Download - Teoria Da História
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Sumrio
Unidade I:... 02
A Histria da histria... 02
A Histria, hoje em dia 18
A Histria do Brasil. 29
Unidade II:. 34
Teoria da Histria. 34
Filosofia, metodologia da histria: uma delimitao pelas respectivas origens.. 36
As origens da metodologia da histria. 40
As origens da epistemologia histrica. 43
Unidade III: 50
A historiografia marxista..... 50
Hegel 71
Positivismo... 79
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Unidade I:
A Histria da histria
A pr-histria da histria
Histria uma palavra de origem grega, que significa investigao, informao. Ela
surge no sculo VI antes de cristo (A.C.). Para ns, homens do Ocidente, a histria, como
hoje a entendemos, iniciou-se na regio mediterrnea, ou seja, nas regies do Oriente
Prximo, da costa norte-africana e da Europa Ocidental.
Antes disso, porm, vemos que os homens, desde sempre, sentem necessidade de
explicar para si prprios sua origem e sua vida. A primeira forma de explicao que surge nas
sociedades primitivas o mito, sempre transmitido em forma de tradio oral. Entre os
conhecimentos prticos, transmitidos oralmente de gerao a gerao, essas sociedades
incluem explicaes mgicas e religiosas da realidade. Para ns, homens do sculo XX,
acostumados a um pensamento dito cientfico, uma explicao mtica parece pueril, irracional
e ligada superstio. Mas preciso que reconheamos no mito uma forma de pensamento
primitivos, com sua lgica e coerncia prprias, no sendo simples inveno ou engodo. O
mito tem uma fora muito grande no tipo primitivo de sociedade. Ele fornece uma explicao
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que para os povos que a aceitam uma verdade.
O mito sempre uma histria com personagens sobrenaturais, os deuses. Nos mitos
os homens so objetos passivos da ao dos deuses, que so responsveis pela criao do
mundo (cosmos), da natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo seu destino.
Os mitos contam em geral a histria de uma criao, do incio de alguma coisa.
sempre uma histria sagrada. Comumente se refere a um determinado espao de tempo que
considerado um tempo sagrado: referem-se a ele como o princpio de todas as coisas, os
primrdios. Os fatos mitolgicos so apresentados um aps os outros, o que j mostra,
portanto, uma seqncia temporal; mas o mito se refere a um pseudotempo e no a um tempo
real, pois no datado de acordo com nenhuma realidade concreta. Da o mito mostrar o
eterno retorno, a repetio infinita: um tempo circular e no linear.
Em geral o mito visto como um exemplo, um precedente, um modelo para as outras
realidades. Ele sempre aplicado a situaes concretas. Existem inmeros mitos da criao
do mundo (mitos cosmognicos) que so vistos como exemplo de toda situao criadora. As
sociedades so mostradas como tendo origem, geralmente, em lutas entre as diferentes
divindades.
Conhecemos a existncia, entre o IV e o III milnios A.C., de sociedades mais
complexas, nas quais existe a escrita e um governo centralizado dirige uma sociedade
organizada em uma hierarquia social.
Esse governo um geral monrquico, e a sua origem sempre vista como divina. Os
reis representam os deuses e so eles que tudo decidem, sendo seus atos registrados em
anais. So esses os primeiros registros voluntrios para a prosperidade. So limitados, pois
tem objetivos polticos bem explcitos. Nessas sociedades, as fontes histricas mais remotas
so as inscries, assim como os anais religiosos (listas de sacerdotes, cerimnias religiosas,
tec.).
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Entre essas civilizaes
destacam-se a egpcia e a
mesopotmica, das mais
importantes na chamada
Antiguidade Oriental. Na
histria das duas entramos em
contato com dois mitos da
origem do mundo, que
parecem ter sido muito
significativos para elas.
No Egito, conta-se
que, nos primeiros tempos,
Osris (deus da terra, do sol
poente, responsvel pela
fertilidade, e por isso tambm
visto com deus do Nilo)
assassinado por um outro deus,
seu irmo set (deus do vento
do deserto, das trevas e do
mal), e seu corpo espalhado
por vrias partes do pas. Sua irm esposa sis (deusa da vegetao e das sementes),
auxiliada por seu filho Hrus (deus-falco e do sol levante), vai conseguir, atravs de palavras
mgicas, reunir todas as partes, e Osris revive, indo morar entre os deuses. Muitos textos
relatam diferentes formas do mito. Ele visto como a luta entre a luz e as trevas, como a vida
sucedendo a morte; visto como significando a vida que vem do Nilo, que gera a fertilidade
do Egito. Essa verso da morte e do renascimento de Osris a forma de os egpcios
explicarem a noo de imortalidade e sua eterna dependncia da natureza.
Na mesopotmia, acredita-se em dois princpios originrios: Tiamat (o princpio
feminino) e Aspu (o principio masculino), deles descendendo de todas as geraes de deuses.
O ltimo deles, Marduk, vai vencer em luta os deuses antigos que o procederam. Ele vai
formar o mundo com o corpo de Tiamat, umedecendo-o com o sangue de um arquidemnio,
Kingu. Marduk, o criador dos homens, o deus da capital da Babilnia. Para alguns, esse
mito mostra os homens sendo criados pelos deuses para aliment-los atravs de seu trabalho.
Isso justificaria parcialmente a viso trgica do mundo e o pessimismo caracterstico da cultura
da mesopotmia, ao explicar por que o homem no obteve, nem poderia obter, a
imortalidade.
Esses dois mitos so muito representativos e explicam a origem divina dos homens
sempre ligada a uma idia de renascimento. a morte de um deus e seu renascimento que
trazem o aparecimento da vida, da natureza e dos homens.
Na Grcia, por volta de 1 milnio A.C., o mito comea a ter uma conotao diferente:
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vamos encontra-lo na poesia, por exemplo na Ilada, poema pico atribudo a Homero
(datada provavelmente por
volta do ano 1000 antes de
A.C.). Nele encontramos
lendas e mitos da poca
micnica, bero inicial da
civilizao grega. Entre
outros mitos, l referidos,
encontramos o da origem da
Europa. Europa era filha de
Agenor, rei da fencia, pas
da sia menor, no Oriente
prximo. Zeus, o principal
dos deuses gregos, por ela
se apaixona. Sob a forma de
touro, vai seduzi-la e rapt-
la, atravessando o mar
mediterrneo e levando-a
para ilha de Creta. L ela vai
se tornar me de Minos e
seu nome vai ser dado a uma
das trs partes do mundo
antigo. curioso notar que a civilizao europia , em grande parte, herdeira da civilizao
grega. Por esse mito, vemos uma relao entre a Europa e a Fencia; ora, os fencios so os
grandes navegadores que difundiram pelo mediterrneo acivilizao do Oriente Prximo; a
eles devemos, entre outras contribuies, o alfabeto europeu ocidental.
O aparecimento da histria
A explicao mtica no vai, evidentemente, desaparecer. O mito continua at hoje em
quase todas as manifestaes culturais, mas no como a nica forma de explicao da
realidade, e sim paralelamente a outras formas de explicao, como a histria.
Ao recontar ou recopiar essas explicaes, num certo momento, os homens passam a
refletir sobre elas. especialmente um estudioso dos mitos, Hecateu de Mileto (colnia grega
da sia menor), no sculo V A.C., que vai, ao voltar do Egito, dizer: Vou escrever o que
acho ser verdade, porque as lendas dos gregos parecem ser muito risveis. Na regio em que
Hecateu vive, cruzam-se muitas civilizaes, e os viajantes, em seus contatos mtuos, vo se
esclarecendo.
A histria, como forma de explicao, nasce unida a filosofia. Desde o inicio ela esto
bastante ligadas; e a filosofia que vai tratar do conhecimento em geral. Em seu inicio, o campo
filosfico abrange embrionariamente todas as reas que posteriormente se iriam afirmar como
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autnomas: a matemtica, a biologia, a astronomia, a poltica, a psicologia, etc. So os
prprios gregos que descobrem a importncia especifica da explicao histrica. Herdoto,
de acordo com a orientao empreendida por Hecateu de Mileto, se prope a fazer
investigaes, a procura da verdade. Herdoto considerado o pai da histria, pois o
primeiro a empregar a palavra no sentido de investigao, pesquisa. Sua obra mais antiga
comea assim: Eis aqui a exposio da investigao realizada por Herdoto de Halicarnasso
para impedir que as aes realizadas pelos homens se apaguem com o tempo. Eles e os
primeiros historiadores gregos vo fazer indagaes entre seus contemporneos,
aproveitando, para escrever a histria, tambm, as tradies orais e os registros escritos.
Os cidados gregos querem conhecer a organizao de suas cidades-estado, as
transformaes que elas sofrem. Percebe-se, nas obras dos historiadores, que eles esto em
busca de explicaes para a situao especifica que esto vivendo. Por exemplo, Herdoto
vai estudar sobretudo a guerra entre os gregos e os persas (490-479 A.C.), grande confronto
entre o Leste e o Oeste que marca o V sculo, no qual ele escreve; nessa guerra, os gregos
indo contra a expanso imperialista iraniana, garantem sua independncia, o que vai permitir
seu grande desenvolvimento posterior. Tucdides, outro historiador grego, estrategista de
Atenas, que vive entre o V e IV sculos A.C., vai estudar as guerras do peloponeso, entre
Esparta e Atenas.
Percebe-se, portanto, que os historiadores esto ligados a sua realidade mais
imediata, espelhando a preocupao com questes do momento. No vemos mais uma
preocupao com uma origem distante, remota, atemporal (como existia no mito), mas sim a
tentativa de entender um momento histrico completo, presente ou aproximadamente
passado. H uma narrao temporal cronolgica, referente agora a uma realidade concreta.
No procuram mais conhecer uma realidade atemporal, mas a realidade especfica que vivem,
a realidade de um determinado tempo e de um determinado espao.
A explicao no mais atribuda a causas sobre-humanas, no so mais os deuses
responsveis pelos destinos dos homens. Estes comeam a examinar fatores humanos, como
os costumes, os interesses econmicos, a ao do clima, etc., embora ainda se encontrem
referncias aos mitos e deuses.
H uma preocupao explicita com a verdade. Plibio, grego e historiador do II
sculo A.C. (depois que a Grcia foi conquistada por Roma), escreve: Desde que um
homem assume atitude de historiador, tem que esquecer todas as consideraes, como o
amor aos amigos e o dio aos inimigos... Pois assim como os seres vivo se tornam inteis
quando privado de olhos, tambm a histria da qual foi retirada a verdade nada mais do que
um conto sem proveito. Ele testemunha a ascenso de Roma: sendo durante 16 anos refm
em Roma, procura saber como, em aproximadamente 50 anos, os romanos se tornaram
donos do mundo habitado (na viso de ento, a zona mediterrnea).
A cultura romana , em grande parte, herdeira da cultura grega. As caractersticas da
historia na noo utilitria, pragmtica: a histria vai exaltar o papel de Roma no mundo,
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servindo ao seu imperialismo. O mesmo Polbio escreve que Roma a obra mais bela e til
do destino e que todos os homens devem a ela se submeter. A histria vista como mestra
da vida, levando os homens a compreenderem o seu destino. Roma o centro do mundo e a
imposio do seu destino o destino histrico mundial.
A histria teolgica
A essa viso unificada da humanidade, os judeus, povo do Oriente Mdio dotado de
uma religio e uma viso do mundo especficas, atribuem um outro sentido. Com a difuso da
religio judaica no imprio romano, durante o perodo da desestruturao deste, temos
grandes mudanas. O processo histrico pelo qual passa a humanidade unificado no mais
em torno da idia de Roma, mas de uma viso do cristianismo como fundamento e justificativa
da historia. A influncia do cristianismo to grande em nossa civilizao que toda cronologia
do nosso passado feita em termos de seu acontecimento central, a vinda do filho de Deus
terra. Cristo, tornando-se homem, possibilita a salvao da humanidade, meta final da histria.
Todo o nosso passado dividido, como j notaram, nos tempos antes de cristo (A.C.) e
nos tempos depois de cristo (D.C.). A historia da humanidade se desenrolaria de acordo
com um plano divino, sendo a vinda de cristo terra o centro desse processo.
A histria continua tendo uma viso do tempo linear, cujo desenvolvimento
conduzido segundo um plano da Providncia Divina. a volta de explicao sobrenatural,
semelhante a do mito, e tambm cosmognica. Ela se impe no inicio do perodo medieval
(Sculos V e VI D.C.), perdurando como forma nica por toda Idade Mdia, quando se
forma a civilizao europia ocidental.
A realidade agora est dividido em dois planos: o superior perfeito (representado por
Deus) e o inferior imperfeito (representado pelos homens). Essa introduo introduzida na
historia por Santo Agostinho, em sua obra A Cidade de Deus; ele o primeiro formulador de
uma interpretao teolgica da histria (do grego teos, ou seja, deus). O plano superior da
realidade a Cidade de Deus, em quanto que o plano inferior a Cidade dos Homens.
O cristianismo uma religio eminentemente histrica, pois no prega uma
cosmoviso atemporal, mas sim uma concepo que aceita um tempo linear, que se ordena
em funo de uma interveno divina real na histria. Para a f crist, o fato de o prprio filho
de Deus se ter feito homem (sua vinda na terra preparada pelo povo judeu, atravs de seus
profetas, seus reis e seus patriarcas) um acontecimento histrico, situado de maneira
concreta, em determinado lugar e poca.
O sentido global da histria da humanidade relevado por Deus aos homens e a
igreja a responsvel pela orientao da humanidade em sua busca da salvao.
Os primeiros sculos da Idade Mdia vo ser os sculos da formao da civilizao
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europia ocidental. ento que temos o aparecimento da Europa na histria, com a afirmao
de identidade comum a diferentes povos, que vivem uma forma de vida muito semelhante. As
bases comuns a esses povos so o mundo romano em desestruturao e o chamado mundo
brbaro (Composto por povos que viviam fora do domnio do imprio romano). Os
elementos desses dois mundos vo se misturar lenta e completamente do sculo IV ao VII,
atravs da influencia da igreja, que vai marcar profundamente toda a sociedade.
este um perodo muito importante para ns, pois somos, em grande parte atravs de
muitas vias, herdeiros dessa civilizao. Estamos profundamente impregnados por seu modo
de vida, seus valores, suas atividades culturais, etc. Todos j vivenciamos a atrao que o
chamado velho mundo exerce sobre ns e a propaganda turstica faz tudo para aumentar esse
sentimento.
Os sculos iniciais da Idade Mdia so de regresso cultural; a populao vive em sua
maior parte no campo e quase ningum sabe ler (at o famoso imperador Carlos Magno era
analfabeto). A igreja, grande proprietria de terras, quem registra organizao a organizao
e as formas de trabalhar essas terras. So os inventrios das abadias de Saint-Germain-des-
Prs e de Saint-Denis, na Frana, os melhores documentos para conhecermos como
funcionava, no seu incio, o chamado sistema feudal, que vigora o sculo IX em diante.
Somente membros do clero sabem ler e escrever. A maior parte do que foi escrito
nessa poca feita pelo clero. Grande parte das fontes so, por exemplo, vidas de santos. A
prpria palavra clrigo (ou seja, do clero) quer dizer letrado, em ingls. At hoje nessa
lngua a palavra conservou esses dois sentidos.
Os documentos leigos vo comear a aparecer s bem mais tarde, nos sculos XII,
XIII, com o renascimento urbano e comercial; surgem com os registros de comerciantes
particulares, dirios de escudeiros, cavaleiros famosos, de menestris, etc.
A histria escrita nesse perodo no apresenta o mesmo rigor crtico de investigao
que apresentava entre os gregos, nem a mesma procura de compreenso e explicao: ela se
compe sobretudo das chamadas crnicas ou anais, em que se relatam fatos, mas do que
outra coisa. Os cronistas (a maior parte membros do clero) so elementos contratados por
uma casa real, um ducado, etc., para escrever sua histria. H , portanto, nas obras deles,
uma ntida vontade de agradar a quem os emprega. No h uma preocupao em aferir a
veracidade dos fatos; h um predomnio da tradio oral, sem se verificar o que j se
escrevera.
A Idade Mdia um perodo em que se v, associada predominncia da f, uma
enorme credulidade geral. Acreditava-se em lendas fantsticas, no paraso terrestre, na pedra
filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades todas de ouro, etc. Existem lendas sobre os
mares estarem assolados por monstros, sobre a terra que terminava de forma sbita por ser
plana, etc. Toda essa mentalidade reinante refletiu-se na forma de escrevera histria, na qual
h uma grande presena do milagre, do maravilhoso e do impossvel.
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Aos poucos isso tudo vai ser substitudo por um melhor conhecimento do globo, que a
Europa vai descobrir e explorar. So publicados estudos de geografia, mapas, h uma
renovao da viso do mundo como um todo e a histria acaba refletindo essas alteraes.
A erudio, a razo e o progresso na histria
A sociedade europia est, no perodo que considerado como incio da
modernidade (sculo XVI), em plena desestruturao do sistema feudal. As condies de
sociedade em crise permitem que um grupo social em formao (e burguesia, em geral
constituda por habitantes das cidades, com interesse no comrcio) v se impor pouco a
pouco.
Um mundo real devido expanso comercial se estende frente dos homens da
Europa Ocidental, e eles vo se dedicar a sua compreenso. Um humanismo que procura
focalizar sua ateno no homem, como centro desse universo, se impe lentamente desde o
final da Idade Mdia. O interesse pelo homem como centro do mundo vai surgir dentro e em
oposio a uma sociedade medieval que est preocupada s com a f crist, a qual ento
encerra a explicao para todas as coisas; o peso da tradio tambm um dos valores
dominantes nesse perodo que se encerra. As mudanas so lentas, mas constantes, em
direo a um abandono da viso religiosa da histria que, porm, ainda influencia os filsofos
e estudiosos dos sculos posteriores e possui adeptos at mesmo no nosso sculo.
Aos poucos, porm, vai-se formando uma concepo no teolgica do mundo e da
histria. O conhecimento no parte mais de uma revelao divina, mas de uma explicao da
razo.
E o racionalismo vai se impor da em diante; no se procura mais a salvao em outro
mundo, mas um progresso e a perfeio aqui neste mesmo; no se mais guiado pela f, mas
pela razo.
Durante o renascimento, a cultura europia ocidental, desprezando os dez sculos
medievais, procura retomar a Antiguidade Greco-romana, seus valores, sua arte, etc. Isso vai
ter conseqncias importantssimas para toda a histria. Com a preocupao pelos textos
antigos e por sua exatido, com a pesquisa e formao de colees de moedas, de objetos de
arte, de inscries antigas, vai ser levantado um enorme material para a reconstruo desse
passado. Do sculo XVI ao XIX vo se multiplicar as tcnicas para reunir, preparar e criticar
toda essa documentao, que fornece os dados e os elementos para interpretao histrica.
Esse conjunto de tcnicas se aperfeioa constantemente nesse perodo e vai auxiliar a histria
(seu conjunto constitui a erudio).
Essas tcnicas permitem que, nas polmicas levantadas pela diviso interna que se d
na igreja nesse perodo (a Reforma), numa procura de exatido se busque saber exatamente o
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que se passou com a igreja e o cristianismo. Um desses casos, por exemplo, o de uma
mulher-papa, que teria existido nos sculos XI, XII ou XIII, a papisa Joana. Descobrem ser
isso uma lenda que surgiu no sculo XIII, e s ento, no sculo XVI, desacreditada, sendo
negada a existncia da papisa at por dois historiadores protestantes.
Outro exemplo tpico o caso da doao de Constantino. Em 1440, descobriu-se
que esse documento, importantssimo durante a Idade Mdia, era falso. Ele foi forjado no
VIII ou IX D.C. Seu texto relata a doao feita por Constantino (imperador romano que
concedeu a liberdade ao cristianismo no ano 313 D.C.), ao Papa silvestre I, da Itlia e da
cidade de Roma, assim como a primazia sobre os outros bispados mais importantes. Essa
doao era a base que justificava as pretenses do Papado, na Idade Mdia, a posse de
territrios na Itlia.
Os estudiosos humanistas vo,
portanto, numa linha que surge desde a
segunda metade da Idade Mdia (sculo
XII em diante), reviver a tradio de critica
dos filsofos (estudiosos de texto) e
historiadores da Antiguidade. Do avano
desses tcnicos eruditos que nascem ou
se afirmam a cronologia (estudo da fico
das datas), a epigrafia (estudo das
inscries), a numismtica (estudo das
moedas), a sigilografia (estudo dos selos
ou sinetes), a diplomtica (estudo dos
diplomas), a onomstica (estudo dos
nomes prprios), a herldica (estudos dos
brases), a genealogia (estudo das
linhagens familiares), a arqueologia (estudo
dos vestgios materiais antigos), a filologia
(estudo dos escritos antigos). H um
esforo contnuo, atravs dessas tcnicas,
para se aprender a escolher os
documentos significativos, situ-los no
tempo e no espao, classific-los quanto ao gnero e critic-los quanto ao grau de
credibilidade.
No sculo XVIII, numa sociedade em plena transformao, com a desestruturao
final do sistema feudal e o avano da ordem burguesa, surge o Iluminismo, corrente filosfica
que procura mostrar a histria como sendo o desenvolvimento linear progressivo e interrupto
da razo humana. Para eles, Idade Mdia foi o perodo das trevas (causadas pela f, como
explicao de tudo), mas agora, com o Iluminismo, o conhecimento se aproxima da verdade
(iluminismo vem de luz). Para esses filsofos, a humanidade ir cada vez mais dominar a
natureza, numa evoluo progressiva constante. Com Voltaire, um dos maiores filsofos dessa
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escola, surge a preocupao com a sociedade em seu sentido mais amplo, ele quer ver a
histria da civilizao, preocupao que acabar se impondo-se na Europa Ocidental.
O homem, levado pela f em sua prpria razo (o homem iluminado) vai trabalhar
para o seu progresso. Grandes transformaes se do com a Revoluo Francesa que, no
final do sculo XVIII, traz a efetivao do poderio burgus; ela acaba, na Frana, com as
ltimas remanescncias do poder da igreja e dos senhores feudais. Por extenso da influncia
francesa, isso se transfere aos outros pases da Europa, especialmente atravs das guerras
napolenicas.
Essa burguesia no comando poltico da sociedade europia vai procurar reorganizar
suas formas de pensamento, buscando explicar a nova realidade. No so mais os telogos
que esto no comando dessa explicao, a justificao dessa nova sociedade; essa corrente
filosfica reclama o progresso atravs da liberdade, contra as fortes autoridades das
monarquias e da igreja, que se exerceu, durante muito tempo, em todos os nveis da
sociedade. Depois da revoluo francesa, esse liberalismo, agora sem funo destruidora, vai
se fixar mais numa posio organizadora dos estados nacionais liberais, cujo melhor exemplo
a Inglaterra.
Alguns historiadores do perodo, so muitas vezes estadistas, homens envolvidos na
ao poltica: com esse intuito amplo produzem suas obras, em geral de carter poltico-
partidrio.
No sculo XIX, temos inmeros conflitos nacionais. Nesse sentido, os Estados em
organizao e estabilizao (como a Inglaterra e a Frana) e os Estados ainda em processo
de unificao (como a Alemanha e a Itlia) vo estimular o interesse pelo estudo de sua
histria nacional. Surgem inmeras sociedades de pesquisa, governamentais ou particulares.
Cada pas vai levantar a documentao referente ao seu passado. A Alemanha, em
sua clara preocupao nacionalista, vai pesquisar sobretudo o perodo do medieval e procurar
valorizar sua origem (brbara, ou seja, germnica).Compila uma serie documental,
Monumenta Germaniea Histrica, que a mais importe coleo de textos medievais
existente at hoje. uma obra diretamente estimulada pelo governo e leva dcadas o trabalho
de recolhimento de textos, classificao, etc. reuniram leis brbaras as mais variadas,
documentos sobre imperadores e papas, crnicas histricas, poemas, etc.
Dentro dessa viso nacionalista que se encaixam alguns historiadores que so
classificados como romnticos, pois, dotados de uma certa contemplao sentimental da
histria, procuram uma volta ao passado cheia de nostalgia. Para eles, a histria no pode ser
feita com uma anlise fria: o passado deve ser ressuscitado em todo o seu ambiente prprio.
A sua poca predileta foi a Idade Mdia, com seus castelos, suas lendas e sua crueldade,
seus cavaleiros e seus torneios, suas catedrais e seu misticismo.
Para compreender a histria de cada nao, preocupao geral do sculo, os
historiadores voltam ao passado, procurando caracterizar o esprito de cada povo; esse
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esprito que explica para eles sua situao e sua maneira de ser.
na Alemanha que surge a preocupao de transformar a historia em uma cincia. A
Europa vive uma poca de grande desenvolvimento das cincias naturais, como a fsica e a
qumica. Os historiadores alemes, em reao ao Idealismo (que veremos daqui a pouco),
querem que a histria se torne uma cincia, o mais segura possvel, como as cincias exatas.
Pretendem um grau de exatido cientifica semelhante: era necessria a elaborao de mtodos
de trabalho anlogos e efetivos, que estabelecem leis e verdades de alcance universal. Ora,
essa era uma tarefa impossvel, devido a diferena da natureza dessas reas.
Com a finalidade acima, seu trabalho vai se centralizar numa crtica serissima das
fontes, visando o levantamento criterioso dos fatos. O maior nome dessa tendncia, chamada
escola cientifica alem, Leopold Ranke, cuja frase famosa exprime toda uma forma de
contar histria imperante no sculo passado: era preciso levantarem-se os fatos como eles
realmente se passaram. Seu trabalho exigente, seguro, mas essa linha orientao vai acabar
dando fora ao positivismo histrico, iniciado no sculo passado, mas com uma enorme
influncia at hoje.
O positivismo como filosofia surge ligado s transformaes da sociedade europia
ocidental, na implantao de sua industrializao. Para ele, cabe a histria um levantamento
cientifico dos fatos, sem procurar interpret-los, deixando sociologia sua interpretao.
Para os historiadores positivistas, os fatos levantados se encadeiam como que mecnica e
necessariamente, numa relao determinista de causas e conseqncias (ou seja, efeitos). A
histria por eles escrita uma sucesso de acontecimentos isolados, relatando sobretudo os
feitos polticos de grandes heris, os problemas dinsticos, as batalhas, os tratados
diplomticos, etc.
Da influncia dessa tendncia vo surgir inmeros trabalhos de alcance muito
pequeno, superespecializados e que quase nada explicam. Para realizarem trabalhos que
considerem realmente especficos, esses historiadores acham que preciso ver o passado
como algo de morto, com o qual o presente em que vivem nada tem a ver.
Nessa nova sociedade que se impe no sculo XIX aparece uma corrente filosfica, o
Idealismo alemo, que traz enormes conseqncias para a histria. Hegel, seu maior nome, vai
estabelecer uma nova atitude filosfica frente ao conhecimento. Ele supera o racionalismo que
endeusa a razo, como a verdade absoluta, e mostra que o conhecimento no absoluto, mas
se constitui como um movimento dos contrrios (lei da dialtica: tese, anttese e sntese).
Hegel transforma o conceito de processo retilneo e indefinido (prprio do Iluminismo)
numa evoluo dialtica em que no mais a razo absoluta que explica tudo. A dialtica,
aceita desde a antiguidade grega por alguns filsofos, agora retomada em outro sentido. O
idealismo de Hegel uma concepo que mostra a primazia fundamental das idias do homem
em relao realidade e o desenvolvimento do processo histrico.
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O materialismo histrico e a histria acadmica
No sculo XIX, temos a efetivao da sociedade burguesa e a implantao do
capitalismo industrial. Ora, desde meados desse sculo o capitalismo criticado como forma
de organizao da sociedade. Nessa linha de crtica, vo se destacar dois pensadores, Karl
Marx e Friedrich Engels. Esses dois estudiosos, ao fazerem a crtica da sociedade em que
vivem e apresentarem propostas para sua transformao, elaboram, retomando a viso do
filosofo Hegel sobre o movimento dos contrrios, uma nova concepo filosfica do mundo
(materialismo dialtico), que supe uma nova teoria do conhecimento. Seu mtodo aplicado a
historia o materialismo histrico.
Os dois estudam sobre o capitalismo, a sociedade burguesa, suas leis de evoluo e a
transformao dessa realidade fundamental que, da Europa, se estende ao resto do globo.
Estudam introdutoriamente, as formas de sociedade que precedem a capitalista. Ao fazer
esses trabalhos, aplicam o mtodo do materialismo histrico, o que vai provocar uma
mudana definitiva na forma de pensar e produzir histria.
Porm, como o materialismo histrico e seus fundadores esto, desde o incio, ligados
a uma tentativa de transformao revolucionria da sociedade capitalista burguesa, sua
infncia na produo histrica da segunda metade do sculo passado muito pequena.
Apesar de uma recusa formal e consciente dessa nova teoria, ela vai acabar
influenciando todos os historiadores ocidentais, ao chamar a ateno para elementos
fundamentais que no eram anteriormente levados em conta.
O materialismo histrico mostra que os homens, para sobreviverem, precisam
transformar a natureza, o mundo em que vivem. Fazem-no no isoladamente, mas em
conjunto, agindo em sociedade; estabelecem, para tal, relaes que no dependem
diretamente de sua vontade, mas dependem do mundo que precisam transformar e dos meios
que vo utilizar para isso. Todas as outras relaes que os homens estabelecem entre si
dependem dessas relaes para a produo da vida, no sob uma forma de dependncia
mecnica, direta e determinante, mas sob forma de um condicionamento. O ponto de partida
do conhecimento da realidade so as relaes que os homens mantm com a natureza e com
os outros homens; no so as idias que vo provocar as transformaes, mas as condies
materiais e as relaes entre os homens, que estas condicionam.
Essa ateno para o aspecto da produo de vida material vai comear a aparecer
nos trabalhos dos historiadores no marxistas: desde o inicio do sculo XX h uma reao
contra a histria positivista, que praticamente nada explicava, e, em sua procura de
explicao, os historiadores vo comear a levar em conta os fenmenos da produo (para
eles produo=economia).
Para Marx e Engels, a histria um processo dinmico, dialtico, na qual cada
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realidade social traz dentro de si o principio de sua prpria contradio, o que gera a
transformao constante na histria.
A realidade no estatstica, mas dialtica, ou seja, est em transformao pelas suas
contradies internas. Essas contradies so geradas pelas lutas entre as diferentes classes
sociais. Ao chamar a ateno para a sociedade como um todo, para sua organizao em
classes, para o condicionamento dos indivduos classe a que pertencem, esses autores
tambm vo exercer uma influncia decisiva nas formas posteriores de escrever a histria.
Seus grandes legados histria, portanto, so a contribuio para a analise do
capitalismo e a introduo do novo mtodo de analise da realidade. Os trabalhos marxistas
sobre a histria vo proliferar na Rssia, da segunda metade do sculo em diante, com a
subida do Stalin ao poder (1924). Eles so, porm, dominados por uma viso dogmtica,
autoritria, em que as finalidades polticas de uma sociedade socialista, segundo a viso de
Stalin e seu partido, superam a finalidade de uma procura cuidadosa de explicao da
realidade. Esse dogmatismo leva a um empobrecimento do pensamento marxista, pois no v
a realidade como a dialtica. Ele absolutiza o estado e o poder, simplificando e
esquematizando a histria. O dogmatismo stalinista ajuda a afastar do materialismo histrico
os historiadores da Europa Ocidental.
S depois de 1960, quando esse dogmatismo stalinista comea a ser denunciado na
Unio Sovitica, que se vai, no campo dos historiadores marxistas, procurar superar os
erros cometidos.
A maioria dos estudiosos marxistas do mundo ocidental preocupa-se mais com a
filosofia, teoria do conhecimento, sem se dedicar a analises histricas propriamente ditas. Sua
preocupao maior preende-se, nesse campo, elaborao de um conceitual terico de
anlise. A importncia do materialismo histrico como mtodo de analise para a histria um
legado que ainda est para provar sua importncia; como diz o historiador francs Pierre
Vilar, a histria marxista uma histria em construo, qual resta um longo trajeto a
percorrer.
no sculo passado que a histria entra para a universidade (as primeiras
universidades datam do sculo XVIII!). Ela se torna, ento, uma disciplina acadmica, ou
seja, produzida desde ento no mbito das universidades. Nelas domina uma viso filosfica
liberal, preocupada somente com a explicao do mundo e no com sua transformao. O
materialismo histrico no a adotado, por estar associado, desde seu surgimento, crtica e
transformao revolucionria da sociedade capitalista.
Aos poucos, porm, vo aparecendo influncias dessa teoria da histria; elas so
parciais e, nos meios universitrios, ainda predomina, at o sculo XX, a histria positivista.
sobretudo na Frana que ocorrem as primeiras transformaes dessa histria.
Os trabalhos iniciais que revelam essa reviso so os elaboradores pelos historiadores
franceses, professores universitrios, da dcada de 30. Esses trabalhos so publicados na
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revista anais: Economias-Civilizaes (revista atualmente no seu 35 ano). Esse grupo ficou
conhecido como a escola francesa ou escola de anais; seus grandes iniciadores foram
Marc Bloch e Lucien Febvre. Embora sem uma unidade terica, abrem, pelo exemplo de
inmeros trabalhos de anlise, alm do limitado positivismo. Ao invs do estudo dos fatos
singulares, procuram chamar a ateno para a anlise de estruturas sociais (econmicas,
polticas, culturais, religiosas, etc.), vendo seu funcionamento e evoluo. Aceitam uma histria
total, que veja os grupos humanos sobre todos os seus aspectos e, para tal, uma histria que
esteja aberta s outras reas do conhecimento humano, numa viso global: economia,
sociologia, poltica, etc. A chamada produo interdisciplinar (onde colaboram as diferentes
disciplinas do conhecimento) se torna o lema de seus seguidores.
Perspectivas atuais
A segunda guerra mundial, ao projetar a importncia dos EUA, da Rssia e do Japo,
mostra aos historiadores europeus a necessidade de rever suas posies eurocentristas. A
expanso colonialista tinha levado a Europa a entrar em contato com outros povos, outras
formas de vida, outros costumes, outras instituies; mas essas outras formas de organizao
social eram sempre comparadas com a forma de organizao europia, que considerada
como padro. A expanso imperialista da Europa (ligada ao seu grande desenvolvimento
industrial) acentua esses contatos entre povos e culturas. O eurocentrismo, esse
privilegiamento, essa colocao da sociedade europia com modelos das outras, porm,
continua. Do ponto vista do eurocentrismo, a histria apresentada como um processo de
desenvolvimento contnuo, desde a pr-histria at o perodo contemporneo; ela parece ter
como meta final a civilizao europia ocidental conforme esta se apresenta constituda no
inicio do sculo, com seu grande desenvolvimento tcnico, econmico e cultural. lgico que
isto no est assim to claramente enunciado, mas o que se sente nas entrelinhas da maior
parte das obras de histria da corrente eurocentrista.
Os acontecimentos da segunda guerra mundial, entretanto, o grande papel
desempenhado pelos EUA e pela Rssia na vitria contra Hitler e nas posteriores convenes
de paz levam alguns historiadores, em especial o ingls Geoffrey Barraclough, a rever o
eurocentrismo. A Europa no pode mais ser vista como centro do mundo; explicar a histria
em funo da histria da civilizao ocidental no faz mais sentido. preciso, para entender a
seguinte situao, comear a olhar para as outras partes de nosso globo.
As mudanas ocorrem muito vagarosamente, e at hoje temos muita influncia dessa
viso eurocentrista. Nos EUA, o outro plo da civilizao ocidental, o estudo da histria no
especialmente desenvolvido; uma histria ainda em grande parte mais preocupada com a
factual.
As maiores influncias nos trabalhos de histria, de metade do sculo em diante, so,
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portanto, no mundo ocidental, a viso do materialismo histrico e a civilizao da histria das
civilizaes, ligada chamada escola francesa. Elas partem de explicaes da realidade
bem opostas, pois o mtodo com que abordam o estudo da realidade basicamente
diferente. Aparentemente podem ser feitas algumas explicaes entre essas duas vises.
Ambas se preocupam com a sociedade como um todo e com a lenta evoluo do processo
histrico. H entre seus historiadores uma preocupao com uma explicao histrica do seu
tempo e com a produo da vida econmica (embora, no materialismo, a produo
econmica seja vista diretamente ligada a vida da sociedade, atravs do enfoque das relaes
de produo da vida material).
Na frana h hoje um grande desenvolvimento do estudo da histria das
civilizaes, estas entendidas cada vez mais num sentido bem amplo.
A chamada "nova histria" procura sempre novos objetos para a histria (exemplos: o
papel do clima na histria; a histria das mentalidades, com o exame, por exemplo, da idia
da morte no Ocidente; a histria do cinema, a histria da gastronomia francesa, etc.). Os
herdeiros da "escola dos Anais" hoje em dia so l vedetes populares, ganhando horrios
nobres na TV, capas de semanrios, etc.
Este breve resumo procura tratar da histria, do caminho por ela percorrido em um
trplice aspecto: seu registro ou documentao, as tcnicas para lidar com essa
documentao, e a interpretao que feita com os elementos levantados.
Uma sociedade sempre se estrutura em diferentes grupos ou classes, uma das quais
detm o poder poltico, o poder econmico e o prestgio social. De uma forma sutil e muito
bem articulada, no visvel pelos incautos, e s perceptvel numa anlise muito acurada, o
grupo social dominante acaba, por mecanismos complexos, impondo aos outros grupos seu
modo de ver a realidade, o que vai reforar os seus interesses, pois lhe permite manter sua
situao de privilgio. Nessa viso de mundo que imposta esto implcitos seus valores, seus
preconceitos, etc.
Essa dominao, evidentemente, nunca total (no h nada de "absoluto" na histria
dos homens), nem completamente consciente e racional. Se assim fosse, no se poderia
pensar em transformaes. A dominao tem suas prprias contradies e ambigidades.
Assim, dentro do campo especfico da histria, h um certo controle, no explcito
mas prtico, do registro e da documentao. muito difcil encontrarem-se, por exemplo,
documentos da vida dos escravos na Grcia clssica (V sc. A.C.). Sabe-se, porm, que l
havia uma populao com a proporo de um homem livre para cada trs ou quatro escravos.
Eram os cidados-livres os elementos que constituam a classe dirigente da sociedade ate-
niense, e no temos quase documentao sobre esses escravos, embora eles no fossem
analfabetos (eram prisioneiros de guerra de outras regies).
sobretudo no campo da interpretao que se sente essa ao de uma classe que
dirige a sociedade. No caminho percorrido pela histria, no se a escreveu sob a tica dos
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escravos da Antiguidade ou dos servos medievais, mas somente sob a dos cidados-livres da
Grcia e Roma e dos senhores feudais sob a orientao da Igreja; finalmente, viu-se a histria
escrita sob a tica da burguesia, em diferentes e mltiplos caminhos que nos mostram uma
sociedade cada vez mais complexa e da qual possumos cada vez mais documentao.
Do ponto de vista das tcnicas de pesquisa, a histria est em desenvolvimento
constante. Desde as primeiras investigaes gregas at o uso do computador, as formas de
registrar os fatos histricos e de utilizar suas fontes vm tendo um contnuo aperfeioamento.
Os problemas terico-metodolgicos, sobretudo desde meados do sculo passado,
depois do aparecimento do materialismo histrico, centralizam cada vez mais a ateno dos
historiadores. Do desenvolvimento desses problemas depende uma melhor forma de
apreender a realidade.
A histria da histria chega ento ao sculo XXI; parece-nos que s uma retomada
das origens e da evoluo dessa histria nos podem fazer compreender sua situao atual,
que deve ser sempre vista dentro de uma noo de processo.
A Histria, hoje em dia
No novo dicionrio Aurlio, ao se procurar o termo "histria", encontramos muitos
significados para a palavra. Entre uns quinze enumerados, podemos destacar alguns que
enfocam a histria como: passado da humanidade, o estudo desse mesmo passado, uma
simples narrao, uma "lorota", uma complicao, etc.
Como se percebe pelo primeiro captulo, a histria de que aqui tratamos est ligada
aos dois primeiros sentidos mencionados e que colocam claramente a ambigidade
fundamental do termo: ele significa, ao mesmo tempo, os acontecimentos que se passaram e o
estudo desses acontecimentos. Para contornar essa dificuldade, os historiadores s vezes
acrescentam ao termo "histria" o termo "acontecimento" ou "processo" (a histria-
acontecimento ou histria-processo), para designar seu primeiro sentido (os acontecimentos
histricos), e o termo "conhecimento" (a histria-conhecimento), para designar o segundo
sentido (o conhecimento histrico).
A histria-acontecimento a histria do homem, visto como um ser social, vivendo
em sociedade. a histria do processo de transformao das sociedades humanas, desde o
seu aparecimento na terra at os dias em que estamos vivendo. Desde o incio, portanto,
pode-se tirar uma concluso fundamental: quer saibamos ou no, quer aceitemos ou no,
somos parte da histria e temos ento todos, desde que nascemos, uma ao concreta a
desempenhar nela.
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So os homens que fazem a histria; mas, evidentemente, dentro das condies reais
que encontramos j estabelecidas, e no dentro das condies ideais que sonhamos. Eis a a
razo de ser, a justificativa da histria, em seu segundo sentido: o conhecimento histrico
serve para nos fazer entender, junto com outras formas de conhecimento, as condies de
nossa realidade, tendo em vista o delineamento de nossa atuao na histria.
Os dois sentidos da palavra esto, pois, estreitamente ligados: os acontecimentos
histricos (a histria-acontecimento) so o objeto de anlise do conhecimento histrico (da
histria-conhecimento).
Numa extenso ampla dos dois sentidos, histria seria ento aquilo que aconteceu
(com o homem, com a natureza, com o universo, enfim) e o estudo desses acontecimentos.
Tudo tem sua histria, pois sabemos que tudo se transforma o tempo todo. Mas aqui nos
interessam principalmente as transformaes das sociedades humanas.
O sentido mais difundido do termo o primeiro, o de histria-acontecimento; a maior
parte do tempo em que falamos em "histria", referimo-nos, por exemplo, "histria da
Amrica", ou "s grandes figuras da histria". Mas aqui tratamos especificamente do segundo
sentido, o de conhecimento histrico.
O primeiro captulo apresenta um breve resumo de como foi produzido at hoje este
conhecimento. Neste captulo veremos como hoje compreendida e produzida a histria.
Essa conceituao atual resultante do longo caminho da histria, observado no primeiro
captulo.
O que a histria e para que serve?
A funo da histria, desde seu incio, foi a de fornecer sociedade uma explicao
de suas origens (ou seja, uma explicao gentica). A histria se coloca hoje em dia cada vez
mais prxima s outras reas do conhecimento que estudam o homem (a sociologia, a
antropologia, a economia, a geografia, a psicologia, a demografia, etc.), procurando explicar a
dimenso que o homem teve e tem em sociedade. Cada uma dessas reas tem seu enfoque
especfico. Uma viso mais ampla e mais completa, entretanto, exige a cooperao entre as
diversas reas. Isso tem sido tentado pelos estudiosos com maior ou menor xito, no
chamado trabalho interdisciplinar, pois inclui diferentes disciplinas.
A histria procura especificamente ver as transformaes pelas quais passaram as
sociedades humanas. A transformao a essncia da histria; quem olhar para trs, na
histria de sua prpria vida, compreender isso facilmente. Ns mudamos constantemente;
isso vlido para o indivduo e tambm vlido para a sociedade. Nada permanece igual e
atravs do tempo que se percebem as mudanas.
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Eis por que se diz que o tempo a dimenso de anlise da histria. O tempo histrico
atravs do qual se analisam os acontecimentos no corresponde ao tempo cronolgico que
vivemos e que definido pelos relgios e calendrios. No tempo histrico podemos perceber
mudanas que parecem rpidas, como, por exemplo, os acontecimentos cotidianos: um golpe
de estado que toma o poder e que seguimos pelos jornais. Vemos tambm transformaes
lentas, como no campo dos valores morais: o machismo, por exemplo, um valor que impera
na maior parte das sociedades que a histria estuda, a ponto de se poder dizer que a histria
que est escrita mostra um processo praticamente s conduzido pelos homens. No Ocidente,
aproximadamente de um sculo para c, surge um questionamento mais constante desse valor
milenar. Isso se d em grande parte devido a uma participao maior da mulher no processo
de produo: medida que as mulheres saem da esfera exclusiva do lar e comeam a refletir
na realidade.
A caminhada que a humanidade fez explica muito sobre a prpria humanidade, assim
como o que uma pessoa faz explica muito sobre ela. caminhada da humanidade que
damos o nome de processo histrico.
Desde que existem sobre a terra, os homens esto em relao com a natureza (para
produzirem sua vida) e com os outros homens. Dessa interao que resultam os fatos, os
acontecimentos, os fenmenos que constituem o processo histrico.
Quase sempre que a histria da humanidade nos apresentada, a evoluo da
sociedade europia ocidental que tomada como modelo de desenvolvimento desse
processo histrico. Essa posio eurocntrica errada: do ponto de vista da histria, a
evoluo da sociedade europia ocidental, com seu alto grau atual de desenvolvimento
tecnolgico, no deve ser um padro de comparao para se estudar a histria de qualquer
outra parte do sistema capitalista, como, por exemplo, a Amrica Latina. No se deve, por
meio desse tipo de comparao, julgar se uma sociedade est "atrasada" ou "adiantada" em
seu desenvolvimento histrico.
No h uma linha constante e progressiva de desenvolvimento na histria da
humanidade, pois temos, ao mesmo tempo, hoje em dia, sociedades com formas de vida
primitivas, consideradas ainda no chamado perodo pr-histrico (por exemplo, na Nova
Zelndia), e sociedades com um grau de desenvolvimento que permite exploraes
interplanetrias (como fazem os americanos e os russos). No se percebe, ainda como
exemplo, uma linha constante e progressiva da passagem, a partir da Antiguidade, do trabalho
escravo ao trabalho assalariado: a escravido praticamente desaparece na Europa Ocidental,
durante a Idade Mdia, para reaparecer na Idade Moderna, imposta pelos europeus nas
Amricas, como forma de relao de trabalho dominante. No se deve, portanto, identificar a
idia de processo histrico com uma idia de progresso necessrio.
Dizer que o processo histrico contnuo no significa dizer que ele obedea a um
desenvolvimento linear: no uma linha reta com tendncia constante, inclui idas e vindas,
desvios, avanos e recuos, inverses, etc. H mesmo transformaes que podem ser vistas
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como rupturas, pois alteram toda uma forma de viver da sociedade. , porm, uma ruptura
que foi lentamente preparada, que est sempre ligada com algo que j existia, pois no se
pode admitir o surgimento de uma situao nova sem ligao com as anteriores.
As alteraes no processo histrico so decorrentes da ao dos prprios homens, os
agentes da histria. No uma evoluo natural: a historia da humanidade diferente da histria
da natureza e a natureza tambm tem sua histria, pois ela tambm passa por mudanas; todo
universo, nas suas mais diferentes partes, sofre mudanas, e por isso tem sua histria. Mas a
histria da humanidade diferente justamente por ser feita pelos homens. So os homens
constitudos em sociedade que, embora nem sempre conscientemente, aluaram e atuam para
que as coisas se passem de uma ou de outra maneira, para que tomem um rumo ou outro. A
entidade "Histria" no existe. Uma fora superior externa aos homens, que os conduzisse
como veculos, no existe.
No se deve buscar uma razo para os acontecimentos histricos dentro do
conhecimento da prpria histria; a trajetria do homem na terra indeterminada, em busca
de sua prpria razo de ser. Vista em si mesma e por si mesma, ela no faz sentido. O sentido
dos acontecimentos histricos, no deve ser buscado atravs do conhecimento histrico, pois
a finalidade desse conhecimento no explicar a razo de ser do homem na terra, no dar
uma justificativa do que aqui estamos fazendo. Sua finalidade estudar e analisar o que
realmente aconteceu e acontece com os homens, o que com eles se passa concretamente.
Essa anlise no para buscar uma filosofia da vida, mas para propiciar uma atuao
concreta na realidade.
Falamos sempre em "humanidade"; como ela est em constantes transformaes, no
existe uma "essncia humana imutvel" desde o incio dos tempos, mas homens diversos, em
situaes diversas. A humanidade no um todo homogneo, e a histria no a analisa assim.
Na realidade, dificilmente o historiador pode tratar, ao mesmo tempo, de toda a
humanidade. Ao escrever a histria, em geral ele se ocupa especificamente de uma
determinada realidade concreta, situada no tempo e no espao. Estudam-se uma tribo, um
povo, um imprio, uma nao, uma civilizao, como, por exemplo, o povo judeu, antes do
nascimento de Cristo; a formao do Imprio Macednico, a civilizao greco-romana, o
surgimento da Frana, etc. Mas a meta de formulao de uma histria-sntese (uma
explicao global de todo o processo histrico) no deve ser afastada, embora muitos
historiadores acreditem ser ela uma utopia.
O homem um ser finito, temporal e histrico. Ele tem conscincia de sua
historicidade, isto , de seu carter eminentemente histrico. O homem vive em um
determinado perodo de tempo, em um espao fsico concreto; nesse tempo e nesse lugar ele
age sempre, em relao natureza, aos outros homens, etc. esse o seu carter histrico.
Tudo o que se relaciona com o homem tem sua histria; para descobri-la, o historiador vai
perguntando: o qu? Quando? onde? como? Por qu? para qu?
Todos percebemos, por experincia, ligao bsica implcita dentro da idia geral de
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tempo: passado-presente-futuro. Para a histria, o tempo s interessa nessa perspectiva tripla.
O que preciso fazer uma histria que, mesmo estudando o passado mais remoto, fao-o
para explicar a realidade presente. Fazer uma histria do presente no , portanto, escrever
sobre o presente, mas sobre indagaes e problemas contemporneos ao historiador.
preciso conhecer o presente e, em histria, ns o fazermos sobretudo atravs do
passado, remoto ou bem prximo.
Conforme o presente que vivem os historiadores, so diferentes as perguntas que eles
fazem ao passado e diferentes so as projees de interesses, perspectivas e valores que eles
lanam no passado. Eis por que a histria constantemente reescrita. Como diz o historiador
France Braudel: a histria filha de seus tempo.
Mesmo quando se analisa um passado que nos parece remoto, portanto, seu estudo
feito com indagaes, com perguntas que nos interessam hoje, para avaliar a significao
desse passado e sua relao conosco. O passado nos interessa, hoje, pela sua permanncia
no mundo atual.
A histria vista como o estudo do passado parece hoje para todos um ponto pacfico.
Mas a histria tambm aceita como o estudo do passado em funo de um presente desde
os historiadores gregos.
A ligao da histria com o futuro, porm, bem mais sutil: no se pode falar em uma
histria do futuro. Qualquer colocao nesse sentido mera especulao. Pode-se falar em
tendncias, probabilidades, possibilidades histricas, mas no mais do que isso. Faz-lo seria
impor um esquema prefixado de como as coisas se devem passar, o que impossvel. A
partir de um diagnstico do presente, ela pode ajudar a delinear aes futuras, no mais que
isso.
Seu uso, porm, tem sido uma constante pelos que detm qualquer tipo de poder, ou
mesmo o poder que advm do prprio saber. A histria como forma de conhecimento no
deve servir a uma manipulao dos poderosos.
Mas, ao explicar as transformaes resultantes das aes dos homens, a histria leva
a perceber que a situao hoje diferente de ontem e procura esclarecer os comos e o
porqus disso. Para os que no sabem das alteraes passadas, a realidade que vivem
pode parecer eterna ou intransformvel, e como tal justificada. Isto leva a uma atitude
passiva, uma conformao. Ao contrrio, o conhecimento dessas alteraes passadas e a
compreenso das condies concreta em busca de outras transformaes.
A finalidade ltima do conhecimento histrico , portanto, propiciar o
desenvolvimento das foras transformadoras da histria, ajud-las a se tornarem mais
conscientes de si mesmas. S atravs dessa conscincia que essas foras tero possibilidade
de se efetivarem.
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Como produzir a histria?
O homem, ser vivo e consciente, est situado num meio ambiente que deve ser visto
como uma realidade total. Todos os aspectos dessa realidade se interligam, se inter-
influenciam e no devem ser analisados separadamente. Os homens agem e interagem,
constantemente, em diferentes planos, mas todos eles esto unidos dentro dessa realidade
total que a realidade do homem vivendo em sociedade no mundo.
Quando, porm, se vai explicar uma realidade histrica especfica, temos a tendncia
a destacar mais um aspecto ou outro dessa realidade. s vezes, isso necessrio para facilitar
a anlise; outras vezes, por razes didticas, costuma-se separar os diversos nveis da
realidade, parecendo isol-los. Ora, isso pode levar a um esquecimento da noo de
totalidade. Por exemplo, ao estudarmos a Jeddah (a peregrinao anual dos muulmanos
sua capital religiosa, a cidade de Meca), este fato geralmente visto como de carter
religioso, esquecendo-se suas outras conotaes polticas e econmicas.
Ao estudar uma realidade histrica, vamos sempre v-la em conjunto, no analisando
seus fatos isolados, mas sim dentro de uma realidade mais ampla, como, por exemplo, ao se
examinar uma crise econmica, ao se procurar entender a organizao de uma classe social,
um sistema administrativo, etc.
preciso ver que essa totalidade se estrutura basicamente em alguns planos ou nveis
inter-relacionados; os trs nveis fundamentais aceitos hoje em dia so os nveis econmico,
poltico e ideolgico (onde se incluem os aspectos culturais e religiosos). Simplificando muito,
de uma maneira geral e esquemtica, uma sociedade se organiza em funo do poder poltico
e da apropriao econmica. Os grupos que comandam nessas reas procuram manter o
predomnio e organizam-se para que essas relaes de poder se reproduzam nesse tipo de
sociedade. Ao analisar uma sociedade em determinada poca, temos que levar em conta
esses trs diferentes nveis. As transformaes estruturais neles, que alteram o conjunto da
sociedade como um todo, so as que nos interessa conhecer.
O historiador examina sempre uma determinada realidade, que se passou
concretamente em um tempo determinado e em um lugar preciso. Sua primeira tarefa situar
no tempo e no espao o que ele quer estudar: a Inglaterra no incio do capitalismo, os
descobrimentos portugueses dos sculos XV e XVI, a revolta dos estudantes parisienses em
maio de 68, etc. Cada realidade histrica nica, no se repetindo nunca de forma igual.
S se pode conhecer uma realidade do passado atravs do que dela ficou registrado e
documentado para a posteridade. A maior parte da documentao utilizada em histria
escrita, a ponto de se considerar, impropriamente, como "tempos histricos" aqueles tempos
que se iniciam com a inveno e a difuso da escrita. Na verdade, isso no correio. O
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homem tem sua histria desde que ele existe na terra, mesmo que ela no esteja devidamente
documentada para as geraes que vieram depois.
Alguns perodos
histricos ficaram muito pouco
documentados por escrito. Para
conhec-los preciso o auxlio
das tcnicas auxiliares da
histria, que surgem no sculo
XVI e que so as nicas a
ajudar a reconstituir uma
determinada poca. Por
exemplo, o estudo dos povos
brbaros que invadem o
Imprio Romano entre os
sculos II e V D.C. um dos
mais incompletos, pois
praticamente no
documentado por fontes
escritas. s com a ajuda da
toponmia (estudo dos nomes
de locais), da lingstica (estudo
das lnguas), da numismtica e
da arqueologia que se pode
chegar a algumas concluses.
O importante e essencial que o trabalho do historiador se fundamente numa pesquisa
dos fatos reais, comprovados concretamente. Em geral, mais comum, sobretudo em
realidades histricas mais prximas de ns, que os vestgios dessas realidades sejam inmeros
e que o trabalho do historiador se inicie por uma seleo desses dados. Essa seleo feita
em funo dos dados do passado que lhe paream mais significativos.
A diversidade dos testemunhos do passado muito grande. Tudo quanto se diz ou se
escreve, tudo quanto se produz e se fabrica pode ser um documento histrico. Antigamente a
idia de um documento histrico era a de papis velhos, referentes a pessoas importantes
(reis, imperadores, generais, grandes nomes das artes ou das religies, etc.), a quais eram
vistas como os condutores da histria. Atualmente tem-se conscincia de que, entre outros
exemplos, uma caderneta de despesas de uma dona-de-casa, um programa de teatro, um
cardpio de restaurante, um folheto de propaganda, so verdadeiros documentos histricos,
significativos e reveladores de seu momento.
O jornal um exemplo bem especfico de fonte histrica: ele se torna cada vez mais
utilizado numa sociedade em que, depois do episdio americano de Watergate, a imprensa e
os outros meios de comunicao (como a TV e o rdio) aparecem cada vez mais com maior
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poder. Na poca positivista, em que se procurava uma "verdade absoluta", o jornal era
desprezado como documento,
pela subjetividade nele implcita.
Hoje sabido que um rgo da
imprensa est sempre
defendendo posies, querendo
formar opinies, atravs de uma
venda de informaes.
justamente isso que permite ao
historiador detectar a posio
poltico-ideolgica do jornal, ou
seja, o que pensam de poltica e
qual a viso da realidade que
tm os proprietrios ou
diretores do jornal, ou melhor, o
grupo social que eles
representam. fcil
exemplificar, chamando a
ateno dos leitores para a
diferena entre um jornal da
chamada imprensa burguesa e
um jornal da chamada imprensa
alternativa ou "nanica".
O historiador deve trabalhar os documentos, com muito cuidado e critrios rigorosos.
Nesse trabalho preciso muitas vezes o recurso a tcnicas especiais. Por exemplo, para se
conhecer a sociedade paulista do sculo XVII, so fundamentais os originais de inventrios e
testamentos da poca (hoje em sua maioria impressos), guardados, para melhor conservao,
dentro de latas, no Arquivo do Estado. Para l-los preciso o domnio das j faladas tcnicas
especiais. Na arqueologia, por inmeras vezes a aliada fundamental da pesquisa histrica, usa-
se muito a tcnica do carbono 14 para identificar a poca a que pertence um objeto mais
antigo. Na Inglaterra, hoje comum levar-se os estudantes secundrios a trabalhar nas runas
e escavaes que testemunham o domnio romano na ilha, na poca do imprio Romano.
Atividades como as acima descritas (leitura de documentos, escavaes
arqueolgicas) so as atividades mais tradicionalmente associadas ao trabalho de um
historiador. Mas hoje ele pode tambm utilizar um computador para trabalhar dados levanta-
dos, pode servir-se de um gravador para consultas a documentos ou realizao de entrevistas,
etc. No futuro, descobertas atuais mais sofisticadas como o disco cuja leitura feita por
meio de raio Laser, e que, num dimetro de 35 cm, pode armazenar aproximadamente 10 mil
pginas de informaes sero utilizadas na histria, e o historiador ter que saber lidar com
elas.
Mas, no meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavaes ou no
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manuseio de instrumentos muito desenvolvidos tecnicamente, sempre o homem vivo que o
historiador procura encontrar, a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou,
procriou, guerreou, divertiu-se, que o historiador quer decifrar. E, para tal, todo tipo de
documento que esclarea esses aspectos de fundamental importncia.
Um historiador, ao se propor fazer uma pesquisa, j faz uma opo bem sua, ao
decidir qual a realidade que ele vai estudar. Sua escolha sempre encaminhada pela sua
situao concreta. O historiador um homem em sociedade, ele tambm faz parte da histria
que est vivendo. Escreve sua histria historicamente situado, ou seja, numa determinada
poca, dentro de condies concretas de sua classe, sua instituio de ensino ou pesquisa,
etc. Seu trabalho ser condicionado tanto pelo nvel de conhecimento ento existente, como
pelos interesses que ele possa estar defendendo, mesmo que inconscientemente.
De uma maneira geral, o historiador tem suas pesquisas condicionadas s instituies
que lhe proporcionam a possibilidade econmica e intelectual de trabalho. Essas instituies
esto ligadas direta-mente a rgos governamentais, a fundaes que usam dinheiro pblico
ou a fundaes particulares.
A histria, como vimos, no s levantamento de dados ou fatos; ela os relaciona
entre si, ela interpreta seu sentido. A histria, como toda forma de conhecimento, procura
explicar uma relao desconhecida. Nessa explicao, temos duas ordens de elementos: os
fatos e sua interpretao. Esses dois elementos esto presentes, inseparavelmente ligados,
num trabalho de histria.
Esquecer um dos dois ou dar importncia maior a um deles prejudica
fundamentalmente uma obra. Sim, porque, se fizermos uma listagem de fatos, sem um carter
explicativo, no estamos fazendo histria. Se fizermos um esquema interpretativo do passado,
assim no ar, sem bases concretas (tentando interpretar algo que no se passou necessa-
riamente como se descreve, pois no se verificou concretamente os fatos), tambm no
estamos fazendo histria. Na maior parte das vezes, nesta hiptese, esse trabalho uma
"fico histrica", ou propaganda ideolgica, servindo a propsitos poltico-partidrios e no
a uma procura rigorosa de conhecimento.
A interpretao dos fatos est ligada diretamente a uma teoria; a teoria um conjunto
de conceitos que forma uma viso explicativa concatenada da realidade. Qual a importncia
dessa teoria? Ora, todos sabemos que se pode contar de vrias formas a mesma histria,
dependendo de como a estamos analisando. O que vai estar por trs das diferentes formas de
explicao a teoria que aceitamos e que se apresenta estreitamente ligada nossa forma de
encarar o mundo e sua realidade, ou seja, ligada ideologia.
Em histria, ao se tentar ordenar o processo histrico como um todo, surge sempre
uma tarefa primordial: periodizar, isto , organizar a sucesso de diferentes perodos
cronolgicos. J mencionamos a primeira grande diviso que feita na histria humana: a
existente entre a histria e a pr-histria. Para a maior parte dos historiadores, a diviso entre
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os dois perodos marcada pelo aparecimento da escrita. Outras opinies indicam, como
critrio para a entrada na chamada "histria", o incio do emprego da agricultura ou da
metalurgia.
Seja qual for o critrio, a verdade que o perodo considerado como pr-histrico,
do qual temos bem pouco (ou quase nenhum) conhecimento, muito maior do que o perodo
histrico: para aproximadamente 600 mil anos de pr-histria, s temos uns 60 mil de histria!
Quo pouco realmente sabemos da histria do homem na terra!
A histria dividida, tradicional e impropriamente, conforme j colocamos, em
Idades: Antiga, Mdia, Moderna e Contempornea. A maior parte dos estudiosos hoje se
bate contra essa diviso, herdada de uma forma de contar a histria mundial em funo da
civilizao europia ocidental. Essa diviso se aplica realmente s histria do mundo
ocidental. ele o centro das atenes, ficando o restante do globo em plano secundrio. A
histria que dividida uma histria na qual as outras partes do globo s entram em funo
de suas ligaes com a Europa Ocidental e, assim mesmo, muito superficialmente. O Brasil,
por exemplo, durante as Idades Antiga e Mdia est em plena pr-histria, s entrando na
histria da Idade Moderna, quando descoberto!
Essa diviso tradicional implica tambm numa viso eurocentrista e progressista,
porque procura mostrar um padro de desenvolvimento histrico do qual a sociedade
europia ocidental seria o apogeu. Infelizmente, apesar desses graves defeitos, essa diviso
est to arraigada em nossos currculos universitrios e escolares quanto em nossas
mentalidades. A periodizao, porm, muito importante para mostrar as diversas pocas ou
perodos em que a sociedade se organiza de diferentes formas. Ela deve ter um carter
explicativo, deve servir para indicar as transformaes que as sociedades viveram, para
mostrar como estruturalmente a sociedade de um perodo diferente da do outro!
Alm dessa diviso tradicional, existe, dentro do materialismo histrico, a
periodizao da histria atravs dos diferentes modos de produo que se verificaram.
Existiram, para essa diviso, os seguintes modos de produo: o comunista primitivo, o
escravista, o asitico e o capitalista.
Dentro da viso aceita de processo, de transformao constante, no se pode ter uma
periodizao muito rgida, com datas fixas e nicas. comum um aluno de secundrio dizer
que "a Modernidade se inicia com a queda de Constantinopla, efetuada pelos turcos em
1453", sem saber que essa uma data simblica, entre outras, e que podem ser indicadas
outras datas.
Por que escolher uma data ou outra? Dentro da viso de processo, as transformaes
em histria sempre so lentas e quase impossvel marcarem-se datas-limite que indiquem
delimitaes ntidas, as quais implicariam em transformaes sbitas. Embora tenhamos
conscincia clara de que cada vez mais se acelera o ritmo de mudanas do mundo
contemporneo a ponto de nos parecer que o mundo mudou mais neste sculo do que em
todos os anteriores , sabemos que as transformaes profundas e estruturais da histria so
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muito lentas.
Ao concluir o captulo, queremos deixar bem claro que a histria, como todas as
formas de conhecimento, est sempre se reformulando, buscando caminhos novos e prprios.
Este captulo no receitinha ideal de como escrever a histria, vlida para todos os
tempos e todos os lugares! bvio que essa a nossa viso, gerada no nosso tempo.
Infelizmente, preciso desiludir-se de incio: escrever histria no estabelecer
certezas, mas reduzir o campo das incertezas, estabelecer um feixe de probabilidades.
No dizer tudo sobre uma determinada realidade, mas explicar o que nela fundamental.
Nem por isso se deve cair numa posio de relativismo, em que todas as especulaes
interpretativas so permitidas.
Em histria, todas as concluses so provisrias, pois podem ser aprofundadas e
revistas por trabalhos posteriores. Um saber absoluto, uma verdade absoluta no servem
aos estudiosos srios e dignos do nome; servem aos totalitrios, tanto de direita como de
esquerda, que, colocando-se como donos do saber e da verdade, procuram, atravs da
explicao histrica, justificar a sua forma de poder.
A Histria do Brasil
Ns, aqui no Brasil (como os outros pases da Amrica), somos herdeiros da
civilizao europia ocidental. Dela herdamos instituies, tcnicas, valores, etc., atravs de
nossa colonizao portuguesa. Os pases da Pennsula Ibrica (Portugal e Espanha) so os
grandes navegadores do sculo XV e XVI. A eles deve a Amrica Latina o fato de ter
entrado na histria, e toda a nossa formao histrica est ligada, desde o incio do perodo
colonial, metrpole portuguesa que nos coloniza. A classe de senhores proprietrios de
terras aqui, mesmo enquanto depende da metrpole, sempre atuou conforme suas evidencias.
Com o desenvolvimento capitalista do sculo passado, os laos com a Europa se
estreitam por outras vias, pois j ramos politicamente independentes desde a terceira
dcada. O aparecimento de um mercado mundial, atravs da revoluo industrial
empreendida pelos europeus ocidentais desde o sculo XV, vai acabar constituindo um
sistema capitalista mundial, do qual o Brasil far parte.
O sistema capitalista composto essencialmente de partes diferentes e relacionadas
entre si; no se deve pensar que, necessariamente, vamos seguir o modelo de
desenvolvimento das outras partes do sistema, que so as regies altamente desenvolvidas,
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como os pases do mercado comum europeu, Sucia, EUA, etc. As diferentes partes do
sistema tiveram e tem ainda hoje uma evoluo histrica prpria. , portanto, dentre desse
quadro geral amplo, e, ao mesmo tempo, dentro de uma realidade completa concreta prpria
a realidade brasileira que o nosso historiador produz histria. Esta percorre, de uma
maneira geral, o caminho descrito no primeiro captulo, da modernidade at os nossos dias.
Temos, desde o incio, uma histria oficial: a verso escrita pelos cronistas contratados pela
casa real portuguesa para escrever a histria de seu pas, do qual ramos, depois da perda
das ndias, a colnia mais promissora. Aqui tambm so criados cargos de cronistas nas
diferentes cmaras municipais.
Esse gnero de histria , essencialmente narrativa e registrando fatos, continua sendo
escrito pelos membros das sociedades histricas, academias e institutos que so aqui
introduzidos no sculo XVIII. Seus membros so muitas vezes figures (bares,marqueses,
ministros, senadores), o que mostra ainda uma ligao direta entre a histria escrita e o poder
oficial, pois os historiadores so vinculados diretamente ao Estado.
So ento criados e os arquivos e bibliotecas governamentais, que se preocupam
coma documentao histrica, e que preservam as fontes que possumos de nosso passado,
embora boa parte da documentao sobre o perodo colonial se encontre nos arquivos
portugueses.
H uma documentao muito sugestiva do perodo, como, por exemplo, a escrita
pelos jesutas (correspondncias, discurso, tratados), ocupados na educao de colonos e
ndios. Outros exemplos magnficos so as obras Cultura e Opulncia no Brasil (do sculo
XVII, de autoria discutida); so verdadeiros levantamentos econmicos da situao da
colnia, essenciais para o conhecimento do perodo. Tambm muito ricos, do ponto de vista
histrico, so os depoimentos escritos pelos visitantes estrangeiros. Essa histria escrita
involuntariamente muito mais atraente e elucidativa do que a oficial.
Ao contrrio da Amrica Espanhola, que possuem universidades desde o perodo da
colonizao, o Brasil s vai ter universidades a partir do sculo XX. Os historiadores que
tentam escrever nossa histria fazem-no isoladamente ou no mbito dessas instituies oficiais
j apontadas.
Nossa histria, como a histria em geral, tambm , quanto s fontes de
documentao existentes e quanto s interpretaes, fortemente marcada pela ao dos
grupos sociais predominantes no pas. Por exemplo: no existe a menor preocupao em
preservar os documentos referentes aos escravos e esses documentos, mesmo quando
existem e so descobertos, so postos de lado, no utilizados.
Como foi dito, a historia sempre filha de seu tempo. Vejamos: um dos nossos
grandes historiadores Francisco de Varnhagen, de formao da referida escola cientifica
alem (caracterizada pela grande preocupao com a pesquisa e o levantamento das fontes).
A ele devemos um enorme impulso na produo da histria brasileira. Ele escreve no segundo
imprio (segunda metade do sculo XIX), em uma poca que aproximadamente 60% da
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nossa populao escrava. Analistas de sua obra mostram como ela se baseia em dois
elementos interpretativos: a superioridade da forma monrquica (por ser responsvel pela
unidade do pas aps a independncia) e a superioridade da raa branca. Isso mostra como
seu trabalho est impregnado valores e preconceitos da sociedade de sua poca. Entretanto,
o levantamento de fontes feito por ele, juntamente feito por capitalismo de Abreu, so
fundamentais para os trabalhos posteriores de historia do Brasil. Ao avaliarmos o valor da
obra de histria, sempre devemos faz-lo dentro do contexto que a produziu.
Na universidade, a introduo da histria se da sobretudo atravs da influncia da
faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, fundada na dcada
de 30. Nessa fundao foi muito marcante a influncia de professores franceses. No campo
da histria, em especfico essa influncia muito clara, sobretudo nos currculos, programas e
livros at hoje utilizados.
Depois de 1930, temos alguns trabalhos de bem melhor nvel, pois se preocupam com
explicaes coerentes da realidade histrica. Mas s ainda mais recentemente, sobretudo na
dcada de 60, que comeam a se impor os trabalhos interpretativos. A maior parte dos
trabalhos, at essa dcada, so encadeamentos de datas, fotos e personagens, sem carter
explicativo ou preocupao global, sem uma viso de processo; predomina uma viso
positivista: eles deixam tudo muito solto e provocam e provocam desinteresse por essa falta
de sentido. Mesmo quando dotados de certa coerncia, esto desarticulados entre si e por
demais especializados; esse saber fragmentado bastante disponibilizado.
Faltam-nos ainda obras que se preocupem com a explicao de aspectos estruturais
da histria de nossa sociedade, e as existentes so apresentadas numa linguagem de carter
acadmico; isso prejudica sua divulgao entre pblico e alunos, habituados s facilidades dos
meios de divulgao da cultura de massa.
E como transmitida essa histria assim produzida? Ela acaba chegando s escolas e
ao pblico leigo cheia de mitos que precisam ser desfeitos. O mito aqui deve ser entendido de
forma diferente da mencionada no incio deste livro. Ele agora deve ser visto mais no sentido
popular como representaes de fatos, personagens ou interpretaes exageradas ou
errneas -, e no como aquela forma de as comunidades primitivas ou sociedades antigas
explicarem sua realidade.
A histria de nosso pas em geral uma histria conservadora, do branco vencedor
em sua democracia racial. Sua evoluo mostrada sem contradies, incruenta, quase sem
derramamento de sangue, seja na conquista do territrio nacional, seja na escravido, na
conquista da independncia e posterior a organizao do pas durante o perodo da Regncia,
etc. A sociedade brasileira aparece como um todo equilibrado, em que o povo surge de
forma imprecisa e espordica.
uma histria feita de viles e heris: a metrpole (Portugal) contra a colnia (Brasil),
O imperialismo (primeiro ingls, depois americano) contra a nao brasileira, etc., numa
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diviso maniquesta, a qual explica a realidade pela oposio dos princpios absolutos, o Bem
e o Mal. O processo de evoluo mostrado como tendendo a um progresso constante e
crescente, no qual acabar vencendo o heri Brasil.
No se v preocupao em descobrir as origens das contradies de nossa
sociedade; muitos autores, quanto tentam achar essa explicao, atribuem os males ao Brasil
ao carter nacional de nosso povo; com diferentes variantes, culpam esse povo pela situao
brasileira, na linha do romantismo histrico do sculo XIX (por ns exposto no primeiro
capitulo), explicando a realidade
por fatores imutveis que se
originam no passado.
As verses mais recentes
mostram a preponderncia do
eixo sul do pas (sobretudo So
Paulo e Rio de Janeiro), o qual
impe seus valores s outras
regies, sem se preocupar com
os conflitos regionais.
Exemplificando
concretamente esse tipo de
histria: Sob D. Pedro II, o
imprio mostrado como uma
fase calma, rsea, com um
imperador sbio, culto,
dedicado, com a presena de
grandes nomes da vida parlamentar, com relaes paternais entre senhores e escravos; esto
todos elaborando to intensamente para o futuro do pas que surpreendente que tenhamos
conseguido evitar, posteriormente, qualquer forma de subdesenvolvimento!
Outro exemplo: a instituio Pernambucana (expulso dos invasores holandeses do
Nordeste, no sculo XVII) mostrada como incio do movimento nativista, de amor terra
natal: sua vitria resultado da unio fraternal das trs raas: a branca (o portugus), a negra
e a ndia.
No se fala da destruio das tribos indgenas pelos portugueses e o fato de os
bandeirantes sarem para aprision-las elogiado como um grande feito de conquista
territorial. No se explicam os quilombos negros, onde se refugiam os negros escravos
procura da liberdade.
Os historiadores que, recentemente, tentam rever a nossa histria, procuram alterar
esses mitos, construir com habilidade sutil, que revela um enfoque explicativo particular a uma
s camada de nossa sociedade. Mas esse novo tipo de produo histrica encontra as mais
diversas ordens de dificuldade e vrios empecilhos.
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A transmisso nas
escolas, em geral, feita dentro
de uma formula sobretudo de
decorao, num ensino repetitivo
e memorizador. Isso no
desperta no aluno o amor pelo o
estudo da histria, e s vezes
gera em sua cabea um tipo de
samba do crioulo doido (em
que se embaralham
desarticuladamente nomes, datas,
fatos e personagens); disto h
exemplos nos jornais, por
ocasies dos vestibulares (muito
engraados pela sua confuso, se
no fossem tristes pela sua
significao!).
Outro aspecto desfavorvel para com a palavra escrita. Os documentos (no sentido
amplo do termo) no so conservados ou valorizados. Os outros depoimentos do passado e
seus depositrios (igrejas coloniais, museus, fortes, monumentos) sofrem do mesmo prestigio.
Sob muitos aspectos, pode-se dizer que a histria do Brasil ainda est por ser escrita.
O campo est sendo aberto nas mais diferentes: cuidados com o levantamento e organizao
das fontes em arquivos e bibliotecas, recolhimento de material esparso, livros didticos
adequados, divulgao para o pblico leigo, alm da j mencionada necessidade de reviso
de uma histria que oficial e conservadora.
No momento, a histria no Brasil pare-se defrontar-se com enorme desafio. preciso
encontrar uma soluo para um problema complexo: a produo histrica deve aproveitar
toda a experincia existente (do ponto de vista terico-metadolgico, do ponto de vista do
trabalho crtico de fontes, etc.). Mas, a procurar atender a esses requisitos que garantem um
bom nvel, uma histria apenas acadmica se fecha na torre de marfim que a universidade.
Assim, ela no alcana um pblico mais amplo, no atinge a sociedade qual ela se destina.
A histria no pode ficar to distanciada dos outros vrios saberes que so
produzidos nas reas mais amplas da sociedade, com as quais a universidade no entra em
contato. Ela no pode continuar a ser produzida assim to isolada, to de cima para baixo,
porque os historiadores no so os nicos donos do saber histrico. Como diz o historiador
francs Jean Chesneaux, a histria , com certeza, algo por demais importante para ficar
somente por conta dos historiadores.
preciso, pois, dentro do quadro de nossa realidade, repensar, no apenas na
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Universidade, a forma de conceber, escrever, transmitir e divulgar a histria no Brasil.
UNIDADE II:
Teoria da Histria
Denominamos Teoria da Histria ao ramo do conhecimento que procura
compreender as diversas formulaes do conhecimento histrico. Por no existir uma
concepo nica e consensual para a anlise do passado, as diversas teorias da Histria
alimentam debates constantes entre os defensores de diversas concepes.
Por aproximar-se das Filosofias da Histria no raro encontrarmos conceitos que
sero caros a cincia Histria. Observemos alguns desses conceitos.
O Historicismo, de maneira geral, a prtica de uma Histria radical, enfatizando
no somente sua importncia enquanto saber e reflexo, mas impondo tambm sua posio
central para uma compreenso do ser humano e da prpria realidade. Pode-se dizer que tem
suas razes em escritos de Hegel, um dos mais influentes filsofos europeus do sculo XIX. O
posicionamento historicista proposto por Hegel sugere que no h um critrio objetivo para
determinar a melhor teoria de anlise de um determinado objeto de estudo. De acordo com
esse vis, a cincia, filosofia ou quaisquer outras disciplinas, esto fadadas sua historicidade.
Desde a dcada de 1990, alguns pensadores ps-modernos tm utilizado o termo
historicismo para descrever a viso de uma verdade absoluta, principalmente sobre questes
filosficas que persistiram ao longo dos sculos. O termo "novo historicismo" tambm
empregado para a vertente do pensamento literrio que interpreta os poemas, as peas de
teatro como a expresso de superestruturas da sociedade. Stephen Greenblatt o nome mais
proeminente desse pensamento.
Filosofia da Histria o campo da filosofia e/ou da histria (dentro da 'teoria da
histria') que observa sobre a dimenso temporal da existncia humana como existncia
humana scio-poltica e cultural; teorias do progresso, da evoluo e teorias da
descontinuidade histrica; significado das diferenas culturais e histricas, suas razes e
conseqncias. No livro Filosofia da Histria , de Hegel,logo na introduo do livro se
desenrola uma apreciao de uma teoria sobre a histria, dividida em cinco captulos. Para
Hegel haveria trs formas de tratar da histria, que a encaram diferentemente: a histria
original, a histria refletida e a filosfica. Na histria original ele cita como exemplos
Herdoto e Tucdides, que descreviam principalmente os feitos, os acontecimentos e as
situaes que tinham diante de si traduzindo-os em uma obra de imaginao. Os mitos e
outras representaes populares, como canes, so excludos por serem principalmente
imaginao, a histria original tratada por povos cientes de