Recuperação de PCH com problemas de geologia, topografia e hidrologia
Milton Emílio Vivan1, Pedro Henrique Dellamano Laranjeira2 1 Vivan Engenharia / [email protected]
2 Vivan Engenharia/ [email protected]
Resumo
O trabalho trata do projeto de recuperação de Pequena Central Hidroelétrica que apresentou
problemas de junta-falha, topografia e curva chave. A PCH, com altura de 22,5 m, apresenta
Vertedouro controlado por 3 comportas segmento para vazão milenar de 900 m³/s e verificado
para vazão decamilenar de 1100 m³/s. O circuito gerador é composto por Tomada de Água
incorporada à Casa de Força com uma turbina tipo bulbo para geração de 16 MW com queda
de água de 12,15 m e vazão de engolimento de 149 m³/s. O barramento junto ao vertedor foi
composto por enrocamento com núcleo de argila. A presença de junta-falha no maciço de
basalto sob as estruturas foi descoberta quando da escavação, resultando em adaptações no
projeto executivo das estruturas e no aumento expressivo no volume previsto de concreto
devido à remoção do material de má qualidade. Já os problemas topográficos e de curva chave
foram detectados quase ao final da construção, com todos os equipamentos eletromecânicos já
fabricados tais como comportas segmento, comporta vagão, stop-logs. Os pilares do
Vertedouro já estavam concretados restando pouco mais de 1 m para a conclusão do
coroamento das estruturas, com as vigas munhão do Vertedouro já com as bainhas
concretadas. O erro de topografia causado por uso inadequado de GPS foi de 1,5 m, sendo
que todas as estruturas resultaram implantadas em cotas mais baixas que as corretas. Esse erro
foi agravado pelo aumento em 1,5 m no nível de água a jusante para a vazão decamilenar
devido à revisão na extrapolação da curva chave, resultando em 3 m a mais de esforços
hidrostáticos na Casa de Força e nas demais estruturas de jusante. O trabalho apresenta as
soluções empregadas, com aproveitamento total dos equipamentos eletromecânicos, sem
ocasionar qualquer perda de geração ou de segurança das estruturas.
Palavras-chave
Recuperação estrutural; recuperação de PCH; recuperação de barragem; junta-falha; erro
topográfico; erro de curva chave.
Introdução
O trabalho apresenta o projeto de recuperação de Pequena Central Hidroelétrica (PCH) que
apresentou problemas de geologia, topografia e hidrologia.
A PCH, com barramento de terra, possui altura de 22,5 m, apresentando Vertedouro
controlado por 3 comportas segmento para vazão milenar de 900 m³/s e verificado para vazão
decamilenar de 1100 m³/s. O circuito de geração é formado por Tomada D’Água incorporada
à Casa de Força com uma turbina tipo bulbo para geração de 16 MW, queda de 12,15 m e
vazão de engolimento de 149 m³/s.
Problema de geologia (junta-falha)
Com o projeto executivo da PCH em andamento, durante as escavações para a execução da
obra, foi descoberta a existência de juntas-falha de geometria errática no local de apoio das
estruturas. A junta-falha no maciço de basalto era composta por blocos de rocha envoltos em
matriz areno-argilosa, sendo este material inadequado para o apoio das estruturas de concreto.
Após investigações adicionais e com a geometria da junta-falha conhecida, realizou-se o
estudo de alternativas para solução do problema: remoção total da junta-falha até o apoio em
rocha competente; manutenção da junta-falha, com ou sem injeção de calda de cimento,
ancorando as estruturas com tirantes e com incorporação a montante de galeria de drenagem e
injeção para redução e controle da subpressão.
Figura 1 – Junta-falha sob o Vertedouro e Bacia de Dissipação
Todas as soluções que mantinham a junta-falha sob a estrutura representavam arrojo
desnecessário. Além disso, continham incertezas sobre sua eficácia e segurança de
comportamento ao longo de toda a vida útil do empreendimento. Assim, optou-se pela
remoção total da junta-falha mesmo às custas de volume adicional de concreto de 10 000 m³.
Essa alternativa foi escolhida também por não acrescentar riscos adicionais à obra, evitar
futuros problemas de manutenção, não alterar os critérios do projeto estrutural e possuir
menor impacto sobre o cronograma da construção.
A estrutura mais afetada pela junta-falha foi o Vertedouro. Visando reduzir o consumo de
concreto, decidiu-se por prever os vãos com cotas de fundação distintas, conforme a profundidade da falha em cada região. Mas a mais importante alteração foi excluir o muro de
abraço do Vertedouro, transformando-o em muro de encosto, com a barragem apoiada
diretamente no pilar esquerdo do Vertedouro (P4), que passou a ser denominado P4/ME4.
Para redução da extensão dos muros de encosto da barragem, foi prevista transição da seção
da barragem de terra para enrocamento com taludes mais íngremes, e núcleo de argila. Foi
necessário o engrossamento do P4/ME4 para reduzir os deslocamentos da estrutura no contato
com o selo de argila, assim como garantir a estabilidade global da estrutura (ver Figura 2).
O projeto do Vertedouro foi elaborado através de modelo matemático tridimensional com
elementos sólidos para atender às necessidades da geometria complexa e irregular e prever os
deslocamentos no topo do pilar P4/ME4.
Figura 2 – Junta-falha sob o Vertedouro
Na bacia de dissipação, a junta-falha foi totalmente removida e sob a espessura de concreto
estrutural foi lançado concreto ciclópico de enchimento. Foram previstos chumbadores
ancorados na rocha calculados com a diferença de pressão entre o nível de água de jusante e a
pressão hidráulica sobre a laje, definida pela altura da linha d´água na bacia.
Os muros esquerdos da bacia de dissipação haviam sido previstos como paredes encostadas e
ancoradas na rocha. A presença de junta-falha inviabilizou essa solução. Para reduzir o
volume de concreto, em alternativa à criação de muro de gravidade com fundação muito
profunda, a solução adotada foi incorporar parte da bacia aos muros, agregando peso e
aumentando a base (ver Figura 6).
Problema de topografia e de hidrologia
Com o projeto praticamente encerrado após as revisões necessárias devidas à junta-falha, com
as obras civis em estágio final de construção, e com todos os equipamentos eletromecânicos
já fabricados, foram detectados problemas de topografia e de hidrologia na PCH.
As primeiras suspeitas ocorreram após medições de cota e vazão no rio que apontaram níveis
de jusante mais altos do que os esperados. Com as suspeitas de erros, foram realizadas novas
medições de cota e vazão e novos estudos topográficos, que comprovaram o erro topográfico
de implantação. O fato foi ocasionado pela incorreta utilização do transporte de coordenadas
realizado por GPS. Foram utilizadas cotas geométricas (h) obtidas em elipsoide teórico de
revolução ao invés de cotas ortométricas (H) obtidas no geóide através de correção local (N)
das cotas geométricas (ver Figura 3).
Concluiu-se então que a PCH havia sido implantada 1,5 m abaixo da cota correta.
Figura 3 – Cotas ortométricas x geométricas e aproveitamento do rio
Ao mesmo tempo, percebeu-se inconsistência da curva chave quando comparada com a curva
chave da 2ª PCH a montante, anteriormente já conhecida. A diferença entre os níveis normal e
excepcional era maior na 2ª PCH a montante, apesar de ter menor vazão e de ser menos
“encaixada” do que a PCH em recuperação (ver Figura 4).
Assim, dado o alerta, foi desenvolvida nova curva chave, levando em consideração as novas
medições “cota x vazão” e aperfeiçoado o método de extrapolação utilizado na fase de Projeto
Básico. Com a nova curva chave, as diferenças entre os novos e os antigos níveis de água de
jusante chegavam a ser de 1,5 m, o que somado com o erro topográfico resultava em 3 metros
a mais de coluna de água de solicitação das estruturas. (ver Figura 4 e Tabela 1).
Figura 4 – Comparação com seção do canal da PCH a montante e diferença entre as
curvas chave nova e do Projeto Básico
Tabela 1 – Níveis de água de jusante
Nível de Água D = NA novo - NA antigo (m) D + 1,5 (m)
Máximo normal 0,15 1,65
TR 1.000 anos 1,59 3,09
TR 10.000 anos 1,50 3,00
Consequências dos problemas e estágio das obras
Os problemas detectados geravam importantes consequências para o empreendimento. A
primeira delas, quanto à segurança de todas as estruturas de jusante, cuja recuperação era
obrigatória devido ao aumento da carga hidrostática para as condições de cheia. Outra
consequência seria a perda de aproximadamente 12% da capacidade de geração de energia
devido ao erro topográfico, por tratar-se de usina de baixa queda. Ao mesmo tempo, com a implantação em cotas mais baixas a PCH não respeitava as condições do inventário,
divergindo da divisão de quedas e prejudicando o aproveitamento hidroelétrico do rio.
Nessa ocasião o estágio das obras já estava bastante adiantado. Restava apenas 1,5 m para
finalizar o coroamento das estruturas da Tomada de Água da Casa de Força e do Muro das
Comportas, enquanto os Muros de Abraço Direitos e toda a Bacia de Dissipação já estavam
concluídos. No Vertedouro, restava 1,5 m do coroamento e o acabamento parcial dos perfis
Creager, estando os pilares já concretados no trecho das bainhas de protensão da viga
munhão, sem as cordoalhas, bem como já executadas todas as ranhuras e nichos dos servo-
motores das comportas segmento.
Além do avanço na construção das estruturas de concreto, todas as comportas vagão,
ensecadeiras e segmento do Vertedouro e todos os equipamentos hidro e eletromecânicos da
Casa de Força já estavam fabricados. O fabricante dos equipamentos já cogitava reforçar a
comporta segmento do Vertedouro acrescentando-lhe 1,5 m de altura. Isso aumentaria a carga
na viga munhão em 34%, que tinha as bainhas de protensão já concretadas. Levando em
consideração todos os problemas que se apresentavam era obrigatória a recuperação da
segurança e da capacidade de geração. A questão era como e a que custo.
Projeto básico de adequação para recuperação da segurança e da capacidade de geração
A primeira etapa do projeto de recuperação foi realizar o projeto denominado Básico de
Adequação, demonstrando que seria possível recuperar a segurança das estruturas e a
capacidade de geração da PCH, de forma economicamente viável.
O conceito da solução proposta foi realizar o alteamento de todas as estruturas em 1,5 m (erro
de topografia), permitindo que o perfil hidráulico e os estudos hidráulicos fossem mantidos e
que, principalmente, todos os equipamentos eletromecânicos pudessem ser aproveitados (ver
Figura 5).
Figura 5 – Solução adotada para Vertedouro e Bacia de Dissipação
A solução para a viga munhão foi desloca-la também para cima 1,5 m, mantendo as bainhas
nas posições originais, mas prolongando-as de modo que a protensão ainda comprimisse a
viga munhão alteada contra o pilar (ver Figura 12). Para a Casa de Força, como era conhecido
o projeto da 2ª PCH a montante, observou-se que lá a queda era um pouco maior e que como
os equipamentos eletromecânicos eram os mesmos, poderiam ser todos aproveitados, o que
foi confirmado pelo fabricante.
No projeto básico de adequação resultaram definidas as soluções para cada estrutura,
respeitadas as mesmas condições originais expressas nos Critérios do Projeto. Após
conhecidos os custos com base nos quantitativos de materiais e serviços, ficou demonstrada a
viabilidade técnica e econômica da recuperação da capacidade de geração e da segurança.
Assim, resultou mantida a divisão de quedas prevista no inventário do rio e não se perderia
tempo nem recursos para reforçar ou fabricar novamente os equipamentos eletromecânicos.
Desta forma, após 4 meses, prosseguiu-se para a etapa de projeto executivo.
Projeto executivo da recuperação da segurança e da capacidade de geração
Na Bacia de Dissipação, além do alteamento do perfil hidráulico, o aumento dos níveis d’água
de jusante obrigou ao aumento da altura dos muros laterais e em consequência o aumento na
diferença entre o nível de água externo e a linha d’água interna, aumentando assim os
esforços sobre as estruturas.
Das estruturas da bacia a mais crítica foi o muro ME5, o mais a montante na margem
esquerda (ver Figura 5). Para que o ME5 fosse estável, nas condições de carregamento com
comportas abertas, era necessário agregar peso de concreto em seu lado externo, o que fazia
com que o muro se tornasse instável para as situações com comportas fechadas (condições
normais) e para a condição de etapa de construção, uma vez que a ensecadeira de jusante
impedia que houvesse água em seu lado externo. A solução encontrada foi elevar o nível de
enrocamento da ensecadeira na região do muro ME5 (aumentando o empuxo no lado
externo), removendo-a assim que possível, para proporcionar equilíbrio entre os níveis interno
e externo, além de remover todo o enrocamento situado acima da cota necessária.
Outra medida adotada para garantir a estabilidade foi prever uma linha de estacas-raiz do lado
externo, que trabalham a tração quando as comportas estão abertas e a compressão nos demais
casos (ver Figura 6).
Figura 6 – Solução adotada para o ME5 e restante da Bacia de Dissipação
A verificação da estabilidade do ME5 foi feita por meio de modelo com elementos finitos
planos, simulando o apoio em rocha com molas unidirecionais e o apoio da estaca como mola.
Assim foram determinadas as tensões e as trincas de tração na fundação do muro, bem como
as cargas atuantes nas estacas para as diversas condições de carregamento. As armaduras
existentes foram verificadas para resistir aos novos esforços tanto no estado limite último
como no estado limite de serviço (abertura de fissuras), com estrita observação dos Critérios
de Projetos originais. Para o alteamento dos muros (e de todas as estruturas) foram utilizadas
luvas prensadas para emenda das barras novas com as existentes (ver Figuras 7 e 8).
Figura 7 – Preparo para o alteamento com o uso de luvas
Figura 8 – Alteamento com o uso de luvas
Foram utilizados chumbadores químicos nas regiões onde não foi possível realizar a ligação
com barras existentes, como por exemplo, no engrossamento de paredes e no alteamento da
laje da Bacia de Dissipação. O aumento do peso de 1,5 m de concreto na Bacia de Dissipação
permitiu que a ancoragem em rocha existente fosse suficiente para resistir à subpressão.
Para a garantia da estabilidade do Muro Divisor, localizado entre a Bacia de Dissipação e o
canal de restituição da Casa de Força, foi necessário o engrossamento do lado da Casa de
Força, com o uso de chumbadores químicos (ver Figura 6). Os procedimentos para o
alteamento foram os mesmos já descritos anteriormente, com luvas prensadas.
Já no Muro de Abraço Direito, além do alteamento de 1,5 m, concebeu-se estrutura em
formato de “U”, preenchida com argila, para não alterar o posicionamento dos taludes da
barragem de terra (ver Figura 9), o que implicaria em redução na área de manobra para acesso
à Área de Montagem. O mesmo artifício foi utilizado na margem esquerda, no pilar P4/ME4
do Vertedouro para não aumentar o comprimento dos muros de encosto.
Figura 9 – Estrutura em “U” nos Muros de Abraço Direitos
Na Casa de Força, o aumento do nível de água de montante levou à necessidade de reforço da
laje do teto da turbina, a qual foi engrossada em 1,0 m com a utilização de chumbadores
químicos. Além desse reforço a Tomada de Água foi alteada, em conformidade com o
restante das estruturas, em 1,5 m (ver Figura 10). As demais armaduras da Casa de Força
mostraram-se suficientes pois o estado limite de abertura das fissuras mostrou-se a condição
crítica para o dimensionamento e para essa condição houve aumento interno e externo
praticamente igual do nível de água em 1,5 m.
Figura 10 – Casa de Força
No Vertedouro a solução geral, como já apresentado, foi elevar todo o perfil hidráulico e os
pilares em 1,5 m. Para o alteamento foram utilizadas emendas por luvas prensadas conforme
já mostrado anteriormente para os muros da Bacia de Dissipação.
Com o alteamento do perfil hidráulico foi necessário reposicionar a ranhura da comporta
segmento do Vertedouro, elevando-a também em 1,5 m. Para isso, a nova posição da ranhura
foi aberta nos pilares por demolição, inseridas as novas peças fixas (ancoradas por
chumbadores químicos) para regulagem da vedação da comporta. A ranhura do projeto
original foi preenchida com grout (ver Figura 11).
Figura 11 – Ranhura da comporta segmento
Assim como a ranhura da comporta segmento, o nicho do servo-motor da comporta precisou
ser alteado em 1,5 m. Para o nicho foi adotado o mesmo procedimento: demolição do
concreto na nova posição e preenchimento do nicho existente com concreto ancorado por
chumbadores químicos à estrutura existente.
Para manter a comporta segmento original foi necessário elevar a viga munhão em 1,5 m, mas
com as bainhas já concretadas na posição original, sem cordoalhas. A solução adotada foi
prolongar os cabos de protensão para jusante, permitindo que as tensões de protensão se
espraiassem até a região do contato da viga munhão com o pilar (ver Figura 12).
Para reforço da ligação viga munhão – pilar foram previstas emendas com luvas das barras
horizontais e verticais existentes no pilar além de chumbadores químicos, de modo a agregar
maior segurança à ligação (ver Figura 12).
Para a verificação estrutural foi desenvolvido modelo tridimensional com malha de elementos
sólidos (STRAP) bastante refinada, com o objetivo de obter as tensões atuantes na região e o
dimensionamento das armaduras e chumbadores adicionais. Dessa forma, foi possível elevar a
viga munhão, permitindo sua ligação ao pilar com a contribuição de chumbadores químicos,
emendas com armaduras existentes do pilar e principalmente com as tensões devidas à
protensão aplicada abaixo da viga munhão.
Figura 12 – Projeto da viga munhão
Conclusões
Apesar da ocorrência de problemas de geologia, topografia e hidrologia tardiamente
detectados, foi possível a recuperação da segurança e da capacidade de geração do
empreendimento, atendendo-se plenamente aos Critérios de Projeto originais, obedecido o
inventário do rio e principalmente com o aproveitamento total dos equipamentos
eletromecânicos.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 6118 – Projeto de estruturas
de concreto. 2007.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 8681 - Ação e segurança das
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UNITED STATES DEPARTMENT OF THE INTERIOR – BUREAU OF RECLAMATION. Design
of Small Dams. 1987.
ELETROBRÁS. Diretrizes para estudos e projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas. 2000.
LEONHARDT, F. Construções de Concreto – Volumes 1 a 6. 1977.