SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO-SEED SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO - SUED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
REGINA MARIA DA SILVEIRA
PASSEIO PELAS OBRAS DE ZIRALDO EM BUSCA DA EMANCIPAÇÃO LITERÁRIA
JACAREZINHO - PARANÁ 2012
REGINA MARIA DA SILVEIRA
PASSEIO PELAS OBRAS DE ZIRALDO EM
BUSCA DA EMANCIPAÇÃO LITERÁRIA
Artigo referente à implementação do projeto no colégio, apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria Estadual de Educação - SEED, sob a orientação da Profa. Dra. Luciana Brito.
JACAREZINHO - PARANÁ 2012
PASSEIO PELAS OBRAS DE ZIRALDO EM BUSCA DA EMANCIPA ÇÃO
LITERÁRIA
RESUMO: O projeto intitulado Passeio Pelas Obras de Ziraldo em Busca da Emancipação Literária foi desenvolvido em consonância com o método recepcional de leitura e tem por objetivo valorizar a importância do uso das obras de Ziraldo na formação dos alunos, reafirmando a importância da literatura na consolidação social e subjetiva do ser, numa época em que o ato de ler é cada vez mais eventual e raro entre crianças e jovens. Procurou-se, também, através de estratégias dialógicas e interacionistas, provocar durante o percurso de leitura a ruptura, o questionamento, tornar a escola, e por extensão a literatura infantil, em espaços para a criança refletir sobre sua condição pessoal. Promovendo, assim, a adoção de novos valores e a integração da criança com o meio social, a fim de conduzi-la, ao final do processo, à ampliação de seu horizonte de expectativa e, como consequência, à autonomia e à emancipação. Quanto aos textos literários, algumas obras de Ziraldo fizeram parte do corpus da pesquisa, dentre eles, O Menino Maluquinho, O Menino Marrom, O Menino Quadradinho, Menina Nina – Duas razões para não chorar e Flicts. Palavras-chave : Método Recepcional, leitura, emancipação, Ziraldo. Abstract: The project titled Walk Through the Works of Ziraldo in Search of Literary Emancipation, was developed in accordance with the method recepcional reading, aims to highlight the importance of using the works of Ziraldo the training of students, reaffirming the importance of literature in social consolidation and subjective to be, at a time when the act of reading is possible and increasingly rare among children and youth. He also sought, through dialogic strategies and interactionist, cause during the course of reading the break, questioning, making the school and by extension children's literature in spaces for the child to reflect on your personal condition, promoting the adoption of new values and integration it with the social environment in order to conduct it at the end of the process, to expand their horizon of expectation and as a consequence of autonomy and emancipation. As for the literary works of some Ziraldo were part of the corpus of research, among them, The Nutty Boy, Brown Boy, Boy square, Miss Nina - Two reasons not to cry and Flicts. Key-words: Method Recepcional, reading, emancipation, Ziraldo
INTRODUÇÃO A literatura, ao longo de sua história, sofreu várias influências devido à
estrutura da própria sociedade, entre elas a formação da família unicelular e a
técnica de industrialização para facilitar a produção, distribuição e consumo de
material em série, a chamada cultura de massa.
O surgimento da literatura infantil, decorrente da ascensão de famílias
burguesas, lhe deu características próprias. No entanto, sua expansão foi
devido à sua associação com a pedagogia, por ser ela o instrumento desta.
A.C. Baumgärtner (ZILBERMAN, 2003, p.44) denuncia que as
motivações pedagógicas não podem se sobrepuser às literárias, “ a literatura
infantil é um problema pedagógico, e não literário”. Deve-se tomar como base a
visão que a criança tem do mundo, preenchendo através da literatura os
“espaços vazios” aqueles que ela ainda não consegue ordenar, ou seja, que
será preenchido através da literatura infantil para a compreensão do mundo
real. A história apresentará sistematicamente relações reais que ainda não
pode perceber por si só.
Para Maria Lypp, (1977, p. 64), a literatura infantil tem uma função social
que a torna imprescindível, é a missão preparatória, formadora, que pode ser
analisada de duas formas:
a) Incutir valores de natureza social ou ética, até mesmo ambas, neste
momento, não importa se são convenientes à sociedade, são apenas
conformativos, ou ainda, ao desenvolvimento intelectual e psíquico do
leitor, uma colaboração emergencial da visão de mundo autônoma e
inquiridora.
b) Propiciar a adoção de hábitos, que podem ser:
• De consumo, a frequência de leitura, levando-o a aquisição de obras.
• Comportamento Social, aquisição de boas maneiras, postura de
questionamento da sociedade.
Em ambos os casos, atribui-se o caráter educativo da literatura infantil,
uma complementação à atividade pedagógica.
No entanto, é sempre bom lembrar que o fato dos adultos produzirem e
indicarem os livros, deve limitar aos interesses destes e privilegiar o universo
infantil.
Partindo dos pressupostos apresentados e tendo como intuito atingir os
objetivos do projeto “Passeio Pelas Obras de Ziraldo em Busca da
Emancipação Literária”, foram apresentados aos alunos as obras de Ziraldo,
através do Método Recepcional, de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de
Aguiar, com base nos estudos da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss
e Wolfgang Iser.
De acordo com cada etapa do método, foi escolhida uma obra
específica, não por acaso, mas porque, Ziraldo, com seu toque de humor
crítico, consegue tratar de problemas sérios de forma leve.
1 A PERSPECTIVA DO LEITOR
A literatura infantil, mesmo com a concorrência de vários meios de
comunicação, reafirma a sua função na vida infantil por seu papel de
orientadora da formação, propiciando normas de comportamento, além de
meios de decodificação do mundo à sua volta.
Nesse contexto, enquadram-se as obras de Ziraldo, um autor alegre,
irônico, ágil, incansável e inovador. Suas obras criativas, que tratam de todos
os assuntos com determinada dose de humor por mais sério que seja, é um
autor que não se deixar corromper e expressa sempre sua opinião, sempre
consegue agradar seus leitores. A habilidade de escrever e desenhar de
Ziraldo enriquece seus livros e de certa forma conseguem complementar o
conteúdo dos textos com desenhos expressivos.
Falando das variadas técnicas que usa para elaborar suas obras e que
são as responsáveis pelos seus trabalhos originais, disse o autor:
Eu quero abraçar o mundo com as pernas. No meu caso, porém, acho que não é bem ecletismo. A vontade de falar as coisas, a necessidade de fazê-las e a aflição interior são tudo uma coisa só. Para transmitir isso, nós utilizamos todas as mídias. Eu posso fazer histórias em quadrinhos, cartazes, anúncios, o que me der na telha, mas todas essas atividades minhas se enquadram dentro do Humor e do Desenho. Estes dois componentes determinam a unidade de meu trabalho. (CAMPEDELLI, 1982, p.4)
Nas obras de Ziraldo é latente a valorização de suas raízes, fala com
paixão da cidade onde nasceu, Caratinga, MG, expressa a simplicidade e a
sensibilidade, seu nome já lhe serve de história por ser inventado, junção do
nome do pai Geraldo com nome de sua mãe Zizinha = Ziraldo.
A paixão pela leitura iniciou na infância, lendo os livros do pai e as
revistas Tico-Tico, o fato de ter sempre um livros em mãos é considerado uma
emoção, é um amigo que retribui, sempre aconselha os pais a encherem a
casa de livros. Considera o livro um objeto maravilhoso e perfeito, que tem
vida.
“Você tem a página: é o espaço. Onde as coisas acontecem. Ao virar a página, temos o tempo: a sequência dos fatos. E podemos caminhar folheando espaço-tempo-espaço-tempo... Tudo na mão da gente!” (ZIRALDO,1982, p.3)
Ressalta que o livro deve deixar a criança apaixonada, assim vai gostar
de conviver com eles. Diz ainda que a Literatura Infantil não deve ser usada
para fazer civismo, nem tampouco fazer dele instrumento para dar lição de
moral, pra não correr o risco de fazer a criança detestar a leitura.
O projeto teve como objetivo despertar os alunos para a leitura em
busca da emancipação literária, para isso utilizou-se das obras desse autor
justamente por esse encantamento que desperta em todos os leitores, em
conjunto com o Método Recepcional, obedecendo suas etapas.
A base teórica deste trabalho deriva-se da Estética da Recepção,
vertente teórica que advém dos estudos dos teóricos alemães da Escola de
Constança, na Alemanha, Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser.
Segundo Iser e Jauss, o foco da Estética da Recepção, está voltado
para autor-texto-leitor. O texto terá suas lacunas preenchidas pelo leitor de
acordo com suas convenções, caso não haja identificação é sinal de que
contradiz seus conceitos. Vale ressaltar que o leitor recebe o texto conforme
seu horizonte de expectativa e este pode ser alterado à medida que conhece
outros textos.
As obras escolhidas para desenvolver o trabalho se enquadram nessa
visão de interação, e identificação. Os livros tratam de assuntos comuns na
vida das crianças, porém muitas vezes difíceis de aceitar.
Para desenvolvê-lo foram escolhidas as seguintes obras: O Menino
Maluquinho; O Menino Marrom; Menina Nina: duas razões para não chorar;
Flicts; O Menino Quadradinho.
A primeira etapa é a “Determinação do Horizonte de Expectativas”, que
consiste em fazer uma sondagem do tipo de leitura que pode agradar aos
alunos. Ou seja, é a busca pelo gosto literário da turma, assim é possível
trabalhar com a obra que certamente trará melhores resultados.
Na segunda etapa do método, “Atendimento do Horizonte de
Expectativa”, são ofertados textos, que estejam de acordo com o levantamento
feito na etapa anterior. A satisfação das necessidades proporcionada por estes
textos deve ser tanto como objeto de estudo, quanto estratégia de ensino. O
contato com textos que agradam, proporcionam o prazer de ler.
A terceira etapa, “Ruptura do Horizonte de Expectativa”, os textos devem
seguir a mesma temática da etapa anterior, porém deve apresentar maior
dificuldade, ou seja, utilizar textos que faça o aluno raciocinar mais, repensar
seus conceitos, no entanto, não pode deixá-lo inseguro, para não desinteressar
e se afastar da atividade.
Na penúltima etapa, “Questionamento do Horizonte de Expectativa”,
será sugerido aos alunos uma análise das leituras já realizadas, identificando
qual apresentou maior dificuldade de reflexão e qual proporcionou maior
satisfação. Através dessa comparação, os alunos podem constatar os próprios
desafios e os caminhos para superar os obstáculos textuais. Dessa atividade
de auto-exame, os alunos percebem não só suas reais preferências literárias,
bem como suas dificuldades. É nessa etapa que se questiona os conceitos ou
os pré-conceitos, perante a realidade, assim percebe-se que os valores são
relativos.
Na quinta e última etapa, “Ampliação do Horizonte de Expectativas”,
nesse momento já aconteceu uma evolução, portanto as obras oferecidas
devem possibilitar reflexões, proporcionar de fato a emancipação literária.
2 LEITURA E EMANCIPAÇÃO LITERÁRIA
O Projeto de Intervenção Pedagógica foi apresentado com utilização
das mídias disponíveis no Colégio Professor Sílvio Tavares, durante a semana
pedagógica, para os diretores, professores, funcionários e equipe pedagógica.
Foram expostas as justificativas, os objetivos, a implementação, as estratégias,
bem como a fundamentação teórica. De forma geral, todos os ouvintes
demonstraram e expressaram interesse pelo projeto por tratar-se de um tema
relevante aos alunos e à comunidade escolar.
A implementação teve início no dia 12 de agosto de 2012 e se estendeu
até a última semana de novembro de 2012. Para a aplicação do projeto
respeitou-se a ordem de distribuição do Método Recepcional.
1ª ETAPA – Determinação dos Horizontes de Expectati va.
Para atender aos objetivos desta etapa, realizou-se um bate papo com
os alunos sobre o autor Ziraldo. Para tanto, foram exibidas algumas entrevistas
em vídeos, a biografia completa, comentários sobre suas inúmeras obras,
principalmente as mais conhecidas, a irreverência artística, a sinceridade sobre
os temas abordados e sua paixão pelos livros. O diálogo esclareceu o quanto
conheciam ou não das obras de Ziraldo. Para esta etapa teve destaque suas
inúmeras habilidades de humorista, cartazista, desenhista, teatrólogo, etc.
Como era esperado, a obra mais conhecida é O Menino Maluquinho.
Em seguida, foi proposta a leitura do livro, atividade que todos
gostaram, pois houve identificação do leitor com as experiências narradas pelo
menino alegre, inteligente e peralta. A maneira de viver do menino que enfrenta
problemas comuns a tantas crianças sem perder a inocência inerente à infância
e a habilidade de transformar situações difíceis em brincadeiras, desperta a
sensibilidade do leitor.
Na história, os pais do menino maluquinho se separam, essa passagem
é marcante porque muitos alunos, filhos de pais separados, se manifestaram
falando da separação de seus pais. Alguns relataram que a forma como o
menino encarou o problema os ajudou a entender melhor e principalmente
conviver com a situação. Também perceberam que a revolta que sentiam não
ajudava em nada, e que os sentimentos mudam entre pai e mãe, diferente do
sentimento e relação entre pais e filhos. O relacionamento com os avós
proporcionou boas discussões, principalmente o respeito que os familiares e a
própria sociedade deve ter com os idosos.
Também foi possível trabalhar, de forma interdisciplinar, com a disciplina
de Educação Física. As brincadeiras da época da infância do menino foram
resgatadas, alguns alunos que normalmente relutam em participar de outras
atividades propostas, demonstraram total envolvimento. Segundo a Professora
de Educação Física, a iniciativa foi produtiva, pois iniciou uma dinâmica
diferente em suas aulas que certamente irá continuar, até mesmo porque os
alunos solicitaram que as brincadeiras sejam inseridas com mais frequência.
Ao final desta etapa, os alunos produziram textos, desenhos, poesias e
um miniteatro com as maluquices do menino.
2ª ETAPA- Atendimento do Horizonte de Expectativas
Na etapa anterior, o livro escolhido abordou os problemas e as alegrias
da vida de criança, também mostrou o lado bom das amizades e do
companheirismo. Para dar continuidade a esta temática, foi escolhido o livro O
Menino Marrom, que inseriu outros obstáculos para a vida em sociedade, como
é o caso do preconceito.
A forma como Ziraldo retrata a amizade do Menino Marrom e do Menino
Cor-de-rosa é interessante, mostra a beleza negra, o menino age de forma
inteligente, valoriza a identidade, o personagem é sempre ativo, toma decisões
no decorrer da história.
A amizade com um menino completamente loiro de olhos azuis é
proposital, não para reforçar as diferenças, mas sim a identidade étnica,
imprescindível para identificar-se como pessoa e perceber que a cor da pele
não interfere na condição de sujeito social. Os alunos foram levados a pensar
sobre a questão da etnia e da condição humana na sociedade.
Houve interdisciplinaridade com Arte, sendo que a professora
responsável pela disciplina, através da confecção do disco de Newton,
demonstrou a importância de todas as cores. Nesse sentido, foi abordado a
mistura das cores na raça brasileira, com um resgate da história desde o
descobrimento, ou seja, pessoas de todos os países que vieram para esta terra
e aqui criaram raízes.
A mistura de vários povos é que deu origem à raça brasileira, são
várias etnias, sendo que, ao pesquisar seus antepassados, a grande maioria
dos alunos descobriu que mesmo tendo a pele branca tem ascendentes de
outra raça, inclusive negra.
O “Poema da Criança Negra” possibilitou uma análise da manifestação
do preconceito com a frase “homem de cor” e nesse sentido a constatação de
que todos trocam de cor, dependendo da situação, assim somos todos de cor.
Os alunos pesquisaram e construíram um painel com fotos das pessoas
negras mais influentes no Brasil e no mundo, para evidenciar que a capacidade
independe da cor da pele. O trabalho coincidiu com a comemoração do dia da
Consciência Negra, concretizando uma interdisciplinaridade com a disciplina de
história.
A fábula “O Macaco e o Peixe” mostrou a necessidade de buscar
conhecimento para agir com sabedoria, não agir no impulso, pois os resultados
podem ser desastrosos, principalmente ao se perceber que através dos
próprios esforços é possível mudar uma história de fracassos para uma história
de sucesso.
3ª ETAPA – Ruptura do Horizonte de Expectativas
Como a segunda etapa foi desenvolvida a partir do livro O Menino
Marrom, para dar continuidade à temática e aprofundá-la, na terceira etapa foi
utilizado o livro Flicts, cujo nome, segundo Ziraldo, nasce de um
aproveitamento onomatopaico, do tipo que se utiliza em charges ou histórias
em quadrinhos – trata-se de uma interjeição, como ploct, flact, plict etc.
Avaliando o contexto, nota-se que “flicts” pode ser a corruptela da palavra
“aflito”, adjetivo, aliás, utilizado mais tarde para defini-lo.
Desde 1969, ano de publicação, Flicts recebeu diferentes interpretações,
uns o veem como poema, outros como poema em prosa, ou até mesmo como
prosoema. O fato é que por inúmeras vezes já foi teatralizado e continua
conquistando leitores de todas as idades.
O livro chamou a atenção por seu colorido e pelo fato da imagem
interagir com o texto verbal, numa perfeita complementação. Ao se priorizar as
cores, produz-se um efeito significativo, revela sensibilidade e criatividade.
A obra permite a discussão de diversas temáticas, principalmente as
voltadas para a exclusão. O fato de Flicts ser considerado frágil, feio, aflito,
levou os alunos a perceberem e apontarem, na sociedade, pessoas que se
sente como ele, como é o caso dos homossexuais, deficientes, negros,
pessoas com doenças contagiosas, obesos, dentre outros .
A comparação com o livro O Menino Marrom foi inevitável, na sequência
alguns alunos relataram como se sentem em algumas situações de exclusão
por ter parentes presos ou envolvidos com tráfico de drogas. Foi um momento
em que se sentiram a vontade para falar da realidade em que vivem, alguns
apresentaram relatos surpreendentes.
Na comparação dos dois livros, Flicts e O Menino Marrom, percebeu-se
que o Menino Marrom nunca manifestou sofrer qualquer tipo de preconceito,
sempre estava feliz e engajado no grupo, porém não são todos os negros que
vivem sem sofrer discriminação, assim foi possível aprofundaras discussões
sobre o tema e comentar sobre os padrões impostos pela sociedade.
O exemplo de Flicts, de enfrentar tantas frustrações e buscar o caminho
que o levou a encontrar seu espaço no universo é muito importante, mostra
que a persistência, a fé, deve ser constante, pois existe lugar para todos, mas
só o alcança aquele que persiste.
Após a discussão dos temas abordados, foram produzidos textos
modificando o final da história, além disso os alunos fizeram textos em que
criaram vínculo de amizade entre Flicts, O Menino Maluquinho e O Menino
Marrom.
Dos livros trabalhados, Flicts foi um dos que mais chamou a atenção dos
alunos pela história fantástica que conta, também despertou a curiosidade dos
mesmos para entender melhor a chegada do homem à lua, para isso utilizou-se
o laboratório de informática do colégio para acessar textos informativos e
assistir diversos vídeos sobre tal temática.
Ao final da etapa, foi apresentado um miniteatro do livro Flicts para os
alunos e professores do Colégio.
4ª ETAPA – Questionamento do horizonte de expectati va
Esta etapa propõe questionamentos de “algumas verdades”, em especial
a abordagem e a relativização dos valores. Para essa tarefa foi escolhido o
livro Menina Nina: duas razões para não chorar.
De acordo com Ziraldo, a obra em questão nasce da necessidade de
explicar para sua neta, Nina, sobre a morte de sua esposa, Vovó Vivi. Segundo
o autor, o relacionamento das duas era muito intenso, ambas se completavam
e eram amigas inseparáveis.
Para a organização da obra o autor a dividiu em três partes. A primeira,
intitulada vida plena, mostra a plenitude da vida da Vovó que se sente renascer
com o nascimento da neta, neste momento ela se vê mãe duas vezes. Com o
tempo, a Vovó Vivi torna-se modelo de mulher para a neta, que quer ser igual a
esta quando crescer. As ilustrações complementam este momento do texto,
são coloridas e grandes, transmitindo muita alegria.
Na segunda parte do livro, as gravuras acompanham o clima tenso de
tristeza, pois trata do momento da morte da vovó. As ilustrações são escuras e
tristes, sem o colorido de outrora. A menina quer saber para onde a Vovó foi,
como ficariam os planos que tinham juntas, enfim trata-se de um momento
difícil e onde não há respostas claras e reparadoras. A imagem da menina
chorando, apresentada nas páginas da obra, falam por si.
Na terceira parte do livro, Ziraldo consegue demonstrar toda sua
genialidade, quando descreve que Nina é obrigada a reaprender a viver, pois,
apesar da saudade, a vida deve continuar, para tanto o livro trás sutilmente
duas opções de crenças. Novamente as ilustrações complementam o texto
com seu colorido. Nina imagina que a vovó dormirá eternamente e que está
bem, feliz, em paz e que não sabe e nem saberá o que aconteceu. Segundo o
autor, é importante para a menina saber que a vovó está bem. Ao mesmo
tempo deixa outra opção, ela sonha um sonho bom, consegue “ver” a vovó,
que não irá acordar pois está sonhando. Assim, em sonho, elas poderão
continuar se vendo.
A partir da história foi possível falar do assunto “morte” com mais
naturalidade, muitos alunos falaram de seus entes queridos que já partiram, do
sentimento de angústia, do vazio após a perda de alguém.
Foi exibido o filme O Rei Leão, como complementação porque trata do
assunto de forma singela, o sofrimento de Simba pela perda do pai é
comovente. Foi possível demonstrar que o ciclo da vida acontece de forma
semelhante para todos os seres vivos.
O texto História de Uma Folha também colabora com a demonstração
do ciclo e que todo ser vivo tem utilidade e pode construir uma bonita história.
Os alunos puderam comparar a passagem das estações com as fases da vida.
5ª ETAPA – Ampliação do Horizonte de Expectativas
Neste momento o aluno já desenvolveu bastante o seu senso crítico e,
portanto, tornou-se mais exigente, sendo assim para atendê-lo é necessário
uma obra que permita a continuidade da emancipação, tanto em nível estético,
quanto ideológico.
O aluno percebe que a leitura não é apenas uma tarefa escolar, mas sim
uma janela para o mundo da imaginação e do conhecimento. Consegue
compreender melhor o que lê e relaciona o texto com a vida real. Sendo assim,
é o momento de apresentar uma obra que trata da verdadeira importância da
leitura e da escrita para a vida.
O livro escolhido para esta etapa foi O Menino Quadradinho, que narra a
história de um menino que não conhecia as letras, apenas ilustrações, cores e
sons. Este era fascinado por esse mundo colorido e sonoro, até que um dia se
depara com as primeiras palavras e, aos poucos, vai se entregando ao mundo
da leitura. A forma como o autor desenvolve a história envolve o leitor que
participa da construção de sentido do texto e busca emancipar-se.
A intenção do autor ao utilizar a frase “[...] que havia acordado do lado
de fora da sua infância.” (p. 25), demonstra o crescimento, a passagem da
infância para a adolescência. Fase que desperta o adolescente para o mundo,
para as sensações, as aventuras. Todavia, ao mesmo tempo, gera muitas
dúvidas, esse é o ponto obscuro que pode ter como amparo a leitura para
sanar os questionamentos e favorecer o surgimento de um adulto mais seguro.
Nelly Novaes afirma: “Difícil falar de toda a essencialidade contida nessa
corrente contínua de palavras, em que Ziraldo represa o valor vivo da
PALAVRA. Aponta-se apenas um de seus elementos mais importantes: o
amálgama feito com o poema de Carlos Drummond, [...]” (COELHO, 1984, p.
875).
Ao questionar os alunos sobre o “espaço em branco”, o espaço de
tempo em que ele ficou preso apenas a quadrinhos, sem as outras palavras, foi
possível perceber a evolução dos alunos quanto à interpretação, as respostas
se aproximaram da ideia do autor que o vê como: o vazio na vida daquele que
não tem contato com a leitura, cultura, isto é, conhecimento.
Ao trabalhar a frase “Do lado de fora da infância!”, chama atenção a
resistência do menino em crescer, se tornar adulto, como consequência as
responsabilidades da vida chegarão. Assim como o espaço em branco pode
significar o fim ou o começo, nesse caso, é o começo de uma nova fase da
vida, com muitas palavras, conhecimento adquirido através da leitura, e
também a preparação para a vida adulta, afinal descobre-se que esse livro é
como a vida.
O objetivo maior foi atingido, o de conscientizar os educandos sobre a
importância da leitura como fonte de prazer e aquisição de conhecimento. Para
Umberto Eco ( 2010, p.9), o texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor
que faça uma parte de seu trabalho. Que problema seria se um texto tivesse de
dizer tudo que o receptor deve compreender – não terminaria nunca.
O texto deixa lacunas para serem preenchidas pelo leitor que pode
escolher o caminho que quiser seguir, certamente vai depender do estado
emocional, da vida pessoal, pois dependendo de como nos sentimos no
momento da leitura bem como das novas experiências adquiridas, são fatores
capazes de alterar nossa interpretação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação literária é imprescindível para o sujeito se firmar como
cidadão que expressa suas ideias. O fato de vivermos num mundo tomado pela
tecnologia mudou o conceito de ser alfabetizado, que hoje engloba estar apto a
lidar com as tecnologias, principalmente o computador.
Essa mudança nos leva a alguns questionamentos quanto à influência
da tecnologia nos hábitos de leitura, deve-se considerar que a agilidade de
informações produzidas pela internet influencia na formação de consciência
crítica.
Para enfrentar a ameaça de criar verdadeiras gerações robotizadas é
preciso que a literatura seja o eixo das multilinguagens da cultura. O texto que
desperta o imaginário deve estar sempre presente, pois é uma forma de
neutralizar a agonia do hábito de ler na sociedade e principalmente nos bancos
escolares.
A genialidade das obras de Ziraldo, ao tratar temas do cotidiano das
crianças e adolescente com ludicidade, facilita o desenvolvimento do trabalho e
permite atingir os objetivos pretendidos. Embora seja intitulada como literatura
infantil, suas histórias se enquadram perfeitamente na história da vida dos
leitores, inclusive os adultos, ou seja, serve para todas as idades, afinal todo
mundo um dia já foi criança.
A escolha de desenvolver o projeto seguindo as etapas do Método
Recepcional atendeu as necessidades, pois foi possível escolher as obras de
Ziraldo de acordo com cada objetivo proposto. Ao apresentar o projeto, falar da
vida e das obras de Ziraldo, despertou-se grande interesse nos alunos, afinal
não é todo dia que se encontra alguém com tantas habilidades literárias e com
uma linguagem tão apropriada para criança.
Após a leitura do Menino Maluquinho, através dos comentários, ficou
clara a identificação entre leitor e personagem. Quando essa proximidade
acontece, o personagem se torna mais real, essa é a verdadeira interação que
a leitura exige. O leitor também tem a impressão de que não é o único a ter
problemas, e estes se tornam mais fáceis de serem suportados a partir da
leitura das obras de Ziraldo, a vida fica mais fácil de ser vivida.
Ao assistirem o filme, algumas crianças se emocionaram com a cena em
que o pai conta sobre a separação, principalmente os filhos de pais separados.
Tais alunos gostaram da teoria dos lados usada pelo personagem.
Também foi impressionante o interesse que o livro O Menino Marrom
despertou nos alunos, talvez pelo fato de ter na sala um aluno negro, que logo
foi identificado pelos colegas, algo que fez com que a turma tivesse
participação ativa nas discussões provocadas pela história. Ao abordar o
preconceito racial, demonstraram ter consciência das mudanças em relação ao
assunto, houve comentários sobre o fato de a discriminação ser considerada
crime, porém o objetivo maior de reforçar a importância da identidade étnica foi
alcançado. Para tanto, os alunos realizaram uma pesquisa sobre a influência
da cultura afro no Brasil, também pesquisaram sobre os negros mais influentes
no Brasil e no mundo, tanto no esporte, política, igreja, como nas artes.
Durante a realização de uma pesquisa da árvore genealógica de cada
aluno, a grande maioria descobriu a presença de negros na família. Também
conseguiram, a partir desses dados, fazer uma viagem desde o descobrimento
do Brasil, passando pelos imigrantes que vieram se aventurar em novas terras,
até chegar ao que são hoje, para então entender a origem dos brasileiros, na
verdade foi um encontro com a própria história.
O impacto causado pela história de Flicts, despertou sensibilidade e
questionamentos sobre os valores da sociedade, principalmente o porquê do
“diferente” ser discriminado. Nesse momento, foram levantados e discutidos
diversos tipos de discriminação, houve, inclusive, aprofundamento sobre
assuntos já abordado em outro momento das aulas, como o bullyng.
A fragilidade revelada por Flicts transborda as páginas do livro e toca o
sentimento do leitor que tem vontade de adotá-lo, como se fosse uma criança
abandonada, foi justamente esse o comentário de algumas crianças, ou seja, a
intenção de humanizar os leitores foi atingida.
Apesar de toda rejeição, Flicts se mostrou guerreiro, persistente, não
desistiu do objetivo de encontrar seu espaço, essa mensagem foi percebida
pelos alunos que entenderam que jamais se deve abandonar a busca pela
conquista dos sonhos, mesmo diante de tantas dificuldades.
Um dos temas mais difíceis de tratar com crianças e adolescentes é a
morte. Partindo desse pressuposto, escolheu-se para fazer parte do corpus do
trabalho o livro Menina Nina: duas razões para não chorar.
A leitura do livro, como era esperado, mexeu com as emoções,
principalmente dos que já perderam alguém bastante próximo. Faz parte da
realidade escolar crianças que são criadas pelos avós porque seus pais já
morreram, uma delas relatou que seu pai foi assassinado e a mãe faleceu
devido ao uso de drogas. Foi impressionante o quanto a leitura os deixou à
vontade para discutir tais temas, em geral tabus na realidade escolar.
O ciclo da vida (começo, meio, fim) foi reforçado com a exibição do filme
O Rei Leão, que retrata o desespero do filho perante a morte do pai, além de
temas complexos como a fuga, a distância, a saudade, o sentimento
amenizado através do tempo e a continuidade da vida. Tais temáticas fazem
parte da realidade de todos os seres humanos, daí as inúmeras discussões
suscitadas entre os alunos.
Com o texto História de Uma Folha, compreendeu-se a individualidade,
a história que cada um constrói durante o tempo que permanece no mundo.
A emancipação literária pretendida no trabalho através das obras de
Ziraldo foi finalizada com o livro O Menino Quadradinho. No início do texto, as
palavras “Era Uma Vez” despertou a imaginação dos alunos e criou uma
expectativa sobre a história. No que diz respeito ao conteúdo, é um pássaro
que inicia a narrativa, só depois aparece o menino, que assume seu papel de
protagonista. Na obra, as próprias palavras são personagens, além disso há
uma mistura de linguagem verbal e não-verbal.
O mundo onde vivia, até se deparar com as palavras, pode ser visto
como a infância, momento de poucas responsabilidades e muita diversão. A
partir do momento que se apropria das palavras, é praticamente vencido por
elas, é o final da infância, momento de assumir compromissos mais sérios.
Assim, toma consciência do valor das palavras, torna-se leitor e consegue
compreender o mundo. Ao preencher as lacunas do texto, pode-se dizer que
alcançou a emancipação literária.
Todo o desenvolvimento da proposta transcorreu no sentido de levar o
aluno a entender a necessidade de adquirir conhecimentos, se emancipar
literariamente. A dinâmica na aplicação foi válida em função do método
utilizado que permitiu trabalhar obras de um mesmo autor, porém com
temáticas diferentes.
Através do interesse dos alunos, da participação ativa durante a
implementação, das produções de textos, representações através de
desenhos, miniteatros, ficou explícito que a proposta tem potencial
emancipatório, e contribui para que a literatura adquira sentido para os alunos.
Destarte, é missão da família, dos professores, e da escola continuar
com iniciativas voltadas à emancipação literária, pois o trabalho não se esgota
num único projeto, a virtude está na persistência para atingir maiores objetivos.
Usando as palavras de Ziraldo, temos que fazer a criança se apaixonar pelo
livro.
REFERÊNCIAS AGUIAR, V.T. de; BORDINI, M.G. Literatura: a formação do leitor: alternativas
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Editora Melhoramentos, 2005.
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______________. O Menino Quadradinho / Ziraldo; (ilustrações do autor) – 29
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