Fernando Brenha RibeiroEder Cassola Molina
2.1 Sismicidade2.1.1 Fraturas, falhas e o movimento das falhas 2.1.2 Elementos de mecanismo focal: o modelo de Reid (rebote elástico) 2.1.3 Intensidade sísmica e magnitude sísmica
2.1.3.1 Intensidade2.1.3.2 Magnitude sísmica
Referências
Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
Geof
ísic
a
SISMIcIdadE2
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Geofísica
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2.1 SismicidadeO termo sismicidade se refere à descrição da atividade sísmica. Ele pode ser aplicado à toda
Terra ou a uma região em particular. A sismicidade se refere, em parte, à geografia da atividade
sísmica, ou seja, à distribuição dos terremotos em uma região ou no planeta inteiro. Além disso, o
termo sismicidade se refere às características físicas da atividade sísmica: energia liberada, profundi-
dade onde ocorre a liberação de energia, a frequência com que ocorrem os terremotos, a natureza
dos movimentos crustais que causam os sismos e os efeitos macroscópicos produzidos.
O termo sismicidade também tem um sentido descritivo, que permite comparar a atividade
sísmica em regiões diferentes. Por exemplo, no Nordeste brasileiro, especialmente na região de
João Câmara (RN), a atividade sísmica é mais frequente do que na região Sudeste, o que pode ser
expresso dizendo que a sismicidade do Nordeste é maior do que a do Sudeste. Por outro lado, a
atividade sísmica da Itália é muito maior do que a do Nordeste brasileiro. Lá ocorrem terremotos
com uma frequência muito maior e a energia liberada é muito maior. A sismicidade da Itália
é, portanto, muito maior do que a do Nordeste brasileiro. Para o estudo da sismicidade, foram
introduzidos, ao longo da evolução da sismologia como ciência, uma série de termos descritivos.
A liberação de energia elástica por um terremoto ocorre em um volume finito e muitas
vezes extenso de rocha. O ponto onde se inicia o processo de liberação de energia é chamado
foco ou hipocentro (H). A projeção desse ponto sobre a superfície da Terra, segundo uma
linha que passa pelo foco e é perpendicular à superfície, recebe o nome de epicentro (E).
A distância entre o foco e o epicentro recebe o nome de profundidade focal (h) (Figura 2.1).
Os sismos de João CâmaraA cidade de João Câmara, RN, presenciou em 1986 a maior atividade sísmica já observada no território nacional. O primeiro evento teve magnitude 4,3 e ocorreu em 21/8/1986, seguido de dois outros com magnitudes 4,3 e 4,4 no mês seguinte. Nas semanas seguintes, a atividade sísmica foi diminuindo, mas em 30/11/1986 ocorreu o evento mais significativo, com magnitude 5,1, acompanhado por centenas de sismos menores posteriores, que são chamados réplicas. Alguns desses sismos menores chegaram a atingir magnitude maior do que 4,0. Mais de 65 mil eventos foram registrados na região entre os anos de 1986 e 2000. Cerca de 4.000 casas foram danificadas, e diversas foram reconstruídas com padrões resistentes para suportar uma eventual nova atividade sísmica na região. Os estudos concluíram que essa atividade sísmica está relacionada a algumas falhas rasas presentes na região.
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A distância entre o epicentro de um terremoto e um
ponto onde ele é sentido, ou observado, é chamada distância
epicentral. Quando o ponto de observação é próximo ao
epicentro, a ponto de se poder aproximar a superfície da
Terra por um plano pode-se expressar a distância epicentral
em unidade de comprimento, normalmente em quilômetros,
medidos ao longo de uma linha reta entre os dois pontos.
Quando o ponto de observação é muito distante, como no
caso de um observatório sísmico no Brasil registrando um
sismo no Japão, costuma-se expressar a distância na forma de
um ângulo com vértice no centro da Terra, normalmente
designado por Δ, e medido ao longo de um círculo máximo.
A Figura 2.2 ajuda a esclarecer a definição. Círculo
máximo é o círculo traçado sobre a superfície da Terra que tem como raio, o próprio raio do
planeta, admitindo-se para o planeta uma aproximação esférica. Os meridianos são círculos
máximos. Os paralelos, com exceção do equador, não são círculos máximos. Demonstra-se em
geometria, que a menor distância entre dois pontos localizados na superfície de uma esfera é o
menor arco de um círculo máximo que pode ser traçado entre os pontos.
Figura 2.1: Definição de hipocentro (H), ou foco, profundidade focal (h) e epicentro (E).
Figura 2.2: Definição de distância epicentral (Δ)
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As distâncias epicentrais podem ser classificadas como
locais ou regionais, quando Δ é menor ou igual 10°.
Lembrando que o raio médio da Terra é de 6.371 km, a
distância correspondente a 10° ao longo de um círculo
máximo é 1.112 km. Sismos com distâncias epicentrais
maiores são chamados de sismos distantes.
O número de terremotos que ocorrem na Terra
toda durante um ano é muito grande. Desde o final do
século XIX foram catalogados diversos terremotos que
ocorreram e que foram identificados e localizados de forma precisa. A Figura 2.3 mostra a
distribuição geográfica dos epicentros de terremotos grandes e moderados ocorridos entre
(1977 e 1986). Nessa figura não estão representados terremotos de pequeno tamanho1.
Figura 2.3: Distribuição geográfica dos epicentros de terremotos grandes e moderados (magnitude m > 5).
A observação da Figura 2.3 mostra que os terremotos não ocorrem de forma igualmente
distribuída na superfície da Terra. Ao contrário, eles se concentram em faixas relativamente
estreitas. Por exemplo, na escala desse mapa, os epicentros dos terremotos ocorridos na bacia
do oceano Atlântico definem uma linha que divide a bacia pelo meio. O mesmo ocorre em
outras bacias oceânicas. Por outro lado, a localização dos epicentros dos terremotos no extremo
oriente apresenta um espalhamento lateral maior. A localização dos epicentros dos terremotos
ocorridos desde o arquipélago dos Açores, passando pela bacia do Mediterrâneo, pelo Oriente
Médio e pelo norte da Índia, define uma faixa ainda mais larga.
1 O estudo da sismicidade requer que se estabe-leça para comparação de eventos diferentes, uma forma de se medir o tamanho de um terremoto. No final do século XIX e no início do século XX, os terremotos eram classificados pelos seus efeitos macroscópicos. Essa forma de medir, conhecida como escala de intensidade, é muito imprecisa porque depende de fatores que não têm relação com o sismo: a qualidade das edificações dos locais onde ocorrem os sismos, por exemplo. Essa quali-dade varia de região para região e de país para país. Magnitude, que será definida de forma rigorosa mais adiante, é uma forma de classificar os sismos utilizando uma medida cuja variação acompanha a variação da energia liberada pelo terremoto.
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Independentemente da largura desses cinturões de atividade sísmica, fica evidente que existem
extensas regiões tanto nos continentes quanto nos oceanos onde a atividade sísmica é muito menor
do que nos cinturões. Existem poucos epicentros de sismos grandes e moderados localizados no
território brasileiro e no território russo, por exemplo. A costa leste dos Estados Unidos, por
sua vez, tem uma sismicidade bem maior, mas ainda assim muito menor do que a da costa oeste
daquele país, onde se pode definir um cinturão de sismicidade alta.
A maior liberação da energia sísmica na Terra, cerca de 80%, ocorre no grande cinturão de
atividade sísmica que circunda a bacia do Oceano Pacífico, chamado cinturão Circum-Pacífico. A
Figura 2.4, que representa os terremotos grandes (magnitude ≥ 6) ocorridos entre 1900 e 2011,
mostra uma concentração muito forte desses eventos no cinturão Circum-Pacífico.
Figura 2.4: Localização geográfica dos terremotos de grande magnitude ocorridos entre 1900 e 2011.
Quase todo o resto da energia sísmica é liberado, principalmente, no cinturão que se estende
dos Açores ao sul da Ásia, e nos cinturões de atividade sísmica meso-oceânicos. Um resíduo
muito pequeno de energia sísmica é liberado fora dessas regiões. A região do arquipélago
do Havaí, por exemplo, apresenta uma atividade sísmica importante. Isso não significa que
os terremotos ocorridos fora dos cinturões sísmicos sejam pequenos. Existem exemplos de
grandes terremotos longe desses cinturões, como os de Nova Madrid, na bacia do rio Mississipi
em 1811 e em 1812, e o de Charleston, em 1886, na costa leste dos Estados Unidos, e o
terremoto de Tangshan, no norte da China, em 1976 (Tabela 2.1).
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Tabela 2.1: Grandes terremotos ocorridos longe dos cinturões sísmicos.
Cidade Data Magnitude EfeitosNova Madrid, EUA 23/jan/1812 7,5 Fissuras no chão, deslizamentos de terra.
Nova Madrid, EUA 16/dez/1811 7,7 Casas e estruturas muito danificadas.
Nova Madrid EUA 07/fev/1812 7,7 Cidade completamente destruída
Charleston, EUA 01/set/1886 7,3 Trilhos de trem entortados por dezenas de km; nenhuma construção ficou intacta
Tanghan, China 27/set/1976 7,5 600.000 vítimas fatais
As faixas de alta sismicidade apresentam uma correlação evidente com a topografia.
A Figura 2.5 apresenta a topografia da superfície da Terra, tanto na área emersa dos
continentes quanto na área coberta pelos oceanos.
Figura 2.5: Topografia da superfície terrestre.
Tipicamente, as bacias oceânicas apresentam um perfil semelhante ao esquematizado
na Figura 2.6. As maiores extensões correspondem a uma topografia relativamente plana
com profundidades da ordem de 5000 metros. Essas planícies, chamadas planícies abissais,
são cortadas por longas cadeias de elevação, com topografias máximas de 2.000 metros a
3.000 metros acima das planícies.
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Por exemplo, toda a bacia do Atlântico é
cortada por uma longa cadeia, chamada cadeia
meso-atlântica, que se estende desde o paralelo
75° N, próximo à Groenlândia, até o paralelo 60° S,
próximo às ilhas Sandwich do Sul. Outra cadeia
(elevação do Pacífico leste) se eleva sobre o assoalho
oceânico no leste do oceano Pacífico, com início
aproximado no paralelo 45° S, perto da península
de Taiato e do arquipélago de los Chonos, no litoral
do Chile, até a extremidade norte do golfo da
Califórnia, ~ 32° N. Uma comparação entre as Figuras 2.3 e 2.5 mostra que as cadeias
meso-oceânicas correspondem aos cinturões de atividade sísmica no assoalho oceânico.
Próximos aos continentes, a topografia do assoalho oceânico pode ter três tipos de perfil
diferentes. A Figura 2.7 esquematiza dois desses tipos de perfil.
Figura 2.6: Perfil da bacia oceânica na região do Atlântico Sul, com destaque para a cadeia meso-atlântica.
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O perfil da Figura 2.7a mostra a borda da planície oceânica em contato com uma
região de extensão irregular, onde a declividade começa a aumentar. Nessa região, conhecida
como sopé continental, as profundidades começam a decrescer em direção ao continente.
Em seguida, há uma região estreita de alta declividade, conhecida como talude continental.
b
a
Figura 2.7: Perfil do assoalho oceânico em duas situações distintas
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O perfil termina em uma região de profundidade baixa, conhecida como plataforma continental,
com profundidade máxima da ordem de uma centena de metros, que se estende com profundidade
decrescente até atingir a linha de costa.
As margens continentais desse tipo, conhecido como margem continental do tipo Atlântico,
apresentam, na sua maior extensão, atividade sísmica baixa.
O perfil da Figura 2.7b mostra a planície abissal terminando em uma região estreita
que atinge profundidades muito grandes de 7.000 metros ou mais, conhecidas como
fossas marinhas. No lado da fossa marinha oposto à planície abissal, ergue-se acima do
nível do mar um conjunto de ilhas formando um arquipélago com um formato arqueado.
Esse tipo de perfil recebe o nome de arco de ilhas, cujos exemplos mais mencionados ocorrem
na costa leste da Ásia e na costa sul do Alaska e incluem as ilhas Aleutas, as ilhas Kurilas, o
arquipélago japonês e as ilhas Filipinas.
Afastando-se ainda mais da fossa oceânica, existe ainda uma região coberta por oceano.
Em alguns casos, como o do arco do Japão, o assoalho oceânico tem profundidade variável e
se estende até a linha de costa da Ásia. A estrutura revelada pela topografia do fundo oceânico
nesse arquipélago é complexa e será discutida em detalhes mais adiante no curso. Em outros
casos, como na região das Antilhas Menores, tem-se uma bacia oceânica.
O terceiro tipo de margem continental está esquematizado na Figura 2.8. Nesse caso, a
planície abissal termina em uma região de profundidade alta, formando fossas oceânicas prati-
camente em contato com o continente.
Figura 2.8: Configuração do assoalho oceânico em margens do tipo Andino.
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A costa oeste da América do Sul, da América Central e de parte da América do Norte são
exemplos desse tipo de margem continental, conhecido como margem continental do tipo
andino. Ao contrário do que ocorre nas margens continentais do tipo Atlântico, as margens
continentais em arco de ilha e do tipo andino têm uma sismicidade muito alta.
No lado continental, a sismicidade também revela uma forte correlação com a topografia.
Parte da atividade observada na faixa que se estende do arquipélago das ilhas dos Açores até
o leste da Índia está nitidamente associada a regiões de topografia elevada: os Pirineus, os
Apeninos e os Alpes, os Bálcãs, os Montes Cáucasos e a região da Anatólia, que corresponde à
parte asiática do território da Turquia, os Montes Zagros, o norte do Irã, o Hindu Kush, que
corresponde a parte dos territórios do Afeganistão e do Paquistão e os Himalaias e o platô do
Tibete no norte da Índia e no sul da China.
Parte da atividade sísmica observada na costa leste das Américas do Sul, Central e do Norte
também está associada às topografias elevadas dos Andes, das Serras Madre Ocidental e do Sul,
no México, das Montanhas Rochosas nos Estados Unidos e no Canadá e da Cadeia do Alasca.
As Figuras 2.9, 2.10 e 2.11 apresentam a distribuição de terremotos moderados e grandes,
ocorridos entre 1900 e 2011, classificados agora pela sua profundidade focal em três faixas:
terremotos rasos, com profundidade focal entre 0 e 30 km, terremotos com profundidade
focal intermediária, entre 30 km e 300 km, e terremotos profundos, com profundidade focal
entre 300 km e 700 km.
Figura 2.9: Distribuição geográfica dos epicentros de terremotos rasos
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Os terremotos rasos e de profundidade intermediária estão distribuídos em todas as regiões
descritas. No entanto, os cinturões meso-oceânicos são caracterizados apenas por terremotos
rasos intermediários. A maior parte da sismicidade continental, distante dos cinturões sísmicos,
também é caracterizada por pequenas profundidades focais. O cinturão de atividade sísmica
Figura 2.10: Distribuição geográfica dos epicentros de terremotos de profundidades intermediárias
Figura 2.11: Distribuição geográfica dos epicentros de terremotos profundos.
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que se estende dos Açores até o sul da Ásia é caracterizado por sismicidade com profundidades
focais de rasa a intermediária. A presença de sismos profundos é uma característica marcante das
margens continentais do tipo arco de ilha e do tipo andino.
A Figura 2.12 mostra perfil da distribuição dos focos dos terremotos ocorridos na costa da
América do Sul, entre 20° S e 21° S (margem continental do tipo andino). A atividade sísmica
começa próximo à borda da fossa oceânica, com profundidades rasas e intermediárias e se
estende por baixo do continente sul americano com profundidades crescentes.
A profundidade dos focos aumenta continuamente, até uma profundidade máxima de
600 km, definindo um plano com uma inclinação entre 30° e 40°. Outras margens conti-
nentais do tipo andino e do tipo arco de ilha apresentam perfis semelhantes. O ângulo de
inclinação varia, grosseiramente entre 30° e 50°, e as maiores profundidades focais não ultra-
passam aproximadamente 700 km. Sismos com profundidade rasa e intermediária ocorrem
também no continente próximo à margem continental.
Figura 2.12: Perfil vertical dos focos dos terremotos na costa da América do Sul
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A atividade sísmica está também frequentemente ligada à atividade vulcânica. A Figura 2.13
mostra os principais centros de atividade vulcânica ocorrida no último milhão de anos. A correlação
entre as duas atividades é clara ao longo das cadeias meso-oceânicas e em todo o cinturão Circum-
Pacífico, mas também é observável em parte da faixa que se estende dos Açores até o leste da Índia.
Figura 2.13: Distribuição dos principais centros de atividade vulcânica no último milhão de anos.
Uma região que ainda não foi mencionada, mas convém levar em consideração, porque
servirá de argumento para discussões futuras, é o continente africano, em particular o leste da
África. A África possui atividade sísmica importante e vulcânica recente no norte do Marrocos
e da Argélia que estão relacionados ao cinturão que se inicia nos Açores. O leste da África
apresenta uma atividade sísmica formando um cinturão, mais ou menos difuso, principalmente
na sua porção sul, que se estende desde a extremidade sul do mar Vermelho, junto ao golfo de
Aden, até a África do Sul. Essa atividade sísmica é acompanhada por um alinhamento de vul-
cões desde o mar Vermelho até a Tanzânia. O Monte Kilimanjaro faz parte desse alinhamento.
A atividade sísmica longe dos cinturões de alta sismicidade, em alguns casos, também se associa à
atividade vulcânica. O exemplo mais famoso é o arquipélago do Havaí, e o mecanismo gerador desta
sismicidade e deste vulcanismo foi um enigma para os geofísicos durante um longo intervalo de tempo.
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2.1.1 Fraturas, falhas e o movimento das falhas
As rochas da superfície da Terra são todas submetidas a deformações que, ao longo do tempo,
podem levar à sua quebra ou fratura. Essas forças podem ter origem em agentes externos, como
variações de temperatura, que produzem pequenas fissuras ao longo do volume da rocha, ou,
de forma muito mais intensa, devido a forças originadas no interior do planeta que produzem
fissuras com extensões de várias centenas de quilômetros ou mais.
A origem dessas forças internas que deformam as rochas da superfície da Terra é um dos temas
mais importantes da geofísica. No entanto, como se pode imaginar, trata-se de um assunto complexo
cujo tratamento será adiado para o fim deste curso, quando as principais evidências e argumentos
necessários para a explicação da origem dessas forças terão sido apresentados.
As grandes fissuras que se observam na superfície da Terra podem ser classificadas em
dois grandes grupos: as fraturas e as
falhas. As fraturas são interrupções
na continuidade das rochas nas quais
o movimento relativo entre os dois
lados da descontinuidade, se existir, é
perpendicular à descontinuidade. As
dorsais ou cadeias meso-oceânicas são,
em parte da sua extensão, fraturas. Essas
fraturas são locais de intensa atividade
vulcânica atual. Outro exemplo
de fratura é, em algumas situações,
observado em pedreiras ou cortes de
estrada, onde uma rocha sedimentar
é interrompida pela presença de uma
rocha vulcânica. O magma, que depois
dá origem à rocha vulcânica, quebra a
rocha produzindo uma fratura, ou seja,
afastando perpendicularmente ambos os
lados da descontinuidade, e se introduz
na rocha sedimentar (Figura 2.14). Figura 2.14: Elementos geométricos da falha e corte de estrada mostrando intrusão vulcânica / Fonte: b. ceapla2.
a
b
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Falhas são descontinuidades das rochas onde há, ou houve no passado, movimento para-
lelo à superfície de descontinuidade. Se observadas em uma escala grande, as superfícies de
descontinuidade não são, em geral, planas e apresentam curvaturas tanto na vertical quanto
na horizontal. Do ponto de vista geométrico, no entanto, as falhas podem, frequentemente,
ser localmente descritas por um plano que, algumas vezes, é chamado de plano da falha. A
descrição desse plano no espaço é feita através de três elementos (Figura 2.14a):
a. Traço da falha;
b. Azimute, ângulo entre 0° e 180°, definido a partir do norte verdadeiro, girando o sentido
anti-horário até encontrar o traço;
c. Azimute, definido de forma alternativa, ângulo entre 0° e 90°, definido como o menor
ângulo entre o norte verdadeiro e o traço da falha. Nesse caso, é necessário indicar o
sentido de rotação;
d. Mergulho da falha, definido entre 0° e 90°, e direção do mergulho.
Considerando, para simplificar a descrição, que a superfície da Terra é plana e horizontal,
a intersecção do prolongamento do plano da falha com a superfície horizontal define uma
reta chamada traço da falha. A orientação do traço da falha é definida através do ângulo que
ele forma com a direção do norte verdadeiro. Por convenção, esse ângulo, que recebe o nome
de rumo ou azimute da falha, é medido a partir da direção do norte verdadeiro girando-se
no sentido de rotação dos ponteiros do relógio. Definido dessa forma, o rumo é um ângulo
contido no intervalo, 0 ≤ rumo < 180°. Outra forma de definir o rumo é fornecer o ângulo
entre o norte verdadeiro entre 0° e 90° e dizer se o traço está a leste ou a oeste. No caso do
exemplo da Figura 2.14, o traço da falha está a 127° ou a 53° a oeste.
A inclinação do plano da falha em relação ao plano horizontal é definida traçando-se sobre ele uma
reta perpendicular ao seu traço. O ângulo de inclinação é então medido entre essa reta e a sua projeção
ortogonal no plano horizontal. O usual é medir o mergulho entre 0° e 90° e, para se definir de forma
única a posição do plano da falha, é necessário dizer em que direção o plano mergulha. No exemplo
da Figura 2.14, o plano da falha representado tem um mergulho de 50° na direção sul-sudoeste.
Os movimentos das falhas são sempre movimentos relativos, ou seja, um lado da falha se
movimenta em relação ao outro lado. O movimento de uma falha pode ser descrito a partir
da composição de dois entre três movimentos típicos: transcorrente, normal e reverso. No mo-
vimento transcorrente, os lados do plano da falha escorregam um em relação ao outro, com o
deslocamento sendo exclusivamente horizontal, ou seja, exclusivamente na direção do traço da
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falha (Figura 2.15). Define-se rejeito direcional da falha transcorrente como o deslocamento
relativo dos lados da falha na direção do movimento. No movimento transcorrente, o rejeito
direcional pode ser chamado de rejeito horizontal.
Figura 2.15: Movimento relativo transcorrente de uma falha e definição de rejeito horizontal.
O movimento normal e o movimento reverso são caracterizados pelo fato de o movimento
relativo ocorrer exclusivamente na direção do mergulho. No movimento normal, um lado
da falha escorrega de forma que dois observadores parados em cada lado da falha se afastam
horizontalmente com o movimento. No movimento reverso um dos lados da falha cavalga
sobre o outro, aproximando horizontalmente os observadores fixos (Figura 2.16).
Figura 2.16: Movimento relativo normal e movimento relativo reverso de uma falha e definição do rejeito de mergulho. No movimento normal, dois observadores afastados inicialmente a uma distância 1 2O O
passam a uma distância maior 1 2' 'O O
. No movimento reverso, a distância passa a ser 1 2" "O O
, menor do que a distância inicial 1 2O O
.
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Tanto no caso da falha reversa quanto no caso da falha normal, o deslocamento ao longo da
direção do mergulho recebe o nome de rejeito de mergulho. A projeção do rejeito de mergulho
no plano horizontal define o rejeito horizontal da falha normal ou reversa. O deslocamento ao
longo da vertical define o rejeito vertical (Figura 2.17).
Os movimentos das falhas não são, necessariamente, só transcorrentes, só normais ou só
reversos. É possível existir uma composição entre movimento transcorrente e um dos outros dois
movimentos: ou normal ou reverso. Nesse caso, o deslocamento ocorre sobre o plano da falha
ao longo de uma direção oblíqua, nem perpendicular nem paralela, ao traço da falha e define o
rejeito total ou direcional (Figura 2.18). O rejeito total é composto por um rejeito horizontal
e um rejeito de mergulho. O rejeito horizontal é a projeção do rejeito total no plano horizontal
e o rejeito vertical é a projeção do movimento da direção vertical. O ângulo entre as direções do
rejeito horizontal e o do rejeito total é chamado caimento e o ângulo entre a direção do traço da
falha e a direção do rejeito total é chamado obliquidade.
Figura 2.17: Definição de rejeito de mergulho (rm), rejeito horizontal (rh) e rejeito vertical (rv) em uma falha normal. É fácil ver como esses rejeitos seriam encontrados em uma falha reversa.
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2.1.2 Elementos de mecanismo focal: o modelo de Reid (rebote elástico)
O deslocamento brusco ao longo de uma falha foi associado à ocorrência de terremotos
logo no início do desenvolvimento da sismologia por John Milne no Japão e essa associação
foi particularmente bem demonstrada no trabalho científico induzido pelo terremoto de São
Francisco em 1906, graças à existência de levantamentos geodésicos de precisão na Califórnia.
A Califórnia foi anexada ao território americano no final da Guerra mexicano-americana
(1846-1848). A partir do início da década de 1850, antes, portanto, da fundação do Serviço
Geológico dos Estados Unidos (USGS, fundado em 1879) levantamentos geodésicos de detalhe
começaram a ser realizados naquele Estado. Esses levantamentos consistiam na localização precisa,
por triangulação e por levantamento topográfico, em uma rede de pontos de referência fixados
ao solo. Essa rede de pontos de referência foi, com o tempo, ampliada e os levantamentos foram
repetidos em mais de uma ocasião, de forma que no início do século XX, a Califórnia possuía
Figura 2.18: Definição de rejeito direcional em uma falha cujo deslocamento combina o movimento transcorrente e o movimento normal. É fácil ver como seria a combinação de movimento transcorrente e o movimento reverso. Definição de obliquidade (α) como o ângulo entre o traço da falha e o segmento que representa o rejeito direcional. Definição de caimento como o ângulo entre o segmento que representa o rejeito horizontal e o segmento que representa o rejeito direcional.
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um importante acervo de dados geodésicos. Logo após o terremoto de 1906, essa rede de pontos
de referência voltou a ser estudada, ou reocupada, como se costuma dizer, e a comparação dos
resultados desse último levantamento com dois conjuntos de dados anteriores, um coletado entre
1851 e 1865 e o outro coletado entre 1874 e 1892, forneceu evidências importantes para associar
os terremotos à deformação da crosta. A interpretação dessas observações levou H. F. Reid a
propor o modelo de rebote elástico.
Reid observou que, no intervalo de tempo compreendido entre a realização dos primeiros
levantamentos e a ocorrência do terremoto, pontos distantes do traço da falha se moveram,
uns em relação aos outros, distâncias da ordem de três metros. Durante o terremoto,
o deslocamento também foi considerável, atingindo o valor máximo de 6,6 metros.
Além disso, terremotos são fenômenos recorrentes na Califórnia. A Tabela 2.2 lista os
principais terremotos históricos ocorridos na região.
Tabela 2.2: Principais terremotos ocorridos na Califórnia entre 1850 e 1905.
Localidade Data MagnitudeFort Tejon 09/01/1857 7,9
Santa Cruz Mountains 08/101865 6,5
Hayward 21/10/1868 6,8
Owens Valley 26/03/1872 7,4
Oregon Coast 23/11/1873 7,3
Corralitos 24/02/1890 6,3
Imperial Valley 24/02/1892 7,8
Vacaville 19/04/1892 6,4
Winters 21/04/1892 6,4
Calaveras Fault 20/06/1897 6,3
Mare Island 31/03/1898 6,3
Mendocino County 15/04/1898 6,8
Eureka 16/04/1899 7,0
San Jacinto 25/12/1899 6,7
Parkfield 03/03/1901 6,4
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Com base nesse conjunto de observações, Reid propôs que ao longo dos anos, forças atuando
na crosta terrestre deformam continuamente as rochas, acumulando energia elástica. Os conceitos
de esforço, deformação e energia elástica serão apresentados de forma mais rigorosa na próxima
aula. No entanto, uma analogia simples com uma tira ou bloco de borracha, ajuda a entender, pelo
menos de forma intuitiva, o fenômeno. Se um bloco de borracha for firmemente segurado com as
mãos e elas forem movimentadas em sentidos opostos sem rodar o bloco, surge na borracha uma
deformação, ou seja, uma mudança de forma (Figura 2.19).
A borracha se estira em consequência do par de forças separado pela distância entre as mãos,
ou seja, se deforma em consequência do momento das forças aplicadas. Como, para produzir
a deformação, tem de ser realizado um trabalho mecânico sobre a borracha, energia mecânica
é acumulada. Essa energia de deformação é bem conhecida de qualquer garoto que use um
estilingue e é o que permite que uma pedra seja atirada à distância. Se o momento for crescente,
a deformação cresce até o ponto em que a borracha se rompe liberando a energia acumulada.
Essa energia se transforma em movimento, energia cinética, portanto, e em calor.
Figura 2.19: deformação produzida em um bloco de borracha: a. bloco sem deformação b. bloco com deformação pequena c. bloco muito deformado, próximo da ruptura.
a b c
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No caso das vizinhanças de uma falha o fenômeno é essencialmente o mesmo. Energia é
acumulada até que as faces da falha se movimentam bruscamente, liberando a energia acumulada.
Uma parte da energia se transforma em calor, uma parte da energia se transforma em movimento
da falha e uma parte da energia se transforma em ondas elásticas. São essas ondas que permitem
um terremoto ser observado a grandes distâncias (Figura 2.20).
O deslocamento de uma falha pode ser representado por um vetor u
com a direção definida
pela orientação do plano da falha e, por exemplo, pelo caimento. O produto do módulo do
vetor deslocamento u
, que é o rejeito total, pela área do segmento da falha onde ocorreu
movimento e por uma grandeza física chamada módulo de cisalhamento define o que se
chama momento sísmico, que corresponde ao momento das forças agindo em cada lado da
falha. O momento sísmico é uma grandeza física diretamente ligada ao processo de ruptura, que
dá origem a um terremoto e pode ser determinado a partir dos sismogramas.
a b
c d
Figura 2.20: Acúmulo de deformação em um bloco crustal: a. bloco crustal com pouca deformação. O traço de falha indica a posição de uma falha pré-existente e inicialmente livre de esforços, ou o local onde uma falha será produzida b. bloco crustal acumulando deformações ao longo do tempo. As deformações se concentram próximo à falha c. esquema indicando a direção (flecha) e a amplitude (tamanho da flecha) do primeiro movimento produzido pela liberação da energia elástica d. bloco crustal novamente com pouca deformação após a ocorrência de um sismo, mas apresentando um escorregamento ao longo de falha pré-existente a formação de uma nova falha.
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2.1.3 Intensidade sísmica e magnitude sísmica
2.1.3.1 Intensidade
A forma mais intuitiva de se classificar os terremotos que ocorrem em uma mesma região
é comparar os seus efeitos macroscópicos, ou como são modernamente chamados, efeitos
macrossísmicos. A ideia de se utilizar efeitos macrossísmicos para descrever um terremoto foi
utilizada por Robert Mallet em 1857, estudando um terremoto ocorrido em Nápoles, na Itália.
Para se estabelecer uma escala de comparação entre diferentes terremotos, M.S. de Rossi e F.
Forel estabeleceram, em 1884, a primeira escala de intensidade sísmica, apresentada no primeiro
texto. Como pode ser visto na descrição dos dez níveis da escala Rossi-Forel, a intensidade
sísmica não é definida a partir de nenhuma grandeza física do terremoto que possa ser observada
ou calculada. Intensidade sísmica classifica os terremotos pelos seus efeitos sobre objetos móveis
e sobre as edificações do local, pela reação das pessoas no momento do terremoto e pelas marcas
deixadas pelo terremoto sobre a paisagem local.
A comparação entre diferentes terremotos que as escalas de intensidade permitem é muito
limitada. A primeira limitação está no fato de que as escalas são definidas em uma determinada
região e época. A escala de Rossi-Forel, por exemplo, foi definida com base em observações
feitas na Europa, principalmente na Itália, no final do século XIX. Um terremoto que aconteça
hoje, na Itália, terá provavelmente um efeito sobre um edifício moderno diferente daquele
que o mesmo terremoto provocaria em um edifício do mesmo local nos tempos de Rossi e
Forel. Por esse motivo as escalas de intensidade foram modificadas ao longo do tempo. A escala
modificada de Mercalli, por exemplo, é uma adaptação da escala criada pelo vulcanólogo G.
Mercalli para a região sul da Itália em 1902. A escala de Mercalli foi posteriormente revista por
ele mesmo e por outros sismólogos. Em 1931, H. Wood modificou e simplificou a escala de
Mercalli para adequá-la às condições existentes na Califórnia.
A intensidade sísmica depende também da geologia local. Logo no início do século XX, o
relatório Lawson, que descreveu em detalhe a investigação feita logo em seguida ao terremoto
de São Francisco em 1906, mostrou de forma clara que edificações de construção semelhantes
localizadas, por exemplo, sobre sedimentos soltos, parcial ou totalmente saturados, respondem, a
um mesmo terremoto, de forma diferente das construções sobre rochas consolidadas.
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O uso das escalas de intensidade para comparar terremotos de diferentes locais é ainda mais restrito.
A aplicação da escala modificada de Mercalli no Japão e no Haiti, só para citar dois eventos recentes,
fornece informações que não são comparáveis, uma vez que as condições locais são muito diferentes.
Isso não significa que as escalas de intensidade tenham perdido a utilidade. Elas continuam sendo
uma forma importante de se coletar de forma rápida informações objetivas sobre os efeitos de um
terremoto logo após a sua ocorrência. Além disso, quando um terremoto ocorre em uma região
muito remota e para o qual não existem informações instrumentais, a determinação da intensidade
sísmica pode ser a única informação disponível. O mesmo acontece com terremotos antigos, ocor-
ridos antes da possibilidade de se ter dados instrumentais em uma região.
Os dados de intensidade sísmica são normalmente representados em um mapa onde
esses dados são interpolados para traçar, sobre o terreno, linhas que representam a mesma
intensidade sísmica, chamadas de isossistas. Essas linhas permitem delimitar as variações da
intensidade sísmica em uma região e isolar a região mais fortemente afetada pelo terremoto
(essa região é, com alguma frequência, chamada em inglês de meizoseismal region – os
autores não conhecem nenhuma tradução adequada para o termo, mas a expressão vem da
composição das palavras gregas meizon, muito grande, com seismos de terremoto, abalo).
A Figura 2.21 mostra o mapa de isossistas de um terremoto ocorrido no Estado de São
Paulo no início do século XX (27 de janeiro de 1922) e conhecido como terremoto de
Mogi-Guaçu (terremotos como esse são eventos raros no sudeste do Brasil).
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O centro da região de maior intensidade é, na falta de qualquer outra informação melhor,
utilizado como estimativa da localização do epicentro do terremoto, algumas vezes chamado
de epicentro macrossísmico. A partir da definição de intensidade sísmica e das limitações
decorrentes dessa definição, pode-se imaginar que essa estimativa é frequentemente grosseira.
2.1.3.2 Magnitude sísmica
As informações não instrumentais sobre as características de um terremoto, mesmo quando
quantificadas através de uma escala de intensidade, fornecem informações pouco precisas e
exatas. Charles F. Richter, o responsável pela primeira e, certamente, a mais famosa escala de
Figura 2.21: Mapa de isossistas do sismo de Mogi-Guaçu, São Paulo, ocorrido em 27 de janeiro de 1922. Esse sismo foi registrado na estação sismográfica do Rio de Janeiro (RDJ). Os arcos de circunferência indicam as distâncias de 380 km e 450 km da estação RDJ e fornecem uma escala métrica aproximada para a figura. O epicentro macrossísmico desse evento está situado entre essas duas distâncias, aproximadamente na altura do paralelo 22° S. Intensidades de até VI, na escala modificada de Mercalli, foram relatadas e uma magnitude de 5,1, escala mb, foi estimada para o sismo. O sismo de Mogi-Guaçu foi sentido em todo o leste do Estado de São Paulo, na cidade de Santos inclusive, oeste do Estado do Rio de Janeiro e sul de Minas Gerais. (Extraído de Berrocal e colaboradores, 1984).
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magnitudes, comenta e exemplifica de forma muito convincente a inadequação do uso de
informações não instrumentais.
A ideia para o estabelecimento de uma escala para comparação de terremotos a partir de
dados instrumentais foi utilizada pela primeira vez por Wadati, no Japão, e posteriormente por
Richter durante a preparação do primeiro catálogo sísmico compilado para eventos ocorridos
no sul da Califórnia em 1931. A escala recebeu o nome de escala de magnitude, para diferenciar
claramente a nova medida do conceito de intensidade, e o nome foi emprestado da astronomia,
onde se constróem escalas para comparar a luminosidade de estrelas; note que não existe relação
alguma entre as duas coisas, apenas o nome magnitude foi transposto para a geofísica.
O princípio básico utilizado para o estabelecimento da primeira escala de magnitude
sísmica foi o seguinte: se dois terremotos diferentes ocorrerem em um mesmo foco e forem
observados em uma mesma estação sismológica, o evento maior deve produzir uma amplitude
do movimento do solo maior do que a do evento menor. Por outro lado, terremotos idênticos
com origem em focos distintos produzem amplitudes diferentes em uma mesma estação
sismográfica, ainda que o material intercalado entre os dois focos e a estação seja homogêneo. A
amplitude do movimento do solo decresce como função da distância epicentral do observador
de forma análoga ao decréscimo da amplitude de uma onda produzida em um lago (meio
homogêneo) pela queda de uma pedra em um ponto da sua superfície (foco).
Se duas pedras iguais caírem em queda livre, a partir de uma mesma altura (as pedras chegam
com a mesma energia cinética na superfície da água) em pontos diferentes do lago em relação a
um observador fixo (diferentes distâncias epicientrais em relação à mesma estação sismológica), a
pedra que cair mais próximo produzirá uma amplitude maior no movimento da água, na posição
do observador, do que a pedra que cair mais longe. Se duas pedras caírem de alturas diferentes
em um mesmo ponto (as pedras atingem a superfície da água com energias cinéticas diferentes), a
pedra que cair de uma altura maior provocará a maior amplitude da onda no ponto de observação.
O motivo do decréscimo da amplitude das ondas na superfície do lago está no fato de que elas
carregam, para longe do ponto de impacto, a energia depositada na superfície da água pela queda
da pedra. A energia carregada está relacionada à amplitude da onda, uma vez que o afastamento
em relação à posição de equilíbrio da superfície da água representa energia gravitacional armaze-
nada na onda. Como a onda gerada no lago forma uma circunferência com raio progressivamente
crescente e a energia total é fixa, a conservação de energia mecânica impõe o decréscimo de
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amplitude com o afastamento do ponto de origem. Essa diminuição de amplitude recebe o nome
de atenuação geométrica, ou espalhamento geométrico. Uma coisa análoga acontece durante um
terremoto. As ondas elásticas também sofrem espalhamento geométrico no interior da Terra.
Richter foi feliz no estabelecimento da sua escala de magnitude porque, no início
da década de 1930, todos os registros de sismos no sul da Califórnia eram feitos com o
mesmo tipo de sismógrafo, todos ajustados para responder de forma igual a movimentos
iguais do solo. A amplitude do movimento registrada no sismograma não é igual à da
amplitude do movimento do solo, porque o instrumento de medida introduz uma série
de alterações, sendo a mais evidente a amplificação do movimento para permitir o registro
de um sinal que, de outra forma, seria imperceptível na maioria dos casos. Como Richter
utilizou equipamentos idênticos calibrados de forma idêntica, a comparação pôde ser feita
diretamente através dos registros.
As amplitudes máximas do movimento do solo foram medidas em um número grande de
registros usando uma escala expressa em milímetros e com precisão para medir até décimos de
milímetro. As amplitudes observadas foram muito variáveis, indo de 0,1 mm a 10 ou 12 cm, ou seja,
o intervalo de variações corresponde a mais de 1.000 vezes a menor amplitude medida. Quando
variações desse tipo ocorrem, é difícil, quando não impossível, interpretar graficamente todos os
resultados em conjunto e convém utilizar, não a medida propriamente dita, mas o seu logaritmo
calculado em uma base escolhida como padrão. Com isso, o conjunto de dados fica graficamente
menos variável e interpretações envolvendo toda a faixa de medidas se tornam mais fáceis, ou
mesmo possíveis. Qualquer base serve desde que o objetivo de interpretar conjuntamente todos
os resultados seja atingido. No entanto, o uso geral consagrou a base 10 como padrão, porque ela
permite analisar dados muito variáveis, e Richter utilizou essa base.
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A análise dos dados de terremotos
feita por Richter consistiu em construir
um diagrama cartesiano, onde a distância
epicentral em quilômetros de um mesmo
sismo a diferentes estações sismológicas
foi associada ao eixo das abscissas,
enquanto o logaritmo da amplitude das
ondas sísmicas observadas nessa estação
foi associada ao eixo das ordenadas. Um
diagrama assim obtido mostra o efeito da
atenuação geométrica sobre a amplitude
do movimento do solo no local de
observação. O processo foi repetido para
todo o conjunto de sismos observados
no sul da Califórnia, mostrando que,
embora cada sismo tivesse a sua curva
de atenuação geométrica, as curvas eram,
aproximadamente, paralelas (Figura 2.22).
A função logaritmo tem uma
propriedade importante, que diz que a diferença entre os logaritmos de duas amplitudes é
igual ao logaritmo da razão entre essas amplitudes. Se o paralelismo entre duas curvas de
atenuação correspondentes a dois sismos diferentes fosse perfeito, a razão entre as amplitudes
correspondentes a uma mesma distância epicentral nas duas curvas seria independente da
própria distância epicentral. Usando esse fato, Richter traçou arbitrariamente uma curva de
atenuação teórica em média paralela às curvas observadas e passando pelo ponto definido pelo
par ordenado (distância epicentral de 100 km, logaritmo decimal da amplitude igual a um).
Richter definiu magnitude (M) de um sismo como a distância ao longo do eixo das ordenadas
entre a curva de atenuação desse sismo e a curva padrão.
Com essa definição a curva padrão passou a corresponder a uma magnitude igual a zero.
A curva padrão foi escolhida com um valor relativamente pequeno de amplitude na distância
epicentral padrão de 100 km, de forma que a magnitude de muitos terremotos fosse superior
à magnitude do terremoto padrão. Isso não significa, no entanto, que não existam terremotos
Figura 2.22: Esquema do diagrama da amplitude em função da distância epicentral para sismos da Califórnia utilizado por Richter para definir a escala de magnitudes.
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com magnitudes negativas. Magnitude negativa significa apenas que o terremoto produziu,
na distância epicentral de 100 km, um movimento do solo com amplitude menor do que a
amplitude que seria produzida pelo terremoto padrão.
O procedimento desenvolvido por Richter para definir uma escala de magnitudes é enge-
nhoso, mas tem uma limitação identificada por ele mesmo. Uma vez que a escala de magnitude
foi definida de forma empírica utilizando dados sísmicos do sul da Califórnia, é de se esperar
que ela só permita a comparação de sismos ocorridos no sul da Califórnia.
O conceito de magnitude foi posteriormente generalizado para permitir a comparação
de terremotos com epicentros em qualquer lugar na superfície da Terra. Para esse tipo de
comparação, é necessário especificar o tipo de onda sísmica que é utilizado para a atribuição
do valor da magnitude. Usualmente, utilizam-se as amplitudes máximas das ondas de volume
e as amplitudes máximas das ondas de superfície. A escala baseada na medida das amplitudes
de ondas de volume é a escala de magnitude m. A escala baseada na medida de amplitudes
de superfície é a escala M. As escalas baseadas na medida de amplitudes máximas de um tipo
definido de onda têm a forma geral:
2.1
Sendo “a” a amplitude máxima do movimento do solo, neste caso para ondas de superfície,
T é o período dominante da onda e h é a profundidade focal. A distância epicentral Δ é expressa
como o ângulo entre o epicentro e a estação sismográfica, medido ao longo do círculo máximo
que passa pelos dois pontos.
A função f(Δ,h) é um termo empírico, derivado de um número muito grande de observações,
que permite corrigir o decréscimo da amplitude das ondas sísmicas devido, principalmente, ao
espalhamento geométrico. A função f(Δ,h) reduz todas as observações a uma distância epicentral
correspondente a 100 km. O termo C também é encontrado de forma empírica e tem a função
de remover a influência da estrutura geológica nas proximidades da estação. Se essas correções
fossem perfeitas, todos os terremotos seriam perfeitamente comparáveis. Isso não é exatamente
verdade, mas, mesmo assim, escalas de magnitude definidas na forma da equação 2.1 permitem
uma comparação mais objetiva entre terremotos ocorridos em lugares muito diferentes.
( )log ,aM f h CT
= + Δ +
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2 Sismicidade
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As escalas de magnitude de ondas de volume m e ondas de superfície M podem ser relacionadas
pela relação empírica
M = 1,59 m - 3,97 2.2
Além disso, uma relação empírica entre a magnitude, por exemplo, M, e a energia elástica
liberada (E) pode ser escrita na forma
log (E ) = 1,44 M + 5,24 2.3
onde a energia E está expressa em joules. Como tanto a relação (2.2) como a relação (2.3) são
derivadas exclusivamente de observações sismológicas, elas têm um intervalo de valores do seu
argumento para o qual a estimativa fornecida é precisa. De uma forma geral elas representam
uma boa aproximação no intervalo de magnitudes 4 ≤ M ≤ 7. Fora desse intervalo, as equações
fornecem aproximações mais pobres.
As escalas de magnitude definidas seguindo a ideia original de Richter têm em comum o
fato de serem relações empíricas, que não estão ligadas diretamente a nenhuma característica do
processo de liberação de energia durante a ocorrência de um terremoto.
Estudos sobre mecanismo focal, ou sobre os processos que levam à ruptura da rocha e à
geração de um terremoto, mostraram que o tamanho de um terremoto pode ser medido pelo
seu momento sísmico. Embora o valor do momento sísmico permita classificar o tamanho dos
diferentes terremotos, o seu uso direto não é muito prático. Em função disso, definiu-se uma
escala de magnitudes, baseada no momento sísmico mW
, que tem sido progressivamente mais
utilizada. As escalas de magnitude baseadas no princípio utilizado por Richter, no entanto,
continuam sendo largamente utilizadas.
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ReferênciasStacey, F. D. Physics of the Earth. 2. ed. New Jersey: John Wiley and Sons, 1977.
Berrocal, J. et al. Sismicidade do Brasil.São Paulo: IAG-USP/CNEN, 1984.
charleS, r. Elementary Seismology. San Francisco: W.H. Freeman, 1958.
Disponível em: <http://ceapla2.rc.unesp.br/atlas/geologia.php>. Acesso: sd.
GlossárioCisalhamento: Módulo de cisalhamento é um dos parâmetros que definem a deformação de um
sólido quando submetido a forças externas. Uma definição rigorosa de módulo de cisalhamento será fornecida na próxima aula, quando forem discutidos os elementos da teoria da elasticidade. Por enquanto basta saber que a sua unidade é unidade de força/unidade de área, a mesma unidade da pressão hidrostática, embora o seu sentido físico seja diferente. O momento sísmico, da forma como foi definido tem unidade de força x unidade de comprimento, que é a unidade física de trabalho e de momento de força.
Energia acumulada: No caso do bloco de borracha, o esforço aplicado tem de produzir a ruptura do bloco. No caso de uma falha geológica pré-existente, a energia acumulada tem de superar o atrito estático entre as faces da falha. A energia para que isso aconteça é menor do que a energia necessária para gerar uma ruptura em uma rocha inicialmente livre de falhas.
Geodésicos: Geodésia é a ciência que se ocupa da determinação da forma, das dimensões e do campo de gravidade da Terra.
Guerra mexicano-americana: Um leitor interessado em aspectos históricos deve procurar se informar sobre a Guerra Mexicano-Americana e sobre o tratado de Guadalupe-Hidalgo que pôs fim a essa guerra.