-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
1/609
RESPONSABILIDADECIVIL DO ESTADO
POR
AMARO CAVALCANTIDo Instituto dos Advogados Brazileiros
RIO DE JANEIROLAEMMERT & C. -- RUA DO OUVIDOR, 66
CASA FILIAL EM S. PAULO1905
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
2/609
Responsabilidade Civil do Estado.
RESPONSABILI DADE CIVI L DO ESTADO
2
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
3/609
Responsabilidade Civil do Estado.
DO MESMO AUTOR:
________
A Religio, Cear 1874.
A Meus Discipulos (Polemica religiosa). Cear 1875.
Livro Popular (Miscellanea de conhecimentos uteis), Cear 1879 New
York, 1881.
Educao Elementar nos E. Unidos da N. America. Cear 1881.
Noticia Chronologica da Educao popular ao Brazil (incompleto).
Cear 1888.
Ensino moral e religioso nas Escolas Publicas, Rio 1888.
Meio de desenvolver a instruco primaria aos municpios ruraes,
Rio 1884.
The Brasilian Language aad its agglutination, Rio 1884.
Finances (du Brsl). Paris 1889.
Resenha Financeira do ex - lmperio. Rio 1890.
Projecto de Constituio de um Estado (com varias notas e conceitos
politicos; sob O pseudonymo de Agonates), Rio 1890.
A Reforma Monetaria, Rio 1891. Politica a Finanas. RIO 1892.
O Meio Circulante Nacional. Rio 1898.
A Situao Politica ou a interveno do Governo Federal nos
Estados da Unio, Rio 1898.
Elementos de Finanas, Rio 1896.
3
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
4/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Tributao Constitucional. Rio 1896.
Regimen Federativo, Rio 1900.
Sobre a unidade do direito processual (Relatorio ao CongressoJuridico Americano), Rio 1900.
Direito das obrigaes (Relatorio sobre os arts. 1011 - 1227 do Proj. do
Cod. Brasileiro), Rio 1901.
O Arbitramento(no direito internacional), Rio 1901.
Taxas Protectoras nas tarifas aduaneiras, Rio 1903.
E diversos outros trabalhos, literarios, economicos, juridicos e politicos.
4
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
5/609
Responsabilidade Civil do Estado.
5
A Escola de Direito da Union University na Capital doEstado de New York.*
Dedica o presente livro livro, como um tributo de amor e saudade.
Amaro Cavalcanti.
* Dos 58 alumnos graduandos da turma de 1880-1881 era eu o unico estrangeiro; mas, issono obstante, alm de generosamente distinguido na ClassOrganization, coube-me aindaa honrade ser oprimeiro orador de acto solemne da collao dos gros. Apenas recebidoo diploma academico, apresentado pelo Diretor da Escola Crte Suprema, a qual por suavez me conferio o titulo de Counsellor at law.
Factos desta ordem, em vez de se apagarem no espirito, amis se avivam, com ocorrer dos annos e a distancia dos logares...E, precisamente, a sua grata recordao explicaa dedicatoria, escripta no alto desta pagina.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
6/609
Responsabilidade Civil do Estado.
AO LEITOR
________
Quid, es enim civitas,nisi juris civitas. Cic. De Rep. 1, 33.
O titulo do livro indica claramente o objecto, que nos
propuzemos com a sua publicao. Todavia no ser, certamente, intil
dizer ao leitor algumas palavras de previa informao sobre o modo
particular, segundo o qual encaramos a materia da Responsabilidade Civil
do Estado.
No sendo mais possivel admittir, sem protesto, a velhadoutrina da irresponsabilidade absoluta do Estado, pela sua repugnancia
manifesta com o moderno conceito desta organisao essencial de direito,
procurou-se muito naturalmente aventar e justificar nova theoria que,
mantendo embora todas as prerogativas do poder soberano, que o Estado
symbolisa,comtudo,no sacrificasse os direitos individuaes, pelo menos,
do modo illimitado ou incondicional, como outrora se pretendia.Dahi os
systemas diversos que, conforme o ponto de vista particular dos autores,
ora ampliam, ora restringem, quasi sempre sem um criterio assas
definido, a responsabilidade do Estado pelos actos dos seus
representantes ou funccionarios.
Os systemas engendrados assentam, todos elles, em
distinces, mais ou menos subtis, que se devem guardar entre os actos,
legaes e illegaes, licitos e illicitos, de imperio e de gesto, ou ainda, entraactos praticados, sem culpa ou com culpa ou dolo, por parte do respectivo
agente ou funccionario.
Semelhantes systemas, de vr, no tem podido satisfazer,
nem jamais sero capazes de satisfazer, ao postulado geral de direito e de
justia, que a questo involve; desde que comeam por distinguir, em
principio, o que, somente em dados casos particulares, seria licito fazer, e
6
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
7/609
Responsabilidade Civil do Estado.
7
ainda assim, na occorrencia de circumstancias especiaes, segundo a razo
e fim do proprio facto.
Em principio, a unica these, possivel de ser affirmada, esta:
dada a leso de um direito objectivo, effectivamente adquirido pelo
individuo, do proprio acto lesivo resulta a obrigao de prestar ao lesado
uma reparao equivalente. E um dever imperativo da justia natural, e
sabidamente consagrado na legislao positiva dos diversos Estados
civilisados.
Insiste-se , no obstante, em dizer, que o Estado, considerado
no seu fim superior, ou na sua qualidade essencial de poder soberano,no se pde achar igualmente sujeito quelle grande principio;
competindo-lhe, ao contrario, declarar elle proprio, quaes os actos lesivos,
por que lhe apraz responder, quaes, no; donde, conseguintemente, a
impossibilidade de haver uma regra geral, positiva, para essa ordem de
relaes...
evidente, que o predominio desta doutrina importaria anegao, a mais formal, do proprio direito e justia, para cuja
manteno e constante garantia, alis, , que o Estado existe, como a
primeira e a mais poderosa das instituies sociaes.
Soberania significa sem duvida poder supremo, isto , a
funco mais elevada e comprehensiva de todas as mais, que se
manifestam na ordem juridica; mas no, que ella seja absoluta, ou menos
sujeita ao direito, do que qualquer outra forma de funco social.*
A soberania exprime as propriedades de uma dada forma de
organisao social, a dizer, da sociedade-Estado; mas o direito o
* Folgamos de poder dizer, que as idas, ora sustentadas, quanto ao exerccio dasoberania do Estado, nada diffrem das que havamos emittido em trabalho anterior(Regimen Federativo, p. 9-10. Rio Janeiro, 1900).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
8/609
Responsabilidade Civil do Estado.
principio de ordem, necessario s sociedades humanas em todas as suas
formas, quaesquer que sejam. Ella significa smente, que o Estado occupa
o primeiro logar; mas sempre o direito, que lhe deve formar e assegurar
o seu proprio fim, assim como o faz com relao s outras associaesdiversas. O Estado , e tem por objecto dar garantia, a maior, e nunca
denegada, da condio primordial da propria vida e aco humana
collectiva: o direito (die oberste und niemals versagende Brgschaft fr
jene Urbedingung alles menschlichen Zusammenlebens und
Zusammenwirkens, die das Reckt ist). O que, por si s, basta, para se no
poder jamais apresentar, como argumento, que, em virtude da sua
soberania, lhe seja licito considerar-se, sujeito ou no, s relaes dodireito (Haenel, Deutsches Staatsrecht, 15 - 16).
Em menos palavras: poder soberano, quer dizer, aquelle, que
no est sob s ordens ou fiscalisao de um outro; mas, no, poder
juridicamente irresponsavel, isto , que no deva responder pelas leses
do alheio direito: Justa imperia sunto (Cie. De leg. III).
E certo, que muito embora j consagrado o novo credo do
Estado de direito (Rechtsstaat), no falta, todavia, quem ainda persista
em sustentar, na pratica das leis e da jurisprudencia, que o Estado, ente
politico ou soberano, age em esphera superior ao proprio direito, e que,
consequentemente, irresponsavel, si, como tal, violar os direitos
individuaes... Tanto pde, com effeito, a fora do dogma tradicional de
Estado - creador do direito!
De maneira que ainda agora, temos, bem ou mal, de escolher:
ou a continuao da doutrina da irresponsabilidade, que se suppe
justificada em vista da velha concepo do Estado antigo e medieval; vou
abraar resolutamente a nova doutrina da sua responsabilidade geral
conforme aos principios, sobre os quaes assenta a moderna sciencia.
8
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
9/609
Responsabilidade Civil do Estado.
9
Por nossa parte, no podemos deixar de preferir ultima
destas doutrinas. No comprehendemos o Estado com direitos anteriores
aos dos proprios individuos, que o compem.
A expresso mais elevada do seu poder, que se d o nome
de soberania, uma consagrao do direito; queremos dizer, o
direito, que reconhece a necessidade do conjuncto das faculdades e
isenes, que constituem tamanha attribuio do Estado, por ser, alis,
indispensvel proteco dos proprios direitos individuaes.
Mesmo, sem nada objectar contra a extensfto dos poderes
politicos ou soberanos do Estado, desde que , como pessoa juridica,ou como sujeito de direitos, que elle chamado a responder pelas
obrigaes resultantes dos seus actos, torna-se manifesto, que se no
poder bipartil-o nesta sua qualidade essencial de sujeito de direitos; para
declaral-o responsavel, ou no, pelos effeitos de ditos actos. No podendo
elle manifestar-se e agir, seno, pela figura juridica da representao (hic,
p. 270 sg.*), todo acto do representante deve ser considerado
logicamente, como acto do representado, e, em consequencia, o ultimo
ficando obrigado a responder pelos effeitos lesivos do acto do primeiro, si
os houver, do mesmo modo que pelo seu intermdio, que aufere as
proprias vantagens e proventos Qui facit per alium facit per se. Qui
sentit commodum, sentire debet et onus.
* SIGLAS DIVERSAS: Hic (ou hic)neste livro; 1.livro; t. tomo (ou volume da obra
citada); tit. titulo; p. pagina; sg. seguintes; Cf.confere; ap.apud; Acc.Accordam; C. App.Crte ou Tribunal de Appellaao; C. C Crte de Cassao; C. E.Conselho de Estado; Const Fed. Constituio Federal; Consol. Consolidao das leiscivis por Teixeira de Freitas: D. Ger. Directoria Geral; Gov. Prov. Governo Provisprioda Republica; P. C. C. Projecto do codigo civil brasileiro (pendente de deliberao doSenado); T. CTribunal dos contactos; S. T. F. Accordam do Supremo Tribunal Federal(do Brazll); Trib. Tribunal.
As demais siglas empregadas sero explicadas em notas opportunamente.Nas citaes, referentes ao direito romano, seguimos a mesma norma que
empregamos nas citaes de autores ou cdices modernos, isto , comeando por dizero livro, titulo, paragrapho, etc.,em vez do numero indicativo da lei ou fragmento como de regra mais usual.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
10/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Ainda que a legislao dos diversos povos carea ainda de
disposies de caracter geral, que assim o declarem, no menos
verdade, que a responsabilidade do Estado j se acha reconhecida por
disposies especiaes, relativas certos ramos do publico servio, e aconsciencia juridica moderna reclama, cada vez com maior insistencia,
que dita responsabilidade seja consignada, como regra geral do direito
positivo, por assim ser necessario ao cumprimento da verdadeira justia.
Embora institucionalmente privilegiada, como , a pessoa -
Estado, ella tem, como as demais pessoas juridicas, a sua conducta
traada pelas regras do direito objectivo, resultante da natureza da
sociedade humana.
Alm disto, assim como a igualdade dos direitos, assim
tambem a igualdade dos encargos, hoje fundamental no direito
constitucional dos povos civilisados. Portanto, dado que um individuo seja
lesado nos seus direitos, como condio ou necessidade do bem commum,
segue-se, que os effeitos da leso, ou os encargos da sua reparao,
devem ser igualmente repartidos por toda a conectividade, isto ,
satisfeitos pelo Estado, afim de que, por este modo, se restabelea o
equilibrio da justia commutativa:Quod omnes tangit, ab omnibus debet
supportari.
E porque preferir, nesta questo, as linhas curvas da hesitao
ou incoherencia, em vez da recta, que a logica juridica nos offerece?
Sequi debet potentia justitiam, non prcecedere (Cokes Inst).
Com effeito, no estado actual da razo scientifica o unico
ponto de partida verdadeiro este: o direito a regra de conducta e
proceder, tanto dos individuos, como do Estado; consequentemente,
assim como succede com os individuos, assim tambem deve o Estado, em
principio, responder pelos proprios actos, salvo si uma razo juridica
superior fizer cessar occasionalmente a sua responsabilidade.
10
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
11/609
Responsabilidade Civil do Estado.
E isto uma vez admittido, j no seria mister tomar em
considerao o exame das varias theoras que, como se disse, distinguem,
por maneiras diversas, os actos do Estado, como condio ou criterio para
a soluo do problema.
Do nosso presente trabalho ver-se-ha, quanto so
insufficientes umas, e improcedentes outras, das theorias alludidas...
No entanto, por assim exprimir-nos, no se supponha que,
tambem da nossa parte, obedecemos preoccupao de reunir
documentos para comprovar exclusivamente a verdade da doutrina, que
professamos.
No. O nosso unico empenho foi fazer um livro de inteira ba
f e imparcialidade, procurando desfarte, ainda que como pars minima,
contribuir para o estudo das letras juridicas em nosso paiz. Desta norma
de imparcialidade no nos afastmos, nem mesmo quando, em capitulo
proprio (p. 265 sg.), tivemos de enfeixar, mais accentuadamente, as
nossas idas pessoaes sobre o assumpto. Pelo contrario, em cada um dostitulos indicao dos systemas , critica dos systemas , e pratica dos
systemas, encontrar o leitor todas as opinies, pareceres,
considerandos, e argumentos, que expem ou controvertem as theorias
diversas, at agora aventadas, acerca da responsabilidade civil do Estado,
negando-a, ou affirmando-a, segundo o critrio particular do respectivo
preopinante. Ainda mais: raramente nos limitmos enunciar as simples
opinies dos autores, conforme a nossa interpretao particular; em vezdisso, servimo - nos, de preferencia, das suas proprias palavras em longas
transcripes, no intuito declarado de habilitar o leitor a julgar, por si
mesmo, da razo ou admissibilidade dos conceitos emittidos. Igual
procedimento guardmos na Seco preliminar, trabalho, que nos
pareceu conveniente ajuntar; porque, tratando do Estado, como pessoa
juridica, cumpria, antes de tudo, verificar quaes os principios, que ora
11
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
12/609
Responsabilidade Civil do Estado.
prevalecem sobre esse instituto, segundo s lies mais recentes da
sciencia.
Com estas ligeiras indicaes, entregamos o nosso modesto
trabalho ao juizo competente dos que considerarem-no, porventura, digno
da sua atteno e leitura.
Rio 15 - 8 - 1904.
12
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
13/609
Responsabilidade Civil do Estado.
INDICE
________
SECO PRELIMINAR
NOES DA PESSOA JURIDICA
Materias Paginas
1 Pessoa physica e pessoa juridica................................................28
2 A pessoa juridica uma fico ? ................................................34
3 A pessoa juridica no tem razo de ser ? ....................................45
Primeira theoria .............................................................45
Segunda theoria ............................................................52
Critica das theorias.........................................................56
4 A pessoa juridica um ente real ? .............................................62
5 Verdadeiro conceito da pessoa juridica .......................................79
6 Especies da pessoa juridica.......................................................87
7 Capacidade da pessoa juridica...................................................95
TITULO PRIMEIRO
INDICAO DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
Vista geral da questo
I. A sua phase actual .................................................................... 111
13
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
14/609
Responsabilidade Civil do Estado.
II. Os systemas principaes............................................................. 119
Orgos e funccionarios .................................................................. 120
Governo. Administrao............................................................. 121
CAPITULO II
Theoria da irresponsabilidade
Theoria da irresponsabilidade segundo Richelmann ........................... 124
Theoria da irresponsabilidade segundo Bluntschli .............................. 126
Theoria da irresponsabilidade segundo Ronne................................... 126
Theoria da irresponsabilidade segundo Wohl, e von Stein................... 126
Theoria da irresponsabilidade segundo Gabba .................................. 127
Theoria da irresponsabilidade segundo Lozzi .................................... 128
Theoria da irresponsabilidade segundo Mantellini .............................. 130
Theoria da irresponsabilidade segundo Saredo.................................. 133
Argumentos particulares a respeito da irresponsabilidade................... 134
CAPITULO II I
Theoria da responsabilidade geral
O ponto commum de convergencia da doutrina ................................ 138
Fundamentos principaes della ........................................................ 139
Fundamentos segundo H. Zpfl ...................................................... 140
Fundamentos segundo C. von Kissling............................................. 141
14
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
15/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Fundamentos segundo Sundheim ...................................................142
Fundamentos segundo Dreyer........................................................ 143
Fundamentos segundo K. Solomo Zachariae..................................... 143
Fundamentos segundo Pfeiffer ....................................................... 144
Fundamentos segundo Meisterlin e Heffter....................................... 144
Fundamentos segundo F. Schwarze ................................................ 145
Fundamentos segundo Schmitthenner ............................................. 146
Fundamentos segundo Strippelmann............................................... 146
Fundamentos segundo H. A. Zachariae............................................146
Fundamentos segundo Gerber........................................................ 149
Fundamentos segundo Marcad...................................................... 151
Fundamentos segundo F. Laurent ................................................... 152
Fundamentos segundo A. Batbie..................................................... 153
Fundamentos segundo Lorenzo Meucci ............................................153
Fundamentos segundo Chironi ....................................................... 158
CAPITULO IV
Theoria ou systema mixto
Ponto de partida do systema.......................................................... 162
Theoria ou systema mixto segundo Larombire ................................ 163
Theoria ou systema mixto Citao de De Luca por Mantellini .............. 163
15
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
16/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Theoria ou systema mixto segundo Sourdat ..................................... 165
Theoria ou systema mixto segundo A. Bonasi ................................... 169
Theoria ou systema mixto segundo E. Loening.................................. 173
Theoria ou systema mixto segundo Robert Piloty .............................. 183
Theoria ou systema mixto segundo A. Giron..................................... 191
Theoria ou systema mixto segundo Giorgio Giorgi ............................. 193
Theoria ou systema mixto segundo L. Michoud ................................. 200
Theoria ou systema mixto segundo Rnne e Primker ......................... 201
Theoria ou systema mixto segundo Henri Bailby ............................... 213
TITULO SEGUNDO
CRITICA DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
Da irresponsabilidade
Argumentos principaes da doutrina ................................................. 222
O Estado no tem actos seus proprios ............................................. 224
O Estado incapaz de culpa........................................................... 224
O Estado no autorisa actos illicitos ou illegaes................................. 229
O Estado orgo e tutor do direito ................................................. 230
O Estado no tem fins proprios....................................................... 233
O Estado vr-se-hia embaraado na sua aco ................................. 234
16
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
17/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Concluso contra a irresponsabilidade absoluta................................. 236
CAPITULO II
Da responsabilidade geral
I. A relao entre o funccionario e o Estado a do mandato............... 238
II. No servio publico se d a relao do dominus negotii para com o
institor........................................................................................ 241
III. A responsabilidade consequencia do caracter representativo do
funccionario................................................................................. 243
IV. A responsabilidade do Estado provm da culpa na nomeao ou falta
de fiscal isao do funccionario, ou ainda do dever de obediencia imposto
aos particulares para com o funccionario ......................................... 246
Opinio de Piloty a esse respeito ....................................................250
V. A responsabilidade do Estado provm do seu dever de proteco .... 251
CAPITULO II I
Da responsabilidade segundo o systema mixto.
Em que consiste o systema............................................................ 253
Quaes sejam os actos de imperio....................................................255
Opinio de Brmond a esse respeito ............................................... 255
Contra os effeitos da lei no se pode pretender indemnisao............. 256
Os actos judiciarios tambem no geram a responsabilidade do Estado . 258
Opinio de Loening a esse respeito ................................................. 260
Opinio de Piloty sobre a mesma materia ........................................ 261
17
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
18/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Consideraes sobre o criterio da distinco dos actos em geral.......... 261
Opinio de Solari a respeito ........................................................... 263
Opinio de Chironi a respeito ......................................................... 264
Orgos e funccionarios ou prepostos ............................................... 266
Contradices de Gabba neste ponto............................................... 269
CAPITULO IV
A doutrina preponderante
I. FUNDAMENTO JURIDICO DA RESPONSABILIDADE.......................... 271
Apreciao do mandato, do institorio, e da representao............ 274
O que REPRESENTAO no seu sentido proprio ....................... 277
Opinio de Gierke a respeito.................................................... 278
Quaes so os representantes do Estado?................................... 278
Elemento objectivo da responsabilidade ....................................282
Damno material e damno juridico segundo Vacchelli ................... 284
A leso de direitos se pode dar por actos legaes......................... 285
Opinio de L. Duguit a respeito ................................................ 286
Na omisso a culpa elemento essencial da responsabilidade ...... 288
Concluso sobre o fundamento juridico da responsabilidade......... 289
II. DIREITO REGULADOR DA MATERIA ............................................289
Insufflciencia das disposies do direito privado ......................... 293
18
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
19/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Exame das disposies do direito publico a respeito....................296
As disposies do direito administrativo sero bastantes? ............ 301
Qual a natureza do direito complementar de que se carece.......... 302
III. LIMITAO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE..................... 306
No Estado Romano e medieval................................................. 307
O principio da responsabilidade apparece desde a idade media..... 309
Opinio de diversos autores a respeito...................................... 310
Tendencia irresistivel dos principios modernos ...........................314
Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado..................... 316
Quando e onde deve cessar..................................................... 319
Primeira razo ............................................................. 320
Segunda razo............................................................. 324
Terceira razo ............................................................. 325
Regras conclusivas da materia ................................................. 330
TITULO TERCEIRO
PRATICA DOS SYSTEMAS
CAPITULO I
A jurisprundencia franceza
1 INDICAES PRELIMINARES................................................... 334
Opinio de Lonn sobre os actos de governo ........................... 334
19
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
20/609
Responsabilidade Civil do Estado.
A doutrina do Caso Blanco firmou a jurisprundencia em materia de
competencia ......................................................................... 337
Applicao da doutrina da distinco dos actos ........................ 339
Justificativa da no - applicabilidade do direito commum aos actos da
administrao........................................................................ 341
Razes em contrario............................................................... 342
Distinco entre culpas do servio e culpas pessoaes .................. 345
2 CASOS E DECISES............................................................... 348
Actos legaes ou isentos de culpa..................................................... 348
a) Actos legislativos ............................................................... 348
b) Actos judiciarios................................................................. 349
c) Actos de governo e de administrao ....................................349
d) Desapropriao e occupao temporaria da propriedade.......... 350
e) Actos de policia o segurana publica ..................................... 351
) Medidas sanitarias.............................................................. 355
f) Actos de guerra..................................................................357
g) Obras publicas em geral...................................................... 362
Actos illicitos ou illegaes ................................................................ 368
I Casos provenientes de relaes contractuaes........................... 368
II Casos provenientes de relaes extracontractuaes .................. 373
Breve concluso sobre a jurisprundencia franceza ...................... 379
20
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
21/609
Responsabilidade Civil do Estado.
CAPITULO II
A jurisprundencia belga
1 INDICAES PRELIMINARES................................................... 380
Os actos de poder publico.............................................................. 382
Actos em que o Estado apparece como pessoa civil..................... 382
Actos de responsabilidade pessoal dos funccionarios ................... 384
2 CASOS E DECISES............................................................... 386
Actos legaes ou isentos de culpa..................................................... 386
a) Actos de policia e segurana publica ..................................... 387
b) Actos de guerra ................................................................. 387
c) Casos de desapropriao..................................................... 387
d) Obras publicas................................................................... 389
Actos illicitos em geral .................................................................. 391
I Provenientes de relaes contractuaes.................................... 392
II Provenientes de relaes extracontractuaes ........................... 392
Casos de irresponsabilidade declarada ...................................... 394
Breve concluso sobre a jurisprundencia belga........................... 395
CAPITULO II I
A jurisprundencia alleman
1 INDICAES PRELIMINARES................................................... 396
21
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
22/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Responsabilidade dos funccionarios publicos .............................. 399
Como considerada a questo da responsabilidade civil do Estado.......401
Opinio de Otto Mayer a respeito ............................................. 402
Emendas ao projecto do codigo civil e disposies, adoptadas
neste .......................................................................... 406
2 CASOS E DECISES............................................................... 407
Actos legaes ou isentos de culpa..................................................... 407
Opinio de Gierke e jurisprundencia a respeito........................... 408
Em particular sobre a desapropriao e outros casos .................. 409
Actos illicitos em geral .................................................................. 412
Responsabilidade proveniente de infraces contractuaes............ 412
Responsabilidade proveniente de actos extracontractuaes ........... 413
Decises sobre alguns casos particulares................................... 416
Decises sobre o caracter juridico do funccionario ...................... 419
Decises sobre a natureza da obrigao, solidaria ou subsidiaria, do
Estado.................................................................................. 420
CAPITULO IV
A jurisprundencia italiana
1 INDICAES PRELIMINARES................................................... 421
Theoria da distinco dos actos segundo as proprias decises. ..... 423
Como se d a responsabilidade civil do funccionario.................... 427
22
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
23/609
Responsabilidade Civil do Estado.
2 CASOS E DECISES............................................................... 429
Actos legaes ou isentos de culpa..................................................... 429
Desapropriaes por utilidade publica ....................................... 431
Actos de guerra ..................................................................... 432
Actos de policia ou de segurana publica...................................434
Restrico irresponsabilidade jure imperii ............................... 436
Actos de policia sanitaria......................................................... 438
Obras publicas....................................................................... 440
Actos illicitos em geral .................................................................. 444
I Damnos provenientes de relaes contractuaes ....................... 444
II Damnos provenientes de relaes extracontractuaes ............... 446
Abandono da theoria da distinco dos actos .............................448
Quando se da a responsabilidade do preponente ........................ 450
Ainda sobre a doutrina da distinco dos actos........................... 454
CAPITULO V
A jurisprundencia ingleza e norte-americana
1 QUANTO INGLATERRA......................................................... 457
A doutrinaKing can do no wrong........................................... 457
Competencia geral do judiciario sobre os actos administrativos .... 459
Opinio de Dareste a esse respeito........................................... 460
23
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
24/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Irresponsabilidade dos juizes ou cortes judiciaes ........................ 461
2 QUANTO AOS ESTADOS-UNIDOS............................................. 462
Competencia judiciaria sobre os actos da administrao publica ... 462
O Estado no pde ser chamado a juizo sem o seu assentimento.. 463
ACourt of claimse a sua jurisdico ...................................... 465
Resumo da doutrina dominante quanto a responsabilidade civil .... 468
Irresponsabilidade dos juizes e cortes....................................... 469
Quando se d a responsabilidade do funccionario administrativo... 470
3 OBSERVAO COMPLEMENTAR. .............................................. 471
A doutrina da irresponsabilidade menos juridica e menos
garantidora dos direitos individuaes.......................................... 472
A sua explicao tirada do selfgovernment..............................473
Exemplo de um caso importante, no qual foi reconhecido o principio
da responsabilidade civil do Estado........................................... 475
CAPITULO V
A jurisprundencia brazileira
1 INDICAES PRELIMINARES................................................... 477
Privilegios reconhecidos ao Estado pelo direito positivo ............... 477
O Contencioso administrativo durante o Imperio ........................ 480
Que ha na Republica a esse respeito......................................... 483
A irresponsabilidade do Estado nunca prevaleceu no Brazil .......... 483
24
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
25/609
Responsabilidade Civil do Estado.
A responsabilidade dos funccionarios publicos ............................484
Disposies de leis particulares sobre a obrigao de satisfazer os
damnos cansados .................................................................. 485
Disposies do Projecto do Codigo Civil a respeito ...................... 490
2 CASOS E DECISES............................................................... 491
Damnos provenientes das leis e actos do governo ............................. 492
Damnos provenientes de medidas policiaes ...................................... 495
I Medidas de segurana propriamente ditas ............................... 495
II Medidas de policia sanitaria.................................................. 499
Demolio de predios ............................................................. 501
Damnos provenientes dos actos de guerra................................. 502
Damnos provenientes de relaes contractuaes.......................... 506
Damnos provenientes de casos diversos.................................... 513
Intelligencia do disposto no art. 82 da Constituio Federal ......... 513
3 INTERVENO JUDICIARIA..................................................... 516
Principios geraes ....................................................................... 516
Especies particulares ................................................................. 527
Direitos dos funccionarios publicos ........................................... 527
Inconvenientes que podem resultar da interveno judicial em dados
casos ................................................................................... 531
Modos de remediar taes inconvenientes ....................................532
25
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
26/609
Responsabilidade Civil do Estado.
Que se entende por direitos adquiridos .....................................534
O emprego publico no um contracto propriamente dito ........... 536
Medidas de natureza policial ....................................................539
Medidas tomadas em estado de sitio......................................... 541
Actos concernentes s rendas publicas...................................... 543
Concesses e privilegios ......................................................... 547
Qualidade do governo, como parte nos contractos ...................... 549
Valor da clausula resolutiva, quando expressa nos contractos ...... 559
4 FORMAS DA INTERVENO JUDICIARIA ...................................... 564
Aces admittidas em direito ......................................................... 564
Interdictos possessorios ................................................................ 566
Casos particulares de sua concesso......................................... 567
Manuteno de lentes da Escola Polytechnica............................. 568
Leis recentes, que prohibem os interdictos possessorios .............. 573
Cabe esse remedio em favor dos direitos pessoaes? ................... 576
Decises contrarias dos Tribunaes a respeito .............................580
Qual o pensamento da lei n. 221.............................................. 587
Explicao final do autor ......................................................... 591
26
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
27/609
Responsabilidade Civil do Estado.
NOTA ADDITIVA
A jurisprundencia estrangeira
Breves consideraes em geral....................................................... 594
AUSTRIA..................................................................................... 595
SUISSA....................................................................................... 600
HESPANHA .................................................................................. 604
PORTUGAL .................................................................................. 606
CONCLUSO................................................................................ 608
________
27
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
28/609
Responsabilidade Civil do Estado.
28
RESPONSABILI DADE CIVI L DO ESTADO
________
SECO PRELIMINAR
NOES DA PESSOA JURIDICA
_______
1 PESSOA PHYSICA E PESSOA JURIDICA
1. Na presente Seco Preliminar no nos propomos fazer
uma exposio da doutrina da pessoa juridica, completa em todas as suas
partes, mas, to somente, occupar-nos das questes concernentes, cujo
exame e elucidao so necessarios ao objecto especial do presente
estudo, que a responsabilidade civil do Estado na leso dos direitos
individuaes por actos dos seus representantes.
Na linguagem commum a palavra pessoa synonymo de
homem, a dizer, o individuo dotado de intelligencia e vontade. Personnennt der rechtjuristische Sprachgebrauch das mit Selbstbewusstsein und
WillensfhigJkeit begabte Individuum.1 Na linguagem juridica, porm,
pessoa, no somente o homem; alm delle, assim considerado
igualmente todo ente capaz de direitos e obrigaes.2 Dahi a diviso, que
se faz, entre a pessoa physica ou natural (a creatura humana) e a pessoa
juridica, tambem chamada moral ou civil. Inde non raro duo personarum
genera distinguunt, naturales nimirum personas, i. e. singulos homines, et
morales seu civiles, i. e. quce personarum loco habentur.3
1 Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, t.1, 40, nota 6.2 Warnknig, Inst. juris romani privati, 121; Coelho da Rocha, Inst. de dir. civ. port. 54 e 72 ; La Serna y Montalban, Derecho Civil y Penal, l.1, tit. I, 1; Ribas, Direito CivilBrasileiro, t. II, tit. IV, cap. 23 Warnknig, loc. cit.; Ortolan, Explication Hist. des Instituts, part. I,tit. I. Diz-se pessoa moral ou abstracta (creada pela razo) por opposio
pessoa physica; e pessoa civil, isto , creada pela lei, por opposio pessoa
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
29/609
Responsabilidade Civil do Estado.
29
2. As expresses, pessoa moral, civil ou juridica, so de
data relativamente moderna. Ainda que ao senso pratico dos
jurisconsultos romanos no tivesse escapado que, ao lado dos individuos
(eorum causa omne jus constitutum) existiam ou podiam existir outrosentes diversos, como sujeitos de direitos e obrigaes proprias, 4 e se
encontre mesmo nos textos do direito escripto a expresso singularis
persona, empregada para designar o homem, por opposio populus,
cria, collegium, corpus;5 no se pode, todavia, affirmar, que a palavra
pessoa fosse j ento, applicada a qualquer outro sujeito de direitos, que
no o homem. Os textos conhecidos continham to somente: Civitates
enim privatorum loco habentur;6Hoereditas personai vice fungitur, sicutimunicipium, et decuria, et societas;7 Hoereditas personam defuncti
sustinet;8 etc, etc. E como se dissessem: taes sujeitos de direitos, que
no o homem, fazem apenas o papel, ou occupam o logar, da pessoa
physica, e nada mais. E realmente, assim se entendeu sempre na
linguagem juridica, ainda durante longo espao de tempo posterior.
O insigne Pothier empregara a expresso des tresintellectuels, para designar os entes, aos quaes se d agora o
qualificativo de pessoas juridicas, dizendo a esse respeito:
Les corps et communauts tablis suivant les lois duroyaume sont consideres dans lEtat comme TENANT LIEUDE PERSONNES, VELUTI PERSONAM SUSTINENT; car cescorps peuvent, linstar des personnes, aliener, acquerir,posseder des biens, plaider, conttacter, sbliger, obliger lesautres envers eux. Ces corps sont DES TRES
INTELLECTUELS, differents et distincts de toutes les
natural, (creaao da natureza).4... Quod universitati debetur, singulis non debetur; quod debet universitas, singuli nondebent. Dig. l. III, tit. 4, 7, 15 Dig. l. IV, tit. 2, 9, 16 Dig. l. L. tit. 16, 16.7 Dig. l. XLVI, tit. 1, 22.
8 Dig. .XLI, tit. 1,34.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
30/609
Responsabilidade Civil do Estado.
30
personnes qui les composent: UNIVERSITAS DISTAT ASINGULIS.9
E o jurisconsulto inglez Blackstone chegara mesmo a
estabelecer uma diviso legal das pessoas, em pessoas naturaes epessoas artificiaes: PERSONS ARE DIVIDED BY THE LAW INTO NATURAL
PERSONS OR ARTIFICIAL .10 Mas, nem os dois autores citados, nem
outros contemporneos dos mesmos, foram alm ; queremos dizer, no
cogitaram ainda, na sua poca, de fundar nenhuma theoria particular
sobre os entes intellectuaes ou pessoas artificiaes, cuja existencia, alis,
se alludia frequentemente nos factos da ordem juridica.
3. Conforme se vae ver, mesmo presentemente, subsiste
grande disparidade de vistas nos autores acerca do qualificativo, mais
acertado, que deve ter essoutro sujeito de direitos, que apparece ao lado
das pessoas physicas, i. e. qual o qualificativo, que se ajuste ao definido e
a elle somente, como se requer em boa lgica. Pessoa moral, ainda a
expresso mais usada, sobretudo, na litteratura juridica franceza, como
contraposta de pessoa physica. Entretanto no satisfaz: a palavra moralno ahi tomada no seu sentido mais claro ou ordinario, e nem to
pouco, exprime a ida de fico, quando, no pensamento dos que a
empregam, o caracter principal ou essencial que se quer dar pessoa
moral, simplesmente o de um ser imaginrio ou ficticio. Pessoa
collectiva, tambem expresso inexacta, visto como existem pessoas no
- naturaes, sem serem entes collectivos. Pessoa civil, no serve
igualmente: primeiro, porque as pessoas physicas ou naturaes so juntamente consideradas, como pessoas civis; depois, e isto o mais
importante, porque com esta expresso se pretende indicar que se trata
de pessoa, creada exclusivamente pela lei, o que no se pode admittir,
9 Pothier, Trait des personnes et des choses, tit. VII, n. 210.10 Blackstone, Commentaries, 1.1, oap. I, n. 123.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
31/609
Responsabilidade Civil do Estado.
31
por contrario verdade. Pessoa ficticia, no ainda; visto no se tratar
de uma simples fico, como se ver da discusso em seguida sobre este
ponto. Pessoa juridica, tal , finalmente, a expresso de data mais
recente, mas, j agora, geralmente consagrada pelos diversos autores,sobretudo, na litteratura juridica allem. Por ella se quer significar, que se
trata de um ente organisado ou formado em vista da lei e para os fins da
ordem juridica somente; e, segundo o que ficou dito, esta ultima
expresso a que merece, sem duvida, ser preferida entre todas as
outras.11
3 a. Dos differentes codigos civis das naes modernas, a
partir do Codigo Napoleo, promulgados no correr do sculo passado,
nenbum delles, antes do da Republica do Chile (publicado em 1855)
consagrara ainda titulo ou capitulo especial, em que se tratasse das
pessoas moraes ou juridicas, de uma maneira particular.12
Entretanto convm ajuntar, que essa omisso por parte dos
legisladores nada obstara que a verdade do facto se realizasse no
desenvolvimento normal da vida do direito. Com effeito, emquanto os
commentadores do proprio Codigo Napoleo na Frana, no obstante o
silencio deste, adoptaram desde logo nos seus trabalhos a distinco das
pessoas, em pessoas naturaes e pessoas ou entes moraes;13 os
11 E de ver a respeito : Windscheid, ob. cit., 49; De Vareilles-Sommires, LesPersonnes Morales, ns. 327 seg.; T. de Freitas, Esboo do Codigo Civil, Parte Geral, l.1,arts. 17 e 272 seg. e notas ibi.12 O codigo civil do Chile divide as pessoas era naturaes ejuridicas (art. 545); e tratandoem particular das segundas (art. 545 e seg.) declara, que estas so de duas especies corporaes e fundaes de beneficncia publica. Dito codigo, porm, commette oequivoco de excluir, no todo, da esphera do direito civil, segundo o disposto no seu art.547, o Estado, o fisco, o municpio, as instituies religiosas, os estabelecimentoscosteados pelo errio publico, e as sociedades industriaes,pelo motivo de se regerempor leis e regulamentos especiaes. Isto nao procede: regidos pelas disposies do codigocivil ou por leis especiaes, taes institutos no podem deixar de, nas suas relaespatrimoniaes, ficarem sujeitos aos principios geraes do direito commum ou civil, comosujeitos de direito.13 Toullier, (Le droit civil franais, Introd. l. l,n. 181 seg.): sont det tres moraux etabstraits; Troplong, (Du Contrat de Socit, t. I, n. 58 seg.): personne fictive e morle
. Cf. Mass et Verg, Le droit, civil franais sur Zachariae Introd. 2. I, 40-42);
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
32/609
Responsabilidade Civil do Estado.
32
autores de outros paizes, notadamente os romanistas allemes,14
conseguiram, do seu lado, firmar, como doutrina classica, a da diviso das
pessoas, em naturaes ou physicas, e juridicas; diviso, que como j
se disse, se pode considerar admittida pela maioria dos autores, e, bemassim, na linguagem legislativa dos diversos Estados.15
Pelo que interessa, mais directamente, ao direito civil patrio,
de notar que as Ordenaes do Reino no qualificam de pessoas as
entidades em questo; o termo mais geral, empregado para designal - as,
o de universidades (Ords. l. I, tit. 84, 3 e l. III, tit. 78, pr. e 1).
Mello Freire, na sua obra, Inst. jur. civilis lusitani, s considera pessoa ao
homem, dizendo expressamente: Personarum seu hominum jus, quod
idem apud nos significat (1. II, 2). Pereira e Souza, no seu Diccion.
Juridico, tambem no julgou necessario escrever nelle os vocabulos
pessoa moral ou juridica, o que deixa suppr o no conhecimento da
existencia de semelhante ente, ao menos debaixo deste nome. No
Repertorio das Ordenaes e Leisdo Reino de Portugal, d-se a mesma
omisso. S nos Tratados mais modernos do sculo passado, taes porexemplo, asInst. de dir. civ. port.de Coelho da Rocha, o Direito Civil
de Portugalde Borges Carneiro, as Inst. de dir. civ. brasileiro de
Trigo de Loureiro, o Curso de dir. civ. brazileirode Ribas, a
Consolidao das leis civisde Texeira de Freitas, e trabalhos juridicos
Aubry et Bau, Couis de droit civil franais, 54: Une personne morale est un tre deraison, capable de posseder un patrimoine, et de devenir le sujet des droits et desobligations relatifs aux biens ; etc.14 Mackeldey. (Man. de droit romain, 121 e 147): Tout ce gui, dam lEtat, outrelhomme, est regard comme pouvant acoir des droits propres, est, une personne
juridique, morle ou fictive; Savigny, (Trait de droit romain, t. II, 85 seg.): On lesappelle personnes juridiques, cest--dire, personnes qui nexistent que pour des fins
juridiques, et ces personnes nous apparaissent cote de lindividu, oomme sujets dedroit; Cf. Pfeifer, Die Lehre von den juristischen Personen, apud Windscheid, ob.cit. 57.15 Vide: Cod. Civil do Chile, art. 545; - Cod. Civil Argentino, art. 82 seg.; Cod. Civil da
Hespanha, art. 35; Cod. Civil do Uruguay, art. 21; etc, etc.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
33/609
Responsabilidade Civil do Estado.
33
posteriores, , que se encontra a diviso, ora clssica, das pessoas, entre
pessoa physica ou natural, e pessoa moral oujuridica.16
3 b. No entanto, embora j consagrada na escola, nas leis,
e na pratica, a presena da pessoa juridica, o certo , que, no terreno
dos principios, continua ainda insistente discusso sobre os pontos
fundamentaes da sua doutrina, isto , sobre a sua existencia e o seu
caracter essencial, ou dizendo em termos mais precisos: como que se
realisa a existencia da pessoa juridica; em que , que ella consiste
effectivamente, ou de maneira, que possa ser considerada pessoa
distincta do ser humano, no uso e goso dos direitos que, alis, lhe so
directamente attribuidos sem a menor contestao...17
Ainda em recente trabalho escrevera, a esse respeito, autor da
maior competencia:
Ma niuno pensi che ladottrina delle persone giuridiche, qualesi trova esposta anche nelle opere migliori, soddisfi per ora atutte queste isigeme. Non ve nha una, in cui la dottrinadelle persone giuridicke si trovi svolta nella sua integrita e
16 T. de Freitas, na Consolidao supradita, havia adoptado, primeiro, a diviso depessoas singulares ou collectivas; depois (em nota ao art. 40 da 3 edio) substituir osegundo vocbulo pelo de universaes, reprovando, por essa occasiao, a classificaoadoptada pelo professor Ribas, de pessoas naturaes e pessoasjuridicas. Entretanto, omesmo T. de Freitas, no seu Esboo do Codigo Civil, comeando por declararinexacta a sua anterior diviso, estabelecera: que as pessoas ou so de existnciavisvel ou de existncia to somente ideal, unica classificao verdadeira, accres-centraelle, (Esboo, cit, art. 17); o que, alias, no impedira que o mesmo, mais uma vezemendasse a mo, para dizer no seu Vocabulrio Juridico: As pessoas, ou sonaturaes ou juridicas. (Appendice n, arts. 2o e 258). Com esta ultima diviso
conferem:F. dos Santos, Proj. de Cod. Civ. Brasileiro e Commentario, arts. 74 e 154;Coelho Rodrigues, Proj. de Cod. Civ. Brasileiro, art.18; Bevilaqua, Proj. de Cod. Civ. art.13 e seg.17 A palavra pessoa vem do vocbulo latino personamascara, que indicava a figuraou personagem, que o individuo representava no palco; tinha, como se v, significaointeiramente analoga quella, que ora damos palavra papel, quando dizemossemelhantemente: o actor representa ou faz o papel de rei, de juiz, de soldado, etc.,segundo o entrecho da respectiva pea theatral. Como ampliao talvez do seu sentidooriginario, fra a mesma palavra igualmente empregada para designar uma qualidade,ou estado accidental, dos individuos, tal por exemplo: personam induere = tomar afigura de...; personam alienam ferre = representar a pessoa ou fazer o papel deoutrem, etc, etc. Foi certamente nesta significao, que Ccero dissera: Tres personas
unus sustineo... meam, adversarii, judieis (De Oratore).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
34/609
Responsabilidade Civil do Estado.
34
con la dovuta accompagnatura o necessaria armonia dellatheoria com la pratica.18
E justamente nisto, que vimos de dizer, tem tambem o
leitor a razo porque, antes de entrar no objecto especial do presenteestudo, sentimo-nos na necessidade de perlustrar, ainda que a passos
largos somente, o campo das principaes theorias, que ainda agora se
disputam a posse da verdade, acerca de to importante assumpto.
No se ignora que o Estado, de cuja responsabilidade civil nos
vamos occupar, , antes de tudo, uma pessoa juridica; e que,
conseguiutemente, as concluses a tirar sobre a alludida responsabilidade
dependem em muito, seno essencialmente, do juizo ou intelligencia, que
se tenha, sobre a natureza e capacidade desse sujeito particular de
obrigaes e direitos.
2 A PESSOA JURIDICA UMA FICO?
4. A theoria que, antes de qualquer outra, se apresentara,
bem definida e ensinada, para explicar as relaes e factos concernentesaos demais sujeitos de direitos, que, alem das pessoas physicas,
concorrem, activa e passivamente, na ordem juridica, foi, sabidamente, a
da personalidade ficticia.
Como se vio, os textos romanos diziam apenas vicem
personce sustinent...Era como, si os mesmos declarassem: taes sujeitos
18 Giorgio Giorgi, Dottrina delle persone giuridiche, t. I, n. 4. Firenze. 1899, 2.edizione. O autor citado, tendo definido a pessoa juridica que unit giuridica, la qualerisulta da una collectlivit umana ordinata stabilmente a uno o pi scopi di privata o dipubblica utilit: in quanto distinta dai singoli individui che la compongono, e dotatadella capacit di possedere e di esercitare ADVEBSUS OMNES i diritti patrimoniali,compatibilmentealla sua natura, col sussidio e dincremento dei diritto pubblico , eadditando logo em seguida, que ninguem at agora havia dado uma definio exacta dapessoa juridica;dera, como razo de semelhante falta, a giovenezza della dottrina, queno havia ainda chegado sua madureza,no se encontrando, mesmo, phrase alguma,que exprimisse genericamente o conceito da personalidade juridica, antes do sculo 18(ob. cit., ns. 13,24 e 24 bis).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
35/609
Responsabilidade Civil do Estado.
35
no so realmente pessoas (porque segundo o direito romano, pessoa, s
era o homem livre, para excluir o proprio escravo, considerado como
cousa); mas, por motivo ou razes de publica utilidade, so elles
admittidos a fazer as vezes destas.
Ora, no difficil perceber que, dahi para chegar ida, alis,
negativa da fico,19 no faltava, seno completar o pensamento e
adoptar o vocabulo, que a devesse exprimir: foi o que fizeram os cultores
do direito.
A expresso empregada de pessoa ficticia, si no vem do
direito canonico e dos glosadores da idade mdia, como se tempretendido, ella j apparece, todavia, em documentos de datas assas
remotas: Fictae personas dicuntur universitates, civitates, pagi, collegia,
corpora, quce personas vice funguntur, dizia Lauterbach;20 depois delle,
diversos outros escriptores, nomeadamente, Mhlenbruch, se serviram de
vocabulos identicos ao occupar-se do assumpto. Fictas personas eas
appellamusquae, cum in oculos non incurrant, tamen mente et cogitatione
informantur, tamquam personce...21. Coube, porm, mentalidade
creadora de Savigny, no s, estabelecer a theoria da pessoa ficticia, mas
tambem ainda, apresentando - a sob a apparencia de valor scientifico,
conseguir que a mesma se tornasse a doutrina da escola, tanto na
Allemanha, como nos outros paizes da Europa e da America.22
No ser mister entrar em longos arrazoados para expor os
fundamentos desta theoria.
19 Giorgi, ob. cit., n. 18 e seg.20 Lauterbaeh, Collegium theoreticum-praticum ad libros Pandectarum, De Legatis , 7. Tub. 1690-1711.21 Mhlenbrueh, Doctrina Pandect. 196. Hal. 1823-1825.22 Nao preciso apoiar a proposio supra em documentos. No Brazil, a doutrina dafico fora sempre a ensinada nas nossas Escolas Juridicas. Vide: Ribas, C. de dir. civ.
bras., t. II, p. 6 e 108, seg.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
36/609
Responsabilidade Civil do Estado.
36
Admittindo, que s o homem pessoa real, no se pode
explicar, seno por simples fico, essoutra personalidade sui generis,
que a lei attribue a outros seres differentes. O legislador suppe, apenas,
em vista do interesse geral, a existencia de uma pessoa ficticia; mas atrata, como si fosse uma pessoa real.
Aqui temos em breves palavras, o que , ou antes, em que
consiste a doutrina da pessoa moral ou juridica, definida por Savigny:um
sujeito de direitos, creado artificialmente.23
4 a. A pessoa juridica, ensina Windscheid, no um ente
real, mas apenas representada e tratada, como tal, por ser sujeito deobrigaes e direitos Eine juristische Person ist eine nicht wirklich
existirende, nur vorgestellte Person, welche ais Subject von Rechten und
Verbindlichkeiten behandelt wird .24
Por sua vez, F. Laurent, accenta:
Ce qui caractrise les personnes dites civiles, cest qielles
sont des FICTIONS CRES PAR LA LOI, et que le legislateura seul le aroit de crer. Il ny a pas de fiction sans loi; plusforte raison,pas dtre fictif, la plus impossible des fictions...La fiction sur laquelle reposent les personnes civiles consisteen ce que le legislateur donne des droits a certains corps outablissements, dans un intert social. Ces droits seconfondent avec la charge que leur est impose, et endehorsde laquelle ils nexistent pas. Donc les personnes ditesCIVILES ne peuvent rclamer dautres droits que ceux que laloi leur accorde. LES HOMMES SEULS ONT DES DROITS .25
23 Savigny, Trait de droit rom., 85; Cf. Mackeldey, Man. de droit romain, 121 e147 ; Maynz, Cours de droit rom., 96 e 107 ; Michoud, La notion de personlitmorle, p. 4 e seg.24 Windscheid, Handbuch des Pandektenrechts, 57.25 P. Laurent, Cours Elem.de droit civil, J. 54.Aubry et Rau, Cours de droit civilfranais: Les personnes sont ou physiques ou morales, suivant que leur individualit estlaeuvre de la nature ou ne repose que sur une abstraction juridique ( 52 in fine). Emais adiante: Une personne morle est um tre de raison capable de possder unpatrimoine, et de devenir le sujet des droits et fies obligations rlatifs aux biens. LEtat
constitue, de plein droit, une personne morale. Aucune autre personne morale nepeut se
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
37/609
Responsabilidade Civil do Estado.
37
No preciso ajuntar mais citaes nem invocar outros
autores, para ter-se um juizo claro acerca da theoria da fico
(Fictionstheorie), tambem dita, tlieoria da personificao
(Personificationstheorie). Segundo mesma, a pessoa juridica no tem,realmente, existencia; a lei que cra uma fico debaixo deste nome,
para facilitar a execuo de certos actos e factos da ordem juridica, e
nada mais. E no entanto, a esse ente de pura fico, essa pessoa, que
nada , se reconhecem na vida social, excepo apenas feita dos direitos
de famlia, todos os demais, como si fora a pessoa natural, a dizer, o
homem! 26
5. Ora, cousa evidente por si mesma, que o que no
existe, ipso facto incapaz de ter direitos proprios, obrigaes proprias,
exclusivas, ou de ser sujeito de qualquer outra relao apreciavel pela
intelligencia humana. Procede, portanto, nesta parte a argumentao
synthetica, formulada por De Vareilles - Sommires, quando, referindo-se
questo, disse peremptoriamente: E de ver, que semelhante juizo
contradictorio em seus termos. Pessoa ficticia no uma pessoa; uma vezque ficticia; o que fictcio, nada. O juizo se reduz a isto: a pessoa,
que no , . A razo declara, que si a pessoa moral uma pessoa ficticia,
no pde a mesma ser classificada entre as pessoas .27
E certo que, diante de concluses, to dissatisfactorias aos
olhos do simples bom senso, os partidarios da Fictionstheorie replicam
logo indignados: Que, segundo sua doutrina, no se diz, que a pessoa
juridica seja um nada imaginario (EIN EINGEBILDETES NICHTS); pelo
contrario, ella reconhece que a corporao, assim como a fundao,
alguma cousa efectivamente real; Que, de certo, no uma pessoa;
mas uma personalidade figurada. Jede Corporation undjede Stiftung
former ou stblir au sein de lEtat, sans la reconnaissanee formelle ou tacite de lapuissance publique (54).26 Vide : Van-Wetter, Cours Elem. de droit rom. t.I, 54, V.
27 De Vareilles-Sommires, Les Personnes Morales, n. 15, e passim.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
38/609
Responsabilidade Civil do Estado.
38
ist etwas sehr Wirkliches, aber keine Person. Fingirt wird nur die
Personenqualitt .28
Comprehende-se bem a precauo de taes reservas era vista
do absurdo, que, sem ellas, ficaria desde logo reduzida a chamada
Fictionstheorie... A explicao, porm, no satisfaz; servindo, apenas,
para tornar patente, que se gastam esforos baldados em favor de uma
doutrina, que, nem siquer, pode ser entendida na accepo logica dos
proprios termos, por ella empregados, porque estes levariam, desde logo,
simples contradico e ao absurdo!
Si a fico, que se soccorrem, nada constroe ou explica,melhor fora abandonal-a no todo. Com effeito, reconhecer que as pessoas
juridicas de direito publico, taes como o Estado e o Municpio, assim como
as de direito privado, taes como a associao e a fundao, legitimamente
constituidas, so sujeitos de direitos e obrigaes per se, distinctas das
pessoas naturaes que nellas concorrem ou so interessadas; podendo as
primeiras levantar e sustentar os seus direitos proprios, mesmo em
opposio aos das segundas; e ao mesmo tempo, declarar, que ditas
pessoas juridicas no passam de fico da lei, sem a menor realidade
possivel, fazer simplesmente duas affirmaes inteis, que no
precisam ser refutadas, porque ellas se repellem e se destroem por si
mesmas.
Por consequencia, foroso escolher entre os dous termos: ou
a realidade, ou a fico, da pessoa juridica.
E como a ultima destas theorias a que tem subsistido, como
doutrina, mais geral ou predominante, nosso dever insistir ainda, por
um pouco, na demonstrao da sua sem-razo ou falsidade.29
28 Windscheid, ob. cit., 49, nota 8. Cf. Glorgl, ob. cit., n. 15, p. 25-26.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
39/609
Responsabilidade Civil do Estado.
39
6. A primeira objeco, que se lhe tem feito, e, sem duvida,
de fora bastante para derrocar todo o seu prestigio, : que ella
impotente ou inhtil para resolver o problema posto.30 Este consiste em
saber, como definir ou qualificar devidamente a perteno positiva debens que, no cabendo aos individuos, tem, todavia, uma tal razo de ser,
que jamais deixou de ser admittida em todas as pocas da historia. Dizer
que esses bens pertencem uma pessoa ficticia, o mesmo que dizer,
embora em termos disfarados, que elles no pertencem a ninguem. Si
no se comprehende a existencia de. um direito, sem haver um sujeito
que delle seja o titular; certo, no se explica esta existencia, attribuindo-
se o direito a um sujeito ficticio; pelo contrario, se confessa, por istomesmo, que o direito no tem sujeito real... A fico pde servir em
direito para simplificar ou facilitar a explicao de certas theorias
juridicas; mas, por si mesma, nada resolve; conseguintemente, onde se
d a falta de uma condio essencial, ella impotente para suppril- a. 30.a
7. A segunda objeco to fundamental, como a primeira.
No exacto, que a pessoa juridica, (dita pessoa ficticia) seja creao dalei. As leis, si no so as relaes necessarias, que derivam da natureza
das cousas, como ensina Montesquieu,31 ninguem desconhece, que ellas
tem por objecto, regular os factos e relaes da vida social, em vista do
interesse commum, ou para os fins do bem publico e privado. No est,
porm, no poder da lei ou do legislador crear ente algum, e muito menos,
uma fico, porque seria praticar um acto vo ou intil. Legislar
ordenar, permittir, prohibir, dispor ou regular, mas no , de formaalguma, crear, vontade, novos sujeitos de direitos para a vida social. A
29 Ainda que combatida, do certo tempo esta parte, a theoria da fico conta, noobstante, os mais distinctos nomes entre os seus partidarios; e por isto, que o seupredominio continua, como alis reconhecem os proprios adversrios della. Giorgi, ob.cit., t. I, p. 24.30 Miohoud, loc. cit., p. 6. Este autor segue, de preferencia, as idas de Zitelmann(Begriff wnd Wesen der sog. jur. Personen) sobre a questo.
30.a . Ibidem.
31 L Esprit des lois, l. I, cap. I.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
40/609
Responsabilidade Civil do Estado.
40
expresso crear, empregada nos actos legislativos, inteiramente
metaphorica: as cousas ou relaes preexistem ao acto; o que este faz,
dar-lhe s um destino especial ou regulal-o de um modo, que, na occasio
parece conveniente ou necessario aos olhos do legislador...
Diz-se pessoa juridica, no por ser uma fico creada pela lei,
mas porque existe para os fins juridicos, que motivaram a sua instituio
ou existencia. No ha duvida, que a lei pde e deve intervir para conhecer
das qualidades necessarias existencia ou a certas funces da pessoa
juridica. E porque assim no fazel-o, si a lei intervem do mesmo modo
com relao pessoa physica ou natural, dictando as condies, em que
ella pode agir na ordem juridica, e representar nella pessoas diversas32
(plures personas sustinet)?
Ora, supponha-se a associao. Esta pde ser instituda ou
formada, usando os individuos da sua faculdade natural de fazer
convenes ou contractos.
Supponha-se do mesmo modo a fundao. Que impede queum ou mais individuos, usando igualmente do seu direito incontractavel
32 Mackeldey, ob. cit., 122; Maynz, ob. cit., 96. Diz este autor: Le mme mot(persona) sert galement designer la capacite davoir des droits en general ou davoir
et dexercer tel droit determin. Cest dans ce dernier sens quon dit quun homme peutSUSTIKERE PLURES PERSONAS. Ainsi, dans le fonctionnaire de lEtat on peut distinguerla qualit de personne publique et celle du particulier; un tuteur peut agir, soit pourluimme, soit pour son pupille, etc, etc. E o mesmo pensamento de Toullier (Le DroitCivil Franais, Introd. l.I, n. 181 seg), considerando a pessoa, por assim dizer, comosynonymo de status, e portanto, podendo existir diversas no individuo singular, assimcomo, varios individuos podem constituir uma s pessoa: Le mme individu peutreprsenter plusieurs personnes: il peut tre magistrat, pre, mari, et exercer tous lesdroits attachs a ces trois personnes dam Vordre publique et dans lordre priv. Aucontraire plusieurs personnes peuvent ne constituer qu une seule personne; tels sont lescorps politiques appells en droit UNIVERSITATES, COLLEGIA, etc. Choque commune,par exemple, forme un corps politique qui n est consider que comme une seule
personne (loc. cit., n. 128).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
41/609
Responsabilidade Civil do Estado.
41
de dispor de seus bens, pela doao ou por outro meio, dem a estes um
fim determinado de beneficencia ou utilidade publica ?33
O que a lei ou o legislador faz, e com a competencia que lhe
propria, declarar os requisitos da existencia legal das pessoas
juridicas em geral, ou de certa classe destas pessoas em particular; isto
succede, principalmente, com as sociedades anonymas e com as
fundaes, j em vista da importncia de taes pessoas e dos fins, que se
propem, j em vista das garantias de direito que cumpre assegurar aos
terceiros, que se achem em relaes juridicas com esses institutos. Essa
interveno do legislador no a de creador, mas a de regulador ou lega -
lisador, em atteno ao interesse geral da sociedade. E no se pense que,
mesmo no desempenho desta attribuio, caiba ao legislador um poder
arbitrario. Em boa razo elle no deve, nem pode, negar o seu
reconhecimento de legalidade, seno, ao que for illicito ou incapaz de
satisfazer aos seus fins, de accordo com o interesse geral ou da ordem
juridica. Tratando-se , por exemplo, da associao, diz Michoud, a lei seria
infiel sua misso, si recusasse, arbitrariamente, ou por falta desympatuia para com o objecto, alis licito, que se propem os associados,
a considerar a aggremiao, como sujeito de direitos, desde que, no
33 Deixamos de referir-nos neste particular s pessoas juridicas de direito publico,
notadamente ao Estado, porque a discusso sobre a creao ou formao especial dasmesmas nos levaria muito longe; apenas observaremos, que no a lei, que crea oEstado, de maneira alguma. A lei uma consequencia da existencia do Estado. Seja elleuma associao NECESSARIA, ou no, a lei a- suppe preexistente, e no faz, seno,regulamentada ou limital-a. Facto identico se nota com as outras aggremiaes que tempersonalidade propria, algumas das quaes so historicamente anteriores ao Estado, e araorparte tem uma formao analoga. Constituidas pela fora das cousas, ou pelavontade de seus membros, a lei no intervem ahi, seno, para regular, em dados casos,as relaes juridicas, que lhes deram nascimento, e depois, as relaes juridicas daaggremiao j constituida. Ella as encara, como as demais relaes humanas, e selimita a dar-lhes a formula legal, que parece mais apropriada sua destinao. Vide:Michourd, loc. cit., p. 11 e seg.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
42/609
Responsabilidade Civil do Estado.
42
pensamento dos seus membros, tivesse ella um patrimonio proprio e
interesses distinctos dos interesses individuaes.34
A lei pode prohibir, j se disse, o que fr illicito; pode ainda,
muito embora como medida de excepo, vedar a formao de tal ou tal
instituto, o desenvolvimento ou a execuo de actos e factos, dos quaes
se receie um mal de caracter geral ou um perigo para a ordem publica;
mas, passar alem, seria deixar de ser a lei, para tornar-se a violencia e o
arbtrio.35 Em uma palavra, qualquer que seja a interveno que ao
legislador deva em boa razo competir, no se pode, por isso, admittir a
proposio, de que a pessoa juridica seja uma simples creao da lei;
porque isto levaria consequencias manifestamente tyranicas.
Desde que no se trata de um direito a exercer, mas de um
favor ou graa, do poder publico, nada impede que este o faa, recuse, ou
annulle-o, depois de feito, ao seu livre arbitrio.36 No ; esta no pode ser
a verdade do facto. O poder publico desempenha, no caso, um papel
analogo ao que lhe compete, como regulador do exercicio e goso dos
direitos das pessoas physicas, taes como, do menor, do interdicto, do
conjuge, do pae, do patro, do proprietario ou possuidor, etc, etc, ou em
outras palavras: o que a lei faz, relativamente pessoa juridica, assim
como relativamente pessoa physica (o homem) , constatada a
existencia de certas relaes, declarar quaes as condies ou normas
exigiveis, pelas quaes, determinado sujeito possa agir ou gosar de taes e
taes direitos na ordem social. Mesmo no que respeita aos
estabelecimentos de caracter publico, revestidos de personalidade
juridica, esta lhe resulta, antes de tudo, da organisao particular que
34 Michoud, loc. cit., p. 13-16.35 Ibidem.36 Com toda a razo diz Vareilles-Sommires : O principe, que pode, por seu capricho,crear, ou no, a pessoa ficticia real, pode do mesmo modo mantel-a ou supprimil-a; esupprimindo-a, pode apoderar-se dos seus bens, e, conseguintemente, extinguir apessoa.Les Personnes Moralesn, 107 sg. O autor citado se referira especialmente,
neste trecho, pessoa juridica da fundao.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
43/609
Responsabilidade Civil do Estado.
43
recebem, e no da creao da lei. So, por assim dizer, pores da
propria organisao publica geral, j existente, do Estado, que agora se
destacam do todo, e se especialisam ou se constituem em corpos
distinctos, com um patrimnio proprio e interesses separados; e dahi ofundamento real da nova personalidade juridica.
Pelo facto de o poder publico intervir, declarando que tal
instituto se acha dotado de personalidade juridica, e tal outro, no, no
se pode, sem mais exame, inferir que o dito poder que crea essa
personalidade. O que se d realmente, o reconhecimento legal da
pessoa juridica, em vista de concorrerem nella os requisitos da lei.
Fallando desta sorte, no se pretende negar que os
estabelecimentos publicos e instituies analogas no devam, em regra, a
sua formao, ou creao, si o quizerem, deliberao do poder publico.
Attenda-se , porm, que, poder publico aqui synonimo de Estado, e este
, antes de tudo, a pessoa juridicapor excellencia;37 e, nesta qualidade,
principalmente, no seria licito negar-lhe o direito de fundar, por si s,
institutos dotados de personalidade juridica, ou de concorrer, para a
formao dos mesmos, em unio com as pessoas puysicas ou com outras
pessoas juridicas j existentes.38
37 Bluntschli, Le droit international codifi, l. II, n. 17, 1.38 Michoud, loc. cit., p. 16. Comprehende-se bem, que no ha da nossa parte o intuitode examinar, como e at onde, se deva dar a interveno da lei ou do poder publico,como elemento extrinseco ou formal da pessoa juridica. Esta interveno, no se ignora,
se d hoje geralmente, e, segundo a legislao dos differentes povos, por modosdiversos. Ella j apparecia no direito romano, como condio, para que a universitas oucorpus tivesse existencia legal, ao tempo do Imperio (...paucis admodum in casisconcessa sunt hujusmodi corpora... Dig. l. III, tit. 4); e nos tempos modernos,escriptores dos mais distinctos a recommendara, como necessaria; assim succederealmente na pratica dos Estados da mais adiantada cultura juridica, taes como, aFrana, a Blgica, a Itlia, a Allemanha, etc., etc.
Domat ensinava: Il ny a que le souverain qui puisse donner ces permissions etapprouver les corps et communauts (Droit Public, 1.1, tit. 2, sect. 2);
Laurent o afflrma igualmente no trecho, de que j se fez meno, (n. 4 a) e, emoutra parte, repete emphaticamente : Le legislateur seul peut crer les personnesciviles... A la voiac du legislateur un tr sort du nant, et figure sur un certain pied
degalit cote des tres rels cres par Dieu (Principes, I, 288).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
44/609
Responsabilidade Civil do Estado.
44
8. Existe, finalmente, mais uma considerao importante,
que no devemos omittir, em desabono da theoria da fico.
J se sabe que, segundo essa theoria, a pessoa juridica carece
de realidade na ordem social; mas, isto no obstante, se lhe attribue a
propriedade exclusiva de cousas ou bens e direitos, e bem assim, a
responsabilidade, no s, resultante de obrigaes convencionaes, como
ainda, a proveniente de actos illicitos.
Mas, como , que um ente ficticio pode exercer, effectiva -
mente, os direitos da posse e dominio, digamos, de bens immoveis,
contrapondo-os, as vezes, aos proprios individuos, que so coparticipautesou componentes delle, ou a terceiros? Como obrigar uma entidade
meramente supposta a responder por obrigaes, j no dizemos, as
contractuaes, mas as resultantes dos actos illicitos, que ella seria incapaz
de praticar?
Diro: pelo meio, alis, facil e conhecido, da representao,
consagrada nas leis em beneficio das pessoas incapazes em geral.
Sim; no se ignora o meio indicado. Mas a representao
suppe necessariamente uma pessoa representada; e no seria preciso
accrescentar, que representar uma fico, agir em nome do nada, ao
De maneira identica tambem se exprimem: Frre-Orban (La main-morte et lacharit, part. I, IV);Vauthier (Etude sur les personnes morales dam le droit romain etdam le droit franais, p. 286); Mass et Verg sur Zacharise (Le droit civil franais, 40 e 260); Planiol (Trait Elem. de droit civil, n. 1994 seg.), e muitos outros.
A despeito, porm, de tamanhas autoridades, persistimos em no admittir, comocorrecta e verdadeira, a opinio, de que a lei ou o poder publico, que crea a pessoa
juridica. Pelo menos, seria foroso abrir uma excepo para a pessoa juridica Estado;porquanto, sabidamente, o Estado no uma creao da lei, como j se observou emoutro logar (nota 33).
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
45/609
Responsabilidade Civil do Estado.
45
qual, impossivel, seno, manifesto contrasenso, reconhecer direitos e
obrigaes...39
Diante desta incongruencia, para no dizer, absurdo patente,
da theoria da fico, fora impossivel no cogitar de outras que
offerecessem soluo mais acceitavel do problema. Dahi, as duas novas
concepes, de que em seguida nos vamos occupar, e que, no entender
de alguns autores,40 tiram, alis, origem, ao menos occasional, da propria
theoria da fico. Por uma se pretende, que no ha outros sujeitos de
direito, alm das pessoas physicas, a dizer, o homem; por outra,
dispensada a interveno dessa pessoa ficticia, por inutil, se pretende,
que as proprias cousas, em dadas condies, podem ser verdadeiros
sujeitos de direitos e obrigaes.41
3 A PESSOA JURIDICA NO TEM RAZO DE SER?
9. PRIMEIRA THEORIA: As chamadas pessoas juridicas,
nem existem, nem ha razo para a sua existencia; so apenas aspectos
ou modalidades apparentes das pessoas physicas (quorum grati jusconstitutum est).
39 T. de Freitas, combatendo a expresso de pessoas ficticias, disse : por que falsoque haja fico alguma, e nem em outro qualquer caso o direito carece de fices... Omesmo Savigny, e quasi todos os escriptores reputam essas pessoas como ficticias; masesta qualificao devo ser rejeitada, e de que admira que a sciencia j no estejaexpurgada. Ha nisto uma preoccupao; para alguns, porque suppem que no harealidade, seno na materia, ou s naquillo que se mostra accessivel aco dossentidos; para outros, por causa das fices do direito romano, com as quaes o pretor iareformando o direito existente e attendendo as necessidades novas, simulando, porm,
que o no alterava. O Estado a primeira das pessoas de existencia ideal, a pessoafundamental do direito publico, sombra da qual existem todas as outras; e quemousar dizer que o Estado uma fico? . Esboo do cod. civil, notas aos artigos 17 e273. Rio, 1865.40 Michoud, loc. cit., p. 6 seg.; De Vareilles-Sommires. loc. cit.,n. 137 seg.41 No empenho de explicar a doutrina da fico tem alguns autores recorrido a modos,mais ou menos engenhosos, formando, conseguintemente, especies theoricas, hojeconhecidas debaixo de denominaes diversas, taes como:Personenrolle (Bhlau,Rechtssubject und Personenrolle, Weimar 1871; Randa, Der Besitz mit Einschhiss derBesitzklagen, 1879); Personifikation des Zweckes (Windscheid, Pandekten. 49 e57; Baron, Pandekten, 29-30). Examinando-se, porm, de perto, veriflcase que estas eoutras theorias analogas so, no fundo, tuna s cousa, muito embora sob nomes
differentes. Vide: Giorgi, ob. cit, n. 16.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
46/609
Responsabilidade Civil do Estado.
46
Ouamos a respeito, antes de qualquer outro, a um escriptor,
quasi-patrio, o autor do Projecto do Codigo Civil Portuguez:
O direito, diz elle, uma relao ideal, que tem por principio e
fim, e por agente, unicamente o homem. As cousas em si podem ser
objecto de direitos, mas no sujeitos de direitos. No desenvolvimento de
sua vida juridica, o homem apresenta-se debaixo de differentes aspectos :
primeiramente como individuo isolado, em segundo logar como individuo
unido com outros, ou associado; em terceiro logar como individuo,
perpetuando o imperio da sua vontade no tempo e no espao a favor da
garantia da lei, representativamente na pessoa doutros individuos. Mas
sempre e em todo o caso o homem, e s elle, que na realidade apparece
como sujeito de direitos. Percorramos agora cada uma das chamadas
pessoas moraes... O Estado: Que , seno a reunio de individuos, a
sociedade representada nos seus agentes ? As corporaes e associaes:
Que so, seno os mesmos individuos, unidos por certo interesse? Os
estabelecimentos de caridade e instruco ? Que ha ahi que possa dizerse
sujeito de direitos, seno os mesmos interessados na fundao,representados pelos gerentes dos mesmos estabelecimentos?... 42 E
proseguindo no desenvolvimento destes conceitos, o citado autor no
duvidou affirmar, que no hospital, por exemplo, os sujeitos dos direitos
so os doentes, unicos a quem os bens verdadeiramente pertencem,
mediante a administrao e applicao estabelecidas.43
10. Em accordo com estas idas, sustentadas por Seabra,
ha perto de cincoenta annos, se mostram tambem agora, entre outros,
42 Seabra, Novissima Apostilla, p. 128-131. Coimbra, 1859.43 Ob. cit.,p. 130.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
47/609
Responsabilidade Civil do Estado.
47
dous escriptores, dos mais distinctos da actualidade, Van den Heuvel,44 e
De Vareilles-Sommires.45
O primeiro, partindo da convico, de que todas as pessoas
juridicas se podem reduzir sociedades ou associaes, procura
demonstrador faz a seu modo, que a pessoa de taes seres no passa de
simples apparencia ou de um simples artificio, inventado pelos juristas;
podendo, no entanto, ser a cousa explicada, diversamente, pelas regras
especiaes do contracto da respectiva associao.46
Antes de tudo, um defeito se manifesta na theoria de Van den
Heuvel, e : que a mesma incompleta, no podendo ser applicavel todas as pessoas juridicas. Ella se applica facilmente, diz Michoud, s que
tem por base uma associao, pura e simples ; mas j no seria possivel
acceital - a para as associaes politicas, taes como, a Commuua e o
Estado.47 O autor, (continua Michoud) levanta-se, com toda a razo,
contra a ida de considerar o Estado, uma fico. Mas, que dizer de uma
theoria, que o considera, como um contracto gigantesco, no qual os
particulares collocaram certos bens em commum, ficando estes sujeitos
a um regimen especial, que os subtrahe aco de seus credores? E
apoucar singularmente a questo do patrimonio do Estado, e esquecer
inteiramente as condies de facto, nas quaes elle se apresenta aos
nossos olhos. Emfim, admittido, que no caso ainda se podesse conceber
uma sorte de sociedade, como, porm, applicar a theoria s pessoas
juridicas, que no tem por base nenhuma associao visivel, taes como,
os estabelecimentos publicos e as fundaes de beneficncia ? 48
44 De la situation lgale des associations sans but lucratif en France et en Belgique. Bruxelles, 1884.45Les Personnes Morales. Pariz, 1902.46 Van den Heuvel, ob. cit., p. 35-38.47 Michoud, La Notion de personnalit morale, p. 23-25.
48 Michoud, loc. cit., p. 26.
-
8/4/2019 Responsabilidade_Civil_Estado - Amaro Cavalcanti
48/609
Responsabilidade Civil do Estado.
48
10 a. Partidario, muito mais decidido, da theoria da no-
existencia da pessoa juridica na ordem social, De Vareilles-Sommires,
o qual se propz mesmo a tarefa particular de demonstrar, por todos os
argumentos, que a diviso de pessoas physicas e pessoasmoraes totalmente viciosa; porque se reduz, queiram ou no queiram, saiba-se
ou no se saiba. a oppr s pessoas physicas outras tantas pessoas
physicas, embora encaradas em uma situao particular e designadas por
uma imagem.49
No nos permittido dar aqui um resumo completo das
idas e argumentos diversos, com que o autor sustenta a sua these;
limitaino - nos a transcrever as suas deduces conclusivas principaes
contra a realidade ou supposta existencia da pessoa juridica. Eis, como o
mesmo se exprime na materia:
Mais il est possible de faire dun coup table rase de toutesces constructions et de couper court toute nouvlletentative de mme genre, en faisant evanouir Vide,Villusion qui est leur commun et fragile fondement. Cette
ide, cette illusion, cest que Vassociation est quelque chosedautre et de plus que les associes. Toutes les thories sur lapersonnalit morale naturelle prennent l, forcment, leurraison dtre ou plutt leur pretexte. De mme quuntableau, dit Bluntschli, nest pas la simple somme desgouttes de peinture et dhuile qui ont servi le composer, demme Vassociation nest pas la simple somme des individusqui Vont constitue (Theorie gnrale de lEtat, l. I, ch. I, 5).II