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Page 1: Reportaje Especial: Reunião na sede do BID discute modelo de coleta sustentável que beneficie os catadores

Jornal Valor --- Página 1 da edição "24/10/2013 1a CAD F" ---- Impressa por edazevedo às 23/10/2013@15:44:23

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD F - ESPECIAIS - 24/10/2013 (15:44) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Quinta-feira, 24 de outubro de 2013 | F1

Es p e c i a lResíduos urbanos

Exemplo de SeverinoLima ilustra a forçada atividade decatador em Natal F4

Programas capacitam trabalhadores para mercado formal

Cadeia de valorP arcerias público privadas

(PPPs) podem ser umadas bases para solucionar

um problema socioambientalcomum aos países da AméricaLatina, o mercado informal deresíduos sólidos, que envolve,apenas no vácuo da coleta sele-tiva de lixo escassamente reali-zada pelo poder público, umexército de 4 milhões de catado-res que, na grande maioria, tra-balham em condições precá-rias. É esse o caminho por ondeseguem, com bons resultadosem algumas experiências, pro-jetos que contemplam três fren-tes: organização dos trabalha-dores em associações, mudan-ças na legislação que ajudem aformalizar a rede de coleta etriagem dos materiais, e estímu-los ao mercado, para inserir aatividade dos catadores na ca-deia de valor da reciclagem.

Em torno dessas questões or-bitaram os debates das reuniõesanual da Aliança Global para aReciclagem e DesenvolvimentoSustentável (Garsd) e do tercei-ro conselho consultivo da Ini-ciativa Regional para a Recicla-gem Inclusiva (IRR), segunda eterça-feira, em Washington, nasede do Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID), um

Sergio LamucciDe Washington

O avanço nos programas de re-ciclagem com a participação de ca-tadores caminha hoje com dinhei-ro e apoio do setor público, dasempresas e de instituições multila-terais como o Banco Interamerica-no de Desenvolvimento (BID). Essacombinação de recursos e esforçosajuda a capacitar os trabalhadores,facilitar a sua organização em coo-perativas e contribui para que en-trem de modo formal na cadeia dereciclagem de resíduos sólidos.

Em meados deste ano, teve iní-cio a terceira etapa do programado governo federal chamado Cata-

FOTOS: KEVIN WOLF/AP

dos parceiros das ações, ao ladoda Fundação Avina, do Fomin(fundo multilateral de investi-mentos do BID) e da Coca-Cola.

“Os problemas do desenvolvi-mento são muito complexos e so-mente o governo, o banco ou o se-tor privado, sozinhos, não conse-guem resolver”, diz Fernando Ji-ménez-Ontiveros, vice-diretor doFomin, que em 20 anos de opera-ção soma 1700 projetos apoiadosem diferentes áreas. No campodos resíduos sólidos, reforçadohá dois anos com a IRR, ele defen-de a busca de modelos de negó-cios sustentáveis, “rentáveis nãosomente para os beneficiários, oscatadores, mas para toda a ca-deia, inclusive para as finançaspúblicas, com o pagamento deimpostos a partir da formaliza-ção da atividade”.

A escolha de parceiros que aju-dem a multiplicar os projetos éestratégica. “Nesse tema, apren-demos que é importante traba-lhar primeiro com uma grandecorporação, que pode atrair em-presas da cadeia de valor. Ao mes-mo tempo, se tivermos sucesso nainiciativa, é muito mais fácil con-vencer outras corporações”, dizOntiveros. “A Coca-Cola é um par-ceiro fundamental precisamentepara influir na cadeia de valor.”

Mas a presença de uma multi-nacional também pode provocarresistências. Aí entra em cena aparticipação da sociedade civil,no caso a Fundação Avina e o pró-prio BID. “Isso dá uma tranquili-dade para esses coletivos que àsvezes podem achar que existeproblema na correlação de for-ças”, analisa Ontiveros.

Para a fabricante de bebidas, aadesão à iniciativa, traduzida porapoio operacional e por parte dosUS$ 8,4 milhões disponíveis paraos três anos de operação inicial daIRR, está inserida nas metas so-cioambientais fixadas para 2020.Ao lado de objetivos como zerar apegada hídrica da produção, acompanhia quer avançar na sus-tentabilidade das embalagens,explica Rafael Fernández, vice-presidente de assuntos governa-mentais e comunicação da Coca-Cola na América Latina. “Acredi -tamos que podemos promoveruma mudança positiva nas co-munidades e apoiamos concreta-mente essa mudança com os ca-tadores”, diz. O apoio a IRR é com-plementado por ações locais naárea de resíduos.

Um estudo feito pela Accentu -re em 15 países da região mostraa complexidade da tarefa. Nãoexistem números oficiais confiá-

veis, nem transparência em rela-ção a preços, diz Manuel Torres,executivo sênior da consultoria.“A captura de valor por parte dosatravessadores chega a 200% dopreço pago aos catadores”, afir-ma. No retrato traçado — com asdimensões de regulação, organi-zação e mercado — o Brasil estána liderança. Não se trata de umranking, mas de desempenho emdeterminados indicadores, res-salva o executivo. Na outra pontaestão Haiti, Nicarágua e Paraguai.

A responsabilidade comparti-lhada pelos resíduos pós-consu-mo, introduzida pela Política Na-cional de Resíduos Sólidos(PNRS), é um diferencial impor-tante para o Brasil, citado comoexemplo de sucesso em vários de-bates. Governos, empresas e cida-dãos devem ser envolvidos noprocesso de coleta, tratamento ereciclagem da fração seca do lixo.

O azeite da engrenagem é a ga-rantia de compra, pela indústria,do material. Para Vitor Bicca, pre-sidente do Compromisso Empre-sarial pela Reciclagem (Cempre),pioneiro da aliança global de re-ciclagem (Garsd), esse é um pon-to fundamental na proposta quea entidade, junto com 22 associa-ções, apresentou ao governo nocontexto de acordos setoriais pa-

ra a logística reversa de embala-gens da PNRS. “Mesmo o modeloinformal tem tido sucesso nopaís”, diz Bicca, citando estudo daconsultoria LCA encomendadopelo Cempre que aponta taxa mé-dia de 65,3% de recuperação deembalagens descartadas. A cor-rente oficial não assegura que omaterial chegue ao reciclador,afirma. “No Brasil existem 800 ci-dades com coleta seletiva e é essemodelo complementar que pre-cisamos reforçar, com garantia decompra de matérias-primas paraembalagem pela indústria.”

É preciso, porém, ampliar o al-cance das iniciativas, avalia Hora-cio Terraza, especialista em água esaneamento do BID. Bons exem-plos precisam ser replicados. A si-tuação requer, diz, capacidadetécnica e um sistema de tarifaspara os resíduos recicláveis.

Os projetos do Fomin são umadas facetas do trabalho do BID naárea de resíduos sólidos, cujoportfólio de investimentos nocampo soma US$ 305 milhões,traduzidos por empréstimos a se-te países. Estão em espera paraaprovação US$ 401 milhões a se-rem alocados em outros seis paí-ses. Os projetos em cooperativasatingem US$ 10 milhões, em 11nações, informa Terraza.

forte — Negócios Sustentáveis emRedes Solidárias, para investirR$ 200 milhões em empreendi-mentos de catadores de materiaisrecicláveis. Segundo a coordena-dora do Comitê Interministerialde Inclusão Social e Econômicados Catadores de Materiais Reci-cláveis da Secretaria-geral da Presi-dência da República, Daniela Go-mes Mettello, do total de recursos,R$ 30 milhões devem ser desem-bolsados em 2013 ano e R$ 100 mi-lhões no ano que vem. O objetivodo projeto é ajudar a estruturar re-des de cooperativas e associaçõespara que possam prestar serviçosde coleta seletiva para prefeituras,atuem no mercado de logística re-

versa e na comercialização e bene-ficiamento de recicláveis.

O presidente do CompromissoEmpresarial para a Reciclagem(Cempre), Vitor Bicca, diz que osegmento depende menos deapoio financeiro do que há algunsanos. Nota que a inclusão dos cata-dores é política do governo, masque há diferentes níveis de organi-zação das cooperativas. “Há algu-mas que já têm oportunidades detrabalhar dentro da cadeira pro-dutiva, enquanto outras ainda es-tão no começo dela, coletando ma-teriais recicláveis”. Bicca e Danielaparticiparam do evento sobre reci-clagem promovido pelo BID.

Nesse cenário, há necessidade

de iniciativas como as realizadaspelo governo para que os catado-res e as suas cooperativas ganhemindependência. Bicca observa queainda há muitos lixões no Brasil, eum grande desafio será capacitaros catadores que trabalham neles.Parte desses trabalhadores deveráse integrar a cooperativas e ser ab-sorvida pela seleta coletiva, en-quanto outros partirão para ou-tras funções. Segundo Daniela,ainda existem 2 mil lixões no país,que devem ser fechados até agostode 2014, de acordo com a PolíticaNacional de Resíduos Sólidos.

O apoio das empresas ocorrepor meio da capacitação e infraes-trutura das organizações, com

equipamentos e com gestão, eoportunidades de contratos defornecimento de material, diz Bic-ca. “ As cooperativas podem ser osbraços das empresas na coleta domaterial”. As organizações de cata-dores, nesse quadro, fazem partedo trabalho que normalmente se-ria feito pelo governo local na cole-ta seletiva. Hoje, dos mais de 5.500municípios do Brasil, cerca de 800realizam coleta seletiva, segundodados do Cempre.

A importância de garantir a in-clusão dos catadores está foco daação do Fundo Multilateral de In-vestimento (Fomin) do BID. Desde2008, o Fomin aprovou 19 opera-ções em 15 países, num total de

US$ 14 milhões, dos quais US$ 5milhões foram para o Brasil, comoo projeto Catação. No centro daspreocupações da instituição, está amelhora de renda e qualidade devida dos catadores e de suas comu-nidades. Segundo a especialista-sênior do Fomin, Estrella Peinado-Vara, o fundo trabalha com o setorpúblico e o setor privado, enfatizaela. Os projetos financiados são depequeno porte, para que possamser replicados e ganhem escala.

A questão econômica tambémimporta. Segundo Bicca, o Brasilperde R$ 8 bilhões por ano pordeixar de reciclar resíduos reci-cláveis encaminhados para ater-ros sanitários e lixões.

Reunião nasede do BIDd i s c u temodelo dec o l et as u ste n t á ve lque beneficieos catadores.Por CéliaRo s e m b l u m ,deWa s h i n g to n

No Brasil existem 800cidades com coleta seletiva e é essemodelo complementar queprecisamos reforçarVictor Bicca

Os problemas dodesenvolvimento são complexos esomente o governo e o setor privadonão conseguem resolvê-losFernando Jimenez-Ontiveros

Hoje há muitas entre asgrandes cidades que já convivemcom o esgotamento de espaço nosaterros sanitáriosHoracio Terraza

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