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Ministrio da Educao
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Direito
Programa de Ps-Graduao em Direito
Segurana jurdica: da crise ao resgate
Artur Alves da Motta
Porto Alegre, 2008
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II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
SEGURANA JURDICA: DA CRISE AO RESGATE
Artur Alves da Motta
Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao em
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
requisito parcial para obteno do grau de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Cezar Saldanha Souza Junior.
Porto Alegre
2008
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III
Agradecimentos
A Deus, pelos meus pais e avs;
A meus pais e avs, pela minha formao;
minha formao, pelo gosto pelo estudo e
Ao estudo, por ter chegado at aqui.
Ao Professor Cezar Saldanha Souza Junior, pela orientao firme e segura pois no
basta ter gosto pelo estudo: preciso ter rumo e sentido.
Aos meus familiares e amigos, pela compreenso, estmulo e apoio.
minha me, em particular, por ter tido pacincia em revisar e corrigir alguns erros de
metodologia.
Karina, por todas as horas.
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IV
RESUMO
SEGURANA JURDICA: da crise ao resgate
Apesar de o direito ser feito para trazer estabilidade sociedade e garantia a seus
membros, hoje em dia no Brasil esse propsito no se verifica adequadamente como
deveria.
Este trabalho se concentra na segurana jurdica, uma expresso no direito romano-
germnico que contm a idia de como o direito deve dar ao povo um sentido de certeza
e tambm embasa a coisa julgada e o controle de constitucionalidade.Na verdade, o sentido de estabilidade no direito brasileiro est em crise. Este estudo
procura saber o motivo e tenta achar uma resposta na doutrina e nas decises do
Supremo Tribunal Federal para entender como isso afeta a coisa julgada e o controle de
constitucionalidade.
A concluso leva idia de que o modelo de controle difuso de constitucionalidade sem
a vinculao obrigatria dos precedentes, combinado com um enfoque no controle
concentrado e abstrato de constitucionalidade a causa de vrios problemas, afetando
no apenas o conceito de coisa julgada mas tambm trazendo danos segurana
jurdica.
PALAVRAS CHAVE: Segurana jurdica. Certeza. Direito romano-germnico. Coisa
julgada. Controle de constitucionalidade. Precedentes. Corte constitucional. Supremo
Tribunal Federal. Teoria do direito.
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V
ABSTRACT
LEGAL SECURITY: fall and riseAltough law is made to bring stability to the society, and assurance for its members,
nowadays in Brazil its purpose is not occurring properly and as it should do.
This work focuses on legal security, a term in civil law that contains the idea of how
law must give people a sense of certainty, and also supports the res judicata andjudicial
review.
Actually, the sense of stability in Brazilian law is in crisis. This study wonders why and
tries to find an answer in jurisprudence and in the Supremo Tribunal Federal (Braziliansupreme court) decisions to understand how it affects the institutes of res judicata and
judicial review.
The conclusion leads to the idea that a judicial review model without stare decisis
combined with the classic civil law constitutional court is the cause of several problems,
affecting not only the concept of res judicata but also damaging the legal security.
KEY WORDS: Legal security. Certainty. Civil law.Res judicata.Judicial review. Stare
decisis.Constitutional court. Brazilian Supreme Court. Jurisprudence.
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VI
There is no such thing as absolute certainty, but there is assurance sufficient for the
purposes of human life.
John Stuart Mill
In this world nothing can be said to be certain, except death and taxes.
Benjamin Franklin
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VII
Lista de abreviaturas
ADC Ao declaratria de constitucionalidade
ADI Ao direta de inconstitucionalidade
ADIn Ao direta de inconstitucionalidade
Ag AgravoAgR Agravo regimental
Agrac Agravo regimental em ao cautelar
AgRg Agravo regimental
AI Agravo de instrumento
AR Ao rescisria
CF Constituio Federal
CONAMP Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico
CPC Cdigo de Processo Civil
CRFB Constituio da Repblica Federativa do Brasil
DJ Dirio de Justia
DJU Dirio de Justia da Unio
ED Embargos de declarao
EDcl Embargos de declarao
EDiv Embargos de divergncia
ERESP Embargos de divergncia em Recurso Especial
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio
HC Habeas Corpus
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IR Imposto de Renda
j. Julgamento em
MC Medida cautelar
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VIII
Min. Ministro
MP Medida provisria
MS Mandado de seguranaRcl. Reclamao
RE Recurso extraordinrio
Rel. Relator
RESP. Recurso especial
RHC Recurso em habeas corpus
S. Seo
STF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de Justia
T. Turma
TRF Tribunal Regional Federal
TSE Tribunal Superior Eleitoral
TST Tribunal Superior do Trabalho
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SUMRIO
Consideraes Iniciais.....................................................................................................11
I A escolha do tema..................................................................................................11
II A segurana jurdica e o presente trabalho...........................................................12
III Terminologia, estilo, alguns porqus ..................................................................13
Parte I Doutrina da segurana jurdica .......................................................................16
1. tica, poltica e direito ............................................................................................16
2. O Estado de direito..................................................................................................21
3. Segurana jurdica como princpio do Estado de direito ........................................23
4. A segurana jurdica como elemento do Estado de direito .....................................26
5. A segurana jurdica e sua finalidade no Estado de direito ....................................31
6. Aspectos formais da segurana jurdica ..................................................................35
7. Aspectos materiais da segurana jurdica ...............................................................39
8. A segurana jurdica no nosso ordenamento jurdico .............................................44
9. A segurana jurdica do Estado de direito na coisa julgada....................................51
10. A segurana jurdica da coisa julgada como valor constitucional ........................56
Parte II A crise da segurana jurdica ........................................................................60
11. Processo, jurisdio e coisa julgada ......................................................................60
12. Segurana jurdica e a excepcionalidade da ao rescisria .................................62
13. Limites reviso da coisa julgada ........................................................................66
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14. Rescisrias de sentenas contrrias ao entendimento do STF ..............................67
15. Da Smula 343 do STF.........................................................................................71
16. Da relativizao da coisa julgada..........................................................................75
17. Outras tentativas de relativizao..........................................................................80
18. A segurana jurdica conflita com a justia?.........................................................82
19. Crtica disparidade de critrios do STJ nas aes rescisrias ............................88
20. Crtica s decises que geram insegurana jurdica..............................................91
Parte III Resgate da segurana jurdica....................................................................102
21. A Constituio como fonte da segurana jurdica...............................................102
22. A jurisdio constitucional..................................................................................105
23. A jurisdio constitucional como a segurana na prtica ...................................108
24. A segurana jurdica nos julgados da jurisdio constitucional..........................111
25. A segurana jurdica como concepo................................................................111
26. A segurana jurdica como fundamento de decises ..........................................115
27. A segurana jurdica como a dosagem dos efeitos..............................................117
28. A eficcia prospectiva s decises de inconstitucionalidade ..............................119
29. Crticas ao sistema de jurisdio constitucional brasileiro .................................12330. Propostas para incremento da segurana jurdica pelo aprimoramento da
jurisdio constitucional............................................................................................129
Concluso......................................................................................................................135
Referncias bibliogrficas.............................................................................................142
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CONSIDERAES INICIAIS
I A escolha do tema
A busca do ser humano por segurana inata. Nos primeiros anos de
vida, embora no tenha conscincia disto, ele sabe que a presena dos pais capaz depropiciar um mnimo de conforto, alimento e proteo de males maiores. Mesmo que o
conforto material praticamente inexista, inegvel que o conforto espiritual advindo da
companhia de um dos pais, mas preferencialmente de ambos, para a criana um dos
pilares da sensao de bem-estar.
Ao longo da vida, esse sentimento de satisfao e tranqilidade que a
segurana confere leva o homem a procur-la ou a tentar diminuir a sensao de sua
falta. Por que motivo a criana quando d os primeiros passos tenta se agarrar no queconsidera mais estvel e se esfora para alcanar a mo dos maiores, preferencialmente
do pai ou da me? a busca intuitiva da segurana.
A economia, por exemplo, sempre lidou com incertezas e faz um
contnuo esforo para diminu-las, pois existe um sentimento generalizado de que a
sensao de segurana gera um ambiente propcio a novos negcios, trazendo
desenvolvimento. Apenas para se ter uma noo de como a segurana e a eliminao da
incerteza so premissas do progresso econmico, basta lembrar que a inveno damoeda teve o propsito inicial de eliminar a incerteza quanto ao valor das mercadorias.
Com o advento do dinheiro os comerciantes passaram a ter confiana em valores
objetivos1e desde ento a sociedade nunca mais foi a mesma.
Existe tambm o sentimento de que o direito no funciona to bem assim,
pois o nmero crescente de atos normativos dentro do ordenamento jurdico leva a uma
1GALBRAITH, John Kenneth.A era da incerteza, p. 160 e seguintes.
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incerteza de qual a norma aplicvel soluo dos casos concretos. Isto sem falar nas
decises divergentes para aqueles que propem aes individuais envolvendo relaes
jurdicas homogneas. Tal panorama revela o lado da insegurana que o direito mal-construdo e mal-aplicado provoca e acaba por confundir a mente das pessoas.
Noutros momentos da vida e at no final dela, na busca de um sentido ou
explicao para sua vida, o homem quer racionalizar seus erros e acertos. Deseja deixar
impresses positivas para os demais que conviveram com ele e tambm pensa no que
lhe reserva o futuro e o que vem depois da morte.
Portanto, desde os primrdios o homem busca amparo, quer ter certezas,
organizar sua vida e ter certa previso de seu futuro. Em suma, a procura da segurana,
nas suas mais variadas formas, inerente ao ser humano, o acompanha durante a vida.
Esse anseio abrangente no se manifesta apenas no direito, embora seja sob este aspecto
que aqui ele ser tratado.
II A segurana jurdica e o presente trabalho
O objeto do presente trabalho, apesar as inmeras possibilidades que o
tema da segurana propicia no campo jurdico, entretanto, bem mais simples. Primeiro
porque no teria o seu autor densidade jurdica de conhecimentos suficientes para fazer
frente to audaciosa empreitada; segundo, porque ainda que tivesse os requisitos
tcnicos para tanto o que definitivamente no o caso tampouco poderia faz-lo
durante o perodo em que deve ser concludo um estudo de mestrado.
Assim, a dissertao se volta segurana jurdica sob um aspecto prtico,
lanando um olhar para o cotidiano jurisdicional brasileiro. E, paradoxalmente, ao
mesmo tempo em que os meios jurdicos ptrios parecem clamar aqui e ali por
segurana jurdica, o resultado da atividade jurisdicional no parece trilhar a senda
desses anseios.
Nessa anlise do real a partir de um ideal, com todos os problemasinerentes a essa perspectiva, confrontando-se o direito (dever-ser) com ele mesmo, ou
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com os propsitos que o orientam, verificou-se um problema: um dos maiores smbolos
institucionais de segurana jurdica, a coisa julgada, tem sido relativizada. Da a
proposta do presente estudo, mediante uma busca junto doutrina e tambm najurisprudncia do STF e STJ para saber o alcance da influncia da jurisdio
constitucional sobre a coisa julgada. Cogitou-se ento como poderia a jurisdio
constitucional contribuir para a revitalizao da segurana jurdica e corrigir os seus
desvios que a falta de sua compreenso tem gerado na coisa julgada.
Com relao forma, o estudo se divide em trs partes do que se poderia
chamar a dinmica da segurana jurdica: a sua doutrina, a sua crise e propostas para o
seu resgate.
Na parte referente doutrina, a anlise parte dos fundamentos tericos do
Estado de direito, dos seus valores, da segurana jurdica at se chegar a uma idia
elementar de segurana jurdica na coisa julgada.
Ao tratar da crise da segurana, procurou-se fazer uma anlise do quadro
atual da coisa julgada, instituto no qual a segurana jurdica se faz mais presente e em
que so encontradas divergncias doutrinrias sobre a rigidez desse tema constitucional.
Tambm merece considerao a influncia das decises do STF e do STJ nesse debate.
O trabalho concludo com o que se denominou de resgate da segurana
jurdica a partir de propostas acerca da jurisdio constitucional que acabam
contribuindo para o incremento da prpria segurana jurdica e valorizando o papel da
coisa julgada.
III Terminologia, estilo, alguns porqus
Antes que se passe propriamente ao texto, preciso explicar algumas
coisas para que evitem confuses, dubiedades e mal-entendidos. Por outro lado, certas
consideraes introdutrias tambm podem facilitar uma compreenso mais rpida e
gil das idias lanadas. No se quer com isso solicitar certa indulgncia do leitor com
as falhas que naturalmente todo trabalho tem e contm, mas sim permitir que as crticas
efetivamente tenham a finalidade de corrigir.
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No que o autor queira se esquivar das inevitveis crticas ou deseje
afirmar sua humanidade pela sua capacidade de errar. Se a dissertao conseguiu se
constituir num trabalho minimamente apresentvel e com alguns mritos, porque omestrando soube receber as admoestaes e censuras como valiosos elementos para a
correo de rumos e incremento qualitativo de certas proposies encontradas no texto.
Alm do mais, no parece ser alvo de disputas que o ser humano erre.
O propsito aqui , fundamentalmente, tornar a leitura mais dinmica e
proveitosa para que o trabalho de avaliao no seja mais cansativo do que
normalmente deve ser. Da a preocupao inicial em desenvolver um estilo simples e,
na medida do possvel agradvel. Certamente que alguns podem ter razo nas crticasno s ao estilo de escrever e argumentar, mas certas limitaes so invencveis.
Quanto s notas de rodap, que foram objeto de crtica pelo excesso, elas
foram uma escolha do autor do trabalho. O escopo no foi induzir o leitor a uma leitura
truncada do texto, mas, antes pelo contrrio, permitir dois nveis de leitura e explicitar
qual a fonte das afirmaes que vo sendo construdas ao longo do texto at por
exigncia do trabalho acadmico. So raros os casos em que as notas de rodap
apresentam uma explicao do que se quis dizer ou um aprofundamento maior da
discusso: na quase totalidade das vezes as notas so a demonstrao do pensamento
dos autores e da jurisprudncia citadas.
Assim ser possvel uma leitura facilitada do texto, em que a
desconsiderao das notas de rodap no importar na perda da compreenso das idias
expostas. Eventualmente, se o leitor tiver curiosidade ou mesmo a necessidade de
conferir a origem de determinada frase ou pensamento, ele ter na nota de rodap o
apoio necessrio.
Quanto expresso ordenamento jurdico, aqui ela empregada no
mesmo sentido usado por Bobbio na sua Teoria do ordenamento jurdico: como
complexo de normas jurdicas, em um determinado territrio, com um trao de
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sistematizao entre elas. Em suma, ordenamento jurdico aqui possui uma equivalncia
com direito.2
2 [...] na realidade, as normas jurdicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de
normas com relaes particulares entre si [...]. Esse contexto de normas costuma ser chamado de
ordenamento. E ser bom observarmos, desde j, que a palavra direito, entre seus vrios sentidos, temtambm o de ordenamento jurdico[...]. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico, p. 19.
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PARTE IDOUTRINA DA SEGURANA JURDICA
1. tica, poltica e direito
A individualidade de cada ser humano lhe confere certa autonomia e
existncia prprias, mas apenas no conjunto com os seus semelhantes, em sociedade,
que o homem nasce, vive e se desenvolve. A maneira de integrao na sociedade
confere plenitude a este ser, j que ele ao mesmo tempo individual e relacional3: existe
por si como ser, mas direcionado a estabelecer relaes com os demais membros
componentes da coletividade humana para poder atingir os seus fins. O direito tambm
pressupe a sociedade humana4 j que inexiste para o indivduo isolado. O ser
atomizado no tem a noo nem o sentido do direito.5
Dos mltiplos aspectos encontrveis no ser humano, dois particularmente
interessam e servem de fundamento ao estudo da cincia jurdica: a tica e a poltica. A
ticaporque atrai o ser humano para o bem6, para a felicidade7; apolticaporque visa
organizar a convivncia em comum com os semelhantes.8
3SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha.A crise da democracia no Brasil, p. 3.
4 Sabemos que el individuo es un ser social que convive en un determinado entorno con otros seres
humanos. La ordenacin de la mera coexistencia de los seres humanos y la obtencin de objetivos
comunes son elementos que explican la naturaleza social del Derecho. La socialidad del ser humano y laconsiguiente convivencia constituyen el dato a partir del cual podemos comprender la existencia y la
necesidad del Derecho. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 17.
5PECES-BARBA, Gregrio. Curso de teoria del derecho, p. 18.
6REALE, Miguel.Lies preliminares de direito, p. 39.
7 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos
Bsicos, p. 24.
8
SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus ModelosBsicos, p. 25.
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A tica no se realiza sem ajustia, pois como diz Cezar Saldanha Souza
Junior a Justia e a felicidade de cada eu pessoal ficam prejudicadas, ou at
inviabilizadas, num clima social de insegurana e desordem (negrito do original).9Por
outro lado, a segurana um imperativo da poltica, j que sem um mnimo ajuste da
convivncia social no existem as condies para que cada membro da sociedade possa
se desenvolver.10
O direito a cincia que une ambas, ticaepoltica11, motivo pelo qual
pode ser concebido como um instrumento social pois onde h sociedade h direito 12
para uma organizao minimamente harmnica da sociedade, a fim de que os
indivduos que a integram possam se desenvolver e buscar a felicidade. Assim, a missodo direito auxiliar, pautar os anseios de forma a acomod-los para que, dentro da
ordem, possa o ser humano atingir sua finalidade.13O direito um instrumento a servio
do bem do ser humano e da sociedade em que ele vive.
9 SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos
Bsicos, p. 28.
10 Na efetivao do bem comum, cumpre poltica o estabelecimento de um clima de convvio, um
modus vivendi, no qual cada membro da sociedade possa desenvolver, com liberdade, os potenciais
prprios da personalidade. A poltica a dimenso de atividades que se define pela criao de uma ordem
segura, onde as diferenas humanas, naturais e adquiridas, sejam tratadas com o respeito proporcional
devido s pessoas, luz do bem comum, ou seja, do bem de todos, naquilo que todos temos de comum. O
valor primeiro da poltica, base para os demais valores sociais, , pois, a Segurana. (Negrito e itlico do
original) SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus
Modelos Bsicos , p. 29.
11SOUZA JUNIOR. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos
Bsicos, p. 38.
12 Nesse sentido: REALE, Miguel. Lies preliminares de direito, p. 2; PONTES DE MIRANDA.
Comentrios Constituio de 1967, tomo I, p. 30 e seguintes; RADBRUCH, Gustav. Filosofia do
Direito, vol. I, p. 49.
13 Sendo o direito criao humana, como diz Gustav Radbruch, no pode, portanto, haver uma justa
viso de qualquer obra ou produto humano, se abstrairmos do fim para que serve e do seu valor.RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. I, p. 50.
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Eis a um padro para aferir a medida da importncia do direito: uma
necessidade individual e social com a finalidade tambm voltada para indivduo e
sociedade. Uma sociedade sem um mnimo organizacional e que esteja de acordo comos sentimentos nsitos ao ser humano no tem como subsistir.14O direito aparece ento
como a fora propulsora da ordem, o elemento facilitador na realizao das expectativas
humanas. Ao lado dessa funo ordenadora, o direito tambm tem de respeitar ajustia,
indissocivel da natureza humana, e que o orienta fortemente.15
a poltica que vai orientar os rumos do direito, dar-lhe efetividade; a
tica, por sua vez, vai lhe dar embasamento. O direito no perde a sua autonomia diante
de ambas nem as absorve. Num arranjo peculiar as trs cincias coexistem mas aodireito atribudo o papel de ajust-las numa dimenso objetiva socialmente: o direito
uma ponte entre o ideal tico e a realidade poltica.
A sociedade no pode viver sem a poltica16, natural expresso da
necessidade organizacional e administrativa da vida social. Nela brota o debate, discute-
se como atingir as metas desejadas por uma determinada sociedade tendo em vista uma
pauta mnima de valores comuns dada pela tica. O direito atuar junto poltica para
orden-la e racionaliz-la, de forma que no calor das discusses, a empolgao da
maioria no aniquile os justos anseios de uma minoria nem permita o esquecimento de
valores ticos sem os quais a sociedade no possa evoluir de forma minimamente justa.
O direito limita um pouco a poltica, mas limita-a para dar-lhe sentido e reconhecer a
14El secreto del derecho est precisamente en esto, que los hombres no pueden vivir en el caos. El orden
les es tan necesario como el aire que respiran. CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho, p. 22.
15
O anseio por justia o eterno anseio do homem pela felicidade. a felicidade que o homem no podeencontrar como indivduo isolado e que, portanto, procura em sociedade. A justia a felicidade social.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado, p. 9.
16Interessante destacar que para (Cezar Saldanha) Souza Junior, tambm poltica e tica se interpenetram.
Diz ele: a poltica, sem a iluminao tica, sem um mnimo de Justia, poderia facilmente degradar a
relao mando-obedincia em abominvel opresso. Faltaria, mais alm da simples segurana, um ideal
transcendente de bem a orientar a ao das autoridades que detm o mando. Do lado da comunidade,
faltaria uma pauta de valores, aceita pela comunidade, fundamento de toda legitimidade, capaz de induzir
uma obedincia espontnea autoridade. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direitono Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 33.
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sua necessidade na busca do bem e at para resguard-la como meio para produzir o
prprio direito.
A tica tambm parcialmente incorporada pelo direito, mas este no a
absorve integralmente.17Absorvendo-a, a destruiria. A tica plenamente positivada pelo
direito perde a sua dimenso de fonte de valores dado que esses seriam aqueles
explicitados pelo ordenamento jurdico. O risco de se cair num positivismo oco do
ponto de vista axiolgico seria grande. Se toda a tica fosse o direito, desrespeitado
esse, morreria aquela. O fundamento tico engrandece o direito; a eticizao plena do
jurdico faz desaparecer aquela em funo desse ltimo. Como o direito no existe de
per si, sem um fundamento tico uma vez com toda a tica nele positivada o direitoteria de se reduzir a mecanismos de sano. Falhando esta e invariavelmente nem a
sano nem a sua aplicao so perfeitas enfraquecido o direito e sepultada a tica.18
17 No campo penal isso traz como conseqncia os princpios da fragmentariedade e da interveno
mnima. Sobre o primeiro Damsio E. de Jesus diz que: O Direito Penal no protege todos os bens
jurdicos de violaes: s os mais importantes. E, dentre estes, no os tutela de todas as leses: intervm
somente nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurdicos.; acerca do
segundo afirma o penalista que a criao de tipos delituosos deve obedecer imprescindibilidade, s
devendo intervir o Estado, por intermdio do direito Penal, quando os outros ramos do Direito no
conseguirem prevenir a conduta ilcita. JESUS, Damsio E. de.Direito Penal, vol. 1, p. 10.
18Por sua vez a tica, sem a fora coativa da poltica e um mnimo de Segurana, jamais poderia erigir-
se em referencial de convivncia, aceito pela generalidade na sociedade. A prpria conscincia tica, que
brota do mais profundo de cada indivduo (quem diria?), depende para formar-se e desenvolver-se em
decorrncia da socialidade mesma da pessoa de uma ordem poltica que proteja o cultivo no convvio
(familiar, escolar e com a mdia), dos impulsos humanos naturais para o bem. Mas, sem a ajuda da
poltica, a tica no se encarnaria, nem subsistiria encarnada, nos costumes (significado da raiz
etimolgica grega ethos e da latina mores). Na falncia da poltica, os valores ticos ficariam merc dos
malfeitores. E, convenhamos, uma tbua tica sem vigncia social, no seria verdadeiramente tica, mas
uma coleo de declaraes altrustas de boas intenes. Seccionada da poltica, a tica reduzir-se-ia a
simples poesia. (Negrito e itlico do original) SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia doDireito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 33.
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Muito da fora do direito se esvai se ele no cumpre a funo ordenadora
nem atende ao anseio de justia.19Mas alm dessa viso coletiva do direito como sendo
fenmeno social, e da legitimidade que o sistema jurdico deve buscar no meio social,no se pode ignorar que a sociedade composta de indivduos: seres dotados de razo e
sentimentos que fazem de cada um deles um ser nico20 donde vem tambm a
necessidade de adeso individualao direito.
justamente por isto, pela nossa natureza de indivduos, que, apesar de
concordarmos sobre a necessidade de justia, discordamos de como ela deva ser
alcanada.21Dessa disparidade de idias a respeito de como aqueles anseios individuais
pelo justo devam ser atendidos, para a harmonizao da sociedade, o direito levado atomar certos rumos definidos pela prpria sociedade que o elabora. A cincia jurdica
deve corresponder s expectativas do meio onde deva atuar. Devendo legitimar a sua
funo ordenadora, assim como atender ao anseio de justia, razes de ordem prtica
acabam conformando o Direito com as feies particulares para atender cada sociedade
especfica. Alis, impossvel dissociar o direito de sua dimenso histrica e
sociolgica.22
19 Pois como diz Gustav RADBRUCH: A Idia de direito, porm, no pode ser diferente da idia de
Justia. Filosofia do direito, vol. I, p. 105.
20 A pessoa indivduo. Tem uma individualidade prpria. No se repete. distinta das demais e
indivisvel em outras. Mas no fica tambm a. Somente abrindo-se para o outro, na comunidade, na
sociedade, no convvio com as demais pessoas, ela poder desenvolver suas qualidades, a semente de
personalidade que traz no seu ntimo, o seu prprio ser. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A crise da
democracia no Brasil. p. 17.
21Somos muitos, e discordamos a respeito da justia. A maneira como pensamos sobre tal discordncia
determinar a maneira como pensamos sobre a poltica. E, como o direito fruto da poltica, a maneira
como pensamos sobre essa discordncia determinar, em certa medida, a maneira como pensamos sobre o
direito positivo. WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao. p. 43.
22 Nesse sentido: El Derecho, adems de ser un producto humano destinado a regular diversas
dimensiones de la vida humana social, tiene un carcter histrico. Como ya hemos adelantado, es
producido por hombres en determinadas circunstancias. El Derecho es ele resultado de esos contextos, de
las ideologas, de los intereses y conflictos predominantes en los mismos. PECES-BARBA, Gregrio.Curso de teoria del derecho, p. 18.
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2. O Estado de direito
Estado um pensamento polissmico, sendo sua definio dependente da
concepo que dele se tenha. Mas em linhas gerais, todas as idias de Estado convergem
para uma s, para caracteriz-lo como o ordenamento poltico de uma dada
comunidade.23
Sob o ponto de vista jurdico interessa saber acerca do Estado de direito,
aquele Estado em que o direito assume relevncia para exercer o controle da origem,
exerccio e legitimidade do poder,
24
assim como rgo de produo jurdica.
25
Isso semfalar na existncia de formas especficas e peculiares para a limitao de seu poder,
dado nele no haverem poderes ilimitados.26Da o interessante na observao de que a
coisa julgada , dentro do sistema romano-germnico, tambm um limite prpria
atuao do poder judicirio.27
23Una tesis recorre con extraordinaria continuidad toda la historia del pensamiento poltico: el Estado,
entendido como ordenamiento poltico de una comunidad, nace de la disolucin de la comunidad
primitiva basada en vnculos de parentesco y de la formacin de comunidades ms amplias derivadas de
la unin de muchos grupos familiares por razones de sobrevivencia interna (la sustentacin) y externa (la
defensa). BOBBIO, Norberto.Estado, gobierno y sociedad, pp. 97/98.
24STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do estado, p. 83.
25Bobbio fala da existncia de uma concepo de Estado e Estado de derecho, como Estado concebido
principalmente como rgano de produccin jurdica, y en su conjunto como ordenamiento jurdico.
BOBBIO, Norberto.Estado, gobierno y sociedad,p. 73.
26 O poder no se exerce de forma ilimitada. No Estado democrtico de Direito, no h lugar para o
poder absoluto. STF, HC 94082 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello. Transcrio do Informativo STF
498.
27Na teoria de Montesquieu, qualquer veleidade de dar-se aos juzes o poder de fazer a lei seria ir contra
o postulado da separao dos poderes. Refora-se, assim, a concepo piramidal do direito no sistema
romano-germnico: o Judicirio um poder que tem atributos dos mais amplos, no sendo controlado por
nenhum dos outros dois, mas no tem iniciativa e seu poder limitado pela res judicata; generalizaes a
partir de casos julgados s na matria sub judice e sem qualquer possibilidade de criar precedentes.SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introduo ao direito dos EUA, p. 29.
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E o Estado democrtico de direito , pois, uma forma jurdica de Estado
que se limita para voltar-se a fins e a valores comuns da sociedade28 estes valores
determinam que tanto Estado quanto direito sejam instrumentos a servio do princpiomaior: a dignidade da pessoa humana, fundamento e finalidade desse mesmo direito.
Direito e Estado esto intimamente ligados29 mas no a ponto de
identificarem-se como pretendeu Kelsen.30O Estado precisa do direito, pois como diz
Pontes de Miranda sem Direito, no poder afirmar-se e nem se tornar estvel.31O
Estado ento apresenta-se com uma roupagem determinada pelo direito, fruto de uma
evoluo social e de uma necessidade racional de organizao da vida em comum.
Como diz Canotilho, o Estado , assim, uma forma histrica de organizao jurdica dopoder dotada de qualidades que a distinguem de outros poderes e organizaes de
poder..32
28 [...] o direito, alm de ser um meio ao servio dos fins do Estado, encontra-se tambm ao servio
duma idia a qual pode vir a achar-se momentaneamente em conflito com algum desses fins mais
prximos do mesmo Estado, tal como o da segurana jurdica. Tal como este, o Estado pode vir a achar-se
em conflito com uma idia que em si mesma lhe estranha: a de justia. Tudo o que pode dizer-se que o
estado adopta posteriormente, por assim dizer, a justia e a segurana jurdica como seus fins prprios e
chega at, por vezes, a achar-se disposto a sacrificar-lhes uma boa parte das convenincias ditadas pela
sua chamada razo de Estado. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. II, p. 139.
29O Estado atua na formao do direito (atos normativos), na suapraticidade (atos de execuo e atos
judicantes), e no fato mesmo de se submeter a direito seu. Supe ordem supra-estatal, que a do direito
das gentes, e ordem intra-estatal, que ele realiza. (itlico do original) PONTES DE MIRANDA.
Comentrios Constituio de 1967, tomo I, p. 162.
30 De todas las tesis kelsenianas la reduccin radical del Estado a ordenamiento jurdico es la que ha
tenido menos xito. BOBBIO, Norberto. Estado, gobierno y sociedad, p. 74. No mesmo sentido
Carnelutti: La idea del derecho y la idea del Estado estn, por tanto, ntimamente relacionadas: no hay
Estado sin derecho ni derecho sin Estado. Por lo dems, Estado y derecho no son la misma cosa, como
alguns han enseado, com um error anlogo al de quien confundiese el cuerpo con la vida.
CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho, p. 77.
31PONTES DE MIRANDA. Comentrios Constituio de 1967, Tomo I, pp. 162/163.
32CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 89.
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O direito d existncia, fundamento e legitimidade ao Estado.33Sem esse
trao conformador o que existe poder de fato, descontrolado e desordenado, sem
origem precisa e sem fins determinados. Dado relevante que com a organizao doEstado, o direito e a fora se tornaram seus monoplios: ambos atuam coordenadamente
sob o influxo estatal.34
Mas o direito tambm precisa do Estado: este lhe empresta a fora
necessria, lhe d unidade e um trao sistematizador ao criar instituies geradoras da
origem do sistema normativo, chanceladoras da validade normativa e legitimadoras de
sua aplicao. Da se concluir que entre direito e Estado h uma simbiose, uma relao
de necessidade mtua35ou interdependncia.36
3. Segurana jurdica como princpio do Estado de direito
Nas suas origens, o Estado de direito surgiu por inspirao liberal e
evoluo do conceito de Estado visando garantir o indivduo contra a opresso do
governante. Interessante notar que a idia de segurana jurdica tambm interessava ao
33SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos
Bsicos, pp. 46/47.
34 El poder poltico del Estado estar en el origen de la eficacia del Derecho moderno, que ser
fundamentalmente Derecho estatal y que podr delegar o recibir Derecho producido al margen del Estado,
pero que slo ser plenamente Derecho tras esa delegacin o ese reconocimiento. Asi, el Derecho
inicialmente ser un instrumento del poder para favorecer la unificacin y el monopolio de la fuerza y
para crear seguridad, que ser el primer fin pretendido por el Estado moderno. PECES-BARBA,
Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 94.
35 Como o direito essencialmente produto da vontade do Estado, e este , essencialmente, uma
instituio jurdica, por isso compreende-se que o problema dos fins do primeiro se ache
indissoluvelmente ligado ao problema dos fins do segundo. RADBRUCH. Filosofia do direito,vol. I,
pp. 150/151.
36STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 83.
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ideal econmico liberal que levou formao do Estado de direito. O princpio era a
expresso da idia de que a economia de mercado no deveria ser atingida por
intervenes imprevisveis do Estado absoluto.37
A idia central era a limitao do Estado pelo ordenamento jurdico38, o
que se fez no sistema jurdico romano-germnico principalmente a partir do princpio
da legalidade.39 Essa legalidade se expressava no s pela necessidade de que as
limitaes liberdade e aos direitos fossem determinadas por lei como tambm pela
necessidade de conformao dos atos estatais lei aprovada pelo parlamento.40
Observa-se que alm desse trao externo, maneira visvel de limitao do
poder princpio da legalidade o Estado de direito de inspirao liberal tambm
consagrava outros valores41a serem veiculados no direito.42Assim, somados forma da
legalidade existiam outros conceitos inseparveis do Estado de direito liberal: a garantia
de um rol mnimo de direitos exercitveis contra o Estado que expressavam a
37A economia capitalista necessita de segurana jurdica e a segurana jurdica no estava garantida no
Estado Absoluto, dadas as freqentes intervenes do prncipe na esfera jurdico-patrimonial dos sbditos
e o direito discricionrio do mesmo prncipe quanto alterao e revogao das leis. Ora, toda a
construo constitucional liberal tem em vista a certeza do direito. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituio, p. 109.
38SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos
Bsicos, p. 59.
39O princpio da legalidade da administrao foi erigido, muitas vezes em cerne essencial do Estado de
direito. CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 256.
40CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 256.
41O que se observa, portanto, que no seu nascedouro o conceito de Estado de Direito emerge aliado ao
contedo prprio do liberalismo, impondo, assim, aos liames jurdicos do Estado a concreo do iderio
liberal no que diz com o princpio da legalidade ou seja, a submisso da soberania estatal lei a
diviso de poderes ou funes e, a nota central, garantia dos direitos individuais. STRECK, Lenio Luiz.
Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 86.
42Como lembra Streck, a mera identificao do Estado Liberal de Direito pela adoo do princpio da
legalidade leva crena errnea de esse modelo estatal equivale ao Estado Legal. STRECK, Lenio LuizCincia poltica e teoria geral do Estado, p. 87.
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necessidade de controle da ao estatal para efetivar, na prtica, o respeito ao
indivduo.43
Hoje, o Estado de direito cada vez mais um meio de legitimar a origem
e o exerccio do poder44mediante a supremacia do direito. E dada a necessria ligao
entre Estado e direito, a justificao daquele a eleva para aumentar a dignidade deste e
por este se faz daquele algo melhor.45Atualmente a noo de Estado de direito est
evoluindo e nesse processo abriu-se para acolher os valores mais relevantes
socialmente: liberdade, igualdade, justia, segurana e desenvolvimento.46
43 A nota central deste Estado Liberal de Direito apresenta-se como uma limitao jurdico-legal
negativa, ou seja, como garantia dos indivduos cidados frente eventual atuao do Estado, impeditivaou constrangedora de sua atuao cotidiana. Ou seja: a esta cabia o estabelecimento de instrumentos
jurdicos que assegurassem o livre desenvolvimento das pretenses individuais, ao lado das restries
impostas sua atuao positiva. STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 88.
44En este modelo se supera la dimensin formal y se introducen dimensiones axiolgicas materiales [...]
la legitimidad que complementa a la de ejercicio, que hemos identificado con el Estado de Derecho, la
legitimidad de origen del poder, tiene que ver con el consentimiento y que en el mundo actual se plasma
en el sufragio universal. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 118.
45
La justicia del Derecho slo es posible desde un poder que facilita su eficacia, que garantiza suexistencia, y la legitimidad del poder reside muy centralmente en que el Derecho contribuye a su
racionalizacin. Es ms, se pude afirmar que no existe justicia del Derecho sin poder legtimo ni poder
legtimo sin justicia del Derecho. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 319.
46O constitucionalismo dos ltimos cinqenta anos enriqueceu a idia da supremacia do direito ao abrir-
se a uma constelao de valores, a liberdade, a igualdade, a justia, a segurana e o desenvolvimento, em
relaes recprocas de concordncia prtica. Esses valores supremos do direito so as grandes aspiraes
ticas da humanidade, que ganharam renovado impulso com o desenvolvimento de uma conscincia
moral, agora de mbito universal. (Negrito do original) SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. ASupremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p. 60.
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4. A segurana jurdica como elemento do Estado de direito
O princpio da segurana jurdica elemento essencial47e constitutivo
do Estado de direito.48Assim tambm em Kelsen para quem o Estado de direito no
existe sem segurana jurdica, pois este o princpio daquele.49 Tambm na
jurisprudncia do STF a segurana jurdica aparece como elemento inerente ao Estado
de direito.50
Souza Junior demonstra a importncia da segurana jurdica no Estado de
direito como elemento de coerncia estatal, manuteno da estabilidade poltica e
47CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 264.
48O princpio da segurana jurdica construdo de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretao
dedutiva do princpio maior do Estado de Direito (art. 1.) VILA, Humberto. Sistema constitucional
tributrio, p. 295. Tambm STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 90.49O princpio que se traduz em vincular a deciso dos casos concretos a normas gerais, que ho de ser
criadas de antemo por um rgo legislativo central, tambm pode ser estendida, por modo conseqente,
funo dos rgos administrativos. Ele traduz, neste seu aspecto geral, o princpio do Estado-de-Direito
que, no essencial, o princpio da segurana jurdica. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 279.
50 Pois bem, considerando o status constitucional do direito segurana jurdica (art. 5., caput),
proteo objetiva do princpio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1.) e elemento
conceitual do Estado de Direito [...] voto do Min. Carlos Britto, no MS 25.116/DF, publicado na seo
Transcries do Informativo STF 471.
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densidade do direito por ele criado.51Sem que se tenha um mnimo de estabilidade nas
relaes jurdicas no h Estado de direito.52
Ao traar normas de conduta o direito visa harmonizar a sociedade e
tambm se perenizar no cumprimento dessa finalidade. Para tanto precisa certa
estabilidade no sistema normativo para ajudar na efetivao desse processo social de
organizao da convivncia.53 Da no ser a segurana jurdica desejvel s para os
destinatrios do direito produzido pelo Estado a fim de que tenham tranqilidade na
51Ainda no terreno legtimo e autnomo da poltica, a autolimitao do Estado ao direito que ele mesmo
edita, corolrio da segurana enquanto finalidade especfica da poltica. A ordem poltica no subsistiria
como ordem se o poder no guardasse, em seus prprios atos polticos, um mnimo de clareza,
consistncia e coerncia. A juridicizao dessa exigncia do poltico importa, em relao sociedade, o
dever de um agir, razoavelmente visvel (princpio da publicidade), previsvel (princpio da proteo da
confiana legtima) e preservador das situaes jurdicas constitudas (direito adquirido, ato jurdico
perfeito e coisa julgada), ou seja, o princpio da segurana jurdica que a todos abraa. SOUZA
JUNIOR, Cezar Saldanha.A Supremacia do Direito no Estado Democrtico e seus Modelos Bsicos, p.
61.
52[...] certo que o clamor das pessoas por segurana (aqui ainda compreendida num sentido amplo) e
no que diz com as mudanas experimentadas pelo fenmeno jurdico por uma certa estabilidade das
relaes jurdicas, constitui um valor fundamental de todo e qualquer Estado que tenha a pretenso de
merecer o ttulo de Estado de Direito, de tal sorte que, pelo menos desde a Declarao dos Direitos
Humanos de 1948 o direito (humano e fundamental) segurana passou a constar nos principais
documentos internacionais e em expressivo nmero de Constituies modernas, inclusive na nossaConstituio Federal de 1988, onde um direito geral segurana e algumas manifestaes especficas de
um direito segurana jurdica foram expressamente previstas no art. 5., assim como em outros
dispositivos da nossa Lei Fundamental. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia do direito fundamental
segurana jurdica,p. 86.
53[...] una buena seal del proceso de civilizacin es que esas pautas de conducta se pueden establecer a
travs de la imposicin de modelos de conducta, con un cierto nivel de estabilidad, que permiten, por
tanto, el conocimiento previo por parte de los individuos sometidos a ellas y las que acompaa una
organizacin de mecanismos que aseguran el cumplimiento de esos modelos de conducta. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, pp. 17/18.
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conduo de seus afazeres mas tambm para que esse mesmo Estado a tenha quanto
observncia de sua produo normativa54.
Natural que as concepes liberais orientassem a elaborao do direito
da decorrente, pois de nada adiantaria desejar a segurana se o instrumento instituidor
dessa segurana no fosse seguro. que antes do advento do Estado de direito no se
tinha qualquer segurana jurdica, pois prevalecia o exerccio do poder pela autoridade.
E esse exerccio de vontade da autoridade era o direito, com toda a sua carga de
arbitrariedade e sem a certeza que os liberais desejavam.55
A primeira segurana que emana do sistema jurdico , pois, a prpria
segurana jurdica contra o Estado, principalmente se se considerar que um estado de
direito produz o direito e a ele tambm se submete.56Portanto, no basta a existncia de
um Estado ou mesmo do direito: preciso existir Estado de direito para existir
segurana jurdica, pois inexistindo segurana jurdica no h segurana nenhuma.57Isto
sintomtico.
A segurana jurdica exprime o ajuste entre a funo ordenadora do
direito (imperativo social) e a misso concretizadora da justia (anseio individual)
desejvel por todos que se submetem cincia jurdica. Ela verdadeiramente uma
54 Assim, segurana jurdica, antes de ser qualquer coisa, interesse do prprio Estado, que tem por
finalidade o Bem Comum. GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 88.
55[...] a segurana jurdica no estava garantida no Estado Absoluto, dadas as freqentes intervenes do
prncipe na esfera jurdico-patrimonial dos sbditos e o direito discricionrio do mesmo prncipe quanto
alterao e revogao das leis. Ora, toda a construo constitucional liberal tem em vista a certeza do
direito. CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 109.
56Com a submisso do poder poltico lei e, posteriormente, Constituio, de modo a garantir o seu
exerccio sem arbtrio, em conformidade com a vontade popular, como instrumento e em benefcio da
sociedade, tem-se a extenso desta idia de segurana tambm s relaes com o Estado, traduzida na
idia de Estado de Direito, nas suas diversas concepes, ou na noo de supremacia do Direito.
PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 33.
57 E por segurana, evidncia, deve-se compreender no apenas a segurana fsica do cidado, mas
tambm a segurana jurdica, com destaque para a segurana poltico-institucional. (voto do Min.Ricardo Lewandowski na ADI 3685/DF).
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fora legitimadora do direito, pois este inseparvel da noo de segurana.58 Ao se
ordenar, na busca de uma coexistncia pacfica e mais harmoniosa, o direito deve
estabelecer critrios e fazer opes; institutos so criados, limitaes legais passam aexistir e alguns interesses jurdicos podem preponderar sobre outros.
A segurana jurdica protege o valor justia59, ou consoante a frmula de
Evandro Gussi, a segurana o estabelecimento da justia no tempo60, pois no h
justia num ambiente inseguro. Essa noo parece ter sido olvidada por muitos que
vem na segurana jurdica um elemento de poder divorciado da perspectiva do bem
comum.
Sem segurana jurdica no h bem comum nem justia.61 Segurana e
justia no so valores incompatveis, ao contrrio, se complementam.62Onde h espao
58Uma certa estabilidade do direito inerente sua funo. O direito acima de tudo um instrumento
de segurana e, por isso, de liberdade. Apenas se puder prever as conseqncias que se vincularo a seus
atos que o homem poder decidir cientemente empreender uma atividade, poder organizar um trabalho,
fundar uma famlia, esperar conservar o que adquire...Toda previso fundamentada nas regras
existentes; sua segurana supe uma certa fixidez das instituies jurdicas nas quais ela se
fundamentou. BERGEL. Teoria geral do direito, p. 141.
59A segurana no conceito absoluto, tampouco formal. No fim, meio. S tem sentido falar-se em
segurana para realizao do justo. VASCONCELOS, Arnaldo. Segurana do direito in Enciclopdia
Saraiva do Direito, vol. 67, p. 269.
60GUSSI, Evandro Herrera Bertone.A segurana na Constituio, p. 24.
61
a liberdade, ajustia e a segurana que criam um complexo de condies capazes de constituir oque chamamos de bem comum. [...] Quase todos os autores reconhecem que ofim essencial do direito a
justia. A justia propicia a ordem e como seu fruto principal viceja a segurana jurdica. Resultado de
tudo isto o bem comum, um dos valores tambm precpuos do direito. Enquanto a justia valor-
fundamento, a segurana jurdica e o bem comum so valores-conseqncias do direito. PAUPERIO,
Arthur Machado. Segurana jurdicain Enciclopdia Saraiva do Direito, vol. 67, p. 292.
62Segurana e Justia, sua vez, so valores que se completam e se fundamentam reciprocamente: no
h Justia materialmente eficaz se no for assegurado aos cidados, concretamente, o direito de ser
reconhecido a cada um o que seu, aquilo que, por ser justo, lhe compete. MOTA DE SOUZA, CarlosAurlio. Segurana jurdica e jurisprudncia, pp. 17/18.
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para um sem nmero de questionamentos sobre o que seja e como deva ser o direito,
bem como o que certo e errado, inexiste justia.63
Alm disto, a segurana in concreto parece se mostrar como um valor
acima de uma justia ideal, abstratamente considerada, principalmente das concepes
particulares de justia dado que subjetivas e relativas pois estas perdem relevo em
relao objetividade da segurana jurdica. por isto que Waldron diz que a paz e a
segurana importam mais para cada indivduo do que as suas convices quanto ao que
realmente correto ou realmente justo.64
Becker chama a ateno para o fato de que o direito ao dominar, liberta o
homem e o faz ao conferir certeza s relaes sociais disciplinadas por regras
jurdicas.65 Portanto, a demonstrao da importncia da segurana jurdica parte do
pressuposto de que a sociedade precisa ter um parmetro objetivo nico para pautar o
ordenamento da vida em comum.66
Assim, ainda que a vida social seja um contnuo choque de idias,
litgios, acordos, mudanas e novidades, uma certa estabilidade do direito desejvel.67
No se pode deixar de reconhecer, entretanto, que a sociedade muda e o direito deve
63Tudo o que podemos fazer politicamente pela integridade da justia garantir que a fora seja usada
para sustentar uma viso e uma viso apenas uma viso que possa ser identificada como a da
comunidade por qualquer pessoa, quaisquer que sejam as suas opinies sobre o assunto. WALDRON,
Jeremy.A dignidade da legislao, p. 46.
64WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao, p. 47.
65BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio, p. 67.
66 Se h, porm, razes para pensar que a sociedade precisa de apenas uma viso de certa questo
especfica qual todos devem dar preferncia, pelo menos no que diz respeito a suas interaes externas,
ento, deve haver uma maneira de identificar uma viso como a viso da comunidade e um fundamento
para a nossa fidelidade a ela no baseado em nenhum juzo que tivssemos de fazer quanto a sua retido.
WALDRON, Jeremy.A dignidade da legislao, p. 76.
67Na perspectiva da espcie normativa que a exterioriza, a segurana jurdica tem dimenso normativa
preponderante ou sentido normativo direto de princpio, na medida em que estabelece o dever de buscar
um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuao do PoderPblico. (Itlico no original) VILA, Humberto. Sistema constitucional tributrio, p. 295.
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acompanhar essas mudanas com a funo de preservar tanto os valores sobre os quais o
direito se assenta e, ao mesmo tempo, incorporar e adaptar-se s novas necessidades
sociais.68
E na feliz observao de Leandro Paulsen, a viso do direito a partir dasegurana jurdica no ignora essa perspectiva.69
5. A segurana jurdica e sua finalidade no Estado de direito
Sem segurana nada se faz, no se d um passo adiante porque o desejo
de estabilidade e segurana natural ao ser humano.70No se inicia uma tarefa, no
so feitos planos, no se organiza a vida.71O homem precisa ter algumas certezas e
saber como pautar sua vida, tendo noo de que as suas escolhas vo ser respeitadas. O
Estado deve igualmente considerar essa necessidade e o faz quando a sua produo
normativa e suas instituies atendem aos valores da sociedade, que precisa de critrios
delimitadores do lcito do ilcito.72
No s para o indivduo, mas tambm para a sociedade essa
previsibilidade interessa: quando existe um padro aceitvel para as aes humanas,
68 Mais que qualquer outra cincia, necessite de estabilidade para garantir s relaes humanas a
segurana necessria, ningum cogita em negar que o direito evolui [...]. BERGEL, Jean-Louis. Teoria
geral do direito,p. 141.
69A segurana jurdica se insere na perspectiva de algo que mutvel. PAULSEN, Leandro. Segurana
jurdica, certeza do direito e tributao, p. 26.
70PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributria e inconstitucionalidade, p. 96.
71CANOTILHO, J.J. Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.
72A segurana vem das leis firmes que o Estado promulga para o bem dos cidados e da sociedade; e a
certeza do sujeito advm do conhecimento dessas leis, da valorao de seu contedo (compreende que
um bem para si e os demais; fazer o bem, evitar o mal o contedo da previsibilidade do homo medius,
razovel, comum). [...] A segurana se traduz objetivamente (Direito objetivo a priori), atravs das
normas e instituies do sistema jurdico. MOTA DE SOUZA, Carlos Aurlio. Segurana jurdica ejurisprudncia, p. 26.
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separando-se os campos da licitude e ilicitude, pode ser verificado o desenvolvimento
das aes dos membros que a compem.73 O direito, ao instituir regras, parmetros
objetivos, colabora fortemente para que o cidado tenha uma noo mnima de certeza,permitindo que a pessoa viva em sociedade e aja sem temor de que suas aes sero a
todo momento contestadas.74
E nem poderia ser diferente, pois ao direito no dado ignorar esse
legtimo sentimento, pois as pessoas buscam estabelecer relaes de confiana com seus
semelhantes.75 O princpio da segurana jurdica vem justamente respaldar essa
necessidade humana e conformar ainda mais o direito ao seu destinatrio: o ser
humano.76
A segurana jurdica , pois, um valor tico que antecede ao Estado e que
este incorpora para gerar certeza, confiabilidade e estabilidade s relaes sociais
regidas pelo direito.77 E o mnimo que se espera de um sistema jurdico que ele
73O comportamento do indivduo dever ser tal que os outros membros da sociedade possam contar com
uma certa regularidade no seu modo de agir, nas suas intenes pacficas e na veracidade de seus assuntos
privados e pblicos; a funo do direito positivo obter de tais indivduos um tal comportamento.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio, p. 66.
74Assim o Direito: institui regras permanentes que ficam, haja usurios ou no, sirva a alguns ou no,
pois sempre haver em algum dia, algum necessitando indicativos para uma conduta certa, direita, justa,
sem perigos e danos e, portanto, segura. Desta forma, a Segurana objetiva das leis d ao cidado a
certeza subjetiva das aes justas, segundo o Direito.(Itlico do original) MOTA DE SOUZA, Carlos
Aurlio. Segurana jurdica e jurisprudncia, p. 27.
75O princpio geral da segurana jurdica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idia de proteco
da confiana) pode fomular-se do seguinte modo: o indivduo tem do direito poder confiar em que aos
seus actos s decises pblicas incidentes sobre os seus direitos, posies ou relaes jurdicas aliceradas
em normas jurdicas vigentes e vlidas por esses actos jurdicos deixados pelas autoridades com base
nessas normas se ligam os efeitos jurdicos previstos e prescritos no ordenamento jurdico. (Negrito do
original) CANOTILHO, J. J. Gomes,Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.
76PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributria e inconstitucionalidade, p.97.
77 [...] o princpio da segurana jurdica estabelece a estabilidade como estado ideal de coisas a ser
promovido, e o princpio do Estado de Direito tambm ala a estabilidade como fim a ser perseguido.VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 62.
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incorpore valores capazes de promover o bem da sociedade onde ele deva atuar. 78 A
segurana jurdica tem essa funo de criar um ambiente psquico onde possam se
estabelecer relaes e o direito operar79
, o que traz como conseqncia o aumento dalegitimidade do prprio ordenamento jurdico e uma maior eficcia de suas disposies.
A segurana jurdica, ento, pode ser concebida como uma idia ou
princpio80 anterior elaborao do ordenamento jurdico e prvio prolao das
sentenas, permitindo ao intrprete e aplicador das normas jurdicas a possibilidade de
se orientar conforme o direito vigente, segundo a perspectiva de que o sistema jurdico
possui uma origem e um rumo, capaz de lhe conferirem uma certa previsibilidade.81
Previsibilidade82 essa que advm do respeito ao que foi produzido conforme aobservncia das regras vigentes ao tempo em que os atos jurdicos se consolidaram.83
78VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 25.
79Si contemplamos ya a la seguridad jurdica como valor de la tica pblica democrtica, aparece con el
objetivo de crear un mbito de certeza, de saber a qu atenerse, que pretende eliminar el miedo y fijar un
clima de confianza en las relaciones sociales. Es un mnimo existencial, condicin para un orden libre,
igual y solidario, es decir para la aparicin de los restantes valores. Hace posible la vida en sociedad con
garantias y la posibilidad de una comunicacin con los dems, sin sobresaltos, sin temor y sin
incertidumbres. PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 325.
80VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 30.
81 [...] como meio de realizao do valor segurana, para garantir a previsibilidade pela determinao
legal dos elementos da obrigao tributria e proibir a edio de regulamentos que ultrapassem os limites
legalmente traados. VILA, Humberto. Teoria dos princpios, p. 42.
82 A idia de previsibilidade e calculabilidade, de fato, um trao da segurana jurdica. GUSSI,
Evandro.A segurana na Constituio, p. 83.
83Nos termos da Constituio a segurana jurdica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido
estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteo, estabilidade de situao ou pessoa
em vrios campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurana jurdica
consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negcios jurdicos, de sorte que as pessoas saibam de
antemo que, uma vez envolvidas em determinada relao jurdica, esta se mantm estvel, mesmo se
modificar a base legal sob a qual se estabeleceu. SILVA, Jos Afonso da. Constituio e seguranajurdica, p. 17.
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Da segurana jurdica decorre o resguardo do cidado contra as sbitas
alteraes na formao das normas legislativas84 e conformidade ao estipulado nas
sentenas, que do tanto ao destinatrio como aos agentes dos processos e relaesjurdicas uma noo mnima de confiabilidade e legitimidade da aplicao do direito.
A expresso concreta das conseqncias dessa idia est, por exemplo,
no art. 5., inc. XXXVI, da Constituio de 1988, tendo em vista que a segurana
jurdica no est ligada diretamente e de maneira expressa a nenhum dispositivo dentro
do sistema.85 Por sinal, nos tempos atuais que a segurana jurdica mais se faz
necessria86pois a falta de densidade, noo e organizao dos valores sobre os quais a
sociedade se baseia cria um ambiente de instabilidade que deve ser rejeitado pelodireito.87 Alis, o direito existiu e ainda existe para buscar a estabilidade e a
previsibilidade das relaes jurdicas.88
84GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 76.
85 Em alguns casos h norma, mas no h dispositivo. Quais so os dispositivos que prevem os
princpios da segurana jurdica e da certeza do Direito? Nenhum. [...] Pelo exame dos dispositivos que
garantem a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade chega-se ao princpio da segurana jurdica.
Dessa forma, pode haver mais de um dispositivo e ser construda uma s norma. VILA, Humberto.
Teoria dos princpios, pp. 30/31.
86 E essa necessidade de segurana (e isso, como j dissemos, pode bem ser visto hoje) aumenta na
medida em que a perdemos, vivendo uma crise da prospectividade. GUSSI, Evandro. A segurana na
Constituio, p. 26.
87Importante ter-se em mente que, apesar de estarmos vivendo em poca de extrema mobilidade social,
o que acarreta correlata instabilidade de valores e de verdades, a estabilidade valor que se pode dizer
praticamente inerente idia de direito. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Nulidades do processo e da
sentena, p. 328.
88A procura da estabilidade pelos sistemas de direito sempre foi uma constante ao longo da histria das
civilizaes, procura esta umbilicalmente ligada s idias de segurana e de previsibilidade, embora,
naturalmente, possam variar imensamente as tcnicas por meio das quais o direito de diferentes povos, em
diferentes fases da histria, a tenham perseguido. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Nulidades doprocesso e da sentena, p. 328.
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No entanto a segurana jurdica explcita como valor dentro do
ordenamento jurdico algo relativamente recente.89O direito medieval no cumpria
originariamente essa funo de gerar a segurana jurdica, pois a busca do justo se davano caso concreto e da se podia vislumbrar um choque entre a segurana jurdica e a
justia que nem sempre andavam juntas. A funo estabilizadora da segurana era
gerada pela unidade religiosa e nessa pela tica catlica.90
Atualmente, em razo do pluralismo religioso e social, o monoplio do
uso legtimo da fora desempenha o papel de proporcionar segurana e a segurana
jurdica aparece como dimenso da justia.91 Mas mais do que isto, tambm h
segurana jurdica na simplicidade, clareza, acessibilidade e previsibilidade das normasjurdicas em uma sociedade que cada vez mais complexa.92
6. Aspectos formais da segurana jurdica
A realizao prtica da segurana jurdica pressupe alguns fatores, uns
de ordem formal e outros de carter material. da conjuno de ambos que se pode
afirmar a existncia da segurana jurdica em dado ordenamento. Portanto, presentes
89 Embora seja um desejo inerente ao ser humano, a preocupao com segurana jurdica constitui um
fenmeno localizado historicamente a partir do sculo XVIII. A Antiguidade e a Idade Mdia
constituram momentos histricos marcados pela turbulncia e pela instabilidade social, gerados pelas
constantes ameaas de doenas e guerras entre os povos. PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada
tributria e inconstitucionalidade, p. 99.
90PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 325.
91PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 326.
92 De mais a mais, o desenvolvimento [...] exige sejam as regras jurdicas formuladas de maneira
simples, clara, acessvel e previsvel: da a noo de Estado de Direito e o princpio da segurana jurdica
[...]. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, O processo civil na perspectiva dos direitosfundamentais,p. 41.
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estesfatores formais e materiais possvel dimensionar o grau de segurana jurdica do
direito que avana no rumo de uma maior segurana, estabilidade e previsibilidade.
Uma das primeiras evidncias do direito seguro e, portanto, de
segurana jurdica seria o fato de esse direito ser originrio de um rgo oficial. A
oficialidade significa o monoplio na exteriorizao das fontes do direito, capaz de lhe
conferir publicidade e autoridade, evidenciando o carter obrigatrio a partir da sua
origem. Da o avano tcnico representado pelo direito legislado em relao a um
sistema de direito costumeiro, embora no possa ser desprezado o fato de que o costume
consiga sobreviver melhor passagem dos anos do que a lei.93De qualquer forma, h
segurana pela identificao do rgo competente para criar normas.94
A essa necessidade de criar um direito positivo Jos Afonso da Silva no
denomina de segurana jurdica do direito e sim segurana do direito. A segurana do
direito, para ele, derivaria do fato de o direito ter seu fundamento de validade numa
Constituio95e a segurana jurdica seria conseqncia da segurana do direito. Assim,
para se ter segurana jurdica, segundo Jos Afonso da Silva, seria necessrio ter um
direito baseado em uma Constituio.96
Um direito escritotambm ajudaria na segurana jurdica, pois limita e
identifica o sistema, que tambm se constri sobre bases mais democrticas, ao passo
93 Nota-se que a lei e a jurisprudncia emanam de rgos oficiais e especializados, ao passo que o
costume e mesmo a doutrina normalmente no so originrios de instituies dotadas de um poder criador
de direito. [...] A publicao da lei parece, assim, justificar a superioridade do direito escrito sobre o
direito consuetudinrio. Uma parte da doutrina considera, porm, que o direito perde sua elasticidade
assim que redigido, ao passo que o costume conserva a fluidez necessria sua perptua adaptao.
Haveria ento um inevitvel antagonismo entre o direito e sua formulao, reflexo de um conflito mais
grave entre duas necessidades profundas dos homens: a justia e a segurana. BERGEL, Jean-Louis.
Teoria geral do direito, p. 57.
94PECES-BARBA, Gregorio. Curso de teoria del derecho,p. 327.
95SILVA, Jos Afonso da. Constituio e segurana jurdica, p. 16.
96A segurana do direito, como visto, um valor jurdico que exige a positividade do direito, enquanto
a segurana jurdica j uma garantia que decorre dessa positividade. SILVA, Jos Afonso da.Constituio e segurana jurdica, p. 17.
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que o direito consuetudinrio em razo de sua sedimentao histrica no permite um
grau maior de aferio de certeza e obrigatoriedade.97O direito costumeiro um direito
sempre em formao, formao esta nem sempre clara e determinvel, ao passo que odireito escrito um padro pronto e acabado de direito, em que a inovao mais
visvel e perceptvel.
O direito legislado, em contraposio a um direito jurisprudencial
tambm colaboraria para um aumento da segurana jurdica no chamado sistema
romano-germnico, ao qual o brasileiro se filia.98 Assim, para atender necessria
segurana jurdica, nesse modelo jurdico a lei assumiu o papel de fonte principal do
direito.99 Interessante destaque ao tema dado por Tavares quando lembra que oformalismo positivista se contentou, entretanto, com a segurana jurdica na origem do
direito, fechando as portas das fontes do direito jurisprudncia embora a segurana
jurdica deva se manifestar naproduo, identificao e aplicao do direito.100
97 A lei, por ser explicitamente formulada, comporta uma segurana que o costume, mais difuso, mais
movente e mais incerto, no pode atingir. Seus modos de elaborao, em geral complexos, procedem deuma tcnica muito elaborada, de inspiraes diversas de ordem histrica, ideolgica, cientfica, social,
econmica, etc. confrontadas em debates organizados segundo procedimentos democrticos, ao longo de
todo o processo legislativo. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 60.
98O verdadeiro fantasma a ser evitado era e, de certa forma, continua sendo o casusmo na lei. A certeza
da existncia e do contedo da norma que o direito escrito apresentava, bem como a busca das
generalidades racionais que o conjunto normativo (cdigos) representava, fizeram com que a glosa
judiciria (jurisprudncia casustica) fosse afastada, em favor da glosa erudita (a doutrina), e que tanto
o costume geral como o assim dito costume judicirio (a jurisprudncia) fossem desprezados [...].
SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introduo ao direito dos EUA, p. 28.
99[...] a doutrina tradicional (consagrada historicamente) das fontes do Direito pretendeu apresentar uma
resposta adequada s demandas por segurana jurdica e, por isso, conferiu exclusividade e, com ela,
predomnio lei. TAVARES, Andr Ramos. Teoria da justia constitucional, p. 34
100 A segurana, contudo, deve estar presente tanto no momento de produo do Direito como na
identificao do que o Direito e em sua aplicao. O formalismo positivista garantiu apenas a segurana
na identificao do Direito e pretendeu proporcionar segurana na aplicao ao sustentar um rol fechado
de fontes do Direito, excluindo a jurisprudncia. (em nota de rodap) TAVARES, Andr Ramos. Teoriada justia constitucional, p. 34.
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Contudo, no se pode dizer que essa concepo de supremacia do direito
legislado para a obteno da segurana jurdica seja aceitvel para todos. Bergel, por
exemplo, entende que embora o direito legislado ajude na realizao do ideal desegurana jurdica tal circunstncia no impede em absoluto que a incerteza seja
eliminada dado que isto por si s no protege as instituies que o produzem.101
Radbruch, ao contrrio, j v num poder legislativo um grande elemento de segurana
jurdica, pois esse tem como pressuposto o fato de que os atos normativos dele
emanados valem para sujeitar a todos, a includo o Estado que elabora essas normas.102
De qualquer sorte, um direito jurisprudencial parece revelar maior
preocupao com a justia na soluo das demandas do que com a previsibilidade e acerteza do direito propriamente ditas.103Sendo o direito um fenmeno social, natural
que as tendncias e valores de determinada sociedade expliquem as caractersticas de
cada sistema jurdico. Tanto assim que no common law, a segurana jurdica se
realiza no caso concreto em virtude do due process104 pois nos pases de common
law, a segurana jurdica no uma preocupao porque o direito, em geral, no
surpreendente.105
Conformando-se um sistema jurdico com tais aspectos, mais certo ele .E quanto mais certo um sistema jurdico, maior a segurana porque certeza e
101Assim, as fontes escritas, pela rigidez de sua expresso, so em princpio fatores de segurana e de
estabilidade do direito, mas tambm podem permitir rupturas brutais da ordem estabelecida, se bruscas
mudanas afetam os poderes pblicos. BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 61.
102 Portanto, ainda a idia de segurana jurdica, a que faz conferir ao Estado o poder legislativo, a
mesma que tambm dele exige a sua sujeio s leis [...] esta sujeio a condio para ele poder ser
chamado a legislar. [...] Os governantes cessariam de ter o direito de legislar, desde que procurassem fugir
ao cumprimento e respeito devido s suas prprias leis, comprometendo assim, eles prprios, a segurana
jurdica. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito, vol. II, p. 142.
103Embora exista aqui um dficite no plano da certeza e da previsibilidade, existe por sua vez no direito
jurisprudencial um benefcio potencial, justamente, pela possibilidade de se dar maior peso equidade e
justia do caso concreto. CAPPELLETTI, Mauro.Juzes Legisladores?, p. 85.
104GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 77.
105GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 81.
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segurana costumam andar juntas.106Nota-se, portanto, que a segurana jurdica pode
ser aferida na prtica a partir de caractersticas de um ordenamento. A presena dessas
caractersticas, com maior ou menor intensidade, tambm revela um maiorcompromisso com a segurana jurdica. Logo, para se ter segurana jurdica preciso
ter um mnimo de certeza acerca de qual seja o direito vigente e aplicvel.107
7. Aspectos materiais da segurana jurdica
No aspecto material, e particularmente no sistema jurdico romano-
germnico108, a segurana jurdica se expressa por uma legalidade109 caracterstica, a
dimenso jurdica do Estado de direito, e tambm pela coisa julgada.110Este item trata
da legalidade em seus contornos mnimos e mais adiante, com mais rigor, ser abordada
a importncia da coisa julgada como elemento indissocivel da segurana jurdica.
Primeiro porque os problemas que afligem a lei no nosso ordenamento jurdico, bem
como os dissabores que isso traz, j foram enfrentados noutro trabalho111 e, segundo,
106Prefiro dizer que certeza e segurana formam uma dade inseparvel, visto como, se verdade que
quanto mais o direito se torna certo, mais gera condies de segurana, tambm necessrio no esquecer
que a certeza esttica e definitiva acabaria por destruir a formulao de novas solues mais adequadas
vida, e essa impossibilidade de inovar acabaria gerando a revolta e a insegurana. REALE, Miguel.
Teoria tridimensional do direito, p. 87.
107
A segurana jurdica apresenta um primeiro contedo relacionado com a certeza quanto ao direitovigente e aplicvel [...]. PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 53.
108GUSSI, Evandro.A segurana na Constituio, p. 78.
109A idia de Estado de Direito carrega em si a prescrio da supremacia da lei sobre a administrao.
STRECK, Lenio Luiz. Cincia poltica e teoria geral do Estado, p. 84.
110 As refraces mais importantes do princpio da segurana jurdica [...] relativamente a actos
jurisidicionais inalterabilidade do caso julgado [...]. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituio, p. 257.
111MOTTA, Artur Alves da.A crise da segurana jurdica.
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porque em seguida se demonstrar como o desrespeito coisa julgada tem gerado
incertezas e insegurana.
Essa legalidade peculiar por no significar simplesmente a adequao
formal de fatos a um texto normativo. No se esgota apenas com ofazerconforme a lei
ou a possibilidade de fazer o que esta no veda. Existe uma legalidade prpria do Estado
de direito, uma legalidade material informada por valores que lhe conferem
legitimidade. Vejamos, pois, de que valores trata essa legalidade material ou legalidade
devida, isto , a legalidade insitamente ligada ao Estado de direito.
A lei deve assegurar a igualdade para que seja segura. Essa igualdade
deve se dar perante a lei e na lei, para que o direito atinja e contemple a todos da mesma
maneira. Se o direito no reconhece a igualdade com essa dupla dimenso, passa a
funcionar como meio de arbtrio e instrumental de dominao por parte de quem detm
o mando poltico. O ideal de igualdade foi desejado desde o direito liberal clssico e
essa idia de igualdade perpassa os mais diversos ramos do direito, desde o civil at o
penal.
Tambm a legalidade deve fazer com que a lei seja prospectiva, ou seja,
no atuar antes que esteja em vigor112 nem atuar retroativamente sobre fatos
definitivamente constitudos. A garantia da irretroatividade da lei importante signo de
segurana jurdica, segundo Bergel.113Para esse autor francs, constata-se ento que,
quanto mais liberal um sistema jurdico, mais consagra com fora o princpio da no-
112Chamado por Canotilho de o princpio da proibio de pr-efeitos de actos normativos. CANOTILHO,
J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, p. 259.
113 A no-retroatividade da lei um fator de ordem e de segurana jurdica, pois protege os direitos
subjetivos contra as intervenes do legislador, impedindo pr em discusso os direitos adquiridos e os
atos anteriores lei nova; bom, de outro lado, conduzir com prudncia transies, e a discusso do
passado, s vezes materialmente impossvel, em geral socialmente perigosa. BERGEL, Jean-Louis.
Teoria geral do direito, p. 150.
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retroatividade da lei.114 A irretroatividade diz respeito aplicao do direito, que
reconhece o tempo como fator de consolidao de situaes de fato.115
A legalidade do Estado de direito tambm pressupe uma lei controlvel.
Mesmo havendo norma aplicvel para a soluo de controvrsias, o sistema jurdico
deve permitir que essa lei seja passvel de verificao por outro organismo estatal, outro
poder distinto daquele do qual tenha emanado. O sistema jurdico deve conceber, ao
menos em tese, a possibilidade de o direito escrito no atender com plenitude os valores
informadores do prprio ordenamento jurdico. A segurana jurdica no pode, pois,
prescindir de prever mecanismos eficazes para exercer o controle das normas
jurdicas.116 E como bem lembra vila, para ser possvel o controle jurdico daproduo e contedo normativos h necessidade de que os seus conceitos e parmetros
sejam claros.117
Tambm a lei deve ser razovel, isto , atender aos ideais humanos de
racionalidade, organizao e segurana. Uma lei que no vise a sua perenizao dentro
do ordenamento jurdico deixa de gozar de um sentimento de adeso por parte de seus
destinatrios. A mudana freqente na legislao dificulta a percepo do fenmeno
normativo bem como a sua assimilao pelas pessoas: a lei deixa de ser medida
ordenadora para ser fonte de desordem. No dizer de Canotilho, a segurana jurdica est
114BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito, p. 151.
115Permite certeza sobre la norma aplicable y sobre la firmeza de los derechos adquiridos, aunque puede
haber excepciones y situaciones fronterizas que constituyen casos difciles. Igualmente responde a
exigencias de la seguridad jurdica la idea de la consolidacin jurdica del tiempo, que otorga relevancia a
situaciones temporales de hecho en cuanto a la norma aplicable (caducidad y prescripcin) y en general a
los tiempos que se formalizan en pazos que abren o cierran la posibilidad de aplicar una determinada
norma y de ser alegada, en defensa de un derecho, de un inters o de una situacin. PECES-BARBA,
Gregorio. Curso de teoria del derecho, p. 329.
116 S se pode falar em segurana jurdica se h meios para dar eficcia s normas jurdicas.
PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 61.
117 A necessidade de clareza conceitual torna-se ainda maior, quanto mais dificuldades existirem para
examinar e controlar os parmetros constitucionais. O princpio do Estado de Direito pressupe o controle
do poder de tributar e do Poder Judicirio. Sem clareza conceitual, isso no pode ser atingido. VILA,Humberto. Sistema constitucional tributrio, p. 87.
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ligada tambm durabilidade e permanncia da ordem jurdica.118 E na linha da
razoabilidade ou racionalidade da legislao, dois aspectos tambm so de extrema
relevncia: a simplicidadede suas disposies e aparcimniana edio das leis.119
A simplicidade serve como elemento propagador do direito, facilitando o
seu enraizamento no tecido social.120Interessante exemplo didtico sobre a importncia
desse mecanismo de assimilao do direito dada por Carnelutti, quando diz que o que
acontece na medicina deve ocorrer no direito: preciso haver uma formao mnima e
para os casos patolgicos se torna imprescindvel o papel dos juristas.121
Assim, visando segurana jurdica preciso que o excesso normativo
seja evitado e sempre que possvel combatido. No lugar de propiciar uma melhora das
118 A mudana ou alterao freqente de leis (de normas jurdicas) pode perturbar a confiana das
pessoas, sobretudo quando as mudanas implicam efeitos negativos na esfera jurdica dessas mesmas
pessoas. O princpio do estado de direito, densificado pelos princpios da segurana e da confiana
jurdica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objetivo da ordem jurdica, a durabilidade e
permanncia da prpria ordem jurdica, da paz jurdico-social e das situaes jurdicas; por outro lado,
como dimenso garantstica jurdico-subjectiva dos cidados, legitima a confiana na permanncia dasrespectivas situaes jurdicas. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da
Constituio, p. 259.
119Tambm a clareza dos dispositivos legais, o grau de determinao exigido para possibilitar s pessoas
que compreendam o alcance das normas a que esto sujeitas e para dar efetividade s eventuais reservas
legais, constitui um trao da segurana jurdica que diz respeito ao conhecimento e certeza quanto ao
direito vigente. PAULSEN, Leandro. Segurana jurdica, certeza do direito e tributao, p. 55.
120Su conocimiento, pues, no puede menos de formar parte de la cultura comn; de lo contrario habra
necesidad de que cada uno de nosotros, en todo momento de la vida, tuvese a sua lado um jurista a quienpedir consejo sobre si se poda o se deba hacer algo. CARNELUTTI, Francesco. Cmo nace el derecho,
p. 15.
121Todo ello