UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
DA DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA DO TRABALHADOR COMO REAÇÃO A
ORDENS OU INSTRUÇÕES ILEGÍTIMAS
EVELYN KONRAD HULLER
MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-LABORAIS
LISBOA
2017
EVELYN KONRAD HULLER
DA DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA DO TRABALHADOR COMO REAÇÃO A
ORDENS OU INSTRUÇÕES ILEGÍTIMAS
Dissertação de mestrado apresentada ao Gabinete de
Estudos de Pós-Graduados da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Ciências Jurídico-Laborais
ORIENTADOR: Professor Doutor Guilherme Machado
Dray
LISBOA
2017
ABREVIATURAS
Ac. – Acórdão
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho de 2009
LCT – Lei do Contrato Individual de Trabalho
RC – Tribunal da Relação de Coimbra
RDE – Revista de Direito e Economia
RDES – Revista de Direito e Estudos Sociais
REv. – Tribunal da Relação de Évora
RLx – Tribunal da Relação de Lisboa
RG – Tribunal da Relação de Guimarães
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
RESUMO
A presente dissertação versa sobre a legitimação pelo ordenamento jurídico português
do descumprimento, por parte do trabalhador, de ordens ou instruções ilegítimas recebidas da
entidade empregadora. Essa desobediência juridicamente permitida não possui definição
expressa no Código do Trabalho e trata-se de exceção ao dever de obediência estipulado pelo
citado diploma, o qual tem lugar na relação laboral em virtude da subordinação jurídica
existente em todos os contratos de trabalho. Inicialmente, a dissertação aborda aspectos gerais
relacionados com a delimitação da desobediência legítima, bem como discorre a respeito da sua
inserção no referido ordenamento, enfatizando o seu enquadramento na legislação trabalhista.
Na sequência, passa a analisar a situação irregular que deu origem a um descumprimento de
comandos por parte do trabalhador, tratando, portanto, da emissão de ordens e instruções pela
entidade empregadora, principalmente no tocante a sua ilegitimidade. Alude, por essa razão,
aos poderes do empregador, os quais conferem a ele o direito de proferir diretrizes a serem
cumpridas pelo trabalhador. Posteriormente, aponta, de forma ampla, informações a respeito
dos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência nelas. Logo após,
discorre sobre as dimensões do citado dever e questões atinentes a ele, invocando os limites que
definem a sua exigibilidade. Examina, por conseguinte, as hipóteses e consequências da sua
inobservância. Em seguida, desenvolve o conteúdo da desobediência legítima em si,
delimitando-a, apresentando possíveis modalidades e englobando outros temas que
intimamente a envolvem. Esse detalhamento inclui o assunto da abusividade da sanção imposta
pelo empregador a uma conduta do trabalhador de inobservância do dever de obediência
destituída de ilicitude. Por fim, aponta, de forma sucinta, as conclusões extraídas com o
desenvolvimento deste trabalho, especialmente de como a desobediência legítima merecia ser
vista – como um verdadeiro meio de defesa de direitos e garantias do trabalhador frente a ordens
ou instruções que ultrapassem os limites estabelecidos ao dever de obediência.
PALAVRAS-CHAVE: desobediência legítima; ordens e instruções ilegitimamente proferidas;
poderes do empregador; dever de obediência do trabalhador; defesa de direitos e garantias.
ABSTRACT
This dissertation is about the legitimation by the Portuguese legal system of the
employee’s refusal to obey unlawful orders or instructions received from his employer. The
legally admitted disobedience doesn’t have an explicit definition in Portuguese Labour Code
and is an exception to the duty of obedience stipulated by the mentioned code. This duty takes
place in the employment relationship because of the subordination that exists in all employment
contracts. Initially, the dissertation approaches general aspects related to the delimitation of
lawful disobedience as well as discusses its insertion in said legal system, emphasizing its
framework in labor legislation. Following, it analyzes the irregular situation that led to a
noncompliance of commands by the employee, therefore deals with the issuing of orders and
instructions by the employer, especially as regards its unlawfulness. For this reason, it refers to
the powers of the employer, which give him the right to issue directives to be obeyed by the
employee. Later, it gives general information about the duties of the employee, in order to place
the duty of obedience in them. After that, discusses the dimensions of the aforementioned duty
and issues related to it, invoking the limits that define its enforceability. It therefore examines
the hypotheses and consequences of not observing it. Then, develops the substance of lawful
disobedience itself, delimiting it, presenting possible modalities and encompassing other
themes that closely involve it. This detailing includes the subject of the abuse of the sanction
imposed by the employer on a lawfully employee's conduct that does not observe the duty of
obedience. At the end, briefly presents the conclusions taken from the development of this
dissertation, especially of how lawful disobedience deserved to be understood - as a true defense
of employees' rights and guarantees against orders or instructions that exceed the limits
established for the duty of obedience.
KEYWORDS: lawful disobedience; orders and instructions illegally given; powers of the
employer; employee’s duty of obedience; defense of rights and guarantees.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
PARTE I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E LEGISLATIVO DO TEMA
1 Aspectos preliminares..................................................................................................... 12
1.1 A componente de pessoalidade do vínculo trabalhista.....................................................14
1.2 A disposição da liberdade do trabalhador no contrato de trabalho....................................17
2 Definição de desobediência legítima do trabalhador........................................................19
3 A desobediência legítima como manifestação do direito de resistência...........................21
4 Breve histórico normativo................................................................................................24
5 Enquadramento normativo da desobediência legítima.....................................................25
PARTE II – A EMISSÃO DE ORDENS E INSTRUÇÕES
1 A subordinação jurídica do trabalhador............................................................................29
1.1 A essencialidade da subordinação jurídica no contrato de trabalho..................................31
2 Poder de direção do empregador......................................................................................33
2.1 Sujeitos do poder de direção.............................................................................................36
2.2 O poder de direção e a emissão de ordens e instruções.....................................................38
2.3 A legitimidade das ordens e instruções emitidas..............................................................40
2.4 Limites ao exercício do poder de direção.........................................................................43
3 As modificações no contrato de trabalho..........................................................................46
3.1 Modificações na função do trabalhador............................................................................47
3.1.1 O jus variandi...................................................................................................................48
3.2 Modificações no local de trabalho....................................................................................50
3.3 Modificações no horário de trabalho................................................................................52
4 Poder disciplinar do empregador......................................................................................54
5 Poder regulamentar do empregador.................................................................................57
6 A autonomia técnica do trabalhador e as ordens e instruções do empregador...................58
PARTE III – O DEVER DE OBEDIÊNCIA DO TRABALHADOR E A SUA
INOBSERVÂNCIA
1 Os deveres do trabalhador................................................................................................60
1.1 Deveres integrantes e deveres autônomos da prestação principal.....................................62
1.1.1 O dever de obediência no quadro geral dos deveres do trabalhador..................................63
2 Aspectos gerais do dever de obediência...........................................................................64
2.1 Definição .........................................................................................................................65
2.2 Enquadramento legislativo................ ..............................................................................66
2.3 Sujeitos ............................................................................................................................67
2.4 Amplitude do dever de obediência...................................................................................68
3 Outros aspectos do dever de obediência...........................................................................70
3.1 O dever de obediência e a subordinação jurídica..............................................................70
3.2 O dever de obediência e os poderes do empregador.........................................................71
3.3 O dever de obediência e as modificações na prestação laboral.........................................73
3.4 O dever de obediência e a esfera extra-laboral..................................................................76
4 Os limites do dever de obediência....................................................................................77
5 A inobservância do dever de obediência por parte do trabalhador....................................80
5.1 Desobediência legítima versus ilegítima..........................................................................81
5.2 A desobediência ilegítima como infração disciplinar.......................................................82
PARTE IV – A DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA
1 Delimitação da desobediência legítima............................................................................86
1.1 A legitimação da desobediência.......................................................................................86
1.2 Caracteres da desobediência legítima...............................................................................87
2 Modalidades de desobediência legítima...........................................................................88
2.1 Desobediência decorrente de ordem que viola direitos e garantias do trabalhador...........89
2.2 Desobediência decorrente de modificação ilegítima na prestação laboral........................91
2.2.1 Em razão da função.........................................................................................................92
2.2.2 Em razão do local de trabalho...........................................................................................94
2.2.3 Em razão do horário de trabalho.......................................................................................95
2.3 Desobediência decorrente de ordem ilegal.......................................................................96
2.4 Desobediência técnica .....................................................................................................98
2.5 Desobediência decorrente de ordem que não mantenha relação com o contrato de
trabalho............................................................................................................................99
2.6 Desobediência durante a não prestação da atividade laboral e/ou na suspensão do contrato
de trabalho......................................................................................................................101
2.7 Desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito ilegítimo..........103
3 Direito de desobediência versus dever de desobediência...............................................105
4 O abuso do direito do empregador..................................................................................106
5 Sanção abusiva...............................................................................................................108
5.1 A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em decorrência da aplicação de
sanção abusiva ...............................................................................................................111
6 A responsabilidade do trabalhador.................................................................................112
CONCLUSÕES ....................................................................................................................114
ÍNDICE BIBLIOGRÁFICO ................................................................................................117
9
INTRODUÇÃO
A existência de um contrato laboral indica a presença de uma subordinação jurídica, a
qual implica numa sujeição do trabalhador ao cumprimento de ordens e instruções proferidas
pela entidade empregadora. Essa obrigatoriedade na execução de comandos pelo prestador da
atividade, estipulada pelo Código do Trabalho, denomina-se dever de obediência.
O dever de obediência do trabalhador assume especial relevância no desenrolar da
relação laboral na medida em que será por meio do cumprimento de ordens e instruções que a
entidade empregadora irá adequar a prestação do trabalho às suas necessidades, garantindo o
regular funcionamento da empresa.
A assimetria revelada pela relação de trabalho, na qual um sujeito emite diretrizes e o
outro fica vinculado ao seu cumprimento, pode acarretar lesões à parte mais fraca. Logo, tal
dever de obediência do trabalhador não pode ser absoluto.
Assim, o empregador fica condicionado à observância de limites para proferir
comandos. Caso esses contornos sejam ultrapassados, as ordens ou instruções emitidas serão
ilegítimas, diante das quais, o dever de obediência do trabalhador torna-se inexigível, motivo
pelo qual na figura da desobediência legítima não há uma violação do citado dever, ao contrário
do que ocorre na desobediência ilegítima.
A desobediência legítima surge, portanto, em uma situação de anormalidade, logo é uma
conduta de ocorrência excepcional no contrato de trabalho. Trata-se de uma reação do
trabalhador oriunda de uma diretriz ilegítima, a qual cessa o dever de obediência.
Dessa forma, surge para o trabalhador um verdadeiro direito de não acatar ordens ou
instruções ilegitimamente proferidas, constituindo um comportamento de defesa de direitos e
garantias. Dada essa característica de salvaguarda de direitos e garantias, pode-se afirmar que
a desobediência legítima é uma manifestação do direito de resistência constitucionalmente
tutelado cujo exercício aplica-se frente a atos de particulares.
Em razão da inexistência de definição legal expressa, tampouco de uma enumeração das
possíveis hipóteses de desobediência do trabalhador (sendo as exceções ao dever de obediência
encontradas de modo espalhado pelo Código do Trabalho), faz-se necessária a análise da
desobediência legítima.
Pretende-se com a presente dissertação delimitar os contornos da figura em apreço, bem
como estabelecer em quais situações o trabalhador poderá não acatar alguma ordem ou
instrução de forma autorizada pelo ordenamento jurídico português. Também intenta
possibilitar a clara identificação de quando o comportamento do trabalhador caracteriza uma
10
desobediência legítima, traçando bem os contornos que a diferem de uma situação de
desobediência ilegítima.
Ainda, planeja delimitar os conteúdos capazes de tornar um comando ilegítimo, bem
como identificar os sujeitos competentes para proferir ordens e instruções, para assim se
estabelecer em que situações o dever de obediência é exigível.
Também possui, como propósito, a atribuição de relevância ao tema, o qual não é
abordado com frequência pelos autores portugueses.
Para o alcance desses objetivos, este trabalho divide-se, basicamente, em:
enquadramento teórico e normativo do tema; uma análise da emissão de ordens ou instruções;
um exame do dever de obediência (para que se possa identificar em que momentos será
inexigível) e a desobediência autorizada em razão de ordens ou instruções ilegítimas que
cessem o referido dever.
Dessa forma, na primeira parte desta dissertação apresenta-se o enquadramento teórico
e legislativo da desobediência legítima do trabalhador por meio de aspectos gerais relevantes
para a compreensão do tema (especialmente a respeito do contrato de trabalho), visto que a
conduta de inexecução de ordens ou instruções irá ocorrer durante o mesmo. Também, delimita
essa figura por meio de uma definição, propondo, ainda, que a mesma seja uma forma de
exercício do direito constitucional de resistência.
Na segunda parte, examina-se a emissão de ordens e instruções pelo empregador para
que se possa distinguir quais deverão ser acatadas pelo trabalhador daquelas que ultrapassem
os limites do dever de obediência. Para isso, primeiramente faz-se referência à subordinação
jurídica, elemento essencial do contrato de trabalho. Na sequência, discorre a respeito do poder
de direção da entidade empregadora, o qual será exercido por meio da emissão de ordens e
instruções. Tendo em vista a relevância do poder referido, divide-se a sua abordagem, tratando
dos sujeitos que poderão exercê-lo, da sua relação com as ordens e instruções e a legitimidade
destas, para finalmente versar sobre os seus limites. Em seguida, apresentam-se as modificações
que poderão ocorrer no curso do contrato de trabalho, as quais serão abordadas sob três
aspectos: função, local e horário de trabalho. Posteriormente, descreve o poder disciplinar do
empregador, com as suas duas facetas (prescritiva e sancionatória), as quais possuem
pertinência temática com a desobediência. Seguidamente, discorre a respeito do poder
regulamentar da entidade empregadora, o qual (por meio do regulamento de empresa) irá
realizar determinações gerais e abstratas aos trabalhadores. Por último, trata da autonomia
técnica, a qual constitui um limite específico à emissão de ordens e instruções a determinados
trabalhadores.
11
Na terceira parte discorre sobre o dever de obediência e sua inobservância. Para tal,
apresenta um panorama geral dos deveres do trabalhador, buscando encaixar o dever de
obediência nessas características genéricas. Logo após, delimita o citado dever, apresentando a
sua definição, o seu enquadramento legislativo, seus sujeitos e sua amplitude. Na sequência,
estabelece as relações desse dever com outros temas: subordinação, poderes do empregador,
modificações na prestação laboral e a esfera extra-laboral do trabalhador. Em seguida, traça os
limites ao dever de obediência, os quais devem servir de parâmetro para o acatamento (ou não)
de uma ordem ou instrução. Finalmente, discorre a respeito da inobservância do dever em tela,
distinguindo a desobediência legítima da ilegítima, para, por último, tratar da desobediência
ilegítima como infração disciplinar.
Na sua quarta parte, a dissertação volta-se especificamente para a desobediência
legítima. Inicia o tratamento dessa figura com a sua delimitação, abordando a sua legitimação
pelo ordenamento jurídico português e seus caracteres. Seguidamente, apresenta um rol de
modalidades, discorrendo sobre cada uma delas. Essa divisão da desobediência legítima em
modalidades, decorre de uma especificação das ordens que violem direitos e garantias do
trabalhador, salvo a desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito
incompetente. Posteriormente, levanta a questão da existência de um suposto dever de
desobediência para além do direito do trabalhador de realizá-la. Logo após, trata dos temas do
abuso do direito do empregador e da aplicação de sanção abusiva em decorrência de eventual
punição a uma conduta legitimamente desobediente. No tocante ao último tema, desenvolve
separadamente a hipótese de resolução do contrato de trabalho em virtude da aplicação de
sanção abusiva. Por último, versa sobre eventual responsabilidade do trabalhador ao deixar de
acatar diretriz ilegítima ou caso execute uma ordem ilegal.
Por fim, apresenta as conclusões extraídas do desenvolvimento deste tema que é tão
pouco abordado entre os autores lusitanos e repleto de dispositivos esparsos pelo Código do
Trabalho, sem uma delimitação normativa precisa.
12
PARTE I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E LEGISLATIVO DO TEMA
1 Aspectos preliminares
O tema da presente dissertação desenvolve-se no seio do contrato de trabalho. Logo faz-
se necessário delimitar alguns aspectos relevantes sobre este, até mesmo porque a sua própria
definição normativa, apresentada pela legislação trabalhista portuguesa, traz elementos
imprescindíveis para a compreensão da desobediência legítima.
No momento em que é celebrado, o contrato de trabalho estabelece obrigações
recíprocas para as partes, possuindo, portanto, um caráter sinalagmático.1 Dentro dos deveres
que se originam, encontra-se legalmente estabelecido no Código do Trabalho o dever de
obediência do trabalhador, dever este, que é pedra angular para a construção deste tema.
O contrato de trabalho possui definição legal em mais de um instrumento normativo no
ordenamento jurídico português. Começando a análise pela legislação menos específica, a
noção de contrato de trabalho pode ser encontrada no artigo 1152º do Código Civil, o qual o
define como sendo aquele em que uma pessoa se obriga a prestar atividade à outra, sob a
autoridade e direção desta, em troca de retribuição. Destaca-se, aqui, a relevância da expressão
“sob a autoridade e direção” constante no referido dispositivo.
A legislação trabalhista, por sua vez, reproduziu o artigo 1152º do Código Civil no artigo
10º do Código do Trabalho de 2003, retirando a distinção entre trabalho intelectual e manual e
acrescentando a possibilidade da prestação da atividade a mais de um empregador.
Já com a revisão de 2009, o agora artigo 11º, sofreu alteração na expressão destacada
acima, passando a fazer referência ao âmbito de organização ao invés do termo direção.2 Da
noção legal de contrato de trabalho – em relação ao item autoridade somado com a direção
(independentemente do uso da palavra direção ou da referência à organização), extrai-se a ideia
da subordinação jurídica.
Esse estado de sujeição do trabalhador individualiza o contrato laboral de modo que ele
se torna inconfundível com outros contratos de natureza privada.3 A subordinação jurídica
constitui, portanto, elemento essencial do contrato de trabalho, e exprime uma relação de
1 Sobre as características do contrato de trabalho vide: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de
Direito do Trabalho, Coimbra, 1997, p. 519 2 A respeito da alteração terminológica da definição normativa de contrato de trabalho trazida pela revisão de 2009:
FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho, 17ª ed., Coimbra, 2014, p. 127; LEITÃO, Luís Manuel
Teles de Menezes – Direito do Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014, pp. 107 s. 3 MARANHÃO, Délio – Contrato de Trabalho, in A. SUSSEKIND (coord.), Instituições de Direito do Trabalho,
I, 19ª ed., São Paulo, 2000, p.244
13
desigualdade das partes no mesmo, uma vez que o trabalhador se encontra numa posição de
dependência e o empregador numa relação de domínio.4
Ao prestar a sua atividade, o trabalhador está sujeito, segundo o artigo 11º do Código
do Trabalho, à autoridade do empregador no âmbito da sua organização. Desse modo, aquele
encontra-se adstrito aos comandos deste, bem como está submetido à disciplina da organização
da qual faz parte.5 É, portanto, em decorrência da autoridade do empregador enquanto
organizador da atividade produtiva que se confere poderes a este.6
A sujeição legalmente prevista do trabalhador às ordens e instruções do empregador visa
garantir o pleno funcionamento da unidade produtiva, autorizando este a gerir a mesma através
de poderes que lhe são conferidos.7 Porém, há que se atentar ao fato de que sob o pretexto de
dirigir a empresa, o empregador não poderá desconhecer dos direitos e garantias do
trabalhador.8
Os poderes atribuídos ao empregador encontram como base principalmente o princípio
constitucional da liberdade de empresa previsto no nº 1 do artigo 61º da Constituição da
República Portuguesa. Tal princípio não se restringe à criação da organização produtiva, mas
também confere à entidade empregadora o poder de organizá-la e modificá-la.9
Quanto à legislação infra-constitucional, os três poderes conferidos pelo Código do
Trabalho (doravante também denominado CT) ao empregador, decorrentes da autoridade deste
enquanto organizador da atividade prestada, são o poder diretivo (artigo 97º), o disciplinar
(artigo 98º) e o regulamentar (artigo 99º).10
O poder de direção encontra previsão legal no artigo 97º do CT, o qual dispõe que é
competência do empregador estabelecer os moldes da atividade prestada pelo trabalhador. Em
outras palavras, pode-se afirmar que a norma citada autoriza o empregador a emitir ordens e
instruções a respeito do trabalho a ser prestado.
4 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte II – Situações Laborais
Individuais, 5ª ed., Coimbra, 2014, pp. 32 s. 5 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?, in M.GRACIETE RODRIGUES
(coord.), Trabalho e Relações Laborais, 2001, 179-187, p. 181 6 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado, 2ª ed., Coimbra, 2013, p.239 7 DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador, Coimbra, 2015, p.399 8 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed., São Paulo, 2016, p.407 9 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho, 2ª ed., Lisboa, 2014, p.93. Segundo o
autor, as leis do trabalho visam proteger os trabalhadores de eventuais consequências maléficas do exercício dos
poderes do empregador. 10 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p. 238. Essa tradicional divisão tripartida de poderes
não é consensual entre os autores, mas justifica-se muitas vezes por questões didáticas. Sobre essa repartição e
quem a adota, vide: ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador, Coimbra, 2005, p.79
14
Ocorre que não é somente em virtude do exercício do poder diretivo que a entidade
empregadora fica autorizada a emitir comandos. Caso se entenda que o poder disciplinar possui
(além do seu conteúdo sancionatório) um conteúdo prescritivo, caberá ao empregador proferir
ordens e instruções a respeito da disciplina no trabalho, uma vez que tais regras não se reportam
diretamente à atividade prestada.11 Ainda, o poder regulamentar (manifestado através do
regulamento de empresa) faculta ao empregador a fixação de regras por escrito sobre
organização e disciplina no trabalho.12
Por sua vez, cabe ao trabalhador, em razão da posição de subordinação que ocupa,
cumprir tais ordens e instruções de acordo com o artigo 128º, nº 1, alínea “e” do Código do
Trabalho – é o chamado dever de obediência do trabalhador. O dever de obediência surge
quando o trabalhador aceita prestar sua tarefa sob as ordens e controle de outro.13
Uma vez que compete ao empregador dar ordens e instruções e ao trabalhador obedecê-
las, pode-se afirmar que a relação de trabalho é assimétrica. A desigualdade da relação é
revelada através do fato de que a vontade do trabalhador fica submetida ao contrato de trabalho,
sujeitando-se às ordens do empregador em troca de rendimentos para satisfazer suas
necessidades vitais básicas.14
Diante dessa assimetria do contrato de trabalho, os direitos dos trabalhadores ficam
vulneráveis a lesões. Assim, tais direitos merecem especial proteção tendo em vista a
restauração do equilíbrio da relação laboral.
É nessa esteira de defesa dos direitos dos trabalhadores (enquanto tais e também
enquanto cidadãos) que se busca justificar no presente trabalho hipóteses de desobediência
legítima a determinadas ordens de entidades empregadoras.
1.1 A componente de pessoalidade do vínculo trabalhista
Conforme anteriormente mencionado, a relação de trabalho possui um determinado
desequilíbrio: de um lado, existem os poderes do empregador; de outro, a subordinação jurídica
do trabalhador15 que lhe deve obediência.
11 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte I – Dogmática Geral, 4ª ed.,
Coimbra, 2015, p.465 12 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014, p.222 13 DUQUESNE, François – Le nouveau Droit du travail, 4ª ed., Paris, 2008, p.213 14 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.21 15 Em acórdão de 28 de junho de 2016, decidiu o STJ que a disparidade de poder entre as partes do contrato de
trabalho deve ser levada em conta na hora de eventual resolução de litígios emergentes de tal contrato, uma vez
que o trabalhador se subordina ao empregador em razão de uma retribuição para a sua sobrevivência e de sua
família. Ac. STJ de 28/06/2016, (Nº 93/15.6T8GRD.S1), www.dgsi.pt
15
Essa relação desigual é o que Maria do Rosário Palma Ramalho denomina de binómio
subjetivo da delimitação do vínculo laboral. Paralelamente a esse binómio, a autora acrescenta,
para completar a delimitação do conteúdo do vínculo de trabalho, o binómio objetivo (o qual
diz respeito às prestações principais de cada sujeito no contrato de trabalho – atividade prestada
por parte do trabalhador e a remuneração por parte do empregador) e outros dois elementos
auxiliares - a componente organizacional e a componente de pessoalidade.16
A componente organizacional do contrato de trabalho é decorrente da inserção do
trabalhador na organização com caracteres delimitados pelo empregador (e não uma
organização comum a ambos). Já a componente de pessoalidade diz respeito à posição de
sujeição do trabalhador aos poderes laborais do empregador (essência dominial). 17
É nessa última componente que reside a razão de se desenrolar o presente tópico. A
componente de pessoalidade é revelada, dentre outras razões, por meio do envolvimento
integral da pessoa do trabalhador na prestação da atividade laboral.18
A pessoalidade aqui mencionada traduz-se, portanto, no fato de o trabalhador colocar
sua energia física e intelectual à disposição da entidade empregadora. Logo, a componente de
pessoalidade a que se refere não mantém correspondência com o elemento pessoalidade
apontado pela doutrina brasileira como critério distintivo da relação empregatícia (extraído dos
artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas). Este, trata-se da prestação pessoal da
atividade pelo trabalhador (pessoa física), o qual não pode se fazer substituir por outro, sob
pena de caracterizar novo contrato de trabalho (caráter personalíssimo ou intuitu personae).19
Em outros termos, pode-se afirmar que no referido elemento de pessoalidade existe a ideia de
intransferibilidade do serviço ajustado.20
Dessa forma, no contexto lusitano tal componente de pessoalidade ou essência dominial
trata-se do que João Leal Amado denominou de “dimensão irrecusavelmente pessoal” do
contrato de trabalho, uma vez que não se pode dissociar a força de trabalho da pessoa do
16 Cabe mencionar que as referidas componentes não fazem referência às não satisfatórias concepções comunitário-
pessoais do vínculo de trabalho. A respeito da caracterização comunitário-pessoal das relações laborais vide:
RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Coimbra, 2001, pp.
279 ss. 17 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp. 468 ss. 18 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores
e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas, in Colóquio de Direito do Trabalho, 2014. Disponível
em: www.stj.pt, p.3 19 Sobre a definição no direito brasileiro do elemento pessoalidade do contrato de trabalho vide: LEITE, Carlos
Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed., São Paulo, 2016, p.152; SCHIAVI, Mauro – Manual de
Direito Processual do Trabalho, 5ª ed., São Paulo, 2012, pp. 195 s. 20 MARTINEZ, Luciano – Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed., São Paulo, 2012, p.126
16
trabalhador, o qual, na opinião do autor, não seria apenas sujeito do contrato, mas também
objeto do mesmo.21
O envolvimento pessoal do trabalhador na prestação da atividade laborativa possui uma
íntima relação com o dever de obediência, uma vez que aquele coloca-se à disposição para
seguir as ordens e instruções do empregador.22
Correspondentemente ao dever de obediência, encontra-se, portanto, o poder de direção
do empregador, o qual, ao ser exercido para dirigir uma prestação que envolve a pessoa do
trabalhador de modo direto, pode resultar em um “perigo potencial para o livre
desenvolvimento da personalidade e a dignidade de quem trabalha”.23
Assim, a relação de trabalho, por implicar no envolvimento intenso da pessoa do
trabalhador na execução da atividade laborativa (dentre outras circunstâncias que possam
concorrer para tal) pode expor os direitos fundamentais deste a compressão ou lesões.24 Em
outros termos, a componente de pessoalidade existente no vínculo de trabalho pode dar margem
a uma violação dos direitos do trabalhador (em especial os direitos de personalidade).25
Consequentemente, impõe-se “assegurar, como princípio geral, a regra da preservação dos
direitos fundamentais que assistem ao trabalhador, enquanto pessoa e cidadão, no contexto do
seu contrato.”.26
Diante dessa situação de lesão ou ameaça a direitos do trabalhador em virtude do forte
envolvimento pessoal do mesmo na relação de trabalho, o Código do Trabalho fez uma ressalva
quanto ao dever de obediência do trabalhador, dispondo na alínea “e” do número 1 do artigo
128º que o trabalhador não fica sujeito a cumprir ordens ou instruções contrárias a seus direitos
ou garantias. Ou seja, a desobediência a ordens ou instruções que afrontem direitos ou garantias
do trabalhador é legítima.
Ainda, em razão desse envolvimento intrínseco da pessoa do trabalhador no contrato de
trabalho, faz-se necessário encarar os direitos dos trabalhadores como “componentes estruturais
21 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp. 27 s. Posição diversa é adotada por Júlio Manuel Vieira
Gomes, o qual entende que o trabalhador não se trata de um objeto passivo do poder do empregador relativo a um
estado de sujeição, sendo a prestação da atividade laboral um dever jurídico. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira –
Direito do Trabalho, I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, pp. 95 ss. 22 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.475 23 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2005, p.44 24 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.167 25 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores
e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas cit., p.3 26 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.190
17
básicas do contrato de trabalho”.27 Assim sendo, ao encarar a desobediência legítima como
meio de defesa de direitos, pode-se afirmar que a mesma é decorrente do forte envolvimento
pessoal do trabalhador no contrato laboral.
1.2 A disposição da liberdade do trabalhador no contrato de trabalho
Primeiramente, é mister relacionar brevemente o que o presente tópico não abrange.
Quando se fala a respeito da liberdade do trabalhador, não se faz referência à liberdade de
trabalho prevista no nº 1, do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa, a qual se trata
da livre escolha feita pelo cidadão de sua profissão ou de gênero de trabalho. Também o
presente tópico não se trata da liberdade contratual do trabalhador, ou seja, de celebrar um
contrato laboral.
Como o próprio nome indica, o contrato de trabalho resulta de um acordo de vontades.
O trabalhador coloca-se livremente (e não coercitivamente) sob a autoridade e direção da
entidade empregadora. Porém, isso não significa que o contrato laboral não resulte em uma
certa constrição da liberdade do subordinado.28
De acordo com os ensinamentos de Hannah Arendt, o trabalho é uma atividade que se
vincula imediatamente com a vida como nenhuma outra o faz, haja vista que o processo natural
desta reside no corpo; corpo este, que o “animal laborans” não dispõe de modo livre, uma vez
que possui necessidades a serem supridas, submetendo-se, dessa forma, ao trabalho.29
A vida profissional do trabalhador diferencia-se da pessoal na medida em que nesta
ocorre uma situação de “autodisponibilidade”, enquanto naquela existe a
“heterodisponibilidade”, logo, durante a jornada de trabalho o agir do trabalhador será
determinado pela entidade empregadora.30
A “liberdade” aqui referida, portanto, trata-se da liberdade de ação do trabalhador
durante o contrato de trabalho, mais especificamente durante a jornada. O trabalhador, no
momento em que celebra o contrato de trabalho com a entidade empregadora, coloca à
disposição desta uma parcela de sua liberdade (em razão da pessoa do trabalhador estar
diretamente envolvida na prestação laboral).
27 ABRANTES, José João Nunes – Liberdade Contratual e lei. O caso das cláusulas de mobilidade geográfica
dos trabalhadores, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de Almeida, III, Coimbra,
2011, 503-516, p.506 28 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., p.44 29 ARENDT, Hannah – A Condição Humana, 12ª ed., Rio de Janeiro, 2015, pp.135 e 145 30 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.20
18
Tal parcela da liberdade de agir do trabalhador é limitada em razão do tempo, do espaço
e do modo de execução da atividade laboral. Assim, o trabalhador fornece parte de suas horas
diárias ao seu empregador e passa a não ter mais o completo domínio de seu tempo e de como
administrar sua vida.31 Ainda, a liberdade de locomoção do trabalhador também sofre
restrições, uma vez que deve permanecer no local de trabalho ou seguir roteiros elaborados pela
entidade empregadora.
Não é somente a liberdade de gerir seu tempo ou escolher seu lugar no espaço que são
afetadas, mas também a liberdade de executar determinada tarefa do seu próprio modo,
passando agora o empregado a fazê-la como dita a entidade empregadora. Ou, ainda, a liberdade
de comportamento ou de escolher suas vestes também podem ser restringidas dependendo da
profissão exercida.
Dessa forma, durante a jornada de trabalho, o trabalhador não possui liberdade para
fazer o que bem entender. Uma vez que existem os poderes laborais, quem enuncia as regras de
como proceder é o empregador, ficando o trabalhador adstrito a cumpri-las por conta do seu
dever de obediência. Assim, pode ocorrer que em determinadas situações o trabalhador, sendo
compelido a agir de acordo com a vontade do empregador, tenha que abrir mão da sua própria
opinião ou modo de atuar.32
Tal situação se impõe em virtude do caráter de hetero-determinação da relação laboral,
na qual o uso da força de trabalho do trabalhador pelo empregador fica condicionado à vontade
deste.33
Conforme demonstrado no tópico anterior, o forte envolvimento da pessoa do
trabalhador na relação laboral pode abrir espaço para uma lesão de direitos desse. Ocorre que,
não é apenas a pessoalidade da relação de trabalho que pode dar margem a violações de direitos
dos trabalhadores, mas também a própria natureza limitativa da liberdade de ação do
trabalhador da relação laboral.34
Garantir a liberdade do trabalhador no contrato de trabalho bem como salvaguardar seus
interesses privados justifica-se em razão da inferioridade (jurídica e material) que este assume
31 Conforme o Tribunal da Relação de Coimbra (Ac. RC de 10/03/2016, (Nº 250/13.0TTCTB.C1), www.dgsi.pt):
“A linha de fronteira entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ situa-se naquele momento em que o
trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada. ”. Desse modo, extrai-se de tal
entendimento que no momento que o trabalhador presta suas atividades à entidade empregadora ele não possui o
completo domínio de gestão de sua vida, assim, pode-se concluir que uma parcela de sua liberdade de ação é
tolhida. 32 Nas palavras de João Leal Amado: “Para o trabalhador, cumprir é, antes de mais, obedecer, a sua vontade
compromete-se no contrato, mas também se submete neste contrato.” . Em: AMADO, João Leal – Contrato de
Trabalho cit., p.21 33 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., p.45 34 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.167
19
na relação laboral. Tendo em vista essa necessidade de tutelar o trabalhador subordinado é que
o sistema juslaboral português observa o princípio da proteção do trabalhador conjuntamente
com suas projeções.35
Além do princípio da proteção, a liberdade do trabalhador pode ser resguardada com a
plena observância e respeito por parte da entidade empregadora dos direitos e garantias dos
trabalhadores, principalmente no tocante aos direitos de personalidade, devidamente
acobertados pelo Código do Trabalho de 2009.
Logo, a disposição da liberdade do trabalhador não pode ser absoluta. Faz-se necessária
a observância atenta dos direitos e garantias dele, para que situações de violação dos mesmos
não deixem de ser meramente potenciais durante o contrato de trabalho, e assim dar margem
para que não reste outra opção para o trabalhador, senão desobedecer alguma ordem da entidade
empregadora.
2 Definição de desobediência legítima do trabalhador
A falta de um conceito expresso de desobediência legítima no Código do Trabalho exige
uma interpretação conjunta de mais de um dispositivo normativo e que se busque socorro nos
autores de Direito do Trabalho.
Antes da busca por uma definição de desobediência legítima do trabalhador, é mister
primeiramente delimitar a abrangência dos dois termos em separado, começando com a
desobediência em si.
Etimologicamente, a palavra “obediência” é proveniente do termo latino “obedientia”,
significando o ato ou o efeito de submeter-se à vontade de outrem.36 Logo, o prefixo de
negativação “des”, somado à palavra “obediência”, significa o efeito de não se submeter a uma
emanação de vontade exterior.
Feito esse breve comentário sobre a etimologia da palavra em questão e retornando ao
Direito Laboral, deve-se afirmar, de início, que o trabalhador possui um dever de obediência
(legalmente previsto) para com o empregador.
O dever de obediência do trabalhador é uma obrigação básica no contrato de trabalho e,
de acordo com Alberto Jose Carro Igelmo, é dotado de caracteres de generalidade na doutrina
estrangeira, sendo que na espanhola é conhecida como “deber de obediencia”, na inglesa “duty
35 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.535 36 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 5ª ed., Curitiba, 2010,
p. 1488
20
to obey”, na francesa “obligation d’obeissance”, na italiana “dovere di obbedienza”, e na
alemã “Gehörsampsflicht”.37
Como o próprio nome indica, obviamente a desobediência do trabalhador se trata do não
cumprimento do dever de obediência estabelecido a este pela legislação trabalhista. Ocorre que
é necessária uma análise um pouco mais aprofundada, principalmente levando em conta a
intenção do trabalhador com o seu agir.
Júlio Manuel Vieira Gomes, tendo por base um Acórdão do STJ de 30 de junho de
199338, afirma que a desobediência, para ser considerada verdadeira e própria, deve pressupor
a vontade deliberada de não cumprir as ordens emitidas pela entidade empregadora, ou seja,
exclui-se do conceito de desobediência eventual atitude do trabalhador de não ter executado
alguma ordem de modo imediato por estar aguardando, por exemplo, esclarecimentos
técnicos.39
Consequentemente, conclui-se que a desobediência, para ser considerada como tal, deve
representar uma intenção deliberada do trabalhador de não cumprir uma ou mais ordens da
entidade empregadora. Há, portanto, a presença de um elemento volitivo na ideia de
desobediência.
O termo desobediência, por si só, pode passar, à primeira vista, a ideia de algo nocivo
ou de um comportamento que não seja benéfico dentro de um contexto. Aí reside a importância
de se agregar o adjetivo “legítima” a essa expressão.
Por conseguinte, no que tange ao vocábulo “legítima” que compõe a expressão em tela,
sua origem é proveniente do latim legitimus, de lex, e é utilizado para designar algo que está
em conformidade com os moldes legais, ou seja, um ato legítimo é um ato permitido/autorizado
pela legislação.40 Legítimo, portanto, é um ato que não contraria o direito ou o ordenamento.
Ainda, numa acepção ampla, legítimo é tudo aquilo que pode ser considerado correto,
autêntico.41 Dessa forma, a legitimidade difere-se da legalidade na medida em que engloba
padrões de justiça.
Consequentemente, a desobediência legítima se trata de um ato que não contraria o
ordenamento jurídico por fundar-se em padrões de retidão de conduta. Reunindo as informações
37 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo, 2ª ed., Barcelona, 1991, p.312 38 Em: GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais? cit., p.182 39 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 960 40 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico, 27ª ed., Rio de Janeiro, 2007, p. 826 41 FABRIZ, Daury Cesar – Legitimidade, in A. TRAVESSONI (coord.), Dicionário de Teoria e Filosofia do
Direito, São Paulo, 2011, 261-263, p.261
21
apresentadas, pode-se afirmar que a desobediência legítima é um incumprimento deliberado
por parte do trabalhador de determinada ordem ou instrução do empregador autorizado pela lei.
Se a desobediência legítima é um comportamento permitido pelo direito, cumpre
estabelecer a razão dessa autorização legal. Assim, não se pode analisar um comportamento
desobediente dissociando-se da situação que o originou. Logo, a desobediência será permitida
porque surge em face a uma situação irregular – ordem ou instrução a que o trabalhador não
deva obediência por tratar-se de diretriz ilegítima.
Quando se diz respeito a uma desobediência legítima, o comportamento censurável é o
do empregador que deu causa a um ato de incumprimento de ordens e instruções, e não o do
trabalhador que está apenas resistindo a um comando ilegítimo (possivelmente violador de seus
direitos).
Em decorrência de a desobediência legítima por parte do trabalhador ser um
comportamento autorizado pelo ordenamento, não há o que se falar em conduta ilícita (ao
contrário da desobediência ilegítima). Dessa forma, enquanto a desobediência ilegítima é um
comportamento culposo e ilícito que acarreta uma violação de deveres, a desobediência legítima
é destituída de ilicitude e culpabilidade.
Quanto à autorização legal da desobediência, no ordenamento jurídico português há um
dispositivo que a faz de modo expresso. A alínea “e” do número 1 do artigo 128º do Código do
Trabalho traz explicitamente uma autorização para o trabalhador não cumprir determinadas
ordens ou instruções, ou seja, ela legitima uma hipótese de desobediência – quando aquelas
forem contrárias aos seus direitos ou garantias. Visto que o presente tópico trata apenas da
definição de desobediência legítima, este dispositivo normativo será abordado oportunamente
na presente dissertação.
3 A desobediência legítima como manifestação do direito de resistência
Em termos genéricos, o vocábulo “resistência” indica oposição, reação a uma força
opressora.42 Conforme o ponto de vista léxico, portanto, a resistência é antes uma reação do que
uma ação, trata-se de uma defesa e não de uma ofensiva.43 Na seara do direito, resiste-se contra
a violação de lei, ou até mesmo contra a própria lei que viole padrões de justiça.44
42 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de língua portuguesa cit., p.1826 43 MATTEUCCI, Nicola – Dicionário de Política, L – Z, 12ª ed., Brasília, 2004, p.1114 44 VIANA, Márcio Túlio – Direito de Resistência, São Paulo, 1996, p.24
22
O direito de resistência, porém, não se dirige apenas contra a autoridade política ou
contra as leis, mas também contra grupos ou indivíduos.45 Apesar de normalmente associar-se
a resistência a questões de ordem política, o exercício da mesma pode ser realizado frente a atos
de particulares, encaixando-se inclusive em situações laborais, conforme demonstrar-se-á na
sequência.
O direito de resistência encontra-se positivado no artigo 21º da Constituição da
República Portuguesa, o qual enuncia que todos têm o direito de resistir a qualquer ordem
ofensora de seus direitos, liberdades ou garantias, bem como repelir, por meio da força, eventual
agressão, quando não for possível recorrer à autoridade pública.
Percebe-se da literalidade do artigo citado que o direito constitucional de resistência
engloba dois aspectos – o não cumprimento de ordem violadora de direitos, liberdades ou
garantias e a repulsa pela força de eventual agressão diante da impossibilidade de recurso à
autoridade pública.46 É no primeiro aspecto do referido dispositivo que reside o ponto de
contato com a desobediência legítima do trabalhador.
Para Maria da Assunção Andrade Esteves, a afirmação constitucional de um direito de
resistência, traz como consequência para a posição jurídica do indivíduo uma causa de
justificação ou de exclusão de ilicitude.47 Da mesma forma, a desobediência do trabalhador,
quando legítima, é justificada pela legislação trabalhista, excluindo-se a ilicitude de sua
conduta.
O direito de resistência constitucionalmente tutelado, encontra validade não apenas
contra atos de autoridades públicas, como também nas relações particulares, de modo que é
autorizada a resistência à ordem de entidade empregadora, tanto para proteger direitos ou
garantias de caráter pessoal, quanto os próprios dos trabalhadores.48
Ademais, por força do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, os preceitos
constitucionais que digam respeito a direitos, liberdades e garantias (como é o caso do artigo
21º) vinculam as entidades privadas, além de serem diretamente aplicáveis – é a denominada
eficácia civil dos direitos fundamentais.49
45 KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito, 5ª ed., Lisboa, 2014, p.306 46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes/ MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª
ed., Coimbra, 2007, p.420 47 ESTEVES, Maria da Assunção Andrade – A Constitucionalização do Direito de Resistência, Lisboa, 1989, p.99 48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes/ MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada cit.,
I, p.421 49 Essa eficácia direta dos direitos fundamentais frente a relações entre particulares parte do pressuposto de que o
poderio econômico e social de entidades privadas é suscetível de ocasionar ameaças ou lesões aos indivíduos que
com eles mantenham relação. Em: DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador cit.,
p. 184
23
Pode-se afirmar que o direito de resistência tem como fundamento a defesa de direitos,
liberdades e garantias.50 Tratando-se, portanto, de uma garantia não institucional – constituindo
uma posição jurídica subjetiva reconhecida ao indivíduo na qual se visa à tutela de seus direitos,
liberdades e garantias.51
O direito de resistência no contexto trabalhista, trata-se da “possibilidade jurídica que
assiste ao trabalhador de desobedecer, de não cumprir, de desconhecer as ordens da entidade
empregadora que extravasam a medida das suas obrigações.”.52 É, consequentemente, uma
exceção admitida ao dever de obediência do trabalhador, uma vez que este não significa o total
consentimento à autoridade do empregador, haja vista que entra em jogo a legitimidade da
ordem emitida.53
Dessa forma, autoriza-se ao trabalhador resistir ao cumprimento de determinada ordem
do empregador que viole seus direitos ou garantias, visando justamente tutelá-los.
O fato de o ordenamento jurídico português assegurar a garantia no emprego facilita o
exercício do direito de resistência – ao contrário do que ocorre em ordenamentos em que o
emprego não é assegurado, como no caso do brasileiro, uma vez que ao resistir a chance de o
empregador encerrar o contrato é muito maior.54
Ainda analisando de forma conjunta o direito laboral português e o brasileiro, pode-se
afirmar que o direito de resistência no ordenamento lusitano possui um conteúdo muito mais
amplo do que o jus resistentiae do direito trabalhista brasileiro, uma vez que neste último a
resistência encontra-se relacionada como contraponto ao jus variandi do empregador.55
Excetua-se da doutrina que limita o jus resistentiae do trabalhador a uma reação ao jus
variandi do empregador, o autor brasileiro Carlos Henrique Bezerra Leite, o qual afirma que o
jus resistentiae encontra raízes na subordinação jurídica e confere ao subordinado “o direito de
não cumprir as ordens ilegais, ilícitas ou contrárias às cláusulas previstas no contrato de
trabalho.”.56
Em suma, a desobediência legítima do trabalhador, em Portugal, pode ser vista como
uma manifestação do direito constitucional de resistência, haja vista corresponder a um meio
50 MEDEIROS, Rui/MIRANDA, Jorge – Constituição Portuguesa Anotada, I, 2ª ed., Coimbra, 2010, p.460 51 ESTEVES, Maria da Assunção Andrade – A Constitucionalização do Direito de Resistência cit., pp. 94 e 160 52 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador, Lisboa, 2008, p.103 53 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo, II,
2ª ed., Pamplona, 2012, p.369 54 Vide: DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho, 15ª ed., São Paulo, 2016, p.1131 55 Entende-se por jus variandi a faculdade do empregador de realizar modificações na prestação laboral conforme
circunstâncias que surjam na realidade fática. Vide: BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho
cit., p.556 56 LEITE, Carlos Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho cit., p.496
24
de defesa de direitos e garantias na medida em que o trabalhador deixa de cumprir determinada
ordem ilegítima violadora desses mesmos direitos ou garantias.
4 Breve histórico normativo
Para uma adequada compreensão do tema da presente dissertação, faz-se necessário
apresentar brevemente as anteriores previsões normativas em Portugal que envolvem o assunto
(mesmo que indiretamente), haja vista a falta de uma definição legal expressa a respeito da
desobediência legítima, bem como em razão da ausência de um rol exaustivo de hipóteses para
sua ocorrência tanto na legislação pretérita quanto na vigente.
Primeiramente, no que tange à subordinação do trabalhador, o Código Civil de 1867
(Código de Seabra)57 no seu artigo 1392º traz a previsão de que o serviçal assalariado se
submete a prestar seu trabalho em conformidade com as ordens e direção da pessoa servida,
sob pena de despedimento. Apresenta-se, portanto uma primitiva ideia de subordinação
jurídica, a qual, nos termos atuais, tornou-se essencial para caracterização de um contrato de
trabalho como tal.
A Lei 1952 de 10 de março de 1937 – a qual aprovou o Regime do Contrato Individual
de Trabalho – trouxe no seu artigo 1º a definição de contrato de trabalho, sendo aquele pelo
qual uma pessoa se obriga a prestar sua atividade profissional a outra mediante retribuição e
sob a autoridade e direção desta. A referência à autoridade e direção alheia corresponde à ideia
de subordinação.58
Com pequenas modificações, o artigo 1º foi reproduzido na LCT de 1969 e também no
artigo 1152º do Código Civil, sendo também mantido no Código do Trabalho de 2003 (artigo
10º). Já no Código do Trabalho de 2009, acrescentou-se ao conceito de contrato de trabalho um
elemento novo – a organização – e, mesmo tendo sido retirada a palavra “direção” da redação
do dispositivo, a subordinação não restou prejudicada.59
Quanto à referência ao dever de obediência do trabalhador, o número 1º do artigo 1383º
do Código de Seabra enunciava que o serviçal devia obediência a seu amo em tudo que não
fosse ilícito, ou que contrariasse as condições de seu contrato. Nota-se, com tal previsão, um
indício do que viria a se tornar o que hoje se conhece como dever de obediência do trabalhador
57 Disponível em: http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Portugues-de-1867.pdf 58 RESENDE, Feliciano Tomás de – Contrato de Trabalho. Legislação anotada, Coimbra, 1970, pp.47 ss. 59 Sobre o tema vide a anotação de Pedro Romano Martinez ao artigo 11º do Código do Trabalho de 2009 em:
MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/
DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado, 10ª ed., Coimbra, 2016, pp.124
ss.
25
e, também, que a obediência do serviçal não era absoluta. Assim, o referido dispositivo
autorizava a desobediência frente a comandos ilícitos ou que contrariassem o contrato.
A Lei 1952 de 10 de março de 1937, no seu artigo 20º, instituía um dever de obediência
do trabalhador, no qual o mesmo deveria cumprir as ordens e instruções da entidade patronal
com exceção daquelas que afrontassem seus direitos e garantias. Salvo pequenas alterações na
redação do dispositivo, o dever de obediência do trabalhador foi repetido nos mesmos moldes
em todos os posteriores diplomas legais.60 Dessa forma, pode-se afirmar que em todas as
versões da legislação trabalhista portuguesa foi admitido o direito do trabalhador de
desobedecer às ordens ou instruções que afrontem seus direitos e garantias – autorizando
expressamente essa modalidade de desobediência.
A abusividade da sanção disciplinar aplicada à desobediência legítima do trabalhador
está prevista desde a LCT de 1937, cuja redação foi repetida em todos os diplomas até o vigente
Código do Trabalho.61 O artigo 32º da LCT já fazia remissão à previsão do dever de obediência,
confirmando a autorização legal do incumprimento a ordens ou instruções que violem direitos
ou garantias do trabalhador.
Conclui-se com a apresentação desse breve histórico normativo que, desde os seus
primórdios, a legislação trabalhista portuguesa alterou os dispositivos que dizem respeito ao
tema da presente dissertação de modo insignificante, mantendo-se o mesmo tratamento
dispensado à desobediência legítima do trabalhador desde 1937.
5 Enquadramento normativo da desobediência legítima
A desobediência legítima do trabalhador não encontra uma definição expressa no
ordenamento jurídico português que a delimite de modo preciso. Porém, no Código do Trabalho
de 2009 encontram-se alguns dispositivos que a preveem e fundamentam.
Por questões meramente didáticas, os artigos aqui referidos serão apresentados em
ordem crescente de numeração, conforme aparecem no Código, sem ter a intenção de se
estipular maior importância entre um ou outro dispositivo.
Primeiramente, há que se discorrer a respeito do já mencionado artigo 11º do Código do
Trabalho, o qual, ao tratar da definição legal do contrato laboral, apresenta elementos
indispensáveis ao desenvolvimento do tema desta dissertação.
60 O artigo 20º da LCT de 1937 corresponde ao artigo 20º da LCT de 1969; ao artigo 121º do Código do Trabalho
de 2003 e ao artigo 128º do Código do Trabalho de 2009. 61 As sanções consideradas abusivas constavam no artigo 32º da LCT de 1937 e da de 1939, foram transpostas ao
artigo 374º no Código do Trabalho de 2003 e, atualmente estão previstas no artigo 331º do Código do Trabalho de
2009.
26
Diferentemente do Código de 2003, a definição de contrato de trabalho do diploma de
2009 afirma que contrato de trabalho é aquele que, em troca de uma retribuição, constitui uma
obrigação de uma pessoa a outra (ou outras) de prestar sua atividade no âmbito de organização
e sob a autoridade destas.
Nota-se, portanto, que o termo “direção” foi substituído pelo elemento organizatório
que no Código de 2003 constava no artigo 12º ao tratar da presunção da existência de contrato
de trabalho.62
Para António Monteiro Fernandes, o referido elemento organizatório constante no artigo
11º significa que no contrato laboral o trabalhador não atua em uma organização que lhe seja
própria, mas sim em uma organização alheia, em proveito de outrem.63
De acordo com Bernardo da Gama Lobo Xavier, o termo “autoridade” contém o
essencial da ideia de direção.64 Dessa forma, mesmo que a palavra direção tenha sido suprimida
da nova redação legal, implicitamente o contrato de trabalho continua sendo aquele prestado
sob a direção alheia.
Da redação trazida pelo Código do Trabalho de 2009, extrai-se que o trabalhador, ao
prestar sua atividade, está sujeito à autoridade da entidade empregadora, no âmbito da
organização desta. Portanto, da noção legal de contrato de trabalho emerge o seu elemento
“subordinação jurídica”, o qual reflete a posição de desigualdade ocupada pelas suas partes: de
um lado está o trabalhador dependente e inserido numa organização que não é sua; de outro, o
empregador que ocupa uma posição de domínio, consequência de ser titular dos poderes
diretivo e disciplinar da relação laboral.65
Assim, o artigo 11º reveste-se de importância para o presente tema pois trata da
subordinação jurídica, elemento essencial ao contrato de trabalho, que vinculará o trabalhador
a um dever de obediência para com o seu empregador.
Dando sequência à exposição normativa, há que se fazer referência à alínea “e” do
número 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, a qual estipula o dever de obediência do
trabalhador. A referida alínea faz uma ressalva no dever do trabalhador de cumprir as ordens e
instruções do empregador no que dizem respeito à execução ou disciplina e também no que
62 Artigo 12º do Código do Trabalho de 2003 (Redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março) – Presume-se
que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura
organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste,
mediante retribuição.” 63 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124 64 Ainda, de acordo com o autor, a mudança na redação do dispositivo referido apresenta importância dogmática,
mas não se verifica uma alteração na prática. XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho
cit., pp. 305 ss. 65 Sobre o tema, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 32 ss.
27
tangem à segurança e saúde no trabalho. Tal ressalva se trata do não cumprimento (por parte
do trabalhador) de ordens e instruções que sejam contrárias aos seus direitos e garantias.
Desse modo, pode-se extrair do mencionado dispositivo legal que o não cumprimento
do dever de obediência, quando a ordem ou instrução fere os direitos e garantias do trabalhador,
é legítimo.
Assim, a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º limita os poderes da entidade empregadora e
a subordinação do trabalhador, admitindo a possibilidade de uma desobediência legítima.66
Ainda, o artigo 128º traz uma segunda referência ao dever de obediência no seu nº 2.
Tal número é importante no que tange à desobediência, uma vez que define os sujeitos
emissores de ordens que o trabalhador deve cumprir. Estabelece, portanto, que as ordens e
instruções a serem obedecidas podem ser provenientes tanto do empregador quanto de superior
hierárquico do trabalhador (este último dentro dos poderes que aquele lhe atribuiu).
No tocante à matéria de segurança e saúde no trabalho, o dever de obediência do
trabalhador está previsto no nº 7 do artigo 281º do Código do Trabalho, o qual dispõe que este
deve cumprir as prescrições a respeito dessa matéria estabelecidas em lei ou em instrumento
coletivo e, inclusive, as determinadas pelo empregador. Dessa forma, pode-se afirmar que o
trabalhador deve obediência às ordens e instruções emitidas pela entidade empregadora que
tratem sobre segurança e saúde no âmbito laboral.
Uma vez que a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º já enuncia o dever de obediência às
ordens e instruções que tratem de segurança e saúde no trabalho (prevendo inclusive o seu
descumprimento por parte do trabalhador quando as mesmas forem contrárias a seus direitos
ou garantias) pode-se afirmar que o foco do nº 7 do artigo 281º não se trata do dever de
obediência em si, mas diz respeito à observância de todas as regras e normas sobre segurança e
saúde do trabalhador tendo em vista a prevenção de riscos.
Outro dispositivo relevante para o tema é a alínea “b” do nº 1 do artigo 331º do Código
do Trabalho, segundo a qual se considera abusiva a sanção disciplinar motivada pelo
incumprimento do trabalhador a uma ordem que não deva obediência. Logo, a mencionada
alínea prevê de modo expresso que a desobediência, quando legítima, não só não pode ser
sancionada, como que, em caso de ocorrência de sanção disciplinar, esta deve ser considerada
abusiva.
Além do caráter abusivo da sanção aplicada à desobediência legítima, o citado
dispositivo (na parte final da alínea) faz uma remissão ao artigo 128º, no seu nº 1 alínea “e” e
66 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124
28
nº 2, a qual sinaliza duas hipóteses de autorização legislativa da recusa do trabalhador ao
cumprimento de ordens e instruções do empregador. A primeira delas é quando o comando
proferido for contrário aos direitos e garantias do trabalhador, e a segunda trata da hipótese de
emissão de diretriz por sujeito incompetente.
Essa referência indica que a análise da legitimidade da desobediência deve ter em conta
os parâmetros estabelecidos para o dever de obediência, ou seja, o trabalhador só está vinculado
a obedecer às ordens ou instruções que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias e
também que sejam provenientes dos sujeitos com poderes para serem os emitentes de tais
comandos.
Conclui-se, com a leitura da alínea “b” do nº 1 do artigo 331º, que a prática da
desobediência legítima pelo trabalhador está prevista na legislação trabalhista portuguesa,
apesar de não estar explicitamente definida.
Cumpre ainda fazer referência ao artigo 394º (nº 2, alínea “c”) do Código do Trabalho,
o qual faculta ao trabalhador resolver o seu contrato laboral em virtude da aplicação de sanção
abusiva pelo empregador. Logo, eventual punição a um comportamento que se caracterize como
desobediência legítima constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho, dada a
abusividade da sanção imposta.
Por último, resta fazer menção à alínea “a” do nº 2 do artigo 351º do Código do
Trabalho, a qual enuncia que constitui justa causa de despedimento a desobediência ilegítima
do trabalhador a ordens proferidas por seus superiores hierárquicos. O fato de o Código do
Trabalho enunciar de modo expresso a palavra “ilegítima” autoriza a conclusão de que nem
toda desobediência assim o é, e, portanto, quando a desobediência for legítima, não constitui
justa causa de despedimento.
Por caracterizar uma infração disciplinar (podendo acarretar inclusive uma justa causa
de despedimento), a desobediência ilegítima possui o caráter de ato ilícito, uma vez que ocorre
uma violação de um dever de obediência exigível, ao contrário do que ocorre ne desobediência
legítima.
Vale destacar que não são apenas os artigos mencionados nesse tópico que são
relevantes para a delimitação de situações de desobediência legítima, porém, pode-se afirmar
que os dispositivos abordados acima ditam os contornos básicos da mesma.
29
PARTE II – A EMISSÃO DE ORDENS E INSTRUÇÕES
1 A subordinação jurídica do trabalhador
O termo subordinação (oriundo do latim subordinatio – o qual significa submissão,
sujeição) revela uma condição imposta a alguém, implicando numa situação de dependência
em relação a outras pessoas, as quais terão autoridade para emitir ordens que deverão ser
cumpridas pelo sujeito que se encontra naquela condição.67
Conforme referido anteriormente no presente trabalho, costumeiramente a legislação
portuguesa ao conceituar o contrato de trabalho dispunha que este era o contrato no qual uma
pessoa se obriga a prestar a sua atividade sob autoridade e direção de outra.
Tradicionalmente, a doutrina relacionava os elementos (daquela definição legal)
“autoridade” e “direção” à subordinação. No entanto, no atual Código do Trabalho, o termo
“direção” foi suprimido, deixando a subordinação do trabalhador de ser referenciada apenas
pelos dois citados elementos, aludindo-se a um elemento novo – a organização.68
Sem adentrar no mérito da questão da nova redação, há que se reconhecer que a
subordinação jurídica é elemento essencial do contrato de trabalho e sua existência não é
questionada, apesar da supressão do termo “direção” do artigo 11º.
A desigualdade entre as partes no contrato de trabalho (onde o trabalhador possui uma
dependência do empregador e este exerce uma posição de domínio sobre aquele) relaciona-se
intimamente com o elemento subordinação jurídica.69 Dessa forma, do lado ativo há a conduta
orientadora e com poder de comando do empregador, enquanto do lado passivo encontra-se o
comportamento de conformidade do trabalhador com a execução da prestação nos termos
ditados por aquele.70
O ponto essencial para diferenciar um contrato de trabalho de outras figuras
(notadamente do contrato de prestação de serviços) reside no elemento subordinação jurídica,
o qual consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador
na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro
dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.”.71
67 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico cit., p.1329 68 Vide anotação de Pedro Romano Martinez ao artigo 11º do CT em: MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO,
Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves
da – Código do Trabalho Anotado cit., p.124 69 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.32 70 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.70 71 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121
30
Logo, a subordinação jurídica se trata do “elemento distintivo fundamental do contrato
de trabalho”, uma vez que se pode afirmar a existência de um contrato de trabalho quando a
atividade do trabalhador for desenvolvida com sujeição à autoridade e aos poderes do
empregador. 72
Dessa forma, a subordinação jurídica é decorrente basicamente do poder de direção do
empregador, ao qual é correlato o dever de obediência do trabalhador.73 Assim sendo, a
subordinação jurídica assume pertinência temática com a desobediência legítima do
trabalhador, restando impossibilitada a análise desta figura sem aquela.
Afirmar que a subordinação jurídica está intrinsicamente relacionada ao poder de
direção do empregador não é o mesmo que dizer que aquela pode ser verificada com o mero
cumprimento de diretrizes ou instruções por parte do trabalhador, posto que tal fato também
pode ser existente no contrato de prestação de serviços (tendo em vista assegurar neste a
obtenção do resultado e a qualidade no serviço prestado).74
Outro indicativo de que subordinação jurídica do trabalhador não se restringe ao mero
cumprimento de ordens é o fato de que estas não são necessárias para a existência daquela, pois,
por vezes, o trabalhador sequer recebe diretrizes e instruções diretamente do empregador.
Diante disso, António Monteiro Fernandes afirma que a subordinação jurídica é um
estado potencial, haja vista não ser necessário que a dependência fique explícita em atos de
direção efetiva.75 Do mesmo modo entende o Tribunal da Relação de Évora, ao afirmar que a
subordinação jurídica pode ser verificada com “a mera possibilidade de existência de ordens,
ou seja, de direção da atividade do trabalhador pelo empregador ainda que só no tocante ao
lugar e/ou ao momento da prestação dessa atividade.”.76
A subordinação jurídica, portanto, vai além do cumprimento de ordens e a verificação
de sua existência na prática é, por muitas vezes, tormentosa. Para auxiliar nessa árdua tarefa é
que foi estabelecido pelo artigo 12º do Código do Trabalho um critério técnico-jurídico, criado
72 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no
novo Código do Trabalho – Breves notas, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de
Almeida, III, Coimbra, 2011, 561- 580, p.565 73 Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt 74 Ac. STJ de 09/09/2015, (Nº 3292/13.1TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. Também, no acórdão de nº
329/08.0TTFAR.E1.S1, o STJ afirma que quem encomenda um serviço não pode ficar impedido de emitir
instruções a respeito das intenções com o mesmo e do modo como pretende ver realizado. Em: Ac. STJ de
15/09/2016, (Nº 329/08.0TTFAR.E1.S1), www.dgsi.pt. 75 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121 76 Ac. REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt. Do mesmo modo entende Júlio Manuel Vieira
Gomes, o qual afirma que a mera possibilidade de exercício do poder de direção é suficiente para a subordinação
jurídica. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 121
31
pela jurisprudência, chamado de “método indiciário”, por meio do qual se presume a existência
de um contrato de trabalho por meio de “índices de subordinação”.77
Através da Lei 63/2013, o legislador buscou instituir mecanismos de combate a
situações de trabalho subordinado com aparência de contrato de prestação de serviços, haja
vista que a utilização indevida desta última figura demonstra uma precariedade nas relações
laborais, privando o trabalhador de uma série de direitos.
Apesar da dificuldade que eventualmente possa se apresentar quanto à existência da
subordinação em determinados contratos de trabalho, para o desenvolvimento da presente
dissertação, parte-se da premissa que a mesma não é questionada, ou seja, ela existe nas
situações hipotéticas em discussão. Em outras palavras, as situações se encaixam no critério de
presunção de contrato de trabalho através dos índices de subordinação estabelecidos pelo artigo
12º do Código do Trabalho. Isso decorre especialmente do fato de que, se não há subordinação
jurídica, não existe o dever de obediência, logo não se poderia falar em desobediência.
1.1 A essencialidade da subordinação jurídica no contrato de trabalho
Não se pode afirmar a existência de um contrato de trabalho se a atividade prestada não
for realizada de modo subordinado. Assim, no âmbito do contrato de trabalho é imprescindível
que exista uma subordinação jurídica.78
A essencialidade da subordinação jurídica como “elemento integrador do contrato de
trabalho” não é exclusividade do ordenamento jurídico português, mas também encontra
validade nos sistemas estrangeiros.79
A subordinação está prevista como elemento essencial do contrato de trabalho no nº 1,
do “articulo 23” do “Codigo Sustantivo del Trabajo” colombiano, juntamente com a prestação
da atividade e o salário. Esses três elementos são requisitos para a existência do contrato laboral
em tal ordenamento jurídico. 80
77 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.98. O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009,
modificou substancialmente a redação trazida pelo Código de 2003. De acordo com o Tribunal da Relação de
Évora: “Se é verdade que o estabelecimento daquela primeira presunção legal de laboralidade, em termos
práticos, em nada beneficiava o trabalhador uma vez que a mesma apenas se verificaria se este alegasse e,
posteriormente, lograsse demonstrar estar na dependência e inserido em estrutura organizativa do beneficiário
da atividade e realizar a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização do empregador, mediante o
percebimento de uma retribuição, já com a estipulação desta última presunção, bastará ao trabalhador alegar e
demonstrar que, na relação existente entre si e o empregador se verificam algumas, pelo menos duas, das
apontadas características, para que compita a este o ónus da elisão dessa presunção de laboralidade.”. Em: Ac.
REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt 78 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho, 7ª ed., Coimbra, 2015, p.151 79 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.152 80 Codigo Sustantivo del Trabajo disponível em:
http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/codigo_sustantivo_trabajo.html
32
Do mesmo modo afirmam os autores brasileiros Orlando Gomes e Elson Gottschalk:
“Para haver contrato de trabalho basta que aquele que presta o serviço seja um trabalhador
juridicamente subordinado, que seu trabalho seja dirigido. ”.81
A jurisprudência portuguesa também entende que a existência da subordinação jurídica
é que caracterizará um contrato de trabalho como tal, traduzida no fato de o trabalhador prestar
sua atividade sob a autoridade do empregador.82
Tamanha é a importância da subordinação jurídica que é a situação de trabalho
subordinado que delimita a área de atuação do próprio Direito do Trabalho e caracteriza um
contrato cuja prestação é subordinada como sendo um contrato de trabalho.83
É a dependência jurídica do prestador da atividade para com o empregador que irá
diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços84, sendo este livre da
subordinação e revelando importância no resultado da atividade.85 Ainda a respeito do resultado
da atividade prestada, cumpre mencionar que este está fora do âmbito do contrato de trabalho,
não sendo o trabalhador responsabilizado pela não obtenção de tal resultado (salvo algumas
específicas exceções).86
Portanto, pode-se afirmar que a subordinação jurídica constitui um critério diferenciador
do relacionamento entre as partes nos referidos contratos, traduzindo-se (de acordo com o
acórdão do STJ de nº3292/13.1TTLSB.L1.S1): “no poder de autoridade e direcção do
empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das
normas que o regem.”.87
Sem a subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho, não há o que se
falar em sujeição do trabalhador à observância de ordens e instruções emitidas pela entidade
empregadora. Consequentemente, sem a subordinação não haveria a exigibilidade de um dever
81 GOMES, Orlando /GOTTSCHALK, Elson – Curso de direito do trabalho, 17ª ed., Rio de Janeiro, 2006, p.134 82 Ac. REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt 83 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.113 84 O contrato de prestação de serviços encontra-se previsto no artigo 1154º do Código Civil, o qual enuncia:
“Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo
resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”. 85 Conforme: Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt. 86 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.114 87 Ac. STJ de 09/09/2015, (Nº 3292/13.1TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. Ainda, segundo o referido acórdão a
dissemelhança entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços reside em dois elementos, o
primeiro seria o objeto do contrato, onde naquele se trata da prestação da atividade do trabalhador e neste na
obtenção do resultado da prestação; e o segundo elemento seria justamente o relacionamento entre as partes
contratantes, onde no contrato de trabalho haveria a subordinação jurídica e no contrato de prestação de serviços
haveria autonomia destituída de tal subordinação.
33
de obediência, motivo pelo qual esse elemento essencial do contrato laboral é de suma
importância para que se possa falar em desobediência.
2 Poder de direção do empregador
O empregador ocupa no contrato de trabalho uma posição de supremacia, a qual se
concretiza com a atribuição de poderes a ele, os quais serão exercidos frente aos trabalhadores.88
A atribuição de poderes ao empregador mantém relação com a autoridade deste enquanto
organizador da atividade, conforme estabelece o artigo 11º do Código do Trabalho.89
Tradicionalmente, os poderes do empregador são divididos em três: poder de direção, poder
disciplinar e poder regulamentar.90
A prestação da atividade objeto do contrato de trabalho reveste-se de relativa
indeterminação. Assim, cabe à entidade empregadora coordenar tal atividade do trabalhador
tendo em vista a obtenção da finalidade produtiva.91 Dessa forma, o empregador especifica a
atividade a ser prestada, tanto em abstrato (através do poder regulamentar), como em concreto
(emitindo ordens, baseadas em seu poder diretivo) e, ainda, fiscaliza e sanciona eventuais
desvios (haja vista lhe ser concedido poder disciplinar para tal).92 Logo, os poderes concedidos
ao empregador relacionam-se com o fato de o mesmo ter de gerir a atividade laboral para que
se obtenha o resultado pretendido com a organização.
Os poderes do empregador previstos no Código do Trabalho devem ser compreendidos
levando-se em conta os princípios constitucionais que os embasam, uma vez que estes
possibilitam ao empregador a liberdade de gestão de sua empresa (visando garantir, assim, o
seu funcionamento) modelando a atividade do trabalhador através de ordens e instruções.93
Dessa maneira, assumem especial relevância os artigos 80º alínea “c” e 86º nº 2 da
Constituição da República Portuguesa, os quais garantem a liberdade de gestão do empregador.
Ainda, há que se fazer referência ao nº 3 do artigo 82º, que garante ao setor produtivo privado
a propriedade ou gestão de seus meios de produção, e ao artigo 61º, nº 1, o qual consagra a
liberdade de exercício da iniciativa privada nos moldes constitucionais, legais e de interesse
geral.
88 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.357 89 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.238 90 “Tradicionalmente” porque essa divisão comporta variações, como, por exemplo, o não reconhecimento do
poder regulamentar como um poder autônomo. 91 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.312 92 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.309 93 DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador cit., pp.399 s.
34
Quanto ao último dispositivo mencionado, o qual faz referência à liberdade de empresa,
é relevante esclarecer que tal princípio vai além da criação da organização produtiva pelo
empresário, englobando o poder do empregador de “estabelecer a sua organização e, bem
assim, de lhe introduzir as modificações que lhe forem consideradas adequadas”.94 Portanto,
o poder de direção concedido ao empregador pela legislação ordinária se assenta no referido
princípio.
Ainda no que tange aos princípios que embasam o poder de direção do empregador,
merece destaque o princípio geral da salvaguarda dos interesses de gestão95, o qual se trata de
um conjunto de regras que visa a tutelar a subsistência do próprio vinculo laboral, fazendo
prevalecer os interesses do empregador no contrato. Do referido princípio decorrem projeções
(ao nível de lei), sendo que, as emanações que se referem à prevalência dos interesses do
empregador nas modificações de tempo e local de trabalho, envolvem intrinsicamente o poder
diretivo da entidade empregadora.96
O poder diretivo do empregador encontra previsão legal no artigo 97º do Código do
Trabalho. Conforme enuncia o citado preceito legal, o poder de direção do empregador é aquele
pelo qual compete a este estabelecer os termos em que a atividade laboral será prestada. Dessa
forma, o empregador emitirá diretrizes ao trabalhador. Ainda de acordo com o referido
dispositivo, os termos estabelecidos serão limitados pelo próprio contrato de trabalho e pelas
normas que o regem.
Assim, pode-se afirmar que o poder de direção é um poder de comando sobre os
trabalhadores e de ordenação das prestações de trabalho.97 Ou, ainda: “um poder de adequação
da conduta do trabalhador no cumprimento da prestação do trabalho e dos deveres inerentes
às necessidades do credor.”.98
De acordo com Bernardo da Gama Lobo Xavier, o poder diretivo desdobra-se em poder
determinativo da função, o qual designa a faculdade do empregador de atribuir a função ao
trabalhador (nos moldes do artigo 118º, nº 1, do CT), e poder conformativo da prestação – sendo
a faculdade da entidade empregadora de dar ordens e instruções visando à concretização da
94 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.93 95 Apontado por Maria do Rosário Palma Ramalho como uma das vertentes do “princípio da compensação da
posição debitória complexa das partes no contrato de trabalho” em contraponto ao princípio da proteção do
trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp.534 ss. 96 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.543 97 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.26 98 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.721
35
prestação e a sua adequação aos fins empresariais (ou seja, estabelecer os termos da prestação,
conforme enuncia o artigo 97º).99
É nesse último desdobramento mencionado que reside a importância do poder de
direção para o tema da desobediência. Esse conteúdo de conformação da atividade laboral do
poder diretivo encontrará, como correlativo na esfera do trabalhador, o dever de obediência
(nos moldes do artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT).100
É recorrente na doutrina a questão da natureza jurídica do poder diretivo. As
divergências começam na definição se este se trata, ou não, de um direito subjetivo e, em caso
afirmativo, se esse direito subjetivo seria um direito potestativo ou um direito subjetivo em
sentido estrito.101 O enquadramento da natureza jurídica que mais se adequa ao presente
trabalho é no sentido de que o poder de direção se traduz em um direito potestativo, na medida
em que o empregador emite comandos unilaterais, os quais correspondem a um estado de
sujeição do trabalhador (revelado através do dever de obediência).
Assim como a natureza jurídica do poder diretivo, a justificação deste também comporta
variações de entendimentos. Para Maria do Rosário Palma Ramalho, não obstante as demais
variações, o poder diretivo é justificado fundamentalmente pela conjugação de dois
argumentos: o conteúdo relativamente indeterminado da prestação laboral (diante do qual o
empregador terá que especificar e adequar a conduta do trabalhador) e a necessidade de
coordenação da prestação laboral frente a dos demais trabalhadores e em consonância com as
exigências da organização.102
No sistema juslaboral brasileiro, a direção, pelo empregador, da prestação da atividade
está prevista no caput do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas.103 Conforme
enunciado em tal dispositivo, o poder de proferir as ordens de comando no exercício da
atividade laboral justifica-se em razão de que o empregador assume os riscos da atividade
econômica. Portanto, do ponto de vista do direito trabalhista brasileiro, o poder de dirigir a
organização (e assim ditar os moldes de concretização da atividade laboral) concentra-se na
mão do empregador sob a justificativa de que este é o possuidor do controle jurídico da empresa
99 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., pp.447 s. 100 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.239. Cumpre mencionar que embora se
concorde com o autor na afirmação de que o poder de direção encontra como correlato um dever de obediência,
entende-se que o dever de obediência não se limita a esse poder, englobando também os comandos emitidos em
razão do poder disciplinar e das diretrizes genéricas previstas no regulamento de empresa. 101 ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador cit., p.58 102 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.730 103 Artigo 2º - “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. ”
36
e, também, em decorrência do fato de que recai sobre o mesmo o princípio da assunção dos
riscos da atividade.104
Feito esse pequeno adendo a respeito da legislação brasileira, conclui-se que ao
empregador é conferida a faculdade de ditar os moldes da execução da atividade prestada
(através do poder de direção), uma vez que o mesmo estabelece a organização produtiva,
assumindo eventuais riscos econômicos oriundos desta, e, que é, em decorrência da sua
adequada gestão, que a mesma subsistirá e com ela os próprios contratos de trabalho. Assim,
confere-se ao empregador o poder de direção com a finalidade de assegurar a boa execução do
trabalho e, em virtude disso, a normalidade na condução da atividade empresarial.105
2.1 Sujeitos do poder de direção
Por mais óbvio que pareça o assunto do presente tópico, é necessário pormenorizar
algumas situações envolvendo os possíveis sujeitos do poder de direção, especialmente no
tocante ao sujeito ativo, por questões de determinação da legitimidade da ordem ou instrução
proferida.
Primeiramente, é mister distinguir a titularidade e o exercício do poder de direção. O
artigo 97º do Código do Trabalho institui a competência para estabelecer os termos em que o
trabalho será desenvolvido ao empregador.106 Dessa forma, o aludido dispositivo normativo,
juntamente com o artigo 11º do Código do Trabalho (na medida em que se refere à autoridade),
atribuem a titularidade do poder de direção ao empregador.107 Essa regra, porém, não é absoluta,
conforme será indicado no desenrolar deste tópico.
António Menezes Cordeiro ressalta que o verdadeiro empregador, titular do poder de
direção, é a entidade credora do trabalho, mesmo que o exercício de tal poder nas pessoas
coletivas seja realizado por pessoas singulares, as quais, muitas vezes, também trabalham para
aquela entidade.108
O exercício do poder diretivo por outros trabalhadores vem regulado pelo nº 2 do artigo
128º do Código do Trabalho. De acordo com indigitada norma, o trabalhador deve obediência
104 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., p.734 105 ALMEIDA, Fernando Jorge Coutinho de – Os poderes da entidade patronal no direito português, RDE, 1977,
301-336, p.305 106 Entende-se por empregador “a pessoa individual ou coletiva que, por contrato, adquire o poder de dispor da
força de trabalho de outrem, no âmbito de uma empresa ou não, mediante o pagamento de uma retribuição.”.
Em: FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.120 107 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.726 108 É o caso, por exemplo, dos gestores ou diretores. Em: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de
Direito do Trabalho cit., p.116. Para um aprofundamento nesta questão, vide: XAVIER, Bernardo da Gama Lobo
– Procedimentos laborais na empresa. Ensinar e investigar, Lisboa, 2009, pp.121 ss.
37
tanto às ordens e instruções que provierem do empregador, quanto às que sejam emanadas de
eventual superior hierárquico seu, quando a entidade empregadora atribuir a este último
poderes para tal.
Assim, em virtude do fato de que com frequência as empresas apresentam uma estrutura
hierarquizada, o sujeito que irá exercer o poder de direção poderá ser algum trabalhador que
ocupe uma posição cimeira na empresa.109 O que ocorre nessas situações é que o empregador
não exerce de modo pessoal sua autoridade e direção na empresa, delegando a trabalhadores a
competência de determinar os termos da prestação laboral.110
Desse modo, pode-se afirmar que uma ordem emitida por superiores hierárquicos do
trabalhador, com poderes para tal, será legítima quanto ao seu sujeito, haja vista a norma laboral
ter instituído a competência de exercício do poder de direção também para essas pessoas.
Ainda, outras situações que dizem respeito à titularidade e ao exercício de possíveis
sujeitos ativos do poder de direção, omissas no artigo 97º, mas emanadas de outros artigos do
Código do Trabalho, são: a do cessionário durante a cedência ocasional e do utilizador no
trabalho temporário.
Quanto ao cessionário, o artigo 288º do diploma laboral expressamente indica que
durante a cedência ocasional do trabalhador o exercício do poder diretivo fica a seu cargo.
Também, o nº 1 do artigo 291º confirma a sujeição do trabalhador ao regime de trabalho
aplicável ao cessionário. Dessa forma, o que ocorre na cedência ocasional é um desdobramento
da posição de poder do empregador mediante o exercício do poder diretivo pelo cessionário
enquanto perdurar a cedência.111
Já na situação do trabalho temporário, além do exercício, a titularidade do poder diretivo
é atribuída ao utilizador do trabalho temporário112, e não à empresa de trabalho temporário (que
é a empregadora).113 Assim, a questão da titularidade do poder de direção no trabalho
temporário apresenta-se como uma exceção à regra estipulada pelo artigo 97º do Código
laboral, na qual a titularidade do mesmo compete ao empregador.
109 Com base em: MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.155 110 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.364. Essa situação o autor chama de
“fenômeno do empregador sem face”, tendo em vista que o trabalhador acaba mantendo uma relação pessoal
apenas com os seus superiores hierárquicos, os quais são igualmente trabalhadores. 111 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 727 e 819 112 Vide artigo 185º, nº 2 do Código do Trabalho. 113 Maria do Rosário Palma Ramalho explica que a atribuição da titularidade do poder diretivo ao utilizador do
trabalho temporário ocorre em virtude da natureza das coisas (e não pela delegação de poderes), haja vista que a
empresa de trabalho temporário não pode “direccionar o trabalhador no desempenho de uma actividade que não
constitui o objecto de negócio da própria empresa.”. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de
Direito do Trabalho cit., II, pp.726 e 336
38
Uma vez que a legislação trabalhista expressamente determina quem poderá exercer o
poder diretivo, eventual ordem proferida por sujeitos que não se enquadrem nas hipóteses
previstas, deverá ser considerada ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador a sua observância.
No tocante ao sujeito passivo do poder de direção (aquele que recebe a ordem ou
instrução), importa mencionar que o trabalhador pode ser individualmente considerado ou de
modo coletivo. Nas empresas com maior número de funcionários as ordens ou instruções são
geralmente expedidas a uma coletividade de trabalhadores, uma vez que as ações da entidade
empregadora devem ser coerentes para que se obtenha alguma finalidade específica.
Ainda no que diz respeito ao sujeito passivo do poder de direção, importa mencionar
que, considerando que compete ao empregador determinar o modo como a atividade laboral irá
se desenvolver, ele poderá, a princípio, dirigir tecnicamente a prestação do trabalhador.114
Porém, tendo em vista que determinados trabalhadores possuem uma autonomia técnica
inerente à atividade que prestam, a sujeição ao poder de direção do empregador não prejudicará
aquela, conforme enuncia o artigo 116º do Código do Trabalho. Portanto, trabalhadores dotados
de autonomia técnica também são sujeitos passivos do poder de direção da entidade
empregadora, mas a diferença entre eles e os demais trabalhadores residirá na abrangência do
exercício de tal poder, que não emitirá ordens ou instruções técnicas que prejudiquem a
autonomia na execução da atividade.
2.2 O poder de direção e a emissão de ordens e instruções
A ideia de “ordem” sugere a existência de uma autoridade ou direito de proferi-la,
enquanto a ideia de “obediência” é a deferência diante da referida autoridade.115 Na seara
laboral, essa emissão de comandos cabe ao empregador em decorrência da autoridade que lhe
é conferida nos termos do artigo 11º do Código do Trabalho, e a deferência às ordens emanadas
é exercida pelo trabalhador em razão do seu dever de obediência, nos moldes do artigo 128º do
citado diploma.
O artigo 128º do CT, ao afirmar que o trabalhador deve cumprir as ordens e instruções
respeitantes a execução e disciplina no trabalho, englobou de modo genérico (além dos
comandos proferidos em razão do poder de direção) as diretrizes decorrentes do poder
disciplinar do empregador (na sua faceta prescritiva) e as regras abstratas constantes no
regulamento de empresa. Por opção didática, refere-se nesse tópico apenas às ordens e
114 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.239 115 HART, H.L.A. – O conceito de Direito, São Paulo, 2009, p.25
39
instruções proferidas em razão do poder de direção do empregador, sendo as demais tratadas
nos itens relativos aos correspondentes poderes.
As ordens e instruções correspondem aos meios pelos quais a entidade empregadora irá
exercer o seu poder diretivo, concretizando a atividade laboral. Em decorrência do poder de
direção da entidade empregadora é que é cabível a esta determinar de modo concreto “como,
onde, quando e de que modo” o trabalho deverá ser prestado. Assim, o empregador possui
autoridade para emitir ordens e instruções voltadas ao trabalhador visando a definir
concretamente a atividade laboral.116
Segundo os ensinamentos de Bernardo da Gama Lobo Xavier, o poder diretivo é o
“instrumento adequado que resolve a relativa indeterminação da prestação laborativa,
imposta pela natureza das necessidades a que na empresa se quis atender, contratando. ”.117
O trabalho, portanto, por implicar em uma atividade indeterminada à partida, à medida que se
desenvolve vai sendo concretizado através de ordens e instruções da entidade empregadora.
Isso decorre do fato de que o trabalho subordinado consiste em uma atividade
heterodeterminada, cujo conteúdo preciso vai sendo fixado no decorrer do contrato
unilateralmente pelo empregador (ainda que dentro de certos limites).118
O poder diretivo, visa, portanto, a especificar a obrigação do trabalhador, em razão da
natureza indeterminada da atividade laboral, a qual não pode permanecer somente num plano
genérico e indeterminado.119 Contudo, uma vez que o poder diretivo se reconduz a uma
faculdade de emissão de ordens e instruções, não se exige a sua efetividade para a caracterização
da sua existência, bastando a mera possibilidade dessa emissão.120
Em relação à forma das ordens e instruções, cumpre mencionar que o trabalhador não
pode condicionar o seu cumprimento à observância da forma escrita, sob pena de violar o seu
dever de obediência, caracterizando uma infração disciplinar.121
116 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática,
Coimbra, 2014, p.174 117 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.311 118 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.16 119 ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador cit., p.34 120 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.721 121 Vide exemplificativamente: Ac. STJ de 25/01/2012, (Nº666/04.2TTVFR.P1.S1), www.dgsi.pt. O trabalhador
somente poderá fazer a exigência da forma escrita caso prevista entre as partes como direito seu, como, por
exemplo, em um acordo coletivo. No tocante a esse assunto, vide: Ac. STJ de 02/12/2004, (Nº04S2047/JSTJ000),
www.dgsi.pt
40
Quanto ao modo de manifestação do poder de direção, este poderá se dar através de
ordens ou instruções individualizadas a cada trabalhador122 ou de diretrizes genéricas voltadas
a um grupo, categoria, setor da empresa ou a todos os trabalhadores da mesma.123 Ainda, o
empregador poderá exercer seu poder de direção por meio da emissão de “ordens ou
comunicações de serviço”, as quais se tratam de circulares com instruções concretas em
determinado assunto, objetivando solucionar problemas pontuais.124
O fato de o empregador poder emitir comandos genéricos, voltados a uma coletividade
de trabalhadores, não interfere na vinculação dos mesmos, sendo exigível ao trabalhador o
dever de obediência. Em outras palavras, as diretrizes ao trabalhador não necessitam ser diretas
e pessoais para que eventual incumprimento se caracterize como uma desobediência.
Diante do exposto, resta evidente a possibilidade de o empregador dar ordens ou
instruções durante o contrato de trabalho como resultado do seu poder de direção, as quais, caso
sejam violadas, acarretam um comportamento desobediente do trabalhador. Porém, para que se
possa distinguir se uma desobediência é ilegítima ou legítima é necessária a análise da ordem
ou instrução emitida que acarretou tal comportamento do trabalhador. Dessa forma, faz-se
imperativa a apreciação da legitimidade dos comandos emitidos pelo empregador. Tal exame é
o que se passa a realizar no tópico abaixo.
2.3 A legitimidade das ordens e instruções emitidas
A legitimidade dos comandos emitidos pelo empregador está intrinsicamente
relacionada com o dever de obediência a estes pelo trabalhador, uma vez que somente será
exigível ao prestador da atividade o cumprimento de ordens ou instruções legítimas. Diante de
uma diretriz ilegítima ou ilegal, “cessa o dever de obediência do trabalhador, não sendo este
responsável pelo seu não cumprimento. ”.125
A legitimidade de alguma ordem relaciona-se com a obediência inclusive fora da seara
trabalhista – é o caso, por exemplo, do crime de desobediência (previsto no artigo 348º, alínea
“b” do Código Penal). Para a configuração do crime de desobediência, impõe-se a não
observância de uma ordem legítima.
122 Através das ordens individualizadas o empregador irá ordenar em concreto um comportamento específico a um
trabalhador determinado. Vide: MOLERO MANGLANO, Carlos – Manual de Derecho del Trabajo, 12ª ed.,
Valencia, 2012, p.445 123 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.727 e RAMALHO, Maria
do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.464 124 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.636 125 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62
41
Cumpre definir, portanto, o que seriam ordens ou instruções legítimas. Conforme
previamente mencionado, o adjetivo “legítimo” indica uma situação de conformidade com o
direito, uma adequação aos moldes legais. Portanto, uma ordem ou instrução será legítima
quando obedecer aos requisitos legais impostos para a sua emissão.
Como a legitimidade confere uma autorização do ordenamento jurídico, uma ordem ou
instrução legítima será permitida por obedecer aos padrões impostos por esse mesmo
ordenamento. Para serem considerados legítimos, os comandos do empregador deverão
observar além das normas legais, os princípios jurídicos e os usos e costumes profissionais.126
A entidade empregadora, ao proferir ordens ou instruções, também fica adstrita a
observar os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, nos termos do artigo 1º do
CT. Extrai-se do referido dispositivo, que tais instrumentos constituem fontes laborais
específicas, razão pela qual vinculam o empregador.127
O artigo 331º (nº 1, alínea “b”) e sua remissão a duas disposições do artigo 128º (nº 1,
alínea “e” e nº 2), uma vez que define a exigibilidade do dever de obediência, permite a
afirmação de que a legitimidade das diretrizes do empregador pode ser aferida em dois aspectos:
quanto aos sujeitos emitentes e quanto ao conteúdo do comando.
Quanto à legitimidade em razão dos sujeitos emitentes das ordens ou instruções, pode-
se afirmar que um comando só será legítimo se emanado de uma autoridade competente e
regular.128 Essa autoridade competente para produzir diretrizes ao trabalhador, poderá ser o
empregador ou o superior hierárquico com poderes para tal (conforme enuncia o nº 2 do artigo
128º). Ainda, especificamente no caso de ordens produzidas em razão do poder de direção, a
autoridade competente também poderá ser o utilizador no trabalho temporário ou o cessionário
na cedência ocasional.129 Uma ordem emitida por quem não tenha poderes para tal, além de ser
ilegítima, é de fato inexistente, pois o que há é uma “aparência de ordem”.130
No tocante ao aspecto material da legitimidade dos comandos do empregador, o
conteúdo das ordens ou instruções é sujeito a uma série de limites. Quanto às diretrizes
126 DIEGUEZ CUERVO, Gonzalo / CABEZA PEREIRO, Jaime – Derecho del Trabajo, 2ª ed., Madrid, 2003,
p.173 127 Para mais desenvolvimentos sobre a temática dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho como
fontes laborais específicas, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I,
pp. 259 ss. 128 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62 129 Especificamente no que tange às ordens ou instruções decorrentes do poder de direção, os sujeitos legítimos
para proferi-las já foram definidos em tópico apartado, não existindo razão para maiores delongas neste momento. 130 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo, 26ª ed., Madrid, 2009,
p.512
42
produzidas sob o crivo do poder de direção, esses limites serão abordados no tópico
subsequente.
Genericamente, a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º conferiu a exigibilidade ao dever de
obediência às ordens e instruções que não ofendam os direitos e garantias dos trabalhadores.
Assim, determinado comando que viole direito ou garantia do trabalhador será materialmente
ilícito. Ainda, para se conferir legitimidade a alguma ordem ou instrução, ela não poderá ser
“ilícita, imoral ou vexatória, atentando contra a dignidade do trabalhador. ”.131
Segundo precedentes da common law do Reino Unido, entende-se que o trabalhador
deve obediência às ordens emitidas pelos empregadores que sejam legais e razoáveis. O critério
para determinar a razoabilidade de uma ordem seria a observância no caso concreto de uma
série de fatores: os termos do contrato de trabalho, a posição ocupada pelo trabalhador na
empresa, a profissão, dentre outros.132
O direito trabalhista espanhol, assim como o português, também condiciona a
obrigatoriedade do comando do empregador à sua licitude ou regularidade, abrangendo a
legitimidade quanto ao sujeito e quanto ao conteúdo, somente atraindo o dever de obediência
as ordens emitidas por sujeito legitimado e com conteúdo regular, conforme artigo 5.c) do
Estatuto de los Trabajadores.133
Ainda a respeito do direito espanhol, tradicionalmente, as ordens do empregador
gozavam de uma presunção juris tantum de legitimidade, devendo o trabalhador obedecê-las e
posteriormente impugná-las caso as considerasse abusivas ou lesivas.134 É o denominado solve
et repete, o qual veio a ser mitigado pela jurisprudência, reconhecendo-se situações idôneas de
negativa legítima da obediência.135 Assim, reconhece-se como exceção à regra geral, aceitando-
se a resistência do trabalhador frente a comandos contrários a lei, ao pactuado no contrato ou
em instrumento coletivo, ou, ainda, quando afetem direitos essenciais do trabalhador.136
A legitimidade (quanto ao seu conteúdo) das ordens ou instruções proferidas em razão
do poder de direção do empregador relacionam-se diretamente com os limites a esse poder. De
modo que, se estes forem ultrapassados, os comandos serão ilegítimos.
131 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62 132 Conclusões extraídas por Simon Deakin e Gillian S. Morris, decorrentes da observância de precedentes judiciais
no Reino Unido em: DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law, 5ª ed., Oxford, 2009, p.302 133 Vide: MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo, 37ª ed., 2016, p.328 134 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.512 135 CRUZ VILLALÓN, Jesús – Compendio de Derecho del Trabajo, 8ª ed., Madrid, 2015, p.212 136 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo
cit., II, p.1355
43
O artigo 334º do Código Civil português delimita a figura do abuso do direito. Segundo
o citado dispositivo, será ilegítimo o exercício de um direito na medida em que o seu titular
ultrapasse os limites impostos pela boa-fé, pelo fim social ou econômico de tal direito, ou pelos
bons costumes. Dessa forma, com base no artigo 334º do referido código, pode-se afirmar que
uma ordem ou instrução do empregador que ultrapasse os limites da boa-fé, dos bons costumes
ou da finalidade social ou econômica a que se destina a atividade laboral, reveste-se de
ilegitimidade e deve ser considerada abuso do direito.
Cabe, portanto, na sequência, especificar alguns dos limites impostos ao exercício do
poder de direção do empregador, para que se possa identificar a presença da legitimidade
material nas suas ordens ou instruções, com a consequente exigibilidade do dever de obediência
por parte do trabalhador.
2.4 Limites ao exercício do poder de direção
Em decorrência do intrínseco envolvimento da pessoa do trabalhador na relação de
trabalho, o exercício do poder de direção do empregador pode trazer consequências negativas
àquele, principalmente no tocante à violação de direitos ou garantias. Dessa forma a legislação
trabalhista impõe certos limites ao exercício do referido poder. São os limites ao poder de
direção do empregador que ditarão os contornos para se determinar se uma ordem ou instrução
proferida é legítima.
O artigo 97º do Código do Trabalho estabelece genericamente dois limites ao poder de
direção do empregador: os decorrentes do próprio contrato de trabalho e aqueles que decorrem
das normas que o regem. Vale mencionar que o citado artigo (e consequentemente os limites
dele extraídos) trata apenas da vertente conformativa do poder de direção – faculdade de ditar
ordens e instruções a fim de definir os termos da prestação.
Os primeiros limites previstos no artigo 97º (aqueles que decorrem do contrato laboral)
tratam-se de contornos da relação de trabalho previamente firmados, dentro dos quais poderão
as partes restringir o poder de direção do empregador para além dos limites normativos. Desse
modo, ordens ou instruções que desrespeitem o contrato serão ilegítimas por ferirem
expressamente as restrições traçadas no artigo 97º do CT.
No direito espanhol, enquanto as ordens da entidade empregadora que sejam emitidas
dentro dos limites do contrato de trabalho possuem uma presunção de legitimidade, as que
forem proferidas fora da demarcação contratual serão presumidas como ilegítimas.137
137 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.598
44
Quanto aos limites ao exercício do poder de direção indicados pelas normas que regem
o contrato laboral, diante da inviabilidade de esgotamento do assunto, cumpre aqui discorrer
sobre alguns exemplos genéricos encontrados no Código do Trabalho.
Uma das importantes normas que regem o contrato laboral é o artigo 126º do Código do
Trabalho. Tal dispositivo enuncia o princípio da boa-fé, a ser observado pelo empregador e pelo
trabalhador, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações. Dessa forma,
a boa-fé deve ser considerada como um importante limite ao empregador ao pautar sua conduta
no momento de emitir ordens ou instruções aos trabalhadores. Eventualmente, caso o
empregador exceda os limites impostos pela boa-fé, a ordem emitida no exercício do poder de
direção será ilegítima e caracterizada como abuso do direito nos termos conjugados do citado
artigo 126º do CT e do artigo 334º do Código Civil português.
Também se reveste de importância o dever de respeito que o empregador deve ter frente
ao trabalhador, pautando seu tratamento para com este com base nas máximas de urbanidade e
probidade, conforme assegura a alínea “a” do nº 1 do artigo 127º do Código do Trabalho. Assim,
pode-se afirmar que o poder de direção é limitado também pelo dever geral de respeito.
Assumem especial relevância no contrato de trabalho as normas que disponham a
respeito da saúde e da segurança do trabalhador. Dessa forma, o poder de ditar ordens e
instruções ao trabalhador deve ser limitado pelos padrões de segurança e saúde no trabalho,
com ênfase àqueles que se não forem observados são capazes de colocar em risco o prestador
da atividade.138
As ordens e instruções do empregador também são restringidas pela autonomia técnica
de certos trabalhadores (daqueles que exerçam atividade cuja regulamentação ou deontologia
profissional a tutelam), conforme expressamente dispõem os artigos 116º e 127º (nº 1, alínea
“e”) do Código do Trabalho.
Ainda, cumpre mencionar que as ordens e instruções do empregador não podem ser
contrárias à lei (em geral), ordenando, por exemplo, a prática de um crime. Logo, o empregador
não pode proferir comandos eivados de ilegalidade. Portanto, a ordem pública serve como um
limite ao empregador, não podendo exigir do trabalhador uma tarefa que a contrarie.139
Por último, mas não menos relevantes (apenas mais abrangentes), há os limites impostos
pelo artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT. Esse dispositivo, ao restringir o dever de obediência
do trabalhador às ordens e instruções que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias,
também delimitou o exercício do poder diretivo para proferir tais comandos.
138 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.303 139 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.128
45
As normas que disponham a respeito dos direitos e garantias do trabalhador, ao servir
de limites para o poder de direção do empregador, equilibram a relação laboral, residindo neste
ponto a suma importância na observância delas durante a emissão de diretrizes. Nas palavras
de José João Abrantes: “A empresa, mais do que mera coordenação de factores de produção,
é um espaço de relações humanas, entre pessoas portadoras dos seus direitos e interesses
autónomos, tantas vezes contrapostos.”.140
Na Espanha, de acordo com Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de la
Rosa, frente a uma ordem que afronte aos direitos do trabalhador, este possui duas opções de
atuação, obedece a ordem e recorre aos Tribunais (esta opção baseia-se na presunção de
legitimidade das ordens do empregador), ou desobedece e também recorre, sendo que ambas as
alternativas revelam-se insuficientes para compatibilizar a temática dos direitos do trabalhador
com a dinâmica de organização da entidade empregadora. Para os autores, a solução a este
dilema funda-se na necessária observância dos limites impostos ao empregador para a emissão
de ordens e instruções, sendo inexigível o dever de obediência a comandos ilegítimos,
atribuindo-se ao próprio trabalhador o juízo sobre a legitimidade da ordem a ser cumprida
(exercendo, assim, um verdadeiro direito de resistência quando esta for ilegítima).141 Dessa
forma, a desobediência praticada sobre o abrigo do direito de resistência trata-se de uma
exceção, não restando dúvidas ao trabalhador a respeito da antijuridicidade da ordem.
Em suma, o empregador na emissão de ordens e instruções deve, antes de mais nada,
pautar-se nos direitos dos trabalhadores como limites, evitando, assim, um eventual
descumprimento legitimamente realizado em razão do direito de resistência do trabalhador.
No que tange aos direitos do trabalhador que irão pautar a conduta da entidade
empregadora, vale afirmar que os mesmos não se restringem aos direitos previstos na esfera
laboral, englobando os direitos do trabalhador enquanto cidadão.142 Assumem especial
relevância os direitos de personalidade do prestador da atividade, previstos nos artigos 14º e
seguintes do CT, como por exemplo, o direito à integridade física e à reserva da intimidade.
No tocante às garantias do trabalhador, o artigo 129º (nº 1) do Código do Trabalho, ao
estabelecê-las, impõe ao empregador deveres de caráter negativo, os quais limitam o exercício
do poder de direção e evitam abusos na gestão do contrato laboral.143 Para Pedro Romano
140 ABRANTES, José João – Direito do Trabalho – ensaios, Lisboa, 1995, p.43 141 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo, 24ª ed.,
Madrid, 2016, p.592 142 Sobre os direitos do trabalhador enquanto cidadão e o poder de direção, vide: ASSIS, Rui – O Poder de
Direcção do Empregador cit., pp. 259 s. 143 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.475
46
Martinez, as garantias previstas no referido dispositivo se conjugam com outras estatuições
legais ao limitar o poder de direção – é o caso dos artigos 118º, 120º e 194º do CT.144
Extrai-se do exposto que os limites ao poder diretivo pautam a legitimidade dos
comandos do empregador. Uma vez que a entidade empregadora ultrapasse os limites impostos
ao exercício do poder de direção, surge ao trabalhador a possibilidade de desobediência legítima
a eventuais ordens ou instruções emitidas.
3 As modificações no contrato de trabalho
A situação laboral possui uma natureza indeterminada à partida, sendo a prestação de
trabalho concretizada de acordo com indicações da entidade empregadora, decorrentes do seu
poder de direção. Logo, a prestação não será imutável no decorrer do contrato de trabalho,
modificações ordinárias ocorrerão a todo tempo dentro do domínio do contrato. Essas
possibilidades de variação podem afetar o âmbito, o modo e o local da atividade a ser
desenvolvida.145
Além dessas variações ordinárias que acontecem no domínio do contrato, modificações
mais significativas podem ser necessárias para a subsistência ou desenvolvimento empresarial,
uma vez que no desenrolar da atividade produtiva da empresa ao longo do tempo é natural que
mudanças na sua estrutura ocorram, as quais se explicam diante da longevidade do contrato de
trabalho e justificam-se em razão do papel substancial da atividade executada pelo trabalhador.
Em razão do princípio geral da liberdade contratual, estabelecido no artigo 405º do
Código Civil, as partes, não só fixam o conteúdo do contrato (obviamente dentro dos limites da
lei), como podem modifica-lo por meio de acordo.146 Quanto à questão da modificação por
acordo, a regra geral dos contratos (enunciada pela legislação civilista no artigo 406º, nº 1 do
Código Civil) é de que eventual alteração contratual deve ser realizada com o mútuo
consentimento das partes ou mediante previsão legal – vigora o princípio geral do pacta sunt
servanda.
Ocorre que esse último preceito civilista não se adequa totalmente na realidade
trabalhista, uma vez que o contrato de trabalho não é exaurido com o cumprimento de uma
única prestação, tampouco possui um caráter de brevidade quanto a sua duração. Dessa forma,
além da modificação por mútuo consentimento entre as partes, excepcionalmente, a legislação
144 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.635 145 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.679 De acordo com o autor,
tais modificações derivam do poder de conformação da atividade e são concretizadas por declarações unilaterais
e recipiendas do empregador, mas podem decorrer também de lei ou instrumento coletivo. 146 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.737
47
laboral admite alterações no contrato de trabalho, inclusive de modo unilateral, sendo realizadas
apenas pelo empregador.
Essas exceções admitidas pela legislação laboral (quanto à modificação unilateral do
contrato de trabalho feita pelo empregador) se legitimam em virtude da variabilidade
circunstancial que circunda a prestação da atividade do trabalhador, haja vista o mesmo estar
inserido numa organização dinâmica. Assim, estão em jogo interesses da entidade empregadora
(seja para a sua subsistência ou desenvolvimento), os quais nem sempre serão coincidentes com
os dos trabalhadores.
Por essa razão, são essas modificações unilaterais feitas pela entidade empregadora que
interessam para o presente trabalho, as quais serão divididas quanto ao seu conteúdo na
sequência (em razão da função, do local e do tempo).
3.1 Modificações na função do trabalhador
A atividade do trabalhador é determinada de acordo com o artigo 115º (nº 1 e 2) do
Código do Trabalho, o qual dispõe que ela é feita por acordo entre as partes ou por meio de
remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva ou, ainda, de regulamento
interno da empresa.
Essa determinação genérica da atividade é sucedida por uma atribuição concreta pelo
empregador da função a ser exercida pelo trabalhador, nos termos do artigo 118º, nº 1 do
diploma laboral.147
O nº 1 do artigo 118º do Código do Trabalho enuncia o princípio da invariabilidade da
prestação laboral, segundo o qual, as funções exercidas pelo trabalhador devem ser
correspondentes à atividade para que foi contratado. Contudo, tal disposição não é absoluta,
uma vez que a própria redação do preceito normativo mencionado a excepciona com a
expressão “em princípio”.148 A norma citada admite exceções, portanto, à regra de que o
trabalhador fica adstrito a exercer funções que não exorbitem à atividade contratada. E assim o
faz, atendendo às exigências da flexibilidade empresarial.149
Os números 2 e 3 do artigo 118º complementam o número 1 quanto ao conteúdo das
funções que correspondam à atividade para qual o trabalhador foi contratado, de forma que a
atividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou lhe estejam funcionalmente
147 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.462 148 “Artigo 118º - 1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se
encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais
adequadas às suas aptidões e qualificação profissional. ”. (Grifo próprio) 149 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.242
48
ligadas (entendendo, por essas expressões, as compreendidas no mesmo grupo ou carreira
profissional), desde que o trabalhador possua qualificação adequada para tais e que não lhe
impliquem uma desvalorização profissional. Conforme se extrai dos referidos números do
artigo 118º, tais requisitos são cumulativos.
Eventual modificação unilateral da prestação realizada pelo empregador que se
enquadre no previsto no artigo 118º, será considerada dentro do objeto do contrato de trabalho,
podendo aquele designar ao trabalhador a função que lhe entender cabível desde que esteja
nesse âmbito e preencha os requisitos cumulativos.150
Por outro lado, quando o empregador quiser designar ao trabalhador uma função que
esteja fora do objeto do seu contrato laboral, este deverá observar as regras impostas ao jus
variandi, as quais serão delimitadas na sequência.
3.1.1 O jus variandi
Quando a modificação da prestação for além da ordinariedade decorrente do caráter
indeterminado da atividade laboral (ou seja, ultrapasse o âmbito do contrato de trabalho)
aparece a figura do jus variandi. Portanto, para a ocorrência do denominado jus variandi, há a
necessidade de que a alteração unilateral feita pelo empregador da atividade do trabalhador
esteja “em contradição com o programa contratual, isto é com as regras que direta ou
indiretamente regem aquela relação laboral.”.151
Dessa forma, pode-se afirmar que o jus variandi se trata de um desvio à regra do pacta
sunt servanda (nº 1 do artigo 406º do Código Civil) e também ao princípio da invariabilidade
funcional, uma vez que constitui um direito do empregador de realizar uma modificação
unilateral no objeto contratual, podendo exigir que o trabalhador exerça funções fora da
atividade para qual foi contratado.152
Tal desvio dos referidos princípios, justifica-se em razão do princípio da mútua
colaboração das partes (artigo 126º, nº 2 do CT), haja vista a necessidade da empresa de se
adaptar a novas circunstâncias imprevistas e temporárias, não podendo os empregadores
ficarem “engessados” no que tange à reestrutura da organização da atividade laboral.153
150 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.496. Para Joana Nunes Vicente, a
redação do artigo 118º goza de um artificialismo ao qualificar como mera variação funcional algo que altera a
vontade das partes originalmente fixadas no contrato de trabalho. Em: VICENTE, Joana Nunes – Flexibilidade
Funcional, in C. de OLIVEIRA CARVALHO/ J. VIEIRA GOMES (coord.), Direito do Trabalho + Crise = Crise
do Direito do Trabalho?, Lisboa, 2011, 407-419, p.409 151 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.743 152 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.469 153 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., pp.742 s.
49
O artigo 120º do Código do Trabalho regula a figura do jus variandi sob a designação
de mobilidade funcional, enunciando no nº 1 os requisitos cumulativos que condicionam o seu
exercício pelo empregador. São eles: a existência de um interesse da empresa; o caráter
temporário da variação e que a alteração não implique em modificação substancial da posição
ocupada pelo trabalhador.
Quanto ao condicionamento da aplicação do jus variandi ao interesse da empresa,
entende-se por este as necessidades próprias da empresa, como uma referência às exigências da
organização em si, excluindo-se eventuais interesses subjetivos do empregador enquanto
indivíduo.154
No tocante ao pressuposto da transitoriedade da modificação, o número 3 do artigo 120º
estabelece o prazo máximo de dois anos para a variação de função e regulamenta que a
justificação da ordem de alteração indique a sua duração previsível. Essa transitoriedade
reveste-se de importância no sentido de que alterações permanentes implicariam em mudanças
no próprio objeto do contrato de trabalho. Ainda, o fato de a modificação ser temporária
explica-se em virtude do surgimento do jus variandi apenas em situações extraordinárias.
Em relação ao requisito de não se permitir que a variação implique em modificação
substancial da posição do trabalhador, cumpre indicar que a mobilidade não pode resultar em
uma desvalorização da posição ocupada pelo trabalhador no quadro da empresa.155 Assim, uma
ordem de alteração de funções do trabalhador que lhe acarrete uma degradação profissional e
afete seu prestígio no trabalho é ilícita.156
Conforme o nº 3 do artigo 120º, a mobilidade funcional do trabalhador consolida-se em
uma ordem do empregador, a qual é condicionada ao cumprimento dos requisitos acima
elencados. Dessa forma, a ordem de variação da função do trabalhador será considerada
legítima somente se observar cumulativamente todos os pressupostos estabelecidos pelo
dispositivo legal. Presente a legitimidade da ordem, o trabalhador fica adstrito a cumpri-la.
Por outro lado, quando a ordem de alteração proferida desrespeitar qualquer um dos
requisitos, ela será ilegítima, podendo dar ensejo a um comportamento do trabalhador que possa
ser caracterizado como desobediência legítima.
Nota-se, portanto, que a legislação trabalhista portuguesa estabeleceu limites ao
exercício do jus variandi por parte do empregador. Também nessa esteira de imposição de
154 Anotação ao artigo 120º do CT feita por Pedro Madeira de Brito em: MARTINEZ, Pedro Romano/
MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA,
Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado cit., p.326 155 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.293 156 Vide: Ac. STJ de 26/05/2015, (Nº2056/12.4TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt
50
limites, a noção de jus variandi no direito brasileiro igualmente os impõe, porém, o conteúdo
dessa figura no Brasil difere do de Portugal.
A doutrina brasileira distingue o jus variandi em duas modalidades: ordinário e
extraordinário. O jus variandi ordinário se caracteriza pela realização de pequenas modificações
na prestação da atividade laboral, sem que resultem prejuízos ao trabalhador e que não alterem
o que foi pactuado no contrato de trabalho.157 Por outro lado, o jus variandi extraordinário se
trata de situações excepcionais de alterações permitidas pela ordem jurídica trabalhista, as
quais, inclusive, podem ser lesivas ao prestador da atividade.158
Diferentemente do direito português, ambas as modalidades do jus variandi no direito
brasileiro não se restringem às modificações que digam respeito à função exercida pelo
trabalhador, englobando indistintamente alterações de local, salário, horário e tempo de
trabalho.
Realizada essa breve análise em relação às modificações quanto à função exercida pelo
trabalhador, passa-se agora às constatações quanto as demais variações da prestação laboral.
3.2 Modificações no local de trabalho
O local de trabalho constitui elemento de suma importância a ser considerado pelo
trabalhador na celebração de um contrato de trabalho. É ao redor do locus executionis que o
trabalhador irá construir a sua vida extraprofissional.159
De acordo com o nº 1 do artigo 193º do CT, o local de trabalho será determinado pelas
partes160 e tal determinação cria para o trabalhador um direito a continuar nesse lugar ao longo
da execução do contrato de trabalho.161 Reconhecendo a importância que o local de trabalho
ocupa na esfera pessoal do trabalhador (e também que eventual modificação poderá acarretar
perturbações nesta) é que a legislação trabalhista tutela a estabilidade do local de trabalho e
impõe requisitos muito restritos para a sua alteração.
Através da garantia da inamovibilidade – prevista no artigo 129º, nº 1, alínea “f” do
Código do Trabalho – fica vedada, em princípio, a transferência unilateral do trabalhador
realizada pela entidade empregadora. De acordo com o citado dispositivo, somente pode ocorrer
157 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Rio de Janeiro, 2015, p. 560 158 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., pp.1131 e 1133 159 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.246 160 Na falta de estipulação expressa ou tácita das partes quanto à determinação do local de trabalho, Pedro Romano
Martinez afirma que para a sua averiguação há que se ter em conta a natureza das coisas, com base no contrato e
nas funções a serem desenvolvidas. Em: MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 435 161 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.500 s.
51
uma transferência do trabalhador quando houver acordo ou previsão no Código do Trabalho ou
em instrumento de regulamentação coletiva.
Dessa forma, a modificação no local de trabalho pode ocorrer, além da hipótese de
consenso das partes, por decisão unilateral do empregador vinculada ao cumprimento das
condições legalmente estabelecidas. A alteração sem a anuência do trabalhador justifica-se em
razão de necessárias adaptações no contrato de trabalho decorrentes de seu caráter duradouro,
sendo preferível a adaptação em detrimento da cessação deste.162
As modificações no local de trabalho realizadas pelo empregador sem a anuência do
trabalhador encontram-se disciplinadas no artigo 194º do Código do Trabalho e, segundo o seu
nº 1, poderão ocorrer em duas hipóteses – em virtude de mudança ou extinção do
estabelecimento em que a atividade é prestada ou, em caso de transferência individual quando
o interesse da empresa assim o exigir (desde que não implique prejuízo sério ao trabalhador).163
No tocante à primeira hipótese, é logicamente dedutível que a mudança ou extinção do
estabelecimento em que ocorre a prestação da atividade implica automaticamente na
transferência dos trabalhadores que lá executem seus serviços. Trata-se de uma transferência
coletiva que envolve a liberdade de iniciativa econômica da entidade empregadora, não
podendo o trabalhador impedir tal modificação.164 Diferentemente da transferência individual,
essa modalidade não impõe requisitos substanciais a serem observados pelo empregador, não
havendo o que se discutir a respeito de legitimidade da ordem de transferência. Mesmo que a
mudança no local de trabalho implique em prejuízo sério ao trabalhador, não é cabível a análise
de legitimidade da ordem, restando ao trabalhador a faculdade de resolver o contrato de
trabalho, nos termos do nº 5 do artigo 194º do CT. Em outras palavras, a existência de prejuízo
sério não torna a ordem de transferência ilegítima, sendo ela válida.
Em relação à segunda hipótese prevista no nº 1 do artigo 194º, pode-se afirmar que a
transferência de apenas um trabalhador (que poderá ser temporária ou definitiva) é
condicionada ao cumprimento de dois requisitos cumulativos: a exigência de um interesse da
empresa e a não ocorrência de prejuízo sério ao trabalhador.
162 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.641 163 O disposto no nº 1 do artigo 194º não encontra uma moldura rígida, porquanto o nº 2 do mesmo artigo estabelece
que as partes podem alarga-lo ou restringi-lo por meio de acordo. Em razão da possibilidade de se alargar o que a
lei estabeleceu, José João Abrantes afirma que houve na norma uma prevalência da autonomia da vontade e da
liberdade contratual, fazendo com que a garantia da inamovibilidade assumisse um caráter meramente supletivo,
revelando uma suposta ideia de igualdade das partes e não levando em conta que a relação de trabalho (ao contrário
da civilista) é assimétrica. Vide: ABRANTES, José João Nunes – Liberdade Contratual e lei. O caso das cláusulas
de mobilidade geográfica dos trabalhadores, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de
Almeida, Coimbra, 2011, 503-516, pp. 509 e 510 164 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.755
52
Quanto ao interesse da empresa, há que se afirmar que o mesmo deve ser objetivo,
afastando-se a licitude de uma decisão “arbitrária, caprichosa, desrazoável do empregador ou
determinada por motivos pessoais estranhos à empresa.”.165
No que diz respeito ao “prejuízo sério” que a modificação não poderá acarretar ao
trabalhador, o mesmo deve ser apreciado de acordo com cada caso em concreto, avaliando-se
segundo a boa-fé no cumprimento do contrato.166
De acordo com Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, a união desses dois requisitos
deve ser interpretada “em termos de um sistema móvel”, haja vista que, quanto maior o interesse
da empresa, os prejuízos causados podem passar a ter menos relevância, enquanto um menor
interesse pode acarretar na inexigibilidade dos sacrifícios solicitados ao trabalhador.167
Ainda, além dos requisitos substanciais, a transferência do local de trabalho sujeita-se
ao cumprimento de requisitos procedimentais e de forma, fixados no artigo 196º do CT.168
Referido dispositivo estabelece que a comunicação da transferência tem que se dar de forma
escrita, indicando o seu fundamento e duração previsível. Essa comunicação deve ser entregue
ao trabalhador com 8 dias de antecedência no caso de transferência temporária, ou 30, se for
definitiva. Cumpre salientar que os requisitos procedimentais de transferência se aplicam tanto
para as coletivas quanto para as individuais.169
Importa referir ainda, que o nº 4 do artigo 194º atribui ao empregador na transferência
definitiva o custeio das despesas decorrentes de acréscimo dos custos de deslocação e mudança
de residência e, na transferência temporária, das despesas de alojamento.170
Se a ordem de transferência do trabalhador cumprir todos os requisitos substanciais e de
procedimento indicados na legislação trabalhista, ela é legítima, e, obviamente, se a ordem não
preencher os pressupostos, ela será ilegítima.
3.3 Modificações no horário de trabalho
A definição do horário de trabalho tem por escopo delimitar o tempo do trabalhador à
disposição do empregador, proteger a sua saúde e segurança e, ainda, permitir com que o
prestador da atividade possa ajustar a sua vida profissional com a pessoal e familiar.171
165 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.641 166 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.753 167 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.278 168 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.508 169 Vide: Ac. REv. de 07/12/2016, (Nº 315/14.0TTSTR.E1), www.dgsi.pt. 170 Sobe as despesas na transferência vide: Ac. STJ de 16/09/2015, (Nº34/13.5TTCLD.C1.S1), www.dgsi.pt 171 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho, Coimbra, 2012, p.171
53
De acordo com o nº 1 do artigo 212º, compete ao empregador determinar o horário de
trabalho a ser cumprido pelo trabalhador. Trata-se de uma regra geral, nada impedindo que o
horário seja estipulado por acordo entre as partes, conforme extrai-se da interpretação do nº 4
do artigo 217º do CT.172
A fixação do horário pela entidade empregadora é uma manifestação do exercício do
poder de direção, haja vista que, ao distribuir o tempo de trabalho entre os trabalhadores, o
empregador organiza a sua unidade produtiva.173
Na determinação do horário de trabalho, o empregador deverá levar em conta as
exigências de proteção da saúde e segurança do trabalhador, facilitar a conciliação da atividade
profissional com a esfera familiar deste e, também a frequência em curso escolar ou de
formação técnica/profissional, conforme dispõe o nº 2 do artigo 212º.
Tendo em vista que a alteração no horário de trabalho poderá interferir negativamente
na esfera privada do trabalhador, o Código do Trabalho, apesar de atribuir ao empregador a
faculdade de alterar unilateralmente o horário da prestação da atividade (artigo 217º, nº 1),
condicionou a sua realização a um procedimento, além da previsão da compensação econômica
caso a modificação implique em acréscimo de despesas ao trabalhador.
Primeiramente, há que se mencionar a consulta que deverá preceder a alteração no
horário. Assim, o empregador fica adstrito a consultar os trabalhadores afetados pela
modificação e seus representantes, estes segundo a ordem de preferência estabelecida nos
moldes da determinação do horário (artigo 212º, nº 3). Tal consulta deverá ser afixada na
empresa. O nº 2, in fine, do artigo 217º estabelece a antecedência da afixação na empresa da
alteração – a qual deverá ser de 7 dias, ou, no caso de microempresas, 3 dias.
Cumpre mencionar que a exigência da consulta prévia reporta-se às alterações de cunho
definitivo. As alterações de caráter transitório (aquelas cuja duração não exceda a uma semana)
devem ser registradas em livro próprio e não podem ser efetuadas pelo empregador mais de três
vezes por ano.
A modificação no horário do trabalho que não observe às formalidades legais
indispensáveis será inválida – uma vez que a falta daquelas não se traduz em mera
irregularidade, representando um desprezo pelo procedimento imposto, afetando a perfeição e
validade da alteração.174
172 O horário de trabalho fixado por acordo individualizado não poderá ser alterado unilateralmente pelo
empregador. 173 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.559 174 Ac. STJ de 24/02/2010, (Nº 248/08.0TTBRG.S1), www.dgsi.pt
54
Além da observância às formalidades previstas, a alteração de horário deve ser feita
dentro de parâmetros razoáveis, não podendo se dar por mero capricho do empregador ou
corresponder a um meio de discriminação do trabalhador.175 Eventual ordem de alteração
emitida nesses moldes deverá ser considerada nula, por evidente abuso de direito por parte do
empregador.
4 Poder disciplinar do empregador
Inegável é o fato de que o poder de direção do empregador está intrinsicamente
envolvido com a questão da desobediência, haja vista o dever de obediência ser o contraponto
de tal poder. Ocorre que, indiretamente, o poder disciplinar e o poder regulamentar da entidade
empregadora também mantêm relação com a temática da desobediência, motivo pelo qual serão
desenvolvidos brevemente na sequência.
O poder disciplinar encontra previsão normativa no artigo 98º do Código do Trabalho,
e seu regime está regulamentado no artigo 328º e seguintes do mesmo diploma. Conforme
indicado pelo primeiro dispositivo referido, a titularidade desse poder pertence ao empregador.
O poder disciplinar pode ser exercido de modo direto pelo empregador, ou, por superior
hierárquico do trabalhador, se aquele assim o delegar, conforme enuncia o nº 4 do artigo 329º
do Código do Trabalho.
Quanto ao conteúdo do poder disciplinar, a divisão feita por Maria do Rosário Palma
Ramalho revela uma conveniência para a delimitação da relação desse poder com o tema da
desobediência. Segundo a autora, o poder disciplinar possui um duplo conteúdo: um deles é
conhecido como ordenatório ou prescritivo, e o outro, como sancionatório ou punitivo. A faceta
prescritiva autoriza o empregador a estabelecer regras de comportamento e disciplina dentro da
organização, as quais não são imputadas ao poder diretivo em virtude de não se reportarem à
prestação laboral. Por outro lado, a faceta punitiva caracteriza-se pela possibilidade do
empregador sancionar disciplinarmente o trabalhador, caso o mesmo viole algum de seus
deveres laborais.176
O conteúdo sancionatório é de longe o mais enfatizado pelo restante da doutrina, porém,
ambas as facetas do poder disciplinar do empregador possuem pontos de conexão com o tema
da desobediência.
No tocante à vertente prescritiva do poder disciplinar, na medida em que esta possibilita
ao empregador definir regras que digam respeito à disciplina do trabalho, o trabalhador fica
175 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.740 176 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.465
55
adstrito a cumpri-las, conforme se extrai da alínea “e”, do número 1, do artigo 128º do CT
(obviamente com a ressalva no cumprimento caso elas sejam contrárias aos seus direitos ou
garantias). Dessa forma, o trabalhador deve obediência às regras de disciplina oriundas do poder
disciplinar do empregador.177 Caso o trabalhador viole alguma dessas regras legitimamente
emitidas, seu comportamento consistirá em uma desobediência ilegítima, a qual se trata de uma
infração disciplinar passível de sanção.
No que tange à vertente sancionatória do referido poder, ao permitir que o empregador
aplique sanções em razão da quebra de algum dever por parte do trabalhador, caso este viole o
dever de obediência (violação esta que tanto poderá se dar em virtude do incumprimento de
algum comando emitido ao abrigo do poder diretivo quanto ao do poder disciplinar na sua faceta
prescritiva), o empregador irá puni-lo em virtude do conteúdo sancionatório do seu poder
disciplinar.178
Assim, quando o trabalhador praticar uma desobediência ilegítima, cabe ao empregador
estipular a sanção cabível, exercendo o seu poder disciplinar. Em situações extremas, a entidade
empregadora poderá aplicar a sanção mais gravosa ao trabalhador que ilegitimamente
descumpra uma ordem ou instrução legítima – o despedimento, o qual se dará nos termos do
artigo 351º, nº 2, alínea “a” do Código do Trabalho. Logo, a desobediência ilegítima poderá
constituir justa causa para o rompimento do vínculo laboral.
Quanto a esse conteúdo sancionatório do poder em questão, cabe aqui, ainda, tecer
algumas considerações.
O objetivo da aplicação de sanções ao trabalhador quando este violar algum dever
laboral, vai além da sua punição, buscando “afastá-lo da prática de novas infrações, ao mesmo
tempo que prevenir que os restantes trabalhadores venham a assumir condutas
semelhantes.”.179 Dessa forma, o poder disciplinar age como uma garantia de que o trabalhador
cumpra corretamente a sua prestação e também que retorne a executar seus deveres
propriamente.180
A aplicação das sanções disciplinares (regulada no artigo 330º do CT) sujeita-se aos
princípios da proporcionalidade e da unicidade. O primeiro diz respeito à adequação da sanção
177 Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, o termo “disciplina” dentro desse sentido possui a característica da
heterodeterminação, a qual consiste numa emanação de vontade de um sujeito que tem o poder de se impor ao
outro em uma relação intersubjetiva. Assim, a expressão “disciplina” no contexto da vertente prescritiva do poder
disciplinar delimita o posicionamento contratual do trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do
Fundamento do Poder Disciplinar Laboral, Coimbra, 1993, pp. 100, 117 e 121 178 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.710 e 743 179 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.240 180 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.459
56
à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, enquanto o segundo proíbe a aplicação de
mais de uma sanção por cada infração.181 Ainda, tendo em vista um equilíbrio nas sanções
aplicadas (uma vez que o empregador é o titular da iniciativa do processo disciplinar, da
condução do mesmo e das decisões), é necessário que aquele não perca de vista os direitos
fundamentais do trabalhador.182
A faceta sancionatória do poder disciplinar revela que este é discricionário, na medida
em que cumpre ao empregador determinar qual sanção irá aplicar diante da infração, definindo
também a gravidade desta e o grau de culpa do trabalhador.183
Mesmo diante de certa margem de discricionariedade na sua atuação, o poder disciplinar
não pode ser compreendido como um poder absoluto ou arbitrário.184 Assim, o exercício do
poder disciplinar sujeita-se a uma série de limites. Primeiramente, cumpre referir que esse
exercício se sujeita a uma posterior fiscalização judicial185 e que a aplicação de sanção ao
trabalhador depende de um prévio procedimento disciplinar. Quanto às sanções, as mesmas são
balizadas pelo disposto no número 3 do artigo 328º do CT. Ainda, de acordo com António
Monteiro Fernandes, o exercício do poder disciplinar também encontra limites na qualificação
das condutas dos trabalhadores como infrações disciplinares, segundo o artigo 331º do Código
do Trabalho.186
O exercício do poder disciplinar também deve ser limitado pelo respeito da dignidade
da pessoa do trabalhador e pelos ditames da boa-fé.187 A respeito da boa-fé, António Menezes
Cordeiro afirma que no contexto do poder disciplinar, ela teria uma dupla faceta: a tutela da
confiança (a qual implica que uma das partes não viole a crença plantada na outra) e a primazia
da materialidade subjacente (segundo a qual é vedada ao empregador utilizar-se do processo
disciplinar para outros fins alheios ao apuramento e punição de uma infração disciplinar).188
É justamente nesta última faceta da boa-fé (primazia da materialidade subjacente), no
contexto disciplinar, que aflora um outro tema de relevância para o presente trabalho – as
sanções abusivas, uma vez que o Código do Trabalho considera abusiva a sanção imposta ao
trabalhador quando este incorra em desobediência legítima (artigo 331º, nº 1, alínea “b”). Por
questões didáticas, esse tema será tratado em outro momento nesta dissertação.
181 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.362 182 MOREIRA, António José – O poder disciplinar. A necessária caminhada para o Direito, in J. João Abrantes
(coord.), Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Lisboa, 2012, 291-307, p.296 183 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral cit., p.195 184 Ac. STJ de 16/01/2013, (Nº1767/08.3TTLSB.L1S1), www.dgsi.pt 185 O número 7 do artigo 329º do CT resguarda o direito de ação judicial ao trabalhador que recebeu sanção. 186 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.244 187 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, pp.888 s. 188 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.755
57
5 Poder regulamentar do empregador
O poder regulamentar do empregador, por sua vez, encontra previsão normativa no
artigo 99º, nº 1, do Código do Trabalho e “manifesta-se na possibilidade de delimitação das
regras de prestação do trabalho e de disciplina na empresa através do regulamento da
empresa.”.189
Essa manifestação do poder regulamentar feita por meio do regulamento da empresa
será de aplicação geral aos trabalhadores que a esta pertençam, sendo que irão constar em tal
regulamento tanto ordens de organização quanto de disciplina do trabalho.190
Para Maria do Rosário Palma Ramalho, o regulamento de empresa revela duas facetas
previstas no Código do Trabalho de 2009. A primeira delas é a faceta negocial, a qual possui a
função de integrar o conteúdo do contrato laboral no contexto da sua formação, conforme se
extrai do nº 1 do artigo 104º do CT. A segunda é a faceta normativa, disposta no artigo 99º, a
qual, no contexto da posição jurídica do empregador, autoriza este a elaborar regulamentos
internos contendo regras a respeito da organização e disciplina do trabalho. Nessa segunda
faceta, o regulamento de empresa é uma manifestação dos poderes diretivo e disciplinar do
empregador, o qual vincula este às disposições que aprovou.191
Em virtude dessa função normativa do regulamento da empresa (constante no artigo 99º
do CT), é que o empregador irá efetuar de modo geral e abstrato determinações de caráter
heterônomo à coletividade dos trabalhadores, determinações estas que poderia fazer em
concreto para cada trabalhador.192
É justamente nessas determinações que reside o ponto de encontro entre a temática do
poder regulamentar do empregador e a questão da desobediência do trabalhador. As regras
constantes no regulamento de empresa podem assumir o caráter de ordens ou instruções a
respeito da organização e disciplina do trabalho. E, conforme dispõe a alínea “e” do nº 1 do
artigo 128º do CT, cumpre ao trabalhador obedecê-las.
Analogicamente, de acordo com a exceção constante no referido dispositivo legal, pode-
se afirmar que o trabalhador deve obediência a tais determinações gerais constantes no
regulamento da empresa desde que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.
189 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.716. De modo similar, no
Brasil, dispõe Mauricio Godinho Delgado: “Poder regulamentar seria o conjunto de prerrogativas
tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito
do estabelecimento e da empresa. ”. Em: DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit.,
p.734 190 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.28 191 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp.280 ss. 192 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.473
58
Consequentemente, caso alguma determinação prevista no regulamento de empresa ofenda
algum direito ou garantia do prestador da atividade laboral, essa será ilegítima, sendo legítima
a recusa do trabalhador a cumpri-la.
Visando a evitar essa ofensa de direitos e garantias do trabalhador é que a lei estabelece
formalidades para a elaboração do regulamento interno, as quais estão disciplinadas nos
números 2 e 3 do artigo 99º. Ainda, com essa mesma finalidade, o nº 1 do artigo 99º restringiu
o âmbito do poder regulamentar do empregador às matérias sobre organização e disciplina do
trabalho.
Por outro lado, sendo as determinações constantes do regulamento legítimas por
obedecerem às formalidades impostas, serem materialmente viáveis (tratarem apenas sobre
organização e disciplina do trabalho) e não violarem direitos e garantias do trabalhador, este
fica adstrito à sua observância. E, caso assim não o faça, sua conduta consubstanciará em
infração disciplinar, a qual será passível de sanção.193 Essa punibilidade da não observância do
regulamento se dá em virtude da natureza obrigatória deste.194
6 A autonomia técnica do trabalhador e as ordens e instruções do empregador
A palavra “autonomia” tanto em português como em inglês é originária do grego,
resultando da conjunção de autos (“a si mesmo”) e nomos (regras), sendo a capacidade de uma
pessoa de governar-se; dirigir sua própria vida; tomar decisões sozinha.195 Assim, termo
“autonomia” significa, basicamente, “autolegislação”196. Conferir autonomia a alguém é o
mesmo que autorizar que a própria pessoa determine seu modo de conduta.
Entende-se, portanto, por autonomia técnica, a independência do trabalhador em
determinar como conduzirá seu trabalho tecnicamente.
O fato de o prestador da atividade estar subordinado juridicamente ao empregador não
menospreza a autonomia técnica de certos trabalhadores, conforme enuncia o artigo 116º do
Código do Trabalho. Autonomia esta que seja inerente à atividade prestada, nos moldes das
regras legais ou deontológicas aplicáveis.
193 Exemplificativamente, vide: Ac. STJ de 27/04/2006, (Nº05S4320/JSTJ000), www.dgsi.pt 194 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal, Coimbra, 1990, p.18 195 FINKIN, Matthew W./ KRAUSE, Rüdiger/TAKEUCHI-OKUNO, Hisashi – Employee autonomy, privacy, and
dignity under technological oversight, in M. W. FINKIN/G. MUNDLAK (coord.), Comparative Labor Law,
Northampton, 2017, 153-194, p.155 196 KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito cit., p.293
59
Destarte, o empregador tem o dever de respeitar à mencionada autonomia técnica do
trabalhador “que exerça atividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija”,
segundo dispõe a alínea “e” do nº 1 do artigo 127º do mesmo diploma normativo.
As atividades cuja autonomia técnica é reconhecida possuem natureza jurídica de
atividades liberais, porém nada impede que sejam exercidas de modo subordinado, sendo a
subordinação jurídica manifestada de outras maneiras que não a dependência técnica do
empregador.197
Pode-se afirmar, portanto, que a autonomia técnica da atividade prestada por certos
trabalhadores e os quadros de subordinação jurídica típicos dos contratos de trabalho são
compatíveis.198
Assim, por mais que o trabalhador seja o responsável para decidir que solução empregar
em determinada questão que envolva conhecimentos técnicos, ele ainda está sujeito às ordens
da entidade empregadora no sentido de adequar o seu trabalho com o alheio e com os fatores
de produção, bem como serão fixadas pelo empregador as condicionantes de tempo e espaço
da prestação da sua atividade.199
Diante da especialização crescente das atividades produtivas, cada vez mais os
trabalhadores utilizam sua experiência técnica e conhecimentos especializados para
desenvolver certa prestação. Assim, a autonomia técnica na realização da atividade laboral
aumenta. Quanto mais sofisticada e diferenciada for a qualificação profissional exigida, maior
é a chance de o trabalhador conhecer melhor o trabalho que o próprio empregador e, com isso,
menos ordens este dará àquele, aumentando assim a aparência de autonomia.200 Importa
ressaltar que, por mais que o trabalhador possua tal aparência de autonomia decorrente da
especialização do seu trabalho e não receba ordens diretas da entidade empregadora, ainda
assim a subordinação jurídica nos contratos de trabalho é existente.
197 Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt. Ainda, de acordo com o STJ, as atividades
que são prestadas em regime de profissão liberal apresentam um grau de dificuldade maior para serem enquadradas
na noção de trabalho subordinado, sendo necessário socorrer-se nos métodos indiciários. É o caso, por exemplo
dos médicos, advogados e engenheiros. Vide: Ac. STJ de 10/12/2009, (Nº 6/08.1TTPTG.S1), www.dgsi.pt 198 Decidiu o STJ: “A actividade desenvolvida por músicos de orquestra implica por natureza uma autonomia
técnica perfeitamente compatível de ser levada a cabo, indistintamente, num quadro de subordinação ou em
termos autónomos.”. Em: Ac. STJ de 15/09/2016, (Nº 329/08.0TTFAR.E1.S1), www.dgsi.pt 199 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 124 200 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121
60
A autonomia técnica do trabalhador também é compatível com eventual estrutura
hierárquica estabelecida na empresa em razão dos conhecimentos técnicos dos trabalhadores, e
por consequência, o trabalhador poderá receber instruções técnicas de superior da sua área.201
A finalidade do artigo 116º do Código do Trabalho, é tutelar a autonomia técnica do
trabalhador para que sirva de limite à autoridade e direção do empregador.202 Dessa forma, o
trabalhador fica vinculado apenas a obedecer às ordens e instruções do empregador que não
digam respeito à área técnica de sua atuação.
Portanto, no tocante às ordens ou instruções da entidade empregadora que se referem à
organização do trabalho ou diretrizes gerais destinadas a todos os empregados, o trabalhador
ficará obrigado a cumpri-las (é o caso: das normas de procedimento burocrático, local de
trabalho, horário e regras disciplinares).203
Diante do exposto, pode-se concluir que uma ordem do empregador que afete a
autonomia técnica de determinado trabalhador é ilegítima, uma vez que viola o disposto nos
artigos 116º e 127º (nº 1, alínea “e”) do Código do Trabalho. Em virtude da nulidade de tal
ordem, o trabalhador poderá desobedecer a ela sem que sua conduta seja ilícita, conforme prevê
a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º do referido diploma.204
PARTE III – O DEVER DE OBEDIÊNCIA DO TRABALHADOR E A SUA
INOBSERVÂNCIA
1 Os deveres do trabalhador
Dado o caráter sinalagmático do contrato laboral, no momento em que este é celebrado
originam-se prestações e deveres recíprocos a serem observados pelas partes. Dessa forma,
trabalhador e empregador encontram-se simultaneamente na situação de credores e devedores
um do outro.205 Neste ponto do presente trabalho, assumem especial relevância os deveres que
deverão ser observados pelo trabalhador.
Conforme extrai-se da leitura do artigo 11º do Código do Trabalho, o principal dever do
trabalhador para com o empregador é o de prestar a este a sua atividade. Além de ser o principal
201 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.449. O autor cita como exemplo
de superiores hierárquicos de trabalhadores com autonomia técnica: médico-chefe, advogado diretor de
contencioso. 202 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.284 203 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.122 204 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p284 205 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 519
61
dever do trabalhador, a prestação de uma atividade constitui elemento essencial do contrato de
trabalho.206
Conjuntamente com o dever principal de prestar sua atividade contratualmente
estabelecida, o trabalhador possui uma série de deveres denominados acessórios, os quais
podem ser oriundos de lei ou não.207 O conteúdo desses deveres acessórios é variável de acordo
com a posição hierárquica do trabalhador na empresa, sendo sua intensidade diretamente
proporcional às funções de maiores responsabilidades.208
Assumem particular relevo, para o presente trabalho, os deveres acessórios com base
legal, haja vista o dever de obediência ser um deles. Porém, previamente é mister realizar breves
considerações gerais a respeito de outros deveres legalmente estabelecidos ao trabalhador.
O artigo 126º do Código do Trabalho estabelece deveres gerais tanto ao trabalhador
como ao empregador. Assim, no seu número 1 está previsto para ambas as partes o dever de
proceder com boa fé e, no número 2, o dever de colaboração do trabalhador para a obtenção de
uma maior produtividade, conjuntamente com o dever do empregador de colaborar para a
promoção humana, social e profissional do prestador da atividade.209
A maioria dos deveres legais específicos do trabalhador em relação à entidade
empregadora estão enumerados no artigo 128º do Código do Trabalho. Tal enumeração é
meramente exemplificativa, uma vez que a redação do número 1 traz a expressão “sem prejuízo
de outras obrigações”.
Ainda, o artigo 351º, em seu nº 2, do Código do Trabalho complementa o rol dos deveres
legais a serem observados pelo trabalhador, ao enumerar situações de justa causa de
despedimento (haja vista que as mesmas se tratam de violações de deveres por parte do
prestador da atividade), sem que exista uma total correspondência com os deveres elencados no
artigo 128º.
Diante do exposto no presente tópico, conclui-se que o trabalhador se encontra
vinculado juridicamente a uma série de deveres em virtude da celebração do contrato de
206 Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que a atividade laboral constitui fenômeno nuclear do Direito do
Trabalho e se trata de: “uma atividade humana produtiva, a qualificar juridicamente como uma prestação de facto
positiva, que releva in se e não pelos resultados que produza e cujo conteúdo é heterodeterminado, no sentido em
que carece de ser concretizado pelo empregador.”. Ainda segundo a autora, a atividade laboral juntamente com a
retribuição, dão origem ao chamado “binômio objetivo” do contrato de trabalho. In: RAMALHO, Maria do
Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp. 437 ss. 207 Além da origem legal, os deveres podem possuir como fontes: instrumentos de regulamentação coletiva, o
próprio contrato de trabalho, o regulamento da empresa, entre outras. 208 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.265 209 Para Maria do Rosário Palma Ramalho, o nº 2 do artigo 126º trata-se de uma manifestação do princípio geral
da boa fé constante no nº 1 do mesmo dispositivo. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito
do Trabalho cit., II, p.433
62
trabalho. Dentre os deveres de origem legal a que o trabalhador está adstrito, encontra-se o
dever de obediência, o qual é a base para o presente trabalho.
1.1 Deveres integrantes e deveres autônomos da prestação principal
Ao abordar os deveres do trabalhador como integrantes ou autônomos, o presente item
faz referência ao critério de classificação dos deveres acessórios, de acordo com a ligação dos
mesmos com o dever principal, adotado por Maria do Rosário Palma Ramalho.210
A utilidade de apontar tal critério classificatório no presente trabalho revela-se na
caracterização de determinado comportamento do trabalhador como infração disciplinar (ou
não), bem como na possibilidade de se assinalar situações de inexigibilidade do dever de
obediência, nos moldes indicados abaixo.
O critério de classificação dos deveres acessórios do trabalhador de acordo com o nexo
que possuem com o dever principal os distinguem em duas categorias: deveres acessórios
integrantes da prestação principal e deveres acessórios autônomos da prestação principal.211
Os deveres autônomos, também chamados de complementares, constituem “situações
subjetivas laterais, que favorecem e complementam a execução do trabalho, mas podem não
coincidir com ela (...).”.212 Assim, os deveres autônomos são aqueles que, para serem exigíveis,
não dependem da efetividade da prestação laboral principal.213 Logo, eventual incumprimento
desses deveres poderá caracterizar uma infração disciplinar por parte do trabalhador.
O número 1 do artigo 295º do Código do Trabalho faz referência aos deveres autônomos
dos trabalhadores ao enunciar que estes precisam observar os deveres que não pressuponham a
efetiva prestação da atividade laboral durante a redução da atividade ou na suspensão do
contrato de trabalho.
Por outro lado, os deveres integrantes da prestação principal são aqueles que “estão
estreitamente ligados à prestação principal e, que por isso, acompanham as respectivas
vicissitudes, sendo apenas exigíveis na pendência daquela prestação.”.214 Dessa forma, esses
deveres não se mantêm enquanto a prestação principal não for efetiva e eventual incumprimento
não será tido como infração disciplinar.
210 A autora aponta que tal critério classificatório, o qual foi subscrito no contexto português, foi desenvolvido na
doutrina germânica, principalmente a partir da construção de Herschel. Vide: RAMALHO, Maria do Rosário
Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.447 211 Seguindo a linha de Maria do Rosário Palma Ramalho, também: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes –
Direito do Trabalho cit., p.265 212 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.213 213 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral cit., p.211. Vide
também: Ac. STJ de 07/03/2012, (Nº 17/10.7TTEVR.E1.S1), www.dgsi.pt. 214 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.434
63
É nesta última categoria apresentada que se situa o dever de obediência, e, assim, por se
tratar de dever integrante da prestação principal, somente será exigível na efetiva prestação
desta.
Consequentemente, uma vez que o dever de obediência integra a prestação principal,
ele somente será exigível na pendência da atividade laboral. Logo, determinado comportamento
desobediente em casos que o dever de obediência não é exigível não poderá ser tido como uma
infração disciplinar, devendo tal desobediência ser considerada como legítima.
1.1.1 O dever de obediência no quadro geral dos deveres do trabalhador
O dever de obediência do trabalhador, conforme já referido anteriormente, tem origem
legal. Tal dever encontra enquadramento normativo no artigo 128º do Código do Trabalho
(tanto na alínea “e” do nº 1, quanto no nº 2), o qual dispõe exemplificativamente a respeito dos
deveres do trabalhador.
Também em conformidade com apontamentos prévios, o dever de obediência assume
um caráter de dever acessório do trabalhador, uma vez que o dever principal deste é a prestação
da atividade para a qual foi contratado.
Dentre os deveres acessórios do trabalhador, o dever de obediência (a par do de
lealdade) é o mais importante, não restando dúvidas quanto ao seu peso na relação de trabalho,
mesmo que a norma tenha optado por não o diferenciar no elenco de deveres do trabalhador.215
Para António Menezes Cordeiro, denominar o dever de obediência como dever
acessório decorre de uma limitação linguística diante de uma impossibilidade de exprimir-se a
atividade laboral (uma atividade humana dotada de um conteúdo rico) com apenas uma locução.
Segundo o autor, tal limitação acarreta a denominação de dever principal à prestação laboral
por ser mais expressiva e do dever de obediência como acessório e, consequentemente, menos
sugestivo, mesmo diante do fato de que todo trabalho subordinado implica em um dever de
obediência. 216
Independentemente da justificativa para o dever de obediência ser denominado como
acessório, é mister se reconhecer o mesmo como tal, e, utilizando o critério de classificação dos
deveres acessórios, de acordo com o nexo dos mesmos com o dever principal, faz jus o encaixe
de tal dever como um dever integrante.
Dessa forma, uma vez que o dever de obediência pertence à categoria de dever
integrante da prestação principal, somente será exigível na pendência desta. Portanto, eventual
215 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.436 216 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 128
64
incumprimento de determinada ordem emitida quando a atividade laboral não for efetiva, não
poderá ser caracterizado como infração disciplinar. Tal comportamento, consequentemente,
não será passível de ser sancionado.
2 Aspectos gerais do dever de obediência
A relação de trabalho insere-se numa relação de poder em que o trabalhador é o sujeito
subordinado, estando adstrito à observância de deveres, dentre os quais se encontra o dever de
obediência às ordens e instruções da entidade empregadora.217
Para Alfredo Montoya Melgar, ao mesmo tempo em que o dever de obediência
manifesta a dependência do trabalhador perante o empregador, ele revela uma clara prova da
desigualdade socioeconômica e jurídica entre eles, tornando-se visível a relação hierárquica
existente, onde um ordena e o outro obedece.218
O dever de obediência aparece como um contraponto ao poder de direção do
empregador, em virtude da subordinação jurídica, mas a ele não se limita, haja vista a
vinculação do trabalhador ao cumprimento também dos comandos emitidos em razão do poder
disciplinar e do regulamento interno. Assim, o dever de obediência abrange as ordens e
instruções a respeito da prestação de trabalho propriamente dita e as regras de disciplina da
empresa.219
Para Pedro Romano Martinez o dever de obediência relaciona-se de um lado com a falta
de concretização da atividade laboral e de outro com a mútua colaboração das partes na relação
de trabalho, fazendo parte do princípio da boa-fé. 220 De forma semelhante entendem Manuel
Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de la Rosa ao afirmarem que somente com uma
atitude de cumprimento de ordens e instruções (as quais concretizam o trabalho a ser executado)
por parte do trabalhador é que é possível a realização da prestação devida.221
A subordinação do trabalhador no contrato laboral implica para ele um dever de
obediência.222 Consequentemente, a obediência do trabalhador exprime o reconhecimento da
autoridade do empregador no contrato de trabalho.223 A importância do referido dever reside
217 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.221 218 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., pp.327 s. 219 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra, 2009, pp. 62 ss. 220 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.154 221 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo cit., p.591 222 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124 223 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.182
65
justamente no fato de este ser uma manifestação, por excelência, da subordinação do prestador
da atividade no vínculo de trabalho.224
Relevante ponto para a presente dissertação reside na exigibilidade do dever de
obediência, a qual se relaciona com a regularidade da ordem ou instrução que impôs o
cumprimento por parte do trabalhador. Assim, o dever de obediência não é absoluto e, caso
venha a ser cessado frente a uma ordem ou instrução ilegítima, poderá resultar em uma
desobediência legítima.
2.1 Definição
Antes de se apresentar a definição do dever de obediência do trabalhador propriamente
dita, cabe tecer algumas considerações a respeito dos termos dessa expressão isoladamente.
Primeiramente, quanto ao “dever”, pode-se afirmar que uma “obrigação” surge quando
voluntariamente alguém se vincula a ela, enquanto o “dever” aparece como consequência de
uma situação jurídica, dessa forma, não se adquire um dever voluntariamente. A função dos
deveres é indicar qual conduta é a correta diante de um determinado caso, levando em conta
todos os fatores que o envolvem.225
O termo “obediência”, conforme previamente referido, significa o ato de submeter-se a
uma vontade alheia. Ainda, o verbo “obedecer” encontra como sinônimos os verbos “cumprir”
e “executar”.226
Segundo De Plácido e Silva, a obediência é a consequência de um fato gerador, ou de
um preceito que a ordena, atuando dentro do princípio da legitimidade da ordem que deve ser
obedecida.227 Essa atuação da obediência dentro da legitimidade da ordem a ser cumprida se
encaixa perfeitamente nos moldes da exigência do dever de obediência na seara trabalhista.
No campo do Direito do Trabalho português, António da Rocha Menezes Cordeiro
afirma que o dever de obediência se trata de “uma sujeição à hetero-determinação da
actividade a prestar.”.228
Em termos normativos, a definição do dever de obediência consta no artigo 128º, nº 1,
alínea “e” do Código do Trabalho, enunciando a obrigatoriedade de o trabalhador cumprir
ordens e instruções produzidas pelo empregador no tocante à execução e disciplina do trabalho
e, também, saúde e segurança, excetuando-se as que violarem seus direitos ou garantias.
224 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.449 225 MALEM SEÑA, Jorge Francisco – Concepto y justificación de la desobediencia civil, Barcelona, 1988, p.22 226 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de língua portuguesa cit., p. 1489 227 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico cit., p.967 228 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 127
66
O nº 2 do artigo 128º completa a definição legal do dever de obediência ao dispor que,
além do empregador, o superior hierárquico do trabalhador, quando investido de poderes
conferidos pela entidade empregadora, poderá emitir ordens e instruções, às quais o trabalhador
também fica vinculado a obedecer.
Dessa forma, o trabalhador, pelo dever de obediência, fica adstrito a executar uma
conduta que vá concretizar as ordens ou instruções proferidas pela entidade empregadora ou
por quem essa tenha delegado poderes para tal.
2.2 Enquadramento legislativo
Apesar das várias referências ao dever de obediência do trabalhador no Código do
Trabalho, a mais expressiva delas certamente é a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º, a qual traça
os contornos desse dever.
Tal preceito normativo dispõe que o trabalhador deve atender as ordens e instruções da
entidade empregadora, tanto as que dizem respeito à execução da atividade quanto as que sejam
referentes à disciplina laboral, bem como as de segurança e saúde no trabalho, desde que não
sejam contrárias aos seus direitos ou garantias. Importa mencionar que no referido dispositivo
o termo “dever de obediência” não aparece de modo expresso, porém, extrai-se da sua
definição.
A parte final desse dispositivo, ao ressalvar o trabalhador do cumprimento das ordens
ou instruções que sejam contrárias aos seus direitos e garantias, indica que o dever de
obediência do trabalhador não é absoluto, admitindo, assim, uma desobediência destituída de
ilicitude.229 Outro artigo do Código do Trabalho que reconhece que o dever de obediência não
é absoluto é o 331º (nº 1, alínea “b”), o qual considera abusiva a sanção aplicada a trabalhador
que se recuse a cumprir uma ordem a que não deva obediência.
O dever de obediência é mencionado em mais de um dispositivo no artigo 128º do
Código do Trabalho. A segunda referência a este dever é feita no seu número 2, o qual enuncia
que o trabalhador deve obedecer às ordens ou instruções emanadas do seu empregador e,
também, às de seu superior hierárquico quando a este forem atribuídos poderes para tal.
Portanto, o nº 2 do artigo 128º refere-se aos sujeitos legítimos para emitir ordens ou instruções
as quais o trabalhador fica adstrito a observar.
229 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.313
67
De acordo com Pedro Romano Martinez, o artigo 97º do Código do Trabalho também
faz referência ao dever de obediência do trabalhador, posto que este é a contrapartida do poder
de direção do empregador.230
Especificamente quanto à matéria de segurança e saúde no trabalho, a legislação
trabalhista prevê no artigo 281º, nº 7, do Código do Trabalho, que o trabalhador deve obediência
às prescrições de segurança e saúde laboral emitidas pelo empregador (além daquelas previstas
em lei ou instrumento de regulamentação coletiva).
O dever de obediência a ordens ou instruções que tratem sobre segurança e saúde no
trabalho, possui um fulcro específico de prevenção de riscos ao trabalhador. Dessa forma, o
dever previsto no dispositivo mencionado nada mais é do que a contrapartida ao dever do
empregador de assegurar condições de segurança e saúde ao trabalhador em todos os aspectos
relacionados com a atividade laboral, previsto no nº 2 do artigo 281º.
Completando o presente rol exemplificativo dos dispositivos do Código do Trabalho
que fazem referência ao dever de obediência, há que se mencionar a alínea “a” do nº 2 do artigo
351º. Ao tratar do despedimento por fato imputável ao trabalhador, tal alínea elenca como
infração disciplinar (passível de caracterizar a justa causa de despedimento) a violação ao dever
de obediência, quando ilegítima. Assim, referido dispositivo reconhece o dever de obediência,
acarretando a aplicação da sanção mais gravosa ao trabalhador que o viole, quando preenchidos
os requisitos para a caracterização da justa causa.
2.3 Sujeitos
Primeiramente, cumpre apontar que, para que algum prestador de atividade seja passível
de vinculação a um dever de obediência, deve existir um contrato de trabalho subordinado entre
ele e o beneficiário de tal atividade. Razão esta que isenta o trabalhador autónomo de uma
sujeição ao dever de obediência, limitando o beneficiário a dar indicações a respeito do
resultado pretendido.231
Ressalvada a hipótese do trabalhador autônomo, o sujeito adstrito a observar o dever de
obediência, é, portanto, o trabalhador subordinado, nos moldes do artigo 128º, nº 1, alínea “e”,
do Código do Trabalho.
Questão que demanda maiores delongas é a relativa ao sujeito a quem o trabalhador
subordinado deve obediência. A alínea “e” do nº 1 do artigo 128º restringe-se a fazer referência
230 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., pp. 153 s. 231 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 156
68
à figura do empregador. É, portanto, o nº 2 do artigo 128º que legitima outros sujeitos a emitir
ordens e instruções ao trabalhador.
Extrai-se da leitura deste dispositivo que as ordens e instruções a que o trabalhador deve
obediência não precisam necessariamente ser emitidas de modo direto por aquele que o
emprega, sendo suficiente para ensejar o seu cumprimento que sejam emanadas de um superior
hierárquico do trabalhador com poderes atribuídos para tal pelo empregador. Assim, outros
trabalhadores são, por vezes, legitimados a emitir ordens e instruções a serem obedecidas.
Na realidade fática do contrato de trabalho, levando em conta a dimensão das empresas,
muitas vezes o trabalhador não possui um relacionamento imediato com seu empregador, de
modo que sua obediência não se restringe a ele.
Em virtude das cadeias hierárquicas existentes no ambiente laboral (em especial nos de
grande porte), a faculdade de direção acaba sendo repartida entre os diversos níveis. Assim,
para que se possa determinar no caso concreto se o trabalhador deve ou não obediência a certo
sujeito, é necessária a observância das linhas da organização e também da posição ocupada pelo
trabalhador.232
Apesar de o artigo 128º não mencionar, além das ordens emitidas por seu empregador
ou por superior hierárquico investido de poderes para tal, o trabalhador deve obediência também
ao cessionário durante a cedência ocasional e ao utilizador no trabalho temporário, uma vez que
ambos podem exercer sobre ele o poder diretivo.233
2.4 Amplitude do dever de obediência
O dever de obediência do trabalhador engloba o cumprimento de ordens e instruções
que se refiram à execução ou à disciplina do trabalho, conforme estabelece o artigo 128º, nº 1,
alínea “e” do CT. Assim, o dever de obediência abrange comandos que digam respeito à
atividade prestada (oriundos tanto do poder diretivo quanto genericamente do poder
regulamentar) e também que se refiram à disciplina do trabalho (originários do poder disciplinar
do empregador na sua faceta prescritiva).
Essa característica do dever de obediência de englobar a observância de outras regras
além das ordens e instruções que sejam conexas à prestação principal Maria do Rosário Palma
Ramalho denomina de extensão do dever de obediência. Para a autora, o referido dever se
estende às regras de higiene, saúde e segurança no trabalho, regras de funcionamento da
232 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do
Trabalho, I, Lisboa, 1994, p.92 233 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961
69
empresa, inclusive podendo afetar eventualmente comportamentos extra-laborais do prestador
da atividade, ou outras.234
Outro aspecto que diz respeito à amplitude do dever de obediência é relativo ao modo
de como as ordens ou instruções foram produzidas. O trabalhador fica adstrito a observar tanto
as diretrizes emanadas apenas a si (as chamadas ordens individuais) quanto as proferidas para
uma coletividade de trabalhadores (ordens ou instruções genéricas). Quanto às últimas, pode-
se apontar as normas constantes do regulamento interno, dos códigos de conduta e instruções
genéricas que servem para qualquer empregado em uma situação.235
No Brasil adotou-se dois nomes para a violação (ilegítima) do dever de obediência do
trabalhador caso se esteja diante de um incumprimento de uma ordem individual ou geral. Diz-
se que o trabalhador comete um ato de indisciplina na ocorrência de uma violação a uma ordem
geral (proferida de modo impessoal) e um ato de insubordinação se descumprir uma ordem
pessoal e direta.236 Dessa forma, para o autor Mozart Victor Russomano, a insubordinação (por
se tratar de um desrespeito a ordens diretas) é uma espécie do gênero indisciplina.237
Essa distinção terminológica entre as duas figuras não demonstra qualquer relevância
prática, uma vez que aos dois comportamentos o artigo 482 da Consolidação das Leis do
Trabalho atribui a mesma consequência – justa causa para a rescisão do contrato de trabalho.
De modo semelhante ao brasileiro, no direito laboral espanhol também se adota dois
nomes para se referir à violação do dever de obediência – “indisciplina” para o incumprimento
de ordens gerais ou normas que regem a empresa e “desobediência” quando se trate de ordens
concretas.238
Feito esse adendo a respeito do incumprimento ilegítimo do dever de obediência no
Brasil e na Espanha, conclui-se que de igual modo as ordens ou instruções individuais e
coletivas vinculam o trabalhador à sua observância, e que este é obrigado a cumprir não apenas
as diretrizes que digam respeito ao modo de execução da sua atividade, mas também as
decorrentes do poder disciplinar da entidade empregadora.
234 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.437 e RAMALHO, Maria
do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.459 235 MOLERO MANGLANO, Carlos – Manual de Derecho del Trabajo cit., p.445 236 Vide: CARRION, Valentin – CLT, Comentários à Consolidação das Leis Trabalhistas, 40ª ed., São Paulo,
2015, pp.475 s. e LEITE, Carlos Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho cit., p.510 237 RUSSOMANO, Mozart Victor – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Curitiba, 2012, p.221 238 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo
cit., II, p.1351
70
3 Outros aspectos do dever de obediência
3.1 O dever de obediência e a subordinação jurídica
A relação entre a subordinação jurídica e o dever de obediência do trabalhador é íntima
e indissociável, de modo que sem a existência daquela não há o que se falar em contrato de
trabalho e, consequentemente, inexiste também um dever de obediência.
A subordinação jurídica implica para o trabalhador a obrigação de obedecer às ordens e
instruções da entidade empregadora, no que tange à execução e disciplina do trabalho.239 O
dever de obediência do trabalhador é, portanto, o corolário da situação de subordinação jurídica
em que ele se encontra no contrato de trabalho.240
O cumprimento de ordens ou instruções identifica-se com a dependência enquanto nota
caracterizadora da relação laboral.241 Assim, dentro de certos limites, o dever de obediência é
uma resultante fatal da subordinação jurídica laboral,242 sendo o dever que mais fielmente
caracteriza o modo de cumprimento do contrato de trabalho.243
Segundo Pedro Romano Martinez, a subordinação jurídica pode ser entendida em um
sentido amplo (abrangendo a alienabilidade, o dever de obediência e a sujeição ao poder
disciplinar) e em um sentido restrito – determinado de sujeição laboral, o qual corresponde
apenas aos dois últimos representantes do sentido amplo.244
Dessa forma, pode-se afirmar que o dever de obediência é a “manifestação, por
excelência, da subordinação do trabalhador no vínculo laboral, a par da sujeição ao poder
disciplinar sancionatório do empregador”.245 A sujeição ao poder disciplinar revela-se na
medida em que se o trabalhador desrespeitar alguma ordem ou regra que vigore na empresa,
possibilita-se à entidade empregadora a sua punição.246
A alienabilidade da força de trabalho (sendo esta o conjunto de atributos da
personalidade de quem a detém) e a dependência do trabalhador no contrato são potencialmente
lesivas de direitos deste.247 Logo, é mister a existência de limites à subordinação jurídica e seu
consequente dever de obediência.
239 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho, Coimbra, 1983,
p.53 240 Ac. STJ de 12/03/2014, (Nº 47/08.9TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt 241 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.70 242 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.130 243 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp. 371 s. 244 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.153 245 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.449 246 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.155 247 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., pp.44 s.
71
A existência da subordinação jurídica no contrato de trabalho não quer dizer que o
trabalhador deva obedecer cegamente a todas as ordens ou instruções emitidas pelo
empregador. Uma vez que o trabalhador possui capacidade de discernimento, o mesmo não está
obrigado a cumprir ordens que atentem contra seus direitos ou garantias.248 Ainda, a
subordinação jurídica encontra limites na atividade laboral, restringindo os seus efeitos à
relação de trabalho.249
3.2 O dever de obediência e os poderes do empregador
A Teoria Geral do Direito há muito já correlacionava a ideia de poder à de dever, sendo
que “não há poder sem dever, nem dever sem poder, sendo, por conseguinte, o poder de um, o
dever do outro e vice-versa”. 250
De acordo com Giampiero Falasca, durante o contrato laboral, o trabalhador fica adstrito
à observância de deveres que assegurem o exercício dos poderes do empregador, dentre eles
encontra-se o dever de obedecer às diretrizes emitidas por este.251
Essas diretrizes emitidas pelo empregador podem ser comandos gerais (proferidos para
uma coletividade de trabalhadores) ou individuais e poderão ser oriundas do exercício do poder
diretivo, da faceta prescritiva do poder disciplinar ou de regras constantes no regulamento de
empresa. Independentemente de qual poder essa diretriz seja uma manifestação, sendo legítima,
ela terá como consequência a exigibilidade do dever de obediência, por força do disposto no
artigo 128º, nº 1, alínea “e”.
O dever de obediência, na maior parte das vezes, encontra-se relacionado ao poder de
direção do empregador, o que ocorre tanto por questões práticas quanto teóricas. Obviamente
que o dever de obediência no cotidiano laboral acaba sendo exercido em um maior número de
vezes para cumprir ordens e instruções decorrentes do poder diretivo. Ademais, o artigo 97º do
248 Assim decidiu a Corte Constitucional Colombiana: “En efecto, la subordinación no es sinónimo de terca
obediencia o de esclavitud toda vez que el trabajador es una persona capaz de discernir, de razonar, y como tal
no está obligado a cumplir órdenes que atenten contra su dignidad, su integridad o que lo induzcan a cometer
hechos punibles.". Corte Constitucional – Republica de Colombia, Sentencia C-934/04. Disponível em:
http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/2004/C-934-04.htm#_ftnref13
Ainda, a legislação colombiana (alínea “b” do nº 1, do “articulo 23” do “Codigo Sustantivo del Trabajo”) limita a
subordinação dos trabalhadores a ordens que não afetem a honra, a dignidade e os direitos mínimos dos
trabalhadores. Codigo Sustantivo del Trabajo disponível em:
http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/codigo_sustantivo_trabajo.html 249 Corte Constitucional – Republica de Colombia, Sentencia C-934/04. Disponível em:
http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/2004/C-934-04.htm#_ftnref13 250 CARNELUTTI, Francesco – Teoria Geral do Direito, São Paulo, 1942, p.251 251 FALASCA, Giampiero – Manuale di diritto del lavoro, 3ª ed., Milão, 2011, p.163
72
CT, ao enunciar dentro do poder de direção que compete ao empregador estabelecer os termos
da prestação, deixa implícito que este o faz através da emissão de comandos.
O aparecimento do dever de obediência voltado apenas para o poder de direção justifica-
se também frente a questões teóricas. A entidade empregadora, ao gerir seu próprio
estabelecimento, possui o poder de dirigir a atividade do trabalhador, entendendo-se que
correlativamente a este poder, o trabalhador possui o dever de obediência.252 Afirma-se, que
corresponde ao poder de direção do empregador, em razão da posição de subordinação que o
trabalhador ocupa no contrato de trabalho, o dever de obediência. Tal afirmativa é correta, mas
a ideia contrária é inadequada, uma vez que o dever de obediência não se limita a manifestações
do poder de direção. Essa ideia oposta (de que o dever de obediência é o correspondente do
poder de direção) apenas estaria correta se não se reconhecesse a faceta prescritiva do poder
disciplinar e, também, negando-se autonomia ao poder regulamentar (entendendo este como
uma manifestação do poder de direção).
Mesmo diante dessas questões práticas e teóricas levantadas, não se pode negar que o
artigo 128º, ao disciplinar o dever de obediência, não diferenciou a origem das ordens e
instruções a serem observadas pelo empregador. Assim, o trabalhador está vinculado aos
comandos legítimos do empregador independentemente de qual poder eles resultem.
A relação laboral reveste-se de um caráter de desigualdade entre as partes do contrato
de trabalho. Essa disparidade é revelada na medida em que um dos sujeitos da relação possui
poderes para emitir ordens, enquanto o outro fica vinculado a cumpri-las.
Diante dessa assimetria é que surgem limites que demarcam onde cessa o dever de
obediência às ordens e instruções decorrentes dos poderes da entidade empregadora. Por
questões metodológicas, os limites ao dever de obediência serão abordados em tópico distinto
no presente trabalho. Por ora, vale mencionar que o próprio Código do Trabalho limitou o dever
de obediência (é o caso da parte final da alínea “e” do nº 1 do artigo 128º e, também, da alínea
“b” do nº 1 do artigo 331º). Portanto, aludido dever não é absoluto, não tendo o empregador, da
mesma forma, um “direito ilimitado”253 de dar ordens.
Logo, não são todas as diretrizes emitidas pelo empregador que obrigam o trabalhador
a prestar obediência. Porém, se as ordens ou instruções proferidas se encontrarem dentro dos
252 Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1), www.dgsi.pt. Também, segundo o STJ, o dever de
obediência é “o reverso do poder de conformação da prestação de trabalho que caracteriza a posição do
empregador.” Em: Ac. STJ de 12/03/2014, (Nº 47/08.9TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. No último entendimento, o
Supremo Tribunal de Justiça seguiu a divisão dos poderes do empregador conforme António Monteiro Fernandes,
o qual também posiciona o dever de obediência como correlato do poder conformativo da prestação. Vide:
FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.239 253 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 154
73
limites impostos, a sua inobservância acarretará uma violação do dever de obediência,
configurando uma infração disciplinar.
3.3 O dever de obediência e as modificações na prestação laboral
Convém discorrer neste item a relação entre o dever de obediência do trabalhador e as
ordens do empregador que alteram unilateralmente a prestação da atividade laboral. Conforme
dividido no capítulo anterior, essas modificações podem ocorrer em razão da função exercida
pelo trabalhador, do local e do tempo e horário de trabalho.
Quanto à função do trabalhador, o dever de obediência limita-se, em princípio, a cumprir
as ordens que exijam o desempenho de tarefas inseridas no objeto do contrato de trabalho,
conforme enuncia o princípio da invariabilidade da prestação (nº 1 do artigo 118º do CT).254
Porém, em virtude de tal regra comportar exceções, a entidade empregadora poderá emitir
ordens exigindo que o trabalhador cumpra funções que sejam afins ou funcionalmente ligadas
à atividade contratada (de acordo com o disposto nos números 2 e 3 do artigo 118º) ou, que
modifiquem unilateralmente a função do trabalhador, sobre o abrigo da mobilidade funcional
(artigo 120º).
No caso de o empregador emitir uma ordem para que o trabalhador desempenhe funções
que sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas à atividade para a qual foi contratado, tal
ordem deve observar os requisitos cumulativos dispostos no nº 2 do artigo 118º: o trabalhador
deve possuir qualificação adequada para exercer tais funções e estas não podem implicar a ele
uma desvalorização profissional. Se a ordem emitida cumprir os requisitos ela será lícita,
motivo pelo qual o trabalhador fica vinculado a obedecer a ela. Por outro lado, caso a ordem
não observe os requisitos legais, ela será ilícita, não sendo exigível ao trabalhador o dever de
obediência.
De modo semelhante, quando a ordem de variação da função ocorra sobre o abrigo do
jus variandi, para se afirmar a exigência de um dever de obediência por parte do trabalhador é
necessário analisar se aquela seguiu todos os requisitos cumulativos legalmente estabelecidos
pelo artigo120º, nº 1, do Código do Trabalho (existência de um interesse da empresa; caráter
temporário da variação e que a alteração não implique em modificação substancial da posição
ocupada pelo trabalhador).
Dessa forma, se a ordem decorrente do exercício do jus variandi observou todos os
pressupostos legais ela é legítima, devendo o trabalhador obedecer a ela e desempenhar
254 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.460
74
temporariamente as funções não compreendidas na atividade contratada que lhe forem
atribuídas.255 Caso o trabalhador se recuse a cumprir as tarefas que lhe foram impostas em razão
de uma ordem de variação legítima, ele violará o dever de obediência, sendo o seu
comportamento passível de censura disciplinar. 256 Porém, na ocorrência de não se verificar na
ordem de variação algum dos requisitos, ela será ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador
cumpri-la, sendo legítima sua recusa.257
No que tange às ordens de variação que envolvam o local de trabalho sem a anuência
do trabalhador, cumpre estabelecer as diferenças entre as duas hipóteses previstas no artigo
194º, nº 1, do CT – a transferência coletiva (em virtude de mudança ou extinção do
estabelecimento da prestação do trabalho) e a individual.
Primeiramente, no que diz respeito à transferência coletiva – em razão de mudança ou
extinção do estabelecimento onde o trabalhador executa a atividade – cumpre mencionar que
como a ordem de transferência em uma dessas hipóteses não se sujeita aos requisitos
substanciais da transferência individual, não há como se estabelecer uma análise de
legitimidade da mesma para fins de estipulação da exigibilidade de um dever de obediência da
contraparte da relação contratual. Em outras palavras, na transferência coletiva “não se coloca
a possibilidade de recusa da modificação do local de trabalho pelo trabalhador”.258 Desse
modo, caso o trabalhador não queira cumprir a ordem de transferência, resta-lhe resolver o
contrato laboral, segundo o artigo 194º, nº 5, do Código do Trabalho, não se visualizando uma
possibilidade fática de violação ao referido dever.
No tocante às ordens individuais de transferência do trabalhador, estando preenchidos
os requisitos materiais e procedimentais impostos pelo Código do Trabalho, a ordem emanada
dentro desses parâmetros será legítima, configurando um direito do empregador, devendo o
trabalhador obedecê-la.
Por outro lado, na falta de cumprimento dos requisitos impostos pelos artigos 194º e
196º, a ordem de transferência será ilícita, ferindo a garantia da inamovibilidade, prevista no
artigo 129º, nº 1, alínea “f”. Dessa forma, a obediência a essa ordem não será exigível, pois,
conforme enuncia o artigo 128º (nº 1, alínea “e”), cabe ao trabalhador obedecer às ordens que
não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.
255 A recusa do trabalhador a cumprir ordem de variação decorrente de jus variandi legítimo configura
desobediência ilegítima, passível de sanção, inclusive podendo integrar a justa causa de despedimento. Vide: Ac.
STJ de 01/10/2015, (Nº 279/12.5TTPTG.E1.S1), www.dgsi.pt 256 É o que se verifica no comportamento da trabalhadora em: Ac. RC de 16/12/2015, (Nº3501/14.0T8VIS.C1),
www.dgsi.pt 257 Do mesmo modo: FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.81 258 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.515
75
Não sendo exigível o dever de obediência face a uma ordem de transferência ilícita,
poderá o trabalhador desobedecer a ela de forma legítima, apresentando-se no competente local
de trabalho.259 Ou, caso o requisito não cumprido pelo empregador seja a inexistência de
prejuízo sério ao trabalhador, este poderá (além da possibilidade de recusar obediência) resolver
o contrato de trabalho sob o abrigo do nº 5 do artigo 194º.
Quanto ao horário de trabalho, conforme referido no capítulo anterior, o empregador
poderá, em regra, alterá-lo unilateralmente, em razão do seu poder de direção.260 Essa faculdade
de modificação conferida ao empregador, porém, sujeita-se à observância de requisitos
procedimentais, pelo que a falta de observância às formalidades impostas no artigo 217º do
Código do Trabalho implica em invalidade da ordem de alteração.
Dessa forma, a alteração do horário de trabalho sem a devida consulta precedente,261
sem o prévio aviso ou, em caso de alteração temporária, sem o registro em livro próprio ou que
ultrapasse o número de 3 vezes ao ano, deverá ser considerada inválida, diante do desprezo às
formalidades essenciais.
Embora os procedimentos previstos no Código do Trabalho para a alteração de horário
não afetem a autonomia do empregador – haja vista os mesmos possuírem uma natureza
consultiva – a sua inobservância interfere na validade da decisão de modificação, exonerando
os trabalhadores da obrigação de cumprir o novo horário.262 Assim sendo, o dever de obediência
não será exigível frente à ordem de alteração de horário que não preencha os requisitos formais
essenciais previstos na legislação laboral.
Ainda, não será exigível o dever de obediência do trabalhador face a uma ordem de
alteração proferida com intuito meramente persecutório ou punitivo, pois tal ordem deverá ser
tida como nula em razão de abuso de direito por parte do empregador.
Por outro lado, sendo a ordem de alteração válida diante do cumprimento dos requisitos
e emitida dentro dos interesses objetivos da empresa (sem a ocorrência de abuso de direito), o
trabalhador não poderá se opor, uma vez que o empregador possui a faculdade de alterar os
horários de trabalho unilateralmente.
Em qualquer das três hipóteses de variação do conteúdo laboral elencadas (em razão da
função, local ou horário de trabalho), sendo o dever de obediência exigível diante da
259 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.524 260 Excetuando-se o caso de acordo entre as partes para a submissão da alteração ao consentimento do trabalhador
– Ac. STJ de 29/09/2016, (Nº291/12.4TTLRA.C1.S2), www.dgsi.pt 261 Vide: Ac. STJ de 30/04/2014, (Nº363/05.1TTVSC.L1.S1), www.dgsi.pt 262 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho cit., p.174
76
regularidade da ordem de alteração, caso o trabalhador não a observe ele violará o referido
dever, constituindo o seu comportamento em uma infração disciplinar passível de sanção.
Por ora, importa estabelecer a relação entre o dever de obediência do trabalhador com
as modificações unilaterais feitas pelo empregador. A questão em específico da desobediência
legítima ocorrida em razão da ilicitude dessas variações será analisada no capítulo seguinte.
3.4 O dever de obediência e a esfera extra-laboral
O trabalhador, para além da sua atividade profissional, deve ser reconhecido como
pessoa, portanto, “múltiplos aspectos da vida do trabalhador e da sua personalidade devam
ser considerados irrelevantes para a relação laboral e até inacessíveis ao conhecimento do
empregador.”.263
Dessa forma, a regra geral que se impõe é a da irrelevância das condutas extra-laborais
do trabalhador e, em virtude de tal regra, veda-se ao empregador orientar e sancionar condutas
que se reportem à esfera extra-laboral.264
Ocorre que, tal regra é excepcionada por um critério desenvolvido pela jurisprudência,
o qual visa a justificar o relevo disciplinar de certas condutas do trabalhador na esfera extra-
laboral – o da existência de um nexo de conteúdo relevante entre estas e o contrato de
trabalho.265
Em virtude desse critério de exceção, o trabalhador tem o seu comportamento fora do
ambiente laboral balizado por alguns de seus deveres trabalhistas, sob pena de eventual violação
caracterizar uma infração disciplinar. Embora em alguns deveres seja mais fácil a visualização
de tal exceção (é o caso, do dever de lealdade, por exemplo), o dever de obediência também a
comporta.
É em razão do circunstancialismo de cada caso concreto que se poderá afirmar se
determinada conduta do trabalhador possui ou não reflexo na sua relação de trabalho, bem como
se certa ordem do empregador que envolva a esfera privada do trabalhador é ou não legítima.
Importa esclarecer que se faz referência neste tópico ao conteúdo das ordens a que o
trabalhador deva (ou não) obediência, não se devendo confundir com a exigibilidade do dever
de obediência fora da prestação da atividade em decorrência de ser um dever integrante da
prestação principal.
263 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.971 264 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática cit.,
p.159 265 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.963
77
Aplicando-se o critério de exceção do nexo de conteúdo da conduta com o contrato às
ordens do empregador, tem-se que: se determinada ordem envolvendo uma conduta extra-
laboral do trabalhador não mantém relação com o vínculo de trabalho e nem reflete no mesmo,
ela não será exigível ao trabalhador e, portanto, ele não fica adstrito ao seu cumprimento. Por
outro lado, se for emitida uma ordem envolvendo uma conduta extra-laboral do trabalhador a
qual mantenha relação com o vínculo ou nele reflita, ela será exigível, devendo o trabalhador
obedecê-la.266
Pode-se afirmar, que essa relação ou reflexo da conduta extra-laboral com o vínculo de
trabalho deve ser substancial para que se possa exigir um dever de obediência do trabalhador
fora da prestação da atividade, de modo que, sem a referida conduta, a relação de trabalho será
afetada consideravelmente.
De acordo com Alice Monteiro de Barros, a interferência do empregador na vida extra-
laboral do trabalhador (com a consequente exigibilidade do dever de obediência deste) se
justifica quando o seu comportamento for suscetível de ocasionar danos aos interesses da
empresa.267 O posicionamento da autora brasileira exprime a relação (ou também o reflexo) da
conduta extra-laboral do trabalhador com o vínculo de trabalho.
O dever de obediência, portanto, não se impõe em relação a outras matérias que não
sejam as conexas com a execução da atividade laboral e com a disciplina do trabalho.268 Tal
conexão não precisa ser diretamente relacionada com a prestação, mas eventual conduta extra-
laboral exigida do trabalhador deve possuir um reflexo substancial na mesma.
4 Os limites ao dever de obediência
O dever de obediência do trabalhador não é absoluto, é circunscrito por limites que
definem o campo da sua exigibilidade. A imposição de limites ao dever de obediência tem como
fulcro evitar o cumprimento de alguma ordem ou instrução ilegítima do empregador, passível
até mesmo de ocasionar danos.
266 O STJ considerou legítima a ordem de empregador determinando que o trabalhador empregado de sala de jogo
em um bingo fizesse a barba para manter sua boa aparência. De acordo com o comentário a esse acórdão feito por
Pedro Romano Martinez, tendo em consideração a estrutura da empresa, a imagem desta perante seus clientes
justificam tal exigência. Perante este exemplo de caso concreto, percebe-se que a ordem proferida (mesmo
englobando um cumprimento de uma conduta fora da esfera laboral) envolve conteúdo que reflete na relação de
trabalho, devendo o trabalhador obedecê-la. Vide: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de direcção: âmbito.
Poder disciplinar: desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de 1999, RDES, 2000,
385-408, pp. 395 e 406 267 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387 268 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961
78
Destarte, o tema dos limites ao dever de obediência relaciona-se diretamente com a
desobediência legítima do trabalhador, uma vez que, ultrapassados os seus contornos, aquele
dever torna-se inexigível, sendo legítima a recusa do trabalhador ao seu cumprimento.
Primeiramente, há que se referir a respeito da legitimidade da ordem ou instrução do
empregador. Pode-se afirmar que o trabalhador somente deve obediência a diretrizes
produzidas de modo legítimo.269 Ocorre que o legislador português não definiu de modo
expresso um rol de situações em que se atribui legitimidade a uma ordem ou instrução.
O artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT limita-se a exonerar o trabalhador do seu dever de
obediência quando o comando do empregador for contrário aos seus direitos ou garantias.
Assim, muito embora seja correta a assertiva de que os direitos e garantias do trabalhador
constituem limites gerais ao seu dever de obediência,270 pode-se extrair do ordenamento
jurídico português outros contornos ao referido dever.
É incontestável, em razão da disposição normativa expressa, que os direitos e garantias
do trabalhador servem como baliza à exigibilidade de cumprimento de ordens ou instruções.
Tal previsão não poderia se dar de modo diverso, em razão do intrínseco envolvimento da
pessoa do trabalhador no vínculo laboral, envolvimento este, que demanda a observância de
seus direitos e garantias. Assim, na hipótese de algum comando do empregador violar os
direitos ou garantias do trabalhador, a desobediência verdadeiramente se torna um meio de
defesa desses.
Conforme previamente discorrido, a legitimidade dos comandos do empregador não se
restringe à observância de um conteúdo lícito, porquanto diz respeito também aos sujeitos que
os proferem. Logo, a ilegitimidade do sujeito emitente também serve de limite ao dever de
obediência do trabalhador.
Importante parâmetro ao dever de obediência é a legalidade das ordens da entidade
empregadora. O trabalhador pode recusar-se a cumprir uma ordem ilegal (como, por exemplo,
quando esta demandar a prática de um crime) podendo ser inclusive responsabilizado se a
obedecer de forma acrítica.271 Isso se deve ao fato de que o desrespeito pela legalidade faz
cessar o dever de obediência ao comando proferido.
269 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do
Trabalho cit., I, p.92 270 Maria do Rosário Palma Ramalho entende que os limites gerais ao dever de obediência são os direitos e
garantias do trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II,
p.437 271 FALASCA, Giampiero – Manuale di diritto del lavoro cit., p.165
79
Encontrando fundamento no contrato de trabalho, o dever de obediência limita-se pelo
seu objeto.272 Consequentemente, as ordens da entidade empregadora precisam ser obedecidas
se estiverem dentro dos limites do contrato,273 e as ordens ou instruções que desrespeitem o
contrato de trabalho serão ilegítimas e inexigíveis. Em virtude de o dever de obediência limitar-
se segundo os contornos do contrato laboral, pode-se extrair algumas consequências.
A primeira delas é que eventuais modificações na prestação laboral devem seguir as
imposições legais, sob pena de serem ilegítimas e exonerar-se o trabalhador da sua observância.
A segunda é que ordens ou instruções que não mantenham relação com conteúdo do vínculo
laboral (nem nele reflitam) também acarretam a cessação do dever em tela. Outra consequência
é que como as partes poderão estipular algumas determinações do contrato laboral, as mesmas
poderão, por acordo, limitar ainda mais o dever de obediência.
Constituem, ainda, limites ao dever de obediência: os parâmetros impostos pela boa-fé
(artigo 126º do CT), a observância às regras de saúde e segurança do trabalho, a autonomia
técnica e deontológica do trabalhador e a não exigibilidade do dever de obediência na suspensão
e na não prestação de trabalho (em virtude de o mesmo integrar a prestação principal).
A definição de limites ao dever de obediência do trabalhador varia de acordo com cada
ordenamento jurídico, uma vez que tais limites são extraídos da própria legislação. Assim, os
limites discorridos acima aplicam-se ao direito português.
A legislação trabalhista espanhola, ao prever (na alínea “c” do artigo 5 da Ley del
Estatuto de los Trabajadores) o dever de obediência, limita o cumprimento pelo trabalhador das
ordens e instruções de acordo com o exercício regular das faculdades diretivas do empregador.
O referido artigo, porém, não descrimina em que situações específicas o empregador ultrapassa
o limite imposto pelo exercício regular das suas faculdades diretivas, dando margem ao direito
de resistência do trabalhador. Dessa forma, diferentes enumerações de hipóteses de
desobediência legítima serão encontradas na doutrina espanhola. Segundo Alberto Jose Carro
Igelmo, o trabalhador não deve obediência a ordens manifestamente ilegais ou que acarretem
perigo para quem as executa ou para terceiros.274
Na experiência da common law do Reino Unido, de acordo com Simon Deakin e Gillian
S. Morris, o potencial alcance do dever de obediência é bem amplo, mas na prática tende a ser
limitado pelos seguintes fatores: pelos termos expressos do contrato estipulados pelas partes,
272 Ac. STJ de 25/02/1993, (Nº003543/JSTJ00017985), www.dgsi.pt 273 RIDEOUT, Roger W./ DYSON, Jacqueline C. – Rideout’s principles of labour law, 4ª ed., Londres, 1983, p.93 274 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317
80
pelos limites oriundos dos costumes bem como por aqueles advindos de acordos coletivos.275
No que tange aos termos contratuais estipulados pelas partes, Roger W. Rideout e Jacqueline
C. Dyson afirmam que os trabalhadores não são obrigados a adotar uma postura passiva, muito
pelo contrário, eles devem participar na construção de tais termos e recusarem-se a obedecer ao
que eventualmente esteja fora do estipulado.276
Em resumo, são os limites ao dever de obediência, traçados por cada ordenamento
jurídico, que irão determinar se uma ordem ou instrução é legítima e, portanto, exigível ou não.
Cessado o dever de obediência em razão de eventual comando ultrapassar tais limites, a
desobediência do trabalhador será legítima.
5 A inobservância do dever de obediência por parte do trabalhador
A ocorrência de uma desobediência do trabalhador a uma ordem ou instrução do
empregador não significa automaticamente que houve um incumprimento contratual por parte
daquele. Assim, a inobservância de algum comando pelo trabalhador pode caracterizar duas
situações com resultados distintos, em virtude da conduta deste ser censurada ou legitimada
pelo ordenamento jurídico.
Cumpre ressaltar que a inobservância do dever de obediência engloba o não
cumprimento de comandos oriundos do poder de direção, do poder disciplinar e do poder
regulamentar (através do descumprimento de normas constantes no regulamento de empresa).
Antes de mais nada, para que se possa determinar se eventual incumprimento de ordens
ou instruções violou (ou não) o dever de obediência, é necessária a análise do comando
proferido pelo empregador.
Assim, a primeira situação de inobservância do dever de obediência tem lugar perante
uma ordem ou instrução ilegítima da entidade empregadora. Nessa hipótese, o dever de
obediência não é exigível, portanto, a desobediência a essa diretriz do empregador
(ilegitimamente emitida) será legítima.
Nesses moldes, não há o que se falar em violação de deveres, tampouco em
incumprimento contratual, uma vez que a desobediência teve lugar frente a uma situação que
ultrapassa os limites ao dever de obediência. Logo, essa desobediência legítima não caracteriza
uma conduta ilícita do trabalhador e não poderá ser punida.
Caso o empregador sancione tal conduta, considerar-se-á tal sanção como abusiva, nos
moldes da alínea “b” do nº 1 do artigo 331º. Frente a uma efetiva aplicação de sanção abusiva
275 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.302 276 RIDEOUT, Roger W./ DYSON, Jacqueline C. – Rideout’s principles of labour law cit., p.94
81
pelo empregador, o comportamento deste (além de acarretar indenização ao trabalhador) será
passível de constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador,
conforme enuncia a alínea “c” do nº 2 do artigo 394º do Código do Trabalho.
A segunda situação ocorre quando o trabalhador se encontra perante uma ordem ou
instrução legítima e desobedece a ela. Nessa hipótese, o dever de obediência lhe era exigível,
portanto, o trabalhador comete uma violação do mesmo.277 Tal incumprimento será ilegítimo,
e o comportamento do trabalhador caracterizar-se-á como infração disciplinar, a qual será
passível de sanção e poderá resultar (desde que preenchidos os outros requisitos que
posteriormente serão abordados no presente trabalho) em justa causa de despedimento,
conforme enuncia a alínea “a” do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.
Poder-se-ia afirmar que eventual incumprimento do citado dever poderia “pôr em causa”
a autoridade do empregador. Contudo, apenas a desobediência ilegítima assim o faz, em virtude
da legitimidade do comando. Ainda, a desobediência quando legítima não contesta a autoridade
ou os poderes do empregador em si, mas sim determinadas ordens ou instruções em específico.
5.1 Desobediência legítima versus ilegítima
Múltiplos fatores estabelecem a diferença entre a desobediência legítima e a ilegítima
do trabalhador, tendo em comum apenas a inobservância de ordem ou instrução do empregador.
Quanto às demais características, os dois comportamentos desobedientes consubstanciam-se
em condutas verdadeiramente opostas.
Primeiramente, cumpre relembrar a distinção de ambas as figuras no tocante à situação
em que ocorrem. Enquanto a desobediência legítima surge diante de uma ordem ou instrução
ilegítima (proferida por sujeito incompetente ou que viole direitos ou garantias), a
desobediência ilegítima tem lugar em uma situação de regularidade do contrato de trabalho,
desrespeitando ordem ou instrução legitimamente proferida.
Quanto à exigibilidade do dever de obediência, quando o comando do empregador não
for abrangido pelo âmbito do referido dever – tornando o cumprimento da ordem inexigível, a
desobediência será legítima. Dessa forma, na situação que configura uma desobediência
legítima, o dever de obediência do trabalhador cessa em razão da ilegitimidade da diretriz
proferida. Por outro lado, quando a ordem ou instrução encontrar-se dentro dos limites que
vinculam o dever de obediência, o seu incumprimento será ilegítimo, consubstanciando uma
violação do referido dever.
277 Viola o dever de obediência o trabalhador que descumpre ordens legítimas da entidade empregadora – vide:
Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1), www.dgsi.pt
82
No que tange à caracterização do comportamento desobediente, pode-se afirmar que na
desobediência legítima há uma autorização do ordenamento jurídico, sendo uma conduta lícita
e sem relevância disciplinar. Diferente é a caracterização da desobediência ilegítima, a qual se
encontra expressamente vedada pela legislação trabalhista. Desse modo, a desobediência
ilegítima se trata de uma conduta ilícita referida no nº 2, alínea “a” do artigo 351º do Código
do Trabalho. A desobediência ilegítima, portanto, constitui uma infração disciplinar, a qual será
passível de punição, incluindo-se a justa causa de despedimento no rol de sanções aplicáveis.
Quando o artigo 351º refere-se à um “comportamento culposo” está subjacente a ideia
de um ato ilícito e censurável do trabalhador, uma vez que a expressão abrange tanto a culpa
quanto a ilicitude, seguindo os moldes da responsabilidade civil.278 Nesses termos, a ideia de
culpa está presente na desobediência ilegítima, enquanto na legítima a conduta do trabalhador
não é culposa.
No tocante à diferença das duas figuras quanto às suas respectivas consequências, pode-
se afirmar que a desobediência legítima não deve ser censurada, visto que permitida pela
legislação como um meio de defesa de direitos e garantias do trabalhador.
Já a desobediência ilegítima desorganiza o processo produtivo, implicando na negação
do trabalho subordinado.279 Logo, poderá ser sancionada a critério da entidade empregadora. O
rompimento injustificado do dever de obediência pode cessar a confiança da entidade
empregadora de modo gravoso, tornando a relação insustentável – dando, portanto, lugar à justa
causa de despedimento.
5.2 A desobediência ilegítima como infração disciplinar
A inobservância culposa (violação) de algum de seus deveres por parte do trabalhador
constitui infração disciplinar. A infração disciplinar caracteriza-se como um comportamento
que resulte em um incumprimento culposo do contrato laboral por parte do prestador da
atividade.
O Código do Trabalho não conceituou nem delimitou um rol taxativo das possíveis
infrações disciplinares que possam ser cometidas pelo trabalhador. Diante dessa omissão
legislativa, uma enumeração de um rol exemplificativo de infrações pode ser extraída da
conjugação de dois dispositivos do CT: o nº 1 do artigo 128º (o qual enumera alguns deveres
do trabalhador cuja violação culposa poderá consubstanciar uma infração disciplinar) com o nº
278 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato, 3ª ed., Coimbra, 2015, pp.425 s. 279 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.829
83
2 do artigo 351º (que ao elencar comportamentos caracterizadores da justa causa de
despedimento permite identificar algumas infrações).280
A infração disciplinar pode decorrer de um comportamento omissivo do trabalhador –
não cumprir um dever, ou, de uma conduta comissiva – violar um dever fazendo algo que lhe é
vedado. A infração disciplinar independe da produção de um resultado, ela é formal.281
Dentre as infrações disciplinares expressamente indicadas no Código do Trabalho
(descritas no nº 2 do artigo 351º) extrai-se da alínea “a” que a desobediência ilegítima do
trabalhador às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores constitui justa causa
de despedimento. Ocorre que, apesar de a desobediência ilegítima estar disciplinada como
comportamento passível de constituir justa causa de despedimento, o nº 1 do artigo 351º traz
requisitos cumulativos indispensáveis para que certa conduta possa ser caracterizada como tal,
assim, esses dois números necessitam ser observados em conjunto.
Portanto, pode ocorrer que determinados comportamentos desobedientes do trabalhador
possuam relevância disciplinar e sejam censuráveis, mas não consubstanciem uma situação de
justa causa de despedimento por lhes faltarem os outros requisitos cumulativos para tal.282
Assim, a desobediência ilegítima, mesmo que não constitua uma justa causa de despedimento,
será uma infração disciplinar cometida pelo trabalhador, a qual será passível de sanção que
deverá ser aplicada nos termos do artigo 328º e seguintes do CT e com a devida observância do
princípio da proporcionalidade.
O Código do Trabalho não definiu a desobediência ilegítima, porém, pode-se afirmar
que o comportamento desobediente do trabalhador será ilegítimo quando a ordem ou instrução
emitida pela entidade empregadora (ou por quem tenha competência para tal) seja legítima.283
Ao desobedecer de modo ilegítimo ordens ou instruções do empregador, ou de superior
hierárquico,284 o trabalhador viola o seu dever de obediência. Porém, para que se possa afirmar
que o dever de obediência é exigível (e, consequentemente que a desobediência é ilegítima) em
determinada situação, é necessário que as ordens ou instruções sejam legítimas. Assim, para
que a desobediência seja uma infração, faz-se necessária a presença da licitude no comando
emitido pelo empregador ou por quem tenha competência para tal.
280 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.753 s. 281 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal cit., p.32 282 É o caso, por exemplo, ocorrido em: Ac. STJ de 07/04/2016, (Nº 1084/13.7TTBRG.G1.S1), www.dgsi.pt 283 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais? cit., p.182 284 Exemplo de desobediência ilegítima à ordem legítima proferida por superiora hierárquica da trabalhadora,
colocando em causa, ainda, a sua competência: Ac.RP de 16/11/2015, (Nº54/14.2T4AVR.P1), www.dgsi.pt
84
Mesmo diante da licitude da ordem e da configuração do comportamento do trabalhador
como uma infração disciplinar, a desobediência nem sempre acarretará justa causa de
despedimento, haja vista que para tal há a necessidade de a conduta preencher os requisitos
elencados no nº 1 do artigo 351º do CT, conforme anteriormente mencionado. Assim, “não
basta demonstrar o ato de desobediência para se considerar que se verifica uma situação de
justa causa.”.285
De uma leitura do referido dispositivo, extrai-se que, para que um comportamento do
trabalhador constitua justa causa de despedimento, ele deve ser cumulativamente286: culposo,
possuir gravidade e tornar (de modo imediato) praticamente impossível a subsistência da
relação laboral.
O requisito “comportamento culposo” pressupõe a existência de um ato ilícito e
censurável do trabalhador.287 Caso não se atribua a culpa ao trabalhador, não há o que se falar
em justa causa.288
Para se avaliar a existência ou não do elemento “gravidade” na desobediência ilegítima,
há que se verificar no caso concreto (dentre múltiplas circunstâncias), em especial o impacto
que esta causou no ambiente laboral, porquanto um ato desobediente cometido na presença de
outros colegas e terceiros poderá implicar em um desafio à autoridade do empregador, já um
ato mais velado poderá não trazer consequências gravosas à entidade empregadora.289 Ainda, a
reiteração da desobediência (persistência na recusa) por vezes poderá se revestir de uma maior
gravidade que um ato singular.290
No tocante à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, cabe analisar,
perante o caso concreto, se a recusa ilegítima do trabalhador a cumprir determinado comando
causou um prejuízo irremediável à autoridade e disciplina da entidade empregadora.291 A
desobediência ilegítima constitui comportamento de difícil tolerância na medida em que
285 MARTINS, Pedro Furtado – Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., Cascais, 2012, p.170 286 A falta de um dos requisitos elencados no nº 1 do artigo 351º descaracteriza a justa causa de despedimento.
Exemplificativamente, vide: Ac. REv. de 14/05/2015, (Nº 460/12.7TTMR.E1), www.dgsi.pt 287 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato cit., p.426 288 Júlio Manuel Vieira Gomes cita um exemplo hipotético de ausência de culpa do trabalhador: “Tal será o caso
quando o trabalhador podia legitimamente duvidar da licitude da ordem, isto é, quando o seu erro for
desculpável, porquanto o quase mítico “bom pai de família”, colocado na sua situação, poderia também
acreditar que a ordem era ilícita.”. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.964 289 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.182 290 MARTINS, Pedro Furtado – Cessação do Contrato de Trabalho cit., p.170. Do mesmo modo entende o STJ a
respeito da maior gravidade na reiteração da desobediência: Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº506/12.9TTTMR-
A.E1.S1), www.dgsi.pt 291 Semelhantemente, vide: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de direcção: âmbito. Poder disciplinar:
desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de 1999 cit., p.408
85
provoca uma quebra na confiança por afetar a autoridade e o prestígio da entidade
empregadora.292
Pode-se extrair também do nº 1 do artigo 351º a exigibilidade de um nexo causal entre
a conduta (ilícita, grave e culposa) do trabalhador e a impossibilidade imediata da subsistência
da relação de trabalho.293 Dessa forma, para que o comportamento do trabalhador se constitua
justa causa de despedimento em virtude de desobediência ilegítima, a impossibilidade da
continuação do vínculo laboral tem que ser consequência da recusa de cumprimento de
comandos legítimos do empregador.
Presentes todos os requisitos cumulativos legalmente estabelecidos, a desobediência
ilegítima do prestador da atividade laboral às ordens ou instruções legitimamente proferidas
constituirá comportamento passível de ser sancionado com o despedimento por fato imputável
ao trabalhador.294
Os vários requisitos impostos pela legislação trabalhista para a configuração de um
comportamento como justa causa de despedimento revelam que a “pena de morte laboral”
deve representar a ultima ratio, devendo ser aplicada somente quando nenhuma outra se mostre
suficiente para resolver o impasse.295 Isso decorre do fato de que o despedimento traz
consequências penosas ao trabalhador, uma vez que retira o seu meio de sustento.
Justifica-se apenas, portanto, a aplicação de uma sanção mais gravosa (no caso, o
despedimento) quando se estiver diante de uma insuficiência da sanção de menor gravidade
para defender a disciplina da entidade empregadora.296
De modo semelhante, na Espanha o Estatuto de los Trabajadores (artigo 54.2)
estabeleceu uma tripla exigência para se aplicar a sanção de despedimento à desobediência
ilegítima – o incumprimento deverá ser injustificado, grave e culposo.297
Conclui-se, portanto, que à desobediência ilegítima, apesar de poder constituir uma justa
causa de despedimento, apenas poderá ser efetivamente aplicada a sanção de despedimento se
estiverem presentes as demais condições legais estabelecidas para tal. Caso ausentes, deverá
ser imposta uma sanção menos gravosa ao trabalhador que cometa essa infração disciplinar.
292 Ac. STJ de 01/10/2015, (Nº279/12.5TTPTG.E1.S1), www.dgsi.pt 293 Sobre o nexo de causalidade, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho
cit., II, pp.953 ss. 294 Não faltam exemplos na jurisprudência portuguesa de situações de desobediência ilegítima sancionadas com
justa causa de despedimento. Exemplificativamente, vide: Ac. RG de 12/02/2015, (Nº78/12.4TTVCT.G1),
www.dgsi.pt; Ac. STJ de 08/10/2015, (Nº290/07.8TTSTS.P3.S1), www.dgsi.pt; Ac. STJ de 10/09/2014,
(Nº59/07.0TTVRL.P1.S1), www.dgsi.pt; Ac. STJ de 22/02/2017, (Nº4614/14.3T8VIS.C2.S1), www.dgsi.pt 295 MOREIRA, António José – O poder disciplinar. A necessária caminhada para o Direito cit., p.301 296 Ac. RLx de 15/06/2016, (Nº 1500/14.0T8BRR.L1-4), www.dgsi.pt 297 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo, 9ª ed., Valencia, 2016, p.592
86
PARTE IV – A DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA
1 Delimitação da desobediência legítima
1.1 A legitimação da desobediência
Em razão da previsão legal de um dever de obediência do trabalhador, o não acatamento
de ordens ou instruções emitidas pela entidade empregadora poderá caracterizar uma infração
disciplinar (desobediência ilegítima), haja vista que a inobservância de tais comandos pode
constituir uma violação daquele dever.
Assim, para que uma conduta possa caracterizar-se como desobediência legítima, há
que existir uma autorização pelo ordenamento jurídico e que se proceder a uma análise para
verificar se o comportamento do trabalhador se enquadra nessas hipóteses de permissão de não
cumprimento de alguma ordem ou instrução.
A análise da presença de legitimidade acarreta um juízo de valor à conduta desobediente.
Não se pode afirmar de forma automática que quando há uma conduta desobediente há uma
violação do dever de obediência. Há que se avaliar, primeiramente, se existe uma permissão
prevista no ordenamento para tal inobservância de certa diretriz do empregador.
Isso decorre do fato de que o dever de obediência do trabalhador não é absoluto, logo
deve haver hipóteses em que a desobediência é legítima, as quais constituem situações
amparadas pelo direito de resistência daquele.298
Tal autorização legislativa ao incumprimento de ordens ou instruções aparece
genericamente no artigo 128º (nº 1, alínea “e”) do CT, legitimando o trabalhador a desobedecer
a comandos que afrontem seus direitos ou garantias. Ainda, o nº 1 (alínea “b”) do artigo 331º,
ao remeter ao citado dispositivo, reforça essa permissão.
A alínea “b” do nº 1 do artigo 331º, além de fazer remissão ao nº 1 do artigo 128º,
também o faz ao seu nº 2. Assim, o artigo 331º contorna duas hipóteses de desobediência
legítima – quando a ordem ou instrução for contrária aos direitos ou garantias do trabalhador,
ou, quando for proferida por sujeito incompetente.
Em termos gerais, pode-se afirmar que a desobediência legítima decorre de ordens ou
instruções ilegítimas, uma vez que, frente a essas, o dever de obediência do trabalhador não é
exigível. Em suma, o trabalhador somente deve obediência a ordens que a entidade
empregadora possa proferir de modo legítimo.299
298 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo cit., p.367 299 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do
Trabalho cit., I, p.92
87
Diante dessa permissão do ordenamento jurídico, na desobediência legítima não há
conduta ilícita do trabalhador, logo não há o que se discutir em termos de culpa e
censurabilidade do seu comportamento.
1.2 Caracteres da desobediência legítima
Conforme referido anteriormente, o comportamento do trabalhador caracterizado como
desobediência legítima não constitui ilícito, uma vez que é autorizado pela legislação. Assim
sendo, o mesmo é destituído de culpa e censurabilidade.
Também não há qualquer relevo disciplinar na conduta, haja vista não ocorrer uma
violação do dever de obediência em virtude da sua inexigibilidade frente a ordens ou instruções
ilegítimas. Consequentemente, não ocorrendo uma violação ao aludido dever, o comportamento
desobediente não constitui infração disciplinar.
A desobediência se trata de uma conduta deliberada, a qual indica que o trabalhador
“sabe onde vai chegar com seu ato”, não está agindo meramente por impulso, medo ou
insanidade. Há, portanto, uma demonstração de vontade do agente no incumprimento do
comando.
Esse incumprimento a ordens ou instruções pode ocorrer através de uma conduta
omissiva (abstenção) ou comissiva (fazer outra coisa ou fazer de modo diverso). Através da
omissão o trabalhador adota uma conduta passiva, deixando de fazer o ordenado. Pela comissão
ele atua de maneira divergente ao que lhe foi imposto pelo empregador, como, por exemplo,
continua se apresentando no antigo local de trabalho após uma modificação ilegítima deste.
O acatamento de ordens ou instruções da entidade empregadora é a regra nas relações
de trabalho, até mesmo porque a obediência é um dever do trabalhador. A desobediência
legítima, por consequência, possui um caráter de exceção.
Opera-se, portanto, a primazia da obediência, devendo a desobediência ser justificada
de acordo com as permissões legais. Cessando-se o dever de obediência apenas diante de uma
situação de ordem ou instrução ilegítima.
Somente em situações limites é que caberá a desobediência, haja vista a impossibilidade
de admiti-la em uma execução normal do contrato de trabalho, sob pena do trabalhador tornar-
se o único a definir seus próprios direitos e obrigações.300
A desobediência legítima surge como uma reação a uma ação ilegítima do empregador,
logo possui um caráter de oposição, de defesa a uma agressão.
300 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo cit., p.592
88
O contrato de trabalho, ao ser desenvolvido numa organização alheia ao trabalhador,
poderá acarretar a este potenciais lesões aos seus direitos ou garantias. Na medida em que a
legislação (artigo 128º do CT) expressamente exonera o trabalhador do cumprimento de ordens
ou instruções que violem direitos ou garantias, a desobediência a estes comandos torna-se um
meio de defesa desses mesmos direitos e garantias.
Desse modo, pode-se afirmar que a desobediência legítima possui como um de seus
caracteres o fato de ser um meio de defesa de direitos ou garantias, ou, ainda, um exercício de
uma autotutela. A autotutela alinha-se com o exercício da resistência. O autor brasileiro Mauro
Schiavi cita o direito de resistência como exemplo de autotutela na esfera individual do direito
do trabalho.301
Ainda, conforme disposto na primeira parte do presente trabalho, a desobediência
legítima do trabalhador pode ser vista como uma forma de exercício do direito constitucional
de resistência, com o intuito de proteger direitos, liberdades e garantias.
2 Modalidades de desobediência legítima
A alínea “e” do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho expressamente autoriza o
trabalhador a resistir a ordens ou instruções que violem seus direitos ou garantias,
estabelecendo, portanto, uma das possíveis modalidades de desobediência legítima daquele.
O artigo 331º (nº 1, alínea “b”) do Código do Trabalho, por sua vez, ao fazer remissão
aos números 1 e 2 do artigo 128º expressamente permitiu outra modalidade de desobediência
para além do comando que infrinja direitos ou garantias – quando a diretriz emane de sujeito
ilegítimo.
Pode-se entender que as demais modalidades de desobediência legítima (excetuando-se
a hipótese de comando emitido por sujeito incompetente) decorrem da inobservância a ordens
ou instruções que acarretem a violação de direitos e garantias (sendo essa, portanto, um gênero
da qual as demais são espécies). Desse modo, as outras modalidades de desobediência decorrem
de uma interpretação sistemática de mais de um dispositivo legal.
As modalidades de desobediência legítima relacionam-se intimamente com os limites
ao dever de obediência, limites estes que, se ultrapassados por determinado comando do
empregador, geram ao trabalhador uma permissão de incumprimento em razão da
inexigibilidade do referido dever.
301 SCHIAVI, Mauro – Manual de Direito Processual do Trabalho cit., p. 42. Cumpre salientar que o direito de
resistência a que o autor se refere é em relação às alterações contratuais lesivas, nos moldes dos artigos 468 e 483
da Consolidação das Leis Trabalhistas.
89
Obviamente, as modalidades de desobediência autorizadas pela legislação serão
variáveis de acordo com o ordenamento jurídico de cada país e classificadas de forma diferente
conforme a visão de cada autor. Segundo Antonio Martín Valverde e Joaquín García Murcia,
na Espanha justifica-se a desobediência quando ocorram circunstâncias de periculosidade,
risco, abuso manifesto, ilegalidade e situações análogas.302 Já Jesús R. Mercader Uguina
enumera três modalidades de direito de resistência aceitas pelo direito espanhol: em razão de
segurança e saúde no trabalho, para salvaguarda de bens jurídicos dignos de proteção e frente
a ordens ilegais.303
As modalidades de desobediência legítima elencadas na sequência são, portanto,
extraídas de uma interpretação sistemática do Código do Trabalho português e constituem um
rol que poderá variar de acordo com o posicionamento de cada autor, na medida em que
englobem ou excluam certa situação em determinada categoria.
2.1 Desobediência decorrente de ordem que viola direitos e garantias do trabalhador
Os direitos e garantias do trabalhador expressam um limite geral às ordens e instruções
do empregador e, consequentemente, ao dever de obediência daquele.304 Logo, eventuais
comandos da entidade empregadora que ultrapassem tais limites serão ilegítimos, sendo
inexigível ao trabalhador o correspondente dever de obediência.
Tal limitação ao dever de obediência justifica-se em virtude do forte envolvimento da
pessoa do trabalhador no vínculo laboral, sendo, portanto, seus direitos e garantias expostos a
eventuais lesões por parte do empregador. Logo, o trabalhador não fica obrigado a cumprir
ordens da entidade empregadora que viole seus direitos ou garantias, uma vez que estas
encontram-se “feridas de ilegalidade”.305
Assim, a conduta de desobediência legítima originada em razão de uma ordem ou
instrução que viole direitos ou garantias é, propriamente, um meio de defesa destes, existindo,
portanto, uma ideia de tutela, uma vez que o trabalhador se exime do cumprimento de
determinado comando visando a salvaguardar um direito ou garantia.
302 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo
cit., II, p.1353 303 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo cit., p.367 304 Sobre os direitos e garantias constituírem um limite geral ao dever de obediência: RAMALHO, Maria do
Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.437 s. A autora reconhece a legitimidade da
desobediência frente a ordens e instruções que colidam com os direitos fundamentais ou de personalidade e,
também, com as garantias do trabalhador. 305 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática cit.,
p. 159
90
Diante da vulnerabilidade do trabalhador no seio da organização alheia, o Código do
Trabalho expressamente o exonerou do cumprimento de uma ordem ou instrução do
empregador que seja contrária aos seus direitos ou garantias no artigo 128º, nº 1, alínea “e”.
Ainda, no seu artigo 331º (nº 1, alínea “b”) reconheceu que há diretrizes em que não se exige
do trabalhador o dever de obediência, remetendo ao citado dispositivo. Dessa forma, o Código
do Trabalho reconhece de modo expresso a desobediência legítima do trabalhador diante de um
comando que seja contrário aos seus direitos e garantias.
Esses referidos direitos e garantias do trabalhador devem ser considerados em um
aspecto amplo. O trabalhador não pode ser visto apenas como um “ser laborioso e produtivo”,
antes disso ele deve reconhecido como pessoa e cidadão, e, assim sendo, possui direitos que
não são especificamente laborais.306 Ademais, os direitos fundamentais e as liberdades públicas
dos cidadãos possuem eficácia direta nas relações entre particulares, limitando os poderes
privados.307
Dessa forma, para além dos direitos e garantias previstos no Código do Trabalho, o
enunciado do artigo 128º (nº 1, alínea “e”) abrange direitos e garantias constantes nas demais
previsões legais ou no próprio contrato laboral, em instrumentos de regulamentação coletiva, e,
nomeadamente, os tutelados na Constituição da República Portuguesa.
Por meio do artigo 18º da CRP, as entidades públicas e privadas ficam vinculadas e
devem aplicar diretamente os preceitos constitucionais que digam respeito a direitos, liberdades
e garantias. Assim, as entidades empregadoras possuem, como limite intransponível à sua
autonomia privada, a observância dos direitos fundamentais dos trabalhadores, sob pena de
invalidade dos seus atos que os afetarem.308
Especificamente quanto aos direitos e garantias do trabalhador tutelados no Código do
Trabalho, importa realizar algumas considerações. Auferem relevância os direitos de
personalidade do trabalhador, estabelecidos nos artigos 14º a 22º do CT. São eles: a liberdade
de expressão e de opinião (artigo 14º), a integridade física e moral do trabalhador (artigo 15º) e
o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 16º). Os artigos 17º a 22º
complementam o direito previsto no artigo 16º. 309
Algumas das garantias do trabalhador estão previstas no artigo 129º (nº 1) do Código do
Trabalho, as quais estabelecem proibições de comportamentos ao empregador, ou seja, geram
306 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp.228 e 230 307 CRUZ VILLALÓN, Jesús – Compendio de Derecho del Trabajo cit., p.297 308 ABRANTES, José João – Direito do Trabalho – ensaios cit., p.44 309 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.451 ss.
91
ao mesmo um dever de “não fazer”. Merece relevo a garantia prevista na alínea “a” daquele
dispositivo, segundo a qual é vedado ao empregador opor-se ao exercício de direitos por parte
do trabalhador, aplicar-lhe sanção ou tratá-lo de modo desfavorável em razão de tal exercício.
Em resumo, apesar de o artigo 128º não definir quais direitos e garantias faz referência,
deve-se interpretá-lo de modo amplo, visando proteger ao máximo o trabalhador, conferindo
legitimidade a eventual resistência deste ao cumprimento de ordens ou instruções que possam
acarretar lesões aos seus direitos ou garantias.
2.2 Desobediência decorrente de modificação ilegítima na prestação laboral
O trabalhador, muitas vezes, organiza a esfera pessoal da sua vida em torno da atividade
laboral que presta. Dessa forma, o mesmo residirá na cidade onde deve se apresentar ao serviço,
conciliará seus horários com atividades extraprofissionais, criará expectativas de crescimento
profissional em razão das funções que exerce ao empregador. Logo, eventuais modificações no
conteúdo da relação laboral (seja em razão da função, do local ou do horário de trabalho) quando
não tenham a sua anuência, poderão causar perturbações na sua vida.
Por outro ângulo, o empregador não pode ficar engessado em relação à prestação de
seus trabalhadores, haja vista a essencialidade desta para se atingir os fins da empresa. Assim,
a estrutura da entidade empregadora necessitará de adaptações (ao longo do tempo) para atender
às novas demandas da sociedade que se insere, tanto para o crescimento quanto para até mesmo
a sobrevivência da unidade produtiva e, por consequência, modificações no conteúdo da relação
de trabalho poderão ser indispensáveis.
Em decorrência dessas alterações na realidade fática, admite-se a realização de
modificações unilaterais pelo empregador no tocante à prestação – surge, portanto, uma
faculdade de variação para este, que irá modificar aspectos circunstanciais da relação laboral
no que tange ao modo, lugar ou horário de trabalho.310 A essa faculdade do empregador de
variar unilateralmente a prestação, a doutrina brasileira atribuiu o nome de jus variandi.
Portanto, o fez de modo amplo, englobando situações de lugar, salário e tempo de trabalho,
diferentemente da doutrina portuguesa que restringiu esse nome às modificações em razão da
função do trabalhador fora do âmbito do contrato de trabalho.
Essa faculdade do empregador, porém, não é absoluta. Logo, as modificações nas
circunstâncias que envolvem a prestação laboral são condicionadas a limites. Conforme
310 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.556
92
especificado anteriormente no presente trabalho, a legislação portuguesa atribuiu diferentes
requisitos às alterações no tocante às funções, local e horário de trabalho.
Ainda, eventuais modificações devem ser limitadas pela razoabilidade e real
necessidade ou interesse objetivo da entidade empregadora, tendo em vista os fins econômicos
e sociais desta, não podendo traduzir-se em um mero capricho ou arbitrariedade do empregador
(caso feitas deste modo constituirão em abuso de direito).311
As ordens de variação do empregador que não obedecerem aos limites impostos serão
ilegítimas. Frente a tais ordens ilegitimamente proferidas, não é exigível ao trabalhador o dever
de obediência, sendo legítima a sua recusa.
No Brasil, essa prerrogativa do trabalhador de se opor validamente a ordens de
modificação da prestação ilegais, ilícitas ou ilegítimas denomina-se jus resistentiae. 312 Assim,
no contexto brasileiro, o uso irregular do jus variandi pelo empregador dá origem ao exercício
do jus resistentiae por parte do obreiro.313
Em resumo, quando o empregador alterar o conteúdo da relação laboral sem a
observância dos limites impostos pela legislação sua ordem de variação será ilegítima podendo
acarretar uma violação a direitos dos trabalhadores. Desse modo, estes poderão desobedecer
legitimamente a essas ordens, exercendo um direito de resistência.314
2.2.1 Em razão da função
O trabalhador, ao aceitar prestar a sua atividade à determinada entidade empregadora, o
faz ponderando as funções que irá desempenhar naquela. Assim, a legislação laboral protege os
interesses do trabalhador ao impor requisitos aos empregadores para alterações unilaterais das
funções a serem exercidas.
Dessa forma, eventuais ordens de variação nas funções que não observem os
pressupostos legalmente fixados serão ilícitas, legitimando-se a recusa do trabalhador em
cumpri-las. Tal recusa do trabalhador justifica-se em razão de que se é conferida à entidade
empregadora a prerrogativa de “utilizar a força de trabalho de modo e forma distinta do que
foi acordado, não há dúvida que se impõe a defesa do trabalhador o qual pela sua situação
311 Do mesmo modo: ROMAR, Carla Teresa Martins – Alterações do contrato de trabalho: função e local, São
Paulo, 2001, pp. 57 e 67 312 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., p.1131 313 ROMAR, Carla Teresa Martins – Alterações do contrato de trabalho: função e local cit., p.75 314 Para Júlio Gomes, a recusa do trabalhador em obedecer uma alteração ilegítima não constitui em rigor uma
desobediência legítima, uma vez que essas ordens são ineficazes e não modificam de fato o conteúdo da relação
laboral. Trata-se apenas de uma divergência quanto ao nome da figura, haja vista que o autor também entende que
o dever de obediência nessas hipóteses é inexigível, pois tais ordens violam direitos do trabalhador. Em: GOMES,
Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 962
93
“passiva” se vê obrigado a realizar seu trabalho fora do âmbito e medidas em que
contratou.”.315
Quando a ordem de alteração das funções a serem desempenhadas estiver dentro do
âmbito da atividade contratada (funções que lhe sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas
àquela), ela deverá cumprir cumulativamente os requisitos elencados no artigo 118º, nº 2, do
Código do Trabalho, sob pena de ser ilegítima.
Assim, caso a ordem de variação emitida não observe as qualificações do trabalhador
para o exercício da função ou implique na desvalorização profissional do prestador da atividade,
ela será ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador o dever de obediência, sendo legítima a
sua desobediência nessas hipóteses.
Quando a ordem de modificação nas funções dos trabalhadores for fora do âmbito do
contrato de trabalho, ela deve ser emitida sob o abrigo do jus variandi, obedecendo aos
requisitos elencados no artigo 120º, nº 1, do Código laboral. Caso a ordem deixe de observar
qualquer um dos pressupostos será ilícita, porquanto tais pressupostos servem como limites ao
exercício do jus variandi.
Uma vez que a norma legal condiciona o exercício do jus variandi, a recusa de
cumprimento à eventual ordem de alteração da função estipulada no contrato de trabalho que
não observe algum dos requisitos legais será uma desobediência legítima, haja vista que o
trabalhador estará acobertado por seu direito à invariabilidade da prestação.316
Assim, será legítima a desobediência do trabalhador a uma ordem de variação na função
que for emitida sem a existência de um interesse da empresa, ou que seja de caráter permanente,
ou, ainda, que modifique substancialmente a posição ocupada pelo trabalhador.317 De acordo
com Diogo Vaz Marecos, o trabalhador, diante de uma ordem de modificação nas funções que
não obedeça a algum requisito legal, poderá continuar exercendo as funções compreendidas na
atividade para a qual foi contratado.318
Será, também, ilegítima a ordem do empregador que mude o trabalhador para categoria
inferior sem a observância das normas do Código do Trabalho, podendo ser desobedecida
315 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.75 316 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p. 477 317 A respeito da não observância do caráter transitório do jus variandi: Ac. STJ de 30/06/1989, (Nº 002145/
JSTJ00025827), www.dgsi.pt. Ordem de variação que modificou substancialmente para pior a posição da
trabalhadora, a qual deu origem a uma desobediência legítima: Ac. RLx de 13/01/2016, (Nº 1095/13.2TTLSB.L1-
4), www.dgsi.pt 318 Ainda, segundo o autor, caso o empregador oponha obstáculos à realização da prestação, este entrará em mora.
Em: MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.294
94
legitimamente, uma vez que viola a sua garantia de irreversibilidade da categoria, a qual se
encontra assegurada no artigo 129º, nº 1, alínea “e” do CT.319
Em resumo, qualquer ordem que imponha a alteração nas funções originalmente
pactuadas pelas partes deverá observar todos os requisitos impostos pela legislação trabalhista
para que se revista do caráter da licitude, não sendo o seu cumprimento exigível ao trabalhador
caso assim não o faça.
2.2.2 Em razão do local de trabalho
Além das funções que irá desempenhar para a entidade empregadora, o trabalhador
também leva em conta, na hora de celebrar um contrato de trabalho, o local que irá desenvolver
a sua atividade, haja vista sua necessidade de organizar sua vida pessoal em razão deste lugar.
Dessa forma, a legislação trabalhista impõe requisitos para eventuais alterações sem a anuência
do trabalhador, e é somente com o preenchimento desses que o empregador poderá emitir uma
ordem de transferência.
Conforme discorrido nos capítulos anteriores, quando a modificação do local de
trabalho se der em virtude de mudança ou extinção no estabelecimento onde o trabalho é
desempenhado, a alteração do lugar decorre da liberdade de iniciativa econômica do
empregador, não havendo na legislação requisitos substanciais a serem observados por este.
Diante da ausência de pressupostos legais para a ordem de transferência nessas hipóteses, não
há o que se falar em análise da legitimidade de tal ordem. Não havendo discussão a respeito da
legitimidade, não haverá uma desobediência legítima em razão de uma ordem ilegítima de
transferência coletiva, no tocante ao seu aspecto material.
É na transferência individual do local de trabalho que residem as hipóteses a respeito da
possibilidade de desobediência legítima.320 De acordo com o exposto anteriormente, a ordem
de transferência para ser lícita sujeita-se ao preenchimento de requisitos substanciais e formais
previstos nos artigos 194º e 196º do Código do Trabalho. Presentes todos os pressupostos a
ordem será lícita e o dever de obediência será exigível ao trabalhador.
Ausente a correspondência entre a ordem de transferência e as exigências legais, aquela
será ilícita, e, tendo em vista a garantia da inamovibilidade do trabalhador (artigo 129º, nº 1,
alínea “f”), o dever de obediência a essa ordem não será exigível em conformidade com o artigo
319 Entendeu o STJ que a ordem de alteração violou a garantia da irreversibilidade do trabalhador: Ac. STJ de
24/02/2015, (Nº178/12.0TTCLD.L1.S1), www.dgsi.pt 320 Em face de ordem ilícita de transferência, admite-se a desobediência: Ac. RP de 01/02/2016, (Nº
1861/14.1T8MTS.P1), www.dgsi.pt
95
128º (nº 1, alínea “e”), o qual dispõe que cabe ao trabalhador obedecer às ordens que não sejam
contrárias aos seus direitos e garantias, sendo legítima a recusa do trabalhador ao seu
cumprimento.
No que tange aos requisitos substanciais da ordem de transferência, há que se mencionar
que o interesse da empresa na mudança deve se basear em motivos de gestão, e, eventual ordem
fundada em mero capricho do empregador, com fins persecutórios ou visando sancionar o
trabalhador deve ser considerada ilícita, legitimando-se o seu descumprimento.
Uma ordem que implique em prejuízo sério também será ilícita, e, além da possibilidade
de descumprimento por meio da desobediência legítima, o legislador facultou ao trabalhador a
resolução do contrato por justa causa em seu artigo 194º (nº 5), aplicando-se esta regra apenas
para as transferências definitivas.321
Quanto aos requisitos procedimentais da ordem de transferência, eventual não
observância por parte do empregador caracterizará também a sua ilicitude, dando margem para
que o trabalhador a desobedeça de modo legítimo. Assim, a decisão de transferência que não
observe a antecedência legalmente prevista, a forma escrita da comunicação ou não apresente
sua fundamentação será ilegal, não devendo o trabalhador obediência.322
Em suma, caso o empregador extrapole os contornos ditados pelo Código do Trabalho
(ou por eventuais acordos ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho) para a
alteração do local da prestação ele estará violando a garantia da inamovibilidade do trabalhador,
nos termos do artigo 129º, nº 1, alínea “f” do CT.323
2.2.3 Em razão do horário de trabalho
A alteração no horário de trabalho poderá causar perturbações na esfera privada do
trabalhador. Assim, em que pese a faculdade do empregador de alterar unilateralmente o horário
de trabalho, o mesmo está vinculado ao cumprimento de requisitos procedimentais impostos
pela norma trabalhista. A ordem de modificação também encontra limites na razoabilidade, não
podendo revelar um intuito punitivo ou persecutório, caso em que será considerada abuso de
direito.
321 Do mesmo modo: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 509 s. 322 Vide: Ac. STJ de 14/05/2014, (Nº990/10.5TTMTS.P1.S1), www.dgsi.pt 323 Exemplo de decisão na qual o STJ entendeu que a ordem de modificação do local de trabalho feriu a garantia
da inamovibilidade do trabalhador: Ac. STJ de 03/03/2010, (Nº933/07.3TTCBR.C1.S1), www.dgsi.pt
96
Ressalte-se que a alteração unilateral de horário pelo empregador somente poderá
ocorrer quando não existir um horário acordado individualmente, nos termos do artigo 217º, nº
4, do Código do Trabalho.324
Conforme disposto no capítulo anterior, a alteração que não preencha os procedimentos
estabelecidos pelo artigo 217º do CT será inválida e a ordem que for emanada fora dos
parâmetros da razoabilidade, configurando um abuso de direito do empregador, será nula. Em
caso de invalidade ou nulidade da ordem, não se exige, obviamente, o seu cumprimento por
parte do trabalhador, sendo legítima a sua recusa.
Assim sendo, no caso de mudança definitiva no horário, a falta da consulta (que deverá
preceder a alteração no horário) aos trabalhadores afetados pela modificação e seus
representantes, bem como a ausência do prévio aviso com o cumprimento da antecedência de
7 dias (ou 3 para as microempresas) acarretarão a invalidade da alteração, pelo que o trabalhador
poderá desobedecê-la legitimamente.
Em caso de alterações temporárias no horário, cuja duração não exceda a uma semana,
não sendo registradas em livro próprio ou se ultrapassarem o número de 3 vezes ao ano, também
serão inválidas por falta de observância no procedimento legal, motivo este que tornará o seu
cumprimento inexigível.
Ainda, o trabalhador estará legitimado a desobedecer à ordem de alteração no seu
horário de trabalho que for emitida com o intuito de puni-lo ou que ultrapasse os parâmetros da
razoabilidade, sendo manifestamente um abuso de direito do empregador, em virtude da
nulidade da mesma. Nessas hipóteses, caberá ao trabalhador provar que alteração no seu horário
não ocorreu por razões de natureza objetiva ou econômica.325
2.3 Desobediência decorrente de ordem ilegal
Entende-se por ordem ilegal aquela cuja possível conduta do trabalhador ao cumpri-la
configuraria uma ilegalidade, ou em outros termos, “quando a acção requerida seja
criminalmente relevante e o trabalhador disso se aperceba.”.326 Assim, incorre em ilegalidade
objetiva a ordem passível de ocasionar ao trabalhador uma responsabilidade penal.327
A ordem do empregador não pode ultrapassar os limites legais, haja vista que a
autoridade deste não é maior que a do Estado. Dessa forma, um poder privado não possui
324 Vide: Ac. RP de 01/02/2016, (Nº1861/14.1T8MTS.P1), www.dgsi.pt 325 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho cit., p.175 326 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.125 327 RAMÍREZ MARTÍNEZ, Juan M. – Curso de Derecho del Trabajo, 19ª ed., Valencia, 2010, p.517
97
legitimidade para produzir um comando ordenando uma prática ilegal.328 Assim, o empregador
não poderá, na sua emissão de diretrizes ao trabalhador, ir contra a ordem pública, entendendo-
se esta como o complexo de princípios cogentes de uma determinada ordem jurídica, os quais
“não podem ser afastados pela autonomia privada das partes.”.329
Por sua vez, o trabalhador, enquanto cidadão, possui lealdade para com a lei proferida
pela autoridade política. O dever fundamental de cada pessoa enquanto vinculada a um
determinado ordenamento jurídico é o dever de obedecer às suas leis, também denominado por
Norberto Bobbio de “obrigação política”.330 A obrigação política, portanto, trata-se de um
dever de obediência do cidadão para com o Estado, o qual deve ser priorizado pelo trabalhador
face ao seu dever de obediência para com o empregador.
A recusa do trabalhador ao cumprimento de ordens ilegais se legitima sob múltiplos
aspectos. Primeiramente, pode-se justificar a desobediência em virtude da contradição em que
cai a ordem jurídica em estabelecer um dever de obedecer a uma ordem que acarretará sua
própria violação.331 Outro ponto de vista pode se dar afirmando que não ocorre desobediência
frente a um incumprimento de ordem manifestamente ilegal em razão de não existir um dever
de obediência nessa hipótese.332 Ainda, pode-se legitimar a recusa ao incumprimento de ordens
ilegais do empregador porquanto se deve negar que um particular tenha autoridade superior à
lei, sendo o dever de obediência limitado por esta.333
Independentemente da justificativa para a legitimidade da desobediência a ser adotada,
a obviedade de que não se exige do trabalhador um dever de obediência frente a ordens ilegais
é tamanha que na experiência de precedentes do Reino Unido já houve decisão no sentido de
que um trabalhador somente poderá desobedecer deliberadamente uma ordem se ela for
ilegal.334
Para a autora brasileira Alice Monteiro de Barros, a qual nomeia essa hipótese de
desobediência jurídico-penal, o trabalhador não só pode desobedecer a uma ordem ilegal como
deve, sob pena de incorrer em sanção penal. 335 Tal afirmação justifica-se em razão de que o
dever de obediência, que resulta do contrato de trabalho, não é causa de exclusão de ilicitude
dos atos praticados pelo trabalhador.336
328 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.963 329 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.127 330 BOBBIO, Norberto – Dicionário de Política, A-K, 12ª ed., Brasília, 2004, p.335 331 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.186 332 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317 333 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.187 334 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.303 335 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387 336 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.267
98
Apesar de não se reconhecer esse suposto “dever” de desobedecer a ordens ilegais (ao
contrário do que defende a autora brasileira citada), resta evidente a inexigibilidade de um dever
de obediência do trabalhador quando a ordem emitida pelo empregador foi ilegal. Logo,
eventual desobediência será legítima e não poderá ser sancionada.
2.4 Desobediência técnica
O artigo 97º do CT enuncia que compete ao empregador definir os termos da prestação
da atividade laboral. Concretamente, essa definição se faz por meio de ordens e instruções –
inclusive com conteúdo de caráter técnico. Assim, o empregador pode dirigir tecnicamente o
trabalho a ser prestado.
Algumas atividades, porém, demandam autonomia técnica ou deontológica,
constituindo uma ressalva à emissão de ordens ou instruções de conteúdo técnico pela entidade
empregadora. Tal autonomia encontra-se tutelada nos artigos 116º e 127º (nº 1, alínea “e”) do
Código do Trabalho, os quais impõem limites à atuação do empregador.
Dessa forma, embora o empregador possa produzir uma diretriz que à partida seria
legítima, quando a mesma for dirigida a matérias que se encontrem cobertas pela autonomia,
assim o deixa de ser.337 Consequentemente, a ordem ou instrução deixando de ser legítima, não
será exigível ao trabalhador o seu cumprimento.
O dever de obediência do trabalhador, portanto, encontra-se limitado pela autonomia
técnica ou deontológica que seja inerente à atividade profissional que desenvolve.338 Não é
admissível ao empregador a pretensão de que o trabalhador atue contrariamente às regras
deontológicas ou técnicas exigidas pela sua profissão.339
Destarte, caso o empregador emita alguma ordem ou instrução sem a observância da
devida autonomia do trabalhador (constante no artigo 116º), não se exige deste o seu
cumprimento, sendo sua recusa lícita, ou, em outros termos, sendo sua desobediência legítima.
Contudo, a prática de um comportamento legítimo do trabalhador passível de ser
caracterizado como uma desobediência técnica, a princípio, não se restringe aos trabalhadores
com autonomia técnica e deontológica.
Em virtude da crescente especialização técnica dos trabalhadores, muitas vezes eles
acabam tendo mais conhecimento a respeito das tarefas que executam do que os seus
337 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.284 338 De igual modo: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.438 339 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.266
99
empregadores. Assim, diante de uma ordem ou instrução tecnicamente incorreta, a recusa do
trabalhador ao seu cumprimento parece legítima.
Ocorre que, em razão da multiplicidade de possíveis situações de casos concretos, esse
descumprimento deve ser legitimado com muita cautela, sob pena de o trabalhador acabar
definindo os moldes da própria prestação.
De acordo com Alberto Jose Carro Igelmo, a desobediência técnica justifica-se quando,
frente a uma ordem ou instrução manifestamente incorreta, o seu cumprimento possa acarretar
perigo para pessoas ou coisas, repercutindo no prestígio ou na capacidade profissional do
trabalhador. 340
Em consonância com o entendimento do autor espanhol, pode-se afirmar, portanto, que
o trabalhador poderá legitimamente recusar o cumprimento à ordem ou instrução tecnicamente
incorreta quando a sua obediência a ela puder acarretar danos a si próprio, a terceiros ou até a
coisas (como, por exemplo, a algum equipamento do empregador ou de cliente).
De acordo com o exposto, a desobediência técnica do trabalhador pode ser considerada
legítima quando sacrificar a sua autonomia técnica ou deontológica nos moldes do artigo 116º
do CT e, na hipótese de trabalhadores não acobertados pela referida autonomia, quando a ordem
ou instrução técnica manifestamente incorreta for passível de acarretar danos.
2.5 Desobediência decorrente de ordem que não mantenha relação com o contrato de trabalho
O trabalhador, com a celebração do contrato de trabalho, fica adstrito ao seu
cumprimento, com o consequente dever de prestar a atividade que foi definida, logo, o
empregador ao emitir ordens deve observar a conexão das mesmas com a matéria do contrato
(atinentes à sua execução e, se necessário, à sua disciplina).
O artigo 115º do Código do Trabalho, em seu nº 1, estipula a necessidade de que o
contrato de trabalho tenha seu objeto minimamente determinado. Dessa forma, o poder diretivo
do empregador, com a consequente obediência por parte do trabalhador, encontra limites na
atividade definida contratualmente.341 Esse limite ao exercício do poder de direção encontra-se
estabelecido no artigo 97º do CT, o qual dispõe que ao empregador compete estabelecer os
termos da prestação laboral dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
340 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317. De igual modo: MONTOYA
MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.329 341 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.451
100
Assim, o trabalhador não deve obediência a eventual ordem para realizar certa atividade
que não mantenha relação com a atividade estipulada no contrato de trabalho.342 O conteúdo da
ordem deve limitar-se a exigir condutas que mantenham um nexo com a relação laboral. Da
mesma forma entende Alice Monteiro de Barros frente ao ordenamento brasileiro: “não estão
os empregados obrigados a acatar ordens sobre aspectos alheios à relação de emprego e sem
qualquer repercussão sobre ela.”.343
A regra geral é que a vida “não laboral” do trabalhador está fora do alcance do poder
diretivo do empregador (e sua consequente emissão de ordens e instruções), assim, são
ressalvados ao trabalhador os seus costumes, ideias, crenças religiosas, opiniões políticas,
dentre outros temas da interferência da entidade empregadora.344
O artigo 16º do Código do Trabalho assegura a reserva quanto à intimidade da vida
privada das partes no contrato de trabalho. Segundo Guilherme Machado Dray, esse direito
deve ser considerado regra e não exceção, cessando apenas diante de fatos ou circunstâncias
que violem direitos alheios ou na hipótese de exigência de um interesse superior.345
Assim, eventual ordem sobre a conduta privada do trabalhador deverá ter sua
legitimidade demonstrada pelo empregador, somente se legitimando as ordens que possuírem
uma estreita conexão e proporcionalidade com o trabalho desenvolvido.346
Conforme delimitado no tópico a respeito do dever de obediência e da esfera extra-
laboral do trabalhador, o dever de obediência não se impõe se determinada ordem envolvendo
uma conduta extra-laboral não mantém relação com o vínculo de trabalho e nem reflete nele,
haja vista que a ordem não será exigível ao trabalhador, devendo ser considerada nula.
Logo, se o dever de obediência não se estende a situações que não reflitam de modo
substancial no contrato de trabalho, eventual não observância por parte do trabalhador de certa
ordem que imponha uma conduta alheia à atividade laboral, deverá ser considerada como
desobediência legítima, e, como tal, ser irrelevante em termos disciplinares e destituída de
censurabilidade.
É o caso, por exemplo, de um trabalhador que se recusa a participar de atividades lúdicas
que não mantenham relação com a sua atividade laboral, ainda que no horário e local de sua
342 Obviamente ressalvadas as hipóteses permitidas de alteração da função do trabalhador. 343 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387. Para a autora, o poder diretivo do
empregador não incide nos aspectos alheios à relação de emprego em virtude da proteção constitucional à vida
privada e a intimidade das pessoas. 344 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.329 345 DRAY, Guilherme Machado – Justa causa e esfera privada, in P. ROMANO MARTINEZ (coord.), Estudos
do Instituto de Direito do Trabalho, II, Coimbra, 2001, 35-91, p.87 346 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.513
101
prestação de trabalho.347 Portanto, tal comportamento deverá ser considerado como uma
desobediência legítima em virtude da falta de nexo entre a conduta imposta ao trabalhador e a
prestação da sua atividade.
Diferente situação ocorre se alguma ordem que exija uma conduta fora da esfera laboral
reflita na atividade prestada, pois a mesma será considerada legítima. O incumprimento da
mesma deverá ser considerado uma infração disciplinar, passível de sanção.348
2.6 Desobediência durante a não prestação da atividade laboral e/ou na suspensão do contrato
de trabalho
Conforme apontado anteriormente no presente trabalho, nas situações em que a
prestação principal do trabalhador (atividade laboral) não tenha lugar, os deveres integrantes
dessa prestação também serão inexigíveis, enquanto os deveres autônomos se mantêm, e, em
caso de incumprimento, são passíveis de sanção. A prestação de trabalho pode não ser exigível
tanto em decorrência do desenvolvimento normal do vínculo laboral (é o caso das férias, por
exemplo) como em face de uma eventual vicissitude no contrato de trabalho (diante da sua
suspensão).349
Em ambas as situações, portanto, uma vez que o dever de obediência pertence à
categoria de dever integrante, a exigibilidade do mesmo pressupõe uma efetiva prestação da
atividade laboral. Logo, ele não será mantido em eventual período de não prestação ou em casos
de suspensão do contrato de trabalho. Assim, o trabalhador exonera-se de cumprir eventuais
ordens ou instruções da entidade empregadora enquanto perdurar alguma dessas hipóteses.
Primeiramente, a respeito da desobediência a alguma ordem do empregador emitida
durante a não prestação da atividade laboral – tal como nas férias, feriados ou descanso semanal
remunerado – mencionada ordem deverá ser considerada nula, não sendo exigível o
cumprimento da mesma por parte do trabalhador.350
347 Exemplo semelhante pode ser encontrado no livro de Júlio Gomes, onde este menciona um entendimento dos
tribunais franceses em que se considerou legítimo o comportamento de um trabalhador se recusou a participar de
uma excursão promovida pela entidade empregadora. Segundo o autor, o trabalhador não possui o dever de
participar de atividades lúdicas extra-profissionais, haja vista que foi contratado para trabalhar. Em: GOMES, Júlio
Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961 348 É o caso do já referido exemplo de um trabalhador empregado de sala de jogo em um bingo que desobedeceu
a um comando (considerado legítimo pelo STJ) do empregador, o qual ordenava que aquele fizesse a barba para
manter sua boa aparência. Ocorre que, em tal situação a sanção aplicada a tal desobediência ilegítima foi a de
despedimento, revelando-se desproporcional à gravidade da falta. Em: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de
direcção: âmbito. Poder disciplinar: desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de
1999 cit., p.407 349 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.448 350 Seria o caso de uma situação hipotética em que o trabalhador está de férias e o empregador liga ordenando que
o trabalhador vá trabalhar naquele dia, ou, ainda, em outra situação em que empregador e trabalhador estão em
102
Logo, enquanto não houver a prestação da atividade laboral, frente à inexigibilidade do
dever de obediência, eventual comportamento do trabalhador que não acate ordens do
empregador neste período deverá ser considerado como desobediência legítima, não merecendo
qualquer juízo de censurabilidade, tampouco relevância disciplinar.
Em termos práticos, a ausência do trabalhador no local da atividade, durante a não
prestação desta, dificulta a ocorrência da produção de comandos por parte do empregador,
consequentemente, o acontecimento de um episódio de desobediência será de baixa
probabilidade.
Realizada brevemente a análise da desobediência legítima ocorrida durante a
inexigibilidade da prestação de trabalho em decorrência do desenvolvimento normal do vínculo
laboral, passa-se agora à exposição da segunda situação proposta neste tópico – a desobediência
que tem lugar durante as vicissitudes que suspendem a prestação da atividade.
Quando o contrato de trabalho tem o seu curso normal afetado, intitulam-se tais
ocorrências como vicissitudes. As modalidades de suspensão do contrato de trabalho pertencem
às chamadas vicissitudes modificativas, as quais podem ser ocasionadas tanto por eventual
acordo entre as partes, quanto por motivos de gestão, ou, ainda, por fato atinente ao
trabalhador.351
A questão do cumprimento de deveres por parte do trabalhador nos períodos de
suspensão do contrato de trabalho é definida pelo nº 1 do artigo 295º do Código do Trabalho.
Tal dispositivo isenta os deveres do trabalhador que pressuponham a efetiva prestação da
atividade laboral de serem mantidos no período de suspensão do contrato de trabalho.
Logo, o dever de obediência por ser integrante da prestação principal, será inexigível
durante o período de suspensão do contrato laboral, não vinculando o trabalhador ao
cumprimento de ordens da entidade empregadora em tal período.
Fácil é a visualização que a desobediência a ordens emitidas durante a suspensão se
torna legítima, pois não há conduta ilícita do trabalhador, posto que o preceito legal não exige
a observância do dever de obediência durante aquele período do contrato laboral. Dessa forma,
não merece relevância disciplinar eventual conduta desobediente cometida enquanto perdurar
a suspensão.
Dentre os motivos de suspensão do contrato atinentes ao trabalhador, assume especial
relevância o decorrente de greve, haja vista o direito de greve ser um direito fundamental
uma festa de aniversário durante o período de descanso semanal remunerado e o empregador ordena que o
trabalhador faça algo relativo ao seu trabalho naquele instante. 351 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 795 ss.
103
constitucionalmente tutelado pelo ordenamento jurídico português. É, portanto, por esse fato
que se passa à sua exposição.
A Constituição da República Portuguesa garante em seu artigo 57º (nº 1) o direito à
greve, sendo que tal dispositivo é referido no Código do Trabalho no nº 1 do artigo 530º,
assegurando a greve como um direito constitucionalmente reconhecido dos trabalhadores.
De acordo com o artigo 536º, nº 1, do referido diploma trabalhista, o trabalhador
aderente à greve tem seu contrato de trabalho suspenso e, segundo o nº 2 do mencionado
dispositivo, mantém-se os deveres que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho, ou
seja, os deveres autônomos.
Durante a greve, portanto, conjuntamente com o contrato de trabalho, suspende-se
também o dever de trabalhar, e, por consequência o dever de obediência torna-se inexigível
enquanto perdurar tal situação.352 O trabalhador que adere à greve, portanto, em virtude da
suspensão do seu contrato, encontra-se numa “situação de imunidade negocial pela recusa da
prestação de trabalho.”.353
Assim como nos demais motivos de suspensão, a desobediência do trabalhador
cometida durante a greve deve ser considerada legítima, uma vez que a execução do seu
trabalho não é exigível. Contudo, constituem exceções à regra da inexigibilidade da execução
de trabalho durante a greve: a prestação de serviços mínimos e a requisição civil. Nessas duas
hipóteses, uma vez que o trabalhador fica adstrito a trabalhar, deverá acatar ordens e instruções
– o seu dever de obediência não irá cessar.
Na posição de Paula Quintas e Helder Quintas, a desobediência cometida durante a
greve não merece censura em virtude de o direito de greve se tratar de um direito superior.354
Independentemente da justificativa que se adote para legitimar a desobediência
cometida durante a greve (em razão suspensão ou de ser cometida dentro de um direito
superior), inegável é o fato de que não é exigível ao trabalhador que adere a greve o
cumprimento de ordens emitidas pela entidade empregadora em tal período.
2.7 Desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito ilegítimo
Além do seu conteúdo, a aferição da legitimidade de uma ordem ou instrução se dá em
razão do sujeito que a proferiu. Consequentemente, o dever de obediência só será exigível ao
352 De igual modo entende António Menezes Cordeiro em: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de
Direito do Trabalho cit., p.396 353 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.856 354 QUINTAS, Helder/QUINTAS, Paula – Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho, 4ª ed.,
Coimbra, 2015, p. 129
104
trabalhador quando a diretriz seja produzida por quem seja competente para tal. Tal situação
decorre da previsão no artigo 331º (nº 1, alínea “b”) do CT da regular recusa de cumprimento
por parte do trabalhador de ordens ou instruções que não deva obediência.
Assim, o artigo 331º, ao fazer uma remissão para o nº 2 do artigo 128º do CT (que trata
dos sujeitos competentes para emitir ordens e instruções), autorizou o trabalhador a desobedecer
a comando proferido por quem não tenha competência para tanto. Dessa maneira, exclui-se a
exigibilidade do dever de obediência na hipótese referida.
A legislação trabalhista, conforme previamente apontado, expressamente determina
quem poderá emitir ordens ou instruções ao trabalhador. De forma que eventual diretriz
proferida por sujeitos que não se enquadrem nas hipóteses legalmente previstas deverá ser
considerada ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador o correspondente dever de obediência.
Da conjugação do artigo 331º (nº 1, alínea “b”) com o nº 2 do artigo 128º extrai-se que,
se alguma ordem ou instrução for proferida por um trabalhador hierarquicamente inferior, ou
então, por superior hierárquico sem os devidos poderes atribuídos pelo empregador, essa ordem
será ilegítima. Hierarquicamente falando, para se determinar os sujeitos a quem o prestador da
atividade deve obediência, é preciso “levar em conta a posição concretamente ocupada pelo
trabalhador na organização produtiva, bem como às linhas a que obedece esta organização
(...).”.355
Especificamente quanto às ordens ou instruções proferidas sob o abrigo do poder de
direção, cumpre relembrar que o Código do Trabalho autoriza o utilizador no trabalho
temporário e o cessionário durante a cedência ocasional a proferirem comandos, portanto, os
mesmos são sujeitos legítimos para tal, não se legitimando eventual recusa de cumprimento do
trabalhador no que tange à competência dos sujeitos emitentes.
Pode-se, ainda, afirmar que as ordens ou instruções produzidas por sujeitos
incompetentes não surtem efeitos na esfera do trabalhador, sendo apenas “aparências de
ordem”.356 Dessa forma, uma vez que não se exige o correspondente dever de obediência a elas,
a desobediência será legítima.
Caso o empregador sancione o trabalhador em virtude do descumprimento de ordens ou
instruções produzidas por sujeitos ilegítimos, essa sanção será considerada abusiva, nos termos
da alínea “b”, do número 1, do artigo 331º do Código do Trabalho, haja vista que o
355 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do
Trabalho cit., I, p.92 356 Expressão utilizada em: ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del
Trabajo cit., p.512
105
comportamento do trabalhador na referida hipótese não consubstancia infração disciplinar e
não faz jus à censura, merecendo menos ainda uma punição.
3 Direito de desobediência versus dever de desobediência
A questão da existência de um direito de desobediência não suscita maiores dúvidas.
Quando se estipula ao trabalhador um dever de obediência, parte-se do pressuposto de que a
ordem ou instrução a ser cumprida é legítima.
Desse modo, diante de uma ordem ou instrução ilegitimamente proferida pela entidade
empregadora, o dever de obediência do trabalhador torna-se inexigível, surgindo para este um
direito de resistir ao cumprimento dessa diretriz. Em outros termos, o trabalhador não tem de
obedecer a um comando ilegítimo, tendo um direito de não cumprimento, razão pela qual se
legitima sua desobediência.357
Assim sendo, cessa-se o dever de obediência e surge um direito de desobediência.
Portanto, origina-se um direito de oposição à situação irregular que o empregador deu causa,
reconhecendo-se “um verdadeiro direito de desobediência e resistência do trabalhador a
ordens ilegítimas ou ilegais.”.358
Ocorre que, especificamente na hipótese de a ordem do empregador implicar em um
cometimento de uma conduta ilícita por parte do trabalhador, alguns autores afirmam que ele
não só “pode” desobedecer como “deve”.
Para Alfredo Montoya Melgar, quando o comando proferido pelo empregador imponha
ao trabalhador uma conduta manifestamente ilegal, já não há um direito de desobediência, mas
sim um dever.359 Na mesma esteira, afirma Alice Monteiro de Barros que o trabalhador deve
descumprir a determinação do empregador que implique em conduta ilegal sob pena de incorrer
em sanção penal.360
Fala-se, portanto, em um dever de desobediência porque, caso o trabalhador cumpra tal
comando ilegal, sua conduta poderá acarretar uma responsabilidade penal, haja vista que a
subordinação aos comandos do empregador não constitui causa de exclusão de ilicitude.
Ocorre que tal entendimento é duvidoso, visto que não fundamenta a origem do suposto
“dever de desobediência”. Dessa forma, pode-se afirmar que o trabalhador possui um “direito”
de desobediência, porém, não um “dever”, mesmo quando se depare com ordens ilícitas.
357 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.102 358 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho cit., p.53 359 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.328 360 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387
106
Assim, na hipótese de comando que imponha ao trabalhador uma conduta ilícita,
recomenda-se que ele não o execute, sob pena de arcar com as consequências de tal obediência
que sequer lhe era exigível.
Em suma, é evidente o reconhecimento de um direito de desobediência do trabalhador,
sendo, porém, forçoso afirmar que este possua um dever de não executar alguma ordem ou
instrução do empregador. Contudo, pode-se falar (em abstrato) em uma recomendação ao
trabalhador que não execute ordens que imponham uma conduta ilegal, para que não incorra
em responsabilidade penal, cabendo apenas a ele a decisão de cumprir ou não tais comandos.
4 O abuso do direito do empregador
A titularidade dos poderes diretivo e disciplinar pelo empregador, com a consequente
subordinação do trabalhador, reflete a componente dominial do vínculo de trabalho e essa
detenção de poder por vezes poderá ser exercida com abuso, acarretando numa violação de
direitos do trabalhador.361
Dessa forma, a existência do poder de direção e do poder disciplinar do empregador no
contrato de trabalho não autoriza este a utilizá-los como bem entender. Há certos limites
legalmente estabelecidos que pautam a conduta diretiva e disciplinar da entidade empregadora,
os quais já foram abordados anteriormente no presente trabalho. Portanto, o exercício dos
poderes do empregador fora dos limites que sejam legalmente previstos será ilícito.
Diante das inúmeras circunstâncias que podem surgir durante uma relação de trabalho,
pode ocorrer, porém, que em determinada situação, uma manifestação do exercício dos poderes
não se encontre delimitada de forma expressa. Assim, o ordenamento jurídico português impôs
de modo genérico, além dos limites legais específicos, limites ao titular de direitos para exerce-
los, em conformidade com padrões de justiça, correção e probidade.
O modo que o legislador encontrou de impor tais limites materiais ao exercício de
direitos foi através da previsão da figura do abuso do direito, em razão da qual o exercício de
algum direito de forma materialmente incompatível com o ordenamento e com o sentimento de
justiça dominante será ilegítimo.
A figura do abuso do direito está prevista no ordenamento português no artigo 334º do
Código Civil o qual estipula que o exercício de um direito será ilegítimo quando o seu titular
manifestamente exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade
social ou econômica de tal direito.
361 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores
e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas cit., p.3
107
O abuso do direito constitui uma “válvula de escape” do sistema jurídico, aplicável às
situações que pressuponham a existência do direito, mas cujo exercício exceda os limites acima
referidos.362 Caracteriza-se como um exercício anormal de um direito próprio do titular363, o
qual se encontra formalmente adequado, mas é materialmente ilegítimo.364
Os limites impostos pela boa-fé estabelecem uma conduta diligente, honesta e leal,
enquanto os limites contornados pelos bons costumes são aqueles definidos pelo conjunto de
regras éticas que as pessoas de boa conduta costumam seguir no meio social em que estão
inseridas.365 Quanto aos fins sociais e econômicos do direito exercido, pode-se afirmar que os
mesmos constituem o objetivo natural da existência de tal direito.
O artigo 334º do Código Civil delimita que não é qualquer excesso que será considerado
abuso do direito. Para essa caracterização, o exercício fora dos limites estabelecidos deverá ser
manifesto, ou seja, “facilmente apreensível”.366 Assim, é necessário que o titular do direito
exceda de modo visível os limites que lhe cumpria observar, de tal maneira que esse excesso,
“à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante
injustiça”.367
Adaptando a figura do abuso do direito para as situações laborais, o empregador
exercerá de modo ilegítimo os seus poderes quando exceda os limites impostos pela boa-fé,
pelos bons costumes ou pelos fins sociais e econômicos do exercício dos seus poderes. Tal
adaptação justifica-se com a previsão do dever das partes de proceder com boa-fé no exercício
de direitos conforme o nº 1 do artigo 126º do Código do Trabalho.
A figura do abuso do direito mantém pertinência temática com a desobediência legítima
do trabalhador na medida em que as ordens do empregador (tanto as emitidas em razão do seu
poder diretivo quanto as proferidas em virtude da faceta prescritiva do seu poder disciplinar)
que excederem os limites impostos pelo artigo 334º do Código Civil serão ilegítimas, logo não
vinculam um dever de obediência da contraparte.368 Do mesmo modo, Júlio Manuel Vieira
Gomes afirma que “não é devida obediência quando o exercício da ordem corresponde a um
abuso de direito (...)”.369
362 Ac. RP de 05/10/2015, (Nº248/10.0TTPRT.P1), www.dgsi.pt 363 Ac. STJ de 15/09/2010, (Nº 254/07.1TTVLG.P1.S1), www.dgsi.pt 364 Vide: PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., p.174 365 Ac. STJ de 15/12/2011, (Nº2/08.9TTLMG.P1S1), www.dgsi.pt 366 Ac. STJ de 15/09/2010, (Nº 254/07.1TTVLG.P1.S1), www.dgsi.pt 367 Ac. RP de 16/12/2015, (Nº136/13.8TTVLG.P1), www.dgsi.pt 368 A título exemplificativo de ordem ilegítima por exceder os limites impostos pela boa-fé, vide: Ac. RLx de
20/04/2016, (Nº107/13.4TTBRR.L1-4), www.dgsi.pt 369 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.963
108
Tais ordens ilegítimas, em razão de excederem os limites impostos pela boa-fé, pelos
bons costumes ou pelos fins a que são dirigidas, podem acarretar a violação dos direitos e
garantias do trabalhador, razão pela qual a desobediência do trabalhador será legitimada pelo
artigo 128º, nº 1, alínea “e”, do Código do Trabalho.
5 Sanção abusiva
A faculdade do empregador de aplicar sanções decorre do seu poder disciplinar, o qual,
porém, não é absoluto, tampouco poderá ser arbitrário. Destarte, o empregador encontra limites
no respeito aos direitos e garantias do trabalhador no tocante ao sancionamento deste.370
A aplicação de sanções tem lugar mediante um comportamento ilícito e censurável do
trabalhador, consubstanciado em uma infração disciplinar. Quando, porém, o empregador
sancionar um comportamento do trabalhador destituído de ilicitude, motivado por reações
ilegítimas ao exercício pelo trabalhador dos seus direitos, considera-se que essas sanções são
abusivas.371 Há que se distinguir, contudo, as sanções abusivas das aplicadas por motivos
discriminatórios, sendo que as primeiras são previstas de modo taxativo no Código do Trabalho,
enquanto as segundas traduzem-se em um exercício ilícito do poder disciplinar.372
Conforme já referido anteriormente no presente trabalho, as sanções abusivas são um
afloramento do desrespeito ao princípio da boa-fé na sua faceta da primazia da materialidade
subjacente, a qual impõe que o processo disciplinar seja utilizado para o fim estabelecido na lei
– apurar e punir uma infração disciplinar.373
O conceito de sanção abusiva é objetivado374: são sanções abusivas aquelas que a lei
expressamente considera como tais nas alíneas do nº 1 do artigo 331º do Código do Trabalho.
Dessa forma, são consideradas abusivas as sanções motivadas em virtude de o trabalhador:
haver reclamado contra as condições de trabalho de modo legítimo; recusar o cumprimento de
uma ordem a que não deva obediência (nos moldes do artigo 128º do CT); candidatar-se ou
exercer funções em estrutura de representação coletiva de trabalhadores; e, genericamente,
invocar ou praticar o exercício dos seus direitos.
370 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.766 371 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal cit., p.49 372 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.898 373 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.755 374 Ac. STJ de 04/06/2014, (Nº553/07.2TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt
109
As quatro alíneas do nº 1 do artigo 331º reportam-se a comportamentos que se situam
fora do ordenamento disciplinar, servindo de limites ao poder da entidade empregadora, assim,
caso esses comportamentos venham a ser sancionados, as sanções aplicadas serão abusivas.375
Na medida em que o caráter abusivo dessas sanções tem fundamento na motivação que
levou o empregador a aplicá-las, está subjacente a ideia de que ele o fez imbuído de um
“espírito de retaliação” diante dos comportamentos dos trabalhadores descritos no artigo 331º,
nº 1.376 Assim, a punição aplicada diante da falta de conduta ilícita por parte do trabalhador
possui uma natureza persecutória.377
Esse intuito persecutório constitui um dos elementos da sanção abusiva – elemento
subjetivo, que conjugado com o elemento objetivo (enquadrar-se em uma das situações
descritas no artigo 331º, nº 1) caracterizam a abusividade na sanção.378
Em resumo, o número 1 do artigo 331º do Código do Trabalho traz taxativamente as
sanções disciplinares que, se forem aplicadas pelo empregador, serão consideradas abusivas.
Dentre elas, interessa para este trabalho a alínea “b”, a qual dispõe que será considerada abusiva
a sanção disciplinar que tenha sido motivada por uma recusa do trabalhador a cumprir certa
ordem a que não devia obediência.
A alínea “b” (do nº 1 do artigo 331º) ao fazer uma remissão ao artigo 128º (nº 1, alínea
“e” e nº 2) prevê expressamente a desobediência legítima do trabalhador – quando as ordens ou
instruções forem contrárias a seus direitos ou garantias, ou quando forem emitidas por sujeito
incompetente. Assim, a recusa do trabalhador ao cumprimento de ordem ou instrução que
afronte a direito ou garantia sua, ou emitida por sujeito incompetente será legítima, inexistindo
conduta ilícita. Logo, eventual sanção aplicada será abusiva. Em outras palavras, será
considerada abusiva por sancionar comportamento do trabalhador expressamente permitido
pelo ordenamento jurídico, o qual não consubstancia uma infração disciplinar, pelo que a
motivação do empregador para tal aplicação de sanção deve ser tida como reprovável.
Haja vista que a qualificação de uma sanção como abusiva é dada pelo motivo que o
empregador a aplicou, a prova deste elemento subjetivo é dificultosa, uma vez que o
empregador esconderá sua real intenção sob a aparência de um exercício legítimo de seu poder
375 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.134 376 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., pp.175 ss. Segundo o referido autor, o artigo 331º
é uma expressão do instituto do abuso de direito (previsto o artigo 334º do Código Civil). 377 Ac. STJ de 19/11/2014, (Nº42/12.3TTMTS.P1.S1), www.dgsi.pt 378 Ac. STJ de 16/01/2013, (Nº1767/08.3TTLSB.L1S1), www.dgsi.pt. O STJ ao caracterizar esses dois elementos
componentes da sanção abusiva segue o entendimento de António Menezes Cordeiro. Em: CORDEIRO, António
da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.756
110
disciplinar, assim, o legislador para facilitar a prova pelo trabalhador de uma sanção abusiva
previu uma presunção desta.379
Dessa forma, o nº 2 do artigo 331º estabeleceu uma presunção juris tantum (podendo,
portanto, o empregador fazer prova do contrário) de abusividade da sanção aplicada no prazo
de seis meses de qualquer um dos fatos do nº 1, ou de um ano em caso de reclamação ou
exercício de direitos que digam respeito a igualdade e não discriminação.380
Importa discorrer sobre as consequências que irão resultar ao empregador se porventura
aplicar uma sanção abusiva ao trabalhador, as quais estão estabelecidas nos números 3, 4, 5 e 6
do artigo 331º.
Em termos gerais, conforme dispõe o nº 3 do referido artigo, cumpre ao empregador
indenizar o trabalhador em caso de aplicação de sanção abusiva, com especificidades
dependentes do fundamento do abuso ou do tipo de penalidade imposta.381
Caso a sanção aplicada tenha sido o despedimento por fato imputável ao trabalhador, tal
despedimento será nulo quando a desobediência for legítima, podendo o trabalhador optar entre
a reintegração e uma indenização calculada conforme o disposto no artigo 392º, nº 3 do Código
do Trabalho.
Tais consequências estipuladas no artigo 331º não afastam a possibilidade de uma
resolução do contrato pelo trabalhador, conforme previsão normativa na alínea “c” do nº 2 do
artigo 394º do Código do Trabalho. Dessa forma, se o empregador aplicar ao trabalhador uma
sanção abusiva, seu comportamento será passível de constituir uma justa causa para resolução
do contrato de trabalho pelo trabalhador. Especificamente em relação à desobediência legítima,
se o trabalhador for sancionado em razão de ter recusado o cumprimento de ordens que não
devia obediência, ele poderá, portanto, resolver o contrato laboral.
Ainda, cumpre mencionar que a aplicação de sanção abusiva por parte da entidade
empregadora constitui contra-ordenação grave382, nos termos do nº 7 do artigo 331º do Código
do Trabalho.
379 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do
Trabalho cit., I, p.162 380 Vide: Ac. RC de 16/12/2015, (Nº3501/14.0T8VIS.C1), www.dgsi.pt 381 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., p.178 382 A noção de contra-ordenação laboral é apresentada pelo artigo 548º do Código do Trabalho, o qual dispõe:
“Constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma
norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja
punível com coima.”.
111
5.1 A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em decorrência da aplicação de sanção
abusiva
É facultado ao trabalhador resolver o seu contrato de trabalho caso o empregador lhe
aplique uma sanção abusiva em virtude de um comportamento seu que constitua uma
desobediência legítima.
Esta cessação do contrato de trabalho encontra-se prevista no artigo 394º, nº 2, alínea
“c”, do Código do Trabalho, o qual enuncia que constitui uma justa causa para resolução do
referido contrato o comportamento do empregador que aplique ao trabalhador uma sanção
abusiva.
Por estar elencada entre as hipóteses do nº 2, essa situação é designada como “justa
causa subjetiva” pela doutrina e jurisprudência e supõe a “verificação de um facto
superveniente que frustra as legítimas expectativas da parte que o invoca para fundamentar a
cessação do contrato.”.383
Por se tratar de uma resolução, essa hipótese de cessação do contrato laboral terá lugar
diante de um comportamento culposo do empregador, o qual desrespeita o cumprimento dos
seus deveres, gerando, portanto, uma situação de responsabilidade contratual.384
Esse comportamento culposo do empregador caracteriza um dos requisitos apresentados
por Maria do Rosário Palma Ramalho (elencados pela jurisprudência) para que se configure
uma situação de justa causa subjetiva onde o trabalhador possa resolver o contrato. A atribuição
do comportamento ao empregador a título de culpa trata-se do requisito subjetivo, sendo que o
objetivo é o comportamento em si, violador de direitos ou garantias do trabalhador. Ainda, há
a presença de um terceiro requisito, o qual se trata do fato de que o referido comportamento
afete a subsistência do vínculo laboral de forma imediata e tornando-a praticamente impossível.
Para a mencionada autora, esses critérios não se apreciam de modo tão estrito quanto na justa
causa disciplinar (tendo em conta a referência ao artigo 351º constante no nº 4 do artigo 394º).385
Extrai-se, portanto, da cumulação dos artigos 331º (nº 1, alínea “b”) e 394º (nº 2, alínea
“c”) – ambos do CT que, se o empregador sancionar o trabalhador que cometa uma
desobediência legítima, esta sanção será considerada abusiva e, portanto, diante da aplicação
deste tipo de sanção, o trabalhador tem a faculdade de resolver seu contrato de trabalho de
383 Extraído da anotação de Joana Vasconcelos ao artigo 394º do CT em: MARTINEZ, Pedro Romano/
MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA,
Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado cit., pp.882 s. 384 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato cit., p.482 385 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.1092 s.
112
forma imediata, haja vista seu empregador ter violado a norma de não imposição de sanção ao
trabalhador que legitimamente deixe de observar o dever de obediência.
6 A responsabilidade do trabalhador
O trabalhador, quando viola o seu dever de obediência, é suscetível de ser
responsabilizado pelos danos originados em virtude de sua conduta ao seu empregador ou à
empresa.386 A responsabilidade pelos danos causados à contraparte em decorrência do
incumprimento de deveres está enunciada no artigo 323º, nº 1, do Código do Trabalho. Tal
artigo tem aplicação para ambas as partes da relação laboral, reafirmando o caráter
sinalagmático do contrato de trabalho.387
De acordo com o citado dispositivo, responsabiliza-se a parte que faltar culposamente
com os seus deveres. Assim, tal previsão legal não se aplica à desobediência legítima do
trabalhador, por faltar a esta o elemento “culpa”. Dessa forma, o nº 1 do artigo 323º é aplicável
apenas quando a ordem do empregador for legítima e o trabalhador viole um dever de
obediência exigível.
Diante de uma ordem ilegítima da entidade empregadora, a questão da responsabilidade
do trabalhador adquire outros moldes. Assim, é cabível uma problematização a respeito das
possíveis atitudes a serem tomadas pelo trabalhador frente a uma ordem ilegítima no contexto
da relação de trabalho.
João Moreira da Silva afirma que, diante de uma ordem dotada de irregularidade, o
trabalhador deverá manifestar ao empregador a sua intenção de não a cumprir e, caso a entidade
empregadora a mantenha, aquele deverá solicitar que o conteúdo da ordem o seja dado por
escrito para que assim isente sua responsabilidade caso a cumpra.388 A importância da
solicitação da ordem por escrito reside na dificuldade em se provar a existência da mesma e seu
conteúdo.
Especificamente no que tange às ordens ilegais (as quais imponham a prática de uma
conduta ilegal por parte do trabalhador), não há meios de isentar o prestador da atividade de
responsabilidade, caso este venha a cumpri-las, uma vez que sua sujeição à entidade
empregadora não é causa de exclusão de ilicitude em uma conduta típica. Assim, a
responsabilidade penal será imposta ao trabalhador que obedeça a ordens ilegais.
386 DUQUESNE, François – Le nouveau Droit du travail cit, p.216 387 Anotação de Pedro Romano Martinez em: MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO, Luis Miguel/
VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves da – Código
do Trabalho Anotado cit., pp.734 s. 388 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho cit., p.54
113
Quanto à responsabilidade civil, caso o trabalhador obedeça de modo consciente ordens
ilegítimas que acarretem danos a terceiros, ele poderá ser responsabilizado conjuntamente com
seu empregador.
Por outro lado, caso o trabalhador opte por desobedecer eventual ordem ilegítima,
exercendo seu direito de resistência, não há o que se falar em responsabilidade, haja vista o
artigo 323º (nº 1) expressamente exigir o elemento “culpa” na falta de cumprimento de deveres
para ensejar a responsabilização e, também, em virtude do dever de obediência não ser exigível
frente a ordens ilegítimas, não ocorrendo uma violação deste dever propriamente dita.
Em suma, caso o trabalhador se depare com uma ordem ilegítima, é preferível que o
mesmo não a cumpra, ao invés de obedecê-la e poder ser responsabilizado posteriormente (em
conjunto com o empregador) por danos causados à terceiros ou, penalmente, pela prática de um
ato ilícito.
114
CONCLUSÕES
O ordenamento jurídico português, ao legitimar o descumprimento por parte do
trabalhador de certas ordens ou instruções emitidas pela entidade empregadora, visa compensar
a assimetria oriunda da relação de trabalho subordinada, na qual um sujeito emite diretrizes e
outro as obedece. Dessa forma, tutela-se direitos e garantias através da resistência a comandos
que os ameacem.
Apesar de a maioria das diretrizes proferidas pelo empregador serem oriundas do
exercício do seu poder de direção, a emissão de comandos não se limita a manifestações do
referido poder. Assim, o empregador dita ordens em razão da faceta prescritiva do seu poder
disciplinar e por meio do regulamento de empresa, no qual determina orientações gerais e
abstratas aos trabalhadores quanto à organização e disciplina do trabalho, vinculando-se a
obediência do trabalhador a ordens ou instruções legítimas independentemente de qual poder
sejam uma manifestação.
A emissão de comandos revela-se de suma importância para garantir o regular
funcionamento da empresa. É por meio das ordens e instruções que a atividade laboral irá se
concretizar, contudo, isso não quer dizer que não existam limites a serem observados pelo
empregador para proferi-las, sob pena de acarretarem em consequências negativas ao
trabalhador.
Desse modo, a conduta diretiva do empregador deverá ser pautada pelos limites do
próprio contrato laboral (respeitando as particularidades de cada um – é o caso da autonomia
técnica, por exemplo) e das normas que o regem, conforme enuncia o artigo 97º do Código do
Trabalho.
O empregador, deve dispensar especial atenção às normas que regulam a modificação
da prestação laboral ao alterar: a função exercida pelo trabalhador, o seu local ou horário de
trabalho. Caso ele não o faça poderá prejudicar de forma gravosa o prestador da atividade,
afetando direitos e garantias do mesmo.
A importância dos limites à emissão de comandos revela-se na medida em que os
mesmos ditarão os contornos para se estabelecer a legitimidade das ordens ou instruções
proferidas, de modo que a ilegitimidade de uma diretriz tem lugar quando o empregador
extrapole os limites impostos.
É por meio da determinação da legitimidade da ordem ou instrução que se estabelece a
exigibilidade do dever de obediência, porquanto a ilegitimidade de um comando faz cessar tal
dever.
115
Não se pode censurar de modo direto um comportamento desobediente do trabalhador
sem analisar a situação que deu origem a ele (em outras palavras, sem apreciar a legitimidade
da ordem ou instrução descumprida). A conduta reprovável na desobediência legítima é a do
empregador que a suscitou e não a do trabalhador que apenas está se defendendo de um
comando irregular.
É somente por meio do exame da legitimidade do comando emitido pelo empregador
que se pode determinar se eventual desobediência cometida pelo trabalhador é legítima ou
ilegítima. Essa análise deve ser cuidadosa, haja vista que as duas figuras possuem características
e consequências muito distintas.
A desobediência legítima e a ilegítima são praticamente opostas, possuindo como ponto
de contato apenas o não acatamento de uma ordem ou instrução. A ilegítima é uma infração
disciplinar, posto que viola o dever de obediência. É ilícita, culpável e passível de sanção
(inclusive de despedimento quando a crise na relação de trabalho for irremediável, constituindo
a desobediência ilegítima uma justa causa).
Por outro lado, a desobediência legítima é autorizada pela legislação; é uma conduta
lícita; destituída de relevo disciplinar; não é censurável e constitui um meio de defesa de direitos
e garantias. O trabalhador ao desobedecer legitimamente um comando ilegítimo age em
conformidade com o direito.
A desobediência legítima possui um caráter excepcional – surgindo quando há uma
anormalidade na relação laboral. No curso normal e estável do contrato de trabalho há a
primazia do dever de obediência.
A recusa legítima ao cumprimento de diretrizes relaciona-se diretamente com o fato de
que o dever de obediência do trabalhador não é absoluto, ele possui limites que definem sua
exigibilidade.
A desobediência legítima do trabalhador pode ocorrer tanto em razão de ordens ou
instruções cujo conteúdo seja ilegítimo, quanto em caso de serem proferidas por sujeito
incompetente. Tal conclusão mantém relação com a remissão feita pelo artigo 331º (nº 1, alínea
“b”) a dois dispositivos do artigo 128º (nº 1, alínea “e” e nº 2), ambos do CT.
A partir da remissão mencionada, pode-se extrair duas modalidades de desobediência
autorizadas pelo Código do Trabalho – quando o conteúdo dos comandos emitidos pelo
empregador viole direitos ou garantias do trabalhador ou quando forem proferidos por sujeitos
ilegítimos. Em virtude da primeira hipótese citada possuir uma gama ampla de possíveis
ocorrências, ela poderá ser dividida em outras modalidades.
116
Quando eventual ordem do empregador implicar no cometimento de uma conduta ilícita
pelo trabalhador, o prestador da atividade além de exonerar-se do cumprimento de tal comando
(em virtude de que ele deve obediência, primeiramente, às leis do seu Estado), caso venha a
executá-la, será penalmente responsável pelo seu ato, uma vez que a subordinação oriunda do
contrato de trabalho não é causa de exclusão de ilicitude.
Quando o empregador aplique uma sanção à desobediência legítima, ela será
considerada abusiva – sendo facultado ao trabalhador resolver o contrato laboral.
A existência de um verdadeiro direito de resistir ao cumprimento de uma ordem ou
instrução ilegítima é inegável, uma vez que com a irregularidade da situação gerada pelo
empregador o dever de obediência irá cessar.
A desobediência legítima do trabalhador é tratada com certa insignificância pela
legislação e pela doutrina portuguesa, haja vista ser uma permissão do ordenamento jurídico.
Tal entendimento deveria ser alterado para se dispensar a ela um tratamento tal qual merece ser
compreendida – como um verdadeiro meio de defesa de direitos e garantias.
Deve-se procurar assegurar ao trabalhador o seu efetivo recurso a essa figura quando
dela necessite. A desobediência legítima, uma vez que é salvaguardada pelo ordenamento
jurídico, não pode ser ineficaz no sentido de que não possa ser colocada em prática diante de
uma situação anormal no curso da relação laboral, na qual possivelmente estejam em risco
direitos e garantias do trabalhador.
117
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