UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
LINHA POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO E DE CULTURA
RODRIGO GARCIA VIEIRA BRAZ
REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA, FIRMAS MULTINACIONAIS DE CONSULTORIA E
TELECOMUNICAÇÕES: a privatização do Sistema Telebrás na lógica da
mundialização do capital
Brasília, 2014
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
LINHA POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO E DE CULTURA
RODRIGO GARCIA VIEIRA BRAZ
REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA, FIRMAS MULTINACIONAIS DE CONSULTORIA E
TELECOMUNICAÇÕES: a privatização do Sistema Telebrás na lógica da
mundialização do capital
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília como requisito para obtenção do grau de Doutor em Comunicação Social, pela linha Políticas de Comunicação e de Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Murilo César O. Ramos
Brasília, 2014
RODRIGO GARCIA VIEIRA BRAZ
REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA, FIRMAS MULTINACIONAIS DE CONSULTORIA E TELECOMUNICAÇÕES:
a privatização do Sistema Telebrás na lógica da mundialização do capital
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade de Brasília,
e defendida sob avaliação da Banca Examinadora constituída por:
Prof. Dr. Murilo César Oliveira Ramos Orientador
Universidade de Brasília
Prof. Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño Membro Externo
Universidade Federal de Sergipe
Prof. Dr. Márcio Iorio Aranha Membro Externo
Universidade de Brasília
Profa. Dra. Nelia Rodrigues Del Bianco Membro Interno
Universidade de Brasília
Prof. Dr. Fernando Oliveira Paulino Membro Interno
Universidade de Brasília
Prof. Dr. Carlos Eduardo Esch Suplente
Universidade de Brasília
Para os professores César Bolaño e Murilo Ramos,
pela inestimável contribuição aos campos da Economia Política de
Comunicação e da Política de Comunicações.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, que partiu no meio desta jornada, mas continuou sendo fonte
de amor e estímulo.
Ao meu orientador, Murilo Ramos, pela dedicação, carinho e convívio
intelectual
À minha família, sobretudo a meu pai, Rafaela, Maria Vitória e Tia Maria.
Aos amigos queridos, que tornaram a escrita deste trabalho menos árdua:
Miguel Ventura, Marina Palma, Danielle Azevedo, David Telles, Vanessa
Campos, Rachel Santana, Mike Peixoto, Rodrigo Barbosa, Juliana Visinheski,
Gabriela Freitas, Angelo Gomes, Dany Proença, Chalini Barros e Allan Carvalho.
Aos amigos, que mesmo de longe continuaram perto: Paulo Roberto, Daniela
Tavares, Marcela Dalvo, Lenise Garcia, Marcos Barbosa, Herbert Costa e ao G10.
Ao professor Andrew Calabrese, pela acolhida e por ter aberto as portas da
University of Colorado – Boulder.
Aos amigos que fiz durante o estágio sanduíche: Axel Cofré, Ana Luiza
Valadão, Fernanda Lemos, Akemi, Robinson Lemos e Alan Skankey.
À Capes e ao povo brasileiro, pelo apoio financeiro à pesquisa.
“[...} o capitalismo é um regime de produção orientado para a busca de
riqueza abstrata, da riqueza em geral expressa pelo dinheiro. Esta abstração
aparece com toda a sua força nua e crua no atual rentismo especulativo”
(João Manuel Cardoso de Mello, 1997, p. 24).
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
(Paulo Leminski)
RESUMO
BRAZ, Rodrigo. Reestruturação capitalista, firmas multinacionais de consultoria e telecomunicações: a privatização do Sistema Telebrás no lógica da mundialização do capital. Tese (Doutorado em Comunicação e Sociedade) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Orientador: Prof. Dr. Murilo César O. Ramos Data de defesa: 28/4/2014 O presente estudo tem como objetivo analisar as propostas e a atuação das firmas multinacionais de consultoria durante a privatização do Sistema Telebrás, que ocorreu no período de 1995 a 1998, no primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para tanto, buscou-se compreender a história das firmas de consultoria dentro da dinâmica de desenvolvimento do sistema capitalista, desde o surgimento daquelas no final do século XIX até os dias atuais, marcados por um regime de acumulação sob dominância financeira e pela ascensão do neoliberalismo. Além disso, investigou-se a centralidade que as telecomunicações assumiram no processo de reestruturação capitalista pós-1970 a partir da consolidação de um paradigma tecnológico baseado nos microprocessadores, na digitalização da informação e na telemática. As firmas multinacionais de consultoria foram contratadas pelo governo brasileiro por intermédio da União Internacional de Telecomunicação (UIT) para assessorá-lo no desenvolvimento de um modelo econômico para as telecomunicações, dar apoio técnico na definição do modelo e na forma de privatização do setor, além de auxiliar na estruturação do órgão regulador e no estabelecimento dos aspectos fundamentais da nova regulamentação. Para compreender o papel das firmas de consultoria na privatização do Sistema Telebrás, foram analisados os documentos, apresentações (slides) e proposições formuladas pela consultoras no decorrer dos trabalhos junto à equipe do Ministério das Comunicações. Verificou-se que as firmas multinacionais de consultoria tiveram um papel de alta relevância nas políticas então adotadas para o setor, engendrando um modelo concorrencial e regulatório, bem como uma forma de privatização, que atendia aos interesses da direita brasileira que acabara de chegar ao poder, dos grandes capitais internacionais e dos princípios neoliberais e privatistas defendidos pelas países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos. A análise da história das posições assumidas pelas firmas de consultoria mostrou que elas tornaram-se, ao longo dos anos, um dos principais intelectuais orgânicos do capitalismo, ampliando seu espaço de atuação após o advento do atual regime de acumulação. Palavras-chave: reestruturação capitalista. telecomunicações. firmas de consultoria. neoliberalismo.
ABSTRACT The present study aims to analyze the proposals and activities of multinational consulting firms during the privatization of Telebrás System, which occurred from 1995 to 1998, in the first term of ex president Fernando Henrique Cardoso. For this, the research sought to understand the history of consulting firms within the dynamic development of the capitalist system, since the appearance of them in the late nineteenth century until the nowadays, distinguished by an accumulation regime under financial dominance and the rise of neoliberalism. Furthermore, it was investigated the centrality that the telecommunications assumed on the capitalist restructuring after 1970’s, based on the consolidation of a technological paradigm based on microprocessors, the digitization of information and telematics. Multinational consulting firms were hired by the Brazilian government through the International Telecommunication Union (ITU) to advise it on the development of an economic model for telecommunications, providing technical support in the definition of the model and in the form of the privatization sector, besides this, they assisted in structuring the governing body and the establishment of key aspects of the new regulations. To understand the role of consulting firms in the privatization of Telebrás, it was analyzed documents, presentations (slides) and propositions made by the consultants during the discussions with the Ministry of Communications staff. It was found that multinational consulting firms had a important role in the policy adopted for the sector, engendering a competitive and regulatory framework as well as a form of privatization, which served the interests of the Brazilian right politics who had just come to power, the major international capital and neoliberal and privatizing principles defended by the developed countries, especially the United States. The study of the history of the positions taken by consulting firms showed that they have became, over the years, one of the leading intellectuals of capitalism, expanding their sphere of action after the advent of the current regime of accumulation. Keywords: capitalist restructuring. telecommunications. consulting firms. neoliberalism
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Riqueza fictícia e renda real...................................................................................29
Quadro 2 - Fusões das empresas de consultoria nos anos 1980 e 1990....................................79
Quadro 3 - Dez maiores firmas de consultoria por receitas em 2006.......................................84
Quadro 4 - Áreas para a concessão da Banda B do Serviço Móvel Celular...........................149
Quadro 5 - Resultado dos vencedores das concessões da Banda B do Serviço Móvel Celular –
em bilhões (R$).......................................................................................................................150
Quadro 6 - Realização de road shows para apresentação do Sistema Telebrás aos investidores
estrangeiros.............................................................................................................................153
Quadro 7 - Equipes de Trabalho – Consultorias.....................................................................159
Quadro 8 - Serviços e produtos do Termo Aditivo de Cooperação Brasil -UIT para a reforma
do Sistema Telebrás................................................................................................................160
Quadro 9 - Serviços da avaliação financeira – BNDES..........................................................162
Quadro 10 - Objetivos fundamentais para a reforma estrutural e os caminhos para atingi-lo165
Quadro 11 - Elementos de análise da pesquisa a partir dos caminhos para atingir os objetivos
da Reforma..............................................................................................................................165
Quadro 12 - Empresas membros da UIT que participaram da privatização da Telebrás........167
Quadro 13 -Empresas com potencial para comprar empresas do Sistema Telebrás...............168
Quadro 14 - Investidores Estratégicos - Principais interessados............................................169
Quadro 15 - Elementos para uma regulamentação básica......................................................175
Quadro 16 -Regimes de prestação do serviços de telefonia e principais características........179
Quadro 17 - Modelo com três regiões ………………………………………………………187
Quadro 18 - Modelo com quatro regiões................................................................................189
Quadro 19 - Cenário 2B de desenvolvimento da concorrência..............................................191
Quadro 20 - Opção 3 áreas heterogêneas................................................................................193
Quadro 21 - Privatização do Serviço de Telefonia Fixo Comutado por Região – em bilhões
(R$).........................................................................................................................................195
Quadro 22 - Privatização do Serviço de Telefonia Móvel Celular por Área – em bilhões
(R$).........................................................................................................................................196
Quadro 23 - Concessões Empresas-Espelho do STFC – em milhões (R$)............................198
Quadro 24 - Acessos fixos instalados – 2001.........................................................................200
Quadro 25 - Avaliação McKinsey sobre os possíveis mecanismos de financiamento das
OSUs.......................................................................................................................................211
Quadro 26 - Possibilidades de estruturas organizacionais para o CPqD................................218
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Crescimento Real do PIB Mundial.........................................................................24
Gráfico 2 - Evolução da dívida pública dos EUA em relação ao PIB - 1970 a 2012.............27
Gráfico 3 - Riqueza fictícia e renda real mundial (PNB) em trilhões (US$)............................29
Gráfico 4 - Crescimento das firmas multinacionais de consultoria entre 1980 e 1996............79
Gráfico 5 - Principais usuários finais da consultorias globais em gestão – 2007.....................83
Gráfico 6 - Receita Global das consultorias em gestão............................................................84
Gráfico 7 - Estimativa preliminar do rebalanceamento das tarifas – 1996.............................171
Gráfico 8 - Receitas locais da Telebrás com tarifas rebalanceadas (R$/acesso/mês).............172
Gráfico 9 - Penetração dos Telefone Fixo e Celular nos domicílios......................................214
Gráfico10 - Evolução em acessos do serviços do STFC – em milhões..................................215
Gráfico 11 - Evolução do Serviço Móvel Pessoal (SMP) – em milhões................................215
Gráfico 12 - Balança comercial do setor de telecomunicações entre 1996 e 2001 – em US$
milhões ...................................................................................................................................219
Gráfico 13 - Déficit da balança comercial de equipamento de telecomunicações – US$
bilhões.....................................................................................................................................219
SUMÁRIO 1.#INTRODUÇÃO#............................................................................................................................#11!
2.#FINANCEIRIZAÇÃO#DO#CAPITAL,#REESTRUTURAÇÃO#PRODUTIVA,#FIRMAS#MULTINACIONAIS#E#NEOLIBERALISMO#................................................................................#21!2.1#Crise#de#Sobreacumulação#e#Financeirização#do#capital#....................................................#22!2.2#O#regime#de#acumulação#sob#dominância#financeira#..........................................................#27!2.3#Financeirização,#produção#flexível#e#conhecimento#............................................................#34!2.3.1!Reestruturação!Produtiva!e!Gestão!do!Conhecimento!..............................................................!38!
2.4#Financeirização#e#impactos#sobre#o#mundo#do#trabalho#....................................................#41!2.5#Firmas#Multinacionais,#IED#e#nova#divisão#internacional#do#trabalho#..........................#44!2.6#Neoliberalismo.#Um#projeto#político#para#o#capital#financeiro#........................................#49!
3.#FIRMAS#MULTINACIONAIS#DE#CONSULTORIA#E#MUNDIALIZAÇÃO#DO#CAPITAL#56!3.1#A#primeira#fase:#do#chão#de#fábrica#às#finanças#.....................................................................#57!3.2#Segunda#Fase:#diversificação#e#atuação#no#Estado#...............................................................#65!3.2.1!Hegemonia!estadunidense!e!expansão!das!Firmas!de!Consultoria!pela!Europa!............!71!
3.3#Terceiro#Momento:##Firmas#Multinacionais#de#Consultoria#e#Reestruturação#Capitalista#..................................................................................................................................................#74!3.3.1!!O!Mercado!de!Consultoria!Pós!1970,!telemática!e!financeirização!do!Capital!...............!75!3.3.2!Atuando!na!Restruturação!Produtiva!................................................................................................!85!3.3.3!Firmas!de!Consultoria!e!Gestão!do!Conhecimento!......................................................................!88!3.3.4!Consultoria,!Informação!e!Inovação!...................................................................................................!91!
3.4#As#Firmas#Multinacionais#de#consultoria#como#Intelectuais#Orgânicos#do#Capitalismo#................................................................................................................................................#95!3.5#Firmas#Multinacionais#de#Consultoria,#Neoliberalismo#e#Privatizações#....................#103!
4.#TECNOLOGIAS#DA#INFORMAÇÃO#E#DA#COMUNICAÇÃO,#REESTRUTURAÇÃO#CAPISTALISTA#E#A#PRIVATIZAÇÃO#DAS#TELECOMUNICAÇÕES#BRASILEIRAS#.......#112!4.1#TIC#e#Reestruturação#Capitalista#.............................................................................................#112!4.2#Telecomunicações,#convergência#tecnológica#e#privatizações#......................................#118!4.3#O#Sistema#Telebrás:#da#constituição#às#tentativas#de#privatização#.............................#134!4.3.1!O!governo!FHC!e!a!privatização!do!Sistema!Telebrás!..............................................................!145!4.3.2!Uma!Lei!Mínima!para!começar!a!abertura!....................................................................................!149!
5.#A#ATUAÇÃO#DAS#FIRMAS#DE#CONSULTORIA#NA#PRIVATIZAÇÃO#DO#SISTEMA#TELEBRÁS#.....................................................................................................................................#152!5.1#O#processo#de#contratação#das#Firmas#de#Consultoria:#a#garantia#..............................#154!5.2#Da#análise#do#material#empírico#..............................................................................................#162!5.3#Atraindo#investidores:##projetando#certezas#de#um#futuro#rentável#...........................#166!5.4#O#desenho#do#novo#marco#regulatório:#a#LGT#sob#a#perspectiva#da#internacionalização#das#telecomunicações#.................................................................................#173!5.5#O#desenho#da#Anatel#e#os#mecanismos#previstos#na#LGT:#entre#a#tradição#do#direito#brasileiro#e#as#tendências#liberais#estadunidenses#.................................................................#179!5.6#O#Plano#Geral#de#Outorgas#e#o#Modelo#de#Concorrência#..................................................#186!5.7#Planejando#o#modelo#de#venda.#O#capital#internacional#como#parceiro#“estratégico”#do#Brasil#..................................................................................................................................................#201!5.8#O#Modelo#da#Oposição:#soberania#nacional#x#capital#internacional#............................#205!5.9#Universalização#das#telecomunicações.#Uma#chamada#sem#retorno#..........................#208!5.10#Pesquisa#&#Desenvolvimento#sob#uma#política#de#mercado#.......................................#216!
6.#CONCLUSÕES#............................................................................................................................#221!
7.#REFERÊNCIAS#..........................................................................................................................#234!
ANEXO#A:#Modelos#de#regionalização#propostos#pela#McKinsey#...............................#244!
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1. INTRODUÇÃO
A década de 70 do século passado foi marcada por uma das mais profundas crises do
sistema capitalista, após a falência do regime de acumulação fordista-keynesiano. A
superprodução levou a queda da produtividade e da lucratividade das indústrias após 1966. O
excesso da oferta de dólares sob controle dos bancos no exterior e a formação do mercado de
“eurodólares” na City londrina acarretou desequilíbrio da balança de pagamentos
estadunidense, de modo que em 1971 os EUA tiveram seu primeiro déficit na contas correntes
no pós Guerra1, assim como na balança comercial. O problema fiscal só seria solucionado a
custo de uma aceleração da inflação que solapou o papel do dólar como moeda de reserva
internacional. No mesmo ano, o então presidente dos EUA, Richard Nixon, anunciou, de
modo unilateral, o fim do regime de paridades fixas (conversibilidade em ouro do dólar),
medida que foi ratificada pelas autoridades internacionais em 1973 quando o sistema de taxas
de câmbio flutuante passou a vigorar. As tentativas de frear a inflação dispararam uma crise
mundial nos mercados imobiliários e nas instituições financeiras.
Para valorizar e recuperar a força do dólar como moeda de reserva, em 1979, sob o
comando de Paul Volcker, o Federal Reserve (Fed) aumentou abruptamente as taxas de juros.
Uma forma de repatriar o capital das empresas estadunidenses no exterior. Os EUA entraram
em uma das suas maiores crises, arrastando com eles diversos outros países. “O vazio criado
pela crise do dólar estimulou a mobilidade financeira do capital e exacerbou as transações
especulativas internacionais” (KILSZTAJN, 1989, p. 97). O aumento do preço do barril de
petróleo em mais de 300%, em 1973, diante da crise entre os países da Opep e os EUA, levou
ao aumento da liquidez dos mercados financeiros, com os chamados “petrodólares” sendo
também escoados para a City. Parte destes recursos foram destinados por meio de
empréstimos para os países latino-americanos, que, diante do aumento dos juros da moeda
estadunidense, não conseguiram arcar com os pagamentos, gerando um processo de rolagem
da dívida destes países. A grande “massa” de dinheiro, sob uma lógica de forte especulação,
passou a pressionar os limites impostos pelas regulamentações que atravancavam sua ampla
mobilidade.
Diante da crise e do acirramento da concorrência internacional, o setor produtivo
buscou saídas para reduzir os custos e romper as rigidezes do modelo fordista e das regras do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 Em 1971, os passivos externos dos EUA em poder dos bancos e outros atores privados era de US$ 15 bilhões. No mercado de eurodólares, o passive bruto chegava a US$ 114 bilhões.
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Estado de Bem-Estar Social. A implantação de modelos flexíveis de produção, como o
toyotismo, representou a reorganização do trabalho no chão de fábrica. O paradigma
tecnológico calcado nos microprocessadores, na digitalização da informação e na informática,
aliado a modelos organizacionais mais horizontalizados, permitiram avançar na subsunção
intelectual do trabalhador e na intelectualização das atividades desenvolvidas, criando
ambientes mais propícios à produção de conhecimento tácito posteriormente codificados e
arquivados sob o poder da empresa. A almejada redução dos custos viria pela inovação,
segmentação e encurtamento dos ciclos dos produtos. As tecnologias da informação e da
comunicação permitiram a flexibilização do processo produtivo, uma vez que as máquinas
poderiam ser reprogramadas a qualquer momento de forma ágil, assim como a criação de
espaços virtuais de diálogo entre os trabalhadores. Estes subsidiavam a produção de
conhecimento tácito. A ênfase na inovação propiciou uma constante atualização tecnológica e
dos modelos de gestão, seguindo assim a lógica patrimonialista e rentista do capital
financeiro. O modelo fordista foi, em certa medida, substituído por uma crescente capacidade
de manufatura de bens cada vez mais variados e segmentados (HARVEY, 2007).
O fortalecimento dos sindicatos e dos trabalhadores nos anos anteriores não permitiu
que, inicialmente, as empresas repassassem os prejuízos da crise para os trabalhadores.
Contudo, se por um lado, o próprio modelo flexível solapou as formas de resistência dos
trabalhadores, por outro, a ascensão do neoliberalismo desestabilizou o poder dos sindicatos.
A eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados
Unidos, em 1980, iniciou o espraiamento político do pensamento neoliberal para boa parte do
mundo. Foram aplicadas então medidas de austeridade fiscal, corte de gastos sociais,
privatizações, desregulamentação dos direitos sociais e da economia. Ou seja, o Estado
passou a se afastar da atividade econômica direta e alterar qualitativamente a regulamentação,
redirecionando-a para o fortalecimento dos mercados.
Neste sentido, financiados pelos grandes blocos de capitais, os governos
conservadores retiraram as últimas travas à mobilidade do capital financeiro, impulsionando a
sua hipertrofia. A desregulamentação das finanças, a descompartimentalização dos mercados
e a desintermediação bancária permitiram a consolidação de um regime de acumulação com
dominância da valorização financeira. Ainda que exterior à produção, a valorização financeira
foi (re)alocada no setor produtivo subjugando-o à sua lógica rentista, de modo que os
administradores industriais devem buscar a maximização do valor acionário da empresa.
Sob este regime de acumulação, as tecnologias da informação e da comunicação
(TIC) vieram a ocupar um lugar central na dinâmica das finanças. Consequência dos altos
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investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o paradigma tecnológico assentado no
microprocessador, nos computadores e na temática, permitiu o acompanhamento sistemático e
em tempo real dos negócios empresariais, do processo produtivo e do mercado financeiro.
Como salientado, no âmbito produtivo as TIC permitiram a flexibilização da produção, das
formas de trabalho, e criaram espaços propícios a uma maior produção de conhecimento
tácito. No que diz respeito ao comércio, foi possível atender, de forma mais ágil e
segmentada, às demandas do mercado, bem como criar novas necessidades sociais. Além
disso, as TIC são diferenciais no âmbito da concorrência, sendo sua propriedade uma das
principais barreira à entrada graças ao nível tamanho do investimento que exige. Desse modo,
os grupos econômicos procuram proteger suas tecnologias de modo a não permitir que sejam
copiadas sem a devida autorização ou compra das patentes. Por outro lado, empresas podem
realizar alianças estratégicas para desenvolver uma nova tecnologia e, desse modo, repartir os
cursos e os riscos. É nesse contexto que deve ser situada a implementação, pelos grupos industriais, das oportunidades proporcionadas pelas novas tecnologias informacionais aplicadas à produção industrial e às atividades de gestão e finanças. Beneficiando-se, simultaneamente, do novo quadro neoliberal e da programação por computadores, os grupos puderam reorganizar as modalidades de sua internacionalização e, também, modificar profundamente suas relações com a classe operária, particularmente no setor industrial (CHESNAIS 1996, p. 34).
A digitalização da informação, utilizando-se de códigos binários, disparou um
processo de convergência tecnológica. As redes de comunicação, antes separadas por tipo de
serviço ofertado, puderam ser integradas, dando unicidade ao conceito de rede e permitindo o
surgimento de uma variedade de novos serviços multimídia prestados então sobre uma
plataforma comum. Isto significa que se até os anos 1960 as telecomunicações eram
entendidas como tráfego de voz e a radiodifusão de sons e imagens; com as redes digitais elas
passam a abranger um série de novos serviços, agigantando a sua cadeia de valor e
favorecendo também a convergência econômica de grandes empresas que atuam no setor das
comunicações, bem como das formas de consumo. As telecomunicações se tornaram o
sistema nervoso do processo de mundialização do capital.
Até os anos 1970, as telecomunicações eram consideradas monopólios naturais,
sendo controlada por uma empresa privada, caso dos EUA, ou sob o controle do Estado, como
acontecia na maior parte do mundo. Em 1982, o monopólio da AT&T foi quebrado nos
Estados Unidos. Na Europa, também iniciou-se um processo lento de liberalização, mas com
o Estado mantendo seu poder sobre a principal operadora e permitindo que os seus “campeões
nacionais” passassem a atuar em âmbito internacional. Diante da possibilidade de que suas
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empresas nacionais pudessem explorar novos mercados, os países industrializados, sob o
comando dos Estados Unidos, adotaram estratégias para que os países latino-americanos
abrissem seus mercados de telecomunicações. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Mundial passaram a difundir o ideário neoliberal e a vincular, em um momento de
crise, empréstimos a implementação de uma agenda de austeridade, desregulamentações e
privatizações. Essa perspectiva também tornou-se hegemônica no GATT/OMC e na UIT nos
anos 1980, quando ambos passaram a publicar documentos e realizar acordos em que os
países em desenvolvimento comprometiam-se a abrir seus mercados ao capital estrangeiro.
A agenda neoliberal encontrou respaldo na América Latina, sobretudo após a década
de 1990, com ascensão política da direita ao poder. Neste período, vários destes países
privatizaram suas comunicações como Argentina, México, Peru, Venezuela, Porto Rico e
Brasil. Sob o regime de exceção de Pinochet, o Chile privatizou suas “teles” em 1987.
No Brasil, com o fim da ditadura militar, as políticas neoliberais começaram a ser
implementadas com maior rigor a partir de 1992 com a eleição de Fernando Collor de Melo2 e
atingiram seu ápice durante os dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Durante esta gestão foram privatizadas empresas de setores estratégicos do país, como
mineração3, energia4, telecomunicações, petroquímico5, gás6, transportes7 e bancário8. Em
1997, o então presidente sancionou a Lei 9.491, que estabelecia diretrizes para o Programa
Nacional de Desestatização (PND). De acordo com a legislação, cabia ao PND “reordenar a
posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades
indevidamente exploradas pelo setor público”, além de “permitir a retomada de investimentos
nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada” e “contribuir para
a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da
infraestrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a
capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de
crédito” (BRASIL, 1997, s/p). Segundo o Departamento de Coordenação e Controle das !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2 O Plano Nacional de Desestatização, defendido pelo governo Collor, foi aprovado em 12 de abril de 1990 por meio da Lei 8.031. 3 Companhia Vale do Rio Doce. 4 Escelsa, Light, Gerasul, Cachoeira Dourada, CESP Paranapanema, CESP Tietê, Cerj, Coelba, CEEE-Norte-NE, CEEE-Centro-Oeste, CPFL, Enersul, Cemat e Energipe. 5 Copene, CPC, Salgema, CQR, Nitrocarbono, Pronor, CBP, Polipropileno, Koppol, Deten, Polibrasil e EDN. 6 CEG, Riogás, Comgás, Gás Noroeste-SP. Gás Sul-SP 7 Foram feitas concessões das malhas ferroviárias Oeste, Centro-leste, Sudeste, Tereza Cristina, Sul, Nordeste , Paulista Ferrooeste e Flumitrens. Foram vendidas a Cia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, o Terminal Garagem Menezes Côrtes. Foram dadas concessões para operação do Porto de Santos, Porto de Sepetiba, Porto do Rio, Porto de Angra dos Reis, Cais de Capuaba, Cais de Paul e o Porto de Salvador. 8 Banco Meridional, Banespa, BEG, BEA, Credireal, Banerj, Companhia União de Seguros Gerais, Bemge, Bandepe, Baneb, Banestado e Paraiban.
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Empresas Estatais (Dest) do Ministério do Planejamento, em 1980 o Brasil possuía 213
empresas estatais, quantidade que passou para 186 em 1990 e decresceu para 103 no ano
2000. A justificativa do governo era de que o Brasil precisava ser modernizado para se inserir
na dinâmica do mercado globalizado. 53% da renda arrecada com as privatizações vieram de
países estrangeiros.
O plano do governo FHC, intitulado “Mãos à Obra Brasil”, deixava expressa a
intenção de reformar também a estrutura institucional das telecomunicações, de modo a
estimular a participação de capitais privados no seu desenvolvimento, mas assumia o
compromisso de não desnacionalizar o setor. Já em fevereiro de 1995, o Poder Executivo
enviou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC), alterando o
inciso XI do artigo 21 da Constituição Federal. Com a mudança, ficou permitida a exploração
dos serviços de telefonia por empresas privadas por meio de concessão, permissão ou
autorização. A Emenda Constitucional n. 8 foi aprovada no Congresso Nacional menos de
oito meses após a posse do novo presidente. Logo após a aprovação da PEC, o governo deu
início ao processo que, apesar das promessas, culminaria com a total privatização do setor em
1997.
Uma das primeiras ações foi a assinatura de um Terma de Cooperação firmado entre o
Ministério das Comunicações (Minicom) e a União Internacional de Telecomunicações
(UIT), visando “a obtenção de apoio técnico e metodológico com vistas à modernização do
setor de telecomunicações”. Não houve processo de licitação pois, segundo a interpretação do
Minicom, não era necessário uma vez que se tratava de contratação de serviços técnicos com
profissionais e empresas especializadas (LIMA, 1998). Entre as previsões do Termo de
Cooperação estava a contratação de empresas de consultoria que assumiriam as seguintes
funções: 1) desenvolver o modelo econômico que dará sustentação à proposta de reforma
estrutural do setor; 2) analisar o impacto potencial das disposições da nova lei de
telecomunicações sobre a oferta e a demanda, utilizando o modelo econômico citado; 3)
analisar as alternativas possíveis para a adequação do sistema Telebrás ao novo contexto
econômico-institucional; e 4) dar cabo à privatização de empresas estatais na área de
telecomunicações.
A contratação de firmas de consultoria tornou-se um recomendação da UIT aos países
em desenvolvimento que haviam assumido o compromisso de privatizar suas
telecomunicações. A participação das consultoras era uma forma de garantir que os
compromissos assumidos juntos aos organismos internacionais seriam implementados, de
acenar e atrair investidores estrangeiros, e de “mediar” os interesses destes com os do
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governo brasileiro. Conforme hipótese desenvolvida neste trabalho, as firmas multinacionais
de consultoria (FMC) são hoje um dos principais intelectuais orgânicos do capitalismo, com
um papel de atribuir ao conjunto do sistema uma maior coesão no sentido de permitir sua
expansão, sobretudo nos períodos de crise.
Desde o seu surgimento, entre o século XIX e XX, as firmas de consultoria vem
galgando espaços de maior relevância dentro das engrenagens do sistema capitalista. Na
passagem do período concorrencial ao monopolista, elas atuavam junto às fábricas com o
intuito de implementar métodos de reengenharia de produção, de modo a garantir a subsunção
real do trabalho. Além disso, as firmas de consultoria e auditoria desenvolviam estudos para
auxiliar as empresas a ampliar os lucros e realizavam avaliações de empresas para os bancos.
A partir de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, elas passaram a atuar no Estado,
reorganizando as forças militares e participando do desenvolvimento tecnologias. Após o
conflito, elas ganharam visibilidade e tiveram seus contratos ampliados no próprio Estado e
junto às grandes empresas e instituições, como, por exemplo, as empresas de John Davison
Rockefeller. No pós guerra, as firmas de consultoria diversificaram suas formas de atuação,
sobretudo após o desenvolvimento do microcomputador e da telemática, área hoje essencial
para o desenvolvimento dos seus serviços e produtos. Neste período, elas ampliaram ainda
seus negócios no exterior, sobretudo durante a ajuda estadunidense a recuperação da Europa.
Com a crise de superprodução, as firmas consultoras atuaram no processo de
reestruturação capitalista, aperfeiçoando e implantando modelos de produção e
organizacionais flexíveis; realizando auditoria nas grandes empresas com o intuito de ampliar
os lucros e permitir sua valorização no mercado de capitais; avaliando e participando das
negociações no âmbito do mercado financeiro e adaptando o setor produtivo para atuar na
lógica do capital portador de juros; auxiliando no uso das tecnologias da informação no
comércio e na segmentação dos produtos e mercados; atuando nas reformas dos Estados e
privatizações; e divulgando e implementando as ideais neoliberais, inclusive por meio de
financiamento de campanhas. As firmas de consultoria atuam em diversas esferas e o seu
principal recurso de trabalho são a informação e o conhecimento acumulados neste processo.
Elas assumem o caráter de “firmas-ponte” por transportar e vender informações entre as
empresas, setor público e o mercado financeiro, tornando-se atores centrais no âmbito da
concorrência.
A proposta deste trabalho é analisar e compreender a atuação das firmas
multinacionais de consultoria no processo de privatização das telecomunicações brasileiras
e na formulação do atual modelo setorial. O estudo buscou analisar como as determinações
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e os movimentos do processo de reestruturação capitalista se articularam, por meio das
firmas consultoras, aos interesses nacionais com o intuito de construir o modelo setorial
implantado. Neste sentido, buscou-se entender a história e a dinâmica de atuação das
firmas de consultoria no desenvolvimento do capitalismo após o século XX, sobretudo
durante o processo de mundialização do capital.
No Brasil, a análise da atuação das consultorias no setor das comunicações é uma
novidade no âmbito dos estudos da Economia Política da Comunicação (EPC) e das Políticas
de Comunicações. De modo geral, estas últimas pesquisas tem se dedicado a estudar o
impacto das ações do Estado (stricto sensu) e das instituições da sociedade civil, como os
movimentos pela democratização da comunicação, movimentos sociais, grupos empresariais,
ONG´s e entidades internacionais, sobre o setor. No caso da EPC, seus objetos empíricos
mais frequentes são as indústrias culturais específicas e as relações, no nível macro, entre
estas e os demais componentes do modo de regulação. Outros temas relevantes de estudas
desta perspectiva tem sido a problemática da dinâmica tecnológica, do trabalho cultural e do
conhecimento no âmbito da Indústria Cultural. Contudo, ainda não se tem conhecimento de
um trabalho aprofundado sobre a atuação das consultorias e a sua relação com o setor das
comunicações. Passando-se um olhar sobre os Anais do Grupo de Trabalho (GT) de
Economia das Comunicações da Sociedade Brasileira de Estudos Interdiscipinares da
Comunicação (Intercom) nos anos de sua existência9, assim como pelos artigos apresentados
no GT de Economia Política e Políticas de Comunicação da Associação Nacional dos
Programas de Pós-graduação da Comunicação (Compós), que esteve ativo nos anos de 2007 a
2010, nos GTs dos Encontros do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da
Informação, Comunicação e Cultura (Ulepicc-Brasil) e da Associação Latin-america de
Investigadores da Comunicação (Alaic) e nos textos publicados na Revista de Economia
Política das Tecnologias da Informação, Comunicação e Cultura (Eptic), criada em 1999 e
pioneira na área, não foram encontrados estudos que tenham um objeto de pesquisa similar ou
igual ao aqui proposto. De igual modo, não foram encontrados trabalhos com tal perspectiva
nas produções do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de
Sergipe (Obscom/UFS), do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de
Brasília (Lapcom/UnB) e do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e
Sociedade da Universidade do Vale do Rio Sinos (Cepos/Unisinos). Também foram feitas
buscas em banco de dissertações e teses de algumas universidades (UnB, USP, Unicamp, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 O GT foi criado em 1992 e extinto em 2000 devido as disputas políticas e epistemológicas no seio da Intercom. Em 2010 o Grupo foi recriado.
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UFRJ), assim como no banco de Dados do Ministério da Educação (dominiopublico.gov.br) e
não foram indetificados trabalhos que se dedicassem ou atentassem para a atuação das
consultorias enquanto ator estratégico no setor das comunicações. As pesquisas realizadas
sobre o processo de privatização da Telebrás, em geral, dedicaram-se a estudar o processo de
tomada de decisões, o processo de implantação da agência reguladora, as mudanças que
ocorreram após a privatização no âmbito da concorrência, da universalização do serviço e das
mudanças tecnológicas.
Do mesmo modo, a maioria das pesquisas internacionais realizadas, principalmente
nas escolas de administração e negócios (business schools), não apresentam um viés crítico de
análise sobre os vínculos das firmas de consultoria com a dinâmica do desenvolvimento
capitalista. Em grande parte, elas se dedicam a analisar os métodos de trabalho, a eficácia dos
produtos e serviços prestados, as formas de trabalho e produção de conhecimento, a atuação
no Estado e a história do setor. O trabalho aqui desenvolvido buscou dar uma contribuição
inicial para o entendimento destas firmas no interior das engrenagens do capitalismo.
O estudo da atuação das firmas de consultoria na privatização do Sistema Telebrás
foi realizado por meio da análise dos documentos que compõem o Projeto Memória das
Telecomunicações – Acervo Sergio Motta10. O conjunto dos documentos trata de todo o
processo de privatização das telecomunicações e abarca o período de janeiro de 1995 a abril
de 1998. No que concerne especificamente ao processo de construção do modelo adotado, a
documentação permite o acesso às apresentações feitas pelas firmas consultoras a equipe do
Ministério das Comunicações naquele período. Grande parte dos arquivos pode ser obtida
pela internet, mas outra pode ser acessada somente na sede do iFHC, em São Paulo, por conta
dos direitos autorais. Durante vinte dias dos mês de julho de 2011 foi feita uma triagem e
seleção dos documentos. A partir do estudo dos documentos, foram verificadas quais
proposições das firmas de consultoria foram implementadas e quais os vínculos com o ideário
neoliberal e com a lógica do regime de acumulação sob dominância financeira.
O entendimento do processo de produção, distribuição e acesso aos meios de
comunicação é central para a construção e consolidação de uma epistemologia da
comunicação e do seu campo de pesquisa. Como afirma Bolaño (2008), a Indústria Cultural e
os meios de comunicação são em geral estruturas de mediação entre os poderes do Estado e
do capital e os cidadãos e consumidores. A análise das mediações está, segundo o autor, no
cerne do campo da comunicação. Além disso, as características do regime de acumulação do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 O acesso a parte da documentação pode ser feito por meio do site www.ifhc.org.br/telecomunicacoes/.
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capitalismo que emergiu do pós-crise de 1970 atribuíram à comunicação e à informação um
papel essencial no modelo de desenvolvimento econômico engendrado (BOLAÑO, 2008, p.
99). Portanto, a análise das formas de mediação e das estruturas e lutas sociais que vão
impactar sobre aquelas permitem uma maior compreensão do processo social de comunicação
no atual estágio do sistema capitalista. A esta análise tem se dedicado a Economia Política da
Comunicação (EPC), perspectiva aqui adotada.
A partir do legado marxiano, as abordagens no âmbito da EPC tem se dedicado [a]o estudo da propriedade e do controle dos modos de produção, no âmbito das indústrias culturais, onde entra a atuação do Estado e da sociedade civil, para tal podendo-se dialogar com construtos que avancem na análise dos mercados e da concorrência, com a agregação de instrumentais como o neo-shumpeteriano, a fim de dar conta de elementos como a inovação tecnológica e as estratégias operacionais. Também contribuem os pontos de vista microeconômicos e centrados no mercado, nas formas de concorrência, debatendo com outros substratos teóricos, de forma não eclética. Nesta medida, a Economia Política da Comunicação tem se dedicado à pesquisa de questões inerentes à prática comunicacional no capitalismo, como a concentração das indústrias culturais e a oligopolização dos mercados, o papel do Estado e a relação da mídia com o espaço público, passando pela dinâmica de valorização e a especificidades do trabalho cultural (BRITTOS, 2008, p. 194).
Mosco (1998) define a economia política como “o estudo das relações sociais,
particularmente das relações de poder, que mutuamente constituem a produção, distribuição e
consumo de recursos” (MOSCO, 1998, p. 24 – tradução livre). A adoção da perspectiva da
EPC deve-se ao seu viés holístico, uma vez que ela busca compreender o lugar da informação
e da comunicação dentro do processo histórico concreto e o seu vínculo com as forças
reprodutivas centrais do regime de acumulação do capitalismo. Além disso, como explica
Bolaño (2008), a partir do quadro conceitual herdado da Crítica da Economia Política, a EPC
permite deslocamentos epistemológicos em direção às áreas de fronteira, explorando a
interdisciplinaridade de modo coerente e sem ecletismo.
A adoção ou não de determinadas políticas e de modelos institucionais de regulação
podem alterar substancialmente o desenvolvimento e o processo de inovação tecnológica, a
soberania de um país, e as formas de apropriação social das TIC. Nem as políticas públicas
nem os modelos institucionais de regulação são adotados unilateralmente por membros ou
técnicos do Estado, mas são consequência e materialização de disputas de poder entre os
atores e classes sociais presentes no âmbito do Estado. A(s) abordagem(ns) da Economia
Política da Comunicação tem dado uma importante contribuição no sentido de compreender
os aspectos econômicos, políticos e sociais na definição e implementação de políticas de
comunicações. Como afirma Ramos (2010), as políticas públicas propõem-se à produção,
distribuição e consumo de recursos. De acordo com o autor, a compreensão da dinâmica
econômica e política que envolve o processo de discussão, formulação e implementação das
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ações estatais é essencial para análise e conhecimento dos resultados. A partir da perspectiva
da economia política, o presente trabalho buscou contribuir para a compreensão das políticas
de telecomunicações implantadas durante o governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), focando no papel das firmas de consultoria no processo decisório
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2. FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, FIRMAS MULTINACIONAIS E NEOLIBERALISMO
A década de 1970 foi período marcado por uma das mais profundas crises do sistema
capitalista e de início de um processo de reestruturação que avança até os dias atuais, embora
já tenha consolidado e revelado suas principais regularidades e vieses. O esgotamento do
regime de acumulação fordista-keynesiano levou a transformações no próprio regime de
acumulação e na forma de produção, arregimentadas pela ascensão de políticas neoliberais.
Por sua complexidade, analisar esse processo com múltiplas determinações e rebatimentos
nos âmbitos econômico, político e social exige a escolha de um ponto de partida
metodológico.
Nas análises marxianas da dimensão econômica (infraestrutura) alguns autores
tendem a dar maior ênfase as mudanças no regime de acumulação ou no modo de produção,
ainda que, conforme destaca Lapyda (2011), as duas formas de periodizar e caracterizar o
capitalismo sejam recorrentes na obra de Marx. O estudos que tomam por base o regime de
acumulação tendem a focar os modos e as instâncias de circulação, realização e valorização
do capital. Já alguns outros estudos que enfatizam as alterações nos modos de produção
tendem a valorizar a análise dos mecanismos e do gerenciamento da produção, observando as
relação entre trabalho vivo e trabalho morto na geração da mais-valia relativa.
Os autores vinculados à Escola Francesa da Regulação, por exemplo, tomam essa
distinção para fins analíticos, contudo, a vinculação inexorável entre os dois já revela-se nos
conceitos. No que concerne a noção de regime de acumulação, Boyer (1991) compreende-a
enquanto conjunto de regularidades que subsidiam e garantem a expansão relativamente
coerente da acumulação do capital, ou seja, “que permitem absorver ou repartir no tempo as
distorções e desequilíbrios que surgem permanentemente ao longo do próprio processo”
(Idem, p 71). O modo de produção consiste em “um sistema complexo e uma articulação de
modos de produção que definem tanto toda a estrutura de uma sociedade, como também
apenas suas estrutura econômica” (Idem, p. 68). A opção de valorizar a proeminência de um
movimento sobre o outro diz respeito às opções e filiações teóricas e metodológicas de cada
pesquisador no momento da análise. Neste capítulo, buscou-se fazer uma análise que
apresenta como crise do período fordista-keynesiano suscitou um processo de reestruturação
capitalista que impactou sobre as formas institucionais do modo de regulação, levando a um
novo rearranjo daquelas formas no sentido de criar um regime de acumulação sob dominância
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do capital financeiro.
2.1 Crise de Sobreacumulação e Financeirização do capital
Após as crises econômicas dos anos 1920 e 1930 e sob a memória das nefastas
consequências deixadas pela Segunda Guerra Mundial, os Estados Nacionais passaram a
articular um novo pacto social para garantir a paz e a tranquilidade, além de firmar um outro
compromisso entre as classes sociais. Para além de reestabelecer e fortalecer as instituições
políticas e as formas democráticas de controle do poder, as forças políticas antifascistas
tinham consciência de que aqueles desastres poderiam voltar a acontecer caso não fosse
estabelecida uma nova ordem econômica internacional, que atrelasse o desenvolvimento
econômico ao desenvolvimento social, o fomento ao comércio internacional a partir de regras
monetárias que assegurassem a confiança da moeda de reserva, um certo equilíbrio do
balanço de pagamentos e a liquidez necessária pelas transações em expansão. Isto significava,
como destaca Belluzzo (1995), consolidar um ambiente econômico internacional com
elasticidade e capacidade de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento,
industrialização e progresso social.
Em 1944, durante a Conferência de Bretton Woods, foram estabelecidos novos
acordos econômicos e foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, com o objetivo de reconstruir, coordenar e sustentar a ordem financeira e econômica
internacional. Embora tenham nascido muito aquém do que propuseram Keynes e Dexter
White, as novas instituições de Bretton Woods conseguiram estabelecer um sistema de
finança regulada assentada na predominância do crédito bancário. Dentro dos acordos
políticos engendrados, o Federal Reserve acabou assumindo o papel de regulador da liquidez
e emprestador de última instância, dando aos Estados Unidos um papel central dentro do novo
quadro econômico. Belluzzo (1997) destaca três características importantes desse arcabouço
financeiro: 1) as políticas monetárias e de créditos estavam atreladas ao desempenho da
economia e das empresas nacionais, com taxas fixas de câmbio (ajustáveis dentro do padrão
de conversibilidade-ouro então estabelecido) e com limites aos movimentos internacionais de
capitais a curto prazo dificultando a transmissão de choques que instabilizassem às taxas de
juros domésticas; 2) a autonomia dos sistemas nacionais de crédito permitiam que as
autoridades monetárias estabelecessem regras de operação que definiam o caráter e a
especialização das instituições financeiras; requisitos prudenciais e regulações do sistema de
operações; fixação de limites máximos para as taxas de captação e empréstimo; e o
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estabelecimento de linhas específicas de fomento; 3) além disso, a aproximação entre bancos
centrais e bancos privados permitia um acompanhamento mais apurado das necessidades de
liquidez corrente do sistema bancário.
Assim, o novo quadro regulatório das finanças e o Estado de Bem-estar (Welfare
State), como passou a ser chamado, objetivavam um alto ritmo de crescimento do produto,
com pleno emprego e incremento dos salários, ampliação dos gastos públicos, aumento dos
ganhos fiscais socialmente destinados, sistema financeiro e monetário compartimentados,
regramento dos rendimentos do trabalho e expansão do modelo fordista de produção. O
avanço das democracias de massa, sobretudo nos países centrais, permitiram que os sindicatos
ganhassem forçam, tornando o Estado mais permeável às reivindicações trabalhistas.
Os Estados Nacionais passaram a intervir e a ter um maior controle sobre as políticas
econômica, monetária, fiscal e industrial, além de garantir a viabilidade de um conjunto de
políticas sociais e o fortalecimento das entidades sindicais. Esse modelo proporcionou um
período de altas taxas de crescimento (ver Gráfico 1), o que se convencionou chamar dos “30
anos gloriosos do capitalismo” (1945-1973)11. As altas taxas de lucro geraram pressões ainda
maiores sobre o nível de crescimento, ainda que, de acordo com Clarke (1991), na década de
1950, aquelas ainda permitissem que o capital absorvesse tais movimentos e ainda
comportassem com o folga as reivindicações por maiores salários, gastos sociais e
previdenciários
Na segunda metade dos anos 1960 o arranjo do regime de acumulação fordista-
keynesiano começou a dar sinais de enfraquecimento. Nesse período, começou-se a formar
um “excesso” de dinheiro que, diante dos primeiros sintomas de sobreacumulação e dos
limites de valorização do capital dentro daquele ciclo, passou a não ser reinvestido. Essa
massa de dinheiro provinha, em maior parte, dos lucros não repatriados das indústrias
estadunidenses no exterior e pelo déficit crescente do balanço de pagamentos dos Estados
Unidos. Optou-se então por destinar esses recursos para o mercado off-shore de eurodólares,
um mercado interbancário de capitais líquidos registrados em dólares com um estatuto próprio
próximo ao de um paraíso fiscal sediado na City londrina e criado em 1958 (CHESNAIS,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11 É importante destacar que o welfare state assumiu diferentes formas nos diversos países em que foi instalado, sendo adaptado de acordo com as lutas políticas locais. Portanto, não se trata de um modelo geral instaurado universalmente. Alguns países de Terceiro Mundo, principalmente os do continente africano, permaneceram distantes de tais políticas. Em FIORI (1997b) encontra-se um levantamento e algumas classificações das diversas formas que o welfare state assumiu, de acordo com padrões básicos, “diferenciados por sua forma de financiamento, pela extensão de seus serviços, pelo peso do setor público, pelo seu grau de sensibilidade aos sistemas políticos, pela sua forma de organização institucional etc”.
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2005, p.38) 12 . Lapyda (2011) salienta que esse processo marca a primeira etapa da
internacionalização financeira, uma vez que, abrigando o capital em fuga das
regulamentações nacionais, constituiu-se em Londres o então único meio de comunicação em
grande escala dos capitais monetários de diversos países.
Gráfico 1: Crescimento Real do PIB Mundial
Fonte: SKIDELSKY (2009)
Além disso, nesse mesmo período houve um acirramento da concorrência
internacional uma vez que a reconstrução da Europa permitiu que países como Alemanha,
França e Itália retomasse sua capacidade produtiva; já o Japão passou a despontar como
potência econômica, impulsionando também o expressivo crescimento econômico dos
chamados Tigres Asiáticos (Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul). O
fortalecimento das moedas estrangeiras, a deterioração da balança comercial estadunidense
assim como o desequilíbrio da balança de pagamentos, geraram fortes pressões especulativas
contra o dólar, que começou a perder força enquanto moeda de reserva. Como resposta, em
1971, o presidente Richard Nixon decidiu acabar com a conversibilidade ouro-dólar e adotar
um sistema de câmbio flutuante (ou flexível), posição que foi ratificada em 1973 em reunião
do Fundo Monetário Internacional (FMI). Maria da Conceição Tavares (1997) lembra que a
ruptura do sistema de paridades fixas intensificou a especulação em moedas, uma vez que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!12 De acordo com Chesnais (1996), o surgimento do “euromercado” está atrelado ao incômodo sentido pelos bancos britânicos com a queda do valor da libra esterlina. Desse modo, eles passaram “a trabalhar em dólares, chamados ‘eurodólares’ por serem originários de operações de débito/crédito de contas gerenciadas fora do país que os emitia, os EUA. Essas contas foram inicialmente as das multinacionais americanas, e logo dos bancos norte-americanos, que estavam então se encaminhando para a internacionalização de suas atividades […] Algumas tímidas medidas de controle dos movimentos de capitais, sob a presidência de Kennedy (a regulamentação Q) e de Johnson, acabaram de convencê-los a constituir os euromercados como mercado privado que escapava a elas” (CHESNAIS, 1996, p. 252 e 253).
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tornou ineficaz os mecanismos de ajustes monetários do balanço de pagamentos, subsidiando
ainda mais a expansão do mercado interbancário13.
Em 1979, os EUA deram o “golpe final” nos Acordos de Bretton Woods ao
aumentarem rapidamente a taxa de juros com o intuito de manter a função de reserva e
reestabelecer a hegemonia da moeda estadunidense (BELLUZZO, 1995; BELLUZZO, 1997).
Essa estratégia comandada por Paul Volcker levou os EUA e a economia mundial a uma
profunda recessão durante os três anos que se seguiram. Contudo, conforme explica Tavares
(1997), o encolhimento do crédito e a consequente redução dos montantes movimentados no
mercado interbancário serviram como força centrípeta para atrair o sistema bancário para os
EUA, reforçando a capacidade do Fed de controlar a política monetária e atrelando ao dólar as
flutuações das taxas de juros e de câmbio.
Um outro importante aspecto na criação da liquidez para o mercado financeiro, foi a
canalização para a City londrina do capital arrecado pelos países da OPEP e do Golfo Pérsico
após o abrupto aumento do barril de petróleo em 1973. Os chamados “petrodólares” foram
“reciclados” pelos grandes bancos internacionais sob a forma de empréstimos para que os
países do Terceiro Mundo, sobretudo da América Latina, assentando as bases para o problema
futuro da dívida pública desses países. O crescimento das taxas de juros ampliou ainda mais o
valor dessa dívida e, consequentemente, ampliou o valor mensal pago aos países credores,
comprometendo boa parte dos orçamentos nacionais. A solução vislumbrada pelos países do
Terceiro Mundo foi tomar novos empréstimos para arcar com o serviço da dívida, uma vez
que esta era denominada em dólar e não tinha taxa pré-fixada. A rolagem da dívida e as
subsequentes crises dos países periféricos, como a do México já em 1982, tornaram-se “uma
força formidável que permitiu que se impusessem políticas ditas de ajuste estrutural e se
iniciassem processos de desindustrialização em muitos deles. A dívida levou a um forte
crescimento da dominação economica e política dos países centrais sobre a periferia”
(CHESNAIS, 2005, p. 40).
A eleição de Margareth Thatcher em 1979 no Reino Unido, a chegada de Paul Volcker
ao comando do Federal Reserve no mesmo ano e a chegada de Ronald Reagan à presidência
dos Estados Unidos em 1980 criaram, de acordo com Chesnais (2005), as condições políticas
e sociais para a expansão do acumulação financeira com a abertura dos seus sistemas
financeiros e mercados nacionais. A desregulamentação monetária e financeira, juntamente
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 “Os movimentos especulativos de capitais sempre denominados em dólar, que dão lugar a um non-system, continuaram minando o dólar como moeda reserva, desestabilizaram periodicamente a libra e fortaleceram o marco e o iene como moedas internacionais” (TAVARES, 1997, p. 32).
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com a ampliação do mercado da dívida pública14, subsidiaram a súbita expansão do mercado
de obrigações interconectados em âmbito internacional.
Com a desregulamentação do mercado financeiro, a “titulização” da dívida
desempenhou um papel central na expansão da acumulação financeira e na consolidação dos
mercados de obrigações. Isto significa que os Estados nacionais passaram a emitir Bônus do
Tesouro e papéis (títulos) da dívida para negociar nos mercados financeiros. Os países
desenvolvidos tem um papel central neste processo, pois os seus títulos, por terem maior
potencial de pagamento, são mais “confiáveis” e possuem valores mais elevados. Além de
agradar os governos de plantão, que podiam assim financiar seus déficits, esse mecanismo
interessava também aos investidores institucionais centralizadores da poupança (fundos de
pensão, fundos mútuos etc). Assim, a equação que se estabelece é que quanto maior a dívida
mais transações se realizarão no mercado financeiro, que amplia suas “garras” sobre o Estado.
Nos anos 1980, a ampliação dos déficits orçamentários e comercial dos EUA e da Europa
potencializaram a expansão do capital portador de juros15. A partir de então, assistiu-se a um
desenvolvimento abrupto de instrumentos financeiros nos mercados secundários e um
aprofundamento das transações de securitização, que, como destacam Tavares e Melin (1997),
avançaram sobre o endividamento externo dos mercados periféricos até os mercados de
commodities, juros e câmbio e demais operações de riscos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14 A emissão de bônus do tesouro e dos demais títulos do tesouro para aplicar no mercado financeiro passou a ser uma estratégia recorrente por parte dos países desenvolvidos para financiar os seus déficits orçamentários. 15 Para uma análise crítica e histórica das investidores institucionais e dos instrumentos financeiros, ver BRAGA, J.C.S. Financeirização global. O padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo. In.: TAVARES, M.C.; FIORI, J.L. Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petropólis: Vozes, 1997.
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Gráfico 2: Evolução da dívida pública dos EUA em relação ao PIB - 1970 a 2012
Fonte: www.tradingeconomics.com/ U.S. Bureau of Public Debt
Como consequência dos movimentos acimas descritos, os primeiros anos da década
1980 foram marcados por um intenso processo de acumulação financeira, culminando com a
formação de um regime de acumulação mundializado sob dominância financeira. Esse
processo caracterizou-se “pela centralização em instituições privadas de lucros industriais não
reinvestidos e de rendas não consumidas, que tem por encargo valorizá-los sob forma de
aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os fora da produção
de bens e serviços” (CHESNAIS, 2005, p. 37).
2.2 O regime de acumulação sob dominância financeira
De acordo com Chesnais (2005), a consolidação do processo de mundialização das
finanças deu-se a partir de três elementos, a saber: a desregulamentação ou liberalização
monetária e financeira, a descompartimentalização e a desintermediação. O processo de
desregulamentação é capitaneado pelos EUA e pelo Reino a partir da chegada de Reagan e
Thatcher ao poder. Já em 1979, as políticas adotadas destruíram os mecanismos de controle
sobre a entrada e saída de capitais dos seus respectivos países, abrindo totalmente os sistemas
financeiros. Nos começo dos anos 1980, houve a revogação da proibição aos bancos
comerciais do pagamento de juros para depósitos à vista e da permissão para que eles
contabilizassem separadamente as operações externas ou com não residentes nos EUA. Em
1986, a Bolsa de Londres permitiu a participação de instituições financeiras estrangeiras, o
que agradou aos investidores institucionais estadunidenses que, desse modo, poderiam fugir
das cláusulas do Glass Steagall Banking Act. Esse regulamento proibia as organizações
financeiras de utilizarem os recursos captados do público em operações em nome próprio,
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obstaculizando assim que esses montantes fossem utilizados em aplicações no mercado
financeiro de modo a manter o ambiente bancário mais seguro. O lugar hegemônico dos EUA
e do dólar no sistema financeiro, tendo como aliado o Reino Unido, pressionou os demais
países a abrirem seus mercados. Destaque deve ser dado também ao papel desempenhado pelo
FMI e pelo Banco Mundial que impuseram, sobretudo aos países do Terceiro Mundo, a
abertura e a restruturação dos mercados financeiros utilizando como moeda de troca
empréstimos à juros bastante elevados. Os Estados Unidos, o FMI e seus aliados e representantes locais formados nas universidades norte-americanas segundo o credo e as receitas neoliberais, trabalharam para obter dos governos a descompartimentalização dos mercados financeiros dos NIC, a passagem à titulização da dívida pública e a formação, nesses países, de mercados de obrigações domésticos interconectados com os países do centro do sistema (CHESNAIS, 2005, p. 47).
A descompartimentalização de que trata o autor ocorreu em nível interno e externo.
No primeiro caso, ela refere-se às diferentes funções financeiras e aos diversos tipos de
mercados (câmbio, crédito, ações e obrigações), pavimentando e liberalizando a atuação dos
bancos. No âmbito externo, ela está assentada na desregulamentação do mercado de câmbio,
no “escancaramento” do mercado de títulos públicos aos investidores estrangeiros e na
abertura da Bolsa às empresas estrangeiras. Já a desintermediação acaba com o monopólio das
instituições bancárias sobre o sistema de crédito. Isto significou que a partir de então os
governos e instituições privadas puderam passar a negociar diretamente com o mercado
financeiro sem a intermediação dos bancos e do sistema creditício tradicional. As instituições
captadoras de poupança podem assim negociar empréstimos a taxas menores de juros, de
forma mais ágil uma vez que se reduz a burocracia dos antigos procedimentos, e se podem
renegociar os títulos no mercado secundário. Houve assim a reconfiguração do sistema
financeiro, com a criação e reposicionamento de novas instituições e atores, e a propagação
uma grande variedade de “papéis” negociáveis.
Após o início dos anos 1980, o capital portador de juros cresceu vertiginosamente e a
sua lógica alcançou lugar hegemônico no sistema capitalista. Leda Paulani (2009) afirma que
um dos elementos que comprovam a tese da dominância financeira no atual regime de
acumulação é justamente o maior crescimento da massa mundial de ativos financeiros em
relação ao crescimento da renda e da riqueza real (capital fixo). Dados apresentados pela
autora mostram que no período de 1980-2006, ou seja 26 anos, o PIB mundial cresceu 314%,
ou seja 4,1 vezes, ao passo que a riqueza financeira avançou 1.292%, o que significa 13,9
vezes (ver Quadro 1 e Gráficos 2 e 3).
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Quadro 1: Riqueza fictícia e renda real
Fonte: McKinseys Global Institute (Ativos) e FMI (PNB); elaboração de Paulani (2009).
*Inclui ações e debêntures, títulos de dívida privados e públicos e aplicações bancárias; não inclui derivativos. ** Estimativa. *** Projeções
Gráfico 3: Riqueza fictícia e renda real mundial (PNB) em trilhões (US$)
Fonte: McKinseys Global Institute (Ativos) e FMI (PNB); elaboração de Paulani (2009)16.
A explicação para esta contradição reside no fato de que a base da expansão
descontrolada do setor financeiro está no seu descolamento do setor produtivo. Contudo, esta
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!16 A pesquisadora salienta que para a construção do gráfico, os valores do estoque mundial de ativos financeiros correspondentes aos anos para os quais há dados disponíveis foram estimados como crescendo a uma taxa constante.
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autonomia é relativa uma vez que a finança alocou essa “exterioridade da produção” no cerne
do setor industrial. É neste sentido que Chesnais (2005) afirma que no capitalismo
contemporâneo o capital portador de juros17 está no centro das relações econômicas e sociais.
A partir do quadro de desregulamentação e de crescimento das finanças que se iniciou nos
anos 1980, “os proprietários-acionistas despenderam energia e meios jurídicos, ou quase
jurídicos, consideráveis para subordinar os administradores-industriais e os transformar em
gente que interiorizasse as propriedades e os códigos de conduta nascidos do poder do
mercado bursátil” (CHESNAIS, 2005, p. 54). Ao se tornar diretamente proprietário dos títulos
e ações dos setores privado e público, o mercado financeiro introduziu no setor privado a sua
lógica e manteve nele a sua principal base de expansão.
Lapyda (2011) explica que, sendo capital portador de juros, o capital fictício
valoriza-se por meio da capitalização de um fluxo de rendas futuras, contudo essa valorização
não está necessariamente atrelada a nenhuma contrapartida de fato no capital produtivo. Ao
contrário do capital portador de juros simples (D-D’), que emprestado transmuta-se em capital
produtivo criador de mais-valia (com a qual o juro será pago ao credor), o capital fictício
busca auto valorizar-se indefinidamente, tendo como “limite” a crise. Ou seja, no regime de
acumulação contemporâneo o capital busca valorizar-se conservando a “forma dinheiro”. A
metáfora formulada por Eleutério Prado expressa bem esta antinomia: “o capital fictício é o
capital que ultrapassa a si mesmo, que se levanta puxando os cordões do próprio sapato e que
ganha, por isso, uma forma irracional e enlouquecida” (PRADO, 2006, p. 233).
Entretanto, a relatividade da autonomia do setor financeiro dá-se porque o
crescimento da riqueza fictícia está vinculado à efetivação de processos de valorização
produtiva e extração de mais-valia. No mercado das finanças, o capital fictício assume a
forma de títulos de dívidas públicas e privadas, títulos de propriedade sobre direitos, direitos
de valorização futura das ações, e de renda de juros a partir de valorização futura. As
transações e a valorização destes papéis dependem então do direcionamento dos excedentes
produtivos para aquele setor (PAULANI, 2009, p. 28). A especulação sobre o suposto
potencial de valorização futura dos setores produtivos e, consequentemente, sobre os “papéis”
vinculados a cada setor, cria a fantasmagoria característica da valorização típica das finanças.
Assim, a raiz das crises e do estouro das “bolhas”, ou o que Chesnais denomina de
fragilidade sistêmica, está no exacerbamento das especulações e das promessas de ganho
futuro em relação a determinados setores produtivos. Daí decorre a afirmação de Chesnais
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17 Categoria analisada por Marx na Seção V do Livro III d’ O Capital.!!
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(2005) de que as contradições clássicas do capitalismo baseadas na relação capital e trabalho,
combinam-se agora com as antinomias e processos antagônicos gerados, por um lado, pela
acumulação branda, e do outro, pela “insaciabilidade da finança quanto ao nível de suas
punções”. A propensão do capital portador de juros para demandar da economia ‘mais do que ela pode dar’ é uma consequência de sua exterioridade à produção. É uma das forças motrizes da desregulamentação do trabalho, assim como das privatizações. Mas ela tende, também, a modelar a sociedade contemporânea no conjunto de suas determinações (CHESNAIS, 2005, p. 65).
Com a desintermediação, houve um incremento da concorrência entre investidores
institucionais, bancos e seguradoras. Assim, no acompanhamento da dinâmica do mercado
eles são incentivados pela insaciabilidade dos ganhos, realizando cada vez mais transações de
riscos. Como os investidores atuam de forma conjunta e mimetizada, ao primeiro sinal ou
informação de desvalorização de um ativo e um dos atores se precipitam, a tendência geral é
que todos “batam em disparada”, gerando um efeito cascata em que a crise espalha-se por
todos os setores financeiros (câmbio, títulos e ações) e bancário até alcançar a esfera
produtiva. Como as informações são escassas e manipuláveis, como aconteceu na crise
hipotecária americana de 2007, não existe aplicação segura. Como afirma Paulani (2009), o
regime de acumulação com dominância da valorização financeira tem a formação de crises,
ocasionadas pela constante geração de bolhas de ativos, como sua característica mais
marcante. Após desregulamentação dos mercados de capitais iniciada em 1986 na City
londrina (Big Bang), as crises tornaram-se ainda mais recorrentes ao longo dos anos. Em 1987
deu-se o crash acionário da Bolsa de Nova Iorque, que alcançou os mercados imobiliários em
1989 e a bolsa de Tóquio em 1990. Ao longo dos anos, o modo de ação dos apostadores
deixava claro que as crises tinham um caráter “auto-realizável”, como a crise do Sistema
Monetário Europeu, em 1992, provocada pelo fundo de hedge de George Soros. Desde então,
as crises multiplicaram-se numa proporção constante ao crescimento do setor financeiro. À
crise de 1992, sucederam-se a crise da moeda mexicana em 1995, a crise asiática em 1997, da
Rússia em 1998, do Brasil em 1999, da Argentina em 2001, a crise das bolsas americanas em
meados de 2001 e 2002, a crise das hipotecas estadunidenses em 2007 e a crise na União
Europeia de 2012, que se estende até o momento.
As transações e a arbitragem sobre ativos ocorrem em um ambiente
desregulamentado e, consequentemente, com características que propiciam a instabilidade do
mercado financeiro. Belluzzo (1997) destaca as três principais características que marcam o
setor: a) profundidade, b) liquidez e mobilidade e c) volatilidade. A primeira refere-se à ampla
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variedade de “papéis” existente nos mercados secundários que garantem um elevado número
de transações com diferentes denominações monetárias e prazos de maturação. Isto faz do
mercado secundário o principal espaço das finanças, pois é nele que se (re)negociam e
proliferam os títulos já emitidos. O segundo aspecto diz respeito à relativa facilidade de
negociação das posições assumidas, o que permite a perpetuação do setor em termos
considerados “razoáveis” pelos investidores uma vez que garante o poder de compra e venda
destes. Já a volatilidade está ligada à rapidez nas expectativas e às oscilações dos preços dos
ativos, denominados em diversas moedas.
A hipertrofia do setor financeiro após a década de 1980 moldou o quadro regulatório
aos interesses dos investidores institucionais e criou mecanismos que submetem o setor
industrial e o Estado aos seus interesses. Chesnais (2005) lembra que as finanças pressionam
os grupos industriais “pelo viés do nível comparado da taxa de juros sobre os títulos da dívida
e dos lucros industriais”. Portanto, fica visível que a dinâmica do atual regime de acumulação
segue os interesses do oligopólio mundial dos grandes grupos financeiros, que tem caráter
predominantemente industriais, mas apresentam sinergias em vários setores, atingindo assim a
dimensão transnacional sob a forma de uma holding (SANTOS, 2008, p. 20).
Opondo-se ao caráter inexorável dos consequências sociais inerentes ao processo que
se costuma designar, de modo geral, por globalização, Chesnais (1996) optou por denominar
esse processo como “mundialização do capital”. Na análise do pesquisador francês, o uso da
expressão “global” denota um processo ao qual não se pode escapar e que teria sido
consequência do curso natural da dinâmica histórica. O termo “mundial” busca chamar
atenção, com mais força do que a palavra “global”, para a atuação de determinadas
instituições no decurso da financeirização permitindo uma análise que possa captar, por meio
de instrumentos analíticos, a sua totalidade sistêmica. É a mundialização do capital que
consolida o regime de acumulação sob dominância financeira. A liberalização e a integração
internacional de mercados nacionais tão desiguais, acentuou, a polarização entre ricos e
pobres, países desenvolvidos e subdesenvolvidos, norte e sul, centro e periferia.
O espaço financeiro mundial é extremamente hierarquizado, com o sistema financeiro
dos Estados Unidos dominando os demais. O papel desempenhado pelo dólar 18 , a
profundidade e a alta liquidez dos mercados de obrigações e ações, assim como a segurança
dos mercados e dos títulos da dívida pública, dão aquele país um lugar estratégico e !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!18 “A denominação em dólar nas operações plurimonetárias cumpre três funções primordiais para o capital internacional: provê liquidez instantânea em qualquer Mercado; garante segurança nas operações de risco; e serve como unidade de conta da riqueza financeira virtual, presente e futura (TAVARES; MELIN, 1997, p. 63 e 64).
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preferencial. Sendo um sistema supostamente mais confiável, justamente por ser hegemônico,
ele acaba atraindo o capital ocioso, as poupanças dos fundos de pensão e patrimônios das
classes abastadas do mundo inteiro. Chesnais (2005) lembra que apenas nos Estados Unidos o
regime de acumulação comandado pelo capital portador de juros representou também um
“regime de crescimento”. A posição central dos Estados Unidos no sistema financeiro é
consequência do seu projeto de retomada da hegemonia após a crise dos anos 1970, segundo
Tavares (1997), traçado pela elite financeira e militar estadunidense que se reforçou com a
chegada de Reagan ao poder. A política de ampliação dos déficits orçamentário e comercial
iniciada nos anos 1980 foi a base propulsora dessa retomada. “À medida em que ocorreu a
generalização das políticas neoliberais por todo o globo, as vantagens competitivas e de
crescimento da Europa e da América Latina só fizeram diminuir em favor da economia
americana e de alguns países asiáticos” (TAVARES & MELIN, 1997, p. 74). De fato, durante
a década de 1990 a economia cresceu apenas em alguns países asiáticos, até a crise de 1997, e
nos Estados Unidos, até a quebra da Nasdaq em 2001.
Segundo Tavares e Melin (1997), o caráter concentrador advém de um regime de
acumulação marcado por três momentos. Primeiro, houve um período concorrencial,
caracterizado pela destruição do deslocamento rápido das atividades produtivas resultante do
acirramento da concorrência por meio de multiplicação das fábricas, por investimentos e
sucateamento de modelos de produção e produtos. Em seguida, chega-se a um período
concentrador, com a concentração de capitais por meio de fusões ou associações estratégicas,
sobretudo nas áreas de tecnologia “dura” e tecnologia “de ponta”, como a telemática, que é
resultado da convergência entre as tecnologias da informatização e a microeletrônica com os
sistemas de telecomunicações por satélite e por cabo. Por último, passou-se a um momento
centralizador, quando os capitais patrimoniais e financeiros passaram a ser direcionados para
os centros decisórios mundiais, sujeitando as demais praças a uma lógica financeira
centralizada no que diz respeito à definição dos parâmetros de rentabilidade, assim como a
definição do risco.
Contudo, como destaca Chesnais (2005), não se deve negligenciar a importância de
outras grandes potências no processo mundializado de valorização financeira. Tanto os países
Europeus (ocidentais) e o Japão tiveram um papel proeminente nos fluxos de Investimento
Direto Externo, que foram intensificados com os reposicionamentos necessários no período
concorrencial, dos anos 1980 e nos anos 1990, e com os investimentos para compra de
empresas privatizadas na América Latina. Os bancos europeus tornaram-se credores de ampla
escala, emprestando para os países de Terceiro Mundo e asiáticos.
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A crise do regime fordista-keynesiano e a busca por alternativas à uma retomada do
crescimento da acumulação capitalista engendraram mudanças significativas no modo de
produção e no mundo do trabalho. Na sua batalha pela hegemonia, o avanço da lógica do
regime de acumulação sob dominância financeira fez emergir novas contradições na relação
capital x trabalho, assim como no âmbito da concorrência. Na crítica que faz a Chesnais,
Prado (2006) destaca que a emergência da dominância da forma financeira do capital (“capital
portador de juros”) sobre o capital atrelado à produção está vinculada “a uma transformação
estrutural do capitalismo, ou mais especificamente, do próprio modo de produção – e não do
regime de acumulação” (PRADO, 2006, p. 222).
No tópico seguinte, dedicar-nos-emos aos principais aspectos das mudanças no âmbito
da produção e do mundo do trabalho.
2.3 Financeirização, produção flexível e conhecimento
A sobreacumulação e a consequente retração dos setores que comandavam o ciclo de
crescimento levaram à queda da produtividade das indústrias após 1966. A queda na demanda
e o fraco crescimento do PIB proporcionaram o acirramento da concorrência intercapitalista19
em âmbito internacional, criando, conforme destacam Bolaño e Mattos (2006), um ambiente
em que a redução dos custos emerge como elemento decisivo para a recuperação da
rentabilidade dos investimentos produtivos. Essas mudanças na natureza da concorrência
capitalista nos anos 1970 conduziram também a mudanças nos procedimentos
organizacionais, estratégicos e empresariais (Idem, p. 6).
Por outro lado, a ocasião também exigia maiores investimentos em capital fixo,
sobretudo em tecnologias então recém surgidas que permitiam uma maior flexibilização dos
padrões clássicos de produção, substituindo assim parte significativa do trabalho vivo por
trabalho morto e diminuindo o tempo necessário para a produção de uma mercadoria.
Para David Harvey (2007) a crise do fordismo pode ser caracterizada em uma
palavra: rigidez. Seja dos investimentos em capital fixo, de planejamento dos mercados, dos
acordos trabalhistas e dos compromissos do Estado. Para manobrar a crise, buscou-se então
um regime de acumulação que Harvey, diferentemente de Chesnais, denominou de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19 Segundo Belluzzo (1997), a intensificação da concorrência deve-se à revitalização dos sistemas industriais da Europa após o seu processo de reconstrução, sobretudo na Alemanha, Itália e França; assim como pelo aparecimento do capital japonês e do surgimento dos Tigres Asiáticos. “Esses países, em momentos diferentes, valendo-se de sua situação geopolítica peculiar e da posição da economia americana como reguladora da demanda e da liquidez globais, sustentaram políticas de forte estímulo à acumulação interna de capital, apoiadas em estratégias mercantilistas de comércio exterior” (BELLUZZO, 1997, p. 172).
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“acumulação flexível”, assentado em estratégias que permitiram ao capital reinventar suas
formas de extração da mais-valia, sobretudo a relativa, rompendo com as formas
obstaculizantes típicas do fordismo. A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 2007, p. 140).
É importante lembrar que o regime de acumulação fordista estava assentado nos
seguintes aspectos: 1. produção em massa e em série, com hegemonização da oferta e da
demanda; 2. racionalização e parcelamento das tarefas realizadas pelos trabalhadores de modo
a especializá-los em uma determinada atividade; 3. separação dos momentos constitutivos do
trabalho, o pensar e o fazer, o que significava uma separação trabalhador-idealizador-
qualificado e trabalhador executante; 4. pacto social em que o Estado assumia a função de
regulador e fiscalizador das condições de acumulação e dos benefícios e direitos sociais
(GOUNET, 1999; SANTOS, 2007).
As limitações apresentadas pelo fordismo levaram as indústrias e os países a buscarem
novas formas de produção ou a integração do fordismo com a uma rede de subcontratação e
de deslocamento que atribuísse maior flexibilidade para enfrentar a competição e os riscos
(HARVEY, 2007, P. 145). Não se trata de afirmar que a produção em escala foi totalmente
substituída pela produção em escopo, mas de reconhecer que os limites do regime fordista
levaram a uma busca por adaptações nos acordos institucionais então vigentes ou a sua total
substituição. As variações, em geral, concernem às especificidades do setor produtivo e de
cada país.
O acirramento da concorrência fez emergir diversas experiências nacionais de
produção flexível, como na “Terceira Itália”, na Suécia (caso da Volvo), e em outras regiões,
que impactaram o antigo modelo. Mas foi o modelo japonês, mais precisamente o toyotismo,
o que mais impacto causou, “tanto pela revolução técnica que operou na indústria japonesa,
quanto pela propagação que alguns dos pontos básicos do toyotismo têm demonstrado,
expansão que hoje atinge uma escala mundial” (ANTUNES, 1995, p. 23). Segundo Gounet
(1999), o toyotismo passou a se expandir no Japão após a Segunda Guerra Mundial, quando
as empresas deste país sentiram a necessidade de ser tão competitivas quanto as
estadunidenses, pois, se não o fizessem, correriam o risco de desaparecer. Mais ainda, as
idiossincrasias do arquipélago ensejavam uma produção diferenciada e em pequenas
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36
quantidades.
De acordo com Santos (2007), o estudo do caso japonês permite compreender
caracteristicamente a adoção de mudanças organizacionais junto com aquelas que alteravam a
base técnico produtiva. “A experiência japonesa, entretanto, permite-nos apreender algumas
características do chamado modelo flexível, no que concerne não somente às mudanças na
organização da produção e do trabalho, como também quanto ao papel e o significado dos
sindicatos” (SANTOS, 2007, p. 40).
O toyotismo foi sistematizado por Taiichi Ohno, então vice-presidente da Toyota, e é
caraterizado pelos seguintes aspectos:
1. A produção é puxada pela demanda e o crescimento pelo fluxo. Pequenas
quantidades de diversos modelos são produzidas e repostas de acordo com a
demanda. Ou seja, o consumo condiciona toda a organização da produção;
2. Há a decomposição dos trabalhos em quatro operações: transporte, produção
propriamente dita, estocagem e controle de qualidade. As etapas que não agregam
valor são racionalizadas, de modo que se evite a formação de estoques em qualquer
ponto da cadeia;
3. Flexibilidade do aparato produtivo e sua adaptação ao fluxo da produção para
garantir a flexibilidade da organização do trabalho. O trabalhador tem que operar
várias máquinas e, por isso, precisa ser qualificado e polivalente. As atividades são
realizadas em equipe, rompendo-se assim a lógica um homem uma máquina;
4. Sistema de Kanban, que nada mais é que a identificação das peças que compõem o
produto por meio de uma placa. Quando uma determinada peça é utilizada, a placa é
encaminhada para o fabricante para que haja a reposição;
5. Adoção de métodos que permitem reduzir o tempo de adaptação do maquinário aos
diferentes modelos produzidos, como o single minute echange die – SMED;
6. Subcontratação de fornecedores, desde que apliquem os mesmos métodos toyotistas.
Para garantir isso, as fábricas de automóveis passaram a participar do capital das
empresas fornecedoras. Para garantir maior flexibilidade, a Toyota impunha a
obrigatoriedade dos fornecedores se instalarem em até 20 Km da fábrica;
7. Organização de Ciclos de Controle de Qualidade (CCQs), nos quais os
trabalhadores são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho
(GOUNET, 1999, p. 25-28; ANTUNES, 2002, p. 5) .
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Bolaño e Mattos (2004) explicam que o surgimento do modelo japonês insere-se no
quadro geral dos projetos de reestruturação que buscavam obsessivamente a redução de custos
por meio do binômio inovação-produtiva e inovação-organizacional. As inovações
organizacionais vinculadas à estas estratégias de reestruturação estão baseadas, segundo os
autores, tanto na redução das escalas hierárquicas na estrutura ocupacional das empresas,
como na ampliação das possibilidades de uso mais flexível da mão-de-obra. É sobre este pano de fundo que se deve pensar o sucesso do modelo de gestão japonês, que incorporou e aperfeiçoou mecanismos originalmente desenvolvidos nos Estados Unidos, transformando-os em modo comum de operação da empresa capitalista no momento da crise do fordismo, em particular, no que nos interessa mais de perto, os mecanismos da chamada gestão do conhecimento que, ao lado das inovações na organização dos processos industriais, como os conhecidos sistemas kanban e a produção just in time, constituem uma inovação organizacional maior, inserida no conjunto das grandes transformações trazidas pela Terceira Revolução Industrial (BOLANO & MATTOS, 2004, p. 14).
Assim como o fordismo, o toyotismo não foi generalizado universalmente de um só
modo e a uma só vez. Em cada lugar, o modelo foi sendo implantado e adaptado de várias
formas. “O modelo japonês, de um ou de outro modo, mais ou menos ‘adaptado’, mais ou
menos (des)caracterizado, tem demonstrado enorme potencial universalizante” (ANTUNES,
1995, p. 30). De acordo com Santos (2007), o desenvolvimento destes modos de produção
deu-se de maneira particular, resguardadas as idiossincrasias de cada economia e de cada
setor produtivo. Assim, a autora observa que se nos detivermos na análise das mudanças
trazidas pelo modelo japonês é possível perceber que elas não demarcam uma alteração
excludente em relação ao fordismo. “O que observamos, então, é um processo em que cabem
continuidades e descontinuidades em relação ao padrão até então predominante” (SANTOS,
2007, p. 41).
Para além do importante papel desempenhado pelas inovações tecnológicas no
modelos organizacionais de produção pós-1970, o ponto fulcral das mudanças reside na
gestão do conhecimento, pois, conforme destacam Bolaño e Mattos (2004), ela está vinculada
a subsunção do trabalho intelectual e a importância que a inovação tecnológica ganhou na
concorrência capitalista entre os grandes grupos econômicos em um contexto em que
estratégias de diferenciação, segmentação e flexibilização foram adotadas no sentido de
dinamizar o consumo das camadas mais abastardas num processo de exclusão crescente.
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2.3.1 Reestruturação Produtiva e Gestão do Conhecimento
Com as limitações trazidas pela crise de sobreacumulação, bem como pelas formas
rígidas de produção clássicas do fordismo, o capitalismo procurou formas de produção e
gerenciais mais flexíveis que criassem e a atendessem novas demandas sociais. Segundo
Sardinha (2006), a partir de um determinado momento, percebeu-se que conceitos e
procedimentos que até então eram operativos, como por exemplo, “a possibilidade de
quantificação e cristalização do tempo de trabalho socialmente necessário na produção de
mercadorias, a conversão dos trabalhos concretos em trabalho abstrato e os mecanismos de
controle e subordinação do trabalho vivo no chão-de-fábrica” (Idem, p. 23), passaram a não
dar mais conta das necessidades do próprio sistema. Dessa forma, buscou-se novos modos de
gerenciamento, uma nova forma de subsunção do trabalho e um novo panorama conceitual,
alterando a natureza das formas de realização da acumulação.
De acordo com Bolaño (2002), o que se passa a viver a partir de então é um processo
duplo de subsunção do trabalho intelectual e de intelectualização dos procedimentos
tradicionais de trabalho. O foco passa a ser na extração das energias mentais do trabalhador e
não mais necessariamente na física. A chamada Terceira Revolução Industrial, assentada no
desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), das redes
telemáticas e das biotecnologias, tem levado ao apagamento das fronteiras entre trabalho
manual e intelectual.
O modelo de produção flexível exige um trabalhador intelectualizado, capaz de gerir
e coordenar os processos e de produzir conhecimento. A questão econômica que se coloca a
partir de então, como destaca Bolaño (1997; 2002; 2004), é a de como transformar
conhecimento tácito em conhecimento codificado, transformando aquele em mensagem que
possa ser utilizada como informação agregada, pois a nova dinâmica concorrencial depende
da existência de um espaço de diálogo no interior do qual um código é essencial. A
flexibilidade do modelo reside na capacidade de entrosamento e comunicação dos
trabalhadores e, portanto, na aptidão para dar respostas rápidas e “eficientes” às demandas do
mercado. […] pode-se definir a codificação como a operação que consiste em plasmar o conhecimento sobre um suporte, liberando-o da sua ligação a uma pessoa, o que permite reduzir custos e aumentar a confiabilidade das operações de estocagem, memorização, transporte, transferência, reprodução, acesso e pesquisa, ao tornar o conhecimento reprodutível, o que, por outro lado, faz com que ‘um conhecimento codificado se aproxime das características de uma mercadoria’ (BOLAÑO, 2004, p.13).
Nesse sentido, Nonaka e Konno (1998), pesquisadores sobre modelos gerenciais e
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desenvolvimento de produtos, vão buscar o conceito de Ba para explicar a importância e a
possibilidade do gerenciamento do conhecimento tácito nas novas formas de produção. Ba é
entendido então como um espaço compartilhado próprio para o florescimentos de relações,
ele pode ser físico, virtual ou mental ou ainda integrado por estes três aspectos. Contudo, Ba é
caracterizado justamente pela sua dimensão intangível, sem a qual torna-se apenas informação
codificada em algum aparato tecnológico. Ou seja, Ba é o espaço compartilhado que permite a
criação e do desenvolvimento do conhecimento tácito. Os autores então desenvolvem um
modelo que permita às empresas gerenciar e absorver o conhecimento gerado pelos
trabalhadores. Deve-se criar um ambiente em que seja possível a Socialização, a
Externalização, a Combinação e a Internalização (SECI Model) do conhecimento. A ideia é
transformar o conhecimento explícito desenvolvido nesse processo em conhecimento tácito da
própria organização empresarial.
Takeuchi e Nonaka (1986), em artigo que analisa os métodos de gerenciamento de
desenvolvimento de produtos em importantes empresas dos Estados Unidos e do Japão20,
salientam que as regras para a criação de novos produtos mudaram e que, para além da alta
qualidade, do baixo custo e da diferenciação, exige-se rapidez e flexibilidade. Segundo os
autores, o antigo modelo de produção é como uma corrida de revezamento, onde um grupo de
trabalhadores vai passando o bastão para o outro, em um processo fracionado e especializado.
Já um modelo flexível e ágil é como jogo de rúgbi. O produto emerge da constante interação
do grupo em um processo em que uma equipe multidisciplinar trabalha junto do começo ao
fim. “A energia, a motivação e o esforço podem se espalhar por toda a grande empresa e
começar a quebrar algumas rigidezes que se estabeleceram ao longo do tempo” (TAKEUCHI
& NONAKA, 1986, p. 3 – Tradução livre).21
A partir do análise do desenvolvimento de alguns produtos das empresas
selecionadas, Takeuchi e Nonaka (1986) identificaram seis características no processo. A
primeira, “Built in instability”, trata de estabelecer objetivos e desafios para que uma equipe
multidisciplinar apresente uma solução. Assim, a direção cria um elemento de tensão
confiando a equipe um projeto de grande importância para a organização e forçando que os
trabalhadores trabalhem em conjunto. O segundo aspecto identificado foi o “Self-organizing
Project Teams”, que possui três elementos: autonomia (autonomy), transcendência-própria
(self-transcendence) e a fertilização cruzada (cross-fertilization). De modo geral, isso !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!20 Foram estudadas, na época, empresas que adotaram a nova perspectiva de produção, são elas Fuji-Xerox, Canon, Honda, NEC, Epson, Brother, 3M, Xerox e Hewlett-Packard. 21 “The energy and motivation the effort produces can spread throughout the big company and begin to break down some of rigidities that have set in over time” (TAKEUCHI & NONAKA, 1986, p. 3).
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40
significa que a equipe ganha autonomia de atuação, podendo inclusive ampliar os objetivos
sem limitações quando avaliar necessário. O último elemento deste aspecto diz respeito ao
caráter multidisciplinar do grupo. A terceira característica, “Overlapping Development
Phases”, concerne ao sentimento holístico que deve emergir no grupo no estabelecimento de
um ritmo e de uma unidade de trabalho, surgindo assim um pulso que passa a ser a força
diretiva da equipe. O quarto aspecto, “Multilearnig”, refere-se ao processo contínuo de
aprendizagem que deve se estabelecer no grupo; assim, são valorizadas práticas de tentativa e
erro, e o estímulo a aquisição de experiência em outras áreas. O “subtle control” é o controle
que a direção e os supervisores tem sobre a equipe. Se, por um lado, é estimulado a
autonomia, por outro, a direção estabelece limites para que o processo não se torne um caos.
Contudo, são evitadas formas rígidas de controle. “Em vez disso, a ênfase é sobre o auto-
controle’, ‘controle através de pressão dos pares’ e ‘controle por amor’”22 (Idem, p. 8 –
Tradução livre). A última característica, “Transfer of Learning”, diz respeito à difusão e à
transferência para os outros grupos do conhecimento adquirido durante o processo de
desenvolvimento do produto. Desse modo, a companhia consolida um ambiente de
conhecimento agora de propriedade da empresa e não do trabalhador.
A partir da análise das contribuições de Takeuchi e Nonaka, Bolaño e Mattos (2004)
destacam que a ênfase no sentimento de coletividade dada pelas novas formas de gestão do
conhecimento visam criar as condições para a organização do trabalho intelectual coletivo, de
modo a aumentar a produtividade. Esse aspecto, em certa medida, possui semelhanças com a
organização científica do trabalho característica do fordismo/taylorismo. Além disso, afirmam
os autores: Estamos precisamente nos aproximando do que caracteriza a dominação capitalista do trabalho intelectual, a qual não pode operar através de formas de coerção puramente físicas. A ideia foucaultiana da passagem da sociedade disciplinar à sociedade de controle encontra aqui a sua expressão mais adequada, referida à mudança fundamental do capitalismo da segunda para o da terceira revolução industrial […] O ‘controle pelo amor’, na verdade, não é outra coisa senão a forma de garantir a exploração capitalista do trabalho intelectual, pois a mais valia já não advém prioritariamente da extração das energias físicas, mas mentais do trabalhador. A subsunção do trabalho intelectual é, portanto, a explicação marxista, no concernente ao processo de trabalho sob o capitalismo avançado, da passagem para a sociedade de controle, o que exige a atividade intelectual constante dos trabalhadores e a recorrente conversão do conhecimento tácito em codificado (BOLAÑO & MATTOS, 2004, p. 15 e 16).
O novo paradigma produtivo está assentado na transformação de conhecimento tácito
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!22 “Instead, the emphasis is on the ‘self-control’, ‘control trough peer pressure’, and ‘control by love’” (Idem, p. 8) .
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em conhecimento codificado, possibilitando a exploração da subjetividade do trabalhador e
das suas pontencialidades criativas em uma escala jamais alcançada. Como salienta Sardinha
(2006), o valor do trabalho vivo passa a ser medido pela capacidade de introduzir informações
no processo de produção e não mais pelo emprego de energia física. Trata-se de um modelo
essencialmente comunicacional, no qual informação e conhecimento são os principais
insumos e tem, assim, seus valores redefinidos. Essa dimensão da informação e do
conhecimento está associada ao papel central que a inovação desempenha no regime de
acumulação sob dominância financeira. A ênfase no processo de inovação tecnológica
permite a rápida atualização das formas de gestão organizacional e produtiva, tornando-as
cada vez mais flexíveis; o encurtamento do tempo de giro do capital por meio da compressão
do espaço e do tempo; impulsiona a obsolescência planejada dos equipamentos (destruição
criativa); criam-se mecanismos de comunicação que agilizam e facilitam o acompanhamento
dos mercados financeiros. Além disso, esses processos representam a valorização no mercado
financeiro dos “papéis” vinculados à produtos e patentes de um determinado grupo ou
empresa, sendo portanto centrais no caráter rentista e patrimonial do capital financeiro. “Sob
condições de recessão e elevada competição, o direcionamento para explorar tais
possibilidades tornou-se fundamental para a sobrevivência” (HARVEY, 2007, p. 156).
Portanto, o domínio da informação e do conhecimento, principais insumos da inovação
tecnológica, passaram a ocupar um lugar central na concorrência.
2.4 Financeirização e impactos sobre o mundo do trabalho
À retomada do poder das finanças, Chesnais (2005) atrela ainda duas consequências:
o forte poder de centralização do capital em âmbito nacional e transnacional comandada pelos
investidores financeiros em processos de aquisição e fusão; e o modo como o capital
financeiro conseguiu alocar a “externalidade da produção” no próprio seio do setor produtivo.
As desregulamentações e o capital já acumulado pelos investidores financeiros permitiram
que estes se tornassem proprietários ou acionistas de grandes grupos industriais.
Após os anos 1980, os proprietários-acionistas envidaram esforços para garantir a
subordinação da produção industrial à lógica da valorização financeira. Assim, os
administradores dos fundos de pensão e de aplicações, concentradores de capital por
excelência, pressionam suas empresas no sentindo de garantir taxas de rendimentos bastante
elevadas. Os novos administradores são submetidos assim, conforme salienta Chesnais, “à
retórica, se não à realidade dessa exigência”. De acordo com o autor, uma década foi
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suficiente para que os novos administradores entendessem e incorporassem os interesses da
corporate governance, alterando a figura típica do “administrador-industrial” para a figura do
“administrador-financeiro”, que passa a gerenciar em acordo com virtualidade da valorização
financeira. “Ele [o administrador-financeiro] contornou rapidamente o controle do qual era, a
princípio, objeto. Mas suas prioridades são muito diferentes das do administrador-industrial
que ele substituiu. Os grupos são dirigidos por pessoas para as quais a tendência da Bolsa é
mais importante que qualquer outra coisa” (CHESNAIS, 2005, p. 54). O capital financeiro
assume, em grande medida, a coordenação do sistema produtivo, engendrando neste a sua
lógica e, consequentemente, atrelando-o ao desenvolvimento e à gestão das crises financeiras.
As consequências da subserviência às pressões do mercado financeiro e às normas de
rentabilidade vão recair sobre os trabalhadores. O modelo de produção flexível e o
desenvolvimento de novas formas gerenciais, baseados no uso das tecnologias da informação
e da comunicação, sobretudo da telemática e da microeletrônica, possibilitaram que o setor
produtivo se adequasse a dinâmica instável das finanças. A busca insaciável por valorização,
com redução dos gastos e ampliação dos lucros, representaram uma reestruturação do
mercado de trabalho com a redução do emprego regular e o incremento das contratações
sazonais ou subcontratações, com rápida destruição e reconstrução das habilidades,
crescimento reduzido e, por vezes, até nulo do salário real, e aumento do desemprego
estrutural e do trabalho informal. Harvey (2007) destaca que a onda de subcontratação abriu
possibilidades para a formação de pequenos negócios e para a ampliação do nível de trabalho
informal, que passaram a ter importância central no sistema produtivo. Além disso, o autor
chama atenção para o fato de que a flexibilidade empregatícia nem sempre causa uma
insatisfação imediata do trabalhador, uma vez que pode ser mutuamente benéfica. Contudo,
como um todo, o resultado é de perdas dos direitos trabalhistas, como seguro, pensões,
progressão salarial, estabilidade no emprego e perda do poder sindical.
A acumulação flexível representou, portanto, não o fim do assalariamento e da compra
da força de trabalho, mas uma ampliação das formas de contratação, com possibilidades mais
precárias e informais. O trabalho informal, fenômeno antigo nos países de Terceiro Mundo,
foi ampliado significativamente nos países desenvolvidos. Mas quem continuou assumindo
esses postos foram, em geral, os imigrantes daqueles países, levando a uma convergência
desigual entre os sistemas de trabalho do “terceiro” e “primeiro” mundo. No tocante à
ampliação do desemprego, Santos lembra que o capitalismo segue a tendência de crescente
substituição do trabalho vivo por trabalho morto, dentro da perspectiva de “cientifização da
produção” inerente às suas formas de acumulação. Contudo, não se pode afirmar que o
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43
capital passa a prescindir do trabalho vivo, ainda que a lógica imanente seja de negá-lo até o
máximo limite.
Segundo Harvey (2007), o que ocorre é um redesenho do mercado de trabalho. Há,
portanto, um núcleo duro de trabalhadores que gozam de emprego com tempo integral, maior
estabilidade empregatícia, planos de carreira e seguridade social. Esse grupo, cada vez mais
reduzido, deve ter flexibilidade geográfica podendo ser transferidos a qualquer momento. O
autor destaca que, mesmo em períodos de crise, esse grupo pode ser subcontratado. Fora do
núcleo central estão dois grupos de trabalhadores: o primeiro, composto por trabalhadores em
tempo integral, mas que desempenham funções burocráticas e manuais, fáceis de encontrar no
mercado de trabalho e, portanto, mais fáceis de demitir em caso de
“necessidade de redução de custos”. O outro grupo é conformado por pessoas contratadas por
meio de contratos flexíveis e adaptáveis, como trabalhadores temporários, casuais,
terceirizados, subcontratados e estagiários. Esta categoria, por dispor de mínima seguridade e
ser menos custosa para o empregador, tem crescido significativamente nos últimos anos. Essa
fragmentação e precarização do trabalho, com a redução do chamado stand employment
relationship típico do Estado de Bem-estar, tem levado a uma perda do poder e da
consciência de classe, enfatizando o individualismo.
Um outro aspecto do processo de reestruturação do capitalismo que atingiu a
organização do trabalho é a expansão do setor de serviços e o crescimento da participação
deste no PIB. Este aspecto está ligado tanto à desregulamentação dos serviços bancários e,
posteriormente, à desregulamentação e às privatizações dos grandes serviços públicos, a partir
dos anos 1980, quanto ao fenômeno das terceirizações que transferiu para este setor grande
parte dos trabalhos antes realizados no interior das indústrias. Há uma dificuldade em definir
quais as atividades que compõe setor de serviços, de modo que ele vem sendo definido por
exclusão aos demais. Ou seja, trata-se das atividades que não correspondem aos setores
primário e secundário, como serviços bancários e financeiros, comércio de mercadorias,
turismo, serviços públicos e aqueles prestados por indivíduos de forma autônoma. Alguns
estudos consideram os serviços uma área que perpassam os demais setores econômicos. […] há diversos casos de profissionais que atualmente executam as mesmas tarefas que executavam há alguns anos, mas não as executam mais no espaço do planta produtiva de uma empresa do setor manufatureiro industrial, mas em escritórios ou em casa, com trabalho contratado pela mesma empresa que antes o empregava. Há também casos em que o profissional mantém-se no mesmo espaço físico do tempo em que estava ocupado como assalariado de uma empresa do setor industrial, mas seu contrato de trabalho é diferente do caso anterior, ou seja, o trabalhador foi ‘terceirizado’ e sua ocupação, estatisticamente, entra na classificação do setor terciário, embora, na verdade ele atue de forma clara e explícita para uma empresa do setor industrial (BOLAÑO & MATTOS, 2004, p. 2).
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Os autores destacam ainda que outras profissões ou ocupações que também são
classificadas como serviços foram criadas a partir do desenvolvimento de novas atividades
industriais ou do avanço tecnológico em atividades industriais já existentes, como a atividade
de webmaster ou de criação e programação de softwares. Como salienta Santos (2004), a
industrialização dos serviços está atrelada a introdução e a ampliação do uso das TIC,
vinculadas também ao desenvolvimento de novas formas organizacionais e de
comercialização dos serviços, que modificaram as relações entre produtor e consumidor.
Os novos modelos organizacionais e as novas formas produtivas estão ainda
articuladas ao processo de reconfiguração da grande empresa, que no intuito de reduzir
gastos, segmentar a produção e capilarizar os sistemas de distribuição, passaram a se
organizar de forma reticular configurando o que alguns autores vão chamar de empresa-rede
(Chesnais, 1996) ou firma-rede (CARLEIAL, 2000; SANTOS, 2004).
2.5 Firmas Multinacionais, IED e nova divisão internacional do trabalho
Em 1974, a ONU definiu as multinacionais como empresas que controlam ativos em
dois ou mais países. Para Bresser-Pereira (1978) essa definição é insatisfatória, pois, pela sua
neutralidade, retira o caráter historicamente situado das empresas multinacionais no processo
de desenvolvimento do capitalismo monopolista. “Preferimos definir como multinacionais as
grandes empresas oligopolísticas que se expandem em escala mundial a partir dos anos
cinquenta deste século” (BRESSER-PEREIRA, 1974, p. 2). O termo “multinacional” foi
cunhado pela primeira vez em 1960 pelo economista estadunidense David Lilienthal, que
coordenou o projeto de desenvolvimento do Vale do Tennessee. O conceito ganhou
notoriedade internacional após a revista Business Week publicar um relatório especial sobre
essas empresas, que estavam simultaneamente em várias partes do planeta, não tendo portanto
uma pátria. Contudo, para Kucinski (1981), as empresas assim qualificadas no relatório não
eram novas e tinham pátrias bem definidas, a da origem do seu capital. De acordo com o
autor, o termo foi utilizado para acentuar a nova dimensão alcançada por muitas empresas e
devido ao papel, antes desempenhado pelo Estado, de ator principal de todo um capítulo novo
na história da internacionalização da economia capitalista. “Cortando fronteiras com o capital
e tecnologia, as multinacionais otimizam mercados, recursos naturais e políticos em escala
mundial. Criaram uma nova forma de acumular lucros, uma nova divisão internacional do
trabalho” (KUCINSKI, 1981, p. 4). Foi sob a égide das multinacionais que surgiu uma
economia mundializada. Foram elas, em grande parte, que assumiram a exploração dos
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serviços públicos privatizados a partir da década de 1970, com ascensão das políticas
neoliberais.
A partir das contribuições de C-A. Michalet e de F. Morin, Chesnais (1996) destaca
algumas características fundamentais das multinacionais. De acordo com o autor, a
companhia multinacional constitui-se uma grande empresa em âmbito nacional, de modo que
a sua dinâmica de desenvolvimento e a ajuda que tiver recebido do Estado no seu território de
origem serão aspectos relevantes no processo de internacionalização. Além disso, ela passa
por um processo, às vezes logo e complexo, de concentração e centralização de capital, que se
consolida com a formação de um grupo, atualmente chamado de holding, e então passa a
atuar em nível mundial calcada em estratégias planejadas para tanto. A consolidação dos
grupos se dá via mercado financeiro, com a matriz empresarial controlando as decisões e as
estratégias no que concerne às participações financeiras no intuito de ampliar a rentabilidade
dos capitais envolvidos. Já as firmas controladas, de acordo com o pesquisador francês, são,
em grande parte, empresas que exploram alguma atividade.
Um outro aspecto levantado por Chesnais (1996), ainda a partir da obra de Michalet,
diz respeito à estratégia “tecno-financeira” das multinacionais, baseada em ativos intangíveis
e no “capital humano”. A base da competitividade passa a ser o conhecimento tácito, a
capacidade de inovação e investimentos em P&D, elementos que ganham ainda mais
importância com o crescimento do setor de serviços. Assim, a holding “precisa ser
eminentemente rentável, mas atualmente essa rentabilidade não pode mais ser baseada
unicamente na produção e comercialização próprias do grupo e de suas filiais [...] A novidade,
aqui, decorre dos limites, cada vez mais indistintos, entre lucro e renda” (CHESNAIS, 1996, p
78).
A constituição dos grupos multinacionais está ligada a um longo e constante
processo de fusões e aquisições de empresas e de investimentos cruzados, que ganharam força
nos anos 1980. A ascensão do neoliberalismo e a desregulamentação do mercado financeiro
permitiram uma intensificação dos fluxos de Investimento Externo Direto (IED), sobretudo
nos países industrializados. Durante a década de 1980, dois terços do fluxo mundial de IED
estavam vinculados à processos de fusões e aquisições. Na primeira metade da década de
1990, esse percentual passou para três quartos, saltando assim de cerca de 66% para 75%,
respectivamente (CHESNAIS & SIMONETTI, 2005). O avanço do IED nos anos 1980
tornou-o um elemento central no quadro da interdependência entre países, chamando atenção
para seu caráter qualitativo em detrimento do simples papel de venda e compra de bens e
serviços. Chesnais (1996) destaca quatro características, apontadas por Bourguinat (1992),
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que mostram a natureza específica do IED no processo mundialização do capital: 1. não tem
liquidez imediata, não se resumindo a uma transação pontual; 2. ao contrário, possui uma
natureza de longo prazo e intertemporal, uma vez que a sua aplicação origina novos fluxos
econômicos; 3. tem um caráter rentista, pois implica a transferência de direitos patrimoniais; e
4. está baseado em uma estratégia de investimento planejada pela multinacional.
Um outro aspecto do IED é a sua concentração nos países da OCDE, ou mais
precisamente, nos países da Tríade23 (Estados Unidos, União Europeia e Japão). É também
nesses pólos, sobretudo nos dois primeiros, que estão concentradas as principais companhias
multinacionais. Historicamente, o investimento estrangeiro sempre esteve conectado com as
especializações comerciais de cada região ou país, e o seu fluxo foi determinante para a
concentração e centralização da riqueza em países exportadores de capital. Assim, ele
constitui-se em um dos traços marcantes no atual quadro hierárquico das relações de
interdependência entre os Estados-nação, assim como na divisão internacional do trabalho.
Considerando o período de 1980 a 1997, cerca de 75% do IED esteve concentrado nos países
da OCDE. O restante seguiu concentrado em alguns países de Terceiro Mundo,
principalmente em países do norte e sul da Ásia e da América Latina. Levando em conta
apenas as saídas de IED, 90% delas são de responsabilidade dos países da OCDE
(CHESNAIS; IETTO-GILLIES; SIMONETTI, 2006). Entre essas nações, Estados Unidos e
Europa tem um papel central, com o padrão de fusões e aquisições seguindo a mesma
assimetria, em relação ao Japão, que o fluxo de IED. “A intensidade de fusões e aquisições
entre a Europa e os Estados Unidos aponta para um forte nível de integração entre dois blocos
da Tríade, com o Japão estando substancialmente mais isolado” (Idem, 2006, p. 12 –
Tradução livre)24.
O crescimento do investimento direto está também associado a expansão do setor de
serviços. Em 1970, o IED no setor terciário representava 25% do fluxo total de investimento
nos países industrializados. Nos anos de 1980 e 1990, esse percentual passou para 37,7% e
50,1%, respectivamente. Tomando como base o período que vai de 1981 até 1990, o IED nos
serviços foi ampliado a uma taxa anual de 14,9%, enquanto os investimentos no setor
manufatureiro cresceram anualmente 10,3% (Chesnais, 1996).
No que diz respeito ao aumento da participação dos países em desenvolvimento na
repartição do IED na década de 1990, Chesnais atribui a recessão dos países da OCDE e a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!23 Expressão cunhada por K. Ohmae em trabalho de 1985. 24 “The intensity of M&As between the EU and the US point to a strong degree of integration between the two blocks of the Triad, with Japan being substantially more isolated (Idem, 2006, p. 12). !
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uma momentânea desaceleração das aquisições e fusões. É importante destacar também que
na América Latina esse período foi marcado por um processo de privatizações dos grandes
serviços públicos. Contudo, como afirma Santos (2007), se a partir de então esses países
passam a ser incorporados, a dinâmica de dependência e de subordinação daqueles permanece
a mesma, mantendo-se ou ampliando-se as diferenças entre pobres e ricos.
A intensificação dos processos de grandes fusões e aquisições e o aumento do IED
mundial, concentrado sob o poder das companhias multinacionais, remodelou a estrutura de
oferta, centrando-a também em poucas “mãos”, e o ambiente de concorrência, consolidando
um “oligopólio mundial” 25. Este é comandado por poucos grandes grupos empresariais e
financeiros que por meio de fusões e aquisições foram estendendo seus negócios em âmbito
internacional, conformando uma estrutura em rede coordenada pela matriz. Chesnais, Ietto-
Gilles e Simonetti (2006) mostram26 que, se na década de 1980 as principais razões que
levavam as empresas a expandir seus negócios por meio de fusões e aquisições eram
diversificação em novos produtos e a racionalização de sinergias, no começo da década de
1990 os motivos eram: a necessidade de expansão geográfica e o fortalecimento de posição no
mercado. Na verdade, Para além de um determinado limite, o processo é cumulativo: investimento cruzado internacional entre as grandes firmas, significativamente por meio de fusões e aquisições, e incremento da concentração do oligopólio global das estruturas de abastecimento como um processo singular de reforço mútuo. Quando eles investem no exterior, em outros pólos da Tríade, pode-se afirmar que as corporações transnacionais, em certo nível, estão simplesmente respondendo às restrições específicas de competição global travada entre rivais que possuem pontos fortes similares. Os requisitos de tal competição incluem a capacidade de ameaçar os oligopólios rivais em seus mercados domésticos e acessar suas tecnologias de base. Mas esta reação tem importantes implicações para outras entidades e agentes do sistema mundial, começando pelos países que abrigam as empresas transnacionais, submetidos a desnacionalização (CHESNAIS; IETTO-GILLIES, SIMONETTI, 2006, p. 11 – Tradução livre)27.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!25 Chesnais define o oligopólio mundial “como um espaço de rivalidade, delimitado pelas relações de dependência mútua de mercado, que interligam o pequeno número de grandes grupos que, numa dada indústria (ou num conjunto de indústrias de tecnologia genérica comum), chegam a adquirir e conservar a posição de concorrente efetivo no plano mundial” (CHESNAIS, 1996, p. 93). No texto em que o autor escreve com Simonetti o termo utilizado é “global oligopoly”. Como o texto foi escrito originalmente em inglês, acreditamos que a opção pela expressão global ao invés de mundial, como é recorrente nos trabalhos do pesquisador francês, diz respeito à dificuldade de tradução do termo mundial para a língua inglesa. 26 A análise dos autores é baseada em dados do Database On Merges in Europe, do Kiel Institute for World Economy. 27 Beyond a given threshold, the process is cumulative: international cross-investment by large firms, notably by means of M&As and increasingly concentrated global oligopolistic supply structures become part of a single mutually reinforcing process. When they invest abroad, in the other poles of the Triad, TNCs can be said, at one level, simply to be responding to the particular constraints of global competition waged among rivals possessing similar strengths. The requisites of such competition include the capacity to threaten oligopolistic rivals in their home market and to access their technology bases. But this response has important implications for other entities and agents in the world system, beginning with the countries that are home to the TNCs undergoing denationalization (CHESNAIS; IETTO-GILLES; SIMONETTI, 2006, p. 11).
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Um outro aspecto importante, que também está vinculado aos demais, é a
externalização dos custos de transação, no qual os custos burocráticos e o acesso às
informações estratégicas no âmbito da concorrência possuem um valor essencial. O
gerenciamento das estratégias de relacionamento é realizado pela matriz por meio do uso das
TIC, sobretudo da telemática. Os modelos flexíveis de gerenciamento e produção, como o
toyotismo por exemplo, permitiram a externalização de custos por meio das terceirizações e
subcontratações, além do deslocamento da produção de parte dos componentes para regiões
com mão de obra barata e maiores subsídios. Há, portanto, como explica Chesnais (1996), um
processo de “desverticalização” das grandes companhias em redes de empresas
especializadas. No entanto, isso não significa uma mudança qualitativa no que diz respeito à
hierarquia dentro do que o autor chama de empresa-rede. Ao contrário, a construção de uma
ambiente organizacional virtual, baseado na telemática e mais horizontalizado, vai permitir
que a matriz tenha mais facilidade para gerenciar e codificar o conhecimento tácito produzido
pelas suas empresas subsidiárias. “A empresa-rede28 apresenta-se então, não como uma
‘ruptura’ com as hierarquias e a internalização, mas antes como uma nova forma de organizar
e de gerenciar essas hierarquias, bem como de maximizar as possibilidades de ‘internalizar’ as
‘externalidades’” (CHESNAIS, 1996, p. 109).
Carleial (2000), a partir dos trabalhos de Coriat (firma J), Dieuaide (firma
transversal) e de Veltz (modelo celular em rede), preferiu chamar a essa nova estrutura, de
organização intra e inter empresas, de “firma-rede”. De acordo com a autora, uma vez que a
firma-rede não possui sozinha a capacidade de organizar, produzir e distribuir sua produção,
ela estabelece alianças em diferentes níveis e graus. É importante destacar que tais alianças se
concretizam por meio de compra de ações e títulos no mercado financeiro e, muitas vezes,
acabam resultando em processos de fusão e aquisição. A organização em rede permite que o
grupo possa responder de modo mais flexível e ágil às instabilidades dos mercados de
consumo, trabalho e financeiro. Assim, as estratégias e os riscos são compartilhados. Para
Caleial, em termos neo-shumpeterianos, a firma-rede pode ser entendida como núcleos de
competência, em que as especializações das empresas que conformam a rede são feitas em
acordo com o setor, produto ou serviço oferecido. Trata-se de uma firma que está no mercado, porém responde a vários sinais além dos preços e cujos resultados dependem de externalidades, práticas de cooperação e parceria. Além disto, esta firma-rede precisa organizar diferentes recursos que não lhe pertencem diretamente e ainda necessita saber gerir bem os diferentes grupos de força de trabalho que estão direta e indiretamente sob suas ordens (MEZA,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!28 O conceito original é do pesquisador italiano Cristiano Antonelli.
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CARLEIAL, NEVES, 2008, p. 1).
Santos (2007), baseando-se nos trabalhos de Carleial, define da seguinte maneira: A firma-rede, como aqui estamos definindo, incorpora um conjunto de relações interempresas que corresponde à externalização da sua atividade produtiva e de serviços, numa relação hierárquica, atingido notadamente à gestão e à organização do trabalho. No seu âmbito, também estão incorporadas as relações de cooperação com outras empresas, constituindo alianças estratégicas, voltadas à concorrência (SANTOS, 2007, p. 55).
A organização da rede é, conforme menciona Santos (2007), um aspecto definidor na
divisão internacional do trabalho contemporânea. A firma-rede, majoritariamente com sede
nos países de Primeiro Mundo, coloca parte das suas fornecedoras e subsidiárias nos países
subdesenvolvidos, aproveitando-se das características que não teriam em seus países de
origem, como baixo nível salarial, uso intenso da terceirizações e subcontratações, além de
receberem diversos subsídios por parte do Estado. A firma-rede é, portanto, também uma
consequência da ascensão das políticas neoliberais em nível internacional, aspecto que será
discutido no tópico seguinte.
2.6 Neoliberalismo. Um projeto político para o capital financeiro
As bases teóricas do neoliberalismo, pode-se afirmar, foram lançadas no texto “O
caminho da servidão”, escrito em 1944, pelo filósofo político austríaco Friedrich Hayek. O
objetivo naquele momento era solapar a popularidade do, então marxista, Partido Trabalhista,
antes das eleições inglesas de 1945. Não obstante, o Partido venceu as eleições, em um tempo
no qual a socialdemocracia desenvolvia-se na Europa Ocidental, em confronto cada vez maior
com o comunismo soviético, que se estendera no pós-guerra para o chamado Leste Europeu.
Mas, além de ter escrito aquele livro de combate político, Hayek foi instrumental para a
fundação, em 1947, da Sociedade de Mont Pelèrin, na Suíça, destinada a discutir e difundir as
ideias que no futuro ficariam conhecidas como neoliberais. Participaram do grupo de
intelectuais fundadores, entre outros, nomes como Ludwig Mises, Milton Friedman, Walter
Lipman e o filósofo Karl Popper. Grupo que dedicou seu trabalho a combater intelectual e
politicamente o keynesianismo e o socialismo comunista, opondo-se ao planejamento e a
intervenção estatal na economia. Para o grupo de Mont Pelèrin, o Estado de bem-estar e o
igualitarismo promovido por ele destruía, tanto quanto o comunismo, a liberdade individual
dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, necessária para a prosperidade geral. O carimbo
de “neoliberais” deve-se ao fato de que esses estudiosos eram adeptos radicais dos princípios
de livre mercado da economia neoclássica, surgida na segunda metade do século XIX, além
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de se pautarem também pelo ideário clássico smithiano com a sua justificativa moral para
busca individual da felicidade a partir de um mercado livre. Os trabalhos do Grupo
conseguiram apoio e financiamento de diversos empresários europeus e, principalmente,
estadunidenses, fortemente contrários às intervenções e regulações estatais socialdemocratas,
de um lado, e oposição teórica acentuada pela disputa ideológica da Guerra Fria contra o
comunismo. A partir da década de 1960, os trabalhos de Hayek, Friedman e seus seguidores
ganharam espaço nas universidades, sobretudo nos EUA, ao ponto de Hayek e Friedman
ganharem o Prêmio Nobel de economia em 1974 e 1976, respectivamente. Foi também neste
período, conforme lembra Fiori (1997), que foram formuladas as teorias “da escolha pública”,
das “expectativas racionais” e dos jogos aplicados a economia. Sob este pensamento, foram
formados diversos economistas que assumiram papel de destaque na formulação das políticas
econômicas adotadas nos países periféricos e das políticas de “estabilização” implementadas
na América Latina, sobretudo na década de 1990 quando o neoliberalismo ganhou força na
região.
Com suporte econômico e político, os intelectuais de Pelèrin empreenderam uma
batalha no âmbito das ideias, buscando uma aproximação com as universidades, partidos
políticos, empresas, mídia, associações profissionais, igrejas e demais entidades da sociedade
civil. Nos EUA, em 1972, foi criada a “Business Roundtable”, um organização de CEOs que
defendiam o poder político das corporações e se tornou, no país, o principal centro de difusão
de suas corporações. Foram fundadas também a Heritage Foundation, o Hoover Institute, o
Center for the Study of American Business, e o American Enterprise Institute, que passaram a
contar também com o apoio do National Bureau of Economic Research (NBER). Segundo
Harvey (2007), o intuito era construir uma base teórica e empírica que desse suporte aos
pressupostos e às políticas neoliberais. Durante a década de 1970, o gasto anual com
“questões políticas” por parte das corporações estadunidenses foi de aproximadamente 900
milhões de dólares. Quase metade dos recursos que financiavam os trabalhos do NBER foram
repassados pelas empresas que figuravam na lista da Fortune entre as 500 mais importantes do
país (HARVEY, 2007). Na Inglaterra, foram criados o Center for Policy Studies e o Adam
Smith Institute, em 1974 e 1976, respectivamente. Além disso, a perspectiva neoliberal
conquistou também a simpatia da mídia britânica e passou a dominar a atuação do Institute of
Economic Affairs. A imprensa de negócios, com o Wall Street Journal destacando-se na liderança, assumiu estas ideias, tornando-se um defensor aberto da neoliberalização como a solução necessária para todos os problemas econômicos. Sentido popular foi dado a essas ideias por prolíficos escritores como George Gilder (apoiado por fundos think-tanks) e pelas escolas de negócios, que surgiram em universidades de prestígio como
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Stanford e Harvard, generosamente financiadas por corporações e fundações, tornaram-se centros da ortodoxia neoliberal desde o momento em que foram abertas […] A importância disto não deve ser subestimada. As universidades de pesquisa dos EUA foram e são campos de treinando para muitos estrangeiros que levam o que aprendem de volta a seus países de origem – a adaptação do neoliberalismo para Chile e México foi feita, por exemplo, por economistas treinados pelos EUA, bem como em instituições internacionais como o FMI, o Banco Mundial e as Nações Unidas (HARVEY, 2007, p. 54 – Tradução livre).29.
Aproveitando o momento em que as saídas apontadas pelo keynesianismo para a
crise de sobre-acumulação não respondiam mais às necessidades do capital, Hayek e seus
seguidores, conforme explica Perry Anderson (1995), procuraram localizar as origens da crise
no poder excessivo dos sindicatos e do movimento operário, que em geral, teriam solapado as
bases da acumulação capitalista com suas pressões sobre o aumento dos salários e
reivindicações por ampliação dos gastos sociais por parte do Estado. Na perspectiva dos
neoliberais, “esses dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das empresas e
desencadearam processos inflacionários que não podiam deixar de terminar numa crise
generalizada das economias de mercado” (ANDERSON, 1995, p. 23). A solução apontada
para retomada do crescimento era redução dos gastos sociais e dos déficits públicos, reforma
fiscal que fortalecesse os agentes econômicos, estabilidade monetária, redução da inflação,
retirada dos entraves à mobilidade do capital, privatização das empresas e serviços públicos,
além da desestruturação dos sindicatos para constranger a influência destes sobre a políticas
públicas. Harvey (2007) salienta que, para ter apelo junto à sociedade naquele momento, o
pensamento neoliberal afirmava que as propostas apresentadas estavam assentadas na busca
pela dignidade humana e pela liberdade individual, que seriam alcançadas com a remoção dos
entraves à liberdade de mercado e de negociação. Contudo, de acordo com o autor, as ideias
dos economistas neoclássicos não são facilmente compatíveis com o ideal de liberdade e
dignidade humana, uma vez que eles também defendem um Estado forte que proteja,
sobretudo, a propriedade privada, as liberdades individuais e as liberdade empresariais. Como
salienta Fiori (1997), o liberalismo sempre defendeu a igualdade nas condições de partida,
sendo que a partir daí as diferenças e competências de cada um se encarregariam dos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!29 The business press, with the Wall Street Journal very much in the lead, took up these ideas, becoming an open advocate for neoliberalization as the necessary solution to all economic ills. Popular currency was given to these ideas by prolific writers such as George Gilder (supported by think-tank funds), and the business schools that arose in prestigious universities such as Stanford and Harvard, generously funded by corporations and foundations, became centres of neoliberal orthodoxy from the very moment they opened […] The importance of this should not be underestimated. The US research universities were and are training grounds for many foreigners who take what they learn back to their countries of origin––the key figures in Chile’s and Mexico’s adaptation to neoliberalism were US-trained economists for example––as well as into international institutions such as the IMF, the World Bank, and the UN (HARVEY, 2007, p. 54).
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diferentes caminhos30.
A oportunidade política para a ascensão do neoliberalismo se deu em 1979 com a
eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra, de Ronald Reagan, um ano depois, nos EUA, e
de Helmut Kohl, em 1982, na Alemanha. Durante a década de 1980, partidos políticos de
direita chegaram ao poder nas principais economias do mundo. No norte da Europa ocidental,
por exemplo, às exceções foram apenas Suécia e Áustria. O colapso da experiência
comunista, ao longo da década de 1980, deu ainda mais fôlego a perspectiva neoliberal.
Segundo Fiori (1997), esse foi o momento em que tais ideais alcançaram os últimos recantos
de resistência e se transformaram quase em uma utopia religiosa. O momento de passagem da
teoria à prática desvelou as fragilidades dos pressupostos sob os quais o neoliberalismo estava
assentado, de modo que grande parte dos objetivos difundidos não foram alcançados.
Thatcher comandou o início da implementação das políticas neoliberais, baseada no
tripé desregulação, privatização e abertura comercial. Além disso, a emissão monetária foi
contraída, os juros foram elevados, houve significativos cortes nos gastos sociais, reduziu-se
os impostos sobre as rendas elevadas, foram destruídos os controles sobre o fluxo financeiro,
criou-se um aparato legal e coercitivo que reprimia as greves e dificultava a organização dos
trabalhadores, e a taxa de desemprego foi elevada substancialmente. A condição especial dos
EUA na economia mundial permitiu que o país implementasse a agenda neoliberal de forma
mais seletiva, adaptada às estratégias de retomada da hegemonia estadunidense. Assim, se por
um lado, Reagan elevou a taxa de juros, desregulamentou as finanças e reduziu os impostos
dos mais ricos; por outro, implementou o que Anderson chamou de “keynesianismo militar”,
ampliando os gastos com o setor militar dentro da corrida armamentista para derrotar a União
Soviética. Entretanto, foram reduzidos os gastos com bens e serviços públicos. “Em síntese,
trocaram as despesas em capital social básico e bem-estar social por armas e fizeram um
redistribuição de rendas em favor dos ricos” (TAVARES, 1997, p. 38)31. Na Europa, os
países implementaram, de modo geral, “um neoliberalismo mais cauteloso e matizado que as
potências anglo-saxônicas, mantendo a ênfase na disciplina orçamentária e nas reformas
fiscais, mais do que em cortes brutais de gastos sociais ou enfrentamentos deliberados com os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!30 Esse princípio do liberalismo smithiano mostra, de alguma forma, que em seu ponto fundante essa teoria ainda estava vinculada a metafísica e a um suposto “estado de natureza”. Entretanto, de acordo com Fonseca, dissimulava-se com apelos à “razão prática” e se fixava nas consequências para forjar a falsidade da questão, o que levava Smith a afirmar que “o egoísmo privado transforma-se em virtude social”. “O viés pragmático revela-se como a filosofia da “não-filosofia”, que não questiona as causas, mas avalia resultados – e aí a diferença com relação a Rousseau” (FONSECA, 2010, p. 430), para o qual a igualdade não era o ponto de partida, mas o objetivo. 31 Para uma análise da posição e das políticas adotadas pelos EUA neste período, ver Tavares (1997) e Tavares e Melin (1997).
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sindicatos” (ANDERSON, 1997, p. 10). No entanto, nos países onde o Estado de Bem-estar
atingiu o seu ápice, as mudanças foram significativas.
O neoliberalismo representou portanto um retorno da superioridade dos direitos
individuais sobre os direitos coletivos, sendo a propriedade privada o seu principal princípio.
O livre funcionamento das instituições de mercado e o livre comércio foram enfatizados, com
o Estado assumindo o papel de garantidor incólume, se necessário por meio da coerção, de
tais liberdades. No que concerne aos gastos sociais e à prestação dos grandes serviços
públicos, o Estado foi reformado, repassando suas funções de controlador e regulador dos
ciclos econômicos para o mercado. Isto significou um processo generalizado de
desregulamentação das atividades econômicas e de privatização de setores estratégicos, como
transporte, habitação, saúde, educação, previdência e comunicações.
No liberalismo clássico, o ente estatal é visto como administrador pouco eficaz ou
ineficaz, sendo um lugar propício à corrupção. Assim, a ação do Estado deveria ser
restringida ao máximo, cabendo-o apenas prover segurança, justiça, defesa e infraestrutura,
enquanto o mercado, sob o domínio da “mão invisível”, faria com que o interesse individual
levasse ao interesse geral. Ou seja, o estado deveria ser um agente economicamente passivo.
Na perspectiva do neoliberalismo, conforme explica Eleutério Prado (2005), o estado deve ser
um agente econômico ativamente passivo, pois ele atua no sentido de construir as condições
para a acumulação do capital, desregulamentando o mercado e as atividades financeiras,
protegendo os monopólios, desagrega e desabilita os movimentos operários e os sindicatos,
reduz os gastos com direitos sociais, privatiza serviços públicos ampliando o espaço de
atuação das empresas e, além disso, pavimenta as condições para que estas atuem de forma
lucrativa. Portanto, para Prado (2005), não se deve entender o neoliberalismo como um
retorno ao liberalismo clássico, uma vez que nesta doutrina o estado nunca assume o papel de
agente econômico. A partir das necessidades que emergem no momento da crise de sobre-
acumulação, o Estado passou a assumir então atividades de complementação econômica às
empresas privadas, criando bancos de investimento, associando-se ao capital privado, atuando
diretamente na produção de áreas de base e estratégicas para complementar a estrutura
industrial, além de controlar o fluxo de crédito e dinheiro por meio dos bancos centrais (Idem,
p. 12). O neoliberalismo não vem a ser a doutrina do estado mínimo. Ele não isenta o Estado das atividades de complementação econômica. Ao contrário, para ele, o Estado deve preencher ativamente os vazios da malha produtiva e financeira, mas deve fazê-lo, porém, não por meio de empresas próprias, mas preferencialmente adjudicando as atividades econômicas complementares, por meio de contratos de gestão, às empresas privadas. Entretanto, quando isto não é possível, como no caso
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da gestão monetária, o neoliberalismo propugna pela privatização funcional (ou seja, por uma gestão que é colocada nas mãos de uma elite tecnocrática que atua na esfera pública, de fato, como preposto do setor privado). Com o neoliberalismo, o Estado torna-se diretamente comprometido com a recuperação e manutenção da taxa de lucro num nível adequado para a continuidade do capitalismo (Idem, p. 12 e 13).
O Estado neoliberal subsidiou e participou ativamente do desenvolvimento e
consolidação do atual regime de acumulação sob dominância financeira, abrindo espaço para
a atuação do capital financeiro por meio das desregulamentações e se tornando garantidor da
liquidez e da integridade das instituições financeiras. O comprometimento está pautado na
ênfase do monetarismo enquanto base da política estatal (Harvey, 2005). Ao subordinar o
setor produtivo e o desenvolvimento tecnológico, o capital financeiro avançou ainda mais no
processo de cooptação do Estado aos interesses do capital, o que ocorreu com o respaldo do
próprio ente estatal sob hegemonia de uma elite conservadora. No sentido de garantir a
solvência das instituições financeiras, em momentos de crise econômica. o Estado intervém
com mobilização direta de recursos (compra e venda de ações e emissão de títulos da dívida
pública, por exemplo), afinal uma crise econômica é sempre uma crise política. A questão é
que a lógica do tipo de competição praticada no mercado financeiro já mostrou que as crises
são autorrealizáveis e, portanto, muitas vezes, autoproduzidas, como aconteceu em 1992 com
o degradação da libra esterlina a partir da atuação do fundo de hedge do magnata George
Soros ou na crise hipotecária dos EUA em 2008.
Existe um profícuo debate acadêmico que busca localizar as raízes da financeirização
do capital. Alguns pesquisadores dão maior ênfase a própria lógica de atuação do mercado
financeiro (Chesnais; Teixeira), outros enfatizam as mudanças ocorridas na esfera produtiva
(Prado), e outros ainda destacam o papel do Estado neste processo (Harvey). Nos limites
desse trabalho, interessa reconhecer, como faz Fiori (1997), que a força propulsora da
hegemonia alcançada pelo neoliberalismo deu-se a partir do “casamento virtuoso, ou, pelo
menos, vitorioso, entre estas ideias e o movimento real do capitalismo na direção de uma
desregulação crescente e de uma globalização econômica de natureza basicamente financeira”
(Idem, p. 208). A passagem de regime de acumulação a outro exige mudanças ou adaptações
nas diversas formas institucionais que compõem um modo de regulação. Por isso entendemos
que os aspectos que consolidaram o atual regime de acumulação foram mutuamente
determinados em um processo histórico que se baseia na retomada do crescimento da
acumulação capitalista orquestrado por alguns atores. O processo de financeirização do
capital, de reestruturação produtiva e de ascensão do neoliberalismo fazem parte de um
mesmo projeto de restauração de poder das elites econômicas e das instituições em que elas se
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concentram (Chesnais, 2005; Harvey, 2007), que se caracterizou como “um espécie de
selvagem vingança do capital contra a política e contra os trabalhadores” (FIORI, 1997, p.
205) e que se estabeleceu por meio de “uma forma política totalitária em que a unidade social
é imposta por uma ideologia abrangente [...] sempre que possível, mas pela força [...] sempre
que necessário” (Prado, 2005, p. 15).
Ao fazer um balanço do neoliberalismo percebe-se que ele alcançou parcialmente os
objetivos estabelecidos. Enquanto projeto de restauração do poder de uma elite, ele obteve
êxito. Além disso, foram relativamente cumpridas as metas de redução da inflação, controle
do déficit público, recuperação das taxas de lucro e controle da atividade sindical. Por outro
lado, as promessas de um crescimento econômico sustentado e “sadio” foram contrariadas e o
que se percebeu foi uma prolongada estagnação econômica intervalada por curtos períodos de
crescimento, com o descolamento dos níveis de crescimento da riqueza real e da riqueza
fictícia (ver Gráfico 1 e 3; Quadro 1). A taxa de acumulação (ou de investimento produtivo)32
e de crescimento caíram significativamente. Dados apresentados por Chesnais (2005)
mostram que, a partir da década de 1970, o produto mundial por habitante decresceu, assim
como o nível da produção mundial33. No que diz respeito à defesa teórica da dignidade
humana, na prática, o neoliberalismo mostrou-se um fracasso, com a elevação das taxas de
desemprego, precarização do trabalho, ampliação das diferenças entre ricos e pobres, e
expansão das formas de repressão.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!32 “No conjunto dos países de capitalismo avançado, as cifras são de um incremento anual de 5,5% nos anos 60, de 3,6% nos anos 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80. Uma curva absolutamente descendente” (ANDERSON, 1997, p. 12). 33 “Enquanto a taxa [de crescimento anual do produto mundial por habitante] se aproximava de 4% entre 1960 e 1973, caindo depois para 2,4% entre 1973 e 1980, não foi mais de 1,2% entre 1980 e 1993, não aumentando depois disso. Em face do crescimento demográfico, a taxa anual média do crescimento do produto mundial não superou 2% ao longo da década de 1990. A longa série estatística publicada pela OMC mostra a queda regular dessa taxa. Superior a 7% no período de 1963-1973 caiu para 3% entre 1973 e 1990 e para um pouco mais de 2% entre 1990 e 1999. Um outro indicador que os economistas consideram crucial é a taxa de crescimento da produção industrial. Nos países da OCDE, isto é, nos mais países ricos, observou-se a queda contínua dessa taxa. Ela passou de cerca de 6% no início dos anos 60 para 2% ao longo dos anos 90” (CHESNAIS, 2005, p. 57).
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3. FIRMAS MULTINACIONAIS DE CONSULTORIA E MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL
O presente capítulo busca analisar historicamente a consolidação das Firmas
Multinacionais de Consultoria (FMC) e o papel que elas assumiram no capitalismo desde o
surgimento deste serviço, no começo do século XX, até o processo de reestruturação
capitalista iniciado nos anos 1970, que se estende até os dias atuais. A ideia é compreender
como as FMC tornaram-se instituições centrais no período atual do capitalismo, marcado por
um regime de acumulação sob dominância financeira. Apesar da escassa atenção que tem
recebido dos estudos de economia política de modo geral, as firmas consultoras se tornaram,
como procuraremos mostrar adiante, a “liga”, o “liame”, ou ainda, as instituições
catalisadoras dos processos subjacentes ao processo de reestruturação capitalista ora em
decurso, respondendo às constantes demandas e contradições de um regime de acumulação
assentado em incertezas, investimentos de alto risco, crises financeiras e processos contínuos
e efêmeros de inovação. As FMC são centros de excelência de gestão, processamento e
transferência do conhecimento em que a informação é o principal recurso. Enquanto atividade
não regulamentada, a organização e as formas de atuação das firmas são bastante flexíveis e
os serviços prestados difíceis de delimitar, uma vez que qualquer atividade que demande
conhecimento específico pode se tornar motivo para contratação de consultorias. Além disso,
o fato de prestar serviços para diferentes atores, desde a grande e média indústrias,
prestadores de serviços, Estado, mercado financeiro, até igrejas e sindicatos, dão àquelas um
papel privilegiado no acesso à informação de diversos tipos, sobretudo porque o tipo de
serviço prestado pelas consultoras não se resume a um produto acabado, mas exige uma
relação próxima e mais profunda entre contratado e contratante, como será analisado a seguir.
Alguns estudiosos do setor (KIPPING, 2001; WRIGHT & KIPPING, 2002; DAVID,
2002; MCDOUGALD & GREENWOOD, 2002; ARMBRUSTER, 2006; MCKENNA, 2006)
classificam a dinâmica histórica do desenvolvimento do setor de aconselhamento em três
fases ou “ondas”. Contudo, esta periodização segue, em geral, a lógica do crescimento do
setor no que diz respeito às mudanças nas frentes de atuação e no desenvolvimento de
técnicas e tecnologias. No presente trabalho, buscou-se analisar tais contribuições a partir da
perspectiva da Economia Política (crítica). A primeira fase compreende o período que vai do
começo do século XX e estende-se até o final dos anos 1930, caracterizando-se por pela
venda de soluções de engenharia para o chão de fábrica com foco na “eficiência” da produção
e pela prestação de serviços jurídicos, de auditoria e contabilidade para grandes empresas e
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bancos . Um segundo momento teve início a partir da II Guerra Mundial, quando as firmas
passaram a atuar no Estado por meio dos setores militares, e prolonga-se até o começo da
crise de sobre-acumulação no começo da década de 1970. Este segundo período foi marcado
pelo crescimento e complexificação das fábricas e a substituição de grande parte do trabalho
vivo por trabalho morto, com o surgimento de novos modelos produtivos, como os sistemas
de pagamento por produção, intensificação da atividade bancária e diversificação das frentes
de atuação. É também neste momento que aconteceu o espraiamento das consultoras pela
Europa, sobretudo após a implementação do Plano Marshall. Uma terceira onda foi iniciada
durante os anos 1970 e se prolonga até os dias atuais. O desenvolvimento de um regime de
acumulação com dominância financeira, a ascensão do neoliberalismo, a implantação de
tecnologias flexíveis de produção, baseados nas TIC, abriram novos espaços de atuação para
as firmas de consultoria, consolidando-as como atores centrais nas engrenagens do
capitalismo. Neste capítulo, buscar-se-á analisar o processo de desenvolvimento das firmas
multinacionais de consultoria mostrando o seu forte vínculo com os momentos de inflexão do
capitalismo e como elas se consolidaram ao longo dos anos como intelectuais orgânicos de
grande relevância para a integração e manutenção do sistema.
!
3.1 A primeira fase: do chão de fábrica às finanças
O serviço de consultoria, em sua forma capitalista, surge entre o final do século XIX e
o começo do século XX, devido ao crescimento e ao desenvolvimento das indústrias como
consequência da Segunda Revolução Industrial. Este foi um período de desenvolvimento de
um novo paradigma tecnológico, ao qual está ligado a invenção do motor de combustão
interna movido a petróleo, o surgimento da indústria petroquímica, do ferro e do aço, bem
como a criação dos grandes meios de transporte (carro, trem e navio), da imprensa, da
telefonia, do rádio e do cinema. O aparecimento da grande empresa e da produção em massa
marcam, de modo geral, a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo
monopolista. Os métodos da chamada organização científica do trabalho, desenvolvidos no
mesmo período por Frederik Taylor, e a linha de produção fordista tornaram-se o modelo
dominante de produção.
A nova matriz tecnológica e a complexificação da organização empresarial abriram
espaços para a atuação de diversos profissionais, como advogados, engenheiros e contadores,
dotados de conhecimento especializado para resolver questões específicas que surgiram no
decorrer deste processo. Como destacam Wright e Kipping (2002), embora Taylor tenha se
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esforçado para difundir as ideias dele por meio de publicações e palestras, o impacto inicial
do modelo difundido foi limitado e só passou a ganhar espaço a partir da comercialização de
técnicas da “organização científica do trabalho” pelos engenheiros seguidores de Taylor, que
em geral prestavam serviços individualmente ou ad hoc, como por exemplo Frank Gilbreth,
Harlow Person, Morris Cooke, Henry L. Gantt, Harrington Emerson, Charles Bedaux, e
Wallace Clark. Alguns destes chegaram a abrir escritórios fora dos EUA, como foi o caso de
Bertrand Thompson que inaugurou sua representação em Paris em 1918 e Wallace Clark que,
no mesmo ano, abriu escritórios em Londres, Berlim, Praga, Varsóvia, Genebra e Atenas.
Ambos fecharam seus escritórios durante a II Guerra. Neste período, surgiram também duas
firmas que se tornaram dominantes no setor a partir dos anos 1960; a Arthur D. Little em
1886, e a McKinsey em 1926. Contudo, de acordo com Wright e Kipping (2002), os dois
principais escritórios pioneiros na difusão da “organização científica do trabalho” e nos
serviços de consultoria foram o de Harrington Emerson e o de Charles E. Bedaux
estabelecidos em 1907 e 1916, respectivamente.
Emerson, embora pouco difundido na literatura da administração e da engenharia, foi
concorrente de Taylor e criou um sistema proprietário para otimizar a execução do trabalho
por meio do pagamento por resultados34. A partir da sua atuação na reorganização e reforma
das locomotivas da estrada de ferro Santa Fe, ele conseguiu atrair uma série de novos clientes
e criou a Emerson Company Egineers, chegando a atender clientes como a Bethelem Steel,
Alcoa Aluminium e a General Motors. No entanto, para Wright e Kipping (2002), são os
negócios de Bedaux que marcaram o começo das atividades da consultoria em gerenciamento
como uma atividade empresarial. Como salientam os autores, o comprometimento de Bedaux
não era com a divulgação dos métodos tayloristas, mas sobretudo obter lucros expressivos
com o seu negócio. Neste sentido, ele também desenvolveu um sistema de medição e
pagamento por resultado de trabalho, que nos anos 1930 foi o mais utilizado nos EUA. Além
disso, ele passou a associar-se com outros engenheiros. Em 1931, a firma de Bedaux tinha 10
escritórios distribuídos por todas as regiões dos EUA e uma equipe com 205 engenheiros-
consultores. Ele também abriu filiais em Londres, Alemanha, Itália, França, Escandinávia,
Leste europeu, África e Austrália35, tornando-se um dos principais milionários do começo do
século XX.!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!34 Em 1909, Emerson publicou suas ideias no livro Efficiency as a Basis for Operation and Wages, publicado pela The Engineering Magazine. 35 Em janeiro de 1943, Bedaux foi preso no continente africano a mando dos EUA sob acusação de ter apoiado o Nazismo, sendo um dos principais conselheiros econômicos de Hitler. Trazido para Miami, morreu na prisão. Os motivos da morte do empresário permanecem não esclarecidos até hoje.
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De modo geral, os estudos que analisam a Segunda Revolução e as invenções
tecnológicas que dela decorreram, bem como a passagem da fase concorrencial do
capitalismo para a monopolista, não dão a devida atenção as invenções tecnológicas no
âmbito da engenharia da produção. Se, de fato, é a mudança da matriz tecnológica que vai
representar o aspecto central daquele momento de transição (ou revolução), os sistemas de
gerenciamento da produção também tornaram-se elementos-chave no avanço do processo de
passagem da subsunção formal à real do trabalho no capitalismo, iniciado na Primeira
Revolução Industrial, quando a máquina passa a substituir e desqualificar o trabalhador
especializado do período manufatureiro Se a passagem ao segundo momento em que as
próprias máquinas passam a ser produzidas industrialmente, não sendo mais produzidas pela
manufatura ou artesanato, completam o processo de subsunção real iniciado na Primeira
Revolução; os sistemas de organização da produção em massa no chão de fábrica também
subsidiaram e complementaram o avanço da separação entre trabalho manual e intelectual. A subsunção real do trabalho significa que o trabalhador perdeu a sua autonomia e o controle que tinha sobre o processo de produção, cuja estrutura e ritmo passam a ser ditados pela máquina. Esta condensa o conhecimento que o capital extraiu do trabalhador artesanal no período da manufatura e desenvolveu, com o apoio das ciências. Assim, é a máquina que passa a usar o trabalhador - e não mais o contrário - e o capitalismo pode expandir-se, revolucionando o modo de produção (BOLAÑO, 2001, p. 2).
Assim, as firmas de consultoria esforçaram-se para desenvolver sistemas de
pagamento por resultados cada vez mais “eficientes” em acompanhar individualmente o
desempenho de cada trabalhador. Em 1934, Harold B. Maynard criou o Methods-Time-
Measumement (MTM), ferramenta capaz de calcular tempos padrões de trabalho para tarefas
com base nos elementos básicos dos movimentos previstos. A tecnologia foi bastante
utilizada nos EUA e na Europa no pós II guerra e o sucesso suscitou uma corrida em torno de
do desenvolvimento de novos métodos de medição de tempo, com a MEC, empresa de
Harold, respondendo com versões atualizadas do MTM (WRIGHT & KIPPING, 2002, p. 38).
A George S May Company, lançou também um sistema de melhoria da eficiência e redução
de custo. Fez sucesso, sobretudo, após o final da II Guerra. Na Inglaterra as firmas focaram
nos estudos do uso do tempo e de normas de esforço nos espaços de manufatura. Neste
período, as consultorias baseadas em engenharia continuaram tendo um papel importante na
indústria atingindo seu ápice nos anos 1960, quando começam a perder espaço.
Segundo Bolaño (2001), o paradigma fordista-taylorista, junção dos métodos da
organização científica do trabalho com a linha de montagem de Ford, foi uma das principais
invenções deste segundo momento do capitalismo, pois permitiu a produção em massa,
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inclusive de bens duráveis, reunindo um grande número de trabalhadores. É a partir de então
que eles passam a se organizar em sindicatos e partidos de massa para exigir participação nos
lucros das empresas e direitos sociais, como a redução da jornada de trabalho e níveis salariais
crescentes, sobretudo após o advento do Estado de Bem-estar quando as taxas de crescimento
econômico entram em uma rota de expansão inédita.
Um outro filão que marca as origens dos negócios de consultoria são os serviços de
contabilidade e auditoria, com as primeiras firmas surgindo entre os anos 1850 e 1920. Entre
as primeiras firmas deste ramo estão as inglesas Price e Coopers, criadas, respetivamente, em
1849 e 1854. Nos EUA foram criadas a Ernst & Ernst e a Arthur Young & Company em
1906; no ano de 1914 foi estruturada a Booz Hallen & Hamilton, e em 1913 foi fundada a
Arthur Andersen. Além disso, haviam os contadores e auditores que não estavam vinculados à
firmas, mas trabalhavam individualmente. Embora a primeira firma de consultoria tenha sido
criada na Inglaterra, os Estados Unidos é que vão ser o principal berço desse setor,
“configurando-se como principal espaço de construção das características que se tornariam
elementos estruturantes das empresas líderes do setor” (DONADONE, 2001, p. 13).
Nos EUA as empresas que prosperaram nos primeiros anos do século XX foram,
principalmente, as firmas de contabilidade, de auditoria e controle financeiro e as que
tratavam das questões jurídicas. Conforme explica McKenna (2006), as indústrias
manufatureiras precisavam enfrentar o problema de como alocar as despesas, a demanda
variável e a depreciação não apenas do produto final, mas também dos produtos
intermediários. Desse modo, as consultorias eram convocadas a apresentar sistemas de custos
voltados para as especificidades de cada tipo de indústria. No último decênio do século XIX,
as indústrias em fase de crescimento que necessitavam de conselhos de engenharia poderiam
buscar auxílio em consultores, como o engenheiro químico Arthur D. Little, ou nas firmas de
engenharia elétrica, como a Stone & Webster. Já os serviços de contabilidade eram prestados
por empresas como Arthur Andersen, Ernst & Ernst e Seidman & Seidman e a subsidiária
inglesa Price WaterHouse. Houve também o crescimento de firmas que tratavam
especificamente de questões jurídicas, como a Cravath Swaine, DavisPolk e Sullivan &
Cromwell. Assim, engenharia, contabilidade e direito foram os três ramos sob os quais se
iniciou e prosperou o setor de consultoria nos EUA. As empresas buscavam conhecimentos
especializados para os novos desafios impostos pelo crescimento da indústria e do mercado
pós II Revolução Industrial.
Donadone (2001) ressalta que o crescimento das firmas jurídicas e de contabilidade foi
consequência da promulgação da décima sexta emenda da constituição estadunidense, que
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autorizou o Congresso a lançar e arrecadar impostos sobre a renda, seja qual for a procedência
desta. O texto impactou sobre a taxação dos lucros das empresas e foi regulamentado por lei
em 1916. Segundo o autor, a necessidade das empresas se adaptarem à nova legislação exigia
um acúmulo de informações sobre questões financeiras, como produtividade de ativos, fonte
de lucros e a natureza de causas de custos e despesas. Este aspecto permitiu que as firmas
ganhassem posições dominantes no ainda prematuro mercado de consultorias.
Outro aspecto constitutivo da gênese do setor, conforme explica Donadone (2001),
foi o vínculo entre as empresas de consultoria, estivessem elas voltadas para a área de
engenharia, contabilidade ou direito36, com o setor financeiro. Os serviços de aconselhamento
eram utilizados pelos bancos para orientar suas indústrias clientes tanto no âmbito
organizacional, como contábil. Isto significava maior segurança para que os bancos pudessem
emprestar dinheiro a essas empresas. Além disso, os próprios bancos também atuavam, direta
ou indiretamente, por meio da contratação de contadores e engenheiros, como consultores,
avaliando o desempenho, a organização e as possibilidades de sucesso no financiamento das
negociações entre empresas e nos processos de fusão. Os bancos, por meio da contratação de uma variedade de serviços que incluíam orientação sobre gerenciamento, planejamento, controle da empresa e que tinham como respaldo a reputação do próprio estabelecimento financeiro, desempenharam um papel que encontraria semelhança somente nas décadas seguintes com a formação das empresas de consultoria (DONADONE, 2001, p. 16).
Neste sentido, é importante destacar que as mudanças ocorridas na economia
estadunidense na virada do século, assim como a passagem para o capitalismo monopolista e
as mudanças na organização da grande empresa, fizeram surgir uma “classe financeira”.
Segundo Belluzzo (1999), essas mudanças levaram a uma concentração crescente de poder no
manejo estratégico das relações intersticiais (intersetoriais e internacionais) do sistema nas
mãos dos que operam o aparato monetário das sociedades industriais desenvolvidas, ou seja,
dos grandes bancos. Os bancos de depósito, concentradores de rendas das famílias e dos
negócios, passaram a ser os principais financiadores da expansão industrial. O surgimento da
forma de propriedade em Sociedades Anônimas (SA’s) e o papel da bolsa de valores nas
transações de títulos de propriedade facilitou a subordinação do capital industrial ao setor
bancário, que na qualidade de credor do setor produtivo controlavam o dinheiro de crédito.
Essa função deu aos bancos parte da propriedade das ações e, consequentemente, do capital
fixo disponível no chão de fábrica. Em seu livro originalmente publicado em 1910,
Hilferding (1985) analisa esta passagem e caracteriza o capital financeiro:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!36 Na década de 1920, as empresas de “management engineering” passaram a combinar as três especializações.
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A dependência da indústria com relação aos bancos é, portanto, consequência das relações de propriedade. Uma porção cada vez maior do capital da indústria não pertence aos industriais que o aplicam. Dispõem do capital somente mediante o banco, que perante eles representa o proprietário. Por outro lado, o banco deve imobilizar uma parte cada vez maior de seus capitais. Torna-se, assim, em proporções cada vez maiores, um capitalista industrial. Chamo de capital financeiro o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que, desse modo, é na realidade transformado em capital industrial. Mantém sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em forma de capital monetário – de capital rendoso [capital portador de juros] – e sempre pode ser retirado por eles em forma de dinheiro. Mas, na verdade, a maior parte do capital investido dessa forma nos bancos é transformado em capital industrial, produtivo (meios de produção e força de trabalho) e imobilizado no processo de produção. Uma parte cada vez maior do capital empregado na indústria é capital financeiro, capital à disposição dos bancos e, empregado pelos industriais (HILFERDING, 1985, p. 219).
Ainda que em sua obra Hilferding estivesse analisando o caso alemão, Belluzzo
(1999) afirma que há nela uma formulação geral que caracteriza essa etapa mais avançada da
concentração de capitais. Para Belluzzo (1999), esta é a etapa mais avançada uma vez que a
capacidade de mobilização de capitais, por meio das novas formas de associação (cartéis e
trustes), tornaram-se também uma força de supressão das barreiras tecnológicas e de mercado,
que estão vinculadas ao próprio processo de concentração, sobretudo das que são
consequência do aumento das escalas de produção com imobilização crescente de grande
massas de capital fixo. Assim, os bancos ao participarem da formação e gestão do capital das
grandes empresas tendem a impulsionar a supressão da concorrência entre elas, reforçando o
caráter monopolista. Neste sentido, Hilferding (1985) afirma que “o capital financeiro
significa a uniformização do capital. Os setores do capital industrial, comercial e bancário,
antes separados, encontram-se agora sob a direção comum das altas finanças, na qual estão
reunidos, em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos bancos” (HILFERDING,
1985, P. 283). Contudo, ao fazerem isso, os bancos “estimulam a busca de novos mercados,
provocando um acirramento da rivalidade entre blocos de capital e originando, inclusive, uma
internacionalização crescente da concorrência intercapitalista” (BELLUZZO, 1999, p. 89).
As firmas de consultorias assumem, nesse contexto, o papel de analista e avaliador dos
negócios da empresa no processo de concessão de créditos, bem como representantes e
fiscalizadores (watchdogs) dos próprios bancos na administração dos negócios. Muitas vezes,
como ressaltou Donadone, os próprios bancos designavam servidores próprios para cumprir
tal papel. Estes servidores desempenhavam portanto a função de mediadores entre os bancos e
as grandes empresas no sentido de garantir que os credores não tivessem prejuízos e
alavancassem o valor das ações sob sua propriedade. Mas para que isso acontecesse era
necessário que as informações divulgadas fossem positivas, aumentando assim a procura e a
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especulação pelos títulos de propriedade. A euforia da economia estadunidense no começo
dos anos 1920 gerou uma atividade especulativa que perdeu seu lastro real no decorrer da
década, atingindo seu ápice com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que inaugurou
uma profunda crise. Além disso, desde o começo do século XX, os bancos comerciais
passaram a investir crescentemente na atuação como seguradoras de títulos com taxas
flutuantes e subscrevendo a emissão de ações corporativas. A forte especulação e a criação de
um mercado financeiro levou ao fechamento de cerca de 4.000 bancos e à falência do Banco
dos Estados Unidos nos três primeiros anos da década de 1930. Os especuladores
negligenciaram a incapacidade das indústrias de expandir sua produção, uma vez que o
crescimento dos salários e o do consumo não acompanharam o aumento da produção e a
Europa dava sinais de recuperação econômica pós I Guerra, reduzindo assim as importações
de produtos estadunidenses.
Mesmo durante a crise, as firmas de consultoria continuaram seu processo de
consolidação e crescimento. Em 1933, o então presidente Franklin Delano Roosevelt
promulgou o Glass-Steagall Banking Act, que impôs a separação entre os bancos de
investimento e comerciais (de depósito), criou a garantia de depósitos bancários; proibiu o
pagamento de juros sobre depósitos à vista e estabeleceu tetos para o pagamento de juros e
prazos para os depósitos. De modo geral, o regulamento visava parar a corrida aos bancos e
restaurar a confiança pública no sistema bancário do país37.
A legislação estabeleceu ainda que os bancos comerciais não poderiam exercer
atividades de consultoria, seguradora ou prestar serviços imobiliários. Além disso,
estabeleceu-se que, para avaliar a performance das suas empresas-clientes ou quando da
falência de uma delas, as instituições bancárias deveriam contratar empresas externas. Já os
bancos de investimentos podiam prestar o serviço de consultoria para avaliar possibilidades
de empréstimos, desde que não utilizassem seu pessoal interno. Paralelamente, os Securities
Acts, também sancionado em 1933, determinaram que qualquer financiamento deveria ser
precedido por devida avaliação, o que, na interpretação dos advogados de Wall Street,
significava que todas as subsequentes transações necessitavam de investigações prévias
realizadas por firmas consultoras competentes (MCKENNA, 2006, p. 17).
Neste processo, foi criada ainda a Securities and Exchange Commission (SEC) com a
finalidade de regular o mercado financeiro e impor um sistema mais aberto de transações !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!37 O Banking Act foi parte central das políticas econômicas implementadas pelo presidente Roosevelt para conter a crise financeira que culminou com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929. O conjunto de medidas, conhecido como New Deal e pautado, em grande medida, em ideais keynesianos, visava dar ao Estado maiores poderes na regulação da economia e do sistema bancário.
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financeiras entre as empresas. A SEC exigiu que as grandes firmas de contabilidade
reformassem suas práticas de auditorias corporativas no intuito de manter a independência
profissional dos contadores e afastar possíveis conflitos de interesse. A Arthur Andersen &
Company, por exemplo, que até então era especializada em investigações industriais e
financeiras, restringiu sua atuação para a área de auditorias financeiras. “O Banking Act e a
SEC proibiram grupos rivais, como advogados, engenheiros, e contadores, de continuar a
atuar como consultores, e promoveram o rápido crescimento das firmas independentes de
consultoria empresarial durante os anos 1930” (MCKENNA, 2006, p. 17 – tradução livre)38.
Os estudos e as auditorias realizadas pelas empresas de consultoria davam uma maior
garantia de retorno aos bancos e investidores. Estar “avalizado” por uma firma consultora
permaneceu sendo um elemento facilitador de empréstimos e investimentos bancários. Além
disso, conforme salienta McKenna (2006), como a separação entre bancos comerciais e de
investimentos também colocava freios nas trocas de informações anticompetitivas entre os
bancos, a atuação das consultorias permitia um maior trânsito de informações, assim como
uma maior difusão do conhecimento entre as indústrias, o setor bancário e demais
organizações. Os consultores se tornaram a diferença na solução estadunidense para as
necessidades intrínsecas dos executivos de dividir certas formas de informações internas. Ao
atuar em diversas indústrias os consultores acabam compartilhando conhecimentos aplicados
e acumulados na solução de problemas anteriores. “Os consultores gerenciais ofereceram uma
alternativa, um método legal para transferir conhecimento entre organizações rivais sem
incorrer em sanções regulatórias” (Idem, p. 25 - tradução livre)39.
Desse modo, nos anos 1930, as consultorias se consolidaram e institucionalizaram,
atuando em grandes corporações com o intuito de avaliar as estratégias de mercado, as
estruturas organizacionais e a performance financeira. Entre os anos de 1930 e 1940 houve
um crescimento médio de 15% ao ano no número de empresas de consultoria, passando de
100 para 400 empresas. Um caso ilustrativo das mudanças que aconteceram no período é o
de George Armstrong. Entre 1921 e 1932 ele foi vice-presidente do Nacional City Bank e
realizava avaliações de empresas que tinham problemas para pagar seus empréstimos, como
foi o caso da Saco-Lowell Shop, para a qual ele propôs a fusão entre as empresas Palmolive,
Kraft e Hersey. Em 1933, após as regulamentações implementadas por seu tio Roosevelt, ele
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!38 “The Banking Act and SEC prohibited rival professional groups, like lawyers, engineers, and accountants, from continuing to act as consultants, and promoted the rapid growth of independent management consulting firms during the 1930s” (MCKENNA, 2006, p. 17). 39 “Management consultants offered an alternative, legal method to transfer knowledge between rival organizations without incurring regulatory sanctions” (Idem, p. 25).
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deixou o Nacional Bank City e criou sua própria firma de consultoria, a George S. Armstrong
& Company.
McKenna (1995) destaca ainda que a história da McKinsey Company é um caso
exemplar no que se refere à reconfiguração das consultorias após o Banking Act. No começo
dos anos 1930, James Mckinsey procurou desenvolver uma complexa avaliação de engenharia
gerencial denominada “general survey outline”. Para atrair seus clientes, ele estrategicamente
buscava manter o permanente contato com a comunidade financeira por meio de almoços
com os banqueiros. O modelo criado por McKinsey permitia a análise de empresas com
dificuldades financeiras, passando a ser encomendado por diversas firmas de investimentos.
Com as alterações estabelecidas pela nova legislação, os negócios da McKinsey cresceram
significativamente e a consolidaram no mercado como uma das empresas líderes do setor.
Além disso, a adoção de um modelo geral de avaliação permitia que ele fosse utilizado com
relativa facilidade por novos contratados recém chegados ao universo das consultorias.
Durante os anos 1940 e 1950, o crescimento das empresas de consultoria manteve uma
média de 10% ao ano. Em 1950, estima-se que existiam cerca de mil firmas de consultoria
empresarial nos EUA (KIPPING, 2002; MCKENNA, 2006). Nesta mesma década, as quatro
principais empresas de consultoria atendiam, segundo Wright e Kipping (2002), ¾ do
mercado inglês, estimado em 4 milhões de libras. Mas, sobretudo devido à concorrência, as
firmas passaram a oferecer estudos especializados ao invés de levantamentos gerais, passando
a focar nos departamentos, produtos e mercados específicos de companhias que já haviam
passado pelo processo geral de “survey”.
Além disso, o início da Segunda Guerra Mundial criou novas oportunidades de
trabalho para os consultores. Como explica Donadone (1991), durante o período, o governo
dos EUA contratou um grande número de consultorias “para reorganizar as formas de
gerenciamento das áreas militares, racionalizar a produção civil e dar suporte para a crescente
expansão da administração federal em virtude do esforço de guerra” (DONADONE, 1991, p.
18). Além disso, havia uma necessidade de integrar uma massa de mão-de-obra não
qualificada, sobretudo mulheres, ao mercado de trabalho.!!
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3.2 Segunda Fase: diversificação e atuação no Estado
A década de 1940, sobretudo após o início da II Guerra, inaugurou uma segunda etapa
ou “onda” no processo de desenvolvimento dos serviços de consultoria. É neste período que
as firmas de consultoria passaram a atuar no Estado estadunidense, tornando-o mais um lócus
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de influência e de captação de informação e conhecimento. A partir de então, o uso das
consultorias no setor público passou a ser uma constante e prolongou-se para outros
continentes, principalmente após o início das reformas levadas a cabo pelos governos
neoliberais nos anos 1980. Nos Estados Unidos, elas foram responsáveis por reformar a
burocracia estatal e encorajar a contratação de especialistas externos. De acordo com
McKenna (2006), assim como os físicos, engenheiros e economistas, a atuação dos
consultores teve um papel relevante para a vitória dos países aliados durante a II Guerra.
Em 1940, o secretário da Marinha, Frank Knox contratou a firma Booz, Fry, Allen &
Hamilton para fazer um diagnóstico sobre os estaleiros navais da costa oeste do país. Os
contratos foram ampliados e a empresa acabou sendo responsável pela reestruturação do
Escritório de Operações Navais, logo após a entrada dos EUA na Guerra. A contratação
“abriu portas”, inclusive, para que, posteriormente, a firma passasse também a prestar serviço
para indústria de armamentos e munição. Donadone (2001) destaca que o intuito das
contratações de especialistas externos era reorganizar as formas de gerenciamento das áreas
militares, racionalizar a produção civil e fornecer suporte para o crescimento da máquina
pública federal no período da guerra. Segundo Robert David (2012), nos cinco anos que
antecederam o começo do conflito bélico, o exército dos EUA cresceu 24 vezes e os gastos
militares passaram de 2.5 bilhões de dólares em 1939 para 162 bilhões em 1944. Contudo, se
a guerra foi o fator determinante para a entrada das consultorias no âmbito público, foi após o
final do embate que as firmas líderes institucionalizaram a sua presença no governo. “A
guerra, portanto, não apenas serviu como um estímulo imediato para as consultoras em
estratégia, mas como um estímulo irreversível (DAVID, 2012, p. 78 – Tradução livre)40.
Em 1947, o Congresso estadunidense criou a Commission on the Organization of the
Executive Branch of Government (Comissão de Organização do Poder Executivo do
Governo), que ficou conhecida popularmente como Hoover Comission (Comissão Hoover)
por ter sido coordenada pelo ex-presidente republicano Herbert Hoover41. McKenna (2006)
explica que Hoover utilizou “métodos de negócio”, criando 23 equipes separadas que eram
conduzidas por diferentes executivos. Cada executivo contava com o apoio externo de
empresas de consultoria. Para suprir as necessidades específicas do governo, 15 estudos de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!40 “The war thus not only served as an immediate stimulus for strategy Consulting, but as an irreversible one (DAVID, 2012, p. 78). 41 O Congresso dos EUA, que no período era formado por maioria republicana, obrigou o então presidente democrata, Harry S. Truman, a implementar a Comissão. Estrategicamente, Truman indicou o seu antecessor republicano Herbert Hoover para presidir a Comissão. Desde o governo de Hoover (1929-1933), os gastos públicos do país passaram de $3,6 bilhões para mais de $ 42 bilhões, enquanto as unidades administrativas tinham aumentado de 500 para, em média, 1.800.
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política (policy studies) foram contratados a empresas de pesquisa e consultoria. Segundo
McKenna, todos os levantamentos realizados pelas três empresas consultoras42 contratadas
indicaram como solução a descentralização organizacional da estrutura governamental. Além
disso, as equipes de trabalho que contrataram estudos das firmas consultoras, ao contrário das
demais, produziram estimativas concretas de que as mudanças sugeridas representavam
economia para as finanças públicas. “A Comissão Hoover representou um alto uso público
das firmas de consultoria de gestão pelo governo federal e a potencial publicidade favorável
dos contratos não foi desperdiçada pelas firmas de consultoria de gestão” (MCKENNA, 2006,
p. 88 – tradução livre)43. O resultado dos trabalhos da Comissão foi enviado ao Congresso e
resultou na aprovação do Reorganization Act, em 1949, implementando-se assim grande parte
das recomendações do relatório final.
O aumento expressivo da administração pública estadunidense durante a II Guerra e
nos anos que se seguiram, bem como o crescimento vertiginoso da dívida pública, que
ultrapassou o PIB em 1947, obrigaram o país a otimizar os gastos na esfera estatal. David
(2012) aponta que a desorganização do Estado e aumento da burocracia suscitaram fortes
pressões por reformas administrativas. Além disso, os EUA deram continuidade a expansão e
melhoria do arsenal bélico do país, iniciando o que Tavares e Melin (1997) chamaram de um
keynesianismo bélico clássico e que foi estratégico, sobretudo, durante o período da Guerra
Fria. Por outro lado, ainda que tenha implementado um Estado de Bem-estar de corte liberal,
houve também uma tendência de crescimento com gastos sociais44.
Para avançar na conquista do seu posto de grande potência, o país precisava também
contar com uma administração moderna e menos burocrática. Foram reorganizados desde o
Sistema Postal estadunidense até toda política de gerenciamento de pessoal do governo e da
Casa Branca. Além disso, as consultoras tiveram relevante papel na corrida espacial. As
firmas de consultoria eram vistas pelo governo como entidades que poderiam transferir o
conhecimento organizacional do setor privado para o público.
De modo geral, a medida mais recomendada pelas firmas de consultoria foi a
descentralização da administração pública, estratégia já conhecida e implementada por
grandes empresas nas décadas de 1920 e 1930. As firmas de consultoria de gestão, como a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!42 São elas: Trundle Enginnering Co., Robert Heller & Associates e a Cresap, McCormick and Paget. 43 “The Hoover Commision represented a highly public use of management consulting firms by the federal government an the potential for favorable publicity form the assignment was not lost on the management consulting firms” (MCKENNA, 2006, p. 88) 44 Fiori retoma a classificação de Esping-Andersen (1991) para explicar as variações do Welfare State nos diversos países em que ele foi adotado. Assim, as medidas adotadas nos!EUA são entendidas como um “welfare state liberal”, marcadas por assistência restrita aos comprovadamente pobres, pequenas transferências universais ou planos modestos de previdência social e onde as regra de acesso aos benefícios são estritas.
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Booz Allen & Hamilton, Robert Heller & Associates e a Cresap, McCormick e Paget, foram
as primeiras responsáveis por difundir a estrutura multidivisional no setores público e privado
dos EUA. Esse modelo organizacional caracteriza-se pela descentralização e divisão da
administração em divisões ou sub-unidades independentes, de modo que o gestor local possa
acompanhar e responder mais rapidamente as demandas diárias. A Robert Heller &
Associates foi contratada para reorganizar o sistema postal; a Cresap, McCormick and Paget
ficou responsável por reestruturar o gestão de pessoal do setor público, tendo como desafio
apresentar soluções para o crescimento das perdas de empregados qualificados por parte do
Estado. A saída apresentada foi a elevação dos salários, contratação rápida e descentralização
da gestão de pessoal. A atuação das consultorias teve um papel essencial na reestruturação e
reorganização do setor público a partir dos anos 1950. De acordo com McKenna (2006), os
pesquisadores e estudiosos da área sempre destacam as recomendações da Comissão Hoover
como sendo as origens da moderna administração pública.
Nos anos seguintes, os contratos das firmas de consultoria de gestão com o Estado
foram ampliados. Após a aprovação do relatório final da Comissão, o presidente Truman
destinou cerca de um milhão de dólares para que as recomendações das consultoras fossem
implementadas. O governo convocou a George Fry & Associates para reestruturar e otimizar
a alocação dos servidores. A gestão de pessoas da Guarda Costeira foi reelaborada pela
Cresap, McCormick e Paget, a Administração de Veteranos, atual Departamento de Assuntos
Veteranos, contratou a Booz Allen & Hamilton para repensar a organização. Ao assumir a
presidência dos EUA em 1953, Dwight Eisenhower contratou com a McKinsey & Company
para aconselhá-lo nas nomeações para os cargos do Executivo Federal e planejar a
reestruturação da equipe da Casa Branca. Além disso, o então presidente criou uma Segunda
Comissão, que também foi presidida por Herbert Hoover.
Cada novo contrato para as firmas de aconselhamento representava mais prestígio no
setor e capacidade de atração de novos clientes, de modo que os trabalhos na Comissão
Hoover abriram possibilidades de novos negócios, tanto no setor público como no setor
privado. O atendimento a grandes e importantes clientes, o sucesso e o conhecimento de
determinados casos, são elementos que agregam valor e destacam a visibilidade das empresas
do setor, como será discutido adiante. A reorganização das agências e departamentos federais pelas firmas de consultoria de gestão logo tornou-se um padrão comum. McKinsey & Company, por exemplo, trabalhou para o Comitê ad hoc Nelson Rockefeller na organização do Departamento de Defesa em 1953; uma reestruturação que seguiu a organização inicial do Departamento de Defesa realizada pela Robert Heller & Associates e a avaliação do Exército feita pela McCormick e Paget, ambas completadas em 1949.
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No Poder Executivo, a Cresap, McCormick e Paget reorganizaram a Administração Civil da Aeronáutica e o Departamento de Habitação, Educação e Bem-estar em 1954, enquanto a McKinsey & Company trabalhou em 1955 para o Comitê McKinney da AEC45 documentando as potenciais aplicações comerciais da energia nuclear [...] No final dos anos 1940 e no começo dos anos 1950, o governo aumentou o uso de consultoras permitindo aos servidores federais medir as forças particulares de cada firma de consultoria de gestão (Idem, p. 99)46.
Em 1959, a recém criada NASA contratou a McKinsey para que esta revisasse suas
estratégias de contratação de pessoal, pesquisas e aquisição de armamentos e tecnologias de
ponta. A estratégia fazia parte de um conjunto de ações preparadas pelo governo
estadunidense para dar uma resposta ao lançamento do satélite Sputnik pela União Soviética,
em 1957, no contexto da Guerra Fria. Nessa mesma conjuntura, a Booz Allen & Hamilton
assumiu a responsabilidade de desenvolver o Program Evaluation and Review Techniques
(PERT)47 dentro do Projeto Polaris, que objetivava a construção de um míssil balístico
intercontinental dotado de ogivas nucleares. A participação da McKinsey nas políticas
espaciais dos EUA e na gestão da NASA é um caso exemplar na configuração daquilo que
McKenna (2006) caracterizou como um “Estado oco”. Segundo o autor, em 1964, dos 5
bilhões de dólares que formavam o orçamento da NASA, 90% eram destinados a contratação
de entidades privadas. No que diz respeito ao número de trabalhadores, em 1960, os contratos
externos da entidade empregava 36.500 pessoas, a equipe interna era composta por 10.200
servidores. Em 1964, os números passaram para 350 mil contra 32.500, respectivamente. No
âmbito geral do Poder Executivo, em 1962, aproximadamente 10% do orçamento total do
governo iam para contratos externos em pesquisa e desenvolvimento (Idem, p. 106). Isto
significa que, no começo dos anos 1960, o governo estadunidense privilegiava uma estrutura
organizacional inconstante, no qual as empresas de consultoria desempenhavam uma papel
central em detrimento dos investimentos em pessoal interno. Essa característica acentuou-se
ainda mais durante os todos os anos daquela década.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!45 Atomic Energy Comission 46 “The reorganization of federal agencies and departments by management Consulting firms soon became a commom pattern. McKinsey & Company, for example, worked for Nelson Rockefeller’s ad hoc committee on the reorganization oh the Department of Defense in 1953; a restructuring that followed Robert Heller & Associates’initial organization of the Department od Defense and Cresap, McCormick and Paget’s survey of the Army, both completed in 1949. In the Executive Branch, Cresap, McCormick and Paget reorganized both the Civil Aeronautics Administration and the Department of Housing, Education, and Welfare in 1954, while McKinsey & Company worked in 1955 for the McKinney Commitee of the AEC documenting the potential comercial applications of nuclear power [...] In the late 1940s and early 1950s, the government’s increased use of consultants allowed federal officials to gauge the particular strengths of the individual management consulting firms (MCKENNA, 2006, p. 99). 47 Técnicas de Avaliação e Revisão de Programa. O PERT é um método de gerenciamento utilizado até os dias atuais na fabricação de produtos e na elaboração de planejamentos.
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David (2012) explica que a atuação das firmas de consultoria levou a um processo de
corporatização de setores ainda não corporativos, como o Estado, a assistências médica, a
educação e até as religiões. Segundo o autor, a atuação das consultoras no setor de assistência
médica alterou os padrões de prestação do serviço, implementando um modelo que
enfraquecia o caráter comunitário e social e enfatizava a concorrência, a competição e o
controle corporativo. Um outro fato relevante da década é que os repasses de verbas do
governo federal para os estados e municípios passavam pelo aval dos consultores que
trabalhavam para o governo, o que permitia que as firmas aproveitassem os espaço para fazer
lobby e vender seus serviços aos governos locais. Saint-Martin (2012) também enfatiza que os
anos 1960 foi o período em que o Estado estadunidense e inglês abriram as portas para a
atuação de consultores nos processos de tomadas de decisões e elaboração de políticas. Na
análise do pesquisador, esta foi a era do chamado “gerenciamento racional”, da adoção dos
Planning, Programming and Budgeting Systems (PPBS), e do começo da chamada “indústria
da análise de políticas” (policy analysis industry). O objetivo era tornar a gestão do Estado de
Bem-estar mais “científica” e “profissional”. “A necessidade de avaliar as políticas mais
sistematicamente, que surgiram com o novo ciclo orçamentário imposto pelo PPBS,
mostraram-se um mercado aberto e lucrativo para as firmas de consultoria em gerenciamento
(SAINT-MARTIN, 2012, p. 450 – Tradução livre)48.
Fora do Estado, as firmas de consultoria de gestão começaram a diversificar seus
serviços, passando a atuar também em áreas como marketing, finanças e desenvolvimento de
produtos e tecnologias. Já as antigas firmas de engenharia começaram a perder mercado
devido ao surgimento de modelos de produção flexíveis e segmentados, a redução das
atividades manufatureiras nos países industrializados em favor da expansão do setor de
serviços, e a expansão do setor financeiro. Segundo David (2012), o fato de algumas
regulamentações, como o Cellar-Kafauver Act de 1950, que reforçava medidas antitruste,
dificultar as fusões de grandes empresas em negócios correlatos levou os empresários a
diversificarem e expandirem a produção de produtos não correlacionados com a produção
original do grupo. A implementação da estrutura multidivisonal, dispersa e descentralizada,
subsidiou neste processo e abriu novos campos de atuação para as firmas de consultoria de
gestão. A complexidade estrutural, a gestão descentralizada, as operações dispersas, e as ambíguas estruturas de autoridade das organizações empresariais havia criado,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!48 The requirement to evaluate policy more systematically, wich came out of the new budget cycle imposed by PPBS, has been shown to open a lucrative market for management consulting firms (SAINT-MARTIN, 2012, p. 450).
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essencialmente, a oportunidade para que as empresas de Consultoria em estratégia oferecessem soluções para os problemas organizacionais e a justificativa para ações gerenciais (DAVID, 2012, p. 75 – Tradução livre) 49.
Também no âmbito privado, já na década de 1950, as firmas consultoras passaram a
desenvolver sistemas informatizados de gestão e contabilidade, de maneira que os modelos de
gerenciamento estadunidenses tornaram-se hegemônicos Com o fim da II Guerra, muitos
especialistas voltaram para o mercado com conhecimentos novos e especializados no assunto,
sobretudo no que diz respeito ao uso das TIC e da informática. Em 1952, a Arthur Andersen
desenvolveu um sistema informatizado de administração para a General Electric e a partir de
então passou a atuar no setor de tecnologia da informação. O novo paradigma tecnológico
representou uma revolução no âmbito da produção e da internacionalização dos mercados,
mas também no modelo de negócios das firmas de consultoria.
3.2.1 Hegemonia estadunidense e expansão das Firmas de Consultoria pela Europa
A década de 1960 foi o período de maior expansão das firmas de consultoria em
âmbito internacional, sobretudo devido ao projeto estadunidense de “auxílio” a Europa e ao
acirramento da concorrência internacional. A política dos EUA de auxílio aos países da
Europa ocidental foi lançada em 1948, com a oficialização do Plano Marshall e a sanção do
Foreingn Assistance Act. A estratégia resultou em um novo arranjo mundial de poder e na
consolidação dos EUA como maior potência econômica. Segundo Werner e Combat (2007), o
Plano proporcionou uma transformação que deslocou as bases de organização do modelo
econômico e político do “velho mundo”, calcado em valores seculares e numa forma de
capitalismo tipicamente europeia, e consolidou a preponderância do paradigma econômico e
político estadunidense, pautado na produção e consumo de massa, no livre comércio
internacional, na abertura do capital empresarial e na centralidade do capital financeiro. A
consolidação de tais ideais representou a derrocada da Europa como principal poder
geopolítico e a consolidação da hegemonia dos EUA como grande potência econômica.
A transferência de práticas gerenciais foi uma das estratégias de ajuda dos EUA.
Contudo, como destaca McKenna (2006), a expansão das firmas de consultoria de gestão no
final da década de 1950 e no começo dos anos 1960 pela Europa e outros países do globo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!49 “The structural complexity, decentralized management, dispersed operations, and ambiguous authority structures of corporate organizations had essentially created the opportunity for strategy Consulting firms to offer solutions to organizational problems and justification for managerial actions” (DAVID, 2012, p. 75). !
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difundiu não apenas os modelos estadunidenses de gerenciamento, mas também um sistema
institucional que tornava comum a contratação de consultores por parte das grandes
organizações, além de uma cultura organizacional tipicamente estadunidense. Em geral, as
práticas implantadas impactaram o modelo produtivo e a organização do trabalho. Enquanto
peças centrais do sistema de produção, as formas gerenciais trazem em seu bojo valores e
ideais específicos, assentados sobre determinadas formas de produção, consumo e vivência
social.
McKenna (2006) relata que a expansão das firmas de consultoria fora dos Estados
Unidos se deu em três momentos. O primeiro deles aconteceu durante os anos 1920 e 1930,
sob a égide do fascínio exercido pelos métodos fordistas e tayloristas nos países da Europa
ocidental, além do interesse da União Soviética em conhecer as técnicas para efeitos de
ganhos de produtividade. Os europeus viam em tais princípios as melhores formas para
racionalizar a produção e a economia.
O segundo momento iniciou-se logo após o fim da Segunda Guerra, com o início do
processo de reconstrução da Europa e o lançamento do Plano Marshall. Nesse período, os
EUA começaram a enviar engenheiros e executivos para os países europeus para servirem
como conselheiros no bojo das ações de assistência técnica. “Apesar do Plano de Assistência
Técnica estar centrado na transferência de competências de engenharia e tecnologia, os
Estados Unidos também gastaram uma parte dos 13,5 bilhões de libras destinados a ajudar a
Europa com formação em gestão, seminários gerenciais, e técnicas de consultoria
americanas” (MCKENNA, 2006, p. 168 – tradução livre)50. Contudo, logo em seguida ao fim
da Guerra, o Poder Executivo estadunidense privilegiou o envio de agentes do próprio
governo, uma vez que as empresas europeias, ainda abatidas pelas consequências da guerra,
não tinham como pagar as altas somas de dinheiro exigidas pelas consultorias líderes.
A expansão das firmas líderes em consultoria de gestão pela Europa aconteceu nos
anos 1950, quando a economia europeia passou a dar os primeiros sinais de recuperação e
houve um significativo aumento dos investimentos diretos de companhias estadunidenses em
fábricas europeias, alcançando o seu ápice nos anos 1960. O retorno dos investimentos foi
apressado pelo advento das medidas econômicas protecionistas que passaram a ser adotadas
em 1958, com a criação do Mercado Comum Europeu. Neste sentido, as principais empresas
de consultoria passaram a abrir escritórios em diversos países da Europa. De acordo com
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!50 “Although the Technical Assistance Plan focused on the transfer of engineering skills and technology, the United States also spent a percentage of the £ 13.5 billion earmarked for European aid on management training, executive seminars, and American technical consultants” (MCKENNA, 2006, p. 168).
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McKenna (2006), o intuito inicial era atender as filiais estadunidenses na Europa. Contudo, o
incremento da concorrência imposto pela entrada do capital proveniente dos EUA fez com
que as empresas do “velho mundo” vissem a contratação de consultorias como a forma mais
prática e imediata de enfrentar os desafios do mercado. Percebendo esse movimento, as
firmas consultoras ampliaram seu foco de atendimento, passando a dar igual prioridade às
empresas de capital regional.
Após 1958, as três empresas líderes do setor, respectivamente, a Arthur D. Little, a
Booz Allen & Hamilton e a McKinsey & Company abriram escritórios de representação na
Europa. A Arthur D. Little, por exemplo, abriu escritório em Paris, cidade sede da
coordenação do Plano Marshall. No começo dos anos 1960, essas empresas já possuíam
clientes na Itália, Suíça, Alemanha, Reino Unido, Luxemburgo, Países Baixos e Suécia.
“Cada uma das grandes firmas de consultoria americanas rapidamente criou sua rede
profissional através da Europa Ocidental nos anos 1960 [...] No final da década, a metade da
receita total da McKinsey & Company provinha de fora dos Estados Unidos” (MCKENA,
2006, p. 174 – tradução livre). 51 A Arthur Andersen dispersou-se, nos anos 1960, por 21
países e a Pear Marwick e a Price Waterhouse passaram a atuar em 55 países. De acordo com
McDougald e Greenwood (2012), em 1966 as oito maiores empresas de consultoria em
auditoria prestavam serviço para 464 das 500 maiores corporações dos EUA e do Reino
Unido. A média de clientes no final da década era 10 mil e a media anual de recebimentos era
de aproximadamente 100 milhões de dólares.
De modo geral, a principal estratégia difundida pelas FMC foi, mais uma vez, a
descentralização e a implementação da já conhecida estrutura multidivisional. A McKinsey
foi a principal propulsora desse modelo por toda a Europa, tanto no setor privado como no
público. Em 1970, por exemplo, a McKinsey implementou o modelo multidivisional em 72
das 100 maiores empresas do Reino Unido. No âmbito estatal, a McKinsey foi responsável
pela reestruturação organizacional da British Rail, da British Broadcasting Corporation
(BBC), do Banco da Inglaterra e do Serviço Nacional de Saúde. McKenna (2006) salienta que
o mérito da McKinsey foi ter adaptado o modelo multidivisional às idiossincrasias de cada
país, sobretudo porque, atuando na Europa, ela teve que prestar serviço para empresas
estatais, organizações governamentais e em empresas de economia mista. Por outro lado,
Saint-Martin (2012) destaca que alguns governos parlamentares, diante das necessidades do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!51 “Each of the large American Consulting firms rapidly created a professional networks throughout Western Europe in the 1960s [...] By the end of decade, half McKinsey & Company’s total revenues would come from outside the United States” (MCKENA, 2006, p. 174).
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74
Estado de Bem-estar, criaram pequenas unidades de formulação de políticas vinculadas ao
poder central, como o Central Policy Review Staff (CPRS) na Inglaterra. As unidades
misturavam servidores do governo, acadêmicos e consultores. Aquela [boa] reputação serviu bem enquanto o modelo descentralizado era novo e incomum na Europa, mas no começo dos anos 1970, o mercado estava saturado. A McKinsey tinha, literalmente, descentralizado a maioria das grandes empresas da Europa (MCKENNA, 2006, p. 186 – tradução livre).
Mas não somente a saturação do modelo fez os negócios das firmas de consultoria
declinar nos anos 1970. A crise do capitalismo impactou significativamente as receitas dos
negócios de aconselhamento. Para enfrentar as dificuldades impostas pelo momento
econômico, as consultorias procuraram ampliar seus contratos com o Estado e buscar novos
modelos e estratégias de gestão e produção que pudessem solucionar a crise de
sobreacumulação, bem como retomar o crescimento do mercado financeiro. Desse modo, as
firmas de consultoria passaram a ter um papel central no processo de reestruturação do
capitalismo na década de 1970, tornando-se centros intelectuais e de pesquisa para dar
respostas as contradições e instabilidades de um regime de acumulação sob dominância
financeira.
3.3 Terceiro Momento: Firmas Multinacionais de Consultoria e
Reestruturação Capitalista
O terceiro momento ou “onda” de crescimento e expansão das firmas multinacionais
de consultoria teve início dentro do processo de inflexão do capitalismo dos anos 1970, que
procuramos analisar no Capítulo 1. Para não perder mercado no!momento!de!crise,!as!firmas!
consultoras, atores centrais no processo de desenvolvimento das instituições capitalistas
estadunidenses e já com certa relevância também na Europa, trataram de se inserir no
processo de reestruturação do capitalismo que se inicia no momento pós-crise. Enquanto
centros de produção do conhecimento, elas buscaram, adaptaram e difundiram modelos
flexíveis de produção que visavam romper com os obstáculos impostos naquele momento
econômico por um modelo de produção rígido, em um período de alta concorrência e
necessidade de redução dos custos de produção. O desenvolvimento do microcomputador e o
surgimento da telemática alterou a base técnica do sistema e impactou na organização da
força de trabalho. A ascensão do neoliberalismo abriu novos espaços de atuação para as
firmas consultoras, sobretudo com a desregulamentação dos mercados e a privatização dos
grandes serviços públicos. A financeirização do capital e as mudanças subjacentes ao
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75
processo de subordinação do setor produtivo às finanças, em que a inovação e o
conhecimento passaram a ser os principais recursos no processo de expansão do capital
portador de juros, abriram um espaço fértil, complexo e com múltiplos vieses para a atuação
das firmas de consultoria.
3.3.1 O Mercado de Consultoria Pós 1970, telemática e financeirização do Capital
O uso dos computadores e da telemática na administração, na produção técnico
científica e na produção material permite, segundo Tauille (1981), uma comparação com o
advento da revolução industrial, uma vez que a nova base técnica avança ainda mais na
transferência de informações, antes de posse do trabalhador, para o domínio do capital. O
autor explica que a adoção deste tipo de tecnologia foi ao encontro das necessidades impostas
pela evolução das divisões do trabalho, que então passaram a enfatizar o deslocamento entre
atividades de concepção e execução. Ou seja, a telemática subsidiou a flexibilização da
organização do trabalho em momento de crise em que as empresas procuravam reduzir os
custos. Além disso, as novas redes permitiram uma internacionalização da produção e do
capital sem precedentes por meio do acompanhamento em tempo real do fluxo produtivo, das
transações econômicas e dos mercados financeiros.
No anos 1950, algumas grandes empresas começaram a utilizar computadores e as
tecnologias associadas como ferramentas organizacionais. Em 1956, introduziu-se o
computador mainframe para o armazenamento de dados e informações. A introdução do
processamento eletrônico abriu um novo campo de atuação para as empresas de tecnologias
da informação e da comunicação, que, para além do desenvolvimento e comercialização de
hardwares, passaram a prestar serviços de consultoria por meio da venda e atualização de
softwares. Durante a década de 1950 e durante a primeira metade dos anos 1960, a IBM
liderou o setor, seguida por empresas como a Burroughs, Univac, NCR, Control Datam
Honeywell, General Electric e RCA. Contudo, em 1956, a IBM sofreu restrições regulatórias
por estar atuando como consultoria. A empresa conseguiu permanecer no setor, mas, devido
às restrições, perdeu lugar para outras empresas, como a Arthur Andersen e a Price
Waterhouse. Não originárias do setor de TI, essas firmas de consultoria em gerenciamento e
contabilidade passaram a realizar pesquisas e testes na área. Galal, Richter e Wendlandt
(2012) lembram que a recomendação da Arthur Andersen de instalação, na General Electric,
do computador e impressora Remington Rand UNIVAC I, inaugurou o começo do uso de
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76
computadores comerciais para o processamento de dados no setor. Outras firmas também
passaram a atuar no setor, como a PA Consulting; a Urwick, Orr & Partners; e a Arthur D
Little. Mas a liderança na segunda metade dos anos 1960 foi conquistada pela Arthur
Andersen. De acordo com os autores, as firmas que não tinham capacidade para desenvolver
estudos e testes na área, passaram a se associar com as que já estavam adiantadas nas
pesquisas.
Galal, Richter e Wendlandt (2012) desenvolveram uma periodização das fases de
crescimento dos serviços de consultoria em TI. Segundo os pesquisadores, a primeira fase
inicia-se nos anos 1950 com o crescimento dos investimentos nas pesquisas, e o
desenvolvimento dos serviços de TI em paralelo as diversas inovações da indústria de
hardwares e softwares. A fase consolida-se com a utilização do microcomputador nas
atividades comerciais no começo dos anos 1970. Em 1971, a Intel colocou no mercado o
primeiro microprocessador e passou a comercializar o primeiro circuito integrado de
computadores em chips de silicone (semicondutores). A segunda fase inicia-se nos anos 1970
com a ênfase no desenvolvimento de aparatos cada vez menores e individualizados, com as
consultorias em TI passando então a desenvolver softwares especializados em acordo com as
demandas das empresas, como provedores de soluções em gerenciamento, sistemas
financeiros/contábeis integrados e de gerenciamento de relações com o consumidos (CRM).
Neste período, chegaram ao mercado a SAP, em 1972, a Microsoft, em 1975, e a Oracle, em
1977. No início da década de 1970, os computadores ainda eram usados principalmente para otimizar a rotina do escritório e no apoio aos processos das empresas, incluindo tarefas de escritório, armazenamento de dados e processos estatísticos. Cada vez mais, os gestores começaram a usá-los para ajudar a alinhar os processos internos com os objetivos dos negócios de suas organizações. O crescente uso de funções de programação para a condução de cenários de ‘what if’ em pontos estratégicos de tomada de decisão serviu para o alinhamento entre TI e estratégia. Além disso, as TI tornaram-se reconhecidas como facilitadoras da mudança, especialmente no que diz respeito à integração das operações dos negócios existentes (Idem, p. 120 – Tradução livre).52
A terceira fase, em acordo com o esquema de Galal, Richter e Wendlandt (2012),
começou a partir do uso comercial e doméstico da internet nos anos 1990. Ao romper os
limites do setor militar e da universidade, a internet permitiu a conexão direta e em tempo real
de milhares de pessoas e instituições impactando sobre a natureza das relações sociais, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!52 At the beginning of the 1970s, computers were still mainly used to optimize routine office and business support process including clerical tasks, data storage, and statistical processes. Increasingly, managers began to use IT to help align internal processes with their organizations’ business objectives. The growing use of programming functions for conducting ‘what if’ scenarios in strategic decision-making points to this alignment of IT and strategy. Furthermore, IT became recognized as a facilitator of change, especially in terms of integrating existing business operations (Idem, p. 120)
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77
comerciais e na organização do trabalho. A rede mundial de computadores alavancou o
processo de subsunção intelectual do trabalhador, que, para além da produção de informações
no seu tempo de trabalho, continuará produzindo informações e conhecimento também em
seu tempo livre. Bolaño (2007) salienta que a introdução da informática nos processos
tradicionais de trabalho representou uma intelectualização crescente deste. Contudo, isto não
significou a superação da alienação do trabalho, mas uma mudança de sentido, ocasionando,
ao contrário, um aprofundamento do enquadramento do trabalhador e aumento da exploração
de suas energias mentais. “Isso muda essencialmente a estrutura social e a forma da relação
social básica” (BOLAÑO, 2007, p. 56).
A intensificação da produção e do fluxo de informações em escala internacional
permitiu uma maior segmentação da produção e da venda por demanda, além de subsidiar o
acompanhamento e a realização de transações econômicas e financeiras em tempo real. O
desenvolvimento do chamado “negócios eletrônicos” (e-business) abriu mais uma área de
atuação para as consultorias com foco no desenvolvimento de novas aplicações e serviços (IT
Consulting services). As empresas passaram então a terceirizar a gestão dos seus sistemas de
informação, de telecomunicações, e até planejamento e gerenciamento. De modo geral, os
serviços de IT outsourcing, como são chamados, são vendidos em pacotes de serviços
padronizados, com resultados previstos, e por meio de projetos adaptados as demandas das
empresas contratantes. “Ondas sucessivas de tecnologia alimentaram essa tendência, e a tarefa
de identificar corretamente as tecnologias emergentes tornou-se um dos desafios estratégicos
mais importantes para qualquer empresa de consultoria” (CZERNIAWSKA, 2001, p. 42 –
Tradução livre).53
Com o advento da internet, mesmo as firmas de consultoria que se mantiveram fora da
área de TI nos anos anteriores, foram obrigadas a investir no setor. Se por um lado a
prospecção em TI permitiu o aparecimento de várias firmas de consultoria na área, a crise do
final dos anos 1970 disparou um processo de fusões e aquisições entre as principais firmas de
consultoria. Os pesados investimentos em P&D levaram algumas firmas a estabelecerem
parcerias estratégicas para o desenvolvimento de tecnologias que acabaram em processos de
compra e venda inter firmas. McDougald e Greenwood (2012) destacam ainda que a
concorrência e a necessidade de estarem presentes nas cidades mais importantes do mundo,
acompanhando assim os clientes já “multinacionalizados”, levaram as firmas a realizarem
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!53 “Successive waves of technology fuelled this trend, and the task of correctly identifying emerging technologies has become on of the most important strategic challenges facing any consulting firm” (CZERNIAWSKA, 2001, p. 42).
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78
redes de negócios complementares. A formação de redes permitia também a contratação de
mão de obra mais barata em outros países e regiões do mundo, dentro de uma tendência de
aprofundamento da separação entre países pobres e ricos, como foi analisado no capítulo
anterior. O acirramento da concorrência em âmbito internacional, as necessidades de maiores
investimentos em P&D e cortes de gastos em outras áreas iniciou um processo de fusão entre
grandes firmas de consultoria. Se até o final da década de 1980 a maior parte do mercado de
consultoria estava concentrado nas mãos das oito maiores empresas (Big Eight54), nos anos
1990 o controle deste mercado passou a estar nas mãos das cinco principais empresas (Big
Five). Neste processo, muitas consultorias locais e regionais também foram compradas pelas
firmas multinacionais.
Em 1985, a inglesa Urwick, Orr & Partners foi adquirida pela estadunidense Price
Waterhouse. No ano seguinte, a Peat Marwick Mitchel & CO fundiu-se com a Klynveld Main
Goerdeler (KMG) formando a Klynveld Peat Marwick Goerdeler (KMPG). Nos três anos que
se seguiram a fusão, a empresa ampliou os lucros em 44% com 127 escritórios espalhados
pelo mundo. De acordo com McGould e Greenwood (2012), o sucesso do primeiro negócio
realizado entre as Big Eight chamou a atenção dos concorrentes, sendo mais um motivo para
novas fusões. Em 1989, a Ernst & Whinney foi comprada pela Arthur Young, consolidando a
Ernst Young. No mesmo ano, a Delloite Haskins & Sells se juntou com a Touch Ross
resultando na Deloitte & Touche55. Em 1998, a Price Waterhouse se fundiu com a Coopers &
Lybrand, passando a chamar-se PricewaterhouseCoopers (PwC) (ver Quadro 2).
Um outro aspecto que impactou na configuração do mercado de consultoria foi a
divisão que surgiu no setor a partir da criação da Andersen Consulting, em 1989. Resultado
da divisão dos negócios da Arthur Andersen Co., a Andersen Consulting chegou ao mercado
como a maior empresa de consultoria do mundo. Ela tinha em seu quadro de pessoal cerca de
21.400 empregados e faturou no primeiro ano 1,6 bilhões (DONADONE, 2001, p. 24). A
nova firma fortaleceu e deu novos contornos à separação entre as consultorias em estratégia
de gestão e as Accounting firms. A instabilidade cambial e a subordinação do capital
produtivo ao capital financeiro são elementos estruturante do momento econômico pós 1970.
Neste sentido, o investimento no desenvolvimento e no uso das tecnologias da informação
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!54 As Big Eight eram então a Arthur Andersen, Arthur Young & CO, Coopers & Lybrand, Ernst & Whinney, Delloite Haskins & Sells, Peat Marwick Mitchel & CO, Price Waterhouse, e Touche Ross. Todas era originárias da área de consultoria e auditoria, contudo com o advento da telemática a classificação das área inter-firmas ficou cada vez mais difícil, ainda que muitas delas permaneçam classificando-se a partir dos negócios originários mas atuem fortemente também no setor de TI.!!55 Esse nome foi assumido apenas nos EUA. Na Europa e na Ásia, a firma assumiu o nome Deloitte Toss Tohmatsu (DRT) e permanceu utilizando a denominação Touch Ross no Reino Unido.
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79
foram essenciais para o controle e ampliação dos negócios. As Accounting firms basearam
sua estratégia na busca por soluções tecnológicas avançadas que subsidiassem as grandes
empresas e os grandes investidores institucionais no acompanhamento do mercado financeiro
e no controle das próprias atividades econômicas. Segundo Wood Jr. e Paula (2004), o
declínio da demanda por projetos de estratégia provocou um deslocamento no setor, fazendo
com que empresas como a PriceWaterhouse Coopers, a Ernst & Young e a KPMG passassem
a focar no setor de tecnologias de informação, após esse processo de fusões e aquisições. Quadro 2: Fusões das empresas de consultoria nos anos 1980 e 1990
Firmas Consultoras Fundidas Firma Resultante
Ernst & Ernst (1903) + Arthur Young & Co. (1906) Ernst & Young (1989)
Peat-Marwick (1911) + Klynveld-Goerdeler (1979) KPMG (1987)
Deloitte (1893) + Touche (1900) + Tohmatsu (1968) Deloitte & Touche (1989)
Pricewaterhouse (1865) + Coopers & Lybrand (1957) PriceWaterHouseCoopers (1998)
Fonte: Adaptado de Donadone, 2001.
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Gráfico 4: Crescimento das firmas multinacionais de consultoria entre 1980 e 1996
Fonte: DONADONE, 2001.
Outros aspectos centrais da retomada do crescimento das firmas de consultorias na
década de 1980, foram a prospecção e o incremento de modelos organizacionais flexíveis,
com a diversificação e a segmentação dos serviços para diversos setores; a ascensão do
neoliberalismo, que inaugurou um período sem precedentes de desregulamentação e
privatização dos serviços públicos e da economia; e o surgimento de um regime de
acumulação sob dominância financeira, em que o setor produtivo passa a estar subordinado às
necessidades do mercado financeiro. No primeiro caso, a necessidade de flexibilização da
produção gerou um corrida por conhecer e adaptar os modelos gerenciais adotados no Japão e
!
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80
nos demais países asiáticos, então tidos como produtivamente superiores aos estadunidenses.
Além disso, as consultoras ampliaram seus portfólios com o intuito de atender empresas de
diversas áreas, prometendo um conhecimento específico e um produto adaptado às
necessidades de cada setor e departamento. Para perpetuar seus negócios, as firmas passaram
a criar, incrementar e adaptar continuamente seus produtos e soluções, sobretudo aqueles com
base em sistemas de informática, de modo que as empresas estabelecessem contratos
contínuos de modo a não perder a atualização dos modelos e tornarem-se defasadas em
relação aos concorrentes, além de chamar a atenção de potenciais novos clientes. É
importante destacar que os sistemas e soluções inventados por cada firma são considerados
por elas bens intangíveis e são patenteados, sendo portanto indispensável o pagamento para o
seu uso e criminalizados aqueles que os piratearem. Esse processo de atualização constante
impôs uma intensificação do ritmo da inovação no setor de consultoria, abrindo uma onda de
modismos e manias (fashions and fads) no uso de modelos de gerenciamento cada vez mais
efêmeros. No setor público, a chegada de governos conservadores ao poder estreitou a relação
entre Estado e consultores, contratando-os para trabalhar na gestão administrativa e na
implementação de políticas públicas, sobretudo no que diz respeito à prestação dos serviços
públicos por meio das privatizações. Adiante, serão retomadas as análises sobre os dois casos.
A desregulamentação das finanças, a descompartimentalização e a desintermediação
bancária deram uma grande profundidade ao sistema financeiro e ampliaram o número e os
tipos de transação, bem como permitiram que inúmeros atores econômicos passassem a atuar
nele. As FMC passaram então a entrar neste setor avaliando e “aconselhando” os grupos e
instituições financeiras no acompanhamento e execução das transações econômicas e nos
processos de fusão e aquisição. A subordinação do setor produtivo à lógica do capital
financeiro lançou as firmas de estratégia e gerenciamento no seio do mercado financeiro,
obrigando-as a entender, acompanhar e emitir pareceres na efetivação das transações com o
intuito de “criar valor” aos papéis e produtos das empresas que fazem parte de um
determinado grupo econômico. As firmas de consultoria assumem assim o duplo papel de
“consultor/administrador industrial” e “consultor/administrador financeiro”, passando a
conciliar as duas funções em prol da valorização financeira. É importante lembrar que, já em
seu nascedouro, as firmas de consultoria em auditoria e contabilidade eram utilizadas pelos
bancos como instituições intermediárias de avaliação no processo de concessão de
empréstimos às empresas e no acompanhamento da gestão das empresas. Os bancos
contratavam os serviços a consultores conhecidos ou os realizavam diretamente. Mesmo com
a atuação dos consultores, a euforia que tomou conta do da economia estadunidense nos anos
!
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81
1920 levou a uma forte especulação no mercado financeiro que culminou com a crise a crise
de 1929, devido à incapacidade do setor produtivo de cumprir as promessas de valorização. A
promulgação do Glass-Steagall Banking Act e a criação da SEC em 1933, além de separar os
bancos comerciais e de investimento, adotaram medidas que visavam dotar as firmas de
consultoria de maior independência e transparência. Apesar da regulamentação, a
imparcialidade e a independência das consultorias em relação aos seus clientes sempre foi
algo problemático no mercado financeiro; afinal os serviços são prestados mediante
pagamento por uma das partes. O processo de desregulamentação e financeirização do capital
pós-1970 impulsionou os bancos a questionarem os obstáculos que separavam a banca
comercial dos demais serviços financeiros. Na década seguinte, os entes reguladores
iniciaram um processo de flexibilização da lei e em 1999, durante o governo Clinton, o
Baking Act foi completamente revogado. No que diz respeito às firmas de consultoria, as
únicas restrições até então existentes foram retiradas. Há uma contradição implícita entre agir como um cão de guarda para os investidores e um conselheiro para os administradores. Os primeiros sinais dessa tensão surgiram nos tempos economicamente difíceis da década de 1970. Algumas das perdas mais espetaculares ocorreram em empresas que prosperaram em 1960 - conglomerados, empresas de computadores, empresas de eletrônicos e franqueadores. Os elaboradores de políticas e os furiosos investidores buscaram uma conexão entre os relatórios financeiros defeituosos e o colapso dos negócios, e havia uma preocupação que os contadores públicos não eram suficientemente independentes e estavam se tornando “partícipes internos do jogo corporativo dos negócios globais” (MCDOUGALD & GREENWOOD, 2012, p. 96 – Tradução livre)56.
A retirada das restrições em relação à independência das consultorias, a
desregulamentação financeira e a importância da valorização das empresas junto no mercado
financeiro tornaram ainda mais problemática a atuação das firmas de consultoria. Na verdade,
ao estarem atreladas a determinado grupo econômico elas agem no sentido de ampliar a
valorização dos “papéis” dos contratantes dentro das inconstâncias e riscos típicos do
mercado financeiro. As altas somas e a falta de transparência nos contratos permitem que o
cliente consiga captar a contratada para atuar em acordo com seus interesses. McDougald e
Greenwood (2012) salientam que, em 2001, a rede Marriot International Hotel pagou a
Arthur Andersen, por serviços de auditoria, o valor de um milhão de dólares e mais $ 30,3
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!56 There is an implicit contradiciton between acting as a watchdog for investors, and as an advisor to managers. Early signs of this tension arose in the economically difficult times of the 1970s. Some of the most spectacular losses ocurred in companies that had prospered en the 1960s – conglomerates, computer leasing companies, electronic companies, and franchisers. Policy-markers and angry investors sought a connection between faulty financial reporting and business colapse, and there was concern that public accountants were insufficiently independent and were becoming ‘inside players in the corporate global business game’ (MCDOUGALD & GREENWOOD, 2012, p. 96). !
!
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milhões por “outros serviços”. No mesmo ano, a Motorola contratou a KMPG para uma
auditoria por $ 3,9 milhões e acrescentou $ 62,2 milhões para prestação de “outros serviços”.
O começo dos anos 2000 foi marcado por um alguns escândalos envolvendo grandes
empresas e suas consultoras em auditoria, entre eles está o colapso da Enron, subsidiária do
setor energia elétrica dos EUA e então sétima maior empresa do país de acordo com a revista
Fortune. Em outubro de 2011, a Enron anunciou um prejuízo líquido de $ 618 milhões no
terceiro trimestre. A SEC designou uma comissão para investigar as operações da empresa e
ficou constatado que a Enron adulterou seus balancetes mostrando lucros não existentes e
escondendo os prejuízos. Para financiar a continuação das suas atividades, a empresa contraiu
diversos empréstimos. Para esconder as dívidas e canalizar os prejuízos, foram criados fundos
privados falsos. Embora tenha negado inicialmente, a Arthur Andersen admitiu ter
conhecimento da fraude e confessou ter destruído os documentos da auditoria. A falência da
Enron deixou uma dívida de cerca de $15 bilhões, grande parte dela devidas a bancos como
JP Morgan e o Citigroup. “O colapso da Eron, os escândalos financeiros na Worldcom, Tyco,
Global Crossing, e outras, e o desaparecimento da Arthur Andersen, suscitaram, mais uma
vez, questionamentos sobre a independência dos auditores nos Programas de
Desenvolvimento Gerencial (PDGs)” (Idem, p. 109 – Tradução livre)57.
Em resposta ao caso, em julho de 2002, o Congresso estadunidense aprovou o
Sarbanes-Oxley Act com o intuito de “proteger os investidores, melhorando a precisão e
confiabilidade das divulgações corporativas”. Entre as medidas previstas, o regulamento
proíbe a mesma firma de prover simultaneamente para o mesmo cliente serviços de gestão e
auditoria. No mesmo ano de promulgação da lei, a Worldcom, então segunda maior
companhia telefônica de longa distância dos EUA, pediu concordata após admitir que alterou
seus balanços. Na época, a KPMG auditava as contas da empresa. De modo geral, as
desconfianças e os escândalos não causaram redução na contração das firmas de consultoria.
O mercado financeiro ainda demostra ter maior confiança nos negócios de empresas auditadas
por grandes firmas, sendo o segundo setor que mais emprega o uso de firmas de consultoria,
ficando atrás apenas da exploração de recursos naturais!
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!57 “The colapse of Eron, the financial scandals at Worldcom, Tyco, Global Crossing, and others, and the demise of Arthur Andersen, raised, once again, questions about the independence of auditors in MDPs” (Idem, p. 109)
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83
Gráfico 5: Principais usuários finais da consultorias globais em gestão - 2007
Fonte: GROSS, Andrew; POOR, Jozsef. (2008).
Mesmo com as crises e as tentativas tardias de regular a atuação das consultoras, o
processo de reestruturação capitalista iniciado nos anos 1970, teve um impacto positivo nos
negócios de consultoria. Segundo Galal, Richter e Wendlandt (2012), em 1992, os lucros das
firmas de consultoria em gerenciamento ultrapassaram os ganhos dos serviços de auditoria.
Na década de 1980 este setor cresceu duas vezes mais rápido que a economia internacional e
por volta da metade da década ocupava pelo menos 100 mil pessoas em tempo integral. Em
1992, o lucro destas firmas foi de 28.2 bilhões de dólares, passando para 102 bilhões em 1999
e alcançando o valor de 133.5 bilhões em 2010. Grande parte destes recursos são proveniente
da venda de produtos e soluções em TI (KIPPING & CLARK, 201258). De acordo com
Curnow e Reuvid (2001), no começo dos anos 2000 o mercado mundial estava mundialmente
dividido da seguinte forma: 40% da demanda estava nos EUA, 11% no Reino Unido, 14% na
Europa Ocidental e 35% no resto do mundo. Esta última categoria inclui o leste e o centro da
Europa, os países do Pacífico Asiático, a América Latina e África59.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!58 A partir de dados disponibilizados por Kubr (2012). 59 Os dados apresentados pelos autores são originalmente da Calvert Makham CST.
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84
Gráfico 6: Receita Global das consultorias em gestão !
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! Fonte:!Kennedy!Information!
##!Quadro 3: Dez maiores firmas de consultoria por receitas em 2006
Colocação Firma Receitas (milhões de dólares)
1 IBM Global Business Services 13,209
2 Accenture 9,892
3 Deloitte 8,848
4 CSC 7,440
5 Fujitsu 7,091
6 NTT Data 6,803
7 CapGemini 5,434
8 KMPG International 5,280
9 McKinsey & CO 4,016
10 Lockheed Martin 3,978
Fonte: Consultant News, 22 de junho de 2007. !
Os escritórios das firmas multinacionais de consultoria, em geral, estão localizados
nos principais centros de negócios de cada país ou região, uma vez que eles são também pólos
de inovação tecnológica. Além de acompanhar o processo inovativo, a concentração deve-se à
necessidade de estar próximo dos grandes e potenciais clientes e dos maiores prestadores de
serviços, permitindo ainda uma maior troca informal de informações entre consultores e
firmas concorrentes.
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85
3.3.2 Atuando na Restruturação Produtiva
O acirramento da concorrência intercapitalista em âmbito internacional e a
consequente necessidade de reduzir os custos de produção fizeram com que as empresas
procurassem modelos mais flexíveis de produção, adaptando-os as necessidades e demandas
de cada cliente. De acordo com Kipping (2001), a chegada de novos competidores com
estruturas organizacionais mais enxutas e mais focadas, em geral, trazidas do Japão e de
outros países asiáticos, assim como a expansão do mercado financeiro globalizado, levaram as
companhias a procurar tais estruturas mais enxutas. Além disso, com a complexificação das
grandes empresas e a subordinação as bancas financeiras, os gerentes passaram a focar mais
na cadeia de valor e nas relações internas e externas da empresas que na organização
administrativa e burocrática.
Na busca para aprofundar seus conhecimentos sobre o método toyotista, a BCG criou,
no ano de 1966, em Tokyo, o seu primeiro escritório fora dos EUA. A McKinsey,
acompanhando a tendência, chegou ao Japão em 1971. Como destaca Donadone (2001), as
novidades oriundas do arquipélago abriram novas frentes de atuação para as consultoras,
sobretudo no que concerne à aplicação e adaptação dos Círculos de Controle de Qualidade
(CCQs). Foi a partir dessa discussão que as consultoras passaram então a focar seus trabalhos,
durante o decorrer dos anos 1980, na venda de pacotes gerenciais assentados nas chamadas
“Filosofias da Qualidade”, como por exemplo, o TQM (Total Quality Management).
Dessa maneira, na segunda metade dos anos 1970 e durante a década e 1980, a atuação
das FMC de gestão foi ampliada não apenas no âmbito do Estado; elas tornaram-se também
os principais centros de difusão e adaptação dos modelos flexíveis de produção, aproveitando
a substancial adaptabilidade do sistema às realidades regionais e locais (DONADONE, 2001;
MCKENNA, 2006; COLE, 1998). Como destacam Lipietz (1991) e Gounet (1999), a
implantação de um modelo de produção não impacta somente nas rotinas de trabalho e na
produtividade das fábricas, mas engendra e necessita, para desenvolver-se plenamente, de um
modo de regulação apropriado. O “ohnismo” estabeleceu as bases para uma outra organização
do trabalho e serviu ao novo modelo de desenvolvimento do capitalismo. A ascensão do
neoliberalismo, inclusive, em certa medida, no Japão no começo dos anos 1980, vai dar maior
propulsão às potencialidades do toyotismo, seja solapando o poder dos sindicatos de classe,
seja negativando a intervenção do Estado nas relações trabalhistas, nos gastos sociais e na
regulamentação da atividade comercial.
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86
Em plena crise dos anos 1980, as firmas de consultoria reposicionaram-se no mercado
procurando criar novas maneiras e áreas de atuação. Como consequência da criação de novas
frentes de trabalho, após o início dos anos 1990 observou-se o início de um período de forte
crescimento dos negócios em consultoria. O reposicionamento e a expansão do setor esteve
assentado em três aspectos principais: 1) a venda de pacotes gerenciais baseados em
modismos e tendências da época, criados pelos chamados gurus gerenciais; 2) o novo
mercado gerado com uso das avançadas tecnologias da informação e comunicação surgidas
após a década de 1970, como os microcomputadores (PCs), os softwares60, os microchips e,
sobretudo, a internet; 3) a ascensão do neoliberalismo levou a um processo amplo de
privatização, criando novos espaços de atuação para as consultoras tanto no âmbito do Estado,
como no setor privado.
Percebendo que a aplicação das funcionalidades de modelos puros de produção levava
rapidamente à saturação do mercado, como aconteceu com as descentralizações e com a
venda do modelo multidivisional, as firmas procuraram se especializar em técnicas
específicas, formuladas, principalmente, nas bussiness school. Aquelas eram constantemente
adaptadas e reinventadas, de modo que as novidades pudessem resultar em novos contratos.
Se as metodologias de Gestão da Qualidade e os pacotes gerenciais foram os principais
produtos da década de 1980, nos anos 1990 foi a vez da ascensão dos chamados processos de
reengenharia. As novidades passaram a ser contadas em artigos, revistas específicas e livros,
que muitas vezes viravam best-sellers e legitimaram os seus autores como gurus gerenciais.
Conforme explica Donadone (2001), uma das principais ideias difundidas pela reengenharia,
o Downsinzing, representou significativas mudanças nas estruturas organizacionais. A
perspectiva é baseada no “achatamento da pirâmide de posições, cortes de funções, em alguns
casos departamentos inteiros, e terceirizações” (Idem, p. 29). Ou seja, a externalização das
atividades por meio de terceirizações e subcontratacões, possíveis graças à flexibilização das
leis trabalhistas.
É a partir das medidas de externalização que a empresa pode ter um núcleo duro de
trabalhadores registrados e outro grupo de trabalhadores temporários, por meio das
terceirizações, subcontratações, cooperativas de trabalho, e redes de fornecedores e
subcontratados (SANTOS, 2007). Este aspecto, somado a decomposição da grande indústria
e a formação de unidades elementares semi-autônomas constituem os principais aspectos da
firma-rede. De modo geral, é este o modelo produtivo do momento que Harvey (2007)
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!60 Possibilitado graças aos Controles Númericos Computadorizados (CNC), que permitiam que a programação fosse realizada no painel de controle dos PCs.
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87
denominou de acumulação flexível, baseada na flexibilização dos processos e dos mercados
de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. O modelo produtivo maleável permite
atender rapidamente as demandas do mercado, a segmentação dos produtos, a redução dos
custos de produção por meio do atendimento sob demanda, da redução dos salários e da
precarização do trabalho, além de garantir a manutenção de um nível razoável de mão-de-obra
excedente e o enfraquecimento dos sindicatos.
Um segundo aspecto das mudanças que impactaram o mercado de aconselhamento foi
a utilização da telemática. A aplicação dessas tecnologias no gerenciamento empresarial e no
processo de produção abriram um novo mercado para as firmas consultoras. Com a
desregulamentação do mercado e a financeirização da economia, a teleinformática passou a
ser essencial para que as instituições financeiras e as indústrias pudessem controlar o rápido
fluxo de informações, produtos e capitais. Como destaca Chesnais (1996), diante do quadro
de abertura dos mercados e do surgimento da programação por computadores, os grupos
empresariais puderam reorganizar as modalidades de sua internacionalização. No nível da
produção, a telemática subsidiou uma organização eficiente da firma-rede, dando maior
flexibilidade aos processos de produção, permitindo a redução de estoques dos produtos
intermediários; a redução dos estoques de produtos acabados; o encurtamento do prazo de
entrega e do tempo de faturamento; a diminuição dos capitais de giro; além do uso de meios
eletrônicos nas vendas.
Contudo, a questão central que subjaz as mudanças operacionais e organizacionais
acima descritas é a gestão do conhecimento, uma vez que a flexibilização diz respeito à
capacidade de dar respostas imediatas e eficientes as demandas de um mercado instável e que
exige um processo constante de inovação e renovação de produtos. Afinal, para além do uso
das TIC na comercialização os produtos, é por meio do processo de atualização constante que
as marcas e as indústrias conseguem alavancar suas ações no mercado financeiro. Portanto, o
desafio que se impõe aos novos modelos gerenciais é a maximização da subsunção real do
trabalhador em um ambiente organizacional, virtual ou físico, que fomente a produção do
conhecimento tácito e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas capazes de codificar e
armazenar o conhecimento produzido.
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3.3.3 Firmas de Consultoria e Gestão do Conhecimento
Para atender as punções de um regime de acumulação sob dominância financeira ou
de acumulação flexível, no qual “a estética relativamente estável do modernismo fordista
cedeu lugar a todo fermento, instabilidade e qualidade fugidias de uma estética pós-moderna
que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação61 de formas
culturais” (HARVEY, 2007, p. 148), a inovação é um elemento central, pois permite que as
grandes empresas possam atualizar e oferecer novos produtos de forma periódica. Mas, para
que haja um “espaço” inovador faz-se mister um lugar propício à produção intelectual do
trabalhador e meios capazes de codificar e armazenar o conhecimento produzido.
A gestão do conhecimento é o principal recurso das firmas de consultoria na
atualidade, seja no âmbito interno ou externo. Para além de vender modelos gerenciais
adaptados, em certa medida, às necessidades de cada empresa, a prestação dos serviços de
consultoria e a sobrevivência dos seus negócios dependem também da elaboração e
atualização constante dos modelos gerenciais e dos seus produtos, de modo que eles
subsidiem o processo e a produção de inovação em antecipação as mudanças do mercado
(WOOD, 2002). O atendimento às demandas de cada empresa depende de um processo
intensivo de produção intelectual e de conhecimento acumulado, que provém dos casos
atendidos que compõe o portfólio da consultora. É com base na reputação, nas relações
pessoais dos consultores e na lista de clientes atendidos que as FMC podem estabelecer o
valor do seu serviço. De acordo com Kipping e Clark (2012), alguns pesquisadores da área de
negócios apontam as consultorias como as principais fontes de produção intelectual sobre
gerenciamento das organizações. Em 1957, na obra The Landmarks of Tomorow, Peter
Drucker chamou os consultores de “trabalhadores do conhecimento” (knowledge worker) a
partir da ascensão de uma economia em que o conhecimento e as habilidades intelectuais
tornaram-se a principal fonte da vantagem competitiva62. Wood (2002) classificou o serviço
de consultoria como um dos principais serviços de conhecimento intensivo (knowlege-
intensive service – KIS). Assim, os investimentos, a organização e as estratégias das
consultorias estão, principalmente, focadas no processo produção e gestão do conhecimento,
pois é neste aspecto que elas competem.
Werr (2012) entende a gestão do conhecimento como “um conjunto de processos de
negócios que visa criar, armazenar e transferir conhecimento a fim de criar uma mudança
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!61 O termo utilizado pelo autor no original, em inglês é commodification. 62 DRUCKER, Peter. The Landmarks of Tomorow. New York: Harper, 1957.!
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competitiva” (WERR, 2012, p. 249 – Tradução livre)63. Isto envolve o compartilhamento e a
disseminação do conhecimento, a partir do conhecimento prévio e da capacidade de criação
do trabalhador, para alavancar a competividade e o resultado dos negócios. A gestão do saber
abarca processos de aprendizagem organizacional e captura do conhecimento, assim como
produção e codificação, e distribuição e transferência do mesmo.
De acordo com Werr (2012), as firmas de consultoria devem ser entendidas como um
sistema de produção do conhecimento composto por três tipos deste: as experiências dos
consultores (conhecimento tácito); as metodologias gerais e específicas disponíveis na
organização consultora; e o material codificado sobre os casos específicos atendidos pela
firma. As experiências tácitas dos consultores são centrais para a aplicação do conhecimento explícito armazenado em bancos de dados de empresas que fornecem a base para a adaptação do conhecimento em uma situação específica posterior. No entanto, o conhecimento explícito na forma de métodos, ferramentas e casos também é importante. Os métodos e ferramentas fornecem uma linguagem comum que permite aos consultores compartilhar e aplicar as suas experiências tácitas em ação conjunta, bem como o acessar e entender os casos de clientes de outros consultores nas bases de dados (WERR, 2012, p. 257 – Tradução livre)64.
Uma pesquisa realizada por Werr (2002) em duas firmas de consultoria da Suécia,
sendo uma regional e de pequeno porte e a outra de grande porte e internacional, mostrou que
a hierarquia a partir da senioridade dos consultores é fundamental no processo de produção do
conhecimento na firma multinacional, sendo que esta procura estabelecer formas e
procedimentos de trabalhar de modo a acumular e codificar o conhecimento produzidos nas
diversas experiências. Assim, a principal atividade do consultor sênior é adaptar a perspectiva
padrão a cada situação específica e passar o conhecimento e dialogar com os consultores
juniores na busca por novas soluções. Além disso, observou-se um esforço para disponibilizar
o conhecimento acumulado por toda empresa, por meio da construção de formas de
compartilhamento, como grandes bancos de dados e espaços virtuais e presenciais de
interação.
No trabalho de 2012, Werr destaca ainda que a produção do conhecimento nas firmas
de consultoria é algo complexo e envolve aspectos técnicos, estruturais, culturais e sociais,
como: sistemas de TIC, responsáveis por armazenar e transferir o conhecimento codificado, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!63 “a set of business processes aimed at creating, storing, and transferring knowledge in order to create a competitive change” (WERR, 2012, p. 249). 64 “The tacit experiences of consultants are argued to be central to the application of the explicit knowledge stored in the company databases as they provide the basis for the adaptation of the later knowledge to the specific situation at hand. However, the explicit knowledge in the form of methods and tools and cases is also important. The methods and tools provide a common language that enables consultants to share and apply their tacit experiences in joint action as well as access and understand other consultants’ client cases in the databases” (WERR, 2012, p. 257).
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90
bem como potencializar formas de comunicação e interação no sentido de fomentar e
compartilhar a produção de conhecimento tácito; estruturas de incentivo e recompensa;
processo de negócios que visem tornar o compartilhamento de conhecimento intra-firma algo
rotineiro; papéis e estruturas bem definidas; cultura organizacional de compartilhamento;
linguagem comum; relações de poder e competição; e comportamento gerencial.
É importante ainda destacar que a produção do conhecimento no âmbito das firmas de
consultoria é uma atividade associativa ou simbiótica e depende do relacionamento entre
prestadores de serviço e clientes. Para atender uma demanda, os consultores argumentam que
precisam conhecer profundamente a realidade da empresa contratante, de modo que, em geral,
as atividades se iniciam com a prospecção sobre a empresa. Além do acesso aos dados, os
consultores tem acesso aos trabalhadores da empresa de modo que, por meio de espaços de
diálogo, conseguem assimilar o conhecimento daquele trabalhador sobre a empresa e sobre as
atividades que desenvolvem. É partir desta relação que as firmas de consultoria absorvem
todo o conhecimento produzido, bem como os possíveis problemas, e a partir do estudo de
outros casos e da experiência acumulada é que a contratada propõe possíveis soluções.
Portanto, este processo abarca algumas etapas: acesso aos dados da empresa; espaço de
diálogo com os trabalhadores, onde a absorção dos problemas e do conhecimento produzido
pelos trabalhadores são o objetivo; codificação e armazenamento do conhecimento absolvido
nesses espaços de diálogos; pesquisa sobre outros casos; análise das metodologias
conhecidas; momento de diálogo intra-firma onde o caso em análise é apresentado e são
discutidas possíveis soluções; formatação e proposição de uma ou várias “soluções”.
É interessante perceber que o principal recurso da atuação das firmas de consultoria
em gestão vem, em grande medida, do conhecimento produzido no próprio interior da
empresa contratante e da subsunção tácita do conhecimento dos trabalhadores. É este acúmulo
de conhecimento, informações e experiência e a capacidade dos consultores de reorganizá-los
e aplicá-los que tornam a contratação das firmas de consultoria um suposto diferencial na
concorrência. Afinal, como afirma Wood (2002), o conhecimento e a informação tem pouco
valor se não forem aplicados para um determinado fim. Para o autor, o crescimento das firmas
de consultoria é, em grande parte, explicado pelo desenvolvimento de uma “economia da
informação” em que o controle e a troca de informação tem se tornado o recurso
predominante do valor adicionado.
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91
3.3.4 Consultoria, Informação e Inovação
Desde seu surgimento no final do século XIX, o principal produto oferecido pelas
firmas de consultoria e seus consultores foi o tratamento da informação para ampliar a
realização do capital, seja no nível do processo de subsunção real do trabalho ou no âmbito da
concorrência. A II Revolução Industrial e o advento dos métodos tayloristas consolidaram o
processo iniciado na I Revolução de separação entre trabalho manual e intelectual, por meio
do contínuo parcelamento das atividades produtivas65. Este processo permitiu ao empresário
retirar das mãos do trabalhador suas ferramentas de trabalho e acoplá-las em máquinas, a
partir do estudo dos movimentos realizados nas atividades de produção. Na ótica das relações
sociais do capitalista, “esta é uma passagem fundamental, pois um conjunto de informações
sobre o processo de trabalho começou a se incorporar em mecanismos móveis, isto é, nas
máquinas, cristalizando-se sob a forma social de capital fixo” (TAUILLE, 1981, p. 92).
Conforme explica Tauille (1981), o parcelamento das atividades de produção
multiplicou as unidades geradoras de informações no âmbito da fábrica, uma vez que, para
que o todo se completasse no final, eram necessários a supervisão, o controle e o
gerenciamento dos diversos momentos da produção. Assim, instaura-se uma estrutura
verticalizada e hierarquizada da divisão do trabalho e há um descolamento do trabalho manual
do intelectual. “Nitidamente, passou a haver uma tendência de se pensar o processo de
produção ‘de fora’ dele, surgindo aos poucos as engenharias de produto e processo” (Idem, p.
93), que vai culminar com a chegada da chamada “administração científica do trabalho” de
Taylor. A criação das engenharias e o advento do taylorismo e dos seus aperfeiçoamentos
abriram um campo dos serviços de consultoria, inicialmente prestado de forma individual por
engenheiros, que nos anos seguintes, como já visto, criaram suas firmas, a exemplo de
Harrigton Emerson e Charles Bedaux. De modo geral, as firmas consultoras procuraram
aperfeiçoar os sistemas produtivos de forma a ampliar a capacidade de produção e a eficiência
na relação trabalhador-máquina, retirando cada vez mais do trabalhador o conhecimento no
que diz respeito à produção. Foram criadas e vendidas por consultores diversas técnicas e
ferramentas capazes de calcular tempos padrões de trabalho para tarefas com base nos
elementos básicos dos movimentos previstos, bem como “aperfeiçoados” uso do tempo e as
normas de esforço nos espaços de manufatura, como as desenvolvidas por Harold Maynard e
George May.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!65 Uma análise representativa deste processo é o caso da fábrica de alfinetes narrada por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”.
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Se, por um lado, foram criadas estruturas administrativas capazes de compatibilizar o
processo produtivo por meio da coleta e organização sistemática das informações dispersas,
por outro, como também salienta Tauille (1981), a natureza dos grandes investimentos em
capital fixo exigia uma minuciosa diferenciação entre os custos de construção e custos de
operação com o intuito de avaliar a depreciação e, no caso das ferrovias, para calcular os
custos envolvidos no tráfego do trem em relação ao percurso. De acordo com o pesquisador,
este é o início da moderna contabilidade de custos, decorrente das “necessidades ditadas pelo
enorme volume de negócios, multiplicados pelos diversos estágios de produção e distribuição
no interior de um imenso espaço geográfico” (Idem, p. 95)66. Mais uma vez, a extração,
avaliação e gestão de informações relevantes do processo produtivo serão a “porta de entrada”
para a atuação das consultorias. No caso dos EUA, sobretudo após aprovação da décima sexta
emenda da constituição estadunidense, que autorizou o governo a lançar e arrecadar impostos
sobre a renda, seja qual for a procedência desta. Com a criação da figura das Sociedades
Anônimas e a submissão do setor produtivo ao capital bancário (financeiro) criaram-se novos
fluxos de informações que vão dar rumo à capacidade do crescimento da indústria e,
consequentemente, da economia. É para atuar neste âmbito que surgem as firmas de
consultoria em auditoria e contabilidade, muitas vezes, dentro dos próprios bancos.
De acordo com Bolaño (2000), o movimento de racionalização e burocratização do
processo de trabalho é, entre outras coisas, um movimento de construção de uma base
comunicativa para o capital em seu processo de valorização. Ao separar o trabalho manual do
trabalho intelectual e ao subordinar os trabalhadores a uma administração burocratizada, a
informação assume forma de ordem sobre ritmo, método e organização, assumindo assim sua
forma especificamente capitalista no âmbito do processo do trabalho: Informação unidirecional, organizada de acordo com as necessidades da acumulação do capital, que é a base de toda a ‘ciência da administração’, iniciada com o taylorismo e que, independentemente dos avanços incorporados posteriormente com base na aplicação dos conhecimentos desenvolvidos pela psicologia e sociologia acadêmicas, não tem como negar seu caráter de dominação e poder (BOLAÑO, 2000, p. 42).
Assim, subordinado pela relação salarial, o trabalhador torna-se receptor no
processo comunicativo, de modo a fazer que as determinações da burocracia da empresa
capitalista passem ao interior do processo produtivo, reiterando a relação de dominação entre
capital e trabalho. Isto só foi possível graças ao processo de apropriação do conhecimento dos
artesões e à sua consolidação em capital fixo e sistemas de gerenciamento, ao qual Bolaño !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!66 O autor refere-se aqui aos EUA e ao processo de interiorização, do qual a construção das ferrovias foram uma marco.
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(2000) denomina de acumulação primitiva de conhecimento. Esse conhecimento acumulado
somado ao desenvolvimento das ciências físicas e naturais permitem a revolução permanente
das forças produtivas capitalistas. Nesse nível, a informação ganha uma outra dimensão
vinculada à concorrência capitalista. O controle de informações estratégicas torna-a uma
mercadoria que pode ser intercambiada em um mercado específico, muitas vezes inclusive em
segredo, adquirindo contornos de uma mercadoria de alto valor monetário que só se tem
acesso por meio de tráfico de informações ou espionagem industrial. O interessante nesse movimento histórico que se inicia com a acumulação primitiva de conhecimento é que, a partir dele, ocorre uma bifurcação em que se constituem dois tipos básicos de informação: uma ligada diretamente ao processo de produção de mercadorias e, que, no entanto, não é ela própria mercadoria, mas comunicação direta e hierarquizada, cooperativa, objetiva e não mediatizada e outra que se agrega como mais um insumo ao processo produtivo e que, controlada pelo corpo técnico e burocrático da empresa capitalista, é sempre, efetiva ou potencialmente, MERCADORIA-INFORMAÇÃO (IDEM, p. 47).
É o tratamento, a acumulação e a transferência desses dois tipos de informação para
um determinado fim que constituem a atividade principal das consultorias. O
desenvolvimento de sistemas de (re)engenharia ou de gerenciamento visa ampliar, aos limites
possíveis, a subsunção real do trabalho, por meio do controle dos movimentos de trabalho e
do desenvolvimento de tecnologias (capital fixo). Por outro lado, o acesso e o controle de
informações privilegiadas provenientes das diversas instituições para as quais atuam e o
conhecimento acumulado tornam-se os principais recursos dos portfólios. Como afirma Wood
(2002), os consumidores de consultoria pagam primordialmente pela informação, que
geralmente vem associada ao conhecimento requerido para sua aplicação. Não é por acaso
que, nas perspectiva das firmas consultoras, para que se chegue a uma possível solução ou
desenvolvimento de um produto em acordo com as necessidades específicas da empresa-
cliente é necessário uma relação muito próxima, ou quase simbiótica, entre consultor e
contratante. Quanto mais conhecimento acumulado por meio de experiências em setores
distintos tiver uma consultoria, mais ela será reconhecida no mercado. Este trânsito inter-
empresa e intersetores representa um maior acúmulo de informações de modo que, ao
contratar a consultora, há a possibilidade de uma empresa se igualar as demais no nível da
concorrência no que diz respeito ao controle de informações e do conhecimento estratégicos.
As interligações entre os grandes complexos de capital fixo consolidou o que Tauille
(1981) denominou de megassistemas de informação, ao qual se somou o desenvolvimento do
telégrafo, do rádio, das telecomunicações, que, por sua vez, vão subsidiar a
internacionalização do comércio, da produção e das finanças graças à sua capacidade de
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armazenamento e processamento rápido de informações. O surgimento da eletrônica e da
teleinformática (ou telemática), frente às necessidades impostas pela concorrência, permitiu
uma nova etapa “no processo de apropriação do conhecimento dos trabalhadores pelo capital
e sua cristalização em elementos de capital fixo, transferindo para o domínio do capital
informações que antes pertenciam aos trabalhadores (BOLAÑO, 2000, p. 49). Contudo,
“agora o conjunto das informações transferidas são explicitamente expressas por atividades
mentais (trabalho intelectual), sejam elas criativas (cálculos científicos, engenharia, etc.) ou
pré-programadas (contabilidade, serviços de escritório, etc,)” (TAUILLE, 1981, p. 103).
O desenvolvimento das TIC e das redes telemáticas tem levado a um processo de
apagamento das fronteiras entre trabalho manual e intelectual, em um processo que visa a
intelectualização do trabalhador com foco na extração e codificação das suas energias, de
modo a alimentar a constante adaptação e criação de modelos de gerenciamento e de produtos
que gerem novos ciclos de consumo, permitindo assim a expansão e a valorização dos
negócios das marcas e das empresas no mercado financeiro. Com este intuito, as firmas de
consultoria tem focado na criação e adaptação de modelos gerenciais que subsidiem e
ampliem a capacidade de geração de conhecimento tácito, assim como no desenvolvimento de
ferramentas cada vez mais eficazes em prover a codificação do conhecimento produzido.
Estruturas flexíveis de produção e sistemas eficientes de comunicação visam ampliar e
fomentar o entrosamento e a troca de informações entre os trabalhadores, pois esse processo
de “socialização” permite um processo inovativo continuado, respondendo às demandas do
mercado de forma ágil.
Como destaca Wood (2002), o crescimento das consultorias nos últimos anos são
consequência das complexas mudanças comerciais, em um mercado cada vez mais
internacionalizado e inconstante, onde a inovação assume um papel central. Neste sentido,
desde os anos 1980 tem-se enfatizado os ciclos de produtos, baseados na recombinação de
características já conhecidas com pequenas novidades. Além disso, conforme também explica
Wood, durante o ciclo de vida de um produto o processo de inovação é contínuo. Enquanto o
negócio está crescendo o foco permanece no processo de inovação por meio de investimentos
em estratégia e gerenciamento de mudanças e incrementos. Como a inovação é a forma mais importante de obtenção de rendas de monopólio, e a aceleração dos ciclos de inovação e crescimento, quanto a intensidade do conhecimento na produção, têm se elevado. Como as atividades de imitação e inovação elevam o nível da concorrência, as empresas não podem mais explorar vantagens tecnológicas durante longos períodos e os ciclos de inovação tecnológica se tornam mais curtos. Corporações multinacionais ganham a maioria dos seus
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rendimentos anuais de produtos que possuem menos de cinco anos (ARMBRUSTER, 2006, p 58 – Tradução livre).67
O investimento em P&D é um dos principais potencializadores da inovação, mas,
como bem salienta Wood (2002), ele não atua sozinho. É necessário também a aquisição de
patentes externas, desenho e desenvolvimento de produtos, produção experimental (learn by
doing), treinamento continuado, análises de mercado e integração inter-organizacional. Assim
como a indústria de modo geral, ao identificarem sinergias sobre os serviços que
desenvolvem, as firmas de consultoria se unem para desenvolver determinado modelo
organizacional, ferramenta tecnológica ou produto. As alianças estratégicas, acordos de
produção, terceirização e redes de marketing são algumas outras alternativas para se
estabelecer esforços conjuntos em P&D, processo que acaba, muitas vezes, em fusão ou
aquisição. Contudo, não se trata de afirmar que as firmas de consultoria constituem o único ou
o principal centro de inovação; elas são muito mais, na verdade, catalisadores desse processo
pelo lugar privilegiado que ocupam entre as instituições capitalistas no processo de troca de
informações. Para Armbruster (2006), a capacidade inovativa de uma firma está diretamente
relacionada com a posição e a habilidade que ela tem para atuar em redes de negócios e
pesquisa, como por exemplo o Vale do Silício. Neste sentido, as firmas multinacionais de
consultoria tem mais força no processo de inovação que as firmas regionais e locais. A
capacidade de investimento em P&D e de estabelecer redes de negócios constituem uma
barreira à entrada as firmas regionais ou locais de menor porte. Estas são, não raro,
contratadas (ou compradas) pelas consultorias internacionais no intuito de prover
conhecimento local/regional para o atendimento de demandas específicas em determinados
países.
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3.4 As Firmas Multinacionais de consultoria como Intelectuais Orgânicos do
Capitalismo
Desde o surgimento das firmas de consultoria no final do século XIX até os dias
atuais, elas assumiram um papel de relevância no capitalismo que, ao longo dos anos, foi
sendo ampliado ao passo que seus lucros cresciam. Desde a primeira fase dos negócios, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!67 Since innovation is the most important way of obtaining monopoly rents, and acceleration of innovation cycles and a growth as knowledge intensity in production have emerged. Since imitation and innovation activities raise the level of competition, firms can no longer exploit technological advantage over long periods, and innovation cycles technological become shorter. Multinational corporations earn most of their annual revenues from products that are younger than five years (ARMBRUSTER, 2006, p 58).
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quando se dedicavam a desenvolver modelos que visavam aumentar a produtividade do
trabalhador no chão de fábrica e contabilizar os custos e gastos dos negócios de modo a
ampliar os lucros, passando pelo segundo momento, com a atuação no Estado e no papel que
elas assumiram na vitória dos países aliados durante a II Guerra Mundial, até o terceiro
momento, no qual elas expandiram seus negócios para as mais diversas áreas e foram atores
importantes no processo de reestruturação capitalista, o papel de intelectuais do capitalismo
que elas tem assumido tem se consolidado. Esta função ganhou força ao longo dos anos e,
para além do mercado, as firmas consultoras tem conquistado espaços importantes nas
universidades, nos meios de comunicação, no Estado e na política.
É possível compreender essa dinâmica com base na concepção gramsciana de
“estado ampliado”. A teoria do Estado em Gramsci apoia-se na descoberta dos “aparelhos
privados de hegemonia”, o que o levou a distinguir duas esferas essenciais no interior da
superestrutura, a sociedade política e a sociedade civil. Neste sentido, pode-se perceber uma
diferença importante entre o conceito de sociedade civil em Gramsci e na teoria marxista
clássica: enquanto esta identifica a sociedade civil como base material, com infra-estrutura
econômica, aquele entende que ela não pertence ao momento da estrutura, mas ao da
superestrutura (COUTINHO, 1989, p. 73). O Estado em Gramsci seria o resultado da soma e
equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil. Portanto, o Estado em sentido amplo “com novas determinações”, comporta duas esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de “Estado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”), que é formada pelo conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa) etc. (COUTINHO, 1989, p. 76).
Isto quer dizer que o Estado é junção de ditadura e hegemonia, embora cada um
tenha a sua materialidade institucional própria. Por meio da sociedade civil, as classes buscam
exercer sua hegemonia, isto é, difundir suas concepções e ganhar aliados mediante a direção
política e o consenso; já por meio da sociedade política é estabelecida uma ditadura, ou seja,
uma dominação mediante a coerção. Coutinho (1989) salienta que, para Gramsci, a esfera
ideológica, nas sociedades capitalistas avançadas, passou a ter uma autonomia material em
relação ao Estado propriamente dito. “Em outras palavras, a necessidade de conquistar o
consenso ativo e organizado como base para a dominação criou e/ou renovou determinadas
objetivações ou instituições sociais, que passaram a funcionar como portadores materiais
!
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específicos” (Ibidem, p. 77).
Para Gramsci a hegemonia ético-política é também econômica e tem seu fundamento
no papel decisivo que a classe dirigente exerce no núcleo essencial da atividade econômica.
Portelli (1977) explica que, para construir um bloco histórico, a estrutura e a superestrutura
desse bloco devem estar ligadas organicamente, pois a relação entre os dois momentos
determinantes é uma relação dialética. O vínculo orgânico entre estrutura e superestrutura,
essencial para a existência do bloco histórico, é realizado por grupos sociais que agem no
momento superestrutural (re)criando e reproduzindo a ideologia dominante por todo o corpo
social. São os intelectuais, ou como denomina Gramsci, os “funcionários da superestrutura”.
O caráter orgânico desses intelectuais é dado por seu vínculo estreito com as classes
dominantes do momento estrutural, ou seja, do nível econômico. Assim, os grupos
econômicos projetam seus intelectuais no âmbito da superestrutura de modo a garantir a
hegemonia frente aos grupos subordinados que não possuem a mesma capacidade de alçar
seus intelectuais no âmbito da superestrutura.
Gramsci (1991) explica que o surgimento do empresário moderno criou consigo uma
série de intelectuais: o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de
uma nova cultura, de um novo sistema jurídico etc. Assim, a atividade empresarial representa
uma elaboração superior, superestrutural, marcada por uma capacidade dirigente e técnica, ou
seja, intelectual. Os empresários – se não todos, pelo menos uma elite deles – devem possuir a
capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo seu complexo organismo de serviços,
inclusive no organismo estatal, em vista da necessidade de criar as condições mais favoráveis
à expansão da própria classe; ou pelo menos, devem possuir a capacidade de escolher os
“prepostos” (empregados especializados) a quem confiar esta atividade organizativa das
relações exteriores a fábrica (GRAMSCI, 1991, p. 4).
Para além do papel assumido durante os momentos de crise do capitalismo, como já
procuramos mostrar, ao longo dos anos, as firmas multinacionais de consultoria procuraram
se organizar e ampliar seu status de intelectuais do capitalismo, articulando-se também com a
as universidade, com a mídia e com partidos políticos.
Na década de 1950, alguns professores universitários passaram a atuar como
consultores, como foi o caso James O. McKinsey, que era professor da Booth School of
Business, da Universidade de Chicago, e deixou a academia para criar sua própria firma de
consultoria. Contudo, de acordo com Engwall (2012), até o final da década de 1960, havia um
receio por parte das universidades de incluir nas suas escolas as disciplinas de negócios, posto
que a maioria dos professores tinham medo que o mercado pudesse captar a academia,
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maculando assim a imagem de “independência” das pesquisas. Foi a partir da década
seguinte, sobretudo após a ascensão dos partidos de direita e do pensamento neoliberal, que
houve uma maior aproximação das universidades com o mercado, com este, muitas vezes,
financiando pesquisas acadêmicas. No que concerne especificamente às escolas de negócios
(Business Schools), elas passaram a ter uma relação bastante estreita com as firmas de
consultoria e assumiram um papel relevante na construção de modelos gerenciais e na
formação dos consultores. Para Kipping e Engwall (2002), as escolas de negócios são hoje
instrumentais para a criação de consultorias, chegando a existir uma certa competição entre
algumas escolas e as próprias consultorias. Além disso, mantendo uma relação próxima com
as universidades, as firmas consultoras conseguem contratar os estudantes que se destacam
durante os seus estudos, mantendo entre seus contratados uma elite intelectual que trazem as
novidades produzidas na universidade. David (2002) salienta também que estando filiadas às
universidades, as firmas de consultoria dão aos seus modelos de gerenciamento um maior
capital simbólico e conseguem ter acesso a outras áreas do conhecimento, como informática,
direito, medicina e engenharia. Essa perspectiva multidisciplinar é essencial para que elas
possam atuar em diversas instituições e atender as demandas dos seus clientes de forma
segmentada.
Durante os anos 1980, o número de graduados nas escolas de negócios dos EUA
cresceu cerca de 200 mil por ano. Em 1990, as firmas de consultoria empregavam ¼ dos
estudantes que se formaram nas grandes escolas de negócios. “As empresas de consultoria
realmente tornaram-se bastante importantes para os graduados das escolas de negócios.
Existem sites especializados em rastrear suas reputações e que oferecem recursos para ajudar
potenciais contratações em uma empresa de consultoria (KIPPING & CLARK, 2012, p. 6 –
Tradução livre)68. Kipping e Engwal (2002) explicam que as firmas consultoras tornaram-se
uma espécie de continuidade da formação dos estudantes após a universidade. Essa grande
atração exercida pelas grandes firmas entre os estudantes deve-se à construção de um
imaginário que relaciona o trabalho nas grandes firmas com a ideia de sucesso profissional e
possibilidade de ter acesso aos famosos gurus dos negócios e da administração. Por outro
lado, para além do conhecimento já codificado e armazenado, o tipo de serviço prestado pelas
firmas exige um fluxo contínuo de novos conhecimentos, o que reclama a entrada constante
de jovens recém-formados. Afinal, os produtos oferecidos pelas firmas precisam ser
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!68 “Consulting firms have actually become so important for business school graduates. There are specialized websites tracking their reputation and/or offering resources to help potential hires land a job with a consultancy (KIPPING & CLARK, 2012, p. 6)
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atualizados dentro de um processo constante de inovação.
Do mesmo modo que houve um estreitamento das relações entre firmas consultoras e
universidade, Kipping and Engwall (2002) salientam que houve também uma aproximação
entre as firmas e a mídia. David (2002) explica que os consultores e gurus passaram a
publicar colunas nos jornais promovendo novas ideias e modelos na área de gerenciamento e
estratégias. Do mesmo modo, os jornais de negócios passaram a acompanhar o crescimento e
a repercutir a atuação das firmas nos mais diversos setores. Segundo o autor, de modo geral,
os artigos exaltam a atuação das firmas de consultoria, dedicando pouco espaço para as
críticas. “O tom deles é geralmente positivo – artigos destacam a natureza da consultoria em
gerenciamento, exaltam seus benefícios e narram o recente crescimento (DAVID, 2002, p. 83
– Tradução livre)69. Promovendo e dando publicidade aos modelos desenvolvidos pelas
firmas, a imprensa de negócios é essencial na criação da demanda pelos serviços de
“aconselhamento”. A divulgação dos novos produtos gera também uma sensação de
insegurança entre os empresários que, na possibilidade de ficarem atrasados em relação aos
concorrentes, acabam comprando os modelos gerenciais “atualizados”. Por parte da mídia
também há uma certa ansiedade por exclusividade e precedência em divulgar as novidades do
setor. Com seu viés para o "novo" e "bem sucedido", a imprensa de negócios permite que gurus de gestão, CEOs de destaque, e os próprios consultores disseminem suas prescrições. Do lado do cliente, além disso, a imprensa de negócios pode gerar ansiedade entre os gestores ao lerem sobre as histórias de sucesso de outras empresas (Idem, p. 84 - Traduzir)70.
A imprensa de negócios estadunidense tem acompanhado o crescimento dos serviços
em consultoria. O Wall Street Journal, criado em 1899, passou de 12 mil assinantes em 1910
para 1.8 milhão em 1980. O número de assinantes da revista Business Week cresceu de 75 mil
em 1930 para 800 mil em 1980. Se antes as firmas de consultoria tinham cautela ao divulgar
informações sobre seus trabalhos, a partir dos anos 1980 observou-se também um expressivo
crescimento de publicações organizadas pelos próprias consultoras para dar vazão a suas
ideias básicas. A McKinsey inaugurou uma onda publicações de livros com a obra “In Search
of Excellence”71, dos consultores Tom Peters e Robert Waterman. A publicação vendeu cinco
milhões de cópias. Segundo Saint-Martin (2012), estima-se que anualmente a McKinsey gasta !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69 “Their tone was generally positive – articles outlined the nature of management Consulting, extolled its benefits, and chronicled its recent growth” (DAVID, 2002, p. 83). 70 “With it bias towards the ‘new’ and ‘successful’, the business press allows management gurus, prominent CEOs, and consultants themselves to disseminate their prescriptions. On the client side, moreover, the business press can generate anxiety among managers, as they read about success stories in other firms” (Idem, p. 84). 71 PETERS, TOM; WATERMAN, Robert. In Search of Excellence: lessons from America’s Best-Run Companies. New York: McKinsey, 1982.
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entre 50 e 100 milhões em pesquisas, e publicou mais de 54 livros na área de gestão desde
1980, além de coordenar um jornal eletrônico chamado McKinsey Quartely. Em 1991, a
Coopers & Lybrand lançou o livro Excellence in Government, um publicação direcionada aos
governos que defendia a aplicação do Total Quality Management (TQM) no esfera estatal72.
A publicação foi traduzida para diversas línguas e distribuída internacionalmente entre os
governos e diversos gabinetes políticos. No ano seguinte, os consultores Osborne e Gaebler
publicaram o Reinveting Government , que ficou famoso por trazer um texto do presidente
dos Estados Unidos Bill Clinton, que ganhara as eleições no mesmo ano. Para Saint-Martin
(2012), o livro de Osborne e Gaebler tornou a principal referência da Nova Gestão Pública
(New Public Management – NPM) desde os anos 1990.
As firmas multinacionais de consultoria são, por conseguinte, conforme a hipótese
teórica avançada neste trabalho, um dos principais intelectuais orgânicos do capitalismo,
sempre atuando no processo de reconstituição daquele nos momentos de crises, em geral, em
aliança com a ideologia e a fração de classe hegemônica em cada momento. Harvey (2007)
afirma que a ascensão do neoliberalismo a esfera política, a desregulamentação dos mercado e
a dominância de um regime de acumulação flexível instalou-se nos EUA e se espraiou pelo
resto do mundo a partir do projeto político de uma elite conservadora que retomou a
hegemonia política com a chegada de Ronald Reagan a presidência do país, assim como
aconteceu no Reino Unido com a eleição de Margareth Thatcher. Naquele momento, de modo
geral, as firmas consultoras aderiram ao projeto político dominante passando a atuar nos
projetos de reforma do Estado e de desregulamentação, difundido os modelos flexíveis de
produção que alimentavam as demandas dos mercados financeiros, para os quais elas também
passaram a atuar como avaliadora e garantidora.
Neste sentido, é importante destacar duas características especiais das consultoras a
partir das contribuições gramscianas. As firmas de consultoria fazem parte do momento
estrutural e, pela sua forma de atuação, possuem relações próximas (e até de simbiose) com as
demais instituições que também fazem parte dele. Por outro lado, elas se elevam ao momento
superestrutural atuando diretamente no Estado, publicando suas ideias por meio de livros
financiados pelas próprias firmas e por meio de um aparato midiático externo, sobretudo na
imprensa e nos meios de comunicação em geral. Além disso, são intelectuais orgânicos
coletivos, uma vez que, para além da diversidade de opiniões entre os consultores e inter-
firmas, atuam em bloco defendendo interesses comuns das firmas e dos seus parceiros
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!72 CARR, David; LITTMAN, Ian. Excellence in government: total quality management in the 1990s. London: Coopers & Lybrand, 1991.
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estratégicos. A presença nos dois momentos (estrutura e superestrutura) e a facilidade de
trânsito e acesso aos mais variados tipos de instituições públicas e privadas permitem que elas
possam “costurar” e difundir mais facilmente os ideais aos quais se afiliaram.
Ramos (2005) entende que ao se atualizar para os dias atuais a concepção
gramsciana de aparelhos privados de hegemonia, que compõem a sociedade civil, poderá se
encontrar nela uma hierarquia estabelecida, de acordo com a capacidade de projeção de poder.
Para ele, primeiro se encontra a Empresa, entendida como “conjunto ideológico dos preceitos
que conformam o que também chamamos de mercado” (Ibidem, p. 64); depois, a mídia;
seguida pelo Grupo, “conjunto de associações pessoais que mais influenciam nosso
comportamento” (Ibidem, p. 64); a Família, as Igrejas; a Escola; as associações de
trabalhadores ou empresários; e, por fim, o chamado Terceiro Setor. Ou seja, Empresa e Mídia são os principais aparelhos privados de hegemonia; este a Mídia, uma forma singular daquela, a Empresa. Mas uma forma muito mais poderosa justamente pela sua singularidade: a de produtora e disseminadora de conteúdos jornalísticos, informativos em geral, e de entretenimento, embebidos em sua virtual totalidade da lógica de consumo total, que é a principal força ideologicamente reprodutora do capitalismo (Idem, p. 64).
As firmas de consultoria ao alçarem mão de publicações próprias em larga escala,
bem como de se articularem com setores da mídia de massa, conseguem também projetar
duplamente seus interesses e ideias no âmbito da superestrutura. A combinação entre Empresa
e Mídia, segundo Ramos (2005), torna mais difícil hoje a construção social de projetos
alternativos, uma vez que elas objetivam garantir a defesa substantiva de seus interesses e se
tornam mais poderosas que os demais aparelhos privados de hegemonia (grupo, família,
igreja, associações e terceiro setor), que “não têm articulação suficiente, isoladamente ou em
conjunto, para contrapor-se ao poder da Empresa e da Mídia combinados” (Ibidem, p. 73).!
Não se trata, contudo, de afirmar que tais ideais serão aceitos sem qualquer
resistência ou negociação, sobretudo no âmbito do Estado. É importante lembrar que o Estado
capitalista não é uma entidade intrínseca, mas uma relação, uma condensação material e
específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe (entre as frações de classe
no poder e as classes fundamentais). Isto é, a política do Estado é consequência das
contradições de classe dentro da própria estrutura do Estado (Estado-relação)73.
A atuação em bloco por parte das firmas consultoras dá-se, muitas vezes, por meio
de lobby e da formação de redes. De acordo com Saint-Martin (2012), desde a criação da
Management Consultancies Association (MCA) nos anos 1980, as firmas de consultoria !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!73 Para uma análise relacional do poder ver as contribuições de Poulantzas, em POULANTZAS, Nikos. O Estado, o poder, o socialismo. 4a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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passaram a estabelecer instituições e estratégias com o intuito de construir redes de contato
com políticos e burocratas do governo. O pesquisador relata que, durante a gestão de
Thatcher, houve uma aproximação entre consultores e governo a partir da criação de um setor
denominado “Public Sector Working Party”, instalado para desenvolver ações coordenadas de
promoção do trabalho das consultorias. Com a receptividade que houve do governo,
estabeleceu-se assim um canal de diálogo constante, diretamente vinculado ao Gabinete
Oficial. "Seguindo o exemplo de sua associação empresarial, as empresas-membro da MCA
começaram, na década de 1980, a organizar diversas atividades de lobby direcionadas aos
funcionários do Whitehall, e criaram 'divisões de serviços governamentais' dentro de suas
estruturas organizacionais (SAINT-MARTIN, 2012, p. 456 – Tradução livre)74. Além disso,
esses departamentos também procuravam informações sobre as reformas que o governo
estava realizando e sobre as que ainda pretendia realizar. Uma outra estratégia adotada nos
EUA e apontada por Saint-Martin (2012) é a doação de contribuições financeiras diretas a
candidatos e partidos políticos durante o período eleitoral, sobretudo aos candidatos de direita.
Durante as eleições de 2000, as cinco maiores firmas de consultoria estadunidenses doaram 8
milhões de dólares, sendo 61% ofertados aos candidatos do Partido Republicano e 38%
doados ao políticos do Partido Democrata. A Accenture, por meio do seu Political Action
Commitee, doou durante o pleito de 2005/2006 para os candidatos federais ao legislativo
cerca de 313.380 mil dólares, sendo 63% para os Republicanos e 37% para os Democratas.
Nas eleições de 2008, a Accenture doou aproximadamente 700 mil dólares. Saint-Martin
afirma que a consultora tem gastado milhões de dólares no lobby junto aos políticos e oficiais
do governo estadunidense.
Em sua concepção de “capitalismo performativo”, assentada na análise do poder
discursivo do que ele denomina de “circuito cultural” do capitalismo atual baseado em
incertezas, Thrift (2005) chama atenção para a centralidade das escolas de negócios, dos
consultores em gerenciamento, dos gurus do gerenciamento e da mídia, no processo de
construção discursiva do capitalismo pós-1960 que pretende manter o sistema surfando na
“crista” das suas próprias contradições. Para o autor, uma proporção considerável das teorias
em gerenciamento estão preocupadas com rotinização e a burocratização da inovação de
modo a tentar manter o sistema em uma certa direção em meio as suas próprias incertezas e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!74 “Following the example of their business association, MCA members firms began, in the 1980s, to organize various lobbying activities targeted as Withehall officials, and created ‘Government Services Divisions’ within their organizational structures” (SAINT-MARTIN, 2012, p. 456).
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inconstâncias75.
3.5 Firmas Multinacionais de Consultoria, Neoliberalismo e Privatizações
De acordo com uma matéria publicada em setembro de 2005 pela revista The
Economist, a administração pública estadunidense era responsável pela contratação de 30%
do mercado internacional de consultoria. Naquele ano, as previsões da Kennedy Information,
uma organização privada que monitora o setor de consultoria, era que os trabalhos das firmas
consultoras para o setor público aumentariam entre 6 e 9% por ano nos três anos seguintes,
enquanto o crescimento de vendas dos serviços para o setor privado ficaria entre 1 e 4% no
mesmo período. A matéria traz também dados da Britain's Management Consultancies
Association (MCA) que mostram que o crescimento das vendas das firmas associadas para o
setor público cresceram 46% no ano anterior (2004), enquanto para o setor privado elas
aumentaram 4%. Um estudo do Comitê de Contas Públicas do Parlamento britânico (House of
Commons) verificou que o setor público do país gastou cerca de 2.8 bilhões de libras com
serviços de consultoria no biênio 2005/2006, sendo que o governo federal foi responsável por
mais da metade desses gastos (1.8 bilhão de libras). Desde o começo da atuação das firmas de
consultoria no Estado durante a II Grande Guerra, a espaço ocupado por elas no setor público
ampliou-se ao longo dos anos. O fortalecimento do papel do Estado durante a década 1960,
inaugurou a participação das consultorias no processo de elaboração de políticas públicas com
o intuito de racionalizar as ações e o gasto estatal no âmbito social. Mas, foi a partir da crise
econômica dos anos 1970 que as firmas consultoras conquistaram um papel central no Estado,
sobretudo nos países industrializados, tornando-se centros de excelência, bem como
beneficiários, de difusão do pensamento neoliberal.
Entre os anos 1970 e 1975, o governo britânico contratou algumas firmas de
consultoria para realizar reformas e estudos sobre setores então economicamente estratégicos
para o país. Em 1970, a McKinsey realizou a reforma organizacional da British Rail, da
British Broadcasting Corporation (BBC), do Banco da Inglaterra e do Serviço Nacional de
Saúde. A McKinsey também foi contratada para analisar a viabilidade econômica da indústria
automobilística do país. A Booz Allen & Hamilton foi convocada para examinar as !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!75 “This essentially performative notion of capitalism, conceiving of it as a continually renewed set of responses to new drivers, means that I see capitalism, to repeat, as a constantly mutating entity, made up of fields or net- works which are only ever partly in its control. No matter how many assets are engaged, it must constantly face the pressure of unexpected events” (THRIFT, 2005, p. 4).
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104
perspectivas comerciais da indústria de construção naval. O então recém criado The Boston
Consulting Group (BCG) fez um estudo sobre as possibilidades de crescimento da indústria
de motocicletas em âmbito internacional. Segundo McKenna (2006), a decisão do governo
britânico de enfatizar a atuação das consultorias estadunidenses durante a crise surgiu no
momento em que o discurso pró-nacionalização perdia força no Parlamento entre os dois
partidos. Isto significa que em um momento de ascensão do pensamento neoliberal, contratar
firmas embebidas de uma cultura política liberal e pró-indústria, referendariam ações políticas
que beneficiassem os gastos com este setor76. “Cada sucessivo estudo de consultoria sobre a
indústria nacional, portanto, serviu como um referendo implícito sobre como cada indústria
britânica em particular deveria ser apoiada pelo Estado (Idem, p. 187 – tradução livre)77. O
trabalho realizado pela BCG sobre a indústria de motocicletas foi, por exemplo, conforme
explica McKenna (2006), o primeiro a prenunciar as novas tendências que se tornariam
hegemônicas a partir da segunda metade da década de 1970. Entre as recomendações
apontadas estavam: foco na estratégia competitiva e não exclusivamente na estrutura
administrativa; aplicação pura de modelos teóricos; e, um dos principais pontos, uma
profunda análise da suposta superioridade que dos modelos flexíveis nipônicos de produção
tinham sobre o modelo estadunidense. Nos EUA, de acordo com Saint-Martin (2012), nos
anos 1970, o governo gastou bilhões de dólares na subcontratação de consultorias para
trabalhar na formação política, implantação de modelos organizacionais e no processo de
seleção de executivos para o governo federal. De modo geral, a crise consolidou a presença
das consultorias em governos de diversos países, tornando-as importantes think tanks.
Apesar das contratações, a crise chegou acompanhada de cortes de gastos por parte
do setores público e privados, impactando nas contratações dos serviços de consultoria, que
apresentou uma queda durante a segunda metade dos anos 1970. Estrategicamente, as firmas
passaram a voltar sua atenção para o setor público, procurando desenvolver um sistema de
lobby e articulação com líderes e partidos políticos e oficiais do governo. Como salienta
Saint-Martin (2001), em 1976, a Canadian Association of Management Consultants (CAMC)
criou uma Comissão de Relações com o Governo Federal com o intuito de estabelecer
ligações mais próximas com o poder público. No começo dos anos 1980, a CAMC
aproximou-se do Partido Conservador, que após ganhar as eleições indicou, em 1984, o
presidente da CAMC para coordenar o Comitê do Setor Privado do Programa de Reforma do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!76 Entre 1970 e 1974 o Reino Unido foi governado pelo Primeiro Ministro Edward Heath, um dos principais políticos e ex-líder do Partido Conservador. 77 Each sucessive consulting study of a national industry, therefore, served as an implicit referendum on whether particular British industries should be supported by the state (Idem, p. 187).!!
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Governo (Nielsen Task Force on Program Review). No Reino Unido, após a eleição de
Margareth Thatcher, as firmas de consultoria ampliaram seu espaço de atuação no governo.
De acordo com Saint-Martin (2001), um encontro entre os oficiais do governo da Unidade de
Eficiência do Primeiro Ministro e a MCA consolidou a posição das firmas dentro do governo,
de modo que a MCA criou internamente o “Public Sector Working Group” para promover a
relação do setor com atores-chave do governo. No ano seguinte à eleição de Thatcher, o
governo gastou cerca de 6 milhões de libras em serviços de consultoria, valor que foi
ampliado para 246 milhões no última ano da gestão dela, em 1990. No Canadá, os gastos com
os serviços de “aconselhamento” passaram de 56 milhões de dólares, em 1984, para cerca de
190 milhões, em 1993, período em que o Partido Conservador chegou ao poder. Na Austrália,
durante os governos de Bob Hawke e Paul Keating, ambos do partido trabalhista mas
conhecidos pelas reformas conservadoras que levaram a cabo, as despesas com consultoria
cresceram de 91 milhões de dólares, em 1987, para 343 milhões em 1993 (SAINT-MARTIN,
2012).
Segundo Saint-Martin (2001; 2012), o crescimento dos negócios dos serviços de
consultoria para o governo deu-se com a ascensão da chamada “Nova Direita” ao poder,
fortemente influenciada pela Teoria da Escolha Pública78, que foi tomada pelos governos
neoliberais para dar vasão as suas propostas políticas. Para os Partidos Conservadores, os
gastos e tamanho do Estado haviam crescido excessivamente nos anos anteriores de modo que
inibia a iniciativa individual. Assim, seria necessário reduzir o tamanho e as despesas do
Estado com gastos administrativos e sociais, além de retirar o poder de decisão do quadro
funcionários de carreira do Estado e colocá-lo nas mãos dos representantes dos políticos
eleitos. As ideias da “Escolha Pública” deram aos políticos da Nova Direita ferramentas ideológicas poderosas para os seus esforços de deslegitimar o setor público e os empregados dele [...] Os políticos da Nova Direita buscaram restaurar o que eles viam como dogmas básicos do governo representativo, reduzindo a influência dos servidores civis e centralizando a autoridade decisória nas mãos dos executivos eleitos. Privatizações, subcontratações, enxugamentos, cortes e congelamento salariais, a introdução de técnicas tayloristas de gerenciamento e a necessidade de desprivilegiar o trabalho civil foram elementos centrais na perspectiva da Nova Direita em relação ao setor público (SAINT-MARTIN, 2001, p. 578 – Tradução livre)79.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!78 A “teoria da escolha pública” começou a ser desenvolvida a partir do final dos anos 1950 e buscou aplicar princípios da economia liberal ao estudo da política, analisando a atuação de grupos políticos, processos eleitorais, formulação de leis e de definições de políticas. Entre os principais teóricos estão Ducan Black, James Buchanan e Gordon Tullock, Mancur Olson, Keneth Arrow, Anthony Downs e Willian Rilker. Os trabalho desses pesquisadores buscaram também fazer a crítica teórica das políticas keynesianas e do Estado de Bem-estar Social. 79 Public Choice ideas provided New Right politicians with powerful ideological tools in their efforts at de-legitimating the public sector and its employees [...] New Right politicians sought to restore what they saw as the
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Na década de 1980, a chegada de governos neoliberais ao poder em vários países da
Europa fez com que os respectivos governos repassassem para o setor privado uma série de
obrigações antes sob responsabilidade do Estado, bem como iniciou-se uma onda de
desregulamentação e privatizações dos serviços públicos. Assim como na América do Norte,
durante a segunda metade da década de 1980 o mercado de consultoria cresceu a uma taxa
média entre 25% e 30% por ano (Idem, 2001). Contudo, o discurso contra o Estado e seu
quadro burocrático, assim como os bruscos cortes orçamentários, sobretudo com gastos
sociais, enfrentou forte resistência dos trabalhadores, sindicatos e diversos movimentos
sociais, levando a um processo de deterioração e deslegitimação deste tipo de ideário no
âmbito da opinião pública. A persistência da crise econômica, alternando-se em rápidos
períodos de stop-and-go, o contínuo corte dos direitos sociais e um discurso que ia de
encontro aos interesses dos trabalhadores, abriu espaço para que a oposição construísse
argumentos e ideias mais positivas em relação ao papel do Estado. Estrategicamente,
conforme explica Saint-Martin, durante a década de 1990 surgiu um novo discurso sobre a
administração estatal que afirmava que uma reforma governamental não era uma questão
ideológica, mas uma necessidade impessoal e determinada externamente pelo processo de
reestruturação da economia global e desenvolvimento das TIC. De modo geral, os oponentes
da Nova Direita propunham uma “terceira via” entre o Estado e o mercado, em que aquele
fosse mais eficiente e menos ideológico. Diante dos desgaste dos partidos conservadores e
daqueles mais à esquerda no espectro político, a estratégia adotada foi um discurso que
mascarava o papel político do Estado sob uma ideia de modernidade e eficiência geralmente
associada ao setor privado. Na verdade, “a emergência do ‘cidadão-consumidor’ – ou a ideia
do consumismo – foi uma inovação chave do novo pensamento do gerenciamento público que
começou a se desenvolver no fim dos anos 1980 [...] o novo foco no ‘cidadão-cliente’ foi
politicamente dirigido” (Idem, p. 579 – Tradução livre)80.
Essas ideias foram, em certa medida, pautadas pelas firmas de consultoria, sobretudo
após o lançamento do livro Reinventing Government: How the the Entrepreneurial Spirit is
Transforming the Public Sector, em 1992, antes das eleições presidenciais nos EUA que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!basic tenets of representative government by reducing the policy influence of civil servants and by centralizing decision-making authority in the hands of the elected executive. Privatization, contracting-out, downsizing, salary cuts or freezes, the introduction of Taylorian-like management techniques and the need to ‘de-privilege’ the civil service, were central elements in the New Right’s approach towards the public sector (SAINT-MARTIN, 2001, p. 578). 80 “In fact, the emergence of the ‘citizen –consumer’ – or the idea of consumerism – was one of the key innovations of the new public management thinking that began to develop in the late 1980s [...] the new focus on the ‘citizen-client’ was politically-driven” (Idem, p. 579).
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também aconteciam naquele ano, dos consultores David Osborne e Ted Gaebler81. Em suas
páginas, a obra defendia uma nova forma de fazer “negócios” no setor público, tendo como
base que o Estado deveria abrir mão do seu monopólio em determinadas áreas diante de uma
economia globalizada. Os autores argumentavam que o Estado deveria se concentrar na
formulação de políticas públicas, repassando para o setor privado a execução e a prestação
dos serviços, uma vez que “[...] tal condição reforça a responsabilização pelo desempenho de
qualidade: os fornecedores sabem que podem ser dispensados se sua qualidade cair;
funcionários públicos sabem que não podem” (Osborne & Gaebler, 1992, p. 35).
As ideias foram adotadas por Bill Clinton82 e, posteriormente, por Tony Blair, como
propostas de reforma do governo. Com o respaldo desses países, elas influenciaram as
reformas administrativas de diversos países anglo-americanos. Clinton chegou a escrever uma
nota em que recomendava que o livro fosse lido por todos os políticos eleitos nos EUA.
Poucos meses após assumir o governo, Clinton criou o National Performance Review (NPR)83
com o intuito de “reiventar todo o governo nacional”. O relatório final foi coordenado e
assinado por David Osborne, que também era conselheiro sênior da administração Clinton.
Em 1994, o Congresso estadunidense aprovou o Government Reform and Savings Act, que
colocova em prática diversas recomendações do NPR e ficou popularmente conhecido como a
“Reiventing Government Bill”. Para Saint-Martin (2001) as ideias sobre Reinventar o
Governo (RG) foi umas dos aspectos essenciais da plataforma política de Clinton que
asseguraram a sua vitória em 1992. Na análise do pesquisador, a perspectiva do RG serviu
como uma liga que sustentou a união de novas e emergentes coalisões políticas que se formou
em torno da visão de um “estado empreendedor”. Ao articular uma imagem de governo que não era de direita nem de esquerda, as ideias do RG reforçaram a crença de que a via do meio poderia ser encontrada entre o mercado e o Estado. Especialmente nos Estados Unidos, onde elas eram mais poderosas e onde fizeram suas incursões mais rápidas na política, as idéias do RG geraram considerável apoio de todos os partidos políticos e tornaram-se um importante pilar ideológico do consenso para endossar um Estado'' empresarial''. (Idem, p. 577)84.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!81 OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventing Government: How the the Entrepreneurial Spirit is Transforming the Public Sector. New York: Plume, 1992. 82 A aproximação entre Clinton e Osborne era mais antiga. Em 1988, Osbone publicou o livro Laboratories of Democracie, que analisava as inovações gerenciais no âmbito da administração pública em seis Estados dos EUA, entre eles o Arkansas, então governado por Clinton. O então governador também escreveu o prefácio da obra. 83 Dentro do NPR, foram criados os “Reivention Teams” e os “Reivention Laboratories” com o intuito de executar e experimentar as novas formas de gerenciamento recomendadas. 84 “By articulating an image of government that was neither left or right, RG ideas reinforced the belief that a middle way could be found between the market and the state. Especially in the United States, where they were most powerful and where they made their fastest inroads into policy, RG ideas generated considerable support across political parties and became an important ideological pillar of the consensus for endorsing an entrepreneurial state” (Idem, p. 577).
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Diante da incapacidade do neoliberalismo de cumprir as promessas de estabilidade e
crescimento econômico, como mostrou Anderson (1995), adotou-se um discurso de
despolitização do Estado e, sobretudo, da economia, de modo que, diante do que
convencionou chamar globalização, seria impossível não realizar as reformas administrativas
e econômicas impostas por um movimento dito “autônomo” em um mercado
internacionalizado. Contudo, a aproximação do discurso neoliberal da imagem de eficiência e
modernidade do mercado em nome de supostos valores éticos, para além de ser uma
estratégia de marketing eleitoral apropriada ao momento, mascara as disparidades sociais
existentes no momento da produção e legitima o mercado como o ente mais preparado para
assumir as funções exercidas por um Estado “inchado” e “burocratizado”. Esta é a base para o
ataque e os cortes ao funcionalismo público. Diante das manifestações sociais, o governos de
Clinton e Blair procuraram então adequar o discurso e implantar na administração pública
uma perspectiva de mercado, papel que foi assumido pelas firmas de consultoria.
Em seu estudo sobre “Modernidade e discurso econômico”, Leda Paulani (2004)
aponta que uma das principais diferenças entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo é que
se aquele estava assentado em uma doutrina política, filosófica e/ou moral, “o neoliberalismo
fica constrangido a se apresentar fundamentalmente como uma receita política econômica
(abertura, estado mínimo, desregulamentação etc), desprezando, nessa medida alguns dos
valores nobres universais que primariamente lhe deram origem” (PAULANI, 2004, p. 124).
Neste sentido, a segunda diferença salientada pela autora está na crença de que a história
demonstrou a superioridade do mercado, de maneira que o neoliberalismo acaba por exigir
um profissão de fé nas virtudes do capitalismo e da livre concorrência sem se que haver
espaço para outras crenças. Assim, não se trata mais de uma opção ideológica em
concordância com uma dada visão de mundo, mas uma questão de respeito às coisas “tais
como ela são”. Vale uma citação mais longa em que a autora analisa melhor a questão: Não se trata mais, portanto, da ideologia como falsa consciência que marcou a natureza do liberalismo enquanto verdadeira doutrina social em sua primeira fase e que teve como nomes de destaque Locke e Mill. O que percebemos agora é o tom característico do sermão religioso, do discurso dogmático que exige rendição incondicional. Retomando nossa pequena galeria hegeliana de personagens típicos da Modernidade, os cultos intelectuais que pontificavam o liberalismo foram substituídos massivamente por incultos, doutrinários e pedantes homens de convicção. Muito mais incisivo, por isso, do que o liberalismo original, o neoliberalismo demonstra uma capacidade insuspeitada de ocupar todos os espaços, de não lugar ao dissenso. Confirmando sua natureza de puro receituário econômico destinado a recolocar o mercado no lugar que de direito lhe pertence, essa característica onipresente do neoliberalismo tem levado, no limite, a transformar o processo politicamente moderno de nossas sociedades em meros rituais vazios, sem nenhuma importância, processos em que nada modificam o curso inexorável da
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marcha econômica (Idem, p. 126).
As firmas de consultoria assumiram, a partir do seu respaldo intelectual construído
junto ao mercado e por meio da impressa especializada, o papel de coordenar e atualizar o
discurso sobre a necessidade de reforma do Estado em nome de uma estrutura organizacional
supostamente apolítica e, portanto, mais eficiente. De acordo com Saint-Martin (2001), as
ideias apresentadas no livro de Osborne e Gaebler apresentavam diversas incoerências e
receberam diversas críticas de especialistas em administração pública; contudo a obra
“tornou-se influente por causa de sua atração como ideologia política e não por causa de seu
poder de persuasão como a ciência administrativa” (Idem, p. 576 – Tradução livre)85. Para o
autor, é justamente a ambiguidade do discurso apresentado o principal recurso de poder na
esfera política, uma vez que ele pode reunir debaixo do mesmo “guarda-chuva” diferentes
tipos de interesses. Ou seja, isto permite reunir e conciliar sob as ideias do RG as
necessidades e demandas das diferentes frações da elite no poder. A ênfase dada a esta obra
diz respeito à importância que ela adquiriu em âmbito internacional a partir das reformas
levadas à cabo nos EUA e na Inglaterra. O livro vendeu mais de 300 mil cópias e foi
traduzido para mais de 13 línguas, entre elas o Chinês, o Russo e o Português.
Para ampliar ainda mais a difusão de tais ideias, Osborne criou a Reiventing
Government Network (RGN). Uma rede que foi composta por cerca de 100 firmas de
consultoria de diversos países que, ao se tornaram membros, passaram a ser certificadas e a
estar aptas para implementar as ideais do RG nos países em que atuassem. As principais FMC
passaram então a vender e implementar as ideias do RG. Além disso, a aproximação entre
firmas de consultoria e governo tornou cada vez mais constante a contratação de consultores
para trabalhar e ocupar cargos de destaque nos governos, como no caso dos Estados Unidos e
do Reino Unido. Saint-Martin (2012) afirma que esse processo criou uma porta giratória entre
firmas de consultoria e governos.
Em 2007, o Parlamento inglês divulgou um relatório em que mostrava que o valor
pago pelo Estado as firmas de consultoria não era bem aproveitado. Entre as conclusões , o
relatório do Comitê de Administração Pública destacava que: 1. apenas metade das
recomendações do Relatório do Comitê de 2002 haviam sido implementadas; 2. os
departamentos geralmente não sabem quanto é gasto com consultoria; 3. consultores são
geralmente utilizados mesmo quando os funcionários internos possuem a mesma habilidade e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!85 “[The book] has become influential because of its attraction as political ideology rather than because of its persuasiveness as administrative science (Idem, p. 576).
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são mais econômicos; 4. os departamentos, em geral, não avaliam o trabalho que eles
receberam dos consultores; 5. a capacidade dos departamentos de ser consumidores
inteligentes é enfraquecida pelo compartilhamento insuficiente de informações a respeito da
atuação dos consultores; 6. 40% dos clientes consideram que firmas de consultoria foram
utilizadas sem necessidade; 7. nos três anos anteriores, 54% dos gastos com consultoria foram
direcionados para a área de TI e gestão de projetos; 8. normalmente os departamentos não se
planejam, ou conseguem, para a transferência de habilidades dos consultores para o público
interno; 9. há falta de transparência nos gastos da consultoria, tornando difícil verificar quais
gastos são justificáveis; 10. o governo central gasta mais de 100 milhões de libras com cada
uma das quatro principais consultoras, mas não tira o máximo proveito desse poder de
compra.
Segundo Saint-Martin (2001), nos últimos dez anos, a OCDE, por meio do seu
Comitê de Administração Pública, tornou-se um ponto central para a difusão das mudanças
gerenciais nos seus países membros. Desde a publicação do seu livro, Osborne e Gaebler tem
mantido uma relação estreita com o Comitê e foram responsáveis pela coordenação de
diversos cursos e palestras dados às delegações que visitam a sede da OCDE em Paris. As
ideias do RG “tornaram-se no início de 1990 um componente muito popular dos seminários e
conferências organizados pela OCDE e das publicações do PUMA” (Idem, p. 587 – Tradução
livre)86. Em março de 1996, a OCDE realizou o Ministerial Symposium on the Future of
Public Services que contou com a presença dos ministros dos países membros responsáveis
pelas questões da reforma administrativa e burocrática. O evento foi presidido por Alice
Rivlin, então Diretora do Gabinete de Gestão e Orçamento da Casa Branca e representante
interna do governo estadunidense no grupos de “reinventores” coordenado por David
Osborne. A sua aproximação com as ideias do RG, levou-a posteriormente ao posto de
presidenta do Conselho Presidencial de Gestão, responsável por colocar em prática as
recomendações do NPR.
É importante lembrar que a OCDE, junto com o FMI e o Banco Mundial87, teve um
papel central no processo de difusão do neoliberalismo e reforma do Estado, sobretudo nos
países em desenvolvimento ou chamados de Terceiro Mundo. As dívidas dos empréstimos
tomados por estes países aos bancos internacionais, a partir do processo de reciclagem dos
“petrodólares”, aumentaram exponencialmente com a subida abrupta das taxas de juros por !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!86 “became in the early 1990s a very popular componente of seminars and conferences organized by the OECD and of PUMA86 publications” (Idem, p. 587). 87 Em 1972, a McKinsey foi contratada pelo Banco Mundial para elaborar e implementar a reforma administrativa do Banco.
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parte dos EUA. Para sanar seus débitos, os países de Terceiro Mundo tiveram que tomar
sucessivos empréstimos ao FMI e ao Banco Mundial, que em contrapartida exigiam ajustes
fiscais, desregulamentação e reforma do Estado por meio de uma série de privatizações.
Assim como o FMI e o Banco Mundial, a OCDE assumiu o papel de difundir as diretrizes da
reforma estatal por meio do seu Conselho de Administração Pública, onde as ideias do RG já
eram bastante conhecidas. Não foi por acaso que, em 1995, o livro de Osborne e Goebler
entrou para a lista de livros mais vendidos no Brasil naquele ano, período marcado pela
ascensão e consolidação do neoliberalismo no país.
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4. TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO CAPISTALISTA E A PRIVATIZAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS
4.1 TIC e Reestruturação Capitalista
A emergência do Capitalismo Monopolista, para além do surgimento das grandes
empresas, das sociedades anônimas e do grande capital financeiro, elo significativo dos
bancos com a indústria, derivou do desenvolvimento de uma matriz tecnológica caracterizada
pelo motor de combustão interna à petróleo, do desenvolvimento da metalurgia do ferro e do
aço, e do aparecimento da automação eletromecânica. Esses elementos foram fundamentais
para a constituição de um segmento industrial produtor de máquinas, aspecto que, conforme
lembra Bolaño (2002), completa a passagem da subsunção formal à real do trabalho por meio
da especialização do trabalhador e da condensação do conhecimento em máquinas-
ferramentas. É, de modo geral, nesse contexto que se consolida o modo de regulação fordista
(vide capítulo 1), baseado na produção e no consumo em massa e no desenvolvimento de
meios e sistemas de comunicação, como o telégrafo e da telefonia, ainda na segunda metade
do século XIX, e do rádio e da televisão, na primeira metade do século seguinte
Segundo Dantas (2002), os investimentos realizados pelas grandes corporações, por
agentes financeiros privados e pelo Estado, “na busca por soluções técnicas que tornem cada
vez mais rápido, eficiente e barato o transporte da informação que interessa ao capital” (Idem,
p. 139), resultaram em uma série de invenções tecnológicas que caracterizaram uma terceira
revolução industrial, culminando com o surgimento de um novo paradigma tecnológico.
Santos (2008) explica que, na década de 1950, a descoberta do transistor nos laboratórios da
AT&T marcou o início de uma indústria essencial para o desenvolvimento das TIC, a
indústria do semicondutor. Na década seguinte, a miniaturização e a integração dos sistemas
passaram a caracterizar as estruturas produtivas. A introdução do microprocessador e a
possibilidade de integração da produção em larga escala ampliaram os esforços e os
investimentos em pesquisas em torno do uso do semicondutor. Embora tenha sido criado pela
AT&T, o governo estadunidense não permitiu que ela patenteasse o transistor e, com o intuito
de aprimorar o seu uso, passou a financiar pesquisas em outras empresas. Dantas (2002)
salienta que o objetivo era chegar a um circuito completo de transistores e outros
componentes amalgamado em uma única e minúscula peça de material semicondutor, que
veio a ser chamado de chip.
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O transistor fornece o substrato material para a terceira revolução tecnológica nas comunicações: ele viabiliza, definitivamente, a digitalização da informação. A partir dele e de outras tecnologias posteriores torna-se possível reduzir todo tipo de informação a uma sequência indiferenciada de zero e um. Textos, sons e imagens viraram bits. As diferentes tecnologias de rede (telefonia para voz, radiodifusão para sons e imagens, telégrafo para texto etc), tendem a dar lugar a redes que integram diversas formas de comunicação em uma mesma tecnologia digital básica. A digitalização da informação constitui a base técnica por excelência da produção social geral, cujo objeto, como vimos, é a informação social (DANTAS, 2002, p. 141).
Nesse sentido, o surgimento da indústria do computador e da informática, mais
precisamente do hardware e do software, foram também basilares para a consolidação dessa
terceira revolução. Entre 1943 e 1945, foi criado o primeiro computador de programação
eletrônica, o Eniac, utilizado pelas forças armadas estadunidenses na produção de bombas
atômicas. Na década de 1950, aparecem os primeiros computadores comerciais, o Univac I da
Remington Rand e o IBM 650. A partir de então, a tendência da inovação passa a ser a da
minutiarização, com a indústria do computador desenvolvendo aparelhos cada vez menores e
mais compactos. Como destaca Tauile (2001), o chip passou a realizar o trabalho das antigas
válvulas, com mais confiabilidade, rendimento energético e menores custos. De acordo com o
autor, mesmo trabalhando com dados hoje conservadores, o uso de microprocessadores na
produção significou uma redução de custo por informação processada da ordem de 20% ao
ano, ininterruptamente, a cada ano. Isto significa que, em 25 anos, o custo de um determinado
produto ou peça pôde ser reduzido de 10 mil para 1. Este aspecto, associado à vasta
aplicabilidade, garante, de modo geral, uma demanda continua e crescente dentro desta
trajetória tecnológica. Durante a década de 1970 a utilização dos chips foi sendo aperfeiçoada
e, paralelamente, foi aparecendo uma nova geração de equipamentos, dotados de maiores
capacidade de memória, rapidez e eficiência no processamento.
Deve-se salientar que, nos termos de G. Dosi (1982), a inovação e o estabelecimento
de um novo paradigma tecnológico88 não se dá apenas por mudanças de ordem técnica, mas
envolve também um conjunto de fatores econômicos, institucionais e sociais. Um exemplo
deste aspecto é o empenho e os gastos do governo estadunidense com o processo de inovação
tecnológica na área militar durante e no pós II Guerra89. Neste sentido, é importante lembrar
que, para além da sua participação na elaboração das estratégias tecnológicas estadunidenses
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!88 “[...] um ‘modelo’ e um ‘padrão’ de solução de determinados problemas tecnológicos, baseados em determinados princípios derivados das ciências naturais e em determinadas tecnologias materiais” (DOSI, 1982, p. 152) – Tradução livre. 89 Segundo Dantas (2002), entre 1958 e 1974, o governo dos EUA gastou cerca de US$ 900 milhões em subsídios à pesquisa e desenvolvimento, sendo responsável, portanto, por “distorções” nas condições competitivas normais e nos critérios comerciais daquela indústria.
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durante a II Guerra, as firmas multinacionais de consultoria tiveram um papel relevante no
que diz respeito à prospecção e a utilização de computadores no mais diversos setores
econômicos, conforme mostrado no capítulo anterior. As consultoras assumiram, ao lado dos
laboratórios industriais, um papel que Dosi (1982) denomina de “instituições ponte” entre a
ciência pura e aplicada em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O desenvolvimento
tecnológico é perpassado, portanto, por critérios de seleção nos diversos níveis. Foi graças aos
esforços estratégicos e bélicos do governo estadunidense que se criou, em 1969, a Arpanet,
que deu origem ao que se conhece hoje como World Wide Web90 ou, simplesmente, internet.
Ultrapassa os objetivos deste trabalho analisar a totalidade dos fatores que levaram
ao estabelecimento de um paradigma tecnológico calcado no desenvolvimento das TIC91,
contudo é importante perceber que ele se estabelece e passa a ser central no atual nível de
desenvolvimento das forças capitalistas de produção “enquanto inscreve-se em um contexto
de mudança da lógica cumulativa e no âmbito da própria dinâmica da concorrência
intercapitais, deflagrada no surgimento da forma de atuação da firma-rede” (SANTOS, 2008,
p. 112). Ou seja, as TIC ao mesmo tempo em que viabilizam a possibilidade e ampliação da interação e flexibilização da estrutura produtiva, têm sua dinâmica instada pelas necessidades atuais do capitalismo. Tornam-se ferramentas também da concentração da riqueza e da exclusão social (Idem, p. 112).
De acordo com Tauile (2001), a difusão da microeletrônica inaugurou um novo
espectro de articulação dos agentes produtivos na produção, pois permitiu uma nova fase de
incorporação do “saber trabalhador” por parte do capital por meio de mecanismos que a base
técnica anterior não permitia. Como analisado no capítulo 1, a transformação do
conhecimento tácito em conhecimento codificado passa a ser central no atual modo de
produção. O conhecimento do trabalhador passou a ser “cunhado” e detalhado nos softwares
que comandam os movimentos que as máquinas devem executar. O desenvolvimento de uma
automação flexível, que possibilita a reprogramação do conjunto de equipamentos a qualquer
momento, deu uma nova e crescente importância à economia de escopo, seja no âmbito da
produção de bens ou nos serviços. Contudo, a implantação de uma nova matriz tecnológica
necessita de uma visão totalizante da produção, de modo a readequá-la a partir de novos
modelos gerenciais e de negócios. A implantação de modelos flexíveis de gerenciamento, que
surgiram no Japão, respondem ao momento de acirrada concorrência internacional no final
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!90 Para uma periodização da história da internet, ver BOLAÑO ET AL. Economia política da internet. São Cristóvão: Editora UFS, 2007. 91 Para uma análise neoshumpteriana do tema, ver DOSI, Giovanni. Technical change and industrial transformation: the theory and an application to the semiconductor industry. New York: Macmillan, 1984.
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dos anos 1970. As firmas vão adotar uma flexibilidade dinâmica que visa dotá-las de
capacidade de se adaptar e mudar seu comportamento frente as mudanças rápidas e hostis no
âmbito da concorrência, bem como de lançar barreiras e “sair na frente” dos concorrentes.
Em um ambiente econômico desregulamentado e marcado pela dinâmica frenética da
inesgotável busca por valorização do mercado financeiro, as TIC cumprem o papel de dar
maior estabilidade às empresas capitalistas. Herscovici (2007) explica, a partir de um
perspectiva heterodoxa, que as NTIC, como ele chama, tem o papel de assegurar a regulação
global do sistema, representando os “custos de conexão e de coordenação que as empresas
tem que assumir para poder ter acesso ao mercado mundial” (HERSCOVICI, 2007, p. 136),
os chamados custos de transação. Assim, quanto maior os investimentos em pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias, mais os ganhos de produtividade se reduzem, no
longo prazo. O pesquisador destaca que as NTIC constituem condições gerais de acesso ao
sistema, ou seja, ao mercado mundial. “Elas constituem fatores indiretos de produtividade
pelo fato de ampliar o mercado e a parte de mercado de cada firma” (Idem, p. 137). Os gastos
com estes custo de transação tornam as decisões econômicas irreversíveis, criando barreiras à
saída e tornando os mercados menos concorrenciais. [...] as NTIC apresentam um duplo aspecto: por um lado, elas representam uma extensão dos mercados e da instabilidade a eles ligada: as crises financeiras e as diferentes formas de vulnerabilidade financeira seriam a consequência lógica deste processo de universalização do mercado. Por outro lado, elas assumem um papel de coordenação global inter-empresas, coordenação que se torna necessária em função da ineficiência dos sistemas de preços; neste sentido, seu papel consiste em conter a instabilidade provocada pelo jogo de mercado e é semelhante ao das instituições (Idem, p. 138)
A partir de uma crítica a teoria de Stiglitz e Grossman, que analisam as assimetrias
da informação em função da natureza de mercado, das idiossincrasias dos bens e dos
comportamentos dos agentes, Herscovici (2007) aponta que o sistema de preços não divulga a
totalidade da informação disponível para a totalidade da população, de modo que “essas
assimetrias da informação permitem a apropriação de uma renda extra, por parte dos agentes
informados” (Idem, 139), de modo que o mercado não se constitui um mecanismo eficiente e,
nesta lógica, gera externalidades negativas em relação ao bem estar social. A partir desta
problemática, o autor analisa a questão das condições de acesso às redes de informação e
afirma que no caso de uma rede aberta, as externalidades seriam positivas; no caso de uma
rede fechada, ainda que parcialmente, as externalidades são negativas. Dentro de uma lógica
privatista, as NTIC reproduzem as assimetrias entre os agentes e as empresas e as rendas
extras que lhe concernem. Em uma perspectiva de regulação pós-fordista, as redes
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multisserviços, criadas a partir do processo de convergência tecnológica que culminou com o
desenvolvimento da telemática, são marcadas, segundo Herscovici, pela reintrodução de
processos de exclusão pelos preços e por externalidades qualitativas92. “A intensificação dos
processos de convergência permite explorar externalidades qualitativas e explorar os
segmentos mais rentáveis do mercado” (Idem, p. 144).
Diferente das redes monosserviço que se caracterizam como clubes abertos93, as
redes multisserviços são marcadas por processos de exclusão pelos preços e as externalidades
qualitativas passam a não estarem mais atreladas ao tamanho da demanda, de modo que tais
redes se constituem como clubes “fechados”. Soma-se a isso o fato de que a ascensão de
sistemas ligados às TIC são característicos de uma lógica pós-fordista, que, por sua vez, é
marcada pela implementação de políticas neoliberais, pela concentração de renda, e redução
ou extirpação dos mecanismos de redistribuição social. Essa perspectiva coloca em cheque a
ideia de “Sociedade da Informação”, elaborada nos anos 50 e 60 do século passado por
sociólogos estadunidenses com base nos ideais teóricos de uma sociedade pós-industrial, pós-
histórica ou ainda pós-capitalista. O discurso que emerge desta perspectiva e ganha força na
décadas de 1970 e 1980 é o de uma sociedade tecnotrônica ou tecnocrática, baseada no
desenvolvimento cientifico e tecnológico, de caráter informacional, gerencial e racional, que
substituiria a separação política entre direita e esquerda. Uma argumentação que, como sugere
Mattelart (2008), baseia-se no discurso dos fins: “fim do ideológico, do político, das classes e
seus enfrentamentos, fim da intelectualidade contestadora e, portanto, do engajamento, em
proveito da legitimidade da figura do intelectual positivo, orientado para a tomada de
decisões” (MATTELART, 2008, p. 58). A ideia de uma gestão gerencial-global é vista como
uma versão técnica e mais eficiente do político. Este ideário está em acordo com as teorias
ortodoxas sobre as TIC, para as quais estas permitem a redução das imperfeições do mercado
e tornam o sistema mais eficiente, a partir da universalização do mercado concorrencial
(HERSCOVICI, 2007).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!92!“Essas externalidades se definem em relação à participação de certos segmentos da população na rede. Os efeitos de escala não representam mais a única característica dessas redes, como no caso das redes universais, a divisibilidade maior da oferta é compensada pelo aparecimento de externalidades qualitativas. Este tipo de abordagem permite determinar níveis a partir dos quais aparecem fenômenos de congestionamento que são definidos em função da qualidade. A exclusão pelos preços permite preservar tais características qualitativas, estas podem se relacionar com a homogeneidade social dos usuários ou com a convergência de interesses em relação à informação divulgada. No caso de um clube de empresas, a informação representa uma variável estratégica e não pode ser livremente divulgada” (HERSCOVICI, 2007, p. 160). !93 Neste, conforme explica o autor, as externalidades das quais se beneficiam os consumidores dependem do número destes.
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Para além do determinismo tecnológico de que a convergência das tecnologias da
informação e da comunicação levariam a uma sociedade global, a ideia de sociedade da
informação forja o discurso do fim do político para emular o projeto político neoliberal, que
põe em cheque a questão do Estado nacional e enfatiza a desregulamentação em favor da
“eficiência” dos mercados. Não é por acaso que, como salienta Mattelart (2008), o famoso
relatório da Comissão Trilateral de 1975, principal documento que trata da crise informal das
grandes nações industriais (Europa Ocidental, América do Norte e Japão) e que é base inicial
para o projeto de reestruturação da ordem econômica mundial, toma como referência os
pressupostos monetaristas-neoliberais da globalização e difunde as noções de uma era ou
sociedade da informação. A partir de então, esta perspectiva ganhou espaço tanto na OCDE
quanto na Comunidade Europeia. Como explicam Bolaño e Mattos (2004), A ideia de uma Sociedade Pós-industrial, formulada no início dos anos 70 e que manteve seu vigor até o princípio dos 80, cedendo passo, em seguida, às noções de Sociedade da Informação e, mais recentemente, Sociedade do Conhecimento, baseava-se na constatação de mudanças significativas ocorridas na composição setorial do emprego nos países capitalistas desenvolvidos (queda do emprego industrial e aumento do peso dos serviços no conjunto dos ocupados), […] e na existência de novas formas de trabalho (especialmente nos setores com alta concentração de atividades intensivas em conhecimento). A perspectiva pós-industrialista nutre-se, portanto, das transformações efetivamente promovidas pelo capitalismo contemporâneo sobre a estrutura social, decorrentes, em grande medida, das transformações tecnológicas e as crescentes exigências de conteúdos de conhecimento das tarefas realizadas pelos trabalhadores, num contexto de alterações da estrutura de emprego e de mudanças estruturais e institucionais de ampla magnitude, decorrentes do enfrentamento da crise do padrão de acumulação de longo período do pós-guerra (BOLAÑO & MATTOS, 2004, p. 1).
O advento e a posterior exploração comercial da internet, a partir dos anos 1990,
insere-se nessa lógica e é consequência do desenvolvimento das TIC e sua capacidade de
romper as barreiras em âmbito global. Diferente dos paradigmas da mídia impressa e da
radiodifusão, a exploração da internet representou a constituição de novos espaços de ação e
interação em âmbito internacional, um novo espaço para debate. Segundo Bolaño (2007), a
base para a criação de uma nova esfera pública global, contudo ainda mais assimétrica e
excludente quanto aquela típica do estado liberal burguês pré-democrático. O
desenvolvimento das TIC e da telemática proporcionaram, de modo geral: a) uma estrutura
mais horizontalizada e dialógica de trabalho, possibilitando uma intensificação da
comunicação entre trabalhadores que favorece o florescimento do conhecimento tácito e da
inovação, ao passo que é ferramenta central no processo de codificação deste conhecimento;
b) criaram novas funções, como o webmaster, ao passo que eliminaram outras; c) permitiu a
criação de mecanismos de coordenação interindividuais e interorganizacionais, que de modo
eficiente permite a troca de informações em escala global; d) intensifica a rotação do capital
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subsidiando o processo de acumulação; e) aprofunda a alienação, reduzindo a separação entre
trabalho e vida (BOLAÑO, 2007); f) assim como no modo de produção, elas alteram os
modos de consumo tornando-os mais comunicacionais e informatizados, modificando “as
relações sociais e a própria estrutura do mundo da vida de amplas camadas da população
mundial incluída nos processos de reprodução do capital” (Idem, p. 65); g) cria novos
modelos e maneiras de relacionamento social, bem como educacionais, permitindo uma
menor filtragem das informações, além de formas mais dialógicas e interativas de
relacionamento. Este aspecto está também vinculado à massificação dos computadores graças
à redução dos custos e padronização. Assim, l) as TIC e, sobretudo, a internet, permitem
também a organização de grupos e instâncias de resistências ao capitalismo e em torno de
outras causas sociais. De modo ideal, todos os indivíduos são iguais ao conjunto de
informações disponíveis na internet. Contudo, Herscovici (2007) destaca que o
desenvolvimento recente das telecomunicações e a privatização deste setor aconteceu por
pressão dos grandes usuários e das grandes empresas, de modo que os objetivos sociais, como
os do subsídios cruzados, foram perdidos; além de estar vinculado a uma ordem econômica
neoliberal baseada na lógica da exclusão pelos preços. O autor lembra ainda que se a estrutura
do sistema, no que diz respeito ao consumo e às diferentes formas de apropriação, pode
parecer descentralizada, os demais componentes, como de material e as modalidades de
acesso às redes, são caracterizadas por estruturas monopolísticas. Neste sentido, este alcance
só foi possível graças ao processo de convergência entre os setores da informática,
telecomunicações e audiovisual, bem como os movimentos de desregulamentação e
privatização dos operadores, que até então pertenciam aos respectivos Estados-nacionais.
4.2 Telecomunicações, convergência tecnológica e privatizações
Até a década de 1970, o setor de telecomunicações estava basicamente baseado em
serviços de tráfego de voz (telefonia) e radiodifusão de sons e imagens. O paradigma
eletromecânico-analógico dotava o setor de uma relativa estabilidade tecnológica uma vez
que as inovações seguiam a trajetória94 em vigor. O setor era considerado monopólio natural,
sob a tutela de ente privado, caso exclusivo dos EUA, ou público. A microeletrônica e a
digitalização da informação vão permitir a convergência entre os serviços de informação e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!94 “Uma trajetória tecnológica, […], a atividade ‘normal’ de solução de problemas determinada por um paradigma, pode ser representada pelo movimento de ‘trade-offs’ multidimensionais entre as variáveis tecnológicas que o paradigma define como relevantes (DOSI, 1984, p. 152) – Tradução livre.
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comunicação, alterando e ampliando assim a cadeia de valor das telecomunicações com o
provimento de inúmeros novos serviços. Contudo, a instituição do monopólio natural impedia
que as empresas privadas entrassem no setor sem a devida alteração das legislações ou a
expressa autorização da justiça. Neste sentido, em 1969, o cenário começa a ser alterado a
partir dos EUA inaugurando um período de mudanças no setor que vai impactar quase todos
os países do mundo.
A reestruturação do setor, em nível técnico, organizacional e institucional, ganhou
força nos anos 1980, a partir do início da digitalização das redes nacionais de
telecomunicações e com a ascensão do neoliberalismo e seu receituário de privatizações e
desregulamentações. A digitalização da informação, transformando sinais de informação de
texto, dados voz e imagens em código binário reconhecidos de forma inteligente pelos
computadores, possibilitou a convergência das diversas indústrias de comunicação, antes
separadas (SHIMA, 1999). Se antes havia uma tecnologia de rede para cada tipo de serviço, a
partir de então, a tendência é a instalação de redes digitais capazes de agrupar as diversas
formas de comunicação. O uso de uma linguagem única permite a integração das
telecomunicações com a informática (telemática) e demais serviços de comunicação. As
chamadas “redes inteligentes” permitem a (re)programação, a adaptabilidade e a flexibilidade
no fornecimento de serviços de informação avançada por meio do tratamento e criação de
informações, podendo assumir, inclusive, um caráter multimídia. Além disso, outros aspectos
que estão ligados à digitalização são o melhor aproveitamento da largura de faixa
(bandwidth), a atualização por módulos (modularidade) e a mobilidade. É, sobretudo, devido
a estas características que surge a possibilidade de criação de uma nova gama de serviços
diferenciados, também classificados pelas legislações atuais como “serviço de valor
adicionado”95, contrastando com os serviços tradicionais básicos. De acordo com Almeida
(1994), de modo geral, os VANS compreendem os serviços que ultrapassam o simples
transporte da informação. Isto significa que eles acrescentam um tratamento informacional
específico ao fornecimento básico de linhas e a respectiva transmissão de informação.
Acompanhado do processo de convergência tecnológica estão atrelados, portanto, a
convergência dos formatos de mídia, e a convergência dos modos de consumo (DOS
SANTOS, 2004), que reforçam o caráter oligopolístico do capital ao ampliar as possibilidade
de convergência empresarial e econômica. A convergência dos mercado de comunicações se
dá em dois sentidos: concentração horizontal e a integração vertical, sendo que esta última
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!95 A denominação original no inglês é Value Added Network Services (VANS).
!
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120
pode acontecer para cima e para baixo. A primeira diz respeito ao reforço do posicionamento
das empresas no mercado por meio da prestação de outros serviços de comunicação e de
provimento de conteúdo que não o seu originário. A integração vertical para cima ocorre por
meio de alianças estratégicas, aquisições e fusões com fornecedores de equipamentos. A
concentração vertical para baixo decorre da construção de redes de comunicações próprias,
bem como do controle do conteúdo criado por meio dos direitos autorais96. “A expansão da
telemática é elemento chave na constituição dos megassistemas de comunicação e controle,
necessários à ação do capital financeiro, comercial e industrial num contexto de globalização
ou mundialização da concorrência (BOLAÑO, 1997, p. 5). Mediante este cenário é que
Ramos (2000) prefere utilizar em seus estudos o termo comunicações, ao invés de
comunicação de massa ou social. De acordo com o autor, o termo diz respeito ao processo contemporâneo de convergência da comunicação de massa, das telecomunicações e das redes de computadores, sugerindo a emergência de um novo cenário comunicativo cujas características fundamentais parecem ser: os custos crescentes das infraestruturas de transporte e circulação da informação, os custos decrescentes dos meios de acesso, a descentralização potencial da posse desses meios, a segmentação do uso, e a interatividade (Idem, p. 66).
Para Dantas (2002) o termo comunicações diz respeito “a tudo que se refira ao
registro, tratamento e disseminação da informação social” (DANTAS, 2002, p. 95). Santos
(2008) chama atenção para o fato de que as telecomunicações, por sua vez, compreendem um
complexo de serviços, produtos e redes, em que os limites são bastante sutis. Segundo a
pesquisadora, embora, tradicionalmente as telecomunicações sejam associadas à infraestrutura
e ao suporte físico, não se pode mais desligá-las do seu estreito vínculo com os serviços e
produtos que ofertam. “O avanço do paradigma microeletrônico e as mudanças nos regimes
de regulação, nesta indústria, certificam a ideia de que as telecomunicações hoje devem ser
entendidas na perspectiva de uma cadeia de valor” (Idem, p 117).
Como bem chama atenção a autora nesta última passagem e já mostrado acima, a
inovação tecnológica, per se, não determina os usos que se farão dela. Ainda que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!96 Este modelo foi adaptado a partir das contribuições de SANTOS (2008), que se baseando nas contribuições de Bustos (2005), trata de concentração horizontal e integração vertical, dando-se esta para trás e para frente.! “A concentração horizontal justifica-se pela busca, por parte dos grupos, de aumentar seu poder de mercado através do reforço de sua posição na indústria em que atuam. A integração vertical para trás constitui-se no objetivo de buscar controle dos conteúdos […] A integração vertical para frente constitui-se, por sua vez, na busca pelos grupos de comunicação, proprietários dos conteúdos, em assegurar o windowing mediante o controle de alguma atividade relacionada com a distribuição – cadeias de televisão, pontos de venda e aluguel de vídeo, por exemplo (SANTOS, 2008, p. 126).
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historicamente ela seja financiada pelos grandes capitais e pelos governos, a consolidação de
um novo paradigma tecnológico está atrelada também a fatores sociais, institucionais e
econômicos. Garnham (1985) aponta quatro fatores que pressionaram para a mudanças no
modelo de organização das telecomunicações baseado no monopólio natural. São eles: (1)
desenvolvimento da telemática; com base na qual é possível (2) ampliar a quantidade de
sistemas de distribuição, como satélites, fibras óticas, cabo de banda larga e microondas; além
destes aspectos tecnológicos, o autor destaca (3) a difusão do uso das TIC na gestão e na
prática empresarial, tanto nas operações transnacionais e multiplanta, quanto na
internacionalização do sistema financeiro. As telecomunicações passam a ser elementos
centrais nas estratégias de concorrências das empresas e dos novos entrantes, sobretudo no
que concerne aos custos, à eficiência e à competitividade da firma. (4) Um último e quarto
aspecto diz respeito aos grandes investimentos realizados em pesquisa e desenvolvimento que
passam a não ser mais amortizados dentro dos limites do mercado nacional. Além disso, para
que pudessem explorar os serviços criados a partir do processo de convergência das
comunicações, o grande capital e os Estados, sobretudo, aqueles desenvolvidos, em um
contexto de ascensão do neoliberalismo e de do desenvolvimento de um regime de
acumulação financeira, iniciaram um forte movimento para romper os limites da livre atuação
das empresas nos diversos setores das comunicações, como previa a legislação em vigor até
os anos 1980. À luz das contribuições de Ganham, Bolaño (1997) afirma que As transformações macroeconômicas e macrossociais que ocorrem neste momento a nível mundial, tornando o setor das comunicações, e especialmente as telecomunicações, um elemento central para a rearticulação do padrão de desenvolvimento capitalista (terceiro fator), vêm sendo acompanhadas de mudanças de ordem tecnológica (primeiro e segundo fatores) e econômica que obriga cada ator individual (empresas e Estados em especial) a alterar as estratégias e procurar novas alianças (BOLAÑO, 1997, p. 7).
O movimento de alteração no modelo regulatório inicia-se nos Estados Unidos. Em
1969, a Federal Communication Comission (FCC) autorizou a entrada de uma nova
operadora, a Microwave Communications Inc. (MCI), para prestar o serviço de telefonia
utilizando o sistema de microondas.97 A AT&T respondeu à ação dificultando a interconexão
da nova empresa concorrente a sua rede. Até então, o modelo estadunidense estava assentado
sobre o monopólio natural privado, controlado pela AT&T, tendo os Laboratórios Bell (Bell
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!97 O primeiro questionamento do monopólio da AT&T sobre as telecomunicações estadunidenses ocorreu em 1949, quando o Departamento de Justiça abriu um processo. O resultado veio em 1956 com a promulgação do Consent Decree. Ficou determinado que não poderia atuar na área de informática e não poderia se internacionalizar, contudo ficou mantido o monopólio sobre os serviços e a integração vertical serviços-indústria.
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Labs), como principal estrutura de P&D, a Western Eletric como principal fabricantes e
fornecedora de equipamentos, e a Bell Company como prestadora de serviços. Um outro fato
relevante é que, em 1980, a FCC passou a diferenciar os serviços básicos dos de valor
agregado, abrindo estes últimos a livre exploração comercial. Mas o desfecho dessa história,
começou em 1974, quando novamente o Departamento de Justiça dos EUA ingressou com
um novo processo contra o monopólio da AT&T, dessa vez, baseando-se nas leis antitrustes
do país, como o Sherman Anti-Trust Act de 1890 e a Clayton Anti-Trust Act de 1914. No
processo, foi questionado o tamanho da empresa, seu poder sobre o mercado e a recusa a
interconexão (ALMEIDA, 1994). De acordo com Almeida (1994), desde que Richard Nixon
assumiu o poder em 1969, a FCC, que até então protegia a AT&T, adotou uma postura de
buscar para o setor soluções mais concorrenciais. Em 1982, foi assinado o famoso acordo
promovido pelo juiz da Suprema Corte, Harold Greene. O chamado Modification of Final
Judgment estabeleceu a quebra do monopólio da AT&T e uma nova estrutura para o mercado
de telecomunicações dos EUA, que passou a se caracterizar da seguinte maneira:
! O monopólio da AT&T foi desmembrado em sete novas companhias
independentes de telecomunicações, as Regional Bell Operating
Company (RBOCS) ou Baby Bells. Estas teriam o monopólio dos
serviços nas respectivas regiões de atuação, mas ficaram
impossibilitadas de atuar no mercado de longa distância, de fabricar
equipamentos e de disponibilizar serviços avançados de informação,
como os de valor adicionado98;
! A AT&T ficou proibida de atuar nos serviços locais, mas permaneceu
executando os de longa distância. A empresa manteve parte da
produção de equipamentos (a Western Electric recebeu então o nome
de AT&T Network Systems) e dos laboratórios de pesquisa;
! Ficou liberada a atuação da AT&T em outros setores de
telecomunicações, como o de informática, e permitiu-se que a
empresa expandisse seus negócios para outros países;
! As empresas de longa distância ficaram obrigadas a repassar recursos
(access charges) para as companhias regionais com a finalidade de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!98 Foram criadas as seguintes Baby Bells: Ameritech, Bell Atlantic, BellSouth, NYNEX, Pacific Telesis, Southwestern Bell e US West.
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123
subsidiar os custos fixos da implantação da rede local.
(ALMEIDA, 1994; SHIMA, 1999).
Shima (1999) explica que o crescimento do mercado de um monopólio em função da
expansão do seu mercado atrai a atenção de outros interessados em explorar esse mercado
também. “Em outros termos, se o mercado cresce, não há justificativa em se proteger o
monopólio desde o ponto de vista da universalização dos serviços” (Idem, p. 39), uma vez que
ela, de acordo com as empresas interessadas, seria garantida pela concorrência. Um outro
aspecto salientado pelo autor que corrobora com as tentativas de quebra do monopólio
privado é o crescente uso das tecnologias digitais, que passam a deslegitimar o argumento do
monopólio natural99. O novos meios alternativos de transmissão (satélites e microondas)
reduziram a escala e os custos em relação aos que eram praticados no modelo analógico e,
além disso, a possibilidade de ofertar serviços de valor agregado era mais uma forma de
amortizar os investimentos realizados. Havia também o interesse dos grandes usuários na
liberalização do setor, uma que eles poderiam negociar livremente com os proprietários de
redes privadas (o fenômeno do bypass). Ademais, é importante notar que o judiciário foi um
dos principais atores no processo de reestruturação das telecomunicações estadunidenses.
Segundo Bolaño (2000), há um certo consenso de que a decisão de quebra do
monopólio privado faz parte da resposta estadunidense ao avanço nipônico do setor
eletrônico. Atuando em âmbito internacional, a AT&T poderia fazer frente aos japoneses na
produção de equipamento dos diversos setores das comunicações e, por outro lado, o
desmembramento da empresa dificultaria um controle efetivo por parte da FCC. Na
perspectiva do estudioso, o que aconteceu, portanto, não foi uma desregulamentação, mas a
passagem de um modelo de regulação a outro. No que concerne ao impacto da alteração do
modelo estadunidense no resto do mundo, utilizando-se das contribuições de Pierre Musso
(1989), Bolaño (2000) explica: Pierre Musso […] fala de uma tendência à constituição de uma “economia-mundo”, no sentido braudeliano (“um espaço geográfico delimitado que dispõe de um centro em torno do qual se ordenam zonas intermediárias sucessivas”), associando a América do Norte, a Europa e o Japão. A solução interna encontrada para a ATT nos EUA é para o autor um tipo de micro-deslocamento que provoca macro-transformações a nível internacional. Assim, um elemento central na constituição dessa nova “economia – mundo” é a instalação pela ATT da sua Worldwide Intelligent Network (Idem, p. 12).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!99 “Nessa teoria, a presença de economias de escala é a tal ponto significativa em relação ao tamanho de mercado, que este comporta apenas uma firma de escala mínima eficiente e, portanto, apenas uma única firma minimiza o custo total da indústria” (SHIMA, 1999, p. 25).
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A construção da rede internacional dos EUA , utilizando cabos submarinos em
fibras óticas, permitiu, do lado do Atlântico, a ligação dos EUA com a Inglaterra e a França, e
do lado do Pacífico, conectava a Califórnia ao Havaí e ao Japão. De acordo com Musso, em
passagem citada por Bolaño (2000), tal estrutura possibilitou a oferta de serviços numéricos
de comunicação nos eixo EUA-Japão-Europa. A presença da AT&T e da IBM no mercado
internacional de comunicações, associadas as vantagens concernentes ao país, “seja pelo lado
da importância do seu mercado interno, seja, principalmente, pelo peso tanto dos seus
construtores quanto dos seus exploradores de redes” (BOLAÑO, 2000, p. 13), levaram os
EUA a adotar estratégias para exportar seu modelo regulatório para os outros países por meio
de pressões econômicas, que vão acontecer, em grande medida, por meio de organismos
internacionais como o GATT, o Banco Mundial e o FMI. Bolaño destaca ainda outros fatores,
como o forte desenvolvimento da TV a cabo, que necessitava de instalações leves e baratas, e
o aumento expressivo da demanda de linhas privadas para informática e para as comunicações
dos grandes usuários, o que leva a uma especialização da indústria estadunidense para atender
as demandas.
Caso exemplar de cessão às pressões dos EUA, que pretendia dar maior equilíbrio as
trocas comerciais entre os dois países, é o do Japão. Em 1985, o governo desse país instituiu
uma lei sobre o comércio de telecomunicações, que determinava a quebra do monopólio
público da Nipon Telegraph and Telephone (NTT) sobre a rede nacional, bem como o fim do
monopólio privado da Kokusai Denshin Denwa (KDD) sobre a rede internacional.
Posteriormente, a NTT foi transformada em empresa de sociedade mista. Apesar da ampla
abertura, o regime de autorizações para instalação e exploração de redes continuaram sob o
poder do governo. Bolaño (2000) chama atenção para as semelhanças entre os caso nipônico e
o inglês, uma vez que houve a privatização da empresa pública e a entrada de um concorrente
principal, a Daini Denden. Ficou também liberada a entrada das empresas estadunidenses no
mercado de telefonia móvel e satélites. Os serviços de longa distância internacional foram
abertos à entrada de novos operadores, mas estes poderiam ter, no máximo, 10% de capital
estrangeiro. Em 1990, o Ministério das Telecomunicações, após decisão do seu conselho
consultivo, recomendou o desmembramento da NTT em cinco companhias regionais, nos
moldes do que havia acontecido com a AT&T. Contudo, o fato de o Ministério das Finanças
ainda deter 66% das ações que seriam vendidas causou uma disputa de poder dentro do
próprio governo. A divisão, de fato, só aconteceu em 1999, mas optou-se por dividi-la em
duas empresas regionais, a NTT East e a NTT West, e uma companhia de longa distância, a
NTT Communications. As três permanecem sobre o controle da holding NTT, com Estado
!
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125
controlando cerca de 53% das suas ações.
Na Inglaterra, Margareth Thatcher, que assumiu o poder em 1979, colocou em
prática uma política monetarista, de desmantelamento do Estado previdenciário, impondo o
receituário neoliberal de austeridade fiscal com corte dos gastos sociais, liberalização e
privatização dos serviços públicos. Ao tomar posse, Thatcher já encontrou a questão das
telecomunicações na agenda política, uma vez que o setor não vinha apresentando uma boa
performance lucrativa. Brenac (1997) explica que problemas como lentidão no
desenvolvimento da rede, atrasos na sua modernização e performances incertas vinham
causando a insatisfação do público e, principalmente, dos grandes usuários dos mundo dos
negócios. Além disso, o setor apresentava resultados financeiros negativos devido à adoção de
políticas tarifárias restritivas. Diante da crise financeira, um dos principais projetos do
governo conservador era que a City retomasse a sua vocação de protagonista das finanças
mundiais, o que não poderia ser alcançado com um sistema de comunicações atrasado e
deficitário. Segundo Almeida (1997), a via inglesa de reestruturação do setor assentou-se no
tripé: liberalização (controlada), regulamentação (suave), e privatização (política e
comercialmente orientada).
Para iniciar a reforma das telecomunicações, o governo conservador resgatou o
Carter Report. O documento havia sido elaborado em 1969 por solicitação do então
presidente trabalhista Harold Wilson frente as reclamações do conselho de usuários do Post
Office. O relatório foi coordenador pelo professor Charles Carter, que foi incumbido de fazer
uma diagnóstico do setor e apresentar soluções. O resultado foi apresentado em 1977 ao então
primeiro ministro trabalhista James Callaghan, que decidiu não colocar em prática as
recomendações, posto que elas estavam baseadas na experiência estadunidense e apontavam,
entre outras coisas, a necessidade da separação regulatória dos serviços postais e das
telecomunicações, assim como a liberalização do setor de equipamentos terminais. Durante as
eleições seguintes, a adoção das medidas apontadas no Carter Report foi polarizada pelos
partidos, com os conservadores assumindo o compromisso de colocá-las em prática.
Em julho de 1981, o governo Thatcher sancionou a Lei de Telecomunicações,
oficializando a separação entre os serviços postais e os de telecomunicações, e criando, ao
lado do Post Office (PO), a empresa pública British Telecommunication (BT) que atuaria
exclusivamente nas telecomunicações. O novo regulamento determinava também a
privatização da Cable & Wireless, que prestava serviço nas ex-colônias do país. Coube ao
Ministério da Indústria e do Comércio regulamentar a lei e distribuir as licenças. No mesmo
ano, este Ministério encomendou um estudo a uma firma de consultoria denominada
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126
Microelectronics Design Associates (MDA) para avaliar o impacto da entrada de um novo
operador na rede básica de telefonia. Após a publicação do resultado, no mesmo mês foi
formado um consórcio interessado em explorar tais serviços, denominado Mercury
Communications Ltda, ele era integrado inicialmente pela Cable & Wireles (40%), Barklays
Bank (20%) e pela British Petroleum (20%), mas foi logo adquirido totalmente pela primeira.
No começo do ano seguinte, a Mercury foi autorizado a iniciar suas atividades, consolidando
assim a existência de um duopólio. (ALMEIDA, 1994).
Finalmente, em 1984, o governo, por meio do Telecommunication Act, privatizou a
British Telecom ao autorizar a venda de 50,8% da empresa. Embora o Estado britânico tenha
permanecido como principal acionista individual com 49% de participação, ele comprometeu-
se a indicar diretores com perfis técnicos e com compromissos com a empresa. Por outro lado,
o governo garantiu a domínio das golden shares, com o intuito de poder atuar em caso
emergencial. A legislação criou ainda o Office of Telecommunications (OFTEL) como
entidade reguladora. No mesmo ano, o Cable Broadcasting Act liberalizou a TV a cabo e
constituiu a Cable Authority como reguladora do sistema de cabos, de modo que duas
entidades de regulação passaram a atuar no setor de telecomunicações tendo seus papéis
vinculados ao tipo de tecnologia. É importante destacar que a reforma das telecomunicações
britânicas foi feito com o auxílio do grupo financeiro e firma de consultoria Kleinwort
Benson, que já havia supervisionado também a reprivatização da British Aerospace e da
Cable & Wireless. Para Brenac (1997) Fora de suas dimensões macroeconômicas e simbólicas, a política adotada, nas suas interações como nos seus resultados, tem por função colocar em relação de sinergia a gestão do setor, os interesses e o desenvolvimento dos grandes usuários dos meios de negócios, e de favorecer o desenvolvimento de Londres como praça financeira internacional e polo de atração para as atividades de serviço e de gerenciamento dos grupos multinacionais, ainda que fosse em detrimento da indústria nacional de telecomunicações (recurso aos construtores estrangeiros) e do consumidor final (tarifas)100 (BRENAC, 1997, p. 66)
Paradoxalmente, na França, o início da liberalização das telecomunicações deu-se
como consequência do medo, por parte das autoridades técnicas, de que o serviço público
perdesse espaço. Até o final dos anos 1980, o modelo de regulação francês era caracterizado
da seguinte forma: a Direction Générale des Télécommunication (DGT) detinha o monopólio
sobre a infraestrutura de transmissão e prestação do serviços de telefonia; o Centre Nationale
dÉtudes sur les Télécommunications (CNET) era responsável pelo desenvolvimento de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!100 “A reestruturação tarifária da BT fez com que a empresa viesse a apresentar um dos maiores níveis de tarifas locais, dentro os países da OCDE, enquanto as tarifas internacionais situavam-se entra as mais baixas” (ALMEIDA, 1997, p. 97).
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pesquisas e inovações tecnológicas; o CGE era o principal construtor e fornecedor nacional de
equipamentos; e tanto o DGT como o CNET estavam submetidos ao Ministério dos PPTs.
Na década de 1970, com o intuito de reforçar sua infraestrutura de transmissão o governo
francês deu início ao lançamento de uma série de planos estratégicos. O primeiro deles, o
Plano Telefônico, foi lançado em 1974 com o objetivo de recuperar e expandir para todo país
a rede telefônica. Em 1978, foi iniciado o Plano Telemático que visava unir telecomunicações
e informática por meio da implantação de um sistema de vídeo texto, do qual o reconhecido
Minitel era um dos principais produtos. Se os dois primeiros foram bem sucedidos, o terceiro
esbarraria nos receios do próprio ente estatal. Em 1982, o governo francês lançou o Plano de
Cabo que pretendia construir uma rede única “que integrasse sobre um mesmo suporte,
telecomunicações, telemática e vídeo-comunicação, a coerência do conjunto deveria ser
garantida pelo monopólio da DGT sobre as redes” (BOLAÑO, 2000, p. 28). Contudo, o problema é que a DGT não aceita a concorrência no conjunto dos novos serviços telemáticos, mas apenas na teledistribuição clássica [...] Assim sendo, a DGT aproveita as dificuldades iniciais para a implantação do sistema de fibras óticas, propondo uma tecnologia híbrida (chamada “OG”, sendo a do projeto inicial chamada de “IG”) que só permitiria a interatividade de forma muito limitada. Assim, em 1984 é lançada a proposta de uma dissociação temporária do desenvolvimento do audiovisual e da nova rede de fibra ótica e em 1986 decide-se generalizar a solução OG. Com isso, as redes de cabo deverão limitar-se à teledistribuição clássica (Idem, p. 28).
Deste fato decorre que, com o retrocesso da DGT, em 1986, a implantação da rede de
cabos é liberalizada e as administrações são autorizadas a contratar construtores privados. Ou
seja, permitiu-se uma ampla fragmentação da rede, embora a interconexão dependesse da
DGT enquanto administradora dos serviços de base. Os embates então passam a acontecer no
âmbito da regulação. Em 1989, foi criado o Conselho Superior do Audiovisual (CSA),
entidade reguladora, sem poderes sobre a operação. No ano seguinte, foi estabelecida a
separação entre os serviços postais e de telecomunicações, sendo a La Poste, responsável
pelos primeiros, e a France Télécom, pelos demais. Ambas permaneceram sob a tutela do
Ministérios dos PPTs, mas esta última, enquanto empresa pública, tinha administração e
contabilidade independentes. À France Telecom então caberia garantir os serviços públicos de
telecomunicações “sem discriminação, desenvolver e explorar as redes públicas necessárias a
tais serviços, além de, respeitando as regras de concorrência, fornecer os outros serviços e
redes de telecomunicações, incluindo as redes de distribuição por cabos de serviços de
televisão” (ALMEIDA, 1994, p. 205). Isto significa que, mesmo estando submetida ao
Ministério, a empresa ganhou autonomia administrativa, com liberdade para se
internacionalizar, entrar em outros mercado, inclusive de valor adicionado, e adotar
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estratégias concorrenciais. No final de 1990, foi sancionada a Loi sur Réglamentacion des
Télécommunications (LRT) que estabeleceu a divisões precisas entre redes de infraestrutura e
serviços de telecomunicações, além de determinar os limites do monopólio da France
Télécom e os mercados entregues à concorrência. De acordo com Almeida (1994), a
separação foi feita da seguinte forma: os serviços reservados (telefonia, telex e telefonia
pública) permaneceram sob monopólio da FT; os serviços de suporte ( rede de comutação de
pacotes, por exemplo) foram abertos a concorrência, sujeitos a autorização e cumprimento das
determinações regulamentares; e os demais serviços, como os de valor adicionado, foram
abertos à concorrência, devendo-se o interessado solicitar autorização ou apenas declarar sua
existência, de acordo com o volume do negócio e os modos de prestação do serviço. “O
imperativo concorrencial legitima a autonomização do explorador público e a banalização do
Estado empreendedor, enquanto que o serviço público continua a legitimar seu monopólio,
mantido sobre a infraestrutura de transmissão (BRENAC, 1997, p. 73).
Apesar da resistência a privatização por parte do seu corpo técnico, em 1998,
atendendo as recomendações da Comunidade Europeia, abriu-se o mercado francês à
concorrência. Em 2004, ocorreu, de fato, a privatização da FT, quando o governo vendeu
parte das suas ações e passou a deter apenas cerca de 41% do capital da empresa101. A
abertura das telecomunicações na França, até o final dos anos 1990, aconteceu de forma
gradual e sob comando do governo, sendo a entrada do capital privado decorrência do receio
da DGT em perder espaço na prestação dos seus serviços. Mesmo liberando parte dos
serviços de telecomunicações, a France Télécom continuou com o monopólio sobre os
serviços básicos, só sendo privatizada definitivamente em 2004, embora o governo ainda
tenha mantido uma parte minoritária das ações sob o seu poder.
De modo geral, na Europa, onde a social democracia mais se desenvolveu nos pós-
guerra, as discussões sobre a reestruturação das telecomunicações tiveram início nos anos
1980. De modo geral, até então o setor estava organizado sob a instituição do monopólio
natural público, controlado pelas Post, Telegraph, Telephone Administrations (PTTs) e
administradoras das infraestruturas nacionais de telecomunicações. O mercado de produção e
fornecimento de equipamentos era aberto, no entanto, estrategicamente, às respectivas
operadoras, integravam-se verticalmente com um fabricante nacional, com o objetivo de
constituir seus “campeões nacionais” e instituir fortes barreiras à entrada nesta área. O
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!101 A CGE foi estatizada em 1981, junto com a Thompson, a CGCT (subsidiária da ITT) e a Bull, do setor de informática. Em 1983, a CGE foi fundida com a Thompson, sua rival histórica. Durante o governo de J. Chirac, em 1986, a CGE comprou ITT. No ano seguinte, a CGE foi privatizada.
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129
argumento era de que essa estratégia, além de fortalecer a economia nacional, prezava pela
padronização, integração e qualidade da rede pública. A partir dos anos 1980, esse modelo
começa a ser alterado na Inglaterra e no começo da década seguinte ganha força no restante
da Europa.
Os motivos elencados por Garnham (1985), explicados acima (desenvolvimento da
telemática; diversificação dos sistemas de distribuição; centralidade das telecomunicações nas
operações transnacionais e multiplanta e na organização do mercado financeiro; e os
vultuosos investimentos em P&D), também valem para o caso europeu, bem como a
deslegitimação, por parte do capital privado, dos argumentos que fundamentam a instituição
do monopólio natural. Shima (1999) destaca também outros elementos que levaram a um
processo de mudanças nos regimes de regulação europeu, como a necessidade de grandes
investimentos em transmissão e centrais de comutação digitais, o consequente crescimento do
uso das redes privadas, e a possibilidade, a partir do uso das tecnologias digitais, de prestar
serviço em âmbito internacional. Uma vez que há a possibilidade técnica das operadoras e dos
fabricantes expandirem seus negócios além-fronteiras, “porque não há necessidade de escalas
elevadas e a digitalização viabiliza a integração de redes, então os monopólios nacionais
passam a ser questionados e pressiona-se para a liberalização” (Idem, 45). A formação da
Comissão Europeia teve um papel de destaque nesse processo. A liberação e a integração dos
mercados, para dentro e para fora do Velho Continente, necessitava de serviços de
comunicações digitalizados e eficientes. Os investimentos e a padronização em tecnologias
digitais inteligentes era um elemento central na constituição de um mercado comum Europeu.
Ainda que contrariando os interesses das operadoras públicas, em 1987, em seu Green Paper,
a Comissão Europeia definiu o protocolo Open Network Provision (ONP) com o intuito de
garantir a padronização, integração, a eficiência e a neutralidade no uso e acesso à rede.
Contudo, de acordo com Shima (1999), em face da demora e dos obstáculos para criar uma
interface padronizada, começaram a surgir diversos padrões proprietários em detrimento das
determinações da Comissão Europeia.
Se os aspectos apresentados acima, alinhados à ascensão do neoliberalismo em
âmbito internacional e à consolidação de um regime de acumulação sob dominância
financeira, de maneira geral, contribuíram para que diversos países do globo levassem a cabo
a liberalização e a privatização de suas telecomunicações, em cada uma dessas nações o
processo ocorreu em diálogo e em embate com as idiossincrasias locais, bem como com a
cultura política e as relações de poder específicas. “Inscritos no quadro de sistemas
institucionais, de formas de mediações sociais, de culturas industriais e políticas específicas,
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esses sistemas geraram situações e oportunidades de reordenamento diferentes, o dado novo
fazendo apelo as interpretações e reações sempre particulares” (BRENAC, 1997, 62). Se, por
um lado, não se pode afirmar que a Europa seguiu um modelo único no processo de abertura
do setor de comunicações, por outro, é possível definir algumas características gerais, como:
quebra dos monopólios públicos em diferentes níveis; separação entre serviços postais e de
telecomunicação, com esta última passando a ganhar um status de maior relevância na
economia dos países; abertura à concorrência, sobretudo dos serviços de valor agregado; e
internacionalização estratégica dos operadores e dos fabricantes de equipamentos (BOLAÑO,
2000).
Na América Latina, as privatizações e liberalizações “das teles” começaram no final
da década de 1980, com o Chile, e ganharam força na década seguinte. Argentina, México e
Venezuela102 privatizaram suas telecomunicações em 1990, o Peru em 1994, e Brasil e Porto
Rico em 1998. Diferente da Europa, o setor apresentava, em geral, uma situação frágil e
deficiente. A densidade telefônica da região era de 5 linhas para 100 mil habitantes, os
serviços apresentavam uma baixa performance e concentravam-se nas zonas urbanas e mais
ricas dos países. Esse fato foi, inclusive, mais um argumento utilizado pelo discurso
neoliberal, forjado na ideia de modernidade e eficiência, para que as nações latinas abrissem
o setor ao capital estrangeiro. Contudo, como salienta Petrazzini (1995), as baixas
performances não eram a razão para as reformas, mas a reestruturação das telecomunicações
nos países em desenvolvimento foram parte de um amplo programa econômico de ajuste
comandado das crises fiscais e das recessões econômicas. Como mostrado no Capítulo 1, a
subida rápida das taxas de juros internacionais, capitaneada pelos EUA a partir de 1979, gerou
uma crise econômica em diversos países latino-americanos, que não conseguiram honrar com
os seus compromissos com os bancos internacionais do países industrializados. As
privatizações surgem, portanto, como uma possibilidade de converter a dívida externa em
capital. Um outro aspecto é que as privatizações eram vistas pelos países industrializados
como uma possibilidade de expandir os negócios dos seus “campeões nacionais”, então já
liberados para atuar internacionalmente. Para pressionar as nações subdesenvolvidas, os
países industrializados, mais uma vez sob o comando dos EUA, passaram a utilizar os
organismos internacionais, como a União Internacional das Telecomunicações (UIT), o FMI e
o Banco Mundial. Este último impôs as medidas neoliberais como contrapartida a liberação
de novos empréstimos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!102 No caso da Venezuela, CANTV, principal prestadora dos serviços de telecomunicações, foi re-estatizada após a chegada de Hugo Chávez ao poder, mas o setor permaneceu aberto à concorrência privada.
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As medidas para a América Latina 103 foram ratificadas pelos organismos
internacionais em1989 no Consenso de Washington, são elas: 1) disciplina e ajuste fiscal; 2)
racionalização dos gastos públicos, que deveriam ser focados para educação, saúde e
infraestrutura; 3) reforma tributária; 4) liberalização financeira; 5) taxas de câmbio
competitivas; 6) liberalização do comércio exterior; 7) supressão da restrições ao capital
externo; 8) privatização das estatais; 9) desregulação econômica e trabalhista; e 10)
propriedade intelectual104. Portanto, é preciso levar em consideração que as privatizações na
América Latina estão inseridas em um contexto mais amplo de reforma econômica
implementada, em muitos casos, graças à ascensão de governos de direita ao poder, como por
exemplo, o presidente Menem na Argentina, Carlos Andrés Pérez na Venezuela, Luiz Alberto
Lacalle no Uruguai, Alberto Fujimori no Peru e Fernando Henrique Cardoso no Brasil. O
Chile assumiu a vanguarda deste processo quando tornou-se pioneiro na implementação do
ideário neoliberal sob o regime de exceção comandado pelo general Pinochet, que privatizou
as telecomunicações em 1986.
Embora apresentem motivações em comum, assim como na Europa, a liberalização e
a privatização das “teles latinas” ocorreram e assumiram aspetos diferenciados em casa país.
Ainda que reconheça essas diferenças, a partir de uma pesquisa realizada na Argentina, Chile,
México e Malásia, Petrazzini (1997) conseguiu verificar algumas características e
consequências gerais das privatizações nos países em desenvolvimento, a saber:
! Logo após as privatizações, por conta da baixa qualidade dos serviços, foram
construídas diversas redes privadas;
! Houve uma tendência de queda nos serviços de valor agregado, beneficiando
os grandes usuários;
! Teve um efeito discriminatório, sobretudo entre usuários da zona urbana e da
zona rural. O fim dos subsídios cruzados representou uma ameaça à
universalização dos serviços, com a zona rural passando a pagar mais caro
pelas ligações. “Os mais afetados pelo processo, são, sem dúvida, os
residentes em áreas rurais e os pequenos usuários da rede pública” (Idem, p.
116);
! Por outro lado, a mercantilização dos serviços representou o desenvolvimento !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!103 É importante destacar que o tema geral do encontro era Latin Americ Adjustment: How much has Happened?, 104 De acordo com Tavares e Fiori, o Consenso foi caracterizado “por um conjunto abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizadas aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes” (TAVARES & FIORI, 1993, p.18).!
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da rede e a expansão dos serviços. Quando estavam sob o poder do Estado, os
governos costumavam investir os lucros também em outros setores, como
saúde e educação. Sob o comando empresarial, os valores destinados ao
investimento aumentaram.
! Foi percebida a melhoria da qualidade dos serviços. Contudo, o autor destaca
que este aspecto está ligado à eficiente reorganização administrativa e
financeira das empresa em um ambiente de competitividade e sob a
fiscalização de um ente regulador, e não pelo simples fato de ser pública ou
privada;
! O processo não teve grande impacto na estabilidade do trabalho dos
empregados do setor, contudo representou perda de direitos adquiridos e o os
contratos de trabalho se tornaram mais flexíveis (subcontratação);
! O setor tem se mostrado altamente rentável. O capital estrangeiro encontrou
na América Latina melhores condições do que em seus países originários
para dominar os serviços de telefonia móvel, serviços agregados e outros;
! A liberalização ofereceu a possibilidade de monopólio na prestação de
serviços básicos, bem como condições para que se estabeleçam posições
hegemônicas no mercado. Um dos exemplos é a fraca capacidade
fiscalizadora de muitos países;
! As novas empresas são formadas por uma operadora estrangeira e
conglomerados econômicos domésticos ou estrangeiros com fortes ligações
com o país privatizador;
! As privatizações representaram uma ameaça à estabilidade das indústrias e
dos fornecedores de equipamentos, de modo que “a valorização de fatores
políticos e estratégicos de relações interempresariais parecem ter deslocado
os critérios mais lógicos baseados em preços e padrões de qualidade;
! O mercado financeiro e os bancos internacionais tiveram uma importante
participação no processo e tiveram bastante benefícios econômicos. Um
deles foi a troca de papéis da dívida pública, de baixo valor e futuro incerto,
por um negócio bastante rentável. Sobre este tema, vale uma explicação mais
longa do autor: A comunidade financeira, do mesmo modo que as operadoras telefônicas, encontrou importantes vantagens na venda de empresas do Estado. Por um lado, os bancos internacionais e as companhias financeiras que participaram dos negócios privatizados trocaram créditos depreciados de uma dívida, de futuro duvidoso, pela participação direta em um negócio concreto de grande futuro. Por outro lado,
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conseguiram ganhos imediatos devido aos importantes aumentos no valor das ações em seu poder e ganharam acesso direto a uma indústria que é crucial para o funcionamento global das operações financeiras. Finalmente, àqueles que não participaram diretamente na transação privatizadora, mas que são possuidores de papéis de dívida de países em desenvolvimento, beneficiaram-se de um considerável incremento no valor da dívida externa dos países que privatizaram (Idem, p. 135).
Antes de iniciar a análise do caso brasileiro, é importante destacar que para exportar
seu modelo e seus interesses, os EUA, com o auxílio da Inglaterra, envidaram esforços para
conquistar também a hegemonia nos organismo internacionais. Segundo Hills (1997), a
estratégia estadunidense não era de apenas reforçar seu poder de mando junto à comunidade
internacional, mas também uma forma de minar as possibilidades dos países de contraporem
sua soberania à hegemonia deles. Nesse sentido, o autor observa que o FMI, antes uma
entidade que se preocupava principalmente com as questões de curto prazo do balanço de
pagamentos, passou a focar nos ajustes estruturais de longo prazo das economias em
desenvolvimento. Com a crise da dívida e a escassez de capital privado e multilateral, o
Banco Mundial ampliou seu poder e passou a vincular empréstimos e a rolagem da dívida à
implementação das medidas previstas pelo Consenso de Washington, de forma que as opções
dos países em desenvolvimento eram restritas. “O fato é que, sem a aprovação do FMI e do
Banco Mundial, dificilmente conseguem levantar recursos junto a bancos regionais, ou
mesmo através de fontes de capital privado” (HILLS, 1997, p. 23). Além disso, a partir dos
anos 1980, os EUA conseguiram mudar as estratégias da UIT e reduzir significativamente o
poder dos PTTs, passando a colocar na agenda da entidade as prioridades das multinacionais.
Para Mahoney (1997), o país conseguiu alterar as prioridades da política de comunicações
internacional. Até 1980, o regulamento da UIT (a chamada série D) impedia entidades
privada, exceto aquelas que fossem muito reconhecidas e estivessem em operação, como a
AT&T, de prover serviços de comunicação. Com as pressões dos proprietários das redes
privadas, a questão foi alterada de forma a recebê-los. No ano de 1984, o relatório da
Comissão Maitland da UIT afirmava que as telecomunicações dos países em desenvolvimento
deveriam passar a atuar em consonância com as linhas comerciais. Em 1988, os EUA e a
Inglaterra conseguiram sobrepor seus interesses durante os encontros preparativos para a
Conferência Administrativa Mundial sobre Telefonia e Telégrafo (WATTC) fazendo com que
os resultados do encontro fossem os mais gerais e liberais possíveis, e que a entidade
reconhecesse e apoiasse a importância da competição nos serviços de telecomunicações. Com
o intuito de revisar o papel da UIT, no ano seguinte foi contratada a firma de consultoria
estadunidense Booz, Allen and Hamilton; entre as recomendações afirmou-se que a entidade
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deveria se abrir mais para os setores privados. Em 1991, um documento publicado pela UIT
recomendou expressamente uma “reestruturação das telecomunicações em países em
desenvolvimento (MAHONEY, 1997).105
Em outra direção, em 1980, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) publicou o resultado da Comissão Internacional para Estudo dos
Problemas da Comunicação, o famoso Relatório McBride, intitulado “Um mundo e muitas
vozes”. Instituída pela própria delegação dos EUA, mas com a presença de representantes de
diversos países do Terceiro Mundo, a Comissão reconhecia o acesso desigual à informação e
à comunicação, referendava a importância das comunicações para a soberania e o
desenvolvimento dos países, criticava a concentração da mídia e recomendava que as nações
regulamentassem e implementassem políticas de comunicações. Esses pontos contrariavam os
interesses dos EUA e da sua aliada, a Inglaterra. Como forma de retaliação, após a publicação
do documento, os dois países se retiraram da Unesco, sendo seguidos pelo Japão. Para Raboy
a distinção entre a Unesco e a UIT para os assuntos de comunicações é clara, posto que
"dentro da lógica da UNESCO, a mídia é uma instituição cultural, parte do processo do
desenvolvimento humano. Dentro da lógica da UIT, a mídia é um sistema técnico para
entrega da informação” (RABOY, 2005, p. 192). Não foi por acaso que a UIT foi responsável
por coordenar a preparação da Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação (WSIS),
ocorrida pela primeira vez em 2003. Mahoney (1997) salienta ainda que outras três
organizações foram também influenciadas por um orientação comercial em se tratando de
política de comunicações, a Centro das Nações Unidas para Corporações Internacionais
(UNCTD), Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
(UNCTAD), e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)106.
4.3 O Sistema Telebrás: da constituição às tentativas de privatização
O monopólio público sobre as telecomunicações brasileiras começou a se consolidar
no começo da década de 1960. Até então, a infraestrutura telecomunicacional do país era
extremamente fragmentada. Contavam-se cerca de 1.000 empresas espalhadas por todo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!105 Em fragmento do relatório, a UIT afirma que “a reestruturação pode ser uma precondição para esses países atraírem investimentos para o setor de telecomunicações, embora o grosso dos recursos financeiros deva continuar a ser gerado internamente [...] Onde o processo de reestruturação se dá de forma tímida e indevidamente lenta, causando, com isto, incertezas, pode mesmo suceder uma redução do fluxo potencial de recursos externos, especialmente privados. Mas quando o processo de reestruturação conduz a uma efetiva autonomia financeira das operações, ou a um elevado grau de privatização, menor, evidentemente é a expectativa de poder contar com recursos externos (UTI, 1991, p. 46 APUD MAHONEY, 1997, p. 157). 106 Atual Organização Mundial do Comércio (OMC).
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território nacional, que cobriam, de modo geral, pequenas aéreas e municípios, com precária
integração da rede. As concessões eram distribuídas pela União, Estados e municípios de
forma não complementar e sem uma coordenação e planejamento centralizados. Para além
das pequenas empresas, existiam seis empresas de grande porte sob o controle do capital
estrangeiro. Destas, destacavam-se: a Companhia Telefônica Brasileira, controlada
majoritariamente pela canadense Brazilian Traction, Light and Power Company, concentrava
cerca de 80% dos telefones existentes no país e cobria e interligava São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte e Vitória, ou seja, os centros urbanos mais ricos do país. No Rio Grande do
Sul, Paraná e alguns estados do Nordeste, o serviço era prestados pela Companhia Telefônica
Nacional, que, ao contrário do que o nome sugere, pertencia a empresa estadunidense
International Telegraph and Telephone (IT&T), tendo apenas 0,000006% de capital nacional.
Outras empresas que se sobressaíam no cenário brasileiro, eram a Western Telegraph, as
estadunidenses Radional e Radiobrás, além da italiana Italcable. Mediante concessões
federais, estas empresas prestavam os serviços interestaduais e internacionais por meio de
espectro radioelétrico ou via cabos submarinos. Este modelo fragmentário, garantido pela
Constituição de 1946, permitia uma forte ingerência política nas concessões e na
determinação das tarifas, além de dificultar a fiscalização e a interconexão entre as redes.
Neste último caso, alguns municípios chegavam a ficar isolados, sem contato com as demais
regiões do país. No período, o número de telefones instalados era de 1 milhão, para uma
população estimada em 70 milhões, o que representava uma grande demanda reprimida,
sobretudo nas áreas comercialmente desinteressantes. De modo geral, o sistema apresentava
uma baixa qualidade dos serviços, levando, às vezes, algumas horas para completar uma
chamada interestadual ou internacional (VIANNA, 1993; MARTINS, 1999; ARANHA,
2005).
Apesar da instabilidade econômica do período, o então presidente João Goulart deu
os primeiros passos para a constituição de um Sistema Nacional de Telecomunicações por
meio da promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117), de 17 de
agosto de 1962107. O marco legal deu uma nova organização às telecomunicações brasileiras,
transferindo para o executivo a exclusividade do poder de concessão e fiscalização por meio
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!107 Em 1946, os empresários brasileiros da radiodifusão passaram a se articular politicamente para discutir e propor uma legislação capaz de unir e fragmentar os diversos textos regulatórios existentes. A partir de então, elas passaram a se articular por meio de entidades nacionais de representação. Após 20 anos de articulações e intensas disputas políticas, e cerca de 20 projetos e substitutivos no Congresso Nacional, finalmente, em 1962, João Goulart sancionou o CBT. Fortemente articulados no Congresso, os radiodifusores conseguiram aprovar um texto que atendia aos interesses do setor, a ponto de conseguirem derrubar todos os 20 vetos impostos pelo presidente da República.!
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do Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). Coube também ao Contel organizar,
planejar (em planos quinquenais), promover e coordenador a integração e o desenvolvimento
das telecomunicações, bem como padronizar a infraestrutura e aplicar a política tarifária
estabelecida na lei.108 Além disso, ficou autorizada a criação da Empresa Brasileira de
Telecomunicações (Embratel) e foi estabelecido o Fundo Nacional de Telecomunicações
(FNT), gerado por uma sobretarifa aplicada aos serviços públicos de telecomunicações. O
montante arrecado tinha como fim o financiamento da Embratel e o desenvolvimento e
ampliação da rede109. Paralelamente, o governo passou a se apropriar e a fazer intervenções
nas empresas estrangeiras, como foi o caso da CTB e da CTN.
Segundo Almeida (1994), diante de um sistema precário e caótico, o governo foi
levado a reorganizar as telecomunicações para responder as necessidades criadas pelo
aprofundamento da industrialização do país na segunda metade da década de 1950, o
crescimento dos centros urbanos e a expansão de um mercado interno unificado, que se deu
graças à criação de rodovias. Por outro lado, havia também a questão da segurança nacional e
o controle das fronteiras.
Complementando o modelo, agora já sob a perspectiva desenvolvimentista da
ditadura militar, após referendar a centralização federativa das telecomunicações na
Constituição de 1967, o governo criou o Ministério das Comunicações, ao qual ficava
submetido o Contel. Em 1972, o Minicom incorporou o Contel e foi criada, por meio da lei n.
5.792, de 11 de julho daquele ano, a Telecomunicações Brasileiras S. A. (Telebrás). A partir
de então, a holding estatal iniciou o processo de aquisição e absorção por vencimento de
outorgas das concessionárias. Ao fim deste processo, o monopólio da Telebrás era formado
por 27 empresas locais, mais a Embratel, que operava os serviços de longa distância. Se por
um lado, havia uma preocupação dos governos militares em expandir e melhorar as
telecomunicações pelo papel que elas tem no desenvolvimento industrial e econômico; por
outro, esse processo de centralização era fundamental para a consolidação da política de
integração e segurança nacional coordenada pela Escola Superior de Guerra e pelo Estado
Maior das Forças Armadas. Ademais, deve-se lembrar que o rádio e a televisão integravam
ainda o complexo das telecomunicações e foram essenciais para a promoção do consumo em
massa e para a difusão dos princípios e propagandas governistas, em um período de marcado
censura.
O final da década de 1960 e a primeira metade década de 1970 compreende um
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!108 Lei 4.117/62. 109 No fim de 1984, a sobretarifa chegou a 30% sobre o valor do serviço.
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período marcado pela ampliação de investimentos no setor, expandindo, integrando e
melhorando a qualidade da rede110 . Desde 1968, a Embratel iniciou um processo de
integração do país por microondas, e interligou o Brasil ao exterior por meio de cabos
submarinos. De acordo com Aranha (2005), a melhoria dos serviços interurbanos e
internacionais possibilitou que o governo passasse a focar sua atenção nos serviços locais.
Entre os anos de 1972 e 1980, o número de terminais instalados aumentou de 1,4 milhões para
5,1 milhões e a densidade telefônica passou de 1,42 linhas/ 100 hab. para 4,2 linhas/100 hab.
Levando em consideração um período mais longo, entre 1973 e 1993, o número de linha foi
ampliado de 2 milhões 12,4 milhões, e a densidade, que era 1,9 linhas/100 hab. cresceu para
8,1 linhas/ 100 hab. (ALMEIDA, 1994; ARANHA, 2005).
Os anos entre 1975 e 1985, segundo a periodização de Aranha (2005), foi o período
mais dinâmico e mais conturbado das telecomunicações brasileiras. Verificou-se uma
expansão expressiva da cobertura dos serviços, “utilizando-se de uma infraestrutura
reconhecidamente avançada para a época, com o uso de satélites, de fibras ópticas e com o
apoio científico de um centro de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (CPqD) de
reconhecida excelência sediado em Campinas/SP” (Idem, p. 77). Apesar destas conquistas, ao
final deste período começaram a surgir uma série de problemas, como acúmulo de demanda
reprimida, congestionamento da rede, ociosidade industrial e retrocesso tecnológico. Grande
parte desses problemas foram consequência da ingerência política sobre os recursos do
FNT111, que impactou na organização orçamentária e no planejamento do Sistema Telebrás. O
impacto destes problemas foram percebidos já no final da década de 1970. Até então, o
incremento anual do número de linhas instaladas vinha crescendo a uma taxa não inferior a
15%, mas em 1979 essa taxa caiu para 10% em relação ano anterior; decrescendo para 8% no
ano subsequente, e chegou a 5,3% em 1981 (DANTAS, 2002).
Almeida (1994) destaca que o Governo Geisel tentou ainda criar uma política
industrial de telecomunicações dentro do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Contudo,
essa política sucumbiu ao poder das multinacionais de equipamentos e o Minicom não teve
poder suficiente para fazer prevalecer uma interpretação sobre o conceito de empresa nacional
que estivesse em acordo com os interesses do país112. Na verdade,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!110 A partir daqui, será adotada a periodização desenvolvida por Aranha (2005). 111 O dinheiro arrecadado passou a ser crescentemente repassado para o Fundo Nacional de Desenvolvimento, criado em 1974, no Governo Geisel. Em 1984, o governo chegou a confiscar 10 bilhões do FNT. 112 “Aproveitando-se da ambiguidade deste conceito na referida portaria (No. 661/75), as filiais estrangeiras pressionaram e obtiveram uma “reinterpretação” do dispositivo , definindo-se por empresa nacional aquela cuja maioria do capital com direito a voto fosse propriedade de brasileiros. Dessa forma, de acordo com a legislação brasileira (no mínimo 1/3 das ações de uma firma devem ter direito a voto), uma empresa que tivesse apenas
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Se nos países centrais, desde sempre, os mercados nacionais eram cativos de empresas nacionais, aqui o mercado veio a ser cativo de um cartel formado pela Ericsson (sueca), Siemens (alemã) e Standard Electric (subsidiária da ITT). Entre o Estado comprador e as filiais fornecedoras articulou-se uma sólida aliança que se infiltrou e se espalhou pelos mais importantes gabinetes do Ministério das Comunicações, da Telebrás e da Embratel (DANTAS, 2002, p. 215).
Embora as tentativas de estabelecer uma política industrial para as “teles” tenham
sido captadas, com o aval do governo, pelo interesse das multinacionais estrangeiras de
equipamentos, o CPqD, criado em 1976 com a finalidade de desenvolver pesquisas e
tecnologias voltadas ao melhoramento das telecomunicações do país, teve uma proeminente
atuação, tornando-se, no final dos anos 1990, o único centro de P&D da América Latina e um
dos cinco melhores do mundo. Nos 20 anos após a sua criação, o CPqD contabilizava o
lançamento de 76 novos produtos, entre eles o primeiro telefone com tecnologia nacional, um
sistema de telefonia pública a cartão indutivo, além de ter desenvolvido tecnologia nacional
para a produção de fibra ótica e produziu centrais digitais de comutação (CPA-T) (Idem,
2002).
O ano de 1985, de acordo com Aranha (2005), representou o agravamento da crise no
setor, culminando com o início dos debates e tentativas de desestatizar as telecomunicações.
O período se estende até 1995, quando, de fato, esse projeto começa a ser implementado.
Entre os aspectos que agravaram a situação na virada dos anos 90, o autor destaca: elevado
represamento da demanda; desprofissionalização da Telebrás e das suas subsidiárias;
defasagem dos serviços periféricos e novos serviços, como telefonia celular; problemas
industriais e tecnológicos; proliferou-se um mercado paralelo de linhas telefônicas por conta
da escassez das mesmas; demora na entrega das linhas telefônicas; inadimplência e demora no
pagamento dos fornecedores de equipamentos; restrições de financiamento; aviltamento
tarifário e, a consequentemente descapitalização do setor.
A degradação das tarifas pode ser mostrada pelo decréscimo do valor da assinatura
básica que, em 1981, era de US$ 3,5 e caiu para US$ 0,65 em 1991, representando uma
redução de 450%. De acordo com pesquisa realizada pela Siemens, National Telephone
Tariffs em 13 países, mostrada por Almeida (1994), no começo de 1993 a assinatura básica no
Brasil era a menor do grupo, ficando abaixo inclusive da praticada na República Popular da
China. O valor da chamada básica era o menor daqueles países, igualando-se apenas com a
China; a tarifa interurbana mostrou-se intermediária em relação aos demais países, com o
Brasil ocupando o 8o lugar. A tarifa de instalação era uma dos maiores do mundo, mas se !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17% do seu capital total (incluindo ações com e sem direito a voto) passaria a ser considerada como empresa nacional para efeito da política de aquisição da Telebrás” (ALMEIDA, 1994, p. 248).
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considerado o pacote de ações recebido, o valor estimado (US$ 449) ficaria abaixo do
praticado na China, Japão e Argentina; a cesta tarifária também apresentava um dos menores
valores (US$ 189), ultrapassando apenas o valor cobrado na China (US$ 162). A pesquisa não
apresentou dados sobre as ligações internacionais, mas, de acordo com Vianna (1993), era
cerca de três ou quatro vezes maior do que a média internacional. Portanto, comparando o
conjunto das tarifas praticadas no Brasil no ano supracitado, percebe-se que o valores
cobrados pelos serviços interurbanos e internacionais funcionavam com elemento de
compensação aos demais valores reduzidos (subsídio cruzado).
Em 1987, uma ação coordenada durante a gestão de Antônio Carlos Magalhães e
Rômulo Vilar Furtado iniciou as tentativas de abrir espaço para empresas privadas na
prestação dos serviços sob monopólio da Telebrás. Assim, foi formulado um contrato em que
uma associação de capitais da Globopar, Digilab (do grupo Bradesco), Victori International
Engenharia de Telecomunicações, e o grupo italiano Stet, formado pela Telespazio e
Italcable, sob denominação de Victori Comunicações (Vicom), seria atravessadora na
prestação dos serviços de longa distância, atuando entre a empresa pública e os usuários. Para
protestar, os servidores da Embratel realizaram a primeira greve da empresa e impetraram no
judiciário uma Ação Popular. Diante das pressões, o comando da Embratel tentou modificar
os termos do contrato e, ao invés de atravessadora, a Vicom seria apenas usuária dos serviços.
Contudo, o consórcio privado não aceitou a nova posição proposta (VIANNA, 1993). Esta foi a prova inequívoca de que a intenção era fazer um negócio sujo. E a prova de que o ministro e o seu secretário-geral participaram conscientemente de todo o processo veio alguns dias depois, com a demissão de todos os diretores da Embratel que não cumpriram as ordens ilegais. Este fato veio a ser o embrião da luta política que se travou no Congresso Nacional em defesa do Sistema Telebrás, durante o processo de elaboração da Constituição de 1988. Se não fosse o ‘caso Vicom’, talvez não se desse tão naturalmente a mobilização dos empregados do Sistema Telebrás para defendê-lo. A ação foi tão eficiente que as propostas dos parlamentares ligados à Antonio Carlos Magalhães, Rômulo Vilar Furtado e, de um modo geral, às multinacionais de telecomunicações, não tiveram qualquer chance de êxito. Praticamente por unanimidade, foi mantida a integridade do Sistema Telebrás (Idem, p. 255).
Um outro fato salientado por Aranha (2005) é a publicação do Decreto presidencial
n. 96.618, que aprovava o Regulamento dos Serviços Públicos-Restritos, no âmbito dos
serviços básicos de telefonia, utilizando termo presente no CBT. Dando uma interpretação
inovadora ao artigo 6o 113 da Lei 4.117, a medida pretendia “alterar o conceito tradicional de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!113 “Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam: a) serviço público, destinado ao uso do público em geral; b) serviço público restrito, facultado aos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicação” (Artigo 6, da Lei 4.117)
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serviço público restrito, estendendo-o aos serviços ‘de uso do público em localidades ainda
não atendidas por serviço público de telecomunicações fixo local’. A introdução deste Decreto cerca de um mês antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 em regulamentação vinte e seis anos tardia evidenciou a tentativa de abrir espaço, no ordenamento jurídico, a uma nova categoria de serviços móveis que não estivesse submetida às limitações prenunciadas no texto constitucional de 1988 […]Ficava patente a finalidade de inserção, na clássica categoria dos serviços públicos restritos, das novas modalidades de serviços móveis celulares sob o nome de serviço de radiocomunicação móvel restrito, visando, com isso, fugir às limitações oriundas da proibição constitucional de transferência de serviços públicos de telecomunicações para empresas que não fossem de controle acionário estatal (ARANHA, p. 86 e 87).
Com a abertura política e a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, as
disputas sobre o monopólio das telecomunicações se acirraram. De um lado, estavam políticos
conservadores, pertencentes ao então PFL (atual DEM) e a ala mais à direita do PMDB; do
outro, uma ala progressista, pertencente aos quadros do PT e da ala mais ao centro do PMDB.
A representação em maior número da primeira bancada foi responsável por rejeitar a
manutenção do monopólio estatal das telecomunicações tanto na Subcomissão de
Comunicação quando na Comissão Temática VIII. Contudo, quando o tema foi a votação no
plenário, o monopólio estatal foi garantido pela maioria dos votos. As concessões em vigor na
época foram mantida pelo artigo 66 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. O
monopólio público das telecomunicações ficou então garantido no artigo 21 da Constituição
Federal, incisos XI e XII, escritos da seguinte maneira: Art. 21. Compete à União: […] XI - explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações;
Durante o governo Sarney, os cortes nos investimentos em telecomunicações
continuaram. Ademais, as tentativas de abrir espaço para a atuação da iniciativa privada
também persistiram por meio da alteração da definição de “serviços públicos-restritos”.
Aranha (2005) explica que o Decreto n. 97.057, de 10 de novembro de 1988, tentou mais uma
vez tirar os serviços celulares da tutela do monopólio público por meio da alteração de
dispositivo do Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações. A proposta
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visava acrescentar “a possibilidade de emissão, pelo Executivo, de regulamento específico
para os serviços público-restritos” (Idem, p. 91). Contudo, se não conseguiu, de imediato,
permitir a entrada do capital privado no âmbito dos serviços de telefonia; o governo Sarney
iniciou a regulamentação da TV por assinatura (TVA) por meio do Decreto n. 95.744,
instituindo o serviço especial de TV por assinatura, também conhecido como UHF codificado.
A autorização permitia que parte da programação fosse transmitida com sinal livre, sem
cobrança de assinatura. De acordo com Martins (1999), embora pouco atraente no período,
esta regulamentação marcou o início dos serviços de TV segmentada no Brasil114. No final do
ano seguinte, o Ministerio fez mais uma tentativa de regulamentar a TV paga. Por meio da
Portaria n. 250, regulamentou o serviço de distribuição de sinais de televisão (DISTV) por
meio físico a usuários. Embora proibisse publicidade e geração de imagens pela operadora, a
Portaria liberou a criação uma infraestrutura de cabos que seria explorada pelas empresas
entrantes.
No ano seguinte, foram lançados os editais com vistas a selecionar a empresa
fornecedora de equipamentos para os serviço móvel celular da “banda A”115 em São Paulo,
Rio de Janeiro e Brasília. No caso de São Paulo, uma ação da Telebrás conseguiu anular a
licitação, justificando prática de preços excessivos e inviabilidade técnica de atuar na área de
800 MHz. Nas outras duas localidades, o início da prestação dos serviços foi protelada para
1990 e 1991, respectivamente, porque as empresas que perderam a licitação recorreram do
resultado (ARANHA, 2005). A Portaria no 117, de 07/12/1990, do então Ministério da Infra- Estrutura, publicou minuta da Norma Específica de Telecomunicações – NET, finalmente aprovada pela Portaria no 31, de 25/02/1991, voltada a disciplinar a forma de permissão da prestação do Serviço Móvel Celular pela iniciativa privada na segunda rodada de licitações dirigidas para as cidades de São Paulo, região de Campinas, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza, indicando a atuação destas permissionárias em subfaixa de frequência não-coincidente a da prestadora de Serviço Público de Telecomunicações. Este esforço privatizante, entretanto, foi obstruído por ações judiciais apoiadas na proibição constitucional de prestação de serviços públicos de telecomunicações por empresas que não fossem de maioria acionária estatal. Somente em janeiro de 1993, foi definido o vencedor (Nec) da concorrência para o fornecimento de equipamentos do serviço móvel celular para a TELESP (Idem, p. 94-95).
Para Bolaño (2003), a questão que se colocava para a economia brasileira no período
da transição democrática dizia respeito, mais uma vez, ao hiato (gap) tecnológico, pois ao
passo que o Brasil concluía seu processo de industrialização com base no paradigma !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!114 A Globosat, da família Marinho, e a TV A, do Grupo Abril foram as primeiras exploradoras do serviço. 115 A Portaria n. 6, de 16 de janeiro de 1989, regulamentou o Serviço Móvel Terrestre Restrito Celular/Serviço Móvel Celular, definindo as faixas de frequência destinadas ao serviço celular, que ficaram posteriormente conhecidas como banda A e banda B.
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142
tecnológico em vigor desde o final do século XIX, os países industrializados adentravam no
paradigma tecnológico assentado na microeletrônica. Assim, o período compreendido entre a
posse de Sarney, em 1984, e a chegada de Fernando Henrique Cardoso ao poder, em 1995, é
marcado pelos embates entre as perspectiva neoliberal e neodesenvolvimentista no interior do
aparelho de Estado sem que nenhuma das duas seja, de fato, implementada. Tal antinomia
marcou também os debates sobre as comunicações, o que, de algum modo, explica os
paradoxos e os movimentos de “stop and go” das políticas setoriais neste período.
Entretanto, apesar dos paradoxos116, é no governo Collor de Mello que foi iniciada
efetivamente a abertura e liberalização da economia brasileira. O governo implantou uma
política de abertura comercial que se “traduziu em um ajuste brutal da estrutura produtiva,
conjugada com a redução das barreiras à importação e recessão do mercado interno, o que
levou a um longo período de estagnação da economia brasileira” (BOLAÑO, 2003, p. 15).
Nesse sentido, a Lei 8.031, de 12 de abril de 1991, instituiu o Plano Nacional de
Desestatização (PND), que visava, entre outras coisas, “reorganizar o papel estratégico do
Estado na economia”, bem como “contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais”117.
Ficava assim autorizada por lei a privatização das empresas sob controle, direito e indireto, da
União.
Vianna (1993) relata que, em abril de 1990, um documento, intitulado “Ideias
Preliminares sobre o Desenvolvimento de um Plano de Privatizações” e elaborado por
técnicos da CS First Boston, foi enviado ao governo brasileiro e para possíveis investidores
estrangeiros. Tratava-se de uma estratégia de privatização e um estudo preliminar sobre a
venda das empresas estatais de minério e petroquímica, com a descrição de possíveis
empresas estadunidenses interessadas. Ficava previsto ainda uma segunda fase, com o envio
de uma emenda constitucional que rompesse com o monopólio estatal sobre as
telecomunicações. Além disso, meses depois, em reunião do GATT, o Brasil alinhou-se aos
EUA e a Inglaterra, contra o posicionamento de países da África, Ásia e demais nações !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!116 Durante a campanha eleitoral, Collor não havia tratado do tema, e defendeu a manutenção das empresas estatais lucrativas. 117 Lei 8.031/91, Art. 1° “É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com os seguintes objetivos fundamentais: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa”.
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europeias. Em 5 de junho de 1990, do outro lado do mundo, em Genebra, na Suíça, realizava-se uma reunião sobre o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt). Nela, os Estados Unidos apresentaram uma proposta de criação de ‘um novo tipo de telecomunicações, o business telecommunication service, ou serviço comercial, completamente diferenciado e separado legalmente da operação pública’. Dentro deste novo conceito, estariam os serviços de valor agregado (enhanced services), que representam o que há de mais lucrativo e mais moderno no setor (VIANNA, 1993, p. 255).
Nesse sentido, no segundo mês de governo, Collor sancionou a Lei 8.029/90, que
autorizava a Telebrás transformar, por meio de fusões ou incorporações, suas 26 operadoras
regionais em 8 subsidiárias, que passariam a atuar em grandes regiões do país. Em 25 de
setembro de 1992, foi assinado pelo Ministro de Transportes e Comunicações, Affonso
Camargo, e um dos diretores do Banco Mundial, Armeane M. Choski, um documento de
entendimento entre as partes, prevendo a reforma das telecomunicações por meio do aumento
da participação do capital privado no setor e da privatização da Telebrás118. No ano seguinte,
durante o processo de revisão constitucional119, os debates sobre o monopólio estatal das
“teles” voltou ao Congresso Nacional. Embora os defensores da manutenção do caráter
público fossem minoria120, as discussões foram interrompidas pelos escândalos de corrupção
envolvendo o presidente da República e a instalação da CPI do Orçamento, que culminou
com o impeachment de Collor. Com isso, o monopólio da Telebrás foi preservado naquele
momento (MARTINS, 1999).
Diante do momento de instabilidade política, o próprio governo Itamar Franco freou
as discussões concernentes à privatização da Telebrás. Mas, por outro lado, sancionou oito
portarias disciplinando a telefonia móvel e separando a Banda A para as concessionárias
públicas e a Banda B para o setor privado. Mais uma vez, a liberação da telefonia móvel foi
impedida “por fortes pressões políticas oriundas sobretudo do próprio Sistema Telebrás e dos
sindicatos que representavam seus empregados, a partir de interpretações jurídicas que
qualificavam a telefonia celular como serviço público e, por isso, sujeita ao monopólio do
Estado” (Idem, p. 43).
Assim, apesar das tentativas de iniciar a liberalização das telecomunicações no
período de reabertura política, o monopólio estatal foi mantido. Com isso, ao assumir o poder
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!118 A íntegra do documento está em Vianna (1993), págs.271-274. 119 A revisão da Carta após cinco anos da sua promulgação estava prevista no artigo 3o do Ato das Disposições Transitórias. 120 Eram PT, PDT e PC do B, com o apoio de sindicatos e centrais sindicais, como a Federação Interstadual dos Trabalhadores em Telecomunicações – FITTEL e Central Única dos Trabalhadores (CUT), bem como da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)!!
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em 1995, o governo de Fernando Henrique Cardoso encontrou o Sistema Telebrás ainda
configurado da seguinte forma: eram 27 empresas operadoras regionais/locais mais uma
holding que operava os serviços de longa distância em todo país, a Embratel. Das 27, 25
estavam sob controle da União e duas sob o controle dos municípios, eram estas: a
Companhia Telefônica Melhoramento e Resistência – CTMR, que operava apenas no
município de Capão do Leão de Pelotas, e a Companhia Telefônica da Borda do Campo –
CTBC, que operava em alguns municípios do ABC paulista. Havia um empresa coligada, a
Companhia Riograndense de Telecomunicações S.A., que era majoritariamente controlada
pelo Estado do Rio Grande do Sul e operava naquele estado, com exceção da área explorada
pela CTMR. Por último, restava a única empresa privada sobrevivente da estatização dos anos
1970, a CTBC, com sede em Uberlândia, controlada pelo Grupo Algar, de Minas Gerais.
Em 1992, o Sistema Telebrás era o maior sistema de telecomunicações da América
Latina e o 12o do mundo, com 12,8 milhões de terminais instalados, sendo 11,6 milhões
(91%) operados diretamente pelo STB e 1,2 milhões (9%) pelos operadores independentes. A
densidade média era de 8 telefones por 100 habitante. No fim de 1993, existiam ainda 298,5
mil telefones públicos, o que significava uma densidade média de 1,7 telefone público por mil
habitante, número que, segundo Almeida (1994), estava abaixo da média dos países
industrializados com índices entre 4 e 6 telefones públicos por mil habitante (VIANNA, 1993;
ALMEIDA, 1994).
Um característica marcante da telefonia brasileira, no começo dos anos 1990, era sua
distribuição desigual em âmbito regional e social. Segundo Almeida (1994), estados mais
ricos tinham uma maior densidade telefônica, como São Paulo, por exemplo, que apresentava
um densidade de 13 linhas por 100 habitantes, ou seja, cerca de 60% acima do nível nacional.
O mesmo desequilíbrio poderia ser constatado internamente, entre bairros mais ricos e mais
pobres. No que concerne à distribuição por estrato social, Prata, Beirão e Tomioka (1999),
apontam que 81% dos telefones residenciais estavam sob poder das classes A e B.
Apesar do aviltamento e das restrições tarifárias, o estudo de Almeida (1994) mostra
que a receita global do Sistema Telebrás evoluiu positivamente entre os anos de 1988 e 1993,
alcançando um crescimento real anual de 9,1% ao ano. Embora em 1991 tenha havido uma
queda real de -23,6% por conta da aplicação da Lei 8.200121, que teve um impacto
significativo no crescimento dos custos de depreciação, no ano seguinte foi registrado um
crescimento real anual de 28% e de 14% em 1993. Os dois principais componentes da receita
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!121 Lei 8.200/1991: Dispõe sobre a correção monetária das demonstrações financeiras para efeitos fiscais e societários.
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de operação (receita operacional líquida) eram os serviços de longa distância, correspondendo
por 61% da receita, e a telefonia local, que representava 26% do faturamento. Dos 61%
recebidos por serviços de longa distância, 49% das receitas eram provenientes de ligações
interurbanas e 12% do serviço internacional (Idem, 1994). O resultado econômico-financeiro do STB apresenta dois aspectos: o legal e o de mercado. Quanto ao aspecto legal, observa-se que o impacto da correção artificial das tarifas revelou-se extremamente perverso para o desempenho financeiro do STB, particularmente no que se refere à sua taxa de rentabilidade [...] No entanto, o chamado resultado de mercado (efetivamente observado) apresentou dimensões relativamente surpreendentes, face à contenção tarifária e à restrição ao financiamento (Idem, p. 270).
Ao assumir o poder e encontrar o tema já na agenda política, o diagnóstico feito pela
equipe do governo FHC apontava para o que foi chamado de forma genérica de flexibilização
do monopólio. Apesar da capacidade de resistência dos sindicatos e dos partidos de esquerda,
com a maioria no Congresso Nacional, o governo do PSDB, como se verá abaixo, levaria a
cabo a quebra do monopólio e a privatização do Sistema Telebrás.
4.3.1 O governo FHC e a privatização do Sistema Telebrás
A chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República em 1995
representou a implantação de uma agenda liberalizante ampla. A coligação PSDB-PFL-PTB
conquistou uma ampla maioria no Congresso Nacional, bem como nos Estados e munícipios,
o que permitiu ao novo governo dar continuidade à política de estabilização macroeconômica
que tinha sido iniciada no governo Itamar Franco com o lançamento do Plano Real, além de
realizar a abertura comercial do país, reforma do Estado, fortalecimento e desregulamentação
do mercado financeiro, com aumento da dívida pública (interna e externa) e adoção de um
extenso programa de privatizações, que incluiu instituições bancárias, os setores
petroquímicos e mineração, e diversas áreas de infraestrutura e serviços, como energia,
telecomunicações e transportes. Neste sentido, ao final de 1995, foi divulgado o Plano Diretor
da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE) e instituído o Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado (MARE).
No que concerne às telecomunicações, o plano de governo apresentado durante as
eleições de 1994, indicava que, se eleito, o Executivo “proporá emenda constitucional visando
à flexibilização do monopólio estatal das telecomunicações”. Se, por um lado, as propostas de
governo apontavam para a flexibilização e a participação das empresas privadas como a
melhor saída a ser buscada; por outro, não deixava claro qual o caminho seria adotado e se o
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ente estatal seria privatizado. O texto afirma que “as iniciativas do futuro governo
resguardarão o patrimônio público nas telecomunicações”, sendo que uma das orientações
gerais seria “preservar a presença do setor público nas áreas estratégicas das comunicações e
no desenvolvimento tecnológico”. Embora, em um momento, o então candidato se
comprometesse com o resguardo do bem público em um momento, em outro, colocava-se no
centro do imbróglio do modelo a ser adotado: O problema, que não é só do Brasil, é encontrar uma fórmula para a organização institucional do setor de telecomunicações que, ao mesmo tempo em que promova fortemente os investimentos privados, reforce o papel regulador do Estado e reserve ao setor público a atuação em segmentos estratégicos do ponto de vista social ou do interesse nacional […] A grande atualidade do debate sobre a organização deste setor na maioria dos países desenvolvidos torna a decisão brasileira ainda mais complexa e importante. Amplos segmentos da sociedade brasileira deverão ser ouvidos para que o governo defina completamente sua proposta, através de projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso para uma decisão final (CARDOSO, 1994, p. 23).
Vencidas as eleições, ao assumir o governo, FHC designou para assumir o Ministério
das Comunicações o engenheiro Sérgio Motta, até então pouco conhecido na cena política,
Motta era homem de confiança do presidente da República e assumiria também o papel de
uma dos principais articuladores da base política governamental. A indicação de um nome do
PSDB para as Comunicações, diretamente vinculado ao presidente da República, mostrava a
importância e a prioridade que o governo daria ao setor nos anos subsequentes, sobretudo
porque, historicamente, este Ministério vinha sendo ocupado por quadros políticos vinculados
ao PFL e ao lobby da ABERT. Sérgio Motta assumiu a função de levar a cabo a flexibilização
do monopólio das telecomunicações, ainda que o governo não tivesse naquele momento uma
definição clara sobre o modelo a ser adotado no que diz respeito à telefonia básica. Um
posicionamento definitivo sobre o tema só veio ao conhecimento público em meados de
outubro de 1997, após a abertura da Banda B da telefonia celular à empresas privadas122.
Contudo, já no segundo mês do governo FHC, mais precisamente em 16 de fevereiro
de 1995, foi encaminhada ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional n. 03-
A/95, que flexibilizava a monopólio estatal sobre as telecomunicações. Ao modificar o inciso
XI do Artigo 21 da Constituição Federal, a emenda autorizava empresas privadas a
explorarem o setor por meio de autorização, concessão ou permissão do poder público
federal. Ficou também estabelecido que o setor seria regulamentado por uma lei própria, que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!122 Martins (1999) mostra que, entre fevereiro de 1995 e outubro de 1997, o ministro Sérgio Motta deu vários depoimentos contraditórios a imprensa sobre o modelo que seria adotado, chegando a apresentar três cenários distintos: 1. as empresas do Sistema Telebrás não seriam privatizadas (fevereiro/1995); 2. seriam mantidas as empresas públicas em um cenário de competição total (fevereiro/1995); 3. haveria privatização mas seriam fixados limites à entrada do capital estrangeiro (julho/1997).
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disciplinaria também a criação de uma autoridade reguladora. Apesar da resistência dos
partidos de oposição, a PEC tramitou rapidamente pelo Congresso Nacional, sendo aprovada
pelo plenário das Câmara dos Deputados em 25 de maio de 1995, e pelo Senado Federal em
15 de agosto do mesmo ano. Desse modo, os incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição
passaram a ter o seguinte texto:
Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens
O texto da emenda aboliu a expressão “a empresas sob controle estatal”, permitindo
assim que empresas privadas pudessem então prestar tais serviços. A Emenda Constitucional
n. 8/95, número que ganhou após ser aprovada, representou “um marco normativo de
adaptação da legislação às demandas de globalização do sistema de telecomunicações, de
certa forma impostas por políticas de empréstimos internacionais, e voltadas à mudança do
papel do Estado na economia” (ARANHA, 2005, p. 95). A alteração significou a quebra do
monopólio do Estado sobre as telecomunicações, cabendo ao Estado fazer as autorizações,
concessões e permissões a entidades privadas, assim como facultava ao Executivo a
manutenção do ente estatal na prestação dos serviços. O Estado ficou obrigado a formular
uma lei ordinária que disciplinasse a organização dos serviços de telecomunicações e criasse
uma autoridade reguladora para o setor. Isto significava que o modelo a ser implementado
deveria ser estabelecido na lei.
Além disso, ao suprimir a expressão “e demais serviços de telecomunicações” da
alínea “a”, do inciso XII, a Carta Magna passou a não considerar radiodifusão como um
serviço de telecomunicações, passando aquele a ter um caráter diferenciando, de modo que
não estaria submetido a nova lei, tampouco a entidade reguladora. Para Ramos (2000), a
separação entre radiodifusão e telecomunicações foi um mecanismo defendido pela Abert
durante os seis meses de discussão da Emenda para não se submeter à jurisdição do novo
órgão regulador. “Os órgãos reguladores sempre foram um elemento decisivo nas pautas
políticas da ABERT” (Idem, p. 175), como também o foi durante a Assembleia Constituinte
de 1998 para modificar a proposta da Fenaj de criação de um Conselho Nacional de
Comunicação, de caráter colegiado e deliberativo, tornando-o apenas consultivo. Some-se a
isso, o fato de que os empresários de radiodifusão sempre defenderam a exclusividade do
capital nacional sobre a exploração deste serviço. “Por um estranho desígnio político
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legislativo, até agora escassamente conhecido, por isto pouquíssimo debatido no Brasil,
radiodifusão deixou de ser serviço de telecomunicações para se transformar em um serviço
por si só, singular, criando uma situação técnico-jurídica inédita no mundo” (Idem, p. 169).
Em abril de 1995, a Ministério das Comunicações lançou um documento intitulado
“As Telecomunicações e o Futuro do Brasil – Flexibilização do Modelo Atual” com o
objetivo de pautar as discussões, sobretudo no Congresso Nacional. Ao longo das suas 70
páginas, o relatório fazia um apanhado sobre a reestruturação das telecomunicações em
vários países e apontava as alianças estratégicas e a convergência tecnológica como as
principais forças propulsoras desse processo. No caso do Brasil, afirmava-se como principais
problemas: as altas taxas de congestionamento do sistema interurbano123, a elevada demanda
não atendida, a defasagem tecnológica do sistema, baixa produtividade e a incapacidade do
setor crescer. Diante deste diagnóstico, apontava-se que no caso brasileiro “a solução mais
viável é um modelo de liberalização progressiva, semelhante ao adotado na Comunidade
Europeia”.
Em novembro do mesmo, com o objetivo de preparar e modernizar o setor para
reestruturação, o governo anunciou o Programa de Recuperação e Ampliação do Sistema de
Telecomunicações e do Sistema Postal (Paste), que previa um investimento de R$ 75 bilhões
para “as teles” entre 1995 e 1999, mas com alcance até 2003124. Para acompanhar o
desenvolvimento do Programa, foram projetadas metas de acesso ao sistema por renda
familiar mensal. Assim, por exemplo, toda família urbana com renda mensal inferior a R$
300, deveria ser atendida por meio de telefone público ou outras alternativas de baixo custo,
como serviço público de mensagem de voz. As metas do Paste, embora condizentes com a
realidade do país, mostravam que a preocupação do governo estava na expansão numérica e
qualitativa da rede de atendimento, mas fortemente assentadas na lógica da exclusão pelos
preços, mantendo-se assim as camadas mais pobres excluídas de um acesso mais amplo às
comunicações e deixando-as sob o paradigma comunicacional da radiodifusão de massa.
Enquanto, definia-se o modelo a ser adotado a partir da elaboração de um projeto de
lei que regulamentaria a telefonia básica do país e disciplinaria a atuação e a organização da
autoridade reguladora, o governo deu início a abertura do serviço de telefonia móvel. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!123 De acordo com Almeida (1994), a desenvoltura do Brasil no tocante aos serviços interurbanos era comparativamente superior a outros países. “O que distingue o Brasil de outros países em situação de ‘precariedade’ semelhante é a transmissão interurbana que, embora apresente níveis elevados de congestionamento, (atualmente em queda) é efetuada de forma satisfatória, de modo a integrar todas as cidades e regiões brasileiras. São atendidas e integradas 100% das cidades, 71% das vilas e 30% das demais localidades com pelo menos um ponto de acesso coletivo” (ALMEIDA, 1994, p. 263). 124 Em abril de 1997, foi lançada uma nova versão do Programa em que as metas eram reavaliadas e ampliadas, e os recursos aumentados para a ordem de R$ 90 bilhões.!!
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4.3.2 Uma Lei Mínima para começar a abertura
Com o intuito de preparar o terreno para a entrada do capital privado e acenar aos
investidores estrangeiros, o governo brasileiro encaminhou, em novembro de 1995, um
projeto de lei que regulamentava a abertura do serviço móvel celular, serviços via satélite e de
valor adicionado a iniciativa privada. De acordo com a Lei Mínima, assim intitulada por ter
chegado ao Congresso com apenas oito artigos, o serviço móvel celular poderia ser explorado
mediante concessão outorgada por licitação, cabendo a Telebrás disponibilizar suas redes para
interconexão de forma não discriminatória. Contudo, ficava facultado à holding pública a
possibilidade de continuar atuando no setor por meio de suas subsidiárias. O artigo 11o
limitava a participação do capital estrangeiro em até 49%. A proposta do governo naquele
momento era apenas liberalizar a Banda B, permanecendo a Banda A sob controle das
operadoras do Sistema Telebrás até o momento da sua total privatização. Após ser aprovada
nas duas casas do Congresso Nacional, a Lei Mínima foi sancionada em 19 de julho de 1995,
contendo 17 artigos.
Aprovado o novo marco legal, o governo iniciou o processo de seleção das
companhias privadas que atuariam na Banda B. Em novembro do mesmo ano, a Portaria n.
557 estabeleceu as diretrizes gerais da abertura do mercado: 1) o espaço brasileiro foi dividido
em dez áreas de concessão, organizadas de forma a serem atrativas economicamente; 2) com
licenças de 15 anos, cada operadora competiria com empresas da Banda A em suas
respectivas regiões125; 3) as áreas de outorga foram separadas em duas categorias: de maior
atratividade de mercado (áreas de 1 a 6) e de menor atratividade de mercado (áreas de 7 a
10), de modo que cada empresa ou consórcio poderia conquistar apenas uma outorga de cada
categoria; 4) as empresas vencedoras eram obrigadas a pagar pela outorga, valor que ser
destinado ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).
Quadro 4: Áreas para a concessão da Banda B do Serviço Móvel Celular
Área 1 São Paulo: Região Metropolitana
Área 2 São Paulo: interior
Área 3 Rio de Janeiro e Espírito Santo
Área 4 Minas Gerais
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!125 O intuito desta estratégia era permitir que após a privatização da banda A, as empresas pudessem se incorporar para melhor concorrer.
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Área 5 Paraná e Santa Catarina
Área 6 Rio Grande do Sul
Área 7 Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Acre e Distrito Federal
Área 8 Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão e Roraima
Área 9 Bahia e Sergipe
Área 10 Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas
Fonte: Anatel
Em janeiro de 1997, foi lançado o primeiro edital de licitação para as outorgas de
concessão da Banda B. As propostas foram recebidas pela Comissão Especial do Ministério
das Comunicações no dia 7 de abril seguinte, sendo um total de 15 consórcios interessados. O
certame era realizado em duas etapas: primeiro eram avaliados os aspectos técnicos e
jurídicos do proponentes e, posteriormente, era realizado o exame da melhor proposta,
observando-se o maior o preço ofertado pela outorga a partir do valor mínimo estabelecido no
edital e as menores tarifas de serviço e habilitação disponibilizadas ao consumidor. Ao passo
que iam sendo abertos os envelopes, as empresas vencedoras, resguardado os limites de
atuação nas duas diferentes áreas de atratividade econômica , iam deixando o leilão.
Quadro 5: Resultado dos vencedores das concessões da Banda B do Serviço Móvel Celular – em bilhões (R$)
Área Preço Mínimo Preço Pago Consórcio Ágio (%)
Área 1 0,600 2,646 BCP (BellSouth, Splice e OESP)
341,25
Área 2 0,600 1,326 TESS (Telia Overseas, Eriline)
121,16
Área 3 0,500 1,508 ATL (Grupo Algar e
Construtora Queiroz Galvão)
201,78
Área 4 0,400 0,520 Maxitel (Vicunha,
Globo, Bradesco,
Telecom Itália)
30,0
Área 5 0,330 0,737 Global Telecom (Suzano
Química, Inepar, DDI, Global Telecom e
134,52
!
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151
Motorola) Área 6 0,330 0,334 Telet (Bell
Canada, Telesystem e
Fundos de Pensão – Previ, Petros, Sistel, Funcef, Telos)
1,36
Área 7 0,270 0,338 Americel (Bell Canada,
Telesystem e Fundos de
Pensão – Previ, Petros, Sistel, Funcef, Telos)
25,37
Área 8 _ 0,060 Norte Brasil Telecom (Splice e Grupo Inepar)
_
Área 9 0,230 0,250 Maxitel (Vicunha,
Globo, Bradesco,
Telecom Itália)
8,69
Área 10 0,230 0,555 BSE (BellSouth, Splice e OESP)
141,55
Total 3,700 8,274 ___ 123,65 Fonte: MARTINS (1999); PRATA, BEIRÃO & TOMIOKA (1999); & ANATEL (1998).
De acordo com Martins (1999), o fator surpresa do leilão foi a derrota do consórcio
TT2, formado pela Organizações Globo, Bradesco, Telecom Itália e AT&T (UGB
Participações), tanto regiões de São Paulo (áreas 1 e 2), como no Rio de Janeiro. A região
metropolitana de São Paulo foi arrematada pelo consórcio BCP, sob comando da
estadunidense Bell South, por R$ 2,646 bilhões, representando um ágio de 340%.
Com a Lei Mínima, o governo iniciou o processo de liberalização das
telecomunicações brasileiras. Os próximos passos e definições foram feitas com o auxílio
substancial das firmas multinacionais e nacionais de consultoria, aspecto que se mostrou
essencial dentro do projeto do governo FHC de internacionalizar a economia do país de
acordo com os padrões exigidos pelo capital financeiro internacional e pelo ideário neoliberal,
defendidos pelos organismos internacionais.
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152
5. A ATUAÇÃO DAS FIRMAS DE CONSULTORIA NA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS
A partir de 1996, o governo começou a colher e a divulgar os primeiros resultados
dos investimentos previstos pelo Paste. Os dois primeiros anos (1995/1996) de
implementação representaram o aumento da participação dos investimentos de
telecomunicações no PIB da ordem de 0,68% em 1994 para 1,30% em 1996; o crescimento
do número de terminais telefônicos (planta de telecomunicações) de 13,3 milhões para 16,5
milhões no mesmo período, a densidade telefônica foi ampliada de 8,4 para 10,4 (tel/100
hab.), o número de acesso em uso evoluiu de 0,8 milhões para 2,7 milhões, e a digitalização
rede telefônica passou de 35,8% para 50,3% no mesmo período. Em 1997, foi lançada uma
nova versão do Paste em que as metas e os recursos foram ampliados. Ainda que não tivesse o
modelo de abertura definido no período de lançamento da primeira versão do programa, a
estratégia do governo era tornar o mercado e a infraestruturas das “teles” mais atraentes ao
capital estrangeiro, de modo que pudesse valorizar economicamente o setor e ampliar o preço
do valor arrecadado.
Neste sentido, uma estratégia central era o chamado rebalanceamento das tarifas e o
fim do subsídio cruzado. No entendimento do governo, “cada serviço precisava ter um preço
que refletisse seu custo real” e “o estabelecimento de tarifas justas daria tratamento mais
equânime aos diferentes segmentos da sociedades”, além de que “era vital para que as novas
empresas pudessem competir em condições justas”. Já no final de 1995, passou a ser
implementado o aumento do valor da assinatura mensal e dos pulsos, e a redução dos valores
cobrados por serviços de longa distância nacional e internacional. O documento “Diretrizes
Gerais para a Abertura do Setor das Telecomunicações no Brasil”, primeiro resultado da
atuação das consultorias, reforça a necessidade de abandonar o subsídio cruzado e rebalancear
as tarifas, uma vez que [...] ao onerar as empresas com custos mais elevados para os serviços que elas mais usam – interurbano e internacional -, esse subsídio às avessas acabou significando uma penalização às classes mais pobres, pois certamente o diferencial de custos foi repassado aos preços dos produtos que elas consomem. Adicionalmente, num regime de competição na exploração dos serviços, a manutenção de subsídios cruzados é insustentável (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 1997, p. 35).
Essas estratégias foram consideradas essenciais para que as receitas de cada serviço
cobrissem seus respectivos custos com uma margem de lucro capaz de atrair os investimentos
estrangeiros. Para alcançar um rebalanceamento tarifário neutro – sem redução nem aumento
das receitas então obtidas pelas operadoras estatais – o relatório apontava a necessidade de,
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153
com base no cálculo de custo de capital, atingir uma remuneração média ao investimento
privado de 15% ao ano, após o Imposto de Renda. As medidas até então implementadas pelo
governo FHC trabalhava com taxa de 12% ao ano, antes do Imposto de Rede. Assim, “essas
empresas, provavelmente, buscarão aumentar sua produtividade de forma que a exploração
desses serviços lhes seja economicamente atraente” (Idem, p. 35).
Para apresentar o setor ao capital estrangeiro, em março de 1996 o governo deu
início aos chamados road shows em países estratégicos como Japão, Estados Unidos,
Inglaterra, Alemanha, França e Portugal. Tratava-se de visitas internacionais comandadas
pelo Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, em que eram convidados empresários
internacionais estrategicamente selecionados. Na ocasião, o Ministro fazia um panorama das
reformas econômicas realizadas no país nos últimos anos, sobretudo após a instituição do
Plano Real, e apresentava a realidade das telecomunicações brasileiras e os investimentos e
mudanças ocorridas nos meses antecedentes. Os cinco primeiro eventos levaram entre um e
dois dias e foram realizados entre março e maio de 1996, a última apresentação aconteceu um
ano depois em Lisboa com duração de 6 dias.
Quadro 6: Realização de road shows para apresentação do Sistema Telebrás aos investidores estrangeiros Ordem Período Cidade/País
1o 13 de março de 1996 Tóquio/ Japão
2o 18 e 19 de março de 1996 Nova Iorque/ EUA
3o 20 e 21 de maio de 1996 Londres/ Inglaterra
4o 23 de maio de 1996 Frankfurt/ Alemanha
5o 28 de maio de 1996 Paris/ França
6o Entre 22 e 28 de maio de 1997 Lisboa/ Portugal
Fonte: Elaboração própria Obs.: Para o evento dos Estados Unidos, foram convidados também empresários do Canadá. Para o evento da Alemanha, foram convidados também empresários da Espanha. Obs 2.: O presidente Fernando Henrique esteve presente nas apresentações de Tóquio e Paris
A implementação do Paste deixou claro as intenções do governo em liberalizar o
setor, ainda que, no período, não houvesse uma definição sobre o modelo e os limites da
abertura. Aspectos que só foram definidos após o começo dos trabalhos das firmas de
consultoria, culminando com a total privatização e abertura do setor ao capital estrangeiro.
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154
5.1 O processo de contratação das Firmas de Consultoria: a garantia
Logo após a aprovação da Emenda Constitucional n. 8/95, o Ministério das
Comunicações realizou um Acordo Administrativo de Cooperação Técnica com a UIT
visando “a obtenção de apoio técnico e metodológico com vistas à modernização do setor de
telecomunicações”. De acordo com o Informe número 2 do Ministério das Comunicações126, a
viabilidade jurídica do acordo estava pautada no inciso II, do artigo 25 da Lei de Licitações
(Lei 8.666/93), que garante a inexigibilidade de licitação em caso de inviabilidade de
competição para a contratação de serviços técnicos, de natureza singular127. Contudo, no
início de 1996, verificou-se que o acordo administrativo não era o melhor instrumento para os
fins almejados, de modo que, em junho daquele mesmo ano, o acordo foi revogado e
estabelecido um Termo de Cooperação entre o Governo Brasileiro e a UIT (UIT N. 9-
BRA/95/05). Dessa vez, o documento estava fundamentado no Acordo Básico de Assistência
Técnica entre o Brasil e a ONU, suas agências especializadas e a Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA), de 29 de dezembro de 1964, e no Acordo entre Governo Brasileiro
e a UIT, de 8 de outubro de 1991. O Termo foi assinado em 14 de junho de 1996 pela
Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores.
O Termo de Cooperação previa o pagamento de US$ 5.106,250 a UIT para que esta
prestasse ao Ministério das Comunicações “apoio técnico e metodológico, com vistas à
realização dos estudos necessários à modernização do Setor de Telecomunicações”. À UIT
coube selecionar e contratar especialistas e consultores em acordo com “as normas e
procedimentos administrativos e financeiros internacionais pertinentes, mediante prévia
consulta ao Ministério e à ABC”. A UIT também poderia, em acordo com disponibilidade da
instituição, cooperar com especialistas do seu quadro de pessoal. A entidade também tinha o
papel de participar do acompanhamento e da avaliação dos trabalhos executados. Para prestar
esse trabalho, foi pago à UIT uma “taxa administrativa” no valor de 7,5% do total do contrato,
ou seja, US$ 356,250, já inclusos no valor final do termo. O prazo do documento era de três
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!126 Em janeiro de 1998, o Ministério das Comunicações divulgou uma série de informes oficiais tratando dos temas e ações relacionados à privatização. 127 Lei 8.666/93. Artigo 25 – “É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação”. “Artigo 13 - Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias”.
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155
anos, ficando determinado que a UIT prestaria contas anualmente ao Ministério das
Comunicações, bem como enviaria um relatório financeiro final após 60 dias do fim do
acordo.
Ao Ministério das Comunicações cabia dar o aval final aos consultores propostos pela
UIT, elaborar e definir cada plano de trabalho, seus prazos e objetivos, além de prover
instalações parar as equipes de trabalho. O Ministério foi encarregado ainda de elaborar um
Documento de Projeto e Planos de Trabalho a serem assinados também pelo governo
brasileiro e pelo organismo internacional. Nesses documentos o Ministério descreveu as
tarefas a serem realizadas e o cronograma de trabalho. Entre os produtos previstos para serem
desenvolvidos pelos firmas de consultoria estavam: a) Modelo econômico: Desenvolvimento de um modelo econômico que sustente o desenho do projeto da nova lei geral de telecomunicações e de sua correspondente exposição de motivos, e que sirva para orientar as decisões relativas à adequação do Sistema TELEBRÁS ao novo cenário competitivo que se avizinha;
b) Projeto de lei: Documento a ser encaminhado ao Congresso Nacional, como proposta do Poder Executivo, visando atender ao dispositivo constitucional que estabelece que "Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais";
c) Regulamento da lei: Proposta de Decreto e da correspondente Exposição de Motivos para regulamentar a lei mencionada no item anterior e torná-la aplicável, associada a um determinado conjunto de documentos normativos de menor hierarquia (por exemplo, Portarias ministeriais) operacionalizando as primeiras decisões;
d) Interconexão: A partir das regras básicas estabelecidas na Lei, definição dos critérios e procedimentos básicos para interconexão de redes dos diversos provedores de serviços, especialmente na fase inicial, em que se terá os novos operadores entrando num mercado até então dominado pelas empresas antes monopolistas. Essa regulamentação abrangerá tanto aspectos técnicos (conectividade, interoperabilidade, numeração, etc.) como principalmente comerciais (custos de interconexão). Nesse último particular, ela deverá considerar também, caso essa não seja uma obrigação de todos os operadores, a questão do provimento do serviço universal;
e) Implantação do órgão regulador: Definição da estrutura organizacional, do regimento interno, do quadro de pessoal, da política de pessoal, do orçamento e demais aspectos necessários à constituição do órgão regulador e sua implantação física propriamente dita. Inclui-se aqui a definição de uma estrutura mínima de fiscalização, necessária para o momento inicial da abertura do mercado à competição;
f) Preparação do Sistema TELEBRÁS para atuar em ambiente de competição: Avaliação da legislação e dispositivos regulamentares que cerceiam a atuação do Sistema TELEBRÁS do ponto de vista empresarial, reduzindo assim suas possibilidades de competição com empresas privadas; avaliação das possibilidades de remoção desse cerceamento. Definição do futuro desejado para o Sistema TELEBRÁS, especificamente no tocante à sua manutenção como sistema empresarial, estatal ou privatizado, ou a sua fragmentação. Avaliação da organização empresarial do STB e da conveniência de redefinição das áreas de
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156
concessão. Avaliação da viabilidade econômica, financeira e técnica de novas áreas de concessão; estudo de critérios societários, administrativos e financeiros para a reorganização empresarial do STB em função das novas áreas de concessão, incluindo cronograma de implementação. Estratégia para um programa de privatização do Sistema TELEBRÁS ou das empresas operadoras reorganizadas, incluindo os aspectos societários, econômicos, financeiros e estratégicos. Definição do papel da TELEBRÁS, da EMBRATEL e do CPqD no novo cenário;
g) Cronograma para introduzir a competição na prestação dos serviços: Formulação de uma estratégia para a introdução da competição na prestação de serviços de telecomunicações, considerando aspectos geográficos, técnicos, econômicos e financeiros. Essa estratégia deverá contemplar a abertura inicial dos setores de telefonia celular, comunicação de dados, serviços via satélite e serviços de valor adicionado em geral, ampliando-se gradativamente até alcançar os serviços básicos. Deverá ser considerada também a possibilidade da abertura do mercado de telefonia local, através do aproveitamento de alternativas tecnológicas, como forma de canalizar os investimentos para o atendimento a curto prazo da demanda por serviços básicos (DOCUMENTO DE PROJETO, Anexo ao UIT N. 9-BRA/95/05).
Os trabalhos foram desenvolvidos por firmas multinacionais de consultoria e
algumas nacionais. As consultoras internacionais foram convocadas para dar suporte nos
seguintes pontos: desenvolvimento do modelo econômico que daria sustentação à proposta de
reforma estrutural do setor; análise do impacto potencial das disposições da nova lei de
telecomunicações sobre a oferta e a demanda, utilizando o modelo econômico citado; análise
das alternativas possíveis para adequação do Sistema TELEBRÁS ao novo contexto
econômico-institucional; e a modelização da privatização das empresas estatais de
telecomunicações. As consultorias nacionais integraram os grupos de trabalho para dar
cobertura nos seguintes assuntos: análise do marco jurídico do setor de telecomunicações;
estruturação do órgão regulador; implementação de uma estrutura mínima de fiscalização;
regulamentação para interconexão de redes; e reorganização empresarial do Sistema
TELEBRÁS. De modo geral, estas assumiram o papel de adequar as propostas e decisões ao
regulamento jurídico brasileiro. As equipes de trabalho eram coordenadas por técnicos
indicados pelo Ministério das Comunicações.
O Informe n. 2 afirma que as firmas de consultoria foram contratadas pela UIT
seguindo “procedimentos internos de licitação e contratação” da entidade. Segundo Lima
(1998), na interpretação do MiniCom, não havia exigência de licitação por se tratar da
contratação de serviços técnicos com profissionais ou empresas especializadas. O fato é que o
Termo de cooperação não trata de licitação, ao menos como é definido na legislação
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157
brasileira128, afirmando apenas que a UIT selecionou os consultores seguindo “as normas e
procedimentos administrativos e financeiros internacionais pertinentes”, cabendo ao governo
brasileiro aprovar os selecionados. As firmas contratadas não poderiam ter vínculo jurídico
com o Ministério.
A mudança de Acordo de Cooperação para Termo de Cooperação evidenciou a
necessidade de contratar as firmas consultoras fugindo dos padrões nacionais de licitação e de
prevenir o governo de futuros questionamentos jurídicos. O primeiro tinha um caráter
administrativo e era ato unilateral decidido entre as duas partes, governo brasileiro e UIT, não
apresentando justificativa regulamentar. Para a respaldar o Termo de Cooperação, o governo
recorreu a antigos e genéricos acordos internacionais de cooperação técnica por meio do
Ministério das Relações Exteriores. O fato é que à UIT deveria ser dado o poder de contratar
as firmas multinacionais de consultoria mais adequadas ao projeto político de abertura dos
serviços de telecomunicações ao capital estrangeiro. A ideia do governo era contratar firmas
consultoras capazes de atrair grandes investidores e empresas, sobretudo, aquelas com
experiência no gerenciamento do setor de telecomunicações. A chancela da UIT, por meio das
firmas multinacionais de consultoria de sua confiança, representou para os investidores
internacionais a capacidade de ter informações seguras sobre o processo de privatização.
Como analisado anteriormente, a capacidade de trânsito das consultoras por diversos setores,
seu acesso privilegiado às informações de diversas empresas, o estreito laço com o capital
financeiro e o papel que assumiram no processo mundial de reestruturação capitalista pós-
1970, tornavam-nas atores confiáveis para sinalizar ao capital internacional as verdadeiras
intenções do governo brasileiro, bem como significam a implantação de um modelo que
estivesse de acordo com os poderes hegemônicos presentes na UIT naquele momento.
Além disso, Lima (1998) destaca que um estudo realizado pela OMC já havia
identificado o Brasil como o país em desenvolvimento que naquele momento oferecia mais
oportunidade de lucro no setor. A criação da OMC, em substituição ao GATT, foi marcada
pelo estabelecimento de um marco jurídico internacional que dava aquela poderes
semelhantes a outras organizações internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. Signatário
do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), realizado no encontro do GATT/OMC
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!128 Na época, a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) afirmava : : “Art. 3 A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. A redação deste artigo foi alterada em 2010.
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158
de Marrakesh, em abril de 1994, “o Governo brasileiro seguiu sofrendo fortes pressões
internacionais para fazer uma ‘boa oferta’ ao acordo específico das telecomunicações” (Idem,
p. 127). O GATS implicava em acordos estruturais e agendas de comprometimento para todos
os países membros. O Anexo III do documento previa que um acordo internacional sobre os
serviços de telecomunicações deveria ser formulado até 30 de abril de 1996. Contudo, alguns
impasses impostos pelos EUA, que queriam restringir a abertura ao seu mercado de satélites e
a entrada de capitais estrangeiros no seu mercado de longa distância, o acordo não foi
finalizado no prazo previsto. Apenas em fevereiro de 1997, foi decidido os termos finais do
acordo e prorrogado o prazo para aceitação e implementação. Ficavam estabelecidas as
diretrizes para a abertura dos mercados de telecomunicações. Nas palavras do então
presidente da OMC, Renato Ruggiero, o documento dava “segurança e estabilidade aos
mercados” 129 . Ao final, os EUA decidiram abrir mão das medidas protecionistas e
ameaçaram não assinar o acordo caso os demais países também não assumissem tais garantias
de abertura. Na ocasião, o Brasil comprometeu-se a aumentar o limite da participação do
capital estrangeiro nos serviços de telefonia móvel e transmissão por satélite, até então restrito
ao teto de 49%. Além disso, ficou previsto que um ano após a sanção da LGT, o país
apresentaria propostas de abertura para a telefonia básica. Os comprometimentos foram sendo
reformulados e ampliados ao longo dos meses seguintes e, ao final do processo de
privatização, o governo brasileiro permitiu a abertura total do setor ao capital estrangeiro.
Em julho de 1996, as firmas multinacionais e nacionais de consultoria selecionadas
assinaram os contratos com a UIT e iniciaram os trabalhos na sede do Ministério das
Comunicações, em Brasília. As firmas contratadas e respectivos produtos foram os seguintes:
• McKinsey & Co. – desenvolvimento de um modelo econômico para o setor
das telecomunicações;
• Consórcio Lehman Brothers/ Dresdner Kleinwort Benson – assessoria
financeira para o desenvolvimento das disposições sobre a privatização do
Sistema Telebrás que deveriam ser incorporadas ao texto da LGT;
• Escritório Sundfeld Advogados – assessoria para a organização dos serviços,
a criação do órgão regulador e redação do projeto de lei;
• Escritório Motta, Fernandes Rocha & Associados Advogados – assessoria na
redação da parte da LGT sobre privatização
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!129 OMC obtém acordo para telecomunicações. Folha de São Paulo, 16 fev. 1997.
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O desenvolvimento dos trabalhos foi realizado em quatro equipes formadas entre os
consultores e técnicos do alto escalão do Minicom. Dessa forma, as contribuições “poderiam
ser melhor absorvidas ao longo do trabalho; as empresas tiveram a chance de conhecer de
forma mais aprofundada todas as particularidades do sistema brasileiro de comunicações e a
transferência de conhecimento pôde se dar de forma completa” (PRATA, BEIRÃO,
TOMIOKA, 1999, p. 358). Esta primeira etapa foi realizada entre julho e novembro de 1996.
As equipes trabalhavam na sede do Ministério e faziam apresentações periódicas com as
principais propostas e resultados do seus trabalhos, elas foram organizadas da seguinte
maneira:
Quadro 7: Equipes de Trabalho - Consultorias Equipe Coordenador de Equipe Consultores Técnicos do Ministério das
Comunicações I
Ércio Alberto Zilli - Assessor Especial do Ministério
McKinsey & Company
Alejandra Herrera Diône Craveiro P. Silva
II
Benjamin Sankievicz –Assessor do Ministro
Lehman Brother/ Dresdner Kleinwort Benson Motta, Fernandes Rocha & Associados Advogados
Diône Craveiro P. Silva Ércio Alberto Zilli Jonas de Oliveira Júnior Raimunda Nonata Pires Reinaldo Acírio de Oliveira
III
Mario Leonel Neto – Secretario de Serviços de Comunicações
Carlos Ari Sundfeld - Escritório Sundfeld Advogados Márcio Cammarosano - Escritório Sundfeld Advogados Rosolea Miranda Folgosi - Escritório Sundfeld Advogados
Alejandra Herrera Paulo Roberto de Consuelo Madalena Portolan Eduardo de Faria Pereira
IV
Juarez M. Quadros do Nascimento – Secretário de Fiscalização e Outorga
Sávio Pinheiro – Consultor independente
Alexandre Antônio de Souza Edilson Ribeiro dos Santos Esmeralda Eudóxia Teixeira de Castro Jarbas José Valente
Fonte: Elaboração própria
Cerca de cinco meses após o encaminhamento do Projeto de Lei ao Congresso
Nacional, o Ministério das Comunicações estendeu o Termo de Cooperação com a UIT para
que as consultorias continuassem trabalhando no processo de implementação da LGT e da
Anatel. Mais um vez, a seleção foi feita por intermédio da UIT entre junho e julho do mesmo
ano. Os contratos tinham como base o desenvolvimento dos serviços adicionais necessários.
Os gastos com consultoria aumentaram para cerca de 16,6 milhões de dólares, ou seja, foram
triplicados. Segundo Lima (1998), a assinatura do Termo Aditivo de Cooperação gerou
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críticas da oposição no Congresso Nacional. A bancada de oposição, então comandada pelo
PT, PCdoB e PDT, solicitou explicações ao Relator da Comissão Especial de
Telecomunicações, Alberto Goldman (PMDB-SP), mas ele não as tinha. O Ministério das
Comunicações enviou uma nota técnica explicando que o Aditivo já tinha sido assinado e os
recursos já haviam sido comprometidos e os contratados renovados, mesmo sem ter tido
participação do Congresso Nacional130.
A esquematização desta segunda parte dos trabalhos das consultoras foi feita da
seguinte maneira:
Quadro 8: Serviços e produtos do Termo Aditivo de Cooperação Brasil -UIT para a reforma do Sistema Telebrás
Serviço Firmas de Consultoria Objetivos Produtos
Serviço I
McKinsey & Co.
Assessoria na estruturação do órgão regulador e no desenvolvimento de aspectos fundamentais da nova regulamentação
1. Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações;
2. Regimento Interno da ANATEL;
3. regulamento de licitações da ANATEL;
4. Plano Geral de Outorgas;
5. Plano Geral de Metas de Universalização;
6. Regulamento de Interconexão.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!130 No dia da votação da LGT no Congresso o Deputado Sérgio Miranda (PCdoB MG), salientou os motivos pelos quais votaria contra o projeto: “São três as razões que nos levam a votar “não”: consideramos que a forma de contratar consultorias no Exterior pode ser uma burla à Lei n. 8.666/93, que exige licitação. O segundo aspecto é que nós consideramos que transferir para uma agência internacional, mesmo sendo um órgão da ONU, a definição da forma de contratação dessas consultorias é uma abdicação de nossa soberania. O terceiro aspecto são os valores envolvidos. Achamos excessivos os valores envolvidos na contratação dessas consultorias” (ATAS da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização da Câmara dos Deputados, esp. dias 03 (número 1089/97) e 10/12/1997 (número 1123/97) APUD LIMA, 1998) !
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Serviço II
Consórcio Telebrasil 2000 (KIeinwort Benson/Lehman Brothers/Arthur Andersen)
Assessoria no detalhamento do modelo de reestruturação e desestatização do Sistema TELEBRÁS.
1. Modelo de reestruturação e desestatização da TELEBRÁS
Serviço III – A
KIeinwort Benson/ Lehman Brothers (Consórcio Telebrasil)
Interação com autoridades do mercado de capitais, estratégia de comunicação e a coordenação geral
1. Interação e comunicação com autoridades do mercado de capitais
Serviço III - B
Arthur Andersen (Consórcio Telebrasil)
Cisão do Serviço Móvel Celular e preparação das empresas para a reestruturação
1. Plano de cisão do Serviço Móvel Celular e preparação das empresas para reestruturação
Fonte: Elaboração própria a partir de informações do Informe 2, do Ministério das Comunicações. Obs.: O Serviço III foi contratado ao Consórcio Telebrasil, contudo o Serviço foi dividido por consultorias para a execução.
As firmas de consultoria foram contratadas ainda uma terceira vez dentro do
processo de privatização das telecomunicações. Por meio de acordo com o Ministério das
Comunicações, o BNDES realizou licitação, dessa vez em acordo com a legislação nacional,
para contração de firmas de consultoria com o objetivo de proceder a avaliação econômico-
financeira do desmembramento do Sistema Telebrás. As propostas técnicas e comerciais
foram recebidas no dia 20 de dezembro de 1997. O procedimento de análise e divulgação do
resultado aconteceram no dia 16 de fevereiro de 1998, ficando o resultado da seguinte forma:
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Quadro 9: Serviços da avaliação financeira - BNDES
Fonte: Elaboração própria
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5.2 Da análise do material empírico
A análise proposta neste trabalho se concentrará principalmente nos trabalhos
desenvolvidos pelas firmas multinacionais de consultoria. Serão analisados os produtos e
documentos produzidos nos dois primeiros momentos da atuação das consultoras, a
contratação e a renovação dos contratos por meio do Termo de Cooperação com a UIT. Ou
seja, não será considerada a última contratação das firmas de consultoria por meio do
BNDES, uma vez que não se teve acesso aos documentos produzidos nesta etapa. A análise
do material empírico mostrou que, apesar da entrada da Arthur Andersen na segunda etapa, os
trabalhos deram continuidade ao planejamento e as atividades iniciados no primeiro
momento. O encaminhamento da LGT ao Congresso Nacional e o ritmo acelerado de trabalho
exigido pelo Ministério das Comunicações requisitavam que as diretrizes e as ações previstas
no Projeto de Lei estivessem prontas para serem executadas assim que ele fosse aprovado no
Legislativo Federal. Para além da aprovação da nova legislação, a privatização dependeria
ainda, entre outras coisas, do desenho, organização e implantação do órgão regulador; da
elaboração de Plano Geral de Outorgas e de um Plano Geral de Metas de Universalização,
Serviço Consultoras Objetivos
Serviço A
Arthur D. Little/ Coopers
Lybrand
Avaliação econômico financeira das empresas resultantes da cisão da Telebrás .
Serviço B
Salomon Brothers/ Morgan
Stanley
Execução da avaliação econômico-financeira das empresas resultantes da cisão da Telebrás, dos serviços necessários à identificação de pontos críticos e dos ajustes para fins de recomendação do preço de venda das ações de titularidade da União emitidas por esses empresas, da sistemática da venda, da implementação da reestruturação da Telebrás e dos demais serviços necessários ao processo de desestatitazação.
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163
bem como do planejamento e execução da venda das empresas do Sistema Telebrás. Esses
elementos já começaram a ser estudados, elaborados e definidos na primeira etapa dos
trabalhos, cujos resultados foram divulgados pelo Ministério das Comunicações em relatório
intitulado “Diretrizes Gerais para a Abertura do Setor das Telecomunicações”, constituído de
quatro partes Além disso, foram as discussões e definições desta primeira etapa que
materializaram o Projeto da LGT. A extensão do Termo de Cooperação representou um
segundo momento da atuação das consultoras, com o intuito de que elas dessem continuidade
as discussões e pudessem implementar as ações e auxiliar nas regulamentações das questões
previstas na LGT. Os debates, impasses e decisões deste estágio estão documentadas em
apresentações (slides de power point) feitas pelos consultores durante as reunião no
Ministério das Comunicações.
Desse modo, o objeto empírico desta pesquisa é composto por documentos primários
desenvolvidos pelas firmas de consultorias nos dois momentos. Como os trabalhos são
contínuos e interligados, a análise será realizada considerando o conjunto dos documentos
produzidos em todo o processo de trabalho das firmas consultoras. O período em que o
documento foi elaborado será salientado quando se fizer necessário a melhor esclarecimento
do esclarecimento do leitor. Deve-se salientar que o modelo regulatório e econômico foi
pensado como um todo, dentro de um processo integrado.
Portando, será estudado o documento “Diretrizes Gerais para a Abertura do Setor das
Telecomunicações no Brasil”, editado e lançado em abril de 1997 pelo Ministério das
Comunicações. O relatório possui cerca de 496 páginas, que compõem quatro volumes. O
primeiro volume apresenta a organização das equipes de trabalho, faz um diagnóstico do setor
de telecomunicações até 1996, e apresenta as propostas e objetivos do governo para o setor. O
segundo caderno, baseado nos trabalhos da McKinsey, apresenta os aspectos econômicos
fundamentais da reforma, a visão para os cinco anos pós privatização e as etapas necessárias a
implementação da reforma. Nele está contido possíveis cenários de regionalização para a
reforma, bem como apresenta-se o modelo concorrencial previsto para cada uma das opções.
O terceiro volume, de autoria do consórcio Lehman Brothers/ Dresdner Kleinwort Benson,
faz um levantamento internacional de possíveis investidores estratégicos e possíveis formas
de atraí-los, apresenta estratégias para reestruturação e liberalização, define uma solução
legal para a privatização e traça possíveis métodos de privatização. O último documento,
baseado nos trabalhos da Sundfeld Advogados, identificava os principais problemas jurídicos,
trazia recomendações jurídicas para a constituição de um novo modelo de regulação e traçava
um panorama de possíveis formas e modelos de constituição do órgão regulador.
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164
Além disso, foram analisadas cerca de 156 apresentações131 mostradas nas reuniões
de trabalho e que tratam da execução da privatização, da implantação do novo modelo
regulatório e das demais questões subjacentes à LGT. Esta documentação faz parte do Projeto
Memória das Telecomunicações – Acervo Sergio Motta, coordenado pelo Instituto Fernando
Henrique Cardoso (iFHC)132. Como os arquivos em power point de autoria das firmas de
consultoria ainda são tratados como confidenciais, o iFHC permitiu que o autor desta pesquisa
tivesse acesso aos referidos documentos na sede do iFHC, em São Paulo. Contudo, não foi
autorizado que os arquivos digitais saíssem dos computadores do Instituto, de modo que o
pesquisador teve que transcrever os enunciados das apresentações, bem como fotografá-las
para posterior análise. O levantamento documental foi feito durante o mês todo o mês de julho
de 2011.
Além disso, fizeram parte do corpus empírico deste trabalho as leis e regulamentos
que foram centrais para o processo de privatização, como a Lei Mínima de Telecomunicações
(Lei n. 9.295/1996), a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), o Regulamento da
Anatel (Decreto 2.338/1997), o Plano Geral de Outorga (Decreto 2.534/1998), o Plano Geral
de Metas para a Universalização do STFC (Decreto 2.592/1998), bem como outros
documentos legais que trataram da reestruturação das telecomunicações no período de 1995 a
1998.
Deve-se destacar que os trabalhos realizados pelas firmas de consultoria tiveram
como base os objetivos formulados e aprovados pelo Ministério das Comunicações para a
reforma. De acordo com o texto do volume I das “Diretrizes...”, os objetivos foram traçados
com base em dois princípios centrais: introdução da competição e universalização dos
serviços básicos. As metas estabelecidas foram as seguintes e os caminhos para alcançar cada
um dos objetivos estão apresentados no quadro abaixo:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!131 Este número é uma aproximação visto que alguns slides aparecem repetidos em diferentes apresentações. 132 Trata-se de um acervo de documentos que preserva a memória dos principais eventos que dizem respeito ao processo de privatização do Sistema Telebrás e a atuação do Ministro Sérgio Motta durante o período que ele comandou o Ministério das Comunicações. Parte dos arquivos podem ser acessados no sítio do Projeto: http://telecomunicacoes.ifhc.org.br/telecomunicacoes/#/Home
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165
Quadro 10: Objetivos fundamentais para a reforma estrutural e os caminhos para atingi-lo Fonte: Ministério das Comunicações (1997), Vol. 1. !
A partir da análise das metas traçadas pelo governo e do estudo dos documentos
empíricos, este trabalho propõe-se a analisar a atuação e as propostas das firmas de
consultorias para realizar a reforma estrutural das telecomunicações com base nas propostas
definidas pelo governo federal. De modo geral, os objetivos tratavam da construção de um
novo modelo regulatório e econômico para o setor, bem como de um estratégia de
privatização que permita a maximização do valor da venda. A análise dos documentos
empíricos foi realizada levando em consideração os caminhos apontados para atingir cada um
dos objetivos, pois às firmas de consultoria coube justamente pensar, elaborar e propor
medidas para, de fato, pavimentar tais caminhos. Assim, foram definidos elementos de análise
que subsidiassem o pesquisador neste sentido, além de permitir a posterior análise da relação
entre medidas implementadas e objetivos traçados.
Quadro 11: Elementos de análise da pesquisa a partir dos caminhos para atingir os objetivos da reforma
Caminho para atingir os objetivos Elementos de Análise
Privatização • Estratégia para atração dos investidores
estrangeiros
• Princípios jurídicos centrais
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166
• Métodos e estratégias para a venda das
empresas
Competição • Modelo concorrencial
• Plano Geral de Outorgas
Universalização • Conceito e estabelecimento das metas de
universalização
Criação do órgão regulador • Desenho e organização do órgão
regulador
Fonte: Elaboração própria
É importante salientar que, como mostrado anteriormente, os trabalhos foram
desenvolvidos em equipes que contavam com técnicos designados pelo Ministério das
Comunicações, além do suporte de firmas jurídicas brasileiras. Isto significa que as atividades
foram desenvolvidas numa perspectiva relacional e dialógica, com as consultorias, muitas
vezes, incorporando e sistematizando o conhecimento tácito desenvolvido nas reuniões e
encontros formais e informais, como é próprio do trabalho das consultorias. Neste sentido, um
dos desafios deste trabalho foi compreender o entrecruzamento e as definições apontadas pela
equipe do Ministério das Comunicações e pela equipe de consultores.
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5.3 Atraindo investidores: projetando certezas de um futuro rentável
A partir de maio de 1996, dentro da ampliação do Termo da Cooperação com a UIT,
as firmas financeiras de consultoria KIeinwort Benson e Lehman Brothers foram contratadas
para assessorar o governo na interação com o mercado de capitais e realizar a coordenação da
estratégia de comunicação com os investidores. Os duas firmas eram, na verdade, bancos de
investimentos, o primeiro sediado em Londres e o segundo, na época, em Nova Iorque133.
No contexto do processo de privatização, a estratégia de mundialização das
telecomunicações a partir a abertura total aos investidores internacionais obteve o sucesso
esperado pelo governo. Analisando o processo de privatização, verificou-se uma forte
presença investidores internacionais e empresas estrangeiras de telecomunicações, grande
parte destas membro da UIT, como por exemplo a Telefónica de Espanha, Portugal Telecom,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!133 O Lehman Brothers, faliu em 2008 como consequência da crise hipotecária estadunidense ( ou Crise dos Subprimes), processo caracterizado pela expansão do crédito sem garantias suficientes de adimplência. Diante da ausência dos pagamentos, o bancos passaram a vender “papéis” (securitização) com base nos lucros futuros superestimados desses créditos garantindo assim seus fluxos de caixa. Contudo, o não pagamento dos empréstimos, sobretudo imobiliários, gerou uma desvalorização dos móveis e o estouro da bolha especulativa.
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167
Bell South, MCI (WorldCom), Motorola, NTT, Telia , TCI e outros.
Quadro 12: Empresas membros da UIT que participaram da privatização da Telebrás Empresa País de Origem
Telefonia Móvel Banda B
Bell South EUA
DDI Corporation Japão
Korea Mobile Coréia do Sul
Telecom Motorola EUA
Telecom Itália (Stet) Itália
Telia Suécia
STFC e Serviço Móvel Banda A (Sistema Telebrás)
MCI EUA
NTT Mobile Communication Japão
Portugal Telecom Portugal
Telecom Itália – Stet Itália
Telefónica de España Espanha
Fonte: LIMA (1998). Adaptado.
Antes da privatização, as consultoras financeiras Kleinwort Benson e Lehman
Brothers fizeram um mapeamento de possíveis multinacionais de telecomunicações capazes
de participar da compra do Sistema Telebrás. No documento que compõe “As Diretrizes...”,
os critérios utilizados foram as seguintes questões: 1. a empresa investiu em empresas de
telecomunicações fora do país de origem?; 2. a empresa já investiu em empresas de
telecomunicações da América Latina ou fez propostas a empresas de telecomunicações da
América Latina?; 3. a empresa mostrou interesse em investir no setor de telecomunicações do
Brasil (Banda B, CRT etc.)? Além disso, foi avaliado indicadores como se o potencial
investidor desejaria ou seria capaz de investir mais de um bilhão de dólares; se poderia estar
interessado em serviços locais e de longa distância; e se poderia estar interessado em prestar
os serviços em regiões subdesenvolvidas. A partir destes critérios, foi construído um quadro
inicial de potenciais investidores, indicando o nível de interesse de cada um deles. A partir
das prospectivas, conclui-se que cerca de 9 Parceiros Estratégicos em Potencial (PEP) teriam
muito interesse em investir no Brasil e cerca de 10 teriam interesse moderado, sendo que
haveriam 8 muito interessados e 8 com interesse moderado capazes de investir mais de US$ 1
bilhão.
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168
Quadro 13: Empresas com potencial para comprar empresas do Sistema Telebrás Fonte: MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 1997, p. 43.
Em uma apresentação realizada em 2 de outubro de 1997, as firmas de consultoria
apresentaram um quadro mais ampliado e intitulado “Investidores Estratégicos: Principais
interessados”. Neste, constava um mapeamento de principais operadoras interessadas por tipo
de serviço de telefonia (telefonia fixa, telefonia móvel e Embratel), prováveis alianças
internacionais e investidores estratégicos domésticos.
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169
Quadro 14: Investidores Estratégicos - Principais interessados
Fonte: Lehman Brothers, Dresdner Kleinwort Benson & Arthur Andersen, apresentação feita em 2 de outubro de 1997.
As previsões e a estratégica de comunicação das consultoras financeiras com os
investidores estrangeiros tiveram uma sucesso parcial. No que diz respeito à telefonia fixa,
estavam previstas a participação de 15 operadoras internacionais, mas apenas cinco
demonstraram interesse. A Bell South e a MCI não estavam listadas, mas participaram do
leilão, assim como os grupos financeiros Iberdrola e Bilbao Vizcaya. Entre os 17 grupos
nacionais previstos, oito demonstraram interesse. A Sul América Seguros, Inepar, Aliança
Bahia, Solpart e Fundos de Pensão, embora não estivessem previstos, tentaram participar dos
negócios. Na telefonia móvel (Banda B)134, das 10 empresas internacionais que estariam
interessadas, apenas cinco participaram do certame e houve uma substancial participação de
empresas que não apareciam na lista das consultoras, como Telefónica, TIW, Itochu, NTT,
Southwestern Bell, British Telecom e Splice. Dos 17 grupos nacionais previstos, cinco
participaram do leilão. Não se esperava a participação de grupos como Cowan, Telepart
Participações, Telesim e Vectra Empreendimentos.
A apresentação em power point não deixa claro os critérios de seleção das empresas.
Contudo, tomando por base os critérios de seleção presentes no relatório das “Diretrizes...”,
percebe-se a expectativa de “mundializar” as telecomunicações brasileiras e o interesse de
colocá-las sob a exploração de grandes multinacionais do setor, sendo quase todas firmas-rede
provenientes de países da Tríade (EUA, Europa e Japão) e da OCDE, com exceção da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!134 Quando foi realizada a venda da Banda A as firmas de consultoria ainda não estavam contratadas.
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170
Singapore Telecom e da Korea Mobile. Embora Cingapura não seja membro da OCDE, a
principal empresa de telecomunicações do país tem apresentado uma forte estratégica de
internacionalização, participando de subsidiárias na Austrália, Tailândia, Filipinas, Índia,
Bangladesh e Indonésia.
Um outro elemento central apontando pelas consultoras para atrair os investimentos
estrangeiros foi a continuidade do chamado rebalanceamento das tarifas, com o fim do
subsídio cruzado. No entendimento do governo, já divulgado no Paste, “cada serviço
precisava ter um preço que refletisse seu custo real” e “o estabelecimento de tarifas justas
daria tratamento mais equânime aos diferentes segmentos da sociedades”, além de que “era
vital para que as novas empresas pudessem competir em condições justas”. No final de 1995,
passou a ser implementado o aumento do valor da assinatura mensal e dos pulsos, e a redução
dos valores cobrados por serviços de longa distância nacional e internacional. O documento
“Diretrizes Gerais para a Abertura do Setor das Telecomunicações no Brasil”, primeiro
resultado da atuação das consultorias, reforça a necessidade de abandonar o subsídio cruzado
e rebalancear as tarifas, uma vez que [...] ao onerar as empresas com custos mais elevados para os serviços que elas mais usam – interurbano e internacional -, esse subsídio às avessas acabou significando uma penalização às classes mais pobres, pois certamente o diferencial de custos foi repassado aos preços dos produtos que elas consomem. Adicionalmente, num regime de competição na exploração dos serviços, a manutenção de subsídios cruzados é insustentável (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 1997, p. 35).
Essas estratégias foram consideradas essenciais para que as receitas de cada serviço
cobrissem seus respectivos custos com uma margem de lucro capaz de atrair os grandes
capitais. Para alcançar um rebalanceamento tarifário neutro – sem redução nem aumento das
receitas então obtidas pelas operadoras estatais – o relatório apontava a necessidade de, com
base no cálculo de custo de capital, atingir uma remuneração média ao investimento privado
de 15% ao ano, após o Imposto de Renda. As medidas até então implementadas pelo governo
FHC trabalhava com taxa de 12% ao ano, antes do Imposto de Renda. Em seguida, “essas
empresas, provavelmente, buscarão aumentar sua produtividade de forma que a exploração
desses serviços lhes seja economicamente atraente” (Idem, p. 35).
No relatório da McKinsey, entre as principais condições de mercado que permitiriam
a atração do capital estrangeiro estavam “a existência de uma demanda suficiente por serviços
de telecomunicações e o equilíbrio entre as tarifas e os custos dos serviços que permita um
retorno atrativo sobre o capital” (MCKINSEY, 1997, p. 29). Nesse sentido, a consultora
realizou um estudo sobre condições de mercado por meio de uma análise da demanda, dos
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171
custos e das receitas. Partido deste diagnóstico, recomendou algumas medidas. No que
concerne à demanda, a consultora projetou que, se em 1996 os serviços fossem ofertados a
preços razoáveis (taxa de instalação de R$ 250135 e tarifas rebalanceadas), existiria uma
demanda entre 18,4 e 25,2 milhões de acessos fixos. Contudo, como na prática a demanda
tinha sido de 13,9 milhões, calculou-se para o período uma demanda reprimida entre 4,5 e
11,3 milhões de terminais. Projetou-se ainda que até 2003 a demanda total cresceria entre
25,5 e 34,6 milhões136. Isto significava que “o Brasil poderá representar um mercado de
crescimento atrativo para investidores num horizonte próximo” (MCKINSEY, 1997, p. 31). A
partir do Plano de rebalanceamento de tarifas do Ministério das Comunicações, a consultora
apresentou uma estimativa dos resultados do rebalanceamento (Gráfico 7) e estimou as
receitas após o fim do processo137 (Gráfico 8). Gráfico 7: Estimativa preliminar do rebalanceamento das tarifas – 1996
Fonte: Secretaria de Serviços de Comunicações/ Análise McKinsey
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!135 Segundo o documento, embora esse valor fosse considerado em levado em comparação com os países desenvolvidos, ele era significativamente mais baixo do que o então praticado de R$ 1.120, além de ser próximo ao custo real pago. 136 De acordo com o relatório, os cálculos foram feitos a partir dos seguintes métodos: análise de regressão exponencial PIB/Per Capita; análise de regressão exponencial PIB/per capita ajustado por paridade do poder de compra; distribuição de domicílios e densidades telefônicas por faixa de renda; acessos comerciais por indivíduo economicamente ativo; e “70/30”. 137 Este cálculo foi realizado “utilizando os padrões atuais e o crescimento projetado para o uso, incluindo efeitos de elasticidades de preço e de PIB, foi projetada a receita média mensal por acesso por 15 anos, e depois foi nivelada para a obtenção de uma receita média mensal constante” (MCKINSEY, 1997, p. 32).
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Gráfico 8: Receitas locais da Telebrás com tarifas rebalanceadas (R$/acesso/mês)
Fonte: Ministério das Comunicações/ Análise McKinsey *Assumindo R$ 0,03 por ponta. Não leva inclui acréscimo para serviço universal. ** Assumindo R$ 250 de taxa de instalação *** Apenas entre residencial existente e comercial
Além disso, baseada em estudo do BNDES sobre outras empresas brasileiras
privatizadas, a McKinsey estimava que o custo mensal das empresas de telefonia na
prestação dos serviços locais poderia ser reduzido de R$ 58 para R$ 39, desde que
implementadas medidas de eficiências operacionais e de investimento. Os cálculos do
BNDES apontavam que empresas então recém privatizadas obtiveram redução de 30% no
capital empregado e 35% nos custos de caixa. Com o rebalanceamento tarifário e a redução
dos custos por acesso, “a receita média estimada por acesso ficará acima do custo melhorado
da Telebrás. Portanto, na média, os investimentos são atrativos” (Idem, p 36). Além disso, ao
detectar que o custo melhorado da Telebrás (R$ 39,30) ainda seria superior a receita esperada
de um novo consumidor residencial (R$ 32,36), a consultora indicava que para sanar essa
lacuna seria possível complementar o rebalaceamaneto “de modo que os consumidores
residenciais paguem tarifas similares às dos consumidores comerciais. Uma vez que o custo
do acesso é equivalente para essas categorias de consumidores, esta abordagem seria
economicamente justa” (Idem, p. 38).
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173
Na prática, o chamado rebalanceamento tarifário estava assentado na extirpação do
subsídio cruzado, um mecanismo de redistribuição social que direcionava parte dos recursos
dos serviços mais acessados por clientes de alta renda e, portanto mais lucrativos (ligações de
longa distância), para compensar o déficit da prestação dos serviços básicos, sobretudo em
áreas rurais e de difícil acesso, sendo o principal garantidor dos princípios de universalização.
Com o fim deste artificio, o aumento das tarifas dos serviços básicos e a redução dos preços
dos serviços de longa distância, o acesso ao serviço passa a ser comandado pela lógica de
mercado, de exclusão pelos preços. Ou seja, pela lógica aparente da igualdade forjada pelo
pensamento (neo)liberal. A ideia é que em um mercado competitivo as tarifas seriam
impulsionadas para baixo, ao ponto do relatório prever que, possivelmente, após o período de
abertura concorrencial não seria necessária uma regulação tarifária, o que de fato nunca
aconteceu, como se verá adiante.
5.4 O desenho do novo marco regulatório: a LGT sob a perspectiva da
internacionalização das telecomunicações
No que concerne aos aspectos fundamentais da regulação básica, a partir de uma
análise do cenário internacional e “no entendimento das exigências tecnológicas para a
competição em telecomunicações e no conhecimento da realidade específica do Brasil”, a
McKinsey apontou que a realização da reforma deveria estar baseada nos seguintes
elementos:
1) Órgão Regulador Independente
De acordo com o relatório, um mercado competitivo privado exigiria a presença de
uma autoridade regulatória federal “forte e independente”, com alto nível de capacitação
técnica, capacidade para definir regras e com poder para fazer cumprir as leis e
regulamentações. “A capacidade de definição de regras terá de cobrir ampla gama de tópicos,
desde concessões até padrões de interconexão, para garantir que a competição seja justa”
(MCKINSEY, 1997, p. 22). A autoridade reguladora deveria ser independente
financeiramente e na forma de fiscalização. Este aspecto era apontado como essencial para
dar maior segurança aos investidores, uma vez que as ações da autoridade estariam
submetidas a parâmetros econômicos e competitivas, afastando-a de questões políticas. Ou
seja, a implantação de um órgão técnico e economicamente independente representava, ainda
que submetido ao Executivo Federal, uma maior garantia ao mercado de que as decisões
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174
tomadas teriam uma maior opacidade e capacidade de resistência a ingerência das políticas
implementadas pelos governos.
A criação de agências e instâncias reguladoras é recorrente em processos de
privatização. A “agencificação” do Estado tem suas origens na década de 1930, nos Estados
Unidos, durante o governo Franklin Delano Roosevelt. A medida estava inserida no conjunto
de ações previstas pelo New Deal, implementadas após a crise de 1929. Buscava-se criar uma
nova estrutura regulatória que protegesse o país de uma nova crise econômica, compensando
assim as falhas do mercado. Criou-se assim a ideia de estas instituições seriam capazes de
proteger e promover a concorrência no mercado, uma vez que que assumiriam um caráter
independente ao manter-se longe dos interesses político-partidários e das pressões do
mercado. Esta perspectiva encontrou respaldo e foi devidamente apropriada anos depois pelos
governos neoliberais, em sua afirmação da centralidade do mercado como principal força
propulsora do desenvolvimento. Nesta perspectiva, as agências reguladoras, dotadas de
neutralidade técnicas, assumiram a função de mediar os interesses entre o Estado, as
concessionária e os usuários, reduzindo o papel regulador do primeiro. Isto significa que,
diante do discurso de deslegitimação do Estado e de repasse dos serviços públicos para o
mercado, as agências reguladoras seriam capazes de prezar pela qualidade dos serviços e pela
manutenção da concorrência de modo mais eficiente. A tentativa de criar uma instituição neutra diante dos interesses políticos incorre necessariamente num discurso profundamente ideológico, pois a neutralidade das decisões tomadas pela instituição estaria baseada em uma falsa possibilidade de tratamento igual aos diferentes níveis sócio-econômicos e consequentemente dos distintos interesses (DA ROSA, 2008, p. 103).
Este discurso de neutralidade do aparato estatal foi assumido também pela Nova
Direita estadunidense dentro de um processo de reforma da administração pública, que
buscava, como já visto, um Estado reduzido, menos ideológico e mais eficiente (a terceira
via). É daí que decorre a ideia de um “cidadão consumidor” e “cidadão cliente” incorporada
pelas firmas multinacionais de consultoria a partir da perspectiva de Reinventar o Governo. A
ideia de modernizar o Estado por meio de uma reforma do aparato estatal assentada em
privatizações era um dos princípios norteadores do programa do governo Fernando Henrique
Cardoso. No governo Fernando Henrique Cardoso se insistiu na ideia de que com o processo de privatização, o cidadão-cliente seria “empoderado”, pois poderia exercer o controle social das agências por meio da participação nos processos de consultas e audiências públicas realizadas por estes órgãos. Contudo, conforme verificaremos, o problema não incide apenas e necessariamente nas questões que são colocadas para o “público” opinar, mas nos próprios pressupostos culturais, sociais e políticos que emergem desse novo contexto de abertura da economia e de privatizações, que se
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175
cravam e se expressam também através das agências reguladoras (Idem, p. 108).
O discurso sob o qual prosperam as entidades reguladoras buscam, mais uma vez,
mascarar as diferenças econômicas e de poder entre os atores sociais, embora deixe claro o
compromisso com o princípio de um “mercado eficiente”. No caso brasileiro, alguns estudos
tem demostrado a colonização das agências reguladoras pelos interesses das empresas
prestadoras de serviços em detrimento dos interesses dos usuários, como é o caso dos
trabalhos de Leal (2001) e Aranha (2005) sobre a manifestação do interesse público e da
participação política na Agência Nacional de Telecomunicações. Segundo Leal (2001),
mesmo nos Estados Unidos, a agencificação “hoje se depara com o esgotamento de seu
modelo e este vê-se, obviamente, desacreditado e não consegue afastar o Executivo do âmbito
decisório e, menos ainda, a influência do mercado”(Idem, p. 76). Além disso, a constituição
das entidades reguladoras é um mecanismo que tentou, de certo modo, burlar as regras dos
poderes políticos típicos de uma democracia representativa. Não é por acaso que, como
demostra o relatório da McKinsey, a constituição de um ente regulador é uma forma de
garantia para os capitais privados.
2) Regulamentação básica para uma competição justa
Na perspectiva da consultora, as questões específicas concernentes às redes de
telecomunicações exigem um regulação no sentido de criar uma competição eficaz. Os
elementos centrais são resumidos no Quadro 15: Quadro 15: Elementos para uma regulamentação básica
Fonte: Ministério das Comunicações/ McKinsey
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176
A interconexão obrigatória a preços razoáveis, além de garantir a integração das
redes e dos usuários, reduziria o custo dos serviços uma vez que evita a necessidade de
duplicação da rede por parte das operadoras. O acesso às redes e um plano de numeração
equânime garante que os usuários sejam tratados pelas operadoras de modo não
discriminatório e as impede de construir dificuldades técnicas (como a numeração) para
beneficiar determinado concorrente. A desagregação dos elementos de rede (unbundling),
diante das possibilidades tecnológicas, proibiria a “venda casada” em pacotes de rede
permitindo que uma operadora compre acesso aos elementos de rede separadamente em
acordo com as necessidades dos seus serviços. Além de proporcionar um mercado mais
competitivo, a prática otimiza a utilização das redes e dos ativos uma vez que não h
necessidade de duplicação.
A regulamentação tarifária só estava prevista para o caso de haver um concorrente
dominante com capacidade monopolística ou quando fosse permitida a fusão dos
concorrentes. Ao contrário, “uma vez que exista um mercado competitivo e a concorrência
efetiva esteja estabelecida, os preços dos serviços seriam regulados pelo mercado e, portanto,
a regulamentação tarifária poderia ser eliminada” (Idem, p. 24). A lei deveria prever ainda o
direito de passagem que permite, mediante viabilidade física e técnica comprovadas, o uso de
vias públicas (rodovias, linhas férreas, praças etc) para fornecer um serviço de natureza
pública. Assim, o uso destes espaços deveria ser concedido a preços razoáveis e sem
discriminar os concorrentes. Além disso, o órgão regulador deveria ter a capacidade de definir
conflitos em caso da não existência de um acordo entre as operadoras no âmbito do mercado.
Mais uma vez, o subsídio cruzado é visto como insustentável em um regime de
competição, devendo portanto ser eliminado. A manutenção do subsídio significaria que os
novos entrantes não teriam interesse em prestar serviços “cujos custos não são cobertos pelas
tarifas” (sic) uma vez que eles teriam que presta-los a custos mais altos para os grandes
clientes, que poderiam optar por construir suas próprias redes. “Portanto, a criação dessa
barreira à entrada é considerada uma prática anticompetitiva” (Idem, p. 24). Observa-se neste
argumento que o mecanismo de justiça social do modelo anterior é retirado do âmbito do
poder regulador e repassado para o mercado, de modo que a melhor forma para garantir a
justiça social seria uma competição justa e não um desígnio do Estado. Além disso, nos
relatórios do governo e da firmas de consultoria, o subsídio cruzado aparece como o principal
causador do desequilíbrio tarifário.
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3) Mecanismos de financiamento do serviço universal
Para atender a necessidade de expansão da rede a áreas economicamente não
atrativas, o relatório indicava a necessidade de constituição de um mecanismo de
financiamento com vistas a alcançar metas de universalização. O subsídio deveria ser
implantado de maneira a não criar vantagens ou desvantagens entre as concorrentes, não
prejudicando as operadoras que tivesse como principal serviço a telefonia fixa. Assim, foram
estabelecidas metas de instalação de terminais por área ou por densidade populacional, como
será analisado adiante, financiadas pela criação de um fundo de universalização.
Embora a McKinsey tenha apontado os elementos principais que deveriam constar
na LGT, o volume IV das “Diretrizes...” salienta que a redação final do projeto de lei
encaminhado ao Congresso Nacional foi escrito pela equipe do Ministério das Comunicações
com o suporte dos consultores jurídicos do escritório Sundfeld Advogados. As questões
levantadas pelas firmas multinacionais de consultoria contratadas serviram como base para a
construção do projeto, seja na criação do modelo econômico, no desenho do órgão regulador,
na definição dos princípios e passos do processo de privatização, na definição do plano de
outorgas, bem como na indicação de metas de universalização e demais regras necessárias ao
que se chamou de competição justa. Isto significa que embora o PL tenha sido encaminhado
sob a chancela do Ministério das Comunicações, o texto final é consequência do trabalho
conjunto dos grupos de trabalho e consequência das recomendações e levantamentos feitos
pelas firmas consultoras.
De modo geral, a LGT (Lei 9.472/97) estabeleceu os princípios fundamentais da
organização dos serviços de telecomunicações, os direitos e deveres dos usuários e
prestadores de serviços públicos observando os diferentes tipos de regimes de prestação do
serviços; criou e estabeleceu as diretrizes para a organização e atuação da Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel) enquanto órgão regulador; estabeleceu a organização e a
classificação dos serviços de telecomunicações, determinando as regras comuns e as regras
diferenciadas para os serviços prestados em regime público e em regime privado; disciplinou
a implantação e o uso das redes de telecomunicações; estipulou os princípios de utilização do
espectro de radiofrequências, bem como dos serviços prestados via satélite; estabeleceu as
sanções administrativas e penais; e lançou as diretrizes e princípios para a desestatização do
Sistema Telebrás.
A LGT lançou portanto as bases para o processo de privatização e reestruturação das
telecomunicações, permitindo que o governo implementasse e continuasse trabalhando no
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178
modelo idealizado pelos grupos de trabalho no primeiro momento de contratação das firmas
de consultorias (julho-dezembro/1996).
Do ponto de vista jurídico, a equipe do Sundfeld Advogados apontou a necessidade
de inserir na legislação um novo regime de prestação dos serviços públicos de
telecomunicações, uma vez que, se isso não ocorresse, eles seriam submetidos ao regime geral
de concessões e permissões de serviços públicos então vigente (Leis 8.987/95 e 9.074/95138).
Na análise da equipe, a aplicação do regime geral era incompatível com a organização dos
serviços de telecomunicações e não traria facilidades a abertura do setor ao capital privado e à
competição. “Essas leis não consideraram os problemas próprios da exploração dos serviços
em regime de competição entre vários particulares: estão mais adaptadas para regular a
atuação de particular no regime de monopólio” (SUNDFELD, 1997, p. 13). Para os
consultores jurídicos, o fato de a Constituição enunciar que a União prestará, direta ou
indiretamente, os serviços de telecomunicações “não significa que todos os serviços ou
atividades que se enquadrem no conceito de telecomunicação sejam estatais (isto é, serviços
públicos no sentido que se dá a essa expressão no direito administrativo)” (Idem, p. 17).
Assim, a LGT deveria classificar apenas alguns serviços como público, estando estes sujeitos
ao regime jurídico típico; bem como designar os demais serviços e atividades de
telecomunicação como atividade privada, sujeito a regime de prestação típico.
Na primeira etapa dos trabalhos, a Mckinsey realizou uma análise de possíveis
critérios que poderiam ser utilizados para classificar os serviços de telecomunicações (rede,
economics, alcance, mobilidade, conteúdo, tecnologia, sofisticação, conteúdo e cliente),
recomendando o uso dos dois primeiros. Contudo, na segunda etapa, a equipe de trabalho, a
partir de contribuições e entrevistas com o pessoal do Ministério, adotou um critério híbrido
diretamente vinculado aos usuários dos serviços e composto por três aspectos: medida de
demanda, medida de utilidade e relacionamento entre os usuários e provedores. Assim,
seriam serviços de interesse coletivo aqueles que apresentassem uma demanda alta, que a
utilidade crescesse para o usuário final com a expansão para outros usuários (utilidade
acrescentada) e que os usuários estivessem fora do círculo imediato do provedor. Os serviços
de interesse restrito foram definidos como aqueles com baixa demanda, utilidade não-
acrescentada com a expansão e que os usuários estivessem dentro do círculo imediato do
provedor. Neste sentido, a LGT ratificou a divisão entre serviços de “interesse público” e de
“interesse restrito”, estabelecendo um regulação assimétrica baseada na dominância de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!138 A primeira trata do Regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos; a outra regulamentava as normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.
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mercado por parte das incumbentes. Assim, os primeiros são prestados em regime jurídico
público; os outros sob regime privado. Cada um dos regimes tem suas especificidades e
requisitos (ver Quadro 16) e é possível prestar o serviço exclusivamente em um regime, ou
nos dois concomitantemente.
Quadro 16: Regimes de prestação do serviços de telefonia e principais características
Regime de Prestação Características
Serviços Públicos
• Essencialidade • Continuidade • Obrigações de Universalização • Prestado mediante concessão ou
permissão • Vigência com prazo de 20 anos,
renovável só uma vez • Controle de tarifas
Serviços Privados
• Atividade econômica • Fixação livre dos preços • Não cumprem metas de universalização • Prestação mediante autorização • Não há prazo para a autorização
Fonte: Elaboração própria
A legislação estabeleceu ainda a obrigatoriedade de interconexão para todos os
serviços de forma não discriminatória (Arts. 146, 147 e 152); igualde no acesso às redes com
sistemas de discagem padronizados e planos de numeração não discriminatórios; tarifas dos
serviços públicos controladas pela Anatel e ficou proibida a prática de subsídios cruzados (art.
103). O direito de passagem ficou garantido para as concessionárias, de modo que elas
podem usar vias de prestadoras de serviços de telecomunicações ou outros serviços públicos
(art. 73). O unbundling ficou a critério das negociações entre as prestadoras, contudo, como
não houve negociação, a Anatel passou a regulamentar a questão a partir de maio de 2004.
Di Pietro (2011) chama atenção para o fato de que a Lei de Telecomunicações não
utiliza o conceito de serviço público, optando por falar em serviços de interesse coletivo e de
interesse privado. Inovação que está relacionada a liberalização dos serviços públicos e ao
intuito de forjar uma crise daqueles.
5.5 O desenho da Anatel e os mecanismos previstos na LGT: entre a tradição
do direito brasileiro e as tendências liberais estadunidenses
A proposta de estruturação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi
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180
elaborada por duas firmas de consultoria. À McKinsey coube, pensar, de modo geral, as
características gerais do órgão regulador e, a partir disso, elaborar um modelo organizacional,
definindo o organograma, principais processos chave e a alocação de perfis e habilidades dos
recursos humanos por superintendências e departamentos. O escritório brasileiro Sundfeld
Advogados assumiu o papel de assessorar e elaborar o projeto lei geral de telecomunicações
com base no modelo definido pelo governo e firmas multinacionais de consultoria, prevendo a
criação da Anatel, sua atribuições e organização básica, os mecanismos de atuação a ele
atribuídos, bem como a classificação dos serviços de telecomunicações. Não é demais lembrar
as equipes de trabalho eram constituídos por consultores e técnicos do Ministério.
Na primeira fase dos trabalhos, no relatório da McKinsey que compunha as
“Diretrizes...”, a consultora ressaltou a necessidade de, acompanhando as tendências
internacionais, criar uma órgão regulador independente, com autonomia financeira e alto nível
de capacidade técnica para definir regras para os setor. Na perspectiva da consultora, a
autonomia da autoridade reguladora era essencial para atrair e dar segurança econômica aos
investidores. “Se os concorrentes entenderem que as ações desse órgão são baseadas em
critérios econômicos e competitivos, e não em critérios políticos, os investimentos no setor
serão estimulados” (MCKINSEY, 1997, p. 22).
A partir de uma interpretação dada ao artigo 21, XI, da Constituição Federal, o
Escritório Sundfeld Advogados analisou modelos possíveis de órgão regulador e afirmou que
a solução poderia assumir duas variantes: um órgão hierarquicamente submisso ao Ministério
das Comunicações ou órgão autônomo. Um vez que esta segunda opção seria a mais atrativa
para os grandes capitais, avaliou a possibilidade do órgão ser uma entidade da administração
pública indireta em acordo com os modelos tradicionais (pessoa governamental pública,
autarquia, fundação governamental pública, ou pessoa governamental privada), um órgão
regulador com o apoio de um ente de suporte (por exemplo, um Conselho Deliberativo
vinculado a órgão da Administração Pública Direta) ou uma agência reguladora independente.
Esta última foi a opção recomendada. Observe-se que, entre as possibilidades aventadas, a
agência reguladora independente aparece como instrumento diferente de autarquia,
salientando assim o caráter inovador da proposta. “Tem-se a opção de instituir um ser de um
gênero novo, sem compromissos assumidos com a velha distinção entre pessoas de natureza
pública e pessoas de natureza privada” (SUNDFELD ADVOGADOS, 1997, p. 26). Na
verdade, a proposta do escritório pretendia inovar implementando uma agência de caráter
fiducial que se denominaria Ofício Brasil de Telecomunicações. Assim, a agência teria total
independência, inclusive para estabelecer seu próprio sistema de controle interno e disciplinar
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em regulamento próprio os procedimentos para a seleção dos parceiros contratuais,
desvinculando-se da lei de licitações. Além disso, A agência reguladora independente não teria vínculos de natureza funcional, hierárquica ou normativa com o Poder Executivo. Sua função seria, em suma, aplicar as leis de telecomunicação sem qualquer intermediação de decretos presidenciais, portarias ministeriais e outros atos da Administração Federal (Idem, p. 26).
Embora tenha sido discutida e, segundo o relatório, preliminarmente aceita pelo
Ministério, a proposta de criação do Ofício foi abandonada por receio do governo em relação
a novidade da proposta, o que poderia gerar questionamento quanto a constitucionalidade e
atrasos no processo. O governo avaliou que “o simples fato do Artigo 21 da constituição se
referir explicitamente à existência de um órgão regulador não significava que a entidade a ser
criada poderia contar, legalmente, com o grau de autonomia imaginado para o Ofício Brasil”
(PRATA; BEIRÃO & TOMIOKA, 1999, p.). É relevante destacar também que a privatização
das telecomunicações estava dentro de um quadro maior de reformas implementadas pelo
governo FHC. Definiu-se então que o órgão regulador seria construído como uma autarquia
especial. Embora tenha-se alterado a estratégia, a leitura do Projeto de Lei de criação do
Ofício Brasil apresenta similitudes com o texto consolidado na LGT.
Desse modo, a LGT disciplinou a criação da Anatel, como entidade da
Administração Pública Indireta, submetido a regime autárquico especial, com função de órgão
regulador das telecomunicações (art. 8o). Embora vinculada ao Ministério das Comunicações,
ficou estabelecida a sua independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica,
a estabilidade dos seus dirigentes e a autonomia financeira. Ficou definido ainda que a
Agência seria comandada por um Conselho Diretor, composto por cinco conselheiros com
mandato de cinco anos, escolhidos pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado. Foi
criado também um Conselho Consultivo, órgão opinativo e com participação
institucionalizada, composto por membros indicados pelo Senado, Câmara dos Deputados,
Poder Executivo e entidades setoriais representantes dos prestadores de serviços, dos usuários
e por entidades representativas da sociedade. Estabeleceu-se ainda a criação de uma
Procuradoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além dos órgãos
especializados. No ordenamento jurídico brasileiro, segundo Di Pietro (2011), a autarquia é
uma pessoa jurídica de direito público, submetida a praticamente as mesmas prerrogativas e
disciplinamentos da Administração Direta, mas com poder de autoadministração, dentro dos
limites estabelecido pela lei, caracterizando-se uma pessoa pública administrativa.
No que diz respeito ao projeto organizacional, iniciado após a aprovação da LGT, a
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182
McKinsey previu então que os órgãos supracitados previstos na Lei comporiam a “cabeça” da
Agência, estando abaixo deles dois Comitês, um de universalização e outro de concorrência e
defesa do consumidor, e diretamente abaixo e vinculado ao Conselho Diretor existiriam uma
Assessoria Parlamentar e de Comunicação Social, outra de Concorrência e Defesa do
Consumidor, o Gabinete do Presidente, uma Assessoria Técnica e uma Assessoria de
Relações com o Consumidor. No que diz respeito aos setores técnicos, era prevista a criação
de cinco Superintendências (Serviços Públicos, Serviços Privados, Comunicação de Massa,
Radiofrequência e Fiscalização e de Administração Geral) sob as quais estariam od
respectivos departamentos. Para ocupar esses espaços, previu-se uma necessidades média
inicial de 699 funcionários. Este foi o modelo que ficou sacramentado no primeiro regimento
interno da Agência (Resolução 1/1997). O desenho da Anatel foi portanto feito com base em
divisões técnicas de atuação, baseada principalmente nas superintendências não privilegiando
espaços de discussão e manifestação do interesse e de participação do público.
Segundo Aranha (2005), o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado adotado
pelo governo Fernando Henrique dava um tratamento periférico ao caráter mediador das
agências reguladoras, de forma que elas não foram implementadas como projetos de
dinamização do espaço público, assumindo apenas o caráter de administração e controle do
setor. Para o autor, o foco no caráter regulador, entendido como forma de intervenção
unilateral, obstaculizou o tratamento das virtudes políticas no âmbito da criação dos órgãos
reguladores. A referência a dita independência para tomada de decisões dirige-se, exclusivamente, às limitações estruturais hierárquicas da Administração Pública Federal, não existindo menção legal às pressões sociais sobre as decisões da agência. Não houve, portanto, preocupação, na reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro da década de 1990, quanto à abertura de espaço público, algo evidente na exposição de motivos encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo quando do Projeto de Lei para aprovação da Lei Geral de Telecomunicações (Idem, p. 136).
Para Aranha (2005), na exposição de motivos do Projeto de Lei da LGT o que mais
se aproxima da valorização da persona política é a referência ao direito do consumidor, sendo
portanto “o sujeito identificado a partir de suas necessidades e não de sua virtude política”
(Idem, p. 136). No que concerne à menção feita pelo texto à transparência como instrumento
de controle da atuação da Anatel pela sociedade, o autor reitera que a postura esperada do
cidadão é aquela de vigilância sobre os resultados esperados do órgão. Assim, nos termos de
Aranha (2005), não se abre um espaço que convide o cidadão a dialogar o significado político
do serviço. “A característica de libertação política como participação e voz nos rumos sociais
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aparece obscurecida pela força da ordem de adequação dos serviços de telecomunicações às
demandas do usuário-consumidor (Idem, p. 137).
A Lei de Telecomunicações estabeleceu a criação do Conselho Consultivo como
espaço institucionalizado de participação da sociedade na Agência, assim como disciplinou a
realização de consultas pública quando da revisão de modalidade de serviço no regime
público, da elaboração do PGMU (art. 18) e da definição de atos normativos. Há também a
Ouvidoria que, junto com as Consultas, são consideradas mecanismos de controle. No que
concerne ao Conselho Consultivo, Aranha salienta que O modelo formal apresentado sobre o Conselho Consultivo da ANATEL transparece alguns problemas práticos, que começam pela deformação da representação paritária. Os ocupantes das duas cadeiras reservadas a entidades representativas da sociedade são, em geral, representantes das empresas de telecomunicações, que já ocupam duas cadeiras reservadas às entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações. Algo distinto ocorre com as cadeiras reservadas à representação específica dos usuários ocupadas, na prática, preferencialmente por pessoas ligadas a ONGs e entidades oriundas de associações locais de usuários. Quanto à representação de classe das prestadoras, há costumeira divisão das duas cadeiras entre operadoras móveis e fixas de telefonia (ARANHA, 2005, p. 139).
A ouvidoria é um espaço em que o cidadão pode manifestar sua opinião sobre a
atuação esperada do órgão. O Ouvidor tem independência, não é vinculado hierarquicamente
ao Conselho Diretor nem aos Conselheiros e designado pelo presidente da República para um
mandato de dois anos. Ao ocupante do cargo é dado o direito de ter acesso a todos os assuntos
e de assistir às reuniões do Conselho Diretor, inclusive as secretas. Semestralmente ou quando
achar conveniente cabe o Ouvidor redigir e publicar relatórios sobre a atuação da Anatel. A
estrutura mais acessível tem se tornado o espaço em que os indivíduos podem pautar as
discussões no âmbito da Anatel. De acordo com Aranha (2005), nos relatórios do Ouvidor há
recorrentes referências à ausência no órgão de um espaço público institucionalizado e aberto à
participação social. “Para ela parecem confluir os contingentes sequiosos por um espaço de
projeção da voz de cada pretendente a partícipe político” (Idem, p. 142).
Nos seus primeiros anos, a Anatel realizou algumas audiências e consultas públicas.
Entre 1999 e 2001, o que corresponde aos anos de início das atividades da Anatel, Leal (2001)
realizou uma pesquisa sobre a participação do público nas audiências e consultas públicas. A
pesquisadora constatou que estes espaços foram colonizados por indivíduos e grupos que
representam interesses econômicos de particulares, inclusive os próprios empresários das
prestadores de serviços. Esses grupos defendem interesses privados específicos, em geral, de organizações empresariais e ainda participam dos processos decisórios organizações sindicais e representações de interesses específicos que vêm da esfera estatal. Esses grupos de
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interesses têm uma visão corporativista, podem organizar-se em lobbies e se apropriam de espaços em função de suas expectativas particularistas (LEAL, 2001, p. 210).
Para Bandeira de Mello (2009) as chamadas agências reguladoras surgiram como
“autarquias sob regime especial” na Reforma Administrativa do governo Fernando Henrique,
não existindo na legislação brasileira dispositivo que defina genericamente o caráter de tal
regime, de modo que se deve avaliar, em cada caso, o que o diferencia. De modo geral, a ideia
é que elas desfrutam de maior independência do que as demais. Contudo, na análise do autor,
o único aspecto que as diferenciam na legislação é a nomeação pelo presidente da República,
sob a aprovação do Senado. Assim, não há novidade pois elas são autarquias com funções
reguladoras já existentes no regulamento, modificando-se apenas o termo de nominação.
“Apareceu ao ensejo da tal ‘Reforma Administrativa’, provavelmente para dar sabor de
novidade ao que é muito antigo, atribuindo-lhe, ademais, o suposto prestígio de ostentar uma
terminologia norte-americana ( “agência”)” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 157). Nos
termos do autor, independência ou autonomia administrativa e financeira são aspectos
inerentes a qualquer autarquia, podendo, em certa medida, haver uma variação na intensidade
destas características.
Di Pietro (2011) destaca que é a capacidade de auto-administração que diferencia a
autarquia das pessoas jurídicas políticas (União, Estado e Munícipios), pois estas tem a
capacidade de criar o próprio direito nos termos constitucionais, o que não é permitidos aos
entes autárquicos. Sendo assim, não se deve especificar a autarquia pela autonomia, uma vez
que aquela não cria o próprio direito, mas somente pode atuar em matérias específicas
estabelecidas pela pessoa política pública que a criou. Daí decorre uma questão relevante
levantada por Bandeira de Mello (2009) que é a de saber os limites da capacidade de
regulação das agências. Na análise do jurista, cabe às agências basear sua atuação por
aspectos estritamente técnicos e expedindo normas sob tutela do poder concedente. Afora isto,
elas estariam ferindo o principio constitucional da legalidade. As determinações das agências
não podem se contrapor a qualquer lei ou fundamento legal do ordenamento jurídico. Desgraçadamente, pode-se prever que as ditas ‘agências’ certamente exorbitarão de seus poderes. Fundadas na titulação que lhes foi atribuída, irão supor-se – e assim o farão, naturalmente, todos os desavisados – investidas dos mesmo poderes que as ‘agências’ norte-americanas possuem, o que seria descabido em face do Direito brasileiro, cuja estrutura e índole são radicalmente diversas do Direito norte-americano” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 158).
Em contraposição, um dos redatores da LGT, Carlos Ari Sundfeld afirma que “à
diferença de muitas leis editadas em outros países, a lei brasileira não se ocupou de
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185
estabelecer ela própria uma classificação dos serviços de telecomunicações. Essa tarefa foi
delegada às autoridades administrativas de regulação” (SUNDFELD, 2006, p. 5). Isto
significa que, na perspectiva de Di Pietro (2011), a Anatel assumiu um papel que não cabe as
autarquias, o de criar o próprio direito. Trata-se de um mecanismo adotado para aproximar o
regime jurídico das autarquias brasileiras ao papel que a FCC assumiu na administração
pública estadunidense. No caso dos EUA, agência reguladora tem o poder de definir regras
que busquem atingir os objetivos previstos na Lei (rule making power), de emitir ordens que
limitem ou ampliem a atuação do setor privado (directing power), de convocar audiências
para definir questões relacionadas aos dois aspectos anteriores (investigatory power), e
outorgar, rejeitar, alterar, renovar, cancelar frequências (licensing power). Isto significa que o
trabalho das firmas de consultoria resultou em um regulamento para as telecomunicações que
destoa do restante do ordenamento jurídico brasileiro. A elaboração da LGT foi, portanto,
marcada por um certo grau de inventividade jurídica, como afirma o próprio Sundfeld Um dos mais complexos desafios da reforma das telecomunicações no Brasil foi construir sua base jurídica. Isso demandou boa dose de invenção. Os modelos do direito administrativo brasileiro pareciam avessos aos serviços públicos competitivos. Também soava estranho, para nossa tradição constitucional, criar agências reguladoras independentes. [...] Outra característica é o caráter originário da vigente regulação das telecomunicações. A LGT rompeu com os modelos jurídicos anteriores: revogou leis de telecomunicações (como o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT, salvo no tocante a radiodifusão), mudou os conceitos até então vigentes (como os de serviço público, serviço privado, concessão e autorização) e criou uma nova estrutura de mercado (com competição e regulação assimétrica), exigindo assim a adaptação dos precedentes instrumentos de outorga, bem como a revisão, ainda que paulatina, de todos os regulamentos. O caráter originário da nova regulação — isto é, a ausência de vínculo com as normas anteriores — faz com que todos os direitos e deveres dos diversos atores, Poder Público e prestadores, tenham de ser reconsiderados à luz da nova realidade normativa introduzida com a LGT e sua regulamentação (SUNDFELD, 2005, p. 4).
Bandeira de Mello (2009) ressalta duas outras questões polêmicas na LGT. Na
interpretação do estudioso, o prazo de mandato do conselho diretor não deveria se estender
por mais de um período governamental, sob o perigo de restringir a liberdade administrativa
do governo seguinte. No caso da Anatel, o prazo é de cinco anos, sendo que na primeira
composição foi utilizados prazo de até sete anos. Essa extensão representaria portanto o
aviltamento dos princípios da República, “a temporariedade dos mandatos para que o povo, se
o desejar, possa eleger novos governantes com orientações políticas e administrativas diversas
do governo precedente” (Idem, p. 160). Um outro ponto é que, segundo Bandeira de Mello, a
legislação concernentes às agências reguladoras buscaram escapar das formas licitatórias
determinadas na Lei de Licitações. Este intuito levou a LGT a criar, no artigo parágrafo único
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do artigo 54139, duas modalidades licitatórias até então não existentes no direito, o pregão e a
consulta, que podem ser utilizados para todos os casos que excepcionem a contratação de
obras e serviços de engenharia civil. Posteriormente, a Lei 10.520/2002 regulamentou a figura
do leilão, “já a consulta [...] ficou cifrada apenas unicamente às agências reguladoras por
força do art. 37 da mencionada Lei 9.986 (que disciplina as relações de trabalho nas agências
reguladoras e dá outras providências), de modo que até os dias atuais não se sabe o que é
consulta. Assim, ao forjar conceito estadunidense de agência reguladora no regulamento
jurídico brasileiro, o legislador inseriu no Direito brasileiro alguns paradoxos concernentes à
hegemonia e ao modelo de regulação exportado pelos Estados Unidos.
5.6 O Plano Geral de Outorgas e o Modelo de Concorrência
A construção de um modelo concorrencial é uma questão central na privatização de
qualquer serviço público. É ele que define as áreas de concessão e o número de operadoras
que vão adentrar no país ou em cada região. Tanto as consultoras financeiras Lehman
Brothers e a Dresdner Kleinworth quanto a McKinsey desenvolveram propostas neste sentido.
As consultoras financeiras desenvolveram dois modelos concorrenciais: um modelo nacional
e um modelo regionalizado. Deve-se lembrar que, neste momento, os serviço móvel celular
(Banda B) já estava privatizado, como mostrado no capítulo anterior.
No modelo nacional, a Telebrás seria separada da Embratel de modo que se
consolidaria um duopólio de âmbito nacional. A Nova Telebrás se manteria prestando os
serviços básicos e de telefonia móvel (Banda A), incorporando portanto as 27 empresas
estatais, e passando a prestar o serviço de longa distância nacional e internacional. A
Embratel, por sua vez, manteria a infraestrutura de serviços de longa distância nacional e
internacional, mas também passaria a prestar serviços locais. O sistema estaria
concorrencialmente protegido durante um ano, sendo aberto posteriormente aberto para novos
entrantes. As consultoras consideraram este modelo inviável tendo em vista que ele ensejaria
o investimento de um valor bastante elevado por parte de um só consórcio ou empresa.
Conforme levantamento realizado pelas firmas, não havia muitos investidores de alta
qualidade capazes de pagar um valor tão alto.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!139 “Art. 54. A contratação de obras e serviços de engenharia civil está sujeita ao procedimento das licitações previsto em lei geral para a Administração Pública. Parágrafo único. Para os casos não previstos no caput, a Agência poderá utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão”.
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Quadro 17: Modelo com três regiões Fonte: Ministério das Comunicações/ Lehman Brothers/ Dresdner Kleinwort Beson (1) Receita líquida da regido obtida pela soma das respectivas receitas líquidas de cada Tele individual (2) Número de linhas de telefonia fixa em serviço (3) Número de linhas de serviço /100 habitantes (4) Dados para o Brasil em 1994 (USS)
No modelo regionalizado propunha-se a cisão da Telebrás em 3, 4 ou 5 holdings
regionais (HR) que prestariam os serviços básicos e de telefonia móvel (Banda A) locais,
além da Embratel que manteria seus operações exclusivas nos serviços de longa distância
nacional e internacional. Com os novos entrantes tanto nas áreas regionais, quanto para
competir com a Embratel nos serviços de longa distância, seria conformada uma estrutura de
competição regional protegida por três anos, quando se daria a abertura. A regionalização foi
considerada a melhor estratégia uma vez que conformaria provedores de serviços
economicamente capazes de atrair a atenção dos parceiros estratégicos, consolidando um
mercado com efetiva concorrência.
Contudo, a estrutura com cinco regiões, mais Embratel, foi considerada demasiado
dividida e foi descartada considerando também o limitado número de investidores de alta
qualidade. O modelo de quatro regiões era considerado capaz de criar empresas que atraíssem
a atenção dos investidores, além de possibilitar uma maior uniformidade na aplicação do
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aparato regulatório nas regiões posto que elas seriam socioeconomicamente mais
semelhantes. O modelo com três regiões era visto como o melhor para maximizar as tensões
de investimento entre os investidores de alta qualidade. Foi avaliado ainda que a variação
entre três e quatro empresas não alteraria substancialmente o valor final da venda. O relatório
assessorado pelas consultoras financeiras trazem, no anexo, o estudo de 17 possíveis modos
de regionalização. Contudo, no corpo do texto são destacados dois possíveis modelos, com
três e quatro regiões, sendo a principal diferença a consolidação do sul do país como uma
região própria (ver quadros 17 e 18).
Os trabalhos da equipe da McKinsey, embora utilizando uma metodologia diferente e
mais complexa, chegaram a uma conclusão parecida com a das consultoras financeiras no que
diz respeito ao modelo de privatização. Inicialmente, foram construídos seis possíveis
cenários (1, 1A, 2, 2A, 2B e 3). O modelo 3 era de abrangência nacional, nos moldes do
primeiro modelo das consultoras financeiras; os demais eram baseados na regionalização
entre 3 e 5 áreas, mais Embratel. No cenário 1, a Embratel continuaria atuando nos serviços
de longa distância, contudo as prestadoras regionais poderiam fornecer o serviço de longa
distância dentro de cada Estado, não ultrapassando a fronteira ainda que dentro de uma
mesma região. Haveria apenas um novo entrante por região, assim como para os serviços de
longa
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Quadro 18: Modelo com quatro regiões
Fonte: Ministério das Comunicações/ Lehman Brothers/ Dresdner Kleinwort Beson (1) Receita líquida da regido obtida pela soma das respectivas receitas líquidas de cada Tele individual (2) Número de linhas de telefonia fixa em serviço (3) Número de linhas de serviço /100 habitantes (4) Dados para o Brasil em 1994 (USS) distância, que cumpririam as mesmas obrigações que os incumbentes. O Cenário 1A, era o
mesmo, mas diferenciava-se porque o número de novos entrantes por região não seria
limitado e eles não cumpririam as mesmas obrigações que as incubents. A especificidade do
Cenário 2 consistia no fato de que as operadoras regionais poderiam operar em longa
distância de um Estado para o outro desde que dentro da mesma região. Seria mantida a
mesma estrutura de duopólio regional e de longa distância que o modelo 1. No cenário 2A, o
número de novos entrantes por região seria ilimitado e eles não teriam as mesmas obrigações
que as incubents. No cenário 2B, os serviços foram delimitados de forma similar aos dois
anteriores, mas um número ilimitado de novos entrantes poderiam fornecer qualquer serviços
em qualquer região. Após o cumprimento dos requisitos de expansão da rede, as incumbents
poderiam atuar nas demais regiões, tornando-se um mercado contestável.
Para selecionar o melhor cenário, a McKinsey preparou quatro perguntas e de acordo
com as respostas e as argumentações apresentadas pela própria firma consultora, um ou mais
cenários eram removidos. Restou assim o cenário 2 B, que correspondia as recomendações140.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!140 As perguntas e respostas eram: A. o mercado deve ser estruturado em regiões? Sim; B. O número de concorrentes deve ser limitado? Não; C. Deve existir separação entre empresas locais e de longa distância? Deve existir competição entre elas? Sim; D. Os novos concorrentes devem estar sujeitos às mesmas limitações que as incumbents? Não.
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Na verdade, tendo em vista que os questionamentos foram elaborados pela própria consultora
com base em argumentos já definidos por ela, o modelo indicado já parecia escolhido. O
modelo indicado resguardava algumas regiões do país (3 mais Embratel) para as incumbentes,
mas abria totalmente o mercado para as novas entrantes. Assim, além de terem que cumprir
metas definidas pelo governo, teriam que atuar em áreas restritas, enquanto as demais
poderiam atuar livremente. Modelo que parece economicamente inviável. Mas, na lógica da
McKinsey, não estabelecer limitações aos novos entrantes significava que eles teriam maior
flexibilidade para “desenhar sua infraestrutura de rede e ajudá-los a atingir escala competitiva
mais rapidamente”(MCKINSEY, 1997, p. 51) Além disso, eles teriam liberdade para oferecer
serviços mais atrativos para alguns tipos de consumidores. Esta situação, embora com um
maior número de operadores, seria mais fácil de regular “porque ao longo do tempo espera-se
que o mercado atinja suficiente força para reduzir sensivelmente a intervenção regulatória
necessária” (Idem, p. 49). Ao contrário, uma situação duopolistíca e regionalizada, na
perspectiva da consultora, teria mais facilidade para capturar o órgão regulador, além de que a
força de colusão da indústria exigiria uma maior esforço do ente regulador para evitar práticas
anti-competitivas.
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Quadro 19: Cenário 2B de desenvolvimento da concorrência
Fonte: Ministério das Comunicações/ Análise McKinsey
Embora, no primeiro momento dos trabalhos a McKinsey tenha defendido um
modelo aberto de quatro regiões, mais Embratel, com entrada irrestrita de novos participantes.
No seu relatório das “Diretrizes...” existe um cronograma alternativo ao calendário de
evolução do cenário 2B, que simula a evolução do setor com expansão via duopólio, com
prazos apropriados a realidade de cada região, com exceção dos serviços de longa distância.
Foram elaboradas ainda duas possibilidades de regionalização em quatro regiões, mas elas
não foram ratificadas no momento seguinte dos trabalhos.
Em 10 de setembro de 1997, a McKinsey apresentou ao governo quatro novas
opções de regionalização sendo 3 áreas homogêneas, 3 áreas heterogêneas, 4 áreas
homogêneas e 4 áreas heterogêneas (ver anexo A). As opções homogêneas agrupava estados
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de uma ou duas regiões geográficas contíguas em 3 ou 4 regiões de concessão; e as soluções
heterogêneas mesclavam estados sem se preocupar em manter estados de uma mesmo região
geográfica na mesma área de concessão. As consultoras financeiras defenderam a opção de 4
regiões heterogêneas e a McKinsey preferia a estratégia de 4 regiões homogêneas. Como nas
reuniões que se seguiram todas as consultoras passaram a trabalhar com o modelo de 3 áreas
heterogêneas, percebeu-se que após a discussão com a equipe do governo ficou definida esta
opção em detrimento das demais. Havia uma preocupação por parte do Ministério das
Comunicações com a região centro-norte do país pela sua baixa atratividade econômica. A
opção de 3 regiões heterogêneas acoplava a maior parte dos estados da região norte, com os
estados do nordeste, mais Rio de Janeiro e Espírito Santo na Região I; Acre, Rondônia,
Tocantins somados aos estados do Centro-Oeste e do Sul do país conformavam a Região II, e
São Paulo correspondia a Região III. A separação da Embratel como uma Região autônoma
era consenso desde o início das discussões. Este foi o modelo adotado e estabelecido no Plano
Geral de Outorgas.
Assim, ficou estabelecido que o Sistema Telebrás seria dividido em 3 incumbents,
mais Embratel, que sofreriam concorrência de um novo entrante em suas respectivas regiões
por um período de três anos. As incumbents, caso cumprissem as metas de universalização,
estariam liberadas após o mesmo período, o que veio a se concretizar. Caso não tivessem
cumprido, elas teriam que esperar até 31 de dezembro de 2005.
Uma outra questão que foi redefinida neste segundo momento dos trabalhos das
firmas de consultoria foi a venda da Banda A em separado. Nos relatórios das “Diretrizes...”
elas aparecem sempre como dentro das regiões de concessão previstas apara o serviço básico.
Contudo, percebeu-se, diante da regulamentação vigente141, que seria mais interessante
separá-las para a venda ainda que essa não fosse a melhor estratégia econômica. A cisão era
importante porque a telefonia fixa seria prestada sob regime público e essencial e a telefonia
móvel estava submetida ao regime privado.
A possibilidade das teles regionais controlar empresas de Banda A poderia criar
conflitos com as companhias da Banda B. Por outro lado, as venda em separado da venda
representaria uma redução do interesse dos investidores, consequentes limitação da demanda
e redução dos valores de venda destas operadoras. Para tentar maximizar o valor, as
consultorias financeiras (neste momento já com a participação da Arthur Andersen nos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!141 Lei Mínima, Norma Geral de Telecomunicações (NGT) 20/96, e as determinações da Securities and Exchange Commission (SEC) e da New York Stock Exchange (Nyse) para os American Depositary Receipts (ADRs) da Telebrás.
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trabalhos) recomendaram ao governo que permitisse que investidores estratégicos fizessem
ofertas isoladas ou conjuntas para as Holdings Regionais e empresas de Banda A, além a
Embratel respeitando os limites impostos pela legislação. Solução que foi adotada. As
consultoras financeiras apontaram ainda que as 26 companhias de telefonia Banda A
deveriam ser transformadas em 9 empresas dispostas em áreas similares. Entretanto, o
governo decidiu transformá-las em oito empresas dispostas em regiões similares as da Banda
A para fomentar a concorrência.
Quadro 20: Opção 3 áreas heterogêneas
Fonte: McKinsey & CO 1 Os números incluem STB e as empresas privadas; 2 Estimado; 3 Projeção para 2003 baseada no PASTE, assumindo que 10% das linhas instaladas não estão em serviço; 4 Diz respeito às receitas líquidas totais locais e longa distância da área, não inclui receitas de interconexão; 5 Antes de investimento econômico.
Ao se analisar o processo decisório da modelização e divisão do Sistema Telebrás
para a privatização, percebe-se que a principal preocupação do governo e das firmas de
consultoria era agrupar as telecomunicações de um modo a maximizar o valor da venda.
Contudo, tinha-se que enfrentar o problema das diferenças econômico-sociais entre as regiões
do Brasil, aspecto que impactava diretamente na atração dos chamados parceiros estratégicos.
A solução encontrada foi reduzir o número de regiões sugeridas pelas consultoras de 4 para 3,
aglutinando as regiões menos desenvolvidas com o intuito de aproximá-las dos indicadores
econômicos das regiões sul e, sobretudo, de São Paulo, que foi o parâmetro utilizado para a
construção das demais regiões. Tanto as consultoras financeiras, como a McKinsey
!
!
194
propuseram modelos (ver anexo A) que separavam as regiões norte e nordeste do país, o que
agravaria ainda mais a atração de capitais para as regiões142. Contudo, o encaminhamento
dado pelo governo persistia não solucionando o problema das disparidades regionais. Na
época, o PIB per capita de São Paulo (5,4) sozinho representava 81,8% dos PIBs per capita
das duas outras regiões somados (6,6), acompanhando o nível de desenvolvimento
econômico. As diferenças eram refletidas também em outros indicadores, como no número de
terminais instalados e no fluxo de caixa.
Assim, a escolha política deste modelo representou a separação das regiões mais
ricas das mais pobres. Em um dos cenários idealizados pelas consultoras financeiras foram
reunidas em uma mesma região uma parte do norte, o centro-oeste e São Paulo. Contudo, a
hipótese foi abandonada porque percebeu-se que a disparidade no desenvolvimento do
mercado e da concorrência nas duas regiões (São Paulo e as demais) trariam problemas para a
empresa compradora, uma vez que ela teria que atuar com diferentes estratégias de mercado
nas duas regiões. Ao invés de repassar ao mercado o gerenciamento das diferenças regionais,
preferiu-se então correr o risco do desinteresse pelas regiões menos desenvolvidas a adotar
um modelo que buscasse valorizá-las. Na verdade, a preocupação central era não desvalorizar
a região de São Paulo. A junção desta com Norte e Nordeste poderia rebaixar o preço de
venda, pois o consórcio vencedor teria que cumprir maiores metas de universalização e atuar
em estados com menor capacidade de consumo.
Decidido o modelo de outorgas, o processo de licitação foi iniciado em maio de 1998
com a abertura das salas de informação (data rooms), onde os interessados poderiam obter as
informações necessárias às formulações das propostas. A venda foi realizada adotando o
critério da oferta em leilão, desde que a empresa ou consórcio proponente tivesse passado
pelo processo de habilitação jurídica, econômica e técnica conforme definido no Edital
MC/BNDES n. 1/98. Uma parte minoritária da ações foi vendida por leilão público especial
ao empregados e ex-empregados aposentados. As ofertas poderiam ser feitas individualmente
por empresa ou em consórcios, sendo que o edital determinava que um acionista com mais de
20% do capital total de um consórcio não poderia adquirir mais de uma operadora de cada
grupo. Tampouco poderia o mesmo consórcio comprar uma empresa de telefonia móvel e fixa
na mesma região. Isto significa que um acionista com mais de 20% do capital votante de um
consórcio “poderia comprar, no máximo, três companhias do Sistema Telebrás: um de
telefonia fixa ou de longa distância, e duas companhias de telefonia celular, sendo uma com
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
!
195
maior e outra com menor atratividade do mercado” (MARTINS, 1999, p. 74).
O leilão aconteceu no dia 29 de julho na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Na
perspectiva do governo a realização do leilão foi um sucesso, uma vez que aconteceu de
forma ágil e organizada, com a venda de todas as regiões com um ágio total de 64%,
alcançando o valor de R$ 22,057 bilhões. Ou seja, R$ 8,587 bilhões acima do valor mínimo
estabelecido pelo governo (R$ 13,470). Veja o resultado do leilão nos quadros a seguir:
Quadro 21: Privatização do Serviço de Telefonia Fixo Comutado por Região – em bilhões (R$)
Fonte: Elaborada a partir de MARTINS (1999); PRATA, BEIRÃO & TOMIOKA (1999); BOLAÑO (2003).
Empresa Preço
Mínimo
Preço
Pago
Ágio
(%)
Consórcio Vencedor
Consórcio Concorrentes
Tele Norte Leste
(Região I)
3,400 3,430 1,00 Telemar (Andrade Gutierrez, Inepar, Sul América Seguros,
Funcef, Macal e Aliança Bahia)
Telecom Italia; Telefonica S.A.;
BR Telecom.
Tele Centro Sul
(Região II)
1,950 2,070 6,15 Opportunity/ Telecom Itália
(Telecom Itália,
Solpart e Techold)
Telefonica S.A.; Iberdrola e Bilbao
Vizcaya; Bell South e Safra; Br
Telecom e Telecom Italia
Telesp
(Região III) 3,520 5,780 64,29 Telefónica de
España
(Telefónica de España, Portugal Telecom, Iberdrola,
Banco Bilbao Vizcaya e RBS
Telefonica S.A., Iberdrola e Bilbao
Vizcaya; Bell South e Safra; Br
Telecom; Telecom Italia e
Globopar/Bradesco
Embratel (Região IV)
1,800 2,650 47,22 MCI Sprint
!
!
196
Quadro 22: Privatização do Serviço de Telefonia Móvel Celular por Área – em bilhões (R$) Empresa Preço
Mínimo Preço Pago
Ágio (%)
Consórcio Vencedor Consórcio Concorrentes
Telesp Celular
1,100 3,580 226,18 Portugal Telecom Italia Telecom; Telefonica S.A.;
TIW; France Telecom;
Southwestern Bell; Britsh Telecom;
Air Touch; Opportunity;
Cowan.
Telemig Celular
0,230 0,756 228,70 TIW/ Opportunity (Telesystem, Fundos de Pensão, Opportunity e
Outros)
Algar; Telepart Participações.
Tele
Celular Sul
0,230 0,700 204,00 UGB Participações e Telecom Italia
(Globopar/Bradesco e Telecom Itália)
Air touch; Telecom Italia; France
Telecom.
Tele Centro Oeste
Celular
0,230 0,440 91,30 Splice France Telecom; Telesim.
Tele
Norte Celular
0,090 0,188 108,90 TIW/ Opportunity (Telesystem, Fundos de Pensão, Opportunity e
Outros)
_
Tele Nordeste Celular
0,225 0,660 193,30 UGB Participações e Telecom Italia
(Globopar/Bradesco e Telecom Itália)
Vectra Empreendimentos;
Telepar Participações;
Opportunity; Air Touch Netherland.
Tele
Sudeste Celular
0,570 1,360 138,60 Telefonica S.A.e Iberdrola
(Telefónica, Iberdrola, Itochu, NTT
Bell South; Telecom Italia; NTT; Andrade
Gutierrez.
Tele Leste
Celular
0,125 0,428 242,40 Telefónica de España e Iberdrola
Bell Canadá; France
Telecom; Air Touch;
Opportunity;
!
!
197
Cowan.
Fonte: Elaborada a partir de MARTINS (1999); PRATA, BEIRÃO & TOMIOKA (1999); BOLAÑO (2003).
A surpresa do processo foi a compra da Telesp pela Telefónica. Aquela era
considerada pelo então presidente do Grupo la joya de la corona e foi adquirida por uma
“cartada” de última hora dada pelos sócios da empresa espanhola em detrimento dos
interesses dos seus próprios parceiros de consórcio. Momentos antes de entregar sua proposta,
o Grupo espanhol decidiu dar um lance para adquirir a Telesp e não a Tele Centro Sul,
surpreendendo seu parceiros de consórcio do Grupo RBS, vinculado à Globo. Esta, em
parceria com a Telecom Itália, ficou com a Tele Nordeste Celular e a Tele Celular Sul (Banda
A), aquém do planejado. Globo e RBS haviam acordado que a RBS se concentraria na região
sul, enquanto a Globo arremataria a Telesp. “Surpreendidos com o lance de última hora da
Telefónica, a Globo perde a Telesp e a RBS fica impossibilitada de concorrer para outra área”
(BOLAÑO, 2003, p. 23). Havia a previsão de que a Telefónica daria o seu lance sobre a Tele
Centro Sul, uma vez que tinha acabado de adquirir do governo gaúcho a maior fatia acionária
da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). A mudança estratégica, impactou
politicamente na compra das demais regiões.
O vazamento das conversas feitas por telefone entre o então Ministro das
Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, sua equipe, e os proponentes do consórcio
Telemar (Banco Opportunity/ Telecom Itália), indicava que a este interessava adquirir a Tele
Norte Leste e não a Tele Centro Sul. A baixa atração econômica da região levou o governo a
articular com investidores nacionais uma estratégia, criando-se o consórcio Telemar. A ideia
inicial era que o surgimento de um consórcio interessado pela região atiraria novos
concorrentes, ampliando o valor do ágio, o que não se mostrou factível. Assim, o único
consórcio que concorreu para a Tele Norte Leste foi o Telemar, que o adquiriu um ágio de
1%. Alegando que o consórcio Telemar tenderia a seguir a lógica de investidor financeiro um
vez que em sua composição não havia nenhuma empresa de telefonia, uma semana após o
leilão, o BNDES anunciou a compra de 25% das ações. Somados os 19,9% dos fundos de
pensão (Banco do Brasil e Caixa) e os 10% pertencentes a duas seguradoras do Banco do
Brasil (Aliança Brasil e Brasil Veículos), o Estado brasileiro passou a ser novamente dono da
Tele Norte Leste, contra os 45,1% em propriedade da Andrade Gutierrez, Inepar e Macal, que
tiveram suas participações financiadas também pelo BNDES.
Para concluir o modelo concorrencial desenhado e abrir a telefonia fixa à
!
!
198
concorrência em suas respectivas regiões, mesmo antes de concluir a primeira etapa, o
governo deu início à organização da licitação para a entrada das segundas prestadoras
concorrentes nas quatro regiões do STFC que criariam assim o duopólio por região, como
previsto no modelo de outorgas. O leilão foi iniciado em janeiro de 1999 e, de acordo com
Martins (1999), não atendeu as expectativas do governo, sendo considerado um fracasso.
Embora tenha esperando a participação de grandes empresas estadunidenses, como a
Bell South e a Sprint, apenas três consórcios manifestaram interesse em participar do certame:
o consórcio Bonari Holding, composto pela Sprint (EUA), France Telécom (França) e
National Grid (Inglaterra); o Fixcel, comandado pelo capital nacional da Splice; e a Canbrá
Telefônica, constituído pela Bell Canada, Qualcomm (EUA), WWL International (EUA),
Lieberman (Argentina) e Taquari (brasileira). O primeiro estava interessado na compra da
espelho da Embratel e os outros dois na compra da espelho da Tele Norte Leste. Contudo, o
consórcio Fixcel foi inabilitado pela Anatel, restando apenas duas proponentes interessadas
em áreas distintas, o resultado estava dado. Não havendo interessadas nas regiões Tele Centro
Sul e Telesp, a Anatel foi obrigada a relançar o edital de licitação.
O surgimento de novos interessados demorou a acontecer, tendo o processo apenas
sido finalizado em agosto de 1999. Ao final de seis meses de adiamento, dois consórcios
lançaram propostas para a Tele Centro-Sul, o Global Village Telecom – GVT formado pela
Global Village (Holanda/Israel) e a Com Tech International (EUA); e o Consórcio Sul
Telefonia (Canbrá), saindo vencedor o primeiro. Outros três consórcios interessaram-se pela
espelho da Telesp, são eles: Megatel (Canbrá), Rio de La Plata, composto pela Macri
(Argentina) e Antel (estatal uruguaia); e o consórcio Teleglobal, que foi inabilitado pela
Anatel. Mais um vez o grupo formado pelas empresas Bell Canada, Qualcomm, WWL
International, Lieberman e Taquari (Megatel/Canbrá) saiu vencedor.
Quadro 23: Concessões Empresas-Espelho do STFC – em milhões (R$) Empresa-espelho
Preço Mínimo
Preço Pago (milhões de R$)
Ágio (%)
Consórcio Vencedor
Consórcio Concorrentes
Telesp Não fixado
70 __
Megatel (Bell Canada, Qualcomm, WWL International, Lieberman e Taquari)
Rio de La Plata; Teleglobal
!
!
199
Tele Centro Sul
Não fixado
50 __
Global Village (GVT e Com Tech International)
Consórcio Sul Telefonia
(Canbrá/Megatel)
Tele Norte Leste
Não fixado
60 __
Canbrá ( Bell Canada, Qualcomm, WWL International, Lieberman e Taquari)
Fixel
Embratel Não fixado
55 __ Bonari Holding (Sprint, France Telecom e National Grid)
Não houve
Fonte: BOLAÑO (2003), adaptada.
O imbróglio no momento da venda era uma representação dos problemas que
acometeriam o modelo concorrencial nos anos seguintes. A ideia do governo era que o
período de proteção da concorrência permitiria que as empresas se preparassem para o
período posterior de abertura dos limites regionais, gerando uma concorrência plena e uma
competição justa entre as operadoras. Contudo, a McKinsey, analisando quatro modelos
concorrenciais (mínima, simétrica, restringida e 2B) previa que, em 2001, a participação das
incumbentes no mercado de telefonia fixa seria, em média, 90,1%, passando para 84,1% em
2003. Os números foram ainda maiores e ao final de 2001 as incumbents eram responsáveis
por 99% do mercado nas três respetivas regiões, contra 1% das novas entrantes143 (ver
também quadro 23). Em setembro de 2001, o então presidente da Anatel, Renato Guerreiro,
confirmou ao jornal Estadão que a competição no serviço básico de telefonia era
“incipiente”144.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!143 Dados de CONSIDERA ET AL (2002). 144 TELEFONIA local não tem competição, diz Anatel. Estadão, publicado em 20 set. 2001. Disponível em: http://www.estadao.com.br/arquivo/tecnologia/2001/not20010920p57039.htm. Acesso em: 13 jan. 2014.
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200
Quadro 24: Acessos fixos instalados – 2001 Região Operadora Participação
I
Telemar 82%
CTBC (MG) 3%
Vésper 15%
II
Brasil Telecom 90,4%
CTBC (MS) 0,1%
CTBC (GO) 0,4%
Sercomtel 1,4%
GVT 7,7%
III
Telesp 90%
CTBC (SP) 2%
Vésper 8%
Fonte: Anatel in: CONSIDERA ET AL (2002).
Por outro lado, como também previu as projeções da McKinsey, a participação da
incumbente no mercado de longa distância cairia para cerca de 79% em 2003. Conforme
Dantas (2002), as prospecções realizadas pelas consultoras financeiras que realizaram a
avaliação das empresas do Sistema Telebrás eram mais drásticas e indicavam que a Embratel
viria a perder uma fatia representativa do mercado em até 70% nas chamadas de longa
distância intra-estaduais, cerca de 60% entre diferentes regiões de outorga e 58% nos serviços
internacionais. Em 2001, a Embratel detinha 80% da participação do mercado de ligações
interurbanas inter-regionais, 75% do mercado de longa distância internacional e 41% do
mercado de transmissão de dados. Isto significa que, como afirma Dantas (2002), o
crescimento da concorrência deu-se apenas nos mercados mais rentáveis, marcados pela
presença dos grandes usuários. O autor salienta ainda que as espelhos foram buscar seus
clientes em apenas cerca de 532 municípios dos 5 mil municípios brasileiros. Ainda que
aquele número concentre cerca de 60% da população brasileira, o modelo de negócios, em
regime privado, permite que as espelhos busquem apenas os nichos mais rentáveis. No
serviço móvel, até 2001, havia uma concorrência razoável com as empresas de Banda A
detendo 68,63% do mercado e as companhias de Banda B controlando 31,36%, mas essas
também atuam em regime privado e, portanto, sem compromissos de universalização, como
será analisado adiante.
Se na idealização do governo FHC, após o período de duopólio, seria formado um
mercado de concorrência plena e justa, com as diversas empresas atuando em todos os
segmentos, a realidade mostrou-se outra. Findo o período de proteção concorrencial,
!
!
201
verificou-se o início de um processo de fusões e aquisições por parte das empresas de
telefonia. A empresa Telefónos de México (Telmex) entrou no mercado brasileiro de telefonia
celular comprando a ATL (Rio de Janeiro e Espírito Santo) e posteriormente ampliou seus
negócios comprando a Americel (Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Rondônia, Acre e Distrito Federal), a BCP (São Paulo: região metropolitana), TESS (São
Paulo: interior), BSE (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas) e a
Claro Digital (Rio Grande do Sul), surgindo assim o grupo Claro. A Telmex comprou ainda
a Embratel, que já havia adquirido a Vésper, e 49% do capital da operadora de TV paga Net,
valor que passou para 54% em 2012. A empresa Vivo, atualmente controlada pela Telefónica,
adquiriu Telesp Celular, a Tele Centro-Oeste Celular, a Tele Sudeste Celular, a Tele Leste
Celular e ainda a CRT Celular. Em 2010, a Portugal Telecom comprou 22,39% de
participação total do capital da Oi (Telemar) e, em 2013, as empresas anunciaram sua fusão.
Atualmente, a Oi, Telefónica e Telmex (Embratel) controlam 87,42% dos acessos em serviço
de telefonia fixa. A telefonia móvel é quase totalmente controlada (99,68%) por quatro
empresas: Vivo (29,64%), Tim (26,03%), Claro (25,09%) e Oi (18,92%)145, o percentual
restante está sob controle da CTBC e Sercomtel. A realidade brasileira lembra que, como
destacou Hescovici (2007), o mercado internacional de telecomunicações não corresponde a
mercados contestáveis. Na Europa, mesmo após a abertura do setor, os Estados mantiveram o
controle das principais operadoras de telefonia. Contudo, como explicou o então ministro Luís
Carlos Mendonça de Barros ao jornal Folha de São Paulo, “os países europeus tem uma
situação fiscal muito superior à brasileira e podem se dar ao luxo de abrir mão do dinheiro
porque, quando se pulveriza a venda, o preço é menor. Como precisamos muito do dinheiro,
não podemos abrir mão” (LOBATO, GODINHO, NEPOMUCENO, 1998, s/p APUD
DANTAS, 2002, p. 36).
5.7 Planejando o modelo de venda. O capital internacional como parceiro
“estratégico” do Brasil
As consultoras financeiras Lehman Brothers, Kleinwort Dresdner Benson (KDB) e,
posteriormente, a Arthur Andersen, ficaram responsáveis, entre outras coisas, por elaborar e
planejar a venda do Sistema Telebrás, avaliando e recomendando os melhores métodos de
venda e, após o aval do governo, planejar a alienação das prestadoras.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!145 Dados do Atlas Brasileiro de Telecomunicações (2013).
!
!
202
Na primeira etapa dos trabalhos, o Lehman Brothers e a Kleinwort Benson
analisaram alguns métodos de venda. Ao final, foram aventadas duas principais
possibilidades: a venda a parceiro estratégicos e a oferta pública. A primeira, caracterizava-se
pela transferência do bloco sob controle do governo para parceiro estratégico mediante
pagamento; a outra, tratava-se do lançamento das ações do governo no mercado de capitais
nacional e internacional. Nos dois casos, podia-se também efetuar a venda por capitalização
com o aumento do capital social da empresa e venda das ações, diluindo assim a participação
do governo. Nesse caso, seria possível que o valor das vendas fosse reinvestido na empresa.
Esta poderia ter sido a opção caso o governo tivesse optado por manter um determinado
controle sobre o futuro do sistema de telecomunicações por meio de Golden Share146.
Segundo as consultoras, a oferta pública, em geral, era utilizada para vendas de redes maduras
e desenvolvidas; enquanto as parcerias estratégicas permitiria atrair parceiros qualificados e
maximizar o valor da venda por conta do prêmio pago pelo controle gerencial da empresa
adquirida. Por outro lado, este tipo de estratégia presume um número limitado de
compradores, enquanto a oferta pública permite uma venda mais pulverizada a uma maior
variedade de investidores.
Como as redes regionais brasileiras eram consideradas subdesenvolvidas, a
consultoras recomendavam a venda a parceiros estratégicos, uma vez que ela permitiria atrair
operadoras internacionais experientes, com habilidades gerencial e operacional, ampliar o
valor da venda e abrir o setor ao capital estrangeiro. Contudo, ela deveria ocorrer de forma
combinada, com a venda estratégica seguida de oferta pública das ações restantes do governo.
Na perspectiva das consultoras, esta última opção teria a vantagem extra de “permitir ao
Governo compartilhar do provável aumento do valor propiciado pela venda estratégica”
(LEHMAN BROTHERS; DRESDNER K. BENSON, 1997, p. 75), bem como proporcionaria
o atendimento “aos objetivos de criar um mercado favorável, com liquidez das ações da
empresa privatizada, e desenvolver o mercado doméstico de capitais” (Idem, p. 75). Na
apresentação feita no dia 27 de agosto de 1997, as consultoras financeiras Lehman Brothers,
Arthur Andersen e o escritório Motta, Fernandes & Associados, afirmavam que esta opção
combinada era a que melhor atenderia aos objetivos do governo, pois “viabiliza a venda a
grupos que atendam as metas do governo (universalização e qualidade dos serviços); reduz o
requisito inicial de capital estimulando a formação de maior número de consórcios; permite
explorar diferentes fontes de demanda (operadores internacionais, grupos domésticos, etc)”. A
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!146 Tipo de ação especial controlado pelo Estado que confere a este poderes especiais no controle de empresas privatizadas, sobretudo em casos que o os interesses empresariais contrariem os interesses nacionais.
!
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203
oferta pública foi considerada não viável uma vez que não maximizava as receitas da
venda147.
É importante notar que até setembro de 1997, conforme levantamento feito por
Martins (1999), o então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, deu declarações a
imprensa afirmando que haveria restrições ao capital estrangeiro148 e que no processo de
venda haveria uma salvaguarda garantido o controle do capital nacional149. A posição do
governo alterou-se durante a segunda fase dos trabalhos das consultoras e, cerca de um de um
mês antes da venda, o governo regulamentou (Decreto 2.617/1998) a liberalização total do
setor ao capital estrangeiro. Na reunião de agosto de 1997 com o Ministro, as consultoras
financeiras afirmavam que a criação de Golden Share teria uma influencia negativa sobre o
valor das venda e que, uma vez criado o órgão regulador, essa estratégia não seria necessária.
Além disso, defendeu-se que Aspectos relacionados ao capital nacional: grande parte das empresas brasileiras já estão comprometidas com investimentos na Banda B e o universo de empresas que deverão participar da privatização do STB é limitado; fundos de pensão participaram com 15% do capital das empresas privatizadas (Banda B) e ainda existe potencial para participar da privatização do STB (25%). Conclusão: pequenas limitações ao capital estrangeiro e aos fundos de pensão não terão impacto no valor da venda. Entretanto, limitações significativas podem reduzir as tensões de demanda e, por conseguinte, o valor de venda. Formas de compensar os limites impostos: financiamento do BNDES; participação do BNDESpar no Capital (LEHMAN BROTHERS; ARTHUR ANDERSEN; MOTTA, FERNANDES & ASSOCIADOS, 1997, s//p).
A utilização do mecanismo Golden Share foi feita por diversos países europeus,
como Inglaterra e Portugal, por exemplo, para manter a soberania do país no direcionamento
do setor em casos emergenciais. Trata-se de um tipo de ações especiais que permanecem nas
mãos do Estado. Embora seja uma participação minoritária, este tipo de ação dá ao governo o
poder de intervir no direcionamento do setor quando os interesses das empresas não
representarem o interesse nacional. Contudo, os grandes capitais não tinham interesse em que
o Estado mantivesse o poder de, em momentos estratégicos, intervir no direcionamento do
mercado. Assim, ao não fazer uso deste tipo de mecanismo, o governo brasileiro abriu mão de
um mecanismo que reforçaria a soberania e os interesses nacionais frente ao capital
estrangeiro. Na América Latina, o México também utilizou este método para manter nas mãos
do Estado a função de definir as políticas de telecomunicações. Além disso, assim como na
Europa, o governo mexicano, assim como na Europa, optou por não fatiar a empresa,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!147 No relatório da primeira etapa, cogita-se a venda seprada da Embratel por oferta pública, levando em conta a sua rede maturidade da rede e o desenvolvimento dos negócios. 148 Matéria publicada na Gazeta Mercantil em 23 de julho de 1997. 149 Matéria publicada na Gazeta Mercantil em 11 de setembro de 1997.!!
!
!
204
vendendo a sua totalidade, e recorreu a venda de ações estratégicas por meio de artifícios que
deixaram a Telmex majoritariamente sob o comando do capital nacional.
Para realizar a privatização nos moldes apontados pelas consultoras foi necessário
remover um impeditivo legal: o direito dos acionistas minoritários. De acordo com a
legislação brasileira vigente, as participações minoritárias em empresas de capital aberto
tinham o chamado direito de recesso e o direito à oferta pública. O primeiro dava aos
acionistas minoritários o direito de resgatar o valor de suas ações pelo valor patrimonial em
caso de mudanças materiais, como fusão, cisão ou venda dos principais ativos da empresa. Ou
seja, isto afetaria diretamente o processo de reorganização da Telebrás para a venda, uma vez
que ativaria o direito de recesso, representando altos custos financeiros e atrasos no
cronograma. Além disso, a privatização também criaria o direito desses acionistas a fazer uma
oferta pública de suas ações ordinárias pelo mesmo valor pago pelo comprador ao antigo
detentor do capital acionário, no caso, o Estado brasileiro. “O exercício desses direitos poderá
requerer que um comprador do controle adquira mais ações da empresa do que ele desejaria,
ou que o Governo venda um número de ações menor que o desejado” (LEHMAN
BROTHERS; DRESDNER KLEINWORT BENSON, 1997, p. 64). Entretanto, o “entrave”
foi removido antes da privatização. Em fevereiro de 1993, o então Ministro do Planejamento,
Antônio Kandir, enviou ao Congresso Nacional que um projeto de lei (PL 1.564/1996) que
alterava a Lei das S/A, retirando esses direitos nos casos supracitados. A propostas foi
aprovada no Legislativo Federal , transformando-se na Lei 9.457/1997. Caso lei não fosse
aprovada, as consultoras previam uma outro estratégia. O governo poderia usar métodos
alternativos como o BOT – Build, Operate and Transfer (Construir, Operar e Transferir) ou o
contrato de gestão.
Definidos os principais aspectos e removido os impeditivos, as consultoras
financeiras e a Fernandes, Motta & Associados passaram a atuar no processo de cisão e
recomposição financeira, contábil e jurídica dado Sistema Telebrás, consolidando assim as
três holdings regionais, assim como a separação da Embratel e das companhias de telefonia
móvel Banda A, além de cuidar dos passivos da Telebrás. As firmas assumiram também o
papel de assessorar no trabalho de marketing e “due diligence”, organizando as informações
para os potenciais compradores e as salas de informação (data rooms); estabelecendo os
requerimentos de confidencialidade informativa antes, durante e depois do processo;
treinando funcionários da Telebrás; comunicando-se com a Comissão de Valores Mobiliários
e com a Securities and Exchange Comission.
Adotando as recomendações das consultoras, o governo optou pelo mecanismo de
!
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205
leilão e de venda simultânea das companhias de telefonia fixa com as de telefonia móvel
(Banda A), pois a possibilidade de operar os dois tipos de serviço atrairia investidores de
maior porte e auxiliaria na maximização do valor da venda, além de permitir a participação de
investidores com reduzido interesse na telefonia fixa. As ofertas foram entregues em
envelopes fechados. Ao final, as participações do governo foram negociadas por venda a
parceiros estratégicos, e a oferta pública, em seguida, foi utilizada apenas para vender as
ações dos acionistas minoritários150.
A estratégia adotada pelo governo abriu totalmente o mercado brasileiro de
telecomunicações ao capital estrangeiro em detrimento do capital nacional. No caso México,
mesmo o governo avaliando que não existia no país grupo econômico capaz de arrematar o
valor de toda empresa, a venda de ações por tipos (AA, A e L) permitiu que, mesmo com a
participação da Southwestern Bell e da France Telecom, a maior parte da a Telmex
permanece sob controle de investidores nacionais, no caso Grupo Carso (10,4%), governo
(9,5%, sem direito a voto – ações de tipo L) e empregados da Telmex (4,4%). O Brasil perdeu
assim a possibilidade de, como nos países Europeus, cria um “campeão nacional”, que, diante
da extensão do mercado poderia, poderia levar a superação do gap tecnológico e avançar
sobre o mercado de outros países. A Telmex hoje é umas das quatro maiores empresas de
telefonia no Brasil.
5.8 O Modelo da Oposição: soberania nacional x capital internacional
Ao chegar a presidência FHC também conquistou a maioria no Congresso Nacional.
Considerando apenas os três principais partidos da coalização (PSDB, PFL e PTB), foram
asseguradas 95 cadeiras na Câmara dos Deputados e 21 no Senado. Além disso, o governo
contava com o apoio de parte do PMDB, que era a maior bancada com 107 e 14
representantes, respectivamente. Isto permitiu que os projetos de interesse do governo fossem
aprovados no Congresso com certa facilidade. A Projeto da LGT levou cerca de sete meses
para ser discutido e aprovado nas duas casas do Congresso, tendo passado cinco meses na
Câmara e menos de um mês no Senado.
Durante o processo de mudança do artigo 21 da Constituição Federal, os partidos de
oposição, liderada pelo Partidos dos Trabalhadores (PT), respaldados pelo apoio da Federação
Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), do Sindicato dos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!150 Para a avaliação financeira das empresas foram contratadas as firmas Arthur D. Little, Coopers Lybrand, Salomon Brothers e Morgan Stanley.
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206
Trabalhadores de Pesquisa, Ciência e Tecnologia de Campinas e região (SinTPq) e da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), tentaram barrar a proposta governista, mas não tiveram
êxito. Segundo Cavalcante (2006), consciente de que precisavam se preparar para as próximas
disputas, os sindicatos, sob o comando nacional da Fittel, passaram a aceitar as presença do
capital privado no setor, mas passaram a articular algumas propostas. Para fundamentar suas
posições, os sindicatos passaram a realizar estudos e publicações sobre a situação das
telecomunicações em âmbito internacional, “cujo objetivo era mostrar que a tendência
existente, pelo menos nos países centrais, era de unificação e criação de grupos fortes, e não a
fragmentação das companhias” (CAVALCANTE, 2006, p. 13). Uma outra medida adotada
foi a contratação de advogados para impetrar na justiça processos que atrasassem ou
barrassem as proposições do governo aprovadas no Congresso.
Além disso, no final de 1996, os sindicatos vinculados a CUT passaram a propor um
modelo de abertura do setor pautando a ideia da constituição de uma empresa única sob o
comando majoritário de um grupo nacional. Cavalcante (2006) apresenta a proposta lançada
pelo SinTPq no final de 1996 sob o título de Projeto “Brasil Telecom”: Diante do quadro trazido pelas mudanças mundiais no setor das telecomunicações, as entidades representativas dos trabalhadores em telecomunicações têm debatido e elaborado um projeto alternativo à privatização do Sistema Telebrás. Defendemos: 1. Que o Brasil adote uma regulamentação nas telecomunicações que assegure regras justas de concorrência, mas garanta a universalização dos serviços e o atendimento às carências sociais do país; 2. Que a Telebrás seja reorganizada, vindo a constituir uma única empresa, dotando-se dos meios e recursos necessários para participar de concorrências e alianças hoje em curso no Brasil e no mundo (...) 3. Que seja mantido um sistema nacional e integrado de comunicações, independente de que sejam abertas áreas ou segmentos de serviços à concorrência. O fatiamento do sistema nacional acarretará profundos e gravíssimos prejuízos econômicos, culturais e estratégicos (inclusive no aspecto militar) ao país. A Telebrás reorganizada como empresa única terá a missão de manter e operar o sistema nacional (SinTPq Informa, no 192, 18/11/96 apud CAVALCANTE, 2006, p. 14).
Cavalcante explica ainda que, diante de uma conjuntura que já indicava a
fragmentação da Telebrás, em agosto de 1997, durante a realização do V Congresso Nacional
dos Trabalhadores em Telecomunicações – CONTTEL, os sindicatos elaboraram um proposta
alternativa à do governo defendendo a ideia de uma empresa única, com o objetivo de
promover a soberania do país no mercado de telecomunicações e que usasse o poder de
compra para promover o desenvolvimento tecnológico do país na área. De modo geral, as
características da proposta era - compromissos públicos de manter e expandir a universalização dos serviços, atender convenientemente às regiões pobres do país, fomentar o desenvolvimento industrial e tecnológico, etc.;
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207
- gestão compartilhada entre a União, investidores privados estratégicos, milhões de pequenos acionistas da atual Telebrás, trabalhadores e usuários; - centros de decisão situados inequivocamente em nosso país (...) Se é para jogar o jogo, vamos jogar para ganhar! (FITTEL, s/d apud CAVALCANTE, 2006, p. 16).
As propostas destes sindicatos e dos partidos da oposição foram derrotadas pelas
forças governistas, que também eram majoritárias na Comissão Especial de
Telecomunicações. Uma das poucas vitórias dos sindicatos foi a inserção do Fundo para do
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL) no texto da lei. Para além
da hegemonia governista no parlamento, o Projeto “Brasil Telecom” não ganhou força
também porque havia uma divisão no movimento sindical. Os sindicatos vinculados à Força
Sindical apoiaram as privatizações, sobretudo após a aprovação da Lei 8.301 que garantiu aos
empregados das empresas estatais uma parcela das ações leiloadas.
A partir de uma pesquisa realizada em diversos países em desenvolvimento,
Petrazzini (1995) defende a hipótese de que, neste grupo de nações, aquelas com governos
que engendram um alto nível de controle e integração vertical da estrutura política tem
maiores chances de completar a privatização do que aqueles países com estruturas de governo
voláteis e dispersas. “O estudo aponta para o fato irônico de que ‘desmantelar o Estado
reclama a presença de um estado autônomo e ‘forte’” (PETRAZZINI, 1995, p. 6 – Tradução
livre)151. Segundo Figueiredo, Limongi e Valente (1999), o governo FHC utilizou-se de
mecanismo institucionais para implantar um padrão decisório que controlava a agenda do
Congresso Nacional, facilitando a atuação concentrada do Executivo e dos líderes partidários
da coalização governista de modo a ampliar a atuação autônoma do Estado. A sua influência direta e autônoma na formulação de políticas públicas diminuiu, especialmente na área econômica. O Congresso deixou de ser o locus decisório e de debates, dando lugar a negociações entre líderes governistas e ministros e técnicos da alta burocracia governamental. Com isto, perdeu capacidade deliberativa, estreitando o espaço de debate público, reduzindo a visibilidade das decisões políticas e o acesso dos cidadãos a informações sobre políticas públicas (Idem, p. 52).
Desse modo, de acordo com os autores, o Congresso teve seu papel de contrapeso
institucional e sua capacidade de controle das ações Estado reduzidos, com consequências
sobre o controle vertical exercido por parte dos cidadãos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!151 “The study points to the ironic fact that ‘dismantling’ the state calls for a presence of a ‘strong’ and autonomous state (PETRAZZINI, 1995, p. 6)”.
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208
5.9 Universalização das telecomunicações. Uma chamada sem retorno
Enquanto firma responsável por desenvolver o modelo econômico e os aspectos
fundamentais da nova regulamentação, coube à McKinsey & Co propor um plano de
universalização, assim como desenhar os objetivos e possibilidade das metas a serem
alcançadas. Nos anexos do volume 2 das “Diretrizes...” consta uma estudo realizado pelo
consultora em que as diferentes ideias de universalização dos serviços de telefonia em
diversos países é apresentada, bem como os objetivos e as Obrigações do Serviço de
Universalização (OSUs). Foi a partir desta investigação que a McKinsey desenvolveu as
propostas apresentadas ao governo brasieliro durante as reuniões do segundo momento da
contratação.
De acordo com o relatório da McKinsey, a regulamentação da universalização dos
serviços de telecomunicações envolve quatro aspectos, a saber: o conceito, do qual se derivam
e interligam reciprocamente os objetivos; feito isto, define-se as OSUs impostas aos
provedores e o mecanismo de financiamento do ônus por elas acarretado levando em conta
seu custo líquido. A definição das OSUs devem considerar a realidade socioeconômica do
país e as características de acesso e desenvolvimento da rede no momento do seu
planejamento, sendo portanto estabelecidas para períodos futuros. Além disso, de acordo com
os pressupostos apresentados pela consultora, elas devem levar em consideração o bem estar e
a sustentabilidade econômica das concessionárias.
Na perspectiva dada pela McKinsey, as OSUs deverão ser consideradas mecanismos
de compensação das ineficiências do mercado e, portanto, devem primar por atender aos
indivíduos que não podem ser atendidos pela melhoria na eficiência dos investimentos e por
uma competição real. Por outro lado, salienta-se que o desenvolvimento de um mercado
competitivo é a situação sine qua non para que se possa alcançar as obrigações definidas, pois
é ele que subsidiará a continuidade da expansão da rede e da melhoria dos serviços. Isto
significa que as OSUs não visam atender a demanda reprimida (usuários potenciais) e que
metas de expansão não se confundem com metas de universalização, ainda que a segunda
esteja vinculada, por questões econômicas e de infraestrutura, a primeira. Assim, os objetivos
estabelecidos pelo Ministério das Comunicações “poderão ser direcionados ao subgrupo de
potenciais usuários que não poderiam, de outra forma, ser atendidos em bases comerciais”
(MCKINSEY, 1997, p. 88). Essa perspectiva de inclusão de indivíduos com menor
capacidade resultam no fato de que as “OSUs geralmente requerem que as tarifas sejam
ajustadas para um nível diferente daquele que pode ser considerado apropriado do ponto de
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209
vista puramente econômico” (Idem, p. 92), como acontecem em países como Austrália,
Estados Unidos e Reino Unido152. Além disso, a totalidade de países analisados pela firma
consultora aponta que os objetivos da universalização podem também ser estabelecidos
levando em consideração o nível de desenvolvimento econômico de determinadas regiões
geográficas153; em relação à áreas remotas ou rurais154; em função dos segmentos de menor
renda da população, incluindo o fornecimento de telefones públicos155; e em relação a certos
grupos de pessoas menos favorecidas ou a instituições sociais de cunho essencial156. Isto é,
em geral, leva-se em consideração aspectos geográficos, de renda e circunstâncias de
necessidades especiais.
Apesar das considerações da firma de consultoria contratada, o conceito de
universalização consolidado na LGT toma como base a generalidade do fornecimento dos
serviços para todas as pessoas para, a partir destas, destacar o atendimento a deficientes
físicos, instituições de caráter público ou social, e áreas rurais, de urbanização precária ou
remotas. O legislador não levou em consideração portanto as questões atinentes à renda157.
Fato que, em certa medida, está vinculado ao modo como o conceito de universalização foi
estabelecido no direito público brasileiro na década de 1990. Conforme explica Aranha
(2005), Ela [a universalização] é um reflexo estilizado do velho princípio da generalidade na organização do serviço público. A generalidade impõe disciplina normativa para um número indeterminado de pessoas, partindo do pressuposto da igualdade entre elas. Por isso, a disciplina normativa embasadora da prestação de serviços públicos orienta à sua difusão pelo maior número possível de pessoas e espaços geográficos do país. Isso é a universalização prevista na legislação setorial de telecomunicações (art. 80, caput da LGT) (ARANHA, 2005, p. 120).
Após a sanção da LGT e com o início da segunda fase dos trabalhos das consultoras,
nota-se que a perspectiva concernente às OSUs recomendadas não levam em consideração
todos os aspectos apresentados no relatório anterior da McKinsey, olvidando os segmentos de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!152 Segundo o estudo da McKinsey, as legislações desses países consideram os conceitos de tarifas razoáveis, tarifas acessíveis e tarifas uniformizadas geograficamente. 153 Índia, EUA, Reino Unido e Austrália. 154 México, EUA e Canadá. 155 EUA, México, Austrália, Quênia, Indonésia e Canadá.!!156 EUA, Austrália, Canadá e Reino Unido. 157 “Art. 80. As obrigações de universalização serão objeto de metas periódicas, conforme plano específico elaborado pela Agência e aprovado pelo Poder Executivo, que deverá referir-se, entre outros aspectos, à disponibilidade de instalações de uso coletivo ou individual, ao atendimento de deficientes físicos, de instituições de caráter público ou social, bem como de áreas rurais ou de urbanização precária e de regiões remotas” (BRASIL, 1997, s/p). E ainda: “Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público. § 1° Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público” (Idem, s/p).
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210
menor renda e a diferenciação tarifária para estes grupos158. Como as regulamentações
subsequentes devem-se pautar na LGT, nas apresentações que fez em agosto e outubro de
1997, percebe-se que todas as possibilidades e exemplos de obrigações de universalização
destacadas pela McKinsey são sempre definidas em relação ao número de acessos,
estabelecendo como prioridade o número de Telefones de Utilidade Pública (TUPs) por
região geográfica do país, o acesso em instituições de interesse público, acessos individuais,
acesso especial para pessoas com deficiência e alvos considerados ambiciosos (internet nas
escolas e faixa larga nos hospitais). Como algumas metas não poderiam ser implementadas
em curto prazo, recomendou-se estabelecer um cronograma de implementação 159 . É
importante notar que, neste momento, as metas de expansão da rede passam a aparecer como
metas de universalização que não precisam de financiamento (tipo I)160, de forma que, na
apresentação de outubro, a consultora recomenda que os contratos de concessão apresentem
metas de crescimento econômico e de expansão da rede.
No tocante ao financiamento do ônus ou do déficit gerado, a LGT prevê quatro
mecanismos possíveis, sendo que dois podiam ser aplicados de forma permanente e dois por
um tempo limitado, a saber: orçamento do governo (permanente), fundo específico
(permanente), subsídio cruzado (temporário) e adicional ao valor de interconexão
(temporário). Tendo em vista essas possibilidade, a McKinsey apontavam que o segundo e o
quarto seriam os mais viáveis (ver quadro 25). Dada as opções, houve um preocupação por
parte da firma consultora em estabelecer um mecanismo de curto prazo visto que a criação de
um fundo específico exigiria um tempo para ser regulamentado e arrecadado. No
Regulamento do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST
(Decreto 3.624/200) ficaram estabelecidos os seguintes mecanismos: repasses do orçamento
da união, parte de recursos recebidos pelo Fistel161, preço cobrado pela Anatel por motivo de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!158 No que concerne às questões jurídicas, deve-se ressaltar que os trabalhos da consultoras eram realizados e discutidos com as equipes dos grupos de trabalho e tinham a participação das consultoras jurídicas. 159 A Anatel revisa e renova as metas de universalização a cada cinco anos. 160 Na referida apresentação constam três tipos de metas; Tipo I - Definição das obrigações a serem incluídas nas concessões para as quais não será necessário fornecer financiamento externo; Tipo II - Definição de obrigações a serem incluídas nas concessões para as quais será outorgado financiamento; Tipo III - Definição de obrigações futuras (que aparecem nas concessões em forma não definida) e escolha da prestadora . 161 Esses valores repassados ao Fust serão correspondentes a 50% dos valores provenientes das seguintes taxas do Fistel (Lei 5.070/66): “Art. 2° O Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL é constituído das seguintes fontes: c) relativas ao exercício do poder concedente dos serviços de telecomunicações, no regime público, inclusive pagamentos pela outorga, multas e indenizações; (d) relativas ao exercício da atividade ordenadora da exploração de serviços de telecomunicações, no regime privado, inclusive pagamentos pela expedição de autorização de serviço, multas e indenizações; e) relativas ao exercício do poder de outorga do direito de uso de radiofrequência para qualquer fim, inclusive multas e indenizações; j) decorrentes de quantias recebidas pela aprovação de laudos de ensaio de produtos e pela prestação de serviços técnicos por órgãos da Agência Nacional de Telecomunicações “ (BRASIL, 1966, s/p). Redação dada pela LGT.
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211
transferência de concessão, permissão e autorização; contribuição de um por cento sobre a
receita operacional bruta decorrente da prestação dos serviços em regime público e privado,
doações, e outras que vierem a ser destinadas.
Quadro 25: Avaliação McKinsey sobre os possíveis mecanismos de financiamento das OSUs
Mecanismo de Financiamento Argumentos Deve ser aplicada? Orçamento do Governo
• Economicamente fácil de sustentar
• Politicamente difícil de justificar
Não no curto prazo. Poderia ser aplicado a partir do momento em que a população percebesse os benefícios gerados.
Fundo Específico
• Mecanismo transparente viável no curto/médio prazo
Sim
Subsídio cruzado
• Não sustentável em um ambiente competitivo
• Fácil de estabelecer, mas viola os princípios básicos da LGT
Não
Adicional de Valor de Interconexão
• Possível estabelecimento de tarifas de interconexão assimétricas para financiar o déficit
• Viável no curto prazo
Sim
Fonte: McKinsey & Co.
Conforme perspectiva que vinha sendo adotada, as OSUs estabelecidas pelo o Plano
Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (Decreto
2.592/98) são baseadas na evolução quantitativa dos acessos e no prazo de atendimento das
demandas. Assim, foram previstas metas para o aumento do número de acesso individuais
(instalados162 e em funcionamento) e coletivos, levando em consideração instituições de
interesse público (educacional e de saúde), zonas rurais e de baixa densidade demográfica, e
as necessidades de pessoas com deficiência. As metas são diferenciadas por Unidade da
Federação e os prazos para início e alcance dos objetivos variam de acordo com a prioridade
estabelecida, sendo o início das últimas marcado para começar em 31 de dezembro de 2003,
quando o Plano foi revisado pela primeira vez. Portando, o modelo de universalização
implantado no país priorizou o aumento e difusão do número de acessos ao aparelho
telefônico.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!162 O acesso instalado não considera o aparelho terminal em funcionamento, mas a possibilidade do serviço ser prestado quando demandado.
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212
Desse modo, nos anos que se seguiram a privatização, as concessionárias dos
serviços de telecomunicações empenharam-se bastante para cumprir as metas estabelecidas no
PGMU até 2001, pois ao passo que cumprissem suas metas elas seriam liberadas para atuar
em outras regiões de outorgas. De acordo com dados da Anatel, o número de telefones fixos
instalados passou de 22,1 milhões em 1998 para 47,8 milhões em 2001, um crescimento de
53,7%. Este número foi ampliado para 50,5 milhões em 2005, o que representa uma elevação
de 56,2% em relação ao ano inicial. No mesmo espaço de tempo, o número de acessos fixos
em serviço passou de 20 milhões para 37,4 milhões, ampliando-se 46%, e passou para 39,8
milhões em 2005, ou seja, 42% em relação a 1998. A partir de 2002, o número de telefones
fixos em serviços estagnou e passou a ter uma leve redução nos anos seguintes em função do
crescimento da telefonia móvel celular. Seguindo esta tendência, o número de TUPs
aumentou em 57% entre 1998 e 2001, passando a decrescer após o ano de 2002. Isto significa
que a demanda por telefonia fixa, em certa medida, estagnou-se a partir de 2002. A relação
desproporcional entre o crescimento de acessos instalados e em serviço mostra que entre 1998
e 2001 houve também um aumento do espaço ociosa da rede, aspecto que se explica por
questões econômicas.
Se, por um lado, o brasileiro passou a ter facilidade para ter um aparelho telefônico
em funcionamento na sua residência; por outro, com o fim dos subsídios cruzados e o início
do rebalanceamento das tarifas iniciado em 1995, o cidadão passou a ter dificuldades para
pagar os novos valores e poder efetuar chamadas. Se em 1995 a telefonia brasileira era a
segunda mais barata do mundo, segundo Dantas (2002), nos cinco anos seguintes a assinatura
residencial aumentou 3.106% e o preço do pulso de ligação cresceu 231%. A assinatura
residencial e o pulso passaram de R$ 2,70 e R$ 0,036 para R$ 14,11 e R$ 0,0662,
respectivamente, no período. Considerando os preços praticados em 2002 pelas três
incumbentes do serviço fixo, a classe A brasileira gastava, em média, R$ 95,56, a classe B
pagava R$ 70,96, a classe C cerca de R$ 44,03, a classe D dispendia cerca de R$ 30, a classe
E pagava R$ 29,86, e os moradores rurais gastavam R$ 30,3163. Isto significa que as classes
D, E e residências rurais gastavam cerca de 15% do valor do salário mínimo praticado na
época. Dantas (2002) destaca que o aumento expressivo das tarifas acarretou vários
problemas para o modelo de concorrência implantado, como o aumento da inadimplência, a
estagnação e até redução do tráfego entre 1998 e 2000, e a consequente queda na receita
média das operadoras por terminal fixo. De acordo com Dantas, o relatório da Telemar
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!163 Cálculos feitos a partir de dados apresentados por Dantas (2002).
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divulgado em 2001 mostrava que havia sido instaladas 3 milhões de novas linhas naquele ano,
mas outras 2,289 tinha sido desligadas por ausência de pagamento O abusivo aumento das tarifas nas contas residenciais, praticado e assegurado pelo governo, não foi acompanhado por aumento similar nas contas não residenciais. Nestas, entre 1995 e 2001, o aumento da assinatura foi de 320,8%. Em 1995, a diferença entre a assinatura residencial e não residencial era de 1.086%; ela se reduziu a meros 55% cinco anos depois. Ao promover reajustes tão desbalanceados (embora muito acima da inflação em ambos os casos), o objetivo do governo, conforme as autoridades disseram repetidamente, era eliminar o subsídio cruzado embutido nas tarifas (DANTAS, 2002, p. 23).
Em 2002, Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), realizada
anualmente pelo IBGE, mostrou que apenas 61,6% dos domicílios brasileiros possuíam linha
de telefone fixo instalada e que as disparidades regionais no acesso à telefonia se mantiveram.
Enquanto no sudeste e no sul do país, 72,6% e 71,1% das residências possuíam linha
telefônica; no Centro Oeste esse percentual era 64,8%, no Norte país (apenas zona urbana)
esse número decrescia para 52,9%, caindo para 37,4% no Nordeste. Além disso, verificou-se
que, naquele ano, entre os domicílios rurais, somente 19,3% dispunham de linha fixa164.
Por outro lado, a mesma pesquisa apontou um dado que se tornou tendência nos anos
seguintes: 8,8% dos domicílios tinham somente telefone celular. Os dados da Anatel mostram
que se o acesso ao telefone fixo em serviço praticamente estagnou entre 2002 e 2006165 (ver
gráficos 9 e 11), o acesso ao telefone móvel pessoal aumentou 98,2% no mesmo período. Se
entre 2007 e 2012 o número de acessos fixos em serviço voltou a crescer, alcançando um
percentual de 11% para o período; na mesma fração de tempo, a quantidade de acessos ao
telefone móvel cresceu 53,8%. Considerando o período de dez anos 2002-2013, o número de
telefones celulares evoluiu 99,3%. Comparando os dados da PNAD/IBGE de 2009 e 2012,
percebe-se que o número de pessoas que dispõem de aparelho móvel celular e não possui
telefone fixo residencial cresceu 33,3% no período. Em 2012, a PNAD/IBGE apontou que
51,4% das habitações brasileiras usam apenas telefonia celular. Entretanto, a possibilidade de
comunicação via telefone encontra nas tarifas um dos seus principais dificultadores. Uma vez
que o serviço móvel celular é prestado em regime privado, ele não está submetido às
regulamentações de preços estabelecidas pela LGT e pela Anatel. O estudo anual da UIT
sobre acesso às tecnologias da informação (Measuring the Information Society) divulgado em
2013 afirmava que a telefonia móvel brasileira é a mais cara entre os 193 países analisados;
no que diz respeito à telefonia fixa, o Brasil é o 14o países com as maiores tarifas. Isto
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!164 A pesquisa não considerou as habitações rurais da região Norte. 165 Na verdade, houve um leve aumento em 2003, 2004 e 2005, voltando em 2006 ao mesmo patamar de 2002.
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explica, em certa medida, o crescimento substancial da telefonia móvel pré-paga nos últimos
anos (ver gráfico 11). Em 2013, 78,8% dos telefones celulares eram pré-pagos. Um outro
mecanismo que tem sido utilizado pelos brasileiros para conseguir se comunicar por telefone
é, tendo em vista o baixo custo do aparelho móvel, ter mais de um aparelho, ou apenas um
que suporte dois chips, para poder falar com indivíduos de uma mesma operadora pagando
preços mais baixos. Essa tendência tem impacto, de algum modo, sobre o crescimento da
densidade de terminais móveis celulares. Em 2012, havia uma média de 1,3 aparelho móvel
para cada brasileiro.
Atualmente, cerca de 91,2% das residências brasileiras possuem um suporte de
telefonia fixo celular, contudo, o principal obstáculo da universalização é o preço dos
serviços. Grande parte da população tem aparelhos de telefonia, mas não dispõem de
condições econômicas para utilizá-lo plenamente, com um fluxo equilibrado entre origem e
recepção das chamadas. O modelo instituído após a privatização das telecomunicações,
universalizou o acesso ao aparelho telefônico, mas ainda tem dificuldades para universalizar o
serviço de telefônico, pois este implica o conjunto de atividades pertinente à transmissão de informação por processo eletromagnético, que é aquele que se utiliza do campo eletromagnético para geração de sinais de comunicação, caracterizado pelos conceitos de modulação significativa do sinal portador, codificação e decodificação, e de um conjunto operacional contínuo de circuitos de emissão e recepção. Sempre que tais elementos conceituais estiverem presentes, haverá serviço de telecomunicação, exceto os serviços expressamente excluídos por lei (ARANHA, 2005, p. 111)
Gráfico 9: Penetração dos Telefone Fixo e Celular nos domicílios
Fonte: Teleco, 2012.
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Gráfico10 : Evolução em acessos do serviços do STFC – em milhões
Fonte: Anatel (2012) Gráfico 11: Evolução do Serviço Móvel Pessoal (SMP) – em milhões
Fonte: Anatel (2012)
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O modelo de universalização implantado prezou por metas quantitativas e não
considerou as disparidades sócio-econômicas do país de modo que as diferenças no acesso
pleno aos serviços de telecomunicações continuaram sendo uma característica das
telecomunicações brasileiras. Os ideais de universalização por meio do que as consultoras e o
governo chamou de concorrência justa esbarraram na capacidade de consumo do brasileiro.
Mesmo relatando o caso de países que implementaram um sistema de tarifas diferenciadas, as
escolhas do modelo brasileiro priorizaram, mais uma vez, os interesses econômicos dos
prestadores de serviço e os as regras do mercado.
5.10 Pesquisa & Desenvolvimento sob uma política de mercado
A Lei Geral de Telecomunicações determinou, em seu artigo 190, que o processo de
desestatização e privatização deveria prever mecanismos que assegurasse a capacidade de
desenvolvimento tecnológico existente. Como mostrado no capítulo anterior, até então, o
Sistema Telebrás contava com um dos principais centros de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico da América Latina e do mundo, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
Tecnológico (CPqD), que tinha um forte protagonismo e inserção no processo de
desenvolvimento e inovação das telecomunicações brasileiras.
Na segunda fase dos trabalhos, as firmas de consultoria assumiram também o papel
de planejar a realocação e o destino dos passivos da Telebrás. Assim, coube à Lehman
Brothers, Dresdner Kleinwort Benson e Arthur Andersen, com o apoio do Motta, Fernandes
Rocha & Associados, conceber um novo modelo econômico e jurídico para o CPqD. Em seus
trabalhos, embora reconhecessem a capacidade técnica do Centro, as consultoras partiram da
ideia de que entidade deveria ser independente das regulações do governo e que a sua base de
atuação deveria acontecer por meio marketing e vendas dos seus produtos. Na apresentação
feita ao governo em 11 de novembro de 1997, as firmas apresentaram seis possíveis estruturas
organizacionais (ver Quadro 26) e recomendaram que o CPqD fosse transformado em uma
fundação privada. Na verdade, em julho, a LGT já havia disciplinado que órgão deveria ser
transformado em um empresa estatal ou em um fundação pública ou privada. Escolhida a
opção de transformá-lo em fundação privada, definiu-se que a transição ensejaria a
necessidade de organizar o Centro para um ambiente competitivo, estabelecer contrato com
operadoras e determinar as necessidades financeiras.
Neste sentido, a LGT determinou que o governo deveria encaminhar ao Congresso
Nacional um projeto de lei que regulamentasse a criação de um fundo para o desenvolvimento
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tecnológico das telecomunicações. Ideia que foi considerada uma das poucas vitórias dos
sindicatos. Além disso, as consultoras definiram como outros meios de financiamento
contratos de implementação, contratos de serviços continuados, prestação de serviços para a
Anatel e royalties provenientes do licenciamento de equipamentos. O Fundo de
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações foi criado em novembro de 2000 (Lei
10.052/2000), sendo que 20% dos recursos arrecadados são destinados ao CPqD. A
arrecadação é proveniente, em sua maioria, do pagamento de 0,5% da receita bruta das
prestadoras de serviços de telecomunicações, em regime público e privado, e de 1% de
dotações previstas na lei de financiamento do Fistel166.
Apesar da previsões de recursos públicos e de continuar submetido à estrutura, às políticas e à
fiscalização do Estado, a forma fundação privada e o modelo de negócios estabelecido
lançavam o CPqD às regras de competição do mercado. Até a privatização, a realização das
pesquisas era financiada pelos contratos preferenciais que o Centro mantinha com as
empresas do Sistema Telebrás. A partir de então, a sustentabilidade e o destino do Centro
deveria basear-se na busca por contratos com as novas e demais empresas. As consequências
foram a perda da centralidade e do poder do CPqd no desenvolvimento tecnológico brasileiro
no que diz respeito às telecomunicações e a ampliação do déficit comercial, que se iniciou no
governo Sarney. No anos que se seguiram, empresas brasileiras, como a como a Batik, Zetax
e Xtal, que utilizavam tecnologia desenvolvidas pelos CPqD, foram vendidas a grupos
concorrentes estadunidenses. No mesmo período, a Anatel rejeitou a cláusula 1.8 dos
contratos de concessão, que determinava que as operados deveriam dar preferência a produtos
fabricados no Brasil com tecnologia nacional quando houvesse igualdade nas condições
técnicas, de preço e prazo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!166 Lei 10.052/2000. “Art. 4o Constituem receitas do Fundo: I – dotações consignadas na lei orçamentária anual e seus créditos adicionais; II – (VETADO); III – contribuição de meio por cento sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, nos regimes público e privado, excluindo-se, para determinação da base de cálculo, as vendas canceladas, os descontos concedidos, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); IV – contribuição de um por cento devida pelas instituições autorizadas na forma da lei, sobre a arrecadação bruta de eventos participativos realizados por meio de ligações telefônicas; V – o produto de rendimento de aplicações do próprio Fundo; VI – o produto da remuneração de recursos repassados aos agentes aplicadores; VII – doações; VIII – outras que lhe vierem a ser destinadas. Parágrafo único. O patrimônio inicial do Funttel será constituído mediante a transferência de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) oriundos do Fistel.
!
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218
Quadro 26: Possibilidades de estruturas organizacionais para o CPqD Modelo Vantagens Desvantagens
Subsidiária de uma empresa operadora
• Facilidade de implementação
• Focalização • Garantia de
financiamento
• Falta de suporte para outras operações
• Não atende à LGT • Possibilidade de não
receber serviços terceirizados da Anatel
Venda a Investidor Estrangeiro
• Experiência de administração
• Habilidade em marketing • Tem sinergia com
operações com estrangeiras existentes
• Alinhamento com competência de investidores
• Canal para entrada de tecnologia estrangeira
• Não atende a LGT • Possibilidade de não
receber serviços terceirizados da Anatel
• Posse de licenças e patentes
• Perda potencial de clientes Desmembramento de Funções
• Alinhamento de habilidades com principais clientes
• Não há necessidade de financiamento
• Não atende à LGT • Administração complexa
durante a privatização
Venda a Consórcio
• Suporta infraestrutura comuns
• Eficiente em custos
• Não viável a longo prazo • Perda potencial de clientes,
incluindo Anatel Entidade Estatal
• Facilidade de implementação
•
• Falta de flexibilidade e agilidade
• Financiada pelo governo Fundação Privada
• Ágil/ flexível • Número máximo de
clientes potenciais • Focaliza nas
necessidades do mercado
• Falta de habilidade de marketing e vendas
• Falta de clareza sobre fontes de financiamento
• Aberto à forte competição do mercado
Fonte: Lehman Brothers; Dresdner Klenwort Besson; Arthur Andersen; Motta, Fernandes Rocha & Associados; e Dewe Rogerson.
Na verdade, abandonou-se qualquer política industrial e de desenvolvimento tecnológico desde a segunda metade da década de 1980. [...] Em dólares deflacionados, o Brasil importava cerca de US$ 770 milhões em 1975, valor igual ao déficit total, já que não tínhamos nenhuma indústria aqui instalada, logo nenhum produto ou serviço para exportar. Em 1986, o déficit comercial caíra para meros US$ 67 milhões ( em moeda constante) e as exportações já correspondiam a quase metade das importações. Então, a política foi abandonada. Em 1992, o déficit [...] voltara quase aos mesmos níveis de 1977, e desde então, explodiu (DANTAS, 2002, p. 64).
Entre 1986 e 1992 o déficit comercial cresceu 74,1%. Considerando período de
1992 a 1996, o valor negativo dos negócios evoluiu 84,1%. Levando-se em conta os 12 anos
entre 1986 e 1998, percebe-se que o montante do déficit comercial do setor de
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219
telecomunicações foi ampliado em 97%. Nos anos que se seguiram a privatização, embora
este valor tenha sido reduzido, os patamares permaneceram altos, variando ano a ano,
enquanto o CPqD foi perdendo seu espaço da indústria de telecomunicações.
Gráfico 12: Balança comercial do setor de telecomunicações entre 1996 e 2001 – em US$ milhões
Fonte: Anatel (2003). Gráfico 13: Déficit da balança comercial de equipamento de telecomunicações – US$ bilhões
Fonte: Ipea/BNDES
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220
Nos países desenvolvidos, o poder de compra das empresas estatais de
telecomunicações e da administração pública, em geral, era o fomentador e principal
regulador da indústria nacional. De acordo com Dantas (2002), ao transformar a estrutura do
CPqD o Brasil inovou mais uma vez, pois “em nenhum país líder nas telecomunicações um
centro de pesquisa estratégico subsiste desconectado de uma operadora dominante ou de uma
grande empresa fornecedora multinacional” (Idem, p. 65), como é o caso do CNET na França,
dos Laboratórios Bell, do japonês NTT Research e do TI+D na Espanha. Assim, na análise
do pesquisador, o CPqD continuará atuando por meio de alguns contratos e negócios para o
desenvolvimento de soluções tecnológicas, sobretudo na área do software, no entanto,
“dificilmente conquistará fatia sequer visível de um mercado que depende de alguns bilhões
de dólares na compra de equipamentos e serviços importados (Idem, p. 65).
É interessante perceber que no denominado estudo de benchmarking internacional
em P&D realizado pelas firmas de consultoria para planejar o futuro do CPqD, em que foi
estudando os casos do centros de pesquisa supracitados, a medida aplicada ao Brasil foi
substancialmente diferente. Na verdade, desde a apresentação das propostas da privatização, a
sua consolidação nos quatro volumes das diretrizes, até as discussão e implementação da
privatização com a equipe das consultorias, o desenvolvimento de uma política de P&D teve
um espaço periférico das discussões. Na lógica da abertura comercial ao capital estrangeiro
implementada pelo governo FHC não haveria sentido concentrar esforços políticos para
construir um centro de pesquisa e uma indústria tecnológica forte, que visasse o
protagonismo do Brasil em âmbito internacional como vinha acontecendo com o CPqD antes
da privatização.
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221
6. CONCLUSÕES
A crise de sobreacumulação que se impôs ao regime de acumulação fordista na
segunda metade da década de 1960 levou o capital a buscar novas instâncias, então não
convencionais, para manter e ampliar os níveis de acumulação. O inchamento da City
londrina com a massa dinheiro proveniente dos lucros não reinvestidos das empresas, o afluxo
de “petrodólares” e a sua reciclagem sob forma de empréstimos para os países latino-
americanos, somados ao aumento vertiginoso dos juros por parte do Fed, impulsionaram o
capital portador de juros a romper os limites impostos pelas regulamentações existentes. A
ascensão do neoliberalismo no final dos anos 1970 “abriu as porteiras” para o processo de
valorização fictícia do capital por meio de desregulamentações, descompartimentalização dos
mercados e desintermediação bancária, e do reforço da titulização das dívidas dos Estados, ao
passo que estes adotavam uma política monetarista, dando ao sistema financeiro uma grande
profundidade. A ascensão de um regime de acumulação sob dominância financeira reforçou o
caráter centralizador e concentrador dos grandes blocos de capitais, que então passaram a se
valorizar por meio dos mecanismos de compra e venda de “papéis”, descolando-se do setor
produtivo, ao passo que, paradoxalmente, também o subordinava ao colocá-lo como
garantidor das promessas de rendas futuras. A busca desenfreada por ampliar os lucros é
marcada pelo esgotamento dos ciclos de valorização, inaugurando momentos de crise, que,
muitas vezes, acontecem pela impossibilidade do setor produtivo acompanhar a lógica do
capital portador de juros.
A eleição de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados
Unidos, representou a oportunidade política para a ascensão do ideário da Sociedade de Mont
Pelèrin, denominado de neoliberalismo e defendido por diversas corporações estadunidenses e
inglesas. Aliado ao poder mundial das finanças e dos grandes blocos de capital, este
pensamento espalhou-se pelo mundo buscando colocar-se como única e possível saída para
solucionar as crises econômicas e as questões ligadas ao desenvolvimento. Assim, os países
que adotaram ou mostraram simpatia a tais princípios passaram, em maior ou menor medida,
a restringir a emissão monetária, reduzir gastos sociais, elevar os juros, reduzir impostos das
grandes fortunas, desregulamentar a economia, liberalizar os direitos sociais, privatizar os
serviços públicos, reprimir as greves e combater os movimentos sindicais. Por outro lado,
como explica Prado (2005), na perspectiva neoliberal o Estado assumiu atividades de
complementação econômica, associando-se ao capital privado, garantindo as medidas fiscais e
monetárias (des)regulatórias que interessam ao mercado, investindo em áreas de base e em
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222
infraestruturas que beneficiaram a indústria, e passou a controlar o fluxo de crédito e dinheiro
pelos bancos centrais. Isto significa que o Estado neoliberal foi fundamental para a
consolidação de um regime de acumulação sob dominância financeira, sendo atualmente
responsável por sanar os momentos de crise.
A redução da demanda e o diminuto crescimento do PIB provocaram o acirramento
da concorrência internacional entre os países industrializados. Para compensar as perdas, a
indústria buscou novos arranjos produtivos capazes de reduzir os custos e de ampliar a
flexibilidade do processo produtivo em acordo com o fluxo e as demandas do consumo.
Empreendeu-se então uma flexibilização dos processos e dos mercados de trabalho, bem
como dos produtos e padrões de consumo, aspectos que exigiram um alto ritmo de inovação
tecnológica, comercial e organizacional (HARVEY, 2007). Nos modelos flexíveis de
produção, como o toyotismo, a indústria encontrou os mecanismos e técnicas para tentar
superar as limitações impostas pelo modo de produção fordista, tanto no que diz respeito ao
aparato tecnológico produtivo e organizacional, quanto no que concerne às relações capital-
trabalho. Como destacaram Bolaño e Mattos (2004), a busca por modelos flexíveis visava a
redução dos custos por meio do binômio inovação-produtiva e inovação-organizacional,
assentadas em um processo de subsunção intelectual do trabalhador e de intelectualização das
atividades de trabalho. Neste contexto, a gestão do conhecimento assumiu um papel central
pois permitiu ao setor produtivo dar respostas ágeis às demandas do mercado em acordo com
a dinâmica efêmera e segmentada do consumo. Assim como tem possibilitado a sua contínua
renovação por meio do encurtamento dos ciclos dos produtos, sobretudo daqueles de maior
valor e mais lucrativos para capital financeiro. A questão volta-se para a transformação do
conhecimento tácito em conhecimento codificado. Neste sentido, o uso das tecnologias da
informação e da comunicação significou a criação de espaços organizacionais, físicos e/ou
virtuais, capazes de fomentar a comunicação, o entrosamento e as trocas dentro de uma
estrutura organizacional mais horizontalizada característica da firma-rede. Por outro lado, as
TIC são os principais meios para armazenar o conhecimento produzido e materializá-lo em
softwares e maquinário (hardware), levando a extinção dos limites entre trabalho manual e
intelectual.
O processo de convergência tecnológica, iniciado entre os anos de 1940 e 1950 com
a invenção do transistor e dos primeiros computadores e que atingiu seu ponto maturação nos
entre os anos 1970 e 1980, com a difusão da microeletrônica, a digitalização da informação, a
exploração comercial da internet e o desenvolvimento da indústria do software, fez com que
as telecomunicações assumissem um papel central no decurso da reestruturação capitalista,
!
!
223
engendrando significativas mudanças no âmbito do modo de produção e do regime de
acumulação instaurados por ela. Ou seja, as mudanças macroeconômicas e macrossociais que
se operaram a partir da crise de sobreacumulação deram às comunicações um lugar central na
mundialização do capital.
Como destacou Dosi (1982), o desenvolvimento tecnológico não é determinado
apenas por mudanças técnicas, pois estas estão vinculadas a um conjunto de fatores
econômicos, institucionais e sociais. A eclosão da chamada Terceira Revolução Industrial está
vinculada aos altos investimentos em P&D realizados pelos Estados nacionais, especialmente
durante os períodos de guerra, com os Estados Unidos ocupando uma posição de destaque,
principalmente durante os anos 1940; e pela grande indústria, sobretudo após as mudanças na
dinâmica da acumulação capitalista no final do século XIX.
Os investimentos do Estado, da grande empresa e dos agentes investidores
financeiros levaram ao desenvolvimento de um novo paradigma tecnológico, que, mediante a
sua capacidade de transportar informações e subsumir as capacidades intelectuais do
trabalhador, foram essenciais para a rearticulação do capitalismo no período pós crise. Como
foi analisado no capítulo 3, as chamadas tecnologias da informação e da comunicação
possibilitaram uma articulação profunda e em tempo real dos grandes blocos de capitais, com
o acompanhamento sistemático do mercado e das suas relações com o setor produtivo e com
as diversas formas de consumo. Além disso, o uso das TIC representou uma ampla subsunção
intelectual do trabalhador em diversos níveis e setores econômicos; agilizaram a realização do
capital; ampliaram a alienação e enfraqueceram as instâncias de resistências do trabalhador;
criaram novas formas de consumo, tornando-os mais ágeis e comunicacionais; e alteraram os
modos e hábitos de relacionamento social. Por outro lado, enquanto inovação tecnológica
dotada de centralidade no atual regime de acumulação, as TIC são também produtos e fontes
de renda para os grandes capitais, uma vez a sua posse constitui elemento chave no âmbito da
concorrência enquanto mecanismo importante de barreira à entrada.
Até do final dos anos 1960, o conceito de telecomunicações abarcava, de modo geral,
o telégrafo, a telefonia ponto a ponto, e a radiodifusão de sons e imagens com base em
tecnologias analógicas. Isto é, aquela noção estava atrelada à infraestrutura e ao suporte físico.
A digitalização da informação e a, consequente, convergência das redes de distribuição
levaram ao surgimento de uma nova gama de serviços de voz, dados, textos e imagens, como
por exemplo os chamados serviços de valor agregado. Conforme explica Santos (2008), as
telecomunicações hoje compreendem um complexo de serviços, produtos e redes com
delimitações bastante tênues. Incorporada à dinâmica de um regime de acumulação sob
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224
dominância financeira, a convergência tem permitido uma maior concentração dos capitais
pautada em duas outras forma de convergência, as dos formatos formas de mídia e das formas
de consumo. De acordo com Petrazzini (1995), a estrutura internacional de telecomunicações
tornou-se o “sistema nervoso” da economia global da informação. Escrevendo na década de
1990, o autor avaliou que “a indústria tem progressivamente abandonado seus limitados
recursos de comunicação ponto a ponto em direção a uma ‘rede inteligente’ altamente
sofisticada que transmitem serviços e produtos valiosos em forma de informação”
(PETRAZZINI, 1995, p. 5).
O valor das telecomunicações para as finanças e para processo de rearticulação do
capitalismo refletia-se no valor da indústria no mercado mundial. Em 1993, as
telecomunicações eram o segundo maior setor da economia internacional, perdendo apenas
para o bancário. No mesmo ano, a lista das cinco maiores empresas do mundo era encabeçada
pela japonesa NTT e pela estadunidense AT&T167. Atualmente, as duas são, de acordo com a
Revista Forbes, a 29a e a 32a na lista das 500 maiores empresas do mundo de 2013, que
também conta com a presença da Verizon na 48a posição. A perda de posições está vinculada
ao crescimento das indústrias petroquímicas e de automóveis. O valor e a centralidade das
telecomunicações no modelo de acumulação engendrado pós 1970 levou os Estados Unidos e
os grandes usuários a pressionar os demais países, sobretudo aqueles em desenvolvimento, a
liberalizar e a privatizar seus serviços de telecomunicações, até então prestados sob o controle
do monopólio público na maior parte do mundo. Esta estratégia representavam a possibilidade
de expansão dos negócios das suas “campeãs nacionais”.
Para reafirmar sua hegemonia na economia mundial, para além da recuperação do
papel do dólar como principal moeda de reserva e dos grandes investimento em P&D,
principalmente aqueles vinculados ao setor militar, os Estados Unidos conseguiram captar os
organismos internacionais aos seus interesses. Como analisado, o FMI e o Banco Mundial
passaram a vincular empréstimos e a rolagem das dívidas à implementação de políticas
neoliberais de corte nos gastos públicos, austeridade fiscal e privatizações. Teriam apoio dos
países centrais e dos organismos internacionais as nações que aplicassem o receituário
elaborado no Consenso de Washington. No tocante às telecomunicações, a perspectiva
liberalizante e privatista também ganhou força no GATT/OMC e na UIT. Nesta última, a
entrada de diversos proprietários de redes privadas e de prestadores comerciais levou a
redução do poder das PTTs. A partir de 1984, com a divulgação do relatório da Comissão
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!167 Dados do Morgan Stanley Capital Internacional citados por Petrazzini (1995).
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225
Maitland, a UIT passou a se posicionar abertamente em favor da liberalização das
comunicações, posição que foi reiterada durante a Conferência Administrativa Mundial sobre
Telefonia e Telégrafo (WATTC) e ganhou força em 1991 quando a entidade começar a
recomendar a privatização. Os acordos feito no âmbito do GATT, sobretudo após o encontro
de Marrakesh, em 1994, pressionaram o Brasil e demais países em desenvolvimento a abrir as
“teles” ao capital estrangeiro.
As medidas impostas pelos países centrais e pelos organismos internacionais
ganharam força na América Latina no começo dos anos 1990 com a ascensão de diversos
governos de direita, como aconteceu na Argentina, Venezuela, Uruguai, Peru e Brasil. Aqui, o
Programa de governo “Mãos à obra Brasil”, do então candidato Fernando Henrique Cardoso,
eleito em 1994, representou o início de um período de implementação de políticas neoliberais
por meio de uma profunda reforma do aparelho estatal. No tocante às telecomunicações, o
programa deixava claro a intenção de flexibilizar o monopólio estatal sobre as
telecomunicações, ainda que não apresentasse o modelo que seria empreendido.
No seu primeiro ano de gestão, o governo aprovou no Congresso o Projeto de
Emenda à Constituição que flexibilizava a exploração dos serviços de telecomunicações e
permitia a entrada prestadores privados no setor. No final do mesmo ano, o governo lançou o
Paste com o intuito de modernizar e ampliar a infraestrutura de telecomunicações do país e
iniciar o rebalanceamento das tarifas, aviltadas nos governos anteriores como medida para
conter a inflação. Como verificou-se, o direcionamento dado ao Paste visava dar maior
robustez e ampliar a arrecadação dos serviços de telecomunicações com o intuito de acenar
aos investidores estrangeiros e, ao final, ampliar o valor da venda. No mesmo período, foi
encaminhada também ao Congresso Nacional a Lei Mínima, que veio a autorizar e
regulamentar a liberalização dos serviços de telefonia móvel da Banda B.
No entanto, a questão central permanecia sendo a liberalização do STFC e da banda
A da telefonia móvel, então sob controle exclusivo da Telebrás. Para dar “apoio técnico e
metodológico na modernização do setor”, o governo decidiu contratar, por meio do Termo de
Cooperação com a UIT, firmas multinacionais e nacionais de consultoria, contratadas por
US$ 5.106,250. O Termo deu à UIT a prerrogativa de contratar firmas de consultoria, sendo
facultado ao Ministério das Comunicações o poder de recusar a contratação de qualquer uma
das selecionadas. Ao recorrer ao Termo de Cooperação, possibilitado graças a antigos Termos
de Cooperação Técnica entre o Brasil e a ONU e o Brasil e UIT, o Executivo Federal
objetivava livrar-se dos mecanismos licitatórios previstos na Lei 8.666/93, repassando para a
UIT o poder de contratar as firmas consultoras em acordo com os princípios e pensamento
!
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226
então hegemônicos naquela instituição. A UIT e as suas respectivas contratadas assumiram
então o papel de moldar, no que fosse possível, a liberalização das telecomunicações aos
interesses dos investidores estrangeiros, bem como de atraí-los e assegurá-los das verdadeiras
intenções do governo de um país que tinha se redemocratizado há dez anos. A juventude da
democracia brasileira foi relatado nas “Diretrizes...” como um possível fator de desinteresse
do capital estrangeiro.
Conforme procurou-se mostrar neste trabalho, as firmas de consultoria, desde o seu
surgimento entre o final dos século XIX e o início do século XX, desempenharam um papel
de relevância na organização e no desenvolvimento do capitalismo, sobretudo nos momentos
de inflexão. Em sua primeira fase, os trabalhos foram marcados pela organização da produção
no chão de fábrica e pelo desenvolvimento de sistemas de reengenharia de produção, como os
sistemas de pagamento por resultado. Desse modo, as firmas consultoras procuram alienar e
extrair ao máximo possível da força de trabalho, auxiliando no processo de separação entre
trabalho manual e intelectual e tornando mais eficiente o processo de subsunção real do
trabalho. Por outo lado, ainda neste período, as firmas de consultoria em auditoria e
contabilidade, diante do processo de complexificação da indústria e do surgimento de novos
impostos, atuaram para garantir as altas taxas de lucros das empresas. As avaliações e
diagnósticos que faziam das empresas também serviam para assegurar empréstimos bancários
para as grandes indústrias que queriam expandir seus negócios, processo que subordinou o
setor produtivo ao setor bancário na passagem do capitalismo concorrencial para monopolista.
As auditorias realizadas não foram, contudo, capazes de identificar a euforia especulativa que
contaminou a economia estadunidense nos anos 1920, tampouco os indícios da crise que viria
ao final da década. Paradoxalmente, as regulamentações aplicadas após 1933 abriram novos
espaços de trabalho para as firmas consultoras, promovendo as avaliações financeiras e
estabelecendo fronteiras inter-firmas em acordo com os tipos de serviços prestados.
Com a II Guerra, no começo da década de 1940, as firmas de consultoria passaram a
prestar serviços para o Poder Público estadunidense, atuando no reorganização e no
gerenciamento de departamentos estratégicos. Após o fim do confronto e mediante o rápido
crescimento do Estado, as consultoras continuaram atuando na reorganização do Executivo
Federal dos EUA, principalmente após as recomendações da Comissão Hoover. As reformas
do aparato estatal daquele país faziam parte do projeto de reconquista da hegemonia mundial
no período pós-Guerra. A atuação no Estado, os conhecimentos adquiridos durante os
trabalhos prestados no período de Guerra e o acesso às tecnologias utilizadas, fizeram com
que as firmas consultoras atraíssem diversos outros grandes clientes. No período da Guerra
!
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227
Fria, a indústria de consultoria teve um papel relevante no desenvolvimento tecnológico de
armamentos pesados levado a cabo pela NASA. A partir do acúmulo de experiências e do
crescimento do setor, as firmas de consultoria diversificaram seus negócios, inclusive criando
sistemas informatizados de gestão e contabilidade.
A década de 1950 assistiu a um intenso processo de multinacionalização das firmas
de consultoria, que, no contexto do Plano Marshall, assumiram a função de difundir novas
práticas gerenciais no Velho Continente, inaugurando lá filiais que se consolidaram nos anos
1960 com a retomada do crescimento e afirmação das políticas de Bem-Estar. Nos Estados
Unidos, as consultoras já haviam criado uma série de metodologias que buscavam gerenciar e
acompanhar o desenvolvimento de políticas públicas.
A crise dos anos 1970 e o decurso da reestruturação capitalista representou o
momento que as firmas multinacionais de consultoria passaram a ocupar um lugar central nas
engrenagens do sistema, atuando nas mais diversas áreas e negócios com uma capacidade sem
precedentes de transitar entre setores. O advento dos computadores e da telemática levaram as
firmas consultoras a realizar estudos que recomendavam a adoção de determinados sistemas
informatizados e a investir no desenvolvimento tecnológico de hardwares e softwares.
Algumas indústrias deste setor, como a IBM por exemplo, passaram a vender seus sistemas
proprietários em acordo com as especificidades de cada setor e de cada empresa, adentrado
também nos serviços de “aconselhamento”. Outras, provenientes da área de gestão e
contabilidade, e com grande capacidade financeira, passaram a investir também neste ramo,
expandindo seus negócios nos anos seguintes, principalmente partir da adoção do
computador pessoal e da exploração comercial da internet. Do mesmo modo, os modelos de
produção flexíveis levaram as firmas de consultoria a estudar e se especializar na aplicação e
adaptação da nova matriz tecnológica às realidades regionais e às idiossincrasias de cada
negócio. Para além das especificidades, as recomendações estavam pautadas na flexibilização
das formas de trabalho, com externalização das atividades por meio de terceirizações e
subcontratações.
A partir do uso das novas ferramentas e softwares, as consultoras começaram a
vender os chamados pacotes gerenciais e de gestão do conhecimento, que se atualizam
periodicamente. A necessidade de atualização das empresas frente a concorrência levam-nas a
se tornar clientes cativos da “indústria do aconselhamento”. As firmas de consultoria
tornaram-se especialistas em implementar o uso de TIC e programas gerenciais que permitem
a criação de espaços organizacionais mais horizontalizados propícios à difusão do
conhecimento tácito e da sua transformação em conhecimento codificado, fomentando assim
!
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228
a inovação. Este, como mostrado, é um dos principais pontos de excelência das firmas pelo
caráter do trabalho intelectual que desenvolvem, em diálogo constante com profissionais de
diversas áreas e com conhecimento acumulado pela atuação nos mais diversos ambientes. A
própria estrutura e forma de trabalho das grandes firmas de consultoria estão baseadas na
busca e no acúmulo de informações e conhecimento. O caráter simbiótico da relação entre
contratante e contratada dá aquelas o acesso à informações privilegiadas das empresas e
setores em que atuam.
A desregulamentação e a hipertrofia das finanças levaram as grandes consultoras,
sobretudo as de contabilidade, a desenvolver serviços específicos para o mercado financeiro,
como o acompanhamento sistemático por meio das TICs, avaliação de investimentos em
mercados futuros, classificação da confiança dos títulos, análise de possibilidades e sinergias
para processos de fusão e aquisição, estudos dos setores industriais e da sua relação com o
mercado financeiro. As medidas de liberalização retiraram os poucos limites que existiam a
atuação das firmas de consultoria. Diversos bancos de investimento atuam hoje como
consultores de finanças, como é o caso da Dresdner Kleinwort Benson e do Lehman Brothers,
que faliu em 2008 durante a crise das hipotecas estadunidenses. O estreitamento das relações
entre as firmas de consultoria e o mercado financeiro colocaram-nas no centro de algumas
crises e escândalos financeiros, como o caso da Eron e da Worldcom.
Ao longo dos últimos 40 anos, as firmas multinacionais de consultoria envidaram
esforços para legitimar seus trabalhos frente a opinião pública por meio da publicação de
artigos, revistas e livros, com alguns destes tornando-se best sellers; da aproximação e
cooptação das universidades, sobretudo das escolas de administração e negócios; da
divulgação dos seus trabalhos na imprensa de negócios; da construção de redes por meio de
entidades representativas nacionais e internacionais; e do financiamento de campanhas
eleitorais, principalmente dos partidos de direita.
No nível do Estado, a ascensão dos governos neoliberais representou o aumento da
contratação das firmas de consultorias, conforme mostram os dados apresentados no capítulo
2. Elas passaram a ser contratadas para avaliar e definir estratégias para variados setores da
economia, trabalhar na formulação e no acompanhamento de políticas públicas, implantar
modelos organizacionais, e gerenciar a contratação de “recursos humanos”. Ainda que as
políticas implementadas por esses governos tenham sido de corte de gastos, o lobby das
firmas de consultoria junto ao poder público e as promessas de corte de gastos a partir de
reformulação de práticas mantiveram o ritmo de crescimento das firmas. A implementação de
uma perspectiva dos negócios no âmbito do aparato estatal ganhou respaldo na argumentação
!
!
229
da Nova Direita estadunidense, pautada na ideia de uma “terceira via” entre o Estado e o
mercado, entre a direita e a esquerda, que fosse capaz de modernizar e tornar o poder público
mais eficiente dentro de uma ordem econômica global. Apropriando-se desse discurso, as
firmas de consultoria passaram a difundir a noção de “cidadão-consumidor” que teria suas
necessidades atendidas por meio do enxugamento do Estado e repasse das suas funções para o
setor privado. Mais uma vez, forjou-se o discurso em favor da (neo)liberalização,
privatizações e do capital privado, dando aquele apenas uma nova roupagem mais “ética”
diante do desastre político e social do neoliberalismo já nos seus primeiros anos.
Ao longo de pouco mais de um século de existência, as firmas multinacionais de
consultoria ganharam um lugar central nas engrenagens do capitalismo, ao passo que
permaneceu uma atividade não regulamentada. Daí decorre a dificuldade em classificar os
tipos de serviços prestados por elas. A capilaridade e a flexibilidade organizativa levam-nas a
atuar nos mais diferentes espaços, de forma discreta e silenciosa. O trânsito entre os diversos
setores, o acúmulo de informações, o talento para captar e gerar conhecimento, a capacidade
de difusão de ideias por meio de publicações e da imprensa, a atuação no mercado financeiro,
a capacidade de lobby junto aos setores privados e públicos fizeram-nas um dos principais
intelectuais orgânicos do capitalismo, agindo constantemente e em diversas frentes para
rearticular o sistema, sobretudo nos momentos de crise. Agem como força centrípeta,
possibilitando uma maior coesão entre os paradoxos decorrentes da divisão capital-trabalho.
Conforme metáfora utilizada ao longo deste estudo, as firmas multinacionais de consultoria
são uma “instituição-liga” que, entre outras, buscam articular as regularidades que subsidiam
e garantem a expansão relativamente coerente da acumulação do capital de modo que as
incoerências e antinomias sejam absorvidas ao longo daquele processo.
Diante do seu papel e da sua perspectiva de atuação, as firmas multinacionais de
consultoria são atores de confiança dos organismos internacionais, assumindo a função
intelectual de mediar e implementar as reformas nos países que adotaram as recomendações
do Consenso de Washington. Na sua análise comparada da privatização das telecomunicações
em países em desenvolvimento, Petrazzini (1995) explica que a contratação de firmas de
consultoria por intermédio do Banco Mundial e do FMI foi recorrente nos processos de
privatização das “teles”. “Os consultores internacionais modelaram o projeto de reforma, e,
nos mais avançados estágios do processo, os investidores internacionais influenciaram o
quadro regulatório final do setor e determinaram a abertura dos mercados locais”
!
!
230
(PETRAZZINI, 1995, p. 36 – Tradução livre)168. Na Argentina, durante as diversas tentativas
de privatizar a ENTel, as firmas de consultorias deram sustento intelectual ao grupo de
políticos e profissionais conservadores, ligados ao partido liberal Unión de Centro
Democrático (UCD), que buscavam aprovar a liberalização e privatização das
telecomunicações no Congresso169.
No Brasil, oficialmente, as firmas de consultoria foram contratadas com o intuito dar
apoio e realizar estudos para modernizar o sistema de telecomunicações brasileiro, processo
que terminou com a privatização de todo o Sistema Telebrás e a total liberalização a entrada
do capital estrangeiro. Contudo, se a Termo de Cooperação partia deste pressuposto genérico,
os produtos e serviços previstos deixavam claro a relevância e o poder das firmas de
consultoria no processo. Elas tiveram o papel de propor um modelo econômico, trabalhar na
redação do Projeto de Lei e os demais regulamentos previstos nela, desenhar e implantar o
órgão regulador, introduzir um cronograma para abertura do setor e preparar a Telebrás para
um sistema de competição. Isto significa que, neste momento, ainda não estava decidida a
privatização, com as firmas tendo como principal direcionamento a criação de um ambiente
de competição. Apenas no momento da segunda contratação é que a definição dos trabalhos
indicam que havia o propósito de privatizar o Sistema Telebrás. Assim, a definição só foi
tomada após as análises e estudos realizados pelas firmas de consultoria.
A partir da investigação realizada nesta pesquisa, verificou-se que a atuação das
firmas de consultoria foi central na definição do modelo a ser implantado. A dinâmica
característica da atuação das firmas de consultoria permitiu que elas se tornassem o elo, ou a
liga, entre os interesses do governo brasileiro, de maximizar o valor da venda, e os da UIT e
dos investidores estrangeiros. Neste sentido, foram produzidos relatórios que mostravam as
potencialidades e a capacidade do sistema brasileiro, bem como as possibilidades de ganhos
com o fim dos subsídios cruzados, a continuidade do rebaleaceamento das tarifas e o
atendimento da demanda reprimida existente. Entrante, apesar do esforço, as firmas foram
apenas capazes de atrair os investidores para as regiões mais ricas do país.
De modo geral, o modelo implementado aqui seguiu os padrões da liberalização
estadunidense, com a diferença de que nos serviços básicos foi permitida a existência de
duopólio nas regiões definidas, o que demonstra uma exacerbação do modelo concorrencial
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!168 “International consultants shaped the design of the reform, and, in more advanced stages of the process, international investors influenced the sector’s final regulatory framework and determined the openness of local markets (PETRAZZINI, 1995, p. 36). 169 A divisão dentre duas regiões de operação, Norte e Sul, segundo Petrazzini (1995), também foi uma recomendação das firmas de consultoria, fazendo frente as intenções do governo em criar cinco regiões.
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que tentou-se implantar. É importante lembrar que a McKinsey, a Arthur Andersen e o
Lehman Brothers são firmas estadunidenses, e o Dresdner Kleinwort Benson de origem
anglo-germânica. Este intuito pode ser verificado no que diz respeito aos princípios da
legislação e ao caráter dado ao órgão regulador. As firmas de consultoria inverteram o regime
jurídico brasileiro, ao criar novos regimes diferenciados para a prestação de serviços públicos
e aproximar o caráter da Anatel aquele típico das agências reguladoras estadunidenses,
criando assim uma “autarquia especial” com poder de elaborar regulamentos (rule making
power). Se coube às firmas multinacionais definir o modelo concorrencial e desenhar o
modelo do órgão regulador, coube a firma brasileira Sundfeld & Advogados a criatividade
para instalar tais princípios no regime jurídico brasileiro, ainda que em desacordo com o que
previa a própria Constituição Federal. A construção de um regulamento que destoava do
direito administrativo então vigente é salientado pelo próprio Sundfeld (2007): com a LGT, as telecomunicações afirmaram enfaticamente sua especificidade, o que ficou nítido, por exemplo, com a determinação de que as leis gerais de licitação e de concessão seriam inaplicáveis no setor. Decidiu-se, portanto, criar uma disciplina própria, desvinculada dos grandes textos do direito administrativo econômico. Daí a autonomia da regulação das telecomunicações, propiciada também pelas particularidades técnicas e econômicas do setor (SUNDFELD, 2007, p. 4).
Alegando as especificidades da dinâmica tecnológica, o legislador imprimiu a LGT
um caráter aberto, que “decorre, portanto, de sua capacidade de assimilar as mudanças
impostas pelas inovações tecnológicas e pela evolução do mercado, sem que seja necessária a
edição de novas leis” (Idem, p. 6). Para além da incoerência com os princípios norteadores do
direito administrativo brasileiro, dessa afirmação decorre um outro paradoxo: ainda que o
conceito de telecomunicação considere “a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos,
caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (BRASIL,
1997, S/P), a redação da LGT foi feita tendo como base a prestação dos serviços de telefonia
fixa (voz). A não previsão para prestar o serviço por meio outras infraestruturas levou a
Anatel a aprovar, em agosto de 2001, o Regulamento dos Serviços de Comunicação
Multimídia (Resolução 272/ 2001), considerado na época como serviço fixo de
telecomunicações que possibilitasse a transmissão, emissão e recepção de informações
multimídia utilizando qualquer meio que não fosse o STFC, radiodifusão, satélite, micro
ondas e cabo. É preciso ver essa questão tendo como pano de fundo um outro paradoxo
normativo, a separação dos serviços de radiodifusão dos serviços de telecomunicações no
momento da aprovação da Emenda Constitucional n. 5, pois caso o legislador quisesse
elaborar uma lei convergente teria que englobar tais serviços.
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Há, portanto, autonomia institucional e normativa da regulação da radiodifusão relativamente à de telecomunicações: leis e estruturas de mercado diferentes, concepções jurídicas incompatíveis, autoridade reguladora distinta, etc. Isso pode gerar problemas sérios no futuro, inclusive porque não se antevê uma superação rápida dessa disfunção. Com a tendência à convergência de serviços — com TV, serviços de voz (telefonia) e internet sendo oferecidos conjuntamente aos usuários, por exemplo —, a incidência simultânea de duas regulações pode causar dificuldades (Idem, p. 5).
Para além desta questão que toca uma problema local, as firmas multinacionais de
consultoria procuraram também maximizar o valor da venda definindo estratégias
pulverizadas de venda. Inicialmente, a McKinsey defendeu um modelo que dividia o Brasil
em 4 regiões e permitiria a entrada de novos entrantes de forma ilimitada. O Lehman Brothers
e a Dresdner K. Benson defenderam a divisão do país em quatro regiões mais Embratel,
acreditando que o modelo acirraria a tensão entre os competidores. Neste ponto, a análise dos
documentos indica que o governo discordou dos posicionamentos das consultoras, optando
por uma menor quantidade de regiões. Mas, se um menor número de regiões poderia
representar um menor valor arrecado, garantiu-se a proteção de um modelo regional de
duopólio no período inicial. Havia uma preocupação com a venda das regiões menos
desenvolvidas, o que se mostrou procedente com o governo tendo que articular a formulação
do consórcio nacional, o Telemar. O modelo concorrencial implementado não prosperou e
após o período de proteção, as incumbentes passaram a dominar a prestação dos serviços, de
modo que apenas três empresas controlam cerca de 87% do serviços básicos logo após o
período de proteção concorrencial.
No tocante ao modelo de venda, o estudo mostrou que a preocupação maior foi
ampliar o valor arrecadado e manter o poder das empresas regionais nas mãos de operadoras
internacionais conhecidas. Optou-se portanto em realizar venda a “parceiros estratégicos por
meio de leilão”, sendo que a entrada do capital estrangeiro não seria limitada. Se o então
ministro Sérgio Motta, em declarações à impressa, chegou a aventar a possibilidade de limitar
a entrada do capital estrangeiro, os “conselhos” das firmas consultoras fizeram-no mudar de
ideia. Quanto ao mecanismo de utilização de Golden Share para garantir os interesses
nacionais no mercado de telecomunicações, as consultoras afirmaram que teria uma influência
negativa nas vendas. Mais um vez, o país abria mão da sua soberania sobre o setor para atrair
os grandes blocos de capital. É importante destacar que o Projeto “Brasil Telecom”, proposto
pelos sindicatos e pela posição com o intuito de formar um “campeão nacional”, nem chegou
a ser analisado nas discussões do Ministério das Comunicações e das firmas de consultoria.
Nas definições das metas de universalização, a perspectiva foi da difusão quantitativa
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de terminas telefônicos de uso individual e coletivo por regiões e em instituições de interesse
público. Não se considerou as diferenças econômicas, sociais e regionais do país, não
estabelecendo mecanismos de diferenciação tarifária que favorecessem o consumo das classes
mais pobres. Com o crescimento das tarifas , sobretudo das ligações locais, o resultado foi
uma alta taxa de inadimplência e o aumento da capacidade ociosa da rede. Muitas residências
tinham o terminal mas não podiam utilizá-lo. Isto é, o governo substitui o subsídio cruzado,
de caráter social, por mecanismo de concorrência e competição para o acesso.
A utilização de aparelhos móveis, pelo baixo preço do aparato aliado à conveniência
da mobilidade, tem crescido em detrimento da telefonia fixa. De acordo com os dados do
IBGE, metade dos lares brasileiros possuem apenas terminal móvel, o que indica, em um
futuro não muito distante, o esgotamento do STFC. Contudo, as tarifas da telefonia móvel
são, em geral, ainda mais altas, levando a reiteração do modelo anterior, de exclusão pelos
preços. Aspecto que se reflete nas diferenças entre acesso à telefonia móvel pós e pré-paga.
Se a LGT é uma lei aberta, tendo a Anatel a capacidade de rever os serviços prestados em
regime público, dinâmica do setor indica que nos próximos será necessário repensar os tipos
de serviços prestados em cada regime.
Por último e não menos importante, as políticas de P&D foram deixadas nas mãos do
mercado, com o CPqD transformado em fundação privada e tendo que competir com as
demais empresas nacionais e estrangeiras, sem nenhum subsídio à tecnologia nacional. Sem a
capacidade de compra de um operador nacional e sem mecanismos que fortaleçam a produção
nacional, o CPqD perdeu o seu protagonismo internacional e boa parte da sua relevância para
o setor.
Em uma cenário internacional onde havia, pelo menos, dois modelos centrais de
liberalização das comunicações, as firmas multinacionais de consultoria optaram por
“aconselhar” o governo brasileiro a adotar um modelo próximo ao estadunidense, de
privatização e abertura total ao capital internacional com retirada de qualquer mecanismo que
preservasse o caráter social das telecomunicações e defendesse os interesses nacionais ante o
capital privado.
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