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SOCIOLOGIA GERAL
ALESSANDRO EZIQUIEL DA PAIXÃO
Série
Fundamentos
da Sociologia
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Sociologia geral
[Alessandro Eziquiel da Paixão][Alessandro Eziquiel da Paixão]
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Série
Fundamentos
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Sociologia geral
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1ª edição, 2012
Foi feito o depósito legal.
Informamos que é de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ouforma sem a prévia autorização da Editora Ibpex.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n° 9.610/1998 epunido pelo art. 184 do Código Penal.
Av. Vicente Machado, 317 – 14º andarCentro – CEP 80420-010 – Curitiba – PR – BrasilFone: (41) [email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Paixão, Alessandro Eziquiel da
Sociologia geral [livro eletrônico] / Alessandro Eziquiel
da Paixão. – Curitiba: Ibpex, 2012. – (Série Fundamentos da
Sociologia)
2 MB ; PDF
Bibliografia.
ISBN 978-85-7838-972-7
1. Sociologia 2. Sociologia – Estudo e ensino I. ítulo.
II. Série.
12-14349 CDD-301.7
Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia : Estudo e ensino 301.7
[Conselho editorial]
Dr. Ivo José Both (presidente)
Dra. Elena Godoy
Dr. Nelson Luís Dias
Dr. Ulf Gregor Baranow
[Editor-chefe] Lindsay Azambuja
[Editor-assistente] Ariadne Nunes Wenger
[Editor de arte] Raphael Bernadelli[Análise de informação] Adriane Beirauti
[Revisão de texto] Filippo Mandarino
[Capa] Raphael Bernadelli; Regiane Rosa
[Projeto gráfico] Bruno de Oliveira
[Iconografia] Danielle Scholtz
[Ilustrações] Marcelo Lopes
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Sumário[...][...]
Apresentação, 9
Introdução, 11
[[11]] Contexto histórico do aparecimentoda sociologia, 15
[[22]] A institucionalização da sociologia:
Comte e Durkheim, 41
[[33]] A sociologia de Karl Marx, 79
[[44]] Max Weber e a racionalidade, 113
[[55]] Indivíduo e sociedade, 145
[[66]] A sociologia e a sociedade contemporânea, 173
Considerações finais, 201
Referências, 205
Bibliografia comentada, 211
Gabarito, 213
Nota sobre o autor, 221
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“Espera-se do sociólogo que, à medida do profeta, dê respostas últi-
mas e (aparentemente) sistemáticas às questões de vida ou de morte
que se colocam dia a dia na existência social. E é-lhe recusada a
função, que ele tem direito de reivindicar, como qualquer cientista,
de dar respostas precisas e verificáveis apenas às questões que está
em condições de colocar cientificamente: quer dizer, rompendo com
as perguntas postas pelo senso comum e pelo jornalismo.”
Pierre Bourdieu (1994, p. 36-37)
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Apresentação[...][...]
Este livro traz uma introdução geral ao estudo da sociologia,
tanto no que se refere aos conceitos básicos de autores clássi-
cos quanto em relação à aplicação desse referencial teórico nainterpretação da realidade social. Assim, não é um livro essen-
cialmente “teórico”, mas procura dar conta da aplicação dos
conceitos vistos.
A obra está organizada em seis capítulos. Os quatro primei-
ros são mais teóricos. Os outros dois procuram uma leitura
sociológica da realidade, sem, no entanto, deixar de levantarconceitos teóricos importantes.
O capítulo 1 aborda o surgimento da sociologia no âmbito
do contexto histórico da sociedade capitalista e do advento da
ciência como forma de explicação do mundo.
O capítulo 2 apresenta a institucionalização da sociologia
como ciência, analisando o seu caráter positivista. ambém sãoabordadas nesse capítulo as obras de Auguste Comte e Émile
Durkheim. Especialmente em relação a este último, são anali-
sados alguns dos seus principais conceitos e contribuições para
a sociologia.
O capítulo 3 traz a obra do alemão Karl Marx e sua aná-
lise do capitalismo. Nesse capítulo, é trabalhada a concepção
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materialista da história, o que possibilita compreender a aná-
lise que Marx faz do capitalismo e buscar os elementos para
entender o seu conceito de ideologia.
No quarto capítulo é abordada a obra de Max Weber, partin-
do de seu conceito de ação social para se chegar à sua concep-
ção metodológica: a sociologia compreensiva e a construção
de tipologias. Aqui também é vista a análise que Weber faz da
sociedade capitalista.
O capítulo 5 apresenta alguns conceitos básicos em socio-
logia: socialização, cultura, instituições sociais e identidade.Apesar de parecer um capítulo estritamente teórico, os concei-
tos apresentados são problematizados e analisados à luz da ex-
periência cotidiana.
O capítulo 6 proporciona uma análise sociológica da socie-
dade contemporânea, com base na categoria trabalho. Podemos
afirmar que esse capítulo constitui um “exercício sociológico”,pois recupera vários pontos vistos anteriormente.
O “exercício sociológico” realizado no último capítulo
apresenta a mesma lógica das atividades apresentadas no final
de cada capítulo, principalmente as atividades de reflexão e as
atividades aplicadas. Nessas atividades é importante o compar-
tilhamento das experiências, mesmo com aqueles que não sãocolegas de estudo. Um debate com uma pessoa sobre determi-
nada atividade proposta pode apresentar outras problematiza-
ções e mesmo esclarecimentos de pontos de vista.
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Introdução[...][...]
Este livro não almeja fazer de seu leitor ou leitora um sociólogo
ou socióloga. Sua pretensão é, sim, a de iniciá-lo(la) no estudo
da sociologia. Esta aparece, muitas vezes, como uma “ciência”dominada por todos. Afinal de contas, quem não sabe como a
família se organiza na nossa sociedade, qual é nossa estrutura
política, como se dão as relações de trabalho em que estamos
ou poderemos estar inseridos? Essas respostas podem, sim, ser
dadas pelo senso comum. Contudo, não serão consideradas
explicações sociológicas. Isso porque os problemas levantados
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pela sociologia não são necessariamente sociais. As questões
trazidas por ela são problemas teóricos, construídos com base
na análise de aspectos históricos, econômicos, culturais e so-
ciais, presentes no nosso cotidiano. E as respostas dadas tam-
bém levam em conta esses mesmos aspectos considerados nas
problematizações.
Dessa forma, o maior desafio da análise sociológica é com-
preender a maneira pela qual os vários níveis de experiência
humana, processos econômicos, culturais, políticos e tecnoló-
gicos contribuem para a conformação de uma estrutura socialespecífica.
Os temas abordados nas próximas páginas não se consti-
tuem em respostas “últimas e sistemáticas” sobre a estrutura
social. Longe dessa pretensão, o que intentamos é levar o leitor
ao desenvolvimento de uma perspectiva sociológica, ao mesmo
tempo que procuramos apresentar conceitos e problematiza-ções básicas da análise e explicação sociológicas.
Alguns aspectos também merecem ser destacados em rela-
ção ao histórico da disciplina de sociologia no sistema educa-
cional brasileiro. No Brasil, o ensino de sociologia passa por
várias fases. O primeiro momento que é possível identificar
ocorre no início da República, quando o ensino de sociologiaera vinculado à disciplina de moral. Nos anos 1930, a criação
dos cursos superiores de Ciências Sociais na Escola Livre de
Sociologia e Política de São Paulo e a fundação da Universidade
de São Paulo dão maior fôlego à disciplina. Ocorre o desenvol-
vimento de pesquisas e a preocupação de formação de quadros
intelectuais para o desenvolvimento do país. ambém passa a
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existir uma preocupação com a formação de professores secun-
dários (principalmente para a escola normal). Nesse período,
o que dá força à sociologia é a sua presença na escola normal
como disciplina que poderia retirar a educação de um estado
pré-científico.
A Reforma Capanema (1942), no governo Vargas, retira a
obrigatoriedade da disciplina, e ela desaparece dos currículos
das escolas secundárias, permanecendo nos cursos superiores.
Nas décadas de 1950 e 1960, com a democratização, a sociolo-
gia volta a fazer parte dos currículos, para novamente ser reti-rada no período da ditadura militar. Com a abertura política
nos anos 1980, a sociologia volta timidamente a aparecer como
disciplina escolar.
Entre 1997 e 2001, tramitou uma proposta de inclusão
da sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio.
Contudo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a aprovação da lei, usando como argumentos a falta de
profissionais da área, o aumento dos gastos públicos que a in-
clusão da disciplina acarretaria e o fato de que os conteúdos
em questão já estavam contemplados de alguma maneira em
outras disciplinas.
O capítulo mais recente desse histórico é a inclusão da so-ciologia, assim como da filosofia, entre as disciplinas obrigató-
rias em todas as séries do ensino médio, o que abrirá um amplo
mercado de trabalho para a atuação docente na sociologia.
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Contexto histórico do
aparecimento da sociologia[Capítulo 1][Capítulo 1]
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A sociologia pode ser definida, de forma simples, como a ciên-
cia que estuda as sociedades. Ela é produto da tentativa de com-
preensão da realidade social com base na ciência e na razão.
Contudo, os homens sempre formularam explicações sobre a
sua realidade, que nem sempre eram baseadas na ciência. Neste
capítulo estudaremos como foi construída a tentativa de visãocientífica da realidade social. Mas, além de ser produto dessa
tentativa científica de compreensão da realidade, a sociologia
é também produto de transformações históricas. E esse será o
segundo ponto abordado no capítulo.
Com base nesses dois pontos – a abordagem científica da reali-
dade e as transformações históricas –, construiremos ao longodo caminho um conceito de sociologia.
[1.1][1.1]
A construção de uma abordagemA construção de uma abordagemcientífica da realidadecientífica da realidade
A sociologia é uma ciência relativamente recente. Comparadacom outras ciências, podemos dizer que é uma das mais
novas que existem. A tentativa de compreender cientificamente
a realidade social começa a se desenvolver a partir de fins do
século XVIII, na Europa. É nesse tempo que surgem os pri-
meiros trabalhos que começam a apresentar uma perspectiva
sociológica, como resultado de uma sociedade que passava a
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sofrer profundas transformações. Mas, antes de falarmos delas,
é necessário entender o que significa “compreender cientifica-
mente a realidade social”.
O que parece óbvio, mas é importante como condição para
o surgimento da sociologia, é o uso da ciência para explicar a
realidade. É claro que utilizar a ciência para explicar o mundo
não é condição apenas para o surgimento da sociologia, mas
para todas as ciências.
Na nossa sociedade, é muito comum nos valermos dos co-
nhecimentos científicos para explicar e compreender a reali-dade que nos cerca. Por exemplo, vemos todos os dias que o
Sol nasce de um lado do horizonte, atravessa o céu e se põe do
outro lado. O que nossa percepção nos diz é que a erra fica
parada enquanto o Sol se move. Contudo, sabemos que não é
o Sol que se move ao redor da erra, mas a erra que gira em
torno de si mesma e, em última instância, do Sol. Essa respostaou explicação é a ciência que nos dá, apesar de os nossos sen-
tidos nos dizerem o contrário. Ela, em certa medida, contradiz
o que percebemos e vemos, mas sabemos que a resposta dada
pela ciência é a correta.
Quando ficamos doentes, nossa reação pode ser procu-
rar um médico, porque é ele o profissional que detém os co-nhecimentos necessários para nos livrar da doença. Contudo,
podemos também nos valer de outros procedimentos, como
procurar uma benzedeira, fazer uma “simpatia” ou tomar um
remédio caseiro. Nesse caso, para enfrentar o problema (do-
ença), podemos adotar uma conduta baseada na ciência (ir ao
médico), mágica ou religiosa (ir a uma benzedeira ou fazer uma“simpatia”) ou tradicional (tomar um remédio caseiro).
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Assim, nem sempre recorremos à ciência para orientar nos-
so comportamento. Muitas vezes usamos outras formas de ex-
plicação para compreender os fenômenos que nos cercam.
Há algum tempo, era comum ver em algumas casas garrafas
cheias de água sobre o medidor de energia elétrica. Acreditava-
se que tal expediente diminuía o consumo de energia elétrica.
Será que isso era mesmo verdade? Outro exemplo foi a história
do “chupa-cabra”. Vários jornais, noticiários de rádio e progra-
mas de televisão divulgaram matérias sobre a aparição de um
animal desconhecido, que atacava rebanhos na zona rural, chu-pando-lhes o sangue até a morte. Muitas pessoas diziam ter vis-
to o “chupa-cabra”, mas sua existência nunca foi comprovada.
Apesar dos exemplos de utilização de elementos não cien-
tíficos e não racionais para entender o mundo, na nossa socie-
dade a forma de explicação científica é a dominante, ou, dito
de outra maneira, é a forma legítima, aceita como verdadeira.Agora, imagine como os fenômenos eram interpretados quan-
do a ciência ainda não era a forma predominante e legítima de
explicar a realidade. Para entender como se davam essas expli-
cações não científicas e como os homens passaram a interpretar
a realidade de outro modo, investiguemos um pouco a Idade
Média europeia.
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[1.2 ][1.2 ]
A Idade Média e o predomínio da féA Idade Média e o predomínio da féDurante a Idade Média europeia, que durou aproximadamente
mil anos (do século V ao século XV), os homens utilizavamprincipalmente a religião e a tradição para explicar e organi-
zar seu mundo. anto é que esse período é também conheci-
do como Idade das Trevas. O filme O nome da rosa demonstra
como se davam essas explicações. A história do filme se passa
no final da Idade Média, na Europa. O personagem principal
é um monge franciscano chamado William de Baskerville,que pretende explicar as coisas de modo científico e racional.
William é chamado até um mosteiro onde estão acontecendo
algumas mortes misteriosas: todos os internos que leem um li-
vro tido como proibido acabam morrendo. Os monges do mos-
teiro constroem uma explicação para as mortes baseada na reli-
gião e na fé: acreditavam que todos os que liam o livro morriamporque estavam cometendo um pecado. Uma vez proibido pela
Igreja, aqueles que liam o livro acabavam morrendo em virtude
do pecado cometido. A morte era então uma consequência do
pecado, que despertava a fúria divina. Investigando as mortes,
William descobre que elas não eram um castigo divino, mas que
o livro era envenenado. Os monges morriam porque tomavamcontato com o veneno contido em suas páginas. Entretanto, não
aceitam a explicação racional de William e continuam acredi-
tando na explicação baseada na fé e na religião. Em O nome da
rosa encontramos a essência das explicações durante a Idade
Média. Não só no caso de mortes como as ocorridas no filme,
mas em relação a toda a vida cultural e social, o predomínio
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2020
da fé impedia visões mais científicas sobre a sociedade. Nesse
tempo, o poder da Igreja era muito forte, e ela dominava tanto a
política como as ideias. odo questionamento ou conduta que
fosse contra as regras estabelecidas por ela era considerado um
pecado e, por isso, deveria ser evitado e combatido.
As explicações baseadas na fé perduraram durante quase
todo o período. Mas aos poucos os homens foram procurando
outras formas de explicação. Nessa procura, dois movimentos
ocorridos na Europa são essenciais para o desenvolvimento
de uma perspectiva científica e racional: o Renascimento e oIluminismo.
[1.3][1.3]
O Renascimento e o IluminismoO Renascimento e o IluminismoO predomínio da fé e da religião como formas de explicação
e organização da vida social dura até meados do século XV,
quando começa a perder força. A partir do século XVI, princi-
pia na Europa, um movimento chamado Renascimento se cons-
tituiu em uma tendência cultural laica (isto é, não religiosa),
racional e científica (Falcon, 1994). Era inspirado na cultura
greco-romana e não aceitava os valores e as concepções da
Idade Média. Ou seja, os renascentistas rejeitavam as explica-ções baseadas na fé, no misticismo, na tradição e passaram a
buscar outras explicações para as coisas que aconteciam. Esse
movimento influenciou as artes, a ciência, a literatura e a filo-
sofia. Um exemplo da perspectiva renascentista sobre a socie-
dade está na obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527), intitula-
da O príncipe, em que procura investigar a realidade de forma
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realista, mais especificamente as relações de poder. A obra de
Maquiavel (1973) é uma espécie de manual para o governante,
em que o autor separa a moral cristã de uma moral política.
Ou seja, afirma que, para o governante conquistar e manter o
poder, precisa ter uma conduta racional tendo em vista o fim
que pretende, mesmo que para isso tenha de usar métodos não
aceitos pela Igreja, como a violência e a crueldade.
Vamos acompanhar uma passagem de O príncipe, em que
Maquiavel afirma que na esfera política a crueldade pode ser
uma virtude, enquanto a piedade pode se tornar prejudicial aogovernante:
Cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel:
apesar disso, deve cuidar de empregar convenientemente esta pie-
dade. César Bórgia era considerado cruel, e, contudo, sua cruelda-
de havia reerguido a Romanha e conseguido uni-la e conduzi-la à
paz e à fé [...]. Não deve, portanto, importar ao príncipe a qualifi-cação de cruel para manter os seus súditos unidos e com fé, porque,
com raras exceções, ele é mais piedoso do que aqueles que por mui-
ta clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer
assassínios ou rapinagem. É que estas consequências prejudicam
todo um povo, e as exceções que provêm do príncipe ofendem ape-
nas um indivíduo. E, entre todos os príncipes, os novos são os quemenos podem fugir à fama de cruéis, pois os Estados novos são
cheios de perigo. (Maquiavel, 1973, p. 75)
Dessa maneira, é possível notar como os ensinamentos e
os dogmas da Igreja são contestados pelas reflexões feitas por
Maquiavel. E essa contestação vai adquirir uma dimensão cada
vez maior.
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A partir da segunda metade do século XVIII, a Europa pre-
sencia outro movimento intelectual que procura enfatizar a ra-
zão e a ciência para explicar o universo. Esse movimento ficou
conhecido como Iluminismo, o que rendeu ao século XVIII a
denominação de Século das Luzes, pois pretendia lançar “luzes”
sobre os aspectos da realidade que estavam encobertos. Com
o Iluminismo, o homem e a razão são colocados no centro do
universo, e a abordagem científica ganha novo impulso. Como
a ciência “ganha força”, a sociedade também passa a ser vista de
outra maneira. As “luzes” lançadas na sociedade deixam à mos-tra novos elementos (Falcon, 1994). Com o Iluminismo, vários
estudiosos deram sua contribuição à reflexão científica e siste-
mática da realidade social, como o pensador francês Voltaire
(1694-1778), que defendia a razão e combatia o fanatismo reli-
gioso. Outro pensador francês que realizou importantes refle-
xões sobre a sociedade foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),que estudou as causas da desigualdade social e defendeu a de-
mocracia como forma de governo. Na área de organização po-
lítica, Montesquieu (1689-1755) defendia a criação de poderes
separados (legislativo, executivo e judiciário), da mesma ma-
neira como temos hoje, indo contra o chamado direito divino
dos reis absolutistas (Falcon, 1994).
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Quadro 1.1 − Formas de explicação da realidadeQuadro 1.1 − Formas de explicação da realidade
Religião, fé e tradiçãoReligião, fé e tradição Abordagem científicaAbordagem científica
Predominam até meados doséculo XV.
Utilizam elementos não
científicos.
A partir do século XVI, com
o Renascimento, e do século
XVIII, com o Iluminismo.
Baseada na observação da
realidade.
odas essas contribuições indicam que a observação siste-mática estava predominando sobre elementos religiosos e a tra-
dição como meio de explicar a realidade, aproximando-se de
uma abordagem científica.
[1.4 ][1.4 ]
Começando a definir sociologiaComeçando a definir sociologiaMas o que garrafas de água em cima do medidor de ener-
gia, “chupa-cabras”, monges morrendo em mosteiros da Idade
Média, o Renascimento e o Iluminismo têm a ver com a so-
ciologia? É o uso da razão e da ciência para explicar o mundo.
Com o advento da ciência, as explicações baseadas na fé e na
tradição foram, pouco a pouco, sendo substituídas por formasracionais e científicas de conhecimento. E a maneira como os
homens viviam em sociedade, as relações que estabeleciam, os
distúrbios e os problemas ocorridos em suas vidas passaram
também a ser alvo de uma abordagem científica.
Nessa altura, já podemos começar a construir uma definição
para sociologia. Sociologia é a ciência que estuda a interação do
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indivíduo com a sociedade, as relações que ele mantém, a sua
inserção na coletividade. É o estudo da vida social, dos grupos
e das sociedades. Assim, ela nos ajuda a compreender melhor
as questões relativas à nossa organização social e à forma como
vivemos coletivamente. Ela nos ajuda a responder questões
que aparecem no nosso cotidiano, bem como a formular novas
questões. Por exemplo: Por que existe tanto desemprego? Será
que as mudanças na forma de produzir têm relação com o au-
mento ou a diminuição do número de ofertas de emprego? A
violência urbana é um problema que se resolve apenas com oaumento do número de policiais nas ruas? Existe relação entre
pobreza e violência? Por que o Brasil é um país tão rico com
tantos pobres?
Será que nossas respostas a essas perguntas são baseadas na
observação de como esses fatos se construíram ou responde-
mos com base naquilo que achamos que seja a resposta correta?Isso não significa que a sociologia vai nos dar a resposta certa
para tudo. O que é importante é utilizá-la para ter outra visão
dos fatos que ocorrem.
Dessa forma, mais do que uma ciência, a sociologia deve ser
utilizada para conceber novas visões da sociedade e das nossas
relações. Isso quer dizer que deve servir para construirmos umaperspectiva sociológica. Estudar sociologia não deve ser apenas
adquirir conhecimentos ou decorar teorias. É necessário pen-
sar sociologicamente, ou seja, ver os fatos que acontecem em
nossa vida sob outra perspectiva, fugindo das visões rotineiras,
usuais e preconceituosas. Vamos utilizar aqui o exemplo do de-
semprego. Será que o fato de um indivíduo estar empregado
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depende somente de sua força de vontade e dedicação? O desem-
prego pode ser causado pela introdução de novas tecnologias na
empresa em que ele trabalhava, que substituem trabalhadores
por máquinas, ou pela economia da região, que passa por um
período de recessão. Ou ainda pode se dar pela competição no
mercado de trabalho, que exige mais qualificação.
Sociologia é o estudo das sociedades e da organização da vida
social. Com a sociologia é possível abordar cientificamente a rea-
lidade social, as interações entre os indivíduos, as relações quemantêm entre si e com outros grupos. O conhecimento científico
possibilitado por esse estudo permite o desenvolvimento de uma
perspectiva sociológica.
Até aqui vimos como a mudança nas formas de interpreta-
ção do mundo foi essencial para o surgimento da sociologia erefletimos sobre transformações nas formas de olhar o mundo e
na mentalidade dos homens. Mas as mudanças não ocorreram
apenas no campo das ideias. Outras transformações na socieda-
de também foram importantes para o surgimento da sociologia.
Entre elas, duas foram essenciais para essa ciência. rata-se das
“duas grandes revoluções” dos séculos XVIII e XIX na Europa: aRevolução Francesa e a Revolução Industrial, as quais impuse-
ram novos problemas para os pensadores da época.
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2626
[1.5][1.5]
As “duas grandes revoluções”As “duas grandes revoluções” e a consolidação do capitalismoe a consolidação do capitalismo
A Revolução Francesa, em 1789, significou o fim do feu-dalismo na Europa, promovendo profundas transformações na
economia, na vida política e nas formas culturais. O objetivo
era transformar a maneira como a sociedade daquela época se
organizava. A revolução significava, sobretudo, a ascensão de
uma nova classe ao poder: a burguesia. A França de então era
uma sociedade feudal marcada pelos privilégios da nobreza edo clero, enquanto o chamado terceiro Estado (formado pela
burguesia e por outros grupos sem privilégios) sustentava a
sociedade por meio de impostos e tributos feudais. A nobreza,
constituída por aproximadamente 500 mil pessoas numa po-
pulação de cerca de 23 milhões, constituía uma camada privi-
legiada, que recolhia impostos mas era isenta de pagá-los e queparticipava das decisões políticas do chamado Estado absoluto
ou Antigo Regime (Hobsbawn, 1981).
O Estado absoluto se fundamentava na concentração de to-
dos os poderes nas mãos do rei. A palavra do rei era a lei e as
razões do Estado deveriam prevalecer sobre tudo. Apesar de já
apresentar uma “razão de Estado”, como vimos no exemplo deMaquiavel, o Absolutismo se apoiava também no direito divino
dos reis: eles eram os representantes de Deus na terra, tendo
assim o direito de governar como quisessem, já que sua palavra
era sagrada. Dessa forma, o rei governava sem nenhum impe-
dimento à sua autoridade, uma vez que concentrava todos os
poderes. E é claro que governava sempre a favor dos interessesda nobreza, já que ele também era um nobre.
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A ascensão econômica da burguesia era prejudicada por esse
tipo de regime. Além dos impostos que pagava à nobreza, a bur-
guesia se deparava com uma série de taxas, restrições e proibi-
ções impostas pelo Estado absoluto. A Revolução Francesa sig-
nificou o fim dos privilégios da nobreza, a destruição do Antigo
Regime e a ascensão da burguesia ao poder. Estava estabeleci-
da, assim, uma nova ordem social, sob o lema da “Liberdade,
Igualdade e Fraternidade”. A Revolução também afetou o poder
eclesiástico, confiscando terras e transferindo para o Estado as
funções tradicionalmente controladas pela Igreja, como a edu-cação e a organização da cultura. Com as modificações promo-
vidas pela revolução, estava aberto o caminho para a burguesia
estabelecer uma nova ordem social (Bluche; Rials; ulard, 1989;
Hobsbawn, 1981).
A Revolução Industrial se iniciou na Inglaterra no final do
século XVIII e se disseminou por toda a Europa durante o sé-culo XIX. Assim como a Revolução Francesa, a Industrial oca-
sionou um grande número de transformações econômicas e
sociais, intimamente ligadas às inovações tecnológicas – como
novas fontes de energia e a mecanização dos processos de pro-
dução – e a novas formas de organizar o trabalho. Ao transfor-
mar o processo de produção, o modo de vida das pessoas tam-bém foi afetado (Hobsbawn, 1981; Arruda, 1994). A Revolução
Industrial não foi, portanto, apenas a introdução e a criação de
novas tecnologias. Com ela se iniciou o processo de industria-
lização, e os artesãos, que antes produziam em suas casas com
suas ferramentas, passaram a trabalhar sob as ordens do em-
presário capitalista e se sujeitaram a novas formas de conduta
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e relações de trabalho. A produção, antes feita de forma arte-
sanal pelos mestres artesãos, passou a se dar num ritmo fabril,
com o emprego das inovações tecnológicas. A máquina de fiar,
uma das principais invenções do período, era capaz de produ-
zir 80 quilos de fio de uma só vez sob os cuidados de um único
trabalhador. O que antes demorava dias para ser feito poderia
agora ser produzido em algumas horas. Os artesãos saíram de
suas oficinas e foram trabalhar nas primeiras fábricas (Arruda,
1994; Huberman, 1986). O lar como unidade de produção foi
substituído pela fábrica. Nas oficinas eles tinham o controle daprodução e do tempo de trabalho; nas fábricas passaram a ser
submetidos à imposição de longas jornadas sob as ordens de
um patrão, mudando radicalmente a forma de vida habitual.
Além da questão do horário, a produção na fábrica era mais
organizada. Com a divisão das funções, o artesão, que antes
fazia o produto todo, passou a ser responsável por apenas umaparte da elaboração desse produto. Os trabalhadores perderam,
assim, o saber sobre seu trabalho, pois passaram a apenas exe-
cutar ordens estabelecidas. Se antes o artesão era um mestre no
seu ofício, pois dominava totalmente a produção de um obje-
to, com a utilização das máquinas e a divisão das funções na
fábrica ele se transformou em alguém que apenas operava asmáquinas (Marx, 1968).
Este trecho, do historiador Leo Huberman, ilustra como os
trabalhadores passaram a experimentar outro tipo de relação
com o trabalho após a Revolução Industrial:
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Mas os dias longos, apenas, não teriam sido tão maus. Os trabalha-
dores estavam acostumados a isso. Em suas casas, no sistema do-
méstico, trabalhavam durante muito tempo. A dificuldade foi adap-
tar-se à disciplina da fábrica. Começar numa hora determinada,
para, noutra, começar novamente, manter o ritmo dos movimentos
da máquina – sempre sob as ordens e a supervisão rigorosa de um
capataz – isso era novo. E difícil. (Huberman, 1986, p. 177-178)
A industrialização é acompanhada pela urbanização da so-
ciedade. Em pouco tempo, entre 1780 e 1860, a Inglaterra pas-
sou de país com pequenas cidades e de população predominan-temente rural para um país com grandes cidades e indústrias.
Um elevado número de camponeses deixava suas propriedades
pressionados pela privatização das áreas comuns dos feudos. A
perda das propriedades, aliada à mecanização da agricultura,
provocou um êxodo rural que contribuiu ainda mais para o
inchaço das cidades (Arruda, 1994).As cidades que se formavam não tinham uma estrutura de
moradias, de serviços sanitários e de saúde para suportar o gran-
de número de pessoas que emigrava do campo. Imagine inú-
meras pessoas chegando a uma cidade onde não existem casas
para morar, nem médicos, nem escolas suficientes; e, apesar
das indústrias, não existia emprego para todo mundo. Novos
problemas apareceram, como o aumento da prostituição, do
alcoolismo, do suicídio e da criminalidade, e surgiram surtos
epidêmicos de tifo e cólera.
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Com essas transformações – industrialização, crescimento
das cidades, êxodo rural – começou a surgir uma nova classe
social, urbana e intimamente ligada à industrialização: o prole-
tariado. Essa classe era constituída por aquele enorme número
de trabalhadores assalariados das novas indústrias nas cidades.
É claro que, com todos os problemas que surgiram nas novas
cidades com o processo de urbanização – violência, alcoolis-
mo, criminalidade, falta de moradia, de saúde, de saneamento
básico –, as condições de vida do proletariado eram muito pre-
cárias (Huberman, 1986). Naquele tempo não existia nenhu-ma lei que protegesse os trabalhadores e que garantisse direitos
importantes, como salário mínimo, jornada máxima de traba-
lho por dia e por semana, férias e todos os demais benefícios
que hoje existem. Quem precisasse trabalhar para sobreviver
era obrigado a aceitar as condições impostas pelos patrões. Os
trabalhadores se sujeitavam, então, às mais precárias condiçõesde trabalho que podiam existir: longas jornadas, salários bai-
xos, más condições de higiene, falta de segurança, entre outras
(Marx, 1968).
E não pense que eram apenas os homens adultos que tra-
balhavam. A indústria empregava um grande número de mu-
lheres e crianças, que recebiam salários menores, e assim o lu-cro do patrão era maior. Muitas crianças com idade inferior a
8 anos trabalhavam em troca de apenas alojamento e comida
(Arruda, 1994).
As péssimas condições de vida e de trabalho dadas à clas-
se trabalhadora não foram aceitas passivamente e levaram a
várias reações dos trabalhadores, desde manifestações mais
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descontroladas, como destruição de máquinas, sabotagem no
trabalho, roubos e explosão de algumas oficinas, até iniciati-
vas mais organizadas, como o movimento cartista* e as trade
unions* *. Estas últimas foram se organizando cada vez mais e
mudando seu teor, culminado na criação dos sindicatos. No
campo das ideias também surgiram críticas ao capitalismo e ao
desenvolvimento industrial, que propunham reformas sociais e
a construção de uma sociedade mais justa (Arruda, 1994).
Assim como a burguesia da Revolução Francesa quis aca-
bar com os privilégios da nobreza, os trabalhadores tambémqueriam enfrentar os proprietários das indústrias – isto é, os
burgueses –, que lucravam com seu trabalho enquanto eles
empobreciam cada dia mais. Mas quem eram os burgueses e
qual a relação que tinham com os trabalhadores? Já vimos que
na Revolução Francesa eram eles que queriam (e conseguiram)
acabar com os privilégios da nobreza. Mas, e agora, o que elesqueriam?
Ora, o surgimento das fábricas, associado com as inovações,
como o tear mecânico e a máquina a vapor de James Watt***,
* Movimento cartistaMovimento cartista: movimento organizado pela Associação dosOperários da Inglaterra, entre os anos de 1837 e 1848, que exigia me-lhores condições de trabalho, tais como: limitação da jornada de tra-balho e do trabalho feminino, extinção do trabalho infantil, saláriomínimo. Recebeu essa denominação porque suas reivindicações eramfeitas em forma de cartas às autoridades.
** Trade unionsTrade unions: organizações dos operários das fábricas inglesas duran-te a segunda metade do século XIX, que mais tarde evoluíram para ossindicatos.
*** Em 1769, James Watt desenvolve na Inglaterra um equipamento mo-
vido a vapor de água que seria como um motor para impulsionar má-quinas. Começa aqui a substituição da força humana pela energia me-cânica.
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fez a produção aumentar enormemente. Com isso aumenta-
ram o lucro do dono da fábrica e o acúmulo de capital, isto é,
de dinheiro. Começou, dessa forma, a se consolidar o sistema
capitalista, que desintegrou os costumes e as tradições até en-
tão existentes. O sistema capitalista é baseado na propriedade
privada e na busca do lucro. Nesse caso, o primeiro objetivo da
produção de mercadorias não é necessariamente a satisfação
das necessidades, mas a obtenção do lucro. E tudo passa a ser
organizado com vistas a esse objetivo*. O capitalista, ou bur-
guês, é aquele que tem a propriedade dos meios de produção,ou seja, das fábricas, das máquinas, das ferramentas, das ter-
ras. A classe trabalhadora, ou proletariado, são aqueles que não
possuem meios de produção e necessitam vender a sua força
de trabalho ao capitalista. Configura-se, assim, uma sociedade
de classes: de um lado, a classe dos proprietários e, de outro, a
classe dos não proprietários.
* Nos próximos capítulos, falaremos mais sobre o capitalismo e veremosas diferentes interpretações que os teóricos da sociologia deram a esse
sistema econômico.
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sociedade exigia outras respostas, ou seja, respostas científicas
e racionais. oda essa nova realidade, que englobava a urbani-
zação, a industrialização, a consolidação do sistema capitalista,
o surgimento da nova classe de trabalhadores que empobrecia
enquanto a burguesia enriquecia, e todos os problemas resul-
tantes dessa situação apareciam aos homens da época como
um “caos social”. A sociedade parecia desorganizada, sem leis
ou normas para seguir. Como a tradição e a religião não con-
seguiam mais dar conta das questões e desafios colocados pela
nova ordem, começou a ser pensada uma ciência que conse-guisse dar respostas e saídas para essa situação: a sociologia.
Acompanhe um trecho que sistematiza a relação entre a so-
ciologia, os efeitos da Revolução Industrial e o surgimento do
capitalismo:
A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às
novas situações colocadas pela Revolução Industrial. Boa parte deseus temas de análise e de reflexão foi retirada das novas situações,
como, por exemplo, a situação da classe trabalhadora, o surgimento
da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização
do trabalho na fábrica, etc. É a formação de uma estrutura social
muito específica – a sociedade capitalista – que impulsiona uma
reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises,seus antagonismos de classe. Não é por mero acaso que a sociologia,
enquanto instrumento de análise, inexistia nas relativamente está-
veis sociedades pré-capitalistas, uma vez que o ritmo e o nível das
mudanças que aí se verificam não chegavam a colocar a sociedade
como um “problema” a ser investigado. (Martins, 2006, p. 16)
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SínteseSínteseVimos como o estudo científico da relação indivíduo-sociedade
é um desenvolvimento relativamente recente, datado de fins do
século XVIII. Um desenvolvimento-chave foi o uso da ciênciapara compreender o mundo – a ascensão de uma abordagem
científica ocasionou uma mudança radical na forma de inter-
pretação e explicação do mundo. Assim, as explicações basea-
das na religião e na tradição foram dando espaço para tentati-
vas de conhecimento racionais e científicas.
O cenário que deu origem à sociologia abarcou uma sériede mudanças introduzidas pelas “duas grandes” revoluções
dos séculos XVIII e XIX: a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial. Ambas acarretaram um grande número de mudan-
ças na sociedade e nas ideias, surgindo daí a necessidade de no-
vas respostas para os problemas à medida que iam aparecendo.
Dessa forma, a sociologia se constrói como uma aborda-gem da relação indivíduo-sociedade, promovendo, ainda hoje,
a possibilidade de um “outro olhar” sobre a realidade social.
Indicação culturalIndicação cultural
O NOME da rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Produção: Bernd
Eichinger. Itália/Alemanha/França: 20th Century Fox Film Corporation,1986. 130 min.
Durante a Idade Média, um monge franciscano chega a um
mosteiro europeu para investigar uma série de mortes misteriosas.
Neste filme é possível perceber um momento em que explica-
ções baseadas na fé e na religião cedem lugar para as explicações
científicas e racionais. Porém, como é um momento de transição,
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ainda não existe o predomínio de uma das formas, que passam a
travar um jogo de forças.
Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1) Durante a Idade Média europeia a Igreja dominava tanto o
campo das ideias como das relações sociais. Nesse contexto,
as formas de explicação dos fenômenos e a organização da
vida social que predominavam eram:
a) obtidas mediante a observação dos fatos e fenômenos
que ocorriam.b) baseadas numa tentativa de explicação científica, já que
a Igreja dominava e por isso detinha os conhecimentos
científicos da época.
c) marcadas pela influência da fé e da religião, que eram
consequências do domínio da Igreja sobre a sociedade.
d) racionais e científicas, uma vez que a sociedade já nãoaceitava outro tipo de explicação.
2) A Revolução Francesa é um dos acontecimentos importan-
tes para o surgimento da sociologia. Essa importância se
deve ao fato de:
a) transformar a sociedade, quebrando os privilégios feu-dais e colocando uma nova classe em evidência: a bur-
guesia.
b) reafirmar o poder da Igreja e da nobreza, uma vez que
eram esses grupos que promoveriam o desenvolvimento
da sociedade.
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c) fortalecer o Estado Absolutista, o que favorecia a bur-
guesia e o desenvolvimento do capitalismo.
d) reafirmar o “direito divino dos reis”, pois daria a ele a
condição de fazer as transformações necessárias para
pôr fim aos privilégios dos nobres.
3) Sobre a Revolução Industrial e a sua importância para a for-
mação da sociologia, é correto afirmar que:
a) as inovações tecnológicas desse período ficaram res-
tritas apenas ao âmbito da produção, não acarretando
maiores implicações sociais.b) possibilitou a melhora das condições de vida dos tra-
balhadores, já que a produção de mercadorias cresceu
muito.
c) ocasionou um grande número de transformações eco-
nômicas e sociais, intimamente ligadas às inovações tec-
nológicas.
d) significou apenas a introdução e a criação de novas tecno-
logias, sem maiores consequências para a ordem social.
4) Analise as seguintes afirmações sobre a importância das
“duas grandes revoluções” para o surgimento da sociologia:
I. As duas revoluções provocam um período de estabili-dade social, o que permitiu à sociologia se desenvolver
tranquilamente.
II. As transformações provocadas por essas duas revoluções,
tanto no campo das ideias como na sociedade, desafia-
ram os pensadores a formular uma explicação científica
da realidade social.
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III. As revoluções ajudaram a sociologia a se aproximar da
religião e, assim, a produzirem, juntas, uma nova expli-
cação da realidade.
IV. Não tiveram tanta importância para o surgimento da so-
ciologia, já que essa ciência tem suas origens dentro do
meio religioso e místico.
V. Elas desorganizaram a sociedade, o que foi crucial para
o surgimento de uma ciência que pudesse resolver os
novos problemas que surgiram decorrentes dessas revo-
luções.São verdadeiras as seguintes afirmações:
a) I e II.
b) II e V.
c) III e IV.
d) I, II e III.
5) Considere as seguintes afirmações sobre o conceito de so-ciologia:
I. A sociologia limita-se a uma coleção de conhecimentos
sobre a realidade social.
II. O seu estudo deve servir também para construir uma
nova visão da realidade social.
III. Aborda a relação do indivíduo com a coletividade, pro-
curando perceber a maneira como se dão as interações
na vida coletiva.
IV. Podemos afirmar que é, de origem, uma ciência urbana,
capitalista e tem seu berço na Europa.
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V. Já é uma ciência pronta, isto é, já tem todo o seu referen-
cial teórico desenvolvido e não existem divergências na
interpretação dos dados sociais.
São verdadeiras as seguintes afirmações:
a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) II e III.
d) I, IV e V.
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem
Questões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Com base nas reflexões contidas neste capítulo, discuta, em
grupo, quais foram as consequências para a sociedade da
mudança de local de trabalho da casa para a fábrica, provo-
cada pela Revolução Industrial. Após a discussão, faça uma
síntese das conclusões formuladas.
2) A sociologia pode ser considerada uma “ciência da crise”.
Retome a citação de Martins (2006, p. 16), reproduzida na
p. 34 deste livro, e relacione a instabilidade da sociedade
capitalista que se formava com o surgimento da sociologia.
Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática
Como foi visto, a sociologia não deve ser apenas uma co-
leção de conhecimentos e teorias sobre a realidade social.
Ela deve servir para que formemos uma “visão sociológica”
do mundo. Com base nesse princípio, exercite essa “visão’
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por meio de uma pesquisa. Converse com o trabalhador ou
trabalhadora de uma indústria (pode ser pai, irmão/irmã,
vizinho/vizinha) e procure obter dele ou dela as seguintes
informações:
a) Qual o produto fabricado na indústria em que trabalha.
b) Qual parte do produto ele ou ela fabrica.
c) Que tipo de conhecimento está envolvido na tarefa que
realiza.
d) Indague da pessoa se ela seria capaz de, sozinha, fabricar
o produto inteiro.
Após obter essas informações, faça uma pequena relação
das respostas obtidas com o que aconteceu com os primeiros
trabalhadores das fábricas na época da Revolução Industrial.
Guarde uma cópia dessa conclusão para retomá-la no final do
curso.
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A institucionalização da sociologia:
Comte e Durkheim[Capítulo 2][Capítulo 2]
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Como vimos no capítulo anterior, a sociologia surgiu na Europa
como uma resposta intelectual e prática para as transformações
na ordem social que as duas “grandes revoluções” provocaram.
Era uma resposta intelectual, pois as transformações desafia-
vam os pensadores a formularem novas explicações para uma
nova ordem, sob um olhar científico e racional. Mas era tam-bém uma resposta prática, uma vez que as transformações tra-
ziam novos problemas concretos à sociedade e era preciso en-
contrar saídas para tais problemas.
Veja como Florestan Fernandes, um dos grandes sociólogos
brasileiros, reflete sobre o surgimento e o desenvolvimento da
sociologia:
Ela nasce e se desenvolve como um dos florescimentos intelectuais
mais complicados das situações de existência das modernas socie-
dades industriais e de classes. E seu progresso, lento mas contínuo,
no sentido do saber científico-positivo, também se faz sob a pressão
das exigências dessas situações de existência, que impuseram, tanto
ao pensamento prático quanto ao pensamento teórico, tarefas de-masiado complexas para as formas pré-científicas de conhecimento.
(Fernandes, 1977, p. 11)
Como demonstra o trecho acima, à medida que novos pro-
blemas iam aparecendo, novas respostas foram sendo necessá-
rias. Isso significa que as primeiras interpretações e formulações
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sobre a vida social não eram definitivas, assim como ainda não
o são. Respostas mais simples foram substituídas por respostas
mais complexas, que foram se aprimorando cada vez mais. Em
outras palavras, a sociologia foi construindo um corpo de in-
terpretações.
Ao longo deste capítulo, acompanharemos a instituciona-
lização da sociologia como ciência, numa discussão que passa
pela definição de seu objeto e pela diferenciação da sociologia
das outras ciências. Veremos concomitantemente as aborda-
gens sociológicas construídas por dois fundadores da sociolo-gia: Auguste Comte e Émile Durkheim.
[2.1][2.1]
A institucionalização da sociologia:A institucionalização da sociologia:seu campo de atuaçãoseu campo de atuaçãoComo a nova ordem social se mostrava com vários problemas,
as respostas dadas pela ciência que começava a se formar apre-
sentavam um caráter conservador. Os primeiros pensadores
viam as mudanças ocorridas na sociedade apenas pelo lado
da desorganização e dos problemas que causavam. Eles chega-
vam mesmo a desejar uma volta à sociedade feudal, com sua
estabilidade, hierarquia e valores tradicionais. Miséria, pobreza,desemprego, crimes, violência eram vistos como fruto das mu-
danças e do progresso ocorridos (Martins, 2006).
A Revolução Industrial, por outro lado, trouxe a eficácia do
novo saber inaugurado pela ciência moderna, com múltiplas
inovações e realizações. A física, a química e a biologia mostra-
ram o poder de transformação da ciência (Arruda, 1994).
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Os pensadores das ciências humanas ficaram como que fas-
cinados com os resultados e os avanços dessas ciências natu-
rais. Como não tinham ainda um método próprio para abordar
seu objeto, resolveram adotar o método das ciências naturais.
Usando esse método e acreditando no poder transformador da
ciência, os primeiros pensadores da realidade social tiveram o
seguinte raciocínio: já que a ciência pode transformar a pro-
dução de mercadorias, criar novos produtos e novas fontes de
energia, ela pode também restabelecer a ordem na sociedade
(Martins, 2006; Minayo, 2000).Antes de prosseguirmos, entretanto, é importante refletir
sobre alguns termos essenciais para compreender o que foi dito
até agora. Vamos começar com a questão do método.
Método significa o caminho que fazemos para atingir um ob-
jetivo, uma meta. Da mesma forma que, quando viajamos, esta-
belecemos um roteiro − planejando as paradas a fazer, onde des-cansar, a rota a seguir, se iremos durante o dia ou durante a noite
–, a ciência também desenvolve “caminhos” para atingir seus ob-
jetivos. No método científico são definidos os procedimentos,
as técnicas, a maneira como será abordado o objeto de estudo,
os critérios que serão empregados, as condições de abordagem,
como serão medidos os resultados. O método científico garantea legitimidade do conhecimento científico, ou seja, garante que
ele seja aceito como verdadeiro (Minayo, 2000).
Vamos pensar no seguinte exemplo: Qual método seria mais
adequado para medirmos a espessura de uma folha de papel?
Poderíamos usar um paquímetro ou poderíamos usar a técni-
ca de pegar várias folhas, medir a espessura de todas juntas e
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dividir pelo número de folhas. Isso é uma questão de método,
ou seja, o que usaremos para atingir nossa meta. Se usássemos
uma régua para atingir o objetivo desejado (medir a espessura
da folha de papel), o resultado poderia não ser tão “verdadei-
ro” ou mesmo ser diferente do método de medir várias folhas
juntas.
O método científico se refere aos procedimentos, às técnicas, à
maneira como será abordado o objeto de estudo. A definição
desses elementos – procedimentos, técnica, abordagem – garan-te a legitimidade do conhecimento científico.
Outra questão importante é a distinção entre ciências hu-
manas e ciências naturais. As ciências humanasciências humanas (ou ainda
ciências sociaisciências sociais) são aquelas que têm o ser humano e as suas
relações como objeto de estudo. Fazem parte das ciências hu-manas a psicologia, a sociologia, a geografia humana, a história,
a linguística. As ciências naturaisciências naturais são aquelas que têm como
objeto de estudo a natureza. Entre elas temos a física, a química,
a biologia. Ainda poderíamos considerar uma terceira classifi-
cação, a denominada ciências formais, que abrangeria a mate-
mática e a lógica (Minayo, 2000; Santos, 1995).
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Quadro 2.1 − Diferença entre ciências humanas e ciências naturaisQuadro 2.1 − Diferença entre ciências humanas e ciências naturais
Ciências humanasCiências humanas Ciências naturaisCiências naturais
êm o ser humano e suas rela-
ções como objeto de estudo.
Não existe a possibilidade de
separação clara entre o objeto
de estudo e o pesquisador.
Sociologia, psicologia, geo-
grafia humana, história,
linguística.
O objeto de estudo é a natureza.
Existe a possibilidade da sepa-
ração entre objeto de estudo e
pesquisador.
Física, química, biologia, ana-
tomia, fisiologia.
Enquanto as ciências naturais possuem como objeto algo
que se encontra fora do pesquisador, nas ciências humanas o
próprio pesquisador faz parte daquilo que estuda. Não existe
uma separação clara entre o objeto e o sujeito que quer conhe-
cer. Nenhum sociólogo pode ignorar o fato de que faz parte
daquilo que estuda: a sociedade e as relações sociais. Mesmo
que o sociólogo estude uma sociedade diferente da sua, estará
sempre inserido numa rede de relações como aquela que irá
estudar (Santos, 1995).
A complexidade do objeto aparece como uma peculiaridadedas ciências humanas em relação às ciências naturais. Um quí-
mico que pretenda estudar as reações químicas pode manipular
o seu objeto de estudo no laboratório, tentando simplificá-lo e,
percebendo o que é constante, pode repetir as reações inúme-
ras vezes, podendo controlar as condições de realização da ex-
perimentação. Nas ciências humanas, esses procedimentos não
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são possíveis. As pessoas não se comportam sempre da mesma
maneira, ainda que a situação seja a mesma, isto é, o comporta-
mento humano é inconstante, resulta de particularidades, he-
ranças sociais, e é motivado por desejos, paixões, ódio e uma
série de fatores que não podem ser facilmente isolados e sim-
plificados. odas essas peculiaridades e complexidade das ciên-
cias humanas ocorrem porque seu objeto é também sujeito do
conhecimento (Giddens, 2005; Minayo, 2000; Santos, 1995).
Agora que já vimos um pouco sobre o método e sobre a dis-
tinção entre ciências humanas e ciências naturais, vamos voltarà sociologia e conhecer um pouco da obra de Auguste Comte.
[2.2][2.2]
A obra de Auguste Comte e o positivismoA obra de Auguste Comte e o positivismoO francês Auguste Comte (1791-1857) aparece como um dos
pioneiros na elaboração tanto da sociologia quanto das respos-
tas que ela poderia dar aos desafios que lhe eram colocados.
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Auguste ComteAuguste Comte nasceu em Montpellier, na França, em umafamília católica e monarquista. Como nasceu logo após a
Revolução Francesa, presenciou os desdobramentos da nova
sociedade que surgia. Com formação em matemática e filo-
sofia, chegou a estudar medicina e fisiologia. Foi o fundador
do positivismo. Durante toda a sua vida sofreu com crises
melancólicas e depressivas. Morreu em Paris, no dia 5 de
setembro de 1857. Suas principais obras são: Curso de filo-
sofia positiva, dividida em seis tomos (1830-1842); Discurso
sobre o espírito positivo (1844); Sistema de política positiva,
dividida em quatro tomos (1851-1854); Síntese subjetiva
(1856) (Comte, 1983b; Aron, 2003; Giddens, 2005).
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Comte é o criador do termo sociologia para designar o estudo
sistemático da sociedade. Esse termo aparece pela primeira vez no
quarto tomo de sua obra Curso de filosofia positiva, de 1839.
A primeira denominação que a sociologia recebeu foi a de
física social , que está proximamente relacionada com a manei-
ra como os primeiros sociólogos pensavam e viam a sociedade.
Eles achavam que a sociedade e os objetos das outras ciências
deveriam ser abordados da mesma forma. Defendiam então um
mesmo método tanto para as ciências naturais quanto para as
ciências humanas. Assim, foi inaugurada uma maneira de con-ceber as ciências humanas que recebeu o nome de positivismo
(Comte, 1983b).
A concepção positivista propôs o estabelecimento de critérios
rígidos para a ciência, exigindo que ela se fundasse na observa-
ção dos fatos. Por meio dessa observação seria possível descobrir
as leis gerais que permitiriam compreender o funcionamento dassociedades e, assim, prever o seu estado futuro. Da mesma forma
que o químico poderia prever como se dariam as reações entre
elementos químicos depois de descobrir as leis de funcionamen-
to dessas reações, o sociólogo seria capaz também de identifi-
car leis invariáveis de funcionamento da coletividade e prever os
acontecimentos com base no entendimento dessas leis.A metodologia da sociologia deveria comportar a observa-
ção, a comparação e a classificação de modo semelhante ao que
faziam as ciências naturais e ainda apresentar uma linha evo-
lutiva – filiação histórica – que permitisse conhecer o passado
e conduzir ao futuro. Comte via a sociedade e os indivíduos
marcados pela limitação dentro das leis naturais da sociedade,
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as quais deveriam ser conhecidas para se avançar na linha evo-
lutiva (Comte, 1983b).
Além disso, de acordo com a concepção positivista, deve
haver a separação entre o objeto e o sujeito pesquisador, bem
como a neutralidade da ciência. Pense um pouco sobre essa
concepção: seria possível estudarmos a sociedade sem levar em
conta aquilo em que acreditamos ou a maneira como a vemos?
Pois bem, a concepção positivista acreditava que sim. Assim
como o químico estudava as fórmulas e os elementos sem
que suas concepções influenciassem no resultado da pesqui-sa, os pesquisadores sociais também deveriam ter essa postura.
Vamos ver mais sobre a maneira como Comte compreendia a
sociedade e a sociologia e poderemos entender melhor a sua
postura positivista.
PositivismoPositivismo
Postula que a ciência deve se fundar na observação, na compara-
ção e na classificação.
A ciência deve procurar leis gerais de validade universal.
Postula a separação rígida entre pesquisador e objeto de estudo.
Defende a possibilidade de previsão de estados futuros.
Busca a normatização e a ordenação daquilo que estuda.
udo aquilo que foge das “leis gerais” pode ser considerado
patológico.
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O pensamento de Comte refletia os momentos turbulentos
de seu tempo. A Revolução Francesa introduzira mudanças
significativas na sociedade, e o crescimento da industrialização
estava alterando a vida tradicional da população francesa. Na
concepção positivista de Comte os fenômenos sociais estavam
submetidos a leis invariáveis, da mesma maneira que os fenô-
menos físicos, químicos e biológicos (Comte, 1978b, 1978c).
Além dessa visão dos fenômenos sociais, Comte tinha uma vi-
são evolucionista da sociedade, pela qual o ápice do desenvolvi-
mento consistia no padrão apresentado pela Europa civilizada.Perceba que esse é um modelo “copiado” da biologia, mais es-
pecificamente da teoria evolucionista de Charles Darwin (Aron,
2003; Cohn, 1977).
À sociologia cabia descobrir as leis que regiam essa socie-
dade e, a partir daí, reorganizá-la, conduzindo-a ao seu pleno
desenvolvimento. Uma vez alcançada a ordem, a sociedade po-deria progredir. Um exemplo da maneira como a concepção
positivista foi aplicada na sociedade está no nosso próprio país.
Na proclamação da República brasileira, as ideias positivistas
foram muito marcantes, influenciando vários republicanos e
contribuindo para o amadurecimento de suas ideias. Essa in-
fluência ficou marcada no lema de nossa bandeira: “Ordem eprogresso”.
Da mesma forma como as sociedades progrediam por meio
da ordem, para Comte (1978b, 1978c) as ciências também evo-
luíam dentro de uma escala, em que a sociologia só se poderia
constituir como ciência a partir do momento em que seu objeto
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– o sistema social – houvesse chegado à sua última fase de de-
senvolvimento. Note como as ideias de evolução e ordem são
características do pensamento positivista.
O surgimento da sociologia é situado por Comte (1978b)
num contexto em que a sociedade apresentava dois movimen-
tos: de desorganização e de organização. Para o autor, a socie-
dade passava por um momento de profunda desorganização,
de anarquia e de instabilidade, cabendo à sociologia – como
ciência positiva – restabelecer a ordem, colocando a sociedade
novamente no seu caminho “natural” de desenvolvimento, ten-do sempre como padrão, é claro, a sociedade europeia. Nesse
aspecto fica evidente a concepção positivista da sociologia de
Comte: a produção de um conhecimento sobre a sociedade
fundamentado em evidências empíricas, formuladas com base
na observação, na comparação e na experimentação; com isso
poderiam ser formuladas leis universais que permitissem pre-dizer e controlar os acontecimentos. Isso significava que, uma
vez descobrindo as leis gerais que regiam o funcionamento da
sociedade, seria possível dizer em que sentido ela iria se desen-
volver, e mesmo, direcionar esse desenvolvimento.
Vamos acompanhar uma citação de Comte, em que ele ain-
da denomina a sociologia de física social e demonstra o caráterevolutivo do pensamento positivista:
Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o
estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito
que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto
é, como submetidos a leis naturais e invariáveis, cuja descoberta é
o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar
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diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do
desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas
partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário das
transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de
um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos,
foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na
Europa civilizada. O espírito dessa ciência consiste sobretudo em
ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do
presente e a manifestação geral do futuro. (Comte, 1983b, p. 53)
Na sua obra Curso de filosofia positiva, Comte (1978b) for-mulou a teoria dos três estágios pelos quais passaria o conheci-
mento humano até o seu pleno desenvolvimento: o teleológico,
o metafísico e o positivo ou empírico. No primeiro estágio, os
pensamentos seriam guiados pela fé e pelas crenças, e a socieda-
de aparece como resultado da vontade divina. No estágio meta-
físico, a vontade divina como fundamento da sociedade é subs-tituída pelas causas naturais. A causa sobrenatural cede espaço
às causas naturais como explicação dos fenômenos. No estágio
positivo – último estágio do desenvolvimento do conhecimento
humano – a ciência seria a forma de explicação do mundo e da
natureza e uma ferramenta de reforma para a sociedade.
Nesse sentido, o homem precisaria passar por uma refor-ma intelectual, para que a sua maneira de pensar fosse alterada.
Uma vez modificada essa forma de pensar, a sociedade e suas
instituições seriam também reformadas. Haveria, assim, a pro-
dução de um consenso moral, conseguido mediante a razão e
a ciência.
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No fim de sua carreira, Comte (1978a) propõe o estabeleci-
mento de uma religião da humanidade, pela qual os dogmas e os
preceitos da fé seriam substituídos pelos fundamentos científicos.
Essa intenção de Comte fica evidente no ensaio que escreve inti-
tulado Catecismo positivista, obra publicada em 1852. Note que
Comte não propõe o fim da religião, pois acreditava que ela era
uma necessidade do homem e da sociedade. O que ele propõe é
uma “religião científica”, e a sociologia estaria no centro dessa reli-
gião, pois é ela que pode compreender e reorganizar a sociedade.
Hoje podemos perceber que as concepções e as previsõesde Comte em relação ao uso da sociologia para a restauração
da sociedade não se realizaram. A sociologia não é uma ciência
que pode “prever” os acontecimentos sociais ou mesmo tem a
capacidade de, sozinha, reformar a sociedade. Entretanto, mes-
mo sendo uma obra considerada superada como fundamento
teórico-explicativo, é preciso levar em conta a importância deComte para o surgimento da sociologia e considerar – como
afirma o próprio Comte – que “a época das conquistas não
pode ser a dos limites precisos” (Comte, 1983b, p. 67).
Aqui é importante atentar para uma distinção realizada por
Cohn (1977) entre os clássicos e os fundadores da sociologia.
Nessa discussão, os clássicos são aqueles pensadores cujas re-flexões continuam levantando problemas e propondo respostas
a eles. Aí se incluem Marx, Durkheim e Weber. Os fundadores,
como Comte, são aqueles cujas obras foram importantes para o
estabelecimento e a afirmação da ciência, mesmo que elas não
tenham mais fôlego explicativo.
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Para ComteComte (1978a, 1978b, 1983a, 1983b), a sociologiasociologia deveria
descobrir as leis gerais que regiam a sociedade. Assim, com o co-
nhecimento dessas leis seria possível conduzir a sociedade ao seu
pleno desenvolvimento e mesmo prever como estaria no futuro.As ideias de evolução e ordem são recorrentes no pensamento po-
sitivista de Comte. Ele buscava um conhecimento baseado em evi-
dências empíricas, formuladas com base na observação, na com-
paração e na experimentação. Propunha também para as ciências
sociais um método semelhante ao método das ciências naturais.
Agora, veremos outro pensador da sociologia influen-
ciado pelo positivismo de Comte: o também francês Émile
Durkheim.
[2.3][2.3]
Durkheim e os fatos sociaisDurkheim e os fatos sociaisDurkheim propôs uma metodologia científica para a sociologia
que permitisse o estudo de leis “concretas”, e não generalida-
des abstratas. Buscou construir conceitos que possibilitassem a
abordagem da realidade social.
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Émile DurkheimÉmile Durkheim nasceu em Épinal, França, em 15 de abrilde 1858, numa família judia. Estudou na École Normale
Supérieure de Paris, onde se doutorou em Filosofia. Em 1877
assumiu a primeira cadeira de sociologia da Universidade
de Bordeaux. Perdeu seu único filho em 1915, durante a
Segunda Guerra Mundial. É considerado o fundador da
sociologia moderna, estudando profundamente os fenôme-
nos sociais de sua época. Faleceu em Paris, no dia 15 de no-
vembro de 1917. Suas principais obras são: A divisão do tra-
balho social (1893); As regras do método sociológico (1894);
O suicídio (1897), As formas elementares da vida religiosa
(1912) (Aron, 2003; Cohn, 1977; Giddens, 2005).
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Comecemos o estudo sobre Durkheim com um exercício.
Vamos pensar em como definir sociedade. Poderíamos dizer,
de maneira rápida, que a sociedade é formada pelos indivíduos.
Pois bem, para Durkheim, não é a sociedade que é formada
pelos indivíduos, e sim o contrário: é a sociedade que forma os
indivíduos (Aron, 2003). Isso porque Durkheim considerava
que a sociedade prevalece sobre os indivíduos e é ela que os
molda. Ao longo do estudo, analisaremos melhor essa noção da
superioridade da sociedade sobre o indivíduo em Durkheim.
Uma de suas preocupações centrais está em delimitar o cam-po da sociologia de maneira clara: o que essa ciência irá estudar?
A tarefa começa pela definição de seu objeto – o fato social.
Os fatos sociais são maneiras de agir, de pensar, de sentir
que se impõem aos indivíduos (Durkheim, 1960, 1983a). São
dados pela coletividade, pela sociedade. ais fatos são diferen-
tes dos fatos estudados em outras ciências por terem origem nasociedade, e não na natureza (como nas ciências naturais) ou
no indivíduo (como na psicologia). A sociedade aparece como
um conjunto de leis, normas, ações, pensamentos e sentimen-
tos que tem a sua existência determinada não pelas consciên-
cias individuais, mas fora delas, no meio social. Ou seja, a so-
ciedade é um meio exterior e independente dos indivíduos, e énesse meio que se encontram os fatos sociais. Daí a importância
de sua definição de fato social e das características que estes
apresentam, pois somente entendendo suas características po-
deremos reconhecê-lo e entendê-lo, compreendendo, assim, a
sociedade em que vivemos. Vamos então às características dos
fatos sociais.
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Durkheim (1960) afirma que os fatos sociais têm três carac-
terísticas básicas que permitem sua identificação na realidade:
a exterioridade, a coercitividade e a generalidade/coletividade.
Os fatos sociais são exterioresexteriores, pois existem fora das cons-
ciências individuais. As normas, as regras de conduta não são
criadas pelos indivíduos isolados, mas pela coletividade, e os
indivíduos já as encontram prontas quando nascem.
Os fatos sociais são coercitivoscoercitivos porque as regras e as condu-
tas sociais se impõem aos indivíduos. Ninguém é obrigado a fa-
lar o português culto, mas ignorar essa regra em determinadosambientes é inviável, não existe uma lei que obrigue as pessoas
a falar o português correto, mas, se as pessoas vão contra esse
“fato”, a coercitividade se revela e faz sentir a sua força (Abel,
1972). Assim, muitas vezes, essa característica só se manifesta
quando o indivíduo vai contra o fato social.
Quanto à generalidade/coletividade, Durkheim afirma queos fatos sociais são geraisgerais porque são coletivoscoletivos, e não o contrá-
rio. Ou seja, aparecem nas partes (indivíduo) porque estão no
todo (sociedade). Por exemplo, a maioria dos habitantes de um
país é de religião católica porque a coletividade assim determi-
na; a explicação está na coletividade. Não se poderia entender
esse fenômeno – a maioria dos habitantes de um país ser católi-ca – a partir dos indivíduos, mas somente a partir do coletivo.
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Fatos sociaisFatos sociais são o objeto de estudo da sociologia. São maneiras
de agir, de sentir, de pensar, de compreender, de interpretar, im-
postas aos indivíduos pela sociedade.
A educação é um bom exemplo para aplicarmos e entender-
mos a definição de fato social. Quando nascemos, ainda não
sabemos a maneira de nos comportarmos e de agirmos em so-
ciedade. Com o passar do tempo, vamos aprendendo os gostos,
os hábitos e as maneiras de agir, de sentir e de ser do grupo
social ao qual pertencermos. Assim, toda organização social
precisa “repassar” estas “informações” – maneiras de ser, de
sentir, de agir, os gostos, os hábitos – aos seus membros, para
que sejam possíveis a perpetuação e o funcionamento da socie-
dade (Rodrigues, 2004). É esse “repasse” de informações que
Durkheim define como educação e que perpetua a existência
do grupo apesar da morte dos indivíduos:
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as ge-
rações que não se encontram ainda preparadas para a vida social;
tem objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de es-
tados mentais, físicos, intelectuais e morais, reclamados pela socie-
dade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine. (Durkheim, 1962, p. 27)
Assim, quando nascemos, já encontramos algo pronto, que
nos é transmitido por outras pessoas e que exerce uma força
sobre nós. A educação aqui considerada não se refere apenas à
educação que recebemos na escola, mas inclui também aquela
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que recebemos em casa, na rua, no bairro, na igreja, na tele-
visão. Esse processo de educação também recebe o nome de
socialização, que nada mais é do que o processo de aprender a
ser membro de uma sociedade (Berger; Berger, 1977b).
Outro conceito importante de Durkheim (1960, 1983a) é o
de consciência coletiva. Esta constitui um sistema de represen-
tações coletivas independente dos indivíduos. Ela é formada
pelo conjunto de normas, leis, gostos, hábitos, modos de agir,
de pensar e de sentir, que são coletivos. É importante entender-
mos que o fundamento, a origem deste conjunto de elementos,é o meio social (Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002). É no
coletivo que esses elementos se originam e daí vão para os in-
divíduos. Assim, a consciência coletiva não se refere apenas à
reunião das consciências individuais num todo. A consciência
é coletiva pois tem como substrato o social, o coletivo, e não
o indivíduo. É como se a consciência coletiva pairasse sobre asociedade como uma “nuvem” que fornecesse aos indivíduos
os modos de pensar, de agir e de sentir, os hábitos e as maneiras
de fazer, de entender e de falar.
Dessa forma, os fatos sociais – educação, moral, direito, re-
ligião – determinam uma consciência coletiva e um dado meio
moral da sociedade. Assim, a consciência coletiva, formada por vários modos e maneiras de pensar, de sentir, de agir – ou seja,
formada por vários fatos sociais –, determinará o que pode e é
aceitável em sociedade, as condutas que se devem adotar, o que
é permitido, o que é proibido e o que é tido como estranho ou
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imoral. É por isso que se diz que a consciência coletiva é de-
terminada por um dado meio moral, e este, por sua vez, deter-
mina as consciências individuais. Assim, percebe-se mais uma
vez, como na leitura de Durkheim, a sociedade prevalece sobre
o indivíduo.
Com base nessa leitura, a própria noção de individualidade
que temos hoje é propiciada pelo meio social. Um cidadão só
será flamenguista, de esquerda, alfabetizado, gostará de lasa-
nha, porque o meio social lhe dá – ou impõe – essas alternati-
vas para construir sua individualidade.Dentro de sua orientação metodológica, Durkheim propõe
tratar os fatos sociais como “coisas”. E tratá-los como “coisas”
significa tratá-los como objetos do conhecimento que a percep-
ção humana não penetra de modo imediato, necessitando do
auxílio da ciência (Aron, 2003; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira,
2002; Abel, 1972). Abordar os fatos sociais dessa maneira sig-nifica ter com eles um procedimento de análise diferente do
senso comum. Com isso, Durkheim enfatiza a posição de neu-
tralidade e objetividade que o pesquisador deve ter em relação
à sociedade: ele deve descrever a realidade social sem deixar
que suas ideias e opiniões interfiram na observação dos fatos
sociais. É possível perceber, então, uma influência positivistanas reflexões de Durkheim.
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[2.4][2.4]
O olhar de Durkheim sobre a sociedadeO olhar de Durkheim sobre a sociedadeAssim como Comte, Durkheim vê a sociedade em um estado de
desorganização (Aron, 2003). E aqui podemos perceber melhora influência positivista em sua obra. Na sociologia durkheimia-
na, a coesão da sociedade é um dos elementos que merecem
uma preocupação teórica.
Durkheim (1983a) faz uma distinção entre sociedades tra-
dicionais e sociedades modernas. As sociedades tradicionais
apresentam pouca diferenciação entre os indivíduos e poucadivisão do trabalho. Ou seja, os indivíduos são muito parecidos
uns com os outros. Por exemplo, numa tribo indígena, todos
os homens sabem caçar, pescar e cultivar a terra. Da mesma
maneira, todas as mulheres sabem cuidar dos filhos, têm a ca-
pacidade de realizar trabalhos em argila e preparar os alimen-
tos. Não existe alguém que seja especialista em uma só função,pois a divisão do trabalho é pouca. Já as sociedades modernas
apresentam uma grande divisão do trabalho e muita diferen-
ciação entre os indivíduos. Repare a nossa sociedade: quantas
profissões e especializações existem? Inúmeras, e os indivíduos
são muito diferenciados.
Segundo Durkheim (1983a), nas sociedades mais simples osentimento de pertença ao grupo é muito maior, pois a cons-
ciência coletiva é mais forte. Ou seja, os imperativos sociais –
normas, leis, modos de agir, de pensar e de sentir do grupo
– se impõem com muito mais força ao indivíduo, sobrando
pouco espaço para interpretações individuais. Nas sociedades
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modernas e industrializadas existe uma margem maior para
interpretação individual dos imperativos sociais e um enfra-
quecimento da consciência coletiva. Mas como explicar essa
diferenciação entre as sociedades sem apelar para a diferença
entre os indivíduos? Como explicar essa diferença com base no
social?
Pois bem, para o autor, o meio social é produzido pela coo-
peração entre os indivíduos, por meio de um processo de in-
teração que chamou de divisão do trabalho social (Durkheim,
1960, 1983a). Conforme o tipo de divisão do trabalho que pre-domina numa sociedade em determinada época, temos um tipo
de cooperação entre os indivíduos. Nas sociedades simples, em
que existe pouca divisão do trabalho, prevalece a solidarieda-
de mecânica, baseada na semelhança entre os indivíduos; por
isso existe pouca divisão do trabalho. Nesse tipo de sociedade,
a consciência coletiva é forte porque os indivíduos são poucodiferenciados entre si, e podemos dizer que a sociedade é mais
coesa. Nas sociedades em que existe uma grande divisão do
trabalho, prevalece a solidariedade orgânica, baseada na dife-
renciação entre os indivíduos. A coesão da sociedade é dada pela
dependência que cada indivíduo tem dos outros (Abel, 1972).
Nesse caso, a consciência coletiva é mais fraca, deixando umamargem maior para a interpretação grupal ou individual dos im-
perativos sociais. Assim, paradoxalmente, a mesma divisão do
trabalho que serve para manter a sociedade coesa ao fazer com
que cada indivíduo dependa dos outros, também faz com que a
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ordem social seja ameaçada pelo individualismo que produz.
Quadro 2.2 − Diferença entre sociedades tradicionaisQuadro 2.2 − Diferença entre sociedades tradicionais
e sociedades modernase sociedades modernas
Sociedades tradicionaisSociedades tradicionais Sociedades modernasSociedades modernas
Solidariedade mecânica Solidariedade orgânica
Pouca divisão do trabalho.
Pouca especialização.
A consciência coletiva é forte.Baixa densidade populacional.
Indivíduos são muito
“semelhantes”.
Muita divisão do trabalho.
Muita especialização.
A consciência coletiva é mais
fraca.Alta densidade populacional.
Os indivíduos são mais
diferenciados.
É importante observar que, para Durkheim (1983a), as
sociedades em que cada um se assemelha a todos vêm, histo-
ricamente, antes das sociedades diferenciadas. Ou seja, a soli-
dariedade mecânica precede a orgânica. Assim, descarta-se a
possibilidade de explicar os fenômenos da diferenciação social
e da solidariedade orgânica por meio da afirmativa de que os
homens teriam “tomado consciência” de suas condutas indi-
viduais, atibuindo, assim, ocupações específicas e rateando
tarefas − talvez pela descoberta de que a divisão do trabalho
aumenta a produção da coletividade. al assertiva presume que
os indivíduos são diferentes uns dos outros e têm consciência
de tal fato. Ora, a consciência da individualidade não podia
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existir antes da solidariedade orgânica e da divisão de trabalho
(Aron, 2003).
É a divisão do trabalho como uma estrutura da sociedade
que determina se os indivíduos serão ou não diferenciados.
Com esse raciocínio, Durkheim confirma seu postulado da
prioridade do todo sobre as partes. Os fenômenos individuais
são explicados pelo estado da coletividade, e não o contrário.
Percebe-se também que a causa de um fenômeno social só pode
ser uma causa social, e nunca individual. Por isso, Durkheim
aborda a sociedade como um fato irredutível a outros. A causade um fato social só pode ser outro fato social.
Apesar de propor o tratamento dos fatos sociais como
“coisas”, à maneira das coisas concretas, Durkheim sabia que eles
não eram concretos como os fatos físicos. Ao abordá-los como
“coisas”, chama a atenção para a necessidade de tratá-los de ma-
neira científica e exterior, isto é, encontrando o meio pelo qualos estados de consciência coletiva não perceptíveis diretamente
podem ser encontrados e compreendidos. Afasta-se assim do
senso comum, dos preconceitos e das prenoções e passa a tratar
o objeto da sociologia de maneira científica.
No caso da divisão do trabalho, que desemboca nas duas
formas de solidariedade, o meio pelo qual ela pode ser com-preendida são as formas jurídicas. De forma simplista, os dois
tipos de solidariedade correspondem a dois tipos de formas
jurídicas. À solidariedade mecânica corresponde o direito re-
pressivo, que pune as faltas ou crimes. À solidariedade orgânica
corresponde o direito restitutivo ou cooperativo, que repõe a
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ordem quando uma falta foi cometida e organiza a cooperação
entre os indivíduos (Durkheim, 1983a).
No direito repressivo, ou seja, nas sociedades de solidarie-
dade mecânica, os fatos considerados crime são aqueles que fe-
rem a consciência coletiva, que violam um imperativo social. A
finalidade do castigo, em uma interpretação sociológica, não é
prevenir ou dissuadir alguém de cometer o crime, mas reparar
a consciência coletiva, ferida pelo ato criminoso. O direito re-
pressivo pode ser exemplificado pelo pecado. O pecado é uma
falta individual, mas, sobretudo, é uma falta contra as regrasestabelecidas pelo todo, que é a Igreja. Ao pedir o perdão do
pecado, o que é reparado é a falta contra a regra que foi bur-
lada. Ou seja, é uma questão de reparar a consciência coletiva,
retomar as regras estabelecidas que mantêm as pessoas unidas
e pertencentes à religião. A punição é aplicada por causa da
regra ferida, e não necessariamente por causa do indivíduo(Durkheim, 1983a; Aron, 2003).
No direito restitutivo, ou seja, nas sociedades de solidarieda-
de orgânica, não se trata de punição e de reparação à consciên-
cia coletiva, mas de restabelecer a ordem das coisas e constituir
uma forma de organização da coexistência regular e ordenada
de indivíduos já diferenciados. Nesse caso, a lei e a punição agi-rão no sentido de manter os indivíduos em consenso. O que
exige reparação não é necessariamente a consciência coletiva:
mas sim o acordo entre indivíduos diferentes para que a ordem
seja restabelecida (Durkheim, 1983a; Aron, 2003).
Assim, nas sociedades de solidariedade mecânica, o que
mantém o grupo coeso é o compartilhamento de experiências e
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crenças comuns, cuja “violação” é punida pelo coletivo. Há, en-
tão, pouco espaço para divergências individuais. Nas socieda-
des de solidariedade orgânica, a divisão do trabalho se expande
e as pessoas se tornam mais diferenciadas, e por isso mais de-
pendentes umas das outras. As relações de reciprocidade eco-
nômica e de dependência mútua substituem as crenças comuns
ao criarem o consenso social.
Como outros fundadores da sociologia, Durkheim (1960,
1983a, 1988) estava preocupado com as mudanças que trans-
formavam a sociedade em sua época. A industrialização, a ur-banização e a divisão técnica do trabalho de então produziam
um meio social muito diferenciado. Com a consciência coletiva
mais fraca, ocorre a emergência do individualismo. As pessoas
passam a pensar mais com a sua cabeça e menos como o grupo
quer que ela pense. O individualismo surge então como uma
ameaça à ordem social, uma vez que o indivíduo não se sentemais pertencente ao grupo. Como vimos, à medida que os indi-
víduos se diferenciam, a margem para interpretação individual
ou grupal é maior. Dessa forma, os imperativos sociais – regras
comuns que mantêm a sociedade coesa – desintegram-se, e a
sociedade pode entrar em um estado de anomia, ou seja, de au-
sência de regras. É como se não existisse apenas uma regra paratodos, mas várias regras para vários indivíduos diferenciados.
Com essa interpretação da realidade, Durkheim demons-
tra que não pode haver sociedade sem disciplina, sem normas
comuns que organizem a vida social e limitem os desejos dos
indivíduos. E esse é um dos aspectos centrais abordados em
O suicídio, uma obra de 1897. Segundo Durkheim (1983b), a
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sociedade moderna atingiu um determinado estado de crise,
caracterizado pela desintegração social e pela debilidade dos
laços que prendem o indivíduo ao grupo. Como o grupo não
consegue mais manter o indivíduo, pois a consciência coletiva
e o sentimento de pertencimento ao grupo são fracos, ele se
desliga do social pela morte voluntária.
Durkheim preocupava-se com essa falta de laços que pren-
dam o indivíduo à sociedade. Como já foi dito, ele chamava isso
de anomia, que levaria, segundo sua concepção, à desintegra-
ção da sociedade. Ele entendia que faltava à coletividade umaordem moral que permitisse à sociedade sobreviver e conservar
os laços que mantêm os indivíduos unidos em um coletivo.
AnomiaAnomia: designa um estado de ausência de regras e normas na
sociedade, o que a leva a um estado de desordem e falta de coesão
social. Nesse estado, os laços que prendem o indivíduo ao gru-po estão enfraquecidos, e o indivíduo passa a pensar de maneira
mais particular, sem levar em conta as regras, normas e imperati-
vos dados pela coletividade (Durkheim, 1983b; Johnson, 1997).
Como, porém, restaurar a ordem na sociedade, fortalecendo
os laços de pertencimento ao grupo? Para Durkheim (1962), aforma possível de restaurar a integração do indivíduo ao grupo
é por meio da educação. Nesse sentido, a educação está inves-
tida de um sentido de educação moral, pois assume a condição
de elemento fundamental na preservação da coesão social. Para
Durkheim, educação é sinônimo de socialização, definida como
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o processo de aprender com as gerações adultas a ser membro
da sociedade. Pela educação os indivíduos aprendem as regras
e, assim, passam a fazer parte do grupo (Rodrigues, 2004).
A sociedade moderna, entretanto, é muito diferenciada
por causa da alta divisão do trabalho. Existem várias formas
de pensar, várias profissões, inúmeros interesses de grupos e
pessoas diferentes. Ora, se ela é muito diferenciada, existem vá-
rios meios morais e várias “maneiras de ser” que os indivíduos
precisam “aprender”. Assim, não é possível um único tipo de
educação para todas as pessoas. Cada grupo deve ter uma edu-cação adequada ao seu meio moral. Meio moral refere-se àque-
le conjunto de regras, normas, modos e maneiras de agir, de
ser, de pensar que indentificam um grupo dentro da sociedade.
Dessa forma, o indivíduo vai aprender a pertencer ao seu grupo,
à sua classe, à sua profissão. Para Durkheim (1962), aprender
a ser médico ou professor, ou qualquer outra profissão, não ésomente aprender uma técnica ou uma teoria, mas aprender a
agir como a sociedade espera que essas pessoas ajam.
Podemos perceber, dessa forma, várias “maneiras de ser”,
pois existem vários meios morais. Note que as pessoas necessi-
tam dessa diferenciação. Só assim cada uma poderá cumprir o
seu papel na sociedade. Apesar dessa diferenciação, todos pre-cisam ter certos valores e crenças em comum. O indivíduo apre-
senta, então, “maneiras de ser” comuns a todos, e “maneiras de
ser” específicas suas ou do seu grupo social. Por isso, Durkheim
(1962) afirma que a educação é ao mesmo tempo homoge-
neizadora e diferenciadora. É homogeneizadora porque deve
perpetuar certos valores comuns à sociedade e diferenciadora
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porque deve preparar as pessoas para os vários meios morais
aos quais elas se destinam. Não seria possível existir socieda-
de moderna sem a homogeneidade, muito menos sem a dife-
renciação. As pessoas precisam ter certas concepções, valores
e ideias em comum, mas também outros que sejam específicos
de seus grupos.
Vamos entender melhor essa questão pensando na maneira
como nós, brasileiros, falamos. anto os que nasceram na região
Norte do Brasil como os que são originários do Sul, do Sudeste
ou do Nordeste falam o idioma português. O português é co-mum a todos. Contudo, cada região, e mesmo cada estado, tem
uma maneira específica de falar. É o sotaque que cada região
apresenta. Podemos perceber que todos falamos uma única lín-
gua – o que possibilita a uma pessoa que mora no Sul do país se
entender com um morador do Amazonas, por exemplo – e to-
dos temos um sotaque de uma região específica – o que permiteidentificar o grupo específico do qual fazemos parte.
Assim, a sociedade aparece para Durkheim como um gran-
de organismo, composto por várias partes distintas que fazem o
todo funcionar, como o corpo humano e os seus órgãos. Se um
órgão não funciona direito, é preciso restabelecê-lo, pois cada
um tem sua função a cumprir. E essa função, como pudemos ver, é aprendida por meio da educação.
Podemos perceber que na concepção que Durkheim tem
da relação entre sociedade e educação está presente uma preo-
cupação com a conservação da sociedade. Aprender a ser seu
membro nada mais é do que conhecer o lugar que irá ocupar
nela e aprender sobre ele (Rodrigues, 2004).
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SínteseSíntesePor seu surgimento e desenvolvimento, a sociologia pode ser
considerada uma ciência tipicamente capitalista. É na socie-
dade capitalista que a sociologia encontra ambiente para seconstituir como ciência. O surgimento dessa sociedade junta-
mente com a industrialização coloca a necessidade de pensar
as consequências da transformação e do desenvolvimento. É
na sociedade capitalista europeia que a sociologia surge como a
ciência que “resolveria” os problemas que a industrialização, a
urbanização e a proletarização iriam colocar. Assim, apresentaum caráter marcadamente positivista. E é com Auguste Comte
que a sociologia ganha o caráter de ciência positiva. A socieda-
de francesa de então apresentava-se para Comte como um caos,
levando-o a propor para a sociologia um grau de positividade
semelhante ao das ciências naturais. A metodologia da sociolo-
gia deveria comportar observação, comparação e classificação,à semelhança do que fazem as ciências naturais, e ainda apre-
sentar uma linha evolutiva – filiação histórica – que permitisse
conhecer o passado e conduzir ao futuro. Comte vê a socie-
dade e os indivíduos marcados pela limitação dentro das leis
naturais da sociedade, as quais devem ser conhecidas para se
avançar na linha evolutiva.A tradição sociológica na França começa com Comte, mas
é com Durkheim que a disciplina adquire sua cientificidade.
Durkheim desenvolve conceitos e concepções importantes,
como o fato social e suas características (exterioridade, coerci-
tividade e generalidade/coletividade), a distinção entre normal
e patológico, os conceitos de anomia social e de solidariedade
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mecânica e orgânica. A preocupação de Durkheim está em deli-
mitar de maneira clara o campo da sociologia, tarefa que come-
ça pela definição de seu objeto – o fato social. Ao mesmo tempo
que faz essa delimitação, Durkheim procura afastar o domínio
da sociologia da influência do senso comum. A ciência – não só
a sociologia, mas todas as ciências – deve ultrapassar as noções
e as concepções do senso comum. Preocupado com a moral e
com ordem social, já que a França passava por um período de
lutas sociais, miséria e desemprego, Durkheim dedica seus es-
forços à questão educacional, pois acreditava que esta poderiarestabelecer os níveis de ordem e moral necessários.
Indicação culturalIndicação cultural
SEIXAS, R. Ouro de tolo. Raul Seixas. In: Krig-Ha, Bandolo!Krig-Ha, Bandolo! Brasil: Philips,1973. Faixa 11.
Nessa música é possível perceber como as realizações que asociedade considera importantes não aparecem dessa forma para
um indivíduo. Comprar um carro, ter um bom emprego, ser al-
guém conhecido e famoso podem ser realizações importante ou
podem ser uma “grande piada e um tanto quanto perigosa”. É
possível interpretar os versos cantados por Raul Seixas, por meio
da análise feita por Durkheim acerca da sociedade moderna,como uma referência à debilidade dos laços que ligam o indiví-
duo ao grupo e à consequente desintegração da sociedade.
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Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1) Indique se as afirmativas a seguir são falsas (F) ou verdadei-
ras (V) no que se refere à concepção positivista:
( ) Propõe uma metodologia para as ciências humanas di-ferente daquela das ciências naturais, uma vez que seus
objetos são distintos.
( ) Considera a ordem social regida por leis invariáveis e
passíveis de serem descobertas, abrindo, assim, a possi-
bilidade de prever o futuro estado das coisas.
( ) A separação entre sujeito e objeto – pesquisador e aquilo
que pesquisa – é impossível, pois os seus valores e cren-
ças sempre influenciariam nos resultados da pesquisa.
Ou seja, não existe ciência neutra e isenta de valores.
( ) As transformações da sociedade – assim como da na-
tureza – obedecem a uma ordem evolutiva: do menos
desenvolvido ao mais desenvolvido.
( ) O progresso é um traço importante no positivismo.
Esse traço pode ser identificado no lema “Ordem e pro-
gresso” que lemos na Bandeira Nacional, o que reme-
te à influência positivista na época da proclamação da
República brasileira.
Está correta a alternativa:
a) F, V, V, F.
b) V, F, V, V.
c) F, F, V, F.
d) F, F, V, V.
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2) Quanto à obra de Auguste Comte, indique se as afirmativas
a seguir são falsas (F) ou verdadeiras (V):
( ) Comte entendia que a sociedade que surgia da Revolução
Francesa estava passando por um momento de desor-ganização e instabilidade. Essa sociedade só poderia ser
reformada com a volta ao passado e aos valores tradicio-
nais do feudalismo.
( ) Comte afirmava que a sociologia seria a última ciência a
se desenvolver, uma vez que o seu objeto de estudo foi o
último a alcançar seu pleno desenvolvimento: a socieda-de europeia.
( ) A sociologia, como ciência positiva, poderia restaurar a
ordem social a partir do momento que conseguisse des-
cobrir as leis que regiam o desenvolvimento das relações
sociais.
( ) A obra de Comte e as reflexões que realizou sobre a so-ciedade e a ciência positivista continuam levantando
questões e subsidiando as respostas a serem elaboradas.
A sociologia comtiana continua, então, com fôlego ex-
plicativo para abordar as questões do presente.
( ) Outra questão apontada por Comte diz respeito à reli-
gião. Como a sociedade estava desorganizada, era preci-so uma religião forte, pois a fé traria novamente a orga-
nização e a estabilidade sociais.
Está correta a alternativa:
a) F, V, V, F, V.
b) V, F, V, V, F.
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c) F, V, V, F, F.
d) F, F, V, V, V.
3) A respeito da obra de Durkheim é correto afirmar:
I. Afirma a predominância do todo sobre as partes, ouseja, o coletivo é maior e mais forte do que o indivíduo.
Assim, existem fatos que encontram a sua origem na es-
fera coletiva, e não no indivíduo.
II. A sociologia de Durkheim rompe totalmente com qual-
quer influência de Comte.
III. A explicação para os fenômenos sociais só pode ser en-contrada no indivíduo, pois é nele que os estados sociais
se manifestam.
IV. As gerações adultas não exercem influências diretas
sobre as gerações mais jovens. Estas procuram sempre
construir algo novo, sem vinculação com o que já estava
pronto.
V. Para Dukheim, o indivíduo só pode ter suas particula-
ridades porque o meio social lhe fornece essas alternati-
vas.
São verdadeiras as seguintes afirmações:
a) I e III.
b) I e IV.
c) I e V.
d) II, III e V.
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4) Marque com “1” as características das sociedades em que
prevalece a solidariedade mecânica e com “2” as caracterís-
ticas das sociedades de solidariedade orgânica:
( ) Indivíduos diferenciados com um alto grau de indivi-dualismo;
( ) Pouca divisão do trabalho, com tarefas definidas basica-
mente pelo sexo dos indivíduos;
( ) Os indivíduos são muito semelhantes entre si. A maioria
domina quase a totalidade das atividades do grupo;
( ) Os indivíduos são muito dependentes uns dos outros,pois a divisão do trabalho é acentuada;
( ) A consciência coletiva é forte, sendo os imperativos so-
ciais muito presentes na vida coletiva;
( ) A consciência coletiva é fraca, abrindo margem para in-
terpretações individuais dos imperativos sociais;
( ) Alto grau de especialização no trabalho e nas atividades,sendo impossível para um indivíduo dominar todas as
funções e atividades do grupo.
Está correta a alternativa:
a) 2, 1, 1, 2, 1, 2, 2.
b) 1, 1, 2, 2, 1, 2, 1.
c) 2, 1, 1, 2, 2, 1, 2.d) 2, 1, 2, 2, 1, 2, 1.
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5) Relacione os conceitos referentes à obra de Durkheim lista-
dos a seguir com as definições apresentadas na sequência:
1. Consciência coletiva
2. Anomia3. Educação
4. Coesão social
( ) Processo de aprendizagem das normas sociais do grupo;
sinônimo de socialização.
( ) Estado da sociedade marcado pela ausência de regras.
( ) Definida pela dependência que cada indivíduo tem emrelação aos outros nas interações da vida social.
( ) Imperativos sociais, como normas, leis, costumes, mo-
dos de agir e pensar, que se encontram no meio social e
se impõem aos indivíduos.
A alternativa que apresenta a associação correta é:
a) 1, 3, 4, 2.b) 3, 2, 4, 1.
c) 3, 2, 1, 4.
d) 4, 2, 1, 3.
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem
Questões para reflexãoQuestões para reflexão
1. Por que podemos afirmar que, para Durkheim, a socieda-
de não é formada pelos indivíduos, e sim os indivíduos
é que são formados pela sociedade?
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2. Durkheim define o fato social como o objeto da sociolo-
gia e propõe tratá-lo como “coisa”. Explique essa pers-
pectiva.
Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática Vivemos claramente numa sociedade de solidariedade
orgânica, com indivíduos muito diferenciados e uma
grande divisão do trabalho. Apesar de sermos muito
diferenciados, temos alguns aspectos em comum. Um
exemplo é a linguagem. Apesar dos vários regionalis-
mos e gírias de grupos específicos, todos falam o por-
tuguês. Isso demonstra que sempre existirão elementos
específicos e elementos comuns a todos, como afirma
Durkheim. Para perceber melhor esse aspecto, realize
uma pesquisa sobre regionalismos ou gírias de grupos
sociais e os seus significados.
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A sociologia de Karl Marx
[Capítulo 3][Capítulo 3]
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Conhecendo um pouco mais a obra de dois sociólogos – Comte
e Durkheim –, já é possível perceber que a análise da sociedade
não se apresenta como uma verdade única. Não há uma úni-
ca nem definitiva resposta, pois os olhares que os pensadores
lançam sobre a realidade são diferentes. Isso não significa que
nunca teremos uma resposta correta sobre como a realidadesocial se organiza, mas sim que essa realidade é tão complexa
que admite várias explicações e problematizações.
Neste capítulo, abordaremos um pensador polêmico, pois,
além de analisar a sociedade de seu tempo, Marx deseja “im-
plodi-la”. Em sua análise, ele afirma que o capitalismo é um sis-
tema contraditório e que a sociedade pode ser explicada combase em suas contradições. Mas, quando diz que o capitalismo
é contraditório, Marx não está querendo simplesmente fazer
uma crítica destrutiva. Essa é sua concepção metodológica. E,
partindo dessa concepção, Marx procede à sua análise toman-
do como base o trabalho, pois, segundo ele, o trabalho é um
elemento essencial para compreender a maneira como os ho-mens vivem.
Veremos, neste capítulo, como Marx formula seu olhar so-
bre o capitalismo tendo como base a contradição presente nes-
se sistema e a maneira como os homens constroem a sociedade
pelo trabalho. Esta última questão se desdobra na concepção
materialista da história e na relação entre estrutura econômicae superestrutura da sociedade.
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Começaremos então com a questão da contradição, que vai
nos ajudar a diferenciar Marx dos dois outros autores vistos
anteriormente.
[3.1][3.1]
A sociologia de Karl MarxA sociologia de Karl MarxO filósofo, economista e sociólogo alemão Karl Marx (1818-
1883) também presenciou os desdobramentos da Revolução
Industrial, como Comte e Durkheim (Aron, 2003). Ele con-
sidera a dinâmica social como portadora de uma ordem evo-lutiva, como faz Comte (1978a, 1978b, 1978c, 1978d, 1983a,
1983b). Ou seja, as sociedades evoluiriam seguindo uma linha
(Sztompka, 2005). Assim, Marx (1968; 1978) entende que o ho-
mem e a sociedade que analisa são produtos de um homem e
de uma sociedade anteriores. Mas as semelhanças entre Comte
e Durkheim param por aí. Existem muitos pontos de distinçãoentre os autores.
Comte e Durkheim (1960; 1983a, 1983b) entendem a so-
ciedade como um organismo, em que cada parte cumpre uma
função específica para o funcionamento do todo. Se uma dessas
partes não está funcionando bem, é preciso “reformá-la”, pois
o seu mau funcionamento afeta toda a sociedade. Existe entãoa ênfase no consenso. Ou seja, esses autores focalizam em suas
análises os aspectos associativos da sociedade. Buscam sempre,
influenciados pelo positivismo, perceber quais são os aspectos
da ordem social que precisam ser mudados para que a socieda-
de se estabilize. Por isso, podemos dizer que Comte e Durkheim
focalizam o consenso da ordem social, na tentativa de reformar
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a sociedade (Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002).
Por outro lado, Marx (1968, 1978) concentra seus esforços
na contradição que a realidade apresenta, isto é, ele vê a contra-
dição como um elemento essencial da realidade. Mas como a
contradição pode ser essencial? emos a ideia de que as coisas
contraditórias não funcionam, não dão certo, e Marx vem dizer
o contrário? Pois é isso mesmo! Segundo Marx, a contradição,
a união de elementos opostos, é a condição para a realidade
se concretizar. Pensemos no processo educativo para ilustrar
essa questão. Podemos dizer que a educação está baseada nacontradição. Alunos e professores são diferentes, pois têm em
si elementos opostos. O professor possui algo que o aluno não
tem, e o aluno deseja alcançar aquilo que ele ainda não é. Mas,
para que a educação e a transmissão de saberes aconteça que,
esses dois sujeitos que apresentam elementos contrários – alu-
no e professor – entram em relação e produzem uma nova re-alidade, que não existiria se eles não se relacionassem. É, então,
dessa maneira que Marx vê a contradição como um elemento
essencial da realidade social e do capitalismo.
Em sua obra, Marx procura fazer uma análise do capitalis-
mo, mas seu objetivo não é apenas proceder a essa análise para
saber como funciona; com isso ele quer poder transformar asociedade, ou seja, produzir uma nova realidade a partir das
contradições do capitalismo (Kammer, 1998).
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Mas transformar em que sentido? E como Marx faz a análi-
se do capitalismo? Para entendermos melhor como essas ques-
tões foram formuladas e respondidas, vamos estudar um pouco
mais sobre a obra de Marx.
[3.2][3.2]
Marx e a análise do capitalismoMarx e a análise do capitalismoComo dissemos, um dos objetivos de Marx era fazer uma análi-
se da sociedade de seu tempo. Se prestarmos atenção nas datas
das obras dos autores – Comte, Durkheim e Marx –, notaremos
que Marx é contemporâneo tanto de Comte como de Durkheim.
Então, a sociedade que Marx analisa é a mesma sociedade euro-
peia resultante da Revolução Industrial e da Revolução Francesa.
Mas seu olhar é um pouco diferente dos olhares dos autores que
já vimos até este ponto. Se eles veem os problemas da sociedade
capitalista que surgia como algo a ser “remediado”, para Marx,
toda a miséria, as desigualdades e principalmente a pobreza da
classe trabalhadora são próprias do capitalismo, ou seja, são ele-
mentos estruturais desse sistema.
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Karl Heinrich Marx Karl Heinrich Marx nasceu em rier, na Alemanha, no dia 5
de maio de 1818. Pertencia a uma família de classe média alta.
Seu pai era advogado. Estudou Filosofia na Universidade de
Berlim. Em 1843, transferiu-se para Paris, onde conheceu otambém alemão Friedrich Engels (1820-1895). Juntamente
com Engels, Marx produziu sua obra e idealizou o socialis-
mo e o comunismo, tendo sempre em vista a organização do
proletariado. As principais obras de Marx são: Miséria da
filosofia (1847), O dezoito brumário de Luis Bonaparte (1852)
e O capital (1867-1894). Destacam-se também as obras queescreveu com Friedrich Engels: A sagrada família (1844), A
ideologia alemã (1845) e Manifesto comunista (1847) (Aron,
2003; Giddens, 2005; Seel, 2002).
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Como vimos, Marx focaliza as contradições e afirma que o
capitalismo é contraditório por excelência. Segundo o autor, as
duas principais contradições da sociedade moderna e capita-
lista se dão, em primeiro lugar, entre as forças produtivas, que
não cessam de crescer, e as relações de produção (relações de
propriedade e distribuição de renda), que não se transformam
no mesmo ritmo; e, em segundo lugar, entre o crescimento da
riqueza e o aumento da miséria (Marx, 1978; Aron, 2003).
Quadro 3.1 − Contradições básicas do capitalismoQuadro 3.1 − Contradições básicas do capitalismo
Desenvolvimento das forças
produtivas
X
Relações de produção
(relações de propriedade
e de distribuição de renda)
Crescimento da riqueza
X
Aumento da miséria
Vamos tentar entender o que significa a contradição entre as
forças produtivas e as relações de produção.
As forças produtivasforças produtivas são formadas pelos meios de produção
e pelo trabalho humano. É assim tudo aquilo que a sociedade
utiliza para produzir os bens necessários à sobrevivência daspessoas. Por exemplo, durante a escravidão no Brasil, a forma
de energia utilizada era a energia animal, e a mão de obra era es-
crava. Durante a Revolução Industrial, na Europa, era utilizada
a energia a vapor e a mão de obra era assalariada. Atualmente,
as formas de energia utilizadas são várias – elétrica, nuclear – e
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a mão de obra também é assalariada em sua maioria. emos
ainda as tecnologias, como a microeletrônica, a tecnologia di-
gital, os melhoramentos genéticos. Enfim, as forças produtivas
constituem todas aquelas forças, meios, técnicas e formas que a
sociedade utiliza para produzir aquilo de que necessita.
Forças produtivasForças produtivas são todas as forças, meios, técnicas e formas
de organizar o trabalho que a sociedade utiliza para produzir
aquilo de que necessita. Inclui as tecnologias, as fontes de energia,
o tipo de trabalho utilizado − trabalho escravo, livre, assalariado,servidão (Marx, 1978; Kammer, 1998; Bottomore, 2001).
Já as relações de produção, constituídas pelas relações de
propriedade e de distribuição, referem-se às formas de distri-
buição das propriedades e dos bens na sociedade (Marx, 1968).
Como exemplo, vamos voltar novamente ao período da escra- vidão. Lá, as relações de propriedade estavam organizadas de
tal maneira que os escravos não possuíam nada, e tudo aquilo
que produziam pertencia ao senhor. Na sociedade capitalista
analisada por Marx (1968, 1978), os trabalhadores são pro-
prietários da sua força de trabalho, enquanto os burgueses são
proprietários dos meios de produção. Para sobreviver, os traba-lhadores – ou proletários – alugam a sua força de trabalho aos
burgueses – ou capitalistas –, recebendo em troca um salário.
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Relações de produçãoRelações de produção são formadas pelas relações de proprieda-
de e de distribuição, ou seja, referem-se aos tipos de propriedade
que existem e como são distribuídos os bens produzidos, de acor-
do com os tipos de propriedade (Sell, 2002; Bottomore, 2001).
Vamos voltar então às contradições apresentadas anterior-
mente. Marx (1968, 1978) percebe que as forças produtivas se
desenvolviam muito. Novas fontes de energia apareciam, novos
materiais, novas técnicas e máquinas. Com isso, produzia-se
cada vez mais e melhor. Por outro lado, as relações de proprie-
dade e de distribuição não se desenvolviam. Os trabalhadores
continuavam proprietários apenas da sua força de trabalho e
continuavam sendo assalariados dependentes do trabalho para
sobreviver. Paralelamente a isso, a riqueza aumentava – reflexo
do desenvolvimento das forças produtivas –, mas aumentavam
também a pobreza e a miséria – como consequência do não
desenvolvimento das relações de propriedade e de distribuição.
Assim, seria necessário superar essas duas contradições, quer
pelo desenvolvimento natural do capitalismo, quer pela revolu-
ção socialista, que aceleraria esse desenvolvimento (Sell, 2002).
É importante termos em mente que a obra de Marx não se
encaixa facilmente no arcabouço teórico de uma única ciência
(Lefebvre, 1979). De certa forma, esse pensador não buscou fazer
sociologia, economia política, filosofia ou história; apesar de sua
obra conter todas essas ciências, o que Marx pretendeu foi com-
preender a gênese do homem social por meio do materialismo
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histórico. Ou seja, ele queria compreender como o homem se
forma em sociedade com base na análise da maneira como essa
sociedade produz os bens necessários à sua sobrevivência.
Vamos pensar em um produto qualquer para entendermos
um pouco melhor essa concepção. Por exemplo, como foi pro-
duzida a cadeira que você utiliza em sua casa ou no escritório?
Por um trabalho voluntário, por um trabalho assalariado ou por
um trabalho escravo? O material empregado para produzi-la
pertencia a quem? Era de propriedade particular, foi retirado
diretamente da natureza durante um ritual religioso ou foi pro-duzida com um novo material, fruto das inovações tecnológicas?
Perceba que todas essas questões remetem ao nível de desen-
volvimento das forças produtivas e às relações de propriedade
e de distribuição. Assim, as formas como os homens produzem
a materialidade de que necessitam condicionam a forma como
vivem (Marx, 1978). Veremos isso em mais detalhes quandoestudarmos a relação entre a estrutura e a superestrutura.
Marx (1968, 1978) visava ao conhecimento de uma totali-
dade – a sociedade capitalista –, e o cerne da busca por essa to-
talidade está na relação entre o homem e suas obras. Em certo
sentido, a pretensão de Marx se assemelha à de Durkheim, ou
seja, descobrir as leis gerais que movem a sociedade. Para che-gar ao entendimento da sociedade capitalista, Marx empreende
a busca por essa “lei geral” que rege a sociedade. E julga tê-la
encontrado. Para ele, o que move a história é a luta de classes.
Para entender a concepção materialista da história e de
como a luta de classes é o motor da história, é preciso entender
a concepção de trabalho em Marx. É o que veremos a seguir.
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[3.3][3.3]
A concepção de trabalho em MarxA concepção de trabalho em Marx e a estrutura econômica da sociedadee a estrutura econômica da sociedade
O trabalho é a interação do homem com a natureza para proversua sobrevivência. É mediante o trabalho que o homem trans-
forma a natureza e produz a materialidade, isto é, todos os obje-
tos de que necessita, como alimentos, ferramentas, casas, mesas,
carros, computadores. Ao produzir materialmente a sua sobre-
vivência transformando a natureza, o homem transforma-se a
si próprio e a totalidade da qual faz parte (Marx, 1978). Assim,os homens, por meio do trabalho, entram em contato uns com
os outros e passam a transformar a realidade que os cerca. O
trabalho promove, então, o intercâmbio com a natureza e com
outros homens. Combinando força física e reflexão intelectual,
o homem foi aumentando cada vez mais sua capacidade de
transformar a natureza (Lessa, 2002). Desenvolveu-se, assim, oque Marx (1968) chamou de forças produtivas.
Como podemos perceber, o trabalho não se dá de maneira
individual e isolada na luta do homem com a natureza, mas
dentro de determinadas relações, “necessárias, independentes
de sua vontade”, com outros homens (Marx, 1978). Em outras
palavras, para viver, o homem precisa inicialmente transformara natureza e nessa transformação estabelece um conjunto de
relações sociais, organizando de modo específico o trabalho e
a propriedade. Intituem-se, assim, formas de propriedade, de
distribuição de divisão do trabalho, que são as relações sociais
de produção. O conjunto destas constitui a estrutura econômica
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da sociedade e é a base real que condiciona todo o conjunto da
sociedade. Sobre essa estrutura econômica se estabelece uma
superestrutura jurídica e política, a que correspondem deter-
minadas formas de consciência, pelas quais os homens tomam
conhecimento de toda a sociedade. Assim, o modo de produ-
ção da vida material condiciona o processo da vida social, polí-
tica e intelectual em geral. Dessa forma, não é possível entender
a política ou a cultura de determinada época sem entender a
relação básica (econômica) que condiciona todo o conjunto da
sociedade (Marx, 1968, 1978).
Figura 3.1 − Superestrutura e estrutura da sociedadeFigura 3.1 − Superestrutura e estrutura da sociedade
SUPERESRUURA JURÍDICA E POLÍICA
Formas de consciência
D
E
T
E
R
M
IN
A
ESRUURA ECONÔMICA DA SOCIEDADE
Conjunto das relações sociais de produção
(relações de propriedade, divisão do trabalho,nível de desenvolvimento das forças produtivas)
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Ao se transformarem, os modos de produzir transformam
toda a sociedade. Assim, a história da humanidade é a histó-
ria dos modos de produção. Segundo Marx, podemos pensar
basicamente em três modos de produção vigentes ao longo da
história: o modo de produção escravista antigo, o modo de pro-
dução feudal e o modo de produção capitalista (Sell, 2002).
E é claro que cada um desses modos de produção tem níveis
próprios de desenvolvimento das forças produtivas e diferen-
tes formas de organização da propriedade e de distribuição. As
forças produtivas e as relações de propriedade e de distribui-ção respondem às perguntas: Como produzem? O que utilizam
para produzir? Quem possui o quê? Como a produção é distri-
buída? No modo de produção escravista antigo, as proprieda-
des são dos senhores, e os escravos produzem as mercadorias
necessárias. É importante ressaltar que os escravos também são
de propriedade do senhor. E é isso que caracteriza os escravos:não ter a propriedade nem do seu corpo.
Assim, no modo de produção feudal, existem senhores e
servos. Diferentemente dos escravos, os servos não são de pro-
priedade dos senhores. Apenas o meio de produção é de pro-
priedade do senhor, que no caso do feudalismo é basicamente
a terra. O servo pertence à terra e serve ao senhor, por meio deuma trama de fidelidades e obrigações entre os dois. Existe uma
relação de servidão, e não de escravidão. No modo de produção
capitalista, os meios de produção pertencem ao capitalista, os
trabalhadores possuem a força de trabalho, e o trabalho é as-
salariado. O capitalista compra a parte da força de trabalho de
que necessita (Aron, 2003).
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Podemos perceber que nos diferentes modos de produção
existem diferentes grupos inseridos nas relações sociais de pro-
dução: senhor e escravo, servo e senhor, trabalhador e capitalis-
ta. Esses grupos constituem as classes sociais (Lefebvre, 1979).
A classe socialclasse social define-se a partir da inserção dos indivíduos na
produção da vida material, ou seja, o que os indivíduos são no
momento do trabalho, se são escravos ou senhores, trabalhado-
res ou patrões. Com base nessas inserções, teremos uma deter-
minada posição em relação às formas de propriedade. O escravonão tem propriedade alguma e o senhor tem a propriedade dos
meios de produção e dos escravos. Os trabalhadores têm como
propriedade a sua força de trabalho e o patrão tem a propriedade
dos meios de produção (Lefebvre, 1979; Bottomore, 2001).
As classes sociais estão em constante conflito, sempre numarelação de oposição e complementaridade. Entretanto, a análise
de Marx mostra que em determinado momento os conflitos já
não podem mais ser resolvidos. Ocorre uma contradição muito
grande entre o desenvolvimento das forças produtivas e as rela-
ções de produção e de distribuição. Existe, então, a necessidade
de mudança, de se estabelecerem novas relações de proprieda-de e de distribuição. Os modos de produção se transformam
mediante a oposição entre os dois principais grupos (ou classes
sociais) que compõem a sociedade. Assim, o modo de produ-
ção escravista se transforma e dá origem ao modo de produção
feudal. Este, por sua vez, se transforma e dá origem ao modo de
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produção capitalista, que também irá se transformar e originar
outro modo de produção.
Quando a base econômica se transforma, passa a ocorrer
uma mudança em toda a superestrutura social, com suas for-
mas jurídicas, intelectuais e culturais (Aron, 2003; Sell, 2002). É
dessa forma que Marx (1968, 1978) afirma que a luta de classes
é o motor da história, pois é ela que faz a história se desenvolver
ao transformar o modo de produção. Podemos perceber como
a maneira pela qual os homens produzem a sua materialidade
condiciona toda a vida social. É isso que Marx chama de mate-rialismo histórico ou concepção materialista da história.
Pelo materialismo históricomaterialismo histórico, a maneira como os homens produ-
zem a materialidade do mundo condiciona a vida social. As gran-
des transformações são as transformações na forma de produzir –
estrutura econômica –, que, por sua vez, transformam toda a so-ciedade (Rodrigues, 2004; Sell, 2002; Bottomore, 2001).
Vamos acompanhar um trecho escrito por Marx em 1859,
em que ele desenvolve a concepção de como a produção da
materialidade determina a estrutura social e a consciência dos
homens sobre essa estrutura:
Na produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações
de produção que correspondem a uma etapa determinada de desen-
volvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade des-
tas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade,
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a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e
política, e à qual correspondem formas sociais de consciência. O
modo de produção da vida material condiciona o processo em geral
da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que
determina a sua consciência. (Marx, 1978, p. 129)
Para Marx (1978), o capitalismo é um modo de produção
que contrasta com os demais modos de produção da história.
Sua especificidade está em produzir mercadorias visando à
acumulação e à reprodução da riqueza social, assegurando osmeios para a apropriação privada da riqueza por aqueles que
são proprietários dos meios de produção.
Na sociedade capitalista as relações de produção definem
dois grandes grupos: de um lado, os capitalistas, donos dos
meios de produção (máquinas, ferramentas, terras, capital)
necessários para transformar a natureza e produzir mercado-rias; do outro, os trabalhadores, ou proletariado, que possuem
como propriedade apenas a sua força de trabalho (Aron, 2003;
Lefebvre, 1979; Sell, 2002). Os capitalistas formam a classe do-
minante, e o proletariado, a classe dominada. A produção na
sociedade capitalista se dá porque capitalistas e trabalhadores
entram em uma relação de complementaridade e contradição.
Na relação de complementaridade, o capitalista só consegue
pôr em funcionamento os seus meios de produção mediante
a força de trabalho dos trabalhadores. O trabalhador, por sua
vez, só consegue sua sobrevivência – reproduzir-se como força
de trabalho – se alugar a sua força ao capitalista. Nesse sentido,
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como dependem um do outro, capitalista e trabalhador são
complementares.
rabalhadores e capitalistas, porém, também se encontram
em oposição. Como exemplo, podemos pensar sobre o salá-
rio. Este é definido como o valor pago ao trabalhador pelo seu
trabalho. Mas nas condições do capitalismo, quanto mais alto
for o salário, mais baixo será o lucro do capitalista. Podemos
afirmar que existem então interesses contraditórios na rela-
ção capitalistas/trabalhadores: capitalistas querem lucrar cada
vez mais pagando salários cada vez menores e trabalhadoresquerem receber salários cada vez maiores. Nesse sentido, tra-
balhador e capitalista estão em oposição, pois seus interesses
são contrários.
Até agora vimos como a estrutura econômica determina a
vida social e um pouco do caráter contraditório que o capitalis-
mo apresenta. O próximo ponto de nossa análise será relativoà maneira como os homens tomam consciência de suas condi-
ções de vida.
[3.4][3.4]
A consciência dos homensA consciência dos homens
e a estrutura econômica da sociedadee a estrutura econômica da sociedadeA concepção materialista da história explica como a socieda-
de se estrutura a partir de sua base econômica e do trabalho.
A análise de Marx mostra como a realidade concreta se apre-
senta, como as relações concretas do homem constroem uma
estrutura social – a estrutura social do capitalismo. Contudo, a
maneira como os homens tomam consciência dessa estrutura
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é diversa da maneira como realmente ela se apresenta (Aron,
2003; Sell, 2002). Ou seja, a maneira como as coisas acontecem
concretamente é diferente da maneira como os homens perce-
bem esses acontecimentos.
Vamos tomar emprestado um exemplo da ótica para enten-
dermos melhor essa ideia. Observe a figura a seguir. As retas
A e B na realidade têm o mesmo tamanho. No entanto, o que
percebemos é que a reta A é menor do que a reta B. Pegue uma
régua, meça as duas retas e você verá que elas têm o mesmo
tamanho. Ou seja, o que percebemos não corresponde à reali-dade tal qual ela é.
Figura 3.2 − Exemplo ótico de divergência da percepçãoFigura 3.2 − Exemplo ótico de divergência da percepção
A B
Fonte: SISEMA..., 2010.
É mais ou menos isso que Marx (1978) quer dizer quando
afirma que a consciência que os homens têm não correspon-
de às reais condições que se apresentam na vida social. Diz ele
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ser necessário distinguir as transformações materiais das con-
dições econômicas de produção das formas pelas quais os ho-
mens tomam consciência da realidade. Contudo,
A consciência que os homens têm dessas relações, segundo Marx,não condiz com as relações materiais que de fato vivem. As ideias,
as concepções sobre como funciona o mundo são representações
que os homens fazem a respeito de suas vidas, do modo como as re-
lações aparecem na sua experiência cotidiana. Essas representações
são, portanto, aparência. Para Marx essas representações implicam,
num primeiro momento, uma falsa consciência, uma consciênciainvertida, pois se prendem à aparência e não são capazes de captar
a essência das relações às quais os homens estão de fato submetidos.
(Rodrigues, 2004, p. 41-42).
Ou seja, os homens têm uma visão distorcida da realidade,
como no caso do desenho das retas colocado anteriormente.
Aqui entra em cena o conceito de ideologia de Marx (1978).
A ideologia designa um conjunto de representações caracterís-
ticas de uma época e de uma sociedade. Essas representações
são produzidas pela prática social em estruturas sociais e mo-
dos de produção determinados (Mészaros, 2006). Porém, essa
prática social produz representações que são aparências da rea-
lidade. A ideologia seria, então, uma falsa representação da rea-
lidade, uma representação errônea da história. A consciência
que o homem como ser consciente possui reflete uma forma
que ele não é.
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IdeologiaIdeologia é o conjunto de representações características de
uma época e de uma sociedade, produzidas pela prática social.
Contudo, segundo Marx, essas representações não correspon-
dem à realidade tal qual ela é; elas são, sim, uma aparência darealidade. A ideologia é como uma “cortina de fumaça” que dis-
torce a visão que os homens têm da realidade (Aron, 2003; Sell,
2002; Bottomore, 2001).
Embotados pela ideologia do sistema capitalista, os traba-
lhadores veem como normal o fato de não serem donos dos
meios de produção nem do fruto do trabalho, recebendo pelo
trabalho executado um salário no final do mês. Não percebem
que foram separados pelo capitalismo do controle autônomo
que exerciam sobre o seu trabalho e também do fruto desse
trabalho (Mészaros, 2006).
Para entendermos um pouco melhor as ideias de Marx, va-
mos analisar como era o trabalho no sistema de corporações
durante o feudalismo, na Idade Média europeia, tema de que
já tratamos um pouco no primeiro capítulo. Durante o perío-
do, a produção se dava basicamente nas oficinas dos mestres
artesãos, os quais detinham todo o conhecimento sobre o pro-
cesso produtivo. Planejavam como iriam fazer o produto, que
materiais iriam utilizar e como venderiam. Eles eram proprie-
tários das ferramentas, do seu tempo e do produto final. Com o
surgimento do sistema de fábricas, os mestres saíram das suas
oficinas e foram trabalhar nas fábricas. Lá, já não eram mais
donos das suas ferramentas, não tinham mais autonomia sobre
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expropriado do seu saber, pois essa relação se dá de forma en-
coberta pela ideologia. O trabalhador vê como normal o fato
de trabalhar, receber um salário no final do mês e não ser dono
daquilo que produz nem dos meios que utiliza para produzir,
enquanto o capitalista fica com o lucro da produção. O traba-
lhador é separado do saber do seu trabalho e também do re-
sultado dele, mas não percebe sua condição. Marx chama esse
trabalho de alienado.
Como consequência dessa forma de trabalho, os homens
adquirem uma falsa consciência da realidade em que estão in-seridos. Eles veem a dominação a que estão submetidos como
um fato natural, como se sempre fora assim. Essa falsa consciên-
cia é fornecida pela superestrutura jurídica e política e obriga
os homens a se comportarem de determinada maneira, como
se fosse a sua própria vontade. E essa é outra característica do
capitalismo: o dominado pensar com a cabeça daquele que odomina, pois o trabalhador acha justo que o capitalista se apro-
prie do fruto do trabalho enquanto ele recebe apenas o salário
(Rodrigues, 2004).
Ora, o sistema de ideias e de concepções ordenadas que pre-
dominam na sociedade faz com que os homens se comportem da
maneira que a classe dominante deseja. Assim, essa classe podecontinuar se apropriando do fruto do trabalho e, enquanto a ri-
queza de alguns cresce, a pobreza dos trabalhadores aumenta.
Podemos perceber que, para Marx, a questão primordial
para os trabalhadores não é apenas o aumento de salários. A
injustiça maior, ou a grande contradição do capitalismo, é o
fato de os trabalhadores não serem proprietários da riqueza
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que produzem (Mészaros, 2002). O salário representa apenas
uma parte da riqueza que o trabalhador produz; o resto da ri-
queza é apropriada pelo capitalista na forma daquilo que Marx
(1968) chama de mais-valia.
Vejamos o que Marx quer nos mostrar com esse conceito.
Com seu trabalho, o homem confere valor às coisas. Voltemos
ao exemplo da cadeira do início do capítulo. Se for uma cadeira
de madeira, um dia ela já foi uma árvore. O homem a retirou da
natureza e a transformou em um objeto novo. Deu àquela árvo-
re, então, um valor que antes não possuía. E isso só foi possívelpor meio do trabalho que realizou. A árvore transformada em
cadeira passou a ser utilizada de outra forma, não mais como
árvore. Adquiriu um valor de uso, pois agora não é mais um
simples pedaço de madeira, mas sim um objeto passível de uso.
Na sociedade capitalista, entretanto, mais do que esse valor
de uso, os objetos têm também um valor de troca, que se refere àquantidade de dinheiro que eles valem no contexto das relações
comerciais do capitalismo. Mas a quantidade de dinheiro que a
cadeira vale não é entregue toda ao trabalhador que a produziu.
Ele só recebe, em forma de salário, uma parte desse valor de troca
que produziu. al parte destina-se para a sua reprodução, para ele
sobreviver e ter filhos que continuem trabalhando e gerando ri-queza. Segundo a análise de Marx, por mais que o salário seja alto,
ele sempre vai se constituir apenas em uma parte da riqueza que
o trabalhador produz. A maior parte é apropriada pelo capitalista
na forma de mais-valia. De forma simples, podemos então definir
mais-valia como a parte da riqueza gerada pelo trabalhador que
não é entregue a ele, mas sim apropriada pelo capitalista.
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No sistema capitalista, o trabalhador é, dessa maneira, al-
guém que confere valor, ou o que Marx (1968) chama de força
de trabalho. Ele é assim denominado porque não planeja mais
o que vai produzir, não tem mais o saber sobre o trabalho, não
possui os meios de produção nem é dono daquilo que produz.
Apenas confere valor aos produtos ao utilizar os meios de pro-
dução do capitalista. O homem trabalhador se esvazia de sua
humanidade e passa a ser apenas força de trabalho. Por outro
lado, as mercadorias que produz como que “adquirem vida”.
Mas como isso é possível?Da seguinte maneira: Marx diz que as relações que se estabe-
lecem nas trocas dos valores de uso não se dão entre aqueles que
produzem e aqueles que necessitam de um produto qualquer.
Isso porque o produto não pertence àquele que o produziu; logo,
a relação não se dá entre os produtores das mercadorias, mas
entre as mercadorias. No sistema de corporações, era o própriomestre artesão que vendia seu produto a outra pessoa. No capi-
talismo, a mercadoria é vendida no mercado e já não tem mais
nenhuma relação com quem a produziu. Uma cadeira passa a
ser igual a um valor em uma determinada moeda. A isso Marx
chama de fetichismo da mercadoria e reificação do homem. Ou
seja, as mercadorias criam vida, e o homem se torna uma “coisa”,um objeto, a força de trabalho que confere valor à mercadoria.
A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir característi-
cas sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como
características materiais e propriedades sociais inerentes aos do
trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos
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individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como re-
lação social existente, à margem deles, entre os produtores do seu
próprio trabalho [...]. Uma relação social definida estabelecida en-
tre os homens assume a forma fantasmagórica de uma relação en-
tre coisa [...]. Chamo a isto de fetichismo, que está sempre grudado
aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias.
(Marx, 1968, p. 81)
Como foi dito no começo deste estudo, o objetivo de Marx
não era apenas compreender o capitalismo, ele queria também
transformá-lo (Aron, 2003). Segundo Marx, assim como acon-teceu com os modos de produção anteriores ao capitalista, este
também iria transformar-se por causa das suas contradições.
Mas, se os homens tomassem consciência da real condição em
que as relações se davam na sociedade capitalista, essa trans-
formação seria acelerada. Com a tomada de consciência pelos
trabalhadores, eles poderiam transformar o modo de produ-ção. Surgiria, então, uma nova sociedade: a sociedade socialista
e, depois, a sociedade comunista. No socialismo, os meios de
produção e a riqueza não pertenceriam mais ao capitalista. Os
meios de produção seriam de propriedade estatal. Após essa
fase, os meios de produção seriam de propriedade coletiva, ou
seja, seriam de todos ao mesmo tempo.
É claro que ainda não chegamos a essa fase da história.
Algumas experiências socialistas podem demonstrar como a
teoria de Marx estava errada nesse ponto. Como exemplo, temos
a ex-União Soviética (URSS), país formado pela união de várias
repúblicas socialistas após a Revolução Russa de 1917. Contudo,
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quando Marx (1968, 1978) afirmou o fim do capitalismo e a
sua substituição pelo socialismo e depois pelo comunismo, ele
estava pensando em um país onde as forças produtivas já esti-
vessem plenamente desenvolvidas. A URSS era um país que fez
a sua revolução socialista quase imediatamente após ter saído
do feudalismo. Assim, não havia ainda desenvolvido plenamen-
te as suas forças produtivas para entrar em contradição com as
relações sociais de produção. Isso não significa dizer que a aná-
lise de Marx não tem validade, uma vez que as suas “previsões”
ainda não se concretizaram (Kammer, 1998). A grande contri-buição de Marx não são as suas “previsões”, mas o arcabouço
teórico que permite levantar questões pertinentes à nossa forma
de organização social. Um bom exercício talvez seja pesquisar
nos livros de história sobre a Revolução Russa de 1917, o que o
ajudará a entender melhor a análise marxista da sociedade.
SínteseSínteseA obra de Marx se constitui numa análise do capitalismo com
base na estrutura econômica que apresenta. Marx nos mostra
como a produção da vida material condiciona toda a socieda-
de. Para isso, parte de um elemento central: o trabalho. A forma
como os homens se inserem no trabalho define a sua posição
na sociedade. Partindo dessa análise, Marx nos apresenta a sua
compreensão materialista da história, mostrando como as trans-
formações da história são as transformações de formas de pro-
duzir e das relações que os homens estabelecem nessa produção.
Na análise que Marx faz do capitalismo aparecem categorias
importantes para pensarmos nossa sociedade, como ideologia,
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classes sociais, mais-valia. Com base nesses conceitos, é possível
ver a sociedade capitalista portadora de uma grande contradição.
Outro ponto importante da análise marxista da sociedade
se refere à relação entre estrutura econômica e superestrutura
da sociedade e a maneira como os homens tomam consciência
das suas reais condições de existência.
Podemos perceber que, se as “previsões” de Marx quanto ao
futuro do capitalismo estavam erradas, suas categorias explica-
tivas ainda têm muita vitalidade para problematizar e analisar
nossa sociedade.
Indicações culturaisIndicações culturaisSARAMAGO, J. Coisas. In: _____. Objeto quase: contos. São Paulo: Cia das
Letras, 1994.
Nesse conto, todos os objetos fabricados pelo homem criam
vida e se comportam de maneira estranha, revoltando-se contra
aqueles que são seus donos. Adquirindo vida, os objetos começam
a sumir e a matar as pessoas, o que torna a vida impossível. Nesse
texto é possível perceber o fetichismo da mercadoria do qual nos
fala Marx. O que aconteceria se as mercadorias se revoltassem
contra aqueles que as utilizam?
MORAES, V. de. Operário em construção. In: _____. Antologia poética.São Paulo: Cia das Letras, 1992.
Esse poema mostra a tomada de consciência de um trabalha-
dor, ao refletir sobre o seu trabalho e a relação com ele. No poema,
o operário vislumbra todo o processo de apropriação de riqueza
que acontecia de forma velada no seu processo de trabalho. De
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um trabalhador alienado ele passa a ser alguém que consegue
atravessar a “cortina de fumaça” da ideologia e enxergar as reais
condições sob as quais se dão seu trabalho e sua vida.
Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação1) A respeito da obra de Marx, indique se as afirmativas a se-
guir são falsas (F) ou verdadeiras (V):
( ) Marx é, sobretudo, um sociólogo, pois sua obra se limita
a analisar apenas os aspectos sociais da realidade, não se
preocupando com a maneira como a história se desen- volve.
( ) Na obra de Marx, a contradição não representa um ele-
mento que indica a impossibilidade de estabelecer uma
relação social. Pelo contrário, Marx afirma que a contra-
dição é um elemento básico da realidade.
( ) Da mesma forma como Comte e Durkheim, Marx pro-cura sempre privilegiar em sua análise os aspectos asso-
ciativos e consensuais da realidade que observa.
( ) Um aspecto essencial para entender a obra de Marx é
compreender a maneira como a produção da vida mate-
rial condiciona a realidade social.
( ) O trabalho é um elemento central da análise de Marx,pois com ele estabelecem-se relações de formas de pro-
priedade, de distribuição de divisão do trabalho, que são
as relações sociais de produção.
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Está correta a alternativa:
a) V, V, F, V, V.
b) F, V, F, V, V.
c) V, F, V, F, F.
d) F, V, F, F. V.
2) Analise as seguintes proposições a respeito da visão de Marx
sobre o capitalismo:
I. O capitalismo pode ser entendido como a história da
expropriação dos trabalhadores, em que eles vão grada-
tivamente perdendo a propriedade dos meios de produ-ção e dos produtos, além do seu saber sobre o trabalho.
II. A ideologia faz com que os homens percebam a sua si-
tuação como normal e natural, impedindo-os de perce-
berem a realidade como realmente se apresenta.
III. Os modos de produção se transformam ao longo da his-
tória, mas não exercem muita influência na organização
total da sociedade.
IV. Ao contrário de Durkheim, Marx não consegue estabe-
lecer em sua obra uma “lei geral” que explique como a
sociedade se organiza e se desenvolve.
V. Uma das principais contradições do capitalismo ocorre
entre o desenvolvimento das forças produtivas e as rela-
ções sociais de produção.
São verdadeiras as seguintes proposições:
a) I e V.
b) II, III e IV.
c) I, II, III e IV.
d) I, II e V.
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3) Relacione os conceitos formulados por Marx que estão enume-
rados a seguir com as definições apresentadas na sequência:
1. Estrutura econômica da sociedade.
2. Ideologia.3. Reificação*.
4. Classes sociais.
( ) É o conjunto de representações características de uma
época, produzidas pela prática social em estruturas so-
ciais e modos de produção determinados.
( ) Define-se com a inserção dos indivíduos nas relações
sociais de produção e das formas de propriedade que
apresentam.
( ) É o conjunto das relações sociais de produção, formado
pelas relações de propriedade, pela divisão do trabalho
e pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas.( ) É o processo pelo qual o homem se esvazia de sua hu-
manidade, tornando-se apenas força de trabalho, que
confere valor à mercadoria.
A alternativa que apresenta a associação correta é:
a) 1, 3, 4, 2.
b) 3, 4, 1, 2.c) 2, 4, 1, 3.
d) 2, 1, 4, 3.
* ReificaçãoReificação: ação de transformar em coisa, em objeto material; trans-
formar o homem em coisa, retirando dele a sua subjetividade.
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4) Analise o seguinte trecho referente aos modos de produ-
ção definidos por Marx e assinale a alternativa que melhor
preenche as lacunas:
No modo de produção _______________ aqueles que produ-zem são de propriedade do senhor, enquanto no modo de
produção _______________ apenas os meios de produção são
de propriedade do senhor, pois existe uma relação de ser-
vidão. Já no modo de produção _______________ aqueles que
produzem são livres.
a) escravista antigo – capitalista – feudalb) feudal – escravista antigo – capitalista
c) socialista – feudal – capitalista
d) escravista antigo – feudal – capitalista
5) Associe os autores estudados até aqui com as afirmativas
que representam suas respectivas reflexões:
1. Comte
2. Durkheim
3. Marx
( ) Entende a contradição como uma condição para a inte-
ração social. A contradição não é impossibilidade, mas
possibilidade de a realidade se concretizar.( ) Entende a sociologia como uma ferramenta que possibi-
litaria a reforma da sociedade por meio da produção de
um consenso moral conseguido com base na ciência e
na razão.
( ) Preocupa-se com a definição de um campo específico
para a sociologia, definindo seu objeto e método.
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( ) Para esse pensador, tanto as ciências como as socieda-
des progridem e evoluem através de uma determinada
ordem.
( ) É considerado o fundador da sociologia moderna, estu-
dando fenômenos sociais importantes, como o suicídio
e a educação.
( ) Poderíamos chamá-lo de “estudioso do capitalismo”. Mas
ele não quer remediar as mazelas desse sistema; quer en-
tendê-lo para realizar a sua “implosão”.
A alternativa que apresenta a associação correta é:a) 3, 1, 2, 1, 2, 3.
b) 2, 1, 3, 1, 2, 3.
c) 3, 1, 2, 3, 2, 1.
d) 2, 1, 3, 3, 2, 1.
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Acompanhe o seguinte trecho sobre o sistema capitalista:
Em todas as outras formas de dominação histórica anteriores, o
dominado sabia que era dominado e sabia quem era seu domina-
dor. O escravo sabia que o seu senhor o mantinha em cativeiro e o
obrigava a trabalhar para si à força, o servo sabia que o dono do
feudo lhe arrancava a maior parte do que plantava e colhia. No ca-
pitalismo, ao contrário, o trabalhador acha que é justo que ele seja
separado do fruto de seu trabalho mediante o pagamento do salário.
O máximo de injustiça contra a qual o trabalhador normalmente
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se revolta diz respeito aos salários baixos e às condições ruins de
trabalho (jornadas longas demais, insalubridade, etc.). (Rodrigues,
2004, p. 47)
Agora escreva um pequeno comentário sobre esse trechocom base no conceito de ideologia de Marx. Depois, compare
seu comentário com os produzidos pelos seus colegas.
2) Procure definir com seus colegas quais são as principais
características do capitalismo, segundo Marx. Anote os re-
sultados a que chegaram e guardem essas anotações paradesenvolver uma atividade no próximo capítulo.
Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática
Retome a pesquisa realizada no capítulo 1, na seção
“Atividade aplicada: prática”, e procure considerá-la sob a
ótica da análise do trabalhador parcial desenvolvida porMarx. Escreva um comentário sobre as conclusões a que
chegou.
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Max Weber e a racionalidade[Capítulo 4][Capítulo 4]
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Pelo estudo sobre Durkheim e Marx, percebemos que esses
pensadores partem do pressuposto de que é possível entender
a relação entre os homens compreendendo a sociedade que os
abriga. Ou seja, uma vez que entendamos como a sociedade se
organiza, poderemos compreender como as pessoas pensam, o
porquê de agirem de determinada maneira, quais são as regrasque seguem. Entendendo o todo – a sociedade –, seria possível
entender as partes – as pessoas, as instituições, a educação, a
organização familiar. É no todo que Durkheim e Marx concen-
tram seus esforços de compreensão, tentando descobrir as “leis
gerais” que regem o seu funcionamento.
al perspectiva fica evidente em Durkheim (1960) quandodesenvolve o seu conceito de fato social, com suas três carac-
terísticas básicas: a coercitividade, a exterioridade e a coletivi-
dade/generalidade. Em Marx (1968, 1978), a ideia da luta de
classes como aquilo que move e desenvolve a história dos ho-
mens, juntamente com sua análise da estrutura econômica da
sociedade, demonstra o peso e a força das estruturas sociaissobre o indivíduo.
Neste capítulo, estudaremos um pouco da obra do pensador
alemão Max Weber (1864-1920), que apresenta uma análise um
pouco diferente das anteriores. Weber não parte da análise do
todo para entender as partes; ele faz o caminho inverso: parte
do indivíduo para entender a sociedade.
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Iniciaremos o capítulo abordando um dos principais con-
ceitos da sociologia weberiana, o conceito de ação social, com
base no qual poderemos compreender a sua “sociologia com-
preensiva”. Outro ponto importante a perceber no nosso estudo
será em relação à análise do capitalismo de Weber, que se dis-
tingue daquela realizada por Marx.
[4.1][4.1]
A sociologia compreensiva de Max WeberA sociologia compreensiva de Max WeberDa mesma forma que Marx, Weber não se limitou a estudar
sociologia. Além dessa ciência, ele estudou e pesquisou sobre
economia, direito, história e filosofia. Escreveu tratados sobre
política, ciência e sobre as formas de dominação. Aprofundou-
se no estudo das religiões, traçando uma relação com o desen-
volvimento do capitalismo e o protestantismo, principalmente
em sua obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, publi-
cado em duas partes, em 1904 e 1905. Em Economia e sociedade
(obra publicada postumamente em 1922), desenvolve um trata-
do de sociologia geral, abordando aspectos econômicos, políti-
cos, religiosos e jurídicos da organização social (Aron, 2003).
O ponto central da sociologia de Max Weber é o conceito
de ação social. A sociologia weberiana procura compreendercomo o ator dá sentido à sua conduta, à sua ação social, que
pode ser racionalmente orientada. Para esse autor, o indivíduo
é sempre portador de uma intencionalidade (Weber, 1994).
Examinando-se o indivíduo e a sua intencionalidade, é possí-
vel compreender as instituições, os grupos, os comportamentos.
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Karl Emil Maximillian WeberKarl Emil Maximillian Weber – Max WeberMax Weber – nasceu no dia
21 de abril de 1864, em Erfurt, na uríngia. De família protes-
tante, seu pai era um influente político liberal de direita. eve
um ambiente intelectual muito estimulante em casa, tornan-do-se precoce intelectualmente. Aos 17 anos cursava Direito,
que precisou abandonar aos 19 anos para prestar o serviço
militar. Um ano depois retomou os estudos. Em 1894 foi no-
meado professor de Economia Política na Universidade de
Friburgo, na Alemanha, transferindo-se para a Universidade
de Heidelberg em 1896. Em 1907 recebeu uma herança, o
que lhe permitiu se aposentar. No entanto, não abandonou
os estudos. Durante boa parte de sua vida adulta, Weber so-
freu com crises nervosas, o que o forçou a parar os estudos
e o trabalho por muitas vezes. Foi casado com Marianne
Schnitger, historiadora e socióloga. Faleceu em Munique, no
dia 14 de junho de 1920. Além das duas obras já menciona-
das, publicou também vários ensaios sobre temas diversos.
(Giddens, 2005; Aron, 2003; Abel, 1972)
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Mas, cuidado! Apesar do fundamento da sociologia webe-
riana ser o indivíduo, isso não indica um desprezo pela esfera
social. Weber (1994, 1977) parte do pressuposto de que somen-
te o indivíduo é dotado de um grau de intencionalidade capaz
de ser apreendido nas situações estudadas. As instituições se-
riam, dessa forma, modos de agir consolidados em sociedade.
Para tanto, Weber (1977) desenvolve seu conceito de açãoação
socialsocial, que constitui o cerne da sociologia weberiana. Vamos
ver como o próprio Weber define ação social:
A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelasações de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas
como futuras [...]. Os “outros” podem ser individualizados e conhe-
cidos ou então uma pluralidade de indivíduos indeterminados e
completamente desconhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa
um bem – de troca – que o agente admite no comércio porque sua
ação está orientada pela expectativa de que outros muitos, emboraindeterminados e desconhecidos, estarão dispostos também a acei-
tá-lo, por sua vez, numa troca futura). (Weber, 1977, p. 139, grifo
do original)
Nem toda ação é social e nem todo contato entre os ho-
mens é necessariamente social, só merecendo a denominação
de social quando está orientada pela ação dos outros. Ou seja,
somente é social quando a ação apresenta um sentido orienta-
do pelos outros. Guarde bem este termo − sentido −, pois ele é
fundamental para entendermos a explicação de Weber sobre a
sociedade. Vamos tentar exemplificar o que Weber quis dizer
com seu conceito de ação social.
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Quando estamos andando na rua e abrimos o guarda-chuva
porque começa a chover e todas as outras pessoas fazem isso ao
mesmo tempo, não ocorre uma ação social, porque a atitude de
abrir o guarda-chuva é tomada com relação à chuva e não com
relação aos outros. Agora, vamos supor que um indivíduo este-
ja parado em um semáforo e todos começam a andar, mesmo
com o sinal ainda vermelho. O indivíduo avança porque todo
mundo já está andando. Isso é uma ação social, porque é uma
atitude tomada em relação aos outros. A atitude de avançar o
sinal é tomada porque o indivíduo é influenciado pelos outros.É, então, um comportamento que tem um sentido orientado
pela ação dos outros.
A ação social, entretanto, não é apenas uma imitação. Se um
indivíduo simplesmente imita a “massa”, isso não significa que
seja uma ação social apenas porque leva em consideração a ação
dos outros. A ação social só ocorre quando há uma atribuiçãoatribuiçãode sentidode sentido, quando existe uma relação significativa entre a con-
duta do indivíduo e o comportamento dos outros, que ele leva
em consideração no seu ato. O indivíduo que avança o sinal
porque os outros avançam toma uma atitude dotada de sentidosentido.
Ele pode pensar “Vou avançar o sinal porque nesta rua já é um
costume avançar o sinal” ou então “Vou avançar o sinal porque,se eles não respeitam as regras, por que eu devo respeitá-las?”.
No primeiro caso, o sentido que o indivíduo atribui a seu ato
está ligado a um costume. É o costume que todos têm que dá
sentido ao ato do indivíduo. No segundo caso, o indivíduo age
com base em um valor. Já que todos avançam o sinal vermelho,
ele também pode avançar, pois é igual a todo mundo.
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Pelo exemplo dado, podemos perceber, primeiro, que o sen-
tido que o indivíduo atribui à sua ação pode ser muito variado
e, segundo, que o indivíduo é um ponto-chave na sociologia
weberiana. Em Weber (1977, 1994), a possibilidade de entender
a sociedade e suas instituições passa pela análise do comporta-
mento dos indivíduos. Ou seja, a tarefa da sociologia consiste
em determinar qual o sentido ou o significado da ação social.
Com base nessa perspectiva, contudo, a realidade social apa-
rece como infinita: já que os sentidos que os agentes podem dar à
ação social também são infinitos, como pode o sociólogo moni-torar e compreender todos os motivos do comportamento social?
Segundo Weber, isso não é possível. O pesquisador social nunca
poderá captar toda a realidade, mas apenas uma parte dela. Além
disso, na seleção dos fragmentos dessa realidade a serem investi-
gados estarão presentes os valores do investigador (Aron, 2003).
rata-se de um processo subjetivo, que, no entanto, não compro-mete a objetividade do conhecimento, desde que o investigador
leve em conta, na interpretação das ações e das relações, os valores
que ele atribui ao próprio ator social, isto é, àquele que pratica a
ação, e não os seus próprios valores (do investigador).
Ação socialAção social é aquela ação orientada pela ação dos outros. Os “ou-
tros” podem ser um indivíduo ou uma coletividade. Pode ser des-
conhecido ou conhecido. Nem toda ação entre os homens é de
caráter social. Somente o é quando tem um sentido dirigido pela
ou para a ação dos outros. Dessa forma, a simples imitação não
poder ser uma ação social, ela somente será social quando houver
um sentido, um significado atribuído à conduta (Weber, 1977).
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Para Weber (2002; 1994), a sociedade não é superior ao in-
divíduo, como em Durkheim, ou uma estrutura que se impõe,
como em Marx. A realidade social aparece como uma “teia”*, for-
mada pelas relações entre os indivíduos. Não é possível descobrir
as “leis gerais” que orientam as interações sociais, simplesmente
porque essas leis não existem. O que o sociólogo pode descobrir
e estudar é o sentido que o indivíduo confere à ação que empre-
ende (Aron, 2003; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002). Assim,
podemos afirmar que, para Weber, a sociedade é uma “teia”*, que
se forma pela interação de vários indivíduos (Rodrigues, 2004).É claro que Weber não se contenta em afirmar que os sen-
tidos da ação podem ser infinitos e que a realidade social é im-
possível de ser apreendida como um todo. Já vimos que, em
sua opinião, o cientista social só pode apreender um aspecto
da realidade, um recorte. Mas como ele resolve a questão dos
sentidos da ação que podem ser infinitos? Para resolver esseproblema, ele constrói uma tipologia das ações sociais. É isso o
que veremos na próxima seção.
[4.2][4.2]
A tipologia da ação socialA tipologia da ação social
Na sua tentativa de compreender os fenômenos sociais, Weberestabelece uma tipologia das ações sociais. A construção de
uma tipologia faz parte de sua metodologia (Aron, 2003). As
várias tipologias constituem um recurso que Weber chamou de
* O termo teia foi empregado no sentido encontrado em Rodrigues
(2004, p. 61).
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tipo ideal . Como o próprio nome já diz, o tipo ideal não existe
em estado puro na realidade, apenas teoricamente. É uma idea-
lização, uma construção mental feita pelo investigador com
base nos vários aspectos históricos e sociais dos elementos que
deseja estudar (Weber, 1994; Sell, 2002).
Após a construção desse tipo ideal, o investigador observa o
aspecto da realidade que pretende estudar e procura ver o quanto
essa realidade se distancia ou se aproxima do tipo ideal constru-
ído teoricamente. Essa é a metodologia de Weber. Perceba, mais
uma vez, que Weber não deseja descobrir “leis gerais”, mas sim“compreender” os fenômenos sociais. Por isso a sociologia webe-
riana é uma sociologia compreensiva; ela pretende compreender
os sentidos da ação social (Aron, 2003; Sell, 2002).
O tipo idealtipo ideal é uma construção teórica elaborada pelo pesquisa-
dor com base em vários aspectos históricos. É utilizado como ins-trumento de pesquisa, possibilitando verificar se a realidade a ser
estudada se aproxima ou se distancia do tipo ideal construído. O
tipo ideal nunca será encontrado tal e qual na realidade, sendo
apenas uma construção teórica. É um recurso metodológico (Sell,
2002; Johnson, 1997).
Vejamos como Weber constrói a sua tipologia das ações so-
ciais. Segundo o autor, as ações sociais podem ser de quatro
tipos: 1) racional com relação a fins; 2) racional com relação a
valores; 3) afetiva; 4) tradicional (Weber, 1977, 1994).
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Na ação racional com relação a finsação racional com relação a fins, o indivíduo – ou agente,
ou ator – age tendo em vista os meios mais adequados para os
fins desejados. Na ação racional com relação a valoresação racional com relação a valores, o ator
procura o fim desejado agindo racionalmente de acordo com
um valor, que pode ser moral, estético ou religioso. O terceiro
tipo de ação social, a ação afetivaação afetiva, é determinado por estados
afetivos ou emocionais; em última instância, é “irracional”. E a
ação tradicionalação tradicional é determinada por um costume, uma tradição
que é passada ao longo do tempo.
Quadro 4.1 − ipologia das ações sociaisQuadro 4.1 − ipologia das ações sociais
Racional comRacional com
relação a finsrelação a fins
RacionalRacional
com relaçãocom relação
a valoresa valores
AfetivaAfetiva radicionalradicional
O ator age
racionalmente,selecionando
e utilizando
os meios mais
adequados
para alcançar
o fim desejado.
O ator age
racionalmente,com base em
um valor, para
alcançar o fim
desejado. O
valor pode ser
estético, moral
ou religioso.
O ator age
emotiva eemocional-
mente para
alcançar o
fim deseja-
do. Pode ser
considerada
“irracional”.
O ator age
com base natradição e
nos costumes
para alcan-
çar o fim
pretendido.
Para esclarecer melhor esses conceitos, vamos seguir os
mesmos passos metodológicos de Weber (1977, 1994) e olhar a
realidade com base nesses tipos ideais de ação social. omemos
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os tipos de ação descritos anteriormente e comparemos com a
realidade. É claro que a nossa “realidade” aqui vai ser um exem-
plo hipotético, mas poderá nos ajudar a compreender melhor
essa tipologia e de que maneira ela funciona.
Vamos supor que uma garota queira comprar uma calça
nova. O fim desejado por ela é comprar a calça. Se ela agir ra-
cionalmente com relação a fins, terá de escolher o melhor meio
para conseguir a calça. Poderá economizar dinheiro e de posse
dele fazer uma pesquisa para efetuar a compra no lugar mais
barato. Isso é uma ação social com relação a fins. Por outrolado, se ela se guiar por um valor estético, poderá não comprar
a calça mais barata, mas sim a mais barata entre as que mais
lhe agradarem, segundo o valor estético que utiliza. Essa é uma
ação racional com relação a valores. Ela também poderá agir de
maneira emotiva e deixar-se levar pelo impulso, adquirindo a
calça na primeira loja que vir e praticando uma ação afetiva. Sea jovem comprar a calça em uma loja em que sua família sem-
pre faz compras, ela estará seguindo um costume, uma tradição.
Nesse caso sua ação será tradicional.
Para Weber, o indivíduo é sempre portador de racionalida-
de, em menor ou maior grau, pois ele atribui sentido à sua ação.
A ação é dotada de intencionalidade. Contudo, é errado pensarque Weber quer apenas estudar o indivíduo, esquecendo-se das
instituições sociais, como a família, o Estado, a Igreja (Aron,
2003). Para ele, quando o indivíduo age, leva em consideração
não só o comportamento dos outros, mas também as normas
sociais institucionalizadas e consolidadas na sociedade. odos
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agem influenciados pelas normas estabelecidas (Sell, 2002).
Note que tais normas não são somente leis escritas, mas cos-
tumes e convenções. Porém, ao mesmo tempo que as normas
influenciam a maneira de o indivíduo agir, são resultado das
ações dos indivíduos. É o mesmo que dizer que os indivíduos
fazem as normas e também são feitos por elas.
Preste atenção em mais este termo − maneira de agir . Ele é
importante para entendermos como o indivíduo faz as normas
e, ao mesmo tempo, é produto delas.
Weber (1994) distingue duas maneirasmaneiras ou modos de agirmodos de agir.O primeiro ele chama de agir em comunidade, e o segundo, de
agir em sociedade.
O agir em comunidadeagir em comunidade está baseado em expectativas e na
probabilidade. O indivíduo baseia a sua ação na expectativa em
relação ao comportamento dos outros, ou seja, ele age espe-
rando que o outro se comporte de determinada maneira. Porexemplo, você caminha pela rua e avista seu professor vindo
em sua direção. Você o cumprimenta e ele responde ao seu
cumprimento. Você agiu assim porque esperava que o seu pro-
fessor também o cumprimentasse. Não existe nenhuma lei que
diga que “todo aluno é obrigado a cumprimentar seu professor
na rua”. É como se você pensasse: “Provavelmente meu profes-sor responderá ao meu cumprimento”. Essa é uma maneira de
agir baseada na pessoalidade e na afetividade.
Já o agir em sociedadeagir em sociedade é baseado em regulamentos e em
normas sociais vigentes, ou, em outras palavras, em leis. Aqui o
indivíduo age baseado nesses regulamentos sociais em uso, pois
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espera que os outros indivíduos também se baseiem neles para
agir. Na escola temos a regra de que a aula começa em deter-
minado horário. odos agem e se comportam com base nessa
regra. Perceba que isso não significa que todos sempre cumpri-
rão a lei ou regra, mas sim que agirão baseados nela. Roubar é,
obviamente, proibido por lei. Contudo, existem pessoas que in-
fringem essa regra, por um motivo ou por outro. Mas mesmo a
maneira de agir dessas pessoas que infringem a lei é baseada na
regra. Aquela pessoa que roubar vai procurar se esconder, fugir,
despistar ou disfarçar, pois sabe que infringiu uma regra. Então,o seu agir é baseado na regra que infringiu. Podemos dizer que
essa é uma maneira de agir baseada na impessoalidade.
Quadro 4.2 − Diferença entre o agir em comunidade e o agirQuadro 4.2 − Diferença entre o agir em comunidade e o agir
em sociedadeem sociedade
Agir em comunidadeAgir em comunidade Agir em sociedadeAgir em sociedade
em por base expectativas e
probabilidades. O ator baseia o
seu agir esperando que o outro
se comporte de determinada
maneira.
em por base regulamentos e
normas sociais vigentes. O ator
baseia o seu agir nas regras
estabelecidas.
Você deve ter percebido que Weber fala muito em raciona-
lidade e em regras. Ele fala sobre a ação social racional, o agir
segundo as regras, os regulamentos sociais vigentes. Pois bem,
segundo Weber (1994, 1999), a racionalidaderacionalidade é um dos prin-
cipais elementos da ordem social. Entendia ele que a sociedade
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moderna está passando por um crescente processo de racio-
nalização. As pessoas estariam utilizando-se cada vez mais de
elementos racionais para guiar e organizar sua vida. Elas esta-
riam escolhendo os meios mais adequados, avaliando as conse-
quências futuras, tendo como base o conhecimento técnico e o
desenvolvimento da ciência. Assim, a tradição, as concepções
mágicas e religiosas estariam perdendo lugar para o conheci-
mento técnico na organização da vida das pessoas. A sociedade
estaria passando, então, por um processo que Weber chama de
racionalização.Há algum tempo era muito comum as pessoas recorrerem
às chamadas benzedeiras. Elas eram procuradas por quem tinha
problemas de saúde, por exemplo, e realizavam benzimentos que
curavam os males daqueles que as procuravam. Assim, quando
alguém ficava doente, poderia ir até uma benzedeira para que
ela fizesse um benzimento e ele ficasse bom. Hoje, essas pessoasperderam o seu espaço, pois a maioria procura os médicos quan-
do fica doente. Isso porque a crença no “poder” das benzedeiras
de curar enfraqueceu. Por outro lado, a “crença” no conheci-
mento científico aumentou. A concepção mágica ou religiosa
não é mais considerada legítima. “Acredita-se” muito mais em
um médico do que em uma benzedeira. Note que não estamoscontestando a eficiência da benzedeira ou de outras formas de
conseguir o bem-estar fora da medicina tradicional. Essas for-
mas também têm a sua eficácia. O que é importante perceber é
o triunfo da ciência e da técnica sobre outras formas de organi-
zação da vida. Weber (1994) chama o processo de abandono de
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concepções mágicas e religiosas em favor da técnica e da ciência
de desencantamento do mundo, ou ainda de secularização* .
Segundo Weber, o processo de racionalizaçãoprocesso de racionalização é o abandono das
concepções mágicas e tradicionais como formas de explicação e
orientação da vida social, em favor de formas cada vez mais pre-
cisas, organizadas e burocratizadas. É uma adaptação cada vez
maior entre meios racionais para se conseguirem os fins desejados
(Weber, 1994).
A racionalização da sociedade não significa, entretanto, ape-
nas o triunfo do conhecimento científico e técnico sobre as for-
mas tradicionais, mágicas e religiosas. Ela vai criando também
cada vez mais e mais regras e normas que, como vimos, são
levadas em conta na hora de os indivíduos agirem e tomarem
suas decisões (Aron, 2003; Weber, 1994). Você percebe comoo agir em comunidade vai se transformando cada vez mais no
agir em sociedade? Pois é. Segundo Weber, é isso mesmo que
acontece. E, nesse processo, as normas e as leis criadas têm um
lado positivo, pois tornam o mundo mais inteligível às pessoas.
Imagine você no seu primeiro dia de trabalho sem conhecer
nenhuma lei ou regra que organiza a rotina diária da empresana qual trabalha. Quando você passa a conhecer essas regras, as
coisas ficam bem mais fáceis. Você fica sabendo qual é a hierar-
quia, quais são os horários e as tarefas que precisa cumprir; o
mundo fica mais organizado.
* SecularizaçãoSecularização: processo de declínio da influência da religião.
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Mas por que as pessoas obedecem às leis e às normas criadas
pela racionalização da sociedade? Por causa da legitimidade: as
pessoas obedecem às regras ou guiam o seu comportamento
pela existência delas não apenas porque temem a punição que
elas impõem, mas porque estão convencidas de que elas são
verdadeiras, porque há um consenso em torno da necessidade
de obedecer, mesmo que não se obedeça. Aceitar uma lei ou
regra como legítima é, então, acatá-la como verdadeira.
Aqui surge, porém, outra indagação: como e por quem são
feitas as regras? Elas são feitas por aqueles indivíduos que con-seguem impor a sua vontade. Para entendermos melhor essa
questão, vejamos como Weber (1994) desenvolve sua tipologiatipologia
da dominaçãoda dominação.
As pessoas que conseguem impor sua vontade são aquelas
que exercem a dominação, definida por Weber como a proba-
bilidade de contar com a obediência daqueles que teoricamentedevem obedecer. A obediência está ligada ao reconhecimento,
por parte daqueles que obedecem, de que as ordens que lhes
são dadas são legítimas, ou seja, são aceitas como verdadeiras.
Então, aqueles que dominam têm o poder de impor a sua von-
tade e ditar as regras. Assim, poder é diferente de dominação:
poderpoder é a capacidade de impor a vontade, e dominaçãodominação é a pro-babilidade de encontrar obediência. Além disso, a maneira de
impor a vontade e ditar as regras numa relação social pode va-
riar. Por isso, Weber distingue três tipos básicos de dominação:
a dominação carismática, a dominação tradicional e a domina-
ção racional-legal.
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A dominação carismáticadominação carismática tem sua legitimidade apoiada na
crença de que a pessoa ou pessoas que mandam têm um poder
mágico, sobrenatural ou religioso e também um caráter heroi-
co. É o caso de Jesus Cristo, que pode ser considerado um líder
carismático porque seu poder está ligado a dons mágicos e reli-
giosos. A dominação tradicionaldominação tradicional está apoiada na crença em um
poder sagrado herdado das tradições. Esse tipo de dominação
se refere àquele poder passado de geração em geração dentro de
uma tradição, como é o caso dos reis, por exemplo. A dominadomina--
ção racional-legalção racional-legal tem seu fundamento na legalidade da lei e nalegitimidade do poder daqueles que fazem essas leis e normas. É
o caso da nossa legislação. Aceitamos essas leis porque as pes-
soas que a fazem são consideradas legitimadas em suas funções.
Os vereadores, os deputados, os senadores e o presidente da
República são legitimados pela eleição, que é considerado o meio
mais “racional” para escolher os representantes e os legisladores.Em outras palavras, na dominação racional-legal as pessoas obe-
decem porque o líder ou aquele que manda ocupa determinada
posição na estrutura burocrática.
Ainda no que se refere à dominação racional-legal, o exercício
da autoridade depende de uma estrutura composta de um qua-
dro administrativo de funcionários hierarquizado e profissional.O presidente da República não pode governar um país sozinho,
assim como o presidente de uma empresa não pode administrá-la
sozinho. Eles dependem de profissionais treinados que conheçam
as normas e as regras e “operem” os meios que lhes permitam exer-
cer o seu poder. Surge, então, a burocracia, que aparece na sociolo-
gia weberiana como o modo moderno de extrair a obediência das
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pessoas. A própria etimologia da palavra revela essa dimensão res-
saltada por Weber (bureau: escritório; kratos: poder). Dessa forma,
o processo de racionalização da sociedade é acompanhado tam-
bém por um processo de burocratização (Weber, 2002, 1994, 1999;
Aron, 2003; Sell, 2002; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002).
Quadro 4.3 −Quadro 4.3 − ipologia da dominaçãoipologia da dominação
CarismáticaCarismática radicionalradicional Racional-legalRacional-legal
Baseia-se em um
poder mágico,
religioso. O líder
carismático encar-
na um herói, um
salvador.
Baseia-se em umpoder herdado na
tradição. O líder
tradicional governa
por uma “herança”.
Baseia-se na legi-
timidade das leis e
na posição que os
indivíduos ocu-
pam na estrutura
burocrática.
Como vimos, a racionalização pode ser positiva, na medi-
da em que torna o mundo mais organizado e inteligível para
as pessoas. Por outro lado, Weber tem uma visão pessimista
da racionalização: ela acaba provocando uma perda de senti-
do, pois transforma o homem em um “cumpridor de regras”,
aprisionando-o numa “jaula de ferro” (Aron, 2003).
Com o aparecimento de cada vez mais regras e normas a
serem cumpridas, o homem moderno perderia sua individuali-
dade e autonomia, estando cada vez mais subordinado à autori-
dade das leis. Elas inibiriam toda a criatividade e inventividade
dos indivíduos, pois tudo estaria previsto pelas regras.
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Perceba que as leis, as regras e as normas são criadas com o
objetivo de facilitar a vida do homem, tornar a vida mais orga-
nizada e o mundo, inteligível. Mas elas acabam produzindo um
“efeito colateral”. Weber (1994) afirma que as sociedades moder-
nas são cada vez mais complexas, e os objetivos dos indivíduos
passam a ser cada vez mais conflituosos. As regras surgem tam-
bém como maneira de organizar conflitos. Já imaginou se todos
fizessem o que quisessem, sem nada para guiar suas condutas?
Então as regras e os regulamentos são meiosmeios para se alcan-
çar um fimfim, seja ele qual for. Acontece que esses meios acabamse transformando em fins em si mesmos (Weber, 1994), ou seja,
os homens não cumprem mais as regras para alcançar um fim
desejado, mas sim com o único propósito de cumpri-las. É aí
que ocorre a perda de sentido na sociedade moderna, pois não
é mais o fim que guia as ações; os próprios meios se transfor-
mam em fins.Um exemplo pode nos ajudar a compreender melhor essa
questão da perda de sentido. Vamos pensar na chamada que é
feita em todas as escolas para verificar quais alunos estão pre-
sentes na aula. A lista ou o livro de chamada é um procedimen-
to criado com o pressuposto de que todo aluno deve chegar no
horário e de que todo aluno deve assistir um número mínimode aulas para garantir seu aprendizado. Isso é uma norma, uma
regra burocrática, que orienta o comportamento dos indiví-
duos em busca de um fim, que é a aquisição de conhecimentos
ou a capacitação. Entretanto, essa norma pode se transformar
em um fim em si mesma quando os alunos ou o professor vão à
aula unicamente tendo em vista a presença no livro de chamada.
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Nesse caso, o fim se perde, e o que era apenas um meio se trans-
forma em fim. Não se comparece à aula pelos conteúdos a se-
rem aprendidos ou ministrados, mas pela presença que todos
devem ter segundo o que a lei orienta ou estabelece.
Assim, a racionalização e a burocratização acabam trans-
formando o homem moderno em um “cumpridor de regras”, o
que faz com que esses processos levem à perda de sentido e de
liberdade (Weber, 1994).
E o que tudo isso tem a ver com o capitalismo? É o que
veremos na próxima seção ao estudarmos um pouco uma dasprincipais obras de Weber.
[4.3][4.3]
“A ética protestante e o espírito“A ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weberdo capitalismo”, de Max WeberEm A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber (1999)
procura relacionar aspectos da religião com o comportamen-
to humano, com o objetivo de compreender o capitalismo.
Estabelecer essa relação não é nenhuma inovação metodológi-
ca, pois muitos pensadores já haviam feito o mesmo. O aspecto
inovador da obra de Weber está na particularidade de relacio-
nar seitas protestantes e uma conduta capitalista que consideraparticular do Ocidente (Aron, 2003; Sell, 2002). A relação mais
específica é entre uma ética – uma conduta pregada pela reli-
gião – e uma conduta requerida pelo sistema capitalista. Mas,
no âmbito do protestantismo e do capitalismo, Weber tam-
bém limita os elementos que entrarão em sua análise. Assim,
ele demonstra que existe uma “afinidade eletiva” entre a ética
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protestante e a atividade capitalista moderna, ou o que chama
de espírito do capitalismo.
De maneira resumida, Weber entende por espírito do capi-
talismo uma conduta que busca legalmente o lucro por meio de
uma adequação racional e planejada entre meios e fins, asso-
ciada a uma atitude rígida em relação aos prazeres e ao gozo
desse lucro, tendo o trabalho como resultado e expressão de
uma virtude (Aron, 2003).
O trabalho aparece, no contexto da ética puritana, como a
atividade do homem na terra. É a essa atividade que o homemdeve dedicar a sua vida; é essa atividade a vocação do protestante.
E a vocação do homem protestante implica determinada condu-
ta profissional que se identifica com a conduta do capitalismo;
não aquele capitalismo que se expressa na busca incontrolável
pelo lucro, mas o capitalismo ocidental, que associa a ideia de
uma economia livre a uma racionalidade. E essa vocação se ex-pressa no trabalho, que não é mais um castigo de Deus lançado
sobre a humanidade ao expulsar Adão e Eva do paraíso, mas que
se torna uma virtude e um chamamento divino (Chaui, 1999).
Analisando trabalhos de outros autores sobre a ética e a
conduta puritana, Weber destaca a ênfase que essa ética e essa
conduta dedicam à riqueza e à aquisição desta na vida do ho-mem religioso. Em certo sentido, o princípio da ética puritana –
a ascese* – parece ser contrário à aquisição de riqueza. Porém,
tal aversão à riqueza refere-se mais às consequências que ela
* AsceseAscese: doutrina que prega a renúncia ao prazer, o triunfo do espírito
sobre os instintos e as paixões.
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pode trazer, ou seja, ao ócio, à vida desregrada, do que à sua
propriedade propriamente dita.
O que está em jogo não é somente a riqueza, mas o trabalho,
que é o meio de consegui-la. Nos estudos analisados sobre a éti-
ca puritana no capítulo V de sua obra, Weber mostra que há, na
ética puritana, uma pregação quase apaixonada pelo trabalho –
tanto físico como intelectual – duro e constante. A riqueza só
se torna um “inconveniente” dentro dessa ética na medida em
que dispensa a realização do trabalho. Este se torna a finalidade
da própria vida. E o homem rico, assim como o homem pobre,não deve se furtar ao trabalho. A riqueza não exime o homem
do trabalho, pois é um meio de glorificar a Deus.
Nem o rico pode comer sem trabalhar, pois mesmo que não precise
disto para o seu sustento, ainda assim prevalece o mandamento de
Deus, que deve ser obedecido por ele, tanto quanto pelo pobre. Isto
porque todos, sem exceção, recebem uma vocação da ProvidênciaDivina, vocação que deve ser por todos reconhecida e exercida. Essa
vocação não é, como no luteranismo, um destino ao qual cada um
se deva submeter, mas um mandamento de Deus a todos, para que
trabalhem na sua glorificação. (Weber, 1999, p. 211)
O ato de trabalhar constitui um estado de graça do homemna terra, a maneira de glorificar a Deus. E deixar de glorificar a
Deus – ou seja, não trabalhar – para se dedicar a outras ativida-
des é fugir de sua vocação religiosa:
A perda de tempo, portanto, é o primeiro e o principal de todos os
pecados. A duração da vida é curta demais, e difícil demais, para es-
tabelecer a escolha do indivíduo. A perda de tempo através da vida
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social, conversas ociosas, do luxo, e mesmo do sono além do necessá-
rio para a saúde – seis, no máximo oito, horas por dia – é absoluta-
mente indispensável do ponto de vista moral. Não se trata assim do
“Time is Money” [tempo é dinheiro] de Franklin, mas a proposição
lhe é equivalente no sentido espiritual: ela é infinitamente valiosa,
pois, de toda hora perdida no trabalho redunda uma perda de tra-
balho para a glorificação de Deus. (Weber, 1999, p. 112)
A vida deve ser regrada, sem desperdícios de tempo. Perder
tempo, segundo a ética puritana, é deixar de agradar a Deus. E
como agradar a Deus? A resposta dada pela ética puritana é aseguinte: trabalhando de maneira racional e ordenada.
Outro ponto importante a que Weber chama a atenção no
capitalismo ocidental refere-se à separação do local de trabalho
da esfera doméstica. Essa separação entre a casa e o local de
trabalho é fator de grande importância no processo de raciona-
lização do trabalho, pois dá a ele certa “independência” das ou-tras atividades; deixa de ser um elemento da vida doméstica e
passa a ser submetido a uma outra lógica, uma lógica racional.
Com a passagem para uma sociedade industrial, houve
uma severa reestruturação dos hábitos de trabalho, que antes
era condicionado por um ritmo natural. Antes dessa passagem
para uma sociedade industrial, havia pouca demarcação en-
tre o local de trabalho e a casa. A casa era o local de trabalho,
e os familiares eram os colegas de ofício. Além da falta dessa
diferenciação, o uso do tempo era irregular. A irregularidade
marcava os dias e as semanas de trabalho. O trabalho e a vida
doméstica não se diferenciavam; o trabalho não tinha um lugar
específico nem um tempo determinado (Tompson, 1991).
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A fábrica ou empresa capitalista como local de trabalho
diferenciado da vida doméstica é mais do que a concentração
dos trabalhadores e dos meios de produção em um único local.
Significa também, e sobretudo, a organização do trabalho em
novos moldes: uma organização capitalista orientada racional-
mente para o lucro (Decca, 1993). Como já foi dito, não é ape-
nas a procura do lucro que caracteriza uma conduta capitalista
moderna. O que é importante é a procura racional do lucro, a
adequação entre meios e fins. A separação entre a casa e o local
do trabalho – que marca o surgimento da fábrica – permite aracionalização e o disciplinamento do trabalho, o que, junta-
mente com os princípios de uma ética protestante, influencia
na configuração do capitalismo.
Assim, com o estudo realizado nessa obra, Weber mostra
como a ética protestante fornece ao homem determinada ma-
neira de ser que irá encontrar correspondência no capitalismo.É uma conduta racional fornecida pela religião que favorece o
surgimento do capitalismo. Weber não afirma que essa ética é a
única causa do capitalismo, mas sim um elemento que colabora
com seu surgimento.
Se Marx vê como especificidade do capitalismo o fato de
esse regime acumular e produzir riqueza social, garantindo osmeios para a apropriação privada dessa riqueza, Weber vê no
capitalismo a manifestação de uma racionalidade ainda não en-
contrada em outros tempos e locais. Para ele, o ponto central
do capitalismo é a racionalização da conduta humana.
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SínteseSíntese
As reflexões de Max Weber sobre a sociedade não visam à
descoberta de “leis gerais”, como aquelas empreendidas por
Durkheim e Marx. O ponto de partida da sociologia weberiana
se encontra no indivíduo, pois é a partir dele que se abre a possi-
bilidade de entendimento da ordem social e das instituições. A
sociologia weberiana é uma sociologia compreensiva, uma vez
que pretende compreender a ação social em seu curso e seus
efeitos. Assim, a ação social se configura no conceito nuclear
de Weber. Com essa perspectiva metodológica, Weber constrói
suas tipologias, utilizando-se dos tipos ideais.
Em relação à sociedade moderna, Weber distingue o agir
em comunidade do agir em sociedade e mostra como a socie-
dade moderna se caracteriza por um crescente processo de ra-
cionalização e burocratização da vida, em que as concepções
mágicas, religiosas e tradicionais vão pouco a pouco sendo
substituídas pela crença na eficácia da ciência.
Esse processo de racionalização tem um lado positivo, pois
torna o mundo mais desenvolvido e mais organizado, mas tam-
bém tem seu lado negativo. Segundo Weber, a racionalização
da vida acaba ocasionando a perda de sentido e a perda da li-berdade ao transformar o homem em um “cumpridor de re-
gras”. As regras e as normas, criadas como meios para alcançar
os objetivos pretendidos, acabam se transformando em fins em
si mesmas. A vida tende a se tornar vazia e sem sentido, e o
homem fica condenado a viver aprisionado pelas regras criadas
por ele mesmo.
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Indicação culturalIndicação cultural
ORWELL, G. 1984. São Paulo: Nacional, 2008.
George Orwell relata nessa obra a realidade de uma socie-
dade altamente racionalizada e burocratizada. Escrito em 1948,
o livro mostra a perda de sentido de uma suposta sociedade do
futuro, em que a vida e a conduta das pessoas perdem totalmente
o caráter pessoal, orientado-se para a obediência a um Estado
autoritário e ditador.
Além de apontar a questão da racionalização e da perda de
sentido, para a qual Weber nos chama a atenção, o livro é inte-
ressante, pois é dele que é retirada a ideia dos reality shows (por
exemplo, o Big Brother Brasil).
Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1) A respeito da obra de Weber, é correto afirmar:I. Procura o estabelecimento de “leis gerais”, pois entende
que, ao compreender como a sociedade funciona (o todo),
entenderá também a maneira como as pessoas se compor-
tam e o funcionamento das instituições sociais (as partes).
II. Sua sociologia compreensiva tem como ponto de par-
tida o indivíduo. Ele é considerado um ser dotado deintencionalidade, e a explicação da sociedade passa pri-
meiramente pelo entendimento do sentido de sua ação.
III. Weber afirma que os tipos ideais existem na realidade.
Segundo o autor, todo tipo ideal ocorre primeiro na rea-
lidade para somente depois servir como método de pes-
quisa.
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IV. Para Weber, a sociedade não é algo possível de captar
na sua totalidade. O que o sociólogo pode compreender
são recortes dessa realidade, uma vez que a realidade so-
cial é como uma “teia” que se forma pela interação dos
indivíduos.
VII. Weber considera que a sociedade moderna está passan-
do por um intenso processo de racionalização, com o
abandono das concepções mágicas e tradicionais.
São verdadeiras as seguintes afirmações:
a) I, II e III.b) II, III e IV.
c) II, III e IV.
d) II, IV e V.
2) Classifique as situações especificadas a seguir como agir emagir em
sociedadesociedade (1) ou agir em comunidadeagir em comunidade (2), segundo a defi-
nição de Weber:
( ) Pedir a segunda chamada de uma avaliação na escola ou
na faculdade.
( ) Emprestar um livro numa biblioteca.
( ) Emprestar um livro de um conhecido.
( ) Presentear um colega de trabalho no seu aniversário.
( ) Cumprimentar seu professor ou seu chefe na rua.
( ) O soldado que cumprimenta seu superior na rua.
( ) A emissão de um cheque pré-datado.
( ) A renegociação de uma dívida em um banco.
( ) Declarar o Imposto de Renda ou fazer a Declaração de
Isento.
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( ) Dirigir um veículo no trânsito.
( ) Presentear a mãe no dia das mães.
Agora, assinale a alternativa correta:
a) 1, 1, 2, 1, 2, 2, 1, 1, 2, 2, 1.
b) 2, 1, 1, 2, 2, 1, 2, 1, 1, 1, 2.
c) 1, 1, 2, 2, 2, 1, 2, 1, 1, 1, 2.
d) 1, 1, 2, 2, 2, 1, 1, 1, 1, 1, 2.
3) De acordo com a problematização de Weber sobre o processo
de racionalização, assinale V para verdadeiro e F para falso:
( ) Pode significar ao mesmo tempo liberdade e aprisiona-mento para os homens.
( ) É típico das sociedades mais tradicionais, em que a vida
é inteiramente controlada.
( ) Nas sociedades modernas, é acompanhada pelo pro-
cesso de burocratização.
( ) Weber tem uma visão pessimista da racionalização, pois
esta provocaria a perda de sentido e de liberdade.
( ) A racionalização é o triunfo das explicações mágicas e
tradicionais sobre a ciência e a técnica.
( ) O capitalismo é um período que apresenta uma raciona-
lização não encontrada em outros tempos da história da
humanidade.
Agora, assinale a alternativa correta:
a) V, F, V, F, F, V.
b) F, F, V, V, F, F.
c) V, F, V, V, F, V.
d) V, F, V, F, F, V.
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4) Acompanhe os trechos da obra de Weber a seguir:
O “impulso para o ganho”, a “ânsia do lucro” de lucro monetário
o mais alto possível, não tem nada a ver em si com o capitalismo.
Esse impulso existiu e existe entre garçons, médicos, cocheiros, artis-tas, prostitutas, funcionários corruptos, soldados, ladrões, cruzados,
jogadores e mendigos – ou seja, em toda espécie e condições de pes-
soas, em todas as épocas de todos os países da Terra, onde quer que,
de alguma forma, se apresentou ou se apresenta, uma possibilidade
objetiva para isso.[...]
Agora, contudo, o Ocidente desenvolveu uma gama de significadosdo capitalismo e o que lhe dá consistência – tipos, formas e direções
– que nunca antes existiram em parte alguma [...].
O Ocidente, todavia [...] veio conhecer, na era moderna, um tipo
completamente diverso e nunca antes encontrado de capitalismo: a
organização capitalística racional assentada no trabalho livre (for-
malmente pelo menos). (Weber, 1999, p. 4-7)
De acordo com o que você estudou sobre a obra de Weber e
o trecho citado acima, marque a alternativa correta:
a) Weber realiza uma crítica ao capitalismo pela forma
como leva as pessoas a buscarem o lucro acima de tudo.
b) Weber destaca o caráter inédito do capitalismo, em queexiste a busca do lucro associada a uma racionalidade
não encontrada anteriormente.
c) A análise do capitalismo mostra o caráter contraditório
que esse sistema apresenta.
d) O trecho revela como a análise weberiana do capitalismo
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e da ética puritana apresentam o trabalho como um cas-
tigo divino, daí o desenvolvimento da racionalidade
moderna.
5) A respeito da metodologia de Weber, é correto afirmar:a) Desenvolve uma tipologia das ações sociais que aparece
como uma construção teórica para abordar aspectos da
realidade.
b) A sociologia compreensiva busca apenas o estabeleci-
mento das tipologias, os chamados tipos ideais.
c) O indivíduo tem pouca importância na metodologiaweberiana, já que o objetivo é desenvolver uma sociolo-
gia que explique o todo e não as partes.
d) Os sentidos atribuídos à ação, segundo Weber, (1977,
1994, 1999, 2002), são infinitos e, por isso, impossíveis
de serem estudados.
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem
Questões para reflexãoQuestões para reflexão
1. Procure fazer uma comparação entre as análises que
Marx e Weber fazem do capitalismo. Faça a comparaçãoelencando tópicos referentes aos dois autores.
2. Um comandante nazista acusado pela morte de milhares
de judeus durante o Holocausto defendeu-se no tribu-
nal com a seguinte frase: “Eu estava apenas cumprindo
ordens”. Com base nesse fato, discuta em grupo o posi-
cionamento do acusado à luz do que Weber fala sobre oprocesso de burocratização da sociedade.
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Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática
Enfocando um dos assuntos analisados por Weber, vamos
fazer um exercício para percebermos o processo de raciona-
lização da sociedade.
Segundo a tradição católica, o primeiro papa foi o apóstolo
Pedro. O trecho do Evangelho de São Mateus, no capítulo
16, versículos 13 a 19, é considerado o momento em que
Jesus nomeia Pedro como o primeiro papa. Recentemente,
tivemos a nomeação do papa Bento XVI. Para perceber o
processo de racionalização da sociedade, leia o trecho indi-
cado desse Evangelho e depois pesquise como foi nomeado
o último papa. Em seguida, escreva um pequeno comentá-
rio comparando os dois momentos.
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Indivíduo e sociedade[Capítulo 5][Capítulo 5]
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Neste capítulo, diferentemente dos anteriores, não abordare-
mos a obra de nenhum autor específico. Apresentaremos al-
guns conceitos básicos de sociologia que, apesar de parecerem
de fácil domínio, são essenciais para que você possa realizar
leituras e estudos posteriores.
Assim, abordaremos os conceitos de socialização, culturae instituições sociais. Contudo, antes da leitura do capítulo, é
importante termos em mente que tais conceitos são também
processos que ocorrem na sociedade, guardando, assim, um di-
namismo. Outro ponto importante é que os conceitos não são
fechados em si mesmos; eles apresentam uma grande relação
entre si. Logo, não é possível pensar a socialização separada-mente da cultura ou das instituições sociais, embora, para tra-
tarmos de suas definições, assim apareçam aqui.
[5.1][5.1]
O processo de socializaçãoO processo de socialização
odos temos particularidades e individualidades que nos diferen-ciam dos outros. Contudo, vimos no segundo capítulo, ao estudar-
mos a obra de Durkheim, que muito daquilo que achamos que é
originalmente nosso nos é fornecido pela sociedade. Hábitos, jei-
tos, manias, gostos e costumes diferenciados nos conferem uma
individualidade, mas, com base nas ideias de Durkheim, podemos
nos perguntar o quanto dos outros existe em nós.
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Por outro lado, muitos outros elementos nos parecem na-
turais. Comer, andar e falar são atividades que fazemos com
regularidade e naturalidade, pois não precisamos ficar pensan-
do como andar, como nos dirigirmos aos nossos conhecidos
ou como falar nossa língua nativa, na maioria das situações.
Entretanto, também muitos desses elementos que julgamos
naturais no nosso dia a dia nos são fornecidos pela sociedade.
Dizendo de outra maneira, é como se a coletividade fizesse a
imposição de padrões sociais às condutas individuais. A socie-
dade impõe a nós – à semelhança do fato social de Durkheim –as regras, os padrões e as normas que ela possui. Mesmo nas
nossas funções fisiológicas existe “a mão da sociedade”, regu-
lando e colocando regras.
Essa imposição dos padrões sociais, das regras, das normas
e dos valores da sociedade e sua assimilação pelo indivíduo
recebem o nome de processo de socialização (Berger; Berger,1977b).
O termo imposição, da maneira como ilustrado acima, pode
ter um tom muito forte, o que nos faz pensar que a sociedade
age como se não tivéssemos outra escolha. Pressupõe que a so-
ciedade nos sufoca e realiza a sua imposição como uma pena,
um castigo, que impossibilita nosso livre-arbítrio e desenvolvi-mento. A imposição aparece como algo maléfico, negativo. Mas
somente por meio dela é que podemos viver, conviver e desen-
volver nosso potencial (Berger; Berger, 1977b).
Vejamos um exemplo da imposição dos padrões sociais nas
funções fisiológicas entre os membros de uma sociedade e, ao
mesmo tempo, relativizemos essa noção.
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O uso do banheiro é um exemplo de como as funções fi-
siológicas são submetidas aos padrões de conduta social. Na
nossa sociedade existe a preocupação em ensinar as crianças
a usar o banheiro. Ele é o local específico para realizar as ne-
cessidades fisiológicas. O aprendizado para seu uso acontece
quando ainda somos crianças. Se nos distanciarmos um pouco
daquilo que consideramos “natural” – o uso do banheiro –, po-
deremos perceber como esse aprendizado é um tanto rígido. A
criança aprende a ir ao banheiro forçada pela mãe ou pelo pai e
pode ser alvo de medidas punitivas se não realizar a tarefa comsucesso. Imagine o que aconteceria a uma criança de 6 anos
de idade que começasse a frequentar a escola e ainda não sou-
besse usar o banheiro. Provavelmente seria discriminada ou
pelo menos se tornaria alvo de brincadeiras dos colegas. Nesse
caso, poderíamos dizer que a socialização é um processo extre-
mamente rígido, mas necessário.Por outro lado, quanto à alimentação, por exemplo, a socia-
lização não configura um processo de aprendizado tão rígido.
Vamos recorrer a outro contexto social, apresentado por
Berger e Berger (1977b) a respeito desses dois elementos: o uso do
banheiro e a alimentação. No exemplo a seguir, serão apresenta-
das as práticas de um grupo étnico do Quênia, os gusii. Vejamosprimeiro as práticas alimentares da criança nessa sociedade:
Os gusii não conhecem qualquer horário de alimentação. A mãe
amamenta a criança toda vez que esta chora. De noite, dorme nua
sob uma coberta, com a criança nos braços. Na medida do possível
a criança tem acesso ininterrupto e imediato ao seio materno [...].
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Mas existem outros aspectos das práticas alimentares dos gusii que
nos impressionam por um ângulo totalmente diverso. Poucos dias
após o nascimento, a criança passa a receber um mingau como
complemento alimentar ao leite materno. Segundo indicam os da-
dos de que dispomos, a criança não demonstra muito entusiasmo
por esse mingau. Mas isso não lhe adianta nada, pois é alimentada
à força. E a alimentação à força é realizada duma maneira bas-
tante desagradável: a mãe segura o nariz da criança. Quando esta
abre a boca para respirar, o mingau é empurrado dentro da mesma.
(Berger; Berger, 1977b, p. 202)
Nesse exemplo, o processo de socialização mostra uma su-
posta faceta de imposição e mesmo desumanidade. Mas isso
aos nossos olhos, pois para os gusii é algo normal, um costume
passado de geração em geração. Um membro de nossa socie-
dade poderia ficar horrorizado ao presenciar essa forma de ali-
mentar a criança. Por várias vezes, certamente, já presenciamosmães tentando entreter as crianças com brincadeiras e ence-
nações para fazê-las comer, mas nunca empurrando a comida
pela boca da criança; ou, se isso ocorre, não se constitui em
uma atitude que receberia aprovação.
A seguir, vamos acompanhar a socialização das crianças
gusii em relação às necessidades fisiológicas:
Entre os gusii, o treinamento para o uso do banheiro resume-se na
tarefa relativamente simples de fazer a criança defecar fora de casa.
Em média, essa tarefa é iniciada aproximadamente com a idade
de vinte e cinco meses, e concluída mais ou menos dentro de um
mês. Uma vez que as crianças não usam vestes na parte inferior
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do corpo, não existe o problema de molhar a roupa. Ensina-se-lhes
que devem proceder com discrição no desempenho da função eli-
minatória, mas ao que tudo indica, elas o aprendem por meio dum
simples processo de imitação, independente de ameaças ou sanções.
(Berger; Berger, 1977b, p. 203)
Aqui, tendo como base os nossos padrões culturais e de so-
cialização, a suposta “desumanidade” das práticas alimentares
dá lugar a um “desleixo”.
Outro ponto que os exemplos mostram é a importância do
processo de imposição dos padrões sociais ao qual nos subme-temos. Revelam também que a imposição não é algo “perverso”
ou “desumanizante”. Pelo contrário, ela nos permite desenvol-
ver nossas potencialidades individuais.
O que aconteceria se não houvesse a imposição dos padrões
sociais à nossa conduta individual? Simplesmente não seríamos
humanos, pois é a sociedade que nos faz humanos. Não apren-
deríamos a usar o banheiro como nossos pares, não saberíamos
comer, falar nem mesmo andar.
O trecho a seguir, que apresenta um caso acontecido na
Índia em 1920, demonstra como é a convivência em sociedade
que nos humaniza:
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente nu-
merosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala,
vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um
ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito
anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu
comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos
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lobos. Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joe-
lhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés
para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer
de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e be-
biam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo
os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia
acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas
durante a noite, procurando fugir e uivando como os lobos. Nunca
choraram ou riram. Kamala viveu durante oito anos na instituição
que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis
anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha umvocabulário de cinquenta palavras. Atitudes afetivas foram apa-
recendo aos poucos. Ela chorou pela primeira vez por ocasião da
morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram
dela e às outras crianças com as quais conviveu. A sua inteligência
permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e
depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo aexecutar ordens simples. (Aranha; Martins, 1993, p. 2)
O caso das meninas Amala e Kamala demonstra a impor-
tância da socialização. odos nós passamos por essa imposi-
ção da sociedade ou, poderíamos dizer, por esse processo de
educação, que nos permite desenvolver nossas potencialidades.Por meio dele passamos a ser membros de uma coletividade e
é ele que propicia o desenvolvimento de nossa individualidade
e personalidade.
O processo de socialização não se interrompe; ele é con-
tínuo. Começa no dia em que nascemos e só termina no dia
em que morremos. Não é também aceito passivamente pelos
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indivíduos e pelos grupos. Estes estão sempre reelaborando a
herança que recebem das gerações mais velhas. Se assim não
fosse, a sociedade não mudaria nunca, já que as pessoas apren-
deriam sempre os mesmos gestos, hábitos e gostos e os passa-
riam igualmente para seus descendentes.
O processo de socialização é acompanhado do processo de
interiorização. Eles são indissociáveis; sem a interiorização não
existe socialização. A interiorização ocorre quando os signifi-
cados, os valores e as normas do mundo social são interioriza-
dos na consciência dos indivíduos; aquilo que anteriormenteera experimentado fora da consciência passa a fazer parte dela.
Com a interiorização o indivíduo começa a se identificar com
as normas sociais e as toma como suas. A criança que sempre
ouve sua mãe dizendo para não se sujar, cresce e se torna um
adulto que não mais necessita de uma voz externa que o lembre
dessa regra, pois ela passa a fazer parte dele.
SocializaçãoSocialização é o processo de aprender a ser membro de uma
sociedade, adquirindo seus costumes, hábitos, gostos, técni-
cas, sentimentos, normas, valores e maneiras. É um processo
contínuo, que nos permite desenvolver nossas potencialida-
des. Podemos ainda dizer que é a imposição de padrões so-ciais às condutas individuais (Berger; Berger, 1977b).
É por esse processo de socialização e interiorização que
passamos a pertencer a um grupo social específico, que pode
ser amplo ou restrito, aprendendo e adquirindo os costumes,
os gostos, os hábitos, as tradições, as técnicas, as normas, os
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valores, as maneiras e os modos de fazer característicos desse
grupo. Retome o exemplo dos diferentes sotaques, presente no
capítulo 2, para perceber que a maneira como nos socializamos
nos confere uma distinção, que permite nossa identificação
com determinado grupo social.
A socialização também nos confere uma identidade. Em
sociologia, a identidade se refere à forma e aos elementos que
possibilitam uma compreensão sobre o que os indivíduos são
e sobre o que é significativo para eles (Giddens, 2005). Essa
compreensão e essa significação são formadas com a exclusãode outras compreensões e significações. Assim, os indivíduos
se identificam com determinados atributos, que dizem ao mes-
mo tempo sobre o que eles são e sobre o que eles não são. Um
brasileiro é brasileiro porque se identifica com os atributos de
sua cultura e não com a cultura argentina ou americana. Uma
variação dessa identidade é a identidade social, que é atribuídaaos indivíduos pelos outros. O político honesto ou corrupto
precisa ser reconhecido e identificado como tal pelos outros,
não basta apenas ele querer ser uma coisa ou outra. Podemos
perceber que, ao mesmo tempo que a identidade social indica
aos outros o que o indivíduo é, também define quem ele é.
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A identidadeidentidade refere-se à forma e aos elementos que possibili-
tam uma compreensão sobre o que o indivíduo é e sobre o que
é significativo para ele. É dada por essas formas de compreensão
e significação e é formada com a exclusão de outras formas decompreensão e significação. Assim, a identidade diz ao mesmo
tempo sobre o que o indivíduo é e sobre o que ele não é (Giddens,
2005).
É comum em sociologia considerar a socialização em duas
etapas. A socialização primáriasocialização primária é aquela que ocorre na infân-
cia, quando as crianças aprendem a língua, os padrões básicos
de comportamento, as posturas corporais (o uso do banhei-
ro, por exemplo). Nessa fase, a família é o principal agente de
socialização. Este se refere aos grupos e ao contexto em que
ocorre o aprendizado cultural, o processo de socialização
(Berger; Berger, 1977b).
A socialização secundáriasocialização secundária ocorre na infância, quando ou-
tros agentes de socialização passam a atuar: a escola, o grupo
de iguais, o trabalho, a televisão, a mídia. Quando o indivíduo
aprende uma profissão, por exemplo, passa por um processo
de socialização (Berger; Berger, 1977b). Lembremos Durkheim
(1962), que afirma não bastar a um indivíduo aprender os co-
nhecimentos técnicos para ser médico, é preciso agir como tal.
E esse “agir” é dado pela socialização secundária. Quando al-
guém muda de posição social, adapta-se às sequelas de uma
doença ou mesmo muda de emprego ou escola, podemos dizer
que está passando por um processo de socialização.
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Quadro 5.1 − Diferença entre socialização primária e socializaQuadro 5.1 − Diferença entre socialização primária e socializa--
ção secundáriação secundária
Socialização primáriaSocialização primária Socialização secundáriaSocialização secundária
Ocorre na infância, quando a
criança aprende a língua, os
padrões básicos de comporta-
mento, as posturas corporais.
O principal agente de socializa-
ção é a família.
Ocorre a partir da infância,
com o contato com outros
agentes de socialização, como
a escola, o trabalho, o grupo de
iguais, a mídia.
A socialização é, então, o processo de aprender a ser mem-
bro da sociedade, adquirindo todos os elementos menciona-
dos anteriormente; nada mais é então do que adquirir cultura
(Berger; Berger, 1977b). A antropologia é o ramo das ciências
sociais especializado no estudo da cultura. Na próxima seção,
analisaremos algumas contribuições da antropologia e da so-
ciologia para o estudo da cultura, para melhor entendimento
da socialização.
[5.2][5.2]
A culturaA culturaAssociamos cultura às manifestações artísticas, como o teatro,
o artesanato, a música, o folclore. ambém podemos associar
cultura ao conhecimento. Nesses termos, uma pessoa que tem
“cultura” seria “culta” porque estudou muito. Contudo, na so-
ciologia, o conceito de cultura é um pouco diferente: inclui a
primeira concepção, mas a aprimora, e considera falsa a segun-
da, que a trata apenas como conhecimento.
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Na sociologia, cultura se refere a um sistema de símbolos e
significados, compartilhados por membros de uma sociedade,
que torna possível a vida em comum. Compreende todos aque-
les elementos que fazem parte do processo de socialização: os
gostos, os gestos, os sentimentos, os hábitos, as tradições, as
maneiras. A cultura compreende tanto aspectos materiais – ob-
jetos, símbolos, tecnologia – quanto aspectos imateriais – cren-
ças, hábitos, ideias e valores (Giddens, 2005; Johnson, 1997).
Assim, muito daquilo que sentimos, pensamos e fazemos
nos é fornecido pela cultura. Quando afirmamos isso, não es-tamos considerando um ato de forma isolada, sem nenhum
significado. Uma pessoa que faz uma oração na sua casa o faz
porque aquilo tem um sentido para ela e para outras pessoas.
Desse modo, no conceito de cultura, é importante ressaltar o
aspecto do compartilhamento. Cultura sempre se refere a as-
pectos, significados, valores e símbolos compartilhados.Além de compartilhados, esses elementos também são
aprendidos, isto é, não são transmitidos geneticamente (Laraia,
1993). O pai que gosta de futebol não transmite esse gosto ao fi-
lho pela genética, mas por processos culturais. O gosto é trans-
mitido culturalmente.
Podemos considerar que a cultura funciona mais ou menoscomo um “programa de computador”, em que nós somos as
máquinas. Quando nasce, toda pessoa tem plenas condições
de se desenvolver e compartilhar a cultura de qualquer povo
ou grupo social, assim como um computador pode receber um
ou outro programa. Uma criança nascida no Japão e trazida
imediatamente para o Brasil será socializada aqui e por isso
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compartilhará a cultura brasileira, ou seja, os símbolos, os gos-
tos, as maneiras, os valores e as normas dos brasileiros.
Os grupos sociais se identificam como tais e se definem pe-
los valores, crenças e significados que compartilham; em suma,
pela cultura que têm em comum. Um brasileiro, ao enxergar
uma camiseta amarela com o número 10 impresso nas costas,
logo se lembrará da Seleção Brasileira de Futebol, ou de um jo-
gador famoso. Um canadense ou russo talvez não tenha a mes-
ma concepção. Isso porque a camiseta amarela e o futebol são
símbolos compartilhados pelos brasileiros, são elementos denossa cultura que apresentam um significado compartilhado.
Ao longo da história, as sociedades elaboram suas culturas,
com seus significados e símbolos, recebendo influências de ou-
tras culturas (Laraia, 1993). A cultura de um país, de um grupo
ou de um povo é, então, como se fosse uma colcha de retalhos,
em que cada pedacinho é um elemento próprio ou emprestadode outra cultura. Um exemplo da influência de outras culturas
na elaboração de uma cultura específica é a introdução do fu-
tebol no Brasil.
O futebol chegou ao Brasil trazido da Inglaterra, em 1894,
por Charles Miller. Nesse país, o futebol era um esporte prati-
cado pelas elites. Até 1904, no Brasil, era proibido aos jogado-res o uso de calções acima dos joelhos, e as camisas deveriam
ter mangas compridas e colarinho, com uma gravata! A torcida
era composta de senhoras da elite, com vestidos de festa, que le-
vavam sombrinhas para se proteger do sol. udo isso era copia-
do da Inglaterra. Entretanto, com o passar do tempo, o futebol
perdeu o seu caráter elitista e se transformou em um esporte
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popular e de massa. Mais do que isso, o futebol no Brasil adqui-
riu outro significado – de esporte de elite a esporte de massas –,
que é compartilhado por muitos brasileiros.
O exemplo do futebol também nos mostra que as culturas
são dinâmicas. Os símbolos, os significados e os valores são cons-
tantemente reelaborados pelos indivíduos que compartilham a
cultura. O conflito entre gerações muitas vezes é resultado de
diferentes interpretações dos valores e das práticas sociais.
Há alguns anos, a prática de “ficar”, típica do comportamen-
to dos jovens nos dias de hoje, seria impensável. Nos anos 1950,a maneira como os jovens se comportavam era outra. As rela-
ções pessoais se davam pelo compartilhamento de outras prá-
ticas e convenções. Acompanhe o trecho a seguir para termos
uma ideia de como era esse comportamento:
Basta que o jovem leitor converse com seus pais e compare a nossa
vida cotidiana com a dos anos 50, por exemplo. Ele poderá, en-tão, imaginar estar em plena noite, postado diante de um espelho,
ajeitando o nó triangular da sua gravata, bem no centro de seu
colarinho, mantido reto pela ação de hastes de barbatana. Poderá
também imaginar o sentimento de vaidade ao reparar quão bem
passado está o seu terno de casimira azul. Enfim, estava pronto
para brilhar em mais um baile. Antes, porém, de entrar no salão,não dispensará o reforço de uma dose de bebida, seguida do masti-
gar de um chiclete capaz de disfarçar o forte cheiro de aguardente.
Com esta dose adicional de coragem, o jovem estaria apto para au-
daciosamente atravessar o salão e, numa discreta mesura diante da
escolhida, perguntar: “A senhorita me dá o prazer desta dança?”
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Tudo estaria bem com a resposta afirmativa da moça. Mas, se esta,
rompendo os limites da etiqueta, não aceitasse o convite, o mundo
abria aos pés do jovem, que voltava murcho e cabisbaixo para o
seu lugar, lamentando a “bruta tábua que levara”. (Laraia, 1993,
p. 102)
Essa forma de comportamento está superada na nossa so-
ciedade, porque os jovens têm outras práticas em relação ao
comportamento.
Compreender essa dinâmica da cultura é importante para
aceitar as várias diferenças entre as gerações, as diferenças entreos grupos dentro da mesma cultura e entre as diferentes culturas.
Esse ponto é importante, pois o homem tende a ver o mundo
pela sua ótica cultural. udo aquilo que se afasta do que sua cul-
tura apresenta como “normal” é visto de forma depreciativa.
Podemos definir culturacultura como um sistema de símbolos e significa-
dos compartilhados por determinado grupo social. Ela compreen-
de aspectos materiais – como os objetos, os símbolos e a tecnologia
– e aspectos imateriais – como as crenças, os hábitos, as ideias, as
normas, os valores, as maneiras. A cultura é aprendida e compar-
tilhada pelos membros de um grupo social. É dinâmica e está em
constante transformação e ressignificação (Laraia, 1993; Johnson,
1997).
Os padrões de comportamento de uma cultura são sempre
estranhos às pessoas que dela não compartilham. Essa dis-
posição exacerbada pode desembocar no etnocentrismo. O
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etnocentrismo é a tendência em julgar as outras culturas pelo
próprio padrão cultural, comparando-as, ou ainda a tendência
em considerar determinada cultura a mais correta ou a melhor
(Laraia, 1993). Um caso extremo de etnocentrismo foi o mas-
sacre dos judeus na Segunda Guerra Mundial, quando os ale-
mães se consideravam uma raça superior e os judeus, uma raça
inferior, impura. O etnocentrismo abre caminho para a intole-
rância com as diferenças, para o racismo e as várias formas de
preconceito.
Outro ponto problemático em relação às formas de ver asdiferentes culturas se refere ao evolucionismo. O antropólogo
britânico Eduard Burnett ylor (1832-1917) tinha uma concep-
ção evolucionista a respeito da cultura, considerando que exis-
tiria uma linha de evolução que explicaria o desenvolvimento
da humanidade. Segundo essa concepção, todas as culturas pas-
sariam pelos mesmos estágios, até atingir o ápice da sua evolu-ção. Isso possibilitaria hierarquizar as culturas, colocando-as
numa escala que iria da menos evoluída até a mais evoluída. O
problema dessa concepção é que não podemos julgar o aparato
cultural de uma sociedade ou grupo, pois sempre estaremos
julgando pelos nossos padrões culturais. O evolucionismo con-
siderava a cultura europeia a mais desenvolvida, e isso abriu ca-minho para a exploração de outros povos considerados menos
desenvolvidos, bem como para a imposição de padrões cultu-
rais europeus, que seriam os mais corretos (Laraia, 1993).
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161161
Quadro 5.2 − Diferença entre etnocentrismo e evolucionismoQuadro 5.2 − Diferença entre etnocentrismo e evolucionismo
EtnocentrismoEtnocentrismo EvolucionismoEvolucionismo
É a tendência em julgar a
própria cultura como a mais
correta ou a melhor e julgar
as outras por um parâmetro
estabelecido a partir da sua.
É a concepção segundo a qual
existe uma linha evolutivaentre as culturas, o que permite
traçar uma escala da cultura
menos evoluída para a mais
evoluída.
odas as sociedades, desde as mais simples até as mais com-plexas, têm sua cultura. Não existe sociedade humana sem cul-
tura. Por isso não podemos dizer, dentro da sociologia, que um
indivíduo “não tem cultura”. Isso só seria possível em um caso
como o das meninas-lobo Amala e Kamala. ambém não po-
demos dizer que determinado povo ou país não tem cultura.
Isso é impossível.
Na próxima seção, abordaremos outro traço essencial de toda
sociedade humana e de toda cultura: as instituições sociais.
[5.3][5.3]
As instituições sociaisAs instituições sociais
Além de socialização e cultura, outro conceito importante den-tro da sociologia é o de instituição social, o qual também sofre
algumas “distorções” do senso comum. Muitas pessoas acham
que as instituições sociais são apenas organizações que abran-
gem pessoas, como a escola, a prisão, as empresas, ou ainda
que as instituições sociais são entidades que pairam sobre a
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sociedade, como o Estado, a economia, a religião. Essas con-
cepções tendem sempre a associar as instituições sociais àque-
les espaços ou entidades reguladas por determinadas leis for-
mais. Em termos, essas definições não estão totalmente erradas
sociologicamente. Contudo, o conceito de instituição social é
um pouco mais específico e detalhado.
Para a sociologia, as instituições sociais são formas de or-
ganização estáveis, baseadas em regras e regulamentos padro-
nizados, que não precisam ser escritos em forma de leis, mas
que são socialmente reconhecidos e aceitos. êm a função demanter a organização do grupo e satisfazer as necessidades dos
indivíduos. Além disso, servem como elementos de regulação
e controle das atividades dos membros da coletividade (Berger;
Berger, 1977a).
O conceito de instituição social se aproxima muito do con-
ceito de fato social de Durkheim. Podemos mesmo afirmar queas instituições sociais são fatos sociais cristalizados. Berger e
Berger (1977a) definem cinco características fundamentais das
instituições sociais. São elas: a exterioridade, a objetividade, a
coercitividade, a autoridade moral e a historicidade. Analisar
cada uma das cinco características das instituições sociais nos
ajudará a retomar o que já foi dito sobre os fatos sociais nocapítulo 2.
As instituições sociais são exteriores porque possuem uma
realidade exterior, encontram-se fora dos indivíduos. Sua exis-
tência é independente da existência dos indivíduos. al caracte-
rística se assemelha à de um objeto físico. Entretanto, temos de
ter cuidado com as generalizações. As instituições sociais não
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são necessariamente físicas, como uma empresa ou uma prisão.
A segunda característica das instituições sociais – a objetiobjeti--
vidade vidade – é uma reafirmação da primeira. As instituições sociais
existem de fato na realidade e de determinada maneira. Por
exemplo, o casamento monogâmico é uma instituição social.
odos sabem que existe e como deve ser. Ou seja, existe uma
maneira “correta” de casar, que é aceita pelos membros de uma
sociedade.
Da mesma forma que os fatos sociais, as instituições sociais
são dotadas de coercitividadecoercitividade, ou seja, exercem um poder decoerção sobre os indivíduos, que muitas vezes só se manifesta
quando eles vão contra as regras e as normas estabelecidas pela
instituição.
A quarta característica das instituições sociais é a autoridaautorida--
de moralde moral. Sua legitimidade lhes reserva o direito de repreender
os indivíduos que infringirem suas normas. O grau de repreen-são varia de instituição para instituição. O Estado, por exemplo,
pode punir quem infrinja as regras estabelecidas por ele.
A última característica das instituições sociais é sua historihistori--
cidadecidade. odas elas possuem uma história. Ao longo do tempo,
consolidam suas regras, regulamentos e valores, que permane-
cem mesmo depois de os indivíduos que colaboraram na suaelaboração desaparecerem. Outro ponto importante da histo-
ricidade das instituições e que as torna semelhantes aos fatos
sociais refere-se ao fato de que os indivíduos, ao nascerem, já
encontram prontas as instituições e que elas continuam a exis-
tir depois da morte destes.
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Instituições sociaisInstituições sociais são formas de organização estáveis, baseadas
em regras e regulamentos padronizados, socialmente reconhe-
cidos e aceitos. Mantêm a organização do grupo, satisfazem as
necessidades dos indivíduos e regulam e controlam as ativida-des deles. Apresentam cinco características fundamentais: a ex-
terioridade, a objetividade, a coercitividade, a autoridade moral
e a historicidade (Berger; Berger, 1977a, Johnson, 1997; Giddens,
2005).
Vejamos alguns exemplos de instituições sociais que apre-
sentam as características estabelecidas anteriormente. O Estado,
as escolas e as prisões são instituições sociais, pois são exte-
riores, objetivas, exercem um poder sobre o indivíduo, punem
aqueles que vão contra as suas normas e possuem uma duração
ao longo do tempo. Contudo, esses exemplos recaem naquilo
que foi dito no início desta seção: a tendência em considerar
como instituições sociais somente aquelas que têm leis escritas.
Outro exemplo pode ajudar a entender melhor o conceito
de instituição social: a língua falada por um povo. É importante
ressaltar que não estamos falando de gramática, mas de lingua-
gem. O fato de não conhecer a gramática de uma língua não
significa que o indivíduo não consiga dominá-la como falante.
Assim, a língua é uma forma estável baseada em regras e re-
gulamentos e apresenta uma historicidade. Foi construída ao
longo do tempo e já se encontra pronta quando os indivíduos
nascem, permanecendo quando eles morrem. Apesar de ser pos-
sível considerar que o indivíduo de um país possui sua língua,
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ela tem uma existência fora dele. Isso se percebe pelo fato de que
ela foi aprendida por meio da socialização e por isso é também
objetiva. A língua exerce ainda um poder de coerção sobre o
indivíduo: aquele que não se expressa de acordo com a língua
exigida por seu grupo social pode sofrer sanções, que vão de
simples recriminações a medidas punitivas. Por exemplo, o imi-
grante que continua a usar a língua do grupo social ao qual per-
tencia pode sofrer discriminação pela forma como fala. Isso não
significa que esteja cometendo um erro, mas que a língua reco-
nhecida como legítima é outra. Assim, pode sofrer a punição dadiscriminação, o que revela a autoridade moral de uma língua.
Outros exemplos de instituições sociais são a família, a
Igreja, o casamento monogâmico, pois todas elas apresentam
as características básicas que as definem como tal.
Como exercício mental, escolha uma dessas instituições e
procure perceber de que forma elas apresentam essas caracte-rísticas.
SínteseSínteseNa socialização aprendemos a ser membros da sociedade, ad-
quirindo os costumes, os gostos, os hábitos, os modos, as ma-
neiras, os valores e os significados do nosso grupo social. É um
processo ininterrupto e está intimamente ligado à aquisição da
cultura.
A cultura aparece como um sistema de símbolos e significa-
dos compartilhados por um grupo social. Mediante a sociali-
zação e a aquisição da cultura, podemos construir uma identi-
dade, o que nos permite o sentimento de pertencimento a uma
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coletividade, bem como o desenvolvimento de nossa individua-
lidade e personalidade.
Dentro dessa realidade social em que nos inserimos, exis-
tem formas de organização social estáveis, com regras padro-
nizadas e aceitas socialmente. Essas formas de organização são
chamadas de instituições sociais, que possuem cinco caracterís-
ticas fundamentais: a exterioridade, a objetividade, a coercitivi-
dade, a autoridade moral e a historicidade.
Com base nesse conceito, a realidade social pode ser ana-
lisada de maneira mais organizada, com base em conceitosconstruídos teoricamente, o que é importante para leituras e
estudos mais aprofundados em sociologia.
Indicação culturalIndicação cultural
HUXLEY, A. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Globo, 1994.
O livro apresenta uma sociedade cujo sistema de socializa-ção é altamente hierarquizado e burocratizado, tanto em termos
culturais quanto biológicos. No enredo, os indivíduos passam por
um processo de socialização mesmo antes de sua concepção, vi-
sando fixar os indivíduos nos lugares determinados pela ordem
social, tanto psicológica quanto fisicamente.
Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1) Analise as seguintes proposições sobre o processo de socia-
lização:
I. É contínuo, começando no dia em que nascemos e termi-
nando apenas no dia em que morremos.
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II. Esse processo limita-se aos aspectos simbólicos e de per-
sonalidade, não tendo nenhuma influência sobre os pro-
cessos físicos dos indivíduos.
III. Pode ser considerado uma imposição da sociedade, o
que impede o indivíduo de se desenvolver livre e plena-
mente.
IV. Pode ser visto como uma imposição, mas é ele que per-
mite ao indivíduo desenvolver sua individualidade e po-
tencialidades.
V. A maneira como comemos, por exemplo, pode ser con-siderada um elemento adquirido por meio do processo
de socialização.
São corretas as seguintes afirmações:
a) I, II e V.
b) II, III e IV.
c) I, III e IV.d) I, III e V.
2) Assinale F para falso e V para verdadeiro:
( ) O processo de interiorização independe do processo de
socialização.
( ) A identidade social se refere à maneira como os outros
nos enxergam. É o reconhecimento da coletividade so-
bre o indivíduo.
( ) As instituições sociais compreendem apenas aquelas que
possuem um conjunto de leis escritas, como o Estado e
as prisões.
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( ) A tendência em julgar a própria cultura como a mais de-
senvolvida e a mais correta é chamada de etnocentrismo.
( ) A cultura compreende símbolos, técnicas, valores, as-
pectos materiais e imateriais compartilhados por uma
coletividade.
( ) O evolucionismo se constitui em um referencial teórico
adequado para abordar as diferentes culturas.
Agora, assinale a alternativa correta:
a) V, V, F, V, V, F.
b) F, V, F, F, V, F.c) V, F, V, V, F, V.
d) F, V, F, V, V, F.
3) A respeito do conceito de cultura, marque a alternativa inin--
corretacorreta:
a) A cultura é sempre compartilhada. Seus símbolos, ma-
neiras e valores apresentam um significado para os
membros que a compartilham.
b) A cultura é sempre uma criação própria. Cada povo ela-
bora a sua cultura sem contribuição ou contato com ou-
tras culturas.
c) A cultura é sempre dinâmica, pois está em constante
reelaboração dos significados.
d) Compreende aspectos materiais, como o artesanato, e
aspectos imateriais, como as crenças e os medos.
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4) Relacione as características das instituições sociais com as
suas respectivas definições, reproduzidas na sequência:
1. Exterioridade
2. Coercitividade3. Objetividade
4. Autoridade moral
5. Historicidade
( ) As instituições sociais exercem um poder sobre os indi-
víduos que pode manifestar-se apenas quando estes vão
contra suas regras e normas.( ) As instituições sociais permanecem para além da exis-
tência dos indivíduos, mesmo daqueles que colabora-
ram na sua constituição.
( ) As instituições sociais possuem uma existência exterior,
independente dos indivíduos.
( ) Essa característica refere-se à legitimidade que as insti-
tuições sociais têm para aplicar sanções aos indivíduos
que vão contra suas normas.
( ) As instituições sociais existem de fato na realidade e de
determinada maneira, o que informa a maneira “correta”
de proceder, segundo a instituição.
Agora, assinale a alternativa correta:
a) 2, 5, 1, 4, 3.
b) 5, 1, 2, 4, 3.
c) 2, 5, 4, 1, 3.
d) 3, 4, 1, 5, 2.
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5) Analise as seguintes proposições:
I. Podemos dizer, segundo a sociologia, que as pessoas que
estudaram possuem mais cultura do que aquelas que
nunca frequentaram escolas.II. O processo de socialização pode ser definido como o
aprendizado para viver em sociedade, adquirindo-se
cultura.
III. O etnocentrismo pode ser definido também como uma
visão depreciativa de outras culturas.
IV. Os aspectos culturais referem-se a tudo aquilo que éaprendido; os aspectos naturais de nossa personalidade
são aqueles com os quais já nascemos.
V A cultura de cada povo ou região recebe contribuições
de muitos povos e até mesmo de outros países.
São corretas as seguintes proposições:
a) I, II, III e V.b) II, III e V.
c) II, III, IV e V.
d) I, III, IV e V.
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Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem
Questão para reflexãoQuestão para reflexão
Na ficção dos filmes e dos quadrinhos, o personagem arzan
foi criado por uma família de chimpanzés. Contudo, ele falauma língua (inglês ou português), construiu uma casa na
floresta, anda de forma ereta e minimamente vestido. Com
base na história de Amala e Kamala e no que foi visto a res-
peito dos conceitos de socialização e cultura, uma situação
como a de arzan seria possível? Discuta essa questão com
seus colegas e anote as conclusões a que chegaram.
Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática
A identidade cultural faz com que o indivíduo se sinta per-
tencendo a determinado grupo. Um traço dessa identidade
é o sotaque. Procure recolher palavras ou expressões carac-terísticas de sua região e enviar para um colega de outra
região. Realizem essa troca e tentem perceber como o pro-
cesso de socialização confere uma individualidade e uma
identidade social aos indivíduos.
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A sociologia e a sociedadecontemporânea
[Capítulo 6 ][Capítulo 6 ]
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O objetivo do presente capítulo é exercitar um pouco nossa
perspectiva sociológica, tentando entender alguns aspectos da
sociedade moderna. Procederemos a essa análise com base na
ótica das transformações no mundo do trabalho. Poderíamos
escolher qualquer outro elemento da vida social para fazer essa
análise, mas a opção pelo tema “trabalho” se deve ao fato de játermos estudado um pouco sobre ele nos capítulos anteriores e,
assim, já termos algum conhecimento a respeito do assunto.
No capítulo 1, que tratava do surgimento da sociologia, foi
possível perceber como as mudanças no mundo do trabalho,
provocadas pela Revolução Industrial de fins do século XVIII,
deram uma nova dinâmica à sociedade. No capítulo 3, com oestudo da obra de Karl Marx, tomamos contato com uma aná-
lise que privilegia o trabalho na organização da sociedade. De
certa forma, neste capítulo, retomaremos e aprofundaremos
um pouco mais a discussão.
Esse aprofundamento permitirá que você entenda melhor
nossa sociedade sob a ótica da sociologia. A discussão a res-peito das mudanças no trabalho também dará início a uma
abordagem relativa à globalização, tão presente em nossa vida
cotidiana.
Iniciemos então o capítulo retomando alguns elementos re-
ferentes à discussão sobre o surgimento das fábricas.
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[6.1][6.1]
O trabalho na fábricaO trabalho na fábricaO surgimento do sistema de fábricas trouxe toda uma nova
organização do trabalho e, consequentemente, da vida social(Tompson, 1991; Decca, 1993). Como vimos, os artesãos saí-
ram das suas oficinas, perderam sua autonomia, não eram mais
donos do que produziam, foram expropriados de seus saberes
e de suas ferramentas (Marx, 1968). Do controle que tinham
sobre o trabalho e sobre o que produziam, passaram a ser con-
trolados no trabalho.A criação do sistema de fábricas retirou o mestre e seus
ajudantes da oficina artesanal, retirou as pessoas da pequena
indústria doméstica, colocando-as em um local de trabalho es-
pecífico e informou-lhes que teriam de trabalhar durante um
tempo específico, (Huberman, 1986; Gorz, 2003).
O conhecimento e a habilidade do mestre artesão no cha-mado sistema de corporações exprimiam, além do domínio das
técnicas de produção, o controle sobre o processo de trabalho.
O ofício do ferreiro, do carpinteiro, do cuteleiro*, era antes de
tudo uma inteligência manual impossível de ser formalizada e
por isso não podia ser executado ou transmitido por quem não
detivesse esse conhecimento (Lessa, 2002). No sistema de cor-porações de ofício, e mesmo em determinadas formas de traba-
lho modernas em que o trabalhador, e não a empresa, detém o
saber sobre o trabalho, a produtividade depende de qualidades
e características não formalizáveis dos trabalhadores e por isso
não mensuráveis e não controláveis.
* CuteleiroCuteleiro: aquele que fabrica ou vende instrumentos cortantes.
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Com o surgimento do capitalismo, que tem por objetivo a
acumulação, a produção não poderia repousar sobre motiva-
ções de indivíduos que detinham o saber-fazer de determina-
das atividades e que poderiam produzir mais ou menos rápido
ou mais ou menos bem de acordo com a sua vontade. Era ne-
cessário controlar a produção para alcançar o objetivo (Gorz,
2003). Dessa forma, o sistema de fábricas foi concebido mais
por necessidades organizativas do que técnicas, inaugurando
para o trabalhador toda uma nova ordem de disciplina durante
o transcorrer do processo de trabalho (Decca, 1993).O primeiro momento do sistema de fábricas impôs ao tra-
balhador uma disciplina que até então não existia. Na sua ofi-
cina, no sistema de corporações, ele era o seu próprio patrão,
não recebia ordens de ninguém. Um exemplo dessa disciplina,
ainda no início do sistema de fábricas na Europa, é trazido pelo
historiador Huberman (1986, p. 178), que mostra como algunstipos de conduta e comportamento eram penalizados com o
pagamento de multas pelos trabalhadores:
Por deixar a janela aberta 1s. 0d.*
Por estar sujo 1s. 0d.
Por se lavar no trabalho 1s. 0d.
Por consertar o tambor com o gás aceso 2s. 0d.Por deixar o gás aceso além do tempo 2s. 0d.
Por assobiar 1s. 0d.
* Os símbolos “s.” e “d.” representam unidades monetárias usadas naInglaterra durante a Idade Média. O “s.” representava um solidus, e o
“d.” representava um penny (Costa, 2010).
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al “regulamento” na oficina do artesão era inconcebível,
mas na fábrica era assim que as coisas funcionavam. Sair de sua
casa e de sua oficina e trabalhar quatorze, dezesseis horas numa
fábrica sob as ordens e a disciplina fabris representou um novo
quadro para o trabalhador. A imposição de horas regulares de
trabalho contrastou com o ritmo autoimposto das situações an-
teriores, quando a atividade produtiva era marcada por inter-
rupções, meio-expediente, feriados e dias santos.
A fábrica passou a ser o novo local de trabalho. A separação
entre a casa e o local de trabalho foi fator de grande importân-cia no processo de racionalização do trabalho, pois deu a este
certa independência das outras atividades (Weber, 1999). Além
de figurar como local onde o trabalho se dava com outro ritmo,
a fábrica constituiu-se em um universo – imaginário e real –
em que se produziam novas relações sociais e onde se dava uma
particular e decisiva apropriação do saber do trabalhador. A fá-brica tornou-se, além de um espaço de acumulação do capi-
tal, um local de apropriação do saber e de dominação social. O
mestre artesão, que na sua oficina dominava todo o processo de
fabricação do produto, foi, pouco a pouco, no sistema de fábri-
cas, perdendo o domínio do processo de trabalho.
O trabalho, que antes era executado do começo ao fim porum só artesão, foi dividido na fábrica. Vários trabalhadores pas-
saram a executar parcelas de um mesmo processo de trabalho.
O trabalhador transformou-se no que Marx (1968) chama de
trabalhador parcial . É como se a divisão do trabalho passasse
também a dividir o trabalhador. Antes do sistema de fábricas,
os trabalhadores eram mestres. Eram os mestres carpinteiros,
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cuteleiros, ourives, sapateiros. Na fábrica eles deixaram de ser
mestres e passaram a ser trabalhadores assalariados, executan-
do apenas uma parcela do trabalho. Por isso, Marx (1968) afir-
ma que o trabalhador se transforma em trabalhador parcial.
Passou a ocorrer, então, uma divisão manufatureira do tra-
balho. É esse o assunto da próxima seção.
[6.2][6.2]
A divisão manufatureira do trabalhoA divisão manufatureira do trabalhoA divisão manufatureira do trabalho refere-se ao fracionamento
do ofício, dividindo-o em várias etapas executadas por traba-
lhadores diferentes. Vamos pensar, por exemplo, no ofício do
sapateiro. Com a divisão manufatureira, as várias etapas da pro-
dução de um sapato são divididas e executadas separadamente.
Um trabalhador irá cortar o couro, outro irá costurar, outro irá
pregar a sola etc. Isso é a divisão manufatureira do trabalho.
al divisão é distinta daquela que se dá na sociedade, chama-
da divisão social do trabalho, em que os homens se encontram
em ofícios, ocupações ou profissões (Marx, 1968; Braverman,
1987). Nos ofícios ou profissões os homens ainda podiam exer-
cer e construir sua individualidade, criatividade e humanidade
no ato de trabalho. Mas, quando o trabalho passou a ser divididona fábrica, o ofício ou profissão foi substituído como elemento
central da organização do trabalho pelas parcelas desse ofício
ou profissão. As várias operações que formavam o processo de
trabalho foram separadas umas das outras e atribuídas a traba-
lhadores diferentes. Assim, quando o capitalista dividiu o pro-
cesso de trabalho em etapas, retirou esse processo do controle do
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trabalhador e o reconstituiu sob seu poder. A divisão manufatu-
reira do trabalho abriu caminho, então, à desespecialização* do
trabalhador. Isso fez com que, além de obter ganhos de tempo na
execução do conjunto das tarefas, ocorresse o aumento da pro-
dutividade.
Outro ponto importante é que o dono da fábrica não preci-
sava mais contratar um mestre para fazer o trabalho. Precisava
apenas de um trabalhador que cortasse o couro, outro que o cos-
turasse, um terceiro que pregasse a sola.
AA divisão manufatureira do trabalhodivisão manufatureira do trabalho é a divisão de um ofício
em várias etapas, executadas por trabalhadores diferentes. O
trabalhador não executa o processo inteiro de fabricação de um
bem ou produto, mas apenas uma parte desse processo. Ela é dis-
tinta da divisão social do trabalho, que se refere à divisão entre
os ofícios e as profissões dentro da sociedade (Braverman, 1987;Bottomore, 2001).
Nesse novo contexto – o da fábrica e da acumulação capi-
talista – o trabalho não é mais um elemento da vida doméstica
que se “mistura” com outras atividades, em que o homem que
trabalha impõe um ritmo às suas tarefas (Tompson, 1991).
O trabalho passa a ser submetido a outra lógica, uma lógica
racional. Quando analisa o “espírito do capitalismo” moder-
no, Weber (1999, p. 7-8) também chama a atenção para essa
* DesespecializaçãoDesespecialização: perda da qualificação, de uma especialidade em
uma função ou profissão.
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separação entre o local de trabalho e a esfera doméstica e a re-
lação com a racionalidade econômica:
A organização industrial racional, orientada para um mercado real,
e não para oportunidades políticas ou especulativas de lucro, nãoé, entretanto, a única criação particular do capitalismo ocidental.
A moderna organização racional da empresa capitalista não teria
sido viável sem a presença de dois importantes fatores de seu desen-
volvimento: a separação da empresa da economia doméstica, que
hodiernamente domina por completo a vida econômica, e, associa-
do de perto a este, a criação de uma contabilidade racional.
Até aqui podemos vislumbrar o seguinte quadro: os traba-
lhadores reunidos na fábrica, tendo seus trabalhos divididos
pela divisão manufatureira e submetidos a uma racionalidade
que até então não conheciam. Entretanto, mesmo nesse novo
quadro, o controle ainda é aplicado somente ao trabalhador.
Ainda não existe o controle sobre o trabalho. Esse aspecto só
será observado com a gerência científica. É o que veremos no
próximo tópico.
[6.3][6.3]
A gerência científica:A gerência científica:o taylorismo e o fordismoo taylorismo e o fordismoQuando aylor propôs e sistematizou seus princípios de or-
ganização do trabalho, ele partiu de uma série de elementos
que já tinham espaço no interior da fábrica e cujo objetivo era
controlar o trabalhador durante sua permanência na oficina
(Braverman, 1987). A reunião de trabalhadores dentro de uma
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fábrica, a fixação de uma jornada de trabalho, a supervisão in-
cidindo sobre os trabalhadores, as normas de conduta rígidas
no local de trabalho eram alguns elementos que se voltavam,
sobretudo, ao trabalhador.
É essa espécie de disciplina fabril que aylor já encontrou pre-
sente e atuante no local de trabalho. O trabalhador com o qual
aylor se deparou já estava submetido a um controle gerencial, que
incide sobre o que se poderia chamar de conduta do trabalhador .
Estar sujo, assobiar, fumar e conversar no local de trabalho, como
vimos no exemplo trazido por Huberman (1986) na seção 6.1, sãoelementos que dizem respeito ao comportamento do trabalhador.
A disciplina e a gerência científica tayloristas passaram a atuar
não apenas na conduta do trabalhador, mas também no processo
de trabalho em si. É o controle sobre o trabalho e não somente
sobre o trabalhador (Braverman, 1987).
aylor elevou o conceito de controle quando apresentou a ne-cessidade de a gerência impor ao trabalhador a maneira pela qual
o trabalho deve ser executado. Para aylor, o controle não deveria
ser feito apenas sobre disciplinas e normas gerais do trabalhador;
seus processos de trabalho também deveriam ser controlados. E o
controle do trabalho se dá pelo controle das decisões tomadas no
curso do processo de produção pela gerência (Braverman, 1987).Por estudos de tempo e movimentos, aylor define uma
maneira ótima de trabalhar, ou melhor, uma maneira ótima
de executar cada movimento da tarefa. Esse movimento é defi-
nido não pelo trabalhador, mas pela gerência científica (Rago;
Moreira, 1984). aylor estabelece as bases do taylorismo em
sua obra de 1911, Os princípios de administração científica. O
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primeiro princípio refere-se à separação entre quem planeja o
trabalho ou a tarefa e aquele que a executa. Quem deve plane-
jar o trabalho é a gerência científica, o trabalhador deve ape-
nas cumprir as ordens estabelecidas. O segundo princípio diz
respeito à seleção dos trabalhadores mais adequados para as
tarefas especificadas. O termo adequados aqui remete também
àqueles trabalhadores que não questionam as regras estabele-
cidas (Gounet, 1999). aylor fala mesmo em um trabalhador
do tipo “bovino” para certas tarefas, ou seja, um trabalhador
forte, dócil e com pouca inteligência. O terceiro princípio dotaylorismo é o controle sobre o tempo e os movimentos dos
trabalhadores. udo deve estar calculado pela gerência e o tra-
balhador deve executar aquilo que está determinado nos proce-
dimentos e nos manuais (Rago; Moreira, 1984).
O sistema taylorista procurou racionalizar a produção, por
meio do estudo dos tempos de execução dos processos, com ointuito de suprimir gestos desnecessários, estabelecendo a me-
lhor forma de execução das atividades. Com isso, aperfeiçoou a
divisão do trabalho introduzida pelo sistema de fábricas, assegu-
rando o controle do tempo de trabalho (Rago; Moreira, 1984).
Assim, sobra pouco espaço para a criatividade e individua-
lidade do trabalhador. Ele não é mais autônomo, mas alguémque obedece a ordens. A situação é bem diferente do mestre
artesão nas corporações de ofício.
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TaylorismoTaylorismo é um método de administração da produção ba-
seado nos estudos de tempos e movimentos dos trabalhadores.
Apresenta três princípios básicos: separação entre planejamento
e execução das tarefas; seleção dos trabalhadores mais adequadosà função específica; controle sobre o tempo e os movimentos exe-
cutados pelos trabalhadores (Braverman, 1987; Rago; Moreira,
1984).
Outra forma de organizar a produção que revolucionou
o mundo do trabalho foi o fordismofordismo (Gounet, 1999; Harvey,
1998). Esse modelo, idealizado por Henry Ford (1863-1947),
foi aplicado primeiramente nas suas fábricas de automóveis.
Com o fordismo, os métodos tayloristas foram aperfeiçoados,
e configura-se não apenas um princípio organizador da pro-
dução, mas um regime de acumulação*, expresso no pacto
social fordista. Ford aperfeiçoou e transformou os princípios
tayloristas, pois entendeu que produção em massa significava
consumo em massa e, ainda, que, ao fazer o trabalho chegar ao
trabalhador pela esteira fordista, seria possível obter notáveis
ganhos de produtividade.
* Para que exista um regime de acumulação, deve haver uma materiali-zação sob a forma de normas, hábitos, leis e redes de regulamentação,
“que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriadaentre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Essecorpo de regras e processos interiorizados tem o nome de modo de
regulamentação” (Lipietz, 1988, p. 19).
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Segundo Gounet (1999, p. 45), o fordismo a fundamentou
em cinco transformações essenciais a partir do taylorismo:
1) produzir em massa significava racionalizar as operações dos operários e
combater os desperdícios, principalmente de tempo; 2) com o parcelamen-to das tarefas na tradição taylorista, o trabalhador não precisa mais ser
um especialista; 3) criação da esteira fordista, controlável pela direção da
empresa; 4) padronização das peças, que implicava a integração vertical;
5) automatização das fábricas.
Essas cinco características mostram, de certa forma, como
os princípios utilizados por Ford já se encontravam bem esta-
belecidos pela organização científica da produção disseminada
pelo taylorismo (Gounet, 1999). O processo de desespecializa-
ção do trabalhador, no sentido de não dominar mais o processo
produtivo como um todo, já havia se iniciado com a criação do
sistema de fábrica (Decca, 1993; Braverman, 1987). A tecnolo-gia também não apresentava, num primeiro momento, inova-
ções mais significativas além da esteira rolante. A padronização
das peças aparece como uma consequência da produção em
massa e, em certa medida, da padronização dos procedimentos
realizada já no sistema taylorista. Se padrões organizacionais e
tecnológicos da produção já estavam dados, qual foi a inovaçãode Ford em relação à forma anterior de organizar a produção?
A sua grande inovação foi pensar a produção além do ato de
apertar o último parafuso do carro no último posto da linha de
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montagem. Ou seja, o produto final precisa ser consumido por
alguém; consumido em massa, pois é produzido em massa.
O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distin-
gue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimentoexplícito de que produção de massa significava consumo de massa,
um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova po-
lítica de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma
nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada, modernista e populista. (Harvey, 1998, p. 121)
O tempo para produzir um carro, no taylorismo, era de cin-
co horas e trinta minutos. Ford, em suas fábricas transforma-
das, conseguia produzir em uma hora e trinta minutos (Gounet,
1999). Contudo, essa redução do tempo de produção significa-
va uma grande intensificação e disciplinamento do trabalho, o
que não era bem aceito pelos operários, que preferiam o méto-do artesanal de produção. Ford, então, passou a oferecer um sa-
lário de cinco dólares por uma jornada de oito horas de traba-
lho, como forma de atrair e cooptar trabalhadores. Percebemos
que essa nova organização do trabalho implica a adesão dos
trabalhadores, pelo menos até o sistema se generalizar; por isso
Ford os pagava dessa forma. O sucesso do fordismo fez comque esse sistema emigrasse para outras fábricas e países. Com
a linha de produção fordista generalizada, produzir em menos
tempo passou a significar aumento da produtividade e da lu-
cratividade, do rendimento do trabalhador e do seu consumo
(Harvey, 1998).
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FordismoFordismo é uma forma de organizar baseada na produção em
massa de produtos padronizados, com cada operário executan-
do uma função específica ao longo da esteira fordista. Além da
produção em massa e padronizada, o fordismo prevê tambémo consumo em massa. Assim como o taylorismo, no fordismo
existe a separação entre o planejamento e a execução das tarefas,
o controle sobre o tempo e os movimentos, além de o trabalhador
acompanhar o ritmo da máquina (Gounet, 1999; Harvey, 1998).
O modelo de produção fordista vigorou até o final da década
de 1960 e início da década de 1970 na Europa, quando passou a
apresentar um quadro de crise, provocando muitas modificações
no mundo do trabalho (Harvey, 1998). Iniciou-se então o chama-
do processo de reestruturação produtiva, que deu origem ao pós-
fordismo ou acumulação flexível, assunto da próxima seção.
[6.4][6.4]
O pós-fordismo e a globalizaçãoO pós-fordismo e a globalizaçãoA crise dos princípios fordistas inaugurou uma conjuntura de
alterações e rearranjos capitalistas – e não apenas de um siste-
ma organizador da produção –, desencadeando um processo dereorganização por parte do capital, com o intuito de recuperar
seus níveis de acumulação. A forma de organizar a produção
foi mudada. Assim se constituiu o processo de reestruturação
produtiva (Antunes, 2002; Harvey, 1998).
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A crise do fordismo se deveu a alguns fatores, como a satura-
ção do mercado europeu e a crescente competição do mercado
asiático, a crise do petróleo a partir dos anos 1960 e o aumento
dos custos com a produção. Em outras palavras, era necessá-
rio mudar a forma de produzir. A grande fábrica de Ford, com
um batalhão de trabalhadores produzindo em massa, já não era
mais tão lucrativa (Harvey, 1998).
A grande fábrica integrada e verticalizada de Ford cedeu es-
paço para a fábrica enxuta* e flexível da reestruturação produ-
tiva. A empresa reestruturada externaliza e terceiriza as váriasfases do seu processo produtivo, criando uma complexa cadeia
de fornecimento de peças e serviços. Com as novas tecnologias
da comunicação, a conectividade entre as empresas é otimizada,
facilitando as relações da cadeia produtiva e entre as filiais e as
várias matrizes localizadas em países diferentes. O fluxo de pro-
dução também é sintonizado mais facilmente com a demanda,cada vez mais variável, do mercado globalizado (Castells, 1999).
Com a externalização e a terceirização de serviços – limpeza,
vigilância, transporte de funcionários e de materiais, alimenta-
ção, contratação –, a empresa-mãe reduz os quadros de funcio-
nários, diminuindo o custo de produção. Combinando novas
formas organizacionais e inovação tecnológica, as novas empre-sas produzem mais com cada vez menos trabalhadores (Castells,
1999; Harvey, 1998; Comin, 1998).
* Fábrica enxutaFábrica enxuta: a fábrica pós-fordista que terceiriza determinadasetapas de sua produção e serviços. A fábrica enxuta não executa maisserviços de limpeza, manutenção, alimentação, entre outros, mas con-
trata empresas responsáveis por essas atividades.
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Para termos uma ideia de como as novas fábricas produzem
mais com menos trabalhadores, vamos comparar alguns núme-
ros da indústria automobilística brasileira. Na abela 6.1, temos a
produção e o número de empregos entre os anos de 1957 e 1987.
Perceba que, à medida que a produção aumenta, o número de
trabalhadores necessários (coluna do emprego) também aumen-
ta. Quanto mais se produz, mais trabalhadores são necessários.
abela 6.1 − Indústria automobilística brasileira – produção eabela 6.1 − Indústria automobilística brasileira – produção e
emprego no período de 1957 a 1987emprego no período de 1957 a 1987
AnoAno ProduçãoProdução EmpregoEmprego
1957 30.542 9.773
1962 191.194 48.523
1967 225.487 46.396
1972 622.171 80.430
1977 921.193 111.5141980 1.165.174 133.683
1982 859.270 107.137
1987 920.071 113.474
Fonte: Baseado em Anfavea, 2004.
A abela 6.2 demonstra que, a partir da década de 1990, o au-
mento da produção não é mais acompanhado do mesmo ritmo de
crescimento pelo número de empregos. A partir de 1998, é possí-
vel perceber claramente que as empresas produzem cada vez mais
veículos com menos trabalhadores contratados diretamente.
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abela 6.2 − Indústria automobilística brasileira – produção eabela 6.2 − Indústria automobilística brasileira – produção e
emprego no período de 1990 a 2003emprego no período de 1990 a 2003
AnoAno ProduçãoProdução EmpregoEmprego
1990 914.466 117.396
1991 960.219 109.428
1992 1.073.861 105.664
1993 1.391.435 106.738
1994 1.581.389 107.134
1995 1.629.008 104.614
1996 1.804.328 101.857
1997 2.069.703 104.941
1998 1.586.291 83.049
1999 1.356.714 85.100
2000 1.691.240 89.134
2001 1.812.119 84.834
2002 1.791.530 81.737
2003 1.827.038 79.153
Nota: A partir de 1997, consideram-se apenas empregosdiretos, excluindo os decorrentes das terceirizações das empresas.
Fonte: Baseado em Anfavea, 2004.
Na análise das tabelas com base nas características do pós-fordismo, é importante ter em mente que as tendências dessa
forma de organizar o trabalho só chegaram ao Brasil a partir da
década de 1990. Elas se consolidaram na Europa e nos Estados
Unidos nos anos 1970 e 1980 e, assim como o fordismo, se dis-
seminaram em nível mundial.
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Agora imagine que essa queda no número de empregos di-
retos aconteça com muitos outros setores da indústria e em vá-
rias empresas. Quais são as consequências? Primeiramente, o
desemprego, mas também a disseminação de formas de traba-
lho precárias e informais.
A palavra de ordem passa a ser flexibilização: dos processos
de trabalho com o uso da tecnologia, dos mercados de trabalho,
dos produtos e dos processos.
A flexibilização dos processos de trabalho se dá principal-
mente pelo uso de novas tecnologias para produzir. As empre-sas não precisam mais de tantas pessoas para produzir, pois os
robôs e a automação são os responsáveis por parte do trabalho.
Um trabalhador pode controlar várias máquinas por meio de
um computador. Da mesma forma, os mercados de trabalho
também são flexibilizados. Passam a existir novos tipos de con-
trato de trabalho: o trabalho temporário, o trabalho autônomo,a prestação de serviços, a terceirização de alguns segmentos das
empresas. As mudanças na legislação trabalhista permitem que a
mão de obra apresente uma alta rotatividade, pois se torna mais
fácil contratar um novo trabalhador e também dispensá-lo.
Os produtos e o consumo também acompanham essa flexi-
bilização. Quando Ford criou suas fábricas para produzir emmassa, produzia apenas um tipo de veículo, o Ford , da cor
preta. Hoje existe uma enorme variedade de modelos e cores
de carros que o consumidor pode escolher. E isso não só em
relação aos automóveis, mas também com celulares, eletrodo-
mésticos, roupas e a maioria dos produtos industrializados.
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udo isso acontece mundialmente, sob a influência de um
fenômeno do qual você já deve ter ouvido falar: a globalização.
Conforme Giddens (1997), a globalização significa que o mun-
do está se tornando um “mundo único”, em que as pessoas, os
países e os grupos se tornam cada vez mais interdependentes,
ou, poderíamos dizer, cada vez mais conectados. Exercendo a
flexibilidade, as empresas buscam novos mercados consumido-
res e de trabalho, procurando o lugar mais lucrativo para pro-
duzir e vender. Note que o melhor lugar para produzir não é
necessariamente o melhor lugar para vender. Assim, você podeencontrar facilmente produtos de vários países no mercado lo-
cal. Faça este teste: procure no seu celular, no seu tênis ou na
sua roupa a indicação do local onde foram produzidos.
O consumo passa a ser de espécie mundial. Você pode
comer no McDonald’s o mesmo sanduíche que é servido na
França, na Índia ou no Japão. Isso porque, como vimos, as em-presas buscam novos mercados produtores e consumidores. O
mesmo que acontece com os sanduíches acontece com os car-
ros, os computadores e até com os programas de televisão.
A globalização não é, contudo, apenas um fenômeno eco-
nômico. Embora possamos dizer que o fator econômico tem
papel decisivo na configuração da globalização, ela é mais doque apenas uma questão econômica. Envolve também fatores
políticos, culturais e sociais. O consumo globalizado influencia
de várias maneiras a vida das pessoas; novos hábitos, gostos e
costumes são criados em detrimento dos antigos.
Outro fator de grande importância para a globalização é o
desenvolvimento das telecomunicações. Através dos meios de
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comunicação o mundo fica cada vez mais integrado. Podemos
entrar numa sala de bate-papo e conversar em tempo real com
alguém do outro lado do mundo; podemos enviar em segun-
dos um texto via correio eletrônico para o Japão. O que é fei-
to quase instantaneamente podia demorar dias e até semanas.
Podemos comprar um serviço de tevê a cabo e assistir ao vivo
ao campeonato de futebol inglês ou espanhol. udo isso altera
os padrões culturais e sociais das pessoas e dos grupos.
Alguns estudiosos consideram que a globalização produz
uma espécie de homogeneidade cultural. Com o poder dosgrandes meios de comunicação global, as tradições e as cultu-
ras locais seriam absorvidas por uma “cultura global”. A glo-
balização exerceria uma forma de “imperialismo cultural”, que
difundiria uma visão de mundo única, nos moldes das culturas
dos países mais ricos. Há aqueles que interpretam a globaliza-
ção de outra forma. Acreditam que ela se caracteriza por umaenorme diversidade de padrões culturais. Com o contato com
várias formas culturais, a tradição não teria mais o poder de
organizar a vida das populações. Assim, as pessoas estariam em
contato com uma grande diversidade de elementos culturais e
poderiam construir suas identidades com base nesses elemen-
tos. Desse modo, um indivíduo não precisa mais seguir a tra-dição dos seus pais ou dos seus avós para construir sua indi-
vidualidade, seus gostos e hábitos, já que ele tem à disposição
várias outras formas de individualidade, de gostos e hábitos do
mundo inteiro.
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SínteseSínteseComo vimos em Weber, no capítulo 4, a sociologia não pode
abranger a totalidade da explicação dos fenômenos sociais.
Neste capítulo, valendo-nos da categoria do trabalho, foi pos-sível abordar alguns aspectos da realidade social sob uma ótica
sociológica.
As transformações no mundo do trabalho geram mudan-
ças e consequências que se refletem por toda a ordem social.
Analisando essas transformações – mais especificamente na
forma de organizar a produção –, é possível entender algumasdas tendências que organizam nossa sociedade.
Elementos que parecem muitas vezes “cair do céu” são re-
flexos de transformações que ocorreram séculos atrás e que
seguem uma lógica de transformação até nossos dias. Da cria-
ção do sistema de fábricas, passando pelo taylorismo, pelo for-
dismo e chegando a uma nova maneira de produzir, podemosentender um pouco melhor a globalização como um processo
construído historicamente por determinados fatores e que in-
fluencia nossa visão de mundo ao alterar nossos padrões cultu-
rais, de consumo e de comportamento.
Indicação culturalIndicação culturalADEUS, Lenin. Direção: Wolfganger Becker. Produção: Stefan Arndt.Alemanha: Sony Pictures Classics, 1993. 118 min.
Esse filme relata a história de uma família que entra em
um novo mundo após a queda do Muro de Berlim e o avanço
do capitalismo na antiga Alemanha Oriental. As questões do
consumo, do trabalho e de novos padrões culturais surgidas ao
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longo do filme mostram de maneira engraçada os efeitos da
globalização na vida de uma mulher que julgava ainda viver
numa sociedade livre da influência do capitalismo.
Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação1) Analise as seguintes proposições sobre a criação do sistema
de fábricas:
I. Foi concebido sobretudo por necessidades técnicas, uma
vez que a produção já estava organizada nos moldes da
acumulação capitalista.II. Representou não apenas uma mudança no local de tra-
balho, mas toda uma nova ordem para os trabalhadores,
transformando suas vidas.
III. O trabalhador, que antes era um mestre artesão, passou
a ser alvo de uma disciplina que não conhecia.
IV. O ofício do mestre artesão foi dividido. Surgiu a divisãomanufatureira do trabalho, o que contribuiu para a de-
sespecialização do mestre artesão.
V. A criação do sistema de fábricas não representou gran-
des mudanças para a ordem social.
São verdadeiras as seguintes proposições:
a) I e II.b) II e III.
c) I, III e IV.
d) II, III e IV.
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2) Assinale V para verdadeiro e F para falso:
( ) O taylorismo está mais ligado a uma nova forma de or-
ganizar a produção do que a inovações tecnológicas.
( ) O taylorismo se distingue do fordismo porque o primei-ro prevê a separação entre o planejamento do trabalho e
sua execução. Já no fordismo, o próprio trabalhador é o
planejador e o executor do trabalho.
( ) O taylorismo aperfeiçoa e aprofunda a divisão manufa-
tureira do trabalho iniciada com o sistema de fábricas.
( ) A divisão manufatureira do trabalho praticamente nãoexiste no sistema taylorista. Isso porque neste o traba-
lhador é um trabalhador completo, não tem seu traba-
lho dividido.
( ) Podemos considerar como características que distin-
guem o fordismo do taylorismo a criação da esteira for-
dista e a automatização das fábricas.Agora, assinale a alternativa correta:
a) V, F, V, F, V.
b) V, F, F, V, V.
c) F, V, F, V, F.
d) F, F, V, F, V.
3) Analise as seguintes afirmações a respeito do pós-fordis-
mo:
I. Um dos principais fatores que explicam o pós-fordismo
é a necessidade de alterar a forma de produzir, com o ob-
jetivo de recuperar os níveis de acumulação de capital.
II. Uma das características do pós-fordismo ou da acumu-lação flexível é o fato de as empresas precisarem de cada
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vez mais trabalhadores para aumentar a produção.
III. anto o fordismo como o pós-fordismo se consolidam
na Europa e nos Estados Unidos, ficando restritos a es-
sas regiões do mundo.
IV. O pós-fordismo está intimamente ligado à flexibilidade,
que se faz presente nos processos de produção, nos pro-
dutos, no consumo, nos mercados de trabalho.
V. Com a inovação tecnológica e as novas formas de or-
ganizar a produção, pautadas na flexibilidade, as fábri-
cas enxutas da acumulação flexível conseguem produzirmais com menos trabalhadores.
São verdadeiras as seguintes afirmações:
a) I, II e III.
b) I, IV e V.
c) IV e V.
d) II e III.4) No fim do século XX e graças aos avanços da ciência, pro-
duziu-se um sistema de técnicas presidido pelas técnicas da
informação, que passaram a exercer um papel de elo entre
as demais, unido-as e assegurando ao novo sistema técnico
uma presença planetária. Só que a globalização não é apenas
a existência desse novo sistema de técnica. Ela é também aemergência de um mercado dito global, responsável pelo es-
sencial dos processos políticos atualmente eficazes. (Santos,
2008, p. 23-24)
Com base na citação de Milton Santos e nos conhecimentos
sobre a globalização, analise as seguintes afirmações:
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I. A emergência de um mercado global, como chama a
atenção Milton Santos, é uma das manifestações mais
aparentes do mundo globalizado, o que se reflete nas
formas de consumo e produção.
II. A globalização pode ser vista como um processo essen-
cialmente econômico, uma vez que o mercado global
está diretamente ligado a fatores econômicos mundiais.
III. A maneira como as pessoas consomem e as empresas
produzem no mercado global influencia o modo de vida,
os aspectos culturais e sociais dos países.IV. Alguns analistas veem a globalização como uma forma
de imperialismo cultural, que aniquilaria as diversida-
des culturais. Outros afirmam que a globalização traz
uma nova forma de diversidade cultural.
V. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação e
informação é um dos principais fatores que contribuempara a globalização.
Marque a alternativa correta:
a) Apenas a afirmação I é correta.
b) Apenas a afirmação II é incorreta.
c) São corretas apenas as afirmações I, III e IV.
d) As afirmações II e V são incorretas.5) Assinale a alternativa que apresenta as características no
mundo do trabalho globalizado:
a) Grande fábrica integrada e verticalizada; inovações tec-
nológicas; produção variável.
b) erceirização nas empresas; fábrica enxuta; produção
variável.
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c) Rigidez; inovações tecnológicas; fábrica com cada vez
mais trabalhadores.
d) Fábrica enxuta; produção variável; sem inovações tec-
nológicas.
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem
Questões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Vimos no capítulo que aylor procurava um trabalhador
adequado para cada tarefa. Acompanhe o diálogo relatado
pelo próprio aylor com um trabalhador, no qual lhe per-guntou se era um operário classificado e se, como tal, con-
seguiria carregar, em vez das 12 toneladas normais, 47 tone-
ladas de barras de ferro em um dia de trabalho, ganhando
por isso U$ 1,85 ao dia. Após obter a resposta afirmativa do
trabalhador, aylor assim encerra a conversa:
Bem, se você é um operário classificado deve fazer exatamente o que
este homem lhe mandar, de manhã à noite. Quando ele disser para
levantar a barra e andar, você levanta e anda, e quando ele mandar
você sentar, você senta e descansa. Você procederá assim durante o
dia todo. E, mais ainda, sem reclamações. Um operário classifica-
do faz justamente o que se lhe manda e não reclama. Entendeu?
Quando este homem mandar você andar, você anda; quando disser
que se sente, você deverá sentar-se e não fazer qualquer observação.
Finalmente, você vem trabalhar aqui e amanhã saberá, antes do
anoitecer, se é um operário classificado ou não. (Codo, 1995)
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Comente a essência desse diálogo à luz do tipo de trabalha-
dor procurado e do controle sobre o trabalho que aparecem no
taylorismo.
2) Dê um exemplo de algum produto que se transformou paracontinuar sendo consumido e que demonstre a passagem
do fordismo para o pós-fordismo.
Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática
Realize o exercício proposto no capítulo. Escolha alguns
produtos industrializados e verifique onde eles foram pro-duzidos. Depois, procure saber a nacionalidade da empresa
que os fabricou. Com este exercício, você poderá perceber a
flexibilidade típica da globalização e do pós-fordismo.
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Considerações finais[...][...]
O primeiro item abordado no livro foi o aspecto histórico
do aparecimento da sociologia. Vimos como o estudo objeti-
vo e sistemático da relação indivíduo-sociedade é um desen- volvimento relativamente recente, cujos primórdios datam do
fim do século XVIII. Um desenvolvimento-chave foi o uso da
ciência para compreender o mundo – a ascensão da abordagem
científica ocasionou uma mudança radical na perspectiva e na
sua compreensão. Podemos perceber como, uma após outra, as
explicações tradicionais e baseadas na religião foram suplanta-das por tentativas de conhecimento racionais e críticas.
O cenário que dá origem à sociologia foi a série de mudan-
ças radicais introduzidas pelas “duas grandes revoluções” da
Europa dos séculos XVIII e XIX. A Revolução Francesa de 1789
marcou o triunfo das ideias e dos valores seculares, como liber-
dade e igualdade, sobre a ordem social tradicional. A segundagrande mudança foi a Revolução Industrial, que começou na
Inglaterra no final do século XVIII. Esse evento histórico oca-
sionou um grande espectro de transformações econômicas e
sociais que cercaram o desenvolvimento de inovações tecno-
lógicas, como a energia e a máquina a vapor. O surgimento da
indústria levou a uma enorme migração de camponeses para
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202202
as fábricas e para o trabalho industrial, causando uma rápida
expansão das áreas urbanas e introduzindo novas formas de
relações sociais.
A ruptura dos modos de vida tradicionais desafiou os pen-
sadores a desenvolverem uma nova compreensão, tanto do
mundo social como do natural. É, então, tendo como pano de
fundo uma sociedade capitalista, urbana e individualista, que
a sociologia começou a sistematizar seu objeto de estudo e a
forma de abordá-lo.
Com base nessas reflexões, analisamos a obra de AugusteComte, que propôs à sociologia um grau de positividade seme-
lhante ao das ciências naturais. Segundo Comte, a metodolo-
gia da sociologia deveria comportar observação, comparação
e classificação à semelhança do que fazem as ciências naturais
e ainda apresentar uma linha evolutiva – filiação histórica –
que permitisse conhecer o passado e que conduzisse ao futuro.Comte vê a sociedade e os indivíduos marcados pela limitação
dentro das leis naturais da sociedade, que devem ser conheci-
das para se avançar na linha evolutiva.
Seguindo o rastro positivista de Comte, introduzimos o es-
tudo de um marco da sociologia: Émile Durkheim, para quem
a sociologia apresenta objeto e métodos próprios – o fato so-cial e o método comparativo. Durkheim desenvolve conceitos e
concepções importantes, como o fato social e suas característi-
cas (exterioridade, coercitividade e generalidade/coletividade),
a distinção entre normal e patológico, os conceitos de anomia
social e de solidariedade mecânica e orgânica.
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Vimos como Karl Marx também considera a dinâmica so-
cial portadora de uma ordem evolutiva. Para ele, o homem e a
sociedade são produtos de um homem e uma sociedade ante-
riores. Marx concentra seus esforços na contradição que o ca-
pitalismo apresenta. As duas principais contradições da socie-
dade moderna e capitalista são, primeiramente, entre as forças
produtivas, que não param de crescer, e as relações de produ-
ção (relações de propriedade e distribuição de renda), que não
se transformam no mesmo ritmo; em segundo lugar, entre o
crescimento da riqueza e o aumento da miséria. Assim, é ne-cessário superar essas duas contradições, quer pelo desenvol-
vimento natural do capitalismo, quer pela revolução socialista,
que acelera esse desenvolvimento.
Outro autor clássico que estudamos foi Max Weber. O pon-
to central da sociologia de Weber é o conceito de ação social.
Esse autor compreende como o ator dá sentido à sua conduta, àsua ação social, orientada racionalmente. Na sociedade moder-
na – marcada por um crescente processo de racionalização –,
o tipo ideal é o recurso que permite a aproximação e a com-
preensão da realidade. Apesar de ver a sociedade marcada por
uma racionalização, Weber considera que existem dimensões
em que a ação social não é racional.Abordamos também os conceitos de cultura, socialização,
instituições sociais e de identidade. De posse de tais conceitos,
é possível construir outro olhar (sociológico) sobre a socieda-
de e as relações sociais, relativizando as diferenças. Esse “outro
olhar” sobre a sociedade foi o exercício que fizemos ao abordar
a relação entre trabalho, globalização e consumo no último ca-pítulo do livro.
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ARON, R. As etapas do pensamento sociológicoAs etapas do pensamento sociológico. São Paulo: M. Fontes,2003. (Coleção ópicos).
É uma obra clássica da sociologia, em que o autor estuda a
fundo as principais obras do pensamento sociológico. Além da
análise, traz o contexto histórico de sua construção e a biografia
dos autores.FORACCHI, M. M.; MARINS, J. S. (Org.). Sociologia e sociedadeSociologia e sociedade: leitu-
ras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LC, 1977.
A obra traz uma coletânea de textos de autores clássicos da so-
ciologia, abordando temas importantes da disciplina, e não fica
restrita a apenas uma linha explicativa.
GIDDENS, A. SociologiaSociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
Trata-se de uma obra enciclopédica. Apesar de ficar restrita
ao meio social e cultural europeu nos exemplos e nas problema-
tizações, é uma obra abrangente e ao mesmo tempo específica.
Apresenta temas básicos, autores clássicos e abordagens de gênero,
sexualidade, família, vida urbana, mídia e comunicação de mas-
sa, entre outras.
Bibliografia comentada[...][...]
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MARINS, C. B. O que é sociologiaO que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2006. (ColeçãoPrimeiros Passos, v. 57).
Apresenta o contexto histórico do surgimento da sociologia e
também as contribuições de alguns dos principais autores para o
referencial teórico da disciplina. É um livro de introdução, comum bom panorama geral para iniciantes.
LARAIA, R. B. CulturaCultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: J. Zahar,1993.
O livro apresenta um tema bem específico: a cultura. Faz uma
abordagem antropológica do conceito de cultura, apresentando o
desenvolvimento teórico e prático desse conceito. Apesar de tratarapenas de um único tema, sua leitura é prazerosa e instigante.
QUINANEIRO, .; BARBOSA, M. L. de O.; OLIVEIRA, M. G. M. UmUmtoque de clássicostoque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Ed. daUFMG, 2002.
O livro apresenta uma leitura dos três clássicos da sociologia
– Durkheim, Marx e Weber –, abordando conceitos centrais dasobras dos autores.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidosManuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
RODRIGUES, J. A. (Org.); FERNANDES, F. (Coord.). Émile DurkheimÉmile Durkheim:sociologia. São Paulo: Ática, 1988. (Coleção Grandes Cientistas Sociais,
v. 1).
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismoA ética protestante e o espírito do capitalismo. 14. ed. SãoPaulo, Pioneira, 1999.
São três obras clássicas da sociologia, de leitura imprescindí-
vel para aqueles que almejam um conhecimento mais profundo
da disciplina e um contato mais aproximado com as leituras clás-
sicas da sociologia.
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Capítulo 1Capítulo 1Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. c
2. a
3. c
4. b5. b
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) As modificações no trabalho retiram o mestre artesão de
sua oficina e o trabalho passa a ser feito na fábrica, ondeobedece a uma outra lógica. Nesse processo, o trabalhador
perde o controle sobre o seu trabalho, sofrendo uma des-
qualificação. Ele, que dominava todo o processo de pro-
dução, torna-se, na fábrica, alguém que opera apenas uma
parte do processo produtivo. ambém é submetido a uma
disciplina à qual não estava acostumado.
Respostas[...][...]
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2) A sociologia está ligada aos problemas provocados pela mu-
dança da ordem social oriundos da emergência do capita-
lismo. Esses problemas desafiam os pensadores a formular
uma resposta com base científica e racional. Surge, então, a
necessidade de uma ciência que possa dar conta dos proble-
mas da sociedade. A sociologia é, portanto, uma ciência que
surge num momento de crise na sociedade, com o objetivo
de dar possíveis respostas.
Capítulo 2Capítulo 2Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. d
2. c
3. c
4. a
5. b
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Para Durkheim, a sociedade prevalece sobre os indivíduos. É
ela que os forma e os molda, fornecendo-lhe as alternativas
para que construa suas particularidades. Nesse sentido, é a
sociedade que forma o indivíduo, e não o indivíduo que for-ma a sociedade.
2) ratá-lo como “coisa” quer dizer tratá-lo como algo que o
conhecimento humano não penetra de modo imediato, ne-
cessitando do auxílio da inteligência para compreendê-lo.
Com essa perspectiva, Durkheim procura também afastar
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215215
as noções do senso comum no tratamento do objeto da so-
ciologia.
Capítulo 3Capítulo 3Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. b
2. d
3. c
4. d
5. a
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Segundo Marx, a ideologia apresenta aos homens uma fal-
sa representação da realidade, fazendo com que eles não
percebam claramente a realidade. O conjunto de ideias e
noções produzidas pela ideologia é inculcado nos traba-lhadores e eles passam a interpretar a realidade com base
nessas ideias. Passam então a se comportar como a classe
dominante quer que se comportem e, por conseguinte, não
percebem que são explorados pelo sistema capitalista, em
que a maior parte do salário é apropriada pela classe domi-
nante. Interpretam como natural o fato de receberem um
salário, depois de produzirem toda a riqueza da sociedade.
2) Algumas das principais características do sistema capitalista,
segundo Marx, são: (1) a primeira contradição básica entre
o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de
produção; (2) a contradição entre o crescimento da riqueza
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216216
e o aumento da miséria; (3) a relação de complementaridade
entre a classe capitalista e a classe trabalhadora; (4) a produ-
ção de mercadorias visando à acumulação; (5) a apropria-
ção privada da riqueza por aqueles que são proprietários
dos meios de produção; (6) a produção de uma ideologia
que confere uma falsa consciência aos homens, no sentido
como colocado na questão 1; (7) considera o capitalismo
como a história da expropriação do trabalhador.
Capítulo 4Capítulo 4Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. d
2. c
3. c
4. b
5. a
Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) Alguns do principais pontos da análise de Weber sobre o
capitalismo são: (1) considera o capitalismo o “reino” da ra-
cionalidade; (2) entende que a sociedade capitalista passa
do “agir em comunidade” para o “agir em sociedade”; (3)
na sua análise do capitalismo, o trabalho aparece como um
elemento condicionado pela ética puritana; (4) a riqueza é
interpretada à luz da ética puritana e do espírito do capita-
lismo; (5) intenso processo de burocratização.
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217217
Para Marx, as principais características do capitalismo são:
(1) a contradição básica entre o desenvolvimento das for-
ças produtivas e as realções de produção; (2) a contradição
entre o aumento da riqueza e o crescimento da miséria; (3)
a produção de mercadorias visando à acumulação; (4) a
apropriação privada da riqueza por aqueles que são donos
dos meios de produção; (5) a produção de uma ideologia
que fornece aos homens uma falsa consciência; (6) o capi-
talismo é apresentado como a história da expropriação do
trabalhador.2) Weber considera que a sociedade moderna passa por um
intenso processo de burocratização. A burocracia significa
uma forma moderna de extrair obediência. Ou seja, as pes-
soas obedecem a quem ocupa um lugar na estrutura bu-
rocrática definida. A fala do comandante nazista − “Eu só
estava cumprindo ordens” − mostra como ele podia ser um
indivíduo submetido à burocracia no Estado nazista. Assim,
não tinha poder para contrariar as ordens recebidas, tendo
de cumpri-las pela sua posição nessa estrutura burocrática.
Capítulo 5Capítulo 5Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. d
2. d
3. b
4. a
5. c
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Atividade de aprendizagemAtividade de aprendizagemQuestão para reflexãoQuestão para reflexão
O personagem arzan é alguém que cresceu na selva e teo-
ricamente não passou por um processo de socialização. Nãoaprendeu, dessa forma, a ser um membro de uma sociedade.
Contudo, apresenta-se com vários aspectos que são sociais:
andar, falar, estar minimamente vestido, nadar como os se-
res humanos e não como os animais. Com base na história
de Amala e Kamala e no que foi estudado sobre o processo
de socialização, isso seria impossível, ou, pelo menos, pou-co provável.
Capítulo 6Capítulo 6Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação
1. d
2. a
3. b
4. b
5. b
Atividade de aprendizagemAtividade de aprendizagemQuestões para reflexãoQuestões para reflexão
1) aylor procurava um trabalhador chamado de “tipo bovino”,
ou seja, um trabalhador forte, dócil, que não contestasse as
ordens dadas. O trabalhador precisava ser forte para su-
portar o novo ritmo, muito mais intenso, ditado pelo taylo-
rismo e dócil porque quem ditaria esse ritmo, controlaria
suas ações e tomaria suas decisões seria a gerência científica.
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Assim, esse trabalhador teria de aceitar passivamente essa
imposição de novos padrões de controle sobre seu trabalho.
E obviamente ficaria mais fácil impor tais padrões se o tra-
balhador os aceitasse.
2) Como exemplo de produtos que marcam a passagem do
fordismo para o pós-fordismo, podemos citar os aparelhos
telefônicos que evoluem até os celulares. Os celulares, por
sua vez, modificam-se, incluindo rádios, identificadores de
chamadas, capacidade de tirar fotos, televisão, entre outros
elementos. Outro exemplo são os carros, que cada vez mo-dificam-se mais para atrair os consumidores.
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Nota sobre o autor[...][...]
Alessandro Eziquiel da Paixão é graduado em Ciências Sociais
e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Foi professor durante dois anos do Departamento deEducação da mesma universidade. Atualmente é professor de
sociologia da rede pública de ensino do Estado do Paraná.
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Você sabe como nossa sociedade se organiza? Qual é nossa
estrutura política, como se dão as relações de trabalho em que
estamos ou poderemos estar inseridos?
As respostas a essas perguntas podem, certamente, ser dadas
pelo senso comum. Contudo, essas respostas não serão consi-
deradas explicações sociológicas. Afinal, os problemas levan-
tados pela sociologia não são necessariamente sociais. As
questões trazidas por eles são teóricas, construídas com base na
análise de aspectos históricos econômicos culturais e sociais