Revista Estudos Amazocircnicos bull vol XIII nordm 1 (2015) pp 214-249
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute Retomando os fios da histoacuteria1
Rosani de F Fernandes2
Resumo O artigo problematiza a accedilatildeo dos Freis Capuchinhos Lombardos e
do Estado brasileiro junto aos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do
Paraacute via poliacuteticas de aldeamento catequese e civilizaccedilatildeo no periacuteodo
que compreende o final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX o
que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena frente agraves estrateacutegias de
silenciamento no Nuacutecleo Colonial Santo Antocircnio do Prata em
Igarapeacute-Accediluacute no Paraacute Discute-se o processo de reafirmaccedilatildeo e
fortalecimento eacutetnico-identitaacuterio e os esforccedilos empreendidos pelas
comunidades Jeju e Areal que se intensificaram a partir de 2003
com a criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do
Paraacute (AITESAMPA) importante articuladora social poliacutetica e
cultural nos empreendimentos de retomada do territoacuterio
tradicional invadido pelos natildeo indiacutegenas Considera-se as
narrativas das lideranccedilas Tembeacute equivalentes aos documentos
escritos dono periacuteodo e a referecircncia bibliograacutefica sobre o tema
quando denunciam novas formas de violaccedilatildeo de direitos como a
natildeo demarcaccedilatildeo da terra o natildeo acesso agraves poliacuteticas especiacuteficas de
sauacutede e educaccedilatildeo e o preconceito institucional que configuram
novas formas de silenciamento eacutetnico
Palavras-chave Tembeacute Tenetehara Resistecircncias Catequese Civilizaccedilatildeo
Abstract The article discusses the action of the Capuchins Lombards Friars
and the Brazilian State alongside the Tembeacute Tenetehara of Santa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 215
Maria do Paraacute via settlement policies catechesis and civilization in
the period from the late XIX century and early XX century which
did not occurred without the indigenous resistance against the
silencing strategies in the Colonial Center Santo Antonio do Prata
in Igarapeacute-Accedilu State of Paraacute It discusses the process of
reaffirmation ethnic identity strengthening and the efforts made
by the Jeju and Areal communities which intensified since 2003
with the creation of the Tembeacute Indigenous Association of Santa
Maria do Paraacute (AITESAMPA) important social political and
cultural articulation development in the resumption of the
traditional territory invaded by non-indigenous It is considered the
Tembeacute leaders narratives equivalent to the written documents of
the time and the bibliographic reference on the subject when
denouncing new forms of rights violations such as non-
demarcation of the land lack of access to specific health and
education policies and the institutional prejudice that sets new
forms of ethnic silencing
Keywords Tembeacute Tenetehara Resistance Evangelization Civilization
Para iniacutecio de conversa
Os Tembeacute Tenetehara que se autodeterminam ldquode Santa Maria do Paraacuterdquo
estatildeo localizados nas aldeias Jeju e Areal situadas nos limites do municiacutepio
de Santa Maria do Paraacute3 Conforme narram os proacuteprios Tembeacute o municiacutepio
avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional expulsando-os ou seja
a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100 quilocircmetros de Beleacutem
capital do Estado o municiacutepio estaacute situado na regiatildeo do chamado
Nordeste paraense e eacute cortado pela rodovia BR 316 que concentra grande
fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a populaccedilatildeo do municiacutepio em
216 bull Revista Estudos Amazocircnicos
especial os indiacutegenas que viram a cidade avanccedilar sobre os lugares de
obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre os locais considerados sagrados
como os cemiteacuterios que estatildeo hoje em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos
protagonistas
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais financiadas pelo Estado brasileiro e
pelos missionaacuterios catoacutelicos capuchinhos os Tembeacute passaram a conviver
desde a segunda metade do seacuteculo XIX com regionais religiosos e agentes
do Estado com os quais passaram a se relacionar e estabelecer formas de
negociaccedilatildeo quase sempre marcadas por tensotildees e conflitos que satildeo
caracteriacutesticos das relaccedilotildees de contato frente agraves dinacircmicas coloniais
empreendidas
No entanto as accedilotildees etnocidas do Estado natildeo significaram o
esquecimento e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a
memoacuteria Tembeacute eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos
narradores por excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para as
novas geraccedilotildees pela oralidade vem agrave lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico Tembeacute Tenetehara Em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional onde vivem hoje bem como promover o fortalecimento da
identidade eacutetnica passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de
concretizar parcerias poliacuteticas para reivindicar direitos Em janeiro de
2003 fundaram4 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
(AITESAMPA)5
Com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo escolar natildeo haacute escola especiacutefica nas aldeias
Jeju e Areal os indiacutegenas estudantes frequentam as mesmas escolas dos
natildeo indiacutegenas sendo sujeitos agraves diversas formas de preconceito e conflitos
em funccedilatildeo das tensotildees histoacutericas advindas sobretudo da reivindicaccedilatildeo da
terra
As narrativas de estudantes de pessoas da comunidade que trabalham
na escola de lideranccedilas e pais de estudantes informam as muitas situaccedilotildees
Revista Estudos Amazocircnicos bull 217
de preconceito e racismo a que os estudantes satildeo submetidos Os relatos
indicam que alguns professores comparam as pinturas corporais Tembeacute
Tenetehara agrave ldquocoisa da besta ferardquo conforme tambeacutem denuncia Dona Maria
Francisca a Capitoa da aldeia Jeju ldquo nessa aula agora satildeo discriminados
antes iam ateacute descalccedilo pra aula e natildeo tinha defeito a pintura tambeacutem
eles discriminam que eacute o sinal da besta fera que eles dizem porque os
meninos vatildeo pintadordquo6
A educaccedilatildeo escolar eacute uma das prioridades das comunidades No
periacuteodo de 14 a 16 de marccedilo de 2014 foi realizada no Centro Cultural da
aldeia Areal a ldquoVI Assembleia Geral da AITESAMPArdquo com o propoacutesito
de eleger a nova diretoria e debater o tema escolhido para a reuniatildeo
ldquoTerra Educaccedilatildeo e Sauacutederdquo Na ocasiatildeo o cacique Miguel Carvalho da
Silva falou sobre a importacircncia da retomada da terra para o posterior
acesso aos demais direitos como sauacutede e educaccedilatildeo As reuniotildees da
comunidade tambeacutem satildeo espaccedilos de retomada das narrativas histoacutericas
Tenetehara eacute quando Seu Miguel narrador por excelecircncia relembra e
repete as histoacuterias que ldquoaprendeu com sua matildeerdquo e assim contando as
histoacuterias coletivamente ldquopara natildeo esquecer quem satildeordquo fortalecem a
identidade eacutetnica e reivindicam direitos indiacutegenas As reuniotildees satildeo nesse
sentido momentos poliacuteticos importantes de avaliaccedilatildeo e planejamento e
foram intensificadas especialmente a partir de 1999 quando decididos
pela retomada de parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute passaram a
realizar encontros coletivos com o objetivo de concretizar parcerias
poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos limites
da sede do municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute elaboram novas
formas de territorialidade a partir do pertencimento eacutetnico que os unifica
em torno de objetivos em comum mediados pela AITESAMPA
organizaccedilatildeo7 por meio da qual discutem e executam estrateacutegias coletivas
de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo Estado
218 bull Revista Estudos Amazocircnicos
brasileiro conforme discute Edimar Antonio Fernandes (2013)8 na
dissertaccedilatildeo de mestrado elaborada junto aos Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
e que problematiza a importacircncia da associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA
tem portanto importacircncia simboacutelica e ritual porque atua internamente
em torno de objetivos comuns ao mesmo tempo em que os representa
externamente
Estado amp Igreja produzindo ldquosilenciamentosrdquo eacutetnicos no
seacuteculo XIX
Os locais de ajuntamento de indiacutegenas denominados Nuacutecleos Coloniais
eram parte da poliacutetica de expansatildeo colonizadora que compreendia as
dimensotildees administrativas educacionais meacutedicas-sanitaacuterias religiosas e
territoriais No Paraacute a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial Indiacutegena Santo Antonio do
Maracanatilde posteriormente denominado Colocircnia Indiacutegena Santo Antonio do
Prata pelo entatildeo governador Paes de Carvalho era retratada como fruto
da altivez e visatildeo ampliada do poliacutetico conforme menciona Muniz9
Construiacutedo em solo Tembeacute Tenetehara sobre uma das aldeias onde estavam
localizados no entatildeo municiacutepio de ldquoIgarapeacute-Assuacuterdquo no ano de 1898 o
Nuacutecleo tinha como escopo colocar em praacutetica o vasto ldquoPrograma de
Colonizaccedilatildeordquo e levar ldquocivilizaccedilatildeordquo por meio da catequizaccedilatildeo aos Tembeacute
Tenetehara que ali se encontravam conforme indica a narrativa de Dona
Maria a Capitoa da Aldeia Jeju e de Seu Miguel cacique da aldeia Areal
quando referem que o local eacute parte do territoacuterio Tembeacute
Entregue agrave Ordem dos Freis Capuchinhos Lombardos da Missatildeo do Norte10
por um periacuteodo de 15 anos constando em contrato assinado pelo entatildeo
governador Paes de Carvalho os freis iniciaram o trabalho de catequizaccedilatildeo
de meninos e meninas indiacutegenas ldquosequestradosrdquo das famiacutelias para fins
educacionais e de cristianizaccedilatildeo tudo realizado com financiamento do
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 215
Maria do Paraacute via settlement policies catechesis and civilization in
the period from the late XIX century and early XX century which
did not occurred without the indigenous resistance against the
silencing strategies in the Colonial Center Santo Antonio do Prata
in Igarapeacute-Accedilu State of Paraacute It discusses the process of
reaffirmation ethnic identity strengthening and the efforts made
by the Jeju and Areal communities which intensified since 2003
with the creation of the Tembeacute Indigenous Association of Santa
Maria do Paraacute (AITESAMPA) important social political and
cultural articulation development in the resumption of the
traditional territory invaded by non-indigenous It is considered the
Tembeacute leaders narratives equivalent to the written documents of
the time and the bibliographic reference on the subject when
denouncing new forms of rights violations such as non-
demarcation of the land lack of access to specific health and
education policies and the institutional prejudice that sets new
forms of ethnic silencing
Keywords Tembeacute Tenetehara Resistance Evangelization Civilization
Para iniacutecio de conversa
Os Tembeacute Tenetehara que se autodeterminam ldquode Santa Maria do Paraacuterdquo
estatildeo localizados nas aldeias Jeju e Areal situadas nos limites do municiacutepio
de Santa Maria do Paraacute3 Conforme narram os proacuteprios Tembeacute o municiacutepio
avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional expulsando-os ou seja
a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100 quilocircmetros de Beleacutem
capital do Estado o municiacutepio estaacute situado na regiatildeo do chamado
Nordeste paraense e eacute cortado pela rodovia BR 316 que concentra grande
fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a populaccedilatildeo do municiacutepio em
216 bull Revista Estudos Amazocircnicos
especial os indiacutegenas que viram a cidade avanccedilar sobre os lugares de
obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre os locais considerados sagrados
como os cemiteacuterios que estatildeo hoje em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos
protagonistas
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais financiadas pelo Estado brasileiro e
pelos missionaacuterios catoacutelicos capuchinhos os Tembeacute passaram a conviver
desde a segunda metade do seacuteculo XIX com regionais religiosos e agentes
do Estado com os quais passaram a se relacionar e estabelecer formas de
negociaccedilatildeo quase sempre marcadas por tensotildees e conflitos que satildeo
caracteriacutesticos das relaccedilotildees de contato frente agraves dinacircmicas coloniais
empreendidas
No entanto as accedilotildees etnocidas do Estado natildeo significaram o
esquecimento e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a
memoacuteria Tembeacute eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos
narradores por excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para as
novas geraccedilotildees pela oralidade vem agrave lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico Tembeacute Tenetehara Em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional onde vivem hoje bem como promover o fortalecimento da
identidade eacutetnica passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de
concretizar parcerias poliacuteticas para reivindicar direitos Em janeiro de
2003 fundaram4 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
(AITESAMPA)5
Com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo escolar natildeo haacute escola especiacutefica nas aldeias
Jeju e Areal os indiacutegenas estudantes frequentam as mesmas escolas dos
natildeo indiacutegenas sendo sujeitos agraves diversas formas de preconceito e conflitos
em funccedilatildeo das tensotildees histoacutericas advindas sobretudo da reivindicaccedilatildeo da
terra
As narrativas de estudantes de pessoas da comunidade que trabalham
na escola de lideranccedilas e pais de estudantes informam as muitas situaccedilotildees
Revista Estudos Amazocircnicos bull 217
de preconceito e racismo a que os estudantes satildeo submetidos Os relatos
indicam que alguns professores comparam as pinturas corporais Tembeacute
Tenetehara agrave ldquocoisa da besta ferardquo conforme tambeacutem denuncia Dona Maria
Francisca a Capitoa da aldeia Jeju ldquo nessa aula agora satildeo discriminados
antes iam ateacute descalccedilo pra aula e natildeo tinha defeito a pintura tambeacutem
eles discriminam que eacute o sinal da besta fera que eles dizem porque os
meninos vatildeo pintadordquo6
A educaccedilatildeo escolar eacute uma das prioridades das comunidades No
periacuteodo de 14 a 16 de marccedilo de 2014 foi realizada no Centro Cultural da
aldeia Areal a ldquoVI Assembleia Geral da AITESAMPArdquo com o propoacutesito
de eleger a nova diretoria e debater o tema escolhido para a reuniatildeo
ldquoTerra Educaccedilatildeo e Sauacutederdquo Na ocasiatildeo o cacique Miguel Carvalho da
Silva falou sobre a importacircncia da retomada da terra para o posterior
acesso aos demais direitos como sauacutede e educaccedilatildeo As reuniotildees da
comunidade tambeacutem satildeo espaccedilos de retomada das narrativas histoacutericas
Tenetehara eacute quando Seu Miguel narrador por excelecircncia relembra e
repete as histoacuterias que ldquoaprendeu com sua matildeerdquo e assim contando as
histoacuterias coletivamente ldquopara natildeo esquecer quem satildeordquo fortalecem a
identidade eacutetnica e reivindicam direitos indiacutegenas As reuniotildees satildeo nesse
sentido momentos poliacuteticos importantes de avaliaccedilatildeo e planejamento e
foram intensificadas especialmente a partir de 1999 quando decididos
pela retomada de parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute passaram a
realizar encontros coletivos com o objetivo de concretizar parcerias
poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos limites
da sede do municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute elaboram novas
formas de territorialidade a partir do pertencimento eacutetnico que os unifica
em torno de objetivos em comum mediados pela AITESAMPA
organizaccedilatildeo7 por meio da qual discutem e executam estrateacutegias coletivas
de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo Estado
218 bull Revista Estudos Amazocircnicos
brasileiro conforme discute Edimar Antonio Fernandes (2013)8 na
dissertaccedilatildeo de mestrado elaborada junto aos Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
e que problematiza a importacircncia da associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA
tem portanto importacircncia simboacutelica e ritual porque atua internamente
em torno de objetivos comuns ao mesmo tempo em que os representa
externamente
Estado amp Igreja produzindo ldquosilenciamentosrdquo eacutetnicos no
seacuteculo XIX
Os locais de ajuntamento de indiacutegenas denominados Nuacutecleos Coloniais
eram parte da poliacutetica de expansatildeo colonizadora que compreendia as
dimensotildees administrativas educacionais meacutedicas-sanitaacuterias religiosas e
territoriais No Paraacute a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial Indiacutegena Santo Antonio do
Maracanatilde posteriormente denominado Colocircnia Indiacutegena Santo Antonio do
Prata pelo entatildeo governador Paes de Carvalho era retratada como fruto
da altivez e visatildeo ampliada do poliacutetico conforme menciona Muniz9
Construiacutedo em solo Tembeacute Tenetehara sobre uma das aldeias onde estavam
localizados no entatildeo municiacutepio de ldquoIgarapeacute-Assuacuterdquo no ano de 1898 o
Nuacutecleo tinha como escopo colocar em praacutetica o vasto ldquoPrograma de
Colonizaccedilatildeordquo e levar ldquocivilizaccedilatildeordquo por meio da catequizaccedilatildeo aos Tembeacute
Tenetehara que ali se encontravam conforme indica a narrativa de Dona
Maria a Capitoa da Aldeia Jeju e de Seu Miguel cacique da aldeia Areal
quando referem que o local eacute parte do territoacuterio Tembeacute
Entregue agrave Ordem dos Freis Capuchinhos Lombardos da Missatildeo do Norte10
por um periacuteodo de 15 anos constando em contrato assinado pelo entatildeo
governador Paes de Carvalho os freis iniciaram o trabalho de catequizaccedilatildeo
de meninos e meninas indiacutegenas ldquosequestradosrdquo das famiacutelias para fins
educacionais e de cristianizaccedilatildeo tudo realizado com financiamento do
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
216 bull Revista Estudos Amazocircnicos
especial os indiacutegenas que viram a cidade avanccedilar sobre os lugares de
obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre os locais considerados sagrados
como os cemiteacuterios que estatildeo hoje em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos
protagonistas
Submetidos agraves poliacuteticas coloniais financiadas pelo Estado brasileiro e
pelos missionaacuterios catoacutelicos capuchinhos os Tembeacute passaram a conviver
desde a segunda metade do seacuteculo XIX com regionais religiosos e agentes
do Estado com os quais passaram a se relacionar e estabelecer formas de
negociaccedilatildeo quase sempre marcadas por tensotildees e conflitos que satildeo
caracteriacutesticos das relaccedilotildees de contato frente agraves dinacircmicas coloniais
empreendidas
No entanto as accedilotildees etnocidas do Estado natildeo significaram o
esquecimento e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a
memoacuteria Tembeacute eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos
narradores por excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para as
novas geraccedilotildees pela oralidade vem agrave lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento
eacutetnico Tembeacute Tenetehara Em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio
tradicional onde vivem hoje bem como promover o fortalecimento da
identidade eacutetnica passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de
concretizar parcerias poliacuteticas para reivindicar direitos Em janeiro de
2003 fundaram4 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
(AITESAMPA)5
Com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo escolar natildeo haacute escola especiacutefica nas aldeias
Jeju e Areal os indiacutegenas estudantes frequentam as mesmas escolas dos
natildeo indiacutegenas sendo sujeitos agraves diversas formas de preconceito e conflitos
em funccedilatildeo das tensotildees histoacutericas advindas sobretudo da reivindicaccedilatildeo da
terra
As narrativas de estudantes de pessoas da comunidade que trabalham
na escola de lideranccedilas e pais de estudantes informam as muitas situaccedilotildees
Revista Estudos Amazocircnicos bull 217
de preconceito e racismo a que os estudantes satildeo submetidos Os relatos
indicam que alguns professores comparam as pinturas corporais Tembeacute
Tenetehara agrave ldquocoisa da besta ferardquo conforme tambeacutem denuncia Dona Maria
Francisca a Capitoa da aldeia Jeju ldquo nessa aula agora satildeo discriminados
antes iam ateacute descalccedilo pra aula e natildeo tinha defeito a pintura tambeacutem
eles discriminam que eacute o sinal da besta fera que eles dizem porque os
meninos vatildeo pintadordquo6
A educaccedilatildeo escolar eacute uma das prioridades das comunidades No
periacuteodo de 14 a 16 de marccedilo de 2014 foi realizada no Centro Cultural da
aldeia Areal a ldquoVI Assembleia Geral da AITESAMPArdquo com o propoacutesito
de eleger a nova diretoria e debater o tema escolhido para a reuniatildeo
ldquoTerra Educaccedilatildeo e Sauacutederdquo Na ocasiatildeo o cacique Miguel Carvalho da
Silva falou sobre a importacircncia da retomada da terra para o posterior
acesso aos demais direitos como sauacutede e educaccedilatildeo As reuniotildees da
comunidade tambeacutem satildeo espaccedilos de retomada das narrativas histoacutericas
Tenetehara eacute quando Seu Miguel narrador por excelecircncia relembra e
repete as histoacuterias que ldquoaprendeu com sua matildeerdquo e assim contando as
histoacuterias coletivamente ldquopara natildeo esquecer quem satildeordquo fortalecem a
identidade eacutetnica e reivindicam direitos indiacutegenas As reuniotildees satildeo nesse
sentido momentos poliacuteticos importantes de avaliaccedilatildeo e planejamento e
foram intensificadas especialmente a partir de 1999 quando decididos
pela retomada de parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute passaram a
realizar encontros coletivos com o objetivo de concretizar parcerias
poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos limites
da sede do municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute elaboram novas
formas de territorialidade a partir do pertencimento eacutetnico que os unifica
em torno de objetivos em comum mediados pela AITESAMPA
organizaccedilatildeo7 por meio da qual discutem e executam estrateacutegias coletivas
de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo Estado
218 bull Revista Estudos Amazocircnicos
brasileiro conforme discute Edimar Antonio Fernandes (2013)8 na
dissertaccedilatildeo de mestrado elaborada junto aos Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
e que problematiza a importacircncia da associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA
tem portanto importacircncia simboacutelica e ritual porque atua internamente
em torno de objetivos comuns ao mesmo tempo em que os representa
externamente
Estado amp Igreja produzindo ldquosilenciamentosrdquo eacutetnicos no
seacuteculo XIX
Os locais de ajuntamento de indiacutegenas denominados Nuacutecleos Coloniais
eram parte da poliacutetica de expansatildeo colonizadora que compreendia as
dimensotildees administrativas educacionais meacutedicas-sanitaacuterias religiosas e
territoriais No Paraacute a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial Indiacutegena Santo Antonio do
Maracanatilde posteriormente denominado Colocircnia Indiacutegena Santo Antonio do
Prata pelo entatildeo governador Paes de Carvalho era retratada como fruto
da altivez e visatildeo ampliada do poliacutetico conforme menciona Muniz9
Construiacutedo em solo Tembeacute Tenetehara sobre uma das aldeias onde estavam
localizados no entatildeo municiacutepio de ldquoIgarapeacute-Assuacuterdquo no ano de 1898 o
Nuacutecleo tinha como escopo colocar em praacutetica o vasto ldquoPrograma de
Colonizaccedilatildeordquo e levar ldquocivilizaccedilatildeordquo por meio da catequizaccedilatildeo aos Tembeacute
Tenetehara que ali se encontravam conforme indica a narrativa de Dona
Maria a Capitoa da Aldeia Jeju e de Seu Miguel cacique da aldeia Areal
quando referem que o local eacute parte do territoacuterio Tembeacute
Entregue agrave Ordem dos Freis Capuchinhos Lombardos da Missatildeo do Norte10
por um periacuteodo de 15 anos constando em contrato assinado pelo entatildeo
governador Paes de Carvalho os freis iniciaram o trabalho de catequizaccedilatildeo
de meninos e meninas indiacutegenas ldquosequestradosrdquo das famiacutelias para fins
educacionais e de cristianizaccedilatildeo tudo realizado com financiamento do
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 217
de preconceito e racismo a que os estudantes satildeo submetidos Os relatos
indicam que alguns professores comparam as pinturas corporais Tembeacute
Tenetehara agrave ldquocoisa da besta ferardquo conforme tambeacutem denuncia Dona Maria
Francisca a Capitoa da aldeia Jeju ldquo nessa aula agora satildeo discriminados
antes iam ateacute descalccedilo pra aula e natildeo tinha defeito a pintura tambeacutem
eles discriminam que eacute o sinal da besta fera que eles dizem porque os
meninos vatildeo pintadordquo6
A educaccedilatildeo escolar eacute uma das prioridades das comunidades No
periacuteodo de 14 a 16 de marccedilo de 2014 foi realizada no Centro Cultural da
aldeia Areal a ldquoVI Assembleia Geral da AITESAMPArdquo com o propoacutesito
de eleger a nova diretoria e debater o tema escolhido para a reuniatildeo
ldquoTerra Educaccedilatildeo e Sauacutederdquo Na ocasiatildeo o cacique Miguel Carvalho da
Silva falou sobre a importacircncia da retomada da terra para o posterior
acesso aos demais direitos como sauacutede e educaccedilatildeo As reuniotildees da
comunidade tambeacutem satildeo espaccedilos de retomada das narrativas histoacutericas
Tenetehara eacute quando Seu Miguel narrador por excelecircncia relembra e
repete as histoacuterias que ldquoaprendeu com sua matildeerdquo e assim contando as
histoacuterias coletivamente ldquopara natildeo esquecer quem satildeordquo fortalecem a
identidade eacutetnica e reivindicam direitos indiacutegenas As reuniotildees satildeo nesse
sentido momentos poliacuteticos importantes de avaliaccedilatildeo e planejamento e
foram intensificadas especialmente a partir de 1999 quando decididos
pela retomada de parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute passaram a
realizar encontros coletivos com o objetivo de concretizar parcerias
poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico
Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos limites
da sede do municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute elaboram novas
formas de territorialidade a partir do pertencimento eacutetnico que os unifica
em torno de objetivos em comum mediados pela AITESAMPA
organizaccedilatildeo7 por meio da qual discutem e executam estrateacutegias coletivas
de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo Estado
218 bull Revista Estudos Amazocircnicos
brasileiro conforme discute Edimar Antonio Fernandes (2013)8 na
dissertaccedilatildeo de mestrado elaborada junto aos Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
e que problematiza a importacircncia da associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA
tem portanto importacircncia simboacutelica e ritual porque atua internamente
em torno de objetivos comuns ao mesmo tempo em que os representa
externamente
Estado amp Igreja produzindo ldquosilenciamentosrdquo eacutetnicos no
seacuteculo XIX
Os locais de ajuntamento de indiacutegenas denominados Nuacutecleos Coloniais
eram parte da poliacutetica de expansatildeo colonizadora que compreendia as
dimensotildees administrativas educacionais meacutedicas-sanitaacuterias religiosas e
territoriais No Paraacute a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial Indiacutegena Santo Antonio do
Maracanatilde posteriormente denominado Colocircnia Indiacutegena Santo Antonio do
Prata pelo entatildeo governador Paes de Carvalho era retratada como fruto
da altivez e visatildeo ampliada do poliacutetico conforme menciona Muniz9
Construiacutedo em solo Tembeacute Tenetehara sobre uma das aldeias onde estavam
localizados no entatildeo municiacutepio de ldquoIgarapeacute-Assuacuterdquo no ano de 1898 o
Nuacutecleo tinha como escopo colocar em praacutetica o vasto ldquoPrograma de
Colonizaccedilatildeordquo e levar ldquocivilizaccedilatildeordquo por meio da catequizaccedilatildeo aos Tembeacute
Tenetehara que ali se encontravam conforme indica a narrativa de Dona
Maria a Capitoa da Aldeia Jeju e de Seu Miguel cacique da aldeia Areal
quando referem que o local eacute parte do territoacuterio Tembeacute
Entregue agrave Ordem dos Freis Capuchinhos Lombardos da Missatildeo do Norte10
por um periacuteodo de 15 anos constando em contrato assinado pelo entatildeo
governador Paes de Carvalho os freis iniciaram o trabalho de catequizaccedilatildeo
de meninos e meninas indiacutegenas ldquosequestradosrdquo das famiacutelias para fins
educacionais e de cristianizaccedilatildeo tudo realizado com financiamento do
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
218 bull Revista Estudos Amazocircnicos
brasileiro conforme discute Edimar Antonio Fernandes (2013)8 na
dissertaccedilatildeo de mestrado elaborada junto aos Tembeacute de Santa Maria do Paraacute
e que problematiza a importacircncia da associaccedilatildeo no fortalecimento da
identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA
tem portanto importacircncia simboacutelica e ritual porque atua internamente
em torno de objetivos comuns ao mesmo tempo em que os representa
externamente
Estado amp Igreja produzindo ldquosilenciamentosrdquo eacutetnicos no
seacuteculo XIX
Os locais de ajuntamento de indiacutegenas denominados Nuacutecleos Coloniais
eram parte da poliacutetica de expansatildeo colonizadora que compreendia as
dimensotildees administrativas educacionais meacutedicas-sanitaacuterias religiosas e
territoriais No Paraacute a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial Indiacutegena Santo Antonio do
Maracanatilde posteriormente denominado Colocircnia Indiacutegena Santo Antonio do
Prata pelo entatildeo governador Paes de Carvalho era retratada como fruto
da altivez e visatildeo ampliada do poliacutetico conforme menciona Muniz9
Construiacutedo em solo Tembeacute Tenetehara sobre uma das aldeias onde estavam
localizados no entatildeo municiacutepio de ldquoIgarapeacute-Assuacuterdquo no ano de 1898 o
Nuacutecleo tinha como escopo colocar em praacutetica o vasto ldquoPrograma de
Colonizaccedilatildeordquo e levar ldquocivilizaccedilatildeordquo por meio da catequizaccedilatildeo aos Tembeacute
Tenetehara que ali se encontravam conforme indica a narrativa de Dona
Maria a Capitoa da Aldeia Jeju e de Seu Miguel cacique da aldeia Areal
quando referem que o local eacute parte do territoacuterio Tembeacute
Entregue agrave Ordem dos Freis Capuchinhos Lombardos da Missatildeo do Norte10
por um periacuteodo de 15 anos constando em contrato assinado pelo entatildeo
governador Paes de Carvalho os freis iniciaram o trabalho de catequizaccedilatildeo
de meninos e meninas indiacutegenas ldquosequestradosrdquo das famiacutelias para fins
educacionais e de cristianizaccedilatildeo tudo realizado com financiamento do
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 219
Estado para fins de execuccedilatildeo do projeto civilizatoacuterio de expansatildeo
territorial e utilizaccedilatildeo da matildeo de obra indiacutegena
O Estado brasileiro empreendeu o chamado processo civilizatoacuterio para
indiacutegenas tendo como pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento
cultural no intuito de promover a mesticcedilagem entendida como caminho
ldquoidealrdquo para a conformaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira Indiacutegenas e negros eram
nesse contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo
precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para
entrar no grande curso da histoacuteria e contribuir com o que tinham de
melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar Para tal as
diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e
brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal pensava-se o Brasil
estava dando certo
Os nuacutecleos coloniais eram verdadeiros laboratoacuterios de execuccedilatildeo das
poliacuteticas de mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos
intereacutetnicos entre indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus
que foram enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar
domesticar e civilizar as terras e as gentes11
A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus baseava-se na formaccedilatildeo de um
povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas para o progresso do paiacutes natildeo havia
lugar para a suposta indolecircncia do indiacutegena nem para a maliacutecia atribuiacuteda
ao negro o que deveria prevalecer era a suposta predisposiccedilatildeo europeia
para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo do Brasil
com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria os iacutendios no
grande curso da historiografia oficial eis que eram considerados
ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade
O ideal de mesticcedilagem marcou o projeto de naccedilatildeo brasileira em
construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era estrategicamente
importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
220 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Para tanto os curriacuteculos previam atividades diferenciadas para
meninos e meninas contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene
atividades agriacutecolas corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base
didaacutetico-pedagoacutegica nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo
e preparar para o trabalho Por meio da ldquopedagogia da brandurardquo que tinha
como princiacutepio o natildeo uso da violecircncia fiacutesica o Programa de Civilizaccedilatildeo
tinha o intuito de limpar etnicamente as aacutereas ldquoinfestadasrdquo pelos
ldquoselvagensrdquo aglutinando-os em determinados locais onde teriam os
ensinamentos da feacute cristatilde e a aprendizagem das letras e ofiacutecios liberando
os territoacuterios tradicionais para ocupaccedilatildeo de natildeo indiacutegenas uma vez que a
accedilatildeo indigenista estava voltada para a posse e ocupaccedilatildeo das terras no
ldquoalargamento dos espaccedilos transitaacuteveis e apropriaacuteveisrdquo conforme explica
Carneiro da Cunha
a tocircnica foi no seacuteculo XIX a conquista do
espaccedilo Em aacutereas de iacutendios ditos entatildeo lsquobraviosrsquo
tentava-se controlaacute-los concentrando-os em
aldeamentos lsquodesinfetavam-sersquo assim os sertotildees
Nas aacutereas de ocupaccedilatildeo colonial antiga tentava-se ao
contraacuterio extinguir os aldeamentos liberando as
terras para os moradores Essas diferenccedilas regionais
nada mais eram portanto que duas etapas de um
mesmo processo de expropriaccedilatildeo12
O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da historiografia
oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio que exterminou centenas de
povos e o etnociacutedio que eacute o apagamento linguiacutestico e cultural via assimilaccedilatildeo
e integraccedilatildeo Submetidos agraves poliacuteticas colonizadoras13 de imposiccedilatildeo
religiosa cultural e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e
colocadas em praacutetica pelos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos da
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 221
Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos
religiosos para serem catequizados e ldquocivilizadosrdquo O lugar que serviu
como nuacutecleo colonial ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado
serviu tambeacutem como colocircnia correcional e depois em meados de 1924
abrigou a primeira colocircnia de leprosos no paiacutes reafirmando seu papel de
espaccedilo planejado para exercer a vigilacircncia e o controle dos corpos14
Nesse sentido a discussatildeo em tela estaacute centrada na anaacutelise da
documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo na revisatildeo bibliograacutefica
acerca do modelo de escola indiacutegena implantado na Colocircnia Indiacutegena Santo
Antonio do Prata no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX nas
narrativas Tembeacute que satildeo consideradas equivalentes aos demais
referenciais e possibilitam (1) problematizar a escola das missotildees para
indiacutegenas como espaccedilos de confinamento disciplina submissatildeo violecircncia
e devastaccedilatildeo da etnicidade destes povos (2) analisar a pedagogia
capuchinha e seus desdobramentos na histoacuteria do povo Tembeacute
considerando o protagonismo e a agecircncia dos Tembeacute Tenetehara
Conforme alude Seu Miguel os Tenetehara sempre foram ldquoum povo
modernordquo os contatos estabelecidos eram tambeacutem ensejados por estes pois
ldquo a catequese representava a possibilidade de produccedilatildeo econocircmica de
participaccedilatildeo na economia de mercado de comunicaccedilatildeo com outros povos
sem que isso significasse o abandono dos costumes e praacuteticas
tradicionaisrdquo conforme discute Marta Amoroso15
Mas ao constatar que as expectativas e accedilotildees dos religiosos eram
outras os indiacutegenas evadiam-se dos nuacutecleos coloniais retornando para as
antigas aldeias Para Amoroso16 o projeto de catequese faliu pelas
sucessivas evasotildees indiacutegenas Maacutercio Couto Henrique17 discute como os
povos indiacutegenas natildeo abriram matildeo dos espaccedilos de autonomia e como estes
atribuiacuteam significados diversos aos aldeamentos contrariando em muitos
casos o objetivo das missotildees e os missionaacuterios na Amazocircnia no seacuteculo
XIX mostrando que vaacuterios grupos mantinham posiccedilatildeo contraacuteria aos
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
222 bull Revista Estudos Amazocircnicos
religiosos como as resistecircncias incluiacuteam a rejeiccedilatildeo dos brindes e em
alguns casos resultava em ataques aos missionaacuterios Paula Montero18
mostra como as interaccedilotildees e mediaccedilotildees entre missionaacuterios e indiacutegenas satildeo
possiacuteveis e como ambos se apropriam das diferentes formas de
representaccedilatildeo em jogo na cena colonial
A historiografia produzida ateacute meados da deacutecada de noventa do seacuteculo
XX negou a possibilidade de protagonismo indiacutegena nos contatos
estabelecidos com os natildeo indiacutegenas os agentes de Estado e com os
religiosos desconsiderando-os como sujeitos da histoacuteria e de luta por
direitos Mas eacute preciso ressaltar que muitos dos contatos realizados foram
por decisatildeo dos povos que buscavam entre outras possibilidades de
proteccedilatildeo dos territoacuterios acesso agrave escolarizaccedilatildeo e condiccedilotildees de
sobrevivecircncia frente agraves novas condiccedilotildees territoriais e poliacuteticas
Nos mais de cem anos que se seguiram poacutes instalaccedilatildeo dos institutos de
educaccedilatildeo para meninos e meninas no Prata as histoacuterias Tembeacute
continuaram a ser contadas pelos mais velhos repassadas de geraccedilatildeo a
geraccedilatildeo informando o protagonismo Tenetehara que conforme afirma Seu
Miguel foram sempre ldquomodernosrdquo19
A identidade Tembeacute Tenetehara apesar de supostamente apagada
assimilada e silenciada foi mantida viva nas narrativas dos mais velhos
avoacutes bisavoacutes tios que informavam as lutas e os enfrentamentos da saga
eacute resignificada e se configura na atualidade como importante instrumento
de fortalecimento da identidade Tembeacute Foi assim que Dona Maria Seu
Miguel e tantos outros ouviram contar e hoje prosseguem narrando a luta
e a resistecircncia Tembeacute
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 223
Memoacuterias e narrativas Tembeacute Tenetehara como forma de
resistecircncia saindo da invisibilidade
Dona Maria Francisca da Silva Capitoa da Aldeia Jeju rememorando
as histoacuterias que ouviu de sua matildee tias e tios narra que quando os
leprosos20 foram levados ao Prata pelo governo do Estado alegava-se que
natildeo havia mais ningueacutem - leia-se indiacutegenas ndash no lugar A instalaccedilatildeo do
ldquoServiccedilo de Prophylaxia da Leprardquo no Paraacute ocorreu no ano de 1921 e
demandava pela instalaccedilatildeo de um leprosaacuterio oficial As buscas por local
ldquoadequadordquo findaram quando o meacutedico Souza Arauacutejo teve o primeiro
contato com as instalaccedilotildees do Prata21
Assim como os Capuchinhos no final do seacuteculo XIX Souza Arauacutejo
levou em consideraccedilatildeo a proximidade e a faacutecil comunicaccedilatildeo com a capital
aleacutem da existecircncia de grande aacuterea para cultivos o que favoreceria a
instalaccedilatildeo do que viria a ser a primeira ldquocolocircnia agriacutecola de leprososrdquo do
Brasil Sobre a presenccedila Tembeacute Tenetehara no lugar Souza Arauacutejo (1924) se
limita a dizer que o Prata havia sido destinado ldquoagrave catequese dos selvagensrdquo
Apoacutes a instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis o silenciamento sobre a presenccedila
Tembeacute Tenetehara se estendeu por mais de um seacuteculo nos documentos
oficiais A anaacutelise dos registros do periacuteodo do Lazaroacutepolis que constam
nos arquivos da Unidade de Sauacutede que estaacute sob a administraccedilatildeo da
Secretaria de Estado de Sauacutede Puacuteblica (SESPA) na hoje Vila Santo
Antonio do Prata22 confirma a invisibilizaccedilatildeo natildeo haacute referecircncia a
indiacutegenas no local Segundo informa Dona Maria nenhum Tembeacute foi
contaminado pela doenccedila ldquograccedilas a Deus natildeo pintou em ningueacutemrdquo o que
pode ser considerada uma das hipoacuteteses para explicar a ausecircncia dos
mesmos nos registros
O mais provaacutevel eacute a invisibilizaccedilatildeo dos indiacutegenas na identificaccedilatildeo
ldquoracialrdquo constante nas fichas de internaccedilatildeo haacute registros de ldquomesticcedilosrdquo ou
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
224 bull Revista Estudos Amazocircnicos
ldquopardosrdquo reafirmando a vocaccedilatildeo de integraccedilatildeo e a assimilaccedilatildeo que eram
parte dos objetivos da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial satildeo categorias
empregadas com o propoacutesito de absorvecirc-los entre os regionais e de
ldquoapagarrdquo a identidade eacutetnica A tese se justifica pelo cruzamento do dado
ldquoracialrdquo com os lugares de origem dos internos23
Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que lentamente
houve a retomada do crescimento demograacutefico Depois de quase meio
seacuteculo de gradativa recuperaccedilatildeo demograacutefica os Tenetehara Tembeacute e
Guajajara estatildeo hoje entre os povos indiacutegenas com maior populaccedilatildeo no
Brasil Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428
pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute satildeo
cinco as terras indiacutegenas Tembeacute Tenetehara24
ldquoAli era aldeiardquo25 catequese e civilizaccedilatildeo no Prata
Os Tembeacute Tenetehara26 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-Guarani e
conforme o linguista Boudin (1966) a autodenominaccedilatildeo Tenetehara
significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute sua variante
provavelmente foi uma designaccedilatildeo dada pelos regionais e significa ldquonariz
chatordquo A obra de Boudin apresenta o estudo das liacutenguas indiacutegenas faladas
naquela regiatildeo Urubu Tembeacute- Teacutenecircteacutehar [grafia do autor] e Timbira sendo
os dois primeiros do tronco Tupi e o uacuteltimo do Tronco Jecirc Sobre a
localizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Boudin27 escreveu
[o]s iacutendios tembeacute-teacutenecircteacutehar vivem nas margens
do alto e meacutedio rio Gurupi desde o lugar
denominado Cururu ateacute o Marajupema logo
abaixo do Posto Indiacutegena Pedro Dantas mantido
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 225
pelo Serviccedilo de Proteccedilatildeo aos Iacutendios agrave fronteira dos
Estados do Paraacute e do Maranhatildeo Ouros grupos da
mesma tribo acham-se localizados no rio Pindareacute
(Maranhatildeo) e alguns remanescentes no rio Mearim
e na regiatildeo de Oureacutem (Paraacute)28
Os Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute
Gurupi e Capim Por volta de 1850 as aldeias Tenetehara se estendiam de
Barra do Corda no rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os rios
Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por volta
da deacutecada de 60 do seacuteculo XX a populaccedilatildeo Tenetehara do Guamaacute e Capim
estava estimada entre 350 e 450 pessoas 29
A poliacutetica civilizatoacuteria no seacuteculo XIX tinha como objetivo promover a
agremiaccedilatildeo dos indiacutegenas espalhados pelo paiacutes No Paraacute os registros
oficiais mencionam a preocupaccedilatildeo com os grupos indiacutegenas localizados
na regiatildeo do rio Mearim dentre estes os ldquoTembecircsrdquo que somavam cerca de
duas mil pessoas agrave eacutepoca A recomendaccedilatildeo era que fossem ldquoacolhidos e
aldeadosrdquo por representarem ameaccedila aos fazendeiros que comeccedilavam a se
instalar naquele territoacuterio o que viria a ser concretizado nas deacutecadas
posteriores No mesmo periacuteodo os relatoacuterios do Impeacuterio indicam que
cerca de 60 iacutendios da ldquotribu ndash Tembeacute ndash do Gurupyrdquo manifestaram o desejo
de serem aldeados30
Portanto os Tembeacute satildeo protagonistas do contato e qualquer forma de
vitimizaccedilatildeo natildeo eacute adequada nem aceitaacutevel pois os mesmos se posicionam
definindo os rumos da proacutepria histoacuteria como sujeitos que satildeo
No entanto os objetivos do governo do Estado (agrave eacutepoca chamado de
Proviacutencia do Paraacute) estatildeo expliacutecitos nos relatoacuterios do periacuteodo garantir a
proteccedilatildeo da populaccedilatildeo circunvizinha que ocupava as aacutereas ldquoinfestadas por
selvagensrdquo A catequese era o meio de garantir que a ocupaccedilatildeo dos natildeo
226 bull Revista Estudos Amazocircnicos
indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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indiacutegenas soacute seria possiacutevel ldquolivrandordquo os territoacuterios daqueles que eram
considerados obstaacuteculos inimigos traiccediloeiros
[a] seu turno poreacutem o homem civilizado que pelas
circunstacircncias da vida foi abeirar-se agraves
circunvizinhanccedilas das florestas vive em constante
sobressalto receoso do traiccediloeiro inimigo e natildeo
cessa de persegui-lo frustrando destrsquoarte a
possibilidade e esforccedilos empregados para atrair a
civilizaccedilatildeo as tribos nocircmades que vagam esparsas
pelo interior do paiacutes31
No Paraacute em meados de 1881 o serviccedilo de catequese indiacutegena estava
organizado em onze Diretorias sob a superintendecircncia de uma Diretoria
Geral que tinha como Diretor responsaacutevel o Baratildeo de Marajoacute Em 1884
havia dez aldeamentos indiacutegenas organizados no Estado sendo Mirity
Pitanga Xinguacute Pacajaacute Santa Cruz Cury Mixituba Bacabal Gurupy
Acaraacute Miry e Maracanan cuja populaccedilatildeo somava cerca de 4260 pessoas32
O aldeamento do ldquoMaracananrdquo conforme o Relatoacuterio de Governo de
1884 era dividido em duas aldeias e contava com aproximadamente 102
Tembeacute em processo de escolarizaccedilatildeo
[a] primeira fica nas cabeceiras do rio Maracanan agrave
margem esquerda e a segunda mais para o centro
agrave margem direita Dedicam-se agrave lavoura plantam
feijatildeo tabaco milho e mandioca A escola eacute apenas
frequentada por 12 alunos jaacute havendo quatro que
sabem ler e escrever As terras satildeo fertiliacutessimas natildeo
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obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
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[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
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instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
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organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
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aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
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Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 227
obstante por falta de vias de comunicaccedilatildeo nenhum
progresso tem tido o aldeamento33
No ano de 1885 o serviccedilo de catequese no Paraacute estava completamente
desorganizado e em fase de decadecircncia por falta de missionaacuterios A
urgecircncia pela organizaccedilatildeo dos trabalhos era em parte pelo temor das
represaacutelias dos indiacutegenas considerados vingativos e violentos pelos natildeo
indiacutegenas ldquo vendo em cada homem civilizado um inimigo encarniccedilado
de quem soacute espera ocasiatildeo para tirar vinganccedilardquo34
A desorganizaccedilatildeo era atribuiacuteda agrave saiacuteda do missionaacuterio capuchinho
Seraphim Trieste do aldeamento do Bacabal o que teve como
consequecircncia a ldquodispersatildeo dos indiacutegenasrdquo que se deslocaram para o local
chamado de ldquoIgapoacute-Assuacuterdquo35 Primeacuterio (1940)36 explica que em marccedilo de
1865 o Pe Fr Ludovico de Mazzarino movido pelo interesse de trabalhar
com indiacutegenas chegou a Beleacutem do Paraacute depois de ter trabalhado trecircs anos
no Rio de Janeiro Versado em ciecircncias eclesiaacutesticas conhecedor de
muacutesica do Latim e do Francecircs foi incumbido pelo governo no ano de
1866 a visitar os iacutendios ldquoTembecircsrdquo do rio Capim localizados nas aldeias
Santa Leopoldina Jurupariquara e Maracanatilde
Em 1870 o Pe Fr Cacircndido de Heremence que era suiacuteccedilo foi enviado
para as margens do rio Capim para catequizar os Tembeacute Tenetehara visitados
pelo Pe Fr Luduvico Em 24 de abril de 1872 Pe Fr Cacircndido de
Heremence fundou a missatildeo de Satildeo Fidelis e ldquoarrebanhou 400 pessoasrdquo37
Em virtude das acusaccedilotildees acerca dos conflitos dos missionaacuterios
capuchinhos com os condutores dos regatotildees que realizavam negoacutecios
com os indiacutegenas os trabalhos foram suspensos mas natildeo haacute indicaccedilatildeo do
ano em que isso ocorreu Segundo Primeacuterio (1940) os trabalhos com os
Tembeacute do rio Capim foram retomados somente em 1898
Sobre a catequizaccedilatildeo dos Tembeacute Tenetehara Primeacuterio destaca
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
228 bull Revista Estudos Amazocircnicos
[t]inham resolvido em 1898 catequizar os iacutendios dos
rios Capim e Guanaacute [Guamaacute] no Paraacute mas
encontrando Tembeacutes jaacute constituiacutedos em famiacutelias
nas nascentes do rio Maracanatilde resolveram
colonizar aquele siacutetio pertencente a Santareacutem Novo
Foi lavrado contrato com o governo e assumiu a
direccedilatildeo do Nuacutecleo Colonial o P Fr Carlos de S
Martinho tendo como auxiliares o irmatildeo Fr Paulo
de Trescorre e o Terceiro Pedro de Paulo Ergueu-
se a Cruz nessas matas a 14 de setembro de 1898
iniacutecio da colonizaccedilatildeo38
Sobre as dificuldades e o ecircxito dos missionaacuterios capuchinhos entre os
Tembeacute Tenetehara Primeacuterio aludindo ao caraacuteter ldquoheroacuteicordquo dos religiosos
fazem referecircncia agraves doenccedilas contraiacutedas a escassez de recursos para o
desenvolvimento dos trabalhos e questotildees entre os ldquocolonizadoresrdquo E
acrescenta ldquo eles em tudo souberam enfrentar confiados em Nosso
Senhor e assim puderam com seus esforccedilos ingentes fazer sair daquelas
brenhas o atual Instituto Santo Antocircnio do Prata obra altamente e vaacuterias
vezes elogiada pelo governordquo39
O ldquoRelatoacuterio de Terras e Colonizaccedilatildeordquo do Estado do Paraacute datado de
1899 apresentado ao entatildeo governador Joseacute Paes de Carvalho trata
especificamente da ldquoColocircnia Santo Antocircnio do Maracanatilderdquo
[a] colocircnia de Santo Antocircnio de Maracanatilde acha-se a
cargo dos missionaacuterios Capuchinhos Lombardos
por contrato assignado por Frei Reinaldo de Paula
Superior da Missatildeo em 9 de Setembro de 1898 e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 229
instalada em 29 do mesmo mecircs e ano ficando como
Diretor Frei Carlos de Satildeo Martinho40
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo do Nuacutecleo o mesmo documento refere o
expressivo nuacutemero de Tembeacute que estavam localizados em trecircs aldeias
denominadas ldquomalocasrdquo das quais a de Santo Antocircnio do Maracanatilde era
a principal
[a] populaccedilatildeo deste nuacutecleo consta de quinhentas
pessoas mais ou menos divididas em trecircs aldeias e
trecircs malocas sendo a principal a de Santo Antocircnio
do Maracanatilde a 31 quilocircmetros da linha da Estrada
de Ferro de Braganccedila Sendo 22 quilocircmetros de
mata virgem41
O documento segue com a descriccedilatildeo da estrutura do Nuacutecleo
[e]sta colocircnia jaacute tem prontas cinquenta casas unidas
duas a duas tendo as suas ruas e travessas doze
metros de largura Tem mais uma casa para a
Diretoria outra para escolas oficinas de carapinas e
ferreiro uma maacutequina de pilar arroz enfermaria
armazeacutens currais dois prados aleacutem de grande
extensatildeo de terra cultivada42
A estrutura do nuacutecleo contava com uma parte central onde estavam
localizadas as moradias e o centro administrativo do aldeamento baseado
no tripeacute escola ndash igreja ndash oficinas que constituiacuteam a base da accedilatildeo capuchinha
ou seja a instruccedilatildeo elementar a catequese e as atividades manuais e
agriacutecolas para meninos e meninas em espaccedilos marcadamente separados e
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
230 bull Revista Estudos Amazocircnicos
organizados como parte do rigoroso controle dos religiosos sobre a
populaccedilatildeo local especialmente no que refere aos indiacutegenas
A populaccedilatildeo Tembeacute no Nuacutecleo em 1899 era de 107 pessoas sendo
descrita da seguinte maneira ldquo[s]ua populaccedilatildeo eacute de 25 famiacutelias indiacutegenas
assim discriminadas sessenta e oito adultos e trinta e nove menoresrdquo43 O
documento tambeacutem indica os fins da constituiccedilatildeo do Nuacutecleo Indiacutegena
Santo Antocircnio do Maracanatilde era ldquo destinado especialmente acatequese e
aldeamento de iacutendiosrdquo44
O fato dos Tembeacute serem a maioria da populaccedilatildeo do Nuacutecleo era razatildeo
do temor dos frades que natildeo mediam esforccedilos para divulgar as ldquoboas
obrasrdquo realizadas para atrair pessoas natildeo indiacutegenas para habitar o lugar As
aldeias onde atualmente estatildeo os Tembeacute Tenetehara satildeo mencionadas nos
Relatoacuterios de Governo ldquo satildeo a do Jejuacute e do Arraial ambas agrave margem da
estrada do fio telegraacutefico e a duas leacuteguas do Prata mais ou menosrdquo45
O que o documento refere como ldquoArraialrdquo eacute provavelmente a atual
aldeia do Areal onde se concentravam os Leopoldino famiacutelia do cacique
Miguel que ateacute os dias atuais reside no lugar Seu Miguel indica parte da
aacuterea de ocupaccedilatildeo Tembeacute Tenetehara no periacuteodo anterior agrave vinda dos
capuchinhos e a criaccedilatildeo do Nuacutecleo Segundo ele seus antepassados se
deslocavam ateacute o hoje municiacutepio de Satildeo Miguel do Guamaacute com seus
paneiros para buscar o material para fazer ceracircmica Dona Maria Francisca
tambeacutem faz referecircncia a presenccedila indiacutegena no lugar quando afirma que
ldquosoacute tinha iacutendiordquo vivendo ali e ldquoo Prata era aldeiardquo46
O expressivo nuacutemero de indiacutegenas e as demais aldeias Tembeacute tambeacutem
satildeo referenciados nos documentos
[o] Jejuacute pode contar com cento e cinquenta
moradores iacutendios e o Arraial com cem tambeacutem
iacutendios e haacute ainda em Santa Maria Anselmo e
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 231
Jambuacute formando ao todo umas seiscentas pessoas
as quais estatildeo sempre em comunicaccedilatildeo com Santo
Antocircnio do Maracanatilde47
Conforme consta da documentaccedilatildeo histoacuterica referente ao periacuteodo a
presenccedila Tembeacute era significativa somavam cerca de 600 pessoas
localizadas em seis aldeias que datildeo a dimensatildeo aproximada da aacuterea
ocupada pelos mesmos na ocasiatildeo da implantaccedilatildeo do Nuacutecleo pelo
governo do Estado O documento destaca a presenccedila indiacutegena em Santa
Maria e ainda nas aldeias Anselmo e Jambu ou seja numa vasta aacuterea que
compreende tambeacutem a sede do municiacutepio que eacute reivindicada hoje como
territoacuterio tradicional Tembeacute
O incentivo do governo agrave ocupaccedilatildeo natildeo indiacutegena no lugar eacute registrado
na documentaccedilatildeo histoacuterica e bibliograacutefica e principalmente nas narrativas
Tembeacute O aldeamento de Santo Antocircnio do Maracanatilde reunia imigrantes
vindos de diversos Estados do Brasil ldquo[d]e entatildeo para caacute tem aumentado
a populaccedilatildeo do nuacutecleo natildeo somente de indiacutegenas que vatildeo se chegando
aos aldeamentos e habituando-se aos trabalhos como tambeacutem de
imigrantes de outros Estados por ter sido autorizada a localizaccedilatildeo de
alguns drsquoestesrdquo48
A chegada dos natildeo indiacutegenas eacute narrada pelas lideranccedilas Tembeacute Dona
Maria e Seu Miguel tratam como marco na mudanccedila dos tempos para os
Tembeacute o que significou a invasatildeo e ocupaccedilatildeo das terras e o
enfraquecimento da liacutengua e da cultura pela imposiccedilatildeo de costumes
estranhos o que natildeo ocorreu sem a resistecircncia indiacutegena conforme explica
Seu Miguel
com o passar do tempo eles [os antepassados
Tembeacute] foram sendo apressionado pela sociedade
branca pelo governo da eacutepoca eu sei que
comeccedilou a abrir colocircnia os colonos trabalhavam
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
232 bull Revista Estudos Amazocircnicos
aqui nordestinos e aqui os nossos parentes foram
se afastando porque a minha matildee dizia que a voacute
dela e o pai tinha muito medo de caraiacuteba [branco]
na liacutengua Tembeacute noacutes chamamos de caraiacuteba ateacute que
quando chegava a pessoa que ela dizia quem eacute Eacute
caraiacuteba Ela amarrava todo quanto era de porta que
era feito de vara pensando ela que o caraiacuteba natildeo ia
cortar a vara o cipoacute pra porta abrir
Se por um lado a presenccedila natildeo indiacutegena era de certa forma temida
pelos Tembeacute como explica Seu Miguel por outro era enaltecida pelo
Estado que destacava o ldquocuidadordquo dos religiosos com os nativos O
trabalho ldquozelosordquo de Frei Carlos de Satildeo Martinho eacute ressaltado nos
documentos do governo bem como seus esforccedilos para alcanccedilar a ldquo
civilizaccedilatildeo de indiviacuteduos que ateacute pouco tempo estavam na vida selvagemrdquo
49
O trabalho dos missionaacuterios na escolarizaccedilatildeo das crianccedilas do Nuacutecleo
tambeacutem eacute citado nos relatoacuterios de governo que registram a matriacutecula de
47 meninos no ano de 1899 A sanidade do lugar eacute elogiada pelas
autoridades que referem o clima agradaacutevel e benigno do Nuacutecleo do
Maracanatilde que contava com caminhos planejados controlados e vigiados
Tal forma de organizaccedilatildeo era parte das relaccedilotildees de poder instituiacutedas
com a populaccedilatildeo local especialmente pela necessidade dos religiosos
manterem a disciplina sobre os indiacutegenas que habitavam a Colocircnia A
escolha da sede do aldeamento natildeo era aleatoacuteria baseava-se nas condiccedilotildees
geograacuteficas de salubridade e centralidade a disposiccedilatildeo de aacutegua e recursos
naturais como madeira para as edificaccedilotildees tambeacutem era importante aleacutem
da observacircncia de disponibilidade de espaccedilos que poderiam servir para
cultivos de roccedilas e criaccedilatildeo de animais
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 233
Outro fator preponderante na definiccedilatildeo do local dos aldeamentos eram
as razotildees poliacuteticas ou seja a possibilidade de aglutinar o maior nuacutemero de
indiacutegenas que poderiam se tornar dependentes da assistecircncia religiosa e
servir como matildeo de obra aos colonos
[s]elecionando com cuidado os locais para
assentamentos proacuteximos a algum curso fluvial
buscando pontos altos de clima benigno de faacutecil
acesso e defesa abastecidos de aacutegua e madeira os
missionaacuterios iam pouco a pouco cativando os
indiacutegenas e trabalhando pelo sistema de esforccedilo
proacuteprio e ajuda muacutetua50
A funcionalidade do lugar contribuiacutea para o controle do saber que era
exercido por ldquomeacutetodos racionaisrdquo onde as relaccedilotildees de poder instituiacutedas
estatildeo inscritas nas formas de organizaccedilatildeo e manipulaccedilatildeo dos espaccedilos dos
siacutembolos dos rituais que tambeacutem se inscrevem na arquitetura neste caso
a cristatilde ldquo os indiacutegenas engajados e seduzidos pelo dogma religioso eram
atores dessa sociedade hierarquizadardquo51
A disciplina repressora era parte da realizaccedilatildeo dos rituais catoacutelicos para
apagamento cultural A organizaccedilatildeo dos institutos masculino e feminino
pretendia o controle total dos meninos e meninas internos da mesma
forma os eventos ciacutevicos e religiosos obedeciam ao rigor da disciplina
uniformes diferenciados para meninos e meninas uso de sapatos cabelos
cortados igualmente e filas indianas planejados para garantir a mudanccedila
de haacutebito e costumes de crianccedilas e jovens que deveriam se adaptar a
ordem disciplinadora que marcava as atividades escolares no periacuteodo
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
234 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Vou contar uma histoacuteria que minha matildee contava
Sempre que Seu Miguel comeccedila a narrar uma histoacuteria explica que
aprendeu com sua matildee Ao reproduzi-las para crianccedilas e jovens e para a
comunidade de forma mais geral o cacique mostra que a repeticcedilatildeo eacute a base
da memorizaccedilatildeo e a memoacuteria aciona os elementos constitutivos da
identidade eacutetnica Diferente do contexto repressivo vivenciado com os
capuchinhos em que a repeticcedilatildeo era parte da repressatildeo o recontar sempre
as mesmas narrativas garante a construccedilatildeo da identidade para que possam
continuar se identificando como Tembeacute Tenetehara Apesar de silenciados
na produccedilatildeo histoacuterica e antropoloacutegica por mais de um seacuteculo os Tembeacute de
Santa Maria natildeo foram silenciados em suas memoacuterias prosseguiram
contando as mesmas histoacuterias para continuar sendo Tenetehara em
contraponto agrave negaccedilatildeo identitaacuteria imposta
Em 1924 quando da instalaccedilatildeo do Lazaroacutepolis do Prata o meacutedico
Souza Arauacutejo que representava os interesses do Estado agrave eacutepoca ignorou
completamente a existecircncia de indiacutegenas no local As palavras da Capitoa
Dona Maria denunciam a invisibilidade dos Tembeacute Tenetehara diante dos
projetos do governo do Estado na deacutecada de 20 do seacuteculo passado
ldquo[d]epois disso foi que surgiu que natildeo tinha ningueacutem laacute na Colocircnia do
Prata foi que trouxeram os leproso pra laacute aiacute foi que se mudocirc todo mundo
mentiram que natildeo tinha ningueacutem e trouxeram os leprosos praiacuterdquo52 De
volta para as aldeias de origem ou ocupando novos locais de moradia os
Tembeacute Tenetehara permaneceram em ldquosuspensordquo mas como na histoacuteria
narrada por Seu Miguel da ldquomulher que morreu e logo viveurdquo os Tembeacute
ressurgiram reviveram
Contar e recontar as histoacuterias de certa forma eacute produzir o ldquoresgate
culturalrdquo termo utilizado pelos Tembeacute do Alto Rio Guamaacute para se referir
ao fortalecimento eacutetnico O ldquoresgaterdquo eacute nesse sentido definido como
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 235
forma de objetivaccedilatildeo da cultura e da tradiccedilatildeo onde reside a possibilidade
de trazer agrave tona as lembranccedilas dos antepassados guardadas na memoacuteria e
que definem a unidade social Tembeacute Tenetehara que compreende a liacutengua
os costumes as tradiccedilotildees53
As narrativas satildeo nesse sentido consideradas equivalentes agraves fontes
documentais e bibliograacuteficas porque como parte da tradiccedilatildeo dos povos
indiacutegenas cumprem a funccedilatildeo de manter viva a memoacuteria satildeo tomadas
entatildeo como ldquoverdadesrdquo conforme assinalam Beltratildeo e Lopes
[a]s narrativas Tembeacute satildeo tomadas como verdades
pelo poder que a palavra e a performance do
narrador tem de mobilizar autoridade enquanto
falante que sabe conhece dentro da comunidade
pois as histoacuterias satildeo ditadas pela memoacuteria e
ldquorecitadasrdquo a partir do emaranhado cultural que
cultivou a resistecircncia ao processo de
homogeneizaccedilatildeo ao qual estiveram expostos54
Por compreender as narrativas histoacutericas como parte do processo de
construccedilatildeo da identidade coletiva os Tembeacute Tenetehara das Aldeias Jeju e
Areal empreendem esforccedilos no registro escrito das histoacuterias contadas de
geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Quando iniciaram o processo de fortalecimento
identitaacuterio em 2003 os Tembeacute Tenetehara que hoje se autodenominam de
Santa Maria do Paraacute percebem que foram tambeacutem invisibilisados na
literatura histoacuterica e antropoloacutegica silenciados enquanto povo
etnicamente diferenciado
Depois de se retirar do Prata os Tembeacute se situaram em dois locais na
Aldeia Jeju e na Aldeia Areal que eram parte do territoacuterio tradicional
ocupado pelos mesmos muito antes da chegada dos capuchinhos Entre
os regionais que foram chegando e se apropriando das terras em meio aos
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
236 bull Revista Estudos Amazocircnicos
natildeo indiacutegenas depois de serem submetidos ao sistema de civilizaccedilatildeo do
Estado e sem grande parte do territoacuterio tradicional os Tembeacute
permaneceram contando suas histoacuterias
Quando Seu Miguel que eacute narrador especialista em contar as histoacuterias
do seu povo comeccedila a falar sempre explica ldquoeu vou contar uma histoacuteria
que minha matildee contavardquo reafirmando a importacircncia da tradiccedilatildeo oral para
seu povo Na ldquoHistoacuteria da mulher que morreu e logo viveurdquo estatildeo
presentes alguns elementos constituintes da identidade da cultura e da
saga Tembeacute a caccedila o ldquomuquiadordquo o canto do pajeacute e o espaccedilo do territoacuterio
como lugar da cultura e da vida Tembeacute A narrativa que comeccedila assim
[o] iacutendio saiu pra caccedilar com suas duas mulheres e
chegando laacute nos seu barraco onde ele ia se acampar
pra fazer a caccedilada fazer seu moqueado enfim fazer
todo o seu trabalho indiacutegena Ele ficou laacute com suas
duas mulheres e aconteceu que uma morreu e
quando morreu era distante pra ele voltar e era
noite Entatildeo o iacutendio disse ldquobom mulher agora eacute o
seguinte pra um ficar e o outro ir natildeo tem condiccedilatildeo
Entatildeo o que vai acontecer vamos deixar ela aqui e
noacutes vamos pra casa Amanhatilde a gente traz mais gente
pra noacutes levar ela pra fazer o enterro
O iacutendio de que fala a histoacuteria tinha duas mulheres praacutetica reprimida
pelos religiosos capuchinhos Eacute possiacutevel deduzir que a histoacuteria deixou de
ser contada pelo menos na presenccedila dos missionaacuterios que condenavam e
reprimiam as praacuteticas que natildeo se parecessem com as que eram pregadas
por eles a cristatilde Mas as histoacuterias assim como a identidade Tembeacute
resistiram e assim como a mulher que morreu e logo ldquoenviveceurdquo o povo
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 237
que por mais de um seacuteculo foi ldquosilenciadordquo retorna a vida pelo canto do
pajeacute e vai ldquoenvivecendordquo ouvindo as histoacuterias dos antepassados
Seu Miguel prossegue
[a]iacute a mulher ficou laacute no chatildeo a noite foi seu leito
Quando anoiteceu de 09 pra as 10 horas da noite a
mulher escuta uma voz cantando distante dela E a
voz que cantava era a voz de um pajeacute fazendo um
trabalho uma cura e aquela cura ela foi despertando
sentindo aquela voz e comeccedilou a se despertaacute
daquele sono que ela tava praticamente poderia ser
um sono que desmaiou ela
E aquela voz que o pajeacute cantava era nesse ritmo
assim uakiwawiraimopipiu eh eh eh eheheh
Entatildeo nesse som dessa voz a mulher levantou
sentou no chatildeo naquela escuridatildeo e soacute escutava
aquela voz cantandoldquo uakiwawiraimopipiu eh eh
eh eh eh eh Uakiwawiraimopipiurdquo
Entatildeo quando eacute de manhatilde ela acordou Amanheceu
o dia e laacute vem o marido dela com a outra mulher e
a mulher vinha chorando no caminho porque a
outra tinha morrido neacute aiacute ela correu pra porta da
oca onde ela tava e viu a mulher que vinha
chorando e disse Mulher o que que estaacute
acontecendo
- Eu tocirc chorando mulher eu estou chorando Tu
natildeo morreu
- Natildeo eu tocirc viva
- Natildeo mas tu morreu
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
Revista Estudos Amazocircnicos bull 247
11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
238 bull Revista Estudos Amazocircnicos
- Bom sim eu morri mas eu enviveci porque eu
escutei a voz de um pajeacute que tava fazendo um
trabalho e aquela voz que eu tava ouvindo fez eu
me despertar daquele sono eu tocirc viva Olha era
assim era o espiacuterito do pajeacute que tava curando e
aconteceu de ser naquela mesma noite que ele tava
fazendo o trabalho porque ela morreu e enviveceu
novamente
Da mesma forma a histoacuteria da guariba que perdeu o pai e saiu em
busca do canto que ouvia o pai entoar quando vivo retrata a busca pelos
referenciais culturais e linguiacutesticos em tempos de muitas mudanccedilas
a guariba perdeu todos seus pais seus ldquoavocircresrdquo
ficou sozinha no mundo Era ainda pequenininha
aiacute foi crescendo chegou ficou rapazinho Soacute que ela
natildeo sabia como era que seu pai cantava como era
que seu pai fazia Aiacute saiu procurando pros outros
animais O macaco saiuim Entatildeo encontrou o
macaco sauim e perguntou
- Parente cecirc sabe com eacute que meu pai cantava
- Ah eu sei
- Como eacute
- Era assim fi ndash fi ndashfi
A guaribinha disse
- Natildeo natildeo eacute assim meu pai natildeo cantava assim Natildeo
era assim
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
Revista Estudos Amazocircnicos bull 245
Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
248 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
Revista Estudos Amazocircnicos bull 249
46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
Revista Estudos Amazocircnicos bull 239
Natildeo identificando o canto de seu pai a guariba prossegue em sua
busca ateacute que encontra a preguiccedila que com a calma que lhe eacute peculiar
termina de pentear os cabelos e canta para a guaribinha que reconhece o
canto de seu pai
- Muito bem O meu pai cantava dessa forma
- Aiacute se abraccedilou chorou se despediu da preguiccedila e
disse
- Agora eu vou-me embora
- Natildeo vocecirc natildeo vai eu tenho uma filha e vocecirc vai
casar com ela porquecirc eacute pra se transformar numa
nova geraccedilatildeo
Aiacute a preguiccedila casou com a guariba e se transformou
numa nova geraccedilatildeo justamente como acontece com
nossa histoacuteria
Eu como outros iacutendios que somos sozinhos e
estamos buscando as nossas culturas nossos
resgates nossos modos de viver com os outros
nossos parentes que satildeo mais antigos E essa eacute
a histoacuteria (Grifos meus)
Para Seu Miguel conhecer a histoacuteria do povo eacute condiccedilatildeo indissociaacutevel
da construccedilatildeo da identidade Tenetehara Segundo o cacique cabe agraves pessoas
mais velhas a tarefa de ensinar os mais jovens que devem guardar na
memoacuteria os ensinamentos aprendidos A importacircncia do ensino da saga
Tembeacute Tenetehara por meio da tradiccedilatildeo oral eacute reforccedilada principalmente nos
espaccedilos de discussatildeo coletiva como nas reuniotildees da comunidade e da
associaccedilatildeo quando as lideranccedilas reforccedilam a necessidade de conhecimento
da histoacuteria para continuar sendo Tenetehara
240 bull Revista Estudos Amazocircnicos
Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
Revista Estudos Amazocircnicos bull 241
quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
242 bull Revista Estudos Amazocircnicos
vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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Os ensinamentos dos mais velhos obedecem agrave formalidade aprendida
pela tradiccedilatildeo que depende da continuidade das narrativas para continuar
a existir Como lideranccedila e exiacutemio narrador seu Miguel chama atenccedilatildeo
para o fato dos mais velhos natildeo repassarem o conhecimento da histoacuteria
aos mais jovens ldquo [h]oje ningueacutem tem conhecimento da nossa histoacuteria
alguns deles natildeo sabem o conhecimento da nossa histoacuteria porque satildeo
novo Os mais velho tambeacutem natildeo repassa pra nossa juventuderdquo55
A preocupaccedilatildeo de Seu Miguel eacute justificada pela necessidade de
fortalecer a etnicidade Tembeacute Segundo o liacuteder eacute contando as muitas
histoacuterias aprendidas com os antepassados que a identidade eacute acionada e
reafirmada Da mesma forma satildeo repassadas as estrateacutegias de
enfrentamento que em muitos casos consistem em permanecer em
silecircncio ou sair agrave procura de quem ensine a histoacuteria como a guariba oacuterfatilde
Acionadas em diferentes espaccedilos domeacutesticos as narrativas constituem
parte da formalidade do sistema educativo Tembeacute sendo a repeticcedilatildeo parte
da metodologia de memorizaccedilatildeo e garantia de continuidade Para Ester
Jean Langdon56 ldquo[a] narrativa expressa momentos dramaacuteticos na vida
humana momentos de importacircncia que fazem parte da memoacuteria cultural
e individualrdquo
As narrativas Tembeacute tambeacutem informam a continuidade da violecircncia
fiacutesica e simboacutelica na busca por escolarizaccedilatildeo processo que teve
continuidade nas escolas natildeo indiacutegenas que os mesmos passaram a
frequentar depois que saiacuteram do Prata Dona Filomena Silva comeccedilou a
estudar depois dos dez anos de idade contrariando as ordens do pai que
dizia que mulher natildeo deveria estudar nem andar de bicicleta mas
insistente resolveu que queria aprender a carta de ABC contrariando as
expectativas que recaem sobre uma ldquomenina da zona ruralrdquo a de se casar
cuidar do esposo e filhos e cumprir com as tarefas domeacutesticas que cabem
a uma ldquoboardquo dona de casa
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quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
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vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
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Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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quando foi pra mim estudar eu jaacute tinha uns onze
dozes anos de idade sem estudar porque laacute tinha
um rio muito grande natildeo tinha professores
ningueacutem que subesse neacute tinha uma senhora laacute onde
noacuteis morava que a gente natildeo sabia o grau de estudo
dela mas os pais botava ela assim pra ensinaacute neacute
carta de ABC e como meus pais achava que que
principalmente a mulher natildeo era pra estudar neacute
mulher na eacutepoca era pra se soacute dona de casa natildeo
tinha que ter emprego natildeo tinha que andar de
bicicleta era uma seacuterie de coisa era muito assim
racismo eu acho assim muito machismo neacute57
Dona Filomena relata que muitas vezes foi molestada e humilhada por
pessoas nas casas onde morou para poder estudar feita ldquoescravardquo
obrigada a trabalhar para pagar a comida e estudar Narra o dia em que
teve que pular uma janela para se desvencilhar do asseacutedio do sobrinho de
sua madrinha onde passou a morar para estudar em Beleacutem distante dos
pais e dos parentes
daiacute minha matildee me botou pra casa de uma
madrinha minha laacute eu fui servir de burro de carga
carregava de 20 lata de aacutegua pra vesti um vestido de
mecircs em mecircs natildeo estudava soacute trabalhava laacute
tambeacutem tinha um cara que era sobrinho dela e
gostava de agarra a pessoa na marra e um dia eu fui
limpa um quarto laacute e esse homem fazia patildeo me
levantava quatro hora da manhatilde pra fazecirc a limpeza
em tudo comeccedilava trabalha ateacute oito da noite esse
cara quis me agarraacute e eu me fiz de viacutetima disse que
eu precisava ir laacute vecirc se tinha algueacutem olhando se
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vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
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Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
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do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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vinha chegando algueacutem mas eu fiz foi pular por
uma janela e caiacute fora mais um livramento que Deus
me deu
Dona Carolina Santos tambeacutem fala das dificuldades que enfrentou para
buscar escolarizaccedilatildeo sem poder comprar caderno escrevia em papel de
embrulho Discriminada pelos colegas arranjava estrateacutegias para poder
continuar estudando mesmo com tantas dificuldades O desejo de estudar
era tanto que chegou a negociar com a professora da escola da
comunidade a troca de serviccedilos domeacutesticos por aulas na escola
se a senhora me ensinaacute a lecirc e lhe ajudo fazecirc suas
coisas eu venho mais cedo eu piso o arroiz pra
senhora eu faccedilo tudo mas soacute que eu nem imaginei
que eu tambeacutem tinha que ajuda a minha matildee neacute
taacute Aiacute eu fui estudaacute soacute que quando ela falou pra
mamatildee a mamatildee deu um tempo tinha que comprar
um caderno tinha que comprar um laacutepis e eu jaacute
tinha preparado folha de papel neacute eu jaacute tinha
ajeitado papel de embrulho porque naquele tempo
tinha papel de embrulho pra embrulha as coisa
quando natildeo era folha de guarimatilde neacute aiacute eu jaacute ia
reservando aqueles papelzinho aiacute eu disse pra ela
mamatildee eu vou com esse borratildeo e depois quando a
senhora compra o papel eu passo a limpo mas a
situaccedilatildeo era muito carente pra uma pessoa compra
uma folha de papel
Revista Estudos Amazocircnicos bull 243
Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
244 bull Revista Estudos Amazocircnicos
do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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Contrariando as negativas do pai e depois de casada do esposo Dona
Carolina conta que acordava trecircs horas da manhatilde para preparar a comida
e deixar tudo pronto Trabalhando o dia todo e estudando agrave noite natildeo
havia outra forma de estudar Aleacutem disso cuidava sozinha dos filhos e da
matildee adoentada deixando limpas as duas casas a sua e a de sua matildee antes
de iniciar os trabalhos na limpeza e preparo da merenda na escola onde
trabalhava
Mas os relatos de violecircncia e constrangimento na busca por escola natildeo
satildeo parte do passado dos Tembeacute Tenetehara Dona Maacutercia Cardoso conta
que seu filho foi constrangido pelos professores de uma das escolas natildeo
indiacutegenas da Aldeia Jeju quando foi impedido de entrar no retorno das
feacuterias de julho de 2014 por natildeo estar vestindo o uniforme A matildee explica
que natildeo teve condiccedilotildees financeiras de comprar a camiseta que a escola
exige para substituir a que ficou pequena
Ao mesmo tempo em que denunciam as violecircncias sofridas as
histoacuterias mostram de certa forma a naturalizaccedilatildeo das mesmas por serem
mulheres da zona rural indiacutegenas informam tambeacutem a continuidade das
relaccedilotildees assimeacutetricas que marcaram a escolarizaccedilatildeo dos pais dos avoacutes e
no presente dos filhos e netos Mas por outro lado quando os Tembeacute
expotildeem a violecircncia que atravessa sucessivas geraccedilotildees o fazem como
desabafo como pedido de ajuda ao seu modo
Para finalizar
A histoacuteria dos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute mostra as
vicissitudes as resistecircncias e as possibilidades de retomada da identidade
da liacutengua dos costumes e da terra O silenciamento provisoacuterio natildeo
significou o esquecimento da identidade eacutetnica Agora organizados os
Tembeacute datildeo iniacutecio a uma verdadeira peregrinaccedilatildeo em ldquoromaria poliacuteticardquo
buscando reconhecimento eacutetnico por parte dos parentes tanto Tenetehara
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do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
246 bull Revista Estudos Amazocircnicos
elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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do Alto Rio Guamaacute como das demais aldeias e das instituiccedilotildees
governamentais58
Nesse sentido mesmo morigerados via educaccedilatildeo missionaacuteria Os
Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute assim como outros povos
indiacutegenas nas diferentes regiotildees do Brasil retomam pertencimentos e se
reorganizam na luta por direitos reescrevendo histoacuterias buscando
memoacuterias fortalecendo o que ficou latente por determinado periacuteodo e
hoje agem politicamente atualizando formas de territorializaccedilatildeo fluxos
culturais e redefinindo fronteiras eacutetnicas e identitaacuterias59
Os povos indiacutegenas que sofreram a repressatildeo colonial e silenciaram
por algum tempo as identidades eacutetnicas passam a reivindicar o
reconhecimento das territorialidades e etnicidades principalmente a partir
da deacutecada de 70 do seacuteculo passado quando as organizaccedilotildees indiacutegenas
formais intensificaram as lutas por marcos legais que garantam o direito
de continuidade das memoacuterias histoacutericas e identitaacuterias60
Apesar das conquistas legais via protagonismo indiacutegena ainda satildeo
muitas as formas de negaccedilatildeo identitaacuteria que continuam operando seja nas
escolas pela invisibilidade indiacutegena nos curriacuteculos seja na forma de
tratamento dos funcionaacuterios da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio (FUNAI)
que invocam a categoria de iacutendios ldquoverdadeirosrdquo e ldquopurosrdquo sempre que
satildeo inquiridos pelos Tembeacute na reivindicaccedilatildeo de direitos tentando
enfraquecer as reclamaccedilotildees pela demarcaccedilatildeo da terra conforme relatam
os proacuteprios Tembeacute de Santa Maria
Assim sendo o debate sobre a escola permanece em aberto
especialmente pelas inuacutemeras formas de violecircncia e violaccedilatildeo sofridas ao
longo da histoacuteria Os Tembeacute continuam enfrentando o preconceito e a
discriminaccedilatildeo fatos que requerem o fortalecimento da uniatildeo para
continuar buscando reconhecimento em um Estado que haacute mais de cinco
seacuteculos teima em invisibilizaacute-los
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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Artigo recebido em agosto de 2015
Aprovado em setembro de 2015
NOTAS
1 O texto integra o primeiro capiacutetulo de minha tese de doutorado intitulada ldquoTembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute retomando os fios da histoacuteria rompendo o silenciamento eacutetnicordquo em andamento no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe Beltratildeo 2 Da etnia Kaingang do Estado de Santa Catarina Pedagoga Mestre em Direito pelo Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Federal do Paraacute (UFPA) doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em Antropologia (PPGA∕UFPA) Integrante do GP-HINDIA ndash Grupo de Pesquisa de Histoacuteria Indiacutegena e Indigenismo na Amazocircnia Assessora da Associaccedilatildeo Indiacutegena Akrotikatecircjecirc e Akratildetikatecircjecirc Bolsista CAPES Contato rosanifernandes2hotmailcom Endereccedilo Rua Augusto Correcirca 364 Bairro Guamaacute Beleacutem PA Brasil CEP 66075-110 3 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de 23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961 tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-Accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 set 2014 4O exerciacutecio do protagonismo Tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que foi submetido e aprovado Conforme TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos 2011 Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito) 5 FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe
Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por direitos eacutetnicos In Amazocircnica Revista de Antropologia v 2 2011 pp 392-406 6 Em conversa realizada no dia 17 de setembro de 2014 em sua residecircncia na Aldeia Jeju 7 Organizaccedilatildeo indiacutegena eacute a forma pela qual uma comunidade ou um povo indiacutegena por meio das quais satildeo orientadas as lutas os trabalhos a vida coletiva
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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elas podem ser tradicionais ou formais Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente satildeo mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao Ensino Superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hojev1 MECSECADLACEDMuseu Nacional Brasiacutelia 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas 8 FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 175 p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de poacutes Graduaccedilatildeo em Direito) Beleacutem 2013 (Ineacutedito) 9 MUNIZ Palma O Instituto de Santo Antonio do Prata (Municiacutepio de Igarapeacute-Assuacute) Beleacutem Typ da Livraria Escolar1913 10 Os capuchinhos tecircm Satildeo Francisco de Assis como ldquopai fundadorrdquo e compotildee um dos trecircs ramos maiores da Primeira Ordem juntamente com a dos Frades Menores e os Frades Menores Conventuais Fundada em 1528 os capuchinhos satildeo o ramo mais recente e se identificam pelos votos de ldquooraccedilatildeo e pobrezardquo O nome ldquocapuchinhosrdquo eacute atribuiacutedo como referecircncia a vestimenta dos Freis ldquoum longo capuzrdquo Conforme informaccedilotildees da Providencia dos Frades Menores Capuchinhos do Maranhatildeo Paraacute e Amapaacute (PROMAPA) a ordem estaacute atualmente em 99 paiacuteses em todo o mundo e conta com cerca de 11000 frades que vivem em mais de 1800 comunidades denominadas ldquoFraternidadesrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 nov 2014 Os Freis Capuchinhos vieram ao Brasil no iniacutecio da primeira Repuacuteblica para desenvolver as atividades de catequese dos iacutendios permanecendo entre 1893 a 1937 denominado ldquoPeriacuteodo da Missatildeordquo Os primeiros missionaacuterios apostoacutelicos lombardos chegaram a Recife em 1892 mas natildeo foram os primeiros capuchinhos a pisar em solo brasileiro No periacuteodo de 1612 a 1615 os Capuchinhos Franceses trazidos pela expediccedilatildeo militar chefiada por Daniel de La Touche vieram ao Brasil com o mesmo propoacutesito catequizar os indiacutegenas Em 1895 Frei Carlos que era o ldquosuperior da missatildeordquo assume a Paroacutequia de Barra do Corda no Maranhatildeo com o intuito de evangelizar os iacutendios Guajajara e Canela Em 1898 muda-se para a Colocircnia do Prata no Estado do Paraacute unicamente para a evangelizaccedilatildeo dos iacutendios ldquo[e]m ambas as casas satildeo inaugurados Educandaacuterios em regime interno para poder oferecer uma mais aprimorada formaccedilatildeo civil e religiosa aos filhos dos iacutendiosrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em httpwwwpromapaorgbr Acesso em 15 de nov de 2014
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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11 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Histoacuteria dos iacutendios no Brasil Satildeo Paulo Cia das Letras 1992b 12 CARNEIRO DA CUNHA (Org) Legislaccedilatildeo indigenista do seacuteculo XIX uma compilaccedilatildeo Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo Comissatildeo Proacute-iacutendio 1992a p 4 13 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das raccedilas cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993 14 FOUCAULT Michel Vigiar e punir 36 ed Petroacutepolis Vozes 2009 15 AMOROSO Marta Rosa Catequese e Evasatildeo Etnografia do Aldeamento Indiacutegena Satildeo Pedro de Alcacircntara Paranaacute (1855-1895) Tese de Doutorado 156p Programa de Antropologia Social Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 1998 p 147 16 Idem 17 HENRIQUE Maacutercio Couto Sem Vieira nem Pombal memoacuteria jesuiacutetica e as missotildees religiosas na Amazocircnia do seacuteculo XIX In Asas da Palavra ndash revista de Letras Beleacutem UNAMA v 10 nordm 23 juldez 2007 18 MONTERO Paula (org) Deus na Aldeia missionaacuterios iacutendios e mediaccedilatildeo cultural Satildeo Paulo Globo 2006 19 Registro realizado por ocasiatildeo da realizaccedilatildeo da Assembleia Geral da Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) realizada em marccedilo de 2014 20 A Lei Nordm 9010 de 29 de marccedilo de 1995 trata da mudanccedila nos termos da doenccedila que passa a ser tratada como ldquohanseniacuteaserdquo ao inveacutes de ldquoleprardquo No texto optei por manter a grafia utilizada no seacuteculo XIX ldquoleprardquo e ldquoleprosordquo A Lei estaacute disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9010htm Acesso em 24 jun 2014 21 SOUZA ARAUacuteJO Heraacuteclides Ceacutesar de Lazaroacutepolis do Prata A primeira Colocircnia Agriacutecola de leprosos fundada no Brasil Beleacutem Depto Nacional de Sauacutede PuacuteblicaEmpresa Graphica Amazocircnia 1924 22 Dentre estes livro de oacutebitos registros fichas individuais dos internos entre outros 23 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos dos Santos Instituiccedilotildees totais demografia amp genociacutedio na Amazocircnia segundo a trajetoacuteria dos TembeacuteTenetehara no Paraacute In Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Aacuteguas de Satildeo Pedro - SP Anais do XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais Populaccedilatildeo Governanccedila e Bem-Estar Satildeo Paulo- SP ABEP v 1 2014 24 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizada (3) Terra Indiacutegena Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de 59355 hectares enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 25Afirmaccedilatildeo de Dona Maria a Capitoa referindo-se ao Prata 26 De acordo com o linguista Max Boudin os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em 28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar GOMES Meacutercio Pereira O iacutendio na Histoacuteria o povo Tenetehara em busca da liberdade Rio de Janeiro Vozes 2002 27 BOUDIN Max H Dicionaacuterio de Tupi Moderno Dialeto tembeacute-teacutenecircteacutehar do alto rio Gurupi Satildeo PauloFaculdade de Filosofia Ciecircncias e Letras de Presidente Prudente 1966 28 Idem grifos do autor 29 WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961 30 Brasil 1853 Relatoacuterios do Impeacuterio Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1725 Acesso em 20 de abr de 2015 p 46 31 BRASIL 27ordm Relatoacuterio da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura Commercio e Obras 1884 Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1966contentshtml Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 32 BRASIL 1884 p 348 33 BRASIL 1884 p 350 34 BRASIL Agricultura Disponiacutevel em httpbrazilcrledubsdbsdu1971contentshtml 1885 Acesso em 22 de abr de 2015 p 37 35 BRASIL 1885 p 38 36 PRIMEacuteRIO P Fr Capuchinhos em terras de Santa Cruz nos seacuteculos XVII XVIII e XIX Satildeo Paulo Livraria Martins 1940 37 PRIMEacuteRIO 1940 p 355 38 PRIMEacuteRIO 1940 p 353 39 Idem 40 PARAacute Relatoacuterio de Governo da Inspectoria de Terras e Colonisaccedilatildeo Arquivo Puacuteblico do Paraacute Beleacutem 1899 p 06 41 Idem 42 PARAacute 1899 p 7 43 Idem 44 PARAacute 1899 p 23 45 PARAacute 1899 p 7
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas
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46 Em conversa com Fernandes no dia 14 de setembro de 2014 em sua residecircncia O diaacutelogo contou com a participaccedilatildeo de Dona Judite Vital da Silva 47 PARAacute 1899 p 07 48 PARAacute 1899 p 23 49 Enquanto os Tembeacute do ldquoGurupyrdquo eram em maior nuacutemero e considerados os mais ldquocivilizadosrdquo BRASIL 1884 p 349 50 BARROS Clara Emiacutelia Monteiro de Aldeamento de Satildeo Fideacutelis o sentido do espaccedilo na iconografia Rio de Janeiro IPHAN 1995 51 Idem p 91 52 Dona Maria Francisca da Silva em 14 de setembro de 2014 53 ALONSO Sara Os Tembeacute de Guamaacute processo de construccedilatildeo da cultura e identidade Tembeacute Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro 1996 54 BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e pertenccedilas entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria In Aceno v 1 nordm1 2014 pp 123-143 p 126 55 Seu Miguel Carvalho da Silva em entrevista concedida no dia 14 de marccedilo de 2014 durante os preparativos para a Assembleia Geral da AITESAMPA 56 LANGDON Ester Jean A fixaccedilatildeo da narrativa do mito para a poeacutetica de literatura oral In Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ano 5 nordm 12 1999 pp 13-36 dez Disponiacutevel em httpwwwufrgsbrppgashapdfn12HA-v5n12a02pdf Acesso em 01 de abr de 2015 p 20 57 Entrevista concedida em 13 de agosto de 2014 Por se tratar de relatos de experiecircncias de violecircncia as identidades das interlocutoras satildeo preservadas Os nomes das mulheres neste caso satildeo fictiacutecios diferente das autoridades Tembeacute que satildeo citadas como Dona Maria Francisca da Silva por exemplo Capitoa do Jeju 58 PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo (org) A viagem da volta etnicidade poliacutetica e reelaboraccedilatildeo cultural no Nordeste indiacutegena Rio de Janeiro Contra Capa Livraria 1999 59 Conforme sugere BARTH Frederik O Guru o Iniciador e Outras Variaccedilotildees Antropoloacutegicas Rio de Janeiro Contra Capa 2000 60 LUCIANO Gersem dos Santos O iacutendio brasileiro o que vocecirc precisa saber sobre os povos indiacutegenas no Brasil hoje v1 Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006 Disponiacutevel em httpwwwlacedmnufrjbrtrilhas