Download - Tereza Maria Spyer Duci
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
TEREZA MARIA SPYER DULCI
As Conferncias Pan-Americanas: identidades,
unio aduaneira e arbitragem (1889 a 1928)
So Paulo
2008
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
As Conferncias Pan-Americanas: identidades, unio aduaneira e arbitragem (1889 a 1928)
Tereza Maria Spyer Dulci
Dissertao de Mestrado apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Ligia Coelho Prado
So Paulo
2008
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Servio de Biblioteca e Documentao da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
Dulci, Tereza Maria Spyer D881 As Conferncias Pan-Americanas: identidades, unio aduaneira e arbitragem (1889 a
1928) / Tereza Maria Spyer Dulci; orientadora Maria Lgia Coelho Prado. -- So Paulo, 2008.
134 f.
Dissertao (Mestrado - Programa de Ps-Graduao em Histria Social) - Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.
1. Amrica Latina (1889-1928) Histria. 2. Relaes internacionais (Brasil; Amrica
do Sul). 3. Pan-americanismo (Aspectos polticos). 4. Relaes econmicas internacionais. I. Ttulo.
21. CDD 980 327.8
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FOLHA DE APROVAO
Tereza Maria Spyer Dulci
As Conferncias Pan-Americanas: identidades, unio aduaneira e arbitragem (1889 a 1928)
Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof(a). Dr(a). __________________________________________________________
Instituio:___________________________Assinatura:_________________________
Prof(a). Dr(a). __________________________________________________________
Instituio:___________________________Assinatura:_________________________
Prof(a). Dr(a). __________________________________________________________
Instituio:____________________________Assinatura:________________________
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AGRADECIMENTOS:
Agradeo o imprescindvel apoio financeiro do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), ao longo de seis meses, e da Fundao de
Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), durante os outros 18 meses.
Aos funcionrios do Arquivo Histrico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, sou grata pelo
grande apoio e estmulo.
Agradeo a todos os integrantes do Projeto Temtico financiado pela Fapesp Cultura
e Poltica nas Amricas. Circulao de Idias e Configurao de Identidades (sculos XIX e
XX): Amon Santos Pinho, Carine Dalms, Carla Viviane Paulino, Gabriela Pellegrino
Soares, Mariana Martins Villaa, Rafael Baitz, Rafael Nunes Nicoletti Sebrian, Renato Fontes
de Souza, Romilda C. Motta, Silvia Csar Miskulin, Stella M. Scatena e Vitria Rodrigues e
Silva. Em especial, agradeo ao Gabriel Passetti pelo apoio, gentileza e amizade.
Aos colegas e funcionrios do Departamento de Histria, sempre me apoiando nas
questes acadmicas durante esses anos de estudo.
s professoras Maria Helena Rolim Capelato e Mary Anne Junqueira, que
constituram a banca de exame de qualificao e me auxiliaram com muitas crticas e
sugestes.
A Maria Ligia Coelho Prado, querida orientadora, a quem devo tanto, a comear pelas
aulas da graduao que me levaram a aguar o olhar sobre a Histria da Amrica. Agradeo o
admirvel exemplo de vigor e rigor intelectual na orientao desta dissertao.
s minhas queridas amigas, Teresa Chaves, Mirella Oliveira e Jlia Silva. Teresa,
pelo companheirismo e afeto desde a graduao; Mirella, agradeo a amizade e as conversas
sobre o Brasil na Amrica Latina; e Jlia, por ter acompanhado todas as etapas do trabalho,
alm do seu precioso apoio nos momentos difceis.
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Aos meus pais, Mrcia e Luiz, que me fizeram amar a Amrica Latina. Obrigada por
todo apoio intelectual, afetivo e financeiro durante esses anos de estudo.
Ao Thomas, pelo afeto e apoio incondicional. Agradeo as inmeras leituras
criteriosas, as conversas cotidianas e as muitas viagens a Braslia e ao Rio de Janeiro em
busca de tantas fontes.
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DULCI, TEREZA M. S. As Conferncias Pan-Americanas: identidades, unio aduaneira e
arbitragem (1889 a 1928). 2008. 134 f. Dissertao de Mestrado. Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.
RESUMO:
O presente trabalho analisa as manifestaes brasileiras nas Conferncias Pan-
Americanas, entre 1889 e 1928. Busca-se compreender os discursos identitrios construdos
pelos pases representados nas Conferncias, bem como quais foram os argumentos que
definiram as proximidades e os distanciamentos entre o Brasil e os Estados Unidos e entre o
Brasil e os demais pases latino-americanos, especialmente os pases do Cone Sul. Procura-se
entender, ainda, os debates em torno da proposta de unio aduaneira e as discusses sobre a
questo da arbitragem.
Palavras-chaves: Histria da Amrica; Conferncias Pan-Americanas; Pan-Americanismo e
Unio Pan-Americana.
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DULCI, TEREZA M. S. The Pan-American Conferences: identity, customs union and
arbitrament (1889 - 1928). 2008. 134 f. Dissertao de Mestrado. Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.
ABSTRACT
The current work analyzes the Brazilian manifestations at the Pan-American
Conferences, between the years of 1889 and 1928. The main goal is to understand the
identitary adresses built by the countries that were represented at the Conferences, as well as
to define what were the arguments that explained the proximities and distances between
Brazil and United States, and Brazil and the other Latin-American countries. It is also a goal
to understand the debates about the customs union, as well as the discussions on the
arbitrament issues.
Key words: Latin-American History; Pan-American Conferences; Pan-Americanism and
Customs Union.
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SUMRIO:
INTRODUO 10 CAPTULO 1: AS CONFERNCIAS PAN-AMERICANAS (1889 1928) 20
CAPTULO 2: A QUESTO DAS IDENTIDADES 34
2.1: A IDENTIDADE PAN-AMERICANA 35 2.2: A IDENTIDADE LATINO-AMERICANA 52
CAPTULO 3: A UNIO ADUANEIRA 62 CAPTULO 4: A ARBITRAGEM 87
4.1: A ARBITRAGEM OBRIGATRIA 88 4.2: A QUESTO DO DESARMAMENTO 104
CONSIDERAES FINAIS 116 FONTES E REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 119
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INTRODUO
A constituio do Mercado Comum do Sul (Mercosul), na dcada de 1990, produziu
inquietaes particulares, levantando problemas como os referentes compreenso das
aproximaes e distanciamentos entre o Brasil e os demais pases integrantes do bloco
Argentina, Uruguai, Paraguai e s suas possibilidades de integrao econmica, poltica e
cultural. Sabe-se que a identificao dos brasileiros como latino-americanos tem sido muito
varivel, dependendo principalmente das circunstncias dos momentos histricos vividos. As
diferenas, mais do que as semelhanas, foram ressaltadas ao longo do tempo por diversos
segmentos da sociedade brasileira.
Para entender esse movimento ambguo de aproximao e distanciamento entre o
Brasil e os demais pases da Amrica Latina, nossa pesquisa se voltou para um perodo crucial
da histria do Brasil, qual seja, o da transio do regime monrquico para o republicano e
seus desdobramentos nas primeiras dcadas do sculo XX. Assim, este trabalho pretende
analisar as manifestaes brasileiras nas Conferncias Pan-Americanas, entre 1889 e 1928,
pois com a Repblica esboou-se uma aproximao entre o Brasil e as demais naes sul-
americanas.
Nossas balizas cronolgicas 1889-1928 se justificam em razo de que, neste
perodo de incio e consolidao da Repblica brasileira, estabelecerem-se padres novos de
convivncia entre o Brasil e os demais pases da Amrica do Sul, o que pudemos acompanhar
com os debates das Conferncias Pan-Americanas. Ademais, nossa pesquisa encerra-se na
Sexta Conferncia Pan-Americana de 1928, por entendermos que as questes e os problemas
nacionais e internacionais que emergem aps a crise de 1929, a chegada ao poder de Getlio
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Vargas em 1930 e a crise dos Estados liberais na Europa so de ordem bastante diversa do
perodo anterior1.
Foi tambm nesse perodo que tomou forma o pan-americanismo elaborado pelos
idealizadores da poltica externa dos Estados Unidos e, em torno dessa proposta, organizaram-
se as Conferncias Pan-Americanas: de Washington (1889-1890); do Mxico (1901-1902); do
Rio de Janeiro (1906); de Buenos Aires (1910); de Santiago (1923); de Havana (1928); de
Montevidu (1933); de Lima (1938) e de Bogot (1948). Nesta ltima, alis, foi criada a
Organizao dos Estados Americanos (OEA).
Os estudos iniciais sobre as Conferncias Pan-Americanas e o pan-americanismo se
deram em concomitncia com as primeiras reunies no sculo XIX, numa tentativa de unio
interamericana; porm, de maneira sistemtica, esses trabalhos foram elaborados
principalmente depois da Constituio da Unio Pan-Americana (1910), pois esse rgo tinha,
dentre seus objetivos, o de estimular pesquisas relacionadas histria do continente
americano, dar suporte a estudos sobre as Conferncias e ajudar a manter a Biblioteca Pan-
Americana. Muitos so os livros desse perodo que renem coleta de informaes sobre as
Conferncias, pois os prprios pases integrantes estimulavam seus intelectuais (diplomatas
em sua grande maioria) a tratarem de temas relacionados ao pan-americanismo.
Entretanto, anlises sobre os significados polticos das Conferncias so muito raras,
pois os estudiosos estavam mais preocupados em sistematizar dados que auxiliassem as
Conferncias futuras. Alm disso, esses trabalhos usaram como fontes apenas as Atas das
Conferncias e alguns documentos oficiais. Os exemplos mais destacados desses estudos so:
Del Congresso de Panam a la Conferencia de Caracas (1826-1954), do mexicano Francisco
Cuevas Cancino; Evolucin del Panamericanismo, do argentino Enrique Gil; El
1 Durante o mestrado catalogamos os documentos da Primeira a Sexta Conferncias Pan-Americanas e elaboramos um banco de dados que contm descries e resumos das questes mais relevantes para a nossa pesquisa. Foram analisados aproximadamente 22.000 documentos, somando cerca de 1400 pginas.
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Panamericanismo, do colombiano Jos Joaquin Caicedo Castilla; e Pan American Progress,
do americano Philip Leonard Green2.
Se os primeiros trabalhos sobre as Conferncias Pan-Americanas foram incentivados
pela Unio Pan-Americana, os estudos mais recentes sobre o assunto se apresentam, em sua
maioria, muito influenciados pelas novas questes, surgidas a partir da constituio do
Mercosul e dos esforos norte-americanos em tornar vivel a rea de Livre Comrcio das
Amricas (ALCA). Atualmente, os principais trabalhos sobre o tema foram produzidos nos
Estados Unidos, no Mxico, no Chile e nos pases que compem o Mercosul.
Alm da Biblioteca da OEA, o melhor stio para os estudos pan-americanistas a
Biblioteca do Congresso Norte-Americano. Nos Estados Unidos e no Mxico, existem muitos
estudos relacionados Histria da OEA, ALCA e ao Acordo de Livre Comrcio do Norte
(NAFTA). J no Chile, encontramos muitas pesquisas relacionadas Cooperao Econmica
da sia e do Pacfico (APEC) e possibilidade de pertencimento ou no do Chile ao
Mercosul. E na Argentina, no Brasil e no Uruguai, deparamos-nos com uma gama de
pesquisas sobre a ALCA e o Mercosul, geralmente defendendo a integrao do Cone Sul e
no a integrao continental. Vale dizer que boa parte dos estudos elaborados nesses pases
percebe o pan-americanismo e as Conferncias Pan-Americanas como armas que foram
utilizadas pelos Estados Unidos para poder controlar a Amrica Latina durante os anos da
poltica do Big Stick.
Dentre os muitos trabalhos que se dedicaram a estudar a histria das relaes
internacionais do Brasil com os demais pases do continente, principalmente os latino-
americanos, cinco publicaes so particularmente significativas, em muito auxiliando em
nossa pesquisa: Relaes Internacionais dos Pases Americanos, organizado por Amado Luiz
2 CANCINO, Francisco Cuevas. Del Congresso de Panam a la Conferencia de Caracas (1826-1954). Caracas: 1955; GIL, Enrique. Evolucin del Panamericanismo. Buenos Aires: Libreria Y Casa Editora de Jusus Mendendez, 1933; CASTILLA, Jos Joaquin Caicedo. El Panamericanismo. Buenos Aires: Roque de Palma Editor, 1961 e GREEN, Philip Leonard Pan American Progress. New York: Hastings House Publishers, s/d.
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Cervo e Wolfgang Dpcke; O Estudo das Relaes Internacionais do Brasil, de Paulo
Roberto de Almeida; Conflito e Integrao na Amrica do Sul Brasil, Argentina e Estados
Unidos: da Trplice Aliana ao Mercosul (1870-2003), de Luiz Muniz Bandeira; O Brasil
entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o Interamericanismo (do Congresso do Panam
Conferncia de Washington), de Lus C.V.G. Santos; e Pan-americanismo e projetos de
integrao: temas recorrentes na histria das relaes hemisfricas (1826-2003), de
Clodoaldo Bueno.
O livro Relaes Internacionais dos Pases Americanos3 foi uma obra que nos
instigou bastante. Amado Luiz Cervo e Wolfgang Dpcke, so os organizadores dos 37
artigos que compem a publicao sobre a histria das relaes internacionais dos pases do
continente. Dentre os artigos que compem esse livro, os que mais contriburam para a nossa
pesquisa foram: Poltica Exterior e Desenvolvimento: Estados Unidos, Brasil e Argentina
nos dois ltimos sculos4, de Amado Luiz Cervo, artigo que analisa as aproximaes e os
distanciamentos entre os trs pases presentes no ttulo; As Noes de Prestgio e Soberania
na poltica exterior de Rio Branco (1902-12)5, de Clodoaldo Bueno, que trata do projeto de
poltica externa elaborado pelo Baro de Rio Branco, e El Sistema de Arbitraje y las
Disputas Regionales Latinoamericanas en la Conferencia Interamericana de Mxico (1901-
1902)6, de Delia del Pilar Otero, que analisa as questes relativas arbitragem na Segunda
Conferncia Pan-Americana.
3 CERVO, Amado Luiz; DPCKE, Wolfgang (orgs.). Relaes Internacionais dos Pases Americanos; vertentes da Histria. Braslia: Linha Grfica Editora, 1994. 4 CERVO, Amado Luiz. Estados Unidos, Brasil e Argentina nos dois ltimos sculos. In: CERVO, Amado Luiz; DPCKE, Wolfgang (orgs.). Relaes Internacionais dos Pases Americanos;. vertentes da Histria. Braslia: Linha Grfica Editora, 1994, p. 358-367. 5 BUENO, Clodoaldo As Noes de Prestgio e Soberania na poltica exterior de Rio Branco (1902-12). In: CERVO, Op. Cit., 1994, p. 43-52. 6 OTERO, Delia del Pilar. El Sistema de Arbitraje y las Disputas Regionales Latinoamericanas en la Conferencia Interamericana de Mxico (1901-1902). In: CERVO, Amado Luiz; DPCKE, Wolfgang (orgs.). Relaes Internacionais dos Pases Americanos. Braslia: Linha Grfica Editora, 1994, p. 221-229.
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Paulo Roberto de Almeida, em seu livro O Estudo das Relaes Internacionais do
Brasil7, faz um estudo da periodizao das relaes internacionais de nosso pas, com
destaque para as aes do Baro de Rio Branco. Almeida nos ajuda a pensar a mudana de
eixo do Brasil com relao s potncias europias e aos Estados Unidos. Ademais, o autor
chama a ateno para o que ele denomina de a repblica dos bacharis: (...) que vai
atravessar grosso modo todo o primeiro perodo republicano ao tentar inserir o Brasil no
chamado concerto das naes, inclusive pelo envolvimento na Primeira Guerra e na ulterior
experincia da Liga das Naes (... )8. Para Almeida, nesse momento que o Brasil se insere
de fato no concerto de naes civilizadas, pois, durante a repblica dos bacharis, o
Brasil buscou afirmar os interesses nacionais no quadro de um sistema internacional ainda
discriminatrio com relao s potncias menores, cujas naes tinham sido antigas colnias.
O livro de Luiz Muniz Bandeira, Conflito e Integrao na Amrica do Sul Brasil,
Argentina e Estados Unidos: da Trplice Aliana ao Mercosul (1870-2003)9, nos possibilitou
compreender melhor as relaes entre o Brasil, a Argentina e os Estados Unidos durante as
Conferncias Pan-Americanas. Muniz Bandeira entende que as relaes entre o Brasil e a
Argentina no podem ser estudadas bilateralmente, pois devem ser enquadradas num espectro
mais amplo das relaes mundiais de poder, especialmente se percebidas num contexto de
relaes trilaterais envolvendo os Estados Unidos. Sua anlise do papel desempenhado pelo
delegado argentino Roque Saenz Pea na primeira Conferncia Pan-Americana de
Washington (1889-90) muito interessante e nos ajudou a compreender a resistncia que a
Argentina manteve durante as seis Conferncias Pan-Americanas, principalmente com relao
Doutrina Monroe e aos ideais pan-americanos.
7 ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Estudo das Relaes Internacionais do Brasil. Braslia: LGE Editora, 2006. 8 Id., 2006, p. 210-211. 9 BANDEIRA, Luiz A. Muniz. Conflito e Integrao na Amrica do Sul Brasil, Argentina e Estados Unidos: da Trplice Aliana ao Mercosul (1870-2003.). Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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Para Muniz Bandeira, o delegado argentino Roque Saenz Pea era acusado de
europesmo, pois ele resistia pretenso dos Estados Unidos de formar, com os Estados
Latino-Americanos, uma unio aduaneira inspirada no Zollverein pan-germnico. Com o lema
Amrica para a humanidade, e no Amrica para os americanos, como conclamava a
Doutrina Monroe, Roque Saenz Pea acabou por fundar, dentro da diplomacia argentina, uma
tradio de desconfiana com relao aos Estados Unidos, pois a Argentina no reconhecia os
EUA como a chancelaria do Novo Mundo, uma vez que nenhum dos Estados americanos
deveria falar exclusivamente em nome do hemisfrio10.
O livro de Lus C.V.G. Santos, O Brasil entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o
Interamericanismo (do Congresso do Panam Conferncia de Washington)11, centra-se nos
congressos entre as naes do continente americano, ocorridos durante o sculo XIX. Esse
estudo foi-nos muito importante, porque traz uma anlise detalhada desses encontros
interamericanos, buscando compreender o papel desempenhado pela diplomacia brasileira.
Ademais, o autor empenha-se em configurar um panorama dos principais pontos de discrdia
entre o Brasil e as demais naes latino-americanas, destacando as diferenas entre a poltica
de integrao proposta no Congresso do Panam por Bolvar e a Doutrina Monroe formulada
pelos Estados Unidos.
Clodoaldo Bueno, em seu artigo "Pan-americanismo e projetos de integrao: temas
recorrentes na histria das relaes hemisfricas (1826-2003)"12, resume as questes por ele
estudadas em seu mestrado e em outras publicaes afins. O autor acredita que as
Conferncias Pan-Americanas inauguraram uma nova etapa das relaes interamericanas,
10 BANDEIRA, Luiz A. Muniz. Conflito e Integrao na Amrica do Sul Brasil, Argentina e Estados Unidos: da Trplice Aliana ao Mercosul (1870-2003.). Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 124-152. 11 SANTOS, Lus C.V.G. O Brasil entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o Interamericanismo (do Congresso do Panam Conferncia de Washington). So Paulo: Editora Unesp, 2003. 12 BUENO, Clodoaldo. "Pan-Americanismo e Projetos de Integrao: temas recorrentes na histria das relaes hemisfricas (1826-2003)". In: Poltica Externa, So Paulo, v. 13, n. 1, 2004, p. 65-80.
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pois o capitalismo norte-americano ansiava por expandir-se para alm das fronteiras de seu
territrio, alcanando a Amrica Central e a do Sul.
Bueno entende que a poltica pan-americanista formulada pelos Estados Unidos tinha
seu objetivo centrado nas questes econmicas, deixando margem as questes polticas. Isso
se deu porque os Estados Unidos, aps a Guerra de Secesso, tinham seu mercado interno
saturado de manufaturas e buscavam, nos mercados latino-americanos (agrrios),
possibilidades de escoamento das mercadorias. Porm, os EUA enfrentavam a concorrncia
europia, majoritariamente inglesa, e para confrontar tais concorrentes, teriam desenvolvido e
fortalecido os ideais pan-americanos. Segundo Bueno, (...) a Amrica Latina passou a ser
vista pelos norte-americanos como uma rea naturalmente destinada expanso econmica do
seu pas, tanto por razes geogrficas quanto histricas, pois americanos latinos e americanos
anglo-saxnios tinham em comum o passado colonial13.
Durante nossa investigao, pareceu-nos tambm muito importante compreender
detalhadamente a Histria do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil, incluindo seu
funcionamento e o significado que a carreira diplomtica teve e tem na nossa sociedade. Isso
porque as Conferncias Pan-Americanas foram assemblias eminentemente diplomticas, e
para entend-las, no contexto da poltica interna brasileira, foi necessrio conhecer como
funcionavam os meandros, tanto da carreira de diplomata como das disputas que fatalmente
ocorrem nesse mbito. Com tal propsito, analisamos dois livros, os quais contriburam para
esclarecer algumas dvidas que tnhamos com relao histria do Itamaraty, bem como para
tentar desmistificar a figura do Baro do Rio Branco, patrono das nossas relaes
internacionais.
13 BUENO, Clodoaldo. "Pan-americanismo e projetos de integrao: temas recorrentes na histria das relaes hemisfricas (1826-2003)". In: Revista Poltica Externa. So Paulo: Editora Paz e Terra, vol.13, n.1, 2004, p. 67.
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O livro de Cristina Patriota de Moura, O Instituto Rio Branco e a Diplomacia
Brasileira: um estudo de carreira e socializao14, nos trouxe valiosas contribuies com
relao ao estudo dos significados da carreira diplomtica, uma vez que a autora pesquisou o
modo de vida dos estudantes que queriam ser diplomatas e os que j estavam cursando os
programas do Itamaraty. Desse modo, esse livro nos possibilitou entender como formado
um diplomata, quais so suas referncias, quais os principais rituais e, principalmente, a
influncia do Baro de Rio Branco na configurao administrativa e simblica do Itamaraty.
J o livro de Paulo de Ges Filho, O Clube das Naes: a misso do Brasil na ONU e
o mundo da diplomacia parlamentar15, foi-nos importante porque o autor faz uma descrio
dos rituais dos organismos internacionais em geral, alm de detalhar como se configuram as
Misses do Brasil junto Organizao das Naes Unidas, lugar mximo do qual os nossos
representantes autorizados do Estado Nacional almejam participar. Sua pesquisa trata dos
cdigos da carreira diplomtica, e busca compreender quais so as teias de relaes
pessoais dos funcionrios do Itamaraty as quais se confundem com a vida pblica, tornando
quase que indissocivel, dentro da carreira diplomtica, a vida privada da pblica.
Com relao abordagem terica, nossa pesquisa insere-se no campo da histria
poltica e assume a perspectiva da crtica ps-colonial. Duramente criticada por dcadas, tanto
por historiadores da Escola dos Annales, quanto por historiadores do campo marxista, a
condio da histria poltica tem se invertido nos ltimos anos com um movimento de
renovao que se convencionou chamar de nova histria poltica16.
Desse modo, a partir da dcada de 1980 do sculo passado, a dimenso poltica dos
fatos sociais passou a conquistar outros espaos, levando ao surgimento de novos objetos de 14 MOURA, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: um estudo de carreira e socializao. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 15 GES FILHO, Paulo. O Clube das Naes: a misso do Brasil na ONU e o mundo da diplomacia parlamentar. Rio de Janeiro: Relume Dumar: Ncleo de Antropologia da Poltica/UFRJ, 2003. 16 Sobre este assunto ver: LE GOFF, Jacques. Is politics still the backbone of History?. In: GILBERT, F.; GRAUBARD, S. R. (orgs). Historical studies today. New York: Norton, 1971; JULLIARD, Jacques A Poltica. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre Histria: Novas Abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976 e RMOND, Ren. Por uma Histria Poltica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996.
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estudo, principalmente a partir do uso do conceito de cultura poltica, num processo de longa
durao, alternando-se entre continuidades e transformaes.
Assim, o eixo central da renovao proposta pelos historiadores da nova histria
poltica decorre, principalmente, do intercmbio com a cincia poltica, a sociologia, a
lingstica e a antropologia, a partir do que se frutifica, atravs do desenvolvimento de
trabalhos sobre a sociabilidade, a cultura, as relaes internacionais, os processos eleitorais,
os partidos polticos, os grupos de presso, a opinio pblica, a mdia, etc17.
Com uma nova perspectiva analtica dos dispositivos de poder englobando cultura e
poltica, tornaram-se extremamente relevantes as premissas enunciadas pela crtica ps-
colonial. Foram referncias para nossos estudos: Olhos do Imprio: Relato de Viagem e
Transculturao, de Mary Louise Pratt18; Close Encounters of Empire: Writing the Cultural
History of U.S. Latin American Relations,com organizao de Gilbert M. Joseph, Catharine
C. Legrand e Ricardo D. Salvatore19; Imgenes de um Imprio. Estados Unidos y las Formas
de Representacin de Amrica Latina, de Ricardo D. Salvatore20 e Identidade Cultural na
Ps-Modernidade de Stuart Hall21.
Todos os textos referidos acima, direta ou indiretamente nos possibilitaram refletir
sobre os Estados Nacionais, o imperialismo, os discursos identitrios22 e os encontros que se
deram entre as naes da Amrica. Levaram-nos a entender e ressignificar tanto o papel
desempenhado pelos Estados Nacionais no final do sculo XIX e primeiras dcadas do sculo
XX quanto as aes dos imperialismos europeu e norte-americano, bem como as resistncias
17 FERREIRA, Marieta de Morais. A Nova Velha Histria: O Retorno da Histria Poltica. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro. Vol.5, n 10, 1992, p. 265-271. 18 PRATT, Mary Louise. Olhos do Imprio: Relato de Viagem e Transculturao. So Paulo: Edusc, 1992. 19 JOSEPH, Gilbert M.; LEGRAND, Catharine C.; SALVATORE, Ricardo D. (orgs.). Close Encounters of Empire: Writing the Cultural History of. U.S. Latin American Relations. Durham: Duke University Press, 1998. 20 SALVATORE, Ricardo D. Imgenes de um Imprio. Estados Unidos y las Formas de Representacin de Amrica Latina. Buenos Aires: Editorial Sudamerica, 2006. 21 HALL, Stuart. Identidade Cultural na Ps-Modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 2005. 22 Outra obra que nos ajudou a compreender a questo das identidades na Amrica: PRADO, Maria Ligia Coelho. Identidades Latino-Americanas (1870-1930). Mimeo, 2000.
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que os pases latino-americanos empreenderam nesses contextos. Assim, os livros estudados
tornaram esses temas mais complexos, menos binrios, destacando, principalmente, quais
eram as diferentes relaes de poder envolvidas.
Dando seqncia a esta exposio, apresentaremos os captulos que constituem
efetivamente a dissertao de mestrado. No Captulo 1, faremos uma breve apresentao das
Conferncias Pan-Americanas, uma vez que elas foram a origem das grandes assemblias
diplomticas do continente cujo maior objetivo era a unio das naes americanas por meio
do fortalecimento poltico e do comrcio nas Amricas.
O Captulo 2 abordar a questo das identidades, ou seja, analisaremos os dois
discursos identitrios construdos durante as seis Primeiras Conferncias Pan-Americanas: o
pan-americano e o latino-americano. Alm disso, nos dedicaremos a compreender a posio
do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil em relao a esses dois discursos.
A questo da unio aduaneira, proposta norte-americana apresentada na Primeira
Conferncia de Washington, ser analisada no Captulo 3. Esse um tema recorrente nas
Conferncias Pan-Americanas, pois as questes ali tratadas convergiam para o
desenvolvimento e fortalecimento das relaes de comrcio nas Amricas. Neste Captulo 3
analisaremos por que essa proposta to cara chancelaria norte-americana no foi aceita pelos
demais pases do continente.
Por ltimo, o Captulo 4 versar sobre a questo da arbitragem. Nele, analisaremos as
diferenas entre as propostas de arbitramento compulsrio e obrigatrio, bem como as
discusses sobre a introduo da arbitragem como meio regular para a soluo dos conflitos
internacionais e a situao do armamento/desarmamento como parte desse processo.
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CAPTULO 1 AS CONFERNCIAS PAN-AMERICANAS (1889 1928)
As chamadas Conferncias Pan-Americanas23 aconteceram entre 1889 e 1948, sendo
que a primeira foi realizada em Washington (1889-1890), sucedida pelas Conferncias: do
Mxico (1901-1902); do Rio de Janeiro (1906); de Buenos Aires (1910); de Santiago (1923);
de Havana (1928); de Montevidu (1933); de Lima (1938) e de Bogot (1948), quando se d a
formao da Organizao dos Estados Americanos (OEA)24.
As Conferncias Pan-Americanas foram a origem das grandes assemblias
diplomticas do continente e o seu maior objetivo era a unio das naes americanas por meio
do fortalecimento poltico e do comrcio na Amrica, contando com a representao de 19
naes na Primeira Conferncia at chegar a 21 repblicas na Nona Conferncia em Bogot,
em 194825.
Durante os 39 anos que separam a Primeira Conferncia da Sexta, perodo ao qual nos
dedicamos, a Amrica passou por grandes e profundas transformaes, tanto no campo
poltico quanto no econmico, no social, no territorial, etc. Nesse contexto, v-se um enorme
esforo dos pases do continente americano em acelerar o processo de civilizao que os
23 Essas Conferncias foram conhecidas tambm como Congressos Internacionais Americanos, Assemblias Diplomticas Americanas e Conferncias de Estados Americanos. 24 A Organizao dos Estados Americanos foi fundada em 30 de abril de 1948, constituindo-se como um dos organismos regionais mais antigos do mundo. Reunidos em Bogot (Colmbia), 21 pases signatrios, dentre eles o Brasil, assinaram a Carta da Organizao dos Estados Americanos, onde a organizao definia-se como um organismo regional dentro das Naes Unidas. Os pases-membros se comprometiam a defender os interesses do continente americano, buscando solues pacficas para o desenvolvimento econmico, social e cultural.Disponvel em: . Acesso em 08.01.2008. 25 curioso observar que em nenhuma das Conferncias Pan-Americanas estudadas (1889-1928) o Canad esteve representado. Quando existe alguma referncia Amrica do Norte, so mencionados somente os Estados Unidos ou o Mxico. O Canad s ter influncia poltica no continente a partir da criao da Organizao dos Estados Americanos, em 1948. Isso ocorreu porque o Canad obteve sua independncia em 1 de julho de 1867, do Reino Unido, atravs da unio de trs colnias britnicas, a Provncia do Canad (atual Ontrio e Quebec), a Nova Brunswick e a Nova Esccia. O Ministrio das Relaes Exteriores do Canad, porm, mesmo aps a independncia, continuou a ser controlado pelo Reino Unido. Em 1931, segundo os termos do Estatuto de Westminster, o Canad adquiriu soberania sobre seu Ministrio das Relaes Exteriores, e qualquer ato aprovado pelo Parlamento do Reino Unido passou a no ter mais efeito no Canad sem o consentimento . Alm disso, quaisquer poderes e direitos que o Reino Unido possua sobre o Canad no papel foram removidos no Canad em 1982. Disponvel em: . Acesso: 08.01.2008.
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aproximaria, paulatinamente, da modernidade e do desenvolvimento alcanados pelas
potncias europias.
A realizao das Conferncias Pan-Americanas continha, desde o incio, a idia de
unio dos pases do continente, questo que j vinha sendo discutida desde as primeiras
dcadas do sculo XIX. Na Amrica do Sul, os embries de discursos preconizando
congressos de unio das naes americanas podem ser percebidos, por exemplo, no processo
de independncia do Chile, quando Juan Egaa26, no projeto de declarao de direitos do
povo chileno, disse que no dia em que a Amrica se reunisse num Congresso, fosse ele de
todo o continente ou apenas do sul, falando ao resto do mundo, sua voz se faria respeitvel e
suas resolues, dificilmente contestadas. Os discursos tambm podem ser percebidos,
quando os governos da Colmbia e do Peru firmaram um Tratado de Aliana, em 1822,
baseando-se numa futura Liga das naes hispano-americanas e num Congresso com objetivo
de estreitar as relaes dos povos nascentes (recm-independentes).
Essas aspiraes, principalmente de pases hispano-americanos, traziam em si a
inteno de unio e a harmonia entre as novas repblicas do continente (ligadas por uma
origem comum de raa, lngua e interesse), e culminaram no desejo de unio americana
constitudo no Congresso do Panam, em 1826, sob a liderana de Simn Bolvar. Este, alis,
desde o ano de 1813 vinha pregando uma unio fraternal entre os povos do mundo americano.
Embora o Congresso do Panam tenha tido aspiraes continentais, seu programa
previa somente a reunio dos governos hispano-americanos, refletindo um iderio com razes
muito mais histricas e identitrias do que comerciais. Em sua celebre Carta de Lima27, de 07
de dezembro de 1824, Bolvar afirmava:
26 Juan Egaa Risco (Lima, 1769 - Santiago, 1836) foi um jurista chileno de grande prestgio que participou dos primeiros anos do regime republicano do Chile, alm de ter sido redator da Constituio chilena de 1823. 27 Bolvar, ento frente do Governo do Peru, tomou a iniciativa de convidar vrios pases para um Congresso a ser reunido no Istmo de Panam. Essa Carta foi assinada dois dias antes da decisiva batalha de Ayacucho. Bolvar dirigiu sua carta s repblicas americanas que haviam sido colnias da Espanha. Para maior compresso
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tempo j que os interesses e as relaes que unem entre si as Repblicas Americanas, antes colnias espanholas, tenham uma base fundamental que eternize, se possvel, a durao destes governos. Profundamente penetrado dessas idias, convidei em 1822, como presidente da Repblica da Colmbia, os Governos das Repblicas do Mxico, Peru, Chile e Buenos Aires para formarmos uma confederao e reunirmos no Istmo do Panam, ou em outro ponto escolhido pela maioria, uma assemblia de plenipotencirios de cada Estado, que nos servisse de Conselho nos grandes conflitos, de ponto de contato nos perigos comuns, de fiel intrprete nos tratados pblicos quando ocorressem dificuldades e de conciliador, enfim, das nossas divergncias. No dia em que nossos plenipotencirios trocarem suas credenciais fixar-se- na Histria Diplomtica da Amrica uma poca imortal. Quando, depois de 100 sculos, a posteridade buscar a origem de nosso Direito Pblico e recordar os pactos que consolidaram os seus destinos, ho de ser notados com admirao os protocolos do Istmo. A se encontrar o plano das primeiras alianas traando as marchas de nossas relaes com o Universo.28
A princpio, Bolvar convidou somente delegados de pases centro e sul-americanos
com o intuito de discutir a criao de uma confederao entre os Estados recm-
independentes da Espanha. Mas, em 1825, os EUA foram convidados a integrarem o grupo,
por sua ligao geogrfica e econmica com o resto das Amricas e pelos laos de unio
comercial e financeira que estabeleceram, desde sua independncia, com os demais pases do
continente. No entanto, os EUA no chegaram a participar do encontro, pois tiveram
problemas com o representante designado para tal tarefa. Para o Congresso tambm foram
convidados pases da Europa, como a Gr-Bretanha e a Holanda, com a funo de
observadores29.
Segundo Bolvar, esse Congresso tinha como objetivo uma unio ampla, pois, com a
reunio proposta, ele queria tratar das principais questes, assim pensava, preocupando-se
com os pases hispano-americanos e suas razes de paz, de guerra e de comrcio, isto , de
tudo aquilo que levasse ao progresso, organizao e liberdade esses povos hispano-
americanos.
desse assunto ver: SANTOS, Lus C.V.G. O Brasil entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o Interamericanismo (do Congresso do Panam Conferncia de Washington). So Paulo: Editora Unesp, 2003. 28 Cdice: 962.V/L181/3000, 5 Conferncia Pan-Americana. Discurso de Arturo Alessandri presidente da Repblica do Chile na sesso de instalao da Quinta Conferncia Pan-Americana, em 1923. Nessa ocasio, Alessandri discursou para tal assemblia citando trechos da Carta de Lima de Bolvar. Nas transcries de todos os documentos analisados nesta dissertao foi atualizada a ortografia em funo de termos optado por acompanhar a reforma ortogrfica vigente. Ademais, a traduo do espanhol e do ingls para o portugus foi realizada pela prpria pesquisadora. 29 SANTOS, Op. Cit., 2003.
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O programa elaborado por Bolvar tinha como temas principais: a unio das naes
sobre a base de um direito internacional comum; a criao de uma liga para tentar resolver os
problemas entre os novos pases hispano-americanos ou com pases estrangeiros; o repdio a
tentativas de recolonizao da Amrica; a abolio das discriminaes de origem e de cor; o
fim do comrcio escravo e a abertura dos pases hispano-americanos ao comrcio ingls.
Embora esse Congresso no tenha produzido os resultados esperados, pois os novos pases
americanos enfrentavam ainda problemas internos muito graves, ele acabou por tornar-se um
referencial posterior muito importante para a defesa de projetos unio entre as naes
americanas 30.
O Brasil no participou do Congresso do Panam, pois o governo imperial tinha
receios de estabelecer uma aliana com os vizinhos hispano-americanos, anrquicos e
instveis31. Alm disso, essa aliana poderia entrar em choque com a prpria questo de
legitimidade do Estado monrquico, uma vez que o Brasil seria o nico pas que adotava esse
regime poltico e era governado por um portugus da dinastia de Bragana. Alm do Brasil e
dos Estados Unidos, o Haiti tambm no esteve presente nesse Congresso, pois o pas era
considerado inconveniente devido ao seu movimento de independncia ter sido liderado por
escravos ou ex-escravos32.
Outra proposta que pregava a unio entre os pases do continente americano se deu a
partir da elaborao da Doutrina Monroe, concebida como uma estratgia da poltica externa
dos Estados Unidos para tentar aumentar a sua rea de influncia no continente.
30 DORATIOTO, Francisco. Espaos Nacionais na Amrica Latina: da utopia bolivariana fragmentao. So Paulo: Editora Brasiliense, 1994 e HALPERN DONGHI, Tlio. Histria da Amrica Latina. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975. 31 CAPELATO, Maria Helena Rolim. O gigante brasileiro na Amrica Latina: ser ou no ser latino-americano. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experincia brasileira. A grande transao. So Paulo: Editora SENAC, 2000; PRADO, Maria Ligia Coelho. O Brasil e a distante Amrica do Sul. In: Revista de Histria, n 145, 2001, p.127-149; e PRADO, Maria Ligia Coelho. Davi e Golias: as Relaes entre Brasil e Estados Unidos no sculo XX. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta. A Grande Transao. So Paulo: Editora SENAC, 2000. 32 SANTOS, Lus C.V.G. O Brasil entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o Interamericanismo (do Congresso do Panam Conferncia de Washington). So Paulo: Editora Unesp, 2003.
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A chamada Doutrina Monroe foi enunciada pelo presidente estadunidense James
Monroe (presidente de 1817 a 1825) em sua mensagem ao Congresso norte-americano, em 2
de dezembro de 1823. Essa doutrina consistia em trs pontos principais: a no criao de
novas colnias nas Amricas; a no interveno europia nos assuntos internos dos pases
americanos e a no interveno dos Estados Unidos em conflitos relacionados aos pases
europeus, tais como guerras entre esses e suas colnias. Seus preceitos reafirmavam a posio
dos Estados Unidos contra o colonialismo europeu, inspirando-se na poltica isolacionista de
George Washington, e desenvolvia o pensamento de Thomas Jefferson, segundo o qual a
Amrica tem um hemisfrio para si mesma33.
Alm disso, a Doutrina Monroe representava uma advertncia no s Santa Aliana,
como tambm prpria Gr-Bretanha, embora seu efeito imediato, quanto defesa dos novos
Estados americanos, fosse puramente moral, dado que os interesses econmicos e a
capacidade poltica e militar dos Estados Unidos no ultrapassavam, naquele momento, a
regio do Caribe.
Desse modo, a Doutrina Monroe, como declarao unilateral de poltica externa dos
EUA, acabou por inaugurar uma prtica mantida pelos governos norte-americanos
posteriores. Assim, os EUA interpretaram-na segundo seus prprios interesses, tal como foi
levado a cabo na guerra contra o Mxico, pois a Doutrina Monroe culminou com a perda de
mais da metade do territrio mexicano.
A proposta da Doutrina Monroe, no entanto, no foi apresentada oficialmente em
nenhum dos congressos ocorridos no continente entre 1823 e 1865,34 vindo a tomar forma
apenas nas Conferncias Pan-Americanas. Desse modo, embora essa Doutrina tenha sido
elaborada na dcada de 1820, os Estados Unidos, nesse perodo, enfrentavam posies
33 SANTOS, Lus C.V.G. O Brasil entre a Amrica e a Europa: o Imprio e o Interamericanismo (do Congresso do Panam Conferncia de Washington). So Paulo: Editora Unesp, 2003. 34 O Congresso do Panam, de 1926, foi o primeiro de uma srie que aconteceu entre 1826 e 1865 no continente. Pela ordem, so eles: do Panam (1826), de Lima (1847-1848), de Santiago (1856), de Washington (1856) e de Lima (1864-1865). Id., 2003, p. 14.
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divergentes e muitas vezes conflitantes devido disputa de interesses entre os grupos
econmicos internos, principalmente nas contendas polticas travadas entre os estados do
norte e do sul.
Apesar disso, nas ltimas dcadas do sculo XIX, os Estados Unidos empreenderam
um grande esforo para ampliar o seu comrcio e consolidar a aproximao econmica com
os demais pases do continente, pois se tornou necessrio escoar a produo industrial no
intuito de aumentar sua receita. Esse movimento de aproximao com os demais pases
americanos s foi possvel aps a vitria da Unio sobre os Confederados na Guerra de
Secesso (1861-1865), pois o fim da guerra representou o triunfo do industrialismo do norte
sobre o agrarismo sulista35.
Mas foi apenas aps a Guerra Hispano-americana de 1898 que o foco da poltica
externa norte-americana voltou-se efetivamente para os pases da Amrica Central e do
Caribe, pois, com o trmino da Guerra Civil, rapidamente os EUA se reconstruram e o
capitalismo norte-americano urgiu por ultrapassar as suas prprias fronteiras36.
Desse modo, concomitante ao processo de expanso colonial europeu na frica e na
sia, gerador de tenses entre as grandes potncias europias, fortaleceu-se nos EUA a
corrente que defendia o nacionalismo expansionista, ao mesmo tempo em que era reafirmada
a convico de que a nao norte-americana tinha uma misso internacional a cumprir na
defesa da democracia e da liberdade37.
Nesse sentido, a poltica externa norte-americana esforou-se por transformar os EUA
no novo lder do continente, tratando de afastar a influncia das potncias europias sobre as
naes americanas. Para alcanar essa finalidade, os EUA convidaram, no final do sculo
35 CERVO, Amado Luiz. Estados Unidos, Brasil e Argentina nos dois ltimos sculos. In: CERVO, Amado Luiz; DPCKE, Wolfgang (orgs.). Relaes Internacionais dos Pases Americanos; vertentes da Histria. Braslia: Linha Grfica Editora, p. 358-367, 1994. 36 BUENO, Clodoaldo. "Pan-Americanismo e Projetos de Integrao: temas recorrentes na histria das relaes hemisfricas (1826-2003)". Poltica Externa, So Paulo, v. 13, n. 1, 2004, p. 65-80. 37 Id., 2004, pp. 65-80
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XIX, por meio do seu Secretrio de Estado, James G. Blaine, as naes americanas para uma
conferncia sobre questes relativas, principalmente, ao comrcio internacional e arbitragem
nas disputas interamericanas. Dava-se incio, nesse momento, a prtica da Doutrina Monroe,
que pretendia a americanizao da Amrica, atravs do lema Amrica para os
americanos38.
Embora as propostas pan-americanas tenham tido grande repercusso dentro dos EUA
nas ltimas dcadas do sculo XIX, nem todos os comerciantes norte-americanos estavam de
acordo com os princpios pan-americanos, pois muitos deles, especialmente da regio sul dos
EUA, temiam o aumento da competio na comercializao de seus principais produtos
(cereais, acar, gado, tabaco e algodo). Ademais, no Senado norte-americano, os Estados
sulistas exerciam forte oposio s propostas de unio com as demais naes do continente39.
Contudo, os Estados industrializados do norte e nordeste enxergavam na Amrica
Latina um importante mercado para comercializar sua promissora produo industrial. Seus
representantes no Senado norte-americano percebiam nos futuros congressos continentais um
foro diplomtico elementar, para o qual poderiam expandir sua influncia econmica ao longo
do continente em substituio s potncias europias. Eles buscavam instituir uma unio
aduaneira nos moldes do bem sucedido Zollverein alemo40.
nessa conjuntura descrita acima, que se insere a Primeira Conferncia Pan-
Americana convocada pelos EUA. Essa Conferncia realizou-se na cidade de Washington, de
02 de outubro de 1889 a 19 de abril de 189041.
38 Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. 39 Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. 40 Essa questo ser analisada no Captulo 2 desta dissertao. 41 Seu programa foi elaborado unicamente pelos EUA e contemplou, principalmente, os seguintes assuntos: a adoo de um plano de arbitragem; o incremento do comrcio e meios de comunicao; o fomento das relaes comerciais recprocas e o desenvolvimento de mercados mais amplos para os produtos de cada pas americano; medidas para a formao de uma unio aduaneira americana; a adoo de um sistema uniforme de pesos e medidas e a adoo de uma moeda comum. Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana.
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O governo brasileiro teve trs diferentes representantes na Primeira Conferncia Pan-
Americana: primeiro, Lafayette Rodrigues Pereira, e depois Salvador de Mendona e J. G. do
Amaral Valente. Isso se deu porque o Brasil iniciou a Conferncia de Washington como
Imprio e a terminou como Repblica. A partir de 15 de novembro, o Ministrio das Relaes
Exteriores brasileiro, mudou consideravelmente a sua postura em relao s demais repblicas
americanas, principalmente em relao s naes latino-americanas. Isso ocorreu porque, com
a Proclamao da Repblica e a derrubada do regime monrquico, fez-se necessrio buscar
respostas, ou anti-modelos, em outros contextos para pensar os complexos problemas
vinculados mudana de regime poltico42.
Assim, o Brasil passou a se aliar ora com os Estados Unidos ora com a Argentina, que
teve um papel de destaque durante as reunies. Alm disso, o Itamaraty preocupou-se em se
legitimar como o mais importante intermediador da Conferncia, uma vez que o delegado
brasileiro, Salvador de Mendona, ficou responsvel por mediar s disputas entre os EUA e os
demais pases latino-americanos43.
A Gr-Bretanha, como se havia de esperar diante de tal cenrio, manifestou grande
oposio realizao dessa Conferncia, pois temia perder para os EUA a influncia poltica
e econmica que detinha no continente. A Argentina foi a principal aliada da Inglaterra na
oposio s propostas norte-americanas apresentadas na Conferncia, em funo de seus
acordos comerciais com aquele pas. Exemplo dessa resistncia pode ser observado no
discurso do delegado argentino, Roque Senz Pena, proferido no fim da Conferncia de
Washington, que em oposio ao lema da Doutrina Monroe, Amrica para os americanos,
ergueu-se com outro lema de muito impacto: Amrica para a humanidade44.
42 Lafayette Rodrigues Pereira renunciou ao seu cargo em 27 de novembro de 1889, 12 dias aps a Proclamao da Repblica. Conferencias Internacionales Americanas (1889-1936). Washington: Dotacin Carnegie para la Paz Internacional, 1938, p. 9. Vale ressaltar que Lafayette Rodrigues Pereira era um notrio monarquista e Salvador de Mendona foi um dos signatrios do Manifesto Republicano de 1870. 43 Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. 44 Esse assunto ser analisado no Captulo 2 desta dissertao.
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A no adeso proposta norte-americana de unio alfandegria, fez com que a
Primeira Conferncia fosse percebida, por muitos pases, como um fracasso da diplomacia
dos EUA. Como apontado anteriormente, o repdio proposta foi originado, principalmente,
pela postura da delegao da Argentina na liderana do voto contrrio unio alfandegria,
desmontando o projeto dos Estados Unidos de construir o iderio pan-americano sob a
hegemonia norte-americana. De fato, o nico grande avano desse encontro foi a criao da
Unio Internacional das Repblicas Americanas (posteriormente Unio Pan-Americana),
rgo destinado a reunir dados sobre o comrcio do continente e a publicar boletins com esses
dados (tarifas, regulamentos aduaneiros, entre outros). Mais adiante, esse rgo foi o
responsvel pela organizao das outras Conferncias Pan-Americanas.
A Segunda Conferncia Pan-Americana reuniu-se no Mxico, de 22 de outubro de
1901 a 22 de janeiro de 1902. Essa Conferncia estava inserida num contexto de organizao
e expanso da poltica imperialista norte-americana para a regio do Caribe. V-se na anlise
da documentao dessa Conferncia que a poltica do Big Stick estava comeando a se
estabelecer, uma vez que evidente o estilo imperialista na diplomacia empregada pelos
EUA, principalmente aps a Guerra Hispano-americana de 1898.
Esse incremento da influncia e tentativa de controle por parte dos EUA no continente
americano era visto com grande preocupao na Europa e em muitos pases da Amrica
Latina. Segundo Ana M. Stuart:
No Brasil, a assinatura do Tratado de Comrcio com os Estados Unidos j tinha sido objeto de duras crticas de setores com interesses econmicos industrialistas. No Congresso nacional, durante a sesso de 9 de fevereiro de 1891, o deputado Vinhaes manifestava: H muito tempo que os Estados Unidos da Amrica do Norte desejam fazer um tratado de comrcio com o Brasil, tomando, j se v, a parte do leo para si. Um dos principais paraninfos do Tratado nos Estados Unidos foi Blaine, secretrio-geral do governo de Washington. Aquele estadista conhecido no mundo como um dos mais aferrados protecionistas quando se trata de assuntos internos, tornando-se o mais exaltado livre-cambista logo que venha baila assunto de carter externo.45
45STUART, Ana. Internacional: A histria da Alca. Disponvel em: . Acesso e download em 06/02/08.
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Os diplomatas norte-americanos parecem se valer dos discursos de Theodore
Roosevelt, que conclamava os Estados Unidos da Amrica a assumir o papel de liderana que
lhes cabia na polcia internacional no hemisfrio ocidental. As intenes dessa diplomacia
eram proteger os interesses econmicos dos Estados Unidos na Amrica Latina, o que levou
expanso da marinha e a um maior envolvimento desse pas nas questes internacionais.
Em 16 de agosto de 1900, o Ministro das Relaes Exteriores do Mxico dirigiu nota
ao governo brasileiro, convidando o Brasil a se fazer representar na Segunda Conferncia. O
governo do Brasil aceitou o convite e como chefe da delegao brasileira foi nomeado Jos
Hygino Pereira Duarte46. A agenda da Conferncia trazia numerosos temas, muitos deles
pendncias que no haviam sido resolvidas na Conferncia de Washington. Porm, a
Conferncia do Mxico, assim como a Primeira, teve poucos resultados efetivos47.
A Terceira Conferncia Pan-Americana reuniu-se no Rio de Janeiro de 23 de julho de
1906 a 27 de agosto de 1906. Joaquim Nabuco foi nomeado chefe da delegao brasileira e,
posteriormente, eleito presidente dessa assemblia, em conformidade com as Conferncias
anteriores que sempre elegeram os presidentes dentre os delegados ou ministros anfitries do
congresso. As sesses da Conferncia foram inauguradas em 23 de julho de 1906, no Palcio
46 Jos Hygino faleceu na Cidade do Mxico a 10 de dezembro de 1901, durante a realizao da Segunda Conferncia Pan-Americana. O Ministro das Relaes Exteriores brasileiro escreveu a Fontoura Xavier, ento primeiro secretrio, pedido informaes sobre a data do trmino da Conferncia. Ele respondeu que, segundo informao do Presidente da Conferncia, ela encerraria os seus trabalhos em meados de janeiro de 1902. Por isso, seria intil a nomeao de um novo delegado, que no chegaria a tempo de exercer as suas funes. No se deu, portanto, sucessor a Jos Hygino. Diante disso, o governo do Brasil acordou que sua misso acreditada no Mxico seria retirada naquele momento. Cdice: 273/3/7, 2 Conferncia Pan-Americana (1901 1902). Histrico da 2 Conferncia Pan-Americana. 47 O Programa da Segunda Conferncia Pan-Americana continha, principalmente, as seguintes questes: poltica de arbitramento; corte de reclamao; polcia sanitria; organizao da Secretaria Internacional; banco internacional; profisses liberais; estrada de ferro; troca de publicaes; nomenclatura comercial; projeto de declarao sobre os direitos concedidos a estrangeiros; projeto de conveno sobre reclamaes de prejuzos sofridos por cidados de um Estado em territrio do outro; projeto de conveno para a proteo das obras literrias e artsticas; proposta sobre declarao relativa doutrina de Monroe; proposta sobre a organizao de uma comisso arqueolgica internacional americana; proposta de adoo dos princpios contidos no tratado de Montevidu sobre marcas de fbrica e de comrcio; projeto de resoluo sobre reunio em Nova York de um Congresso Aduaneiro e codificao do Direito Internacional Pblico e do Direito Internacional Privado (esse ltimo tema fora proposto por Jos Hygino Duarte Pereira). Cdice: 273/3/7, 2 Conferncia Pan-Americana (1901 1902). Histrico da 2 Conferncia Pan-Americana.
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Monroe (que era chamado de Palcio Brasil e depois recebeu o nome de Palcio Monroe em
homenagem aos Estados Unidos)48.
O Secretrio de Estado norte-americano foi convidado pessoalmente por Nabuco para
comparecer Terceira Conferncia Pan-Americana. Essa foi a primeira vez que um Secretrio
de Estado norte-americano participou de uma Conferncia Pan-Americana fora dos Estados
Unidos, o que representou uma vitria poltica para o Brasil, principalmente frente aos pases
da Amrica do Sul.
A visita de Elihu Root mereceu, por parte do governo brasileiro, uma minuta de
relatrio de todos os Estados e lugares em que ele passou, tal era a importncia de sua estadia
no pas49. Depois do encerramento da Conferncia, Joaquim Nabuco visitou algumas
instituies no Brasil enaltecendo, ainda mais, o governo norte-americano antes do seu
regresso a Embaixada brasileira em Washington.
Apesar de a Argentina ter mantido na Conferncia do Rio de Janeiro uma forte
oposio em relao poltica externa dos Estados Unidos, os delegados argentinos no
conseguiram impedir o discurso exaltando os EUA, proferido pelo delegado Gonzalo
Ramirez, do Uruguai, um dia antes do encerramento oficial da Conferncia:
(...) As Conferncias Pan-Americanas so assemblias de homens livres que representam naes igualmente soberanas, e no debate em que aborda as questes que afetam fundamentalmente o bem da Amrica, que solidrio ao bem da humanidade, aparece [EUA] sempre como o mais fervente apstolo da fraternidade do nosso Continente e do grande povo dos Estados Unidos. (...) No devemos esquecer que nos acompanha em to nobre empreendimento a nao mais poderosa da terra e que essa nao antes de ser grande por seu poder e riqueza foi forte por suas virtudes cvicas dos seus filhos e da sua capacidade moral dos fundadores da sua independncia. Contamos com essa grandeza moral para o xito da nossa humanitria e civilizadora tarefa, e bendizemos essa fora quase onipotente, porque
48 Aps a minuciosa preparao do programa da Terceira Conferncia levado a cabo por Rio Branco e Joaquim Nabuco, esse se centrou nos seguintes temas: arbitramento; dvidas pblicas; codificao do Direito Internacional Pblico e Privado; naturalizao; desenvolvimento das relaes comerciais entre as repblicas americanas; leis aduaneiras e consulares; privilgios e marcas de fbrica; polcia sanitria e quarentena; estrada de ferro pan-americana; propriedade literria; exerccio das profisses liberais; futuras Conferncias; e Secretaria Internacional das Repblicas Americanas. Cdice: 273/3/10, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Histrico da 3 Conferncia Pan-Americana, em 28.07.1906. 49 Cdice: 273/3/14, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Do Secretrio da 3 Conferncia Pan-Americana, sobre a Minuta do Relatrio Geral feito pelo Secretrio da 3 Conferncia Pan-americana, de 13 de julho a 14 de setembro de 1906.
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tem selado a fraternidade do Velho e do Novo Mundo, consagrando para sempre com nobre altrusmo da integridade do nosso Continente.50
interessante notar que em todos os discursos proferidos por Elihu Root em nosso
pas valorizava-se o tema das relaes comerciais, principal objetivo de sua viagem ao Brasil.
Da parte brasileira, no que se refere aos discursos dos delegados, ministro, deputados e
senadores, ressaltava-se neles o apoio de nosso pas poltica norte-americana.
Desse modo, percebe-se na anlise da documentao, que as questes comerciais
foram o centro de discusses da Terceira Conferncia, tendo como conseqncia muitos
tratados de reciprocidade comercial entre os pases da Amrica.
A Quarta Conferncia Pan-Americana reuniu-se em Buenos Aires, de 12 de julho a 27
de agosto de 191051, e o chefe da delegao brasileira foi Joaquim Murtinho. Embora essa
Conferncia tenha sido organizada minuciosamente pelo governo argentino, seus resultados
foram inspidos, uma vez que ela acabou por ratificar boa parte do que havia sido determinado
na Conferncia do Rio de Janeiro. Desse modo, o grande feito da Quarta Conferncia Pan-
Americana foi a transformao do Bureau das Repblicas Americanas em Unio Pan-
Americana (UPA), contribuindo para uma melhor organizao das futuras Conferncias.
A Quinta Conferncia Pan-Americana ocorreu depois de um intervalo de 13 anos da
Conferncia anterior, em funo da interrupao dos trabalhos durante a Primeira Guerra
Mundial. Desse modo, essa Conferncia acabou por reunir-se em Santiago do Chile, de 25 de
50 Cdice: 273/3/14, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Do Secretrio da 3 Conferncia Pan-Americana, sobre a Minuta do Relatrio Geral feito pelo Secretrio da 3 Conferncia Pan-americana, de 13 de julho a 14 de setembro de 1906. 51 No Programa da Quarta Conferncia constavam, principalmente, os seguintes temas: instalao da Conferncia; comemorao do centenrio da nao argentina e da independncia das repblicas americanas; estudo das informaes ou memrias apresentadas pelas delegaes relativas s resolues e convenes da Terceira Conferncia; reorganizao da Repartio Internacional das Repblicas Americanas; estrada de ferro pan-americana; comunicaes por meio de linhas de vapores; documentos consulares; conferncias sanitrias; patentes, marcas de fbrica e propriedade intelectual e literria; intercmbio de professores e de estudantes, resoluo em honra do Congresso Cientfico de Santiago; comemorao de abertura do Canal do Panam; e futuras Conferncias. Cdice: 273/3/15, 4 Conferncia Pan-Americana (1910). Histrico da 4 Conferncia Pan-Americana.
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maro de 1923 a 3 de maio do mesmo ano52. O chefe da delegao brasileira foi Afrnio de
Mello e Franco.
O tema da Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos para os pases do
continente americano permearam boa parte das discusses das reunies da Quinta
Conferncia, uma vez que o assunto crucial desse encontro foi a questo da arbitragem
(armamento/desarmamento)53.
A Sexta Conferncia Pan-Americana reuniu-se em Havana, de 16 de janeiro a 20 de
fevereiro de 1928. Foi nomeado como chefe da delegao brasileira Raul Fernandes.
Coincidindo intencionalmente com a abertura da Conferncia, o presidente dos Estados
Unidos, Calvin Coolidge, resolveu fazer uma visita a Cuba. Foi a primeira vez que um
presidente norte-americano compareceu a uma dessas reunies (fora a Primeira Conferncia
de Washington) e, juntamente com o presidente da Conferncia, o cubano Antonio
Bustamante, fez o discurso na sesso inaugural no Teatro Nacional em Havana54.
52 Tendo em vista o longo perodo em que no se realizou a Conferncia Pan-Americana, um grande nmero de temas constava de seu programa. Destacamos aqui os mais importantes: a) estudo das disposies adotadas pelos pases representados nas Conferncias Pan-Americanas precedentes, e da aplicao em cada pas das disposies aprovadas nelas, com referncia especial conveno de marcas de fbrica e de comrcio, e conveno de propriedade literria e artstica; b) organizao da Unio Pan-Americana por meio de uma conveno; c) estudo dos trabalhos realizados sobre a codificao do direito internacional pelo Congresso de Jurisconsultos do Rio de Janeiro; d) medidas destinadas a prevenir a propagao de enfermidades infecciosas; e) acordo pan-americano sobre leis e regulamentao da comunicao martima, terrestre e area, e cooperao para a promoo do seu desenvolvimento; f) cooperao para a inspeo das mercadorias que constituem o comrcio internacional; g) cooperao entre estudos agronmicos; uniformidade de estatsticas agrcolas; i) considerao dos melhores meios para dar mais ampla aplicao ao princpio da soluo judiciria e arbitral das diferenas entre as repblicas do continente americano; j) considerao dos melhores meios para promover a arbitragem das questes comerciais entre cidados de diferentes pases; k) considerao de reduo e limitao de despesas militares e navais em uma base justa e praticvel; l) considerao de estudos universitrios e intercmbio de ttulos profissionais entre as repblicas americanas; m) considerao das questes que resultem de um ato de uma potncia no americana atentatria aos direitos de uma nao americana; e n) estudo de um plano por meio do qual e com aprovao dos eruditos e investigadores dos diversos pases, se possa chegar a estabelecer por parte dos governos da Amrica um sistema mais uniforme para proteo de documentos arqueolgicos e outros necessrios para a formao de uma boa histria americana. Cdice: 273/3/16, 5 Conferncia Pan-Americana (1923). Histrico da 5 Conferncia Pan-Americana. 53 Essa questo ser analisada no Captulo 4 desta dissertao. 54 Tambm para a Sexta Conferncia um extenso programa foi elaborado pelo Conselho Diretor da Unio Pan-Americana. Porm, em Havana os organizadores decidiram diminuir o nmero de assuntos, uma vez que era uma preocupao dos pases envolvidos no tratar de muitos temas ao mesmo tempo, como ocorrera na Conferncia anterior. Dessa forma, os principais temas foram os seguintes: Unio Pan-Americana; Direito Internacional Pblico e Polcia de Fronteira; Direito Internacional Privado e Uniformizao Legislativa; problemas de comunicao; cooperao unilateral; problemas econmicos; problemas sociais; e informaes sobre tratados,
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O principal resultado da Conferncia de Havana parece ter sido a aprovao do Cdigo
de Direito Internacional Privado Americano (ou Cdigo Bustamante), que vinha sendo
discutido desde a Primeira Conferncia. O Cdigo foi chamado de Bustamante em
homenagem ao presidente da Sexta Conferncia Pan-Americana, Antnio Bustamante55. Esse
tratado pretendeu estabelecer uma normativa comum para a Amrica sobre o Direito
Internacional Privado. Ademais, vale destacar que este cdigo contm uma srie de
regulamentaes jurdicas sobre o trfico externo entre os pases pan-americanos.
Assim, de uma forma geral, embora as Conferncias Pan-Americanas sejam
percebidas na historiografia das relaes internacionais como parte de um corolrio natural da
poltica dos EUA, esses encontros possibilitaram a ampliao de um esprito de solidariedade
continental. Reafirmando a hegemonia norte-americana, isso no se deu sem resistncia, pois
a maior parte dos Estados latino-americanos, ameaados pelo mpeto conquistador
estadunidense, tentaram fugir de todas as propostas de unio que os prejudicassem.
No prximo captulo, analisaremos os dois discursos identitrios que nos foi possvel
perceber nas Conferncias Pan-Americanas: o do pan-americanismo e o latino-americanismo.
Em seguida, nos captulos 3 e 4, trataremos dos dois temas que receberam maior destaque nas
seis Conferncias Pan-Americanas aqui estudadas: a proposta de unio aduaneira e a questo
da arbitragem.
convenes e resolues. Cdice: 273/3/17, 6 Conferncia Pan-Americana. Histrico da 6 Conferncia Pan-Americana (1928). 55 Na Amrica Latina, houve diversas tentativas de evitar os conflitos de leis nacionais. A mais importante consistiu no assim chamado Cdigo de Bustamante, cuja denominao prpria Conveno de Direito Internacional Privado dos Estados Americanos, de 1928, tambm conhecida como a Conveno de Havana, e qual aderiram, alm do Brasil, a Bolvia, o Chile, Costa Rica, Cuba, Repblica Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicargua, Panam, Peru, El Salvador e Venezuela. Cf. Cdice: 273/3/17, 6 Conferncia Pan-Americana (1928). Histrico da 6 Conferncia Pan-Americana.
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CAPTULO 2 A QUESTO DAS IDENTIDADES
Desde o incio de nossa pesquisa, buscamos compreender como se configuraram as
construes identitrias no contexto das Conferncias Pan-Americanas (1889 a 1928). Assim,
a partir da documentao estudada, foi-nos possvel encontrar dois diferentes discursos: o do
pan-americanismo e o do latino-americanismo.
O primeiro discurso identitrio, o pan-americano, era o discurso oficial das
Conferncias Pan-Americanas e foi construdo especialmente pelos delegados norte-
americanos que participaram dessas assemblias. O pas que mais se ops formalmente a esse
discurso foi a Argentina, ao pregar que a Amrica deveria se voltar para o mundo e no para
si mesma.
J o segundo discurso, o latino-americano, foi forjado a partir das disputas que tiveram
lugar durante as Conferncias Pan-Americanas. Esse discurso foi elaborado principalmente
pelos delegados argentinos com o intuito de frear os avanos norte-americanos e de alar a
Argentina posio de lder dos pases latino-americanos, destacando-se a disputa pela
hegemonia na Amrica do Sul.
Com relao diplomacia brasileira, vemos que nosso pas, na maior parte das
contendas, tentava manter uma posio neutra, no limiar entre esses dois discursos
identitrios. Assim, quando convinha, a chancelaria brasileira se aproximava dos Estados
Unidos e, conseqentemente, se valia do discurso pan-americano, principalmente se isso
aumentasse seu poder de influncia nas Conferncias Pan-Americanas (esse o caso do tema
da arbitragem). Noutras vezes, a diplomacia brasileira se aproximava dos demais pases
latino-americanos, especialmente quando estavam em jogo, na perspectiva do Itamaraty,
acordos que prejudicassem os interesses nacionais brasileiros (destaque para o campo da
economia, cujo melhor exemplo a proposta de unio aduaneira).
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A seguir, analisaremos separadamente como se configuraram esses dois discursos
identitrios, o pan-americano e o latino americano, nas seis Conferncias Pan-Americanas
estudadas. Ademais, nos dedicaremos a compreender a posio do Ministrio das Relaes
Exteriores do Brasil em relao a esses dois discursos.
2.1 A Identidade Pan-Americana
A bibliografia dedicada ao tema do pan-americanismo ou s Conferncias Pan-
Americanas vem trabalhando esses assuntos preocupada principalmente com as relaes entre
o Brasil e os Estados Unidos ou entre os pases hispnicos e os Estados Unidos56.
Acreditamos que isso se deve forte ingerncia norte-americana nas Conferncias, pois em
muitos documentos podemos perceber que a tentativa de controle por parte dos delegados
estadunidenses foi bastante contumaz57.
Alm disso, as Conferncias Pan-Americanas podem ser entendidas como expresso
da hegemonia dos Estados Unidos sobre o restante da Amrica, principalmente: na
deliberao das pautas das Conferncias, privilegiando os seus interesses (o controle dos
assuntos dava-se desde a proposio de temas nas reunies preparatrias at as sesses
propriamente ditas); ao forte deferimento pelas delegaes norte-americanas, mesmo que por
vezes a contragosto por parte de algumas repblicas latino-americanas; a sua poltica
56 Podemos compreender melhor esse assunto em: BANDEIRA DE MELLO, A. T. O Esprito do Pan-Americanismo. Rio de Janeiro: MRE, 1956; BANDEIRA, Luiz A. Muniz. Estado Nacional e Poltica Internacional na Amrica Latina: o Continente nas Relaes Argentina-Brasil (1930-1992). Braslia: Ed. UnB, 1993; CARVALHO, Carlos Delgado de. Histria Diplomtica do Brasil. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1959; CERVO, Amado Luiz. Relaes Internacionais na Amrica Latina: Velhos e Novos Paradigmas. Braslia: Ed. FUNAG, 2001; CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. Histria da Poltica Exterior do Brasil. So Paulo: tica, 1992; e LOBO, Hlio. O Pan-Americanismo e o Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1939. 57 Cdice: 273/3/17, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/7, 2 Conferncia Pan-Americana (1901-1902). Histrico da 2 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/10, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Histrico da 3 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/15, 4 Conferncia Pan-Americana (1910). Histrico da 4 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/16, 5 Conferncia Pan-Americana (1923). Histrico da 5 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/17, 6 Conferncia Pan-Americana (1928). Histrico da 6 Conferncia Pan-Americana.
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intervencionista (guerra hispano-americana em 1898; Filipinas em 1901; Panam em 1903;
Nicargua em 1912; Haiti em 1914 e Nicargua em 1928); e o fortalecimento da sua posio
de liderana na regio58.
Com relao organizao das Conferncias Pan-Americanas, os Estados Unidos
praticamente comandavam a formulao dos temas que eram discutidos nas Conferncias,
pois antes de cada assemblia sempre havia uma reunio preparatria na sede da Unio Pan-
Americana em Washington. Essas reunies eram palco de intensos acordos, alianas e
tambm divergncias59. Acreditamos que os maiores embates de posicionamentos polticos
dos pases americanos se davam nessas ocasies, pois aps essas reunies podia-se ver
claramente o que aconteceria nas Conferncias, ou seja, os argumentos eram cuidadosamente
construdos, as posies tomadas, o desenho das resolues delineado, as recomendaes ou
convenes eram configuradas e, desse modo, havia lugar para poucas surpresas ou mudanas
de posicionamento de alguns pases.
Alm do controle nas reunies preparatrias e nas sesses propriamente ditas das
Conferncias, os delegados dos EUA faziam valer o seu poderio econmico para forar o
estabelecimento da sua agenda de poltica externa para as Amricas. Jos Hygino Duarte
Pereira, delegado brasileiro na Segunda Conferncia do Mxico, em carta enviada ao Ministro
das Relaes Exteriores, Olyntho de Magalhes, reclamava da preponderncia norte-
americana no controle das Conferncias e suas respectivas Comisses:
(...) as instrues da delegao norte-americana nos recomendam que deixemos a direo dos trabalhos da Conferncia s delegaes ibero-americanas, mas, na realidade, so eles que tudo dirigem por trs da cortina, fazendo valer a sua enorme influncia sobre as repblicas da Amrica Central, do Haiti, So Domingos, da parte setentrional da Amrica do Sul e sobre o Mxico, as quais todas giram na
58 Cdice: 273/3/17, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/7, 2 Conferncia Pan-Americana (1901-1902). Histrico da 2 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/10, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Histrico da 3 Conferncia Pan-Americana.Cdice: 273/3/15, 4 Conferncia Pan-Americana (1910). Histrico da 4 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/16, 5 Conferncia Pan-Americana (1923). Histrico da 5 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/17, 6 Conferncia Pan-Americana (1928). Histrico da 6 Conferncia Pan-Americana. 59 Percebemos pela anlise dos documentos que as reunies preparatrias que tiveram trabalhos mais extensos foram a da 3 Conferncia Pan-Americana. Cdice: 273/3/10, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Histrico da 3 Conferncia Pan-Americana.
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rbita da poltica dos Estados Unidos. Essa influncia fez-se bem sentir no nmero e composies das Comisses da Conferncia. 60
Entre os recortes de jornais61 selecionados pelos delegados brasileiros presentes na
Segunda Conferncia, foi-nos possvel analisar um trecho do peridico El Pas, do Mxico,
que continha um artigo indicando que os EUA tinham medo de perder seu prestgio no
continente, pois eram acusados de controlar os foros de discusso de assuntos comuns dos
pases americanos. Para enfrentar tal problema, o jornal afirmava que os EUA faziam uma
campanha no intuito de recobrar seu prestgio e desvanecer os temores e as desconfianas,
angariando simpatias e restabelecendo a poderosa influncia que indubitavelmente gozavam
em algumas naes, principalmente nos pases hispano-americanos da Amrica Central62.
Ademais, em muitos recortes de jornais estadunidenses (selecionados pelos diplomatas
brasileiros) que tratavam do pan-americanismo e que contavam com a participao de
delegados e funcionrios do governo norte-americano em seus editoriais, pode-se perceber, de
forma recorrente, o uso da expresso os pases ao sul de ns, seja nos jornais controlados
por democratas ou por republicanos63. Ao Sul, segundo a perspectiva de alguns desses jornais,
estariam os pases que compunham o resto da Amrica64. Essa situao parece que se deve
a dois grandes fatores. O primeiro seria um desinteresse dos estadunidenses em diferenciar os
pases abaixo da fronteira, em buscar as especificidades de cada nao; o segundo seria o
interesse em formar um bloco, entendendo que os pases ao sul de ns eram essencialmente 60 Cdice: 273/3/6, 2 Conferncia Pan-Americana (1901-1902). Carta enviada ao Ministro das Relaes Exteriores - Olyntho de Magalhes de Jos Hygino Duarte Pereira (delegado do Brasil Relatrio sobre o incio, desenvolvimento, organizao e resumo dos acontecimentos da 2 Conferncia (ndice: Remessa de atas e discursos, 1 seo, n 1 (11-12-1901). 61 Uma parte muito interessante das fontes contm recortes de jornais, pois os delegados eram obrigados a prestar relatrios sobre as Conferncias aos seus chanceleres. A maior parte desses recortes apresenta trechos dos principais jornais dos pases que participaram das Conferncias, pois o Itamaraty entendia ser importante estar a par do que os jornais escreviam antes, durante e depois das Conferncias Pan-Americanas. 62 Cdice: 273/3/7, 2 Conferncia Pan-Americana (1901-1902). Recorte de jornal El Pas, Documentos n 1, n 2, n 3. 63 Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Jornal New York Harold de 30 de Agosto de 1890. 64 Cdice: 273/3/5, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Jornal Columbus de 29 de Outubro de 1889; jornal Gazette de 27 de Janeiro de 1890; jornal Inter Ocean de 19 de Abril de 1890; jornal Washington Post de 31 de Julho de 1890; jornal New York Tribune de 23 de Julho de 1890, jornal New York World de 16 de Agosto de 1890 e jornal New York Tribune de 5 de Setembro de 1890. Outras expresses similares tambm so utilizadas pelos jornais como, por exemplo, os pases ao sul do Rio Grande.
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agrrios, incivilizados, com um passado colonial muito aproximado, pases perfeitos para
escoar a produo industrial norte-americana atravs dos tratados de reciprocidade comercial.
Nos recortes de jornais, descreve-se o outro (o restante da Amrica) em termos de um dficit
ou vcuo perene, e atribui-se sentido ao papel civilizatrio dos norte-americanos na regio65.
importante observar que a construo de uma imagem superior dos
estadunidenses, carregada de civilizao66 e nica no continente capaz de concorrer com a
Europa, no foi uma idia construda apenas pelos norte-americanos, pois o Brasil teve um
grande exemplo de diplomata americanfilo que se destacou na Terceira Conferncia Pan-
Americana: Joaquim Nabuco. Sem dvida, o discurso mais entusiasta proclamado na
Conferncia do Rio de Janeiro foi o de Joaquim Nabuco, como se pode observar no trecho a
seguir:
Esta a primeira vez que um Secretrio de Estado Americano visita oficialmente naes estrangeiras, e alegramo-nos ter sido essa a primeira visita reservada para a Amrica Latina. Vs encontrareis em toda ela a mesma admirao pelo vosso grande pas, cuja influncia no adiantamento da cultura moral, da liberdade poltica, do direito internacional, j comeou a contrabalanar a do resto do mundo. Com essa admirao encontrareis tambm o sentimento de que no vos podereis elevar sem levantardes convosco o Continente todo e de que em tudo que realizardes ns teremos nossa parte de progresso.67
65 Para Ricardo Salvatore: Mais do que ter sido guiado por uma nica lgica, o encontro ps-colonial produziu uma massa de representaes repartidas em discursos sobre os outros e a misso que competiam entre si. As razes para um imprio informal confrontavam argumentos de interesses econmicos, de benevolncia, de reforma moral, de conhecimento e de interesses nacionais. Similarmente, vrios produtores textuais (pertencentes a distintas comunidades interpretadoras ou profissionais) elaboraram vises competitivas da Amrica do Sul [bem como do restante da Amrica]. A regio era imaginada ou como um grande mercado em potencial, ou como um impressionante experimento de misturas raciais e de republicanismo, ou como alvo para a colonizao missionria, como uma reserva de evidncias para as cincias naturais, ou, ainda, como um local para a regenerao da humanidade, e por a vai. SALVATORE, Ricardo D. The Enterprise of Knowledge: Representational Machines of Informal Empire. In LEGRAND, Catharine C.; SALVATORE, Ricardo D. (orgs.). Close Encounters of Empire: Writing the Cultural History of. U.S. Latin American Relations. Durham: Duke University Press, 1998, p.71. 66 Segundo Ricardo Salvatore: Trs argumentos sobre a Amrica do Sul constituem o legado dos primevos encontros textuais feitos por norte-americanos. Um deles foi a disposio em ver a Amrica do Sul como um lugar que estava como que numa infncia perptua, incapaz de alcanar a maturidade poltica necessria para sustentar governos democrticos e estveis. Outro motivo era aquele relacionado com a mistura racial atpica da regio, algo que era apresentado como uma grande diferena em comparao com a Amrica do Norte. O terceiro argumento era uma preocupao com o atraso econmico e a falta de civilizao da regio, sendo esses predicados dos outros dois argumentos (instabilidade poltica e miscigenao). Id., 1998, p.74. 67 Cdice: 273/3/4, 3 Conferncia Pan-Americana (1906). Discurso de Joaquim Nabuco (Ata da Sesso Solene - 31.07.1906).
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Destacam-se tambm, nas outras Conferncias estudadas, muitos discursos em defesa
da nao norte-americana, tanto assim que em todas as aberturas das assemblias sempre seus
presidentes convidavam para discursar na sesso inaugural os presidentes da delegao
estadunidense. Dentro dessa linha, na Conferncia do Rio de Janeiro, alm dos discursos
inflamados de Joaquim Nabuco, a Delegao do Mxico props que a Conferncia celebrasse
uma sesso especial para receber Elihu Root, Secretrio de Estado dos Estados Unidos.68
Ainda nessa mesma Conferncia, o governo brasileiro mudou o nome do Palcio Brasil para
Palcio Monroe, e nesse local celebrou-se a primeira sesso e o encerramento da Terceira
Conferncia Pan-Americana69.
Essa imagem de superioridade norte-americana entrava diretamente em conflito com
os ideais pan-americanos promovidos pelas Conferncias, os quais pregavam a busca por um
passado comum70, ou seja, a procura por caractersticas comuns a todas as naes da
Amrica:
a Amrica tem interesses especiais e vnculos mais
[Nesta reunio] se cultivaro e fortalecero de novo as simpatias que nos inspiraram mutuamente, a comunidade j seja da lngua e de raa, j seja de instrues polticas, hoje substancialmente idnticas nas naes deste hemisfrio, (...) [com] a pretenso de formar um mundo a parte, (...) [assim ns] nos
ermitiremos reconhecer quepestreitos entre seus habitantes, com menos complicaes internacionais para alcanar o bem dos povos.71
Reutilizando as idias de Bolvar, na dcada de 1880, a respeito da unio dos pases
americanos, os EUA fizeram ressurgir a Doutrina de Monroe aps terem resolvido seus
68 Cdice: 273/3/11, 3 Conferncia Pan-americana (1906). Proposta da Delegao do Mxico Presidncia da 3 Conferncia, em 23.07.1906. 69 Cdice: 273/3/14, 3 Conferncia Pan-americana (1906). Discurso no banquete oferecido pelo governo brasileiro para os representantes dos Estados Unidos. 70 Vale ressaltar que essa tentativa de construo de um passado comum rumo a um futuro em conjunto s foi possvel depois que o Brasil se tornou uma repblica, pois o Imprio brasileiro muito se afastava das possibilidades de unio do continente. Salvador de Mendona (delegado brasileiro da Primeira Conferncia), em 1890, enfaticamente afirma que: talvez questo de raa, mas para ns sentimento quer dizer muito, e a bssola no Brasil desde meados de novembro passado aponta numa direo diversa da que apontava antes; o nosso norte agora procurado por um meridiano alguns graus a oeste do antigo meridiano seguido e perdido com o Imprio. Cdice: 273/3/4, 1 Conferncia Pan-Americana (1889-1890). Histrico da 1 Conferncia Pan-Americana. 71 Cdice: 273/3/6, 2 Conferncia Pan-Americana (1901-1902). Carta do Secretrio das Relaes Exteriores do Mxico, I. Mariscal, de 15 de agosto de 1890 enviada ao Ministro das Relaes Exteriores do Brasil, Olyntho Magalhes.
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conflitos internos com o fim da Guerra de Secesso. Desse modo, a idia que constituiu a base
dessa Doutrina, sofreu vrias transformaes e passou a justificar o papel hegemnico dos
Estado
una quanto s aes imperialistas dos EUA,
proclam
ericanas nos pases da Amrica Latina que colocaram em
xeque a
sor
do pan-
s Unidos sobre as outras partes do continente72.
Assim, para divulgar o pan-americanismo, os EUA promoveram, na imprensa dos
pases latino-americanos, a propaganda da Doutrina Monroe, tentando ao mesmo tempo
disseminar suspeitas s polticas coloniais de algumas potncias europias. Essa campanha
teve como meta distrair a ateno inoport
ando-os os protetores da Amrica73.
E, embora as Conferncias Pan-Americanas lideradas pelos EUA pregassem a paz e a
harmonia entre as naes do continente e a Doutrina de Monroe, na sua primitiva
interpretao, fosse contrria s disputas entre as naes americanas, houve uma srie de
anexaes e intervenes norte-am
proposta pan-americana.
Em funo do que foi mencionado acima, parece-nos que reinava um conflito entre a
intelectualidade latino-americana quanto ao modo de se interpretar a doutrina de Monroe e o