Download - Ser criança no brasil
Ângela Chantal
Psicóloga
CRP-21/00944
Timon/MA, junho/2015
SER CRIANÇA NO BRASIL:
Trajetória histórica e teórica e os
fundamentos legais
Todo mundo já foi criança um dia...
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Será?
O desenvolvimento humano é resultado não
apenas de transformações biológicas, mas
também de influências históricas e culturais.
A ideia de infância que hoje conhecemos apenas
surgiu a partir do século XVII, enquanto que a
definição de adolescência foi construída somente
no século XX.
Mas o que é mesmo ser criança?
Um conceito para
“infância” e “criança”:
Entrevista com Mário Sérgio Cortella sobre Trabalho Infantil –
Fundação Promenino
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Na Idade Média a vida era dividida em idades:
infância, puerilidade, adolescência, juventude,
senilidade e velhice.
A infância era a primeira idade, que ia até os sete
anos;
A segunda idade ia até os catorze anos. E era
chamada de pueritia;
A adolescência era a terceira idade, terminando aos
21 anos, ou, até mesmo, 28, 30 ou 35, correspondia à
idade da procriação.
Breve relato de como a infância e a
adolescência se constituíram no
mundo
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Nesse período, as crianças eram consideradas
miniaturas de adultos:
No modo de se
vestir;
nos espaços
dentro da casa;
Nas
brincadeiras;
nas festas...
Hoje é diferente:
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Aprendiam desde cedo a como ser
adultos:
Nobres – filhos eram educados por mestres
em casa. Aprendiam boas maneiras e artes;
Artesãos – filhos aprendiam o ofício desejado
e a como se comportar com outro artesão e
não com os pais;
Camponeses – iam ao campo com os pais
desde cedo, para ajudar no trabalho.
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No Século XVII, por influência da Igreja e dos
moralistas, a criança passou a ser diferenciada do
adulto não apenas em tamanho, mas também em
suas capacidades e modo de entender os fatos,
embora nas escolas ainda não houvesse a
separação de classes por idades;
Somente no final do século XVIII e início do
século XIX, as escolas passaram a dividir as
classes por idades;
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Cada classe oferecia atividades específicas,
considerando um conjunto de características
próprias de cada idade, propiciando um melhor
desenvolvimento das capacidades cognitivas,
motoras e sociais das crianças;
O brincar passou a ser valorizado como meio
para o desenvolvimento de habilidades e
preparação para a vida adulta. Essa metodologia,
entretanto, era destinada à elite. Para as classes
mais pobres, a educação era mais curta e mais
prática.
A valorização do brincar como
meio para o pleno desenvolvimento
da criança persiste nos dias atuais:
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No século XIX, a industrialização trouxe uma
regressão a esse processo, devido à pressão
para que crianças trabalhassem.
A adolescência, por sua vez, não era bem definida e,
por vezes, confundia-se com a infância. Nas
sociedades ocidentais, apenas no século XX, veio a
se tornar preocupação dos moralistas, políticos e
pesquisadores, quando as transformações sociais,
culturais e psicológicas da vida humana vieram
alongar o tempo de passagem da infância à
maturidade - um sujeito meio criança, meio adulto:
Leis trabalhistas;
Preparação para o mercado de trabalho;
Estudo (escola, faculdade);
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Mas ainda não existe consenso com relação a sua
definição. O ECA e OMS adotaram a idade como
referência. Contudo, enquanto que para o ECA a
adolescência corresponde ao período dos doze aos
dezoito anos de idade; para a OMS, corresponde ao
período dos dez aos dezenove.
Alguns teóricos não estabelecem uma faixa etária, mas
referem-se à adolescência como um período de latência
social constituída a partir da sociedade capitalista,
geradas por questões de ingresso no mercado de
trabalho, da necessidade do preparo técnico e extensão
do período escolar
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É também definida como um período com início
na biologia e fim na sociedade. Surge com a
puberdade e finda quando o sujeito ingressa na
vida adulta, o que se dá a partir de um processo
de passagem. Nas sociedades que não
sofreram as transformações oferecidas pelo
mundo ocidental, essa passagem se dá de
forma tranqüila, através de rituais. É um
fenômeno coletivo e tradicional. Nas sociedades
ocidentais, contudo, essa passagem
caracteriza-se por um período longo e
individualizado, sem rituais
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Aberastury e Knobel criaram o conceito de “síndrome da
adolescência normal” referindo-se ao processo de
transição entre a infância e a vida adulta, em que o
indivíduo deverá “viver os lutos pela perda do corpo
infantil e dos pais da infância, ressituando-se
subjetivamente como adulto”.
As perdas são vividas com grande sofrimento e o sujeito
busca meios de substituí-las por novas aquisições. Para
isso, vivem diferentes experiências a fim de encontrar
aquelas com as quais se identificam. Fazem parte desse
processo de busca as opiniões, manias, forma de se
vestir, formação de grupos, crenças, formas de ser.
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No Brasil, assim como na sociedade ocidental em geral,
crianças e adolescentes pobre e da elite sempre tiveram
vidas muito diferentes;
Desde o período colonial, as crianças pobre, no Brasil,
sempre ficaram mais expostas a violações de direitos:
violência, preconceito, abandono, exploração,...
Aquelas que não tinham família (órfãs, abandonadas)
eram institucionalizadas, inicialmente em entidades
religiosas (caritativas) e depois em reformatórios
(educativas) – sempre em uma perspectiva higienista.
Infância e adolescência no Brasil
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As crianças e adolescentes são
historicamente marcados pela invisibilidade
social e política, associada a uma
percepção materialista sobre sua
capacidade produtiva. Por essa razão, ao
longo dos anos foram submetidos ao
controle social e punitivo.
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- Doutrina da Indiferença – Omissão do
Estado, Ações da Igreja (caridade);
- Doutrina da Situação Irregular –
“Menor” sob tutela do Estado, Códigos de
Menores;
- Doutrina da Proteção Integral – CF/88;
ECA.
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Referenciais político-filosóficos de compreensão da criança e
do adolescente:
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Brasil Colônia (Primeiros anos - século XVI) –
Doutrina da Indiferença
Sistema patriarcal;
Dono do engenho detinha a propriedade de
tudo e todos;
Uso de castigos físicos na educação de
crianças de famílias ricas (palmatória, vara de
marmelo) – assim como animais e escravos;
Crianças pobres eram educadas pelos jesuítas,
assim como os índios;
Roda dos Expostos, Santas Casas de
Misericórdia e adoção (filhos de criação).
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Brasil Colônia (Séculos XVII a XIX) –
Doutrina da Indiferença
Maior valorização da infância e da
família “estruturada” (pai, mãe e filhos);
Crianças abandonadas e filhos ilegítimos
eram entregues a entidades de caridade
e internados em hospícios;
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Brasil Colônia (Séculos XVII a XIX) –
Doutrina da Indiferença
Estado e médicos passam a normatizar
a vida das famílias com a justificativa de
combater os elevados índices de
mortalidade infantil.
Nos dias
atuais, a
medicina/
ciência e o
Estado não
exercem tanto
poder sobre a
vida das
famílias:
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Brasil Império (Século XIX) – Doutrina da
Indiferença
Famílias pobre, principalmente aquelas que
não seguiam o modelo nuclear e não tinham
trabalho regular eram consideradas imorais e
sem hábitos higiênicos – crianças eram
institucionalizadas para protegê-las de suas
famílias e proteger a sociedade de suas
“tendências criminais”
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Brasil República (Final do Século XIX) – Doutrina
da Indiferença
Instituto de Proteção e Assistência à Infância
(1899), formado por médicos e Damas de
Assistência à Infância:
Orientar mães sobre cuidados básicos de higiene;
Regular as amas de leite;
Verificar as condições de vida das crianças pobres;
Protegê-las contra abusos e negligência
Crianças e adolescentes de famílias pobres vistos
perambulando pelas ruas eram tidos como insanos e
vadios – casas de correção (manicômios) para controle
e correção.
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Brasil República (Final do Século XIX e Século XX)
– Transição entre a Doutrina da Indiferença e a
Doutrina da Situação Irregular
A atuação do Estado passou a ser cada vez
mais exigida pela sociedade, precisando
assumir a “assistência e proteção aos
menores” - preservação da força de trabalho,
uma vez que seria o futuro do país;
A filantropia é aos poucos substituída por uma
assistência de cunho “científico”, que se
revestia de vigilância e controle como
prevenção de epidemias sociais;
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Brasil República (Final do Século XIX e Século XX)
– Transição entre a Doutrina da Indiferença e a
Doutrina da Situação Irregular
A justiça cuidava dos “menores delinquentes”,
ou em “situação de risco para delinquência”,
por meio de intervenções coercitivas em
instituições de acolhimento;
As creches foram criadas para atender aos
filhos das mães “boas” e trabalhadoras;
Crianças pobres continuavam a ser exploradas,
castigadas e forçadas nas fábricas.
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Doutrina da Situação Irregular
1927 - Criação do Código de Menores;
Juizado de Menores – Proteção e defesa
dos “menores abandonados e
delinquentes”; perda ou suspensão do
pátrio poder; tutela;
Fim da Roda dos Enjeitados;
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Doutrina da Situação Irregular
1936 – Laboratório de Biologia Infantil, ligado
ao Juizado de Menores – Especialistas
contribuíam para que os desvios de
conduta/delinquência continuassem a ser
atribuídos à vadiagem e às famílias pobres,
desestruturadas ou desagregadas;
1942 – criação dos reformatórios no sistema de
abrigos – entidades assistencialistas, ligadas
às primeiras-damas (futuramente ligadas à
Legião Brasileira de Assistência – LBA) –
correção e disciplina por meio do trabalho.
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Doutrina da Situação Irregular
1964 – FUNABEM e FEBEM – assistência à
infância com ênfase na internação de meninos
carentes, abandonados e infratores, visando à
“recuperação” para “reintegração social”;
Situação irregular tratada como segurança
nacional – Regime Militar;
1979 – Código de Menores foi revisto – Não houve
grandes mudanças em sua essência moralizadora.
Os avanços científicos corroboravam a ideia de
que pais pobres eram inaptos para cuidar bem de
seus filhos. Essas famílias eram culpadas pelos
infortúnios de seus filhos.
FEBEM – “Fé, Educação, Bons modos,
Esperança e Moral”
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Cenas do filme “O contador de histórias”
Isso está no passado:
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Doutrina da Proteção Integral
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Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959);
CF/88, art. 227:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Doutrina da Proteção Integral
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“Menor” deixa de ser usado por carregar os
preconceitos do antigo Código de Menores.
(DPCA x DSPM);
Infância pobre = Infância rica;
Desinstitucionalização – internação é último
recurso, seja em casos de vulnerabilidade, seja
ato infracional;
1990 – ECA;
2003 (Novo Código Civil) – Poder familiar; filhos
legítimos=ilegítimos; maioridade aos 18 anos.
Problema Social
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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NICODEMOS, Carlos. Juventude e outras Minorias no Debate da Segurança Pública. Cadernos
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OZELLA, S. Adolescência: uma perspectiva crítica. In: CONTINI, M. de L. J, KOLLER, S. e
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Jurídicos