Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
REFLEXÕES ACERCA DO CONTATO ENTRE GREGOS E NÃO-GREGOS NO
MEDITERRÂNEO: IDENTIDADE, MATERIALIDADE E ESPACIALIDADE
JULIANA FIGUEIRA DA HORA∗
O objetivo principal desta apresentação é avançar na discussão sobre as identidades
helênicas que se desenvolveram no mediterrâneo, no início do período arcaico. Identificar
traços de reconhecimento da cultura de contato na dinâmica espacial, sob o ponto de vista da
Arqueologia da Paisagem, considerando o caráter multifacetado da troca cultural expressa no
âmbito espacial e na sua relação com grupos sociais - em sua temporalidade, configuração
geográfica, arquitetônica e artefatual.
Apresentaremos aqui, parte de um pré-projeto de doutorado, ainda em elaboração, que
visa explorar a discussão sobre a identidade e a sua relação com a materialidade e
espacialidade. São reflexões e indagações sobre um ponto específico ressaltado na dissertação
de mestrado1, em que abordamos Siracusa, uma fundação grega no ocidente. O projeto de
mestrado está inserido no Projeto Labeca.2
O Labeca propõe o estudo das relações entre espaço e sociedade. A ocupação de
novas terras em torno do mediterrâneo no período arcaico, (séc VIII a.C), os novos desafios e
o contato com populações não-gregas são questões que permeiam os projetos do laboratório.
O processo de formação da identidade grega, sua expansão, a disseminação das póleis
ocorreram simultaneamente em diversos pontos do mediterrâneo e, essa formação permitiu
diferentes experiências, à medida que os contatos foram efetivados - acredita-se que muito
antes do século VIII a.C. A necessidade de se marcar a identidade helênica nas apoikias que
se estabeleciam, o desafio do reconhecimento diante do não-grego, do “outro”3, fez com que
as paisagens, ao longo do mediterrâneo, se delineassem.
As redes que se estabeleceram, segundo Irad Malkin (2003) são “nós” conectados ,
possíveis resultados do dinamismo, sem marcação precisa de seus “centros” nem de suas
“margens”. Para Malkin (2003:02), a discussão em torno do mediterrâneo precisa ser mais ∗ Mestranda em Arqueologia Clássica pelo Museu de Arqueologia e Etnologia USP. 1 Projeto de Mestrado intitulado “A expansão Urbanística de Siracusa nos séculos VI e V a.C” 2 Laboratório de Estudos sobre Cidade Antiga. Tem por objetivo aprofundar e difundir estudos sobre a cidade grega, por meio da análise do espaço na cidade antiga. Este projeto é financiado pela FAPESP www.labeca.mae.usp.br. 3 “outro” referência ao não-grego, aquele que não é heleno.
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sofisticada, observando as redes em sua forma descritiva e como ferramenta de análise. Estes
“nós” conectados traduzem a dinâmica grega neste mundo de reconhecimentos, de alteridade,
de complexidade no mediterrâneo. Portanto, faz-se necessário pensar além do regional, é
necessário fazer conexões entre póleis, por meio dos recortes comparativos, para que
consigamos visualizar similaridades e disparidades.
Determinadas questões que surgem no decorrer das pesquisas relacionadas às póleis
não podem ser respondidas com as ferramentas teóricas usualmente utilizadas pela
Arqueologia da Paisagem. A definição de espaços, lugares, representações, pautadas por
Smith (2000:11) nos levam até a um limite epistemológico. O conceito de redes pode ser mais
uma ferramenta, que nos possibilita responder questões concernentes às simultaneidades no
período arcaico grego. Sair da esfera celular e ampliar a visão, abarcando um todo conectado,
suas similaridades e disparidades, nos leva a novos caminhos, novas indagações e respostas.
Ian Morris em “Mediterraneanization” (2003) traz o elemento da conectividade como
processo. É preciso visualizar a paisagem, sob a ótica dos estudos de caso, para que assim seja
possível compreender os resultados da conectividade em graus oscilantes. Ian Morris nos traz
um estudo de caso, em que observou um local chamado Monte Polizzo, a oeste da Sicília. Ele
observa os elementos púnicos, gregos e autóctones, como funciona o processo de atuação,
através dos objetos materiais. Ian Morris (2003:50) nos mostra que há uma oscilação, como
uma prevalência de determinados traços culturais, em determinados momentos,
proporcionando uma variação não estática do funcionamento das trocas culturais neste local,
reflexo de uma dinâmica expressa no mediterrâneo, no período arcaico. Para Ian Morris
(2003: 51), o “mediterranismo” explica melhor o caso grego, diferentemente das teorias
celulares. Para isso, é preciso fazer analogias, estudos de caso particulares, pois fazem parte
de um processo dinâmico, de interconecções.
A busca de novas ferramentas teóricas e metodológicas, ainda no âmbito da
Arqueologia da Paisagem, iluminam melhor os caminhos para se chegar a uma análise mais
holística das póleis coloniais, suas implicações múltiplas, seus contatos e sua configuração
espacial. Estes mesmos gregos estavam saindo de suas póleis-mãe e se deslocando, com
objetivos iniciais similares e resultados tão diferentes - decorrência dos contextos diversos,
ou seja, uma diversidade de contatos com povos não-gregos, gerando complexidades as quais
foram determinantes para uma configuração “idiossincratizante”, ao longo do mediterrâneo.
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As apoikias4 gregas foram estabelecidas em regiões possivelmente já conhecidas pelos
gregos, mas o contato com as populações nativas5 trouxe aos gregos um conhecimento maior
do espaço e território.
A Arqueologia trouxe à luz uma série de problemáticas, por meio dos vestígios
materiais, o que suscitou um olhar interpretativo voltado para questões étnicas, implicações
territoriais, questões fronteiriças, além da discussão do papel do não-grego, tão pouco citado
nas fontes literárias principais como Estrabão, Diodoro, Tucídides e Heródoto.
As narrativas literárias, em primeiro lugar, de acordo com o artigo do Pollini; Funari
(2009: 46) tratam o território indígena sem uma indicação precisa. Segundo comparação feita
pelos autores, a fronteira é zona de contato entre a chamada sociedade ¨civilizada¨ e as terras
não ocupadas. A visão helenocentrista de território era verificada principalmente em
Estrabão, que sinalizava bem as terras ocupadas pelos gregos. As terras não ocupadas pelos
gregos eram dadas como ¨vazias¨. Com uma documentação escrita escassa em relação à
dinâmica das populações não gregas, há uma vaga descrição em narrativas literárias.
A definição de fronteira, no caso da colonização grega, não significou uma linha
imaginária e fixa, senso comum no século XIX entre os europeus, mas seu significado mais
adequado seria zona de contato entre gregos e não gregos. Por outro lado, Procelli, R.M.A no
artigo Greeks and indigenous people in eastern Sicily: forms of interaction and acculturation
(1996: 167-76) critica esta visão de análise chamada por ela de antropológica. Discussões em
torno do contato entre ambos os povos estenderam-se para além do estudo da distribuição
quantitativa e qualitativa de artefatos gregos no contexto local, para a adoção de modelos
antropológicos, derivados de comparações feitas com a colonização na América latina e em
outras áreas de expansão europeia. A autora não concorda com tais abordagens, levantando
uma série de disparidades em termos históricos, no que se diz respeito à comparação entre
gregos e europeus modernos.
Procelli (1996: 167) ressalta o processo de aculturação das comunidades indígenas, e
de como atualmente este é um tema em debate constante. No caso da colonização grega,
vestígios permitem demonstrar o além do objeto, a dinâmica desta sociedade indígena, a
distribuição e transporte de materiais gregos e um aspecto interessante, a capacidade de
4 Apoikia: cidade fundada por grupo de imigrantes gregos, sobretudo a partir do século VIII a.C. As apoikias mantinham relação religiosa e moral com as cidades que as haviam fundado, mas eram completamente independentes, do ponto de vista político e econômico. Este termo foi aportuguesado a partir do glossário do Labeca, que visa padronizar os termos referentes à cidade grega no Brasil. www.labeca.mae.usp.br/glossario. 5 O termo nativo implica em conceitos discursivos construídos no século XIX, dentro de um contexto de
colonização europeia, concernente àqueles indivíduos que sempre pertenceram às terras. Não cabe para o caso dos não-gregos do mediterrâneo arcaico, pois não é possível afirmar a sua autoctonia.
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especialização , de aculturação e de adequação desse povos a um novo modelo. Isso
desmitifica, em muitos casos, a ideia de resistência e de domínio de um povo sobre o outro,
que o discurso historiográfico tanto enfatiza.
O contato estabelecido a partir da colonização grega, referenciado nas fontes escritas,
faz parte de um discurso construído na informação escrita, o que nos permite somente
visualizar parte desse processo. O vestígio material, por sua vez, nos remete a outras diversas
questões e contradições, que nos permite pensar em uma nova abordagem. Por meio dos
estudos arqueológicos feitos na malha urbana, na asty e na khóra, nos centros especificamente
indígenas, e nos cemitérios foi possível o recolhimento de materiais que nos dão margem a
questionamentos e embates com as fontes escritas anteriores, além de preencher lacunas
referentes à dinâmica social dos povos indígenas nos fragmentos literários. É possível levantar
questões como cultos indígenas, amálgama de populações, possível coexistência entre povos
indígenas e gregos, epigamias, casamentos, questões econômicas e identitárias, resultado
desse contato.
As narrativas de fundação6 surgem como justificativas para as empreitadas gregas no
mediterâneo. Segundo Dougherty (1993:15) o oráculo de Delfos será o grande guia, e a
punição do oikista culminará em sua saída rumo às terras desconhecidas, sendo obrigado a
fazer contato com o “outro” - e para que seja purificado, ele deve fundar uma cidade. A
alteridade é explorada na documentação escrita e o estabelecimento de novas póleis, em nome
do deus, irá se disseminar por diversas partes do mediterrâneo, com um mesmo padrão,
porém com peculiaridades vivenciadas por cada contato, desenvolvendo particularidades
contextuais.
As informações literárias sobre os não-gregos, em tempos arcaicos, são escassas e
mostra o desrespeito pelo nativo. A identidade étnica é uma construção social, os grupos
humanos geralmente enfatizam alguns aspectos contra outros ao construir a própria
identidade. O fator importante na construção é o contraste com grupos que se diferenciam
entre si. O sentimento de pertença pode ser impresso na materialidade, o que percebe-se em
túmulos, habitações, depósitos votivos, vasos de uso doméstico, etc.Com o avanço das
pesquisas arqueológicas, a questão da helenidade tornou-se bastante significativa, já que as
evidências materiais não corroboram, em muitos casos, com as fontes escritas, ou que a
6 DOUGHERTY (2003). A autora analisa a documentação escrita, sob o ponto de vista dos discursos e representações contidos nos mesmos, como justificativa das fundações gregas. Ela sustenta que as narrativas poéticas trazem elementos metafóricos que agregam o discurso, fazendo do mesmo um elemento ativo no contexto da época. A autora não analisa o mito ou as histórias em si, mas o seu objeto documental, autônomo que sustenta um discurso vigente.
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insuficiência destas direcionem para uma apuração maior dos vestígios e seus contextos.
Segundo Hall (2004:46) as informações acerca das percepções dos grupos indígenas são
requisitos necessários para medir a autoconsciência grega de identidade.
Nos textos literários, podemos perceber um forte sentimento de alteridade . Na
Odisseia de Homero há trechos que tratam de alteridade: Feáceos (Od. 14.388-289), fenícios
(Od.15.427;16.426), ciclopes (Od.9.106-107; 9.125-140). Aos feáceos parecem caber os
valores representados pelo próprio Ulisses, em parte, porque ambos tiveram os mesmos
inimigos, os ciclopes, mas também porque dão boas vindas ao herói com dons de
hospitalidade.
Além disso, essa identidade compartilhada é reforçada no desafio de Eurialo, pois este
indaga Ulisses sobre a sua identificação com os Feáceos (Od. 8.158-164), e ele confirma a
pertença ao seu círculo (Od. 8.235-243). Não se sabe se o que há neste trecho é a consciência
da identidade étnica ou apenas a identidade social de pertença ao mesmo grupo (Od. 6.4-12).
O estado de Odisseu entre os feáceos mostra que todos participam e compartilham dos
mesmos valores. No caso, seria importante saber se a insistência na partilha dos mesmos
valores tinha algo a ver com a ansiedade do mundo colonial, considerando-se as colônias e
seus pertencentes, adotando-se uma identidade comum, baseada na partilha de determinados
valores, de pessoas que vivem em ambientes diferentes. Ideias estas que faziam parte da
mentalidade grega no século VIII - não implicando em desrespeito ao outro. Por outro lado,
Arquíloco, em alguns fragmentos Frr. 43; 93; 216 mostra como o desprezo pelos não gregos
faz parte da justificativa de ações.
As narrativas literárias são ferramentas importantes, que nos permitem visualizar os
discursos vigentes. A abordagem da arqueologia espacial permite-nos o aprofundamento nos
aspectos conceituais importantes, direcionando-nos para questões sociais imbricadas nesta
paisagem de contato, em meio a uma rede formada no mediterrâneo. A materialização desta
dinâmica emerge na documentação, e os traços de culturas locais são bastante significativos,
pois estão expressos nos contextos, alimentados por discursos de fundações regionais e locais.
Para Dietler (1997) não se pode mais considerar a influência grega como uma via de mão
única, mas como algo mais complexo, que envolve forças sociais e estruturas culturais.
O conceito de “colonização grega” hierarquizada não responde mais às questões mais
complexas das fundações gregas. O conceito de redes, segundo I. Malkin (2003), vai além das
teorias como a de centro-periferia, que restringe a análise relativa à expansão grega no
mediterrâneo. As fundações, pelo que se observa, eram mais ou menos de mesma época,
simultaneamente ao crescimento da malha urbana das cidades-mãe. Nas novas póleis,
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segundo Malkin (2003:5) os gregos estavam imersos em novas realidades, desenvolvendo
conexões com os povos locais e ao mesmo tempo mantendo seus traços de helenidade,
inserindo novos elementos locais na paisagem que se formava, criando um novo tipo de
convergência grega no mediterrâneo.
O processo colonial marca a ocupação de terras e a criação de estruturas políticas
semelhantes às das cidades-mãe. Evidências arqueológicas confirmam o surgimento de
estruturas urbanas complexas, ocupação de território, início do povoamento. É possível
reconsiderar o papel desempenhado pelos gregos nos processos e nas mudanças na percepção
do conceito colônia7, que reproduzem modelos já existentes na Grécia, acrescentando-se o
elemento local.
Faremos um comparativo preliminar entre duas regiões do mediterrâneo - distantes
geograficamente, mas muito próximas em seus contextos de expansão grega, ou seja, a sicília
e o norte do egeu. Para um estudo mais amplo e comparativo, seria necessário vislumbrar um
recorte significativo de póleis, visando obter amostras de dados “quantificativamente”
suficientes para um trabalho que tem, como uma de suas ferramentas teórico-metodológicas,
o uso das redes nas zonas de contato. Nesta apresentação, faremos uma breve apresentação de
duas cidades, mais especificamente Siracusa e Argilos. Duas póleis que pertenceram a um
mesmo contexto de fundações, porém, uma encontra-se no ocidente e outra na península
balcânica. Ambas fazem parte do mediterrâneo, este complexo termo de difícil conceituação.
Para Braudel (1995: 17-18), a definição é incerta e depende do tempo histórico. O
mediterrâneo é reconhecido pela sua geografia, mas a sua complexidade se dá na
temporalidade histórica, nas suas relações, no seu dinamismo.
Sicília – Siracusa
Siracusa (Fig.1) está localizada a sudoeste da Sicília. Tucídides (6.17) conta que um
ano após a fundação de Naxos, o corintio Árquias conduziu um grupo de colonos para
Siracusa, estabelecendo-se na ilha de Ortígia, expulsando de lá os sículos. Siracusa prosperou
, tornando-se a maior cidade da Sicília. Os primeiros colonos receberam concessões de terras
na planície, favorecendo uma emergente elite proprietária de terras, os gamoroi. Com o
crescimento econômico, demográfico e o contínuo afluxo de novas levas de colonos, veio a
necessidade de expansão. Siracusa iniciou seu próprio processo de colonização nas terras
7 O termo colonização não é o mais correto, pois incorre-se no erro anacrônico de comparação com o termo e sua carga conceitual referente ao movimentos de época moderna e contemporânea.
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vizinhas, resultando na fundação de Acras, por volta de 663 a. C. Já no sudeste da Sicília, a
dominação de Siracusa foi mais vigorosa, pois ali fundou Casmenes, por volta de 643 a.C e
Camarina, por volta de 598 a. C.
FIg.1. Mapa da Sicília – Localização de Siracusa. PEDLEY, J. G. Paestum. Greeks and
Romans in Southern Italy. London: Thames and Hudson: 12, 1990.
As principais cidades sículas ficavam em uma região chamada Pantalica (Fig.2), a 25
quilômetros de distância a oeste de Siracusa, a meio curso do rio Anapo e da região de
Finocchito. Segundo Torelli; Coarelli (1984:222) a chegada dos gregos em Ortígia foi
traumática para os habitantes indígenas, pois os sículos foram expulsos do território
imediatamente. Com a expansão, Ortígia foi ligada à terra através de uma ponte, onde se
encontrava Acradina.
Segundo Dunbabin (1948) Pentalica, antiga Hybla é uma montanha com uma área
grande, suficiente para oferecer refúgio aos habitantes. Lá foi encontrada uma estrutura
palacial de estilo grego. Em muitas tumbas encontradas no local, não havia cerâmicas, mas
perônios de bronze e ouro que vieram em pequenas quantidades da Grécia, além de algum
material do período da fundação. A descoberta de fragmentos do período Protocoríntio
skiphos, datados de meados do século VII e VIII a.C., encontrados dentro de uma caverna
artificial, durante a escavação dos terraços do palácio, segundo Bernabò Brea (1972:53) é até
agora a única evidência arqueológica do contato entre gregos e não-gregos da antiga cidade.
Finocchito (Fig.2), por sua vez, também foi uma cidade sícula, porém pelo que se
pôde notar nas escavações das tumbas, pertence a um período posterior a Pentalica.
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Finocchito é mais abundante em objetos de luxo trazidos de outros continentes, sendo que a
maior parte das tumbas são posteriores à fundação de Siracusa, mas contém menos cerâmica
grega deste período do que do anterior. O que Dunbabin (1948:97) nos mostra é que
provavelmente a ocupação cessou no início do século VII a.C, a data da última tumba. È
possível, segundo o autor, que a relação entre Siracusa e os sículos destas regiões tornaram-se
estreitas, assim que os colonos sentiram-se estabilizados.
Fig.2. Localização de Pentalica e Finocchito e movimento da colonização grega na Sicília.
MERTENS Città e monumenti dei Greci d’Occidente. Roma. L’Emma di Bretschareider: 44,
2006.
Segundo Procelli (2003:138) os dados arqueológicos disponíveis em Siracusa e nas
demais cidades da Sicilia não permitem uma visão geral das apoikias gregas, no que diz
respeito à expansão nas áreas indígenas mencionadas acima. Procelli Albanese adota uma
postura de negação literária, assumindo o vestígio material como única e exclusiva fonte.
Em alguns casos há sinais e vestígios de violência na idade protoarcaica. Contatos
traumáticos com a população local, levando ao desaparecimento de assentamentos. Esses
habitantes seriam incluídos no sistema colonial de trabalhos, ou seja na estrutura produtiva
das colônias – em contrapartida - em outras áreas, os vestígios materiais mostram uma
continuidade dos assentamentos e uma possível convivência entre etnias.
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Portanto, ao que a Arqueologia indica, a questão das apoikias gregas no ocidente
ocorreram em regiões já conhecidas pelos gregos, mas que o contato nos séculos VII e VI a.C
com as populações nativas trouxe aos gregos um conhecimento maior do espaço, do território
como um todo.
Norte do Egeu- Argilos
Trabalhar as fundações gregas no mar Egeu, mais especificamente as colônias da
Trácia amplifica, por meio de estudos de casos específicos, a análise e a aplicação
comparativa dos estudos com a Sicília. A região possui indícios de póleis que já no século VII
a.C apresentaram uma área urbana configurada, uma khóra delimitada e muito material de
contato entre gregos e não-gregos. Muitas das póleis do norte do Egeu trouxeram tanto
vestígios arqueológicos, por meio de escavações locais - quanto escritos, por meio de fontes
primárias e secundárias , porém, em Argilos, o estudo de caso que veremos nesta
apresentação, não há documentação escrita de época arcaica, o que a torna um caso particular,
focada na documentação material.
Segundo o arqueólogo canadense Jacques Perreault8, Argilos localiza-se no baixo vale
do Rio Strymon (Fig.3), na trácia, região importante de contato. Segundo Perreault; Bonias
(2010:225) fenícios, trácios, macedônios, gregos e persas foram atraídos para esta região rica
em minerais de ouro e prata. Possuía uma rede fluvial movimentada e de fácil acesso.
8 Prof. Dr. Jaques Perreault é Professor da Universidade de Montreal e Co.diretor de escavação da Missão Greco-Canadense em Argilos.
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Figura 3. Mapa da Trácia e da Península Calcídica. Localização de Argilos, no norte do Egeu.
(PERREAULT; BONIAS, 2007:27).
Há poucas informações literárias sobre Argilos, o que se tem são referências às guerras
médicas ou do Peloponeso, nada da idade arcaica. Heródoto a inclui na lista das cidades pelas
quais Xerxes passou (Hdt.VII, 115,1) e Tucídides menciona a cidade em conexão com a
captura de Anfipolis por Brasidas em 424 (Thuc IV, 103). As duas passagens forneceram
pistas necessárias para a sua localização geográfica.
Argilos situava-se no coração bisalte9, local onde foram encontrados os vestígios da
colônia, sobre o monte “palaiokastro”, a menos de 4 km a oeste do rio. A foz do rio strymon
marcou 2 áreas coloniais, a leste, Thasos, no século VII a.C, seguido por uma série de
colônias do lado oposto do rio. Galepsos foi considerada a mais ocidental das colônias da ilha.
Argilos é a colônia mais a leste de Andros, das 4 fundadas - as outras 3 colônias estão na
calcídia: Sane, Akanthos, Estagira.
Andros é uma ilha na Grécia, ao norte do arquipélado das cíclades, localizada a 10 km
a sudeste de eubéia. Sabe-se pouco ou nada sobre as colônias de Andros. Plutarco (Quaest.
Graec.30) trata mais indiretamente da fundação de Sané e Akanthos. O autor sugere que eles
partiram de cidades da trácia. Sane caiu nas mãos de gregos por conta da traição de um de
seus habitantes, enquanto que akantinos fugiram, por conta da esmagadora maioria grega.
9 Bisaltes e odomantes eram povos trácios situados às margens do rio strymon. Segundo Heródoto (Hdt.7.115.1) bisaltia localizava-se na costa oeste do strymon. O strymon era fronteira entre a Bisaltia e Edomia, território odomante. No século V a.C os bisaltes eram governados por um rei trácio. (Hdt.8.116.1). Os bisaltes cunharam moedas de padrão fenício, no período arcaico, de acordo com fontes arqueológicas. (FLENSTED, P, J. 2004: 810)
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Infortunamente, não se sabe exatamente a data de fundação de Argilos, mas pode-se
assumir que foi ao mesmo tempo em que suas colônias irmãs, Akanthos e Estagira, de acordo
com Perrault; Bonias (2007:26). Estas colônias foram fundadas, segundo Eusébios, fonte
citada pelos autores, durante a 31º Olimpíada, em 655/654 a.C. Se a tradição literária estiver
certa, Argilos seria a mais antiga das colônias grega na costa da trácia oriental da calcídia.
Argilos ocupou uma área privilegiada, beneficiando as atividades comerciais de ouro e
minas de prata, ao longo do rio strymon. Autores antigos raramente mencionam, mas lançam
luz sobre a região, parecendo indicar que a cidade gozava de prosperidade econômica, pelo
menos até a fundação de Amfipolis em 437 a.C. Durante a segunda metade do século VI,
Argilos fundou 2 pequenas colônias, Tragilos, no coração da Trácia e Kerdyllion, a poucos
quilômetros do leste da cidade. Heródoto disse que em 480, depois de percorrer strymon, que
o rei persa Xerxes parou em Argilos e forçou seus habitantes a entrarem em seu exército.
Depois da derrota Persa, Argilos veio a ser membro da primeira liga ateniense, pagando um
valor de 10/1/2 talentos, considerável prova da sua riqueza. Mas a fundação de Anfipolis, que
de fato controlou o comércio ao longo do rio strymon, fez com que a cidade se deteriorasse
durante a guerra do Peloponeso. Tucídides nos diz que alguns argilianos fizeram parte da
fundação, mas que a relação entre as duas cidades não foi bem sucedida. Os argilianos
juntaram-se ao general espartíada Brasidas para atacar Anfipolis. Em inscrição no templo de
Asklépio - em Epidauro atesta-se que Argilos ainda era uma cidade independente no século
IV a.C Como outras colônias da área, a cidade foi conquistada pelo rei macedônio Felipe II
em 357 a.C.
Escavações grego-canadenses, iniciadas em 1992, sob a coordenação do Prof. Dr.
Jacques Perreault, arqueólogo da Universidade de Montreal, concentraram seus esforços em 3
áreas: ao longo da costa do mar, onde trouxeram as primeiras ocupações; Na encosta sudeste,
onde foi encontrada uma área pública importante, habitações domésticas, vestígios de
desenvolvimento arquitetônico e urbano da cidade; e finalmente a Acrópole, onde a
construção perdura por todos os períodos de existência da cidade.
As escavações da acrópole, ao longo do litoral, trouxeram uma diversidade de material
datado do século VII a.C, período correspondente à chegada dos gregos. Os gregos,
aparentemente estabeleceram-se primeiro em 2 áreas: ao longo da costa, a fim de facilitar o
comércio, e aproveitamento dos recursos do mar e na acrópole, que ofereceu defesa natural
em caso de ataques hostis.
O primeiro material da acrópole veio de um contexto conturbado, mas ao longo da
costa foram encontrados vasos e objetos de metal (em nível artificial). Foi aberta uma
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trincheira piloto de 6,5 metros de profundidade, de modo a estabelecer uma estratigrafia
completa da ocupação na área. Há uma presença maciça de cerâmica que cobre o primeiro
século da ocupação grega, levando-os a ampliação das escavações. “Há vislumbre dos
primeiros contatos entre gregos e trácios” (PERREAULT; BONIAS, 2010:228). Estas
descobertas mostram a intensidade do contato entre populações gregas e locais, além da
diversidade do comércio, relações não apenas com os principais centros produtores do sul da
Grécia, mas também com as principais cidades da Ásia menor.
A cerâmica pertencente ao período de 650-600 a.C pode ser dividida em 4 grupos, dos
quais 2 são de estilo local ou regional, a saber:
Grupo 1- Tracio-macedônio: eles são em grade parte, vasos de cozinhar, todos feitos à mão e
decorados com motivos incisos ou com um cordão beliscado a dedo, colocado na parte
superior do vaso, muitos desses são de produção local.
Grupo 2- Vasos de armazenamento, essencialmente ânforas de transporte e caixas de
armazenamento, mas também bebedores de navios. São decorados com motivos
protogeométricos e geométricos. Sem dúvidas, essas mercadorias eram produtos dos centros
regionais, ou locais, que ainda não conhecemos, na península calcídia.
Nestes grupos encontram-se, nos século VII vasos originários de cidades ao longo da
Ásia menor e vasos produzidos nas ilhas cíclades. Em ambos os casos, as formas são,
principalmente bebedouros de navios, copos, tigelas e skyphos, ânforas de transporte. A maior
parte dos vasos vem de cidades orientais gregas, como o pássaro-tigela, Estas tigelas foram
amplamente distribuídas no mediterrâneo, por comerciantes do oriente grego. Infelizmente,
pouca arquitetura permaneceu da fase inicial. Um forno pequeno, utilizado para trabalho com
metal, que data do primeiro trimestre do século VI a.C. Mais ao sul, uma série de furos
indicam primeiras habitações, cabanas simples.
A cidade de Argilos prosperou muito com o crescimento econômico durante o século
VI e V a.C. Segundo Perreault; Bonias (2007:30) os cidadãos de Argilos exploraram a região
com abundância de recursos naturais, o que trouxe riqueza para os habitantes, os conduzindo
a um desenvolvimento urbano conspícuo. Os argilianos exploraram ouro e minas de prata, de
recursos florestais, até escravos, negociantes, e comércio com outras colônias gregas do
interior da trácia.
Por fim, estes dois estudos de caso, são amostras bem preliminares, apresentadas
para termos uma ideia das similaridades, disparidades e peculiaridades de cada uma das
fundações. Estas póleis estão inseridas em um contexto de redes do mediterrâneo, em que, no
período arcaico apresentavam características de contato com povos não gregos. Siracusa nos
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permite ter acesso aos relatórios de escavação, muito trabalhados e interpretados, ao longo do
séculoXX. As fontes escritas trazem poucas informações sobre a fase inicial de contato das
fundações, mas há menção, o que nos permite comparação documental.
Já em Argilos, não há menção na documentação escrita, nem em relação ao contato,
nem de sua política inicial. O que há impresso na paisagem, visível no registro arqueológico
são vestígios de uma pólis desenvolvida, que possui seus caminhos, memórias e que, nos
primeiros anos de contato, possuía um comércio intenso, segundo é possível perceber nos
artefatos encontrados. As escavações estão ocorrendo, e conforme publicações, poderemos
perceber a construção, por meio dos dados coletados, de uma fundação arcaica muito ativa no
norte do egeu.
É válido ressaltar que este é um projeto inicial, em fase de elaboração e reflexão.
Apresentamos aqui, um ensaio comparativo preliminar, resultado de um recorte das leituras
para a dissertação de mestrado, em que focamos Siracusa e seu desenvolvimento urbanístico,
além dos resultados de leituras e discussões de seminários semestrais do Labeca, direcionados
para teorias espaciais, contato entre populações gregas e não gregas no mediterrâneo arcaico,
teoria das redes e “mediterranização”. O ingresso, em um novo contexto espacial, no caso o
norte do egeu e suas colônias arcaicas, partiu da necessidade de expandir a minha pesquisa
sobre as fundações, a fim de ampliar a discussão para além do ocidente grego, ainda sob a
perspectiva da arqueologia da paisagem e de suas ferramentas epistemológicas e
metodológicas.
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