UniFMU
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas
Faculdade de Direito
DANIELA DORNEL ROVARIS
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
BACHARELADO EM DIREITO
São Paulo2004
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UniFMU
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas
Faculdade de Direito
DANIELA DORNEL ROVARIS
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Monografia apresentada ao Curso deDireito da UniFMU como requisitoparcial para a obtenção do grau deBacharel em Direito, sob orientação doProfº Benedito Mário Seganti Siegl.
São Paulo2004
3
Banca Examinadora
________________________________________
Orientador: Profº Benedito Mário Seganti Siegl
________________________________________
________________________________________
(______________________________________)
4
Dedico este trabalho, aos meus pais e a meu irmão, grandes
incentivadores e colaboradores, pelo amor, e principalmente pelo
esforço dispensado para que eu pudesse chegar até aqui.
De um modo muito especial ao Antonio, com quem compartilho minha
vida acadêmica de um jeito romanticamente intelectual.
Dedico, ainda, à minha Tia Diva e a minha prima Rosa, que tanto me
ajudaram e me apoiaram ao longo de todos estes anos.
5
Agradeço aos meus amigos de trabalho Daniele Santos Ribeiro,
Ricardo Krakowiak, Pedro Miranda Roquim, Luiz Wenceslau e Tania
Mendes que de alguma maneira me ajudaram a realizar este trabalho.
Ao Profº Benedito Mário Seganti Siegl, meu orientador, agradeço a
disposição permanente e o conselhos inestimáveis.
E acima de tudo, agradeço a Deus, por
tudo que tem feito e por tudo que tem sido em minha vida.
6
SINOPSE1
A Constituição Federal de 1988 restabeleceu, em boa hora,
o princípio da capacidade contributiva, em seu artigo 145, § 1º,
tradição de nosso Direito Constitucional Tributário e afastado pelo
regime autoritário em 1965. Sua essência pode ser resumida em poucas
palavras: o sujeito passivo da obrigação tributária deverá suportar o
gravame na proporção de seus haveres.
Clarifica-se, tal idéia, por si só manifestação de justiça no
âmbito fiscal, se observamos que o princípio deriva de outro de maior
amplitude, irradiador de efeitos por todo o ordenamento jurídico, qual
seja, o princípio da igualdade. Por ele devem-se pautar o legislador e o
juiz, servindo de parâmetro na formulação e na aplicação da lei
tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Revela-se, assim, o princípio da capacidade contributiva,
vetor fundamental da atividade tributária, a coadunar-se com as
exigências da moderna concepção do Estado de Direito, elemento
fundamental na aplicação da lei e defesa dos contribuintes.
1 Baseada na obra de Regina Helena Costa, Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo:Malheiros, 1993
7
SUMÁRIO
I – Introdução 09
II – Princípios
1) Noções Gerais 10
2) Noção de Princípios 13
3) Princípios Jurídicos 14
4) Princípios Jurídicos Constitucionais 16
5) Princípios Jurídicos Constitucionais Tributários 19
III – Justiça
1) Conceito de Justiça 21
2) Espécies de Justiça 22
3) Justiça Distributiva 23
4) Justiça Distributiva e Capacidade Contributiva 25
IV – Igualdade
1) Conteúdo do Princípio da Igualdade 28
2) Igualdade Tributária na Constituição Federal de 1988 31
3) Igualdade Tributária e Capacidade Contributiva 35
8
V – Capacidade Contributiva
1) Relevância do Tema 39
2) Evolução Histórica do Conceito 41
3) Conceito de Capacidade Contributiva 47
4) Concepções sobre o Conceito de Capacidade Contributiva 51
5) Destinatários da Capacidade Contributiva 53
6) Capacidade Contributiva, Econômica e Financeira 55
7) Abrangência do Princípio da Capacidade Contributiva 57
7.1. Capacidade Contributiva e os Tributos Vinculados e Não-Vinculados 57
7.2. Capacidade Contributiva e os Impostos Diretos e Indiretos 61
7.3. Capacidade Contributiva e os Impostos de Natureza Pessoal e Real 62
7.4. Capacidade Contributiva e Progressividade 64
8) Eficácia do Princípio da Capacidade Contributiva 66
9) Inconstitucionalidade da Ofensa ao Princípio da Capacidade Contributiva 67
10) Capacidade Contributiva na Constituição 1988 69
10.1. Sentido e Alcance da Expressão “sempre que possível” 71
10.2. Sentido e Alcance da Expressão “caráter pessoal” 72
11) Capacidade Contributiva e Outros Direitos Constitucionais 73
12) Aplicação Prática do Princípio da Capacidade Contributiva 73
VI – Conclusões 76
VII – Bibliografia 80
Anexo 84
9
INTRODUÇÃO
O princípio da capacidade contributiva nos foi trazido pela
Constituição Federal de 1946, que insculpiu, em seu artigo 202, o
princípio segundo o qual os tributos deveriam ser graduados conforme a
capacidade econômica dos contribuintes.
A Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de
1965, ao imprimir a reforma constitucional tributária, veio a retirar
aquele preceito do Texto Fundamental, não reproduzido pela
Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969.
A Constituição da República de 1988, devolveu o princípio
da capacidade contributiva a estatura constitucional que sempre
mereceu, tendo em vista servir de parâmetro para a eleição de hipóteses
de incidência tributária e, especialmente, para a graduação dos tributos,
traduzindo-se em legítimo limite ao exercício do poder de tributar.
Assim, nossa proposta consiste numa modesta análise do
conteúdo do conceito da capacidade contributiva e de suas
manifestações no âmbito do direito constitucional positivo.
10
I – PRINCÍPIOS
1) Noções Gerais
O ordenamento jurídico é composto por um conjunto de
normas, dispostas hierarquicamente. As normas formam um sistema que
se reduzem a uma unidade.
Hierarquizado que é, nosso sistema jurídico possue normas
inferiores e superiores. As normas de hierarquia inferior devem guardar
total consonância com as normas de hierarquia superior, constituindo a
chamada “pirâmide jurídica”.
Sobre a matéria Goffredo da Silva Telles Júnior, ensina que
“desde as simples normas contratuais, estabelecidas entre particulares,
até a Constituição Nacional, forma-se, desta maneira, uma autêntica
pirâmide jurídica, na qual a juridicidade de cada norma é haurida da
juridicidade da norma que a suspende”.2
2 Citado por SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Lições de Introdução ao Direito, 2ª ed., revista eaumentada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 15.
11
Neste sentido, sábios são os dizeres de Hans Kelsen:
“Entre uma norma de escalão superior e umanorma de escalão inferior, quer dizer, entreuma norma que determina a criação de umaoutra e essa outra, não pode existir qualquerconflito, pois a norma do escalão inferior temo seu fundamento de validade na norma deescalão superior. Se uma norma de escalãoinferior é considerada como válida, tem deconsiderar-se como estando de harmonia coma norma de escalão superior”. 3
Para Gomes Canotilho a superioridade hierárquica da
Constituição revela-se de três modos; a saber:
“(1) as normas do direito constitucionalconstituem uma lex superior que recolhe ofundamento de validade em si própria(autoprimazia normativa);
(2) as normas de direito constitucional sãonormas de normas (norma normarum),afirmando-se como fontes de produçãojurídica de outras normas (normas legais,normas regulamentares, normas estatutáriasetc.);
(3) a superioridade normativa das normasconstitucionais implica o princípio daconformidade de todos os actos dos poderespolíticos com a Constituição”. 4
3 Teoria Pura do Direito, 2ª ed., v. II , trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Arménio Amado,1962, p. 33.4 Direito Constitucional, 5ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 141.
12
É por este motivo que dizemos que a Constituição
encontra-se no ápice desta pirâmide jurídica, sendo a lei fundamental do
Estado, submetendo todos os cidadãos e os próprios Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário aos seus ditames.
Mas mesmo na Constituição existem normas mais
importantes e normas menos importantes. A Constituição é, pois, um
“conjunto ordenado e sistemático de normas, constituído em torno de
princípios coerentes e harmônicos em função de objetivos socialmente
consagrados”. 5
Estes princípios possuem acentuado grau de abstração,
enunciam uma razão para decidir em determinado sentido. Os princípios
são as diretrizes, isto é, o norte do ordenamento jurídico6.
É deles que passaremos a tratar.
5 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p.8.6 Cf. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª ed., revista,ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 39/2002. São Paulo: Malheiros, 2003, p.30.
13
2) Noção de princípios
Etimologicamente, o termo “princípio” (do latim,
principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em
linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de
um processo qualquer.
De igual modo, em qualquer Ciência, princípio pressupõe,
sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a
compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda a pedra
angular de qualquer sistema.7
Em termos de direito positivo, princípios são “normas
jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá
a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o
sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da
ordem jurídica.8
7 CARRAZA, ob. cit., p. 31.8 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo:Revista de Direito Tributário, Ano 15, n. 55, pp. 143/155.
14
3) Princípios Jurídicos
Posto ser o princípio, na ciência jurídica, um enunciado de
caráter geral a partir da qual se constrói um sistema de normas jurídicas,
formando um todo lógico e coerente9, preciosa é a definição de Celso
Antonio Bandeira de Mello, assim posta:
“Princípio é, por definição, mandamentonuclear de um sistema, verdadeiro alicercedele, disposição fundamental que se irradiasobre diferentes normas compondo-lhes oespírito e servindo de critério para sua exatacompreensão e inteligência, exatamente pordefinir lógica e a racionalidade do sistemanormativo, no que lhe confere a tônica e lhe dásentido harmônico.
É o conhecimento dos princípios que preside aintelecção das diferentes partes componentesdo todo unitário que há por nome sistemajurídico positivo”. 10
9 CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade.São Paulo: Dialética, 1996, p. 20.10 Curso de Direito Administrativo, 8ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 545-546.
15
No mesmo sentido disciplina Roque Antonio Carraza11:
“Princípio jurídico é um enunciado lógico,implícito ou explícito, que, por sua grandegeneralidade, ocupa posição de preeminêncianos vastos quadrantes do Direito e, por issomesmo, vincula, de modo inexorável, oentendimento e a aplicação das normasjurídicas que com ele se conectam”.
Resulta do exposto que um princípio jurídico é
inconcebível em estado de isolamento. Ele – até por exigência do
Direito (que forma um todo pleno, unitário e harmônico) – se apresenta
sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão
equilíbrio e proporção e lhe reafirmam a importância.12
São eles, os responsáveis pela introdução, no Direito, dos
valores que, firmados na sociedade, sedimentaram-se, em dado
momento, nas normas jurídicas.
11 CARRAZA, ob. cit., p. 33.12 CARRAZA, ob. cit., p. 34.
16
4) Princípios Jurídicos Constitucionais
É dessas colocações, pois, que desponta “a superioridade e
hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é
unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na
medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até
mesmo confundidos com os valores, sendo na ordem constitucional dos
ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que
fundamente a organização do poder”. 13
Por isso os princípios constitucionais devem ser sempre
respeitados, conforme a lição de Konrad Hesse:
“(...) aquilo que é identificado como vontadeda Constituição deve ser honestamentepreservado, mesmo que, para isso, tenhamosde renunciar a alguns benefícios, ou até aalgumas vantagens justas. Quem se mostradisposto a sacrificar um interesse em favor dapreservação de um princípio constitucionalfortalece o respeito à Constituição e garanteum bem da vida indispensável à essência doEstado democrático.
13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p.259.
17
Aquele que, ao contrário, não se dispõe a essesacrifício, malbarata, pouco a pouco, umcapital que significa muito mais do que todasas vantagens angariadas, e que, desperdiçado,não mais será recuperado”. 14
Ainda sobre o tema, doutrina José Souto Maior Borges com
inteira propriedade:
“Ora, a violação de um princípioconstitucional importa em ruptura da própriaConstituição, representando por isso mesmouma grave inconstitucionalidade deconsequências muito mais graves do que aviolação de uma simples norma, mesmoconstitucional.
A doutrina vem insistindo na acentuação daimportância dos princípios para iluminar aexegese dos mandamentos constitucionais.
(...) Por todas as considerações antecedentes,impõe-se a conclusão pela eficácia eminentedos princípios na interpretação das normasconstitucionais. É o princípio que iluminará ainteligência da simples norma; que esclareceráo conteúdo e os limites da eficácia de normasconstitucionais esparsas, as quais têm queharmonizar-se com ele”. 15
14 A Força Normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Sérgio Antônio FabrisEditor, 1991, p. 22.15 Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais/Educ, 1975, pp. 13/14.
18
A importância do respeito aos princípios constitucionais
também foi exposta por Geraldo Ataliba:
“(...) princípios são as linhas mestras, osgrandes nortes, as diretrizes magnas dosistema jurídico. Apontam os rumos a seremseguidos por toda a sociedade eobrigatoriamente perseguidos pelos órgãos dogoverno (poderes constituídos).
Eles expressam a substância última do quererpopular, seus objetivos e desígnios, as linhasmestras da legislação, da administração e dajurisdição. Por estas, não podem sercontrariados; têm que ser prestigiados até asúltimas consequências”. 16
Como se viu, os princípios constitucionais conferem
estrutura e coesão ao ordenamento jurídico, não podendo, desta forma,
norma infraconstitucional atritar com eles, sob pena de inexistência,
nulidade, anulabilidade ou ineficácia.
16 República e Constituição, 2ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34.
19
5) Princípios Jurídicos Constitucionais Tributários
Os princípios constitucionais tributários são normas do
sistema tributário que orientam a atuação de outras normas, e dão
coesão e estrutura a este ordenamento jurídico que podemos denominar
de sistema tributário.17
Sistema tributário, por sua vez, pode ser tido como, o
conjunto de princípios, que de forma unitária, interrelacionados entre si
(coerentes), cuidam da forma pela qual o Estado pode exigir dos
contribuintes as prestações pecuniárias compulsórias (Tributos).18
Assim sendo, na esfera do Direito Tributário, a
funcionabilidade e a validade dos princípios constitucionais vem
intimamente ligada a idéia de que são eles quem moldam, interferem e,
de um certo modo, até antecipam o conteúdo das leis tributárias.
Deste modo, os princípios constitucionais tributários são
verdadeiras diretrizes do Sistema Tributário, as engrenagens que fazem
este sistema funcionar de forma coesa e justa.
17 CONTI, ob. cit., p. 22.18 GONÇALEZ, Antonio Manoel. Princípios Constitucionais Tributários, Caderno de PesquisasTributárias, vol. 18. São Paulo: Resenha Tributária, 1993.
20
Isto posto, conclui-se que todos os artigos da Carta Magna
que tratam, direta ou indiretamente, da ação estatal de tributar só
encontram sua real dimensão se conjugados com os princípios magnos
de nosso sistema constitucional.
21
II – JUSTIÇA
1) Conceito de Justiça
O termo justiça pode ser entendido como aquilo que é
conforme o direito, ou seja, a virtude de dar a cada um aquilo que é seu,
ou ainda, a faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência.
Do ponto de vista científico, o termo justiça pode ser visto
sob dois aspectos: formal e material.
No aspecto formal, a justiça surge como um valor ético-
social de proporcionalidade e igualdade; é o senso de equilíbrio na
distribuição de bens e relações sociais, ou seja, a atribuição de dar a
cada um aquilo que é seu.
Do ponto de vista material, a justiça é encarada como o
critério sobre o que a quem são devidos os citados direitos, emprega-se
a máxima “dar o que a quem”.
22
O aspecto material se preocupa com a finalidade ou
objetivo do direito. O aspecto formal é a maneira pela qual se busca
esse objetivo.19
2) Espécies de Justiça
A doutrina elenca três espécies de Justiça: comutativa,
distributiva e social. Nas justiças comutativa e distributiva o objeto é o
bem particular. Na justiça social, o objeto é o bem comum.
Na primeira o que é devido por Justiça dá-se através da
relação entre particulares, um particular dá a outro particular o bem que
lhe é devido.
Na segunda o que é devido por Justiça dá-se através da
relação entre particular-sociedade, a sociedade dá a cada particular o
bem que lhe é devido, sendo esta corolário do princípio da capacidade
contributiva.
19 SIQUEIRA JR., ob. cit., p. 140.
23
Na Justiça Social, a própria comunidade dá a sociedade o
bem que lhe é devido, ou seja, os indivíduos e grupos sociais dão à
sociedade o bem que lhe é devido.20
3) Justiça Distributiva
A Justiça Distributiva é aquela que regula as relações entre
os particulares e a sociedade. Distributiva, designa distribuição,
repartição. A Justiça Distributiva tem como objetivo permitir que os
membros da coletividade participem do bem comum mediante uma
distribuição equitativa, de acordo com seus méritos, habilidades,
estando intimamente ligada a capacidade contributiva de cada um.
A Justiça Distributiva se preocupa com a obrigação que a
sociedade tem para com os seus particulares e, ainda, a obrigação que os
membros da sociedade (particulares) têm com a mesma.
20 SIQUEIRA JR., ob. cit., p. 150.
24
O devido na Justiça Distributiva é a participação dos
particulares, visando o bem comum, ou seja, a participação nos
benefícios e encargos sociais que toda comunidade deve oferecer,
constituindo-se sua natureza um dever rigoroso, cuja característica é a
exigibilidade.
A Justiça Distributiva regula o dever negativo da
sociedade, que consiste em respeitar os direitos individuais de cada
particular. E finalmente, distribui equitativamente e proporcionalmente
os benefícios e encargos sociais, como por exemplo, o pagamento de
impostos.
Deste modo, tem-se que Justiça Distributiva guarda total
consonância com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que
busca-se dar aos membros da coletividade aquilo que lhes é devido
(bens ou encargos), segundo o seu mérito, participação ou capacidade
de contribuição, segundo uma igualdade relativa.21
Neste sentido, são os ensinamentos de Marcelo Caetano:
“O Estado liberal preocupava-se especialmentecom a segurança, sobretudo no seu aspecto decerteza jurídica, e com a justiça interpretadaformalmente:
21 SIQUEIRA JR., ob. cit., pp. 151/153.
25
(...) o Estado dos nossos dias (...) caracteriza-se ao contrário pela concepção material dejustiça –interessa mais a igualdade desituações econômicas e sociais, ou, pelomenos, de oportunidade para conquistá-las, doque a simples igualdade de direitos e deveres –e pela hipertrofia do fim do bem-estar.
(...) a regra é a desigualdade para remunerarcada qual segundo os seus méritos: a serviçosdesiguais, retribuição desigual”. 22
4) Justiça Distributiva e Capacidade Contributiva
A idéia de justiça está intimamente ligada ao princípio da
capacidade contributiva, posto que na aplicação de tributos, sempre se
procurou distribuí-los de modo igual entre os contribuintes, ou seja,
sempre se procurou submetê-los aos ditames da justiça, sendo meio
viabilizador de uma tributação justa.
Discorrendo sobre o tema de justiça e capacidade
contributiva, Alcides Jorge Costa preceituou:
“Segundo Perelman, as concepções maiscorrentes de justiça são as seguintes:
1 – a cada um a mesma coisa
2 – a cada um segundo seus méritos
22 CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, 2ª ed., vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp.184/186.
26
3 – a cada um segundo suas obras
4 – a cada um segundo suas necessidades
5 – a cada um segundo sua posição
6 – a cada um segundo o que a lei atribui
Diante destas concepções, (...) propõe ele quese busque o que há em comum entre asconcepções de justiça mais habituais, que sãoas antes citadas. (...)
Na busca do elemento comum a diversasconcepções de justiça, diz Perelman quequalquer que seja o desacordo sobre outrospontos, todas concordam no fato de que serjusto significa tratar do mesmo modo os seresque são iguais sob um certo ponto de vista, quepossuem uma mesma característica, a únicaque é levada em conta ao administrar-se ajustiça”. 23
Outro não é o entendimento de Aliomar Baleeiro, para
quem “Na consciência contemporânea de todos os povos
civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação
deste ao princípio da capacidade contributiva”. 24
Neste exato sentido, é o pensamento de Klaus Tipke,
traduzido por Brandão Machado:
23 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. São Paulo: Revista de Direito Tributário, Ano15, n. 55, pp. 297/298.24 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, 14ª ed., revista e atualizada porFlávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 268.
27
“Como princípios materiais do Estado deDireito, põe Tipke a justiça em primeiro plano,pois que, para ser legítimo, o imposto deve serjusto, daí decorrendo então o princípio dacapacidade contributiva do contribuinte.
(...) O princípio da capacidade contributiva,em última análise, é o que realiza a justiçafiscal, a igualdade entre contribuintes mediantea distribuição equitativa da carta tributária.
(...) O imposto só é justo, quando fundado empressuposto que revele a capacidadeeconômica do contribuinte”. 25
Assim sendo, é patente a idéia decorrente da capacidade
contributiva como corolário da justiça distributiva, tal como assevera
Carlos Palao Taboada, ao discorrer que a capacidade contributiva seria
um elemento imediatamente deduzível da idéia de justiça. Isto porque, a
capacidade contributiva se presta justamente como critério viabilizador
de uma tributação justa e igualitária.26
25 MACHADO, Brandão. Comentários sobre o livro Die Steurrechtsordnung, de Klaus Tipke(Colônia, 1993), in Revista da Faculdade de Direito, vol. 89. São Paulo: Universidade de São Paulo,1994, p. 291.26 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e Capacidade Contributiva, in Revista de Direito Tributárion. 4/126, pp. 127 e 134.
28
III – IGUALDADE
1) Conteúdo do Princípio da Igualdade
A idéia de igualdade está vinculada à de justiça. É o
princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito.
É frequente a indagação sobre o conteúdo concreto do
princípio de igualdade, que em regra se apresenta como uma cláusula
geral mais ou menos vaga, extraído da máxima aristoteliana:
“tratar igualmente os iguais e desigualmente osdesiguais, na medida em que eles sedesigualam”.
Deste modo, há que se saber o exato conteúdo deste que é
um dos princípios fundamentais do Estado de Direito.
Neste sentido, clara é a noção oriunda da filosofia grega, a
nós trazida pelo mestre Rui Barbosa, segundo a qual:
“A regra da igualdade não consiste senão emquinhoar desigualmente aos desiguais, namedida em que se desigualam.
29
Nesta desigualdade social, proporcionada àdesigualdade natural, é que se acha averdadeira lei da igualdade. O mais, sãodesvarios da inveja, do orgulho e da loucura.
Tratar com desigualdade a iguais, ou adesiguais com igualdade, seria desigualdadeflagrante, e não igualdade real.
Os apetites humanos conceberam inverter anorma universal da criação, pretendendo, nãodar a cada um, na razão do que vale, masatribuir o mesmo a todos, como se todos seequivalessem”. 27
Dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei todos os
abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo certo,
ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas
para situações equivalentes.
Nesta esteira, são as considerações de Hans Kelsen:
“A igualdade dos sujeitos na ordenaçãojurídica, garantida pela Constituição, nãosignifica que estes devam ser tratados demaneira idêntica nas normas mas em particularnas leis expedidas com base na Constituição.
27 Oração aos Moços, nova edição. Ministério de Educação e Cultura: Casa de Rui Barbosa, 1956, p.32.
30
A igualdade assim entendida não é concebível:seria absurdo impor a todos os indivíduosexatamente as mesmas obrigações ou lhesconferir exatamente os mesmos direitos, semfazer distinção alguma entre eles, como, porexemplo, entre crianças e adultos, indivíduosmentalmente sadios e alienados, homens emulheres”. 28
Prossegue o autor concluindo que a igualdade
constitucionalmente garantida dificilmente poderá significar algo mais
do que a igualdade perante a lei, vale dizer, no momento de sua
aplicação. E, com isso, arremata, apenas se estabelecem os princípios,
imanentes a todo o direito, da juridicidade e da legalidade.
Concluí-se, assim, seguindo o raciocínio desenvolvido por
Celso Antonio Bandeira de Mello que “a lei não deve ser fonte de
privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social
que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. 29
28 KELSEN, ob. cit., p. 154.29 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 10.
31
Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico,
vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias
peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver
adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado
aos que se inserem na categoria diferenciada.30
2) Igualdade Tributária na Constituição Federal de 1988
Consoante dispõe o artigo 3º da Constituição Federal, os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são:
“I – construir uma sociedade livre, justa esolidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalidade ereduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sempreconceito de origem, raça, sexo , cor, idade equaisquer outras formas de discriminação”.
30 MELLO, ob. cit., p. 39.
32
Nítida, portanto, é a preocupação do Estado Democrático
de Direito em reduzir as desigualdades sociais e regionais, direcionando
a atividade Estatal, inclusive a tributária, a contribuir para a alteração do
quadro social, devendo atuar eficazmente na redistribuição da renda.
Em nosso ordenamento jurídico constitucional, o princípio
da isonomia vem insculpido genericamente no artigo 5º, caput e em seu
inciso I.
Vejamos:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garantindo-seaos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos eobrigações, nos termos desta Constituição;”
Especificamente em matéria tributária, o princípio vem
expresso no artigo 150, inciso II da Carta Magna:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantiasasseguradas ao contribuinte, é vedado à União,aos Estados ao Distrito Federal e aosMunicípios:
33
II – instituir tratamento desigual entrecontribuintes que se encontrem em situaçãoequivalente, proibida qualquer distinção emrazão em razão de ocupação profissional oufunção por eles exercida, independentementeda denominação jurídica dos rendimentos,título ou direitos;”
Depreende-se do dispositivo em epígrafe que o princípio da
isonomia consubstancia-se no dispensar de tratamento desigual para os
desiguais na medida de suas desigualdades, o que em matéria tributária,
consoante anota Klaus Tipke, não exigiria tratamento idêntico a
contribuintes em situação idêntica, mas sim a igualdade a contribuintes
que se encontrem em situação equivalente. 31
Assim, a igualdade da tributação não se esgotaria na
abrangência de todos os contribuintes. Os contribuintes individuais
devem também ser tributados com igualdade
Diversamente da identidade, absoluta, a igualdade se
apresentaria, portanto, como uma categoria relativa: dois contribuintes
estariam em situação equivalente em relação a uma determinada
medida.
31 TIPKE, Klaus. Princípio de Igualdade e Idéia de Sistema no Direito Tributário. Estudos emhomenagem ao Profº Ruy Barbosa Nogueira, Brandão Machado Coord. São Paulo: Saraiva, 1984,pp. 515/527.
34
Têm-se por firmada, portanto, que há ofensa ao preceito
constitucional da isonomia quando:
“I – A norma singulariza atual edefinitivamente um destinatário determinado,ao invés de abranger uma categoria de pessoas,ou uma pessoa futura e indeterminada.
II – A norma adota como critériodiscriminador, para fins de diferenciação deregimes, elemento não residente nos fatos,situações ou pessoas por tal mododesequiparadas.
III – A norma atribui tratamentos jurídicosdiferentes em atenção a fator de discrímenadotado que, entretanto, não guarda depertinência lógica com a disparidade deregimes outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinêncialógica existente em abstrato, mas o discrímenestabelecido conduz a efeitos contrapostos oude qualquer modo dissonantes dos interessesprestigiados constitucionalmente.
V – A interpretação da norma extrai deladistinções, discrímens, desequiparações quenão foram professadamente assumidos por elade modo claro, ainda que por via implícita”. 32
32 MELLO, ob. cit., pp. 47/48.
35
Sendo assim, impede verificar se a discriminação tributária
postulada pelo princípio da capacidade contributiva atende ao princípio
da igualdade e se o mesmo é um reflexo, portanto, dos valores
“solidariedade” e “justiça”, que constituem objetivos fundamentais da
República Federativa Brasileira.
3) Igualdade Tributária e Capacidade Contributiva
Asseverado por Regina Helena Costa33, o fator discrímen, a
pouco mencionado, é, singelamente a riqueza de cada potencial
contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita
consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de modo
que é impossível que venha ela a atingir, de modo atual e a absoluto, um
único indivíduo.
Tal fator de desigualação – riqueza – é um traço diferencial
concernente à própria pessoa, a ela referente.
33 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., pp. 37/38.
36
Outrossim, clara é a correlação lógica existente entre o
fator de discriminação – riqueza – e a diferenciação estabelecida em
função dele – maior carga tributária.
Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos
interesse constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse
coletivo, quais sejam a distribuição da riqueza e a justiça social.
Portanto, a graduação tributária fixada em função da
capacidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos
ditames do princípio da isonomia.
Diante dessa conclusão, cumpre questionar, pois, qual a
relação existente entre os dois princípios.
Clássica é a definição de que o princípio da capacidade
contributiva é um desdobramento do princípio da igualdade ou a de que
é a manifestação ou a aplicação deste no campo tributário.
Deste modo, entende Regina Helena Costa que “o princípio
da capacidade contributiva é uma derivação do princípio maior de
igualdade, um subprincípio deste que corresponde a uma das expressões
da isonomia no campo dos impostos”. 34
34 Ob. cit., p. 101.
37
E, considerando fundamental o princípio da capacidade
contributiva para o próprio manejo do princípio da isonomia tributária,
assim se manifesta Sacha Calmon:
“o princípio da isonomia tributária não temcondições de ser operacionalizado sem a ajudado princípio da capacidade contributiva”. 35
Corroborando com tal assertiva, Alcides Jorge Costa
entende que “se a igualdade tributária consiste em tributar do mesmo
modo todos os cidadãos de uma mesma categoria essencial, igualdade
tributária, no Brasil, consiste em tributar da mesma forma todos os que
têm a mesma capacidade contributiva”. 36
Do exposto, conclui-se que, no Direito Tributário, o
princípio da igualdade exige que se estabeleçam critérios pelos quais se
possa aplicá-lo, mediante a utilização de um critério de discriminação
para diferenciação dos indivíduos em situação desigual e, portanto,
critério legítimo para estabelecer distinções na forma de tributação, qual
seja, a capacidade contributiva.37
35 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 91.36 Ob. cit., p. 300.37 Cf. CONTI, ob. cit., p. 28.
38
Depreende-se, assim, ser a capacidade contributiva,
responsável por informar a tributação por meio de impostos, ajudando a
realizar, no campo tributário, os ideais republicanos insculpidos no
artigo 3º, inciso II da nossa Carta Maior, buscando alcançar a tão
almejada Justiça Fiscal.38
38 Cf. CARRAZA, ob. cit.,p. 77.
39
V – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
1) Relevância do Tema
A importância vital do princípio da capacidade contributiva
no Direito Tributário é induvidosa.
No Brasil, para Aliomar Baleeiro, “a capacidade
contributiva é o atributo que deve qualificar alguém ao olhos do
legislador para sujeito passivo da relação tributária” 39, pois, “quer do
ponto de vista objetivo, para conhecimento da base possível do imposto,
quer do ponto de vista valorativo, ou axiológico, para fundamento
racional da justiça do tributo, é fundamental fixar-se a noção da
capacidade contributiva”. 40
Não se olvide, também, Amílcar Falcão, para quem:
39 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 6ª ed., revista eatualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.295.40 Uma introdução..., ob. cit., p. 408.
40
“na atual fase evolutiva das finanças doEstado, caracteriza-se a receita pública por serpredominantemente de natureza tributária eestar sob a regência do princípio da capacidadecontributiva”. 41
Por sua vez, nos ensina Ives Gandra da Silva Martins:
“O direito formal e o direito estrutural, em suaprojeção financeira, não prescindem dapercepção preliminar de alguns princípios quealicerçam a espinha dorsal das normas que oregulamentam.
São eles os princípios da capacidadecontributiva e da redistribuição de riquezas,enquanto direito estrutural (...)”. 42
E ressaltou, ainda, Alberto Xavier que o princípio da
capacidade contributiva, juntamente com os princípios da generalidade
e da legalidade, assumiram, para além de expressão constitucional, uma
profunda unidade sistemática, constituindo a própria emanação do
Estado de Direito no domínio dos impostos.43
41 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, 4ª ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 1977, p. 408.42 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. São Paulo: Saraiva, 1983, p.27.43 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1978, p. 9.
41
Realçada, assim, a relevância do assunto, que tem sido
tratado por doutrinadores de nomeada, interessa-nos demonstrar que o
tema comporta análise estritamente jurídica, não obstante as suas lindes
com outras áreas do conhecimento.44
2) Evolução Histórica do Conceito
É antiga a percepção de que, por um postulado de justiça
devam arrecadar-se os impostos conforme a capacidade de cada um
suportar o ônus.
Fincada na idéia de justiça fiscal, a noção de capacidade
contributiva remonta sua origem ao próprio surgimento do tributo,
visualizando-se desde o antigo Egito, nexo entre a riqueza e o imposto
que deveria ser pago.
Da mesma forma que, na Grécia, a concepção de
Aristóteles da justiça distributiva, segundo a qual atribui-se a cada um
aquilo que é seu, forneceu forte instrumental para construírem várias
teorias a respeito da justiça e da igualdade.
44 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva – Conteúdo e Eficácia doPrincípio, 2ª ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
42
Roma conheceu, com Servius Tullius, originalíssima forma de
capitação, depois revogada por Tarquínio, o Soberbo, a qual tomava por
base a fortuna de cada contribuinte.45
Posteriormente, em 1215, a Magna Charta inglesa registraria
no seu artigo 12 que as prestações coercitivas deveriam ser “modernamente
fixadas” e a evolução do pensamento filosófico na Idade Média, se
nortearia pelo pensamento de São Tomás de Aquino, segundo o qual cada
um devia pagar os tributos secundum facultatem ou secundum equalitem
proportionis.
Discorrendo sobre a evolução histórica do princípio, Baleeiro
afirma que, “na consciência contemporânea de todos os povos civilizados a
justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da
capacidade contributiva” 46, já que desde o século XVIII, pelo menos, com
Montesquieu e depois com Bentham e outros, sustentou-se que o imposto
deve poupar os recursos dos indivíduos de restrita capacidade econômica.47
45 CASTRO, Augusto Olympio Viveiros de. Tratado dos Impostos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,1910, p. 96.46 Uma Introdução..., ob. cit., p. 268.47 Ob. cit, p. 259.
43
Em 1776, Adam Smith, em sua famosa obra A Riqueza das
Nações, sustentava, como concretização da justiça da imposição fiscal, que
todos devessem contribuir para as despesas públicas “na razão de seus
haveres”, sendo que “na observância ou não desta máxima consiste o que
se chama a igualdade ou a desigualdade da tributação”. 48
Nesse momento histórico, tão arraigada já se encontrava a
idéia de capacidade contributiva na consciência dos povos civilizados, que
vários episódios políticos de relevo podem ser atribuídos, em maior ou
menor grau, ao exagero das exigências fiscais que desrespeitavam a
dignidade e o sentimento de justiça dos obrigados ao seu pagamento, em
total inobservância ao primado em análise, como o episódio da Boston Tea
Party (Independência Norte Americana – 1773), da Tomada da Bastilha
(Revolução Francesa – 1793) e, no Brasil, da Inconfidência Mineira em
1789 (por ocasião da “derrama”).
48 Cf. COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 15.
44
Veja-se, a propósito, que a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1791) dispunha no artigo 13 que as contribuições
indispensáveis à manutenção da Administração Pública seriam
“igualmente repartidas entre todos os cidadãos, em razão de suas
aptidões”. 49
Dada a repercussão de tais documentos, a mesma regra foi
adotada por todas as Constituições editadas posteriormente, inclusive na
Constituição do Império do Brasil (1824) e no Estatuto Albertino (1848).50
Entretanto, supõe-se que o nascimento da noção de capacidade
contributiva, como teoria precisa e coerente, vem surgir depois desses
fatos, na Ciência das Finanças clássica do século XIX.
Coube, porém, em 1929, ao sempre reverenciado Professor
Benvenuto Griziotti, mestre maior da chamada Escola de Pavia, atrair a
atenção dos juristas para o conceito de capacidade contributiva,
introduzindo na dogmática jurídico-tributária um tema até então sem
reconhecimento da ciência jurídica.51
49 Cf. OLIVEIRA, ob. cit., p. 25.50 Recebe o nome de Estatuto Albertino a Constituição promulgada com o nome de “Estatuto do ReiCarlos Alberto, em 1848, vigente na Itália até a promulgação da Constituição Republicana de 1947.51 Cf. TABOADA, ob. cit., p. 127.
45
Carlos Palao Taboada, ao dissertar sobre a evolução do
conceito de capacidade contributiva, divisa três fases em sua conformação:
na primeira, ele aparece derivando diretamente do princípio de justiça; na
segunda, adquire o significado de critério material de justiça, definindo
igualdade e desigualdade de situações (com isso, despoja-se o princípio da
igualdade do seu conteúdo material, deixando-o limitado ao aspecto
formal); na terceira, capacidade contributiva é a especificação concreta do
princípio da igualdade, agora dotada de conteúdo autônomo e
juridicamente determinado.
No Brasil, após a Constituição Imperial, as Cartas de 1891,
1934 e 1937 mostraram-se tímidas ou omissas a respeito de algum
dispositivo que prestigiasse o postulado da capacidade contributiva.
Foi somente com a democrática Constituição de 1946 que o
princípio ganhou o merecido realce, face à dicção de seu artigo 202, assim
vazado:
“Art. 202 – Os tributos terão caráter pessoalsempre que isso for possível, e serão graduadosconforme a capacidade econômica docontribuinte”.
46
Em flagrante retrocesso, a Emenda Constitucional n. 18, de 1º
de dezembro de 1965, ao veicular a reforma tributária, veio a expulsar
aquele dispositivo do texto constitucional. Silentes permaneceram, a
respeito, a Carta de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1 de 1969.
Entretanto, a Constituição da República de 1988, coadunando-
se com o panorama verificado no direito constitucional comparado,
devolve-nos, ainda que com modificação de redação, o preceito contido no
artigo 202 do texto fundamental de 1946, além de consagrar, em outros
dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.52
Vale a pena transcrever o artigo 145, § 1º, trazido pela CF/88:
“Art. 145 –
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultadoà administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar,respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte”.
52 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 18/20.
47
Tal fato, tem provocado o despertar das atenções sobre o
assunto, adormecidas que estiveram nestes últimos anos.
O momento é, pois, mais do que oportuno para adentrarmos
no exame do conceito de capacidade contributiva.
3) Conceito de Capacidade Contributiva
Pode-se agora voltar ao que foi dito antes e relembrar que “se
a igualdade tributária consiste em tributar do mesmo modo todos os
cidadãos de uma mesma categoria essencial, igualdade tributária, no Brasil,
consiste em tributar da mesma forma todos os que têm a mesma
capacidade contributiva”. 53
Desta assertiva, decorre a seguinte indagação:
O que é capacidade contributiva ?
53 COSTA, Alcides Jorge. Ob. cit., p. 300
48
Para Griziotti, precursor das preocupações em torno do tema,
o princípio indica a “potencialidade que possuem os submetidos à
soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos”. 54
Rubens Gomes de Sousa definiu capacidade contributiva
como a “soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades
elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado
sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas
atividades econômicas”. Emilio Giardina a entende como a “possibilidade
econômica de pagar o tributo”, enquanto Moschetti a vê como a “força
econômica do contribuinte”. 55
Buscando combater a dificuldade inerente à questão, Eusébio
Gonzalez e Perez de Ayala apresentaram triplo significado de “capacidade
contributiva”. Assim, entendem que a significação da mesma pode ser
dada, indistintamente, no plano jurídico-positivo, no plano ético-
econômico e no plano técnico ou técnico-econômico56:
54 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 21.55 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 21.56 BRUYN JR., Herbert. Cornélio Peter de. O Princípio do Não-Confisco. São Paulo: Novas Conquistas,2001, p. 31.
49
“a) o jurídico-positivo – ela é o definido nalegislação vigente;b) o ético-econômico – relacionado com ajustiça material, define-a como a aptidãoeconômica para suportar os impostos (depende dovolume de recursos e das necessidades dapessoa);
c) o técnico-econômico – tem capacidadecontributiva quem constitui uma unidadeeconômica de possessão e emprego de riquezafacilmente identificável pela Fazenda Pública porestar, presumidamente, em situação de solvênciasuficiente para suportar o ônus”.
O mérito dessa análise, segundo Bruyn Jr., está,
principalmente, em afirmar o significado jurídico da expressão em
comento, destacando-a do sentido ético, pertinente ao conceito de justiça.
A doutrina tradicional de Baleeiro absorveu essas idéias
fundamentais e passou a denominar capacidade contributiva do indivíduo
como sendo a “idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do
indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração
qualquer do custo total de serviços públicos”. 57
57 Cf. OLIVEIRA, ob. cit., p. 56.
50
Dessa lição não veio a discrepar ulteriormente Ives Grandra da
Silva Martins, aduzindo, porém, que aquela potencialidade do sujeito
passivo encontra limite na sua própria possibilidade de gerar os recursos a
serem supridos ao Estado, “risco de a tributação se transformar em
confisco”. 58
No mesmo sentido, Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, para
quem capacidade contributiva traduzir-se-ia “na exigência de que a
tributação seja modulada, de modo a adaptar-se a riqueza do contribuinte”,
entendendo-se, “como real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente,
sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza
de lastro à tributação”. 59
58 Ob. cit., p. 28.59 GIARDINO, Cléber e ATALIBA, Geraldo. “Intributabilidade das Correções Monetárias –Capacidade Contributiva” , in Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado (Estudos emHomenagem a Gilberto de Ulhôa Canto). Tavolaro e outros, coord. Rio de Janeiro: Forense, 1988.
51
4) Concepções sobre o Conceito de Capacidade Contributiva
Dos conceitos precedentes, verifica-se que os mesmos se
complementam, devendo-se, porém, esclarecer que capacidade
contributiva é conceito que se compreende em dois sentidos, um objetivo
ou absoluto e outro subjetivo ou relativo, tal como leciona José Marcos
Domingues de Oliveira.60
No primeiro caso, capacidade contributiva significa a
existência de uma riqueza apta a ser tributada, apontam para a existência
de um sujeito passivo em potencial (capacidade contributiva como
pressuposto da tributação).
Enquanto no segundo, entende-se que a parcela dessa riqueza
será objeto da tributação em face de condições individuais, reportando-se a
um sujeito individualmente considerado (capacidade contributiva como
critério de graduação e limite do tributo).
60 Ob. cit., p. 57.
52
A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como
pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a atividade
de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de
obrigações tributárias. Representa sensível restrição à discrição legislativa,
na medida em que não autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha
de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.61
A capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno,
opera, inicialmente, como critério de graduação dos impostos, atuando
como limite da tributação, permitindo a manutenção do “mínimo vital” e
obstando que a progressividade tributária atinja níveis de confisco ou
cerceamento de outros direitos constitucionais.62
Em síntese, têm-se que a capacidade contributiva absoluta ou
objetiva atuará como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto,
servindo como diretriz para a eleição de incidência de impostos. Ao passo
que, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva atuará como critério de
graduação de imposto, limitando à tributação.
61 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 26.62 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 29.
53
5) Destinatários da Capacidade Contributiva
O princípio da capacidade contributiva tem por destinatário
imediato o legislador ordinário das pessoas políticas. É ele que deve
imprimir, aos impostos que cria in abstracto, um caráter pessoal,
graduando-os conforme a capacidade econômica dos contribuintes.
Com efeito, a hipótese de incidência dos impostos deve
descrever fatos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é
alcançado, possui capacidade econômica.
Assim, o legislador tem o dever, enquanto descreve a hipótese
de incidência e a base de cálculo dos impostos, de escolher fatos que
exibam conteúdo econômico.
A lei que cria in abstracto o imposto não precisa, no entanto,
atender às desigualdades individuais do contribuinte. No mesmo sentido, o
Poder Judiciário, quando provocado, não pode deixar de aplicá-la, em face
das condições econômicas pessoais dos contribuintes.
Neste sentido, imperioso transcrever o pensamento do
doutrinador Gilberto de Ulhôa Canto:
54
“Na sua formulação atual, o princípio foi fixado,indubitavelmente, para ser seguido pelolegislador, ao qual incumbe, ao instituir osimpostos, cuidar para que eles sejam sempre quepossível, de caráter pessoal e graduados segundoa capacidade econômica do contribuinte.
Não é ao intérprete nem ao julgador que incumbesua observância, pois estes não criam tributos,portanto, não podem influir para que eles sejamde natureza pessoal e observantes da capacidadecontributiva.
Por outro lado, o legislador fica, na sua naturalpreocupação com a obediência ao princípio,fatalmente limitado pela própria natureza dosimpostos que institui, e que derivam, como regrabásica, da discriminação de competênciaimpositiva constante da própria Constituição”. 63
E assim, conclui:
“É fora de dúvida que a norma do § 1º do art. 145configura uma limitação ao poder de tributar,porquanto determina a que dele dispõe – olegislador ordinário – que não o exerça semobservância dos princípios que formula”. 64
63 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 14.Editora Resenha Tributária, 1989, pp. 7/8.64 Ob. cit., p. 10.
55
6) Capacidade Contributiva, Econômica e Financeira
O uso frequente destas expressões, muitas das vezes referindo-
se a um mesmo fenômeno, torna necessário distingui-las, a fim de evitar
distorções na sua compreensão e interpretação, buscando como base, os
ensinamentos do mestre José Maurício Conti.65
A capacidade contributiva pode ser interpretada como aquela
derivada de uma relação jurídica entre Fisco e contribuinte, em que o
primeiro detém um poder sobre o segundo, fazendo surgir a relação
obrigacional.
Assim, tem capacidade contributiva aquele que contribuinte
que está jurídica e legitimamente obrigado a cumprir determinada
prestação de natureza tributária para com o poder tributante.
Já capacidade econômica é representada pela capacidade que
todos – ou quase todos – têm; é a aptidão dos indivíduos para obter
riquezas – exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio.
65 Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais, 1ª ed. São Paulo: Oliveira Mendes,1997, pp. 24/25.
56
Tem capacidade econômica qualquer indivíduo que disponha
de alguma riqueza ou aptidão para obtê-la. Um indivíduo que tenha poucos
recursos, que correspondam ao mínimo que necessita para sobreviver, tem
capacidade econômica, mas não tem contributiva, pois não será legítima
uma tributação que atinja esse “mínimo vital”.
A capacidade financeira, por sua vez, pode ser entendida
como a disponibilidade para liquidação das obrigações tributárias. Assim,
coloca-se como exemplo, se um indivíduo é proprietário de um imóvel de
elevado valor, mas está sem dinheiro algum, ele terá capacidade econômica
(dado seu patrimônio), contributiva (está legitimamente colocado como
contribuinte do IPTU), mas não financeira, dada a falta de liquidez para
arcar com o ônus tributário.
A Constituição Federal, em seu artigo 145, § 1º, não obstante
tenha utilizado a expressão “capacidade econômica”, diz “capacidade
econômica do contribuinte”, de modo que se refere à capacidade
econômica apenas daqueles sujeitos à tributação – ou seja, refere-se à
capacidade contributiva.
57
7) Abrangência do Princípio da Capacidade Contributiva
Questão relevante a ser analisada relativamente ao princípio
da capacidade contributiva refere-se à sua abrangência – a que espécie de
tributos pode ser aplicado.
Da simples leitura do dispositivo constitucional que consagra
o princípio – art. 145, § 1º, podemos vislumbrar a existência de situações
em que a aplicação não seja possível.
É o que se verificará da análise a seguir.
7.1. Capacidade Contributiva e os Tributos Vinculados e Não-
Vinculados
Adotando a classificação que encontramos em Geraldo
Ataliba66, o nosso sistema tributário prevê a existência dos chamados
tributos vinculados e dos tributos não vinculados.
66 Tributos vinculados definem-se “como aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência consistenuma atuação estatal”; tributos não vinculados, nos quais identificam-se apenas os impostos, são aqueles“cuja hipótese de incidência consiste num fato qualquer que não constitua numa ação estatal ( Hipótese deIncidência Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990).
58
Deste modo, tendo-se os vinculados como aqueles cuja
cobrança está afeta a realização de uma determinada atividade estatal. Ao
passo que, os tributos não vinculados podem ser vistos como aqueles cuja
cobrança não está afeta a realização de uma determinada atividade estatal.
Nesta hipótese – tributos vinculados –, o critério a ser seguido
pelo poder tributante, como discrímen entre os desiguais, deve estar
adequado ao princípio do benefício. Ou seja, o tributo deverá ser pago de
acordo com o benefício auferido pelo sujeito passivo. São os casos das
taxas e das contribuições de melhoria.
Essa situação já é reconhecida pela doutrina, como se
depreende da análise de Elizabeth Carraza, ao dizer que:
“Em matéria de tributos vinculados (taxas econtribuições) o critério é outro, uma vez que osfatos que eles alcançam não são fatos-signospresuntivos de riqueza, mas, sim, fatosrelacionados à própria atuação do Estado. Astaxas e as contribuições incidem sobre fatosregidos pelo direito público, isto é, sobre atuaçõesestatais (o Estado prestar um serviço público, oEstado praticar um ato de polícia, o Estadorealizar uma obra pública, etc.).
59
Tais atuações estatais estão, por óbvio, fora docomércio (extra commercium) e não revelam ariqueza das pessoas por elas alcançadas. Nem porisso, porém, o princípio da igualdade deixa aí deser atendido, uma vez que, em tais tributos, oEstado visa ressarcir-se das despesas que teve, aoatuar em favor do contribuinte”. 67
Já os tributos não vinculados, nos quais incluem-se os
impostos, tendo em vista não haver relação direta entre o serviço ou obra
realizada e o fato gerador do tributo, o princípio é outro, o da capacidade
contributiva. Deverão contribuir mais aqueles que tiverem maior
capacidade contributiva.
Portanto, temos dois princípios distintos de justiça fiscal
aplicados simultaneamente dentro do mesmo sistema tributário.
O princípio da capacidade contributiva, aplicável aos tributos
não vinculados, e o princípio do benefício, aplicável aos tributos
vinculados.
É razoável, todavia, sustentar que, independentemente de
previsão constitucional explícita, o princípio da capacidade contributiva
não deve ser desconsiderado mesmo nos casos de tributos vinculados.
67 IPTU – Capacidade Contributiva e Progressividade. Igualdade e Capacidade Contributiva. Curitiba:Juruá, 1992, p. 64.
60
Nesta hipótese, embora o valor do tributo deva ater-se ao
princípio do benefício, ele deve respeitar os limites impostos pelo princípio
da capacidade contributiva – quais sejam, a não-tributação do mínimo vital
e a não-utilização do tributo como efeito de confisco.
Ou seja, o princípio da capacidade é aplicável a todas as
espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em
toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é
aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe
dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital
e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios.68
E, por fim, corroborando com o entendimento acima exarado,
Alcides Jorge Costa, assevera que:
“A Constituição aplica o princípio da capacidadecontributiva apenas aos impostos. Isto não excluique esta capacidade não deva ser levada em contana cobrança de taxas. Se certos serviços públicosessenciais devem ser prestados a pessoasdestituídas de capacidade econômica, asrespectivas taxas não serão exigidas, mesmoporque, como dizem os alemães, ninguém põe amão no bolso de um homem nu.” 69
68 CONTI, Princípios Tributários ..., p. 63/65.69 Ob. cit., p. 302.
61
7.2. Capacidade Contributiva e os Impostos Diretos e Indiretos
Os impostos diretos são aqueles que cujo ônus tributário recai
sobre a pessoa do contribuinte. São aqueles impostos em cuja
quantificação, quer pela base de cálculo, quer pela alíquota, leva-se em
consideração a pessoa do contribuinte.
Os impostos indiretos são aqueles que, embora a obrigação de
pagar recaia sobre determinada pessoa – que podemos denominar de
contribuinte de direito – o ônus é efetivamente suportado por outra – a qual
denominamos contribuinte de fato –, devido ao fenômeno da repercussão.
É simples e indiscutível concluir que o princípio da
capacidade contributiva aplica-se aos impostos diretos; a questão torna-se
controvertida relativamente aos impostos indiretos.
Quanto a estes, na visão de José Maurício Conti70, também
devem incidir com a observância do princípio da capacidade contributiva,
pois em regra atingem eles a renda consumida.
70 Princípios Tributários ..., ob. cit., p. 67.
62
É verdade que não se pode saber quem é o contribuinte e qual
a sua capacidade contributiva quando da incidência de um imposto sobre o
consumo de determinado bem. Mas a utilização de determinados critérios,
como a graduação das alíquotas segundo a essencialidade do produto, é
perfeitamente válida no sentido de se presumir a capacidade econômica do
sujeito passivo daquela obrigação tributária. Tanto o consumo como a
riqueza, além da renda, são índices reveladores da capacidade contributiva
e não devem ser desprezados.
Assim sendo, todos os impostos sujeitam-se ao princípio da
capacidade contributiva: utilizam, no entanto, critérios diferentes para
aferir a capacidade econômica do contribuinte.
7.3. Capacidade Contributiva e os Impostos de Natureza Pessoal e
Real
Impostos de natureza real podem ser conceituados como
sendo aqueles “cuja materialidade do fato gerador está referida a um fato,
acontecimento ou coisa, independente do elemento pessoal e indiferente ao
sujeito passivo e suas qualidades”.
63
Impostos de natureza pessoal “são aqueles cujo fato gerador
leva em consideração certas qualidades pessoais, juridicamente relevantes,
do sujeito passivo”. 71
Sendo os impostos de natureza pessoal, a aplicação do
princípio da capacidade contributiva é simples. Basta que se analisem as
condições do sujeito passivo da obrigação tributária para, em função destas
condições, aferir-se sua capacidade de contribuir e graduar a imposição de
acordo com esta capacidade.
Já os impostos de natureza real podem causar dificuldades
relativamente à aplicação do princípio da capacidade contributiva.
Isto porque, conforme se verificou da própria conceituação
desta espécie de tributo, a materialidade do fato gerador é indiferente ao
sujeito passivo e suas qualidades.
No entanto, a aplicação do princípio da capacidade
contributiva é perfeitamente possível, embora possa não ter a perfeição que
se obtém com os impostos de natureza pessoal.
71 PENTEADO, João Caio Goulart. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 14.Editora Resenha Tributária, 1989, p. 476.
64
É possível, posto que há outras medidas de capacidade
contributiva além da renda auferida. Uma delas é a renda acumulada, ou
riqueza, ou patrimônio. E os impostos de natureza real gravam basicamente
este tipo de riqueza. Portanto, atingem uma das manifestações de
capacidade contributiva.
Assim, os impostos de natureza real sujeitam-se também ao
princípio da capacidade contributiva.72
7.4. Capacidade Contributiva e Progressividade
A progressividade deriva de um programa da Constituição,
relacionado com a redistribuição de rendas e com a solidariedade social73.
Relaciona-se, portanto, sempre com uma função extra-fiscal dos tributos
(dirigida ao atendimento dos objetivos lançados no art. 3º da Constituição
Federal). Isso não torna a progressividade incompatível com a Constituição
nem ofensiva ao princípio da igualdade.
72 Cf. CONTI, Sistema Constitucional Tributário, ob. cit., p. 27.73 Nos casos do IPTU e do ITR, a progressividade relaciona-se também com um outro caráter extra-fiscaldesses tributos, dirigidos à obtenção direta de certos comportamentos desejáveis (em sentidoparcialmente coincidente, embora aludindo aos arts. 145, § 1º e 150, II, da Constituição Federal comofundamento da progressividade baseada na capacidade contributiva, confira-se Elizabeth Nazar Carrazza,IPTU ..., p. 112).
65
A progressividade tutela uma noção material de igualdade e,
por ter amparo genérico nos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
(art. 3º da Constituição), é aplicável indistintamente a qualquer tributo, não
só aqueles em relação aos quais há previsão expressa de progressividade.74
Em estudo produzido em 1991, Geraldo Ataliba revela que a
progressividade se relaciona com o princípio distributivo dos tributos,
afirmando que a progressividade “é instrumento patente para o
nivelamento da diversidade de condições econômicas dos cidadãos,
operando como meio conciliador do princípio de solidariedade social (...) e
do dever de contribuição segundo a capacidade de cada qual”. 75
Deste modo, conclui-se que a progressividade estará limitada
pelo princípio da capacidade contributiva, visando à não-confiscatoriedade
e ao não-cerceamento de outros direitos constitucionais, bem como visando
igualar o sacrifício dos contribuinte, obtendo, assim, a equidade vertical.
74 PEREIRA, Cesar A. Guimarães Pereira. Elisão Tributária e Função Administrativa, texto atualizadocom a Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001. São Paulo: Dialética, 2001.75 IPTU – Progressividade, in Revista de Direito Público, p. 51.
66
8) Eficácia do Princípio da Capacidade Contributiva
A eficácia da capacidade contributiva, como a eficácia de
qualquer princípio jurídico, depende do grau de desenvolvimento cultural
do povo, que define o grau de disposição das pessoas para defenderem os
seus direitos.
No plano jurídico, tem-se que o princípio da capacidade
contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um
desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da isonomia
jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma norma expressa que
o consubstancia. Tal norma pode situar-se no plano constitucional, como
acontece no Brasil, como no plano infraconstitucional.
Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a
sua eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as pessoas
na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e da independência
dos que corporificam o poder decisório do Estado.
67
Vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente o
Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância, fazer valer a
Constituição.76
9) Inconstitucionalidade da Ofensa ao Princípio da Capacidade
Contributiva
É patente, que o princípio da capacidade contributiva,
formulado a partir da idéia geral de justiça que se insere no âmbito do
direito natural, não seria passível de eliminação, de desconsideração, sem
que, com isso, não ruísse também a própria noção de Justiça Fiscal.
A conclusão última que se nos apresenta é no sentido de que
este princípio, quer esteja inscrito na Constituição, quer dele não se cogite
expressamente, estará sempre presente. Não só na idealização de cada
tributo, mas também, e antes de tudo, na concepção mesma do próprio
sistema tributário.
76 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, 4ª ed.São Paulo: Dialética, 2001.
68
Cumpre esclarecer que, a violação do princípio da capacidade
contributiva poderá se denunciar não apenas como decorrência da
imposição de um determinado tributo, como também quando a carga
tributária global imposta pelo sistema venha a asfixiar a capacidade
contributiva do contribuinte, acarretando a inconstitucionalidade da lei ou
omissão legislativa ofensiva. 77
Entretanto, note-se que nem toda omissão legislativa ofenderá
a Constituição. Só há omissão legislativa inconstitucional quando há,
concomitantemente, o dever de legislar. E, esse dever existe quando há
ofensa ao princípio da isonomia ou capacidade contributiva, diante da
outorga omissiva de um privilégio não fundado para os particulares que se
enquadrem em determinada situação não tributada.
Se não há lei, é impossível a tributação das situações
submetidas a privilégio não fundado derivado da omissão legislativa. Há
dever de legislar para suprir tal omissão legislativa, uma vez que o art. 150,
I, da Constituição Federal impede que eu a omissão seja suprida por
qualquer outra via.78
77 Cf. PENTEADO, ob. cit., p. 463.78 Cf. PEREIRA, ob. cit., p. 176.
69
Nestes casos, pode o contribuinte, a seu turno, invocar a
prestação jurisdicional, tal como afirmou Bilac Pinto, citado por José
Marcos Domingues de Oliveira:
“Uma lei fiscal cuja inconstitucionalidade formalseja indiscutível, pode vir a ser declaradainconstitucional num determinado caso deaplicação.
Será esta última uma inconstitucionalidadematerial, isto é, apenas no caso submetido aotribunal, que absolutamente não afetará aconstitucionalidade em tese da lei fiscal”. 79
10) Capacidade Contributiva na Constituição de 1988
Neste tópico, será feita uma análise do princípio da capacidade
contributiva tal como está colocado no nosso ordenamento jurídico
constitucional.
Para isto, faz-se necessária a reprodução do texto do art. 145,
§ 1º, da Carta Magna, que consagra o princípio da capacidade contributiva:
Reza o texto:
79 Ob. cit., p. 63.
70
“§ 1º – Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultadoà administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar,respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte”.
Passar-se-á, em seguida, a analisar dois aspectos do referido
texto que costumeiramente geram polêmica relativamente à exata
compreensão de seu significado e alcance. São eles as expressões “sempre
que possível” e “caráter pessoal” .
As questões oriundas da parte final do dispositivo, relativas à
faculdade conferida à administração tributária, embora também fomentem
acirradas discussões, não serão tratadas neste trabalho, pois sua natureza
foge ao aspecto do conteúdo principal da capacidade contributiva.80
80 Cf. CONTI, Princípios Tributários ..., ob. cit., p. 45.
71
10.1. Sentido e Alcance da Expressão “sempre que possível”
Da forma como está posta no Texto, a expressão refere-se a
duas situações a serem observadas, a saber: o caráter pessoal e a
capacidade econômica do contribuinte. Assim, sempre que possível os
impostos terão caráter pessoal; e, sempre que possível, serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte.
A análise da extensa doutrina a respeito do assunto permite
concluir ser certo que nem todos os impostos têm caráter pessoal, haja
vista a existência de vários impostos em que as características do
contribuinte não são previamente conhecidas, de modo que não se pode
avaliar suas exatas condições econômicas.
Porém, todos os impostos, ainda que não permitam uma
aferição direta da capacidade contributiva, podem sujeitar-se ao princípio.
Dessume-se que a colocação da expressão no Texto visa
apenas e tão somente a permitir exceções, como é o caso dos impostos com
finalidades ordinatórias – tributação extra-fiscal.81
81 Cf. CONTI, Sistema Constitucional ..., ob. cit., p. 25.
72
10.2. Sentido e Alcance da Expressão “caráter pessoal”
O “caráter pessoal” dos impostos refere-se a aptidão de o
imposto poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação,
considerando-se a sua condição econômica especial e levando-se em conta
os indícios ou índices que melhor valorem essa situação.82
Dado o fato de que alguns impostos não permitem
adequadamente a avaliação das características do sujeito passivo, como os
impostos de natureza real, que, dificultam o prévio conhecimento das
condições pessoais do contribuinte, verifica-se que o legislador
constituinte, pela redação do § 1º do art. 145, privilegiou a criação de
impostos com caráter pessoal, por reconhecer que estes tendem a atingir
melhor a justiça fiscal.83
82 PACHECO, Angela Maria da Motta. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol.14. Editora Resenha Tributária, 1989, p. 300.83 Cf. CONTI, Sistema Constitucional ..., ob. cit., p. 26.
73
11) Capacidade Contributiva e Outros Direitos Constitucionais
A noção de capacidade contributiva afina-se com outros
direitos constitucionais além do direito de propriedade, com o qual guarda
relação necessária. Olvidando o respeito à capacidade contributiva, pode o
legislador, também, vir a cercear ou obstar o exercício de outros direitos,
tais como a liberdade de iniciativa e a liberdade de profissão.84
12) Aplicação Prática do Princípio da Capacidade Contributiva
De se salientar que a jurisprudência que vem se formando
sobre a matéria é pacífica no sentido de reconhecer a capacidade
contributiva como princípio constitucional tributário, corolário da justiça
distributiva e da igualdade tributária.
Neste sentido, foi o acórdão proferido pela Colenda 4ª Turma
do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3º Região, restando assim
ementado:
84 COSTA, Regina Helena, ob. cit., p. 104.
74
“ DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃOSOCIAL SOBRE O LUCRO – CSSL. ARTIGO19, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 9.249, DE1995. ARTIGO 2º DA LEI Nº 9.316, DE 1996.VALOR SEGURANÇA JURÍDICA. PRINCÍPIODA LEGALIDADE. VALOR JUUSTIÇATRIBUTÁRIA. PRINCÍPIODA REPARTIÇÃODA ISONÔMICA DAS DESPESAS DASEGURIDADE SOCIAL. PRINCÍPIO DAIGUALDADE TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DACAPACIDADE CONTRIBUTIVA.ALÍQUOTAS. VEDAÇÃO À FIXAÇÃO DECRITÉRIO DE DESIGUALAÇÃO ENTRECONTRIBUINTES EM RAZÃO DAATIVIDADE POR ELES EXERCIDAS.
– O valor segurança jurídica vinculaobrigatoriamente o conteúdo do texto legal aoprincípio constitucional da legalidade, o qual, soba feição da tipicidade tributária, impõe a fixaçãoda alíquota, que compõe o aspecto quantificativodada hipótese tributária, em sintonia com osvalores constitucionais.
– O valor justiça tributária norteia os limitesmáximos da arrecadação, estabelecidos segundoas máximas constitucionais, destacando-se,especialmente, a repartição isonômica dasdespesas com a seguridade social, o princípio daigualdade tributária e o princípio da capacidadecontributiva.
75
– O cerne da igualdade entre os contribuintesevidencia-se a partir do tratamento equânime sobo ângulo da capacidade econômica. São vedadas,porque maculadas de inconstitucionalidade, asregras discriminatórias que se afastem do carátereconômica inerente a todos os tributos, inclusiveàs contribuições sociais para a seguridade social.
– A capacidade contributiva, qualificada comoúnico critério válido de discrímen entre oscidadãos-contribuintes, resta malferida quando opotencial contributivo é auferido a partir daatividade exercida pelo contribuinte, no caso, asinstituições financeiras, prescindindo-se,indevidamente, da capacidade econômica”
(AMS nº 1999.03.99.106759-3, doc. anexo).
Da leitura do acórdão supra transcrito fica evidenciado que o
princípio da capacidade contributiva é tido como fator de discrímen eleito
pelo legislador para aplicação do princípio da igualdade no sistema
tributário, buscando com isto uma tributação justa e igualitária.
76
VI – CONCLUSÕES
1. O ordenamento jurídico é composto por um conjunto de
normas, dispostas hierarquicamente, formando a chamada “pirâmide
jurídica”, tendo em seu ápice a Constituição Federal.
2. Princípios são as diretrizes do ordenamento jurídico,
verdadeiro norte, não podendo, desta forma, norma infraconstitucional
atritar com eles, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou
ineficácia.
3. A idéia de justiça está intimamente ligada ao princípio
da capacidade contributiva, posto que na aplicação de tributos, sempre se
procurou distribuí-los de modo igual entre os contribuintes, ou seja,
sempre se procurou submetê-los aos ditames da justiça, sendo meio
viabilizador de uma tributação justa.
4. A idéia de igualdade está vinculada ao ideal de justiça
distributiva assinalada como objetivo do Estado na Constituição (art. 3º, I,
III e IV) e considerado, na consciência dos povos, fim do direito.
77
5. Corolário do princípio da igualdade, do qual é medida
específica de aplicação no campo tributário, o princípio da capacidade
contributiva requer que toda tributação não vinculada a uma atividade
estatal específica seja procedida de acordo com a riqueza do contribuinte.
6. A capacidade contributiva compreende-se em dois
sentidos: absoluto ou objetivo e relativo ou subjetivo. O primeiro atuará
como pressuposto ou fundamento do imposto servindo como diretriz para a
eleição de incidência do imposto. Ao passo que, o segundo atuará como
critério de graduação do imposto, limitando à tributação.
7. O princípio da capacidade contributiva tem por
destinatário imediato o legislador ordinário.
8. A capacidade contributiva distingue-se da econômica e
da financeira, sendo certo que, a primeira representa a aptidão dos
indivíduos para obter riqueza e, a segunda, pode ser entendida como a
disponibilidade para liquidação das obrigações tributárias.
9. O princípio da capacidade contributiva aplica-se
integralmente apenas aos tributos não vinculados, e aos tributos vinculados
de maneira restrita, obrigando a não-tributação do mínimo-vital e a não-
utilização do tributo com efeito de confisco.
78
10. O princípio da capacidade contributiva aplica-se tanto
aos impostos diretos quanto aos indiretos; o que os diferencia é a maneira
pela qual se aplica o princípio a cada uma dessas espécies de impostos,
pois utilizam critérios diferentes para a mensuração da capacidade
contributiva. Há mecanismo para a adequação dos impostos indiretos ao
princípio da capacidade contributiva, como é a seletividade em função da
essencialidade.
11. Os impostos de natureza real atingem uma das
manifestações de capacidade contributiva, que é o patrimônio, ou renda
acumulada, e portanto sujeitam-se ao princípio da capacidade contributiva.
12. A progressividade estará limitada pelo princípio da
capacidade, visando à não-confiscatoriedade e ao não-cerceamento de
outros direitos constitucionais, bem como visando regular o sacrifício dos
contribuintes, obtendo, assim, a equidade vertical.
13. A eficácia do princípio da capacidade contributiva
dependerá do grau de desenvolvimento cultural do povo, que define o grau
de disposição das pessoas para defenderem seus direitos.
79
14. A violação do princípio da capacidade contributiva
poderá se denunciar como decorrência da imposição de um determinado
tributo, como também quando a carga tributária imposta pelo sistema,
acarrete a inconstitucionalidade da lei ou omissão legislativa ofensiva.
15. A expressão “sempre que possível” , contida no art. 145,
§ 1º, da Constituição, refere-se apenas ao caráter pessoal dos impostos,
haja vista que nem todos os impostos podem ter caráter pessoal. Todos os
impostos, no entanto, sujeitam-se ao princípio da capacidade contributiva.
16. A expressão “caráter pessoal” indica existirem certos
impostos cuja natureza não permite seja a tributação fixada em função da
pessoa do contribuinte. Há mecanismos, no entanto, para fazer com que
estes impostos observem o princípio da capacidade contributiva.
17. A noção de capacidade contributiva afina-se com outros
direitos constitucionais além do direito de propriedade, com o qual guarda
relação necessária.
18. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a
capacidade contributiva como princípio constitucional tributário, corolário
da justiça distributiva e da igualdade tributária, visando com isto uma
tributação justa e igualitária
80
VII – BIBLIOGRAFIA
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