UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES
A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO
CIVIL BRASILEIRO
NATAL/RN 2016
THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES
A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO
CIVIL BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio
NATAL/RN 2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Gomes, Thereza Cristina Costa Rocha.
A análise constitucional da prova à luz do atual processo civil brasileiro / Thereza Cristina
Costa Rocha Gomes. - Natal, RN, 2016.
110 f.
Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.
1. Processo civil brasileiro – Dissertação. 2. Provas - Dissertação. 3. Garantia constitucional –
Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 347.91/.95(81)
THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES
A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA PROVA À LUZ DO ATUAL PROCESSO
CIVIL BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Professor Examinador
____________________________________________
Professor Examinador
____________________________________________
Professor Examinador
A quem dedico este trabalho
Ao meu pai Francisco das Chagas Rocha,
minha fonte inesgotável de inspiração; a minha
Gabi, que do céu vibra com esta conquista; a
Marcos Vinícius, que sublimou todos os
instantes que esteve sem a minha presença, e
a quem devoto todo o meu amor; a Clebson,
que está sempre ao meu lado, com o incentivo
tão necessário. À minha mãe Stella, pelas
orações e pela tão importante ajuda em todos
os momentos.
A quem agradeço
A Deus, por primeiro.
E muito especialmente ao meu orientador Artur Cortez Bonifácio, juiz exemplar,
professor fiel à sua missão, jurista que honra o Estado do Rio Grande do Norte,
a quem eu apresento minha especial homenagem pelo ser humano
maravilhoso que é, e que aceitou o encargo de assistir-me neste trabalho, além
de incentivar-me sempre e confiar que seria possível chegar ao fim da trajetória
empreendida com tanto sacrifício.
Ao meu tio José Taumaturgo da Rocha, meu porto seguro, minha inspiração, minha fonte de sabedoria.
À minha tia Iza, pelo carinho tão indispensável e pelas orações.
Ao meu irmão Claudio Marcello, sempre ao meu lado.
Aos meus queridos amigos Maria Jacqueline Luna e François de Oliveira, pela ajuda e pela paciência de sempre.
A todas as pessoas que contribuíram para o cumprimento deste mister, com orações e palavras de incentivo.
RESUMO
Este trabalho possui como norte a análise constitucional das provas de acordo com o novo regramento do Código de Processo Civil. Através dessa abordagem, é lançado um olhar para um tema que é de extrema relevância, especialmente quando se tem em conta a entrega de uma prestação jurisdicional justa e pautada nas garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito. O estudo das provas revela a preocupação com a condução de uma atividade em que o devido processo legal seja aplicado com toda a sua pureza e inteireza, tanto com a observância do contraditório, tanto com a duração razoável do processo, que são, efetivamente, os maiores desejos da sociedade. Ao magistrado cumpre o dever de analisar as provas trazidas aos autos, refletindo essa análise no julgamento motivado da querela. Para tanto, há de se valer de um instrumental discursivo marcado por indispensável rigidez lógica. Diante da importância do instituto, deve-se, por imperativo, analisa-lo à luz das premissas norteadoras do estado democrático, em que a argumentação e as provas com que se pretende corporificar essa argumentação devem integrar o arcabouço probatório dos autos. O processo é o instrumento posto à disposição para a concretização da garantia constitucional de um processo justo, pautado no devido processo legal. Para a consecução desse mister, o destinatário das provas necessita de elementos para formação do seu convencimento, que conduzirá à composição do litígio que lhe foi posto à apreciação.
Palavras-chave: Provas – Processo civil – Garantia constitucional.
ABSTRACT
This work has the north constitutional analysis of the evidence in accordance with the new establishment of rules of the Civil Procedure Code. Through this approach, launching a look at an issue that is extremely important, especially when you take into account the delivery of a fair adjudication and guided by constitutional guarantees of the democratic rule of law. The study of the evidence reveals concern about the conduct of an activity in which due process is applied to all its purity and integrity, both with the observance of the contradictory, both the reasonable length of proceedings, which are effectively the greatest desires of society. The magistrate fulfills the duty to consider the evidence brought before the Court, such an analysis reflecting the motivated judgement of the complaint. For that, one has to be worth a discursive instrumental marked by essential logic stiffness. Given the importance of the institute must, for imperative, analyzes it in the light of the guiding assumptions of the democratic state, in which the arguments and evidence that is intended to embody this argument be included in the evidentiary framework of the case. The procedure is the instrument made available for the implementation of the constitutional guarantee of the due process, based on due process. For the achievement of this task, the recipient of the evidence needs elements for formation of his conviction that will lead to dispute the composition of which was put him appreciation.
Key-words: Evidence – Civil lawsuit – Constitutional guarantee.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
CAPÍTULO I: ASPECTOS LÓGICOS DA PROVA – FILOSOFIA E LÓGICA NA
CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO DA PROVA
1. POR QUE FALAR EM LÓGICA?.............................................................................13
2. OS TEMAS DA CERTEZA E DO ERRO...................................................................22
3. QEM TEM MEDO DAS FALÁCIAS?........................................................................25
CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA. AFINAL, O
QUE É A PROVA SEGUNDO A TEORIA GERAL DO DIREITO?
1. PROVA: UMA IDEIA INICIAL ..................................................................................32
2. A BUSCA DA VERDADE..........................................................................................34
2.1. VERDADE E VEROSSIMILHANÇA.......................................................................39
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROVA......................................................................41
4. CONCEITO, OBJETO E FINALIDADE DA PROVA NA ATIVIDADE
JUDICANTE..................................................................................................................44
4.1 – CONCEITO...........................................................................................................44
4.2 – OBJETO...............................................................................................................48
4.3 – FINALIDADE........................................................................................................52
CAPÍTULO III: A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL ATRAVÉS DO
TEMPO – A FILOSOFIA POR TRÁS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO
PROCESSO E DA PROVA
1. ANTES DE CHEGAR AO CONSTITUCIONALISMO: O ILUMINISMO................................................................................................................ 54
2. ANTES DE CHEGAR AO NEOCONSTITUCIONALISMO: O
CONSTITUCIONALISMO ............................................................................................56
3. SOBRE O NEOCONSTITUCIONAISMO................................................................. 60
CAPÍTULO IV: A PROVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1.O ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO........................................................................................................................68
2. SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA E A GARANTIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL
À PROVA......................................................................................................................70
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A QUESTÃO DA
PROVA..........................................................................................................................74
3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ......................................................75
3.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.........................................77
3.3 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS..............................................80
3.4 PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO......................................82
3.5 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES......................................................83
CAPÍTULO V: A PROVA NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM FACE ÀS
OPÇÕES CONSTITUCIONAIS
1. A DISCIPLINA DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E A
PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº
13.105/2015).................................................................................................................86
2. ATIVIDADE JUDICANTE: ANÁLISE, CABIMENTO E NECESSIDADE DA
PROVA..........................................................................................................................88
3. PROVA E ÔNUS PROBATÓRIO..............................................................................90
4. PODERES DISCRICIONÁRIOS DO JULGADOR NA APRECIAÇÃO DA
PROVA..........................................................................................................................93
5. TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA NO CPC/2015 E A
QUESTÃO DA PROVA.................................................................................................97
CONCLUSÃO.............................................................................................................102
REFERÊNCIAS...........................................................................................................106
11
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo realizar uma análise da prova,
instituto de direito processual, à luz da Constituição Federal de 1988. Sua
fixação deveu-se à consciência de que toda atenção dispensada ao tema é de
grande valia, sendo a prova imprescindível para a busca da verdade, valendo o
mesmo na realização do cumprimento das garantias constitucionais
asseguradas pelo Estado Democrático de Direito, uma vez que a prova, ante o
disposto no art. 5º, LIV da Constituição da República, é considerada uma
exigência e uma garantia, um direito e uma necessidade. Assim, o processo
judicial, de que o sistema probatório se faz coração, deve pulsar sempre em
conformidade com o ritmo ditado pela Constituição, animado pelo esforço
empreendido para o estabelecimento da paz social, traduzido, sobretudo, pela
composição dos litígios, na esteira do ideal de justiça.
Além do cumprimento do desiderato de atender a exigências
didáticas, este trabalho se apresenta como uma contribuição para o estudo do
direito probatório brasileiro, especialmente no que tange à necessidade de
produção de prova para formação do convencimento do magistrado. Isso tudo
à consideração de como se faz presente tal necessidade, sobretudo ao ser
verificado que o ônus probatório pesa com a iniciativa das partes contendoras.
O objetivo geral é a fixação da doutrina da teoria geral da prova no direito
processual, iluminada pela Constituição Federal, especialmente no que tange
aos direitos fundamentais afeitos à matéria probatória, que foram inseridos no
Código de Ritos de 2015 (Lei nº 13.105), para uma escorreita aplicação do
instituto nas lides forenses.
O trabalho é dividido em cinco capítulos. No primeiro, acontece a
discussão da logicidade da prova, fazendo-se uso de noções extraídas da
teoria da linguagem, demonstrando-se a necessidade de a lógica vir a ser
utilizada nas atividades do labor diário dos aplicadores do direito, para que se
tenham as falácias distantes do juízo que se faça sobre o conhecimento de
determinado fato levado à apreciação do judiciário. E também para que se faça
12
a análise dos argumentos trazidos ao debate, sob a diretiva de um raciocínio
correto.
A abordagem do segundo capítulo recai sobre a análise da prova
segundo a Teoria Geral do Direito, pontuando aspectos acerca da juridicidade
da prova. Neste capítulo, parte-se da definição do instituto, com contornos sutis
sobre o objeto e finalidade da prova, seguindo-se de uma retrospectiva
histórica da prova desde o seu nascedouro, até os dias atuais.
Já o terceiro capítulo contempla a formação do pensamento
constitucional, desde o iluminismo, até o neoconstitucionalismo, com especial
atenção para a formação do Estado Democrático de Direito, que norteará todo
o trabalho.
O quarto capítulo preocupa-se com a doutrina constitucional da
prova, pois, considerando o atual estágio da realidade, sabemos que os
princípios constitucionais apontam o norte para a busca de uma sociedade
pacífica. Desde que foi abolida a vingança privada, o Estado assumiu o ônus
de resolver os conflitos ocorridos entre os sujeitos sociais. Para cumprir esse
desiderato, no arco da história, ele se valeu de alguns princípios. E nos últimos
tempos, notadamente a partir do derradeiro Conflito Mundial, lançou mão de
ideias gerais insculpidas nos Textos Constitucionais, sempre buscando a
consecução de seu intento, qual seja a pacificação social. É o caso, do
contraditório e da ampla defesa, da proibição de provas ilícitas, do dever de
motivar as decisões, que são corolários do princípio maior do Devido Processo
Legal, além, evidentemente, do acesso à justiça.
Por derradeiro, o quinto capítulo se ocupa do “novo regramento
do Código de Processo Civil”, em matéria probatória. Seu conteúdo quer
sobrelevar a questão que invariavelmente é enfrentada todos os dias pelos
magistrados: analisar a prova trazida aos autos, questionando o seu cabimento
e, muito especialmente, sua necessidade. Afinal, o próprio sistema jurídico
processual brasileiro cobra essa atividade.
A necessidade da prova decorre, pois, da exata finalidade do
processo, que é a formação de um ato de autoridade suportada pelo poder de
julgar. Em outras palavras, diga-se do processo, depois de iniciado o
13
contraditório, que ele se constitui um diálogo entre as partes, travado sempre
com o objetivo de formar o convencimento do magistrado acerca das
proposições expendidas.
A identificação do conceito e importância do direito probatório como
garantia do cidadão é assaz importante para a concretização das promessas
constitucionais do estado democrático de direito.
A dissertação será construída a partir de uma pesquisa bibliográfica
das obras indicadas, além da análise dos dispositivos jurídico-legais e
enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC.
14
CAPÍTULO I: ASPECTOS LÓGICOS DA PROVA – FILOSOFIA E LÓGICA NA
CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO DA PROVA
1. Por que falar em lógica?
Cuidando de apreciar o papel da linguagem no terreno do direito,
GENARO R. CARRIÓ, logo ao iniciar sua obra “Notas sobre derecho y lenguaje”,1
relata a existência de problemas – por ele chamados de obstáculos – que se
fincam na teoria e na prática jurídicas. O surgimento de tais problemas é uma
decorrência do pouco cuidado e do esquecimento votados por juristas a
algumas características próprias da linguagem natural que, como sabido, é
utilizada em sede de formulação e aplicação normativas.
O citado CARRIÓ chama a atenção para a riqueza e a complexidade
da linguagem, por ele vista como ferramenta comunicacional ímpar.2 O bom ou
mau funcionamento dessa ferramenta vai depender, no entendimento do citado
autor, do nível de perplexidade a que chega o destinatário das mensagens
emitidas no processo comunicacional, sendo ele de padrão científico ou não. E
isso tanto pode ocorrer em uma audição ou em uma leitura, conforme seja esse
destinatário ouvinte ou leitor. 3
A perplexidade a que se refere o jurista e filósofo argentino pode ser
traduzida em duas perguntas, consoante seja esse embaraço causado pelo
desconhecimento da “natureza... do ato verbal” que o emitente de uma
mensagem protagoniza; ou pelo desconhecimento do próprio “conteúdo do ato
verbal”.4 No primeiro caso, aquela perplexidade se manifesta através da
pergunta “Como devo tomar tal ou qual expressão?” Como ordem? Conselho?
Advertência? Súplica? Pedido? Instrução? Exigência? Assertiva? Indagação?
1CARRIÓ, Genaro R.. Notas sobre derecho y lenguaje. 4.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994. Pág.17. 2 vr. ibidem 3 vr. ibidem 4 Op, cit., pág. 18.
15
Desejo? Sugestão? Saudação? Convite? Elogio? Justificativa? Pedido de
desculpa? Recomendação? Censura? Juramento? Promessa? Maldição?
Veredicto? Autorização? Negativa? Proibição? Julgamento? Mero ato de
cortesia? 5
Já em relação ao segundo caso, a mesma perplexidade se
manifestará mediante a indagação “Que quer dizer o emissor, com aquilo que
disse?” O receptor bem pode compreender tratar-se de uma ordem, mas
apenas desconhece o que lhe foi ordenado. Ou compreende tratar-se de uma
proibição, sem saber o que lhe foi proibido.6
Lembra ainda CARRIÓ que essas duas espécies de embaraço podem
ocorrer a um só tempo, embora cheguem ambas, subpostas à análise, a ser
perceptíveis em instantes diferentes. Por isso mesmo o autor em referência
aponta a existência de dois “panoramas distintos de problema”:7
1 – Um dos panoramas se refere à primeira
pergunta e é tratado por CARRIÓ sob as rubricas “usos da
linguagem”; “significado emotivo das palavras”; “uso diretivo
da linguagem”; e “uso operativo da linguagem”. 8
2 – O outro é relativo à segunda pergunta e pode
ser apreciado em face de notórias dificuldades semânticas,
basicamente aquelas da ambiguidade e da vagueza das
palavras.9
No respeitante aos diversos usos da linguagem, são
costumeiramente identificadas, dentre outras, as funções de descrever fatos e
circunstâncias; de expressar sentimentos; de direcionar a ação de terceiros; de
especificar uma operação. Merece atenção o elenco exemplificativo listado por
CARRIÓ na demonstração desse uso operativo10: “interponho o recurso”;
5 ibidem. 6 ibidem. 7 idem, pág. 19 8 vr. idem, pág. 19 e segs. 9 idem, pág. 24 e segs. 10 idem, pág.44.
16
“renuncio a meus direitos”; “aceito sua oferta”.
Em relação agora ao emprego das palavras gerais, possuidoras de
forças denotativa e conotativa, identifique-se nelas uma extensão e uma
intensão, da mesma forma que nelas deva se perceber uma definição e uma
classificação.11
Ora, às vezes uma só palavra pode apresentar significados diversos.
É o caso da palavra “rádio”, para se seguir na esteira de CARRIÓ.12 A esse
fenômeno dá-se o nome de ambiguidade. A ambiguidade, no entanto, acolhe
mais do que a simples pluralidade de sentidos. Ela alcança ainda – novamente
o exemplo é trazido pelo autor lembrado – a possibilidade de com uma palavra
– a palavra “jogo” – que faz referência ao futebol e ao xadrez, não o fazendo
quanto à natação e à esgrima, descrever uma realidade e não outra de mesma
natureza.13
Por outro lado, as dificuldades com o uso da linguagem natural tem
seguimento com a imprecisão das palavras. Em determinados casos essa
imprecisão causa incerteza; em outros, gera dúvidas. Aqui, pois, se enfrenta a
questão da vagueza ou variabilidade de sentido que as palavras apresentam,
tanto potencial como intencionalmente. A vagueza, em qualquer dessas duas
formas expressivas, diz com a necessidade de verificação de conteúdos, aqui
valendo lembrar o exemplo dado por CARRIÓ para a palavra DINAMARQUÊS,
com que é possível designar uma pessoa humana nascida no país da
Dinamarca e um indivíduo de determinada espécie canina, nascido em
qualquer país.14
Essa lembrança traz à baila a ideia de vocabulário, visto como
compilação total ou parcial das unidades léxicas de uma língua. Tomando o
léxico da língua portuguesa, alguém encontrará o registro da palavra declarar e
de seus termos sinônimos: manifestar, patentear, expor, referir, pronunciar,
confessar, esclarecer. Para os propósitos do presente trabalho, no entanto, o
11 vr. idem, pág. 27 12 idem, pág. 28 13 idem, pág.30. 14 idem, pág. 33.
17
termo “declaração” vai servir para designar uma sentença que sirva para expor
a verdade. Isto é: com uma declaração o que se pretende será sempre expor
ou estabelecer a verdade. Desse modo, toda declaração demanda uma
validade, que se há de apoiar ou fundamentar na evidência dos fatos. Em
outras palavras: toda declaração precisa estar acompanhada de prova.
Prescindem de prova, entretanto, algumas ordens de declaração:
1. Os axiomas (declarações que expressam verdades aceitas
universalmente);
2. As evidências (declarações referentes a algo visível para
todos e que se mostram evidentes por si mesmas);
3. As proposições autorizadas15 (declarações cujo conteúdo é
suportado pela notória especialização do emitente);16
4. As declarações que escapam do domínio intelectual por:
• Dizerem respeito aos sentimentos;
• Refletirem apreciação de ordem estética; e
• Estarem ligadas à justificação ou defesa de fé religiosa.
Sendo verdade que só os fatos admitem prova, importa distinguir
fato de indício. Não porque o fato se comprova, ao passo que o indício se
infere. Mas porque o fato, quando acuradamente observado, conduz ou pode
conduzir à certeza (certeza absoluta). Já o indício, este apenas leva à
inferência do provável ou do possível, significando com isso que a inferência
produz certeza relativa.
Essa relatividade leva em conta a graduação das inferências, pois
estas balançam pendularmente do extremamente provável e possível ao
extremamente improvável e impossível. De nota, por exemplo, é o que
acontece com a certeza acaso existente sobre a ocorrência de precipitação 15 “O conceito de autoridade tem, manifestamente, um caráter relacional... Quando a relação versa sobre crenças, se fala de autoridade teórica; se é sobre ações ou decisões, de autoridade prática. Trata-se de no-ções distintas, porém obviamente relacionadas entre si.... O conceito de autoridade teórica é provavel-mente mais simples (ou mais claro) que o de autoridade prática, no sentido de que parece mais fácil de-terminar que condições devem ocorrer para que alguém tenha autoridade teórica (em um certo campo) e que consequências resultam disso.” In ATIENZA, Manuel “O Argumento de autoridade no direito”. Novos Estudos Jurídicos. Nej. 02.2012.indd. ISSN Eletrônico http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3964/2307, acessado em 21.03.2016. 16 A especialização do emitente tem a ver com o domínio especializado que cada um dos especialistas possui na área científica particular em que milita.
18
pluviométrica na região do semiárido brasileiro, por ocasião da quadra não
chuvosa do ano, normalmente reconhecível no período do verão. É
extremamente provável que no verão nordestino – na faixa Nordeste Oriental -
chova com menos frequência que no inverno. E, no entanto, é muito improvável
que no mês de janeiro nela chova mais intensamente que no mês de março.
No entanto, se alguém considera a possibilidade de não chover na
Capital do Rio Grande do Norte, bem ao centro do Nordeste Oriental Brasileiro,
essa possibilidade há de ser desprezada se, por exemplo, alguém intenta
comprovar o ponto de congelamento ou de ebulição da água ali precipitada. É
que, chovendo ou não, a água congela a 0º (zero grau centígrado) e entra em
ebulição a 100º (cem graus centígrados). Essa circunstância fática é passível
de comprovação. Uma comprovação resultante de observação cuidadosa dos
fatos, desde que esses fatos sejam adequados, relevantes, típicos ou
característicos, suficientes e fidedignos.
Para se entender a consideração acima expendida, reproduzimos as
lições de JOSÉ TAUMATURGO DA ROCHA, presentes em anotações feitas com
vistas à realização de uma projetada e não ultimada “Lógica para os juristas
práticos”, textos inconclusos postos à disposição da autora deste trabalho, que
ora serão referenciados apenas como “anotações”:
Uma vez que a tipicidade de um fato está próximo da visão que se tenha sobre a sua adequação criminal (crime é um fato típico), melhor será aqui falar em condição necessária para que se produza um acontecimento determinado (uma circunstância em cuja ausência um evento não pode ocorrer); ou em condição suficiente para que se produza um acontecimento determinado (uma circunstância em cuja presença o evento deve ocorrer).17
Com efeito, existindo numerosas condições necessárias para a
ocorrência de um evento, todas elas devem estar incluídas na condição
suficiente. Eis, pois, a razão pela qual se pode inferir legitimamente a causa do
efeito apenas no sentido da condição necessária. E somente se poder inferir
legitimamente o efeito da causa apenas no sentido da condição suficiente.
Quando as inferências são feitas tanto da causa para efeito como do efeito
17 ROCHA, José Taumaturgo da. (Anotações em sala de aula)
19
para a causa, o termo “causa” deve ser empregado no sentido de “condição
necessária e suficiente”. Neste uso a causa é identificada como condição
suficiente e a condição suficiente é considerada a conjunção de todas as
condições necessárias.
Alguém dirá que tanto aqui, quanto nas anotações de TAUMATURGO
DA ROCHA, acima transcritas, está sendo feito uso de pura lógica, entendida
como conhecimento filosófico. Eis porque, na perspectiva em que muitos se si-
tuam, o uso aqui adotado seria algo exclusivamente teórico e, por consequên-
cia, sem qualquer praticidade. Isto, porém, não é verdadeiro.
Não há dúvida, adianta o mencionado TAUMATURGO DA ROCHA, que
as palavras “lógico” e “lógica” são familiares a todos ou quase todos os envol-
vidos com o tema do direito que se pratica (prática do direito e não teoria do di-
reito): advogados, membros do Ministério Público, Juízes e seus auxiliares, cu-
jo exemplo mais adequado seria o dos peritos judiciais. Sendo assim, é admis-
sível, no mundo da operacionalidade jurídica18, encontrarem-se pessoas que
adotem um pensamento lógico, produzam uma explicação lógica, desenvolvam
um espírito lógico, assumam um comportamento lógico, cheguem a uma com-
provação lógica, a um convencimento ditado pela lógica, etc. Todos esses usos
linguísticos podem ser considerados derivativos de um sentido mais técnico
dos termos “lógico” e “ilógico”, derivação e sentido que são empregados na ca-
racterização (ou configuração, ou definição, ou elaboração, ou formulação, to-
das palavras designativas de ato ou operação) de argumentos racionais. So-
bretudo dos representantes dos sujeitos envolvidos no processo judicial, sejam
eles parciais ou imparciais.
É evidente, pelo que se torna dispensável comprová-lo, que para
bem compreender o que é lógica, uma pessoa tem de estudá-la e, consequen-
temente, de aprendê-la. O estudo da lógica, tal é a ideia mais comezinha verifi-
cável, a ponto de não se saber quem a formulou, pode ser entendido como o
estudo dos métodos e princípios que servem para distinguir o raciocínio correto
do raciocínio incorreto. Essa afirmação, contudo, não pretende estabelecer que
alguém só poderá argumentar corretamente se tiver estudado lógica. Uma
18 A expressão “operador jurídico”, amplamente utilizada por teóricos do direito, é bem a comprovação da existência dessa operacionalidade.
20
afirmação do gênero, aliás, seria tão errônea quanto a afirmação de que um
atleta, para competir, precisa conhecer fisiologia, física, química, etc.
Fato, no entanto, é que uma pessoa com conhecimento de lógica
tem mais probabilidade de raciocinar corretamente do que aquela que não o
possui. Inclusive os advogados, promotores e juízes, conhecidos e reconheci-
dos prolatores de peças judiciais, dado que algumas delas chegam a se carac-
terizar pelo mau uso, feito por seus redatores, da lógica e da gramática. E as
razões para isso são várias, de acordo com o pensamento de TAUMATURGO DA
ROCHA19:
a) o estudo adequado da lógica se fará mediante
uma abordagem prática e uma outra teórica, exigindo de
quem o realize o desenvolvimento de um esforço adicional,
qual seja o de se exercitar em todos os aspectos da teoria
que apreende;
b) uma parte do estudo da lógica consiste no
exame e na análise das falácias, como são chamados os
métodos incorretos do raciocínio. Isso não só permite que se
tenha uma visão mais aprofundada dos princípios que infor-
mam o raciocínio em geral, como, pelo conhecimento, se
possa receber substancial auxílio com vistas a se evitarem
esses ardis (as falácias);
c) o estudo da lógica proporciona certas técnicas
e certos métodos cuja aplicação leva a que se determine a
correção ou incorreção de todos os raciocínios. É que sendo
possível localizarem-se mais facilmente os erros, menor a
probabilidade de serem eles cometidos.
A lógica, lembra TAUMATURGO DA ROCHA,20 tem sido definida frequen-
temente como a ciência das leis do pensamento. Definição que, por sinal, se-
gundo o autor apontado, não se mostra exata por dois motivos:
19 Anotações em sala de aula, já referidas. 20 idem.
21
1. a lógica não pode ser “a” ciência das leis
do pensamento porque a psicologia também é uma ciência
que trata das leis mentais (entre outras coisas); e
2. se “pensamento” é qualquer processo
mental que se produz na psiquê das pessoas, nem todo
pensamento se constitui um objeto de estudo para o lógico,
pois se todo raciocínio é pensamento, nem todo pensa-
mento é raciocínio.
E acrescenta ainda o indicado autor, no mesmo texto;
Uma outra definição de lógica é a que a caracteriza como ciên-cia do raciocínio. Esta definição evita a segunda objeção pro-posta à definição anterior, o que a torna melhor do que aquela. Mesmo assim ela não é a definição mais adequada. Com efei-to, mesmo sendo o raciocínio um gênero especial do pensa-mento (nele se realizam inferências ou se derivam conclusões, a partir de premissas), ainda assim continua sendo ele uma espécie de pensamento e, por consequência, fazendo parte do material de estudo do psicólogo. O lógico não está interessado nos caminhos pelos quais a mente chega às suas conclusões durante os processos concretos de raciocínio. Ao lógico só in-teressa a correção do processo, uma vez completado. A inter-rogação do lógico é saber se a conclusão a que se chegou de-riva das premissas usadas (ou pressupostos). Se as premissas fornecem bases ou boas provas para a conclusão, se a afirma-ção da verdade das premissas garante a afirmação de que a conclusão também é verdadeira, então o raciocínio é correto. No caso contrário ele é incorreto.”21
A distinção, pois, entre o raciocínio correto e o incorreto parece ser o
problema central que incumbe à lógica tratar, pelo que os métodos e as técni-
cas do lógico também parecem ter sido desenvolvidos, primordialmente, com a
finalidade de elucidar essa distinção.
Para levar a cabo a tarefa de distinguir os argumentos corretos dos
argumentos incorretos é preciso que alguém esteja apto, primeiramente, a
reconhecer os argumentos, quando eles ocorrem; depois, é preciso que esteja
capacitado a identificar suas premissas e conclusões.
21 ibidem
22
Tomada em si mesma, nenhuma proposição, isoladamente, é uma
premissa ou uma conclusão. Uma proposição somente é premissa quando ela,
em um argumento ou raciocínio, é tomada como pressuposto de algo. E so-
mente vem a ser conclusão quando aparece em um argumento onde afirmado
que ela decorre dos pressupostos (ou premissas).
Mas entre o “distinguir” um raciocínio correto do “utilizar” um
raciocínio correto corre diferença. Um é pura teoria. Outro, pura prática. Teórica
ou praticamente, o raciocínio é um pensamento onde se realizam inferências e
donde derivam conclusões, a partir de premissas. Importa, então, para o
prático e para o teórico, saber o que sejam umas (premissas) e outras
(conclusões).
Surge, assim, uma indagação: em face de um argumento, como
dizer qual a sua conclusão e quais as suas premissas? Seguramente não será
em virtude de sua posição na formulação do argumento. Será em função de
certas palavras ou frases que servem tipicamente para introduzir a conclusão.
Essas palavras são chamadas “indicadores de conclusão” (e.g.: portanto, daí,
logo, assim, consequentemente, segue-se que, podemos inferir, podemos
concluir). Outras palavras ou frases servem, tipicamente, para assinalar as
premissas de um argumento. São os chamados “indicadores de premissas”
(e.g.: porque, desde que, pois que, como, dado que, tanto mais que, pela razão
de). Uma vez reconhecido um argumento, então, essas palavras e frases
ajudam a identificar suas premissas e sua conclusão.22
É de ser lembrado, porém, que o lógico prático não está interessado
no processo de inferência em si, mas nas proposições, que são o ponto inicial
e final desse processo, bem como nas relações entre elas existentes. Em seu
trabalho, o que ele faz é identificar proposições. Ora, e isso é mais que ressa-
bido, as proposições são verdadeiras ou falsas, e nisso diferem das perguntas,
das ordens, das exclamações. Só as proposições podem ser afirmadas e ne-
gadas. Uma pergunta pode ser apenas respondida. Uma ordem apenas pode
22 Um indicador é um articulador do discurso, é uma palavra ou expressão utilizada para introduzir uma razão (uma premissa ou uma conclusão). Segue um elenco de indicadores de premissa (pois, porque, dado que, como foi dito, visto que, devido a, a razão é que, admitindo que, sabendo-se que, assumindo que) e de conclusão (por isso, por conseguinte, implica que, logo, portanto, então, daí que, segue-se que, pode-se inferir que, consequentemente).
23
ser dada. Uma exclamação apenas pode ser proferida. Nenhuma delas pode
ser afirmada ou negada, nem é possível julgá-las verdadeiras ou falsas.
2. Os temas da certeza e do erro
Tornando conhecida ao mundo uma definição por ele próprio
debitada a um certo Isaac, que outro não é senão o filósofo ISAAC ISRAELI,23
SANTO TOMÁS DE AQUINO, nas Quaestiones disputatae de veritate24 e na Suma
Theologiae25 afirma que a verdade é a adequação da inteligência à realidade
(veritas est adaequatio rei et intellectus). Para acolher esse entendimento
importa considerar-se o que a propósito tem a dizer SIDNEY SILVEIRA26:
“no intelecto humano, a verdade é a forma (species) inteligível imaterial da coisa conhecida, abstraída das propriedades da coisa”. Isso quer dizer que a adequação (adaequatio) da inteligência (intelectus) à realidade (res) é o cumprimento de operação chamada abstração, dado que “o homem quando pensa, abstrai”.27
Para fixar o significado de abstração é preciso que se realize uma
operação de natureza alternativamente indutiva, ou dedutiva, ou analógica. A
operação indutiva produz um discurso que se vale de uma argumentação
probabilística. A dedutiva, diferentemente da anterior, pretende não operar com
probabilidades, porque parte de princípios gerais evidentes por si. A analógica
busca, com base na relação de semelhança estabelecida entre realidades,
extrair uma certeza a respeito de uma delas (ou de todas elas). Por
conseguinte, as hipóteses subpostas à verificação da verdade tem a intenção
23 vr. SILVEIRA, Sidney. A verdade: o modo próprio de adequação entre a inteligência e as coisas, <http://contraimpugnantes.blogspot.com.br/2010/09/verdade-o-modo-proprio-de-adequacao.html>. Acesso em: 16 de mar. 2016. 24 Traduções consultadas em: <http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Traducoes/05/Quaestiones%20disputatae%20de% 20 veri-tate - proemium-et-art.1.pdf.> e <http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Traducoes/05/Quaestiones%20disputatae%20de%20veritate-proemium-et-art.1.pdf>. 25TOMAS, de Aquino. Suma teológica. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2009. 9v. 26 Idem. 27 Ibidem.
24
(pretensão) de certeza. Resta saber se esse objetivo poderá ser alcançado.
A propósito da certeza, leia-se o que escreve TAUMATURGO DA
ROCHA, no seu “Direito à vida: fundamentação, promoção, defesa”28:
“Certeza, como, modo singelo, ensina JOLIVET, “é o estado do espírito que consiste na adesão firme, a uma verdade conhecida, sem temor do engano”. Isto é, a certeza vem com a verdade. Não vem com o erro, que se define, por argumento a contrario, como a “não-conformidade do juízo às coisas” (e aqui se faz referência apenas à verdade lógica - adaequatio intelectus rei, de que fala TOMÁS). Na perspectiva da verdade ontológica, aquela presente no ser das coisas, ter-se-á que o “erro” se apresenta como uma recusa da verdade, não sendo propriamente um desvio da inteligência, senão que uma manifestação de vontade.”
Do ponto de vista de seu fundamento, prossegue o autor antes
referenciado, a certeza será metafísica, física e moral. Metafísica ela será
quando baseada na essência das coisas. Física, quando fundada no seu
substrato material. Moral, quando tem por base uma lei psicológica ou uma lei
moral. Desse modo, por exemplo, ao se afirmar que a vida humana é portadora
de dignidade, faz-se adesão a uma verdade (ou assertiva que se tem por
verdadeira). E essa adesão toma por base a “essência” da vida, a experiência
que se tem da vida, ou uma lei moral, segundo a qual, a vida humana deve ser
respeitada.29
Dizem alguns, assevera TAUMATURGO DA ROCHA, que do ponto de
vista lógico, duas são as maneiras possíveis de errar.30 Erra-se porque
“raciocinamos mal com dados corretos” ou se erra porque “raciocina..(se).. bem
com dados falsos”. Os lógicos rejeitam um terceiro modo possível de erro, que
ocorre quando “raciocina...(se)... mal com dados falsos”. Sendo assim, o erro
pode resultar:
a) de um vício de forma – raciocinar mal com
dados corretos; ou
28 ROCHA, José Taumaturgo da. Direito à vida fundamentação - promoção - defesa. 2007, 3 v. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, Faculdade de Direito do Recife, Recife, 2007. 29 ibidem 30 idem
25
b) de um vício de matéria (ou substância) – raci-
ocinar bem com dados falsos.
Não compete à lógica discutir o erro em si, a opinião falsa. À lógica
cabe descrever as formas do erro, e não lhe investigar as causas. Assim, por
exemplo, não integra a lógica o debate sobre tabus, superstições, crendices. O
que a lógica pretende é mostrar que as falsas opiniões resultantes dos tabus,
das superstições e das crendices tiveram como ponto de partida um raciocínio
viciado ou vicioso.
Diz-se do raciocínio incorreto em sua forma ou em seu conteúdo que
é uma “falácia”. Há, porém, falácias cometidas involuntariamente. A essas
chamam de “paralogismos”. As falácias voluntariamente construídas reservam
a designação de “sofismas”. Desse modo, “falácia” seria “gênero’, cujas “espé-
cies”, de acordo com o grau de voluntariedade nelas presentes, seriam o para-
logismo e o sofisma. Há quem aprofunde o tema da vontade de enganar, a
ponto de esquecer o gênero em função da espécie. Daí o uso muito frequente
do termo “sofisma” por alguns lógicos, os teóricos e os práticos.31
Múltiplos são os usos da palavra “falácia”. Uma ideia equivocada ou
uma falsa crença (acreditar que todos os homens são honestos ou que todos
os políticos são ladrões) é uma falácia, na conformidade do linguajar comum.
Os lógicos, porém, consideram falácia – aqui o sentido é técnico e restrito – um
erro de raciocínio ou de argumentação. Uma falácia, desse modo, é um tipo de
raciocínio incorreto. Mas há de ser notado que, se prestando um argumento ao
convencimento de interlocutores, leitores, auditórios, argumentos há tão obvi-
amente incorretos, que jamais atingiriam seu desiderato, não enganando a nin-
guém. Esses não merecem a designação de falácia. Falácia é o argumento
que, embora incorreto, psicologicamente é persuasivo. A falácia, portanto, deve
parecer ser correta. Daí a difusão da ideia de que falácia é uma forma de racio-
cínio que parece correta, mas, sendo examinada com atenção, mostra que não
o é.
31 Ver, a propósito, o que se lê, na internet, em um “site” destituído de maior reconhecimento ou autori-dade: “No âmbito da lógica, uma falácia consiste no ato de chegar a uma determinada conclusão errada a partir de proposições que são falsas. A filosofia de Aristóteles abordou a falácia como um sofisma, um ra-ciocínio errado que tenta passar como verdadeiro, para enganar outras pessoas.” <http://www.significados.com.br/falacia/>
26
Vem se tornando costumeira a divisão das falácias em duas classes:
formais e informais (ou materiais).
a) Falácias formais são as que resultam de ar-
gumentação incorreta sobre dados justos. Aqui o erro resul-
ta de um vício de forma.
b) Falácias informais são as que resultam de ar-
gumentação correta sobre dados falsos. Aqui o erro resulta
de um engano na apreciação da matéria (dos fatos).
3. Quem tem medo das falácias?32
Para que se expurguem as falácias, urge bem conhecê-las. É que,
sendo aparentemente legítimas, são elas marcadas por erros e vícios,
circunstância que influirá na descoberta da verdade, significando com isso,
última razão, que a prova dos fatos poderá delas sofrer uma maléfica
influência.
As falácias ditas formais, aparentemente legítimas, contém vícios de
forma (pecados contra as leis formais da argumentação). Segundo informa
TAUMATURGO DA ROCHA,33 de acordo com a maioria dos lógicos, sua identidade
32 Em um texto intitulado “Guia das Falácias”, Stephen Downes, especialista em tecnologia da aprendiza-gem on-line e novas mídias, traduzido por Júlio Sameiro, teve oportunidade de afirmar: “A tradição lógi-ca e filosófica procurou fazer um inventário e dar nomes a essas falácias típicas e este guia faz a sua lista-gem.”. Na mesma URL o pesquisador canadense logra construir uma espécie de sumário, onde enumera espécies conhecidas de falácias. A estrutura dessa enumeração se ergue a partir dos seguintes elementos: I - Falácias da Dispersão (manobras de diversão): a) Falso dilema (falsa dicotomia); b) Apelo à ignorân-cia; c) Derrapagem (bola de neve ou declive ardiloso); e d) Pergunta complexa. II - Apelo a Motivos (em vez de razões): a) Apelo à força; b) Apelo à piedade; c) Apelo a consequências; d) Apelo a preconceitos; e e) Apelo ao povo. III - Fugir ao Assunto (falhar o alvo): a) Ataques pessoais; b) Apelo à autoridade; c) Autoridade anónima; e d) Estilo sem substância. IV - Falácias Indutivas: a) Generalização precipitada; b) Amostra não representativa; c) Falsa analogia; d) Indução preguiçosa; e e) Omissão de dados. V - Fa-lácias com regras gerais; a) Falácia do acidente; e b) Falácia inversa do acidente. VI - Falácias causais; a) Post hoc; b) Efeito conjunto; c) Insignificância; d) Tomar o efeito pela causa; e e) Causa complexa. VII - Falhar o alvo: a) Petição de princípio; b) Conclusão irrelevante; e c) Espantalho. VIII - Falácias da ambiguidade: a) Equívoco; b) Anfibologia; e c) Ênfase. IX - Erros categoriais: a) Falácia da compo-sição; e b) Falácia da divisão. X -- Non sequitur: a) Falácia da afirmação da consequente; b) Falácia da negação da antecedente; e c) Falácia da inconsistência. XI - Falácias da explicação: a) Inventar factos; b) Distorcer factos; c) Irrefutabilidade; d) Âmbito limitado; e e) Pouca profundidade. XII - Erros de De-finição: a) Definição demasiado lata; b) Definição demasiado restrita; c) Definição pouco clara; d) Defi-nição circular; e e) Definição contraditória. <http://criticanarede.com/falacias.html> 33 In: Anotações de sala de aula, cit.
27
falaciosa se baseia nos seguintes fundamentos:
a) a identidade aparente de certas palavras;
b) a relação inadequada do todo com a parte;
c) a relação inadequada do princípio com a con-
sequência.
Aqueles lógicos seguem dizendo o mesmo autor34, afiançam que as
falácias ditas materiais, por igual aparentemente legítimas, contêm vício de ma-
téria por erro do conteúdo de suas premissas. Isso significa que sua identidade
falaciosa se baseia na violação de alguma das regras atinentes aos processos
dos métodos científicos. Eis porque dizem que as falácias materiais podem
ocorrer quanto:
a) ao método dedutivo; e
b) ao método indutivo.
Tipos mais apontados de falácias formais são o equívoco, a diversi-
dade de partes subjetivas, a tautologia, o vício de conversão, o vício de oposi-
ção, a falácia do consequente. 35
i) Equívoco
Na enunciação do argumento, uma mesma palavra é tomada em
dois sentidos diferentes, introduzindo, portanto, quatro termos no silogismo (to-
do silogismo contém apenas três termos: maior, menor e médio). Tome-se o
exemplo clássico da constelação que ladra:
O cão ladra.
Ora, o cão é uma constelação.
Logo, uma constelação ladra.
34 ibidem 35 Valho-me, aqui, do auxílio que me prestou o Professor Taumaturgo da Rocha na compreensão de suas anotações sobre lógica, a seu juízo indispensáveis sobretudo ao “jurista prático”, expressão que ele diz ter aprendido com ANTÔNIO LUIZ MACHADO NETO.
28
ii) Diversidade de partes subjetivas
Na enunciação do argumento, um termo pode se referir, cada vez
em que é empregado, a partes subjetivas diferentes da mesma espécie.
A luz, em última análise, é vibração.
Ora, o som, em última análise, é vibração.
Logo, em última análise, o som é luz.
iii) Tautologia
Na enunciação de um argumento, a conclusão é a repetição explici-
tada de uma premissa.
Nação politicamente organizada é Estado.
Ora, o Brasil é nação politicamente organizada.
Logo, o Brasil é Estado.
iv) Vício de conversão
Na enunciação de um argumento se converte uma proposição geral,
concluindo da sua verdade uma verdade recíproca.
Todos os homens são mortais.
Logo, todos os mortais são homens.
v) Vício de oposição
Na enunciação de um argumento se converte uma proposição geral,
concluindo da sua falsidade a verdade de uma proposição contrária.
Se é falso que todo homem é virtuoso, então, nenhum ho-
mem é virtuoso.
iv) Falácia do consequente
29
Dá-se quando, da afirmação do consequente se deduz falsamente a
afirmação do antecedente; ou quando da negação do antecedente se deduz a
negação do consequente.
Se o pássaro canta, vive.
Ora, ele vive.
Logo, ele canta.
Se Maria vive, ela fala.
Ora, Maria não fala.
Logo, ela não vive.
Quanto às chamadas falácias materiais em relação ao método indu-
tivo, os tipos principais são a observação inexata ou incompleta, a ignorância
da causa, a falta ou o erro cometido no processo de indução.36
i) Observação inexata ou incompleta
Um exemplo diz tudo
Não levando em conta a refração da luz, alguém conclui
que, semi mergulhado na água, um pau está realmente quebrado.
ii) Ignorância da causa (por vícios na experimentação)
a) Tomar a coincidência como causa
Ao florescer o protestantismo, floresceram as ciên-
cias e as artes. Logo, o protestantismo foi a causa desse flo-
rescimento.
36 Também me valho do auxílio que me prestou José Taumaturgo da Rocha com suas anotações sobre ló-gica, voltada para o trabalho que o operador do direito carece sempre de realizar.
30
b) Tomar a causa parcial como causa total
A linguagem é necessária ao pensamento.
Logo, o pensamento existe por causa da lingua-
gem.
c) Tomar por causa de fato o que é apenas um anteceden-
te acidental
A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, fez perder o
Trono do Brasil a D. Pedro II.
iii) Por falta ou erro cometido no processo de indução
a) Enumeração imperfeita ou insuficiente
Consiste em concluir imprudentemente de “alguns” para “to-
dos”.
Alguns brasileiros gostam de levar vantagem em tudo.
Logo, todos os brasileiros gostam de levar vantagem em
tudo.
b) Erro de acidente
Consiste em transformar em atributo essencial o que é simples aci-
dente.
Um médico se engana. Logo, a medicina é inútil.
c) Falsa generalização (ou generalização apressada)
É aquele que conclui com base em uma enumeração insuficiente
dos casos particulares. Consiste em atribuir a um grupo, a uma classe, a uma
nação o que é próprio de alguns indivíduos.
31
Todos os brasileiros que conheci são espertos. Lo-
go, a esperteza é uma característica dos brasileiros.
Observação: a generalização apressada difere do erro de acidente porque
aquela parte sempre de uma enumeração insuficiente, ao passo que este de
um só indivíduo ou de uma determinada propriedade .
Quanto às chamadas falácias materiais em relação ao método dedu-
tivo, são elas as que ocorrem por uso de falsos axiomas, por partir de defini-
ções falsas ou inexatas e por violar alguma regra de demonstração). São elas
dos tipos ignorância da questão, petição de princípio, círculo vicioso.37
i) A ignorância da questão
Com o argumento se busca provar uma coisa diferente daquela que
está sendo tratada. Aqui se toma por causa um simples antecedente ou alguma
circunstância acidental.
Um advogado que, defendendo o cliente acusado de
homicídio, busca demonstrar que o réu é bom pai, bom filho, bom
marido, etc.
ii) A petição de princípio
Consiste em tomar por aceito aquilo que precisamente se trataria de
provar. Se se admitir por premissa que tudo neste mundo tem um fim ou um
sentido, fácil será provar que o mundo é obra de uma causa inteligente. Porém,
aquela é exatamente a premissa que deveria ser provada.
37 Quero repetir as duas anteriores notas de rodapé, como forma ainda de homenagear as gerações de ope-radores jurídicos que não deixaram fosse esquecido a máxima segundo a qual os juristas são “os mediado-res entre a vida e a lógica” apud KELSEN (1965), Disponível em <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/boletin/cont/21/pr/pr18.pdf>. Acesso em: 22 de mar. 2016
32
iii) O círculo vicioso ou dialelo
Consiste numa dupla petição de princípio. Ou seja, consiste em pro-
var, uma pela outra, duas proposições recíprocas ou definir dois termos, um
pelo outro, como acontece quando a palavra a ser definida entra na definição.
Ser vivo é o ser que vive e sente
Diante desses apontamentos, parece ficar claro que ao juiz se torna
indispensável o trânsito pelas vias lógicas, se é que, na verdade, ele pretenda
operar com correção na persecução da verdade. Perseguir a verdade, para o
juiz, significa ter bem formada sua convicção, de molde a sempre tê-la esclare-
cida. Afinal, a motivação de uma sentença (ou até mesmo de uma decisão) não
é uma realidade mítica. Como não são realidades míticas a certeza e as verda-
des fáticas que, em razão de seu ofício, ele busca sempre delas se apropriar.
Por derradeiro, nesta breve suma, o ponto final ora lançado está
longe de se constituir o sinal de esgotamento do tema. A verdade e a mentira,
a certeza e o engano, por acompanharem toda a vida humana, serão sempre
objeto (res) para o intelecto (intellectus) de todos os homens. Razão, assim,
não colhe dúvida o redator da Declaração Dignitatis Humanae sobre a liberda-
de religiosa, número 2, quando assevera: “Todos os homens, que são pessoas
dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade
pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a
verdade.” Entre eles, por certo, os operadores jurídicos.
33
CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA.
AFINAL, O QUE É PROVA SEGUNDO A TEORIA GERAL DO DIREITO?
1. Prova: uma ideia inicial
O homem, em suas experiências cotidianas, busca conhecer-se e
conhecer tudo aquilo que está ao seu redor. E é essa inquietude na busca da
comprovação e também da valoração dos fatos que ocorrem diuturnamente,
aquilo que o move em direção à constante procura da verdade.
Para CLAUDIO ZALONA LATORRACA,
“... a todo momento, por mais exíguo que seja, o homem exige para si mesmo uma comprovação e estimação dos fatos com que depara, pois a prova é onipresente e imanente ao espírito do homem. E provar é também revelar, ao mundo material e dos sentidos físicos do ser humano, aquilo que o âmago do seu ser já prejulgou a nível mental, semiconsciente ou inconsciente e que todavia necessita ser demonstrado como verdadeiro ao seu mundo consciente e material.”38
Diz-se da prova o meio através do qual é promovido o conhecimento
acerca de algo. Prova é, então, tudo o que “atesta a veracidade ou a
autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente.”39
Essa ideia de prova conduz, então, à percepção do caráter
polissêmico da palavra, pois o conceito de prova, para LUIZ GUILHERME
MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, “não é, e nem pode ser, encontrado
exclusivamente no campo do direito. Ao contrário, trata-se de noção comum a
todos o ramos da ciência, como elemento para a validação dos processos
empíricos”.40 Deparamo-nos, cotidianamente, com a preocupação de “provar”
em situações irremediavelmente singulares, como a verificação feita em um 38 LATORRACA, Claudio Zalona. A dimensão da prova no direito processual civil. S. Paulo: Hemus, 1990, pág. 11. 39 Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 3ª edição. 1999. Pág. 1.656. 40 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 55.
34
prato escolhido no cardápio de um restaurante. Esse exemplo nos leva a
pensar em outros ramos do conhecimento como a química, física, engenharia,
etc., que também exercitam essa verificação. E exatamente porque a
expressão “prova” alberga diversas acepções, “está presente em todas as
manifestações da vida humana e transcende o campo do Direito.”41
Empreendendo uma análise morfológica, registramos que o vocábulo
provém do latim probatio (que quer significar ensaio, verificação, inspeção,
exame, argumento), derivando do verbo probare: probo, as, avi, atum, are (que
significa provar, verificar, examinar, demonstrar, reconhecer, formar juízo de).
Se a análise da prova permeia tantos outros ramos sociais, para o
Direito sua importância é sobremaneira relevante, especialmente à
consideração de que o Estado Democrático de Direito assegura aos cidadãos o
direito fundamental à prova.
Havemos de nos ater nesta empreitada, à análise da prova no
sentido jurídico, compreendendo a
... denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou ato demonstrado. ... A prova consiste, pois, na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta.42
O conceito de prova sempre esteve atrelado, teleologicamente, à
busca da verdade dos fatos que estão postos à apreciação no litígio. A prova
judicial de que se servem as partes contendoras é utilizada para conduzir o
espírito do julgador no conhecimento dos fatos descritos nos autos.
É que,
“No processo judicial, as partes procuram alcançar a tutela de sua pretensão, mas a demonstração da possibilidade jurídica de seu pedido não acarretará por si própria a procedência das alegações. Exigir-se-á, fundamentalmente, a comprovação da matéria fática que envolve a situação em litígio.
41 DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paulo Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 6. ed. Bahia: Jus Podium, 2011, pág. 17). 42 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico conciso. 1. ed. Rio de Janeiro: GEN - Forense, 2008, pág. 601.
35
Ao conjunto de elementos produzidos para demonstrar a existência e a veracidade dos fatos alegados, capaz de formar a convicção do magistrado, denomina-se prova.”43
Provar, em uma conceituação simples, é a ação de buscar a verdade
possível dos fatos. É a representação que se faz de uma realidade. E,
considerando-se a impossibilidade da obtenção da verdade substancial, o
processo judicial busca obter a verdade provável (ou possível), para a
formação do convencimento do julgador.
2. A busca da verdade
“Grande e antigo é o fascínio que sobre os homens exerce o ideal de
verdade.”44 O Evangelho de S. João em seu cap. 8, 32 diz: “Conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará”.
A passagem ilustrada pelo evangelista João nos remete à
inquietante procura da verdade. Mas, afinal, o que é a verdade? Para Vitor
Ramos, verdade “nada mais é do que aquilo que acontece lá fora. É o mundo
real.”45
A palavra verdade tem sido vulgarizada ao longo dos tempos, porém, pode-se defini-la como sendo uma comprovação de notoriedade universal, que se efetiva no presente e no passado, em todas as culturas e civilizações, e reflete seus efeitos contínuos e atemporais para o futuro, independentemente de credos, dogmas ou convenções; e que os usos, hábitos e costumes humanos não podem transmutar”. 46
43 ZAGANELLI, Margareth Vetis e LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação da Prova, Ciência e Raciocínio Judicial: Considerações sobre a “Cientificização” da Prova no Processo. In: Proces-so, Verdade & Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 141 44 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo. Malheiros Edito-res, 2005. p. 280. 45 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da Prova no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 24. 46 LATORRACA, Claudio Zalona. A dimensão da prova no direito processual civil. São Paulo: Hemus, 1990, p. 10
36
A verdade é, portanto, tudo aquilo que a mente e a vontade não
podem modificar, afinal, a verdade não “depende de consensos, de crenças, ou
mesmo de descrições dos sujeitos.”47
No campo jurídico, não haveria de ser diferente, pois a verdade que
se pretende ver “descoberta” depende da sua correspondência com o mundo
real, ou com o mundo “lá fora”. Na disputa que ocorre no processo judicial,
diante do confronto das descrições fáticas do autor, em detrimento da
contestação apresentada pelo réu, há o claro intuito de realizar a demonstração
da “verdade dos fatos”, considerando-se que a comprovação da verdade
garante aos cidadãos o pleno exercício dos direitos fundamentais garantidos
constitucionalmente.
A investigação dos fatos jurídicos é fundamental para a obtenção da
descoberta da verdade, considerada essencial para a plena realização do
objetivo principal do processo.
Em sede processual, outra forma não há para testificar as
alegações, senão a partir da análise dos fatos descritos no processo. Essa
análise que se estabelece entre os fatos ocorridos e os fatos narrados no
processo foi objeto de estudo para Margareth Zaganelli e Maria Lacerda,
seguindo o magistério de Taruffo. Afirmam as autoras que:
Se se estabelece a vinculação funcional entre prova e verdade dos fatos da causa, a situação complica-se. São duas as razões: a primeira é a ideia de uma verdade formal ou processual e outra verdade fora do processo. Ou seja, existiriam duas verdades. Então, o problema seria descobrir se a verdade do processo é assim tão particular e diferente daquela verdade “verdadeira”. E essa questão é resolvida pelos juristas com uma distinção entre as duas verdades: uma seria a verdade formal, processual ou judicial, estabelecida pelas provas e procedimentos probatórios e outra, verdade, dita material, ou histórica, empírica ou simplesmente, verdade.48
47 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da Prova no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. p. 27. 48 ZAGANELLI, Margareth Vetis e LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre apreciação da prova, ciência e raciocínio judicial: considerações sobre a “Cientificização” da prova no processo. In: Processo, Verdade e Justiça:Estudos sobre a prova judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. p. 145.
37
Não há como pretender rediscutir o tema da busca da verdade
material, diante da impossibilidade de reconstrução dos fatos tal como se
passaram. Busca-se, então, a verdade possível, busca-se estabelecer uma
coincidência entre a ideação que realizamos entre o mundo real ou fenomênico
e o mundo jurídico processual. Segundo Deltan Dallagnol, “a prova pode ser
útil para embasar a história do caso” 49. O que ocorreu no mundo dos fatos não
se confunde com a análise dos fatos no mundo jurídico. Para Kelsen, “o caos
das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se
transforma em cosmos.”50 Somente a partir da análise dos fatos pelo direito,
poderá ser obtida a solução pacificadora pretendida pelo Estado.
Sobre o tema da verdade e da certeza, podemos dizer, num plano
eminentemente teórico, e com uma certa superficialidade, que a verdade é a
correspondência entre os fatos ocorridos no mundo fenomênico e a noção
idealizada pelo destinatário da prova. Seguindo a esteira de J. Habermas, a
verdade é construída através da argumentação. Assim, a verdade sobre um
determinado fato é obtida através da argumentação expendida pelos sujeitos
do processo, a partir de certos elementos da linguagem. Já a certeza é um
verdadeiro estado de espírito do julgador acerca da verdade. Os argumentos
são responsáveis pela aproximação da verdade no embate processual.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart em adesão à teoria
de Jürgen Habermas, consideram que a verdade de um determinado fato é um
conceito dialético, fundado na argumentação realizada pelos sujeitos da
relação.
Cândido Dinamarco atesta “que existe certeza, quanto a determinada
proposição, quando a mente afasta todos os motivos divergentes, ou seja,
aqueles que conduziriam a desacreditá-la, para então racionalmente aceitar os
motivos convergentes”51. E continua Dinamarco, afirmando que “em todos os
campos do exercício do poder, contudo, a exigência da certeza é somente uma
49 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As Lógicas das Provas no Processo. Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado, 2015. p. 35. 50 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 80 51 DINAMARCO, Candido R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malhei-ros, 2005. p. 289.
38
ilusão, talvez uma generosa quimera”,52pois a prova judicial não oferece o
conhecimento pleno da verdade, nem tampouco a certeza, mas fornece
subsídios para identificação da versão dos fatos que mais provavelmente se
assemelha ao ocorrido. Ao órgão judicante cabe buscar o esclarecimento
necessário sobre os fatos. É necessário, entretanto, que se identifique a
verdade através do juízo de verossimilhança, pois o conhecimento humano não
é capaz de garantir nada além da maior aproximação entre a realidade e a
idealização dessa realidade. Não há como recompor genuinamente a verdade,
a partir dos elementos probatórios constantes nos autos do processo.
Os fatos são acontecimentos que, imediatamente após a sua
realização ou ocorrência, passam a fazer parte do passado. Restam deles
dados, comprovações, que corporificarão o arcabouço probatório dos autos. As
alegações que chegam ao magistrado são, evidentemente, repletas de
impressões, valores pertencentes aos contendores.
Essa busca de tornar presente aquilo que já se encerrou no
passado, para obtenção do conhecimento que se realiza em sede judicial, deve
se desenvolver de acordo com um conhecimento racional e também ordenado
segundo os ditames do processo. Em realidade, com a prova não se busca
estabelecer a busca da verdade, mas, sobretudo, instituir a busca dessa
verdade com a utilização dos recursos advindos do devido processo legal,
constitucionalmente assegurado.
Fazendo uma análise do Código de Processo Civil de 2015,
registramos que a busca da verdade das provas se inicia a partir do pedido
inaugural. Por esta razão, o art. 319, VI (Lei nº 13.105/2015) determina que a
referida peça deverá conter todas as provas que o autor utilizará para
demonstrar a verdade dos fatos alegados.53 Some-se à redação deste
dispositivo, o regramento disposto no art. 320, que reforça clara e sobejamente,
52 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12ª edição. 2005. P. 291. 53 Art. 319. A petição inicial indicará: I – o juízo a quem é dirigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de Inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurí-dica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III – o fato e os fundamentos ju-rídicos do pedido; IV – o pedido com as suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou mediação.”
39
a necessidade de que a petição inicial seja acompanhada dos documentos
indispensáveis à propositura da demanda. Mesmo considerando-se cristalina a
redação do artigo suso referido, não é demais a ratificação da necessidade da
apresentação das provas que irão alicerçar o pedido autoral no momento do
ajuizamento da ação.
Na contestação, o réu deverá alegar em prol da defesa de seus
interesses, os subsídios factuais e jurídicos que venham robustecer a sua
impugnação, “... especificando as provas que pretende produzir.” (art. 336 do
CPC/2015). Também o réu mantém-se vinculado à apresentação das provas
que embasarão suas alegações.
É nesse confronto entre teses diametralmente opostas que se
desenvolverá o transcurso de todo o “iter” procedimental, marcado com o
embate das alegações das partes contendoras, que culminará com a prolação
da decisão do magistrado resolvendo o conflito posto à sua apreciação.
A tão especial e necessária coleta das provas, servirá para
robustecer o arcabouço probatório do processo, pois, é, a partir daí, que se
inicia a análise dos fatos, e das provas sobre esses fatos. Considerando o
caráter publicístico do processo, o juiz não deverá ficar inerte no momento da
produção probatória, aguardando apenas que as partes contendoras
apresentem as provas que julgam necessárias ao deslinde da questão, mas
deverá adotar uma postura mais ativa durante a instrução probatória do
processo, buscando estabelecer a igualdade material das partes e perquirindo
sempre e sempre na busca da obtenção da verdade possível, com o máximo
de segurança jurídica, e o mínimo possível de injustiça, pois, no Estado
Democrático de Direito, o direito à prova constitui garantia dos direitos
fundamentais assegurados, a exemplo da ampla defesa e o do contraditório.
Com a finalidade da obtenção da justa composição do litígio, com a
busca da verdade possível, que somente poderá ser pretendida a partir da
correspondência da versão idealizada em face do fato que ocorreu no mundo
fenomênico, o magistrado deve dispor de todos os meios necessários para
formação de seu convencimento. Entretanto, convém reconhecer que o
conhecimento humano somente pode obter uma aproximação possível da
verdade genuína, pois a verdade de um fato representa uma mera idealização,
40
e o caminho na busca dessa verdade não é trilhado solitariamente pelo
magistrado, mas é o resultado da combinação do esforço das partes. As partes
comprometem-se em pautar sua conduta sempre em consonância com a
lealdade e a verdade em todos os atos do processo. Essa conduta conduz à
obtenção de um devido processo legal, com observância do contraditório,
debate amplo e plena liberdade de alegar e provar.
2.1 – Verdade e Verossimilhança
As provas, segundo Carnelutti, citado por Marinoni e Arenhart, não
conduzem à verdade dos fatos tal como ocorridos, mas referenciam como
“provavelmente” esses fatos ocorreram. “São um indicativo, mas que não
necessariamente levam à caracterização absoluta do fato, tal como
efetivamente ocorreu.”54
O que podemos obter durante a produção das provas não será
verdade, mas a aparência de verdade, ou verossimilhança.
Marinoni e Arenhart, com suporte em Calamandrei, atestam que:
A noção de que “verossimilhança” é uma ideia que se atinge a partir daquilo que normalmente acontece. É essa ilação lógica do usual que permite ao sujeito reconhecer como verossimilhante algo que, segundo critérios adotados pelo homem médio, prestar-se-ia para adquirir a certeza quanto a certo fato.55
Verossímil é aquilo que parece verdadeiro. É a versão mais
aproximada do ideal de verdade. Tratando do tema, Reichelt faz a seguinte
assertiva:
O juízo quanto à verossimilhança de uma alegação sobre um fato considerado juridicamente relevante é, antes de tudo, um juízo de adjetivação de tais versões, resultante da comparação entre aquilo que vem narrado pelas partes e aquilo que vem
54 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. P. 37. 55 Idem. Págs. 38/39
41
retratado nos autos através da atividade de instrução processual.56
A análise da verossimilhança pressupõe não apenas que a versão
apresentada é possível, mas que ela seja a representação da realidade
provável. O maior ou menor grau de verossimilhança representa o maior ou
grau de probabilidade.
A presença de um mínimo de probabilidade como traço característico associado a uma versão da realidade histórica (ou seja, um mínimo grau de correspondência entre a narrativa trazida nos autos e a realidade histórica considerada juridicamente relevante) e, pois, condição para que se faça possível ao julgador afirmar a sua verossimilhança.57
A ideia de probabilidade deve ser analisada como critério para
aferição da verossimilhança dos fatos que representem uma realidade histórica
descrita no processo.
Piero Calamandrei alerta que
Mesmo para o juiz mais escrupuloso e atento, vele o limite fatal de relatividade próprio da natureza humana: o que enxergamos, só é o que nos parece que enxergamos. Não é verdade, senão verossimilitude: é dizer, aparência (que pode ser também ilusão) de verdade.58
A atividade do magistrado e das partes deve pautar-se na busca da
verdade possível. Aquela que mais se aproxima das versões trazidas para os
autos. Na apreciação das provas do processo, não haveremos de encontrar a
verdade, mas uma grande probabilidade de como esse fato ocorreu no
passado.
Para Arenhart, “A decisão judicial não revela a verdade dos fatos
mas apenas impõe, como verdade, certos dados que a decisão toma por
56 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009. Pág. 194 57 Op. cit. Pág. 195 58 CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1999. Pág. 271. 3v.
42
pressuposto (chamando-os de verdade, mesmo que ciente de que tais dados
não necessariamente confundem-se com a verdade em essência).”59
3. Evolução histórica
A prova jurídica, no seu modelo atual, é fruto de um processo
evolutivo, que congregou valores e também orientações de cunho lógico da
nossa realidade cultural. A análise histórica da prova é fundamental para a
compreensão do instituto, pois nos faz perceber quanto foi duro o caminho
percorrido pelo direito probatório até os dias atuais.
No latim, o vocábulo masculino probus, significa aquilo que é bom,
reto, correto, honrado, indicando, assim uma ideia de autenticidade. Todo esse
conteúdo parece ter sido arrastado para a forma feminina do mesmo adjetivo
(proba). Não fosse assim, e os latinos jamais teriam formulado a parêmia
allegare sine probare et non allegare paria sunt (alegar sem provar e não
alegar é a mesma coisa).
No direito romano a evolução da prova passou por três períodos: a)
o período arcaico ou antigo (iniciado desde a presumida fundação de Roma em
753 a. C., até a segunda metade do século II a. C.); b) o período clássico (que
teve seu início a partir do advento da Lex Aebutia, editada no período
compreendido entre os anos de 149 e 125 a. C., até o século III d. C.), e, c) o
período tardio ou pós-clássico, iniciado no ano aproximado da morte de
Modestino, em 240 d. C.
O direito romano antigo desenvolveu-se numa sociedade
eminentemente voltada para as atividades agrárias, com especial culto da
religiosidade, sem esquecer o caráter místico que influenciava as relações
cotidianas. A prova obtida com base em elementos místicos (tais como
maldições, adivinhações, encantamentos, sinais, esconjurações) foi largamente
utilizada pelos primórdios do direito romano.
59Disponível no sítio eletrônico <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart(2)%20-%20formatado.pdf>
43
No primeiro período preponderavam as ações da lei ou legis
actiones; o segundo período foi conhecido como processo formular, ou per
formulas, enquanto que o terceiro período foi conhecido pelo nome de cognitio
extra ordinem ou cognitio extraordinaria.
Considerando-se a evolução probatória no direito processual civil
romano nesses períodos, destacam-se algumas peculiaridades:
Nos períodos das legis actiones e do processo formular, a atividade instrutória tomava lugar na fase in iudicium, e a tarefa do juiz (em tal estágio do ordo iudiciorum privatorum) era a de saber se os fatos com base nos quais as partes se sentiam impelidas a fazer as suas alegações haviam existido e se efetivamente justificavam as suas conclusões relacionadas à actio intentada.60
Quando vigiam as legis actiones o juramento, a confissão e o
testemunho eram os meios de prova admitidos, sendo este último considerado
o mais importante. Já a prova documental passou a ser admitida desde o
advento do período formulário, ganhando, juntamente com a prova
testemunhal, ares de superioridade. O período da cognitio extraordinaria
reforçou ainda mais a importância da prova documental.
Durante a vigência das legis actiones não havia o confronto de duas
teses, pois a formação do convencimento judicial era realizado a partir de
sinais divinos ou procedimentos similares. Inexistente qualquer traço de
racionalidade, as decisões eram completamente desprovidas de logicidade,
não havendo relação causal ou motivacional entre as provas e as decisões.
Por ocasião do período formulário houve a forte influência da retórica
sobre o direito probatório, e o completo abandono do sistema anterior de
provas e decisões desprovidas de racionalidade. Houve então a união da prova
e da argumentação, numa relação em que a prova seria o conteúdo e a
argumentação, por mais ampla, seria o continente.
Como resultado dessa transformação destaca-se o enfoque dado à
prova testemunhal, “que passa a ser examinada a partir de alguns princípios
fundamentais: a existência de normas de exclusão, a sujeição ao contraditório
60 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 22
44
na condução dos questionamentos (em um modelo próximo ao do cross-
examination anglo-saxônico) e a livre valoração da prova. 61
No período pós-clássico surge, então, a ideia do ônus da prova,
baseada no conceito de que o “valor vigente como princípio integrante da
educação do jurista à luz de uma lógica da argumentação – revela de forma
única o significado do influxo da retórica ao longo da história do processo civil
romano, com especial força no período justinianeu.” 62
Advindo a última fase da evolução do direito processual civil romano,
surgiram de forma embrionária dois sistemas de prova: a valoração preventiva
da prova pelo legislador e os limites para a admissibilidade das provas.
Com a queda do Império Romano do Ocidente e com o advento da
Lex Salica (486 e 496 d. C.) surge um novo modelo de processo em que havia
a prevalência da rigidez dos atos processuais, cabendo ao juiz, a fiscalização
da atividade realizada pelas partes.
Tal modelo, de forte teor germânico, surge como consequência de
uma lenta e gradual sobreposição de valores, advindas decorrentes das
diversas invasões bárbaras que derrotaram os romanos. Dessa forma, o
modelo prevalente durante toda a alta Idade Média, foi o modelo germânico,
em que havia em um primeiro momento, a fixação do tipo de prova, do modo e
lugar onde ela seria produzida, bem como eram estabelecidos os efeitos do
sucesso ou do insucesso da sua produção.
Para Luis Alberto Reichelt, “havia, ainda um conteúdo ético inserido
na idéia da existência de uma demanda em juízo, de maneira que a atividade
probatória também tinha como finalidade o reestabelecimento da honra
daquele que era considerado como sendo pessoalmente ferido nesse princípio
ético, de maneira a afastar a reprimenda que lhe havia sido dirigida pelo
demandante.”63 Nesse modelo as partes concentravam seus esforços para
garantir o direito à produção da prova, enquanto que ao magistrado cabia dizer
61 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 24. 62 REICHELT, Luis Alberto. Op cit. Pág. 24 63 REICHELT, Luis Alberto. A Prova do Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 26
45
a qual das alegações feitas pelas partes contendoras correspondia o direito à
referida produção.
Na primeira metade da Idade Média, o processo civil italiano adotava
medidas tais como: a prova em segredo e a obediência às rígidas regras em
matéria probatória.
Impõe-se o registro quanto à importância do pensamento lógico,
dentre o qual se insere a retórica, mantida mesmo depois da queda do Império
Romano; bem como o pensamento de Santo Agostinho, que, aliado ao
pensamento de Platão, concebia a existência de duas espécies de retórica: a
verdadeira eloquência e a arte da persuasão. A importância e os limites da
prova naquele momento histórico somente poderiam ser aferidos a partir da
consciência de que a arte da persuasão não deveria ser relacionada a
questões divinas, mas ao exame das coisas humanas, por aquele tratado como
“contingente possível”.
Colhe ainda a observação de que, na primeira etapa da era
medieval, a realidade germânica considerava necessária a produção de provas
somente em relação a fatos tidos por controversos, sendo desnecessária a
prova dos fatos alegados por uma parte e confirmados pela outra. E no final do
século XV, a livre apreciação das provas apresentava-se como uma das
principais marcas do processo civil germânico.
4. Conceito, objeto e finalidade da prova na atividade judicante
4.1 Conceito
O conceito de prova – repita-se – não pertence apenas às ciências
jurídicas. “Por conta dessa assertiva é que se multiplicam os conceitos relativos
à prova, uns a descortinando como afeta – e simplesmente afeta – à realidade
processual; outros a considerando como fato externo, não necessariamente
com repercussão processual. 64
O magistério de Francesco Carnelutti é o de que
64 FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São. Paulo: Atlas, 2007, pág. 427. 3v.
46
... na linguagem comum, prova se utiliza como comprovação da verdade de uma proposição; somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar; não pertence à prova o procedimento mediante o qual se descobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aquele mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade afirmada.65
Esse caráter plurifacetário de prova conduz a um surgimento de
várias correntes que lançam sua versão para a conceituação do instituto. Para
alguns autores, como Dante Barrios de Angelis, Eduardo Cambi, Antônio Carlos
de Araújo Cintra e Ovídio A. Baptista da Silva, o conceito de prova é ligado a
atividade, meio e resultado.
a) Como atividade, para designar o ato de
provar;
b) Para designar o meio de prova; ou
c) Para designar o resultado obtido através dos
meios de prova utilizados.
Essas três acepções do conceito de prova, são, para Reichelt,
recorrendo às lições de Eduardo Cambi, entendidas da seguinte forma:
...como atividade, a prova é sinônimo de instrução ou conjunto de atos, realizados pelo juiz e pelas partes, com a finalidade de reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão. (...) Como meio, a prova é vista como um instrumento pelo qual as informações sobre os fatos são introduzidas no processo. (...) Como resultado, prova é sinônimo de êxito ou de valoração consubstanciado na convicção do juiz.66
Tratando da matéria, o nosso Código de ritos adotando a teoria
tripartite, cuidou de disciplinar a matéria em diversos artigos:
O ato de provar, presente no art. 373 (Lei 13.105/2015)67, em que se
observa a regra geral do ônus probatório, facilitando o entendimento de que a
65 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 67. 66 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 46. 67 Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
47
prova é uma atividade; o meio de prova, está presente na dicção dos arts. 370
e 372 (Lei 13.105/2015)68; e, o resultado, como bem se pode ver no art. 371
(Lei 13.105/2015).69
Quando se fala em prova, é comum associá-la à ideia de
reconstrução de um fato ocorrido no pretérito. Entretanto, é impossível a
reconstrução dos fatos tal como aconteceram, porque não há como recuperar
todas as nuances do momento da realização do referido fato. Os fatos são
acontecimentos que, no instante imediatamente posterior a sua ocorrência
deixam de existir, dando lugar a dados, registros, comprovações, que formarão
o conjunto probatório que servirá para alicerçar o convencimento do
magistrado. Esses registros chegam, invariavelmente, imbuídos de impressões
e valores daqueles que com eles tiveram qualquer contato. Portanto, a
verdade, analisada em um plano teórico, conduz à noção da correspondência
entre o que ocorreu no mundo fenomênico (fatos) e o juízo formado pelo
julgador; já certeza da prova é algo subjetivo, que toma conta do julgador
quando este crer estar arrimado na verdade. A prova não fornece ao
magistrado o perfeito conhecimento da verdade ou o perfeito domínio da
certeza, mas conduz à identificação de qual a versão apresentada dos fatos
oferece maior probabilidade de corresponder ao que realmente aconteceu. A
afirmação de Carnelutti é a de que: “Provar, de fato, não quer dizer demonstrar
já a verdade dos fatos discutidos, e sim determinar ou fixar formalmente os
mesmos fatos mediante procedimentos determinados”.70
Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “a prova
em direito processual, é todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro
dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais, a convencer o
Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no
processo.”71
68 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao jul-gamento do mérito. Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado do contraditório. 69 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver pro-movido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. 70 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 72. 71 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São. Paulo: Revista dos Tribunais., 2010, pág. 57.
48
Diante dessa impossibilidade de se aferir diretamente o fato que se
pretende ver provado nos autos, utiliza-se uma via indireta de conhecimento,
que é feita através de raciocínio específico, expresso no silogismo: premissa
maior, premissa menor e conclusão.
A premissa maior congrega o juízo mais abrangente, o princípio que
contém a ilação sobre a qual pretende se estabelecer a conclusão. A premissa
menor é um juízo declaratório da continência que se realizou.
As provas indiretas são frágeis, são verdadeiros fragmentos de
fatos, razão pela qual devem ser analisadas com muita prudência.
O conhecimento humano possui limites, e, portanto, não há como
pretender reconstituir verdadeiramente os fatos ocorridos no pretérito, que
servirão de supedâneo para formação do conjunto probatório. No processo civil
atual, a prova destina-se a fornecer subsídios ao juiz para a formação de seu
convencimento sobre as premissas que integrarão o “decisum” e, certamente,
possuirão a maior aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo
exterior ao processo.
A doutrina atual vem deixando de lado a atividade exclusiva de
subsunção de aplicação do Direito, pois o exame das questões de fato que são
trazidas ao judiciário, face ao enfrentamento com as questões de direito vem-
se tornando incompatíveis com a aplicação desse juízo de conformidade entre
a premissa maior e a premissa menor. A velocidade com que ocorrem as
mudanças na sociedade reclama que a aplicação do direito seja feita de forma
sistêmica. Há a imperiosa necessidade de se revitalizar os conceitos afeitos ao
direito probatório. Em outras palavras:
É necessário reconhecer que o fenômeno probatório assume atualmente um caráter multifacetário, capaz de imprimir à figura, conforme o ponto de vista da decisão judicial – eleito por ser. Afinal, o escopo do processo de conhecimento, e o principal aspecto de preocupação do processualista nesse campo – tem-se que a prova pode resumir-se em um aspecto argumentativo-retórico, apto a justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no processo. Nas palavras de Michele Taruffo, a prova assume, nesta perspectiva, a função
49
de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão final sobre o fato.72
4.2 Objeto
Todos os fatos do mundo fenomênico, podem ser objeto de prova,
mas nem todos interessam ao mundo do direito.
A prova jurídica se diferencia da ideia de prova dos outros ramos do
saber, pois sua
estrutura argumentativa vem regulada por normas jurídicas nas quais vem veiculado o acolhimento, pelo ordenamento jurídico, de orientações originalmente situadas no plano da lógica e da ética. Essa regulação, por sua vez, traz como consequência a limitação das possibilidades de conhecimento em relação a uma realidade histórica investigada.73
Para que o Estado venha intervir nas relações ocorridas na
sociedade e cumprir a missão constitucional de prestar a jurisdição, é
necessário o exercício do direito subjetivo de ação, manifestado através do
ajuizamento de uma demanda perante o judiciário. Através desta demanda os
fatos são alegados por uma parte e impugnados pela outra, cabendo ao juiz
dizer qual das afirmações é mais verossímil, depois de analisado todo o
arcabouço probatório. O juiz deverá, assim, conduzir todo o processo em
perfeita atenção aos direitos fundamentais consagrados na Constituição
Federal, em seu art. 5º.
Provar é demonstrar que as afirmações (argumentação) acerca dos
fatos discutidos no processo são verdadeiras, retas, corretas. Assim,
indiscutível a afirmação dos Professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Cruz Arenhart de que a prova destina-se a testificar as afirmações que são
feitas a respeito dos fatos. É trazer os fatos que se passaram fora do ambiente
do processo para serem analisados sob sua batuta. , 72 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2v. pág. 263. 73 REICHELT, Luiz Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 112.
50
O objeto da prova é, por assim dizer, as alegações que são feitas
sobre determinado fato, e não o fato em si.
Dizem os citados autores que o objeto da prova consiste na
alegação de um determinado fato que, em certo momento, assumindo
importância jurídico-processual e, carece de demonstração da veracidade de
sua alegação. “Não se prova que o direito existe, mas sim que a afirmação de
que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência do direito.” 74
De acordo com Ovídio A. Baptista da Silva, “hão de ser objeto de
prova apenas os fatos em que se funde a ação ou a defesa, o que significa
dizer que apenas os fatos relevantes para a decisão da controvérsia devem ser
provados”.75 Para o mestre italiano Francesco Carnelutti, tratando do tema “...
são chamados fatos controvertidos, que constituem a regra em matéria de
prova. O juiz encontra-se aqui frente a afirmação de uma parte e a negação da
outra, ou seja, diante da discussão de um fato”. 76
Os fatos podem ser considerados principais ou secundários. Os
primeiros (também chamados de essenciais ou diretos) são aqueles que
necessariamente devem integrar a petição inicial e a contestação, pois são eles
que irão demonstrar a verdade dos argumentos expendidos pelas partes em
suas alegações.
Constituem os fatos principais, assim, os elementos necessários à
aferição, pelo juiz, da verossimilhança das alegações dos fatos trazidos pelo
autor como embasamento de seu pedido, bem como da argumentação trazida
pelo réu em sua peça contestatória.
Existem ainda os fatos secundários, chamados de indiciários. Não
demonstram cabalmente a verdade dos fatos alegados, mas são utilizados
indiretamente para o convencimento do juiz. O fato secundário não precisa ser
alegado, pois destina-se a testificar a veracidade da afirmação contida no fato
principal.
74 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 98. 75 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1987. 1v. pág. 279. 76 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, págs. 42 a 44.
51
Analisando os fatos que farão parte do conjunto probatório dos
autos, a doutrina pátria, reclama que devem possuir determinadas
características: devem ser controvertidos, relevantes e determinados.
A controvérsia é necessária, pois, se não houver o confronto das
alegações das partes, não haverá necessidade de produção de prova, pois os
fatos considerados incontroversos não necessitam de prova, a teor do que
dispõe o art. 374, II e III do CPC. Entretanto, existem algumas exceções à
regra, como os fatos intuitivos, bem como aqueles decorrentes de uma
presunção legal.
São relevantes os fatos que possuem íntima relação com os fatos
alegados, e possam influir decisivamente no deslinde da causa.
Os fatos determinados são aqueles facilmente identificáveis no
espaço e no tempo. Daí resulta que os fatos indeterminados ou indefinidos são
impossíveis de figurar no rol das provas.
Argumente-se ainda com a existência de fatos que independem de
prova. Para eles chama a atenção o art. 374 do Código de Processo
Civil/2015, repetindo o texto do CPC/73, que elenca o rol dos fatos que
independem de prova. São eles:
1. os fatos notórios;
2. aqueles que são afirmados por uma parte e
confessados pela outra;
3. os fatos que não foram contestados ou
considerados incontroversos; e
4. aquele fato em cujo favor milita presunção de
existência ou veracidade.
São notórios os fatos que são atestados facilmente através da
“cultura normal própria de um determinado grupo social no momento em que se
produz a decisão judicial.”77
77 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Pro-cessual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. 2v. Pág. 59.
52
Para Didier, os fatos notórios devem possuir as seguintes
características:
a) relatividade, considerando-se que um fato para ser
notório não precisa ser conhecido pela a totalidade das
pessoas, podendo ser conhecido apenas por
determinado grupo de pessoas de um segmento da
sociedade;
b) para que o fato seja notório, é preciso que seja
conhecido;
c) para a obtenção da notoriedade, não há necessidade
de ter com o fato da causa uma relação direta.
Interessante ressaltar que a notoriedade pode ser reconhecida de
ofício, devendo o magistrado, facultar às partes o pronunciamento sobre a
notoriedade afirmada (art. 10 do CPC/2015). Se houver a afirmação da
notoriedade de um fato por uma das partes, e a outra permanecer silente,
mesmo intimada para se pronunciar, este fato tornar-se-á incontroverso.
Tratando-se dos fatos alegados por uma parte e confessados pela
parte contrária, comungamos com a posição de Didier, quando afirma o citado
autor que o legislador utilizou uma expressão infeliz quando disse que os fatos
confessados independem de prova. Afinal, a confissão é um meio de prova.
Os fatos não incontroversos independem de prova exatamente
porque sobre eles não existe nenhuma dúvida.
As presunções legais são regras que possibilitam adotar uma
posição em relação à ocorrência de determinado fato, sendo incerta a sua
ocorrência.
As presunções podem ser absolutas (iuris et de iure), quando não
admitem prova em contrário. E podem ser relativas (iuris tantum), quando são
considerados determinados fatos, até prova em contrário.
53
4.3 Finalidade
Por meio das alegações das partes, sobre as situações que
embasam as teses postas na demanda judicial proposta, instala-se,
especialmente no processo de conhecimento, a fase probatória, em que se
busca a comprovação de que as alegações são verossímeis.
A prova, em um enfoque atual, não se presta a reconstrução dos
fatos que servirão de supedâneo para a comprovação do alegado e sobre os
quais incidirá a regra jurídica abstrata, concretizada através da sentença
prolatada no caso sub judice. “... torna-se necessário buscar a finalidade da
prova à luz das idéias contemporâneas sobre o conhecimento. A função da
prova é se prestar como peça de argumentação do diálogo judicial, elemento
de convencimento do Estado-jurisdição sobre qual das partes deverá ser
beneficiada com a proteção jurídica do órgão estatal.” 78
A prova assume aparência de argumento retórico, pois se traduz
mesmo num verdadeiro elemento que produz a argumentação que servirá para
convencer o magistrado (destinatário das provas) acerca da verossimilhança
das alegações. É um meio retórico, que tem por finalidade antes mesmo de
pretender a reconstrução dos fatos, estabelecer um diálogo entre as partes
contendoras e o Estado-juiz. Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart,
“se a linguagem é necessária para a expressão de uma idéia ou de uma proposição, a retórica se impõe como forma de estabelecer essa linguagem entre os sujeitos do diálogo, para o fim de lograr o objetivo inicialmente concebido para a proposição (e também para a prova): o convencimento”.79
Didier, servindo-se do posicionamento de Echandia, elenca três
teorias que explicam a finalidade da prova. A primeira delas é a que afirma ser
a finalidade da prova o estabelecimento da verdade no processo; a segunda
delas entende que a prova tem por fim representar formalmente os fatos; e a
78 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 51. 79 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART. Op cit., pág. 52.
54
terceira, para quem a finalidade da prova é produzir o convencimento do
julgador.
Para o autor citado, a primeira das teorias não se sustenta, pois “a
verdade é uma noção ontológica, objetiva, e o conhecimento que cremos ter
dela é subjetivo.”80
A segunda teoria, também é rechaçada, ante o argumento de que
não há como admitir-se que sejam fixados critérios para reputar-se
formalmente demonstrados os fatos no processo.
A terceira teoria, estabelece que a finalidade da prova é formar o
convencimento do magistrado, quanto às alegações dos fatos sobre os quais
se sustenta a atividade probatória.
E vai mais além o citado autor, chamando a atenção para um
aspecto de relevância no trato da prova. É que a prova deve ser analisada
pelas partes, para que não apenas o julgador forme seu convencimento, mas
que as partes contendoras também formem o seu convencimento sobre os
fatos disputados.
As versões apresentadas pelas partes devem somar-se à postura
ativa do juiz no comando do processo probatório, em busca da verdade
possível. Vê-se, que não mais existe a preocupação com a reconstrução dos
fatos que ficaram no passado, mas com a efetivação do diálogo argumentativo.
Argumentação e persuasão devem ser utilizadas na obtenção da versão mais
provável, ou mais aproximada da verdade.
Sempre se afirmou que o destinatário da prova era o julgador.
Entretanto, com o advento da Lei nº 13.105/2015, esse entendimento
modificou-se. Fala-se que a prova deve servir para o convencimento do juiz e
das partes.
80 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Proces-sual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. 2v. Pág. 55.
55
CAPÍTULO III: A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO CONSTITUCIONAL
ATRAVÉS DO TEMPO – A FILOSOFIA POR TRÁS DA
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO E DA PROVA
1. Antes de chegar ao Constitucionalismo: o Iluminismo
O iluminismo, também conhecido como período das luzes, foi um
movimento intelectual surgido na Europa, que representou um vento soprando
ideias novas. Refletia a insatisfação reinante na Europa, especialmente na
Inglaterra, no séc. VXII. Era o século das luzes, a época das transformações,
do esclarecimento, como bem afirma Grespan81, e a razão, em flagrante
confronto ao sistema predominante na época, seria a balizadora das mudanças
sociais, políticas e econômicas. O cenário político em que surgiu e se
desenvolveu o iluminismo era o “Ancien Regime”, período caracterizado pela
centralização do poder nas mãos do monarca. Com a difusão das ideias
iluministas, alguns reis absolutistas, resolveram adotar algumas das ideias do
movimento iluminista, tentando combinar a forma de governo absolutista com
as ideias progressistas proclamadas pelos iluministas. Elencamos, Frederico II,
da Prússia; Catarina II, da Rússia e Marquês de Pombal, de Portugal, que
ficaram conhecidos como “déspotas esclarecidos”.
Esse movimento cultural que surgiu no século XVIII procurou
reformar o estilo da sociedade, que vivia nas “trevas da ignorância”. Para os
iluministas o homem era fruto do meio em que vivia, razão pela qual
pretendiam que fosse adotada uma educação que promovesse a retirada dos
indivíduos da ignorância e submissão que se encontravam. Pretendiam, assim,
um mundo com menos conflitos, guiado por sua excelência, a razão – que
deveria invariavelmente prevalecer -, além do que aspiravam que a liberdade
fosse respeitada. Para o movimento iluminista, a crítica era fundamental para a
81 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. 1.ed. 1. reimp. São Paulo: Contexto, 2008. Pág. 13
56
adoção das novas ideias. Essa postura crítica possibilitou essa dinâmica
reclamada na transformação da realidade estática que havia. O iluminismo,
como bem explica Grespan82, repudiava qualquer sistema rígido e acabado de
pensamento. Ainda na esteira do pensamento de Grespan,
Mais do que uma atitude mental, o iluminismo foi movimento de idéias, no sentido forte de um processo de constituição e acumulação de saber sempre renovado e sempre capaz de ser modificado até nos fundamentos. Esse é o significado da máxima latina com a qual Kant definiu o iluminismo na sua resposta à polêmica de 1784, ...”sapere aude” – “ousa saber”, isto é, “ousa servir-te do teu próprio entendimento”, sem imitar ou aceitar passivamente as idéias das autoridades reconhecidas e temidas.83
Continua o autor citado, afirmando que a “máxima kantiana
expressa a postura generalizada de inconformismo com que se caracteriza o
seu século, e também, a partir daí, define o iluminismo como um verdadeiro
movimento das idéias.”84
O movimento iluminista criticava o modelo absolutista, o
mercantilismo e o poder da igreja, e apresentava várias inovações: a) Em se
tratando da forma de governo, pugnavam pela substituição do modelo
existente, por um modelo limitador da atividade do monarca; b) Na atividade
econômica, surgiram duas escolas: a fisiocracia e a do liberalismo econômico,
que pregava a liberdade econômica, com a não intervenção do Estado na
economia.
A filosofia iluminista era alcançada pela libertação (uma liberdade
jurídica, econômica e política), pela adoção de um ideal que seria alcançado
intelectualmente, e não pela revolução.
A produção intelectual do “século das luzes” foi dividida em dois
momentos: na primeira metade do século XVIII, houve o desenvolvimento das
ideias iluministas; e no segundo momento, o surgimento dos “desígnios
utopistas” e as “ideias igualitárias”. Na França, esse período ficou conhecido
82 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. 1. ed. 1. reimp. São Paulo: Contexto, 2008. Pág. 15. 83 Aut. E Op. Cit., Págs. 15/16 84 Idem. Pág. 16
57
como geração dos “enciclopedistas”, na Alemanha, “Lessing”, e na Itália,
“teóricos reformadores”.
Destacamos alguns pensadores que foram responsáveis pela
revolução intelectual que se deu no período do iluminismo: John Locke,
Voltaire, Charles de Secondat Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Adam
Smith.
Os pensadores iluministas acreditavam que o homem era
vocacionado para o auto aperfeiçoamento ético, e combatiam a intolerância e
os abusos que diziam ser promovidos pela Igreja e pelo Estado. Criaram um
governo baseado na igualdade social e racionalizaram o sistema das três
esferas de poder, adotando a ideia de Montesquieu, da tripartição dos poderes,
resguardada a independência e harmonia entre eles: legislativo, executivo e
judiciário.
A apreciação das provas passou por dois momentos. No primeiro,
chamado de íntimo convencimento, o magistrado julgava a partir de seu
convencimento, que, na maioria das vezes era intuitivo. Exigia-se apenas a
opinião do julgador a respeito dos fatos trazidos à apreciação, sem nenhuma
necessidade de explicar as razões que embasaram seu convencimento. Nesse
período, a prova dos fatos foi fortemente influenciada pela religião. A invocação
divina era utilizada para a obtenção da busca da verdade. No segundo
momento, já sob a influência das ideias iluministas, surgiu o livre
convencimento motivado. A partir desse instante foi exigido que o magistrado
fundamentasse sua decisão, demonstrando as razões do seu convencimento
de forma lógica, racional e argumentativa.
2. Antes de chegar ao Neoconstitucionalismo: o Constitucionalismo
A relação que podemos estabelecer entre o direito e o Estado não é
criação dos tempos atuais. Com o fim da era pré-histórica, o homem deixou o
nomadismo e passou a viver em sociedade. Com a convivência societária,
surgiu a necessidade de organização. Pode-se dizer, então, que desde a
58
antiguidade o direito serviu não apenas como elo de pacificação, mas,
sobretudo, como ordenador social.
Falar em constitucionalismo é falar de toda trajetória para obtenção
da concretização das conquistas, com vista à com a positivação das ideias
obtidas nos aspectos: social, político e jurídico. E não há que falar em
movimentos estanques e isolados. A ideia de constitucionalismo foi produto de
um longo processo evolutivo de limitação do poder absoluto que era exercido
pelos governantes, e que se consolidou com o passar do tempo. 85
Podemos dizer que o constitucionalismo é fruto de um movimento
político-jurídico, com finalidade precípua de limitar o poder Estatal através de
um documento representado pela carta constitucional.
Fazendo-se uma curta retrospectiva histórica do constitucionalismo,
verificamos que sua origem remonta à antiguidade, pois a experiência entre os
hebreus, com a criação da “Lei do Senhor”, que apesar de não ser escrita,
estabelecia limites ao governante, é um claro exemplo da codificação.86
Na Idade Média, o constitucionalismo surgiu como um movimento
que representou não apenas a limitação da atuação do governante ou
soberano, mas, representou uma verdadeira busca dos valores constitucionais
que pudesse garantir os direitos individuais em face do Estado. E em meio a
Europa feudal emergiu o primeiro documento escrito, denominado “Magna
Carta Inglesa”, que limitava os poderes do soberano, e garantia os direitos dos
cidadãos.
O constitucionalismo moderno alimentou-se das ideias iluministas do
século XVIII que pugnavam pelo fim do antigo regime e anunciavam o
surgimento de um novo Estado, novas instituições, e com base em novos
valores.87 Na seara econômica, o que se pretendia era a não intervenção do
Estado. Já no campo político, a limitação e divisão do poder. A lição é de
DANTAS:
85 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros , 2010. Pág. 148. 86 Op. Cit.,Pág. 150 87 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo Dantas. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Atlas. 2009. Pág. 57.
59
Foi justamente para atender aos ideais liberais, notadamente o de limitação do poder estatal, que surgiu o constitucionalismo. Esse pode ser definido como o movimento político e jurídico, desencadeado pelas chamadas revoluções liberais burguesas, destinado a estabelecer Estados constitucionais, com a fixação de mecanismos de limitação e repartição do poder estatais, através da edição de constituições escritas.88
Seguindo as ideias iluministas, as treze colônias inglesas da América
do Norte, declararam sua independência em 04 de julho de 1776. Com o fim da
guerra da independência, foi convocada a Convenção Constitucional da
Filadélfia para elaborar o texto constitucional. A Constituição Norte Americana
de 1787 marcou a consagração do constitucionalismo moderno.
Na França, a Revolução de 1789 deu início ao constitucionalismo,
sedimentado em bases iluministas. Durante o período da Assembleia Nacional
(1789-1792) foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
documento inspirado na Declaração de Independência dos Estados Unidos,
proclamando a igualdade de todos perante a lei, o direito de resistência, e o
direito à propriedade privada.
Em 1791, foi promulgada a primeira Constituição da França, que es-
tabelecia, em seu texto, a monarquia constitucional, formada por três poderes:
o legislativo, o executivo, e o judiciário, e influenciada pelos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade.
Com a Revolução Francesa, o constitucionalismo é difundido em to-
da a Europa, e em 1789 é editada a Declaração Universal dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão, que referiu em seu texto, a criação de um governo com
poderes limitados, submetidos a uma carta escrita, e com olhos voltados para a
liberdade dos indivíduos.89
88 Idem 89 Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos pode-res não tem Constituição. Disponível no endereço eletrônico: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>
60
O constitucionalismo moderno pugnava pela elaboração de um texto
constitucional que contivesse normas jurídicas superiores, estabelecendo a
“organização, divisão, controle e limitação do poder político.”90
O constitucionalismo é caracterizado pelo movimento de limitação do
arbítrio do governo por uma constituição escrita.
J. J. Canotilho, tratando da matéria assevera que:
O movimento constitucional gerador da constituição em sentido moderno tem várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos e em espaços históricos geográficos e culturais diferenciados. Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo, mas vários constitucionalismos (o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Será preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais, mas também com alguns momentos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-cultural. E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.91
O constitucionalismo, conhecido como governo das leis e não dos
homens, é considerado um movimento de caráter notavelmente jurídico,
embora com características sociológicas, que preconizava a limitação do poder
dos governantes, através de um documento escrito, razão pela qual a
Constituição, que estava acima da vontade desses governantes, assumiu a
centralidade do movimento.
André Ramos Tavares, citando Louis Henkin, elencou determinadas
características do constitucionalismo:
a) soberania popular;
b) supremacia da Constituição;
90 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. Pág. 152. 91 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 9. reimp. Portugal: Almedina. Pág.51.
61
c) sistema democrático e governo representativo;
d) governo limitado, separação dos poderes e cheks and balances,
controle civil dos militares, governo das leis e judicial control e um
Judiciário independente;
e) direitos civis respeitados e assegurados;
f) instituições que assegurem o respeito à Constituição;
g) respeito pelo self determination, “o direito de escolha política”.92
3. Sobre o Neoconstitucionalismo
Falar em neoconstitucionalismo importa tratar dos argumentos que
foram essenciais para poder pensar-se em oposição ao positivismo imperante
no século XX. E esses argumentos são representados pela injustiça e pelos
princípios. A barbárie vivida em nome da legalidade falou mais alto, propiciando
assim, um cenário propício à consolidação da democracia constitucional. Sobre
a injustiça, o argumento utilizado era o de que as normas injustas não
poderiam ser equiparadas ao Direito. Falando dos princípios, considerou-se a
necessidade de pensar na relação entre Direito e moral.
O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.93
92 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2008. Pág. 3 93 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>
62
Filiando-nos com a distinção apontada por Luís Roberto Barroso,
apontamos os três marcos do neoconstitucionalismo: histórico, filosófico e
teórico, resumidos da forma que adiante se põe.
Como marco histórico, destacamos o movimento constitucional
ocorrido na Europa no período pós-guerra, que realçou a importância da
Constituição na sociedade contemporânea, pois até a Segunda Grande Guerra,
havia o cultivo de uma cultura que apenas valorizava a lei como fonte principal
do Direito.
DANIEL SARMENTO explica:
Até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal – quase como a fonte exclusiva – do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos.94
Depois da Segunda Guerra, países como Alemanha e Itália,
seguidas de Espanha e Portugal, vivenciaram o fortalecimento da jurisdição
constitucional, criando mecanismos que pudessem proteger os direitos
fundamentais.95
A partir do momento que foi conferido à norma constitucional o
status de norma jurídica, foi efetivamente reconhecida a mudança de
paradigma que ocorria na teoria jurídica, em virtude dessa “irradiação
necessária dos valores constitucionais por todos os ramos do Direito”.96
Depois da malfadada experiência nazista, houve a preocupação com
o fortalecimento da jurisdição constitucional que possibilitasse a salvaguarda
dos direitos fundamentais.
94 SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e Possibilidades. Leituras Comple-mentares de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podium, 2009. Org. Marcelo Novelino. Pág. 35. 95 Idem. 96 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional: nova concepção de jurisdição. São Paulo: Método, 2008. Pág. 40
63
“A primeira referência do desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.”97
Não é possível olvidarmos a significação das experiências ibéricas,
inclusive em sede de jurisdição constitucional, tangente à história do
Neoconstitucionalismo brasileiro. A seu propósito, consideremos duas
referências promovidas em estudo comparativo sobre os textos constitucionais
de Portugal e Espanha, que se ajustaram aos ideais vivenciados por Alemanha
e Itália98:
Certo existir um claro paralelismo entre as constituições portuguesa e brasileira no tocante ao ordenamento da matéria constitucional e ao arrolamento dos princípios fundamentais. No que diz com a ordenação material, veja-se que, em uma e outra geografia, as disciplinas iniciais pontuam o preâmbulo, os princípios fundamentais e os lembrados direitos fundamentais. Já em relação aos princípios, além da soberania e do pluralismo (político e de expressão), vê-se que tanto ali, tanto aqui, cumpre o respeito à garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (art. 2º da Constituição Portuguesa) e a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º da Constituição Brasileira).
Em relação ao documento castelhano há de se observar, na disciplina inicial traçada pela Carta da Espanha, a mesma seqüência disposta na Constituição Portuguesa. Isso talvez possa servir como indicativo da razão pela qual o constituinte brasileiro parece ter reconhecido no texto espanhol mérito bastante para fazê-lo, se não um paradigma, algo que se lhe assemelhasse. Com efeito, à leitura dos artigos 1º e 2º da Constituição Espanhola, vê-se que as Cortes declaram ser a Espanha um estado social e democrático de direito, que propugna como valores superiores de sua ordem jurídica,
97 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> 98 ROCHA, José Taumaturgo da. Direito à Vida. op. cit. Cap. VI, pág. 295.
64
dentre outros, o pluralismo e a soberania. E no artigo 10 asseguram as mesmas Cortes que as normas relativas aos direitos fundamentais e às garantias reconhecidas pelo texto constitucional se interpretarão na conformidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos tratados e acordos internacionais pactuados sobre essa mesma matéria. Tudo muito parecido com as letras constitucionais brasileiras, inclusive por erguer o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana ao patamar de fundamento da nação espanhola.
O marco filosófico do neoconstitucionalismo:
O jusnaturalismo vigente no século XVI aproximou a lei e a razão,
influenciando assim as revoluções liberais. Com a ascensão do positivismo, no
século XIX, considerado um modelo que primava pelo formalismo jurídico,
equiparando o direito à lei, adepto da subsunção e do silogismo, teve sua
derrocada depois das experiências trágicas que equipararam lei ao Direito, e
em nome dessa legalidade cometeram atrocidades sem medida.
Diante da inconsistência do jusnaturalismo, e da falência do
positivismo, inicia-se uma nova leitura do Direito. Surge o pós-positivismo.
Para Barroso,
“O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.”99
99BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>
65
O neoconstitucionalismo dedicou-se à discussão sobre teorias
argumentativas postas à disposição do operador do direito para obtenção da
melhor resposta para os “hard cases”.
Travaram-se as discussões sobre direito e moral. De um lado,
alguns positivistas que não concordavam com a conexão entre direito e moral.
Do outro lado, os não positivistas, que afirmavam a necessidade dessa
conexão, alicerçados na compreensão de que as normas injustas não
poderiam gozar de validade jurídica.
Marco teórico:
d) reconhecimento do caráter normativo
da Constituição;
e) o desenvolvimento e o alargamento da
jurisdição constitucional; e,
f) uma nova interpretação.
Somente no século XX a Constituição ganha ares ou status de
norma jurídica, pois era vista apenas como documento político (carta política).
Coma ascensão do neoconstitucionalismo, o judiciário assume papel de
destaque, e o juiz passa a “guardião das promessas”, artífice na realização das
garantias constitucionais.
No final dos anos 40, a experiência americana da Supremacia
Constitucional encantava a todos. Falava-se então do controle de
constitucionalidade e da criação dos tribunais constitucionais.
A nova interpretação constitucional deriva, evidentemente, da força
normativa da constituição. Como norma jurídica, serve-se dos métodos de
interpretação: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Além do que são
usados os critérios de solução dos conflitos: hierárquico, em que a lei superior
tem prevalência sobre a inferior; temporal, em que a anterior prevalece sobre a
posterior; e o critério de que a lei especial tem prevalência sobre a geral.
Barroso faz a comparação entre a interpretação tradicional e a
neoconstitucional da forma seguinte:
A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas
66
grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção.
Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.”100
Uma das grandes características do Neoconstitucionalismo é o
reconhecimento do caráter normativo dos princípios e sua distinção em relação
às regras jurídicas.101 Os princípios são normas abertas, que consagram de-
terminados valores, ao passo que as regras estabelecem comandos afeitos a
certas condutas. Nesse relacionamento íntimo de princípios e direitos funda-
mentais no texto constitucional, ocorrem as colisões, e diante das colisões de
normas constitucionais, não há como ser aplicada a subsunção, razão pela
100BARROSO, Luís Roberto. Neoconstiucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Artigo. Publicado na internet, <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> 101 Bastante esclarecedores são os textos que se extraem da obra de Humberto Ávila. Eles como que sinte-tizam as lições Robert Alexy, construtor de uma homenageda teoria sobre regras de direito e princípios jurídicos: “Hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre prescrevem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional – os princípios jurídicos. É até mesmo plausível afirmar que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamar de Estado Principiológico.” E continua o citado autor: “É verdade que o importante não é saber qual a denominação mais correta des-se ou daquele princípio. O decisico, mesmo, é saber qual é o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade.” Aut e Op cit, pág. 24. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à apli-cação dos princípios jurídicos. 12. ed. S. Paulo: Malheiros, 2011.)
67
qual é utilizado o princípio da razoabilidade, para a escolha da melhor solução
de concretização da “vontade constitucional”.
Na ocorrência de um conflito entre regras, a solução, segundo Alexy
somente será resolvido se se introduzir, “em uma das regras, uma cláusula de
exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada
inválida”.102
E continua o citado autor:
A constatação de que pelo menor uma das regras deve ser de-clarada inválida quando uma cláusula de exceção não é possí-vel em um conflito entre regras nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada dessa forma. Esse problema pode ser solu-cionado por meio de regras como lex posterior derogat legi pri-ori e lex specialis derogat legi generali, mas é também possível proceder de acordo com a importância de cada regra em confli-to. O fundamental é: a decisão é uma decisão sobre valida-de.103
Importa dizer que na ocorrência de colisão entre regras, uma delas
cederá espaço, pois as duas não poderão reger o mesmo caso, por isso falar-
se em validade.
Para Dworkin, “se duas regras entram em conflito, uma delas não
pode ser válida”, em razão de que é “funcionalmente desimportante”.104
Em se tratando da colisão de princípios, Alexy assevera que:
As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.105
Diante da colisão de princípios, deve-se levar em conta que os prin-
cípios, ao revés do que ocorre com as regras, têm precedência. Os princípios
102 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. S. Paulo: Malheiros Editores. 2ª edição. 3ª tira-gem. 2014. Pág. 92 103 Idem. Pág. 93 104 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos à Sério. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 3ª edição. 2010. Pág. 43. 105 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. S. Paulo: Malheiros Editores. 2ª edição. 3ª tira-gem. 2014. Pág. 93
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têm pesos diferentes, e, diante do caso concreto, é feito o sopesamento para
aferir qual deles tem peso maior para realizar a composição do litígio.
Esse processo que se desenvolveu desde o final do período pós-
guerra, somente teve seu início em terras brasileiras com o advento da Consti-
tuição de 1988.
A Carta Constitucional trouxe em seu bojo um elenco de direitos e
garantias fundamentais, com aplicabilidade imediata, em seu art. 5º. Reforçou
o papel do Poder Judiciário, conferindo a inafastabilidade da tutela judicial ou
inafastabilidade da jurisdição.106
A partir desse momento, passou-se a enfatizar a força normativa
da Constituição e a importância dos princípios constitucionais. Essa nova fase
propiciou uma mudança no olhar da sociedade para o Direito e para o Estado.
106 Art. 5º, XXXV – “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
69
CAPÍTULO IV: A PROVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. O Estado democrático de Direito
A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático.107
Para falar em Estado Democrático de Direito, presente no
preâmbulo e no art. 1º da Constituição Federal de 1988, convém analisar todo
o iter percorrido pelos anteriores Estado Liberal e Estado Social de Direito (ou
do Bem Estar social).
J.J. Canotilho assevera que o Estado de direito não pode ser
concebido como um sistema fechado, pois
cada época tem as suas experiências jurídicas, as suas exigências de justiça, os seus padrões de juridicidade. Por isso, já se acentuou – e bem – que a história do Estado de direito não deve ser compreendida como a ‘história de um conceito’; mas como uma história enquadrada na ‘história geral das ideias e das instituições’.108
A liberdade sempre foi o ideal pretendido, e essa oposição ao
governo arbitrário, serviu para catapultar o Estado absolutista para o Estado de
Direito. O Estado Liberal teve como marca a liberdade, especialmente a
econômica, primando pela não intervenção do Estado, além da indiferença
estatal no tocante às questões sociais. Esse modelo atendia aos interesses da
classe burguesa, que detinha o poder econômico da época.
Impende registrar o magistério de Bonavides, para quem
O Estado é armadura de defesa e proteção da liberdade. Cuida-se, com esse ordenamento abstrato e metafísico, neutro
107 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamen-tais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva.1ª edição. 2009. Pág.245. 108CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina. 6ª edição. 1993. Pág. 349
70
e abstencionista de Kant, de chegar a uma regra definitiva que consagre, na defesa da liberdade e do direito, o papel fundamental do Estado.109
José Afonso da Silva enumera três características do Estado
Liberal: a) o império da lei; b) a divisão dos poderes (legislativo, executivo e
judiciário); e, c) garantia dos direitos fundamentais. 110
A liberdade econômica incentivou a aceleração da livre
concorrência, que alavancou o capitalismo e o abuso do poder contra os
menos favorecidos. Em decorrência disso, o Estado Liberal não foi capaz de
atender aos anseios da sociedade, gerando pobreza, desigualdade e
insatisfação, e cedeu lugar para o surgimento do Estado Social.
Assim, o Estado se despiu da neutralidade e abstencionismo,
para fazer valer a justiça social.
O Estado de Direito emergiu no final do séc. XVIII, com as
grandes mudanças experimentadas e que foram fruto da Revolução
Francesa111, através dos movimentos burgueses de caráter revolucionário, que
manifestavam sua oposição ao absolutismo, aspirando a implantação de um
sistema que limitasse a ação dos governantes, que deveriam submeter-se à
vontade da lei, voltando sua atenção para o lado social, com atuação
intervencionista principalmente na economia. Preocupava-se o Estado Social
com o crescimento nas áreas da saúde, educação, cultura e previdência social,
promovendo uma profunda modificação no papel do Estado. Entretanto, com o
fim da segunda grande guerra (1939/1945), o modelo social passou a ser
criticado, especialmente em face de todos os abusos e atrocidades cometidas
nos campos de concentração.
Diante do insucesso dos modelos Liberal e Social e da necessidade
de um novo modelo de Estado, inicia-se um processo de democratização do
109 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editores. 11ª edição. 2014. Pág. 41. 110 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. S. Paulo: Malheiros Editores. 36ª edição. 2013. Págs.114-115. 111 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros Editores. 11ª edição. 2014. Pág. 30.
71
Estado no final do séc. XIX e início do séc. XX, cuja tônica era a submissão à
lei e à vontade popular.
Com a consolidação do constitucionalismo, o Estado passou a
submeter-se às normas de direito, e estruturar-se através de leis,
especialmente a lei constitucional, com a integração dos princípios jurídicos e
da democracia. No Estado Constitucional Democrático de Direito, a democracia
é a verdadeira fonte de legitimação do poder e o princípio da legalidade faz
parte da plêiade dos princípios que constituem sua base. Com a garantia da
legalidade, o Estado assume o compromisso com a igualdade formal dos
litigantes e com a efetiva realização do processo constitucional, que “tem por
fundamento garantir o princípio da supremacia constitucional, possibilitando a
efetiva tutela, proteção e fomento dos direitos fundamentais.”112
O Estado Democrático de direito é proclamado pela Constituição
Federal de 1988 em seu art. 1º113, e “com a opção constitucional do povo pelo
Estado Democrático de Direito, a jurisdição passou a ter concepção de direito
fundamental, em conexão direta com o devido processo legal na realização dos
direitos fundamentais.”114
Não basta o reconhecimento dos direitos, mas urge que se
assegurem as garantias para a efetivação desses direitos, que se exerce
através da jurisdição garantidora dos direitos fundamentais.
2. Sobre o acesso à justiça e a garantia do direito constitucional à prova
Somente após o período do pós-guerra, com a assunção e
consagração dos direitos constitucionais, o acesso à justiça passou a exercer o
papel de verdadeiro garantidor dos outros direitos fundamentais.
112 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá Editora. 2013. Pág. 42. 113 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis-trito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito. 114 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá Editora. 2013. Pág. 44.
72
O acesso à justiça, como se pode perceber mesmo sem maior
incursão no tema, é uma forma de ligar o processo civil com a justiça social. O
acesso à uma ordem jurídica justa é um direito de cidadania. O acesso à
justiça deve representar o acesso à um processo justo, a um juiz natural, a um
devido processo legal com contraditório e produção probatória suficiente para
alicerçar o convencimento do julgador.
O acesso à justiça pode ser analisado a partir de dois momentos:
o Estado Liberal e o Estado Social.
Por ocasião da vigência do Estado Liberal, houve uma
segregação dos direitos. Já no período do Estado Social houve a preocupação
com a realização dos direitos dos indivíduos. A lição de Cappelletti e Garth é a
de que: “Nos estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os
procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia
essencialmente individualista dos direitos, então vigorante.”115 Havia um
acesso formal do indivíduo para propor uma ação ou contestá-la.
E Continuam os autores:
“à medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas ‘declarações de direitos’, típicas dos séculos dezoito e dezenove.”116
Ainda seguindo o magistério dos juristas suso referidos,
registramos a definição de que
“o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.”117
Tratam os autores, acerca da efetividade do acesso à justiça, a
necessidade da paridade ou “igualdade de armas”, mesmo entendendo essa 115 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1988. Reimpressão 2002. Pág.9. 116 Op. cit., Pág. 10. 117 Idem. Pág. 12
73
perfeita igualdade como algo “utópico”. Na obra “Acesso à Justiça”, resolvem
elencar os obstáculos que se põe à frente da consecução do efetivo acesso à
justiça.
O primeiro deles foi identificado como: custas judiciais,
subdividido em custas em geral e nas causas de pequena monta; além do
tempo para solução do processo, que invariavelmente acarreta custos para as
partes. O segundo: possibilidade das partes, i) quanto aos recursos financeiros,
ii) quanto à aptidão para reconhecer um Direito e propor uma Ação ou defesa e
iii) quanto aos litigantes eventuais e habituais. O terceiro obstáculo diz respeito
aos problemas especiais dos interesses difusos. Ao término da análise,
concluem os autores que as barreiras são mais presentes nas pequenas
causas e com autores individuais (principalmente os de menor poder
aquisitivo).
Assim, Cappelletti e Garth, não apenas apontaram os problemas,
mas criaram soluções para combater esses problemas, que resolveram chamar
de ondas do movimento de acesso à justiça.
A primeira delas tratou da assistência judiciária que viabilizasse a
prestação de serviços jurídicos para os que dela necessitassem. Três foram os
sistemas postos à disposição: o sistema judicare, com advogados particulares
pagos pelo Estado; e um segundo sistema de assistência judiciária, com
advogados remunerados pelos cofres públicos. A diferença entre os dois
sistemas era a de que no sistema judicare, os advogados apenas
encaminhavam as demandas, ao passo que esse outro modelo criou uma nova
categoria de assistência, pois auxiliava, inclusive, na reivindicação dos direitos.
Por fim, o terceiro modelo chamado de combinado, conjugando aquilo que de
melhor pudesse ser extraído de cada sistema, diante do reconhecimento das
limitações encontradas em cada um individualmente.
A segunda onde dizia respeito à representação dos interesses
difusos (coletivos). Sobre esse movimento, aduziram Cappelletti e Garth: “O
processo era visto apenas como assunto entre duas partes, que se destinava à
74
solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus
próprios interesses individuais.”118
E a terceira onda de reforma comtempla a assistência jurídica, por
meio de advogados, mas “centra sua atenção no conjunto geral de instituições
e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo
prevenir disputas nas sociedades modernas.”119
Esse acesso efetivo, real, pleno foi acolhido pelo nosso legislador
constitucional, na Carta de 1988, que inseriu no Título II os Direitos e Garantias
Fundamentais tanto a inafastabilidade da jurisdição, presente no art. 5º, XXXV,
como o inciso LXXIV, garantindo a gratuidade judiciária para aqueles que não
dispuserem de recursos para arcar com as despesas e custas do processo.
Fundamenta-se na possibilidade de todos, indistintamente, poderem
ajuizar suas demandas perante os órgãos do Poder Judiciário. Podemos
enxergar duas garantias do acesso à justiça: a possibilidade de que a lesão ou
ameaça de lesão a direito possa ser submetida à apreciação do Poder
Judiciário; e a concessão de amparo àquelas pessoas que, por sua condição
de hipossuficiência, não podem arcar com encargos da demanda sem o
comprometimento de seu sustento e de sua família.
E não por acaso o Estado concede a salvaguarda desses direitos
fundamentais. Com a autonomia do Estado frente aos cidadãos, vedando a
autotutela para por fim às disputas de interesses, surgiu a necessidade de
armar o cidadão com um instrumento capaz de levar a cabo o conflito em que
viu envolvido. Dessa forma, o exercício do acesso à justiça cria para os autores
da disputa o direito à prestação jurisdicional, reflexo do poder-dever do juiz de
dar a referida prestação jurisdicional. Em realidade, o acesso à justiça não se
limita à apreciação do órgão institucional, mas, sobretudo, possibilita o amparo
da justiça, aos que buscam sua proteção, para a tutela dos seus direitos. O
acesso à justiça não é criado para o autor da demanda, mas para quem tiver
seu direito ferido ou mesmo ameaçado de lesão.
118 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Edi-tor, 1988. Reimpressão 2002. Págs. 49/50. 119 Op. cit., Págs. 67/68
75
O acesso à justiça traduz a ideia de que não se pode criar
obstáculos a quem teve seu direito lesado, ou que esteja sob a ameaça de vir a
tê-lo, de submeter sua pretensão ao Poder Judiciário, e, portanto, deve ser
efetivo e material. Implica dizer que a resposta apresentada pelo Estado deve
dirimir o conflito existente ou legitimar a situação ofertada em prazo razoável.
Não é suficiente que o poder judiciário venha garantir o recebimento da
demanda e o direito de ação processual (o direito de agir dirigindo-se ao órgão
jurisdicional), mas, também garantir uma decisão justa, sob pena de macular
esta garantia constitucional. Com este pensamento, a emenda Constitucional
nº 45/04 inseriu no artigo 5º, o inciso LXXVIII120, assegurando a celeridade
processual, com a garantia da duração razoável do processo, seja na esfera
administrativa ou judicial.
Os Direitos Fundamentais não são apenas declarados, mas
garantidos através de outros direitos e de mecanismos que o Estado dispõe
para criar a paridade de armas para os cidadãos. E este acesso à justiça vem
de mãos dadas com vários princípios constitucionais, insertos no Código de
ritos, possibilitando não apenas o ingresso perante o Poder Judiciário, mas,
especialmente, a garantia de um devido processo legal, com contraditório,
ampla defesa e um julgamento justo, motivado e fundamentado.
3.Princípios Constitucionais informadores do direito à prova
Os princípios são vetores basilares de todo o ordenamento
jurídico. São normas que possuem uma grande carga axiológica, e que
irradiam o sistema jurídico.
O Estado Democrático de Direito é estruturado a partir da garantia
da função jurisdicional, cumprida através do devido processo constitucional. “A
satisfação do binômio justiça-segurança jurídica, - para o qual os princípios
constituem-se em a mola mestra – avulta em objetivo básico, a que todos
devem acorrer, aproximando a operosidade do direito à realidade presente na
120 A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
76
comunidade.”121
A Constituição Brasileira de 1988 é o ponto de partida para a
análise da atividade probatória. Tanto que o princípio insculpido no art. 5º, LIV
da Constituição Federal, dispõe: “Ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal”.
Deriva desse princípio a garantia a um processo e uma sentença,
respeitadas as garantias básicas de uma sociedade justa e democrática. O
princípio é a diretriz que deve seguir a norma infraconstitucional. Assim, por
exemplo, quando da aplicação do Código de regras, o juiz é livre para conduzir
toda a atividade probatória, devendo, no entanto, assegurar aos litigantes um
processo que respeite o direito invocado pelas partes, especialmente no
tocante à produção de provas.
O princípio do devido processo legal assegura a todos, no âmbito
judicial e administrativo, a razoável duração do processo com a utilização dos
meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Para a tramitação dos
atos processuais, é assegurado o impulso oficial, com a exigência de as partes
operem (ou cooperem) de boa fé; oportunizando os debates que travam, em
atenção ao efetivo contraditório, cuja realização aproveita quer a objetividade
da demanda quer a sua subjetividade. Em qualquer momento, porém, além da
própria demanda, enquanto proposta do autor colhe a apreciação de a defesa
vir a ser ampla e global. Acrescente-se, ainda, em matéria probatória, a
vedação da utilização das provas ilícitas. Por derradeiro, para os fins deste
trabalho, o dever de motivação das decisões judiciais.
3.1 Princípio do devido processo legal
A história do homem coincide com a sua busca pela liberdade, pela
quebra dos grilhões que o aprisionavam e o conduziam à servidão que lhe foi
imposta. “O decorrer da história revela o permanente embate entre a
dominação do homem e sua luta frenética e incontida pela liberdade. Busca-se,
121 BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de Petição – Garantia constitucional. São Paulo: Método, 2004. Pág. 28.
77
pois, incessantemente, um ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e a
ordem social”.122
Cumpre-nos, por oportuno, apontar que a história do devido
processo legal teve seu nascedouro no ano de 1215 na Inglaterra, com o
advento da Magna Carta. Instituiu-se, a partir daí o devido processo legal, que
se constituiu como verdadeira essência da liberdade individual em face da lei.
Entretanto, a expressão due process of law somente passou a ser utilizada a
partir de 1354 com o advento do Estatuto de Eduardo III. Posteriormente
chega até as colônias da América do Norte, e no final do século XIX e início do
século XX os Estados Unidos passaram a experimentar uma hipervalorização
dos ideais baseados no liberalismo econômico. A Suprema Corte americana
imbuída pelo espírito do laissez faire, passou a declarar a inconstitucionalidade
das normas que de qualquer forma pudessem atentar contra os princípios
liberais, especialmente o direito à propriedade.
Diante da ausência de controle das decisões do judiciário, ergueram-
se severas críticas à interpretação extensiva que vinha sendo utilizada pela
Suprema Corte americana, e em meio a essas críticas o devido processo legal
restringiu significativamente a área de sua abrangência. A partir de então era
invocado tão somente com o objetivo de proteger os direitos fundamentais.
A partir da Constituição de 1988 o ordenamento jurídico brasileiro
passou a albergar expressamente a garantia constitucional do devido processo
legal. O due process of law previsto no direito anglo-saxão desde o século XIV
limitava-se a oferecer garantia no âmbito processual, passando, com o decurso
do tempo, a ampliar seu conteúdo e alcance.
O devido processo legal “tornou-se, ao lado do princípio da isonomia
(equal protection of law), o principal instrumento de argumentação de que
lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de
transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América”.123
122 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo Legal. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
123 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova
Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Pág. 32.
78
Com a incidência do princípio do devido processo legal são
garantidos aos litigantes: o acesso à justiça, a igualdade de tratamento (direitos
iguais para a produção probatória), a publicidade dos atos processuais, o
julgamento por juiz natural, o julgamento obtido da análise de um conjunto
probatório lícito, o dever de fundamentação das decisões judiciais.
A essência do devido processo legal é, portanto, o respeito às
normas constitucionais e infraconstitucionais pelo Estado e pelos cidadãos.
Representa a garantia de acesso à justiça, entendido não apenas como uma
garantia formal, mas, significando mesmo o direito à prestação da tutela
jurisdicional.
A cláusula do devido processo legal não significa apenas a tutela
processual. “Sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive
due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio
em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito
material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo
judicial ou administrativo”. 124
3.2 Princípio do contraditório e ampla defesa
O art. 5º, LV da Constituição Federal assegura aos litigantes o
direito ao contraditório e à ampla defesa. É certo que o respeito ao estado de
direito, inspirou o legislador a conferir juntamente com o direito de defesa, o
direito à ação.
O contraditório, considerado subprincípio do devido processo legal,
interessa de perto ao tema da necessária produção de prova, e faz-se
indispensável vê-lo como essencial à formação de um processo democrático.
Afinal, o Estado Democrático reclama essa participação efetiva no processo,
que é o instrumento posto à disposição da sociedade, para garantia dos seus
direitos lesados ou ameaçados de lesão. Para Rui Portanova, “o contraditório
assenta-se em fundamentos lógico e político. A bilateralidade da ação (e da
124 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 8ª edição. 2004. Pág. 65.
79
pretensão) que gera a bilateralidade do processo (e a contradição recíproca) é
o fundamento lógico. O sentido de que ninguém pode ser julgado sem ser
ouvido é o fundamento político”.125
Dinamarco chama a atenção para dois momentos do processo, em
se tratando do contraditório: a informação e a participação.
O primeiro, como chamamento, em que se expressa a necessidade
de comunicação dos atos processuais. O segundo momento, representando a
efetiva participação dos atos do processo. “Participar, (...), é viver o
processo.”126 E viver é estar presente, vivenciando as experiências.
Outro não é o entendimento de Nery Jr.: “Por contraditório deve
entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da
ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de
as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm
direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que
requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de
serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.”127
Muito além, no entanto, de o contraditório ser apenas observado
como a possibilidade de manifestação das partes no processo, urge a
consideração de tal princípio desembocar no convencimento do magistrado.
Com efeito, à luz da Constituição Federal, em seu art. 5º LV: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados
o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
“O contraditório é a paridade de armas entre os litigantes, significa
dar igual oportunidade de informação, ação e reação, enquanto a ampla defesa
consiste em permitir a apresentação em juízo de todas as alegações,
125 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
126 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT. 1986. Pág. 94. 127 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. São Paulo: RT. 8ª edição. 2004. Pág. 172.
80
disponibilizando-se às partes todos os meios de prova lícitos para a
concretização da defesa de seus interesses”.128
O legislador infraconstitucional, no art. 7º do CPC (Lei
nº13.105/2015) assegura aos litigantes: “paridade de tratamento em relação ao
exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus,
aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar
pelo efetivo contraditório.”
Falar em contraditório significa falar da influência que as partes
contendoras possuem na formação do convencimento do juiz. Um
convencimento que há de ser livre na sua formação e formulação, donde se
falar em livre convicção motivada. A garantia ao contraditório não se limita à
esfera procedimental, pois é considerada uma verdadeira condição de validade
dos atos processuais e até mesmo da sentença.
A partir do instante em que o Estado assumiu a função jurisdicional,
passando a resolver os conflitos de interesses que lhe fossem submetidos à
apreciação, longe da antiga justiça privada, ao autor da demanda foi incumbido
o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, ao passo que ao réu, o
de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Depois da análise do conjunto de argumentação o magistrado deverá então
julgar, expondo os motivos que o convenceram na tomada de decisão.
Todo o procedimento probatório há de alicerçar-se nos princípios
constitucionais norteadores da atividade jurisdicional democrática. O juiz não é
apenas a boca da lei, mas, também, e, sobretudo, o grande artífice a quem foi
confiada a missão de ouvir as partes e suas provas e assegurar um resultado
que seja o elemento pacificador da sociedade.
A ampla defesa assegurada aos litigantes, é consequência do
contraditório, pois as partes têm a liberdade de alegar os fatos que constituem
o objeto de sua lide, e as provas com que pretendem assegurar a veracidade
daqueles fatos.
128 HOFFMAN. Paulo. A Atuação Probatória do Réu Revel, sob o Aspecto Constitucional da Ampla De-fesa. In: O Processo na Constituição. Coordenação Ives Gandra da Silva Martins e Eduardo Jobim. São Paulo: Quartier Latin, 2008. Pág. 385.
81
“A defesa não é uma generosidade, mas um interesse público. Para
além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se
é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente
democrático.”129
A ampla defesa caminha de mãos dadas com o contraditório, razão
pela qual, os dois momentos acima referidos: de informação (ou conhecimento)
e participação, são tomados novamente. As partes têm o direito de informação,
participando, livre e eficazmente de todos os atos do processo; bem como o
direito de alegar e provar aquilo que alega. A garantia de uma citação válida,
nomeação de defensor, intimação dos atos processuais, são exemplos que
ilustram a hipótese em comento. Essa liberdade de participar ativamente do
processo, exercendo seu direito de ação, confere não apenas a reação às
alegações, mas também abrem a possibilidade de não ser utilizada nenhuma
técnica de defesa. Daí pensar-se numa busca efetiva da garantia do princípio
da ampla defesa, para que sejam atendidos os ditames constitucionais, não é
suficiente a apresentação de uma defesa formal, mas uma defesa plena, com a
utilização dos meios postos à disposição do magistrado para exercer seu
munus, com a responsabilidade que lhe é exigida na condução do processo.
3.3 Princípio da proibição de provas ilícitas
O art. 5º, LVI da Constituição Federal de 1988, assevera que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Já o nosso
Código de ritos, em seu art. 369, tratando das provas, assegura que “as partes
têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente
legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade
dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na
convicção do juiz.”
Com a leitura comparada dos dispositivos suso referidos, vê-se
que o legislador ordinário, preocupado com o trato da matéria probatória, achou
129 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. Pág. 125
82
por bem ampliar o conteúdo do artigo 5º da Constituição Federal, vedando a
obtenção das provas obtidas por meios ilícitos, como também aquelas em que
foram empregados meios moralmente ilegítimos.
Com a adoção do princípio em comento, assegura-se aos
litigantes, a paridade de direitos no campo probatório, quanto à impossibilidade
(ou menor possibilidade) de surgirem provas obtidas através de meios ilícitos
e/ou moralmente ilegítimas.
A prova ilegal é aquela que vai de encontro às normas de direito
material, com a violação do ordenamento jurídico, compreendendo-se as leis e
os princípios. Diz-se ilegítima, aquela que contraria as normas de direito
processual; e a prova ilícita ocorre fora do mundo processual, e é caracterizada
por ser produzida com a violação da norma de direito material.
Para Dinamarco,
provas ilícitas são as demonstrações de fatos obtidos por modos contrários ao direito, quer no tocante às fontes de prova, quer quanto aos meios probatórios. A prova será ilícita – ou seja, anti-jurídica e portanto ineficaz a demonstração feita – quando o acesso à fonte tiver sido obtido de modo ilegal ou quando a utilização da fonte se fizer por modos ilegais. Ilicitude da prova, portanto, é ilicitude na obtenção das fontes ou ilicitude na aplicação dos meios. No sistema do direito probatório, o veto às provas ilícitas constitui limitação ao direito à prova. No plano constitucional, ele é instrumento democrático de resguardo à liberdade e à intimidade das pessoas contra atos arbitrários ou maliciosos.130
A prova considerada ilícita não deve produzir nenhum efeito, sob
pena de violar todo o processo, e as garantias constitucionais a ele
assegurado, pois é colhida em profundo desrespeito à função jurisdicional do
Estado Democrático de Direito. É considerada mesmo ato inexistente no
mundo processual.
Alguns autores admitem a relativização dessa regra, pois
consideram que o juiz deverá adotar a regra da proporcionalidade para fazer o
balanceamento dos valores e interesses que estão em conflito. Argumentam
130 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Edi-tores. 6ª edição. 2009. Vol III. Pág. 47
83
que “quase todos” os países que adotaram a proibição da prova ilícita vieram a
estabelecer exceções, a exemplo dos tribunais americanos e alemães.
A primeira corrente preconiza a interpretação literal do comando
insculpido no art. 5º, LVI da Constituição Federal/88, vedando a utilização de
prova obtida por meio ilícito. Em contrapartida, outra corrente admite a
aplicação do princípio da proporcionalidade para atenuar o rigor da
interpretação literal do dispositivo em comento. Como traço comum de ambas,
destaca-se a preocupação com o resultado nocivo que essa prova venha a
produzir.
O princípio da proporcionalidade ou razoabilidade surgiu
originariamente nas Cortes Constitucionais da Alemanha e Suíça, vindo a
despontar no direito ocidental na segunda metade do século XX, cuida de
controlar o excesso cometido pelos agentes estatais, que devem pautar seu
agir em conformidade com os direitos fundamentais.
O assunto proveniente das provas ilícitas por derivação, também
chamado de teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the pousonous
tree), afastam do processo as provas que derivem direta ou indiretamente das
informações ilicitamente obtidas, ao argumento de que essas provas são
imprestáveis para o processo, pois estimulam a torpeza e maculam o
sentimento constitucional.
3.4 Princípio da Duração Razoável do Processo
Quando se pensa em processo, logo vem à mente o tempo de
duração até a solução da querela. A relação entre tempo e processo, que
sempre foi tormentosa, tem sido objeto de preocupação do legislador
constitucional e infraconstitucional. A celeridade processual sempre foi
ambicionada pelos processualistas e pela sociedade, sabida a preocupação
com a famigerada “crise da justiça, tanto que o art. 5º, LXXVIII da Constituição
Federal/88 veio garantir, seja no âmbito judicial ou administrativo, a razoável
duração do processo. O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), em seu
84
art. 4º, dispõe que:“ as partes têm o direito de obter em prazo razoável a
solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”
A garantia da efetividade das decisões judiciais representa o
cumprimento daquelas promessas constitucionais. Desejam os aplicadores, as
partes contendoras e toda a sociedade, que as demandas sub judice sejam
resolvidas no menor tempo possível, pois o tempo, com sua ação deletéria,
muitas vezes corrói, e outras tantas inviabiliza os fatos no mundo fenomênico.
Entretanto, em que pese o desejo de uma justiça célere, havemos por lutar por
um processo justo, pois não há razão para almejar a celeridade em detrimento
do cumprimento dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. A
matéria é tratada na legislação infraconstitucional, a ela mantendo-se fiel.
A inovação da Lei nº 13.105/2015 é a inclusão, neste tempo de
duração do processo, além da solução do litígio, o cumprimento ou execução
da sentença. Que a celeridade na prestação jurisdicional seja atendida e que o
tempo não seja um elemento integrante das ações judiciais.
3.5 Princípio da motivação das decisões
Com o dever de motivação das decisões judiciais, assegura-se ao
jurisdicionado que o magistrado necessariamente fará a exposição dos motivos
que o conduziram a proferir o ato decisório. Motivação não se resume a uma
referência sobre regras e princípios, sem nenhuma abordagem da situação
fática posta sob análise. Segundo Nery Jr,
A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidire de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento.131
131 NERY Jr, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 8ª edição. 2004. Págs. 217/218.
85
O Estado Democrático de Direito assegura ao cidadão o direito de
saber qual o embasamento teórico, qual a argumentação expendida, qual a
norma aplicada na decisão que põe fim aos conflitos de interesse. Na
realidade, espera-se que “o juiz leve em consideração todas as peculiaridades
do caso concreto e, sopesando os bens e interesses ali existentes, faça valer
os valores constitucionais.”132
Analisando o referencial histórico do instituto, verificamos que até
o fim do século XVII, não havia a preocupação com a motivação da decisão
judicial. E somente a partir do século XIX, o princípio da motivação das
decisões passou a ter status de preceito constitucional.
Decorre, o dever de motivar as decisões, evidentemente, do
devido processo legal, que assegura a análise pelo Poder Judiciário das
situações conflituosas. Para dar a resposta à sociedade, o magistrado deve
expor suas razões de convencimento com clareza, lógica e precisão
terminológica.
Fundamentar, para Rui Portanova, é “além da análise da norma,
(...) proceder a exame discriminado, específico dos fatos e das provas.”133
O CPC/2015, em seu art. 11, em compasso com o disposto no art.
93, IX da Constituição Federal/88, estabelece a publicidade de todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, e todas as decisões
fundamentadas, sob pena de nulidade.
Cuidando da matéria, o legislador ordinário tratou de elencar as
hipóteses em que a decisão não tenha cumprido os ditames legais. O artigo
489, em seus incisos, dispõe os elementos essenciais da sentença, e vai além,
em seu § 1º, e incisos, dispondo as hipóteses em que a decisão (seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão) não estará fundamentada. Insta fazer
referência ao inciso V, que não considera fundamentada a decisão que “se
limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
132 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional: nova concepção de jurisdição. Rio de Ja-neiro: Forense. São Paulo: Método. 2008. Pág. 160 133 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. Pág. 251
86
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se
ajusta àqueles fundamentos.”
O julgador deverá, portanto, fundamentar sua decisão
demonstrando que o precedente, enunciado ou súmula de fato se aplica ao
caso em análise.
Com relação ao inciso VI, considera-se não fundamentada a
decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem que tenha se incumbido de demonstrar a
existência de distinta falta de correspondência com o caso sob análise, ou que
tenha ocorrido a superação do entendimento alegado. O art. 927 enumera a
matéria que tem eficácia vinculante.
87
CAPÍTULO V: A PROVA NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM
FACE ÀS OPÇÕES CONSTITUCIONAIS
1.A disciplina da prova no Código de Processo Civil de 1973 e a prova no
Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)
O Código de Processo Civil de 1973 teve sua origem no anteprojeto
apresentado em 1964, pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid. Numa
ligeira retrospectiva podemos constatar que os anos que antecederam a
década de 70, precisamente a partir do golpe militar de 1964, foram
considerados verdadeiros “anos de chumbo”, que deram lugar à edição do Ato
Institucional nº5, em 1968. Com a edição do AI-5 houve o fechamento do
Congresso; a concessão de autorização para o Executivo legislar, suspensão
de várias garantias constitucionais e legais; além da permissão para o
presidente demitir, remover, aposentar, transferir juízes, empregados e
militares, e a suspensão das imunidades parlamentares.
Esse cenário inspirou o surgimento do Código de Processo Civil de
1973, que em sua exposição de motivos tratou de considerar o processo civil
como “um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de
administrar justiça”. Trata-se de um instrumento técnico jurídico, “preordenado
a assegurar a observância da lei”, com o compromisso de conferir aos
jurisdicionados, “sem delongas, a justiça.” (DOU, de 08 de maio de 1964, pág.
52, seção 01). O Código de Processo Civil de 1973 buscou inovação e
conservação, além de ter inserido o processo civil brasileiro, de forma mais
expressiva, no cenário do processualismo prevalente na Europa,
especialmente na Itália, na primeira metade do século XX. No período entre as
duas grandes guerras, a Europa experimentou um substancial fechamento
cultural e ideológico. Com uma abordagem diversa daquela disposta no Código
de 1939, o Código Buzaid manteve-se firme no propósito de manutenção da
técnica e da neutralidade científica.
O Código de Processo Civil de 1973, em matéria probatória
manteve-se firme e atuante. A sua estrutura encontrou eco nas disposições
88
contidas na Carta Magna de 1988, e todo o processo de conhecimento, que
alberga o trato da matéria probatória, foi capaz de respaldar a prestação da
tutela jurisdicional.
O Código de ritos de 2015 tem inspiração na Constituição de
1988, conhecida como a Constituição cidadã, que representou um marco no
constitucionalismo brasileiro. Essa salutar influência certamente trará à
ritualística do processo civil sopro renovado.
O tratamento especial dado aos direitos fundamentais na
Constituição de 1988, fruto do neoconstitucionalismo e toda a escalada da
doutrina processual, até o pós-positivismo, nos revela um momento propício
para fazer valer a “vontade de constituição” preconizada por Konrad Hesse. É
que esse desejo de realizar a vontade da Constituição deve fazer parte do
nosso dia a dia. Os direitos fundamentais consagrados não são formais
(presentes apenas no documento escrito), mas representam a garantia da
escorreita prestação jurisdicional para tutela dos interesses da sociedade.
O direito probatório vem encartado nos arts. 369 a 484 do Código
de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Entretanto, o art. 319, VI mantendo a
mesma redação do Código de 1973, em seu art. 282, VI, dispõe sobre os
requisitos da petição incial. Ressaltamos aqui a importância do inciso suso
referido, que dispõe sobre a necessidade de que sejam indicadas “as provas
com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos.”134
A inovação do artigo vem estampada no seu inciso VII, quando de-
termina que o autor, em sua petição inicial fará ou não o requerimento para que
haja audiência de mediação ou conciliação. Fazendo esse requerimento, o juiz
deverá, a teor do que dispõe o art. 334, designar a referida audiência com an-
tecedência mínima de trinta (30) dias. A audiência somente não se realizará se
as partes contendoras manifestarem seu desejo comum pela não realização do
ato, de acordo com o regramento do inciso I, do § 4º, do art. 334. É que as au-
diências de conciliação e mediação integram o procedimento comum, razão pe- 134 Art. 319. A petição inicial indicará:I – o juízo a que é dirigida; II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III _ o fato e o fundamento jurídico do pedido; IV – o pedido e suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
89
la qual, diante da omissão do pronunciamento pela não realização, entende-se
que o autor não se recusa a participar, razão pela qual a audiências de concili-
ação ou de mediação serão realizadas. O réu poderá apresentar sua manifes-
tação contrária à realização da audiência, a teor do que dispõe o § 5º do art.
334.
O art. 369 assegura às partes “o direito de empregar todos os meios
legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa
e influir eficazmente na convicção do juiz.” Sem maiores inovações, o artigo
369 assegura a utilização de provas obtidas através de meios legais e moral-
mente legítimos.
O artigo 370 mudou o formato, mas manteve a essência, que é o in-
deferimento, através de decisão fundamentada, das diligências inúteis ou me-
ramente protelatórias, do art. 130 do CPC de 1973.
Ao serem indicadas as provas com as quais pretende o autor “de-
monstrar a verdade dos fatos alegados”, deve o mesmo pautar-se com extrema
cautela, utilizando meios probatórios compatíveis com o alegado. Afinal, deixou
cristalino o legislador, que a prova produzida servirá para cristalizar o conven-
cimento do magistrado acerca do debate instalado nos autos. Servimo-nos do
momento para deixar nossa concordância com o posicionamento de Daniel A.
Neves, para quem “a produção de provas de ofício não é um dever do juiz, mas
sim uma faculdade, não sendo nula a sentença que aplica o ônus da prova
mesmo quando o juiz poderia ter produzido prova de ofício.”135
2.Atividade judicante: análise, cabimento e necessidade da prova
Nem todos os fatos pertencem ao processo, e nem todos os fatos
deverão ser postos como matéria probatória.
É que os fatos que não servirem para a comprovação das
alegações devem ser expurgados do acervo probatório, pois, os fatos que 135 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. . 2. ed. São Paulo: Método, 2015.
90
servem para comprovação das alegações das partes, devem ser relevantes. O
próprio parágrafo único do artigo 370 do CPC/2015 determina, como um dos
poderes instrutórios, a possibilidade de indeferimento de diligências inúteis ou
meramente protelatórias.
É que o direito probatório deve ser respeitado como garantia
constitucional, não servindo, assim, para alimentar sentimentos que não se
coadunem com o ideal do Estado de Direito. O processo é garantidor do direito
fundamental à prova, e o juiz, tem o papel de valorar a prova produzida no
processo. “Ninguém melhor do que o juiz, a quem está afeto o julgamento, para
decidir sobre a necessidade de produzir determinada prova”.136
É que não basta a existência de uma demanda judicial para que
seja produzida prova sem a perfeita análise frente aos substratos factuais que
se apresentam nos autos. Impõe-se a necessidade de que a valoração da
prova deve ser feita à luz dos direitos fundamentais constitucionalmente
assegurados aos cidadãos no Estado Democrático de Direito.
A colheita de elementos probatórios é ato privativo do julgador, e a
simples alegação do fato não tem o condão de formar o convencimento do
magistrado, até mesmo porque estamos diante de afirmações trazidas pelas
partes contendoras, que são, via de regra, diametralmente opostas. Se existe
controvérsia quanto a existência de determinado fato discutido judicialmente,
não há como pretenderem as partes que simples afirmações tenham o condão
de resultar no convencimento do juiz. E mais, como pretender que a decisão
seja motivada, se o arcabouço probatório não se encontra com elementos
capazes de assegurar a verdade das alegações. Diante do antagonismo das
argumentações oferecidas pelas partes, os poderes instrutórios do juiz no
deslinde da causa tornaram-se mais amplos, afinal, o processo é o instrumento
utilizado para se buscar a verdade (possível) sobre os fatos que são
investigados, e, “imbuído dos valores dominantes, o juiz é um intérprete
qualificado e legitimado a buscar cada um deles, a descobrir-lhes o significado
136 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. São Paulo: RT. 2ª edição. 1994. Pág. 13.
91
e a julgar os casos concretos na conformidade dos resultados dessa busca e
interpretação”. 137
Através da fase instrutória é concentrado o esforço no sentido de
permitir a produção de provas além daquelas já existentes ao momento do
ajuizamento e da contestação. Para Ricardo Tinoco de Góes, a cujo
pensamento nos filiamos: “a atividade instrutória serve de meio para a
apreensão, pelo juiz, do conhecimento indispensável ao julgamento da
causa.”138 Mesmo com o maior alargamento dos poderes do juiz em matéria
probatória, não há como se pensar “em retirar das partes o ônus de deduzir
os fatos com que pretendem demonstrar o seu direito. Cabe a elas a exposição
da fonte de prova, isto é, do fato que se servirá o juiz para decidir.”139
A prova terá cabimento sempre que houver um confronto de
afirmações no processo, razão pela qual a necessidade de sua produção é
absolutamente imprescindível para a prolação de uma decisão
constitucionalmente justa.
3.Prova e ônus probatório
Tratando do assunto, o magistério de Cândido Dinamarco é o de que
“o ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de
demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a
serem proferidas no processo.”140
O vocábulo, originário do latim ônus (carga, peso, obrigação), “na
significação técnico-jurídica, entende-se todo encargo, dever ou obrigação que
pesa sobre uma coisa ou uma pessoa, a que se atender.”141
137 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. Pág. 48. 138 GÓES, Ricardo Tinoco de. Efetividade do Processo e Cognição Sumária. São Paulo: MP Editora. 2008. Pág. 128 139 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 2. ed. São Paulo: RT, 1994. Pág. 90. 140 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros. Pág. 70. 3v. 141 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: GEN – Forense. 2009. Vocábulo ÔNUS. Pág. 978.
92
Apesar da sinonímia que acima se fez referência, o ônus probatório
não é considerado obrigação de provar. O ônus probatório é o encargo que se
atribui às partes do processo, de apresentar provas dos fatos articulados e que
são considerados os fundamentos que alicerçam a pretensão deduzida em
juízo. Não é demais repetir a máxima de que: onus probandi incumbit qui
dicit.142
“O conceito de ônus probatório desenvolveu-se, inicialmente, na Alemanha e na Áustria, em razão de os doutrinadores destes países haverem percebido a incompatibilidade entre a noção de ônus da prova herdada do direito romano (identificado como a obrigação de provar para obter êxito no processo) e sua aproximação com os poderes instrutórios e de critérios de valoração de prova pelo juiz.”143
Para que a parte seja beneficiada com os efeitos decorrentes da
aplicação da norma jurídica, deve fazer prova dos argumentos fáticos
deduzidos. Ao fim da instrução probatória, o magistrado, destinatário da prova,
deve analisar se o resultado da instrução resultou completo ou incompleto. Se
se resultou completa, não há que se prender ao aspecto subjetivo do ônus
probatório. Não importando se a prova foi produzida pelo autor ou pelo réu
(princípio da comunhão das provas). Entretanto, se decorrida a instrução, o
resultado for incompleto, o aspecto objetivo deve ser posto em evidência, na
investigação de qual das partes contendoras não se desincumbiu do ônus
probatório.
O art. 373 do CPC (Lei nº 13.105/2015) mantém a distribuição
estática do ônus da prova da forma seguinte: Ao autor, incumbe a prova dos
fatos constitutivos do direito invocado; e ao réu cabe a prova de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. A inovação do dispositivo está no
§1º144do citado artigo, que disciplina a distribuição dinâmica do ônus da prova,
o que não acontecia no Código de 73, uma vez que possuía uma distribuição
estática do onus probandi. Na distribuição dinâmica, o juiz avalia as 142 O ônus da prova incumbe a quem a afirma. 143 BORGES, Fernanda Gomes e Souza. A Prova no Processo Civil Democrático. Curitiba: Juruá. 2013. Pág.186. 144Art. 373. §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibi-lidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de ob-tenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o fa-ça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
93
circunstâncias de produção das provas, e identifica qual das partes terá maior
facilidade para efetivar a demonstração da prova determinada, devendo incidir
sobre ela os efeitos da não produção.
O § 2º do mesmo art. 373 faz restrição à distribuição dinâmica do
ônus da prova nos casos em que a obtenção das provas pela parte seja
impossível ou excessivamente difícil. É a hipótese das chamadas “provas
diabólicas” (probatio diabolica).
O Código de Processo Civil de 2015 não adotou em seu art. 373 a
regra da distribuição dinâmica do ônus da prova, mas trouxe em seus
parágrafos 1º e 2º a previsão da inversão, ressaltando a ideia da carga
dinâmica do ônus da prova.
Resta claro que a distribuição estática do ônus probatório, em
situações que impossibilitem o exercício do direito probatório, poderá ser
revista pelo magistrado, até mesmo porque “não se afasta a ocorrência de
situações em que a aplicação das regras sobre o ônus da prova flerta,
perigosamente, com a impossibilidade de provar, beirando a inutilidade da ação
judiciária, com a vedação oculta de acesso efetivo à justiça”.145
Em que pese ser o ônus dinâmico uma forma de tratar igualmente as
partes, possibilitando assim, o efetivo acesso à justiça, não se pode olvidar que
essa aplicação não servirá “para simplesmente compensar a inércia ou a
inatividade processual do litigante”146, mas para que seja evitada que a prova
diabólica recaia sobre uma das partes contendoras.
No cotejo probatório dos autos, faz-se imprescindível não apenas as
alegações, mas a comprovação dessas alegações, até mesmo porque quem
alega estará mais afeito aos fatos articulados e ao tipo de prova que poderá
produzir. É evidente que a preocupação com a atividade probatória condizente
com os preceitos constitucionais, certamente revela a preocupação com a
realização do efetivo acesso à justiça, pois o direito ao processo justo é 145 KNIJNIK, Danilo. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbo-sa Moreira. Coordenação: Fux, Luiz, Nery Jr., Nelson e Wambier, Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT. 2006. Pág. 944. 146 KNIJNIK, Danilo. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbo-sa Moreira. Coordenação: Fux, Luiz, Nery Jr., Nelson e Wambier, Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT. 2006. Pág. 947.
94
garantia constitucional, que não pode ser deixada de lado nesse estágio de
evolução constitucional. Os fatos controversos geram a necessidade de
produção mais acurada de prova. Além do que não é demasiado dizer que fato
não provado equivale a fato não alegado. A regra do ônus da prova tem estreita
relação na condução da formação do convencimento do julgador na valoração
da prova. O ônus da prova não conduzirá invariavelmente, a um resultado
favorável, mas trará elementos que formarão o convencimento do magistrado,
podendo ser até mesmo desfavorável à parte que produziu a prova.
O ônus da prova, em sua roupagem mais atual, reclama uma
postura mais ativa do juiz, e essa postura mais ativa do magistrado na colheita
de provas sempre foi uma preocupação dos doutrinadores. No código de 1973
(art. 130), já havia a preocupação do legislador. Doutrina e legislação sempre
estiveram afinadas para que a iniciativa probatória fosse realizada de forma
mais intensa, pelo juiz.
“A doutrina moderna busca ampliar os poderes do juiz na ins-trução da causa, sob a bandeira de que o processo é instru-mento público e que deve buscar a verdade sobre os fatos in-vestigados. Ao se autorizar que o juiz possa determinar, de ofí-cio, a produção de provas — suprindo, pois, a atividade que competiria primariamente às partes — novamente pretende-se dar ênfase à busca da verdade substancial, trazida como ver-dadeiro dogma para o direito processual.” 147
A atividade do juiz na distribuição do ônus probatório, ou mesmo na
condução da colheita de provas não substitui, em absoluto, o encargo das par-
tes de provar o alegado. O dever das partes de cumprir com o ônus que lhes foi
atribuído concorre para a busca da verdade buscada no processo.
4.Poderes discricionários do julgador na apreciação da prova
Com o advento da Constituição de 1988, o judiciário brasileiro se
viu às voltas com a missão da pacificação social, combinada com a função já
147 ARENHART, Sérgio Cruz. In: A verdade e a prova no processo civil. Disponível em <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart%282%29%20-%20formatado.pdf>
95
desempenhada de compor os conflitos de interesses dos indivíduos, em suas
relações societárias. Surge a necessidade de um juiz mais afinado com os
ditames constitucionais, capaz de exercer sua função sob a batuta de um
ordenamento constitucional voltado para o bem comum e o desenvolvimento
social. Em decorrência das novas áreas de atuação, houve a consequente
ampliação dos poderes dos juízes, equivalendo dizer que o poder discricionário
dos juízes não se assemelha à arbitrariedade, e sim, a uma atividade
valorativa.
O vocábulo discricionariedade deriva do latim discernere, que
significa discernir, distinguir148. O poder discricionário é o que se põe nas mãos
do magistrado, decorrente de sua função, para atuar na direção do processo
judicial, analisando os fatos sobre os quais estão fundadas as argumentações
das partes contendoras.
É que as transformações sociais reclamam uma atuação do Poder
Judiciário na composição dos conflitos, e exatamente por isso, o legislador
deixou essa margem de discricionariedade para que o juiz realize a análise do
processo, especialmente no que concerne à valoração probatória, como base
nos princípios constitucionais garantidores de um devido processo legal efetivo,
e possa prolatar sua decisão motivada e fundamentada.
Um dos maiores embates acerca da discricionariedade deu-se entre
Herbert Hart e Ronald Dworkin. Para Hart,
O conflito directo mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e
a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que,
em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos
juridicamente não regulados em que, relativamente a
determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos
sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito
apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto.
Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez
de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar
privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo
direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve
148 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: GEN – Forense, 2010. Pág.1047.
96
exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso,
em vez de aplicar meramente o direito estabelecido
preexistente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos
ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito
estabelecido que não só confere, mas também restringe, os
seus poderes de criação do direito.”149
Segundo o entendimento de Hart, o juiz deve utilizar a
discricionariedade para solucionar os casos difíceis (juridicamente não
previstos ou não regulados), uma vez que o direito não poderia oferecer
resposta para todos os casos.
Dworkin, em antítese, admite existir uma resposta para os casos
difíceis. Ciente das regras e princípios, a figura do juiz Hércules, descrita por
Dworkin, deverá encontrar a melhor interpretação para os hard cases, pois,
O direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.150
No modelo atual do processo civil, ao revés do que ocorria no
processo civil clássico, a atividade do juiz não se limita à aplicação da norma,
numa atividade de silogismo, cabendo-lhe, hodiernamente, a tarefa dúplice de
interpretá-la e aplicá-la.
A figura e o comportamento do juiz na atual fase do processo
assumiu nova feição. O antigo juiz la bouche de la loi, preconizado por
Montesquieu151, deu lugar ao juiz criativo, preocupado com a distribuição de
uma jurisdição calcada na eticidade, em valores sociais e, muito
especialmente, na justiça e democracia. Significa dizer que o magistrado atual
deve utilizar não apenas os argumentos de lógica, ou a linguística, mas,
149 HART, Herbert. O Conceito de Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. Pág. 335. 150 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. Pág. 291. 151Mas os juízes da nação são apenas, como já dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; são se-res inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor. In: “O Espírito das Leis”. Livro 11, capítulo VI. <file:////Lenin/Rede Local/Equipe/Michele/MONTESQUIEU - O Espírito das Leis2.txt>
97
especialmente, elementos da história, economia, política, ética, sociologia, para
solução dos conflitos.
O juiz realiza sua tarefa julgadora atrelado ao princípio da
legalidade. É certo que diante dos casos de menor complexidade, haverá a
aplicação da norma ao fato. Entretanto, as transformações que ocorrem numa
velocidade indescritivelmente rápida requerem uma postura mais criativa do
julgador, considerando-se que não mais é suficiente para a tarefa de compor os
conflitos atuais, diante dos conceitos vagos ou imprecisos que surgem
diuturnamente, a atividade subsuntiva. São conceitos indeterminados como
“boa fé”, “relevância do fundamento”, que reclamam a atividade criadora do
juiz. Até mesmo em determinadas situações em que se admite a aplicação da
subsunção, a despeito da regra de que in claris cessat interpretativo, deverá o
julgador, em respeito à observância da segurança jurídica que deve permear as
decisões jurídicas, realizar a perfeita interpretação conforme a Constituição. A
sociedade reclama por um processo célere e efetivo, que desempenhe sua
função precípua de compor a crise de direito material com celeridade, sem
esquecer, entretanto, a tão desejada segurança jurídica.
O ato de julgar é um ato que reclama uma carga de subjetividade,
pois é um ato de inteligência. Para Watanabe,
a cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.152
A discricionariedade reside no dever do magistrado de
argumentar e motivar suas decisões utilizando sua liberdade criativa. É uma
faculdade conferida ao juiz de criar a norma para a solução do caso que lhe foi
posto à apreciação, nas situações em que não existe norma legal para
disciplinar o litígio. São os hard cases apontados por Dworkin
Essa atividade discricionária do juiz encontra limites, - repita-se –
com base na legalidade, e na finalidade que será obtida através da escolha.
152 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987
98
Considere-se, também, a proporcionalidade como limite à atividade
discricionária do magistrado. A decisão, além de pautar-se na legalidade, deve
atender ao critério da proporcionalidade, pois o magistrado, diante das várias
possibilidades, deverá utilizar a mais adequada para a composição da lide.
Outro limite ao poder discricionário do juiz é o dever de motivação das decisões
judiciais, pois com a fundamentação, o julgador expõe o motivo de seu
convencimento, justificando as escolhas realizadas, tudo em consonância com
os limites legais impostos, e de forma a prestar a tutela jurisdicional mais
adequada.
Registramos, por oportuno, que a atividade discricionária não se
confunde com a hermenêutica. Na discricionariedade, o julgador possui
escolhas para adequar ao caso concreto, até mesmo porque a complexidade
das relações sociais e a rapidez com que elas surgem e se estabelecem,
abrem espaço para essa atividade discricionária. Entretanto, essa não é uma
atividade realizada sem limites, razão pela qual elencamos alguns freios que
devem ser utilizados nesta tarefa: a razoabilidade, proporcionalidade e
adequação.
A hermenêutica, como técnica de interpretação, proporciona ao
julgador uma melhor compreensão das situações de dúvida, diante de um hard
case. Não significa que o magistrado não se valerá da hermenêutica sem o
imperativo dever de pautar sua decisão nos limites da legalidade, mas significa,
pincipalmente, que o hermeneuta (neste caso, o juiz), agirá discricionariamente
na escolha da solução mais condizente para a composição da lide.
5.Tutelas Provisórias de urgência e evidência no CPC/2015 e a questão da
prova
Falar em tutela de urgência é enfrentar o célebre e temido embate
entre efetividade versus celeridade, ou entre tempo versus processo.
Didier, expõe:
A rigor, o tempo é um mal necessário para a boa tutela dos direitos. É imprescindível um lapso temporal considerável (e
99
razoável) para que se realize plenamente o devido processo legal e todos os seus consectários, produzindo-se resultados justos e predispostos à imutabilidade. É garantia de segurança jurídica.
Essa apreciação pelo Judiciário, como garantia fundamental
insculpida no art. 5º, XXXV da Constituição Federal assegura que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O
cuidado do legislador constitucional é patente, e outra não seria a conduta do
legislador infraconstitucional, uma vez que o processo civil tem a função
concretizadora das garantias constitucionais, possibilitando o efetivo acesso à
justiça.
Em que pese essa preocupação, o tempo no processo - ou a falta
dele -, é tema recorrente nos fóruns e tribunais pátrios, e as tutelas de urgência
e evidência, tão utilizadas cotidianamente, certamente traduzem essa
inquietude. O ponto fulcral é analisar que em algumas situações, a prestação
jurisdicional deve ser realizada de forma célere, sob pena de deixar de ser
efetiva. Para a consecução dessa garantia de acesso à justiça, o Estado
legislador colocou instrumentos que pudessem assegurar ao cidadão uma
prestação jurisdicional célere, efetiva e tempestiva. É que não basta apenas ser
célere, urge que se observe que a tempestividade também seja observada,
para a perfectibilização da efetiva prestação da justiça.
A tutela antecipada é a técnica que busca distribuir o “ônus do
tempo no processo”. A tutela antecipada foi inserida no CPC/73, através da Lei
nº 8.952/94, cuja redação se vê no art. 273.
O Livro V do CPC/2015 trata da tutela provisória, concedida
através de cognição sumária. O art. 294 define a inserção do instituto que tem
como fundamentos a urgência ou a evidência.
100
A tutela provisória de urgência, presente no art. 300 do CPC/2015
reclama a existência da demonstração da “probabilidade do direito” e do
“perigo da demora”.153
A urgência é elemento indispensável para a efetivação do pleito de
tutela provisória, e parafraseando Didier, é inerente à tutela cautelar.154
A verossimilhança da alegação, requisito presente no regramento do
art. 273, I do CPC/73, não mais está no rol do art. 300 do CPC/2015. Para a
concessão da tutela de urgência devem ser demonstrados a probabilidade do
direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano, ou de ilícito, ou o risco do
resultado útil do processo em face da demora (periculum in mora). Valoriza-se
neste artigo, a impossibilidade da espera pela apreciação e entrega da tutela
definitiva, pois o transcurso do tempo poderá acarretar uma inutilidade do
provimento final.
Didier chama a atenção para a existência da verossimilhança fática,
que consiste na análise do grau de probabilidade (ou plausibilidade) da
verdade contida nas alegações do autor. É que há imperiosa necessidade que
se verifique, a partir da narrativa dos fatos, “uma verdade provável,
independentemente da produção de prova.”155
Some-se à análise da verossimilhança fática, a existência da
plausibilidade jurídica, pois há que se verificar sobre o grau de probabilidade da
atividade de subsunção.
O Enunciado 143 do FPPC – Fórum Permanente de
Processualistas Civil dispõe: “A redação do art. 300, caput, superou a distinção
ente os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa
de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns
para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada.”156
153Art. 294. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 154 DIDIER Jr., Fredie,; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podium, 2016. Pág. 584. Volume 2 155 Idem. Pág. 608 156 <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>
101
O parágrafo primeiro do citado artigo possibilita a concessão de
tutela de urgência com a exigência da prestação de caução, que poderá ser
real ou fidejussória.
Excetua-se esse pagamento nos casos em que a parte
economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
Cumpre apontar o regramento do art. 303 que faculta, no caso da
ocorrência de uma urgência contemporânea à propositura da ação, o
aditamento da petição inicial, com a “complementação de sua argumentação”,
bem como a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela
final, no prazo de 15 dias.
Já no art. 304, a inovação consiste na estabilidade à decisão que
concedeu tutela antecipada, acarretando a extinção, diante da ausência de
interposição de recurso.
A tutela de evidência tem sua disciplina no artigo 311 do
CFPC/2015, que disciplina a possibilidade de concessão dessa tutela quando
ocorrer “abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte”.
A evidência, para Didier, “é fato jurídico processual. É o estado
processual em que as afirmações de fato estão comprovadas”.157A tutela de
evidência, para o autor referenciado, é uma técnica processual diferenciada,
utilizada para a concessão da tutela jurisdicional em razão das evidências
contidas nas alegações.158
A razão de ser do instituto está em perfeita sintonia com o art. 5º,
LXXVIII da Constituição Federal, que garante a duração razoável do processo.
Na situação da análise da tutela de evidência, trata-se de conceder àquele que
se encontra demandando com evidente prova da alegação e grande
probabilidade de que a argumentação expendida seja acolhida do provimento
final, que o processo seja conduzido com a observância da razoabilidade do
tempo até a obtenção da tutela definitiva.
157 DIDIER Jr., Fredie,; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11.ed. Salvador: Jus Podium, 2016. Pág. 630. Volume 2 158 Idem
102
Dispensa o legislador ordinário, a demonstração do perigo.
Os incisos do art. 311 tratam das espécies de tutela provisória de
evidência. A tutela considerada punitiva, descrita no inciso I, nas hipóteses de
abuso de direito ou manifesto propósito protelatório; e documentada, presente
nos incisos II a IV. A prova das alegações deve ser robusta e deve respaldar as
alegações contidas no pedido inaugural.
O inciso II trata da hipótese de as alegações de fato puderem ser
provadas documentalmente, com tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou súmula vinculante. O legislador esteve mais atento ao aspecto
probatório do instituto, cercando-se de alguns cuidados que não se viu no
inciso I do citado artigo. O inciso III trata do pedido reipersecutório, fundado em
prova documental adequada do contrato de depósito. Mesmo com a extinção
do procedimento especial de depósito, registre-se a preocupação do legislador,
com a produção de prova documental que arrime o pedido autoral. O último
inciso trata da concessão da tutela de evidência quando a petição inicial for
instruída como prova documental da alegação dos fatos constitutivos dos
direitos do autor e o réu não apresente nenhuma prova que impeça essa prova
de ser considerada cabal e irrefutável.
Registramos, por oportuno, que a tutela de urgência poderá ser
requerida de forma antecedente e incidental, ao passo que a tutela de
evidência, apenas de forma incidental.
A questão que nos leva a tecer um superficial comentário, cinge-
se ao fato de que a questão probatória no que refere às tutelas de urgência é
muito distante do que se almeja num processo garantidor de direitos
fundamentais. Alguns dispositivos revelam uma certa preocupação com a
evidência da prova como garantia desses direitos, entretanto, outros estão
largados, sem uma maior especificação. Oxalá os dias que se aproximam
revelem uma realidade mais animadora.
103
CONCLUSÃO
O presente trabalho, para sua elaboração, levou em conta a
importância da apreciação das provas no processo civil, como garantia do
direito fundamental. A exposição feita da matéria foi ungida com um único sinal:
aquele de demonstrar que a prova transita por caminhos que vão da
materialidade à finalidade e da forma à eficiência. Uma demonstração que, às
vezes, se faz desnecessária, tendo em vista a circunstância de, já a partir de
Aristóteles, quatro poderem ser as respostas à pergunta “por que?”. Em outras
palavras, que na formulação de qualquer discurso, inclusive o discurso
científico, podem existir vários tipos causais.
No seu curso tornaram-se evidentes, sem maior dificuldade de
exposição, as causas material (por que é a prova ou o que é a prova) e final
(para que serve a prova). Um pouco de dificuldade se encontrou na
evidenciação da forma de sua matéria (o arranjo dos vários modi probandi).
Quanto à necessidade da prova, a questão ganhou um pouco em dificuldade
de exposição. Mesmo assim, importa notar a existência de uma diferenciação
entre a suficiência e a necessariedade da prova.
Tome-se a declaração: “se as partes produzem prova no processo,
então o juiz profere uma sentença correta”. Neste caso, diz-se que a produção
de provas pelas partes é condição suficiente para a prolação de uma sentença
correta. A produção de provas, assim, é condição suficiente para a escorreita
prolação de uma sentença. E, em decorrência ou como consequência, esta
prolação pode ser vista como condição necessária: uma prolação de sentença
deverá ser escorreita quando produzidas provas.
A ideia, porém, de que a prova deve ser produzida unicamente pelas
partes já não é considerada com a rigidez de outrora. Ao juiz é conferido
também o poder/dever de atuar com ativismo sadio capaz de promover o
equilíbrio das partes do processo, assegurando, assim, um bom julgamento,
uma correta prolação, uma sentença justa.
104
Entretanto, repita-se, o ativismo judicial não tem o condão de
eliminar o ônus probatório a que se vinculam as partes quando do ajuizamento
da demanda e com o oferecimento da contestação. Ao ônus de alegar os fatos
segue-se o de provar as alegações, pois, os fatos não provados são fatos não
alegados; e os fatos não alegados são irrelevantes para o julgamento da
demanda.
É certo que esse diálogo ocorrido no processo, garantido em virtude
da adoção do Estado Democrático de Direito, assegura a observância do
princípio constitucional do contraditório, corolário do devido processo legal, que
é absolutamente indispensável para a composição dos litígios pelo Estado juiz.
Uma vez instaurado o contraditório é iniciada a fase probatória. A noção
presente na doutrina processual atual é a de que não há pretender-se a
reconstrução dos fatos pretéritos no processo. Buscam-se hoje parâmetros que
sejam racionalmente possíveis e que conduzam à obtenção da prova possível.
A análise dos autos formará o convencimento do magistrado, que, valorando a
prova, julgará motivando sua decisão, a teor do que dispõe o regramento do
art. 11 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). A regra do livre
convencimento motivado certamente representa desde a sua criação, um dos
pilares de maior importância no direito probatório. Afinal, na época do
iluminismo o julgamento era baseado em inspiração divina ou em intuição
pessoal, e essa prática do passado não assegura uma decisão transparente e
democrática, e tampouco condiz com o avanço e a mutação social. O
fortalecimento do Estado de Direito, com a consequente vedação da justiça
privada, exigiu que as decisões guardassem sintonia com as garantias
constitucionalmente asseguradas.
Quanto à necessidade da prova, a praxis forense revela uma
situação um tanto que desoladora. A regra do ônus da prova como peso
imposto às partes tem sido mitigada, retomando o antigo modo inquisitivo de
provar. Outros, ao revés, reclamam do ativismo judicial que, como se sabe, não
é o remédio exclusivo para os males da ausência de prova. Ocorre que mesmo
com esse dever de proceder mais ativamente na colheita de provas, como é o
caso dos arts. 370, 461, 480, 481, todos do CPC/2015, o juiz possui limitações
nessa atividade, é que a discricionariedade do julgador encontra limites, razão
105
pela qual não há como as partes descuidarem de alicerçar a argumentação
expendida na inicial e na contestação com elementos probatórios dignos,
lícitos, pertinentes e importantes para o deslinde da querela.
Além das inovações em matéria probatória, fez-se referência ao
novo regramento do dever de motivação das decisões judiciais, por se tratar de
tema afeito à matéria. Os arts. 11 e 489 do CPC/2015 trouxeram delineamentos
acerca da nova sistemática.
A análise da prova no processo civil brasileiro é de importância
fundamental para a busca da verdade possível que significará o fim dos
conflitos, com a justa prestação jurisdicional, garantida constitucionalmente.
De ressaltar, ao final, que os fatos considerados controversos e
indispensáveis para a apuração da certeza dos fatos argumentados devem ser
provados, não apenas em atenção ao princípio da segurança jurídica, tão
reclamado nos dias atuais, mas, especialmente, para permitir que a atividade
jurisdicional seja prestada com mais apuro.
Apura-se a atividade jurisdicional, no tocante ao tema da prova,
quando se permite ao juiz ser ele também juiz de sua própria atuação. Ou
melhor: é de ser dada ao juiz a condição, tanto de presidir a colheita de provas,
tanto de apreciar sua aptidão para julgar (aptidão para julgar = ter o
convencimento do juiz sido corretamente formado) o feito.
Aqui se retorne à declaração supra formulada: “se as partes
produzem prova no processo, então o juiz profere uma sentença correta”. Será,
porém, que basta às partes desejarem ou declararem desejar a produção de tal
ou qual tipo de prova, para que o juiz profira uma sentença correta?
Evidentemente, não.
Por outro lado, é costumeira a visão de as partes protestarem por
todo gênero de prova em juízo admissível, solicitando o deferimento de
ilogicidades, graças à simples declaração de interesse em produzir provas
dispensáveis. A regra do CPC/2015, em seu art. 370, parágrafo único,
seguindo a esteira do regramento do art. 130 do CPC/73, também prevê a
possibilidade de que o juiz, analisando a necessidade e o cabimento da prova
106
requerida, indefira, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou
meramente protelatórias.
Que as partes, teoricamente pessoas interessadas, ajam de tal
modo, é aceitável. Inaceitável, porém, é que as instâncias superiores, formadas
por sujeitos processuais desinteressados, colaborem para que o tempo
processual se torne superior ao razoável.
Certo que a boa produção de prova nem sempre leva à correta
prolação de sentença. E muitas vezes isso acontece à míngua de a sentença, a
decisão ou o despacho revestir-se de couraça lógica, via de regra, por
deficiência intelectual de seu prolator. A atividade intelectual do Juiz, portanto,
há de ser impostada na lógica e suportada pela lógica, eis que todo correto
discurso judicial há de vir pintado com as cores da correta argumentação. E
nenhuma correta argumentação prescinde da certeza, para cuja existência
torna-se indispensável à prova das alegações postas em juízo.
107
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