UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
TESTE DE MEMÓRIA DE RELATOS:
ELABORAÇÃO DE UM INSTRUMENTO PARA SELEÇÃO DE POLICIAIS
Luciene Luiza Rezende
BRASÍLIA - 2006
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
TESTE DE MEMÓRIA DE RELATOS:
ELABORAÇÃO DE UM INSTRUMENTO PARA SELEÇÃO DE POLICIAIS
Luciene Luiza Rezende
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília, como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre em Psicologia.
Orientador: Luiz Pasquali
Brasília - 2006
2
BANCA EXAMINADORA
______________________________
Prof. Luiz Pasquali, Docteur
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Presidente
______________________________
Prof. Gerson Janczura, Ph.D
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Membro
______________________________
Prof. Carlos Alberto Bezerra Tomaz, Ph.D
Instituto de Biologia - Universidade de Brasília
Membro
______________________________
Prof. Jacob Laros, Ph.D
Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília
Suplente
3
AGRADECIMENTOS
A primeira pessoa a quem quero agradecer é na verdade não uma pessoa, um anjo:
Aldi Roldão. Esse anjo foi quem me ajudou durante todo o mestrado. Desde antes de me
tornar uma aluna regular do curso, você tem tido a boa vontade de me ajudar em tudo que
precisei. Foi você quem tornou este trabalho possível, porque sua generosidade foi tamanha
que me deu de presente a idéia inicial - a de construir um teste de memória de relatos. Você
também foi a pessoa que pegou na minha mão e me “obrigou” a continuar o curso, quando
eu não via mais a possibilidade de prosseguir. Aldi, obrigada por ser essa pessoa sempre
disposta a ajudar. Se esse trabalho foi concluído, eu preciso pedir licença a todas as outras
pessoas que merecem meu carinho e agradecer primeiramente a você. Valeu mesmo.
Ao professor Luiz Pasquali, por se dispor a compartilhar seus conhecimentos, pelas
orientações e pelas brincadeiras que transformaram momentos tensos em descontraídos.
Ao professor Gerson A. Janczura, pela paciência nas muitas orientações
brilhantemente prestadas e pelo entusiasmo com que tratou o meu trabalho. Sua ajuda foi
fundamental para a qualidade desse trabalho. Obrigada pelos comentários elogiosos que
fizeram parte de todas as reuniões que fizemos, afinal, elogios vindos de um profissional de
sua importância são um incentivo e tanto!
Ao professor Jacob A. Laros por se mostrar sempre disponível para colaborar.
Obrigada pelas muitas orientações sobre procedimentos estatísticos que contribuíram
muitíssimo para as análises do teste e para meu aprendizado.
4
Ao professor Carlos A. B. Tomaz, pela gentileza de se dispor a compor a banca
examinadora e pelas sugestões realizadas.
Aos meus irmãos, Camila, Marcos Aurélio, Paulo Henrique e Rialdo Luiz, que
torceram muito por mim e sempre me ajudaram, e aos meus pais, Rialdo Camargo e
Dalgina, guerreiros que sempre foram e sempre serão um modelo a ser seguido. Vocês
fizeram todo o possível para meu sucesso e são muito, muito, muito especiais.
Ao amigo Sandro pela ajuda com o francês, à amiga Adriana pela ajuda na
elaboração de perguntas sobre história e geografia que fizeram parte da 1ª versão do teste,
às amigas Renata e Marília, pela ajuda com a análise semântica, à amiga Verusca pelas
inúmeras e sempre muito frutíferas discussões e à amiga mais colega do mundo, Heloísa,
pela força no dia-a-dia, pela atenção que dispensou ao meu trabalho, pelas críticas
construtivas e pelas revisões gramaticais, às amigas Aline e Karina pelos incentivos.
Vocês, meus amigos lindos, além de todos os outros amigos que me apoiaram, são uma
inesgotável fonte de força e de alegria na minha vida. Amo muito vocês todos. Obrigada
por tudo.
À amiga Simone, por ter acreditado, por ter colaborado com as análises semânticas,
por sempre ter me dado força e por todas as dicas que precisei. Você é muito especial.
Valeu, Si!
Aos alunos de pesquisa Bruno, Denise, Eduardo e Graziela, pelo trabalho, pelas
ricas discussões e pela seriedade com o qual encararam as tarefas da pesquisa. Vocês foram
ótimos.
Aos colegas Raquel, Silvana, Aldair e principalmente José Horácio, por se
disporem a ajudar como sujeitos em pilotos em primeiríssima mão.
5
À Polícia Civil do DF, por ceder o espaço para coleta de dados e por toda a ajuda que
me dispensaram. Obrigada.
A todos os meus chefes, por sua paciência e tolerância com aquela que se desdobrou
para cumprir suas obrigações laborais e acadêmicas.
Aos participantes que colaboraram nesta pesquisa e a todos os professores que
cederam espaços em suas aulas para que as aplicações do teste fossem possíveis.
A todos os meus professores, que me ensinaram o valor do conhecimento, o valor do
idealismo, que me fizeram gostar de aprender e me ensinaram o valor da pesquisa.
Rafa, meu amor lindo, pela ajuda com o inglês, pelos momentos felizes e por ser uma
motivação na busca para ser uma pessoa melhor. Obrigada, meu amor.
Aos meus amados bebês, Guto e Belle, pelo carinho diário, por terem sido
companheiros incondicionais e por me acalmarem e me divertirem em todos os momentos,
principalmente nos difíceis. Vocês deram um colorido muito especial na minha vida.
A Deus, que me proporcionou todas as condições para realização deste estudo,
inclusive colocando todas essas pessoas maravilhosas no meu caminho.
6
RESUMO
Considerando o contexto policial, construiu-se um teste psicológico para medir
memória de relatos. As bases teóricas que embasaram a construção do teste foram o
Paradigma do Falso Testemunho, teoria estudada no contexto criminológico, e a literatura
sobre Representações Baseadas no Significado. O teste construído é composto de um relato
de uma história, que os sujeitos deveriam memorizar, para posteriormente responder a itens
referentes àquele relato, numa avaliação do tipo reconhecimento, ou seja, julgamento dos
itens em termos de verdadeiro ou falso. Os itens elaborados foram submetidos à análise de
juízes, avaliação semântica e em seguida foram aplicados a 319 sujeitos. Os dados
coletados foram submetidos à análise estrutural e foram encontrados dois componentes:
memória e inferência. O KMO foi 0,81 e os alfas de Cronbach foram, respectivamente,
0,83 e 0,66. Também foi realizada uma análise de regressão utilizando o método enter para
cada um dos componentes, levando-se em conta os dados das variáveis demográficas e de
autopercepção coletados. Os resultados mostram uma correlação negativa significativa
entre os componentes memória e inferência e a variável autopercepção geral da memória.
Palavras chave: teste psicológico, memória de relatos, inferência.
7
ABSTRACT
Considering the police context, a psychological test was built to measure memory of
reports. The theoretical basis for the tests` construction were the Eyewitness Testimony
Paradigm, which was analised on a criminological context, and the Meaning Based
Representation literature. According to the test, after the narration of a story, the subjects
should answer some questions about what they heard, on an avaliation sort as recognition,
that is, judging the itens only as right or wrong. All the itens were submitted to judges`
analysis, semantics evaluation, and then applied to 319 subjects. The collected data was
submited to a strutural analysis and two components were found: memory and inference.
The KMO was 0,81 and the alphas of Cronbach were, respectively, 0.83 and 0.66. A
regression analysis was also realized to each of the components using the enter method.
The predictive variables were the elements collected from demographical variables and
self perception. The results showed a negative and significant correlation between the
components memory and inference and the variable of general self perception of memory.
Key words: psychological test, memory of reports, inference.
8
ÍNDICE
BANCA EXAMINADORA ................................................................................................................................ 3
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................................................... 4
ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................................................... 11
........................................................................................................................................................................... 11
ÍNDICE DE TABELAS .................................................................................................................................... 12
MARCO TEÓRICO ......................................................................................................................................... 13
A-INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 13 1 Seleção de Pessoal ................................................................................................................................. 14 2 A Importância da Seleção de Pessoal para o Cargo Policial ................................................................ 16
B- MEMÓRIA ................................................................................................................................................ 18 1 Conceituação Geral ............................................................................................................................... 18 2 Representações Baseadas no Significado .............................................................................................. 23 3 Representações Proposicionais .............................................................................................................. 24 4 Formas de Avaliação da Memória ......................................................................................................... 25 5 Inferência .............................................................................................................................................. 26
OBJETIVO DO ESTUDO ............................................................................................................................... 35
MÉTODO .......................................................................................................................................................... 36
1 O Teste de Memória de Relatos ............................................................................................................. 36 2 Entrevista com Grupo Focal .................................................................................................................. 38 3 Primeira Versão do Instrumento ............................................................................................................ 40 4 Segunda Versão do Instrumento ............................................................................................................ 43 4.1 Forma A e Forma B do Teste .............................................................................................................. 44 4. 2 Tipos de respostas .............................................................................................................................. 46 4.3 Análise Teórica dos Itens .................................................................................................................... 47 4.3.1 Análise Semântica ............................................................................................................................ 47 4.3.2 Análise dos Juízes ............................................................................................................................. 48 4.4 Construção do Gabarito ...................................................................................................................... 48 4.5 Padronização das Informações Auditivas ........................................................................................... 49 7 Estrutura do Teste .................................................................................................................................. 50 7.1 Instruções Iniciais ............................................................................................................................... 50 7.2 História ................................................................................................................................................ 51 7.3 Tarefa interpolada ............................................................................................................................... 52 7.4 Instruções finais .................................................................................................................................. 54 7.5 Folha de respostas .............................................................................................................................. 55 7.6 Resultados da 2ª Versão do Instrumento ............................................................................................. 55 8 Terceira versão do instrumento ............................................................................................................. 56
RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................................................... 57
1 Características da Amostra .................................................................................................................... 57 2 Análise da Estrutura do Instrumento ..................................................................................................... 58 2.1 Extração de Dois Componentes .......................................................................................................... 62 3 Fidedignidade do Instrumento ............................................................................................................... 65
9
4 Análise dos Escores dos Sujeitos em cada Componente ........................................................................ 65 5 Tempo de Realização do Teste ............................................................................................................... 67 6 Análise de Regressão ............................................................................................................................. 67 7 Tabela de Normas ................................................................................................................................. 70
CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 72
LIMITAÇÕES DO ESTUDO .......................................................................................................................... 78
COMENTÁRIOS FINAIS ............................................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 82
10
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1. MODELO REPRESENTANDO O PERCURSO NECESSÁRIO DE UMA INFORMAÇÃO ATÉ A MEMÓRIA DE LONGO PRAZO, SEGUNDO A TEORIA DOS MÚLTIPLOS ARMAZENAMENTOS................................................................................................................................... 21
FIGURA 2. DISTRIBUIÇÃO DA DIFICULDADE DOS ITENS, NA PRIMEIRA VERSÃO DO INSTRUMENTO. ............................................................................................................................................ 42
FIGURA 3. COMPARAÇÃO DOS SCREE-PLOTS QUANDO ELIMINADOS OS ITENS COM CARGA BAIXA. A FIGURA DA ESQUERDA REPRESENTA A ANÁLISE COM TODOS OS 53 ITENS DO TESTE E A FIGURA DA DIREITA, A ANÁLISE ELIMINANDO OS ITENS COM CARGAS BAIXAS. ......................................................................................................................................... 63
FIGURA 4. DISTRIBUIÇÃO DOS ESCORES DOS COMPONENTES MEMÓRIA E INFERÊNCIA. ............................................................................................................................................................................ 66
11
ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1. FREQÜÊNCIA DAS PREFERÊNCIAS DE 65 SUJEITOS QUANTO ÀS VOZES APRESENTADAS............................................................................................................................................ 50
TABELA 2. AMOSTRA PARA A VALIDAÇÃO DO TESTE DE MEMÓRIA DE RELATOS (N = 319).....................................................................................................................................................................58
TABELA 3. EIGENVALUES EMPÍRICOS E ALEATÓRIOS DOS PRIMEIROS DEZ COMPONENTES.............................................................................................................................................59
TABELA 4. EIGENVALUES E PORCENTAGEM DE VARIÂNCIA EXPLICADA DOS.................... 60
TABELA 5. MATRIZ COMPONENCIAL DO TESTE DE MEMÓRIA DE............................................64
TABELA 6. DISTRIBUIÇÃO DE FREQÜÊNCIA DOS ESCORES DOS COMPONENTES DO INSTRUMENTO. ............................................................................................................................................ 66
TABELA 7. AUTOPERCEPÇÃO DE MEMÓRIA DOS SUJEITOS (N = 319)........................................68
TABELA 8. RESULTADOS DA ANÁLISE DE REGRESSÃO MÚLTIPLA PARA O COMPONENTE MEMÓRIA. ......................................................................................................................................................69
TABELA 9. RESULTADOS DA ANÁLISE DE REGRESSÃO MÚLTIPLA PARA O COMPONENTE INFERÊNCIA. .................................................................................................................................................69
TABELA 10. NORMAS PARA O TESTE DE MEMÓRIA.........................................................................71
12
MARCO TEÓRICO
A-INTRODUÇÃO
Existe uma diversidade de tipos de memória, cada uma delas geradas por mecanismos
biológicos diferentes. Aparentemente, a função policial exige desse servidor, todos os tipos
de memória. Entretanto, há um tipo de memória que, além de imprescindível, parece ser o
mais freqüentemente utilizado nessa atividade: a memória de relatos. A memória de relatos
seria a que armazena uma seqüência de informações que obedece a uma lógica cronológica,
fornecidas por estímulo verbal. Esse processo mnemônico encontra diversas nomenclaturas
na literatura, tais como “memória de materiais linguísticos” (Brewer, 1977); “memória
semântica” (Anderson, 1974), “memória do discurso” ou “memória de sentenças”
(Barsalou, 1993).
O estudo da profissiografia do cargo de agente de polícia da Polícia Civil do DF
demonstrou que a memória de relatos é uma característica desejável para o bom
desempenho dessa função (Cabral, 2004). De acordo com esse estudo a importância da
memória de relatos se torna mais evidente nas atividades de “Investigação de Delitos” e
atividades relacionadas ao “Dever Funcional”, ou seja, participação em eventos ou fóruns
para os quais o policial tenha sido convocado. Essas atividades exigem que o policial
recorde relatos e que os reproduza fielmente em seus relatórios ou testemunhos, que se
tornam peças fundamentais para o trabalho judiciário e a manutenção da justiça.
Evidentemente, a reprodução dos diversos relatos colhidos deve, além de atentar para os
13
detalhes, não distorcer as informações recebidas. Pela proximidade existente nas atividades
dos diversos tipos de policiamentos existentes, polícia civil, militar e federal, funções nas
quais freqüentemente existe a reprodução de relatos de partes envolvidas em delitos,
entende-se que a memória de relatos seria importante em todas as funções policiais.
No Brasil existem apenas dois testes com parecer favorável do Conselho Federal de
Psicologia que medem memória: o TMV -Teste de Memória Visual, do Laboratório de
Pesquisa em Avaliação e Medida – LabPam e o TEMPLAM– Teste de Memória de Placas
para Motoristas, integrante da Bateria BFM2, Bateria de Funções Mentais para Motoristas,
da Casa do Psicólogo. Os dois testes mencionados não avaliam memória de relatos. Além
disso, também não existem no Brasil instrumentos específicos para seleção dos cargos de
policiais.
1 Seleção de Pessoal
Uma boa seleção permite que empresas contratem pessoas que têm mais
probabilidade de desempenharem adequadamente suas funções e evita que dispensem
tempo e dinheiro investindo em treinamento de pessoas que, em curto prazo, se mostrarão
inadequadas para o cargo e serão dispensadas ou abandonarão sua função por não conseguir
desempenhá-la satisfatoriamente. Nesse sentido, um dos benefícios indiretos mais evidentes
de uma boa seleção de pessoal é a economia monetária que fazem as empresas que a
utilizam.
14
As empresas aumentam seu ganho ao selecionar as pessoas com características
psicológicas mais adequadas para desempenho do cargo e, ao mesmo tempo, evita o
desperdício investindo nas pessoas com menos probabilidade de bom desempenho da
função. Dessa forma, a sociedade economiza indiretamente. Isso porque os gastos de uma
empresa são contabilizados nos valores finais de seus produtos ou serviços e, assim, é a
sociedade quem paga, indiretamente, pelos gastos com contratações aleatórias de
empregados.
Embora os benefícios financeiros da seleção de pessoal sejam os mais aparentes e
mais imediatos, não se deve pensar que esse é o único ou principal objetivo dessa atividade.
Selecionar trabalhadores com traços psicológicos compatíveis com as características e
exigências de cada cargo aumenta a probabilidade de satisfação no desempenho do
trabalho, elevando a motivação e o crescimento pessoal na organização.
Além de promover, indiretamente, o bom funcionamento de toda uma instituição,
uma seleção de pessoal adequada também é uma forma de salvaguardar o indivíduo de um
cargo cujas tarefas sejam desestruturantes para suas características psicológicas. Nesse
sentido, realizar uma seleção de pessoal adequada se torna um compromisso ético com o
cidadão e com a sociedade.
Embora sejam evidentes os benefícios da realização de uma boa seleção de pessoal,
nem sempre é assim que a sociedade enxerga essa atividade. A sociedade entende a
avaliação psicológica como um momento específico e curto demais para se tirar conclusões
sobre uma complexidade “inavaliável”, em sua concepção.
Freqüentemente ouvem-se comentários colocando em dúvida a validade da seleção de
pessoal. Não faltam também comentários que associam a seleção de pessoal a uma
avaliação psiquiátrica, cujo objetivo seria avaliar a sanidade mental dos candidatos. Este
15
último tipo de pensamento parece ser o mais danoso, visto que não ser recomendado para
determinado cargo fica associado a uma fantasiosa e notoriamente discrepante condição de
“loucura” do candidato, gerando raiva e indignação.
Uma das maiores fontes das concepções errôneas a respeito da avaliação psicológica
seria a falta de informação da sociedade. Entretanto, a população de modo algum deveria
ser responsável por conhecer os valores de uma atividade, que, de acordo com a Lei Federal
n. 4119/62 (Conselho Federal de Psicologia, 2006), é uma atividade técnica e restrita aos
psicólogos.
Uma melhor formação em avaliação psicológica dos graduandos em Psicologia, a
construção e utilização de instrumentos mais adequados para este fim, uma comunicação
mais clara entre entidades representantes da profissão e a sociedade, além de constantes
discussões sobre a ética na profissão, são atitudes que devem minimizar o pensamento
errôneo da população quanto à avaliação psicológica e à Psicologia enquanto profissão.
Isso se torna, portanto, uma obrigação de cada profissional e principalmente dos
especialistas da área.
2 A Importância da Seleção de Pessoal para o Cargo Policial
Apesar da deturpada visão da sociedade, a seleção de pessoal tem demonstrado cada
vez mais a sua importância, garantindo seu espaço nas empresas e até mesmo em concursos
públicos. O valor da seleção se mostra ainda mais evidente quando se trata de cargos
16
extremamente estressantes, visto que exigem um processo seletivo ainda mais cuidadoso,
como é o caso da função policial.
O aumento constante do comportamento violento da sociedade, que tem implicações
diversas em diferentes esferas, exige cada vez mais uma força repressora e preventiva de
qualidade para o combate à violência. De acordo com a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a força preventiva da violência é desempenhada pela Polícia
Militar e a força repressora é incumbência das Polícias Civil e Federal. Assim, a Polícia, de
forma geral, possui a responsabilidade de prestar um serviço de qualidade à população,
prevenindo o crime, reprimindo-o e ainda garantindo o respeito e o tratamento cordial aos
populares.
A literatura mostra que a profissão policial é uma das mais estressantes (Anchieta &
Galinkin, 2005; Brito & Souza, 2004; Vasconcelos, 2000). Isso gera uma maior
responsabilidade da seleção de pessoal, visto que esse tipo de trabalho pode ser demasiado
estressante para a maioria da população. A incompatibilidade das características de
personalidade do trabalhador com suas atividades laborais gera sofrimento para o cidadão e
seus entes, ou até mesmo conseqüências irreversíveis, como é o caso daqueles policiais que
põem fim a suas vidas e (ou) de outros. Ocorre que, na maioria das vezes, a profissão
policial é o meio de sobrevivência econômica de seus servidores e suas famílias,
implicando uma resistência natural em abandonar o cargo, ainda que gere uma notória
condição de sofrimento para o trabalhador. Cabe à seleção de pessoal identificar o
candidato com potencial para a inadequação ao cargo e impedi-lo de ingressar na
instituição, para sua própria segurança e de seus pares.
Diante de tanta responsabilidade da seleção de pessoal com o cargo de policial, é
natural a preocupação dos especialistas em avaliação no sentido de aperfeiçoar essa técnica.
17
Por conseguinte, legítimos são os esforços para tornar a seleção para esse cargo mais
específica e, portanto, mais eficiente.
Uma medida que pode aumentar a eficácia e a precisão da seleção de pessoal é a
utilização de instrumentos de medida construídos especificamente para o cargo que se
deseja avaliar. De acordo com Pasquali (2001), existem poucos testes psicológicos
construídos especificamente para serem utilizados em seleção de pessoal. Até o presente,
não existem testes específicos para a função policial. Diante dessa escassez e da
importância já descrita de se aperfeiçoar a seleção de policiais, observa-se a necessidade da
construção de instrumentos de medidas para avaliar construtos psicológicos característicos
da função policial, construídos de acordo com a realidade dessa função, respeitando as
especificidades e peculiaridades do contexto dessa profissão, como é o caso do Teste de
Memória de Relatos, proposto neste trabalho.
B- MEMÓRIA
1 Conceituação Geral
Todos os dias recebemos inúmeras informações, as quais são selecionadas (de forma
consciente ou não) para serem armazenadas ou descartadas. Esse procedimento de
armazenamento de informações que possam ser recuperadas e utilizadas posteriormente é
chamado de memória.
18
Há relatos de que o interesse pela memória exista desde os gregos, mas foi o jovem
filósofo Hermann Ebbinghaus o primeiro cientista a estudá-la experimentalmente, em 1885
(Schacter, 2003). Ao estudar sua própria memória, Ebbinghaus descobriu que a maior parte
do esquecimento ocorre em períodos recentes ao acontecimento e que depois vai
diminuindo, o que foi denominado de curva do esquecimento. A curva gráfica do
esquecimento foi comprovada por pesquisas mais recentes até mesmo fora do laboratório,
mostrando-se uma representação da estrutura básica da relação entre a passagem do tempo
e a memória (Slamecka, 1985).
De acordo com Lent (2001), há uma seqüência de eventos nos processos
mnemônicos. O primeiro deles é a aquisição, que corresponde à entrada de uma
informação qualquer nos sistemas neurais ligados à memória. Em seguida, há uma seleção
dos eventos mais importantes para a cognição, ou mais marcantes para a emoção, ou mais
focalizados pela atenção, ou mais fortes sensorialmente, ou priorizados por critérios
absolutamente desconhecidos. Posteriormente acontece a retenção da memória, processo
pelo qual as informações selecionadas ficam disponíveis para serem lembradas, podendo
durar de alguns milisegundos a vários anos.
A capacidade de retenção varia de indivíduo para indivíduo, bem como de situação
para situação. Contudo, sabe-se que, para alguns sistemas de memória, a capacidade de
retenção é finita e parece não ultrapassar um pequeno número de itens de cada vez. Para
outros sistemas a capacidade é praticamente infinita (Lent, 2001).
Algumas informações permanecem na memória prolongadamente ou
permanentemente, o que é possibilitado pelo processo de consolidação.
Por fim, existe a evocação, também chamada de lembrança ou recuperação, que é o
processo mneumônico que permite o acesso à informação que foi armazenada e sua
19
utilização mentalmente na cognição e na emoção, ou para expressá-la por meio de um
comportamento.
A memória pode ser divida em tipos e subtipos que são, inclusive, operados por
mecanismos e bases neurais diferentes. De acordo com Lent (2001), a memória pode ser
classificada quanto ao tempo de retenção em: memória ultra rápida ou memória
sensorial, que dura apenas milisegundos; memória de curta duração, com retenção de
segundos e com a função de possibilitar a continuidade do nosso sentido do presente; e
memória de longa duração, com retenção mais prolongada, podendo durar dias, semanas,
anos ou a vida toda.
De acordo com a literatura (Nelson, 1971), para que a evocação seja de longo e não
de curto prazo, é necessário um lapso temporal de 30 segundos entre a apresentação do
estímulo e a recordação. Isso é verdade, porém, se durante esse lapso temporal o indivíduo
desvia sua atenção do estímulo a ser recordado. Se, por outro lado, o indivíduo reproduz
mentalmente o estímulo apresentado, esse fator impede que as informações recebidas sejam
enviadas para a memória de longo prazo, mas, ao contrário, reforçam a memória de curto
prazo.
No que se refere à memória de curta duração, ou memória de curto prazo, como é
mais conhecida, Anderson (2004) explica que nos anos 60 essa teoria foi muito importante
para a história da Psicologia cognitiva. De acordo com essa teoria, as informações
provindas da memória sensorial, conforme obtivessem atenção, iam para uma memória de
curto prazo intermediária na qual deveriam ser repetidas para que pudessem passar para
memória de longo prazo. Dessa forma, a teoria da memória de curto prazo propunha um
percurso necessário pelo qual passariam as informações, o qual é representado na figura 1.
20
Figura 1. Modelo representando o percurso necessário de uma informação até a memória de longo prazo, segundo a teoria dos múltiplos armazenamentos.
Com o avanço das pesquisas, no entanto, foi proposto que não importava o tempo que
a informação era retida, mas sim a profundidade com que era processada (Craik &
Lockhart, 1972, conforme citado por Anderson, 2004). Dessa forma, a repetição poderia até
promover um melhoramento da memória, contanto que a informação fosse repetida de
maneira profunda e significativa. Essa teoria, chamada de profundidade de processamento,
quebrou a crença de que havia um caminho intermediário necessário para a informação
chegar à memória de longo prazo, sendo uma das causas que levou à queda da teoria da
memória de curto prazo.
Ainda que não exista uma passagem obrigatória da informação por uma estação
intermediária antes de continuar seu percurso à memória de longo prazo, permanecem as
observações de que existe um limite para a quantidade de informações que as pessoas
podem repetir em um determinado momento. Essas informações seriam guardadas na
memória de trabalho. A memória de trabalho, em oposição à memória de curto prazo, é
uma proposta de que possuímos um circuito de articulação o qual mantém tantas
informações auditivas quanto formos capazes de repetir em um período fixo (Baddeley
1986; Vallar & Baddeley, 1982, conforme citados por Anderson 2004). De acordo com
21
Memóriasensorial
Memóriade curto
prazo
Memóriade longo
prazoAtenção Repetição
Baddeley, podemos conservar durante cerca de 1,5 a 2,0 segundos o material repetido no
circuito de articulação. Baddeley acrescenta que também possuímos um esboço
visoespacial para a repetição de imagens. Dessa forma, o circuito de articulação e o esboço
visoespacial seriam dois sistemas intermediados por um executivo central para manter as
informações disponíveis na memória de trabalho.
Já quanto à natureza, a memória pode ser classificada em memória explícita ou
declarativa, memória implícita ou não declarativa.
A memória explícita contém as informações que podemos acessar conscientemente.
A memória implícita difere da explícita porque não temos consciência de termos tais
conhecimentos, embora eles se manifestem no bom desempenho de algumas tarefas.
A perda de informação da memória, ou esquecimento, é uma das questões mais
investigadas. De acordo com Altmann e Gray (2002), duas visões concorriam para explicar
o esquecimento, a da deteriorização e da interferência. A da deteriorização era uma visão de
que a informação desapareceria com o tempo, a menos que fosse constantemente ativada; e
a da interferência era o esquecimento causado por várias associações à informação a ser
lembrada. Altmann e Gray (2002) afirmam que a deterioração e a interferência são
funcionalmente relacionadas, ou seja, se uma informação se deteriora, isso vai interferir
menos em futuras aquisições de informações.
Para Anderson (2004) existem dois motivos que levariam ao esquecimento: ou a
informação desaparece de nossa memória, ou seja, a memória se perde; ou a informação
continua em nossa memória e não conseguimos acessá-la por algum motivo. Alguns
estudos de Nelson (1971, 1978) mostram que se for possível criar uma medida sensível o
suficiente, pode-se demonstrar que as memórias aparentemente esquecidas ainda
permanecem. Independente dessa discussão, o fato é que o esquecimento talvez
22
desempenhe uma função de extrema importância para impedir que haja uma sobrecarga nos
sistemas cerebrais da memória.
2 Representações Baseadas no Significado
A hipótese das representações baseadas no significado explica de que maneira as
informações mais importantes de um evento são armazenadas em nossa memória
(Anderson, 2004).
A literatura indica que nossa memória de comunicações verbais mostra-se melhor ao
recordar o significado de uma mensagem quando comparada com recordações das exatas
palavras de uma mensagem complexa (Anderson, 1974). Dessa forma, temos mais
facilidade para lembrar o essencial de um evento (memória do significado) e mais
dificuldade para guardarmos o que é específico (memória estilística). Lembrar-se do que é
essencial faz parte de um processo natural, enquanto que se lembrar de especificidades
requer uma atenção diferenciada para tais informações.
A retenção do significado é um fenômeno que também pode ser observado nas
informações visuais (Bower, Karlin & Duek, 1975; Gernsbacher, 1985; Mandler &
Ritchey, 1977).
23
3 Representações Proposicionais
A Psicologia Cognitiva utiliza diferentes tipos de sistemas de representações para
expressar o significado de frases e figuras, resumindo as informações mais importantes da
mensagem (Anderson, 2004). Uma dessas formas de representação, que é a mais
comumente utilizada, é a representação proposicional (Frederiksen, 1975; Kintsch, 1974).
O conceito de proposição é expresso por Anderson (2004) como sendo “a menor
unidade de conhecimento que se pode sustentar em uma asserção separada; ou seja, é a
menor unidade sobre a qual faz sentido fazer um julgamento de falso-verdadeiro” (p. 85).
Segundo esse autor, a análise proposicional representa a memória de sentenças complexas
em termos de unidades proposicionais simples e abstratas.
Kintsch (1974) propõe uma forma de representação proposicional, na qual cada
proposição é representada por relações e argumentos. Os argumentos geralmente são
representados por substantivos e referem-se a momentos, lugares, pessoas e objetos. As
relações geralmente são os verbos, adjetivos e outros termos relacionais. São as relações
que organizam os argumentos. De acordo com essa proposta, podemos analisar a seguinte
sentença:
Viviane, professora de uma escola exemplar, vai se casar em breve.
A decomposição da sentença acima produz as seguintes proposições:
A. Viviane é professora.
B. A escola na qual Viviane leciona é exemplar.
24
C. Viviane vai se casar em breve.
De acordo com a proposta de Kintsch (1974), representam-se as proposições da
seguinte forma:
A’. (Viviane, professora)
B’. (escola, Viviane, exemplar)
C’. (Viviane, casar, breve)
Deve ser salientado que as considerações dispostas sobre memória nesse trabalho não
pretendem abarcar todas as características e variáveis envolvidas no processo mnemônico.
Existem muitas outras variáveis a serem consideradas a respeito do construto memória,
embora descrevê-las fugiria aos objetivos deste trabalho.
4 Formas de Avaliação da Memória
Podem ser utilizadas diversas formas de testagem para avaliar memória, sendo as
mais freqüentemente utilizadas do tipo reconhecimento (memória de reconhecimento), do
tipo recuperação com pistas e do tipo recuperação livre (memória de evocação). No tipo
reconhecimento são dadas várias opções para o sujeito, dentre elas, aquela que corresponde
à informação original e sujeito escolhe dentre as alternativas, aquela que corresponde à sua
memória. Como exemplo pode ser citado um caso que acontece rotineiramente em
25
delegacias de polícia. Uma vítima reconhece, dentre várias pessoas com características
semelhantes, o seu agressor.
A avaliação do tipo recuperação com pistas seria quando a pessoa deve recuperar a
informação original livremente, ou seja, ela deve verbalizar espontaneamente, porém, com
a ajuda de uma pista. Já na recuperação livre seria o mesmo processo anterior, mas sem a
ajuda de uma pista. Um exemplo de recuperação livre seria uma pessoa narrando
livremente um fato qualquer que aconteceu com ela ou com outra pessoa.
Quanto ao nível de dificuldade de cada uma dessas formas de avaliação, o
reconhecimento seria o considerado mais fácil, seguido pela recuperação com pistas até
chegar ao mais difícil, a recuperação livre. A facilidade da memória de reconhecimento
pode ser explicada porque pode depender de um tipo de julgamento de familiaridade que
não exige a criação explícita de novos registros de memória (Glenberg, Smith & Green,
1977, conforme citado por Anderson, 2004).
5 Inferência
Uma outra característica da memória que deve ser mencionada diz respeito às
interferências que acontecem no processo de armazenamento de informações. O processo
mnemônico não é passivo como pode parecer. A literatura que estuda a memória de
sentenças complexas em detrimento daquela que estuda memória de palavras individuais
entende que, ao armazenarmos informações, integralizamo-as com outras informações que
já estão armazenadas, formando novas combinações sobre o evento original. Ao narrarmos
26
determinado fato, podemos fazê-lo sem nos darmos conta de que estamos narrando não o
evento original, mas sim uma mistura entre o evento original e muitas informações que
acreditamos que estavam presentes no evento original, mas não estavam.
Como mostra a teoria das representações baseadas no significado, nossa memória
funciona melhor para recordar o significado de uma mensagem. Quando não conseguimos
recordar determinada informação, podemos recordar fatos relacionados e assim, concluir a
informação que não conseguimos recordar. Narrar um fato inserindo conclusões, ainda que
plausíveis, é um processo natural e imperceptível para todos os seres humanos, chamado de
inferência. De acordo com o Novo Discionário Aurélio (1975), inferência vem do latim,
inferentia e possui os seguintes significados: “1.ato ou efeito de inferir, indução, conclusão.
2. Log. Admissão da verdade de uma proposição, que não é conhecida diretamente, em
virtude da ligação dela com outras proposições já admitidas como verdadeiras”. Já o
Dicionário Melhoramentos da Língua Portuguesa (1977) define inferência como “o ato de
deduzir por meio de raciocínio, tirar por conclusão ou conseqüência”.
Brewer (1977) propôs uma classificação entre dois tipos de inferências. O primeiro
tipo trata-se da inferência que é uma “implicação lógica” entre sentenças, ou seja, uma
sentença parece ser necessariamente uma implicação de outra. Um exemplo desse tipo de
inferência seria: O urso era mais esperto que o falcão, o falcão era mais esperto que o lobo
implica em O urso era mais esperto que o lobo. O outro tipo de inferência seria a
“implicação pragmática”. Neste tipo, há uma expectativa do ouvinte de uma conclusão
entre sentenças que não é uma implicação necessária. Um exemplo de implicação
pragmática seria: Roberto disse que está chovendo lá fora pragmaticamente implica que
Está chovendo lá fora. Brewer propõe o uso da conjunção “mas” como teste de implicações
pragmáticas. No caso do exemplo citado, há uma expectativa de que esteja chovendo lá
27
fora, embora seja possível a seguinte implicação: Roberto disse que está chovendo lá fora,
mas Não está chovendo lá fora, sendo esta última uma sentença possível, logo, há uma
implicação pragmática.
Inferência é um processo que faz parte do cotidiano dos seres humanos. Em
determinadas profissões, a inferência faz parte das técnicas de trabalho, como no caso da
Psicologia. Entende-se, portanto, a inferência como um processo natural do comportamento
dos seres humanos. Entretanto, na profissão policial, a inferência pode ser prejudicial
porque se trata de uma função que trabalha com fatos comprovados. Na falta de provas,
muitas vezes as pessoas inferem e tiram suas próprias conclusões sobre determinado
episódio, mas esse não deve ser o papel do policial. O policial não tira suas próprias
conclusões baseadas no que parece ser, de acordo com suas experiências. O policial
disponibiliza para o Poder Judiciário apenas os fatos, permitindo um julgamento mais
imparcial possível. A inferência pode até ser permitida ao policial, desde que esse servidor
reconheça que se trata de uma conclusão plausível, e não de um fato em si. Para que isso
seja possível, esse profissional deve saber diferenciar o evento da inferência e deve
certificar nos documentos expedidos, caso tenha feito alguma inferência.
A literatura mostra que os construtos psicológicos são distribuídos normalmente na
população (Hays, 1963, Stigler, 1986, Pasquali, no prelo). Dessa forma, a suscetibilidade à
inclusão de inferência ao relatar um fato provavelmente obedece a uma distribuição normal
na população. A maioria das pessoas está sujeita a incluir inferências e crenças ao recordar
um fato, num grau considerado mediano. Também existe uma minoria que estará menos
sujeita a esse tipo de distorção de memória, e outra minoria que estará sujeita ao mesmo
atributo num grau acentuado. Aqueles sujeitos que conseguem diferenciar uma inferência
28
de um fato e são menos propensos ao processo de inferência, certamente são aqueles que,
nesse sentido, seriam mais adequados para exercer a função policial.
5.1 Falso Testemunho e Suscetibilidade à Inferência
Normalmente, o primeiro dos elementos que correlacionamos com o esquecimento é
o passar do tempo. A idéia de que os registros de memória simplesmente perdem força com
o passar do tempo é uma das explicações comuns do esquecimento. Ela é denominada
teoria da deterioração do esquecimento e é demonstrada por Schacter (2003) como o
primeiro dos sete motivos pelos quais esquecemos, ou pecados da memória, como nomeia o
autor. Os outros “pecados da memória” seriam a distração, o bloqueio, a atribuição errada,
a sugestionabilidade, a distorção e a persistência.
No entanto, ocorre que as pessoas não conseguem recordar determinado evento, mas
conseguem recuperar fatos relacionados e assim inferir o evento original em função desses
fatos relacionados (Anderson, 2004). Quando inferimos, não percebemos que fazemos isso
e acreditamos que estamos recordando o que de fato ocorreu. Porém, o processo de
reconstruções de fatos que desejamos lembrar pode levar a recordações incorretas, sem que
percebamos (Bransford & Franks, 1971, Sulin & Dooling, 1974). Estudos indicam que, na
medida em que os sujeitos elaboram sobre as informações que serão recordadas, tendem a
recordar inferências que não estudaram (Owens, Bower & Black, 1979).
Elizabeth Loftus iniciou toda uma linha de pesquisa sobre os efeitos da interferência
na memória de informações reais. Seu trabalho se iniciou com estudos sobre como a
29
maneira de realizar uma pergunta pode alterar a resposta das pessoas. De acordo com essa
autora, a forma como a pergunta é apresentada faz com que o sujeito reinterprete o evento,
transformando permanentemente a memória original do evento. Por exemplo: um vídeo
sobre um acidente automobilístico é mostrado a dois grupos de sujeitos. Para um grupo,
perguntou-se qual a velocidade do carro quando bateu no poste. Para outro grupo
perguntou-se qual a velocidade do carro quando ele esmagou o poste. A média da
velocidade obtida pelas respostas do grupo que recebeu a pergunta com a palavra
“esmagou” foi significativamente maior que a do outro grupo. Ao se questionar se os
sujeitos haviam visto estilhaços de vidro no vídeo, o grupo que recebeu a palavra
“esmagou” respondeu positivamente com maior freqüência, apesar de não haver sido
mostrado nenhum estilhaço de vidro no filme. Dessa forma, a memória original do evento
desapareceria e seria formada uma nova memória na qual estaria inserido algo sobre a
pergunta feita (Loftus & Palmer, 1974).
Loftus também estudou como a memória das pessoas pode ser alterada por falsos
pressupostos, ou seja, inserindo afirmações da existência de um objeto que não existia no
evento original. Por exemplo, considere um grupo de sujeitos assistindo a um vídeo, que
mostra oito manifestantes interrompendo uma sala de aula. Em seguida os sujeitos
respondiam a um questionário. Alguns sujeitos receberam um questionário que continha a
pergunta: “A pessoa que liderava os quatro manifestantes que entraram na sala era do sexo
masculino?”. Os outros sujeitos receberam a pergunta: “A pessoa que liderava os doze
manifestantes que entraram na sala era do sexo masculino?”. Uma semana depois os
sujeitos responderam à seguinte pergunta: “Quantos manifestantes você viu entrando na
sala de aula”. O grupo que recebeu a falsa proposição de que havia doze manifestantes na
sala de aula superestimaram o verdadeiro número de manifestantes quando perguntados. Já
30
os sujeitos que receberam a falsa proposição com quatro manifestantes subestimaram o
número real de pessoas que viram no vídeo (Loftus, 1975). Essa metodologia foi utilizada
em diversos estudos, nos quais os resultados indicam que uma falsa proposição torna a
resposta dos sujeitos tendenciosa (Loftus & Hoffman, 1989; Greene, 1992).
Os estudos de Loftus mostraram a vulnerabilidade do relato de testemunhas oculares.
Mostraram que o relato do que as testemunhas viram pode ser influenciado não apenas por
como a pergunta é feita, mas também por como expressões anteriores e questões
preliminares são expressas.
Loftus e Hoffman (1989) contabilizaram o tempo de resposta e observaram a
diferença entre a velocidade da emissão de respostas do grupo controle e de indivíduos que
foram enviesados propositadamente por um falso pressuposto ou pela elaboração da
pergunta. Os resultados mostraram não existir diferença significativa entre os dois grupos, o
que sugere que indivíduos que tiveram sua memória “contaminada”, não ficam inseguros
ao responder.
Uma vez que essa interferência foi estabelecida, a atenção se concentrou nas
condições em que essas interferências ocorrem. Foi constatado que a discrepância entre o
evento original e o falso pressuposto subseqüente não deve ser grande, mas deve ser
introduzida sutilmente. Do contrário, o efeito não existe ou é minimizado. Sujeitos que
lêem o texto mais devagar e mais cuidadosamente são menos propensos a qualquer falsa
pressuposição. Pessoas com memória particularmente boa são mais resistentes à
interferência que outras pessoas (Greene, 1992).
Para explicar os resultados de seus estudos, Loftus apresentou uma hipótese da
substituição. De acordo com essa hipótese, informações posteriores podem alterar
memórias estabelecidas, ou seja, informações subseqüentes substituem traços do evento
31
original. Da hipótese de substituição apresentada por Loftus podem-se observar três
conseqüências: 1) temos dificuldade em discriminar entre o evento original e a memória
das informações subseqüentes que adquirimos sobre o evento; 2): alguns aspectos do
evento original serão substituídos por informações subseqüentes e desaparecerão
permanentemente e 3) esse processo é irreversível.
De acordo com Greene (1992), a resistência dos teóricos à teoria de substituição da
memória original proposta por Loftus foi imediata. A maioria dos psicólogos e não
psicólogos acredita, como já foi explicitado anteriormente, que uma vez que a informação é
armazenada, ela não desaparece. O esquecimento não seria a perda da informação, mas a
impossibilidade de acessar a informação desejada. Essa teoria se sustenta nos casos em que
sujeitos não conseguem se lembrar de uma informação em determinadas circunstâncias,
mas em outras circunstâncias eles conseguem, tais como a mudanças no ambiente físico
(Anderson, 2004; Nelson 1971, 1978).
Loftus argumenta que o fato de alguns esquecimentos serem conseqüência de falhas
na recuperação não significa que todos os casos de esquecimentos se devam por esse fator.
Loftus acredita que a falha na memória se dá por um processo de desaprendizagem do
evento original quando o sujeito se depara com uma falsa proposição. Ainda que os sujeitos
“contaminados” estivessem altamente motivados para recuperar uma informação original,
não conseguiram fazê-lo (pagava-se mais de 85 dólares pela precisão). Permitir que os
sujeitos dessem um segundo palpite dentre três opções também não foi suficiente.
De fato, com os métodos atuais é impossível provar que todas as informações
aprendidas estão guardadas na memória. Para Loftus, seus experimentos seriam uma
evidência contra a noção de armazenamento permanente. Entretanto, uma vez que a teoria
32
da substituição de Loftus ia contra a opinião dominante sobre memória, seria natural que
surgissem outras explicações para os resultados encontrados por ela.
De acordo com Greene (1992), a explicação alternativa mais influente foi a de
McCloskey e Zaragoza (1985). Esses autores argumentaram que a apresentação da falsa
proposição não tinha efeito na memória do sujeito, mas sim na estratégia que ele utilizava
quando não conseguia se lembrar do evento original e era forçado a chutar. Nesse sentido,
parecia haver para o sujeito uma competição entre duas possíveis respostas e a falsa
proposição apresentada apenas alterava o processo de chute dos sujeitos. Assim, se um
sujeito não se lembra da informação original e em princípio chutaria aleatoriamente, ao ser
apresentado à falsa proposição, parece se lembrar dela e chuta essa alternativa. Dessa
forma, esses autores propuseram novos delineamentos de pesquisa, nos quais eliminavam a
competição entre possíveis respostas. Para McCloskey e Zaragoza (1985), se não houvesse
uma competição entre o evento original e a falsa proposição, não deveria haver diferença
nas respostas entre o grupo “enviesado” e o grupo controle. Uma série de experimentos foi
realizada com esse novo delineamento, os quais levaram aos resultados previstos por
McCloskey e Zaragoza, ou seja, não houve diferença entre os dois grupos (Greene, 1992).
Estes achados contradizem a teoria da substituição proposta por Loftus.
Não se pode dizer que há evidências fortes contrárias à idéia de que os traços de
memória são permanentes. Porém, também não há evidências fortes de que a memória não
é permanente. Talvez, a competição entre possíveis respostas pode ser a principal
responsável pelos erros de memória na presença de falsas proposições. Como propuseram
McCloskey e Zaragoza (1985), o fato de haver duas lembranças plausíveis na memória dos
sujeitos parece fazer com que, pelo menos boa parte deles, julgue a lembrança falsa como
33
sendo a original. Se não há esse efeito de interferência de competição entre respostas, não
parece haver diferenças significativas entre os grupos estudados.
Os estudos mencionados mostraram a imensa fragilidade do relato de testemunhas
oculares. Informações que são aprendidas posteriormente, ou tipo de questões apresentadas
ou até mesmo a forma com uma pergunta é feita, tudo isso possui um efeito dramático na
maneira como a testemunha relata um evento. Essa área de estudo ganhou tanta notoriedade
que até mesmo estudiosos se dedicam para especializar a nomenclatura para o tipo de erro
de memória, tornando-a mais específica (DePrince, Allard, Oh, & Freyd, 2004). No
entanto, a questão central é que testemunhas muito provavelmente serão imprecisas em
seus relatos, ou relatarão fatos baseados não no evento original, mas influenciados por
informações aprendidas posteriormente.
O fato de os sujeitos que foram enviesados com falsas proposições serem tão seguros
de suas respostas quanto os sujeitos que não foram “contaminados” é particularmente
preocupante. Isso significa que pessoas (tais como juízes) que avaliam a veracidade de um
relato, não devem se basear exclusivamente na confiança apresentada pelo relator como um
indicador de sua confiabilidade. Isso porque uma pessoa pode estar absolutamente
confiante de seu relato, justamente porque não faz idéia de que seu relato é cheio de
imprecisões.
A linha de pesquisa apresentada mostra como as pessoas acabam esquecendo detalhes
de episódios e preenchendo esses elementos faltosos com detalhes da sua experiência. Já foi
demonstrado que as testemunhas muitas vezes são bastante inexatas nos depoimentos
prestados, embora se atribua grande importância a esses relatos (Neisser, 1981). Um dos
motivos dessa pouca exatidão é o fato de que as pessoas confundem o que realmente
observam sobre um incidente com o que ouvem de outras fontes, ou produzem inferências
34
sobre o evento (Ceci, Loftus, Leichtman & Bruck, 1995; Loftus, 1975; Loftus, Miller &
Burns, 1978; Loftus & Pickerall, 1995; Wright & Loftus, 1998).
Os estudos apresentados retratam a necessidade da construção de um teste de
memória de relatos que permita avaliar não só a capacidade de memorização de um
episódio, mas também se o indivíduo está diferenciando o que realmente experienciou de
inferências possíveis.
OBJETIVO DO ESTUDO
Tendo em vista a importância de se avaliar de forma mais precisa as características
para cargos de segurança pública, faz-se necessária a construção de testes específicos que
possam ser utilizados na seleção de pessoal para este cargo. Sendo a memória de relatos de
crucial importância para a atividade investigativa, função precípua da atividade policial, o
objetivo desse estudo foi a construção e validação um teste de memória de relatos,
especificamente elaborado para ser utilizado em seleção de pessoal de policiais.
35
MÉTODO
1 O Teste de Memória de Relatos
O Teste de Memória de Relatos foi construído para avaliar a memória de relatos e a
capacidade dos indivíduos de diferenciarem fatos de inferências. O referido teste pode ser
utilizado de forma individual ou coletiva. A forma de aplicação do teste é apropriada para
sujeitos que possam ler e escrever, embora seja possível que o aplicador anote as respostas
do indivíduo numa aplicação individual.
Em virtude dos achados explicitados anteriormente sobre inferência, foi incluída no
teste uma escala para analisar a suscetibilidade dos sujeitos à produção de inferências, a
qual é composta de itens com afirmações que, embora pudessem ser conclusões razoáveis,
não foram citadas na história. Tratam-se de itens falsos, porque são afirmações que, embora
possam ser concluídas a partir das informações narradas na história, não foram ditas na
narração.
O Teste de Memória de Relatos é uma atividade composta de cinco etapas: narração
das instruções iniciais, narração de uma história, inserção de uma tarefa interpolada,
narração das instruções finais e preenchimento da folha de respostas contendo itens que se
referem ao conteúdo da história que foi narrada. Cada uma dessas etapas será detalhada
posteriormente.
Uma primeira versão do instrumento foi elaborada, na qual foram observadas
diversas inadequações que serão expostas posteriormente. As inadequações observadas
36
foram corrigidas, formando-se uma segunda versão do instrumento. Foi feita uma aplicação
dessa nova versão, cujos resultados ainda apontaram a necessidade de modificações no
instrumento. Uma terceira versão do instrumento foi elaborada para que fossem realizadas
as adequações necessárias. Essa terceira versão passou por uma cuidadosa análise de sua
validade e fidedignidade para que se chegasse à versão final do instrumento. Todas as fases
de construção das três versões do instrumento serão expostas a seguir.
Cabe ressaltar que todos os cuidados éticos necessários foram rigorosamente
respeitados nesse estudo. Os juízes e os sujeitos que compuseram as amostras dessa
pesquisa foram informados de que se tratava de uma pesquisa acadêmica, de que sua
participação era absolutamente voluntária, de que eles não teriam qualquer tipo de
benefício ou punição se não participassem e de que não necessitariam se identificar.
Também foi informado que o único benefício que teriam ao participar do estudo seria terem
contribuído para a pesquisa.
Também é importante explicitar que o teste construído não será mostrado nesse
trabalho, tendo em vista que foi construído para ser utilizado em seleções de pessoal e sua
disponibilização ao público poderia facilitar tentativas deliberadas de fraudes, invalidando
suas aplicações1.
1 Contatos com a autora podem ser estabelecidos por meio do endereço eletrônico [email protected]
37
2 Entrevista com Grupo Focal
Buscando conhecer melhor as características da função policial para que o teste fosse
adequado à realidade dessa profissão, foi realizada uma entrevista livre com um grupo focal
de policiais. Participaram dessa entrevista quatro policiais que executam funções distintas,
servidores estrategicamente selecionados pela excelência no desempenho de seus trabalhos.
O primeiro quesito investigado nessa entrevista foi o tipo de avaliação da memória
que mais se adequaria ao contexto da atividade policial. A entrevista indicou que a
recuperação livre seria a forma que mais se aproxima da atividade policial. De acordo com
os entrevistados, o trabalho do policial exige a oitiva de envolvidos e posterior recuperação
livre no momento de elaboração de relatórios ou de testemunhos perante juízes, por
exemplo. Eventualmente, ocorre na função policial a forma de reconhecimento, quando,
por exemplo, o policial é solicitado a indicar, dentre várias pessoas que lhe são
apresentadas, aquela que foi vista por ele em determinado episódio. Também ocorre que,
quando os policiais vão redigir seus relatórios, muitas vezes utilizam algumas anotações
que fizeram durante as investigações, o que se aproximaria da recuperação com pistas.
Assim, os tipos de avaliação da memória mais freqüentemente utilizados por policiais
seriam a recuperação livre, seguida da recuperação com pistas e, finalmente, o
reconhecimento.
Nesta entrevista também foram verificados quais estímulos sensoriais seriam mais
utilizados na atividade policial, se seriam os estímulos ecóicos ou os icônicos. Esse
procedimento se justifica porque conforme uma mensagem seja fornecida por meio de
estímulos verbais ou por meio de estímulos visuais, haverá efeitos diferentes no que se
38
refere ao processamento dessa informação em termos mnemônicos (Anderson 2004). Era
necessário saber, então, se na atividade policial, é mais freqüente a recordação de
informações que os policiais ouviram ou leram, ou de informações de cenas que
presenciaram. Assim, durante a entrevista, foi verificado que a maior parte das informações
que garantem o exercício da profissão é de natureza auditiva, para todos os cargos policiais.
Os entrevistados esclareceram que os policiais civis e federais dificilmente visualizam o
crime no momento de sua consumação, sendo apenas acionados após o crime já ter
ocorrido e, assim, buscam elucidar o fato com as provas existentes. Uma das provas mais
valiosas para o policial é o relato de partes envolvidas e de testemunhas. Dessa forma,
como já foi dito, uma boa memória de relatos é fundamental para o bom exercício da
profissão policial, civil e federal. Já o policial militar é mais sujeito a presenciar fatos
criminosos já que é responsável pelo trabalho ostensivo e, por conseguinte, trabalha mais
tempo nas ruas que os policiais civis e federais. Porém, isso não diminui a importância da
memória de relatos nessa profissão, visto que o policial militar também ouve e reproduz
relatos de partes e testemunhas, tanto na fase investigativa, quanto na fase de julgamento de
um processo.
Objetivando identificar se a memória mais utilizada pelos policiais seria a memória
explícita ou implícita, novas questões foram apresentadas ao grupo focal. De acordo com os
entrevistados, o policial sabe claramente que as informações que estão sendo narradas a ele
poderão ser evocadas posteriormente para fins das investigações ou para prestar
declarações como testemunha em âmbito policial ou judicial. O policial tem consciência
das possíveis conseqüências que são passíveis de ocorrer quando a informação que lhe foi
confiada não é reproduzida com a devida precisão, conseqüências essas que vão desde o
fracasso das investigações até ser condenado por falso testemunho, cuja pena pode chegar a
39
até 4 anos de reclusão2. O policial sabe que precisa estar com sua atenção focada nas
informações que lhe são passadas. Entende-se, portanto, que a memória mais utilizada por
esse trabalhador seria a memória explícita.
Outra questão investigada na entrevista foi quanto ao tempo de retenção das
informações trabalhadas pelo policial. Os entrevistados relataram que na função policial,
entre a oitiva de relatos e a recordação dessas informações, normalmente existe um lapso
temporal significativo variando de alguns minutos até dias depois. Um policial pode ser
chamado em Juízo para explicar detalhes de investigações até mesmo anos depois de ter
trabalhado em determinado caso. Dessa forma, observa-se que a recuperação de
informações na função policial parece acontecer, principalmente, com memória de longo
prazo.
3 Primeira Versão do Instrumento
Uma primeira versão do instrumento foi elaborada, contendo 40 itens aleatoriamente
retirados da história. Os 40 itens foram aplicados numa amostra de 35 pessoas. Os itens
foram dispostos em duas folhas e entregues aos sujeitos, além de uma terceira folha, que
continha duas partes, o questionário demográfico e espaços para que os testandos
indicassem se o item era verdadeiro ou falso.
Esse estudo demonstrou uma série de inadequações da primeira versão do
instrumento. O primeiro problema apontado foi quanto à representação adequada de todas
2 Art. 342 do Decreto-Lei n. 3.914, de 9 de dezembro de 1941 (Código Penal).
40
as partes da história nos itens. Foi observado que os itens construídos não cobriam toda a
extensão da história, havendo partes da história que eram privilegiadas por diversos itens,
enquanto outras partes não estavam representadas por nenhum item.
A formatação da primeira versão do teste também se mostrou inadequada, além de
esteticamente desajustada. Eram necessárias duas folhas para a apresentação de apenas 40
itens, o que dificultava o manuseio do teste por parte dos testandos, apontando uma
inadaptação ergonômica do layout das folhas de respostas.
Um outro problema apresentado pela primeira versão do teste refere-se ao desajuste
psicométrico dos itens. De acordo com Pasquali (2001), a dificuldade dos itens deve ser
distribuída de tal maneira que haja um equilíbrio entre eles, de forma que se tenha uma
curva normal de dificuldade dos itens. Assim, ter-se-ia alguns itens com graus de
dificuldade baixo e alto, e a maioria oscilando entre o grau médio de dificuldade. A
primeira versão do teste apresentou uma assimetria na distribuição da dificuldade dos itens,
conforme mostrado na figura 2.
41
Distribuição da dificuldade dos itens
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39
Itens
Porc
enta
gem
de
acer
tos
Figura 2. Distribuição da dificuldade dos itens, na primeira versão do instrumento.
A figura 2 mostra uma distribuição da porcentagem de acertos em relação a cada um
dos 40 itens do instrumento. Observa-se que a maior parte dos itens possui uma
porcentagem de acertos maior que 80%. Na verdade apenas dois itens são acertados menos
que 50% das vezes. Esse resultado mostra que os sujeitos tiveram facilidade para acertar os
itens. Com esses itens, o instrumento traria pouca informação na discriminação entre os
sujeitos, dificultando tomadas de decisões em seleções de pessoal.
42
4 Segunda Versão do Instrumento
Uma nova versão do instrumento foi elaborada, para modificar as inadequações
observadas na primeira versão.
Foram feitos ajustamentos no layout do instrumento e os itens do teste passaram a
ocupar apenas uma folha, utilizando fonte Arial Narrow, tamanho 11,5. A diminuição do
número de folhas a ser utilizado pelo teste, além de trazer benefícios econômicos e
ambientais, também facilita o manuseio do teste por parte dos sujeitos.
A construção dos itens da segunda versão do instrumento não foi realizada de forma
aleatória, como na primeira versão. Desta vez, foram obedecidas as orientações dos estudos
sobre as representações baseadas no significado e as representações proposicionais
(Anderson, 2004).
Os itens do teste construído seriam unidades representativas de um sistema mais
complexo, que é a história contada, buscou-se um tipo de notação que fizesse essa
representação. A análise proposicional se mostra um meio eficaz de representação para
sentenças complexas em termos de unidades simples, tendo sido, então, a metodologia
subsidiou a decomposição da história do teste, permitindo, assim, a construção dos itens do
teste. Dessa forma, toda a história do teste foi decomposta em 17 frases. Cada frase gerou
70 unidades proposicionais e cada unidade proposicional resultou num ou mais itens que
compuseram um protótipo do teste com 105 itens. Essa técnica também garantiu a validade
de conteúdo do teste, visto que todas as partes da história estão representadas nos itens, o
que não aconteceu quando os itens foram construídos aleatoriamente.
43
4.1 Forma A e Forma B do Teste
Como foi mencionado, a decomposição da história gerou 105 itens. Esse número de
itens em um teste poderia ser insuficiente para compor uma amostra satisfatória do
comportamento do sujeito, o que dificulta a elaboração de conclusões sobre o desempenho
dos testandos. Entretanto, esse mesmo número poderia ser demasiado grande e levar os
testandos à exaustão. Há que se considerar que a recuperação das informações citadas numa
história e o julgamento das afirmações dos itens são tarefas que demandam processos
cognitivos complexos, tornando-se um esforço manter a atenção concentrada em tal tarefa.
Esse esforço, com facilidade, leva o sujeito à exaustão e à conseqüente desmotivação no
preenchimento das respostas, aumentando a probabilidade da ocorrência de respostas
sistemáticas como efeito halo, tendência central, etc (Pasquali, 2001).
Solicitou-se, então, que alguns sujeitos respondessem a uma amostra de 94 itens para
avaliar possíveis efeitos de cansaço. Esses sujeitos informaram que, quando estavam
respondendo entre o 50º e 70º item, começaram a sentir os efeitos do cansaço. Dessa forma,
foi estabelecido que o número de itens que compõem o teste deveria ser próximo de 50.
Os itens foram divididos e ajustados, formando duas formas equivalentes do teste,
Forma A e Forma B. De acordo com Anastasi (2000), a disponibilização de formas
paralelas é benéfica porque permite a realização de diversos estudos sobre validade e
fidedignidade do instrumento, por permitir que o mesmo sujeito seja submetido mais de
uma vez à avaliação do construto memória de relatos, além de possibilitar um maior
44
controle nas tentativas explícitas de fraudes quando o instrumento estiver sendo utilizado
em seleção de pessoal.
Cada forma respeitou o número limite de itens estabelecido, bem como a equivalência
quanto ao número de respostas falsas, verdadeiras e inferenciais. Buscou-se, também, uma
equivalência de dificuldade nas duas formas, considerando a teoria das representações
baseadas no significado e a ordem cronológica da apresentação das informações na história.
Assim, foi feita uma classificação dos itens em duas categorias: aqueles que se referem ao
significado da mensagem da história e os que se referem a especificidades da história. A
separação dos itens nas duas formas buscou uma equivalência de dificuldade de acordo
com essa classificação. Além disso, os itens também foram classificados quanto à ordem
cronológica de fornecimento das informações, considerando que o momento de
apresentação das informações é uma variável que interfere na memorização (Pergher &
Stein, 2003). Por exemplo: se houvesse um item referindo-se especificidades das
mensagens narradas e que se referisse ao início da história, tomava-se um outro item nas
mesmas condições e colocava-se um deles na Forma A e o outro na Forma B, para haver
uma equivalência de dificuldade entre as duas formas.
Os itens que compõem as duas formas foram cuidadosamente selecionados, a fim de
garantir que cada frase estivesse igualmente representada em cada uma das formas. Cinco
frases só produziram um item cada e, portanto, tais itens participam das duas formas do
teste. Esse procedimento se mostra fundamental para garantir a validade de conteúdo de
ambas as formas.
Cada uma das formas possuía 53 itens. Esse número de itens está de acordo com o
que propõe Pasquali (1999). De acordo com esse autor, não há regras para estabelecer o
número de itens de um instrumento, mas a experiência indica que cerca de 20 itens seriam
45
suficientes para cobrir um construto. No entanto, deve-se considerar que o construto
memória de relatos é de complexidade considerável e que devemos iniciar um teste com
número superior àquele desejado ao final, visto que na fase de validação possivelmente
alguns itens se perderão. Portanto, considera-se que 53 itens é um número adequado para
iniciar a validação deste teste.
A ordem em que os itens aparecem no teste não corresponde à ordem cronológica de
apresentação dos fatos na história. Se houvesse essa correspondência, isso seria um
estímulo para que a história se repetisse mentalmente para o indivíduo, facilitando, assim, a
recuperação das informações.
4. 2 Tipos de respostas
A segunda versão do instrumento possuía quatro tipos de respostas possíveis para
cada item. Os itens cujo conteúdo correspondia ao que foi dito na história deveriam ser
julgados como “fato real”. Já os itens cujo conteúdo era diferente da história narrada,
deveriam ser julgados como “fato irreal”. Os itens com conteúdo inferencial deveriam ser
julgados como “inferência”. Os sujeitos ainda tinham a possibilidade de preencher a coluna
“não lembro”. Dos 53 itens, 18 eram verdadeiros, 24 eram falsos e 11 eram, na verdade,
inferências.
46
4.3 Análise Teórica dos Itens
A análise teórica dos itens é composta pela análise semântica e pela análise de juízes
(Pasquali, 2003).
A análise semântica tem o objetivo de verificar se a linguagem utilizada no item é
compreensível para a população para a qual o teste é desenvolvido, cuidando, no entanto,
que não se perca a elegância de tal escrita. A elegância da escrita não se trata apenas de um
cuidado estético já que sua ausência interfere na validade aparente de um teste e em sua
aceitabilidade pelo público em geral.
Já a análise dos juízes tem o objetivo de verificar se os itens são representações
adequadas do construto que representam.
4.3.1 Análise Semântica
O teste construído foi desenvolvido para ser aplicado em população com nível de
escolaridade que vai desde o ensino médio completo até a pós-graduação completa.
Portanto, toda a linguagem e complexidade das instruções e dos estímulos utilizados no
teste respeitam as características dessa população alvo. Dessa forma, todo o material do
teste, inclusive as instruções e a história, foi analisado quanto à sua compreensão e
adequação, tanto pelo extrato mais alto da população alvo do teste, bem como pelo extrato
mais baixo. Seis sujeitos com grau de escolaridade ensino médio completo foram
47
solicitados a ler todo o material do teste e averiguar a compreensão de todas as palavras
individualmente, bem como dentro de uma perspectiva contextual. A mesma análise foi
realizada por indivíduos com pós-graduação completa. Após essa análise, algumas palavras
e estruturas oracionais foram modificadas de acordo com a análise dos sujeitos para
adequação da linguagem utilizada no teste.
4.3.2 Análise dos Juízes
Todos os itens foram submetidos a uma análise de conteúdo por um especialista em
cognição para avaliação de sua pertinência quanto ao construto memória de relatos. Essa
avaliação resultou na reestruturação ou eliminação de 17 itens, ou por sua inadequação ao
propósito, ou por sua irrelevância.
4.4 Construção do Gabarito
Para a construção do gabarito, os itens foram submetidos à análise de 6 juízes, os
quais avaliaram, separadamente, se o conteúdo dos itens era verdadeiro, falso ou
inferencial. A análise dos juízes se fez necessária visto que há uma aproximação entre o que
é verdadeiro e o que é inferência. Foi utilizado o critério de concordância de 80% entre os
juízes para a conclusão do gabarito. Esse gabarito foi o norteador para a correção das
48
respostas dos sujeitos, que posteriormente foram submetidos ao teste, possibilitando as
análises estatísticas que foram realizadas neste estudo. Todos os juízes possuíam
escolaridade pós-graduação, por entender-se que indivíduos nessa condição possuem senso
crítico mais apurado.
4.5 Padronização das Informações Auditivas
O Teste de Memória de Relatos utiliza estímulo sensorial ecóico. Essa escolha
objetiva garantir a validade ecológica3 do teste, tendo em vista que a função policial utiliza
com mais freqüência esse tipo de estímulo do que o icônico.
Buscando a padronização do estímulo a ser apresentado aos testandos, todo o texto,
bem como as instruções iniciais, foram gravadas em um Compact Disc – CD. Assim, todas
as pessoas testadas estiveram sob as mesmas condições de estímulo auditivo para que o tipo
de voz, ou a entonação de voz, ou o ritmo de leitura da história do teste ou das instruções
não fossem variáveis que influenciasse diferentemente os testandos.
Três vozes foram testadas para selecionar aquela que fosse mais clara e que tivesse
uma entonação mais agradável aos ouvidos dos testandos. Foram realizadas gravações em
estúdio de três vozes diferentes, sendo uma delas masculina e duas femininas. As três
vozes, narrando as mesmas informações, (as instruções iniciais do teste), foram
apresentadas a um público de 65 pessoas, sendo 50 do sexo feminino e 15 do sexo
masculino e foi solicitado que os sujeitos indicassem a voz de sua preferência. Mais de 78%
3 Validade ecológica refere-se à proximidade entre o desempenho avaliado pelo instrumento de medida e o desempenho em situação real.
49
dos sujeitos (51 casos) preferiram a primeira voz feminina. Os resultados desse estudo são
mostrados na tabela 1.
Tabela 1. Freqüência das preferências de 65 sujeitos quanto às vozes apresentadas.
Sexo feminino
Sexo masculino
Total
Primeira Voz (Feminina) 38 13 51Segunda Voz (Masculina) 11 2 13Terceira Voz (Feminina) 1 0 1
7 Estrutura do Teste
7.1 Instruções Iniciais
Como forma de tentar aproximar o Teste de Memória de Relatos da atividade
policial, as instruções do teste deixam claro que a tarefa dos sujeitos é ouvir e memorizar o
que está sendo narrado, e, dessa forma, está se avaliando memória explícita e não memória
implícita.
A instrução inicial do teste tem o objetivo de dar uma visão geral da atividade a ser
desempenhada pelo indivíduo, bem como de acostumar os ouvidos do testando à voz
narradora. A instrução inicial foi construída de forma que o testando possa ter uma visão
geral das tarefas a serem desempenhadas ao longo da atividade, sem, no entanto, ocupar
demasiadamente sua memória nessa parte do teste. Dessa forma, tentou-se garantir não
50
sobrecarregar a memória dos sujeitos com instruções de tarefas que poderiam ser melhor
explicitadas posteriormente, ao longo da atividade. O tempo total da narração das
instruções iniciais é de 46 segundos.
A apresentação das instruções iniciais é a primeira etapa da aplicação do teste. Em
seguida, o psicólogo aplicador interrompia a gravação com o fim de questionar se todos os
presentes ouviam com clareza as informações narradas e ainda para verificar se havia
alguma dúvida quanto às instruções. O volume era então ajustado para que não ficasse
baixo e prejudicasse a audição de todos, mas também para que não ficasse alto ao ponto de
incomodar os sujeitos.
Em caso de dúvidas quanto às instruções, o psicólogo aplicador retornava o CD ao
seu ponto inicial e deixava que as instruções fossem narradas novamente, até que não
houvesse qualquer dúvida por parte dos testandos. Esse procedimento objetiva garantir que,
sem interferir na padronização da apresentação das instruções, a narração da história
somente fosse iniciada quando os testandos entendessem perfeitamente a tarefa a ser
executada.
7.2 História
A história escolhida para elaboração do teste é simples e narrada com uma entonação
relativamente neutra. O critério de escolha da entonação da voz da narração da história foi
de que não fosse tão neutra ao ponto de cansar os ouvintes e nem tão empolgante que
pudesse facilitar diferenciadamente a memória nos sujeitos.
51
A história contém sete personagens e possui poucos diálogos (ao todo são dez frases
em que os personagens falam). Cada objeto da história, o episódio em si, bem como os
nomes e as características dos personagens, foram cuidadosamente escolhidos de forma que
despertassem o quanto menos possível de conteúdos emocionais, já que tal variável poderia
afetar de forma diferenciada os testandos (Pergher, Grassi-Oliveira, Ávila & Stein, 2006).
A narração da história é feita num tempo total de 2 minutos e 56 segundos. Os
aplicadores foram previamente orientados a, nesse momento, ficar o mais quieto possível,
buscando não desviar a atenção dos testandos para sua pessoa. Ao mesmo tempo, os
aplicadores deveriam ficar atentos às tentativas de fraude e evitar que os testandos
escrevessem detalhes da história na mesa, no próprio corpo, ou em outro local. Os
aplicadores foram instruídos a solicitar que os testandos deixassem as mãos livres de
canetas esferográficas, lápis ou lapiseira enquanto a história era narrada.
7.3 Tarefa interpolada
Após a narração da história, segue a apresentação da tarefa interpolada. Essa tarefa
visa à distração da atenção dos testandos no período compreendido entre a narração da
história e a resposta aos itens do teste.
Essa etapa se faz necessária já que, como foi explicitado, a memória de longo prazo
seria a mais utilizada na função policial e é essa memória que o teste deve avaliar. A tarefa
interpolada busca, por um período superior a 30 segundos, evitar que os testandos repitam
52
mentalmente a história narrada, garantindo, assim, que o construto avaliado seja memória
de longo prazo.
A atividade distratora consiste no preenchimento de um questionário demográfico,
bem como de perguntas sobre a percepção que o indivíduo tem sobre sua memória. Os
dados colhidos nessa etapa foram tratados estatisticamente.
Outra preocupação quanto ao tempo de duração da tarefa interpolada foi sobre o
tempo máximo de sua aplicação. Numa situação real de testagem, os candidatos de uma
seleção normalmente estão sob uma condição ansiogênica pela concorrência pelas vagas.
Se algum deles não conseguir realizar a tarefa interpolada por completo no tempo previsto,
pode erroneamente supor que não teve um bom desempenho e que isso lhe trará
desvantagens em relação aos outros candidatos. Essa extra-ansiedade, trazida pela não
conclusão da tarefa interpolada poderia interferir em todas as respostas dadas aos itens do
teste. Portanto, foi estipulado o tempo de 1 minuto para realização da atividade porque se
observou durante as aplicações piloto que era suficiente para garantir que todos os
testandos tivessem terminado de realizar a tarefa ao final do tempo estipulado. Os sujeitos
eram avisados de que, caso ainda não tivessem terminado de responder ao questionário,
poderiam fazê-lo ao final da aplicação do teste.
Inicialmente, com a ajuda de uma especialista em Geografia e História foram
elaboradas algumas questões absolutamente distrativas e que contivessem um texto
introdutor da questão. Uma vez que o objetivo era desviar a atenção dos respondentes para
a atividade distratora, era suficiente o simples fato de os respondentes lerem pequenos
textos introdutórios para responder às questões. As questões foram elaboradas com graus de
dificuldade relativamente baixos a fim de não gerar ansiedade nos respondentes, pelos
mesmos motivos expostos acima com relação ao tempo de duração da atividade. No
53
entanto, empiricamente observou-se que o tempo para responder a tais questões extrapolava
o previsto para a realização da tarefa. Optou-se, então, por elaborar questões de percepção
da memória, as quais puderam ser respondidas dentro do prazo estipulado e que
contribuíram para as análises dos resultados dos dados coletados a partir da resposta aos
itens.
7.4 Instruções finais
A leitura das instruções finais tem o objetivo de orientar os testandos quanto ao
julgamento dos itens do teste e a forma correta de preenchimento da folha de respostas.
Mais especificamente, as instruções finais deixam claro para os testandos a diferença entre
um item verdadeiro e um item inferencial, inclusive com exemplificações. As instruções
finais foram narradas pela locutora e acompanhadas pelos testandos, que receberam uma
cópia das instruções e permaneceram com ela até o final da atividade. A leitura das
instruções tem um tempo total de 2 minutos e 46 segundos. Após a leitura, caso houvesse
alguma dúvida, o psicólogo aplicador deveria permitir a releitura das instruções pela
locutora. Foi elaborado, ainda, um exemplo adicional, o qual seria lido pelo psicólogo
aplicador caso a releitura das instruções não fosse suficiente para sanar todas as dúvidas,
mas houve necessidade de sua utilização nas aplicações realizadas.
54
7.5 Folha de respostas
A folha de respostas consiste numa folha contendo todos os 53 itens dispostos em
duas colunas. Optou-se por essa estrutura em detrimento de distribuir os itens em duas
folhas, por entender-se que essa foi a forma mais ergonômica e esteticamente adaptada,
como foi explicitado anteriormente. Após o término do preenchimento da folha de
respostas, estas foram recolhidas pelo aplicador.
7.6 Resultados da 2ª Versão do Instrumento
A segunda versão do instrumento, nas formas A e B, foi aplicada em 56 e 55 sujeitos,
respectivamente. Foram analisados primeiramente os dados provindos da versão da Forma
A. Foi realizada uma análise exploratória utilizando o método dos Componentes Principais
e tratando os casos omissos pelo método pairwise. A análise do KMO mostrou um índice
de fatorabilidade inaceitável (0,11), tornando a análise não recomendada. As análises da
Forma B demonstraram uma estrutura muito semelhante à da Forma A.
Esse resultado, aliado ao registro informal de verbalizações dos sujeitos de que o teste
era muito difícil, apontou a possibilidade de os sujeitos não terem compreendido a tarefa do
teste. A análise desses dados preliminares, portanto, sugere uma confusão dos sujeitos ao
responderem, indicando a necessidade de modificação no instrumento.
55
8 Terceira versão do instrumento
Diante dos resultados mostrados na primeira versão do instrumento, foi realizada uma
pequena, mas fundamental, alteração nas instruções do teste para facilitar a tarefa dos
sujeitos. A partir de então, os sujeitos não tiveram mais que escolher entre 4 tipos de
respostas (“fato real”, “fato irreal”, “inferência” e “não lembro”), mas sim entre 3. A nova
versão das instruções retira a possibilidade de responder “inferência” e, para tornar a tarefa
mais clara, solicita que os sujeitos indiquem apenas se o item é falso, verdadeiro ou se não
lembram. Os itens permaneceram inalterados.
As instruções foram alteradas a fim de se adequarem às modificações realizadas.
Portanto, as instruções passam a atentar para o fato de que se o que está escrito no item, na
sua totalidade, for exatamente igual ao que o sujeito ouviu na história, então ele será
verdadeiro. Dessa forma, os itens inferenciais se tornam itens falsos, visto que não estão
exatamente iguais ao que se ouviu na história, embora sejam conclusões plausíveis.
Tendo em vista as dificuldades para ajustar todo o instrumento às modificações
propostas, optou-se por trabalhar-se a partir de então somente a forma A, podendo a forma
B ser trabalhada futuramente.
56
RESULTADOS e DISCUSSÃO
Os dados foram analisados pelo pacote estatístico para Ciências Sociais –SPSS
(Statistic Package for Social Science), versão 11.5, bem como pelo programa AMOS
(Analysis of Moment Structures).
Uma nova coleta de dados foi realizada para avaliação da adequação da terceira
versão do instrumento, da qual participaram 376 sujeitos. Entretanto, em uma das
aplicações ocorreu um problema com a aparelhagem técnica ocasionando problemas no
áudio. Os dados dessa amostra foram desconsiderados das análises, resultando num total de
319 sujeitos. De acordo com Pasquali (1999), o número de sujeitos necessários para a
construção de um instrumento de avaliação é proporcional ao número de itens do
instrumento, algo compreendido entre 5 e 10 sujeitos por item. O instrumento avaliado
possui 53 itens, o que requer um mínimo de 265 sujeitos. Os 319 sujeitos que restaram
ultrapassam, portanto, o número mínimo necessário para a realização das análises. O
número de sujeitos também ultrapassa os 200 necessários para a realização da análise
estrutural.
1 Características da Amostra
As características da amostra podem ser observadas na tabela 2. De acordo com os
dados, a amostra demonstra uma distribuição igualitária no que se refere à variável sexo. A
57
maioria dos sujeitos possui nível de escolaridade ensino médio (54,5%). Quanto ao fato de
os sujeitos trabalharem ou não, a maioria deles não trabalha (55,2%). Finalmente quanto à
idade, a maioria dos sujeitos possuía idade entre 15 e 25 anos (72,7%).
Tabela 2. Amostra para a validação do Teste de Memória de Relatos (N = 319).
Variável e Níveis f %
Variável e Níveisf %
Sexo Sujeitos que trabalham
Masculino 162 49,2 Sim 80 25,1Feminino 157 50,8 Não 176 55,2Sem resposta 0 0 Sem resposta 63 19,7
Escolaridade Idade (anos)Ensino médio 174 54,5 15 - 25 232 72,7Superior inc. 49 15,4 26 - 35 64 20,1Superior completo 68 21,3 36 - 50 22 6,9Pós-graduação inc. 10 3,1 51 - 55 1 0,3Pós-graduação comp. 16 5,0 Sem resposta 0 0Sem resposta 2 0,6
f= freqüência absoluta.
2 Análise da Estrutura do Instrumento
As modificações produzidas no instrumento trouxeram melhoras significativas para
as análises estatísticas. Uma análise dos componentes principais mostra que a fatorabilidade
da matriz se elevou significativamente. O KMO, que antes se apresentava com valor de
0,11, subiu para 0,74.
Em seguida foi feita uma análise dos componentes principais para definir o número
de componentes a serem extraídos utilizando o critério da Análise Paralela de Horn. A
58
literatura mostra que a Análise Paralela é um critério relativamente preciso, havendo pouca
fundamentação para utilizar outros critérios de definição do número de componentes
(Laros, 2005; Laros & Puente-Palacios, 2004).
Na Análise Paralela os eigenvalues da matriz empírica foram comparados com os
eigenvalues de uma matriz composta por dados aleatórios. Dessa forma, foram retidos
tantos componentes quantos foram aqueles que explicaram maior variância do que o fator
correspondente nos dados aleatórios. A tabela 3 mostra os valores dos eigenvalues
empíricos e os aleatórios. Observa-se que o componente 6 é aquele no qual os valores dos
eigenvalues empíricos começam a superar os valores aleatórios. Portanto, as análises
devem extrair um número máximo de 6 componentes.
Tabela 3. Eigenvalues empíricos e aleatórios dos primeiros dez componentes.
Eigenvalues Componentes1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Empírico 6,18 2,50 1,95 1,73 1,70 1,589 1,53 1,49 1,44 1,38Aleatório 1,90 1,81 1,74 1,68 1,63 1,587 1,54 1,50 1,47 1,43
Para a extração dos componentes utilizou-se o método de análise dos componentes
principais. Optou-se por esse método em detrimento da análise fatorial uma vez que se trata
de um instrumento pioneiro, sem um histórico de pesquisa que permitisse a elaboração de
hipóteses a priori, o que torna a análise dos componentes principais mais recomendada. Os
resultados dos eigenvalues e a porcentagem da variância explicada dos primeiros 10 dos 53
componentes são mostrados na tabela 4.
59
Tabela 4. Eigenvalues e porcentagem de variância explicada dosprimeiros 10 componentes.Componente Eigenvalues iniciais Total % da
Variância% Cumulativa
1 6,18 11,66 11,662 2,5 4,71 16,363 1,95 3,68 20,044 1,73 3,26 23,305 1,7 3,21 26,526 1,59 3 29,517 1,53 2,89 32,48 1,49 2,8 35,29 1,44 2,72 37,9210 1,38 2,6 40,52
Obedecendo o número máximo de componentes sugerido pela Análise Paralela,
foram rodadas análises com os seis componentes, em seguida com cinco, quatro, três e dois
componentes. As análises mostraram que, a despeito do número de componentes extraídos,
a interpretação sugere que o agrupamento de itens refere-se à inferência ou ao tempo em
que os fatos aconteceram na história. Quanto ao tempo dos acontecimentos dos fatos na
história, existem dois blocos temporais. Um que se refere ao início da história até o meio
dela e outro que se refere aos acontecimentos do meio para o fim da história. No corpo do
teste ainda havia questões que não se referiam ao tempo dos fatos em si e nem à inferência,
mas a questões gerais da história, de sua estrutura, tais como o número de personagens que
compõem a história, contudo não foi separado um componente para esse tipo de itens.
Os resultados das análises mostraram que a extração com seis, cinco e quatro
componentes produzem estruturas complexas, com itens demonstrando cargas altas
(maiores que 0,32, de acordo com Tabachnick e Fidell, 1996) em mais de um fator, além de
itens com cargas negativas. A interpretação dos agrupamentos de itens ficou prejudicada
60
nessas análises, sendo que a análise da confiabilidade dos componentes foi considerada
insatisfatória, tornando tais estruturas não recomendadas.
Estruturas mais simples foram obtidas com extrações de três e dois fatores. A
interpretação dos componentes com essas estruturas ficou bastante clara. Na estrutura com
três componentes tem-se o primeiro agrupamento com itens que se referem
predominantemente ao final da história, nomeado “memória tardia”; o segundo componente
trata-se dos itens inferenciais e o terceiro componente com itens cujo conteúdo expressa o
início da história, nomeado “memória recente”. A análise da extração de três componentes
está de acordo com o que a teoria sobre memória afirma. A literatura mostra que, numa
seqüência de informações aprendidas, nossa memória funciona melhor para informações
fornecidas por último, caindo o desempenho para lembrar das informações que foram
fornecidas inicialmente e piorando ainda mais para as informações que foram dadas
intermediariamente, produzindo a chamada curva teórica do efeito de posição serial
(Pergher & Stein, 2003). Esse, talvez, seja o motivo pelo qual foram separados dois
componentes, um para itens que medem as últimas informações apresentadas e outro com
itens que medem as primeiras informações apresentadas. Não foi separado um componente
para informações intermediárias, mesmo quando extraídos seis componentes, sugerindo a
dificuldade que os sujeitos tiveram para armazenar informações intermediárias do relato.
Ao se avaliar a confiabilidade dos três componentes extraídos, observou-se que os
índices de fidedignidade produzidos pelo terceiro componente foram considerados
insatisfatórios (alfa de Cronbach e lambda de Guttman = 0,47), tornando a estrutura com
três fatores não recomendada.
Foi rodada uma nova extração com dois fatores. Inicialmente, o método de rotação
utilizado foi oblíquo (promax) para verificar a existência de correlação entre os
61
componentes. A rotação produziu componentes com uma correlação de 0,34. Esse resultado
indica que os componentes possuem uma dependência entre eles tornando uma rotação
ortogonal não recomendada. A interpretação do conteúdo dos agrupamentos de itens
mostrou que o primeiro componente refere-se à memória e o outro avalia inferência.
2.1 Extração de Dois Componentes
Tendo em vista maior clareza na interpretação dos componentes, a análise do scree
plot, a aproximação com a teoria e a análise da confiabilidade dos componentes, optou-se
pela extração de 2 componentes. Com base nessa decisão, foi rodada uma nova extração
com 2 componentes, eliminando-se, contudo, os itens com cargas inferiores a 0,32
(Tabachnick e Fidell, 2001) para verificar a estrutura definitiva do instrumento. A
eliminação dos itens justifica-se porque, em razão de sua carga muito baixa, é possível que
tenham sido mal elaborados, ou os sujeitos os entenderam de forma diferenciada, ou
ficaram excessivamente difíceis, tendo, possivelmente, provocado confusão entre os
respondentes. Além disso, também foi retirado um item do segundo componente, cuja carga
era negativa, para tornar a estrutura ainda mais simples, já que sua ausência não interfere na
confiabilidade do instrumento.
A eliminação dos itens produziu as seguintes modificações: 1) o KMO elevou-se de
0,73 para 0,81; 2) o total de variância explicada pelos 2 componentes que antes era de
16,36% elevou-se para 25,50% e, finalmente, 3) o scree-plot pareceu separar um pouco
62
mais os componentes, tornando mais clara a recomendação para dois fatores, conforme
mostra figura 3.
Scree Plot
Número de componentes
5249
4643
4037
3431
2825
2219
1613
107
41
Eige
nval
ue
7
6
5
4
3
2
1
0
Scree Plot
Número de componentes
27252321191715131197531
Eige
nval
ue
6
5
4
3
2
1
0
Figura 3. Comparação dos Scree-plots quando eliminados os itens com carga baixa. A figura da esquerda representa a análise com todos os 53 itens do teste e a figura da direita, a análise eliminando os itens com cargas baixas.
Os resultados das análises eliminando os itens com cargas baixas são mostrados na
tabela 5. De acordo com os resultados observa-se que 20 itens compõem o primeiro
componente e 12 itens compõem o segundo componente.
63
Tabela 5. Matriz componencial do Teste de Memória deRelatos, eliminando itens com cargas baixas.
Componente 1 2Item 39 0,73 Item 14 0,64 Item 8 0,62 Item 45 0,60 Item 19 0,58 Item 1 0,53 Item 38 0,50 Item 23 0,48 Item 37 0,47 Item 50 0,45 Item 6 0,44 Item 49 0,43 Item 12 0,43 Item 31 0,41 Item 22 0,40 Item 16 0,40 Item 20 0,40 Item 33 0,36 Item 36 0,36 Item 40 0,32 Item 46 0,62Item 35 0,55Item 53 0,50Item 44 0,47Item 47 0,46Item 42 0,46Item 15 0,43Item 27 0,43Item 10 0,39Item 52 0,36Item 30 0,36Item 24 0,34
Eigenvalue 5,54 2,21
Variância explicada 0,28 0,18
Nº de itens 20 12
Alfa de Cronbach 0,83 0,66
Lambda de Guttman 0,84 0,67
64
3 Fidedignidade do Instrumento
A avaliação da fidedignidade dos itens foi verificada com o Alfa de Cronbach e o
Lambda de Guttman, conforme mostrado na tabela 5. Os resultados indicaram que o
primeiro componente possui Alfa de 0,83 e Lambda de 0,84, o segundo componente 0,66 e
0,67, respectivamente. Os valores são considerados satisfatórios, apesar de os índices do
segundo componente indicarem que seus resultados devem ser analisados com cautela.
4 Análise dos Escores dos Sujeitos em cada Componente
Foi realizada a análise dos escores dos sujeitos nos 2 componentes extraídos. O
objetivo foi verificar a adequação do instrumento em termos da distribuição de freqüência
dos componentes avaliados. Se os escores se distribuírem normalmente em torno da média,
tem-se uma medida de validade do teste, uma vez que os construtos psicológicos são
distribuídos normalmente na população (Hays, 1963, Stigler, 1986, Pasquali, no prelo).
Dessa forma, a maioria das pessoas terá uma capacidade mediana para determinado
atributo, com uma pequena parcela se destacando com superdotação ou subdotação daquela
característica. Se um teste é capaz de reproduzir essa distribuição, isso é um indício de
validade desse teste. A tabela 6 e a figura 4 mostram os resultados das análises.
65
Tabela 6. Distribuição de freqüência dos escores dos componentes do instrumento.
Memória InferênciaN 319 319Média de acertos 13,45 4,45Desvio padrão 4,46 2,59Assimetria -0,66 0,25Desvio padrão da assimetria 0,14 0,14Curtose -0,23 -0,51Desvio padrão da curtose 0,27 0,27Mínimo 0 0Máximo 20 11
20,018,0
16,014,0
12,010,0
8,06,0
4,02,0
0,0
MEMÓRIA
Freq
uênc
ia
70
60
50
40
30
20
10
0
12,010,08,06,04,02,00,0
INFERÊNCIAFr
equê
ncia
100
80
60
40
20
0
Figura 4. Distribuição dos escores dos componentes memória e inferência.
A análise dos resultados mostra que em ambos os componentes os sujeitos tiveram os
escores relativamente bem distribuídos. A média dos escores dos sujeitos no componente
memória foi 13,45 (Dp= 4,46), sendo que o valor máximo que se poderia atingir seria 20,
caso o sujeito acertasse todos os itens. Isso significa que a maioria dos sujeitos mais acertou
do que errou os itens do componente. Já no caso do componente inferência a média dos
escores dos sujeitos foi 4,45 (Dp = 2,59), sendo que o valor máximo desse componente
seria 12. Dessa forma, a maioria dos sujeitos mais errou do que acertou as respostas dos
itens desse componente, sendo que ninguém acertou todos os itens. Assim, os dados
66
sugerem que os sujeitos têm mais facilidade para responder aos itens de memória do que
aos itens de inferência. Esses dados corroboram a literatura, mostrando que diferenciar uma
inferência dos eventos originais é uma tarefa difícil, tendo em vista que o natural seria
tomar a inferência como um fato (Anderson, 2004; Sulin & Dooling, 1974; Owens, Bower
& Black, 1979; Loftus & Palmer, 1974; Loftus, 1975; Loftus & Hoffman, 1989; Greene,
1992).
5 Tempo de Realização do Teste
O tempo que cada sujeito levou para preencher a folha de respostas foi contabilizado
e posteriormente analisado. Os resultados dessa análise mostraram que mais de 80%
(87,9%) das pessoas submetidas ao teste concluíram o preenchimento da folha de respostas
antes de 8 minutos decorridos após o comando para iniciarem o preenchimento. Dessa
forma, concluiu-se que esse deve ser o tempo máximo que os futuros testandos devem
possuir para o preenchimento da folha de respostas na situação real de testagem.
6 Análise de Regressão
Foi realizada uma análise de regressão múltipla, utilizando-se o método enter.
Avaliou-se cada um dos dois componentes levando-se em conta dados das variáveis
demográficas e de percepção coletados na tarefa interpolada. As variáveis investigadas no
67
questionário demográfico foram: sexo, escolaridade, idade e se o sujeito trabalha ou não.
Os dados sobre autopercepção podem ser observados na tabela 7. De acordo com
resultados, a maioria dos sujeitos percebe que possui boa memória, tanto geral, quanto
icônica ou ecóica.
Tabela 7. Autopercepção de memória dos sujeitos (N = 319).Variável e Níveis
f % Autopercepção geral da memóriaMemória boa 203 63,6Memória ruim 94 29,5Memória mediana 21 6,6Sem resposta 1 0,3
Autopercepção da memória icônicaMemória boa 249 78,1Memória ruim 69 21,6Memória mediana 0 0Sem resposta 1 0,3
Autopercepção da memória ecóicaMemória boa 197 61,8Memória ruim 116 36,4Memória mediana 1 0,3Sem resposta 5 1,6
f= freqüência absoluta.
Na análise de regressão avaliaram-se os dados que mostraram uma correlação
bivariada significativa com os componentes do teste. Para o caso do componente memória
foram avaliadas as variáveis “autopercepção geral da memória”, “autopercepção da
memória ecóica” e “escolaridade”. Os resultados dessa análise são mostrados na tabela 8.
68
Tabela 8. Resultados da análise de regressão múltipla para o componente memória.
Componente Beta t pEscolaridade 0,08 1,45 0,15Autopercepção geral da memória -0,20 -3,34 0,001Autopercepção de memória ecóica -0,12 -1,90 0,058
R=0,30 e R²= 0,09
De acordo com os resultados, a correlação das variáveis analisadas com o
componente memória explica 9% da variância (R²= 0,09), quase toda ela devido à variável
autopercepção geral de memória (beta= -0,20). Os resultados mostram que o componente
memória está correlacionado significativa e negativamente com a variável “percepção geral
da memória” (beta= -0,20, p<0,001).
No caso do componente inferência, foram avaliadas as variáveis “sexo”,
“idade”, “escolaridade”, “autopercepção geral de memória”, “autopercepção da memória
icônica” e “autopercepção da memória ecóica”. Os resultados são apresentados na tabela 9.
Tabela 9. Resultados da análise de regressão múltipla para o componente inferência.
Componente Beta t pSexo 0,10 1,84 0,07Idade 0,09 1,19 0,24Escolaridade 0,11 1,42 0,16Autopercepção geral da memória -0,17 -2,82 0,01Autopercepção de memória icônica -0,03 -0,49 0,62Autopercepção de memória ecóica -0,10 -1,66 0,10R=0,36 e R²= 0,13
69
De acordo com a tabela 9, a correlação das variáveis mencionadas com o
componente inferência explica 13% da variância (R²= 0,13), sendo que, como no
componente memória, a maior parte dessa variância é explicada pela variável
autopercepção geral da memória (beta= -0,17).
Seguindo o padrão apresentado no componente memória, os resultados
mostram que o componente inferência está correlacionado significativa e negativamente
com a variável “autopercepção geral da memória” (beta= -0,17, p<0,01).
Os resultados da análise de regressão, portanto, sugerem que os sujeitos que
acreditam possuir boa memória geral demonstram um desempenho inferior para os itens do
componente memória e inferência, e vice-versa.
7 Tabela de Normas
Uma vez que o Teste de Memória de Relatos foi construído para utilização em
seleção de pessoal, foi realizada uma análise dos percentis a fim de estabelecerem-se
normas para avaliação dos escores do teste. Cabe ressaltar que outras pesquisas são
sugeridas para estabelecer uma tabela de normas com valores mais fidedignos. As normas
são expressas em escores percentílicos os valores encontrados são mostrados na tabela 10.
70
Tabela 10. Normas para o Teste de Memóriade Relatos.
Percentis Memória Inferência3 4 05 5 010 7 115 8 120 9 225 10 330 11 335 12 340 13 445 14 450 14 455 15 560 16 565 16 570 16 675 17 680 18 785 18 790 19 895 19 998 20 10
71
CONCLUSÃO
As análises estatísticas realizadas produziram resultados satisfatórios de acordo com
os padrões estabelecidos pela Psicometria. Foram obtidos dois componentes – memória e
inferência. A avaliação da fidedignidade do teste foi considerada satisfatória embora os
dados produzidos pelo fator inferência devam ser avaliados com cautela.
Os resultados apresentados são promissores por indicarem que o Teste de Memória
de Relatos representa uma medida válida e fidedigna desse construto, avaliando memória e
inferência.
Foi verificado que o componente memória se divide temporalmente entre memória
recente (com itens que se referem às informações fornecidas no final da história) e memória
tardia (com itens que se referem às informações fornecidas no início da história). Esse
resultado está de acordo com a literatura, que demonstra a existência de uma curva teórica
do efeito de posição serial para nossa memória, ou seja, temos mais facilidade para
memorizar as informações fornecidas por último e menos facilidade para as que foram
fornecidas intermediariamente. No entanto, estatisticamente, essa composição com três
componentes, ou seja, memória recente, memória tardia e inferência, produziu índices de
fidedignidade não satisfatórios. Isso tornou a estrutura com os três componentes não
recomendada. Futuros estudos podem ser realizados objetivando melhorar os itens que se
referem à memória tardia, que foi o componente com menor índice de confiabilidade.
O teste construído foi idealizado para melhorar as seleções de policiais. Dessa forma,
o instrumento foi desenvolvido atendendo essa realidade, respeitando o contexto dessa
profissão e buscando a maneira mais eficaz de atender esse propósito. O cuidado em
72
garantir uma equivalência entre a medida e o contexto real de trabalho demonstra uma
maior qualidade do instrumento construído.
Talvez uma forma de melhorar as análises do instrumento seria a retirada da coluna
“não lembro”. A inclusão dessa coluna foi uma estratégia para tentar tornar os dados mais
“limpos”, porém, é possível que os tenha tornado mais confusos. A introdução da coluna
“não lembro” foi uma tentativa de diminuir as respostas de chute dos sujeitos e deixar que
apenas os componentes memória e inferência estivessem presentes ao responder. No
entanto, é possível hipotetizar que a coluna “não lembro” pode ter produzido inclusão de,
ao menos, mais uma variável no momento em que os sujeitos respondiam ao teste: a
segurança/autoconfiança. Existe a possibilidade de que pessoas que são mais inseguras
tenderam a responder com maior freqüência “não lembro” quando não tiveram absoluta
certeza daquela resposta, ao passo que pessoas mais seguras possivelmente tendiam a
responder aquilo que lhes parecia o certo, visto que confiariam mais em sua memória. Se
essa variável segurança/autoconfiança realmente estava interferindo nas respostas dos
sujeitos, a memória e a inferência não seriam os únicos construtos atuando quando o sujeito
respondia aos itens.
A coluna “não lembro” sequer impediu as respostas em branco. Mesmo tendo a opção
de dizer que não se lembra e com a instrução para responder a todos os itens, a maioria dos
sujeitos (97,8%), por alguma razão desconhecida, se absteve de responder ao menos um
item.
É razoável supor que, retirando a coluna “não lembro”, as porcentagens de variância
explicadas aumentariam e as análises estatísticas melhorariam como um todo.
As análises de regressão mostraram que há uma correlação negativa significativa
entre os componentes memória e inferência e a variável autopercepção geral da memória.
73
De acordo com os resultados da análise de regressão, a maioria dos sujeitos que acreditava
ter uma boa memória teve um desempenho inferior no teste construído e vice-versa. Talvez
a correlação encontrada esteja mais fortemente relacionada com o componente inferência e
com características de personalidade dos indivíduos. Ou seja, o sujeito pode demonstrar
uma boa capacidade para reter o significado geral da história e isso lhe é suficiente no dia-
a-dia, sendo plausível auto-atribuir-se uma boa memória. No entanto, quando lhe é exigida
não só a capacidade de armazenar o significado principal de um relato, mas fazê-lo de tal
maneira e com tanto rigor que lhe permita diferenciar o que realmente ouviu de uma
inferência plausível, isso se torna mais difícil e o desempenho na tarefa não é tão bom
quanto ele acredita que seria. Já os sujeitos que, em princípio, são mais cuidadosos em
auto-atribuir-se uma boa percepção de memória, parecem ser mais criteriosos também ao
analisar a história que lhes foi contada. Dessa forma, esses sujeitos demonstram um
desempenho melhor ao responder os itens, porque, uma vez que são mais criteriosos,
conseguem diferenciar melhor o evento original de uma inferência. Ainda assim, outras
pesquisas são sugeridas para melhor avaliar esse fenômeno.
É importante tecer algumas considerações sobre a forma de avaliação de memória
utilizada no Teste de Memória de Relatos. Embora a forma de avaliação de recuperação
livre seja a que mais se aproxima da realidade policial em termos de freqüência, a forma de
reconhecimento também faz parte do cotidiano de seu trabalho. Neste estudo, optou-se pela
forma de avaliação de reconhecimento, visando a uma solução de compromisso entre a
realidade policial e a celeridade e praticidade do instrumento, elementos norteadores da
Psicometria e da Seleção de Pessoal. Avaliar a memória por meio da recuperação livre
despenderia tempo em demasia, enorme quantidade de pessoal, energia e recursos
financeiros, quase que inviabilizando o processo, numa situação real. Ademais, a avaliação
74
por meio do reconhecimento não compromete a validade do instrumento visto que, a
despeito da forma de avaliação, continua-se avaliando memória de relatos, embora a forma
de avaliação evoque processos diferenciados de recuperação da memória do indivíduo. No
entanto, sugere-se que sejam feitas pesquisas no sentido de verificar se a forma de
avaliação altera os resultados do teste construído.
Quanto aos aspectos práticos dos resultados encontrados, embora não tenham sido
estudados, é possível especular acerca da funcionalidade das informações retidas na
memória de relatos em detrimento daquelas esquecidas. Um estudo para verificar esse tipo
de relação foi conduzido por Mandler e Ritchey (1977). Esses autores argumentam que
assim como acontece com os estímulos ecóicos, para os estímulos icônicos os detalhes
desaparecem e o significado do conjunto de informações codificadas é que é mantido. Em
seus estudos constataram que, dada uma figura com vários objetos, as informações
espaciais ou a relação de espaço entre os objetos são esquecidas mais rapidamente do que
informações inventariais. Para esses autores, é razoável supor que as informações visuais
que são mantidas ou perdidas refletem sua utilidade para ação. Informações espaciais ou a
relação dos objetos são importantes temporariamente quando queremos, por exemplo,
sentar numa cadeira. Entretanto, parece mais crucial para antecipar futuras interações saber
se uma sala contém determinado móvel e(ou) onde ele está localizado. De forma análoga
entende-se que as informações verbais que são mantidas ou esquecidas podem ser um
reflexo de sua funcionalidade. Se existe um critério de funcionalidade na seleção de
informações a serem armazenadas fornecidas por estímulos icônicos, ao menos valeria a
pena investigar se o mesmo ocorre com informações fornecidas por estímulos ecóicos.
Nesse sentido, sugere-se que seja verificado empiricamente se o Teste de Memória de
75
Relatos reproduz essa especulação teórica da funcionalidade da informação registrada na
memória icônica.
Considera-se que a metodologia utilizada no presente estudo foi adequada, visto que
expõe o sujeito a uma narração complexa, rica em detalhes em sua seqüência de fatos e
cheia de inferências possíveis, o que garante uma maior proximidade com a realidade da
profissão policial.
Sugere-se que, quando o Teste de Memória de Relatos for utilizado numa bateria de
testes, seja um dos primeiros, senão o primeiro da bateria, uma vez que os esforços
cognitivos de testes anteriores poderão prejudicar a validade deste teste. Também deve ser
aplicado antes de testes projetivos porque, por ser psicométrico, não gera tanta ansiedade
quanto um teste projetivo, sendo mais eficaz na introdução do sujeito ao ambiente de
testagem.
Embora os resultados tenham mostrado a validade do Teste de Memória de Relatos,
devem-se ressaltar dois pontos: primeiro que é recomendável que sejam feitos outros
estudos antes de sua sujeição ao Conselho Federal de Psicologia para averiguação de sua
qualidade técnica, conforme resolução n. 002/2003 do CFP. Segundo que, mesmo que o
teste apresentado atinja os requisitos de qualidade necessários à sua inclusão no mercado,
há que se considerar a sua correta aplicação e interpretação, bem como sua constante
evolução e enriquecimento por meio de estudos futuros e observações clínicas, conforme
sugere Anastasi (2000). Também deve ser advertido que nos últimos anos observou-se a
evolução de questionamentos epistemológicos que tiveram como conseqüência a
necessidade de se reavaliar o conceito de validade que vem sendo aplicado aos
instrumentos e procedimentos de avaliação em Psicologia (Tavares, 2003). É importante
conceber que um instrumento com boa qualidade psicométrica não implica,
76
necessariamente, dados verdadeiros. Dessa forma, torna-se fundamental a interpretação dos
dados obtidos de forma conjunta, não estabelecendo relações cegas entre os resultados e a
realidade.
77
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A elaboração da história privilegiou a narração de um episódio que procurasse
despertar o quanto menos de conteúdo emocional nos testandos, numa tentativa de controle
da interferência da variável emoção no construto memória de relatos. Esta variável - tipo de
história - não foi testada neste estudo.
É possível hipotetizar que, a despeito do cuidado exposto acima, os nomes escolhidos
para os personagens, o desencadeamento dos fatos e os objetos da história, dentre outras
características desta, pudessem ter facilitado ou dificultado a memória de cada testando,
enviesando individualmente as respostas dos indivíduos, ainda que minimamente. No
entanto, essas variáveis intervenientes possivelmente se dissipam devido à extensão da
história e ao número de itens.
Uma outra crítica que pode ser feita ao teste é quanto às instruções. Estas deixam
claro que “se o que está escrito, na sua totalidade, é exatamente igual ao que você ouviu na
história, então o item é verdadeiro”. No entanto, nenhum item é exatamente igual ao que se
ouve na história, mas são, sim, afirmações sobre o que se ouviu na história. Dessa forma,
coube ao testando concluir que, na verdade, o item verdadeiro é aquele cujo conteúdo
corresponde às informações explicitamente ditas na história e os itens inferenciais seriam as
informações implícitas. Esse pode ter sido um componente que gerou alguma confusão para
os respondentes, principalmente nos primeiros itens, causando algum prejuízo para as
análises estatísticas.
Também pode ser criticado o fato de que o teste, tendo sido feito para avaliações em
seleções, deixa a desejar no sentido de evitar fraudes, uma vez que, ouvida a história, um
78
sujeito poderia adiantá-la para outros candidatos a seleções, invalidando as medidas a
serem obtidas. Esse ponto pode ser mais bem trabalhado com a constante construção de
novas histórias equivalentes e adaptações dos itens a esses novos estímulos. Embora não
seja uma solução definitiva, essa alternativa pode dificultar as tentativas de fraudes na
aplicação do teste. Cabe ressaltar, no entanto, que nenhum teste está livre de fraudes,
mesmo aqueles que são menos suscetíveis a elas, como os projetivos. As tentativas
deliberadas de fraudes em seleções de pessoal não seriam apenas um problema do
instrumento, mas um problema econômico e cultural, realidade que os psicólogos estão
tentando controlar, embora não haja, até o momento, soluções absolutamente seguras.
79
COMENTÁRIOS FINAIS
Este foi um estudo pioneiro no campo de avaliação formal da memória de relatos no
Brasil e trouxe importantes contribuições. Foram produzidos resultados corroborando a
literatura que aponta dificuldades dos sujeitos na distinção entre realidade e inferências.
Também foi verificado que a memória de relatos não pode ser entendida sem a avaliação do
componente inferência. Além disso, os dados desse estudo corroboram a literatura que
mostra que a memória de relatos se divide temporalmente em memória recente e memória
tardia. Finalmente, foi construído e validado um instrumento de avaliação de memória de
relatos para ser utilizado em seleções de pessoais.
Sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas com a Forma B do instrumento para
avaliar se a estrutura das análises estatísticas será semelhante à apresentada pela forma A.
Também é importante avaliar outras histórias e comparar os dados com aqueles
apresentados neste estudo a fim de que seja verificada a possível influência desse estímulo
nas respostas dos sujeitos. A partir desses resultados seria possível vislumbrar formas
paralelas do teste, objetivando, principalmente, evitar tentativas deliberadas de fraudes em
seleções.
Estudos posteriores podem ser realizados para melhorar os itens que se referem à
memória tardia, a fim de possibilitar uma estrutura com três componentes do instrumento,
permitindo uma maior distinção entre os sujeitos que responderem ao teste.
É recomendável que sejam realizados outros estudos de validade, principalmente
validade de critério, os quais não foram contemplados nessa pesquisa. Outros estudos de
validade de construto devem ser realizados como, por exemplo, a avaliação das mudanças
80
desenvolvimentais e sua correlação com os resultados do teste, além de outros estudos
sobre a consistência interna e validação convergente discriminante.
Por fim, é sugerido também que seja avaliada a funcionalidade das informações que
são privilegiadas no armazenamento na memória de relatos, em virtude dos achados de
Mandler e Ritchey (1977), como foi exposto nas conclusões.
81
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