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GUIA DA SUSTENTABILIDADE
, UM MUNDO 50 DE
PASSAGEIROS .
Veículos movidos a energia elétrica e que se viram muito bem sem motorista. É mais ou menos assim que os especialistas .. , Imaginam que sera o transporte urbano em um futuro não muito distante
Cristine Kist
Não se assuste se daqui a pouco você der
de cara com um carro andando sozi
nho por aí. Para os moradores da costa
oeste dos Estados Unidos, por exemplo, cruzar
com um carro no piloto automático já não é mais
novidade. É que o Google (sempre ele) está de
senvolvendo, desde 2005, um projeto chamado
"Driverless Car" - em português, o "Automóvel
sem Motorista"}. Até agosto de 2012, o invento
já tinha rodado em torno de 480 mil quilômetros.
Acidentes? Só dois, ambos quando pessoas esta
vam ao volante. a sistema, afinal de contas, foi
projetado para que um condutor possa assumir o
volante caso o carro apresente algum problema.
O coordenador do projeto é o pequisador
Sebastian Thrun, diretor do Laboratório de Inte
ligência Artificial da Universidade de Stanford,
nos Estados Unidos, e um dos desenvolvedores
do Google Street View. A motivação inicial de
Thrun era diminuir o número de acidentes nas
estradas - mas a verdade é que o sistema tam
bém atende bem às demandas de uma socieda
de cada vez mais preocupada com sustentabi-
PATROCINADORES
,~ natura bem estar bem EI\I~I4.'A I! GERDAU
lidade. O piloto automático é mais preciso que
um motorista comum, o que significa que os
carros guiados automaticamente seriam capazes
de andar a poucos centímetros uns dos outros e
poderiam ser programados de maneira a econo
mizar energia. A ideia do Google é vender essa
tecnologia para as montadoras - mas ninguém
sabe ao certo quando isso vai acontecer, se é que
vai acontecer.
a conceito de mobilidade sustentável é rela
tivamente novo, mas já ganhou a simpatia de go
vernos e instituições privadas mundo afora. Tra
ta-se de um conjunto de atividades que envolve
planejamento, matriz energética, tecnologia e
infraestrutura. Tudo para "melhorar a qualidade
de vida das pessoas com o menor impacto eco
nômico, social e ambiental possível", como de
fine Lincoln Paiva, sócio-diretor do escritório de
consultoria de mobilidade sustentável Green Mo
bility. Na prática, isso significa investir em tecno
logia para controle do movimento nas principais
vias das cidades e incentivar o desenvolvimen
to de fontes alternativas de energia, como os
biocombustíveis e a eletricidade. A adoção em
massa do automóvel como meio de transporte
mais dificultou do que facilitou a locomoção nas
grandes cidades. Ao mesmo tempo, o petróleo
está se tornando cada vez mais escasso e caro
como combustível. Todo o sistema parece estar
chegando ao limite.
A busca por rapidez e facilidade, aliada às
questões da sustentabilidade e à pressão am
biental, levará o mercado a inventar outros pro
dutos e a desenvolver novos processos e servi
ços. "Na categoria dos novos processos, que me
parece mais relevante, o foco recai sobre o be
nefício do serviço, o que dá margem para o com
partilhamento de veículos - do aluguel por hora
a corridas de táxi divididas entre passageiros",
diz Ana Carla Fonseca, sócia-diretora da Garimpo
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Soluções e consultora em economia criativa. Já
na categoria dos produtos, enquadram-se novas
versões de transportes coletivos e os carros pré
-programados - aqueles que andam sozinhos,
como os do Google.
Ascensão do coletivo Mas, enquanto a tecnologia do "Driverless
Car" continua em fase de testes e não tem pre
visão de chegar ao mercado, outro projeto co
meça a sair do papel: é o Personal Rapid Transit
(PRT), um sistema de transporte público criado
nos anos 1970. Trata-se de uma rede formada
por pequenos veículos automatizados que se
deslocam de um ponto a outro através de trilhos
elevados. Nesse sistema, os veículos são elétri
cos, mas não usam bateria: ele retiram energia
do próprio contato com os trilhos.
O primeiro PRT foi implantado em 1975, na
cidade americana de Morgantown, e continua em
funcionamento. Depois disso, foram décadas de
estagnação. Só agora o PRT está voltando a ser
visto como uma alternativa viável. "A tecnologia
finalmente amadureceu a ponto de atingir um
preço razoável. Até porque a necessidade nunca
foi tão grande. Temos aí as questões da susten
tabilidade, o pico do petróleo e as preocupações
cada vez maiores com congestionamentos e se
gurança", explica Stanley Young, pesquisador do
Centro de Tecnologia Avançada de Transportes da
Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Recentemente, outras duas unidades do PRT
foram inauguradas: uma no aeroporto de Hea
throw, em Londres, e outra na cidade de Masdar,
em Abu Dhabi. "A ideia embutida no PRT (de
uma rede de transporte totalmente automatiza
da) será dominante no futuro. Mas é difícil dizer
quando esse futuro vai chegar. Acho que vamos
ver implementações de grande escala dentro de
uma década e uma adoção mais geral depois dis
so, mas isso é apenas a minha opinião", comple
ta Young.
No Brasil, o que há de mais próximo do PRT
é o aeromóvel. um sistema inventado ainda nos
anos 1970, em Porto Alegre, para substituir os
ônibus. Ambos funcionam sobre trilhos eleva
dos e dispensam o uso de combustível. No caso
do aeromóvel. o princípio é o mesmo do barco a
vela. "O ar é jogado para dentro de um tubo que
contém uma vela de cabeça pra baixo. O ar faz
pressão nessa vela e, como ela está conectada ao
veículo, ela faz com que ele se mova", explica o
professor Odilon Pavón Duarte, da Faculdade de
Engenharia da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS). Um aeromóvel
que deve ficar pronto ainda este ano está sen
do construído para ligar uma estação de trem ao
aeroporto da capital gaúcha - um trajeto de 998
metros que será percorrido em 90 segundos.
Bem mais popular que o aeromóvel é o siste
ma de Bus Rapid Transit (BRT), coincidentemente
criado também nos anos 1970, mas na cidade de
Curitiba. Várias capitais brasileiras estão aderin
do - ou pretendem aderir - ao BRT. "Para cidades
com mais de 500 mil habitantes, é o sistema per
feito. A velocidade de um ônibus comum, hoje,
varia entre 10 e 12 km/h. O BRT pode alcançar
até 28 I<m/h", diz Duarte. Além de mais rápido,
ele também é muito mais eficiente: na média por
passageiro, um carro consome até 13 vezes mais
energia que o BRT.
E um fator relativamente surpreendente
pode aumentar a demanda (e consequentemen
te o investimento) pelo transporte público: os
carros estão deixando de ser um símbolo de sta
tus, especialmente entre os jovens. Uma pesqui
sa feita pela Federal Highway Association mos
trou que, em 2008, apenas 46,3% dos jovens
americanos de até 19 anos tinham carteira de
PATROC INADORES
-C ~GERDAU natura bem estar bem
motorista, contra 64,4% em 1998 - uma queda
de quase 20 pontos percentuais em apenas dez
anos. Outra pesquisa, essa da consultoria Gart
ner, mostrou que 46% dos americanos que têm
entre 18 e 24 anos preferem ter acesso garanti
do à internet a ter um carro.
A queda do petróleo o desinteresse das novas gerações surge
num momento em que a sociedade parece estar
repensando o papel do automóvel na mobilida
de urbana. "A falta de planejamento imputa ao
carro uma responsabilidade que ele não deveria
ter: a de transportar as pessoas para o trabalho e
garantir o acesso à educação", diz Paiva. O que,
destaca ele, seria resultado de uma visão equi
vocada: a de que o poder público tem o dever
de atender à demanda dos carros, investindo em
infraestrutura viária e transformando espaços
públicos em estacionamentos. "Isso fez uma di
ferença enorme para nossa qualidade de vida e
desenvolvimento da cidade", completa.
Paiva explica que, hoje, a tendência é que o
carro comece a se adaptar às necessidades das ci
dades, e não o contrário: "Até poucos anos atrás,
os carros ditavam como as cidades deveriam ser,
influenciando os engenheiros, arquitetos e pla
nejadores urbanos. Nos últimos anos, em função
do acúmulo de automóveis, as cidades passa
ram a pensar sobre qual seria a função do carro
dentro da mobilidade urbana". Agora, resta aos
governantes correr para reverter o prejuízo: "As
primeiras medidas para alterar essa situação são
o desenvolvimento de planos de mobilidade ur
bana, a implementação de sistemas de tráfego
inteligentes, muito investimento no transporte
público e incentivo a novas startups de tecnolo
gia, sobretudo na área da energia".
E é justamente graças aos avanços tecnoló
gicos no campo da energia que a dominância do
petróleo na matriz energética dos transportes
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começa a esmorecer. "Como a história nos mos
tra, todas as fontes de energia ao longo do tempo
surgiram, alcançaram seu ápice e depois decres
ceram", explica Sergio Trindade, ex-secretário
-geral adjunto da ONU para Ciência e Tecnologia
e consultor internacional de negócios sustentá
veis. Há 150 anos, lembra ele, a fonte de energia
dominante era a lenha - que, no início do século
20, foi substituída pelo carvão. Já o carvão cedeu
espaço ao petróleo por volta da década de 1970.
Para Trindade, o petróleo ainda será a maior fon
te de energia mundial por 20 ou 30 anos. Depois
disso, será superado pelo gás natural, que está
ficando cada vez mais abundante e mais barato.
"O preço do gás nos Estados Unidos é até quatro
vezes mais barato do que na Europa", conta ele.
Mas isso, evidentemente, não significa que o pe
tróleo vai desaparecer: as reservas continuarão
existindo, mas a exploração vai se tornar compli
cada do ponto de vista econômico.
Por aqui, o governo ainda aposta suas fichas
no álcool. O Brasil é o segundo maior produtor
mundial de etanol - perde apenas para os Esta
dos Unidos. Acontece que, enquanto a matéria
-prima do etanol brasileiro é a cana, o combus
tível americano é produzido a partir do milho.
"O etanol americano consome milho, que é um
produto destinado especialmente à alimentação
animal, e isso traz consequências", afirma Trin
dade. De acordo com a Fundação Getulio Vargas,
o preço do milho triplicou entre 2006 e 2008.
No ano passado, uma quebra de safra impediu os
Estados Unidos de atender a toda a sua demanda
por etanol. Resultado: os americanos acabaram
importando o combustível do Brasil.
Em 2009, o álcool respondia por 18% da
matriz energética brasileira de transportes e
a gasolina, por 22,5%. Mas a Petrobras calcula
que, até 2030, o álcool corresponderá a 27%, e a
gasolina, a apenas 9%. Para Trindade, o país está
num bom caminho. "Com os veículos flex, o país
já está economizando um bocado de petróleo.
Então a sustentabilidade, no caso brasileiro, de
pende da disponibilidade do etanol feito a partir
da cana." Mas o próprio consumo de cana para a
produção de álcool pode elevar o preço dos ali
mentos, já que ela também é a matéria-prima do
açúcar. Por isso, Trindade acredita que, em breve,
a expansão do etanol como combustível vai ter
de derivar para outras matérias-primas que não
são alimentos, como a madeira e os resíduos de
safra. "O futuro é a chamada segunda geração: a
produção de etanol a partir de materiais celuló
sicos. Existem muitas pesquisas em andamento,
algumas unidades-piloto, mas ainda não esta
mos em fase comercial. Acho que isso vai acon
tecer na faixa de cinco a dez anos", afirma.
Carros ligados na tomada Este ano marca a chegada dos automóveis hí
bridos ao Brasil. São carros movidos tanto a bate
ria elétrica quanto a combustão. Os dois motores
trabalham juntos e, de acordo com as circunstân
cias, um trabalha mais do que o outro. O primei
ro a desembarcar aqui é o Prius, da Toyota. Mas
ainda é cedo para comemorar. "Ele vai custar o
dobro do que custa nos Estados Unidos. É difícil
justificar isso economicamente porque a gasolina
está com um preço controlado no Brasil. E qual é a
vantagem de um carro híbrido? Economizar a ga
solina cara", diz Sérgio Trindade. Para ele, o carro
híbrido vai ser usado por uma pequena parcela da
população - aquela que está interessada em novi
dades e tem dinheiro para adquiri-las.
Apesar de ser mais eficiente e menos poluen
te, o Prius não vai receber nenhum incentivo do
governo, o que ajuda a explicar o preço salgado
- as primeiras unidades sairão por algo em torno
de R$ 120 mil. Enquanto isso, nos Estados Unidos,
onde o Prius é vendido por menos de R$ 50 mil,
os carros elétricos já estão na segunda geração
- agora, vêm com sistema plug-;n, que permite
ao usuário recarregar a bateria em uma tomada.
Nesse caso, o motor é 100% elétrico e tem auto
nomia de mais ou menos 20 quilômetros. Existe,
ainda, uma terceira geração conhecida como Veí
culo Elétrico de Grande Alcance, que consegue
fazer até 60 quilômetros usando só eletricidade,
como é o caso do Ford Focus Electric.
Como se vê, os híbridos foram apenas o pri
meiro passo. Agora, o objetivo dos pesquisadores
é viabilizar a comercialização dos automóveis
abastecidos só com energia elétrica. E, pelo me
nos por enquanto, o caminho parece ser a tec
nologia da célula a combustível. Trata-se de um
dispositivo que gera corrente elétrica a partir de
uma reação simples de moléculas de hidrogênio
com oxigênio. "Alguns países como os Estados
Unidos e o Japão vêm estudando seriamente a
adoção da célula de combustível a hidrogênio",
diz Paiva. O resultado da "queima" do hidrogênio
PATROCINADORES
-CPFL FNf:RG/A ~GERDAU
, •
natura be m estar bem
é apenas água - bem menos nociva do que os ga
ses liberados pelos tradicionais motores de com
bustão. Mesmo no Brasil, a célula a combustível
já encontra alguns adeptos. nA São Paulo Trans
porte S.A. (SPTRANS) vem testando a tecnologia
do hidrogênio gerado por etanol desde 2007 e
os testes demonstraram que ela é viável. Um ôni
bus a hidrogênio que custava R$ 3 milhões agora
já pode ser encontrado por R$ 1 milhão", conta
Paiva. Mas a adoção do sistema por veículos de
pequeno porte deve levar mais tempo - até 20
anos. O ideal buscado é o de veículos capazes de
recarregar suas baterias a partir de sua própria
movimentação, usando a regeneração da energia
de frenagem e a descida de ladeiras. Não se sabe,
ainda, quanto essas tecnologias vão custar. Mas
os sinais são claros: no futuro, os transportes te
rão mais eletricidade e menos poluição - além de,
talvez, menos motoristas.
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