However, the
variability and changes in the climate system due to both natural and anthropogenic forcings
(such as the increase in the concentration of greenhouse gases in the atmosphere and changes in
land use and land cover – deforestation) can affect the precipitation recycling and regional
hydrologic cycle.
Key words: Amazon basin; precipitation recycling; moisture transport; biosphere-atmosphere
interaction; ERA-Interim reanalysis dataset.
68
1. INTRODUÇÃO
A Amazônia é a única grande extensão contínua de floresta tropical úmida do mundo,
com uma área de aproximadamente 6,5 milhões de km2, que corresponde a 56% das florestas
tropicais da Terra, desempenhando um importante papel nas trocas de energia, umidade e massa
entre a superfície continental e a atmosfera, fornecendo serviços ambientais fundamentais para a
manutenção do clima regional e global, tais como: o armazenamento e absorção do excesso de
carbono da atmosfera, o transporte de gases traço, aerossóis e vapor d’água para regiões remotas
e, principalmente, a reciclagem de precipitação, de grande importância para a manutenção de
seus ecossitemas. A floresta amazônica também atua como fonte indispensável de calor para a
atmosfera global através de sua intensa evapotranspiração e liberação de calor latente na média
e alta troposfera tropical, contribuindo na geração e manutenção da circulação atmosférica em
escalas regional e global (Artaxo et al., 2005; Fearnside, 2005; Marengo, 2006; Malhi et al.,
2008; Nobre et al., 2009a,b; Satyamurty et al., 2013).
No que concerne ao balanço de água, a bacia amazônica se comporta como sumidouro
de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do transporte de origem oceânica
quanto da evapotranspiração produzida pela própria floresta tropical. Com relação à circulação
regional, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para o Centro, Sudeste e Sul
do Brasil, assim como para o norte da Argentina, incluindo a bacia do Prata, contribuindo para o
regime da precipitação nessas regiões (Marengo et al. 2004; Marengo, 2006; Vera et al., 2006;
Correia et al., 2007; Satyamurty et al., 2013).
O conceito de reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de retroalimentação
“feedback” entre a superfície e a atmosfera onde a evapotranspiração local contribui,
significativamente, na precipitação total sobre uma região. Em outras palavras, a reciclagem de
precipitação pode ser definida como a quantidade de água que evapotranspirada da superfície
terrestre em uma determinada região retorna na forma de precipitação sobre a mesma região
(Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Trenberth, 1999, Rocha et al., 2015). Utilizando
dados observacionais, de reanálises e modelos de circulação da atmosfera, diferentes estudos
69
foram realizados com o objetivo de quantificar e descrever a distribuição da reciclagem de
precipitação em difentes regiões do planeta: Budyko (1974), Molion (1975), Marques et al.
(1977), Brubaker et al. (1993), Eltahir e Bras (1994 e 1996), Savenije (1995), Trenberth (1999),
Costa e Foley (1999), Bosilovich e Schubert (2001), Nóbrega et al. (2005), Van der Ent et al.
(2010), Satyamurty et al. (2013). Os resultados desses estudos, apesar de apresentarem
diferenças quantitativas, demonstram que o mecanismo de reciclagem é um forte indicador da
importância dos processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como, da
sensibilidade climática relacionada às alterações nesses processos. Entretanto, devido à
importância da floresta amazônica para o balanço de água em escalas regional e global, é de
fundamental importância o entendimento da distribuição da reciclagem de precipitação na
Amazônia utilizando fontes de dados mais atualizadas e realistas. Desta forma, este artigo tem
por objetivo avaliar a distribuição dos componentes do balanço de água e da reciclagem de
precipitação na bacia amazônica, abordando os mecanismos físicos associados ao processo de
reciclagem.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Neste estudo o método adotado para quantificar a reciclagem de precipitação baseia-se
no balanço de umidade da atmosfera descrito por Eltahir e Bras (1994). Dados de reanálises do
ERA-Interim, do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF (Dee et
al., 2011), para o período de 1980 a 2005, foram utilizados para estimar a variabilidade espaço-
temporal dos componentes do balanço de água e da reciclagem de precipitação na bacia
amazônica. Os dados de reanálises são: precipitação, evapotranspiração, pressão ao nível médio
do mar e da umidade específica do ar, velocidade zonal e meridional do vento nos níveis de
1000, 925, 850, 700, 600, 500, 400 e 300 hPa. As reanalises estão na resolução de 1,0 1,0°
abrangendo a América do Sul e estão disponíveis em: http://apps.ecmwf.int/datasets/.
70
2.1. MÉTODO DA RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO
O método descrito por Eltahir e Bras (1994) para estimar a reciclagem de precipitação
baseia-se na conservação de massa em um volume de controle atmosférico sobre uma
determinada região. Nesse método, dois pressupostos básicos são assumidos: (i) a umidade
atmosférica é bem misturada e (ii) a taxa de variação da umidade na atmosfera é insignificante
em uma escala de tempo mensal ou superior. Para um volume de controle finito na atmosfera
localizado em qualquer ponto de uma região, a conservação de massa requer as seguintes
relações:
aaaa
llll
POIt
N
POEIt
N
(2.1)
Onde os subscritos l e a referem-se às moléculas que evaporaram dentro e fora da
região, respectivamente, assim como I e O são os fluxos de entrada e saída, P é a precipitação e
E a evapotranspiração, ambas dadas em mm dia-1 (Figura 1).
Figura 1
Assumindo que, a partir de duas fontes de origem distintas (l e a) as moléculas de vapor
d’água são bem misturadas na camada limite, pode-se determinar que:
)()()( al
l
al
l
al
l
NN
N
OO
O
PP
P
(2.2)
Onde β é a razão de reciclagem da precipitação. Em qualquer local na região, β refere-se
a proporção da precipitação reciclada sobre a área. Em uma escala de tempo mensal ou superior,
a taxa de variação no armazenamento de vapor d’água é muito pequena comparada aos fluxos
de vapor d’água na atmosfera. Considerando essa informação à característica bem misturada da
atmosfera, pode-se determinar que a variação no estoque de qualquer uma das duas fontes de
71
umidade, seja Nl (local) ou Na (advectiva), é pequena em comparação ao seu fluxo. Logo,
reorganizando a Equação 2.1, obtém-se:
aaa
lll
POI
POEI
(2.3)
Substituindo Ol, Pl, Oa e Pa da Equação 2.2 nas Equações 2.3:
)()( alall PPOOEI (2.4a)
))(1())(1( alala PPOOI (2.4b)
Dividindo a Equação 2.4a pela Equação 2.4b, e reorganizando, tem-se:
)(
)(
al
l
IEI
EI
(2.5)
A Equação 2.5 é o método proposto por Eltahir e Bras (1994) para estimar a reciclagem
de precipitação. Substituindo I por F e considerando toda a bacia amazônica, a Equação 2.5
pode ser reescrita da seguinte maneira: β = E/(Fin+E), onde E e Fin são a evapotranspiração
regional e o fluxo de umidade que entra na bacia, respectivamente.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A maioria dos estudos sobre reciclagem de precipitação tem demonstrado que o
mecanismo é fortemente influenciado pela precipitação total, evapotranspiração da superfície e
pelo transporte de vapor d’água sobre a região. A seguir são avaliados a variabilidade espaço-
temporal dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de precipitação na bacia
amazônica. O domínio da área abrange a maior parte da América do Sul (Figura 2).
Figura 2
72
3.1. PRECIPITAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO
As Figuras 3 e 4 apresentam, respectivamente, a distribuição da precipitação e
evapotranspiração sobre o continente sul americano para as estações de verão: dezembro-
janeiro-fevereiro (DJF); outono: março-abril-maio (MAM); inverno: junho-julho-agosto (JJA) e
primavera: setembro-outubro-novembro (SON). Na Amazônia, a precipitação apresenta
significativa variabilidade espaço-temporal determinada pela influência de diferentes sistemas
de escala local, mesoescala, escala sinótica e de grande escala que atuam na região (Marengo e
Nobre, 2009; Nobre et al., 2009b). A precipitação média anual é de aproximadamente
2.300 mm, apresentando três regiões com valores mais intensos na precipitação. O primeiro
localizado no noroeste da Amazônia, com chuvas acima de 3.500 mm ano-1 associadas à
condensação do ar úmido por efeito orográfico sobre a Cordilheira dos Andres (Marengo e
Nobre, 2009). A segunda máxima de precipitação, localizada sobre a foz do Rio Amazonas,
circulações locais (brisa marítima) relacionadas às Linhas de Instabilidade (Cohen et al., 1995).
O terceiro centro localiza-se na parte central-sul da região amazônica, sobretudo durante os
meses de janeiro/fevereiro/março (verão austral), sendo influenciado pela presença constante de
aglomerados convectivos associados a sistemas frontais sob a área de influência da Zona de
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). A maior parte da América do Sul tropical e subtropical
recebe mais de 50% do seu total anual de precipitação no verão austral, sob a forma de
precipitação convectiva com forte variação sazonal e diurna (Nobre et al., 2009b; Satyamurty et
al., 2013).
Em escala sazonal, a Figura 3(a-d) mostra o início da estação chuvosa, ou forte
atividade convectiva, no sul da Amazônia durante a primavera (SON). Observa-se que os
máximos de chuva situados na parte oeste e central da Amazônia ocorrem em DJF,
associadoscom a posição da Alta da Bolívia (AB). No outono, a banda de máxima precipitação
está localizada na Amazônia central, extendendo-se desde o setor oeste da bacia até a foz do Rio
Amazonas. Em JJA, o centro de máxima precipitação desloca-se para o norte e situa-se sobre a
América Central, estabelendo a estação seca (sem grande atividade convectiva) sobre a
73
Amazônia central e meridional que se encontram sob o domínio do ramo descendente da Célula
de Hadley. Entretanto, neste período, o máximo de precipitação ocorre na Amazônia
setentrional. Os trimestres mais secos na região Norte do Brasil mudam progressivamente de
setembro/outubro/novembro no extremo norte, para agosto/setembro/outubro, numa longa faixa
latitudinal desde o oeste da região Nordeste do Brasil; para julho/agosto/setembro no vale da
bacia amazônica, sobretudo a oeste, e para junho/julho/agosto na parte sul.
Figura 3
A evapotranspiração proveniente da floresta amazônica representa uma das principais
fontes de vapor d’água para a bacia e também para outras regiões do continente sul americano,
exercendo um papel fundamental no processo de geração de precipitação. Além disso, a
contribuição da evapotranspiração local para a precipitação sobre a bacia amazônica representa
uma porção significativa do balanço de água regional e exerce papel de destaque no ciclo
hidrológico amazônico, influenciando os padrões espaciais de umidade do solo, a produtividade
e a ocorrência de eventos extremos, tais como enchentes e secas (Rocha et al., 2009; Satyamurty
et al., 2013). Outrossim, a evapotranspiração está diretamente associada ao mecanismo da
reciclagem de precipitação sobre o continente.
De acordo com a Figura 4(a-d), observa-se que a evapotranspiração na Amazônia está
próxima daquele encontrada em experimentos micrometeorológicos realizados na bacia, tal
como o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA (Avissar e
Nobre, 2002), com valores variando entre 3,5 e 4,0 mm dia-1. Os altos índices de
evapotranspiração na bacia amazônica em SON e DJF estão associados à maior disponibilidade
de energia durante as estações de primavera e verão, respectivamente. Durante o outono e
inverno austral, devido à variação sazonal da ZCIT e o deslocamento da banda de nebulosidade
para o norte, diminui a atividade convectiva sobre a Amazônia central e meridional,
aumentando a radiação solar incidente à superfície e, consequentemente, a evapotranspiração.
Figura 4
74
3.2. TRANSPORTE DE UMIDADE
A Figura 5 apresenta os campos médios sazonais do fluxo de vapor d’água integrado
verticalmente sobre a América do Sul. Em DJF observa-se uma baixa térmica persistente sobre
a região do Chaco posicionada entre 20° e 30°S, associada à máxima nebulosidade sobre a
Amazônia central e o Altiplano da Bolívia no período em que a ZCAS é mais ativa e intensa.
Uma importante característica da circulação equatorial durante o verão e outono são os ventos
alísios que transportam umidade para o interior da bacia amazônica, associados à maior pressão
atmosférica no Oceano Atlântico tropical norte. Conforme apresentam Arraut e Satyamurty
(2009), Arraut et al. (2012), Satyamurty et al. (2013) e Drumond et al. (2014), esse fluxo de
vapor d’água proveniente do Atlântico equatorial é a principal fonte de umidade para a
Amazônia. Quando os ventos alísios encontram os Andes o fluxo de vapor d’água é desviado
para sudeste e a umidade, por sua vez, é transportada da Amazônia para o Centro-Sul do Brasil,
bacia do Prata e norte da Argentina através do jato de baixos níveis (JBN) canalizado à leste da
cadeia de montanhas (Figura 5a). Nesse período, a atividade convectiva e a precipitação na
Amazônia central e meridional (Figura 3a) estão associadas à intensa convergência de umidade
sobre essas áreas. O JBN da América do Sul parece ocorrer durante todo o ano, transportando
massas de ar úmida tropical da Amazônia para o Centro-Sul do Brasil e norte da Argentina,
principalmente no verão, e conduzindo massa de ar tropical marítima da Alta Subtropical do
Atlântico Sul (ASAS) mais frequentemente no inverno. As características da circulação
atmosférica observadas sobre a América do Sul tropical e subtropical durante o verão austral
configuram o que Arraut e Satyamurty (2009) e Nobre et al. (2009b) denominam de regime de
Monção de Verão da América do Sul (MVAS), determinado pela intensa convergência de
umidade sobre a Amazônia e o Brasil Central. A MVAS se enfraquece entre março e maio,
quando a atividade convectiva progride-se em direção ao norte. Neste período, a precipitação se
intensifica, sobretudo, na Amazônia setentrional e no Nordeste do Brasil (Figura 3b).
Em JJA, a climatologia sazonal da circulação em baixos níveis (Figura 5c) mostra que
há uma convergência dos ventos alísios de sudeste e nordeste transportando umidade para à
75
América Central, e também para o leste do Nordeste do Brasil e o noroeste da América do Sul, o
que aumenta a precipitação sobre essas áreas. Por outro lado, a divergência de umidade é
preponderante sobre a Amazônia meridional e a porção central do continente, determinando a
redução da atividade convectiva e, portanto, da precipitação, configurando-se a estação seca na
América do Sul.
Figura 5
3.3. RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO
A umidade que da origem à precipitação sobre regiões continentais é proveniente de
duas fontes: (i) advecção de vapor d’água oriundo de outras regiões por meio de movimentos de
massas de ar e (ii) o vapor d’água local por meio da evapotranspiração da superfície da própria
região. A evapotranspiração tem efeito pronunciado quando o fluxo de umidade é menos
significativo. O transporte de umidade para a região depende da dinâmica atmosférica e das
fontes de origem da umidade. A evapotranspiração, por sua vez, depende da disponibilidade de
umidade na área ou abaixo da superfície (zona insaturada), que é evaporada diretamente ou
através da transpiração da vegetação. Consequentemente, qualquer alteração de uso e cobertura
da terra e do clima que modifiquem esses processos pode afetar a reciclagem de precipitação,
assim como a precipitação total sobre a região.
A Figura 6(a-d) apresenta os campos médios sazonais da reciclagem de precipitação
sobre a América do Sul. De modo geral, a reciclagem de precipitação é mais intensa sobre a
porção centro-sul do continente, sendo diretamente influenciada pela evapotranspiração dessa
região. Em DJF, a reciclagem de precipitação apresenta valores maiores (menores) sobre o setor
sul (norte) da bacia amazônica associados à menor (maior) intensidade do fluxo de umidade e
valores altos (baixos) da evapotranspiração. No entanto, os máximos são observados na região
da bacia do Prata, área em que a evapotranspiração apresenta valores significativos e onde
ocorre a desintensificação do JBN situado a leste dos Andes. Os valores da reciclagem de
precipitação na Amazônia tendem a aumentar de leste para oeste devido à redução da
76
intensidade do fluxo de vapor d’água para oeste. Os maiores valores da reciclagem observados
no sudoeste da bacia amazônica durante o outono mostram que o efeito do aumento na
evapotranspiração se sobrepõe a redução do transporte de umidade naquela região. Os máximos
observados sobre o continente ocorreram no Pantanal e Sudeste do Brasil e, segundo Trenberth
(1999) e Nóbrega et al. (2005), estão associados à evapotranspiração, devido ao alto teor de
umidade do solo, e a redução do transporte de umidade próximo a ASAS. Em JJA, embora
sobre a Amazônia setentrional a evapotranspiração e a precipitação tenham apresentado valores
significativos, o aumento na intensidade do fluxo de umidade foi preponderante para que a
reciclagem de precipitação apresentasse valores inferiores em relação à Amazônia meridional.
Os máximos observados sobre a América do Sul estão situados na faixa que se estende desde o
oeste da bacia amazônica a região Sudeste do Brasil, incluindo o Pantanal, também associados à
desintensificação do fluxo de vapor d’água sobre essas áreas. A primavera é a estação em que a
reciclagem de precipitação apresentou os maiores valores sobre a bacia amazônica (~ 24%). A
evapotranspiração da floresta, que é maior neste período, se sobrepôs ao efeito do fluxo de
umidade apresentando-se como o fator preponderante para a reciclagem e a precipitação
regional.
Considerando a América do Sul, os valores médios da reciclagem de precipitação
variaram entre 5% e 65%, com índices extremos da ordem de 55% a 65% sobre os Andes.
Sazonalmente, os valores diminuem do verão para o inverno. Na média anual, a reciclagem de
precipitação na bacia amazônica foi de 20%, com valores variando de 40% na porção sul a 15%
na porção norte. Com base nos resultados de trabalhos anteriores (ver Rocha et al., 2015) e deste
estudo, estima-se que a reciclagem de precipitação na bacia amazônica é da ordem de 20-35%.
Esses resultados mostram que, do total da precipitação sobre a bacia amazônica,
aproximadamente, 20% é decorrente do processo de evapotranspiração local; mostrando que, a
contribuição local para a precipitação total representa um percetual significativo no balanço de
água regional. A contribuição advectiva é mais importante para a precipitação sobre a bacia
amazônica do que a contribuição local, isto é, aquela decorrente da evapotranspiração. Isso
significa que, a advecção de umidade domina o fornecimento de vapor d’água em grande parte
77
da região, no entanto, o papel da evapotranspiração local na reciclagem de precipitação é mais
importante no setor sul da bacia. Entretanto, as variabilidades e mudanças naturais e/ou
antropogênicas no sistema climático podem afetar de maneira significativa os componentes do
balanço de água e, consequentemente, a reciclagem de precipitação, influenciando os padrões
espaciais de umidade do solo, a produtividade e a ocorrência de eventos extremos, tais como
secas e enchentes. Embora os estudos sobre reciclagem de precipitação tenham produzido novos
conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e o ciclo hidrológico, os
efeitos das varibilidades e mudanças do clima na reciclagem precisam ser ainda investigados.
Figura 6
3.4. CICLO ANUAL
A Figura 7a,b apresenta o ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da
reciclagem de precipitação na bacia amazônica. Diferente do observado em outros estudos, a
precipitação (P) apresenta-se em fase com a convergência de umidade (C). O início da estação
chuvosa acontece no final da primavera e no começo do verão, com precipitação média de
aproximadamente 8,0 mm dia-1 em DJF (Tabela 1), terminando em abril. A precipitação média
durante a estação seca (JJA) é da ordem de 4,4 mm dia-1. A variabilidade interanual do início e
do fim da estação chuvosa depende dos campos de anomalias de temperatura da superfície do
mar no Pacífico ou no Atlântico Tropical, que exercem um papel dinâmico no controle do início
e do fim da estação chuvosa (Marengo e Nobre, 2009). A sazonalidade da precipitação está
associada ao padrão do regime de monção da América do Sul e à oscilação no sentido norte-sul
da ZCIT.
A razão E/P é um indicador da taxa de evapotranspiração continental (Marengo, 2005 e
2006). Em outras palavras, a razão E/P representa uma fração da precipitação continental. A
razão E/P é mais significativa em JJA, indicando que o papel da evapotranspiração no ciclo
hidrológico é relativamente mais importante durante a estação seca. No entanto, na média anual,
a bacia amazônica se comporta como um sumidouro de umidade da atmosfera, uma vez que, a
78
taxa de precipitação é maior que a taxa de evapotranspiração (P > E), porém, na escala regional
a Amazônia representa-se como uma importante fonte de umidade para outras regiões do
continente.
Considerando o ciclo anual do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente e da
reciclagem de precipitação, obseva-se que, de maneira geral, a reciclagem de precipitação é
inversamente proporcional à intensidade do transporte de umidade. Outrossim, a
evapotranspiração exerce efeito preponderante quando o fluxo de umidade é menos intenso. Na
bacia amazônica, a reciclagem de precipitação apresenta valores máximos (mínimos) em SON –
24% (JJA – 17%) associados à maior (menor) evapotranspiração da floresta e a
desintensificação (intensificação) do fluxo de umidade integrado verticalmente durante a
primavera (inverno).
Figura 7
Tabela 1. Média das estações sazonais contrastantes e anual dos componentes do balanço de
umidade e da reciclagem de precipitação na bacia amazônica, com base nas reanálises Era-
Interim (ECMWF) para o período de 1980 a 2005: P precipitação (mm dia-1); E
evapotranspiração (mm dia-1); C convergência de umidade (mm dia-1); F fluxo de umidade
integrado verticalmente (kg m-1 s-1) e REC reciclagem de precipitação (%).
Bacia Amazônica
Componente Estação úmida (DJF) Estação seca (JJA) Média anual
P 8,0 4,4 6,4
E 3,7 3,5 3,7
E/P 0,46 0,8 0,58
C 4,2 1,2 2,9
F 166,3 202,0 178,2
REC 21 17 20
4. CONCLUSÕES
O presente estudo avaliou a distribuição dos componentes do balanço de água e
reciclagem de precipitação na Amazônia abordando os mecanismos físicos envolvidos neste
processo. A análise observacional foi realizada com base nas reanálises do European Centre for
Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF (Era-Interim), no período de 1980 a 2005. Para
estimar a reciclagem de precipitação utilizou-se o método fundamentado no balanço de umidade
na atmosfera descrito por Eltahir e Bras (1994). Obsrevou-se que, geralmente, a bacia
79
amazônica se comporta como um sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água
tanto do tranporte de origem oceânica quanto da evaportranspiração da floresta por meio do
processo de reciclagem de precipitação. Em escala regional, a Amazônia representa uma
importante fonte de umidade para outras regiões da América do Sul, contribuindo para o regime
da precipitação.
De forma geral, a reciclagem de precipitação na bacia amazônica foi da ordem de 20%,
com valores variando entre 15% na porção norte e 40% na porção sul. Os resultados mostram
que, do total da precipitação na bacia amazônica, cerca de 20% é decorrente do processo de
evapotranspiração local; indicando que, a contribuição local para a precipitação total representa
um percetual significativo no balanço de água regional e desempenha um importante papel no
ciclo hidrológico amazônico. Os aspectos climatológicos da reciclagem de precipitação
mostram que a contribuição advectiva é mais importante para a precipitação sobre a Amazônia,
enquanto que na região centro-sul do continente a contribuição local tem importante papel na
precipitação. Contudo, as variabilidades e mudanças no sistema climático devido tanto às
variações naturais (não lineares) inerentes ao próprio sistema quanto às antropogênicas, tais
como o aumento na concentração de gases do efeito estufa na atmosfera e as mudanças no uso e
cobertura da terra, por exemplo, desflorestamento, atividades agrícolas, desertificação e
urbanização, podem afetar a dinâmica dos ecossitemas amazônicos, reduzindo sua capacidade
de absorver o carbono da atmosfera, aumentando a temperatura à superfície, modificando o
ciclo hdrológico regional, influenciando os padrões espaciais de umidade do solo e a ocorrencia
de eventos extremos (secas e enchentes) e, consequentemente, afetando a reciclagem de
precipitação. Embora os resultados apresentados tenham produzido novos conhecimentos acerca
da interação entre os processos de superfície e o ciclo hidrológico, os efeitos das varibilidades e
mudanças naturais e antropogênicas no clima sobre a reciclagem de precipitação na Amazônia
necessitam ainda ser investigados.
80
5. AGRADECIMENTOS
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, desenvolvida no
Programa de Pós-graduação em Clima e Ambiente do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA) em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), sob
orientação do segundo autor. O primeiro autor agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de estudos.
81
Figura 1. Diagrama conceitual do volume de controle atmosférico. Fonte: Adaptado de Eltahir
e Bras (1994).
Figura 2. Domínio da área de estudo. Bacia amazônica (limite em preto).
82
Figura 3. Precipitação média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON.
83
Figura 4. Evapotranspiração média sazonal (mm dia-1) sobre a América do Sul utilizando as
reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON.
84
Figura 5. Média sazonal do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-1 s-1) sobre a
América do Sul utilizando as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a
2005: (a) verão – DJF; (b) outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON.
85
Figura 6. Média sazonal da reciclagem de precipitação (%) sobre a América do Sul utilizando
as reanálises do ERA-Interim (ECMWF), para o período de 1980 a 2005: (a) verão – DJF; (b)
outono – MAM; (c) inverno – JJA; (d) primavera – SON.
86
Figura 7. Ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da reciclagem de precipitação
na bacia amazônica: (a) P precipitação (mm dia-1), E evapotranspiração (mm dia-1), C
convergência de umidade (mm dia-1); (b) F fluxo de umidade integrado verticalmente (kg m-1 s-
1), REC reciclagem de precipitação (%). Climatologia gerada com base nas reanálises Era-
Interim (ECMWF) para o período de 1980 a 2005.
87
CAPÍTULO 4
Rocha, V.M.; Correia, F.W.S.; Chou, S.C.; Lyra, A.;
Satyamurty, P.; Silva, P.R.T.; Gomes, W.B.; Jardine, A.;
Vergasta, L.A.; Moura, R.G.; Trindade, M.S.P.; Pedrosa,
A.L.; da Silva, J.J.S. 2016. Reciclagem de precipitação na
bacia amazônica: clima presente e cenários futuros.
Manuscrito em preparação para Journal of Applied
Meteorology and Climatology.
88
RECICLAGEM DE PRECIPITAÇÃO NA BACIA AMAZÔNICA: CLIMA 1
PRESENTE E CENÁRIOS FUTUROS 2
3
RESUMO 4
O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da mudança do clima durante o século XXI 5
sobre a reciclagem de precipitação na Amazônia, abordando os mecanismos físicos 6
envolvidos nesse processo, utilizando o modelo regional Eta forçado com o cenário de 7
emissões RCP 8.5 proveniente do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES. Para 8
estimar a reciclagem de precipitação foi adotado o modelo fundamentado no balanço de 9
umidade na atmosfera descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999). Na média, 10
a reciclagem de precipitação na bacia amazônica simulada pelo modelo para o clima 11
presente é de 22%, apresentando variação espacial e sazonal, com maiores valores na 12
Amazônia meridional (27%). As mudanças projetadas para o clima futuro mostram que, 13
os impactos nos componentes do balanço de umidade foram mais significativos durante 14
a estação chuvosa e no setor sul da bacia, principalmente, no final do século. O 15
mecanismo de retroalimentação positivo é configurado durante o verão austral e na 16
média anual, isto é, a redução da convergência de umidade (por meio da alteração na 17
estrutura termodinâmica da atmosfera e na circulação regional) e da evapotranspiração à 18
superfície agiram no mesmo sentido para reduzir a precipitação total; no entanto, o 19
mecanismo de retroalimentação negativo é dominante no inverno austral, em que a 20
redução da evapotranspiração é parcialmente compensada pelo aumento da 21
convergência de umidade, porém, não o suficiente para inibir a redução da precipitação. 22
A redução da precipitação total na Amazônia foi decorrente tanto da redução da 23
precipitação de origem local quanto advectiva, sendo que a advectiva teve papel 24
89
predominante devido às mudanças na circulação regional e no transporte de umidade 25
para a bacia. De modo geral, a redução da reciclagem de precipitação na Amazônia é 26
mais pronunciada na estação seca, atingindo 40% no final do século, sendo diretamente 27
influenciada pela redução da evapotranspiração da superfície, mas, principalmente, pela 28
intensificação do fluxo de umidade sobre a bacia. No entanto, a mudança na reciclagem 29
é maior na Amazônia meridional – redução da ordem de 50% na estação seca no final 30
do século. Esses resultados mostram que, a mudança do clima devido ao aumento dos 31
gases de efeito estufa pode afetar de forma significativa os componentes do balanço de 32
água e a reciclagem de precipitação na bacia amazônica, implicando em graves 33
consequências ecológicas ao bioma, tais como: afetando a dinâmica dos ecossistemas, 34
reduzindo a capacidade da floresta em absorver o carbono da atmosfera, favorecendo a 35
ocorrência de eventos extremos (secas e enchentes), aumentando a temperatura à 36
superfície e, consequentemente, a frequência e intensidade das queimadas. 37
Palavras-chave: Amazônia; reciclagem de precipitação; balanço de água, modelo 38
regional Eta; cenário de emissões RCP 8.5. 39
90
PRECIPITATION RECYCLING IN THE AMAZON BASIN: PRESENT 40
CLIMATE AND FUTURE SCENARIOS 41
42
ABSTRACT 43
The aim of this study is to evaluate the effects of climate change on precipitation 44
recycling in the Amazon basin during the 21st century by addressing the physical 45
mechanisms involved in this process using the Eta Regional Climate Model forced by 46
RCP 8.5 emissions scenario from the HadGEM2-ES earth system model. To estimate 47
precipitation recycling the model was adopted based on the atmosphere moisture 48
balance as described by Brubaker et al. (1993) and Trenberth (1999). On average, 49
precipitation recycling in the Amazon basin simulated by the model for the present 50
climate is 22%, with spatial and seasonal variation, and more intense recycling in the 51
southern Amazon (27%). The changes projected for future climate show that the 52
impacts on the water budget components were more significant during the rainy season 53
and southern basin sector, especially at the end of the 21st century. The positive 54
feedback mechanism is configured during the austral summer and on average annually, 55
i.e., the reduction of moisture convergence (due to change the thermodynamic structure 56
of the atmosphere and regional circulation patterns) and surface evapotranspiration 57
acted in the same way to reduce total precipitation. The negative feedback mechanism is 58
seen during the austral winter, where the reduction of evapotranspiration is partially 59
offset by the increase in moisture convergence, however, not sufficient to offset the 60
reduction in precipitation. The reduction in total precipitation in the Amazon was due to 61
both the decrease of local and advective precipitation, but the advective had a major role 62
due to changes in the regional circulation and moisture transport over the basin. In 63
91
general, the reduction of precipitation recycling in the Amazon was predicted to be 64
more pronounced in the dry season, reaching 40% at the end of the 21st century, and 65
was directly influenced by the reduction in surface evaporation, but was primarily 66
driven by enhancing the moisture transport over the basin. However, the change in 67
recycling is higher in the southern Amazon – a reduction of around 50% in the dry 68
season at the end of the century. These results show that climate change due to 69
increased greenhouse effects can significantly affect the components of the water 70
budget and precipitation recycling in the Amazon basin, resulting in serious ecological 71
consequences for the biome, such as affecting ecosystem dynamics, reduction in the 72
forest's ability to absorb carbon from the atmosphere, causing the occurrence of extreme 73
events (drought and flooding), increasing the surface temperature, and hence, the 74
frequency and intensity of fires. 75
Keywords: Amazon basin; precipitation recycling; water budget; Eta regional Model; 76
RCP 8.5 emissions scenario. 77
92
INTRODUÇÃO 78
A Amazônia é a única grande extensão contínua de floresta tropical úmida do 79
mundo com uma área de aproximadamente 6,5 milhões de km2, que corresponde a 56% 80
das florestas tropicais da Terra, desempenhando um importante papel nas trocas de 81
energia, umidade e massa entre a superfície continental e a atmosfera, fornecendo 82
serviços ambientais fundamentais para a manutenção do clima regional e global, tais 83
como: o armazenamento e absorção do excesso de carbono da atmosfera, o transporte de 84
gases traço, aerossóis e vapor d’água para regiões remotas e, principalmente, a 85
reciclagem de precipitação, de grande importância para a manutenção de seus 86
ecossitemas. A floresta amazônica também atua como fonte indispensável de calor para 87
a atmosfera global através de sua intensa evapotranspiração e liberação de calor latente 88
na média e alta troposfera tropical, contribuindo na geração e manutenção da circulação 89
atmosférica em escalas regional e global (Artaxo et al., 2005; Fearnside, 2005; 90
Marengo, 2006; Malhi et al., 2008; Nobre et al., 2009a,b; Satyamurty et al., 2013). Com 91
relação ao balanço de água, a bacia amazônica se comporta como um sumidouro de 92
umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do transporte de origem oceânica 93
quanto da evapotranspiração produzida pela própria floresta tropical. Considerando a 94
circulação regional, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para o 95
Centro, Sudeste e Sul do Brasil, assim como para o norte da Argentina, incluindo a 96
bacia do Prata, contribuindo para o regime da precipitação nessas regiões (Marengo, 97
2004, 2005, 2006; Marengo et al., 2004; Vera et al., 2006; Correia et al., 2007; 98
Satyamurty et al., 2013). 99
O conceito de reciclagem de precipitação refere-se ao mecanismo de 100
retroalimentação “feedback” entre a superfície e a atmosfera onde a evapotranspiração 101
93
local contribui, significativamente, na precipitação total sobre uma região. Em outras 102
palavras, a reciclagem de precipitação é definida como a quantidade de água que 103
evapotranspirada da superfície terrestre em uma determinada região retorna na forma de 104
precipitação sobre a mesma região (Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; 105
Trenberth, 1999; Rocha et al., 2015). Utilizando dados observacionais, reanálises e 106
simulações de modelos numéricos, diversos estudos foram realizados com o objetivo de 107
avaliar a distribuição da reciclagem de precipitação na bacia amazônica: Molion (1975), 108
Marques et al. (1977), Brubaker et al. (1993), Eltahir e Bras (1994), Trenberth (1999), 109
Costa e Foley (1999), Nóbrega et al. (2005), Van der Ent et al. (2010), Satyamurty et al. 110
(2013), entre outros. Segundo esses estudos, estima-se que a reciclagem de precipitação 111
na bacia amazônica é da ordem de 20-35%, apresentando intensa variabilidade espaço-112
temporal. Apesar das diferenças quantitativas, todos os estudos mostram que o 113
mecanismo de reciclagem é um forte indicador da importância dos processos de 114
superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como da sensibilidade climática 115
relacionada às alterações nesses processos. Entretanto, os efeitos da variabilidade e das 116
mudanças climáticas na reciclagem de precipitação e, consequentemente, no ciclo 117
hidrológico regional ainda não são completamente entendidos. 118
A Amazônia é sensível às variabilidades e mudanças no sistema climático, 119
devido tanto às variações naturais (não lineares) inerentes ao próprio sistema quanto às 120
antropogênicas, tais como: o aumento na concentração dos gases de efeito estufa (GEE) 121
na atmosfera e as mudanças de uso e cobertura da terra como, por exemplo, 122
desflorestamento, atividades agrícolas e urbanização (Correia et al., 2008; Rocha et al., 123
2012; Marengo et al., 2012; Espinoza et al., 2014; Marengo e Espinoza, 2015). Essas 124
mudanças podem afetar o funcionamento dos ecossistemas amazônicos, reduzindo sua 125
94
capacidade de capturar o carbono da atmosfera, influenciando os padrões espaciais de 126
umidade do solo, alterando o ciclo hidrológico regional e, conseqüentemente, a 127
reciclagem de precipitação. Marengo et al. (2012) avaliaram os impactos da mudança 128
climática sobre a América do Sul ao longo do século XXI utilizando o modelo climático 129
regional (MCR) Eta, do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (INPE), e cenário de 130
emissões A1B (Special Reporton Emission Scenarios – SRES) provenientes do modelo 131
de circulação geral (MCG) HadCM3. Os autores observaram redução da precipitação 132
nas regiões tropicais do continente, incluindo a Amazônia e o Nordeste do Brasil, e 133
aumento sobre o Sudeste da América do Sul (SEAS). Chou et al. (2014) realizaram 134
simulações com alta resolução utilizando o MCR Eta forçado com os cenários de 135
emissões RCP 8.5 e RCP 4.5 (Representative Concentration Pathway – RCP) 136
provenientes dos modelos do sistema terrestre HadGEM2-ES e MIROC5 a fim de 137
avaliar os efeitos da mudança do clima durante o século XXI. Segundo os autores, a 138
redução da precipitação na parte central e o aumento sobre o SEAS são mudanças 139
comuns projetadas por ambos os modelos globais. 140
Apesar das mudanças projetadas no ciclo hidrológico da bacia amazônica, ainda 141
não se conhece quais as implicações que as mudanças climáticas podem produzir na 142
reciclagem de precipitação na Amazônia e quais mecanismos físicos contribuirão para 143
alterar a reciclagem. Diante disso, o objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da 144
mudança do clima ao longo do século XXI sobre a reciclagem de precipitação na 145
Amazônia, abordando os mecanismos físicos envolvidos nesse processo. Para tanto, 146
foram utilizadas as simulações do MCR Eta forçado com o cenário de emissões RCP 147
8.5 produzido a partir do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES (Chou et al., 2014) 148
95
e o método fundamentado no balanço de umidade na atmosfera descrito por Brubaker et 149
al. (1993) e Trenberth (1999) para a estimativa da reciclagem de precipitação. 150
151
MATERIAL E MÉTODOS 152
153
Modelo da reciclagem de precipitação 154
Diferentes abordagens são utilizadas na formulação de métodos para quantificar 155
a reciclagem de precipitação. Os métodos pautados no balanço de umidade da atmosfera 156
(Budyko, 1974; Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Savenije, 1995; Schar et al., 157
1999; Trenberth, 1999), por exemplo, fazem uso de dados de estações meteorológicas, 158
reanálises ou simulações de modelos atmosféricos. Entretanto, métodos baseados na 159
trajetória de moléculas de água na atmosfera desde sua fonte de origem até a ocorrência 160
de precipitação também são utilizados (Koster et al., 1986; Dirmeyer e Brubaker, 1999). 161
Neste estudo, o método adotado para quantificar a reciclagem de precipitação baseia-se 162
no balanço de umidade da atmosfera, descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth 163
(1999). 164
O método descrito por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) define que, 165
considerando a escala de comprimento L, a evapotranspiração E e a precipitação total P 166
em uma determinada região, os fluxos de vapor d’água integrado na vertical que entra 167
(Fin) e sai (Fout) dessa região (Figura 1) podem ser determinados pela Equação 1: 168
96
169
Figura 1. Diagrama conceitual dos processos considerados na reciclagem de 170 precipitação: P precipitação total (mm dia-1); E evapotranspiração (mm dia-1); Fin e Fout 171 são os fluxos de vapor d’água integrado na vertical (kg m-1 s-1) que entra e sai da região, 172
respectivamente; F fluxo de umidade médio na área (kg m-1 s-1); L escala de 173 comprimento (km). Fonte: Trenberth (1999). 174
175
LPEFF inout (1)
Onde o fluxo horizontal médio do vapor d’água na área é definido como: 176
LPEFFFF inoutin 5,05,0 (2)
No método proposto por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999), a 177
precipitação total (P) na região é particionada em precipitação de origem local (Pl) e 178
precipitação de origem advectiva (Pa), ou seja: 179
al PPP (3)
Dessa forma, o fluxo horizontal médio proveniente da umidade advectada para a 180
região é dado por: 181
97
LPF ain 5,0 (4)
E o fluxo horizontal médio oriundo da evapotranspiração local é dado por: 182
LPE l5,0 (5)
Assumindo que a atmosfera é bem misturada, de maneira que a razão da 183
precipitação proveniente da advecção versus aquela decorrente da evapotranspiração é 184
proporcional à razão entre o fluxo de umidade advectado e o evapotranspirado, então, 185
tem-se a seguinte expressão: 186
LPE
LPF
P
P
l
ain
l
a
5,0
5,0
(6)
Logo, a reciclagem de precipitação (β) pode ser determinada por: 187
in
l
FEL
EL
P
P
2
(7)
Utilizando a Equação 2, a reciclagem de precipitação (β) pode ser reescrita da 188
seguinte forma: 189
FPL
EL
2
(8)
Portanto, o pressuposto básico deste método é que a atmosfera é bem misturada 190
e a mudança no armazenamento de umidade na atmosfera é desprezível em comparação 191
aos outros termos. Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) recomendam que para a 192
bacia amazônica seja utilizada a escala de comprimento L = 2.750 km na estimativa da 193
reciclagem. 194
98
195
Cenário de emissões 196
Neste estudo utilizou-se o cenário de emissões RCP 8.5, produzido a partir das 197
simulações do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES. No Quinto Relatório de 198
Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2013), os 199
cenários são baseados no forçamento radiativo antropogênico total ao final do século 200
XXI. Os modelos de desenvolvimento socioeconômicos podem assumir diferentes 201
trajetórias que convergirão em quatro forçantes radiativas distintas, equivalentes às 202
concentrações dos GEE denominados Representative Concentration Pathway (RCP) 203
cenários. Os quatro diferentes cenários são denominados como: RCP 8.5, RCP 6.0, RCP 204
4.5 e RCP 2.6, que correspondem às forçantes radiativas de 8.5 Wm-2, 6.0 Wm-2, 205
4.5 Wm-2 e 2.6 Wm-2, respectivamente. O primeiro (último) RCP é o mais pessimista 206
(otimista) e resulta em um aquecimento médio global de, aproximadamente, 4°C (1°C) 207
ao final do século XXI. 208
209
Os modelos 210
Neste estudo foram utilizados os cenários de clima futuro (RCP 8.5) produzidos 211
pelo modelo global acoplado do sistema terrestre HadGEM2-ES, do Met Office Hadley 212
Centre (MOHC), e regionalizado para a América do Sul com o MCR Eta 213
(CPTEC/INPE). 214
O modelo do sistema terrestre utilizado para downscaling é o HadGEM2-ES 215
(Collins et al., 2011; Martin et al., 2011). O HadGEM2-ES é um modelo em ponto de 216
grade de resolução N96, que equivale à 1,875 graus de longitude e 1,275 graus de 217
latitude, e 38 níveis na atmosfera. No oceano, o modelo possui 40 níveis na vertical; e 218
99
na horizontal, a resolução varia de 1/3 graus nos trópicos a 1 grau nas latitudes 219
superiores a 30°. O HadGEM2-ES é um modelo do sistema terrestre cujo ciclo do 220
carbono é representado. Sobre a superfície da terra, o ciclo do carbono é modelado pelo 221
esquema de vegetação dinâmica TRIFFID (Top-down Representation of Interactive 222
Foliage Including Dynamics) (Cox, 2001), que distingue cinco tipos funcionais de 223
plantas: árvores de folhas grandes e coníferas, gramíneas C3 e C4, e vegetação 224
arbustiva. O HadGEM2-ES ainda inclui a química da atmosfera e um modelo de 225
aerossol com a representação do carbono orgânico e da pluma de poeira. 226
O modelo regional Eta é utilizado operacionalmente no CPTEC/INPE desde 227
1997 para a previsão do tempo (Chou, 1996), desde 2002 para previsões climáticas 228
sazonais (Chou et al., 2005), e desde 2010 para simulações de mudanças climáticas 229
(Pesquero et al., 2010; Marengo et al., 2012). Esta versão tem sido validada e aplicada 230
para estudos de impacto e vulnerabilidade (Resende et al., 2011; Rodrigues et al., 2011; 231
Matos et al., 2012; Chou et al., 2014). O MCR Eta utiliza a coordenada vertical eta 232
(Mesinger, 1984), que permanece aproximadamente horizontal em áreas montanhosas, o 233
que torna a coordenada adequada para estudos em regiões de topografia acidentada 234
como a Cordilheira dos Andes na América do Sul. A dinâmica do modelo é determinada 235
em volumes finitos (Janjić, 1984; Mesinger et al., 2012). As convecções profunda e rasa 236
são parametrizadas de acordo com o esquema de Betts-Miller (Betts e Miller, 1986), 237
modificado por Janjić (1994). A microfísica de nuvens segue o esquema de Zhao et al. 238
(1997). Os processos de superfície da terra são representados pelo esquema NOAH (Ek 239
et al., 2003). O MCR Eta distingue 12 tipos de vegetação e 9 tipos de solo. Os fluxos 240
radiativos são tratados pelo esquema de Lacis e Hansen (1974) para ondas curtas e pelo 241
esquema proposto por Fels e Schwarzkopf (1975) para ondas longas. 242
100
243
Estratégia de integração numérica 244
Neste estudo foram utilizados os cenários de clima presente e futuro 245
regionalizados pelo MCR Eta forçado com o modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES 246
(Chou et al., 2014). Para o clima presente, correspondendo ao período de 1961 a 2005, a 247
concentração de dióxido de carbono (CO2) foi mantida constante, a 330 ppm. Para o 248
clima futuro, as integrações numéricas foram executadas em três períodos: 2006-2040, 249
2040-2070 e 2070-2100, utilizando o cenário de emissões RCP 8.5. A temperatura da 250
superfície do mar (TSM) é fornecida pelo modelo global HadGEM2-ES e atualizada 251
diariamente. Tanto a umidade inicial do solo quanto a temperatura inicial do solo são 252
derivadas do modelo do sistema terrestre. As condições de contorno lateral foram 253
atualizadas a cada 6 horas. O modelo foi configurado com uma resolução de 20 km e 38 254
níveis verticais, cujo topo definiu-se em 25 hPa. O domínio do modelo abrange a maior 255
parte da América do Sul (Figura 2). 256
101
257
Figura 2. Domínio do modelo. Bacia amazônica, limite em preto; Amazônia 258 setentrional, limite em vermelho; Amazônia meridional, limite em azul. 259
260
RESULTADOS E DISCUSSÃO 261
Os resultados são apresentados para períodos futuros de 20 anos: 2015-2035, 262
2045-2065 e 2079-2099. As mudanças climáticas são avaliadas com base no período 263
histórico de 1985 a 2005, definido como clima presente, considerando os campos 264
médios sazonais contrastantes e o ciclo anual dos componentes do balanço de umidade 265
(precipitação total, precipitação de origem local, precipitação de origem advectiva, 266
evapotranspiração à superfície, transporte de vapor d’água e convergência de umidade 267
integrada verticalmente) e da reciclagem de precipitação na bacia amazônica (Figura 2). 268
A avaliação dos impactos nos componentes do balanço de água na Amazônia faz-se 269
necessária, uma vez que, a reciclagem de precipitação está diretamente associada às 270
variações espaço-temporais desses componentes. 271
102
272
Precipitação e evapotranspiração 273
As Figuras 3 e 4 apresentam as mudanças nos campos médios da precipitação e 274
evapotranspiração, respectivamente, em relação ao período de 1985 a 2005, projetadas 275
pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES para os três períodos futuros (2015-2035, 276
2045-2065 e 2079-2099) durante o verão (DJF) e inverno (JJA) austral. Em DJF, uma 277
redução significativa da precipitação é observada sobre uma grande área que se estende 278
desde a região Norte até o Centro-Sul do Brasil, na região de atuação da Zona de 279
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), principal sistema meteorológico responsável 280
pelo acúmulo de grandes quantidades de chuva sobre o continente. A mudança no clima 281
sugere uma redução na frequência dos episódios de ZCAS ou uma redução da atividade 282
convectiva na região da ZCAS na geração de precipitação. Esta redução está de acordo 283
com a intensificação da alta pressão subtropical e dos ventos sobre o continente, que 284
podem bloquear a passagem de frentes frias se movendo em direção às latitudes 285
inferiores. Comparando com os resultados encontrados por Marengo et al. (2012), no 286
qual utilizaram o modelo Eta-HadCM3 e o cenário de emissões SRES A1B, a redução 287
da precipitação nesse estudo com o cenário RCP 8.5 foi mais extensa, expandindo-se 288
mais para o sul do Brasil. Embora o sinal de redução da precipitação ocorra nos três 289
períodos futuros, ao final do século a redução é mais intensa. Além disso, a região de 290
máxima redução da precipitação está localizada sobre o Centro e o Sudeste do Brasil, e 291
não na Amazônia ou no Nordeste do Brasil como apresentado em Marengo et al. 292
(2012). O extremo norte da América do Sul e noroeste da Amazônia mostram aumento 293
da precipitação, sobretudo nos períodos de 2015-2035 e 2045-2065, estando associado 294
ao aumento da convergência de umidade e massa em baixos níveis e, também, ao 295
103
transporte de ar úmido trazido pelos ventos alísios na Zona de Convergência 296
Intertropical (ZCIT). Em JJA, com a migração da ZCIT em direção às latitudes 297
setentrionais, a redução na precipitação ocorre, principalmente, no setor norte do 298
continente. Por outro lado, é projetado para o final do século um aumento da 299
precipitação no SEAS, porém, limitada às áreas próximas ao litoral sul do Brasil. Na 300
bacia amazônica, de maneira geral, a redução da precipitação é mais pronunciada 301
durante a estação chuvosa e, principalmente, ao final do século (37%). Os impactos 302
foram mais significativos sobre a Amazônia meridional, também durante a estação 303
chuvosa, onde a redução da precipitação foi de, aproximadamente, 40% ao final do 304
século. Considerando toda a bacia, na média anual, a redução da precipitação é da 305
ordem de 16%, 11% e 35% no início, meados e final do século XXI, respectivamente. 306
307
Figura 3. Distribuição média da precipitação (mm dia-1) para o clima presente e a 308 diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo 309 RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da 310 esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 311
104
2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é 312
destacada nas paletas de cores à direita. 313 314
Em DJF, uma redução significativa da evapotranspiração é observada, 315
sobretudo, no litoral norte da América do Sul, na Amazônia oriental, interior do 316
Nordeste do Brasil, na região Sudeste do país e em grande parte do Brasil Central. Por 317
outro lado, verifica-se um aumento da evapotranspiração sobre o sul do continente, 318
especificamente no setor centro-norte da Argentina. Em JJA, a redução da 319
evapotranspiração é mais pronunciada no Brasil Central, na Amazônia meridional e 320
oriental, e no litoral norte da América do Sul. Todavia, é identificado um aumento da 321
evapotranspiração sobre o noroeste da bacia amazônica, principalmente, ao final do 322
século. A mudança no clima, devido ao cenário de emissões RCP 8.5, indica que a 323
redução da precipitação em grande parte da América do Sul afetou o estoque de água no 324
solo, isto é, a umidade do solo diminuiu e, consequentemente, o fluxo de calor latente 325
(evapotranspiração) reduziu; com isso, a maior parte do particionamento de energia foi 326
para fluxo de calor sensível, aquecendo o ar e aumentando a temperatura sobre o 327
continente. Chou et al. (2014) observaram um aumento da temperatura à superfície na 328
bacia amazônica da ordem de 3,5°C e 8,0°C durante o início e fim do século XXI, 329
respectivamente. Embora o sinal de redução da evapotranspiração em grande parte do 330
continente sul americano ocorra nos três períodos futuros, tanto no verão quanto no 331
inverno austral, os máximos são projetados para o final do século, porém, com maior 332
(menor) intensidade em DJF (JJA). 333
105
334
Figura 4. Distribuição média da evapotranspiração (mm dia-1) para o clima presente e a 335 diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo 336
RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da 337
esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 338
2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é 339 destacada nas paletas de cores à direita. 340
341
Transporte e convergencia de umidade 342
As Figuras 5 e 6 apresentam as mudanças nos campos médios do fluxo e da 343
convergência do vapor d’água integrado verticalmente, respectivamente, projetadas pelo 344
modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES. De maneira geral, um padrão da circulação 345
equatorial durante o verão austral são os ventos alísios que, associados à intensificação 346
da alta subtropical do Atlântico Norte, transportam umidade para o interior da bacia 347
amazônica e do continente. Segundo Satyamurty et al. (2013) e Drumond et al. (2014), 348
esse fluxo de vapor d’água proveniente do Atlântico equatorial é a principal fonte de 349
umidade para a Amazônia. As projeções do modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES para os 350
106
três períodos futuros mostram que, o transporte de umidade se intensificou sobre a bacia 351
amazônica e desintensificou na região do jato de baixos níveis (JBN) durante o verão 352
austral, conduzindo menos umidade da Amazônia para o Centro-Sul e Sudeste do 353
Brasil. As mudanças na circulação da atmosfera ocasionaram, ainda, um aumento no 354
transporte de umidade em direção ao setor centro-norte da Argentina (Figura 5). Nessa 355
estação, a redução da convergência de umidade em baixos níveis sobre uma grande área 356
que se estende desde a região Norte ao Centro-Sul do Brasil (Figura 6) conduziu a 357
redução da precipitação nessas regiões. Na bacia amazônica observou-se uma redução 358
signifcativa da convergência de umidade, apresentando valores entre 3 e 5 mm dia-1. 359
Outrossim, a redução da convergência de umidade também é observada na região da 360
ZCIT, contribuindo para a redução do regime de chuvas no norte e nordeste do 361
continente. Em JJA, a circulação em baixos níveis projetada para os três períodos 362
futuros mostra uma intensificação do transporte de umidade sobre a bacia amazônica. 363
Além disso, as mudanças na circulação da atmosfera conduziram ao aumento no 364
transporte de umidade para a região Sul do Brasil, principalmente a partir de meados do 365
século XXI (Figura 5). Na Amazônia, a redução da convergência de umidade foi mais 366
intensa nos setores norte e oeste da bacia, exercendo papel preponderante na redução da 367
precipitação sobre essas áreas (Figura 6). 368
107
369
Figura 5. Distribuição média do fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (kg m-370 1 s-1) para o clima presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente 371
projetada pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha 372 inferior). Colunas da esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o 373 cenário RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das 374
mudanças projetadas é destacada nas paletas de cores à direita. 375
108
376
Figura 6. Distribuição média da convergência de umidade (mm dia-1) para o clima 377
presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo 378 modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). 379
Colunas da esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário 380 RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças 381
projetadas é destacada nas paletas de cores à direita. 382 383
Reciclagem de precipitação 384
A maioria dos estudos sobre reciclagem de precipitação tem demonstrado que 385
este mecanismo é fortemente influenciado pela precipitação total, evapotranspiração da 386
superfície e pelo transporte de vapor d’água sobre a região. A umidade que dá origem à 387
precipitação sobre regiões continentais é proveniente de duas fontes: (i) advecção de 388
vapor d’água oriundo de outras regiões por meio de movimentos de massas de ar e (ii) o 389
vapor d’água local por meio da evapotranspiração da superfície da própria região. A 390
evapotranspiração, por sua vez, depende da disponibilidade de umidade na área ou 391
abaixo da superfície (zona insaturada), que é evaporada diretamente ou através da 392
109
transpiração da vegetação. Consequentemente, mudanças de uso e cobertura da terra e 393
do clima, decorrente do aumento dos GEE, afetam a quantidade de precipitação sobre a 394
região, assim como a reciclagem. 395
A Figura 7 apresenta a distribuição média da reciclagem de precipitação em DJF 396
e JJA simulada pelo modelo Eta-HadGEM2-ES para o clima presente e as mudanças 397
projetadas utilizando o cenário de emissões RCP 8.5 para os três períodos futuros. De 398
modo geral, a reciclagem de precipitação simulada pelo modelo para o clima presente é 399
mais pronunciada sobre a porção centro-sul do continente, sendo diretamente 400
influenciada pela evapotranspiração da superfície dessa região. Na América do Sul, os 401
valores médios da reciclagem de precipitação variaram entre 10% e 80%, com índices 402
extremos da ordem de 70% a 80% no sul do Brasil. Em DJF, a reciclagem de 403
precipitação apresentou valores maiores (menores) no setor sul (norte) da bacia 404
amazônica, associados ao enfraquecimento (à intensificação) do transporte de umidade. 405
Os valores da reciclagem na Amazônia variaram entre 17% e 27% sobre os setores norte 406
e sul da bacia, respectivamente. Além disso, os valores da reciclagem de precipitação na 407
bacia amazônica tendem a aumentar de leste para oeste devido à redução da intensidade 408
do fluxo de vapor d’agua para oeste. Em JJA, o aumento na intensidade do transporte de 409
umidade foi preponderante para a redução da reciclagem sobre a porção norte da bacia 410
(18%). Entretanto, na porção sul os valores da reciclagem (30%) foram determinados 411
pela evapotranspiração e, também, pela redução do fluxo de umidade para a região. As 412
mudanças projetadas pelo modelo Eta-HadGEM2-ES utilizando o cenário RCP 8.5 para 413
o clima futuro mostram que, em DJF, a reciclagem de precipitação reduziu na bacia do 414
Prata, nas regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, estendendo-se para a Amazônia oriental 415
ao final do século. Em JJA, a redução da reciclagem ocorreu no sudeste e centro-oeste 416
110
do Brasil e sul da Amazônia. Na bacia amazônica a reciclagem de precipitação reduziu 417
em todos os períodos futuros, com impactos mais (menos) significativos na estação seca 418
(úmida) e ao final do século, 40% (30%). Na média anual, a redução da reciclagem foi 419
da ordem de 10%, 16% e 35% no início, meados e final do século, respectivamente. Em 420
termos regionais as principais mudanças ocorreram na porção sul da bacia: redução da 421
ordem de 50% durante a estação seca e ao final do século. Considerando toda a bacia 422
amazônica, a redução da evapotranspiração e o aumento do fluxo de umidade 423
contribuíram para a redução da reciclagem; entretanto, em termos relativos, o efeito do 424
aumento do fluxo de umidade é preponderante. Esse padrão também é observado em 425
ambas as sub-bacias. 426
427
Figura 7. Distribuição média da reciclagem de precipitação (%) para o clima presente e 428 a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo modelo 429 RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). Colunas da 430 esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário RCP 8.5); 2 – 431
111
2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças projetadas é 432
destacada nas paletas de cores à direita. 433 434
A partir do conceito da reciclagem de precipitação (β = Pl/P) foram estimadas a 435
precipitação de origem local (gerada a partir da evapotranspiração da região) e 436
advectiva (proveniente do transporte de umidade para a região). As Figuras 8 e 9 437
apresentam as mudanças nos campos médios sazonais da precipitação de origem local e 438
advectiva, respectivamente, projetadas pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES para os 439
três períodos futuros. Em DJF, uma redução da precipitação de origem local é 440
observada sobre a Amazônia meridional (estendendo-se para a Amazônia central e 441
oriental ao final do século), Pantanal, parte da bacia do Prata e, de forma mais 442
significativa, nas regiões Central, Sul e Sudeste do Brasil, associada à diminuição da 443
evapotranspiração da superfície. Do mesmo modo, durante o verão austral, uma redução 444
da precipitação de origem advectiva é verificada em uma grande área que se estende 445
desde o norte até o centro-sul do Brasil (região predominante da ZCAS), contribuindo 446
para a redução da precipitação total sobre o continente. Tanto a redução da precipitação 447
de origem local quanto advectiva contribuíram para a mudança da precipitação total 448
sobre a bacia amazônica, sendo que, a precipitação de origem advectiva apresentou 449
papel preponderante. Por outro lado, o extremo norte da América do Sul e noroeste da 450
Amazônia mostram aumento da precipitação de origem advectiva, sobretudo entre 451
2015-2035 e 2045-2065, associada ao aumento da convergência de umidade e massa em 452
baixos níveis. O aumento da precipitação de origem advectiva sobre o sul do continente, 453
especificamente no setor centro-norte da Argentina, deve-se, principalmente, ao 454
aumento no transporte de vapor d’água e da convergência de umidade nessa região, 455
causado pelas mudanças na circulação atmosférica. Em JJA, a redução da precipitação 456
112
de origem local e advectiva ocorrem, sobretudo, no setor norte da América do Sul, em 457
especial na Amazônia ocidental. A redução da precipitação de origem local, associada à 458
diminuição da evapotranspiração da floresta tropical, é mais evidente no sudoeste da 459
bacia amazônica e ao final do século, enquanto que a redução da precipitação de origem 460
advectiva é maior sobre o norte e noroeste da região em todos os períodos futuros. Por 461
outro lado, é projetado para o final do século um aumento da precipitação de origem 462
advectiva nas áreas próximas ao litoral sul do Brasil, associada ao aumento no 463
transporte de vapor d’água e da convergência de umidade e massa em baixos níveis. 464
Esses resultados mostram que, as mudanças no clima decorrentes do aumento dos GEE 465
afetam a estrutura termodinâmica da atmosfera, alterando a circulação em escala 466
regional, o transporte de umidade sobre a bacia amazônica e, consequentemente, a 467
precipitação de origem advectiva e local, por meio das mudanças na reciclagem de 468
precipitação. 469
470
113
Figura 8. Distribuição média da precipitação de origem local (mm dia-1) para o clima 471
presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo 472 modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). 473 Colunas da esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário 474 RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças 475 projetadas é destacada nas paletas de cores à direita. 476
477
478
Figura 9. Distribuição média da precipitação de origem advectiva (mm dia-1) para o 479 clima presente e a diferença entre os períodos futuros e o clima presente projetada pelo 480 modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES em DJF (linha superior) e JJA (linha inferior). 481 Colunas da esquerda para a direita: 1 – clima presente (1985-2005, sem o cenário 482 RCP 8.5); 2 – 2015-2035; 3 – 2045-2065; 4 – 2079-2099. A magnitude das mudanças 483
projetadas é destacada nas paletas de cores à direita. 484 485
Balanço de umidade e ciclo anual 486
A Tabela 1 apresenta as mudanças médias sazonais para o verão e inverno 487
austral, e anual dos componentes do balanço de umidade – precipitação total (P), 488
precipitação de origem local (Pl), precipitação de origem advectiva (Pa), 489
evapotranspiração da superfície (E), convergência de umidade (C) e fluxo de vapor 490
114
d’água integrado verticalmente (F) – e da reciclagem de precipitação (RP) projetadas 491
pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES para os três períodos futuros (2015-2035, 492
2045-2065 e 2079-2099), em relação ao clima presente (1985-2005), na bacia 493
amazônica e em seus respectivos setores norte e sul. De maneira geral, a redução de P é 494
mais (menos) pronunciada durante a estação chuvosa (seca), sendo a redução de Pa o 495
principal fator para a mudança no regime da precipitação na estação chuvosa e Pl 496
durante a estação seca. Na média anual, a contribuição de Pa é igual (entre 2045-2065) 497
ou maior do que a de Pl para a redução de P. A mudança no clima da Amazônia no 498
cenário de emissões RCP 8.5 sugere a configuração do mecanismo de retroalimentação 499
positivo (MRP) durante o verão austral e na média anual, isto é, a redução da 500
convergência de umidade (por meio da alteração na estrutura termodinâmica da 501
atmosfera e na circulação regional) e da evapotranspiração à superfície agiram no 502
mesmo sentido para reduzir a precipitação total. Este cenário é preocupante para a 503
Amazônia, uma vez que, o MRP pode causar instabilidade em seus ecossistemas, que 504
não apresentam grande capacidade de adaptação às mudanças climáticas, sobretudo, se 505
estas ocorrerem em um curto intervalo de tempo – décadas (Nobre et al., 2006; Scholze 506
et al., 2006; Salazar et al., 2007). Por outro lado, no inverno austral o mecanismo de 507
retroalimentação negativo (MRN) é caracterizado, isto é, a redução de E é parcialmente 508
compensada pelo aumento de C, porém, não o suficiente para inibir a redução de P. 509
Além disso, em JJA, a redução de P é menor do que a redução de E em todos os 510
períodos futuros. O MRN é um melhor cenário comparado ao mecanismo positivo, pois 511
tem o papel de atenuar os efeitos das mudanças no clima decorrentes do aumento dos 512
GEE. A redução da RP ocorre nos três períodos futuros e em ambas as estações, estando 513
associada à redução de E, mas, principalmente, ao aumento de F sobre a bacia; no 514
115
entanto, a mudança na reciclagem de precipitação é mais pronunciada durante a estação 515
seca e, sobretudo, ao final do século. De modo geral, as mudanças projetadas pelo 516
modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES são mais significativas na Amazônia meridional. 517
Neste setor da bacia a redução de P é maior durante a estação chuvosa, sendo a redução 518
de Pa o principal fator para a mudança no regime de chuvas. A redução da RP ocorre 519
nas duas sub-bacias e, de maneira geral, é mais (menos) pronunciada em JJA (DJF), 520
sendo diretamente influenciada pela redução de E, mas, sobretudo, pelo aumento de F. 521
A Figura 10 apresenta o ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da 522
reciclagem de precipitação na bacia amazônica e em seus setores norte e sul. De 523
maneira geral, observa-se a redução de P, praticamente, em todos os meses nos três 524
períodos futuros, estando associada, principalmente, à redução de C sobre a região, que 525
conduziu menos Pa para a bacia amazônica. A sazonalidade de P, Pa e Pl é mais 526
pronunciada na Amazônia meridional e está associada ao padrão do regime de monção 527
da América do Sul e à oscilação no sentido norte-sul da ZCIT. No entanto, as mudanças 528
na Pl e Pa, e consequentemente na P, são mais significativas durante a estação chuvosa; 529
contudo, Pa apresentou maior contribuição para a redução de P. Considerando o ciclo 530
anual de F e da RP, verifica-se que, de maneira geral, a reciclagem de precipitação é 531
inversamente proporcional à intensidade do transporte de umidade, isto é, quanto maior 532
o fluxo de umidade sobre a Amazônia, menor é a reciclagem de precipitação. O ciclo 533
anual da RP é maior na Amazônia meridional nos três períodos futuros e está associado 534
ao transporte de umidade menos intenso nesse setor da bacia. A redução da RP é 535
verificada em todos os meses e períodos, sendo influenciada pela diminuição da 536
evapotranspiração da floresta, mas, principalmente, pela intensificação do transporte de 537
vapor d’água sobre a região. 538
116
Tabela 1. Mudanças médias sazonais (em %) de DJF, verão austral, e JJA, inverno austral, e anual dos componentes do balanço de
umidade – precipitação total (P, mm dia-1), precipitação de origem local (Pl, mm dia-1), precipitação de origem advectiva (Pa, mm dia-1),
evapotranspiração da superfície (E, mm dia-1), convergência de umidade (C, mm dia-1) e fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (F,
kg m-1 s-1) – e da reciclagem de precipitação (RP, %) projetadas pelo modelo RCP 8.5 Eta-HadGEM2-ES para os três períodos futuros
(2015-2035, 2045-2065 e 2079-2099), em relação ao clima presente (1985-2005), na bacia amazônica, Amazônia setentrional e Amazônia
meridional.
Bacia Amazônica
Termos
1985-2005 2015-2035 2045-2065 2079-2099
DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual
P 6,6 3,8 5,3 -17% -10% -16% -14% -4% -11% -37% -20% -35%
Pa 5,2 2,9 4,1 -15% -6% -13% -12% -- -8% -33% -10% -28%
Pl 1,4 0,9 1,2 -21% -23% -23% -23% -23% -25% -53% -50% -55% *Pa 79% 76% 77% 73% 50% 67% 67% 0 50% 71% 38% 63% *Pl 21% 24% 23% 27% 50% 33% 33% 100% 50% 29% 62% 37%
E 4,2 3,9 4,0 -6% -11% -8% -2% -7% -4% -19% -23% -24%
C 3,4 0,8 2,2 -22% +24% -22% -20% +48% -13% -44% +80% -25%
F 209 213 205 +6% +9% +9% +21% +20% +22% +35% +33% +36%
RP 21 23 22 -5% -15% -10% -10% -21% -16% -29% -40% -35%
Amazônia Setentrional
Termos
1985-2005 2015-2035 2045-2065 2079-2099
DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual
P 5,1 5,7 5,6 -- -9% -11% -2% -5% -9% -35% -23% -34%
Pa 4,3 4,7 4,6 -- -9% -9% -2% -4% -7% -32% -19% -30%
Pl 0,8 1,0 1,0 -- -10% -12% -- -10% -20% -52% -37% -50% *Pa 84% 82% 82% -- 80% 67% 100% 67% 60% 78% 69% 74% *Pl 16% 18% 18% -- 20% 33% 0 33% 40% 22% 31% 26%
E 3,7 4,1 3,9 -- -2% -3% -- -- -- -22% -10% -20%
C 3,3 2,7 3,1 -- -7% -10% -- -- -- -21% -4% -16%
F 273 274 263 +3% +8% +7% +18% +20% +20% +24% +30% +28%
RP 17 18 17 -4% -8% -5% -10% -13% -11% -30% -25% -29%
117
Amazônia Meridional
Termos
1985-2005 2015-2035 2045-2065 2079-2099
DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual DJF JJA Anual
P 7,8 2,3 5,1 -23% -9% -21% -18% -- -15% -39% -13% -35%
Pa 5,8 1,6 3,7 -23% -- -17% -16% +13% -10% -33% +6% -27%
Pl 2,0 0,7 1,4 -27% -29% -30% -27% -29% -29% -55% -57% -59% *Pa 74% 70% 73% 72% 0 64% 64% -- 50% 63% 33% 56% *Pl 26% 30% 27% 28% 100% 36% 36% -- 50% 37% 133% 44%
E 4,5 3,8 4,2 -9% -18% -12% -3% -13% -10% -18% -35% -29%
C 3,4 -0,5 1,6 -41% +80% -44% -35% +100% -31% -62% +220% -44%
F 160 165 161 +10% +10% +12% +25% +20% +24% +50% +38% +47%
RP 25 30 27 -4% -22% -14% -8% -26% -18% -24% -51% -40% *Refere-se à contribuição de Pa e Pl para a precipitação total, P.
-- Significa que não houve mudanças consideráveis.
118
501
Figura 10. Média do ciclo anual dos componentes do balanço de umidade e da 502
reciclagem de precipitação simulado pelo modelo Eta-HadGEM2-ES para o clima 503 presente (1985-2005) e períodos futuros (2015-2035, 2045-2065 e 2079-2099) 504
utilizando o cenário de emissão RCP 8.5 na bacia amazônica (coluna à esquerda), 505 Amazônia setentrional (coluna central) e Amazônia meridional (coluna à direita). 506
Linhas de cima para baixo: 1 – precipitação total (P, mm dia-1); 2 – evapotranspiração 507 da superfície (E, mm dia-1); 3 – convergência de umidade (+C convergência e -C 508 divergência, mm dia-1); 4 – fluxo de vapor d’água integrado verticalmente (F, kg m-1 s-509 1); 5 – reciclagem de precipitação (RP, %); 6 – precipitação de origem local (Pl, mm dia-510 1); 7 – precipitação de origem advectiva (Pa, mm dia-1). 511 512
CONCLUSÕES 513
O objetivo principal deste estudo foi avaliar os efeitos da mudança do clima ao 514
longo do século XXI sobre a reciclagem de precipitação na bacia amazônica, abordando 515
os mecanismos físicos envolvidos nesse processo, utilizando o MCR Eta forçado com o 516
cenário de emissões RCP 8.5 proveniente do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES 517
(Chou et al., 2014). Para estimar a reciclagem de precipitação foi adotado o modelo 518
fundamentado no balanço de umidade na atmosfera descrito por Brubaker et al. (1993) e 519
119
Trenberth (1999). Na média, a reciclagem de precipitação na bacia simulada pelo 520
modelo para o clima presente é de 22%, corroborando com as estimativas dos trabalhos 521
desenvolvidos anteriormente, apresentando variação espacial e sazonal, com valores 522
mais intensos na Amazônia meridional (27%). As mudanças projetadas pelo modelo 523
para o clima futuro mostram que, de maneira geral, os impactos nos componentes do 524
balanço de umidade na Amazônia foram mais significativos durante a estação chuvosa 525
(DJF) e no setor sul da bacia, principalmente, ao final do século. O mecanismo de 526
retroalimentação positivo (MRP) é configurado durante o verão austral e na média 527
anual, isto é, a redução da convergência de umidade (por meio da alteração na estrutura 528
termodinâmica da atmosfera e na circulação regional) e da evapotranspiração da 529
superfície agiram no mesmo sentido para reduzir a precipitação total; no entanto, o 530
mecanismo de retroalimentação negativo (MRN) é caracterizado no inverno austral, em 531
que a redução da evapotranspiração é parcialmente compensada pelo aumento da 532
convergência de umidade, porém, não o suficiente para inibir a redução da precipitação. 533
O MRP representa um cenário preocupante para a Amazônia, uma vez que, pode afetar 534
a dinâmica de seus ecossistemas, que não apresentam grande capacidade de adaptação 535
às mudanças climáticas, sobretudo, se estas ocorrerem em um curto intervalo de tempo 536
– décadas. Entretanto, o MRN desempenha o importante papel de atenuar os efeitos das 537
mudanças no clima decorrentes do aumento dos GEE. A redução da precipitação total 538
na Amazônia foi decorrente tanto da redução da precipitação de origem local quanto 539
advectiva, sendo que a advectiva teve papel preponderante devido às mudanças na 540
circulação regional e no transporte de umidade sobre a bacia. De modo geral, a redução 541
da reciclagem de precipitação é mais pronunciada na estação seca, atingindo 40% ao 542
final do século, sendo diretamente influenciada pela redução da evapotranspiração da 543
120
superfície, mas, principalmente, pela intensificação do fluxo de umidade sobre a bacia. 544
No entanto, a mudança na reciclagem de precipitação é maior na Amazônia meridional 545
– redução da ordem de 50% em JJA ao final do século. Esses resultados mostram que, a 546
mudança do clima devido ao aumento dos GEE pode afetar de forma significativa os 547
componentes do balanço de água e a reciclagem de precipitação na bacia amazônica, 548
implicando em graves consequências ecológicas ao bioma, tais como: afetando a 549
dinâmica dos ecossistemas, reduzindo a capacidade da floresta em absorver o carbono 550
da atmosfera, favorecendo a ocorrência de eventos extremos (secas e enchentes), 551
aumentando a temperatura à superfície e, consequentemente, a frequência e intensidade 552
das queimadas. 553
554
AGRADECIMENTOS 555
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, desenvolvida no 556
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em parceria com a Universidade 557
do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus, Amazonas – Brasil, sob orientação do Dr. 558
Francis Wagner Silva Correia. O primeiro autor agradece à Coordenação de 559
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de 560
estudos e à Dra. Sin Chan Chou, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas 561
Espaciais (INPE), em Cachoeira Paulista, São Paulo – Brasil, por fornecer os dados das 562
simulações de downscaling do modelo Eta-HadGEM2-ES para a América do Sul 563
referentes ao clima presente e períodos futuros, utilizando o cenário de emissão RCP 564
8.5. 565
121
SÍNTESE
O presente trabalho teve como objetivo geral avaliar a distribuição espaço-temporal
dos componentes do balanço de água e da reciclagem de precipitação na bacia amazônica para
o clima presente, por meio de um estudo observacional com as reanálises do European Centre
for Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF (Era-Interim) no período de 1980 a 2005, e
seus impactos em cenários futuros utilizando o Modelo Climático Regional Eta, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), forçado com o cenário de emissões RCP 8.5
proveniente do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES. Para estimar a reciclagem de
precipitação foram utilizados os métodos descritos por Brubaker et al. (1993) e Trenberth
(1999) e Eltahir e Bras (1994), fundamentados no balanço de umidade na atmosfera. A
quantificação do mecanismo de reciclagem é um forte indicador da importância dos processos
de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como, da sensibilidade climática
relacionada às alterações nesses processos.
O Capítulo 1 apresentou uma perspectiva histórica da evolução do conhecimento e
uma visão crítica do estado da arte atual sobre a reciclagem de precipitação. Foram retratadas
as características do clima da Amazônia no que diz respeito às principais fontes de umidade
para a precipitação na região, bem como o transporte de vapor d’água sobre a América do Sul.
Os aspectos climatológicos da reciclagem sobre o continente mostram que a contribuição
advectiva é mais importante para a precipitação sobre a Amazônia e o Nordeste do Brasil, ao
passo que na região Centro-Sul a contribuição local tem importante papel na precipitação.
Com base nos resultados dos estudos discutidos, estima-se que a reciclagem de precipitação
na bacia amazônica é da ordem de 20-35%. Embora os estudos desenvolvidos anteriormente
tenham produzido novos conhecimentos acerca da interação entre os processos de superfície e
o ciclo hidrológico, os efeitos das mudanças climáticas globais no mecanismo de reciclagem
ainda não havia sido investigado.
Nos Capítulos 2 e 3, que correspondem à etapa observacional desta Tese, a
distribuição espaço-temporal dos componentes do balanço de água e da reciclagem de
precipitação na Amazônia foi analisada com base nas reanálises do ECMWF (Era-Interim), no
período de 1980-2005. Para quantificar a reciclagem foram utilizados os métodos propostos
por Brubaker et al. (1993) e Trenberth (1999) – Capítulo 2 – e Eltahir e Bras (1994) –
Capítulo 3. Constatou-se que, de modo geral, a bacia amazônica se comporta como um
sumidouro de umidade da atmosfera, recebendo vapor d’água tanto do tranporte de origem
122
oceânica quanto da evaportranspiração da floresta por meio do mecanismo de reciclagem. Em
escala regional, a Amazônia representa uma importante fonte de umidade para outras regiões
da América do Sul, contribuindo para o regime da precipitação em áreas remotas. Na média, a
reciclagem de precipitação estimada com base nos métodos supracitados é de,
aproximadamente, 20% na Amazônia, com valores variando entre 10-15% na porção norte e
40-50% na porção sul. Em outras palavras, do total da precipitação na bacia, cerca de 20% é
decorrente do processo de evapotranspiração local; indicando que, a contribuição local para a
precipitação total representa um percentual significativo no balanço de água regional e
desempenha um importante papel no ciclo hidrológico amazônico. Na média da bacia, a
contribuição advectiva é mais importante para a precipitação, enquanto que, na porção sul a
contribuição local (evapotranspiração) tem importante papel no regime da precipitação.
O Capítulo 4 apresentou a avaliação dos efeitos da mudança do clima durante o século
XXI sobre a reciclagem de precipitação na Amazônia, abordando os mecanismos físicos
envolvidos nesse processo, utilizando o modelo regional Eta forçado com o cenário de
emissões RCP 8.5 proveniente do modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES. Para estimar a
reciclagem de precipitação foi adotado o modelo descrito por Brubaker et al. (1993) e
Trenberth (1999). Na média, a reciclagem de precipitação na bacia amazônica simulada pelo
modelo para o clima presente foi de 22%, apresentando variação espacial e sazonal, com
valores mais intensos na Amazônia meridional (27%). As mudanças projetadas para o clima
futuro mostram que, os impactos nos componentes do balanço de umidade foram mais
significativos durante a estação chuvosa e no setor sul da bacia, principalmente, no final do
século. O mecanismo de retroalimentação positivo foi configurado durante o verão austral e
na média anual, isto é, a redução da convergência de umidade (por meio da alteração na
estrutura termodinâmica da atmosfera e na circulação regional) e da evapotranspiração da
superfície agiram no mesmo sentido para reduzir a precipitação total; no entanto, o
mecanismo de retroalimentação negativo é caracterizado no inverno austral, em que a
redução da evapotranspiração é parcialmente compensada pelo aumento da convergência de
umidade, porém, não o suficiente para inibir a redução da precipitação. A redução da
precipitação total na Amazônia foi decorrente tanto da redução da precipitação de origem
local quanto advectiva, sendo que a advectiva teve papel prepoderante devido às mudanças na
circulação regional e no transporte de umidade sobre a bacia. De maneira geral, a redução da
reciclagem de precipitação na Amazônia é mais pronunciada na estação seca, atingindo 40%
no final do século, sendo diretamente influenciada pela redução da evapotranspiração da
superfície, mas, principalmente, pela intensificação do fluxo de umidade sobre a bacia.
123
Contudo, a mudança na reciclagem é maior na Amazônia meridional – redução da ordem de
50% na estação seca no final do século. A Amazônia é sensível às variabilidades e mudanças
do sistema climático. O risco dos impactos no ciclo hidrológico regional, na reciclagem de
precipitação e, consequentemente, sobre os ecossistemas amazônicos é potencializado quando
alterações no uso e cobertura da terra em escala regional são acompanhadas por mudanças no
clima em escala global. Os resultados apresentados sugerem que, a mudança do clima devido
ao aumento dos gases de efeito estufa pode afetar de forma significativa os componentes do
balanço de água e a reciclagem de precipitação na bacia amazônica, implicando em graves
consequências ecológicas ao bioma, tais como: afetando a dinâmica dos ecossistemas,
reduzindo a capacidade da floresta em absorver o carbono da atmosfera, favorecendo a
ocorrência de eventos extremos (secas e enchentes), aumentando a temperatura à superfície e,
consequentemente, a frequência e intensidade das queimadas.
Visto que a quantificação do mecanismo de reciclagem é um forte indicador da
importância dos processos de superfície e do clima no ciclo hidrológico, assim como, da
sensibilidade climática relacionada às alterações nesses processos, pesquisas futuras
envolvendo modelagem numérica deverão utilizar modelos climáticos regionais (que
considerem a dinâmica da vegetação) forçados com diferentes cenários de emissões dos gases
de efeito estufa e cenários de mudanças no uso e cobertura da terra na bacia amazônica, assim
como outros métodos que estimam a reciclagem, a fim de avaliar os impactos das ações
antropogênicas nos balanços de radiação, energia e de água, bem como na reciclagem de
precipitação, na Amazônia e nos demais biomas do país.
124
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