Download - Revista OH!
Hoje é um dia especial para você, lei-
tor. Sabe por quê? Você tem em mãos
um exemplar da primeira edição da re-
vista OH!
A OH! é uma revista digital que tem
como proposta trazer às mentes mais
abertas assuntos atraentes como arte,
cultura, filosofia, poesia e também in-
centivar a descobrir esse mundo reple-
to de novidades, matérias inteligentes,
inusitadas.
Queremos despertar a sua curiosi-
dade, aguçar seus sentidos e incentivar
a buscar sempre mais conhecimento.
Tudo da forma mais descontraída pos-
sível. Porque conhecimento não é só
aquilo que aprendemos na escola; ele
vai muito mais além. Conhecimento é
tudo que nossa percepção absorve no
dia-a-dia. Desde o minuto em que ves-
timos a roupa ao acordar até a hora de
voltar pra casa depois de um longo dia,
no assento do ônibus.
Porque aprendemos coisas sem ao
menos perceber, não é?
Assim como a OH!
Quando se dá conta, você já adquiriu
vários assuntos para compartilhar, re-
laxou com imagens belíssimas e acres-
centou mais um pouquinho de sabedo-
ria para o resto da vida.
Portanto, escolha uma posição con-
fortável, pois você não vai querer le-
vantar enquanto não terminar essa
edição com muita informação.
Preparamos para você um material
incrível. Com direito a entrevistas ex-
clusivas, poesias de primeiríssima mão
e escritores aclamados.
Confira, é o OH! do BorogodOH!
01
Edição 00
Filosofia
Arte
OH! apresenta Eduardo Recife
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18
Um sábio não tem idéia
O Virtual
Eduardo Recife
Gerard Reisinger
François Julien
Jean Baudrilliard
04
08
Confira aqui alguns do poemas inéditos do novo livro de Manoel de Barros,
O Livro das Ignorãças
Literatura
Teatro
Cinema
Música
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Desassossego
Ignorãças
Instruções para subir uma escada
The Next Day
Amour
Festival de Teatro de Curitiba - 2013
Fernando Pessoa
Manoel de Barros
Júlio Cortázar
David Bowie
Michael Haneke
26
3133
30
24
04
Um sábio, estabeleceremos de saída, não tem idéia.
“Não ter idéia” signifi-
ca que ele evita pôr uma
idéia à frente das outras- em
detrimento das outras: não há idéia
que ele ponha em primeiro lugar, posta
em princípio, servindo de fundamento
ou simplesmente de início, a partir do
qual seu pensamento poderia se de-
duzir ou, pelo menos, se desenvolver.
Princípio, arché: ao mesmo tempo o
que começa e o que comanda, aquilo
por que o pensamento pode começar.
Uma vez ele colocado, o resto segue.
Mas, justamente, aí está a cilada, o
sábio teme essa direção imediatamente
tomada e a hegemonia que ela instau-
ra. Porque a idéia assim que é proposta
faz as outras refluírem, nem que para
vir depois a associá-las a si, ou antes,
ela já as jugulou por baixo do pano.
O sábio teme esse poder ordenador
do primeiro. Assim, essas “idéias”, ele
tratará de mantê-las no mesmo plano
– e está nisso sua sabedoria: mantê-las
igualmente possíveis, igualmente aces-
síveis, sem que nenhuma, passando a
frente, venha a ocultar a outra, lance
sombra sobre a outra, em suma, sem
que nenhuma seja privilegiada.
05
“Não ter idéia” significa que o sábio
não está de posse de nenhuma, não
é prisioneiro de nenhuma. Sejamos
mais rigorosos, literais: ele não
avança nenhuma. Mas é possível
evitar isso? Como poderíamos
pensar sem nada propor? No
entanto, assim que começa-
mos a avançar uma idéia, diz-
nos a sabedoria, é todo o real
(ou todo o pensável) que, de
repente, recua: ou antes, ei-lo
perdido atrás, será necessário
tanto esforço e mediação, daí
em diante, para se aproximar
dele. Essa primeira idéia propos-
ta rompeu o fundo de evidência
que nos rodeava; apontando de
um lado, este em vez daquele, ela
nos fez pender para o arbitrário,
nós fomos para este lado e o outro
fica perdido, a queda é irremediável:
ainda que depois reconstruamos todas
as cadeias de razões possíveis, nunca
escaparemos – aprofundaremos sem-
pre mais, enterraremos sempre mais,
sempre presos nas anfractuosidades
e nas entranhas do pensamento, sem
nunca mais voltar à superfície, plana, a
da evidência.
Por isso, se você desejar que o mundo
continue a se oferecer a você, diz-nos a
sabedoria, e que, para tanto, ele possa
permanecer indefinidamente igual, ab-
solutamente estacionário, você tem de
06
renunciar à arbitrariedade de uma pri-
meira idéia (de uma idéia posta em pri-
meiro; inclusive aquela pela qual acabo
de começar). Porque toda primeira idéia
já é sectária: ela começou a monopolizar
e, com isso, a deixar de lado. Já o sábio
não deixa nada de lado, não deixa nada
de mão. Ora, ele sabe que, ao se propor
uma idéia, já se toma, nem que tempo-
rariamente, certo partido em relação à
realidade: quem se põe a puxar um fio
da meada das coerências, este em vez
daquele, começa a preguear (plisser) o
pensamento em certo sentido.
Assim, propor uma idéia seria perder
de saída o que você queria começar a
esclarecer, por mais prudente e meto-
dicamente que o faça: você fica conde-
nado a um ângulo de visão particular,
por mais que se esforce depois para
reconquistar a totalidade; e, daí em
diante, não parará de depender dessa
prega (plí), a prega formada pela pri-
meira idéia proposta, de passar por ela;
não parará mais, tampouco, de voltar
a ela, querendo suprimi-la, e por isso
de amarrotar de outro modo o campo
do pensável – mas perde para sempre o
sem pregas do pensamento.
07
O VIRTUAL
Qual é o limite entre o real e o virtual? Na sociedade cada vez mais informatizada em que vivemos, é difícil identificar essa fronteira. Como podemos afirmar se as relações que mantemos on-line são reais ou virtuais? Depois de ler o texto de Baudrillard, talvez seja mais fácil responder essas e outras questões.
08
Em sua acepção mais usual, o vir-
tual se opõe ao real, mas sua subi-
ra emergência, pelo viés das novas
Tecnologias, dá a impressão de que,
a partir de então, ele marca a eli-
minação, o fim desse real. Do meu
ponto de vista, como já disse, fa-
zer acontecer um mundo real é já
produzi-lo, e o real jamais foi outra
coisa senão uma forma de simula-
ção. Podemos, certamente, preten-
der que exista um efeito de real,
um efeito de verdade, um efeito de
objetividade, mas o real, em si, não
existe. O virtual não é, então, mais
que uma hipérbole dessa tendência
a passar do simbólico para o real -
que é o seu grau zero. Neste sentido,
o virtual coincide com a noção de
hiper-realidade. Á realidade virtual,
a que seria perfeitamente homo-
geneizada, colocada em números,
“operacionalizada”, substitui a ou-
tra porque ela é perfeita, con¬trolá-
vel e não-contraditória. Por conse-
guinte, como ela é mais “acabada”,
ela é mais real do que o que cons-
truímos como simulacro.
Mas é preciso que se diga que esta
expressão, “realidade virtual”, é um
verdadeiro oxímoro. Não estamos
mais na boa e velha acepção filosófi-
ca em que o virtual era o que estava
destinado a tornar-se ato, e em que
se instaurava uma dialética entre as
duas noções. Agora, o virtual é o que
está no lugar do real, é mesmo sua
solução final na medida em que efe-
tiva o mundo em sua realidade defi-
nitiva e, ao mesmo tempo, assinala
sua dissolução.
Chegando a esse ponto, é o virtual
que nos pensa: não há mais neces-
sidade de um sujeito do pensamen-
to, de um sujeito da ação, tudo se
passa pelo viés de mediações tec-
nológicas. Mas será que o virtual é o
que põe fim, definitivamente, a um
mundo do real e do jogo, ou ele faz
parte de uma experimentação com
a qual estamos jogando? Será que
não estamos representando a co-
média do virtual, com um toque de
ironia, como na comédia do poder?
Essa imensa instalação da virtuali-
dade, essa performance no sentido
artístico, não é ela, no fundo, uma
nova cena, em que operadores subs
por Jean Baudrillard
09
Mas será que o virtual é o que põe fim, definitivamente, a um mundo do real e do jogo, ou ele faz parte de uma experimentação com a qual estamos jogando?
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tituíram os atores? Ela não deveria,
então, ser mais digna de crença que
qualquer outra organiza-ção ideoló-
gica. Hipótese que não deixa de ser
tranqüilizante: no final das contas
tudo isso não seria muito sério, e a ex-
terminação da realidade não seria, em
absoluto, algo incontestável.
Mas, no momento em que nosso mun-
do efetivamente inventa para si mes-
mo seu duplo virtual, é preciso ver que
isto é a realização de uma tendência
que se iniciou há bastante tempo. A
realidade, como sabemos, não existiu
desde sempre. Só se fala dela a partir
do momento em que há uma raciona-
lidade para dizê-la, parâmetros que
permitem representá-la por signos co-
dificados e decodificáveis.
No virtual, não se trata mais de valor;
trata-se, pura e simplesmente, de ge-
rar informação, de efetuar cálculos,
de uma computação generalizada
em que os efeitos de real desapare-
cem. O virtual seria verdadeiramente
o horizonte do real - no sentido com
que se fala do horizonte dos eventos
em física. Mas podemos igualmente
pensar que tudo isso não passa de
um caminho mais curto para uma
jornada que não podemos ainda dis-
cernir qual seja.
O virtual seria verdadeiramente o horizonte do real - no sentido com que se fala do horizonte dos eventos em física.
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OH! apresenta Eduardo Recife
12
Eduardo Recife nasceu em Belo Ho-
rizonte em 1980 e é um dos brasilei-
ros com maior renome internacio-
nal atualmente por seus trabalhos
com ilustração, design gráfico e di-
reção de arte. Algumas das carac-
terísticas mais marcantes de seu
trabalho são a paixão pelo passado
e o uso de elementos decadentes
e ambas estão relacionadas com a
sua origem. “O Brasil pode ser muito
caótico visualmente e você vê fre-
quentemente placas desgastadas e
muros com letras apodrecidas”, diz
ele, que também conta que gostou
de coisas velhas por toda a sua vida,
desde as roupas e sapatos usados
que recebia dos primos mais velhos
quando era criança, “Além disso, eu
acho que o visual vintage, usado dá
uma sensação de que foi tocado pe-
las mãos do tempo e do artista. De
alguma forma as linhas limpas do
computador me incomodam, por
parecerem tão frias e mecânicas.”
“Acho que o visual vintage, usado dá uma sensação de que foi tocado pelas mãos do tempo e do artista. As linhas limpas do computador me incomodam, por parecerem tão frias e mecânicas.”
Recife trabalha como freelancer de de-
sign e ilustração para nomes como
HBO e The New York Times. Um dos
seus maiores desafios nesses mo-
mentos é conciliar a sua visão com a
de seus clientes. Seus projetos mais
pessoais são normalmente enviados
para galerias ao redor do mundo.
Para seu trabalho, é importante expe-
rimentar com todo tipo de material:
lápis, tinta, fotografia, colagem, com-
putador. Quanto mais experimenta-
ção e teste de novas técnicas, melhor!
Seu trabalho tem início na street art: Re-
cife costumava deixar tags em muros e
foi assim que o seu interesse por letras
e alfabetos surgiu. Depois disso, desco-
briu na internet as tipografias com ins-
piração grunge e “foi amor à primeira
vista”, conta ele. Começou a criar as
suas próprias tipografias e compartilhá
-las gratuitamente na Internet no seu
site, o Misprinted Type, e pedidos de tra-
balho começaram a aparecer.
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“Não faz sentido colocar muita expectativa nas coisas. O resultado mais frequente é frustração.”
Eduardo Recife
Nesta página, Triumph, The Truth, E o amor?, Brazil Inspired 1. Na capa, Currency Bird.
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Trabalhar longe do computador fez
Recife entender melhor seu processo
criativo. O uso de tintas, tesoura, cola,
pigmentos e todo tipo de mídia tem
grande influência no seu trabalho di-
gital e em todo processo de tomada de
decisões. Como diz, não existe CTRL+Z
na vida real. Para suas colagens, o ilus-
trador não faz rascunhos. Como o re-
sultado é imprevisível e tão dependen-
te das imagens que vai usar, ele tenta
ter uma ideia mais vaga em mente e
deixar ela se desenvolver conforme
acha os recursos gráficos. Para ele, é
mais importante ter um conceito claro
do que um sketch e isso ajuda a man-
ter o processo de criação espontâneo.
Resgatar o que é manual é algo que
Eduardo Recife valoriza: Mesmo
as suas colagens digitais possuem
muitos recursos feitos à mão, como
a criação de texturas, riscos e man-
chas. Trabalhar com colagens no
computador tem seu lado positivo
por ser mais flexível e permitir mais
manipulação com relação à tama-
nhos, rotação, cores e mesmo cortes
diferentes. Para ele, manual e digital
são coisas diferentes e ambas tem
seu valor. Quando as colagens são
feitas no modo old school, a sen-
sação que elas transmitem é mais
natural e elas acabam sendo mais
interessantes que uma imagem im-
pressa, diz Eduardo.
Para a criação das colagens, Recife
tem gavetas cheias de material de
recorte, além de frequentar sebos e
feiras de usados. O seu trabalho exi-
ge que ele tenha uma grande quan-
tidade de imagens, à mão, para o
frenesi criativo. Isso faz com o que a
sua mesa (e todo o espaço ao redor)
esteja sempre bagunçado: cheio de
livros, papel cortado, tinta por todo
o lugar. Por mais que se limpe, a ba-
gunça retorna insistentemente.
As ilustrações de Eduardo Recife sur-
gem a partir de elementos do passado,
trazidos diretamente de revistas e li-
vros recortados. Eduardo considera im-
pressos do passado muito mais belos,
vê poesia neles e se deixa seduzir pelas
cores. Essa visão idealizada e românti-
ca de outros tempos se complementa
perfeitamente com as tipografias inu-
sitadas criadas e usadas pelo ilustra-
dor e pelos temas explorados, sempre
contemporâneos e muito pessoais.
15
Nesta página, comissão para Urban Golf , The Map of Interior World, Bright Side e My Love For You.
16
Nesta página, A Origem do Riso, Change Yourself, Generation OMG e Waiting.
“Eu quero que o compu-tador me ajude a compor e não me escravizar en-tre o mouse e a cadeira”
Eduardo Recife
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18
Gerald Reisinger, também conhecido como Monolab, nasceu na Áustria e é um fotógrafo experimental.
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Suas fotografias, capturadas com luz infravermelha, são inspiradas em sua
infância na fazenda
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É um amante do mundo analógico e das fotos em
preto-e-branco.
Se interessa por Arquitetura e já estudou Ciência da Computação. Tem 22 anos.
22
“Um grande fotógrafo é aquele que consegue expressar totalmente o que alguém sente, no mais profundo senso, sobre o que está sendo fotografado” - Gerald Reinsinger
Confira aqui alguns do poemas inéditos do novo livro de Manoel de Barros,
O Livro das Ignorãças
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No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.
Para entrar em estado de árvore é preciso partir de um torpor animal de
lagarto às três horas da tarde, no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.
Não tem altura o silêncio das pedras.
As coisas não querem ser mais vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave.
Poesia é voar fora da asa.
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DesassossegoFernando Pessoa
Nunca durmo: vivo e sonho, ou antes, sonho em vida e a dor-mir, que também é vida.
Não há interrupção em minha consci-
ência: sinto o que me cerca e não dur-
mo ainda, ou se não durmo bem; entro
logo a sonhar desde que deveras dur-
mo. Assim, o que sou é um perpétuo
desenrolamento de imagens, conexas
ou desconexas, fingindo sempre de ex-
teriores, umas postas entre os homens
e a luz, se estou desperto, outras pos-
tas entre os fantasmas e a sem luz que
se vê, se estou dormindo. Verdadeira-
mente, não sei como distinguir uma
coisa da outra, nem ouso afirmar se
não durmo quando estou desperto, se
não estou a despertar quando durmo.
A vida é um novelo que alguém emara-
nhou. Há um sentido nela, se estiver de-
senrolada e posta ao comprido, ou enro-
lada bem. Mas, tal como está, se estiver
enrolada é um problema sem novelo
próprio, um embrulhar-se sem onde.
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“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”
Você com certeza já ouviu esta expressão. Ela veio da mente brilhante de um dos maiores escri-
tores da Língua Portuguesa, Fernando Pessoa. Ele próprio é um bom exemplo que confirma ao
ditado.
Pessoa era grande em sua genialidade e também em criatividade. Dentre sua vasta criação, ele
gerou vários heterônimos, os quais fizeram muitos críticos questionarem até que ponto era
seu verdadeiro eu ou mais um de seus personagens falando. Devido a isto também, sua obra
ficou conhecida por ser subjetiva e enigmática.
Este é um dos fatos mais curiosos e fascinantes sobre Fernando Pessoa. Vários outros autores e
críticos tentaram definir quantos eram seus heterônimos, que já chegaram a cerca de 18.
Dotado de profunda sensibilidade, desde cedo Pessoa estudava o ocultismo e o desconhecido. É possível
perceber, em vários de seus textos, uma afinidade com a exploração de mistérios mais antigos e de certa espi-
ritualidade que se aproxima do paganismo.
A realidade oculta foi para o poeta, uma forte presença ao longo da vida. Vertentes do espiritual e do divino faziam par-
te da complexidade psíquica e poética que marcaram a obra do grande escritor Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa
Sinto isso, e depois escreverei, pois
que já vou sonhando as frases a
dizer, quando, através da noite de
meio-dormir, sinto, junto com as
paisagens de sonhos vagos, o ruído
da chuva lá fora, a tornarmos mais
vagos ainda.
Era sem dúvida, nas alamedas do
parque que se passou a tragédia de
que resultou a vida. Eram dois e belos
e desejavam ser outra coisa; o amor
tardava-lhes no tédio do futuro.
Não sei o que é o tempo. Não sei
qual a verdadeira medida que ele
tem, se tem alguma.
A do relógio sei que é falsa: divide
o tempo especialmente, por fora.
A das emoções sei que também é
falsa: divide, não o tempo, mas a
sensação dele. A dos sonhos é er-
rada; nele roçamos o tempo, um
na vez prolongadamente, outra
vez depressa, e o que vivemos é
apressado ou lento conforme
qualquer coisa do decorrer
cuja natureza ignoro.
Julgo, às vezes, que tudo é fal-
so, e que o tempo não é mais
do que uma moldura para
enquadrar o que lhe é estra-
nho. Na recordação que tenho
de minha vida, os tempos estão
dispostos em níveis e planos absur-
dos, sendo eu mais jovem em certo
episódio dos quinze anos solenes.
Chegam-me então, pensamentos
absurdos, que não consigo todavia
repelir. Penso se um homem me-
dita devagar dentro de um carro
que segue depressa, penso se serão
iguais as velocidades idênticas com
que caem no mar o suicida ou o que
se desiquilibrou na esplanada. Pen-
so se realmente não são sincrôni-
cos os movimentos, que ocupam o
mesmo tempo, entre os quais fumo,
escrevo e penso obscuramente.
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Ninguém terá deixado de ob-
servar que frequentemente o
chão se dobra de tal maneira
que uma parte sobe em ângulo reto com
o plano do chão, e logo a parte seguin-
te se coloca paralela a esse plano, para
dar passagem a uma nova perpendicu-
lar, comportamento que se repete em
espiral ou em linha quebrada até alturas
extremamente variáveis. Abaixando-se e
pondo a mão esquerda numa das partes
verticais, e a direita na horizontal cor-
respondente, fica-se na posse momentâ-
nea de um degrau ou escalão. Cada um
desses degraus, formados, como se vê,
por dois elementos, situa-se um pouco
mais acima e mais adiante do anterior,
princípio que dá sentido à escada, já que
qualquer outra combinação produziria
formas talvez mais bonitas ou pitorescas,
mas incapazes de transportar as pessoas
do térreo ao primeiro andar.
Instruções
JU
LIO
CO
RTá
ZA
R
escadauma
para subir
28
As escadas se sobem de frente, pois
de costas ou de lado tornam-se particu-
larmente incômodas. A atitude natural
consiste em manter-se em pé, os braços
dependurados sem esforço, a cabeça er-
guida, embora não tanto que os olhos
deixem de ver os degraus imediatamente
superiores ao que se está pisando, a res-
piração lenta e regular. Para subir uma
escada começa-se por levantar aquela
parte do corpo situada embaixo à direi-
ta, quase sempre envolvida em couro ou
camurça, e que salvo algumas exceções
cabe exatamente no degrau. Colocando
no primeiro degrau essa parte, que para
simplificar chamaremos de pé, recolhe-se
a parte correspondente do lado esquer-
do (também chamada pé, mas que não
se deve confundir com o pé já mencio-
nado), e levando-se à altura do pé faz-se
que ela continue até colocá-la no segun-
do degrau, com o que neste descansará
o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os
primeiros degraus são os mais difíceis,
até se adquirir a coordenação necessária.
A coincidência de nomes entre o pé e o
pé torna difícil a explicação. Deve-se ter
um cuidado especial em não levantar ao
mesmo tempo o pé e o pé).
Chegando dessa maneira ao segundo
degrau, será suficiente repetir alternada-
mente os movimentos até chegar ao fim
da escada. Pode-se sair dela com facili-
dade, com um ligeiro golpe de calcanhar
que a fixa em seu lugar, do qual não se
moverá até o momento da descida.
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Fundador: VICTOR CIVITA(1907-1990)
Editor: Deus OH!
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