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8/10/2019 Sociabilidade e Dist Em Evora No Sec XIX
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Maria Ana
Bernardo
4
O
TRABALHO AQUI
DESENVOLVIDO
ESCOLHEU
CIDADE
DE
VOR
COMO
OBSERVATRIO DE UM
SOCIEDADE
EM
MUDANA ENTRE
PRIMEIROS ANOS
DE
UM
LIBERALISMO MITIGADO E
OS
PRIMEIR:
S
MANIFESTAO DOS
IDEAIS
E
DOS MOVIMENTOS
REPUBLICANOS.
E
NESTE
MICROCOSMO QUE CONSEGUIMOS PERCEBER
COMO
DINMICAS DE INTEGRAO
SURGEM
SSO I D S S
PRFRZ S
PRTI S DE
DISTINO.
ANLISE EM
PROFUNDIDADE
QUE
M RI ANA
BERNARDO
DESENVOLVE SOBRE
OCIRCULO
EBOREN E
VEM CONFIRMAR ESS
DINMICA ESPECFICA DE UM CIDADE
ELITE
TRADICIONAL
DE
PROPRIETRIOS
E L VR DORES SS
MECANISMOS DA DOMINAO AT BEM TARDE APENAS ESBOANDH
AO
LONGO
DA
SEGUNDA
METADE DE
OITOCENTOS
UM
1tflD
ABERTURA
OUTROS GRUPOS EMERGENTES.
o
Prefcio
de David Justino
U
Sociabilidade
e
Distino
em
vora no
Sculo
XIX
O
Crculo
Eborense
o
JD
-
8/10/2019 Sociabilidade e Dist Em Evora No Sec XIX
2/114
Edio
apoiada
pela
Cmara
Muni
ci l
de
vora
ndice
geral
Na
capa: fotografia
de
grupo tirada no
Crculo
Eborense
1890).
Propr edade de
Joo Silveira,
gentilmente
cedida
pela Base
de Imagens do Projecto
JNICT/
/PCSH/HIS/1002/95,
Universidade
de vora.
Nota
prvia
3
Prefcio
de
David
Jistino
7
Introduo
2001,
Edies
Cosmos
e Maria
Ana
Bernardo
Composio:
Edies
Cosmos
Reviso:
Levi
Condinho
Impresso: Garrido artes
grficas
Maro
de
2001
ISBN 972-762.201-1
Depsito
legal
158219/00
Edies
Cosmos
Av
Jlio Dinis,
6C,
4. dto.
P 1050-131
Lisboa
Telefone
2
799 99
50
Fax
2
799
99
79
www.liv.arcoiris.pt
Difuso:
Livraria
Arco-ris
www.liv-arcoiris.pt
Parte
primeira
As
redes
de
soci ilid de
e orenses
na
segund
met de
do
sculo
XIX
27
Problemas
e
fontes
30
2
As
sociabilidades
eborenses:
imagens
e
representaes
36
3
A
diversidade
das
prticas
3.1.
Assoires,36
3.2. As
associaes
culturais e
recreativas,
39
3.3. O
te tro
52
3.4.
Os
cafs,
57
3.5.
O
Passeio
Pblico,
59
3.6. As
touradas,
60
3.7.As
feiras, 61
3.8.
Festividades
e
celebraes
religiosas,
63
3.9.
Festividades
e
comemoraes
profanas,
66
3.10.
Em
vilegiatura
ou
a
busca
de
outros
espaos,
68
7
4.
Entre
prticas
e
representaes:
uma
rede
significante
74
Notas
-
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Pa
rte
se
gund
a
Agr
adeci
meii
tos
O
rcu
lo
Eb
orens
e
a so
ciabi
lidad
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87
P
robl
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Font
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A
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157
D
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C
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ento
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1
67
II
A
Ide
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B
I
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G
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p
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ulo
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ense qu
e
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men
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o
Ao
Prof
Dou
tor D
avid Ju
stino
so
b
cuja
o
rien
tao cien
tfic
a
deco
rreu
este
trabalho agradeo
as
sempre
va
liosa
s
su
gest
es
e
a dis
poni
bilid
ade
e
s
impa
tia que tem
man
ifest
ado
-
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Nota
prvia
A
possibilidade de publicao
do
texto
das
Provas de Capacidade
ien
tfica e Aptido
Pedaggica decorridos alguns anos sobre
sua
apresentao
acadmica implicou que
se
fizessem
opes. Ou se desenvolviam e tu li
zavam
s
resultados
ou
se
assumia
trabalho de ento como
legtimo
representante
de
um percurso
de investigao
que em determinado mo
mento
produziu
determinadas
concluses.
A
passagem
do
tempo
favoreceu
distanciamento
crtico
e
pesquisa
entretanto efectivada enriqueceu
os
dados
empricos e
acervo
bibliogrfico.
A
trilhar se tal caminho resultado
seria
provavelmente
um outro t rabalho. Ponderado
este
aspecto e ten
dendo
que hiptese
de publicao
teve
como base verso
original
deciciu se
que
no se far iam
modificaes
substanciais.
A
bibliografia no
sofreu actualizao e apenas
se
fizeram
alteraes ao
texto
para
expurgar
das
redundncias
e
aclarar
sintaxe.
-
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Prefcio
Quando
no
final
da
dcada
de
50
do sculo passado Teixeira
de Vascon
celos
publicou
Les
Conremporains
Portugais Epagno/s
es
Brsiliens
logo no
seu
prefcio
traduziu bem os
sinais
dos
tempos e
a viso
optimista que o
acesso
aos
novos
bens
de civilizao
sustentava: ...la
vapeur
et
llectricit
en
raprochant
les peuples
ont contribu
rendre plus vive
la curiosit
pu l
que
lgard
des nations
arrivs les
dernires
dans
ce
sicle
au
banquet
universel
du
progrs
et de
la civilisation
aprs
avoir t des
premiers aux
agapes
sociales des
poques
antrieures
A
ideia de
proximidade e de
acessibilidade
a
esses
novos
bens criava
a iluso da
partilha
de
uma
nova
cultura
em
que o conhecimento
mtuo
e
universal dos
governos e dos
povos
seria o
princpio fundador
de
um novo
iluminismo
assente na
tecnologia e
na
cincia.
O
efeito
de
contgio
sobre
os pases mais
atrasados como Ikrtugal
tornar se ia
irresistvel
impregnando
o tecido
social
em toda a sua
extenso
e
acentuando
os
contrastes
entre
uma
modernidade
de inovao
e
a
tradio
dos
costumes.
Um dos
exemplos
que
Teixeira deVasconcelos
destaca
precisamente o
das
prticas
e dos
espaos
de
sociabilidade: Les villes
principales
du
Portugal
ont adopt
la
mode des
clubs ou cercles; cc
qui na pas
entirement
dtourn
des
pharmacies
les
personneshabitues
se
runir
pour savoir
les
nouvelies
du
quartier
de la
ville
et
mme
du royaume:
en province
les
pharmaciens jouissent
encore de cc
privilge
dans
toute sa force>
Sobre
a
tradicional socialibilidade
informal de
um
local
de encontro estruturava se
agora
uma outra feita de
clubes crculos associaes
sociedades
e gabine
tes. Maior formalidade
mas
tambm
maior diversificao nos
objectivos
e
acima
de
tudo da composio
social de
cada uma dessas
alternativas.
Paris
1859
p
V
2
Ibid. p.144.
-
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14
Prefcio
David Justino
15
O entusiasmo
generalizado
pela ideia
de
quebrar
barreiras
socia is e
superar os factores
de
distino
e
diferenciao saldava-se
num voluntarismo
igualitrio
a que o
prprio Teixeira
de Vasconcelos
no consegue fugir:
La
socit
portugaise
n
eu qua
sapplaudir
de ladoption
dun
tel
usage;
et la
runion
des
diffrentes classes
dans
des
salons
oi les rangs se confondent
sous le
principe gnrale
de
la
bonne conduite
de
lducation
et
dune
on
dition sociale convenable
a eu une
influence
sensible sur les anciens prju
gs aristocratiques. Combien de pays civiliss
sobstinent
encore
faire
semblant de
garder la
sparation
complte
des
classes
sans vouloir r on
nakre que
dans
leurs salons les
exceptions
se prsentent
souvent plus
fortes que la
rgle
gnrale
Que
de fois
par fidlit au principe de ne
recevoir
que
des
gens de
sa condition on
attribue
la
noblesse
des p rson
nes
qui
nen ont
pas
la prtention .
O
problema
tal como
colocado
pelo
autor
acaba
por
transformar
estas
novas
plataformas
de socializao como
microcosmos de
uma
sociedade repartida
entre a velha ordem
aristocrtica
e
os
novos
vectores de
estruturao
social.
Aquela
assentava
sobre os
prin
pios
da
linhagem
esta
nova
sociedade sobre
a
ideia de civilidade
manifesta
pela
boa
conduta a
educao e
uma condio
social convenable
E neste
quadro
problemtico
que
se
integra
o
trabalho
desenvolvido
por
Maria Ana
Bernardo.
Escolheu
para o estudo de
um
caso exemplar
desta
dinmica
a
cidade
de Evora como
observatrio
de
uma
sociedade em
mu
dana entre
os
primeiros anos
de
um
liberalismo
mitigado
e
os primeiros
da
manifestao dos
ideais e
dos
movimentos republicanos.
E
neste
microcos
mos
que
conseguimos perceber como as dinmicas de
integrao
surgem
associados s
prprias
prticas de
distino. Ou
seja
essas novas prticas de
convivialidade
esses
novos
espaos de
socializao
acabam
no seu seio
e no
seu conjunto
por
serem
espaos
de
diferenciao e
de distino.
A
anlise em
profundidade que
Maria
Ana
Bernardo desenvolve sobre
o
Crculo
Eborense
vem confirmar
essa dinmica
especfica de uma
cidade
em que a elite
tradicional
de
proprietrios e
lavradores
assume
os mecanis
mos da
dominao
at
bem tarde apenas esboando
ao
longo da segunda
metade de oitocentos
uma
tmida
abertura
a outros grupos
sociais
emergen
tes.
A convivialidade
entre
grupos
torna-se limitada
incentivando a
criao
de
associaes
alternativas
socialmente
diferenciadas
culturalmente dis
tintas nas
suas
prticas
nos seus
objectivos na sua
capacidade
de
reprodu
o
dos
mecanismos de
distino
social.
Na
histria da
Regenerao
tem
sido dado
nfase ao referencial
dos
melhoramentos
materiais
contudo eram
os
prprios
regeneradores
a dest
car
o
papel
decisivo
da
associao
como
base
estruturadora
de
uma
nova
sociedade
da almejada civilizao
a
que o
progresso
material e
moral
conduzi
ria.
O
estudo
de
Maria
Ana Bernardo d-nos as imagens
e
perspectiva-nos
os
grandes
eixos
problemticos
desse
processo
de
mudana
social
que acompa
nha o lento
limitado mas inegvel desenvolvimento registado
durante
o
perodo Regenerador.
Oeiras
de Junho
de
2000
DAVID
JUSTINO
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ntro uo
-
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O
estudo
das sociabilidades foi
durante muito
tempo
um tpico
quase
residual
face aos
grandes temas
da
histria
econmica
social
e
das
ment li
dades. Os aspectos
da vida
em
sociedade normalmente
referenciados sob tal
designao
eram encarados como interesses
da
petite histoire
e
domnio de
curiosos e
eruditos
locais. Foi com a
historiografia
francesa da
dcada
de
60
nomeadamente
a
obra
de Maurice Agulhon
Lasociabi/itrnridionale.
Confreri
es
et
associations
dans
la
vie
coliective
ii
Provence au
XVJIP
sicle
que
a situao
mudou. Desde ento multiplicaram se
os estudos
e
sucederam se
os
n on
tros cientficos que
permitiram
no
s o
acrscimo
dos resultados empricos
como
o
enriquecimento das
perspectivas tericas.
s
historiografias
francesa
alem
e
sua em particular criaram
um
importante
espao de debate com
vista
comparao dos respectivos
resul
t dos
Em Portugal
este campo
de investigao
tem
igualmente suscitado o
interesse
dos historiadores
embora
seja
ainda longo
o
caminho a percorrer
no que
diz
respeito
ao equacionar
de problemas e
aos esforos comparativos.
E
neste
contexto
da historiografia portuguesa
que o
presente trabalho
pretende contribuir
para
o
conhecimento
da
sociedade
eborense
da
segunda
metade do sculo XIX
perspectivando a
sob o
ngulo
das
sociabilidades e
prticas de distino.
Porm o
enunciado
do tema suscita todo
um conjunto
de
questes que
so fundamentais para
a compreenso
dos
objectivos que
se
pretendem alcanar.
Um
primeiro
aspecto
diz
respeito
delimitao espacial.
Circunscrever
o espao
de anlise a
uma cidade implica
a
ventilao do problema
da deno
minada histria local; por
outras
palavras
implica
reflectir
sobre as
impli
caes
tericas
e metodolgicas implcitas
a
uma tal
opo.
Frequentemente
releva se
apenas
a
dimenso
geogrfica inerente a
este
conceito;
no
entanto
a pertinncia
deste t ipo de estudos s
se
manifesta plenamente
se
configu
rada
pelas
necessidades
da
histria
social.
Ou
seja
pela preocupao de
estu
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Parte primeira
s
redes
de sociabilidade
eborenses
na segunda
metade do
sculo X X
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1 Problemas efontes.
As questes suscitadas
pelo estudo
das
sociabilidades
eborenses na
segunda
metade de
Oitocentos justificam
uma
reflexo prvia
sobre as
fontes e eixos
problemticos
em
anlise. Uma dessas questes
relaciona se
com
o
desdobramento
do
texto entre
prticas
e
representaes.
A
opo
explica se mais
por motivos
de
clareza da exposio que por
razes
de
ordem
metodolgica
dado que
ambas
se completam
enquanto noes
operativas
para a compreenso
da
realidade
soci l
A
imprensa
local
constitui
um
recurso privilegiado
das
fontes
utilizadas
embora no
exclusivo. Durante a
segunda
metade
do sculo XIX Evora no
escapou ao su rto d e
proliferao de peridicos prprio
de
uma
cultura
burguesa e civilizadora
e
desde
os jornais
polticos
aos culturais e
re re ti
vos
de vida mais ou
menos longa foram
abundantes
os ttulos coligidos em
O Jornalismo Eborense
Uma
tal variedade embora
aliciante
como ponto de
partida
tinha um reverso:
quais
os jornais a
considerar
e
de
entre eles
que
tipo
de matrias
seleccionar? Um
aspecto relevante prendia se
com
a neces
sidade
de
recorrer a
peridicos
com
alguma
representatividade local
e
na
falta
de
outros
indicadores o tempo de
sobrevivncia
de
cada
u m d ele s
considerou se
critrio
avalizado
para
a escolha.
Partindo
do
princpio
de que
a viabilidade
financeira de
um jornal
dependia em
larga medida
da
retri ui
o
monetria
dos
leitores
quer
a
distribuio
se
operasse
pelo
sistema de
assinaturas quer pela
venda
directa
depreendeu se
que
existia uma forte
correlao entre
o
seu ciclo
de
vida e a receptividade
das
ideias
p or e le
veiculadas.
Assim os
projectos jornalsticos de
maior longevidade
tornaram
se objecto preferencial
de
anlise.
Quanto
seleco das
matrias a diversidade
dos
escritos relacionados
com
a
questo
originou
que
nem todos
parecessem pertinentes
no
plano
das
-
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28
As redes de sociabilidade
eborenses
representaes. Ou seja
nem
todos eram capazes
de dar conta do trabalho
de
classificao e de del imitao que produz as
configuraes intelectuais
mltiplas
atravs das
quais
a realidade
contraditoriamente
construda
pelos diferentes grupos [ou
agentes] de
que fala Roger hartier
princpio
fundamental para a estruturao
do
captulo
II relativo s
representaes
das
prticas
de
sociabilidade eborenses
oitocentistas.
H diferenas
significativas em
termos
de
intencionalidade e tcnica
discursiva
entre
a notcia o anncio o artigo
de
crtica e
reflexo
e
o folh
t im. Os
dois primeiros funcionam preferencialmente como
registo de ocor
rncias
pese embora a viso/construo do real
que o
acto
de
enunciar ou
omitir
um
determinado acontecimento s por si
representa remetendo
assim
para uma leitura sedimentar
da
realidade mediante a
qual
regularida
des e omisses adquirem
inteligibilidade ao nvel das
prticas.
O
artigo
de
crtica e reflexo
pelo
seu
lado
constitui
uma elaborao
intelectual
sobre a
realidade
em anlise
reflectida na carga valorativa
que o
acompanha.
O
assunto
tratado comporta a
marca
explcita do seu autor num
claro jogo
de
impor
ou
tentar
impor
a
sua
concepo
do
mundo
social
os
valores
que
so
os
seus
e o
seu
domnio O folhetim visvel
na imprensa
oitocentista
por
tuguesa
aps
a dcada de 40 e logo nessa
poca
suscitando
polmica
quanto
sua
qualidade literria
aparece especialmente
na verso
folhetim crni:
ca
como
um inventrio
informativo e
anedtico
com
pretenses
de
anlise
social
o
que
o
aproxima
do registo
discursivo
do
artigo de crtica e
reflexo
embora
matizado
por uma cer ta
tonalidade ficcional. Os artigos
de
crtica
e
reflexo e
os
folhetins tornaram se ento o
material mais utilizado
para o
estudo das representaes sobre
as sociabilidades
eborenses na
segunda
metade do sculo XIX
O captulo
respeitante s prticas
elaborou se
sobretudo
com
base nas
notcias
e nos
anncios publicados nesses mesmos peridicos.
A
necessidade
d e s e fa ze r u m
acompanhamento
sistemtico
de todo o perodo em
anlise
e desse
modo se detectarem regularidades e inovaes
justifica o caminho
seguido.
Com o
intuito de
se
colmatarem as inevitveis
lacunas
de
uma
investi
gao centrada preferencialmente na imprensa
cruzaram se as informaes
desta
com
os dados conseguidos
mediante a consulta de documentao
produzida
pela
cmara e pelo
governo civil. Duas
instituies
essencialmen
te reguladoras e fiscalizadoras e por isso
mesmo
susceptveis
de
fornecerem
elementos
esclarecedores
sobre a
configurao
legal da vida de
sociabilidade
dos eborenses.
A
pesquisa
de
monografias
ou
relatos de viagens embora
fosse
uma
Problemas
e
fontes
29
hiptese
aliciante
deu parcos
resultados.
Situada
no
interior
do
territrio
nacional
sofrendo
os
efeitos
do
processo
de
litoralizao
Evora no
gozava
como
Coimbra
do
estatuto
de cidade
universitria
nem
era como
Lisboa a
capital
do Pas.
Estas razes
justificam
em
boa
medida
a escassez
de
obras
monogrficas
ou relatos
contemplando a
vida social
da
cidade. Os
intelectu
ais
mais
conhecidos
do
meio eborense de
Oitocentos
Gabriel Pereira
nt
nio
Francisco
Barata
ou Cunha
Rivara
s pontualmente
escreviam
sobre
o t
pico
das
sociabilidades
e quase
sempre
integrando o
em preocupaes cul
turais
mais
srias.
O
resto
seriam
talvez
concesses
a
futilidades pouco
dignas da
compostura
intelectual.
Para
alm
da
identificao
e caracterizao
das
fontes
usadas o
estudo
das
prticas
de
sociabilidade
implica
tambm a clarificao
do
prprio
con
ceito
de
prtica social.
Considerado no
sentido
que
Pierre Bourdieu
lhe
d
este
conceito
permite para
alm do
mero
registo de actividades
dar
conta
da matriz
de aco
que
lhes subjaz
e as
enquadra num
todo
harmonioso
revelia
de
qualquer
busca
de
coerncia
ou concertao
consciente
da parte
dos
agentes
envolvidos
remetendo por esta
via
para
o
espao
dos
estilos
de
vida.
Prticas
em
aparncia
contraditrias
e
desarticuldas entre
si adquirem
significado
e surgem
simultaneamente
como
produtos classificados
e clas
sificadores
em
relao
aos
indivduos
ou grupos
que
os produzem
t
o caso
presente
pretende se
contribuir
para o conhecimento
da
mul
tiplicidade
e do
sentido
das
prticas
de sociabilidade
eborenses
da
segunda
metade
do
sculo
XIX
Um tpico
especfico
do
universo
das
prticas
sociais
das
gentes
de Evora
para
o estudo
do
qual se utilizou
um quadro
analtico
que
permitiu
o
acantonamento
das
manifestaes
de sociabilidade
nas se
guintes
vertentes:
espaos formas
e
contedos
Esta
perspectiva
a trs
dimenss
comporta
duas
vantagens
estreitamente
relacionadas:
sist m ti
za
o
universo
quase
infindvel
das
manifestaes de sociabilidade
permitindo
investigao
comparativa
numa
perspectiva
sincrnica
e diacrnica;
justifi
ca a
sequncia
do
texto organizado
todo
ele em
torno
dos
mencionados
eixos
de
explicitao.
Ser ainda a
partir daquela
trade
inicial que se estabelece
ro todas
as
subdivises
gradaes
e interpenetraes indispensveis
ao co
nhecimento
das
redes de
sociabilidade
eborenses
oitocentistas.
De
facto
se
num
primeiro
nvel
tais
prticas
se deixam
apreender
pelo
j enunciado
esquema
tripartido
uma
incurso em
profundidade
remete
de forma
inexo
rvel
para
um
grau
de
complexidade
s
passvel
de apreenso
pelo realar da
flexibilidade
de
fronteiras
do
quadro
analtico
traado.
-
8/10/2019 Sociabilidade e Dist Em Evora No Sec XIX
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8/10/2019 Sociabilidade e Dist Em Evora No Sec XIX
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32
As redes de sociabilidade
eborenses
As
sociabilidades eborenses:
imagens e representaes
33
poca em que as
sociabilidades
ocorriam
predominantemente
no espao
domstico
e privado e cuja
vertente
pblica era dominada
pelas manifesta
es de
carcter religioso.
As vozes
mais
crticas sustentavam que algo
pre
cisava
de ser alterado,
em
favor
dum
movimento
de
civilizao
de que
a
sociedade
eborense necessitava.
Ser
que
as
representaes
sobre
as
prticas
de
sociabilidade em
Evora
sofreram significativas
alteraes
medida
que
o fim do sculo se
aproxima
va? Em 1881,
a propsito
de
rivalidades poltico-musicais,
aparecia noMunue
linho
dEvora
um artigo que descrevia
a
forma como
os
eborenses
passavam os
seus
domingos:
quasi todos os habitantes se
levantaram hora do costume,
almoaram, foram
missa,
ao Passeio;
alguns
seguiram viagm
para Arrayolos
a
ver
a
procisso
dos
Passos. Um quotidiano marcado
pelas prticas
religiosas
e
no
qual a frequncia do Passeio deixou
de se r acontecimento excepcional.
No
ano
seguinte, no folhetim do mesmo jornal,
a histria intitulada
Uma
celebridade dava a
perceber
a
importncia de manifestaes
de
sociabilida
de at ento
escassamente referidas. A.narrativa,
em
tom mordaz,
dava conta
das
peripcias
e dos
truques
de
que
o
dr
Agapito
Hipcrates
se servira
para
fazer
carreira e ascender socialmente.
A frequncia do clube, do teatro,
do
bai le e
do piquenique
proporcionava momento
fuicrais na
sua
estratgia
de
estabelecimento
de
relaes,
reconhecimento
pblico
e
consolidao da
reputao profissional. Foi no
clube,
onde
todos failavam no mesmo caso,
que, ao socorrer
outro
frequentador,
Hipcrates iniciou a sua
clebridade; foi
no
teatro,
enquanto assistia a uma
rcita,
que
os outros espectadores tive
ram,
oportunamente,
possibilidade de comprovar coMo
era requerido pelos
doentes; foi
por
ter medicado
as
estranhas
irrupes
cutneas que as donze
las
apresentavam
aps um
baile
em
que estava presente, que, dias depois,
participaria
num piquenique com as meninas solteiras suas
pacientes
4
gapito
Hipcrates
era,
ele
prprio,
solteiro.
Apesar
dos intuitos
moralizadores
e do
distanciamento irnicos, o
autor
da histria
G. P acabava
por consagrar
os
espaos e
prticas
de socibili
dade a
que
se referia,
como factores
fundamentais para
o estabelecimento
de
relaes e processos
de
mobilidade social.
Dada a natureza
ficcional
do
discurso
e a indeterminao
espacial da
aco,
no
pode
inferir-se,
de forma
imediata,
que
se
esteja
perante
uma imagem da imprtncia
que aqueles
espaos
e
prticas de sociabilidade
tinham em
Evora,
na
dcada de 80
do
sculo
XIX No
entanto,
a questo da
validade
e adequabilidade
deste
teste
munho como
imagem do universo eborense
deve
ser encarada
tendo em con
siderao
que ele
aparece veiculado
num jornal local
e tem
destinatrios
preferencialmente
locais.
Deste
modo,
ganha
consistncia
a
hiptese
de, na
dcada
de 80,
as representaes
da vida de
relao
dos
eborenses
na
sua
vertente
laica j no se
limitarem
s
fronteiras
da
cozinha..,
da lareira
largando-se s
associaes culturais
e recreativas, cujos
constrangimentos
de acesso
eram
de natureza
diversa.
E
verdade
que
a
falta de
espectculos musicais de
qualidade
levou
Gabriel Pereira
a
considerar, em
1881,
a
vida
eborense
to
pacata que
descae
na sensaboria,
no isolamento
prejudicial7 Anos mais
tarde 1897 ,
Antnio Francisco
Barata,
ao
apresentar
o primeiro nmero de uma
publica
o mensal
de
sua
autoria justificava:
Longas
como
as
noites
de Lamego
so
as de
Evora,
para
o
homem
que
vive do esprito.
Em
theatrinhos
sem
impor
tncia
[ ]
se
proporciona a alguns o
passatempo
honesto,
mas no
to
ins
trutivo
quanto pudera ser.
O
Garcia de
Resende,
collossal, poucas
vezes fun
ciona,
pelo
dispendioso custeio
que
exige. Sociedades recreativas
h, desde
o
chamado Club, dos r icos e dos f ida lgos,
at
s
artsticas. Nestas casas
alguns
passam parte das compridas
noites de
inverno, j lendo,
j jogando
jogos tolerados
e
at
prohibidos8
ara
Gabriel Pereira
e
Antnio
Francisco Barata, dois
intelectuais
ebo
renses da
segunda metade do sculo XIX as prticas
de sociabilidade
conti
nuavam
aqum do
que
consideravam
ser culturalmente
adequado
para
a
cidade.
De acordo com o seu
testemunho, o
aspecto
negativo
no tinha a ver
com
a
pouca
afluncia dos cidados aos
espaos de sociabilidade, ou
at com
a escassez destes,
mas
sim
com
a deficiente
qualidade
das actividades
cultu
rais desenvolvidas.
Pode
afirmar-se,
com
alguma
propriedade, que
uma
tentativa de imposio
da
lgica do campo
cultural
9 para a
construo
de
uma determinada
imagem
das prticas
de sociabilidade eborenses
da
segun
da
metade
de Oitocentos.
Cerca de
trinta
anos depois
das
lamentaes
de Ea
de
Queirs,
um
artigo
de
reflexo
sobre
o
baile, no
Manuelinho dEvora,
reforava
a
ideia da
diversificao dos espaos e
intensificao
das prticas. Dizia o jornalista a
propsito
da realizao em
Evora,
no
mesmo dia,
de
sete
bailes de Carnaval:
Na
epoca actual baila-se
tudo
na
Europa. Baila-se a guerra
e a
paz;
baila-se a
queda e a
elevao de imprios;
bailam-se
os
aniversrios
publicos
e
as
aventuras particulares
[ ]
O
baile
introduziu-se
na
moral social, e baila-se
a
ereco
de
uma egreja,
baila-se o estabelecimento
de
um
asylo,
as
escolas
de
creanas
abandonadas
[ J
No
pode pois negar-se
que
a
nossa
poca
es
sencialmente
bailadora
eria Evora
passado de
velho sepulcro a
cidade
bailadora
Pelo
crescente
nmero
de
testemunhos,
torna-se
possvel
detectar
algumas alte
raes nas
representaes
sobre
as
prticas de sociabilidade eborenses.
-
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A
diversidade
das
prticas
37
A
diveiidade
das
prticas.
3.1.
Assoires.
As
soires
ou
mais
nacionalmente as
assembleias,
para
utilizar a
expresso
de Ea
de
Queirs
decorriam no
espao
privado por excelncia,
a casa familiar,
embora em dependncias
que
Maria
de
Lourdes Lima
dos
Santos
denominou
como zona
de representao.
Sales
de
maior ou
menor
dimenso
e
opulncia,
consoante
as possibilidades
materiais
e
o
estatuto
dos
seus ocupantes,
destinados
recepo das
visitas
s
jornais
consultados
permitem
concluir
que
tal
prtica
de sociabili
dade
se
manteve
ao
longo
de toda
a segunda
metade
do
sculo
XIX,
embora
as
notcias
sejam esparsas.
Um dado
que
se
prende,
certamente,
com a espe
cificidade
do espao
em que
tinha
lugar
e
com
os virtuais
constrangimentos
de
acesso
ao
mesmo.
Nestas reunies
de
familiares
e amigos,
apenas compa
reciam
os
convidados
aqueles
que
os promotores
incluam no seu crculo
de relaes,
a sociedade
6 ou,
num
tom
mais
enftico,
a
melhor
socieda
de
e, at
mesmo,
a
lite dEvora8
O relator
das soires
enquadrar-se-ia
salvaguardando
possveis
excepes
que
a no assinatura
da
notcia
possa
implicar,
pelo desconhecimento
do autor,
num
perfil de
periodista
que
se
caracterizava
por
estar
no
meio
sem ser do meio,
no
jogo de proximidade
e
distanciamento,
tpico
do cronista
social
9
eferenciadas
ao
longo
de
toda a segunda
metade de
Oitocentos,
aque
las reunies
no faziam,
no
entanto, parte da
rotina diria
dos eborenses.
Eram
eventos
pontuais, com
periodizao
facilmente
identificvel.
Ocor
riam em
momentos festivos
inscritos
no
calendrio
oficial,
como
a quadra
carnavalesca
os
dias dos santos
mais
venerados
na cidade
ou
ainda as
fei
ras importantes
de
igual modo,
quando
os
seus dinamizadores
pretendiam
assinalar
datas
significativas
do ciclo
de
vida dos
indivduos ou das
famlias,
nomeadamente
aniversrios
natalcios
ou de casamentos
4 Os
motivos
discriminados
funcionam
apenas
como exemplos,
sendo bastante
provvel
embora
omissa
nas
fontes
a
existncia de um
conjunto mais
alargado
de
efemrides
polarizadoras destas
prticas
de
soci ilid de
5 A
realizao
das
soires
obedecia
tambm
impondervel
subtileza
da
aplicao
das
regras
do
saber
receber,
as
quais impunham,
precisamente,
que tal
sucedesse
com
alguma
frequncia
e
com encenaes
que podiam assumir
um carcter mais
ntimo
ou
mais mundano,
consoante
o motivo da
reunio6 S
assim ficavam
garantidos
os
laos
de
coeso
entre
os indivduos
e
as
famlias,
por forma
a
permanecerem
claros e
operativos
os
signos
de distino
que
esse circuito
relacional
comportava.
No
por
acaso
que
o
jornalista
da
Folha
do
Sul, ao
descrever
a
costumada
reunio
em
casa
dos senhores
Ganoso
a
classificou
de
verdadeiro El Dorado
de
todas as
quintas
feiras [que
pela
sua regularida
de
permitia]
reunir a
sociedade
que
em
Evora
to
dificil
[era]
de
agrupar7
ue o
autor do
texto
no
estava
a
pensar
na
totalidade
da
populao
eboren
se,
provam-no as
referncias
s
belas e
elegantes
senhoras
presentes
e
s
condies e
recursos
mpares que a
casa
dos
anfitries
possua
para
rece
ber
os
convidados.
As
soires
decorriam no
espao
paradigmtico das
sociabilidades
privadas
e
selectivas,
estruturando-se
segundo referentes
que
derivavam,
antes
de
mais,
da
percepo
e
incorporao
dos cdigos
de
comportamento
eficazes para a
difuso de sinais
de
proximidade
e
distanciamento
entre os
indivduos
e en
tre
os
grupos,
estabelecendo
marcas distintivas
e de
distino
8
Caracteriza
das,
no que diz respeito
multiplicidade
dos
espaos de
sociabilidade,
as
oi tinham
outras
especificidades. Eram
eventos
espordicos,
de
calend
rio
fludo
e
de
complicada
previsibilidade;
a forma
como
decorriam
no
se
encontrava
juridicamente
prescrita,
quer
no
que
dizia
respeito
s
possibilidades
de
admisso
e
sanes
aos
participantes,
quer
em
relao s
actividades de
senvolvidas. As
regras do
receber e ser
recebido
a
arte
de
organizar
este
tipo
de reunies
sendo
exclusivamente do
foro
privado, no
passavam
pela l
da do
poder
legislativo
e
jurdico institudo.
Significa tudo
isto
que
estamos
perante
uma
prtica
de
sociabilidade
informal? A
busca de
uma
tipologia
sis
tematizadora
para
a
multiplicidade
das
manifestaes
de
sociabilidade,
par
tindo
de
uma
dualidade
explicativa
formais/informais
quanto
ao
grau
de
formalizao, pode, algo
linearmente,
remeter
as
soires
para
o
conjunto das
denominadas
sociabilidades
informais,
diferenciando-as de
outras
manifesta
es,
precisamente
pela
ausncia
de
constrangimentos
legais
e
institucionais.
Por
isso
mesmo,
aquele aspecto
deve ser
complementado
com
outros
indicadores
capazes
de
matizar
a
referida
tipologia. As
informaes
apre
sentadas pelos
periodistas so
particularmente
esclarecedoras:
os
anfitries eram,
por
norma,
pessoas
extremamente
delicadas;
os
participantes
com
especial
relevo
para
as
senhoras
estavam sempre
belos
e
elegantes;
e as
actividades
desenvolvidas possuam uma
notvel
homogeneidade,
independentemente
dos motivos da
reunio:
os
presentes
recitavam,
representavam,
cantavam,
tocavam
preferencialmente o
piano ,
danavam,
e
nos momentos
dequ
dos
eram
servidos
alimentos
leves
e
bebidas
No
se
detectam
determinan
tes
de
ordem
legal
e,
interpretando o
conceito
de
formal
apenas
neste
sen
tido,
poder
dizer-se
que
estamos
perante
uma
forma de
sociabilidade
infor
mal.
As
soires
no
eram, porm, reunies
informais:
comeando
na
seleco
-
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As
redes
de
sociabilidade
eborenses
A
diversidade
das prticas
45
As
associaes
de
cultura e recreio
tornavam-se mais numerosas,
em
vora,
medida
que
o fim do sculo
se
aproximava.
Esta
situao seria o
mero prolongamento
da
dinmica desencadeada na
primeira metade
de
Oitocentos ou registaram-se
algumas
mudanas?
As
prprias
denominaes
parecem
remeter
para
uma
certa
especializao
das actividades que desen
volviam,
embora
os
seus objectivos
continuassem
a ser, genericamente, o
recreio
e
a
instruo.
Enquanto
as
associaes
mais antigas
eram
espaos
globais
de lazer,
onde
diversas
prticas despontavam
consoante
a
iniciativa
dos scios,
as
mais recentes so fundadas para
desenvolverem reas especfi
cas
como
a
msica, o teatro e o desporto.
A
Sociedade
Camilo Castelo Branco
Manuelinho dEvora,
1895-8-20 ,
a
Sociedade Almeida
Garrett
ibid., 1899-
-1-9 , a
Sociedade
Grupo
de Recreio
1.0
de
Dezembro
ibid.,
1900-9-8 ,
o
Grupo
Recreativo
Dramtico
Mocidade
Eborense Alvorada
1903-7-22
e
a
Sociedade
Operria Recreativa
Joaquim Antnio dAguiar ibid.,
1904-1-27 ,
dedicavam
especial
ateno
ao teatro,
embora
tambm proporcionassem
outro tipo
de divertimentos,
nomeadamente os bailes;
o
Club
Velocipedista
Mamielinho dEvora,
1895-8-25
e o
Ciclo
Club
dEvora
ibid.,
1896-6-30
congregavam
os
adeptos
das
prticas
velocipdicas;
o Grupo Unio de Caa e
Pesca Alvorada,
1904-3-10
explicitava, pela
prpria denominao,
os
inte
resses dos
seus
scios; a Associao
da
Tuna
Acadmica
interessava
o
uni
verso
estudantil
e
dava
relevo
actividade
musical.
A histria do movimento
associativo
do sculo
XIX
coloca
um conjunto
de
hipteses
que
devem ser
sistematizadas.
A primeira, j
enunciada,
refere-
-se
crescente
especializao
funcional. Tanto
as
associaes
fundadas
na
primeira metade
de
Oitocentos
como as
que
floresceram
no
seu
final visavam
intensificar
as
relaes
interpessoais
e
multiplicar
as possibilidades de
re
creao
e
formao
cultural,
mas
nos
ltimos anos do
sculo regista-se
uma
maior
especificidade
de
meios
para
atingir
esses
fins. Alguns, como
a
msica
ou
o teatro, j
estavam previstos nos
estatutos
das
associaes
da primeira
metade
de
Oitocentos.
As
actividades desportivas,
no
entanto,
constituram
uma novidade
de
final
do sculo,
em estreita relao com
a
evoluo
da vida
material.
A vertente
associativa de
cariz cultural
e recreativo adquiriu uma
cres
cente
implantao
no
meio
eborense, suscitando
o
interesse de
um
maior
nmero de
indivduos.
Nesse sentido
apontam tambm
os
estudos realiza
dos para
Coimbra
Figueira da Foz
e
uarcos
onde,
na
segunda
metade do
sculo,
o
associativismo
em geral,
e o
de
natureza
cultural
e recreativa em
particular,
se desdobrava
em associaes
que
dinamizavam actividades
di
versas e
polarizavam
o
interesse
de diferentes sectores
da
populao.
Rama-
lho
Ortigo
tambm deixou
testemunho
dos espantosos
progressos
do esp
r ito de
associao
no
Porto
durante
a
dcada
de
1880, enumerando vrias
sociedades
recreativas
cuja
denominao,
s por si,
remetia para
o exerccio
de prticas
diversificadas
e
salientando
que,
pelo menos
uma
delas,
fora fun
dada
por operrios
teoria da circulao
dos
modelos
8
permitir,
porventura,
compre
ender
melhor
tal
aspecto:
a
emulao
dos
cdigos
de comportamento
e das
prticas
no
se
coloca apenas
entre
a aristocracia
e
a burguesia,
mas
tambm
entre
os
estratos
desta
ltima
e
mesmo, em relao
ao que
genericamente
podemos
classificar como
grupos populares
difuso
de
ideais
republicanos
deve
igualmente
ser
mencionado
como
favorvel
pujana
do movimento
associativo
em
fins de Oitocentos.
O
re
publicanismo
pugnava
pelo
desenvolvimento do
associativismo
e
na
vasta
rede
de
agremiaes,
desde
as que
apresentavam
um cunho
especificamente
poltico
s
que,
a par
desta
caracterstica,
se
destinavam tambm
a
cultura
e
recreio residia
um
dos mais
eficazes
meios de
penetrao
e
divulgao
dos
princpios
do
PRP [itlico
nosso].
As
informaes
recolhidas no
permi
tem
confirmar
a
existncia
de
uma
relao
directa
entre
o
aumento
do
nme
ro
de
associaes
e a difuso
das
ideias republicanas
em
Evora,
mas
a coinci
dncia
conjuntural
justifica
a
chamada
de
ateno
para esta
questo. Pode
mesmo
conceber-se
que
a evoluo
do
associativismo
voluntrio eborense
correspondeu,
por
um
lado,
a
um
percurso inerente
ao
processo de
moder
nizao
e
de
crescente diferenciao
social,
e por outro,
especificidade
da
conjuntura
poltico-ideolgica
portuguesa
do
final do sculo.
Acresce
a isto
uma
permeabilidade
cada vez
maior
do
liberalismo
para
incorporar
a dinmi
ca
associativa.
A crispao
da
fase
inicial, traduzida
numa desconfiana
face
s
associaes,
seguiu-se
uma solidez
capaz de
integrar,
mediante
uma maior
flexibilidade
jurdica,
as
manifestaes
da
sociedade
civil.
O que
no
signifi
cava,
evidentemente,
um
afrouxar
da
vigilncia face
aos
aspectos potencial-
mente
transgressores
do
associativismo
atente-se
no sentido da
circular
emanada
pelo
governo
civil
de
Evora
em
1888.
J
desde
a publicao
do
Decreto
de
22
de Outubro
de
1868
que
associaes
de recreio
e
instruo,
piedade
e
beneficncia,
no estavam
sob jurisdio
e
alada
directa
do
poder
central
mas s im
do
governador civil
que approvando
os
estatutos, traa
a
taes
estabelecimentos
a esphera
da
aco
social,
ficando
assim
caracterisados
os
fins dellas
At ento
a administrao
liberal
apenas
considerava
legal
mente
institudas
aquelas
cujos
estatutos fossem
aprovados
por
portaria
rgia.
Mas
importa
tambm
estabelecer
comparao
entre
a
evoluo
do movi
mento
associativo
na cidade
de
Evora
com
o
que se
passava
nas outras aglo
meraes populacionais
do
distrito:
-
8/10/2019 Sociabilidade e Dist Em Evora No Sec XIX
22/114
Tabela
1
Nmero
de associaes
recreativas
em
cada concelho do
distrito de
Evora.
Concelhos
1888 1892
Alandroal
Arraiolos
3 3
Borba
4 4
Estremoz 4
6
Evora
4
6
Montemor-o-Novo
3 3
Mora
Mouro
2
Portei
Redondo
2 2
Reguengos
5 3
Viana
do Alentejo
3 3
Vila Viosa
3 3
Fontes:ADE-NGC maos 3 38 e
436.
Conforme
se
constata na tabela 1 o
associativismo
voluntrio
era co
mum a
todo o distrito embora de
incidncia
desigual.
Os
escassos
quatro
anos
que
separam
os dois
inquritos no
permitem perceber claramente
a
ten
dncia
evolutiva at
porque se algum paralelismo
houve
entre
Evora e os
outros
concelhos
os
ltimos
cinco anos
do sculo XIX
e os primeiros do
XX
foram
especialmente frteis
em
manifestaes desta
natureza.
Destacam-se
os concelhos de Evora
e
Estremoz
onde se concentrava
o
maior
nmero
de
efectivos
populacionais
cuja dinmica
semelhante; em relao aos res
tantes
o
aspecto
fundamental
a estabilidade registada
ao longo do perodo
em
anlise. Outro dado
importante embora
no evidente pela leitura da
tabela
uma vez que
os
nmeros correspondem
a totais concelhios o facto
de a
vida associativa
se
concentrar preponderantemente
nos ncleos
ur
nos
que
eram sedes dessas
unidades
administrativas.
Apenas escapam a esta
tendncia
a Sociedade Vimieirense
fundada numa
freguesia do concelho de
Arraiolos e a
Philarmnica
Aldematense
na freguesia de
Aldeia
do Mato
concelho de
Reguengos e que
j
no
aparece na l ista de
1892.
Hierarqui
zando
os
diversos
ncleos
urbanos
do
distrito
com
base nas
suas funes d
ministrativas
resulta
bastante claro
que as
associaes se concentravam
es
magadoramente
nas capitais
de concelho.
Maurice
Agulhon concluiu
para o
caso francs
que
a
implantao
e
difuso
das
prticas
de sociabilidade caractersticas
deste tipo
de
associaes
A
diversidade das prticas
47
ocorreu preferencialmente nos
centros
urbanos
correspondendo
a vivncias
urbanas prprias do
est ilo de vida urgus 3Tomar o caso
francs
como
referncia para a compreenso
do
que
ocorreu
em
Portugal carece de
lgu
mas
precises. A mais bvia
prende-se
com o
facto de
os
estudos sobre
a
realidade
portuguesa no
permitirem concluses seguras sobre a forma como
este tipo de associativismo
se difundiu nos
diferentes
ncleos
populacionais;
a
outra
relaciona-se
com a problemtica sobre o nosso
desenvolvimento
urbano. Ao equacionar a
formao
do
espao
econmico
nacional David
Justino considerou
que
Evora
sede
do
distrito
que numa hierarquizao
administrativa ocupa lugar
cimeiro
apresentava
um nvel
de urbanizao de
Antigo Regime; do
ponto
de
vista da urbanizao contempornea podia ser
classificada
mais
como uma
grande vila
do
que como uma pequena
cidade
dada a sua
modesta
posio na hierarquia
do mapa urbano portugu
certo
que em
Evora se
assistiu
logo na
dcada de
1830
fundao
de duas
associaes cujas caractersticas
eram muito semelhantes
s das
que
se
difundiam
em
Frana nesse
mesmo
perodo
At meados do sculo
aparece
outra
associao
desta natureza
e
na
dcada de
80
conforme
j
vimos era
possvel
encontrar outras. Importa ento salientar que
no
o s
tante
a
idiossincrasia do
nosso desenvolvimento
urbano
Evora
participava
no
que
diz
respeito
ao est ilo de vida de
alguns dos
seus habitantes dos
sinais
da contemporaneidade.A
cidade
assimilou
modelos e
um percurso
em diver
sos
aspectos
semelhantes ao
de
outras regies
da
Europa
de perfil
marcada-
mente urbano.
Esta concluso
pode estender-se tambm
aos
outros
aglome
rados populacionais sedes de
concelho no
tendo
sido
possvel estabelecer
com segurana as
datas
de
fundao
das associaes
que
neles foram
surgindo.
Noutras regies do Alentejo tambm
so
visveis
os
indcios de
que
o
associativismo
voluntrio
com vista a cultura e recreio era conhecido.
Um
dirio
de viagem
datado
de
1867b06
exemplifica
o
afirmado
nte
riormente.
Carlos
Basto assim se chamava
o viajante residia em Lisboa e
deslocou-se com a esposa e
o pai
a Beja. Aqui
depois de estabelecido
em
casa
do amigo
que
o esperava dedicou o seu tempo a fazer e receber visitas
a
assistir
s comemoraes do
Corpo de
Deus e a
conhecer a
cidade. Nas
suas deambulaes
o Club
Bejense
tornou-se um ponto de referncia sendo
descrito
como um
espao
agradvel onde
existia
um
bom
bilhar uma sala
de bai le formidavel e onde
os
homens
passavam
o tempo lendo
jogando
ou conversando.
Numa das
ocasies
em
que
foi at ao Club
o
visitante teve
oportunidade de dialogar
com um indivduo
que
era deputado por
Mrtola
e
com
o governador
civil
do distrito; e
ficou
muito bem impressionado com a
delicadeza
dos
presentes
e com
o
esmero
do servio
num
baile
que
ali
se
-
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60
As redes
de
sociabilidade
eborenses
certo
que
a
imprensa manifestou
algumas
vezes
o
seu
pesar
pela
escassa
frequncia do
Passeio
Pblico, mas,
desde a dcada
de 60 at
aos
primeiros
anos
do
sculo
XX
ele
era regularmente
mencionado
nas
pginas
dos
jornais,
pelas
actividades
que
a
se
concretizavam. Tudo
parece
indicar
que aquele
espao se
integrou
definitivamente
na
vida
quotidiana
dos
eborenses,
sendo
o
grande
ponto de
actuao das
bandas de
msica, civis
ou
militares.
Nos
anos 80
e
90,
por
exemplo,
as sesses
musicais
chegaram
a
ter
uma periodicidade
semanal,
nas tardes
de
domingo
hora
do
costume
expresso
ilucidativa
de
uma
certa
rotina.
O
Passeio
Pblico
cumpria
as suas
funes
de espao
de animao
recreativa
e cultural
da
cidade
e eram
fre
quentes
as
aces de
beneficncia
em
favor das associaes
filantrpicas
e
de
utilidade
geral. Ao
som
da
msica,
um
bazar
angariava
fundos
de
enefi
cncia
Passeio
Pblico,
lugar
especfico
e
delimitado na
rede urbana, era
protagonista
de uma sociabilidade
burguesa,
orientada
para
as actividades
ldicas. Um trao
da morfologia
citadina,
modulado
pelas
necessidades
e
pelos
interesses
daquele grupo:
os espaos fsicos da
cidade
eram,
tambm,
espaos
de estilos
de vida.
3.6. As touradas.
As
touradas
tinham largas
tradies
na
sociedade
portuguesa, integradas
que
estavam
nas
estratgias
de
prestgio
e
poder
da
corte espectculo
do
Antigo
Regime.
Em
Evora,
eram actividades
costumeiras
dos
ciclos
festivos,
a
exemplo
do
que sucedeu durante
as
celebraes
motivadas
pela
assinatura
do
Tratado
de
traque
Durante
o sculo XIX
continuam a integrar
as
redes
de sociabilidade
eborenses,
mas,
em vez
de ocorrerem em espaos de
vivncia diria,
as
touradas so
remetidas
para
recintos
construdos
especifi
camente
para
esse
fim e explorados
por
empresrios
particulares
tempo
forte
das
touradas eborenses
oitocentistas
decorria durante
a
feira
de So Joo,
na
ltima semana de
Junho,
e prolongava-se
normalmente
pelos
trs meses
seguintes.
Celebrao
festiva que
emergia
no
quotidiano
como
suspenso da
rotina
e expanso
das
potencialidades
relacionais
dos
indivduos,
a
sua
concretizao
traduzia,
tambm,
a crescente impregnao
do
tecido
urbano
pelas determinantes
de ordem
econmica:
as praas
de touros
eram
espaos
comerciais,
geridos e orientados
como
t
Assim se
compre
ende
que nessas praas
tivessem
lugar
espectculos
de
outra natureza,
embo
ra
adequados
ao local,
como
sesses
equestres,
acrobticas
e
de
ginstica
A diversidade
das
prticas
6
Sem contradio
com aquela
caracterstica,
as
touradas
tinham,
por
zes, objectivos
beneficentes.
Num perodo
em que
a Igreja
perdia o monop
lio
da caridade
e o Estado
ainda mal fazia sentir
as suas
atribuies
no campo
da
assistncia,
a beneficncia
eborense
dependia fundamentalmente
da
vontade
individual
e/ou
das
associaes
particulares
fundadas
com
esse
ob
jectivo.
A
tourada
da sociabilidade
podia
ser,
igualmente, a tourada
da
beneficncia:
em
favor
da Sociedade
Artstica
Eborense,
do
Azylo
dInfncia
Desvalida,
da
Casa Pia,
dos
Bombeiros
Voluntrios,
do
Montepio
Eborense
ou,
a ttulo
de exemplo,
dos
famintos
de
Cabo
erde
anifestaes
de
sociabilidade
com
razes fundas
no
imaginrio
e oren
se, as
touradas
suscitavam
o interesse
e a
afluncia
de vastas camadas
da
populao.
Esta
atraco
sobre pblicos
diversificados
legitimava,
pela
coe
xistncia,
uma sociedade
que
se reconehcia
nas
distncias
e hierarquias:
no
enorme
recinto
[ ]
completamente
cheiro de
espectadores
[
a
um can
to, na sombra,
uma
grande
quantidade
de
estudantes
[ ]
nos
camarotes a
elite
eborense ostentava
as suas
toilletes
luxuos s Sob
a aparente
inocn
cia do pitoresco,
do
colorido
local,
transparecem
os
signos da diferena.
Da
multido
annima
distinguem-se alguns,
pela
identificao nominativa
de
que so objecto
quando da
redaco da
notcia;
distinguem-se
outros
pelos
papis
sociais
e
estatutos
de
que
esto
investidos
estudantes,
elite;
depois
vem
a
distino
pelo
olhar
o realar
das
vestes
luxuosas,
da
ostentao
inscrita no corpo;
finalmente,
a
prpria
praa
que
se desdobra
numa srie
de espaos/sinais
diferenciados
e diferenciadores
os
lugares
ao
sol, presen
tes
porque
omissos,
a sombra, dos
estudantes,
os
camarotes,
da
elite.
3.7.
As
feiras.
As
prticas
de
sociabilidade
inventariadas
at ao
momento foram
orde
nadas
com
base
no
local
em
que se efectivavam.
Partiu-se
de
uma
leitura concntrica
da cidade,
segundo
a qual
as
prticas
primeiro
analisadas
foram
as
decorridas
no espao
privado
e
doms
tico
as
soires
em
casas
particulares ; seguiu-se
uma deambulao
por outros
recintos fechados
situados
alm
das
fronteiras
domsticas
sedes
associati
vas,
teatros,
cafs ; concluiu-se
com
a
referncia a
locais situados
ao
ar livre,
se
bem
que
delimitados
Passeio
Pblico e
praa de
touros .
Ora,
em
contr
ponto com
este
acantonamento
das
prticas
de
sociabilidade
em
espaos
fragmentados
e
descontnuos,
surgem
momentos
em
que toda a
cidade
se
identifica com
o
fenmeno
festivo ou
comemorativo. No
s
os
espaos
de
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64
As redes de
sociabilidade eborenses
pos, mediante
um
processo de
capilarizao
da
vida quotidiana atravs
da
religio.
Acto de
f, a frequncia das
actividades
religiosas
cruzava
no mesmo
espao
de
sociabilidade
indivduos
de
diversos estratos sociais,
identificados
por um elo
religioso: em
ltima anlise, a
prtica [era] o sinal de adeso,
quanto
mais
no seja
formal, Igreja e
aos
seus
prin pios
A
proximidade
dos
corpos
e
a
vigilncia
dos
olhares,
no
espao circunscrito
do
templo,
mate
rializam
diferenas no
porte, no
vesturio
e nos
comportamentos,
que
reme
tiam
para as
distncias
sociais existentes.
Em Novembro
de 1886, a
um Te
Deum
solene na S,
para
festejar
o aniversrio natalcio
do rei D.
Luiz,
Assistiram
as
autoridades
superiores
do districto,
a
municipalidade, empre
gados
de
varias
reparties,
a
officialidade
da guarnio e do
tribunal
militar,
e bastante
povo
O periodista
identificou
os representantes
do aparelho
poltico,
administrativo
e
militar,
distinguindo-os em
relao
ao restante
povo.
Os templos
funcionavam
como
instncias
de
afirmao
e
integrao
das
distncias, de
legitimao dos papis,
e
adquiriam
a sua
plena dimenso
de espectculo
social,
pelo
brilho
e solenidade
do
acompanhamento
vocal
e
instrumental, frequentemente utilizado
nas
missas.
Mas,
as manifestaes
da religiosidade
colectiva
ultrapassavam
as fron
teiras do espao
fechado dos
templos e
projectavam-se
nas ruas da
cidade,
pelas
muitas e elogiadas
procisses
realizadas em
Evora ao longo
de
toda
a
segunda metade
do
sculo
O calendrio
religioso
iniciava-se
com a procis
so de
Cinzas Folhado
Sul,
1867-3-13 ,
prosseguia
com
a procisso dos
as
sos
ibid.,
1866-3-10 ,
a
procisso do
Corpo
de
Deus ibid.,
1867-5-22
e a do
Santssimo
Sacramento
Mamielinho dEvora,
1896-7-27 ,
para
al m de ou
tros cortejos
processionais dedicados
a diferentes
santos
ou ao
culto mariano.
De
entre
todas elas
sobressaa,
pela solenidade
e
esplendor, a procisso
do Corpo
de Deus, cuja
tradio
remontava
ao Antigo egime
A
importn
cia
simblica da cerimnia
fica
perfeitamente evidenciada
pelas minuciosas
descries
surgidas na
imprensa da
poca, valendo a
pena apresentar deta
lhadamente
pelo
menos uma delas.
O jornalista,
aps referir que a
procisso,
como
nos
anos anteriores, saa
da S,
passou a descrever
a
forma
como
se
organizava
o cortejo:
Abriam
o prestito
duas
praas de cavallaria
n. 5 e
a
banda dos Amadores
De Musica,
seguindo-se
seis cavallos,
lindamente
ajaezados,
pertencendo
dois casa
Barahona,
[ ]
um
pertencente
exm. se
nhora D.
Maria Cristina
Vieira
[
um pertencente
ao sr dr Manoel
Alves
Branco
[ ]
e os
restantes dois cavallos
pertencentes
exm.
sr
Condessa da
Costa
[ ]
Em seguida
montado num soberbo
cavallo
ia
a
imagem
de
5.
Jorge
e
um
praa da
cavailaria
comandado
por um
alferes. Atraz
[ ]
A diversidade das
prticas
65
marchava a
Banda
da Rea l Casa
Pia
[ ]
Incorporavam-se
as
confrarias
do
5.
Sacramento das freguesias de S, Santo Anto,
So
Pedro,
bem
como os
seminaristas,
exm. Cabido
[ J
seguindo-se o Pailio
debaixo do qual
on u
zia o Santissimo Sacramneto,
sua
Ex.
Rvdm. o Sr Arcebispo
acolytado
por
dois senhores
conegos.
Atraz
do Pallio seguia
a
Camara
Municipal,
o
sr
ge
neral
Ferreira
Sarmento, o tenente Raul
Cordeiro, o sr dr Mario
de Carvalho
Aguiar,
Secretario
do
Governo
Civil,
representando
o
Chefe
do
Districto.
Administrador do
Concelho Interino o sr Jos
Rosado
Victoria, Comendador
Francisco Jos de
Mira, Secretario do Lyceu, sr
Augusto Cala e
Pina,
se
cretario
da Camara
Municipal sr
Augusto do
Nascimento
Salgado
[ ]
seis
bombeiros
representando
a Real
Associao dos Bombeiros
Voluntarios, o
agronomo
Manuel Vicente
Lobo
Rodrigues
Chic,
juiz
de paz de
St. Anto,
sr Jos
Claudino
Pereira
de Lima e
toda
a
oficialidade
do Estado
Maior
que
durante
o percurso pegaram
nas varas
do
Pallio.
Fazia
guarda de honra
uma
fora
do
destacamento de
Infantaria
n.
11
[ ]
e
respectiva banda,
assim
como o
grupo
de
Artilharia
de
Montanha e o
Regimento
de cavallaria
n. 5
fechando o prestito
uma fora de polcia
procisso
do
Corpo
de Deus
era,
indubitavelmente, uma prtica de
sociabilidade propcia
ostentao
e
consolidao
das relaes
entre a
Igreja
e a vertente
institucional e
formal
do
poder
temporal;
mobilizao
das di
versas
instncias
de
poder com
representao local;
e
encenao dos
rituais
de
legitimao e de distino
dos
indivduos
que
participavam na
cerimnia
consubstanciando
a personalizao
desse
poder a maior
ou
menor proximi
dade
em
relao
relquia sagrada
era
um
importante
factor
de
hierarquiza
o
A
procisso-espectculo invadia a cidade,
dava-se a
ver
e
adquiria si
gnificao e
inteligibilidade
por
esse mesmo
facto
Em termos
sociolgicos
representava,
simultaneamente,
um processo
de consagrao
das elites
religiosas e
laicas
e
um
factor de
coeso
da comunidade sob o
signo
da
religio.
Em suma,
missas e
procisses
faziam parte das
denominadas sociabili
dades formais,
pela
profunda
ritualizao
dos
comportamentos
que implica
vam. As
primeiras
desenrolavam-se
normalmente no interior
dos
templos, as
segundas
percorriam
as
ruas;
ambas
remetiam para contedos
de natureza
sagrada e
espiritual, os quais, em
estreita articulao com os mecanismos
de
dominao do poder
temporal,
estabeleciam
a
configurao
ideolgica
da
sociedade eborense de Oitocentos.
Para
alm
das celebraes mais
directamente
relacionadas com os pre
ceitos litrgicos, o
fenmeno
religioso
desdobrava-se
ainda em
festas
profa
nas, ligadas ao
culto mariano e
aos santos
populares.
As
festividades efectua-
-
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Cf t
Roger
Chartier, A Hist,ia Cultural. Entre
Prticas e
Representaes, Lisboa,
1988,
p.
23.
2
Sobre
a
questo da
vertente
burguesa
e civilizadora
do
jornalismo portugus
oitocentista
cfr.,
nomeadamente:
Jos
Tengarrinha,
Histria
da
Imprensa Peridica Portuguesa,
Lisboa,
1965,
p.
144; Maria
de FtimaNunes,
O publicismo e a difuso dos conhecimentos teis,
in
Antnio Reis
dir. , Portugal
Contemporneo
1820-1851, Lisboa, 1991,
p.
238; Maria de
Lourdes Limados
Santos, Intelectuais
Portugueses
na
Primei
ra
Metade
de Oitocentos, Lisboa,
1988,
p.
147-48; id., Sociabilidade,
comunicao e
aprendizagem, inAntnio Reis dir. , Portu
gal Contemporneo
1820-1851,
Lisboa,
1991,
p.377.
3
Gil
do
Monte,
O
Jornalismo Eborense,
2 ed., Evora, 1978.
4 No est feito
um estudo sobre a imprensa eborense
que permita a obteno de elementos
mais
especficos sobre
a
identificao dos
seus produtores e receptores posio relativa
no
espao social,
volume
e composio
do seu capital
ou at
sobre
os meios
de
difuso da
mesma. Gil
do
Monte
op . dt, no
trata,
nem
esse
o seu
objectivo, estas questes.
5 Roger Chartier, op. ci .,
p.
23.
6
Cfr.
Pierre Bourdieu, O Poder
Simblico,
1989,
p.
139.
7
RogerChartier,op.dt.,p.
17.
8
Cfr.
Maria de Lourdes
Lima
dos
Santos, op. dt.,
pp.
174-78.
9 Ibid.,p.176.
10 Cfc VitorinoMagalhes Godinho,A
Estrutura daAntiga
Sociedade
Portuguesa, Lisboa,
1975,
p.
25.
11
Cft
Pierre
Bourdieu,
La
distinction.
Critique sociale dujugemeut,
Paris, 1985,
pp.
112, 139-44,
189-93.
12 Cfr.
Giuliana
Gemelli
e Maria
Malatesta, Itroduzione. Le avventure
della sociabilit,
in
G. Gemeili e M. Malatesta introd.
e dir. , Forme di sociabilit
neila storiografia
fraucese
contemporauea, Milano, 1982,
p.
102.
13
Ea de
Queirs,Da
Co/aborao no
Distrito de
Evora,
fl186V,
Lisboa, s/d.,
p.
111.
14
Id., Uma Cainpan/iaAlegre, Lisboa,
s/d,,
p.
225.
15 Folhado
Sul,
n. 178,
1866-06-07,
p.
3.
16
Ibid.
17 Follhado
Sul,
n. 342,
1867-10-23,
p.
3.
18 Nuno L. Monteiro
Madureira, Inventrios Aspectos
do Consumo
e da
Vida
Material em Lisboa
nos
Finais do Antigo Regime,
Lisboa, Dissertao de
Mestrado em
Economia
e Sociologia Histri
cas,
UNL-FCSH,
1989,
p.
161.
19
Folhado
Su4
n.
190, 1866-03-23,
p.
2.
20
Ibid.,
n.
63, 1864-11-27,
p.
2.
21
Ibid.,
n.
29,
1864-03-27,
p.
3.
22 Ibid.,
n. 178, 1866-02-07,
p.
3.
23 ManuelinhodEvora, n.
10,1881-03-22,
p.
2.
24 Ibid., n. 14,
1882-06-14,
p.
1.
25 Seria Gabriel Pereira
G. P o autor do folhetim?
26 Cfr. Ea
de Queirs, op. dt.,
p.
111.
27
ManuelinhodEvora, n.
27,1881-07-19,
p.
2.
28
Antnio
Francisco Barata,Noites de Evora,
n.
1, Evora,
1897,
pp.
3-4.
29
Cft
Pierre
Bourdieu, op.
dt.,
p.
143.
30 ManuelinhodEvora, n. 767,
1896-02-1
6,
p.
1.
31 CftEadeQueirs op dt p 111.
32
CfL Manuelinho dEvora, n. 767, 1896-02-1 6,
p,
1.
33
Ea
de
Queirs, op. dt.,
p.
164.
34 Cft
oManuelinhodEvora,
n.
767,
1896-02-16,
p.
1.
Notas
75
3 5 Ibid.
36
Embora o jornal tenha
sobrevivido pouco tempo cerca de
um ano a importncia do artigo
citado
justifica a
sua
incluso