UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DAIANE PIRES PEREIRA
PRESTÍGIO E FILANTROPIA: IRMANDADE DE SÃO
BENEDITO E CONFERÊNCIA DE SÃO VICENTE DE PAULO
EM FEIRA DE SANTANA (1903-1929)
Geminiano Costa Fonte: GAMA, Raimundo Gonçalves (coord.).
Memória Fotográfica de Feira de Santana.
Feira de Santana-BA
2017
DAIANE PIRES PEREIRA
PRESTÍGIO E FILANTROPIA: IRMANDADE DE SÃO
BENEDITO E CONFERÊNCIA DE SÃO VICENTE DE PAULO
EM FEIRA DE SANTANA (1903-1929)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana, como
requisito para obtenção do grau de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Elizete da Silva
Feira de Santana-BA
2017
Banca examinadora:
Profª. Drª. Elizete da Silva (orientadora)
Universidade Estadual de Feira de Santana/BA
___________________________________________________
Prof. Dr. Fabrício Lyrio Santos (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/BA)
___________________________________________________
Prof ª. Drª. Ione Celeste Sousa (Universidade Estadual de Feira de Santana/BA)
____________________________________________________
AGRADECIMENTOS
De todas as páginas da dissertação, as mais leves de escrever, não é mais o momento
de problematizar, mas de agradecer a tod@s as pessoas que em algum momento ajudaram-me
a chegar nessa fase da minha vida profissional. Meus agradecimentos à:
Marineide minha mãe, a Joel meu pai e a Joelma minha irmã por me possibilitarem
viver no seio de uma família onde reina o amor, a confiança e compreensão pelo apoio nos
momentos de maiores dificuldades e por em nenhum momento terem criticado minha escolha
profissional. Obrigada, por serem meu alicerce.
Deus e os Orixás, por me manterem saudável.
Elizete da Silva, minha orientadora, pela amizade, confiança, dedicação e paciência.
Por partilhar comigo um pouco do seu conhecimento e de ter contribuído para o meu
crescimento profissional. Grata, por ter sido escolhida.
Professora Ione Sousa, pelas contribuições durante a banca de qualificação e por ter
aceitado o convite para a defesa da dissertação.
Professor Fabrício Santos, pelas sugestões e contribuições durante a banca de
qualificação e por ter aceitado o convite para a defesa da dissertação.
Daiane Oliveira, amizade construída durante a Graduação na turma 2006.2 do curso de
História da Universidade Estadual de Feira de Santana. Obrigada, por gentilmente ter
reservado algumas de suas valiosas horas para discutir comigo teoria da História, por me
transmitir sua confiança e por nossa amizade resistir.
Emanuela Bethânia, pela amizade construída ao longo da Pós-graduação em História
da UEFS, pelos divertidos momentos de lazer, pelos conselhos, por pacientemente ter me
escutado nos meus momentos de aflição e por sempre se preocupar comigo.
Kelman Conceição, pela amizade, pelos momentos divertidos e, sobretudo, por
gentilmente ter se oferecido para ir comigo ao Cemitério Piedade coletar fontes e por me fazer
sorrir a cada fonte encontrada. Sempre terá minha gratidão.
Polliana Jéssica, Marlon, Anila, Verônica, pela amizade construída antes, durante e
após as reuniões do Centro de Pesquisa das Religiões.
Centro de Pesquisa das Religiões (CPR), por ser não apenas o espaço de produção do
conhecimento acadêmico, mas por ser o lugar onde encontrei pessoas acolhedoras e amizades
sinceras. O local onde iniciei minhas pesquisas, participei de discussões de livros, projetos e
cresci profissionalmente.
Luciane Almeida, pela amizade e pelas sugestões na elaboração do projeto do projeto.
Colegas da turma 2015 do mestrado em História, pelas discussões e contribuições para
a minha pesquisa.
Professores das disciplinas ofertadas para turma 2015 na Pós Graduação em História
da UEFS, pelo conhecimento produzido durante as aulas.
LABELU, discussões, contribuições para minha pesquisa e pelos momentos de
conversa.
Tod@s que contribuíram que tiraram dúvidas e deram sugestões para a escrita do
projeto para o mestrado.
Professora Cristiana Ramos e a bibliotecária Elane por serem gentis e por tirarem
minhas dúvidas referentes às fontes da Biblioteca Monsenhor Renato Galvão.
Funcionários do Arquivo do Arcebispado de Feira de Santana, pela gentileza.
Funcionários do Arquivo Público Municipal, pela gentileza.
Julival, funcionário do Mestrado, pela cordialidade.
RESUMO
A presente dissertação tem como finalidade analisar a Irmandade de São Benedito e a
Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo entre 1903-1929 em Feira de
Santana. A Irmandade de São Benedito e a Conferência de São Vicente de Paulo
configuravam espaços de prestígio, filantropia e sociabilidade na cidade, homens e mulheres
tanto da classe dominante quanto das camadas populares integraram ambas as associações
religiosas. Os confrades da Irmandade de São Benedito através da festa ao seu patrono
promoviam suntuosas festas na cidade de Feira de Santana e contavam com a participação da
população, as celebrações da Irmandade era um espaço para visibilidade da Irmandade e seus
membros, novenas eram celebradas, ocorria a procissão, havia leilões, a Lavagem e o Bando
Anunciador, para manter o esplendor da festa. A filantropia era um dos principais objetivos da
Conferência de São Vicente de Paulo, pondo em prática as obras assistencialistas os confrades
viviam sua religiosidade católica. Os membros da Conferência de São Vicente faziam doações
em dinheiro a enfermos, visitavam enfermos no Hospital da Santa Casa de Misericórdia e
contribuíam mensalmente para a manutenção da Escola Noturna para Pobres da Sociedade de
Vicente de Paulo, a qual se constituía como possibilidade de mobilidade para “Homens e
mulheres de cor”, ou seja, para afro descendentes, que não tiveram acesso a escolarização. As
experiências adquiridas com o catolicismo interferiam nas concepções de morte de parte da
classe dominante feirense, na disposição dos testamentos, nas sepulturas no cemitério e nos
seus cortejos fúnebres.
Palavras chaves: Irmandade, Conferência, Prestígio, Filantropia, Feira de Santana
Résumé
Ce travail a pour but d'analyser la Confrérie de Saint Benedito et de Saint Benedito La
Conférence de Vicente de Paulo Société entre 1903-1929 à Feira de Santana. La Confrérie de
Saint Beneditoet de Saint Vincent de Paul Conférence configurer des espaces prestigieux, la
philanthropie et la sociabilité dans la ville, les hommes et les femmes à la fois la classe
dirigeante et les classes inférieures ont intégré les deux associations religieuses. Les confrères
de la Fraternité Saint Benedito par le parti à son patron la promotion des fêtes somptueuses
dans la ville de Feira de Santana et compte sur la participation de la population, les
célébrations de la Fraternité était un espace pour la visibilité de la Fraternité et ses membres,
neuvaines ont eu lieu, ont eu lieu la procession, il y avait des ventes aux enchères, le lavage et
l'annonceur Bando, tout bien organisé pour célébrer la fête de la splendeur. La philanthropie
est l'un des principaux objectifs de la Conférence de Saint-Vicente de Paulo, en mettant en
place le bien-être vécu leur travaille Confrères religion catholique. Les membres de la
Conférence Saint-Vincent ont fait des dons en espèces aux malades, visiter les malades à
l'hôpital Santa Casa de Misericordia et contribué par mois avec une valeur en espèces pour le
maintien de l'école de nuit pour les pauvres Vicente de Paulo Société , qui a été constitué
comme une possibilité de mobilité pour « Les hommes et les femmes de couleur », à savoir
pour les descendants africains, qui n'avaient pas accès à l'école. L'expérience acquise avec le
catholicisme est intervenu dans la partie des conceptions de la mort de Feirense classe
dirigeante, dans l'arrangement des testaments, les tombes dans le cimetière et ses processions
funéraires.
Mots clés: Frères, Conférence, Prestige, Philanthropie, Feira de Santana
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: ....................................................................................................................54
Tabela 2: ....................................................................................................................58
Tabela 3:.....................................................................................................82
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Igreja dos Remédios fotografia antiga...................................................... 26
Figura 2: Igreja dos Remédios fotografia atual........................................................ 26
Figura 3: Imagem de São Benedito.......................................................................... 32
Figura 4: Coronel Agostinho Fróes da Mottta......................................................... 41
Figura 5: Professor Geminiano Costa...................................................................... 45
Figura 6: Jazigo Família de Agostinho Fróes da Motta..........................................135
Figura 7: Mausoléu Família Agostinho Fróes da Motta.........................................136
Figura 8: Jazigo da Família Eduardo Fróes da Motta.............................................138
Figura 9: Jazigo da Família Arthur Fróes da Motta................................................139
Figura 10: Jazigo da Família Tertuliano José de Almeida......................................140
Figura 11: Jazigo da Família Tertuliano José de Almeida.......................................140
Figura 12: Jazigo de João e Amália Faskumy..........................................................141
Figura 13: Jazigo Antonio Alves de Freitas Borja e Elvira Bastos Freitas Borja.....142
Figura 14: Jazigo Antonio Alves de Freitas Borja e Elvira Bastos Freitas Borja......43
LISTA DE SIGLAS
AAFS- Arquivo do Arcebispado de Feira de Santana.
APMFS – Arquivo Público Municipal de Feira de Santana.
BSMRG/UEFS – Biblioteca Setorial Monsenhor Renato Galvão do Museu Casa do Sertão da
Universidade Estadual de Feira de Santana.
CEDOC/UEFS – Centro de Documentação da Universidade Estadual de Feira de Santana.
BCJC/UEFS- Biblioteca Central Julieta Carteado da Universidade Estadual de Feira de
Santana.
UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana.
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................13
Metodologia ..................................................................................................................................18
Referencial teórico ........................................................................................................................21
Estrutura da dissertação .................................................................................................................23
Capítulo 1- Irmandades de São Benedito em Feira de Santana: Similaridades e distinções. ................25
1.1 Irmãos de São Benedito e a Capela Nossa Senhora dos Remédios ............................................25
1.2 O campo religioso feirense ......................................................................................................26
1.3 Irmandades no Brasil ...............................................................................................................28
1.4 A Igreja Católica em Feira de Santana .....................................................................................32
1.5 Estrutura interna da Irmandade de São Benedito ......................................................................34
1.6 Etnia e composição social da Irmandade de São Benedito ........................................................40
1.7 As eleições na Irmandade de São Benedito ..............................................................................53
1.8 Organização e composição social da Conferência de São Vicente de Paulo. .............................56
Capítulo 2 - A filantropia na Sociedade de São Vicente de Paulo .......................................................65
2.1 A filantropia no Brasil .............................................................................................................65
2.2 A filantropia em Feira de Santana ............................................................................................68
2.3 A Conferência de São Vicente de Paulo e sua perspectiva filantrópica .....................................69
2.4 Mulheres feirenses e filantropia ...............................................................................................84
2.5 Conferência e Escola Noturna para pobres da Sociedade de São Vicente de Paulo ............90
Capítulo 3-Irmandade de São Benedito: as festas religiosas .......................................................100
3.1 As festas religiosas na Bahia ..................................................................................................100
3.2 Irmãos de São Benedito nos festejos a Senhora Santana .........................................................101
3.3 As suntuosas festas ao glorioso São Benedito ........................................................................103
3.4 Irmandade de São Benedito: A Lavagem e o Bando Anunciador ............................................111
3.5 Irmãos de São Benedito e a perspectiva de Eurico Alves Boaventura .....................................116
Capítulo 04: Celebrar a morte na Irmandade de São Benedito..........................................................120
4.1 As representações da morte na sociedade Ocidental ...............................................................120
4.2 Concepções religiosas da morte .............................................................................................121
4.3 Os Irmãos de São Benedito e a morte.....................................................................................124
4.4 Testamentos e últimas vontades dos irmãos de São Benedito .................................................127
4.5 Sepulturas dos irmãos de São Benedito ..................................................................................132
4.6 Os discursos necrológicos no periódico “O Município”..........................................................143
4.7 A celebração do dia de Finados .............................................................................................146
LISTA DE FONTES: ......................................................................................................................153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................155
13
INTRODUÇÃO
Os princípios desta jornada tiveram início em 2007, no segundo semestre da
Graduação em História, quando iniciei a busca por fontes referentes à Irmandade de São
Benedito em Feira de Santana. Inicialmente, as dificuldades foram enormes, mas a
persistência na pesquisa possibilitou-me conseguir uma bolsa de iniciação científica,
PROBIC-UEFS, a continuidade dos estudos contribuiu para a produção do Trabalho de
Conclusão de Curso O Glorioso São Benedito: Irmandade e Conferência em Feira de
Santana 1900-1929 em 2010. Este novo estudo sobre as Irmandades feirenses de São
Benedito representa mais uma etapa da trajetória acadêmica no Mestrado em História da
Universidade Estadual de Feira de Santana, iniciada em 2015.
Esta dissertação tem por objetivo analisar a Irmandade de São Benedito e a
Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, enquanto espaço de
sociabilidade e visibilidade de uma parcela da população feirense das primeiras décadas do
século XX. Diferentemente da Graduação, quando fiz uma análise mais generalizada e com
poucos sujeitos de estudo,nesta investigação, trouxe novos sujeitos e aprofundei a pesquisa a
cerca dos irmãos e aspectos anteriormente trabalhados. Identifiquei o perfil sócio-econômico
e étnico de pessoas de prestígio da sociedade que em algum momento integraram as
irmandades, a inserção e atuação das mulheres nas confrarias, suas práticas filantrópicas e as
concepções sobre a morte de alguns membros da Irmandade de São Benedito.
As irmandades são agremiações religiosas de origem católica organizadas por leigos,
em torno de um ou mais santo de devoção os quais, muitas vezes, não possuem nenhum
membro da hierarquia da Igreja Católica. Eduardo Hoornaert nos seus estudos sobre o
catolicismo no Brasil empregou uma definição que pode ser aplicada para o estudo do tema,
mas não podemos esquecer a existência de peculiaridades no interior das irmandades.
As confrarias são associações religiosas nas quais se reuniam os leigos no
catolicismo tradicional. Há dois tipos de principais confrarias: as irmandades
e as ordens terceiras. Tanto as irmandades quanto as ordens terceiras são de origem medieval. As primeiras constituem uma forma de sobrevivência das
antigas corporações de artes e ofícios. As ordens terceiras são associações
vinculadas às tradicionais ordens religiosas medievais, especificamente aos
franciscanos, aos carmelitas e aos dominicanos.1
1HOORNAERT, Eduardo. História da igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Petrópolis:
Vozes. 1977, p.234.
14
Sobre o perfil adotado por algumas irmandades, Marta Abreu destacou:
Dentre as expressões mais típicas desse catolicismo destacaram-se as confrarias organizadas pelos leigos. Existiam as irmandades e as ordens
terceiras, que se diferenciavam das primeiras por estarem subordinadas às
ordens religiosas. Podiam reunir membros de diferentes origens sociais, estabelecendo solidariedades verticais, mas também servir como associações
de classe, profissão, nacionalidade e “cor”2.
Na conceituação de Marta Abreu, as confrarias podem ser classificadas como
irmandades e ordem terceiras, no entanto existem outras perspectivas: estudos como o de Caio
Cesar Bochi 3 e Edilece Souza Couto 4 salientam que a dinâmica, o comportamento e,
sobretudo, o cotidiano são essenciais para determinar a tipologia das confrarias, ou seja, é
necessário a partir das fontes, um estudo mais apurado. Concordamos ser necessário delimitar
e analisar a Irmandade de São Benedito de Feira de Santana para fazer uma classificação mais
adequada.
No catolicismo feirense, dos primórdios do século XX, as irmandades religiosas
estiveram presentes no campo religioso da cidade, constituindo espaços geradores de prestígio
e poder. As irmandades estavam inseridas desde o período em que a cidade de Feira de
Santana apresentava características conjuntas do espaço rural e urbano.
Segundo Clovis Oliveira, o espaço citadino de Feira de Santana convivia com o
urbano e rural, onde largas ruas eram construídas, mas a presença de boiadas pela cidade a
remetia ao ambiente campestre. Sobre a construção de novos logradouros em Feira de Santana
e as implicações dessas mudanças no cotidiano da população feirense, Oliveira salientou:
Avenidas rasgadas pelos corações da urbe encurtavam distâncias e
tempos, tornavam próximo aquilo que não era antes e ensejavam aos
moradores uma visibilidade maior de gentes e comportamentos.
Notícias, provavelmente levadas nos lombos dos muitos cavalos de
motores nervosos, chegavam rapidamente aos mais distantes lugares,
o centro da urbe conseguia se comunicar com as plagas afastadas,
certamente levando novos ideais de civilidade e organização.5
A cidade de Feira de Santana, atualmente a segunda maior do estado da Bahia e o
maior entroncamento do Norte/Nordeste, teve sua origem e formação associada ao
Cristianismo católico e ao comércio de gado a partir do século XVIII. Acerca das origens
2 ABREU, Marta. O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 3BOSCHI. Caio Cesar. Os Leigos e o Poder. (Irmandades dos leigos e política colonizadora em Minas Gerais).
São Paulo: Ática, 1986 4 COUTO, Edilece Souza. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e
Sant´Ana em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2005, p. 65. 5 OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos em
Feira de Santana (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Brasília, UNB, 2011. p. 88.
15
atreladas ao catolicismo, do crescimento do comércio de gado e da elevação de Feira de
Santana a categoria de cidade em 1873, Aldo Silva sublinhou:
Ainda no século XVII, os herdeiros de Antônio Peixoto Viegas dividiram a
propriedade original em fazendas. Dentre as muitas fazendas então surgidas, estava a de Santana dos Olhos d’ Água, essa fazenda, a exemplo de outras de
maior porte da região, transformou-se em pequeno povoado, sendo a capela
ali erigida o ponto em torno do qual a população da circunvizinhança passou a se reunir, periodicamente, dando origem assim a uma feira em que o gado
certamente já era comercializado, entre outros produtos locais, ainda no
primeiro quartel do século XVIII.6
Feira de Santana do início do século XX apresentava uma economia voltada para o
comércio, representada pela feira livre, atraindo muitas pessoas para a cidade. Era ponto de
parada para muitos viajantes e vaqueiros, visto que o grande entroncamento da cidade
possibilitava essa passagem, contribuindo para movimentar as compras e vendas no
entreposto comercial. Realizada nas segundas-feiras, a feira livre era para comerciantes e
famílias pobres o local da conquista do alimento do dia a dia.7
Entretanto, ao longo do século XX, a cidade passou por modificações estruturais
tendo como objetivo valorizar um ambiente urbano em detrimento do rural, uma vez que os
grupos governantes desejavam distanciar o passado pastoril e dar espaço para a urbanização8.
A cidade de Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX tinha
características peculiares entre o espaço rural e urbano bem próximas. Clóvis Oliveira
destacou:
O contexto criado a partir da tensão entre os dois fatores gera uma nova gramática urbana. Se até então a cidade era uma espécie de quintal das
grandes fazendas, na qual eram realizadas semanalmente as feiras. Esse
quadro deveria mudar. Nas palavras de um contemporâneo “era preciso que as luzes do progresso se abram sobre a Feira”. Nesse sentido, as posturas
municipais começam a se dirigir contra determinados hábitos, visando
modelar uma nova visão do urbano e antigas práticas passam a ser
normalizadas como indesejáveis no cotidiano da cidade, tudo em nome do progresso.9
6 SILVA, Aldo José Morais. A feira e o mercado: Notas sobre a inserção de Feira de Santana na economia baiana. In: SILVA, Elizete da. NEVES, Erivaldo Fagundes. Cultura, Sociedade e Política: Ideias, métodos e
fontes na investigação histórica. Feira de Santana: Ed.UEFS, 2014, p. 213. 7 SILVA, Aldo José Morais. Natureza sã, Civilidade e Comércio em Feira de Santana: elementos para o
estudo da identidade social no interior da Bahia (1833-1927). Dissertação (Mestrado em História). Salvador:
UFBA, 2000. 8OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos em
Feira de Santana (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Brasília, UNB, 2011. 9OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Morais. De Empório a Princesa do Sertão: Utopias Civilizadoras em
Feira de Santana (1893-1937). Dissertação (Mestrado em História). Salvador- Bahia, UFBA, 2000. p. 41.
16
O cotidiano citadino era movimentado pela feira livre que atraia feirantes e
consumidores das vilas e cidades vizinhas. Sobre a relevância da feira livre, a posição
estratégica e outros motivos facilitadores do crescimento da cidade feirense, Aldo Silva
sublinhou:
Evidentemente, essa facilidade de acesso sempre fez de Feira de Santana
uma região com uma população flutuante bastante expressiva. As grandes e
inúmeras tropas de animais carregados de mercadorias que passavam por Feira com destino aos sertões, ou deles vindos, traziam também seus
condutores, os tropeiros, e, com eles, viajantes e aventureiros que se
instalavam na cidade ou simplesmente pernoitavam e se abasteciam, para
depois seguirem caminho. A facilidade de acesso e os recursos econômicos e naturais da região também tornavam-na o ponto de confluência natural para
a população carente nos períodos de secas, o que tomava tais fases
especialmente movimentadas para a cidade10.
No início do século XX, as principais atividades econômicas se davam em torno de
poucas ruas “[..] a centralidade urbana de Feira de Santana, que estava, por sua vez,
circunscrita as localidades adjacentes a três ruas específicas, Rua do Meio, Rua Conselheiro
Franco e Avenida Senhor dos Passos, recortadas pela antiga Avenida Maria Quitéria.”11 As
famílias mais abastadas da cidade moravam nestas ruas ou próximo delas. Discutindo sobre a
organização e estrutura social de Feira de Santana, Mayara Silva acentuou:
Tal como em outras cidades brasileiras, os becos e vielas entrecortavam as
largas avenidas e borbulhavam com a movimentação constante de trabalhadores e trabalhadoras. Em Feira de Santana, os becos, situados entre
ruas centrais da cidade, eram espaços de moradia e trabalho para esta
população, bem como para a realização de atividades consideradas ilícitas e
imorais para os valores higiênicos e moralistas da república. Os becos se constituíam, então, em locais apropriados por trabalhadores/as pobres da
cidade para estabelecerem suas experiências de trabalho e relações
familiares, pela construção de seus pequenos casebres [...].12
Desde o período colonial, a Igreja Católica fez parte da história de Feira de Santana.
Candido Costa e Silva salientou a descentralização e distribuição das igrejas para as áreas do
Sertão e as dioceses. No período colonial, todas as áreas além do Litoral eram chamadas de
Sertão, Candido Costa e Silva destacou:
O litoral sul contava com uma na vila de São Jorge de Ilhéus, sob o título de
invenção de Santa Cruz e outra em Camamú, de N. Senhora da Assunção,
admitindo-se esta última como limite do que até aí se tomou por agregado ao Recôncavo. Prestes à segunda fase, o sertão de baixo passa a ser assistido
10 SILVA, Aldo José Morais. Natureza sã, Civilidade e Comércio em Feira de Santana: elementos para o
estudo da identidade social no interior da Bahia (1833-1927). Dissertação (Mestrado em História). Salvador:
UFBA, 2000. p. 19. 11 SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930).
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012. p. 41. 12 Idem, p. 41.
17
por quatro. Duas em terras sergipanas: N. Senhora da Piedade da Vila do
Largato e Stº Antonio da Vila Nova do Rio de S. Francisco, e duas baianas:
S. José das Itapororocas e N. Srª de Nazaré do Itapicurú de Cima.13
Acerca da importância da Igreja Católica para a formação de Feira de Santana Rennan
Pereira ressaltou “O Catolicismo feirense teve suas raízes ainda no período colonial e durante
muito tempo foi a religião majoritária na comunidade feirense. O símbolo da fé católica
estava presente no cotidiano dos cidadãos e de suas práticas habituais.”14
Em meados do século XX, o catolicismo, era a doutrina religiosa predominante,
entretanto existiam resistências às suas doutrinas e outros grupos religiosos na sociedade
feirense como as Religiões de Matrizes Africanas, o Protestantismo e, posteriormente, o
Espiritismo. Neste período, faziam-se presentes as Religiões de Matrizes Africanas, Elizete da
Silva no seu estudo sobre a religiosidade no espaço feirense, destacou uma notícia publicada
num jornal soteropolitano, em 1904, com severas críticas as Religiões de Matrizes
Africanas15.
Sobre a religiosidade afro-brasileira em Feira de Santana, Ronaldo Senna enfatizou
que a localização geográfica da cidade favoreceu a pluralidade de “encantarias”, isto é, de
Religiões Africanas. Sobre o contexto atual, o autor afirma “Antes da pesquisa não existia a
informação de como era tão grande a presença de centros de cultos afros- brasileiros e o
espaço social por eles alcançado nesse tabuleiro. Afinal, Feira de Santana é a porta de entrada
do Sertão” 16.
Nas documentações analisadas, identificamos protestantes em Feira de Santana em
1898, com a nota no Jornal Gazeta do Povo em nome da Sociedade de Vicente de Paulo
criticando a doutrina protestante. Desde o final do século XIX, os católicos feirenses estavam
articulados para impedir o crescimento de outras doutrinas religiosas na cidade, pois poderiam
representar uma ameaça ao capital simbólico da Igreja Católica da cidade. Na ata da
Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo, também encontramos vestígios de
protestantes na cidade na primeira década do século XX, pois foi denunciada à Conferência da
13 SILVA, Candido Costa e. Os Segadores e a messe: o clero setecentista na Bahia. Salvador: UFBA, 2000, p.
53-54. 14OLIVEIRA, Rennan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). UEFS, 2014, p. 87. 15 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de
Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010. p.159. 16 SENNA, Ronaldo Salles. Feira de Encantados:Uma panorâmica da presença afro-brasileira em Feira de
Santana construções simbólicas e ressignificações. Feira de Santana: Ed: UEFS, 2014. p. 20.
18
existência de uma criança, filha de um protestante, sem receber as águas sagradas do
batismo.17
Segundo Elizete da Silva, os primeiros indícios da presença de protestantes em Feira
de Santana ocorreram por volta do final do século XIX. O jornal Folha do Norte registrou a
passagem do Reverendo presbiteriano George Chamberlain na cidade e um episódio de
hostilidade entre o protestante e os católicos feirenses, ou seja, um conflito gerado por uma
disputa no campo religioso feirense.18
No tocante aos espíritas, os registros históricos da cidade apontaram que os primeiros
chegaram na cidade de Feira de Santana a partir da década de trinta da primeira metade do
século XX e, consequentemente, iriam aumentar a disputa no campo religioso da cidade.19
Em Feira de Santana, a religiosidade cristã permeava o dia a dia dos feirenses, um dos
principais espaços para a atuação do catolicismo eram as irmandades. Em meados do século
XX, algumas irmandades religiosas20, a exemplo, Santa Casa de Misericórdia, Nossa Senhora
do Rosário, abarcavam o cenário religioso da cidade. No mesmo período, a Irmandade de São
Benedito e a Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo21 atuavam na
cidade.
O recorte temporal desta dissertação inicia-se em 1903 por ser ano da elaboração do
nono Termo de compromisso da Irmandade de São Benedito e finaliza em 1929, pois é o ano
da última notícia que encontrei na pesquisa do Jornal Folha do Norte com referências sobre a
Irmandade de São Benedito.
Metodologia
Fontes impressas:
Os documentos auxiliadores na construção das problemáticas deste estudo sobre as
Irmandades de São Benedito em Feira de Santana foram:
17 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. Ata nº07, 09/08/1903. 18 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de
Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010. 19 MORGADO, Chablik de Oliveira. O voo do pássaro e seu canto: trajetória de um espírita e do espiritismo
em Feira de Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História) Feira de Santana: UEFS, 2016. 20 PEREIRA, Daiane Pires. O glorioso São Benedito: Irmandade e Conferência em Feira de Santana 1903-1930.
Monografia. Feira de Santana: UEFS, 2010. 21 Idem, ibidem.
19
O Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito de 1903, documento
regularizador da associação perante a Igreja Católica, sendo relevante para entender a
organização da estrutura interna. Esta fonte contribuiu para destacar os direitos e deveres dos
confrades, os critérios de entrada, permanência e exclusão da associação, a participação das
mulheres, os cargos e atribuições de cada membro, o preparo da festa do patrono e a forma
como era pensada a morte na Irmandade.
O Jornal Folha do Norte entre os anos de 1909-1929 tornou-se relevante para
identificar membros/as, uma vez que destaca o nome destes/destas, nas festas promovidas
pela Irmandade. O periódico ressaltava, além das festas, as eleições internas, composição
étnica sendo, portanto, essenciais para analisar a visibilidade e poder destes confrades na
sociedade feirense.
A Coluna da vida feirense, uma espécie de caderno com notícias tiradas do Jornal
Folha do Norte e Gazeta do povo de produção de Monsenhor Renato Galvão, foi Vigário na
cidade de Feira de Santana e professor na Universidade Estadual de Feira de Santana, o
Monsenhor apreciava colecionar objetos sacros e livros sobre a religiosidade católica na
cidade. O antigo Museu Casa do Sertão, localizado na Universidade Estadual de Feira de
Santana, passou a chamar-se Biblioteca Setorial Monsenhor Galvão é responsável pela maior
parte do acervo deixado pelo Vigário.
No jornal feirense O Município, utilizamos a coluna “Necrologia” para notar como os
católicos feirenses vivenciavam e noticiavam a morte em meados do século XX.
O periódico O Feirense, para analisar o Bando anunciador da Irmandade de São
Benedito.
As memórias de Eurico Alves Boaventura, memorialista feirense, para identificar a
composição étnica dos membros da Irmandade de São Benedito e destacar as festividades a
São Benedito.
As memórias de Antonio do Lajedinho, memorialista feirense, para discutir o
cotidiano da sociedade feirense no início do século XX.
Fontes Manuscritas:
O Livro de Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo,
entre 1903 e 1907, fundamental para compreender a dinâmica interna e o cotidiano da
agremiação, destacando os conflitos, os confrades mais atuantes e os papeis sociais ocupados
pelas irmãs da Conferência. Relata a atuação filantrópica através das visitas ao Hospital da
20
Santa Casa de Misericórdia, as doações em dinheiro aos desfavorecidos economicamente,
aulas de catequese oferecidas às crianças e auxílio da manutenção da Escola Noturna para
pobres da Sociedade de Vicente de Paulo.
A Ata da Assembleia Geral da Irmandade de São Benedito datada no mês de janeiro
de 1904 nos possibilitou inquirir sobre as disputas por cargos, durante as eleições,
identificamos o nome dos membros a fim de descobrir quais os papéis ou funções que estes
desempenhavam na sociedade feirense.
Os inventários e, sobretudo, os testamentos foram imprescindíveis para identificar as
atitudes dos católicos de Feira de Santana e em especial de alguns membros da Irmandade de
São Benedito para inquirir acerca das atitudes dos homens diante da morte.
Testamentos e inventários são inventários são produzidos no contexto da
morte de uma pessoa, mas, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esses documentos contém ricas e variadas informações sobre múltiplos
aspectos da vida do morto, bem como da sociedade que ele viveu. Por isso,
nas mãos do historiador, eles podem se transformar em testemunhos sobre a morte, mas acima de tudo sobre a vida, em suas dimensões matérias e
espiritual.22
Os inventários de José Gonçalves do Couto, Camilo Mello, Libania Pedreira Gomes,
Geminiano Alves da Costa colaboraram para apontar a composição social por meio da
listagem de bens deixados para os herdeiros. Os testamentos de Agostinho Fróes da Motta,
Albertina Motta, Tertuliano José de Almeida, Arthur Fróes da Motta contribuíram para
verificar a condição econômica dos membros e perceber as visões sobre a morte dos católicos
feirenses no início do século XX.
O Livro de matrículas da Escola Noturna para pobres da Sociedade de Vicente de
Paulo tornou-se importante para verificar a presença de irmãos organizados, através da
Conferência de São Vicente de Paulo 1914-1930, com a finalidade de escolarizar um
determinado grupo social. Possibilitando, ainda, identificar o professor Geminiano Alves da
Costa, diretor atuante, nome e quantidade de matriculados.
Uma lista avulsa que possui o nome, endereço e profissões dos membros da
Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo. O documento permite apontar a composição
social dos membros do grupo, uma vez que consta o bairro em que moravam e as respectivas
profissões.
Caderno de memórias de Esther Alves Freitas manuscrito da professora nascida em
Feira de Santana no início do século XX. A cópia deste caderno foi dada por Antônio Ramos
22 LUCA, Tania Regina de. PINSKY, Carla Bassanezi. O historiador e suas fontes. São Paulo: Ed. Contexto,
2009, p.93.
21
“in memorian” com o objetivo de ser usada nesta pesquisa sobre a Irmandade de São
Benedito. Antonio Ramos era feirense, professor formado em Estudos Sociais na
Universidade Estadual de Feira de Santana e dominava a arte de restaurar imagens sacras.
Recorremos a fonte para destacar as missas realizadas na Igreja dos Remédios durante o dia
dos finados, ressaltando a participação da Irmandade de São Benedito nas celebrações.
O Caderno de Miscelânias I, escrito por Monsenhor Renato Galvão, com informações
relativas às festas da Irmandade de São Benedito.
Fontes iconográficas:
As fontes iconográficas são importantes para o ofício do historiador a partir delas
podemos analisar vários aspectos da sociedade, a exemplo de:
[...] o uso da iconografia como elemento de pesquisa histórica possibilita
diversas possibilidades de se conhecer os fatos históricos, principalmente no
que se refere a hábitos, a costumes, religiosidade, entre outros, portanto o
estudo da história pela iconografia é ilimitado.23
As fotografias contribuíram para identificar a composição étnica de alguns membros
da Irmandade de São Benedito e da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de
Paulo. Fotos da Igreja dos Remédios para contextualizar a Igreja dos Remédios, fotografias de
alguns jazigos no Cemitério Piedade para compreender o imaginário em torno da morte na
sociedade feirense das primeiras décadas do século XX.
Estas fontes contribuíram para definir a composição social e étnica dos irmãos, o
cotidiano, organização interna, concepções de morte, as disputas por poder e a visibilidade
das irmandades na sociedade feirense do início do século XX.
Referencial teórico
Na historiografia atual, muitos estudos relacionados à religião e as religiosidades têm
sido analisados na perspectiva da História Cultural corrente historiográfica surgida a partir de
1960 trouxe novos olhares para o trabalho do historiador com a introdução de novos temas
como a morte, festas, costumes, crenças e religiosidade, por conseguinte, novas fontes
passaram a enriquecer as pesquisas dos historiadores.
23CAMPOS JÚNIOR, Luiz de Castro. NALIN, Ivanir Lourdes Marques. Novos caminhos para as fontes
históricas: iconografias, fotos e objetos. Paraná: Secretaria de educação, 2014, p.07.
22
A História das Religiões, abordagem teórica da segunda metade do século XX, tem
como propósito atender e responder os questionamentos sobre as instituições religiosas e a
religiosidade.
[...] destacamos dois conceitos muito discutidos: religião e religiosidade. E
qual a diferença básica?A religião é a instituição. É o corpo sacerdotal, a
hierarquia, a teologia, as doutrinas. E o que é religiosidade? São as vivências religiosas, os sentimentos, as práticas, as emoções que permeiam o cotidiano
do fiel. 24
Nesta pesquisa, para embasar teoricamente o estudo, recorremos aos textos
produzidos pelo sociólogo Pierre Bourdieu e o historiador Roger Chartier.
O conceito de poder simbólico criado por Bourdieu auxiliou a análise das estratégias
produzidas pelos confrades da Irmandade de São Benedito e da Conferência de Vicente de
Paulo para conquistar poder e prestígio na sociedade feirense. Segundo o autor, existem
múltiplas maneiras de obter poder, mas o forma simbólica é exercida sem a necessidade de
impor violência:
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo, e deste modo, acção
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física e econômica) graças ao efeito
específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário.25
O conceito de campo religioso, também cunhado por Bourdieu, contribuiu para
compreender as relações desenvolvidas pelos irmãos das Irmandades de São Benedito e São
Vicente com outros grupos religiosos e instancias de poder em Feira de Santana. Conforme o
autor,
A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder
comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das relações constitutivas do campo religioso que cumpre uma função externa de
legitimação da ordem estabelecida na medida em que a manutenção da
ordem simbólica contribui diretamente para a manutenção da ordem política, ao passo que a subversão simbólica da ordem simbólica só consegue afetar a
ordem política quando se faz acompanhar por uma subversão política desta
ordem.26
A partir das contribuições de Chartier, é possível questionar de que forma as festas da
Irmandade de São Benedito, as concepções a cerca da morte e as práticas filantrópicas
24 SILVA, Elizete da. Configurações históricas do Campo Religioso Brasileiro. In: DIAS, André Luis
Mattedi. COELHO NETO, Eurelino Neto. LEITE, Márcia Maria Barreiros. História, Cultura e Poder. Feira de
Santana/Salvador: EDUFBA/Ed. Uefs, 2010, p.115. 25 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed.Bertrand, 1989. p. 14. 26BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 1974. p. 69.
23
interferiam no dia a dia dos feirenses que compunham a confraria e externamente contribuíam
para as representações sobre a realidade, além de discursos e práticas relacionados as
estruturas de poder. Chartier definiu:
A história cultural, tal qual a entendemos, tem por principal objecto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade é construída, dada a ler [...] [sendo que o primeiro caminho] diz respeito às classificações, divisões e delimitações que
organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de
percepção e apreciação do real. Variáveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas,
próprias do grupo [...]. As representações do mundo social assim
construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelo interesse de grupo que as forjam [...]27.
De acordo com Roger Chartier, as representações são baseadas em nível racional e há
sempre interesses pessoais envolvidos nos discursos e atuações, constando assim a
subjetividade do grupo e de seus participantes, além das lutas de representações.
Estrutura da dissertação
No primeiro capítulo caracterizamos e comparamos as Confrarias de São Benedito no
início do século XX em Feira de Santana, destacando as distinções e similitudes que existem
entre ambas. Para isso foi feita uma breve análise do contexto da sociedade feirense do
período e, principalmente, do cenário religioso da cidade. Posteriormente, destacaremos a
organização interna das Irmandades enfatizando as atividades inerentes aos cargos e também
as disputas em torno das eleições dos principais cargos das Confrarias.
Enfatizamos a composição social e étnica dos irmãos como um dos pontos relevantes
para compreender a busca por prestígio e poder na sociedade feirense. O caráter
assistencialista da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo que
promovia o socorro e auxílio aos desvalidos, denominação dada pelos irmãos para identificar
as pessoas carentes e doentes tornou-se um dos pontos da pesquisa.
No segundo capítulo, analisamos as práticas filantrópicas promovidas pela
Conferência de São Vicente de Paulo como as visitas aos doentes na Santa Casa de
Misericórdia, doação de dinheiro aos pobres, a contribuição financeira para o funcionamento
da Escola para pobres da Sociedade de Vicente de Paulo e as aulas de catequese. A
arrecadação financeira para a Escola evidenciou que em Feira de Santana no início do século
27 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990, p.17.
24
XX, existiam grupos organizados, como a Conferência, unidos criando táticas de
sobrevivência na sociedade feirense. Para os membros da Irmandade de São Benedito, a
oportunidade de alfabetização poderia denotar chances de mobilidade social.
As aulas de catequese para crianças, mantidas pela Conferência contribuiu para
destacar os métodos usados para expandir as doutrinas católicas, visto que as crianças
estavam em processo de formação. A catequese se caracterizava em instruir as crianças de
acordo com os dogmas católicos da época, ou seja, era formar e continuar propagando a
hegemonia religiosa da Igreja Católica.
No capítulo três ressaltamos as festas religiosas da Irmandade de São Benedito que
representaram e promoveram espaços de lazer, que movimentavam e modificavam a dinâmica
do cotidiano da cidade. Nessas festas são perceptíveis os diversos segmentos sociais, desde a
classe dominante até os grupos subalternos. De acordo com notas de jornais e testemunhos de
memorialistas da cidade, era visível a presença de adeptos das Religiões de Matrizes
Africanas integrando as festas organizadas pelos católicos com práticas e rituais típicos da
religiosidade afrobrasileira, intensificando conflitos existentes em decorrência da participação
desses grupos nas festas católicas da cidade.
No capítulo quatro, verificamos o posicionamento dos membros da Irmandade de São
Benedito diante da morte. A relevância do dia de finados, a divulgação e organização do
contexto fúnebre na Irmandade, no necrológio do Jornal O Município e por fim analisamos a
concepção de morte de parte da sociedade feirense, especialmente de alguns membros da
Irmandade, através dos jazigos familiares.
Rolie Poppino, no livro intitulado Feira de Santana28, afirmou que a Irmandade de
São Benedito seria composta por homens negros das camadas populares da sociedade
feirense, ao contrário da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia constituída por homens
brancos da classe dominante. Diferentemente da assertiva feita por Poppino, veremos no
decorrer dessa dissertação que a Irmandade de São Benedito e a Conferência de São Benedito
eram formadas por confrades tanto da alta sociedade quanto das camadas populares de Feira
de Santana, “homens de cor”, ou seja, afro descendentes ou não. Concordamos que a
Irmandade possuía um número expressivo de negros, mas nem todos eram dos grupos
subalternos como afirmado por Poppino.
28POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Salvador: Itapuã, 1968.
25
Capítulo 1- Irmandades de São Benedito em Feira de Santana: Similaridades e
distinções.
1.1 Irmãos de São Benedito e a Capela Nossa Senhora dos Remédios
Em Feira de Santana, a religiosidade cristã permeava o dia a dia dos feirenses, um dos
principais espaços para a atuação do catolicismo eram as irmandades, são associações
religiosas católicas organizadas, principalmente, por leigos. Em meados do século XX,
algumas irmandades religiosas29como a Santa Casa de Misericórdia30, Nossa Senhora do
Rosário, abarcavam o cenário religioso da cidade. No mesmo período, a Irmandade de São
Benedito e a Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo 31 também
atuavam no campo religioso.
No início do século XX, a Irmandade de São Benedito e a Conferência de São Vicente
de Paulo e outras irmandades ficavam situadas na Capela de Nossa Senhora dos Remédios,
provavelmente, por ser um dos mais antigos de Feira de Santana, visto que no século XVIII a
área da cidade integrava o arraial de São José das Itapororocas. Atualmente, a área onde foi
construída a Capela é considerada parte do centro comercial da cidade feirense. As
fotografias, à baixo, retratam a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios no passado datada do
final do século XIX e no presente.
29 PEREIRA, Daiane Pires. O glorioso São Benedito: Irmandade e Conferência em Feira de Santana 1903-1930.
Monografia. Feira de Santana, UEFS, 2010. 30 CERQUEIRA, João Batista. Assistência e Caridade: A história da Santa Casa de Misericórdia de Feira de
Santana 1859-2006. Feira de Santana: UEFS, 2007. 31 Com o objetivo de não tornar cansativa e confusa a leitura da denominação da Irmandade de São Benedito e a
da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, optarei por designar essa última apenas por
Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo.
26
Figura: 01- Igreja dos Remédios. Final do século XIX Figura: 02- Igreja dos Remédios. A Igreja atualmente Fonte: http://memoriasdefeiradesantana.blogspot.com.br Fonte: www.lenidavid.com.br
Notamos nas duas imagens da Igreja dos Remédios a conservação dos principais
traços originais do templo, pois permaneceu a mesma quantidade de portas, janelas e cruzes
no templo. Na figura 01, observamos que as portas tinham o acabamento em forma de arco e
na figura 02 às portas têm a finalização no modelo reto. Essas distinções, quanto os retoques
das portas, podem ter seguido as tendências das suas respectivas épocas. Diferencialmente da
figura 01, a figura 02 apresentou um cruzeiro, provavelmente, construído num período
posterior ao da figura 01.
Clédson Morais ao referir-se, nos seus estudos sobre a construção da Capela de Nossa
Senhora dos Remédios, demonstrou a partir de documentos:
Existem muitas controvérsias, ainda hoje, sobre a construção da Igreja de
Nossa Senhora dos Remédios, em Feira de Santana. O informe mais antigo
que se tem notícia, sobre a referida Igreja, está num livro de batizados, casamentos e óbito da Freguesia de São José das Itapororocas (1685-1742),
onde há o registro de casamento (1707) na Capela de Nossa Senhora dos
Remédios.32
1.2 O campo religioso feirense
O catolicismo era a doutrina predominante no campo religioso de Feira de Santana,
mas outras religiões estavam presentes na cidade. Sobre Feira de Santana ter sido
majoritariamente católica, Elizete da Silva salientou:
32 MORAIS, Cledson Jose Ponce. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios: 300 anos de história, fé e devoção.
Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2000. p. 23.
27
A Igreja Católica encontrava-se na região desde o início do século XVIII.
Em 1846 tornou-se Sede Paroquial a freguesia de Feira de Santana. Portanto,
o campo religioso feirense era hegemônica e historicamente católico, desde a fundação do arraial.33
Sobre a presença das Religiões de Matrizes Africanas em Feira de Santana, Gabriela
Silva discutiu a partir da análise de periódicos feirense e processos crimes a repressão às
praticas religiosas aos seguidores do Candomblé. Segundo as pesquisas da historiadora: “No
ano de 1892, descobrimos a primeira matéria falando sobre Candomblé e nela estava a
primeira notícia em que contabilizamos os termos que, de alguma maneira, buscavam
depreciar o Candomblé e seus fiéis ”34. As críticas e tons pejorativos nos jornais locais
intensificaram-se a partir da terceira década do século XX “Durante a década de 1930,
pudemos encontrar termos em que os candomblecistas eram tidos como feiticeiros e
macumbeiros. O jornal Folha do Norte relacionava o feitiço à incivilidade e ao monstruoso,
termos que depreciam não apenas a religião em si, mas também seus praticantes” 35. Muitas
foram as estratégias utilizadas pelos adeptos do Candomblé para fugir da repressão e
fiscalização da Policia e autoridades municipais, inclusive, montar terreiros em locais
afastados da cidade.
A presença do Espiritismo no campo religioso feirense registrou-se a partir das
primeiras décadas do século XX. Clablik Morgado frisou as táticas usadas pelos espíritas para
conseguirem aceitabilidade na sociedade feirense:
Por volta da década de 1930, os espíritas se inserem no campo religioso
acirrando as disputas com o catolicismo na cidade que possuía mais
concorrentes no “mercado religioso” pelos “bens de salvação”. Por meio da ação dos seus agentes religiosos e da tentativa de unificação, os grupos
espíritas procuraram se estabelecer na cidade como alternativa religiosa por
meio de atividades filantrópicas a imprensa. 36
Desde o final do século XIX, encontravam-se missionários protestantes pela cidade,
iniciavam-se os primeiros grupos protestantes, mas ainda não havia templos. De acordo com
Elizete da Silva, na década de trinta do século XX, apesar de uma grande intolerância
religiosa, os primeiros templos protestantes foram fundados na cidade. Para a Igreja Católica a
presença de outra doutrina cristã poderia quebrar a hegemonia católica. “Após dois anos de
33 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de
Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010, p.155. 34 SILVA, Gabriela Nascimento. Na terra de Nanã: candomblé, territorialidade e conflitos em Feira de Santana
1890-1940. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus: UNEB, 2016. p. 49. 35 Idem, p.56 36 MORGADO, Clablik de Oliveira. O voo do pássaro e seu canto: trajetória de um espírita e do espiritismo em
Feira de Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História) Feira de Santana: UEFS, 2016. p. 57.
28
intenso trabalho proselitista, em 1937, organizou-se a Igreja Evangélica Unida de Feira de
Santana, a primeira denominação protestante a fixar-se na cidade.”37
1.3 Irmandades no Brasil
As primeiras irmandades religiosas surgiram por volta do século XIII no continente
europeu. As confrarias 38 representavam para os membros, espaços de sociabilidade,
solidariedade e devoção. “A irmandade, por sua vez, prestava assistência espiritual e material
durante a vida e na hora da morte. Ser um integrante era a garantia de permanência no grupo
social e de amparo no caso de doença [...]”39. A partir da sociabilidade poderiam surgir
práticas de resistência em relação a classe dominante, como também práticas de dominação e
imposição religiosa ou simples vivência de fé. Por conta do Brasil ter sido colonizado por
Portugal, país de tradição católica, o catolicismo foi a doutrina imposta e, consequentemente,
tonou-se predominante.
As Irmandades foram introduzidas no território brasileiro pelos portugueses no
período colonial com o objetivo de converter negros e indígenas à doutrina católica40, no
entanto a maior parte da população negra encontrou estratégias de resistência para manter os
cultos das Religiões de Matrizes Africanas. A aristocracia no período colonial era
majoritariamente católica e por meio do catolicismo, catequizou e colonizou, entretanto a
população escrava se apropriou do Catolicismo criando mecanismos de ressignificação das
doutrinas católicas, a exemplo, as irmandades.
As confrarias religiosas foram introduzidas pela Igreja Católica para contribuir com o
projeto colonizador português. Além do uso da violência, a doutrinação religiosa foi uma
tática utilizada pelos colonizadores para tornar submissos indígenas e negros por meio da
imposição do Catolicismo. O Catolicismo constituiu-se um instrumento utilizado pelos
europeus para expandir seus domínios na Colônia.41
37 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010. p. 162. 38 Confrarias religiosas ou Associações religiosas são termos sinônimos que em determinados momentos utilizo
para se referir as irmandades. 39 COUTO, Edilece S. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e
Sant´Ana em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2010. p. 68. 40 REGINALDO, Lucilene. Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades
africanas na Bahia setecentista. (Tese de doutorado). Campinas, 2005. 41HOORNARET, Eduardo. História da igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Petropólis:
Vozes, 1977.
29
Ao discorrer sobre a catequese, realizada pelos jesuítas, durante o século XVI na
Colônia portuguesa, Fabricio Santos destacou as dificuldades enfrentadas pelos
catequizadores, pois os ameríndios criaram subterfúgios com propósito de burlar a conversão
ao Cristianismo. Muitas críticas foram feitas pelos padres aos novos convertidos em virtude
das ressignificações produzidas a partir de experiências anteriores oriundas das suas religiões
de origem, como demonstrou os estudos de Santos:
Os índios, por outro lado, estavam dispostos a manter seus costumes, a
despeito de, aparentemente, aceitarem com facilidade a nova religião. O comportamento indígena foi visto, pelos jesuítas, como contraditório,
“inconstante”, pois, com a mesma facilidade com que se convertiam ao
cristianismo, ou seja, aceitavam ser batizados, voltavam a praticar seus antigos costumes42.
Caio Boschi enfatizou o temor dos grupos dominantes referente ao crescimento e
importância das irmandades, no contexto da sociedade escravista mineira do século XVIII.
Essas poderiam até serem espaços de reivindicação, mas em nenhum momento deveriam
tornar-se locais de refutação da ordem “Tornou-se fundamental cuidar para que as irmandades
não extrapolassem sua função básica de ser um local de convívio social, entre os seus
integrantes e, quando muito, veículo de reivindicações, jamais de contestação”43, o autor
frisou que as associações religiosas tinham o objetivo de neutralizar possíveis sublevações dos
cativos.
Conforme Luciana Lessa, no estudo sobre a Irmandade da Boa Morte em São Gonçalo
dos Campos, estimular a fundação de irmandades durante o período colonial representou um
instrumento utilizado pela Igreja Católica com o propósito de submeter os escravizados, mas
os mesmos reelaboraram culturalmente suas religiosidades por meio das experiências
adquiridas durante o período do cativeiro:
Uma das funções da Igreja Católica era manter o status quo, ajudar o Estado para
que o sistema escravista desse certo, e o negro aceitasse sua condição de escravo as
instituições utilizadas para este fim foram as irmandades. Os negros por sua vez,
utilizaram esses espaços livres, consciente e inconscientemente para preservar e
recriar seus costumes ancestrais.44
O auge das confrarias religiosas no Brasil ocorreu durante a Colônia e o Império a
partir da República em 1889 houve uma diminuição no número de Associações e um controle
42 SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia 1750-1800.
Tese (Doutorado em História). Salvador: UFBA, 2012. p. 47. 43 BOSCHI, Caio Cesar. Os Leigos e o Poder. (Irmandades dos leigos e política colonizadora em Minas Gerais).
São Paulo: Ática, p. 173. 44 LESSA, Luciana Falcão. Senhoras do Cajado: um estudo sobre a irmandade da Boa Morte em São Gonçalo
dos Campos. (Dissertação de mestrado). Salvador-Ba, 2000. p.62.
30
maior sobre as irmandades, em decorrência do processo de romanização, também pelo
catolicismo ultramontano, instituído pelo Papa Pio IX:
Analisando a romanização, vimos que o conjunto de transformações
operadas por seus agentes têm por fim a reestruturação do aparelho religioso, colocando sob o controle clerical, e a substituição do catolicismo popular
pelo catolicismo romano. Esses dois processos, indissociáveis um do outro
levam a destituição religiosas dos leigos – rezadores, rezadoras, beatos, beatas, “monges”, capelões, etc.- e à contenção das crenças e práticas
religiosas populares à esfera doméstica e privada; ao mesmo tempo, são
introduzidas novas práticas religiosas e novas normas éticas, sendo que os leigos são enquadrados em associações religiosas paroquiais sob a tutela
clerical.45
O processo de romanização, estimulado pelo temor da inserção do Protestantismo e
Espiritismo, dentre outros fatores, objetivava limitar a autonomia das Irmandades Negras
dentro do Catolicismo e, consequentemente, reduzir o poder dessas na sociedade, entretanto
muitas confrarias religiosas permaneceram e criaram artifícios para resistir ao rigor das novas
estruturas da Igreja Católica. Dialogando com essa proposição, Antonia Quintão ressaltou
“Em cada momento, o homem se manifesta de forma que lhe é possível. Dentro de suas
circunstâncias e, apesar das investidas do catolicismo romanizado, os negros conseguiram
transformar suas irmandades em espaços de luta e resistência”.46
Ao dissertar sobre a rigidez da Romanização na Irmandade de São Bartolomeu em
Maragogipe, Antonio Nascimento frisou:
Essas recomendações são reveladoras da preocupação e intenção do
arcebispo em manter um controle das práticas dessa confraria, para que ela
não se desviasse do referencial da “religião” católica. Uma preocupação que certamente tinha suas razões nos “excessos” cometidos por muitas
irmandades, inclusive aquelas formadas por negros.47
Sobre as estratégias utilizadas pelos negros a fim de resistir a esta vigilância, Julio
Braga no estudo sobre a Sociedade Protetora dos Desvalidos em Salvador destacou que a
mesma foi fundada em 1832 tendo por finalidade promover o a instrução e o amparo religioso
aos seus membros. Os irmãos da Sociedade organizavam-se para angariar verbas para
comprar alforrias aos seus associados, parentes e dos que ainda encontravam presos ao
45 OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Religião e dominação de classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
p. 327. 46 QUINTÃO, Antonia Aparecida. Irmandades negras: outro espaço de luta e resistência. São Paulo (1870-
1890). São Paulo: Annablume, 2002, p. 104. 47 NASCIMENTO, Antonio Conceição. A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas
práticas devocionais e a romanização 1851-1995. Dissertação. Santo Antonio de Jesus: UNEB, 2011. p. 65.
31
cativeiro.48 De acordo com Julio Braga, a Sociedade Protetora dos Desvalidos promovia a
solidariedade mútua e era um espaço de sociabilidades:
É certo que a Igreja exerceu a função controladora das aspirações do negro,
especialmente quando se dimensionou como trabalhador assalariado com o advento da abolição. Mas o negro conseguiu lançar-se na competição em
busca de sua projeção na sociedade. E, para tanto, recorria, com freqüência,
às irmandades que se situaram como agências de prestígio, capazes de lhes dar condições necessárias para a sua participação dinâmica na sociedade.49
As Irmandades de São Benedito chegaram ao Brasil através dos portugueses, durante o
período colonial, expandindo-se no Império e permanecendo na República50. São Benedito,
santo negro da Ordem dos franciscanos, nasceu na Europa no século XVI. “Benedito,
apelidado o Mouro, o Prêto, de São Filadelfo, ou de San Fratello, nasceu na Sicília, de pais
deveras piedosos. Natural da aldeia de São Filadelfo, na arquidiocese de Messina, era filho de
escravos.”51
São Benedito costuma ser representado segurando o menino Jesus com o olhar piedoso
e benevolente por conta da sua origem e vida simples, como podemos observar na imagem
abaixo. Por ser uma imagem colorida não tornou-se difícil identificá- lo por causa da cútis
negra, no entanto se não houvesse identificação do nome do santo e a escultura fosse feita em
pedra poderia ficar difícil de distinguir, visto que as esculturas de Santo Antônio também são
retratadas com o menino Jesus. Nesse caso, teríamos de verificar se o santo estava descalço ou
de sandálias, porque ao contrário de Santo Antônio, São Benedito é retratado descalço por
conta da sua origem.
48 BRAGA, Julio Santana. Sociedade Protetora dos Desvalidos: uma irmandade de cor. Salvador: Ianamá,
1987. 49 Idem, p.55. 50 SANTANA, TANIA de. O culto a santos católicose a escravidão africana na Bahia colonial. Revista aulas.
Dossiê Religião. N. 07. Abril 2007/junho 2007. p. 3. 51 ROHRBACHER, Padre. Vidas dos santos. Vol. VI, São Paulo: Editora Américas, 1959. p. 89.
32
Figura 03- Imagem de São Benedito http://carlosimagenssacras.blogspot.com.br
Ao incentivar o culto a santos negros, São Elesbão, Santa Ifigênia, Rei Baltazar e
Santo Antonio de Categeró, os clérigos estimularam a devoção aos santos com epiderme
escura, assim os escravizados identificavam-se e aderiam mais facilmente ao catolicismo.
Tania Pinto ressaltou “o uso da imagem como instrumento para conversão dos negros no
Brasil colonial apoiou-se nesta tradição cristã ocidental, já utilizada para atingir inúmeros
outros povos “pagãos” e atraí-los a fé católica”52. Essa forma de identificação permaneceu
também durante o Império e a República.
1.4 A Igreja Católica em Feira de Santana
Em Feira de Santana, no início da Primeira da República, as Confrarias de São
Benedito apresentavam- se no contexto do Catolicismo Ultramontano como evidencia o
Termo de Compromisso:
A Irmandade de São Benedicto, erecta na Capella de N. S. dos Remédios, na
cidade de Feira de Sant’Anna, é uma associação religiosa, composta de
número illimitado de pessoas que professam a Religião Catholica Apostólica Romana e em tudo submissa a Auctoridade Diocesana e leis da Egreja (sic). 53
52 PINTO, Tânia Maria de Jesus. Os negros cristãos católicos e o culto aos santos na Bahia colonial.
Dissertação (Mestrado em História). Salvador-Ba, UFBA, 2000, p. 4 53 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
33
Ao analisar a questão do exclusivismo étnico em irmandades negras o antropólogo
Renato Silveira destacou o controle imposto pela Igreja Católica as irmandades:
No final do século XIX, a política de “romanização” empreendida pelo
Vaticano levou o poder eclesiástico a recuperar o controle total sobre a direção das irmandades, tornando- as ordens terceiras e voltando a algo
semelhante ao autoritarismo jesuítico das congregações marianas
inicialmente fundadas [...].54
Os padres, na maioria estrangeiros, transformaram-se em agentes multiplicadores e
fiscalizadores do catolicismo romanizado. O pontífice Pio IX estabeleceu novas normas para a
formação dos jovens sacerdotes e por meio deles reforçou as doutrinas católicas. Conforme
Edilece Couto:
O clero brasileiro tinha consciência de que a implantação do catolicismo renovado só seria possível com uma reforma interna. Somente com a
regeneração moral dos sacerdotes os costumes dos leigos seriam
transformados. Portanto, o movimento reformador tinha como principal meta a elevação do nível cultural dos padres, por meio do aprimoramento da sua
formação religiosa.55
Com esta nova estrutura estabelecida pela Igreja Católica muitos párocos passaram a
integrar as confrarias e, consequentemente, poderiam observar a atuação dos membros no
interior das irmandades. Na relação de associados da Irmandade de São Benedito existente no
Termo de compromisso havia o nome do sacerdote Vigário Moysés Gonçalves do Couto,
registrado com o título de vigário e o Padre Tertuliano Carneiro da Silva apresentado como
seminarista na nota publicada na Coluna da vida feirense, retirada Jornal Folha do Norte, na
qual publicou-se os nomes dos membros presentes na aprovação do Termo de Compromisso
de 1903. Atualmente ambos são nomes de ruas de Feira de Santana, no bairro Campo Limpo,
possui uma rua com o nome do Vigário Couto e no centro da cidade há uma rua com o nome
do Padre Tertuliano Carneiro, evidenciando a papel de destaque que estes clérigos
representaram na sociedade feirense do início do XX.
O Monsenhor Moysés Gonçalves do Couto e o Vigário Tertuliano Carneiro da Silva
por serem religiosos na mesma cidade eram bem próximos e durante um período Tertuliano
Carneiro da Silva foi coadjutor de Moysés Gonçalves do Couto, uma espécie de auxiliar,
como demonstrou Oscar Damião Almeida ao descrever sobre Tertuliano Carneiro da Silva no
dicionário personativo: 54 SILVEIRA, Renato. Formas de Crer. Sobre o exclusivismo e outros ismos das irmandades negras na Bahia
Colonial. In: BELLINI, Ligia. SOUZA, Everton Sales; SAMPAIO, Gabriela dos Reis (orgs.). Edufba: Corrupio,
2006. p.184. 55 COUTO, Edilece S. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e
Sant´Ana em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2010. p. 75.
34
Tertuliano Carneiro da Silva –(cônego): é natural de Feira de Santana
nascido em 27/04/1885, ordenado sacerdote por Jerônimo Tomé da Silva.
Foi Vigário da Paróquia de Senhora Santana e São Joaquim tomando posse em 1908 e nela permanecendo até 03/07/1927. Antes de ser Vigário,
funcionou como coadjutor de Mons. Moisés Gonçalves do Couto.56
Em Feira de Santana, as irmandades religiosas fizeram-se presentes desde o século
XIX, “[...] o maior número de irmandades laicas em Feira de Santana deu-se no interior da
Igreja dos Remédios. Essas irmandades organizaram-se em torno da devoção de um santo
escolhido para padroeiro em especial”57. Sobre a presença da Irmandade no templo de Nossa
Senhora dos Remédios, o memorialista feirense Eurico Alves Boaventura frisou “Na capela
dos Remédios, havia ereta a Irmandade de São Benedito, de tradições austeras. Solenes os
atos da Irmandade com rigoroso compromisso e balandrau castanho”58.
Estas associações religiosas estavam presentes no cotidiano da cidade, a exemplo, da
ampla divulgação das festas a São Benedito e as notícias referentes ao cotidiano da Irmandade
publicadas pelo Jornal Folha do Norte. Integrar-se a esta poderia representar a vivência da fé
católica.
1.5 Estrutura interna da Irmandade de São Benedito
As irmandades religiosas são regidas pelo Termo de Compromisso, documento
regulamentador da instituição, nele havia a descrição dos direitos e deveres dos membros. O
Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito destacou os propósitos da
Agremiação e ressaltando a importância da Irmandade para a imponência do catolicismo
feirense, respeitando as leis da Igreja Católica solicitou do Reverendo Samuel E. Almeida a
aprovação do novo Termo de Compromisso sendo outorgado em 17 de agosto de 1903, como
notou-se no Termo de Compromisso:
Parecer
Havendo examinado e lido attentamente o presente Compromisso da
Irmandade de S. Benedicto, canonicamente erecta na Capella de N. S. dos Remédios, parochia de Sant´Anna da Cidade de Feira de Sant´Anna e
achando-o em tudo de accordo com as leis canônicas e prescrições
diocesanas, sou de parecer que podem ser aprovados os artigos de que
compõem o dito Compromisso.
56 ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, Histórico, Geográfico e Institucional de Feira de
Santana. Feira de Santana, 2012. p.118. 57 MORAIS, Cledson Jose Ponce. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios: 300 anos de história, fé e devoção.
Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2000. p. 45. 58 BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e Vaqueiros. Salvador: Editora UFBA, 1989. p. 393
35
Bahia, 17 de agosto de 1903
Pe. Dr. Samuel E. Almeida, Promotor (sic)59
O Termo o Compromisso aprovado especificava as obrigações que deveriam ser
adotadas pelos irmãos, os confrades deveriam viver segundo o modelo de obediência,
caridade tal como seu patrono São Benedito e comprometendo-se em serem submetidos às
determinações da Igreja Católica Romana para conseguirem bênçãos espirituais. Até onde
podemos analisar a mudança da Irmandade de São Benedito da Freguesia de São José das
Itapororocas para a Freguesia de Santana pode ter se dado pela localização estratégica da
Capela de Nossa Senhora dos Remédios e por constar na relação de nomes dos membros da
Irmandade muitos confrades que moravam em ruas próximas da Igreja dos Remédios serem
da Paroquia de Santana. Como rezava o Termo de Compromisso:
Os abaixo assignados, parochianos d’esta freguesia da Feira de Sant’Ana
dominados pelo desejo ardente de concorrerem com os seus serviços para o
brilhantismo do culto catholico, vem humilde e respeitosamente submeter ao esclarecido juízo de V. Excia. Revmo. Este Compromisso, confeccionado
de acordo com as leis canônicas em vigor, para por elle reger-se a Irmandade
do Glorioso São Benedito, quando ainda era filial da freguesia de São José das Itapororocas. O correr dos annos tornou-se Inexequivel o antigo
Compromisso; o que deu logar a cahir a referida Irmandade em
compromisso. Não obstante assim tem succedito o abaixo assignado e outros
antigos irmãos, nunca deixaram de conservar a devoção para com o Glorioso São Benecdito, modelo de obediência e caridade, mantendo o seu culto até
agora que puderam tratar da reforma do Compromisso, submetendo, de
acordo com o que ficou resolvido em sessão de hoje no consistório da Capella de N. S. dos Remédios, a aprovação de V. Excia. Revmo se assim
julgar conveniente, prometendo os suplicantes aceittarem toda e qualquer
emenda para maior glória de Deus e bem espiritual dos que se alistarem na Irmandade do Glorioso São Benedicto. Os abaixo assinados protestam toda
sua obediência às sabias determinações da Egreja Cathólica Apostolica
Romana. (sic) 60
A Coluna Feirense, do Jornal Folha do Norte, evidenciou a elaboração deste novo
Termo de Compromisso ao destacar a presença dos membros da Irmandade de São Benedito,
essa mesma relação com nomes dos irmãos consta no Termo de Compromisso. As únicas
distinções entre os dois documentos foram: primeiro, o Periódico não especificou o nome do
presidente da Irmandade no ano compromissal de 1903, Izidoro Pinheiro da Silva, e do vice-
presidente Felippe Fernandes Ribeiro. Segundo, no Termo de Compromisso Tertuliano
Carneiro não foi apresentado como seminarista, mas na nota do Jornal destacou-se essa
informação. Juntamente com os outros membros não se deu designação privilegiada a
59 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903. 60 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito de 1903.
36
Tertuliano Carneiro, talvez por ser este o documento oficial de aprovação do novo Termo da
Irmandade, no entanto na no texto enviado ao periódico Folha do Norte ressaltou-se essa
posição de prestígio do seminarista dentro da Igreja Católica.
1903- Presentes no consistório da Capella de N. Senhora dos Remédios,
assistência do vigário Moisés Gonçalves do Couto os srs. Izidoro Pinheiro da
Silva, Fellipe Fernandes Ribeiro, Honorato Alves de Freitas, Afonso Regis Nascimento, Pedro Nepumuceno de Oliveira, João Baptista da Silva,
Leocadio Pereira Sobral, Domingo Alves Franco, Manoel Timotheo Ribeiro,
Eugênio José da Silva, Tertuliano Carneiro da Silva(seminarista), Albino Borges, Lucio Ribeiro Costa, Pedro Ribeiro da Costa, Cicero Carneiro da
Silva, João D. P. Fiusa, Benigno Rezende, José da Silva Sant’Anna, Leoncio
José de Cerqueira, Mathias de Sant’Anna, Manoel Pereira Filho, Reinaldo de Sant’ Anna, Fortunato Cerqueira da Rosa, André Avelino P. Barreto, João
Paulo Ferreira dos Santos, Ignacio da Silva Carneiro, João Paschoal dos
Santos, Zanit Pereira da Silva Passos, João Antonio Maia, Manoel Pinheiro
de Miranda, Ricardo José Pinheiro, Hermenegildo Gomes de Souza, deliberaram submeter à approvação do arcebispado um projeto de novo
compromisso para a irmandade de São Benedicto canoninamente erecta na
alludida desde quando era ainda filial da freguesia de São José das Itapororocas [...]61
No início do século XX, o principal veículo de divulgação e convocação para editais e
reuniões eram os jornais. Esta pode ser uma das explicações para o Jornal Folha do Norte ter
publicado na integra a decisão da alteração do Termo de Compromisso da Irmandade de São
Benedito. O texto da Coluna Feirense refere-se ao mesmo período da mudança do
Compromisso e não encontramos o Termo de Compromisso anterior ao de 1903.
Provavelmente do período da escravidão e do Império, esse Termo antigo não atendia as
necessidades dos irmãos que estavam presentes no dia do pedido de modificação e, ainda,
pode ser vista como uma forma de reafirmar um espaço e aumentar a visibilidade da
Irmandade na sociedade.
Mesmo tendo no Termo de Compromisso um artigo específico referente a entrada de
mulheres, não há nomes femininos no referido documento nem na notícia da Coluna Feirense
“Art. 8- As mulheres casadas e filhas de família devem ter a competente autorização dos
maridos, pais e tutores. Art. 9- O candidato que for aprovado pela mesa, dará a joia de dez mil
réis para o cofre da Irmandade [...].”62É muito provável, que o marido ou responsável assine
representando a mulher como ocorria nos casos de inventários.
Cristiana Barbosa, no estudo sobre os papéis e lugares de atuação das mulheres da alta
sociedade feirense no princípio do século XX, assinalou que um dos espaços de inserção das
61 Coluna Feirense. 21/05/1938. p. 58. 62 Termo de compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito 1903.
37
mulheres em espaços públicos ocorria por meio de atividades caritativas na maioria das vezes
ligadas a religião da qual faziam parte:
A prática caritativa que se direcionava diretamente para o campo da miséria
social urbana, fenômeno também ocorrido em outras cidades do país, devido o crescimento desordenado dos centros urbanos, associado a uma explosão
demográfica provocados pelo desenvolvimento de novas atividades
comerciais e industriais, tem em Feira de Santana a fenda para a inserção no espaço público de mulheres oriundas das camadas mais abastadas da
população. Abertura espacial da ação social feminina que provocou, durante
algum tempo, certa inquietação. A idéia de que as mulheres perdiam a sua “integridade moral” fora da tutela da família e do espaço doméstico apoiava-
se em hábitos de comportamentos comuns aos leigos católicos, onde a
vigilância rigorosa no quadro familiar era o meio mais seguro para a
manutenção da ordem e da relação de poder entre gêneros.63
As mulheres encontraram na filantropia o espaço propício para aumentar suas redes de
sociabilidades, dado que o controle e vigilância sobre as mesmas eram grandes, por isso essas
atividades representavam “liberdade” e visibilidade. Sobre esta questão Barbosa infere:
As irmandades religiosas feirenses, a exemplo, da Irmandade de São
Benedito, Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo,
Santa Casa de Misericórdia, Confraria de Nossa Senhora do Rosário foram espaços de atuação destas irmãs.64
Segundo o Termo de Compromisso, um dos principais objetivos da Irmandade de São
Benedito era assegurar a doutrina católica, visto que o documento ressaltou a manutenção de
dogmas católicos e enfatizou que os membros da confraria deveriam ter um comportamento
semelhante a hagiografia do santo que foi descrito como “modelo de obediência e caridade”.
A análise do referido documento possibilitou conhecer alguns dos fundamentos da Irmandade:
O seu fim é promover a santificação dos seus associados, afervorado-os no cuprimento dos preceitos divinos e da Egreja, sob a valiosa intercessão do
Glorioso São Benedicto, cujo culto merecerá especial cuidados.
Os inscriptos como Irmãos d’esta Irmandade, além de graças e favores do céo concedido a todos que se reúnem para promover o culto divino, têm
direito aos socorros espirituais, e em certas e determinadas circunstancias,
aos auxílios temporaes, [...] (sic).65
Destacar a possibilidade dos membros terem direito aos socorros espirituais, ou seja,
ajuda para diminuir o sofrimento espiritual e temporal era um atrativo para conseguir novos
irmãos e a certeza de ter a quem recorrer em momentos de dificuldades financeiras, visto ser a
63RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade Princesa: mulheres de
elite, caridade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado em História) Santo Antônio de Jesus. UNEB, 2007.
p. 63-64 64 Idem, p.65 65 Termo de compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
38
ajuda mútua um dos principais objetivos de irmandades e vale ressaltar que, no início do
século XX, a precariedade de dos serviços públicos era alta sendo mais um motivo para
motivar participar das irmandades.
Além de regulamentar as irmandades, o Termo de Compromisso estabelecia o perfil
dos futuros membros. O documento destacou alguns dos valores da sociedade feirense das
primeiras décadas do século XX, à medida que estabelecia: ter uma conduta dentro dos
padrões, ter emprego fixo, professar apenas o Catolicismo e sendo mulher necessitava de
autorização do seu responsável para ingressar na confraria. Os irmãos da Irmandade nem
sempre apresentavam conduta impecável. Em 1907, saiu uma nota no Jornal O Município
relacionada ao irmão Affonso Regis do Nascimento, na notícia Serafim Regis da Purificação,
pai de Affonso, acusa o filho de tomar posse por meios ilícitos de um terreno seu. O pai
afirmou tentar comprovar a ilegalidade cometida por Affonso Regis, como mostrou o
Periódico:
Ao público Serafim Regis da Purificação, vem de público contestar contra seu filho
Affonso Regis do Nascimento por ter este em data de 23 de outubro de 1907,
apossando-se do terreno e casa pertencente ao suplicante, e isso o fez por meio de um título foreiro que illegalmente fora passado n`aquella data e,
como para taes fins não lhe dera aquisição, quer verbal quer escripta chama-
o para vir por que meio houve semelhante título, e não o fazendo procurarei defender o meu direito e bens.
Feira, 02 de outubro de 1908.
Serafim Regis da Purificação66
Não encontramos outros desdobramentos acerca da acusação no Jornal O Município,
além dessa referência encontrada sobre Affonso Regis do Nascimento, temos o seu nome na
lista de irmãos do Termo de compromisso de 1903 da Irmandade de São Benedito e na Ata da
Assembleia Geral de 06 de janeiro de 1904 concorrendo ao cargo de presidente na Irmandade.
A exigência da Irmandade de São Benedito em apenas aceitar pessoas que
participassem da Igreja Católica leva a pensar que esta tinha receio do avanço de outras
manifestações religiosas em Feira de Santana, como as doutrinas protestantes, visto que nas
atas da Conferência de Vicente de Paulo encontrou-se registros da presença de protestantes
em Feira de Santana na primeira década do século XX “[...]o confrade Amaro Ferreira de
Almêida pediu para ser batizada a criança por intermédio desta confraria, cuja criança é filha
de um protestante”67, além das Religiões de matrizes africanas, conforme Gabriela Silva:
66 O Município. Feira de Santana. 02 de outubro de 1908. 67 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 09/08/1903.
39
Pelo fato da Igreja Católica ter primazia no campo religioso feirense, o
discurso concernente à civilização promovido pelos jornais atestava a
inferioridade do Candomblé e das práticas mágico-curativas, bem como os demais elementos da cultura negra, acentuando a importância da fé cristã.68
O Termo de Compromisso limitava a possibilidade da admissão de homens e,
particularmente, de mulheres que não se inseriam nos requisitos estabelecidos pelos
confrades. Rezava o Termo:
Art.1 [...] é uma associação composta de um número ilimitado de pessoas
que professam a Religião Catholica Apostólica Romana [...], Art. 7- A mesa só poderá admitir como irmão quem reunir os seguintes requizitos: Ser de
boa conduta moral e viver de alguma profissão, emprego ou industria
perfeitamente lícita, não estando casado somente no civil. Não pertencer a
nenhuma seita secreta ou sociedade condemnada pela Egreja. (sic)69
As exigências para integrar a Irmandade de São Benedito não se encerravam apenas
nesses itens, se o candidato proposto fosse aceito pela Confraria deveria pagar uma jóia. A
jóia significava uma quantia em dinheiro no valor de dez mil reis para efetuar a entrada:
O candidato que for aprovado pela mesa, dará a jóia de dez mil réis para o cofre da irmandade, e com o recibo competente passado pelo Irmão
Thezoureiro apresentar-se à ao secretário que lavrará o termo de entrada no
respectivo livro, assignado com o empossado ou, quando não souber ler nem
escrever, alguém a seu rogo. (sic)70
A análise do Termo de Compromisso aponta que a probabilidade de pessoas sem
recursos financeiros entrar na irmandade era pequena, porque além dos dez mil réis ainda era
necessário pagar um valor anual de dois mil réis e contribuir para os atos festivos da
irmandade de acordo as suas condições, como era comum nas irmandades. No entanto, é
possível que pretendentes à Irmandade de São Benedito, que não tinham um poder aquisitivo
elevado, criassem estratégias para serem admitidos na Confraria, por exemplo, poderiam
pagar parcelado, pedir empréstimos ou poderiam reunir o valor durante algum tempo. A fonte
permite inferir a admissibilidade de analfabetos/as na Irmandade.
68 SILVA, Gabriela Nascimento. Na terra de Nanã: candomblé, territorialidade e conflitos em Feira de Santana
1890-1940. Dissertação. Santo Antônio de Jesus: UNEB, 2016. p. 19. 69 Termo de compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito 1903. 70 Idem.
40
1.6 Etnia e composição social da Irmandade de São Benedito
Alguns dos confrades da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de
Paulo moravam em bairros que para o período eram considerados subúrbios feirenses. Ao
pontuar sobre os becos da cidade, Nayara Cunha destacou os bairros afastados do perímetro
urbano conhecidos por subúrbios, além disso, a autora descreveu o perfil social da população
que vivia nestes espaços:
Além dos becos e das ruas centrais de Feira de Santana, havia ainda os subúrbios, que eram os lugares mais afastados do centro. Como nos becos,
os subúrbios eram habitados em Feira de Santana por uma população pobre e
marcadamente negra. Alto do Cruzeiro, Calumbi, Sobradinho, Mochila,
Mangabeira, Baraúnas, Queimadinha e Tanque da Nação eram exemplos de lugares que eram considerados subúrbio em Feira de Santana. Para lá se
dirigiu boa parte da população que, por conta das desapropriações e
demolições teve que deixar para trás as casas e casebres em que residiam.71
A Irmandade de São Benedito era composta, na sua maioria, por homens e mulheres
brancos e negros da classe alta feirense, no entanto possuía membros de outros grupos sociais.
Segundo Cledson Morais:
Ao contrário do que comumente tem sido afirmado a respeito das
Irmandades de São Benedito no Brasil, serem essencialmente irmandades de
homens de cor pertencentes à camadas populares da sociedade, no caso de Feira de Santana, com sede na Igreja dos Remédios, temos elementos
notadamente de elite feirense.72
Ao discorrer sobre a presença da Irmandade de São Benedito, Morais enfatizou sobre a
peculiaridade de ser uma confraria constituída, principalmente, por pessoas que possuíam
rendas elevadas e não negros, mas havia também membros com menor poder aquisitivo. A
análise de fontes têm demonstrado que havia homens negros e com alto poder aquisitivo
dentro da Irmandade. No entanto, Morais não destacou a composição étnica dos membros da
Irmandade, visto que muitos dos seus membros eram negros, diferentemente, da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia composta por homens brancos pertencentes às famílias mais ricas
de Feira de Santana.
As fotografias e relatos de memorialista contemporâneos ao período possibilitoram
identificar a cor de alguns membros como o Coronel Agostinho Fróes da Motta. Os seus
71 CUNHA, Nayara Fernandes de Almeida. Os coronéis e os outros: Sujeitos e relações de poder e práticas
sociais em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2013. p. 23. 72MORAIS, Cledson Jose Ponce. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios: 300 anos de história, fé e devoção.
Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2005, p.52.
41
filhos Arthur Fróes da Motta e Albertina Fróes da Motta também compunham a Irmandade. A
família Fróes da Motta era das mais influentes e ricas de Feira de Santana entre o final do
século XIX e primeiras décadas do século XX. Por meio dessa foto retirada do Livro de
Raimundo Gama podemos detectar em Agostinho Fróes da Motta traços explícitos de um
“homem de cor”:
Figura 04- Agostinho Fróes da Motta Fonte: GAMA, Raimundo Gonçalves (coord.). Memória Fotográfica de Feira de Santana. Feira de Santana:
Fundação Cultural de Feira de Santana, 1994.
Segundo Thales de Azevedo, o termo negro era inapropriado para designar um
“Homem de cor” no início do século era palavra alta carga pejorativa e era considerada
ofensiva. Ao tratar do tema o autor salientou:
Pretos são indivíduos que têm as características físicas do negro africano
particularmente a pele muito escura, “cor de carvão”, os cabelos encarapinhados, o nariz chato e os lábios muito espessos. Mas a expressão
“negro” é considerada indelicada e por vezes ofensivas, desde os tempos
coloniais.73
A condição econômica do Coronel Agostinho Fróes da Motta pode ser vista no seu
testamento registrado pelo Escrivão Ramalho em 23 de março de 1922, mas o mesmo foi
escrito pelo Coronel em 27 de agosto de 1920 e o mesmo faleceu em Abril de 1922, a data da
sua morte bastante próxima do período de registro no cartório. A partir da análise do seu
testamento percebemos a proporção do seu espólio e, consequentemente, sua importância para
o contexto econômico de Feira de Santana.
73 AZEVEDO, Thales de Azevedo. Elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social e
classes sociais e grupos de prestígio. Salvador: EDUFBA, 1996
42
No Testamento, percebemos que o Coronel era um homem religioso, pois o mesmo
destinou valores em dinheiro da sua herança para Igreja Nossa Senhora dos Remédios, para a
Santa Casa de Misericórdia, o Asilo Nossa Senhora de Lourdes e para a Confraria de São
Vicente de Paulo. Agostinho Fróes da Motta doou ainda para as viúvas pobres da cidade,
revelando ser um homem caridoso de acordo com os princípios da Igreja Católica Romana,
como atestou o Testamento:
Testamento de Agostinho Fróes da Motta
[...] a meu filho Doutor Eduardo Fróes da Motta a quem recomendo atender sempre as precisões dos nossos parentes pobres, a seu critério, como tenho
feito durante a vida.
9 ª Verba- Deixo ao Asylo Nossa Senhora de Lourdes, desta cidade, a quantia de dez contos de reis.
10ª Verba- Deixo a Santa Casa de Misericórdia, desta cidade, a quantia de
dez contos de reis. 11ª Verba - Deixo a Igreja Nossa Senhora dos Remédios, desta cidade, a
quantia de um conto de reis, para reparos que sejam necessários, cuja quantia
fica em poder do meu filho Doutor Eduardo Fróes da Motta [...]
19ª Verba- Deixo a quantia de um conto de reis para se distribuir com viúvas reconhecidamente pobres, residentes nesta cidade, cuja distribuição será feita
por meu filho Doutor Eduardo Fróes da Motta, a seu critério, evitando as
explorações e atendendo somente aquellas viúvas minimamentes pobres. 28ª Verba- Deixo a Confraria de São Vicente de Paulo, desta cidade, a
quantia de um conto de reis. (sic)74
Como verificamos, as atribuições para a distribuição das doações do Coronel
Agostinho Fróes da Motta ficaram sob a responsabilidade do seu filho Eduardo Fróes da
Motta. Esse documento nos ajudou perceber a relação de Agostinho Fróes da Motta não
apenas com a Irmandade de São Benedito, mas também com Confraria de São Vicente de
Paulo. Não encontramos doações referentes a Irmandade de São Benedito, provavelmente por
essa não mais existir em 1922, visto que num determinado momento as notícias relacionadas
a Irmandade deixar de aparecer no Jornal Folha do Norte. Podemos notar a desproporção no
valor doado a Santa Casa de Misericórdia e no valor deixado para a Conferência de São
Vicente de Paulo, nesse período a Conferência já havia dissociado-se da Irmandade de São
Benedito. A resposta para a disparidade na quantia seja porque a Santa Casa de Misericórdia
ser uma irmandade, historicamente, composta por homens brancos e abastados da sociedade
feirense. Podemos supor ter sido a alta doação uma das maneiras encontradas por Agostinho
Fróes da Motta de demonstrar ser possível a um “homem de cor” adentrar espaços
exclusivamente de brancos como a Santa Casa de Misericórdia. Nos valores deixados para as
74 Testamento de Agostinho Fróes da Motta 1922. Estante: 06, Caixa: 166.
43
viúvas podemos perceber mais um ato de caridade de um homem religioso, pois no início do
século XX, as mulheres eram vistas como “vulneráveis”, deixaram de ter o provedor do lar.
Wagner Reis, ao traçar a trajetória de Agostinho Fróes da Motta, destacou ser a
Família de Agostinho Fróes da Motta a mais importante em termos financeiros de Feira de
Santana no início do século XX. De acordo com Reis,
Em 1875 surgia a família Fróes da Motta encabeçada por Agostinho, e que ao longo de quase 50 anos foi conquistando prestígio social na medida em
que acumulava patrimônio, tornando-se possivelmente a família mais
afortunada nas duas primeiras décadas do século XX em Feira de Santana.75
Aline Rodrigues na sua Dissertação de mestrado sobre a Família Fróes da Motta
também enfatizou acerca do poder econômico e político do patriarca da família:
Em meio a essas mudanças sociais prosperava economicamente e
socialmente o Coronel. Agostinho Fróes da Motta obteve prestígio político em Feira de Santana, atuando como intendente entre 1916 e 1920 e antes
disso como conselheiro municipal entre 1912 e 1916. Atrelado a sua
influência política, estava também a fortuna que chegou a ultrapassar o montante dos mil contos de réis. Outra característica que merece atenção.76
Agostinho Fróes da Motta deixou seu patrimônio para sua esposa, em segunda
núpcias, Guilhermina Almeida. Para os filhos Eduardo Fróes da Motta, Albertina Fróes da
Motta, Arthur Fróes da Motta, Adalgisa Fróes da Motta, Augusto Fróes da Motta. Para seus
sobrinhos Julieta Madalena Frutuoso, Maria de Lourdes, Adalberto Frutuoso, Octávio
Frutuoso, Joana Aguiar, Hermenegildo de Santana Aguiar, filhos do seu falecido irmão Jorge
Pereira de Aguiar. Para sua irmã Romana Chagas. Para a sobrinha Auta Tourinho Aguiar filha
do seu falecido irmão Floriano Aguiar. Para os afilhados Albertino e Elzira. Para a Sociedade
Filarmônica 25 de março e Sociedade Filarmônica da Vitória. Para a afilhada Maria, filha de
José do Patriocinio e Silva. Para a prima segunda Joana, casada com José do Patriocinio e
Silva. Para Marianinha Almeida e Nernyna, filhas do amigo e compadre Tertuliano José de
Almeida. Para o empregado Francisco Almeida. 77 A todas essas pessoas foram deixados
alguma herança de Agostinho Fróes da Motta, um dos destaques destes bens foi a Fazenda
Queimadinhas no Município de Mundo Novo dada ao seu empregado Francisco Almeida,
provavelmente um funcionário de alta estima e confiança.
75 REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: Trajetórias e conquistas de um homem de cor. 1856-1922.
Dissertação. Feira de Santana: UEFS, 2012. p. 49-50 76 RODRIGUES, Aline Laurindo. Os ilustres réus da cidade: A família Fróes da Motta em Feira de Santana
1906-1927. Dissertação (Mestrado em História). São Cristovão – Sergipe. 2016. p. 77 Informações retiradas do Testamento de Agostinho Fróes da Motta. Estante: 06, Caixa:166.
44
Ao descrever a proporção da riqueza de Agostinho Fróes da Motta, Nayara Cunha
destacou:
O patrimônio avaliado desse sujeito era imenso. Casas de aluguel, imóveis,
fazendas, terrenos, cabeças de gado, carros, máquinas, promissórias de empréstimos para receber, obras de artes, entre outros. Para se ter idéia da
dimensão da riqueza de Agostinho, ressaltamos que esse sujeito criou um
banco para cobrar e receber os aluguéis de suas propriedades. Nos processos-crimes e cíveis pesquisados encontramos a figura deste homem
cobrando empréstimos, promissórias, pagamentos atrasados, devolução de
produtos roubados por funcionários, entre outros.78
No estudo sobre a trajetória de Agostinho Fróes da Motta, Wagner Reis salientou o
quanto o valor da fortuna do Coronel Motta proporcionou para este mais visibilidade e o
permitiu frequentar espaços onde o número de negros era reduzido. Em uma das passagens
das suas memórias, Eurico Boaventura destacando a condição econômica de Agostinho Fróes
da Motta, com seu carro Mercedes, visto serem poucas as pessoas neste período que possuíam
um carro:
E foi a mais saudosa lembrança de uma época de luxo que se apegava. Duas
velhices: a do major Rogério e a da civilização com a cadeirinha sem a gente sentir pouco tempo depois, o possante e tonitruante mercedes do Coronel
Agostinho apagaria totalmente o rumor macio das sedas da cadeirinha de
arruar. Duas civilizações e dois símbolos: a descrição da cadeirinha de arruar
e zoada espalhafatosa do Mercedes.79
As irmandades, em particular, Irmandade de São Benedito e a Conferência de São
Vicente de Paulo foram espaços utilizados por homens e mulheres de cor para aumentar
visibilidade e poder na sociedade feirense. A escolha da devoção a São Benedito evidenciou
a busca de ascensão social desse grupo se apropriando das instituições de prestígio da
doutrina religiosa dominante sem negar o seu pertencimento étnico.
Reis enfatizou as estratégias utilizadas por Agostinho para ampliar sua influência e
poder, a exemplo, promoção de festas e doação em dinheiro a irmandades:
Agostinho Fróes da Motta conseguiu construir e projetar para a sociedade
feirense da época, uma imagem multifacetada que, na medida em que foi
criada e transmitida, permitiu que a sua condição de “homem de cor” e sua possível herança escrava fossem gradativamente “superadas” ou
prescindidas pelos seus pares; que por sua vez, se satisfaziam em manter a
amizade com um sujeito tão abastado como de fato o era. Situação que Agostinho muito provavelmente soube aproveitar a seu favor. Seja como
homem “requintado e generoso”, pelas festas que promovia ou que era
78 CUNHA, Nayara Fernandes Almeida. Os coronéis e os outros: Sujeitos e relações de poder e práticas sociais
em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2013. p.31. 79 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2000. p. 69.
45
estimulado a promover; seja como “benfeitor”, por conta de suas constantes
doações a instituições sociais e religiosas do município [...]80
Referindo-se as irmandades enquanto locais geradores de prestígios para os negros que
a integram, Tales de Azevedo destacou “As pessoas de cor, como se vê, classificar-se
socialmente ou confirmar o seu status através daquelas entidades e ainda por outros meios
relacionados com a religião da maioria”81. Atualmente na cidade, há uma Escola e uma praça
em homenagem a Agostinho Fróes da Motta e em nome de um dos seus filhos, Eduardo
Motta, também é nome de uma escola.
Geminiano Alves da Costa, professor “homem de cor”, foi por no mínimo duas vezes
presidente da Irmandade de São Benedito. A Coluna da Vida Feirense de 1940 destacou a
eleição de 1919 “A Irmandade de S. Benedito, desta freguesia, reelege para o cargo de
presidente o Prof. Geminiano Alves da Costa.” em este último possui, atualmente, uma das
ruas da cidade com o seu nome”82. A nota do periódico viabilizou afirmar que Geminiano
Costa ocupava uma posição de destaque na sociedade feirense, o professor fez parte de um
grupo reduzido de negros alfabetizados. A fotografia, abaixo, tornou-se útil para verificar a
cor da pele de Geminiano Costa. A foto de Geminiano Costa encontra-se um pouco
deteriorada, mas constitui-se fonte importante para validar os argumentos. Também é possível
notar do lado esquerdo dois alunos do professor e o menor é visivelmente negro.
Figura 05: Geminiano Costa Fonte: GAMA, Raimundo Gonçalves (coord.). Memória Fotográfica de Feira de Santana.
80 REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da Motta: Trajetórias e conquistas de um homem de cor. 1856-1922.
Dissertação. Feira de Santana: UEFS, 2012. p. 86-87 81 AZEVEDO, Tales de. Elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social e classes sociais e
grupos de prestígio. Salvador: EDUFBA, 1996. p. 120. 82 Coluna da Vida Feirense. 07/05/1938. p. 67.
46
Feira de Santana: Fundação Cultural de Feira de Santana, 1994.
Também foi possível notar do lado esquerdo dois alunos do professor e o menor é
visivelmente negro.
O cargo de presidente das irmandades era o mais disputado, visto ser este o cargo
simbolizador de mais alto prestígio entre os membros e na sociedade. O professor Geminiano
Alves da Costa se manteve presidente por mais de uma vez. No pós-abolição, ser um “homem
de cor” letrado representava ascensão social, ou seja, galgar melhores condições vida e
projeção social. Ao ressaltar as áreas de atuação de negros na sociedade baiana, Thales de
Azevedo salientou “No professorado elementar e secundário há também muitas pessoas de
cor, inclusive pretos e mestiços muito negroides. Mesmo nas escolas particulares há
professores de cor” 83 . No final da citação, Azevedo deixou transparecer um olhar
preconceituoso ao se mostrar surpreso de haver professores negros lecionando em escolas
particulares, provavelmente, para uma clientela embranquecida, que se julgava branca.
Além de Geminiano Alves da Costa ser professor na Escola Noturna para Pobres da
Sociedade de Vicente de Paulo, Daiane Oliveira e Ione Souza destacaram a participação do
mesmo na Escola Noturna da Sociedade do Montepio dos Artista em Feira de Santana. As
autoras sublinharam:
Escola Noturna para Pobres da Sociedade Monte Pio dos Artistas Feirenses e
seu primeiro professor e cofundador Geminiano Alves da Costa, professor
negro do início do século XX em Feira de Santana, que ofertava aulas
particulares para meninos e posteriormente lecionou como professor municipal da 2ª cadeira do sexo masculino de Feira de Santana4 e que
sustentou em sua trajetória ações de instrução para o povo na cidade de Feira
de Santana-Bahia.84
Sobre a cor da pele dos irmãos, Boaventura sublinhou “Aqui, os componentes da
Irmandade de São Benedito, ereta na Capela dos Remédios eram cônscios do alto valor que
desfrutavam na sociedade, embora grande número de artífices, pardos escuros. A confraria
branquejava o seu figurante”85. Boaventura ao ressaltar o alto valor dos confrades de São
Benedito referiu-se a cor apenas dos que eram trabalhadores braçais, não mencionou
Agostinho Fróes da Motta, Albertina Motta e Geminiano Costa. O autor tem um olhar
condescendente de um integrante da classe dominante feirense.
83 AZEVEDO, Thales de. Elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social e classes sociais
e grupos de prestígio. Salvador: EDUFBA, 1996. p. 112. 84 OLIVEIRA, Daiane Silva; SOUZA, Ione Celeste de. Uma Escola para a pobreza: o professor Geminiano
Alves Costa e a Escola para Pobres. Anais CBHE. Cuiabá, 2013. p. 85 BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e Vaqueiros. Salvador: Editora UFBA, 1989, p. 65
47
O memorialista feirense frisou que fazer parte da irmandade “branquejava” os
associados negros sendo, portanto, um espaço de prestígio para seus membros. Podemos
considerar uma tentativa de Eurico Boaventura tentar “branquejar” alguns dos irmãos da
Irmandade, a fim de não admitir a existência de uma elite negra na cidade de Feira de
Santana.
Boaventura ao escrever que a Irmandade “branquejava” os membros explicita as
táticas utilizadas por negros para serem inseridos nos ambientes predominantemente de
brancos abastados. Maria Nilza da Silva, assim como alguns pesquisadores, criticou
severamente as conseqüências produzidas pela teoria do embranquecimento. A cerca do tema,
a autora frisou:
A ideologia do embranquecimento talvez seja uma das mais cruéis
expressões do racismo no Brasil; primeiro, favorece a falta de identidade de uma raça imputando-lhe um outro modo de identificação que não
corresponde sua essência [...] apenas o branco é sinônimo de valores
positivos desde os valores mais elementares do cotidiano como aqueles relacionados ao status social. Se o negro quiser fazer parte do estrato
superior deverá abdicar de sua raiz “inferior” e torna-se “branco”. O
processo de branqueamento inclui negação das características não-nobres e a adesão de valores dominantes.86
Jeferson Bacelar ao analisar a relação entre brancos e negros na Bahia do século XX,
enfatizou os mecanismos utilizados pelos grupos dominantes a fim de manter o poder
adquirido séculos antes e que no pós- abolição estava ameaçado. Destacou:
Enfim, justificar ideologicamente as condutas desenvolvidas em relação à
questão racial em Salvador. Em levantamento, efetivado em jornais da
época, emanou um discurso esclarecedor da posição dos grupos dominantes em relação ao negro. Era construída uma série de imagens, aparentemente,
dispersas no tempo e espaço, de certa forma fragmentadas, no entanto,
constitutivas de um quadro coerente e nitidamente negativo da condição de ser negro em Salvador. Não havia afirmação em nenhum instante de conflito
racial, nem tampouco a avaliação da relação entre negros e brancos, mas sim
uma perspectiva estigmatizante em relação ao negro. O negro era o outro o inferiorizado, em relação ao branco superior e portador dos padrões
civilizatórios europeus. 87
Sobre o processo de integração do negro na sociedade de classes, Florestan Fernandes
sublinhou as aspirações dos negros na nova conjuntura econômica e política do País com a
República:
86 SILVA, Maria Nilza da.O negro no Brasil: um problema de raça ou classe? Revista Mediações, Londrina, v.
5, n. 2, 2000, p.104. 87 BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
p. 48.
48
O que importa ressaltar é que, na conjuntura considerada, coincidência entre
predisposições de mobilidade social vertical e certas oportunidades de
engajamento à vida socialmente ativa despertou e fortaleceu o “negro”, uma compulsão específica de ascensão social. Ele concentra-se, empenhadamente
em absorver os padrões de vida, os tipos de personalidade e os modelos de
prestígios social antes monopolizados, praticamente, pela “população
branca”.88
Os estudos relacionados a ascensão do negros no Brasil constataram o elevado número
de “Homens de cor”, possuidores de grandes fortunas, casados com mulheres brancas. O
matrimônio com mulheres brancas trazia consigo a influência das famílias as quais integrasse.
Esses enlaces representavam uma aceitação social mais ampla, visto que a riqueza contribuía,
no entanto o homem negro do pós-abolição desejava mais prestígio e poder. Um dos homens
negros mais ricos de Feira de Santana, Agostinho Fróes da Motta, nas duas vezes que se casou
com mulheres brancas. Segundo Cunha:
Foi casado em primeiras núpcias com Marximiniana de Alves Motta e teve
os filhos: Albertina de Motta Barreto, Arthur Froés da Motta, Amália da
Motta, Augusto Froés da Motta, Eduardo Froés da Motta e Adalgisa Motta . E em segundas núpcias com Guilhermina de Almeida com quem já tinha
Alberto de Almeida Motta.89
No estudo sobre a integração do negro na sociedade de classes, Florestan Fernandes
destacou os casamentos entre negros e brancos, que ocorreu com bastante frequência na
Bahia:
[...] o casamento do homem “negro” com mulher “branca” e, vice-versa, da mulher negra com o homem “branco” constitui uma evidência irretorquível
da referida da referida melhoria. O conjugue “beneficiado” seria o “preto” e
ele próprio acha que está contribuindo para “depurar a raça” e participando
de vantagens morais (aparentemente de natureza estamental), advindas da condição social da “raça” branca.90
Ainda acerca do casamento entre negros e brancos para adquirir projeção social,
Azevedo frisou:
Esses casamentos são mais desejados porque confere prestígio ao cônjugue escuro. Um professor preto diz que poucos são os homens escuros que
esposam mulheres claras pensando em melhorar a raça, “mas para facilitar a
sua própria ascensão social”.91
88 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965. p.
151. 89CUNHA, Nayara Fernandes Almeida. Os coronéis e os outros: Sujeitos e relações de poder e práticas sociais
em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2013. p. 31 90 Idem, p. 238. 91 AZEVEDO, Tales de. . Elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social e classes sociais
e grupos de prestígio. Salvador: EDUFBA, 1996. p.75.
49
No Recôncavo baiano se falava em limpar a barriga, sobre mulheres negras que
casavam com brancos ou pardos.
Segundo Fernandes, o “negro de elite” manteve afastamento das causas reivindicadas
pelos movimentos negros do início do século XX, pois ter prestígio era abandonar a cultura e
os valores que recordavam a herança escravista e reafirmava o passado.
Embora o “negro de elite” se afaste dos seus “irmãos de cor” e negue sua solidariedade ao “idealismo” dos movimentos reivindicatórios, e ele impõe
ao branco, por seu modo de ser, por seu modo de ser, por sua maneira de
afirmar-se socialmente e por seu estilo de vida, uma nova imagem de negro.92
Em mais um trecho da sua obra, ao comparar a Irmandade de São Benedito com outras
confrarias de Feira de Santana, Boaventura reforçou: “Já a Irmandade de São Benedito se
compõe mais de pretos, mais de pretos de prol, de conceito, artífices de prestígio, em plena
ascensão social”93. Esses homens e mulheres estavam em busca de prestigio social e poder.
Participar da Irmandade denotava visibilidade para as pessoas que estavam em processo de
mobilidade social na sociedade feirense. Os escritos do memorialista feirense possibilitaram
ainda um cruzamento entre as fontes desta pesquisa, ao recordar a renovação de membros da
Irmandade de São Bendito o autor destacou:
A certa altura, renovou-se a tradição da Irmandade deste Benedito. Entraram
para a falange homens claros. Lolô Farias, minúsculo como asa de um grilo,
lá se ia vestido no seu balandrau, entre o enferrujamento de Pedro Funileiro e o magrelo Honorato.94
A partir do trecho foi possível notar que diferentemente de “Lolô Farias” os outros
irmãos eram negros e também perceber que Pedro Funileiro referia-se a Pedro Nepomuceno
de Oliveira e a Honorato Alves Freitas. Ambos faziam parte de um grupo de membros que
frequentava tanto a Irmandade, quanto a Conferência de Vicente de Paulo. Na Irmandade de
São Benedito, Honorato tinha cargo de secretário como consta na Ata da Assembleia Geral de
02 de janeiro de 1904 e Pedro Nepomuceno não tinha um cargo definido na Irmandade, no
entanto na Conferência o mesmo era vice presidente e Honorato era o presidente, assim como
alguns outros membros da Irmandade. Atualmente há uma rua, no Bairro Jardim Acácia, com
o nome deste confrade.
92 FERNANDEZ, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965 p. 150. 93 BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e Vaqueiros. Salvador: Editora UFBA, 1989, p. 394. 94 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2000. p. 34.
50
Por meio da comparação entre as fontes foi possível perceber o nível de diferença
entre os cargos. Além dos cargos de presidente, vice- presidente e secretário os outros cargos
que compunham a Irmandade eram: o tesoureiro depositário de todas as imagens e
ornamentos da irmandade; o procurador geral era incumbido de procurar jóias e anuais dos
irmãos; consultores, mesários e o zelador responsável pela limpeza do consistório e altar.
Eurico Alves Boaventura, memorialista feirense, destacou a presença da Irmandade de
São Benedito, ressaltou a composição étnica destes confrades e que de forma implícita expõe
que os irmãos eram negros, até porque o termo “negro” não era usual e tinha uma carga
pejorativa enorme. Todas as vezes que o autor mencionou os irmãos de São Benedito, utilizou
analogias para evidenciar a cor.
Do alto da janela casa do meu pai, assistimos aos desfilar da procissão. Eram as mesmas beatas de todo o ano em volta da imagem da sua devoção.
Operários cor de casca de tamarindo maduro guarneciam São Benedito,
Nossa Senhora dos Remédios era um mimo. Encerrando o préstito,
antecedida de São Joaquim e São Domingos, orago este da primitiva fazenda, surgia Santana no mar da multidão em ondas policromas.95
Outra justificativa que pode ser dada para explicar porque Eurico Boaventura não
ter especificado que alguns dos confrades da Irmandade de São Benedito eram “homens de
cor” pode ser encontrada em um dos mitos fundadores da cidade de Feira de Santana. A
classe dominante da cidade, da qual Eurico Boaventura fazia parte, criou um discurso que
excluía a contribuição do negro na origem da cidade. Sobre as ausências na pesquisa de
Eurico Boaventura em relação ao negro, Igor Santos Gomes frisou “Nos textos do autor
utilizado a sociedade sertaneja surge de uma fusão racial positiva, que misturou o sangue dos
elementos mais propriamente dados à civilização e a construção de uma nação: portugueses e
indígenas” 96.
Em continuidade às críticas direcionadas a inexistência do termo negro nos textos
de Eurico Boaventura, Gomes ressaltou:
A única exceção fica por conta da Irmandade de São Benedito, católica e
composta de negros e mestiços, muitos, segundo Eurico Alves, trabalhadores
do fumo. Narra Eurico Alves essa irmandade como uma protetora dos
costumes religiosos chefiadas por pessoas de expressividade social e que, com o tempo passou a aceitar brancos nas suas fileiras97.
95 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2000. p. 28. 96 SANTOS, Igor Gomes. Eurico Alves Boaventura: uma “democracia mestiça” para uma civilização de uma
“classe só”. In: SILVA, Aldo Morais (Org.). História, poesia e sertão: Diálogos com Eurico Alves Boaventura.
Feira de Santana: Editora UEFS, 2010, p. 140. 97 Idem. Ibidem, p. 143.
51
Ainda sobre as informações de Eurico Boaventura referente aos membros da
Irmandade de São Benedito na sociedade feirense, Elizete da Silva enfatizou:
Na concepção euriquiana, os irmãos de São Benedito eram homens bem
sucedidos, que desenvolviam atividades econômicas regulares que lhes
garantiam mobilidade na estrutura social feirense. Eram operários negros tão felizes com o progresso capitalista e satisfeitos com a fé católica que Marx e
Engels com seu ‘Manifesto comunista’ se apresentariam aos mesmos de
forma nula, sem eco, impertinentes e risíveis98.
Para Eurico Boaventura não houve inserção da cultura dos negros na história de
Feira de Santana. Diversas foram as tentativas de exclusão, silenciamento e discriminação
promovidas pela classe dominante feirense, em sua maioria católica, nas primeiras décadas do
século XX, com o propósito de inferiorizar e desqualificar as manifestações religiosas de
origem africana na cidade. Conforme Gabriela Silva:
O cenário em Feira de Santana era ostensivo contra o Candomblé e os afro-
brasileiros. Entretanto, mesmo exercendo forte impacto na vida dos
candomblecistas com um processo de repressão, violência e construção de um imaginário negativo, não se pôde evitar a existência de tais indivíduos e
da religião, que diante de todos os contratempos, conseguiram firmar as
“coisas de nagô” na cidade. O que demonstra não ser verdadeira a afirmação
do memorialista feirense Eurico Alves Boaventura, que estava em desacordo com a realidade local [...]99
Mesmo com as omissões e negações referentes às Religiões de Matrizes Africanas,
os novos estudos sobre Feira de Santana como o de Gabriela Silva, estão possibilitando
encontrar vestígios sobre o cenário religioso da sociedade. Nas análises sobre a expulsão dos
elementos africanos nas festas católicas da cidade Clóvis Oliveira acentuou:
Censurados e estigmatizados, os encontros de fé e folguedo foram remetidos
ao obscuro universo da marginalidade, do perigoso, irracional e, portanto,
desqualificado enquanto ponto de sociabilidades ou instrumento de formação de memórias. Ao mesmo tempo, pela dura crítica conduzida em órgãos de
imprensa e pelas ações policiadoras, socializava-se uma noção de ordem
cartografizada que produziria, por sua vez, uma memória urbanizada, ou seja, uma urbe sem marcas que pudessem lembrar passado negro ou indígena. 100
98 SILVA, Elizete da.O campo religioso feirense: um olhar poético. In: SILVA, Aldo Morais (Org.). História,
poesia e sertão: Diálogos com Eurico Alves Boaventura. Feira de Santana: Editora UEFS, 2010, p. 133. 99 SILVA, Gabriela Nascimento. Na terra de Nanã: candomblé, territorialidade e conflitos em Feira de Santana
1890-1940. Dissertação. Santo Antônio de Jesus: UNEB, 2016. p. 65 100OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos
em Feira de Santana (1920-1960). Tese de Doutorado. Brasília, UNB, 2011, p. 65-66.
52
O Testamento de Tertuliano José de Almeida também se mostrou importante para
investigarmos a composição social da Irmandade de São Benedito, que além dos negros
operários, havia proprietários de terras, provavelmente embranquecidos. O mesmo era dono
de uma Fazenda no município de Mundo Novo intitulada de Fazenda Piabas. Ao longo da
escrita do testamento Tertuliano deixou transparecer a preocupação em manter a unidade
territorial e administrativa da sua fazendo, o mesmo pôs uma cláusula impedindo a venda do
terreno. Revelou o alto valor econômico da fazenda demonstrando um grande apego pela e
uma visível inquietação quanto o uso da mesma, como se observou no testamento:
Verba 4ª- Declarou que, possuindo, como possue o immovel denominada
“Fazenda Piabas”, sita no terreno de Mundo Novo, comarca de igual nome,
no qual empregou o maior de seus esforços, por ser hoje uma propriedade agrícola muito valorizada cuja valorização depende em absoluto da sua
integridade territorial e unidade administrativa, em benefício dos seus
próprios filhos, deixa esse imóvel, na parte que couber aos seus herdeiros,
após sua morte, provado com a clausula da inalienabilidade vitalícia, de modo que os mesmos herdeiros não possam vender, conjuntamente ou
separadamente, parte ou todo do immovel referido. Ainda mais, e como para
que esse immovel possa produzir a renda que vem produzindo, se faz necessária e indispensável a unidade de administração [...].101
Agostinho Fróes da Motta no seu Testamento destacou os laços de amizade existente
entre o Coronel e Tertuliano José Almeida ao declarar ser esse seu amigo e compadre, duas
das filhas de Tertuliano estavam na lista de herdeiros de Agostinho Fróes da Motta, ou seja, a
convivência de ambos não estava restrita apenas no espaço da Irmandade de São Benedito,
eles relacionavam-se constantemente.
Conforme Aldo Silva, Tertuliano José da Silva foi integrante da Filarmônica da
Vitória e ocupou posições no Conselho Municipal de Feira de Santana102.
O cruzamento dos nomes dos irmãos de São Benedito, constante no Termo de
Compromisso, com a leitura do texto escrito por Aldo Silva nos permitiu encontrar também
Benigno José Resende, sendo esse um dos fundadores da Filarmônica Vitória em 1873. Para
Aldo Silva, as Filarmônicas configuram um dos locais propiciadores de poder na cidade, tal
como inferiu:
Tal animosidade possuía continuamente um componente político. De fato, pode-se mesmo considerar as filarmônicas eram antes de qualquer coisa
aparelhos políticos destinados a dar visibilidade aos seus fundadores e/ou
mantenedores. Desde sua origem e até pelo menos os anos de 1950 as
101 Testamento de Tertuliano José de Almeida 1930. Estante: 13, Caixa: 367. 102 SILVA, Aldo José. Georgina Erismann e o hino à Feira: Uma análise da obra e seus sentidos. Feira de
Santana. UEFS, 2016. p 07.
53
filarmônicas detinham nas suas fileiras frequentemente como presidentes e
sócios beneméritos algumas das principais personagens política municipal.103
Sobre a conceituação e os papeis desempenhados pelas filarmônicas na sociedade
feirense, Aline Santos frisou:
As filarmônicas eram agremiações musicais, compostas geralmente por um regente e mais ou menos 40 músicos, além dos associados e seus demais
familiares. Geralmente estes agrupamentos musicais eram ligados a setores
das elites políticas, enquanto outros possuíam vínculos diferentes, essas agremiações se distinguiam por demarcações de espaços políticos e sociais,
eram instituições sinônimos de poder[...].104
Ou seja, na Irmandade de São Benedito também encontramos membros da Irmandade
de São Benedito.
1.7 As eleições na Irmandade de São Benedito
Acerca dos cargos eletivos da Irmandade de São Benedito, é relevante ressaltar, de
acordo com o Termo de Compromisso era vetada a participação de membros que fossem
funcionários da Irmandade “Não podem ser mesários os empregados assalariados pela
Irmandade”105. Ao enfatizar que irmãos assalariados pela Confraria não poderia se candidatar
a cargos de mesários evidenciou a existência de uma hierarquia social dentro do grupo, ou
seja, existiam cargos nos quais os irmãos, com baixo poder aquisitivo não tinham acesso. Este
trecho do Termo de Compromisso explicita que para concorrer aos cargos de presidente,
tesoureiro e secretário deveria ter uma posição econômica elevada. Referente ao
procedimento das eleições, o Termo de Compromisso destaca:
Em primeiro logar far-se-á a eleição para o novo presidente, collocando cada
um dos Mesarios e Irmãos presentes em uma urna a cédula contendo o nome
dos seu candidato [...] Em seguida e pela mesma forma, observando-se a maioria absoluta de votos estabelecida no paragrapho antecedente, se
procederá a eleição de cada um dos grupos, cargos de officiaes.106
A partir da Ata da Assembleia de 1904, foi possível explorar a eleição para o ano de
1905. Abaixo, os respectivos nomes, cargos e quantidades de votos:
103 Idem, Ibidem, p. 07 104 SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”: 1919-1946 Feira de
Santana. Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. UEFS, 2012. p. 50. 105 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903. 106 Idem.
54
Tabela 01-Tabela elaborada a partir de informações contidas na Atada Assembleia Geral 1904
Por meio da Ata da Assembleia Geral de 1904, foi possível verificar a votação para o ano
de 1905. É pertinente ressaltar, que de todos os candidatos aos cargos, Cicero Carneiro foi o
único que obteve ao lado do nome um título, neste caso, o de Major. O título o distinguiu dos
outros concorrentes destacando a notoriedade que este irmão tinha entre os membros da
Irmandade e na sociedade feirense. Na nota do Jornal Folha Norte, publicada anos depois na
Coluna Feirense o descreve “morre, aos 83 annos, o maj. Cicero Carneiro da Silva, antigo
Comerciante de jóias e proprietário. No império, foi vereador e Conselheiro municipal na
república”107. Outra informação na Coluna Feirense referente ao ano de 1938, “Assume a
presidência da soc. phil. “Vitoria” o Sr. Cicero Carneiro da Silva”. Estas notas reforçam a
visibilidade do Major, provavelmente, superior a de Geminiano Costa. A mesma Coluna, em
1925, divulgou mais uma eleição da Irmandade de São Benedito, desta vez, o presidente eleito
era um cirurgião-dentista, neste período, esta era atividade exercida apenas por pessoas
abastadas “É eleito presidente da Irmandade de S. Benedicto em sessão efectuada no
107 Coluna da Vida Feirense. Jornal Folha do Norte, Feira de Santana, 07/05/1938, p.56.
Nome Cargo
Concorrido
Nº de
votos
Cicero Carneiro Presidente 18
Geminiano Alves Costa Presidente 01
Hermenelgildo Gomes dos Santos Mesário 19
Izaias Felix de Oliveira Mesário 19
Afonso Regis de Nascimento Mesário 18
Pedro Ribeiro da Costa Mesário 18
Lucio Ribeiro Domingo Franco Mesário 18
Manoel Pereira Mesário 15
Carlos Francisco de Jesus Mesário 15
Manoel Timotheo Ribeiro Mesário 15
João Paulo Mesário 14
João Baptista Mesário 14
João Manoel do Nascimento Mesário 14
Felipe Ribeiro Mesário 04
Reinaldo Sant’Anna Mesário 04
Evaristo Passos Mesário 04
Ricardo Pereira Mesário 05
Honorato Alves Freitas Secretario 17
João Pascoal Procurador 15
Pedro Nepunuceno Tesoureiro 18
55
consistório de N. S. dos Remédios o cirurgião-dentista Juventino Pitombo” 108. Comprovou
mais uma vez a relevância do cargo.
A disparidade entre a quantidade de votos recebidos por Cicero Carneiro com 18 votos
e a recebida pelo Professor Geminiano Alves da Costa109 com apenas 01, provavelmente, seu
próprio voto que não obteve nenhuma designação sobre sua profissão anterior ao seu nome,
concorreu sem alcançar êxito. O cargo de presidente era o de maior notoriedade dentro das
irmandades religiosas, este posto denotava prestígio e poder para quem o ocupasse, por isso
era disputado por pessoas que tinham visibilidade e poder aquisitivo na sociedade em geral.
No periódico Folha do Norte, jornal de Feira de Santana, havia um espaço chamado
Coluna Feirense, que se refere a notícias que foram publicadas em anos anteriores pelo
mesmo Jornal. Em 1938, foi reeditada a eleição de 1905 na qual Cicero Carneiro foi reeleito,
provavelmente, para o ano seguinte 1906 “em sessão realizada no consistorio da Capella de
N.S. dos Remédios, a Irmandade de São Benedicto reelege seu presidente o Maj. Cicero
Carneiro da Silva”.
Um dos indícios que demonstrou a participação de membros da classe dominante
feirense na festa da Irmandade de São Benedito foi a nota do Jornal Folha do Norte com o
nome dos juízes e juízas da festa de 1912:
Juízes- Cel. Agostinho Motta, Major Antonio dos Santos Ruben, Cel. Francisco de Macêdo, Cap. Candido Rezende, Major Rogerio Cornelio da
Maia Pitombo, Herminio Santos, Cel. Tertuliano José d’ Almeida, Cap.
Abilio Antunes Guimarães, Major Agnelo Cohim Pacheco, Acinilino Ferreira de Araujo e João Mendes da Costa.
Juízas- D. Severina Falcão, Prof. Eufrosina Amélia de Miranda, Anna
Constanca Ramos, Maria Irisaldina de Senna Ramos, Izaura Daltro, Amelia Menezes de Araujo, Innocência da Matta, Prof. Amalia Moscôso e prof.
Maria do Carmo de Miranda Ramalho.110
A notícia destacou o nome de homens e mulheres que seriam juízes e juízas na festa
da Irmandade de São Benedito, sendo relevante ressaltar que muitos deles e delas têm o nome
acompanhado da profissão ou cargo ocupado. Muitas das profissões encontradas são de
major, capitão coronel e professores/professoras ocupações simbolizadoras do prestígio de
muitos destes/as, sendo encontrados coronéis, majores, capitães, professores e cirurgião-
dentista, ou seja, homens/mulheres abonados/as.
As mulheres participantes da Irmandade eram na sua maioria professoras e as sem
designação de profissão, certamente, eram donas de casa, pois no início do século XX, os
108Coluna da Vida Feirense. Jornal Folha do Norte, Feira de Santana, 07/05/1938 109 Idem, 26/03/1938. 110 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 30 de março de 1912.
56
cargos de major, capitão, coronel atribuíam-se apenas aos homens. Com base nestas fontes
foi possível salientar que a Irmandade de São Benedito era um espaço de atração de feirenses
da classe dominante, constituindo um local de permanência e conquista de poder e prestígio
na sociedade em geral.
1.8 Organização e composição social da Conferência de São Vicente de Paulo.
O culto a São Vicente de Paulo começou na França, por meio de um grupo de amigos
que se juntaram para organizar a Sociedade de Vicente de Paulo. “A sociedade de São
Vicente de Paulo é uma comunidade cristã espalhada pelo mundo inteiro, fundada em Paris,
França, em 1833, por um grupo de jovens leigos e católicos, que se reuniram para criar a
primeira Conferência.”111.
A caridade é considerada o ponto mais importante dentro dos princípios da Sociedade
de Vicente de Paulo “A Sociedade serve aqueles que estão em necessidade, qualquer que seja
sua relação, o seu meio social ou étnico, o seu estado de saúde, o sexo e as particularidades
culturais ou opiniões políticas”112, característica identificada nos objetivos da conferência
feirense.
A associação da Conferência de São Benedito à Sociedade de Vicente de Paulo pode
ser vista enquanto uma estratégia do grupo religioso para uma ampla “aceitação social” por
ser Vicente de Paulo um santo branco os espaços, a visibilidade e a adesão de novos
membros, considerados como brancos/as e empobrecidos/as, poderia ser ampliada numa
sociedade na qual o preconceito era elevado.
De acordo com as Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de
Paulo, os cargos existentes eram: o de presidente, responsável por presidir as conferências e
suas respectivas reuniões; vice-presidente ocupava o cargo do presidente quando este não
pudesse estar presente; o secretário era responsável por redigir as discussões das reuniões nas
atas da conferência. Havia também sócio ativo, sócio subscritor, irmã protetora, irmãs
subscritoras e aspirantes. Como se notou na Ata de novembro de 1905:
Foram aprezentadas para socias subscritoras as seguintes Senhoras Maria da Costa Doria, Bemvina Lima, Albertina Motta Barreto, Leolina Bascelar,
Deotina França Amelia Miranda, os Senhores Jozé Alves Barreto. Fellipe
Fernanes Ribeiro, João Manoel Macario Barreto da Silva, João Damião
111 Fé, Esperança, Caridade: Regra da Sociedade de Vicente de Paulo. 2007. p. 16 112 Escola de Caridade Antonio Frederico Ozanam da Sociedade de Vicente de Paulo no Brasil. 1998, P.17.
57
Borges e permutuou para subscritor o Sr. Antonio Pascoal, foi apresentado
para sócio activo o Senhor Cirilo de Aquino Santeago...113
Dois dos nomes da Ata chamam a atenção: Primeiro o de Leolinda Bascelar,
professora, e como demonstrou o seu inventário recebeu muitos bens de herança da sua tia.
Segundo, Albertina Motta Barreto, filha de Agostinho Fróes da Motta um dos homens mais
ricos da cidade. Como pode ser visto nas fontes, há um número expressivo de mulheres na
Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. Cristiana Ramos ao destacar
os papéis desempenhados por mulheres da aristocracia feirense, principalmente, no
assistencialismo e filantropia enfatizou:
[...] as mulheres de elite que formavam num sentido cultural, pelo grau de instrução que possuíam, pelo acesso às informações e pelas atividades
sociais comuns que desenvolviam, principalmente àquelas ligadas à
filantropia e caridade, tão em voga no período, assumiram valores,
concepções, comportamentos e atitudes que davam sentido a um estilo de vida baseado nos princípios de família, pudor, recato e disciplina
incorporando o papel de formadoras e disciplinadoras no campo da cidade,
contribuindo decisivamente para a moralidade pública em pauta.114
Os cargos dentro da Conferência de São Vicente de Paulo não eram estáticos, era
possível uma mobilidade dentro do grupo, homens e mulheres propostos/as para associar-se
poderiam, com o passar do tempo, almejar uma posição que lhes proporcionassem mais
visibilidade e poder na estrutura social da agremiação. Na Ata da Conferência verificou-se
esta flexibilidade, “Passarão de aspirantes para sócios ativos os Senhores Adolfho Ferreira de
Almêda e Amerindo da Anunciação...”115.
Na maioria das reuniões feitas pela Conferência de São Benedito da Sociedade de
Vicente de Paulo, sempre eram propostas pessoas para passarem a participar da Confraria os
critérios estabelecidos para a entrada eram bem simples: ser propostos por algum dos
confrades, confessar-se e correr a bolsa, que significa dizer que o irmão escolhido para passar
a bolsa tinha um período determinado para recolher dinheiro, e posteriormente entregá-lo à
Conferência para ser distribuído nas obras assistenciais da mesma:
Foi apresentado i passou em primeira discursão um projeto pelo confrade Honorato Freitas que qualquer pessoa que queira tomar parte e ser sócio
activo desta Conferência logo que for proposto primeiramente se há de
113 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 07/11/1905. 114 RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade Princesa: mulheres
de elite, caridade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus. UNEB,
2007, p. 21. 115 Idem, 02/01/1906.
58
confessar e assim como receberá a bolsa pedir em nome de Deus para os
pobres de S. Vicente para na semana seguinte toma assente e ser considerado
sócio activo desta conferencia.(sic)116
De acordo com o documento, que consta os nomes, endereços e profissões dos
confrades, a composição social dos membros da Conferência era bastante diversificada. O
ofício com o maior número irmãos é a atividade de lavrador, no entanto, é importante
sublinhar que muitas das pessoas registradas como lavradoras eram, na verdade, proprietários
de consideráveis extensões de terras. Tornou-se possível verificarmos na tabela abaixo as
seguintes ocupações:
Nomes Profissão Residência
José Gonçalves Couto Proprietário Falecido Nesta cidade
Ignacio da Silva Carneiro Negociante Falecido Nesta cidade
Manuel Veríssimo Teixeira Marceneiro Falecido Nesta cidade
Honorato Alves Freitas Sacristão Nesta cidade
João Batista da Silva Lavrador Sobradinho
João Antonio Maia Professor Queimadinha
Manuel Batista da Silva Lavrador Nesta cidade
José da Silva Santana Ganhador Nesta cidade
Lucio Ribeiro da Costa Ganhador Pampalona
Miguel Pedreira de Cerqueira Fugueteiro Nesta cidade
Manuel Rodrigues Ramos Sapateiro Nesta cidade
Alexandre Ribeiro Tipógrafo Nesta cidade
João Geronymo de Souza Professor Nesta cidade
Gesuino Neves de Salles Alfaiate Nesta cidade
Reinaldo Santa’ Anna Funileiro Nesta cidade
Euzebio Felix da Sª. Lavrador São João
Innocêncio Ferreira da Sª. Lavrador São João
João Baptista da Silva Lavrador São Roque
Domingos Alves Franco Lavrador Tomba
Albino Borges Lavrador Nesta cidade
Domingos Gomes de Oliveira Lavrador Nesta cidade
116 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 21/08/1906.
59
Manoel Rodrigues Ramos Sapateiro Nesta cidade
Leocadio Pereira Sobral Lavrador Pedra do Descanso
José do Patriocinio e Sª. Lavrador Nesta cidade
João Francisco Bascelar Lavrador Sobradinho
Felix Pereira da Conceição Lavrador Sitio Mathias
Florentino Martins Lavrador Tomba
Geronimo Dautor da I. Lavrador Sem identificação
Tabela 02-Documento avulso que consta alguns dos nomes, profissão e bairros de membros da Conferência de São Vicente de Paulo.
O elevado número de lavradores na Conferência evidenciou que as áreas rurais em
Feira de Santana, ainda era muito grande no início do século XX. A tabela ainda demonstra
que alguns dos confrades moravam em bairros, que no período eram chamados de subúrbios,
e os outros localizados “nesta cidade”, provavelmente, refere-se a áreas próximas as ruas
centrais da cidade. Essa elevada quantidade de pessoas que labutavam no campo demonstra o
quanto as atividades rurais eram bastantes presentes na cidade. Até porque, no início do
século XX, havia muitas chácaras nos em torno das principais ruas da cidade.
Clóvis Oliveira se referindo às modificações do espaço feirense no final do século
XIX destacou:
Em uma cidade construída no interior do Estado da Bahia, com sólidas bases
rurais, certamente a chegada de tais novidades provocaram conflitos, uma vez que ficaram em choque as duas principais características de Feira de
Santana: de um lado o passado rural e do outro fortíssimo incremento do
comércio e o conseqüente desenvolvimento urbano.117
Mayara Pláscido Silva118 ao discutir as experiências de trabalhadores/as na sociedade
feirense do século XX, a partir de processos crimes, salientou o elevado de número de
lavradores encontrados na cidade neste período. Segundo Silva:
...evidencia-se que o trabalho na lavoura era uma experiência concreta de
subsistência para a população pobre de Feira de Santana, habitantes na área urbana, suburbana ou rural do município. De um total de 114 processos
crime que utilizamos, 64 ocorreram na área urbana do município. E neles,
entre testemunhas, vítimas e acusados/as, num total de 480 pessoas, 100 afirmaram trabalhar em atividades relacionadas à lavoura, ou seja,20, 83%.
Consideramos ser significativo que o trabalho na lavoura fosse exercido por
117OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Morais. De Empório a Princesa do Sertão: Utopias Civilizadoras
em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação (Mestrado em História). Salvador- Bahia, UFBA, 2000. p. 25. 118 PLÁSCIDO, Mayara. Experiência de trabalhadores/as pobres de Feira de Santana 1890-1930.
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012.
60
pessoas que habitavam a cidade de Feira de Santana,tendo sido
sistematicamente encontrado nas fontes.119
No inventário de Rachel Carolina dos Santos, mãe do confrade Miguel Domingos de
Araújo, encontramos outro meio de identificar a composição social da Conferência de São
Vicente de Paulo. A mãe de Miguel Domingos de Araújo deixou alguns bens para o mesmo e
para seus irmãos. O confrade desempenhava o cargo de capitão, revelando o seu poder na
sociedade feirense, o seu irmão José Domingos de Araújo também era um major e sua irmã
Maria Rosalina de Araújo Pitombo era casada com Juventino Abdon Pitombo, isto é, a família
era estruturada de forma a manter domínio político na sociedade feirense. Participar da
Conferência era uma maneira também de ampliar a sua influência.
Partilha amigável 1917: Rachel Carolina dos Santos (falecida)
Herdeiros: Miguel Domingos de Araujo e irmãos ...como authorgante cedente o Capitão Manoel Domingos de Araujo,
solteiro, funcionário público, ... que foi dito que sendo herdeiro de sua
fallecida mãe Rachel Carolina dos Santos, pela presente escriptura e melhor forma de direito faz sessão de herança...
Rachel Carolina dos Santos falleceu nesta cidade da Feira de Santana... sem
deixar testamento porém deixando bens e os herdeiros de maioridade que são
os seguintes: Capitão Miguel Domingos de Araujo, major José Domingos de Araujo, Capitão Manoel Domingos de Araujo, Maria Rosalina de Araujo
Pitombo casada com o cirurgião dentista Capitão Juventino Abdon Pitombo.
Bens: Uma casa sita nesta cidade à Rua dos Remédios, uma porta e quatro janelas... pela quantia de um conto e oitocentos mil reis 1:800,000
Uma outra casa sita à Rua Conselheiro Franco com uma porta e duas
janelas... pela quantia de seiscentos mil reis 600.000 (sic)120
A Conferência de São Vicente de Paulo apresentava como principal característica o
seu caráter assistencialista, promovendo socorro e auxílio aos desvalidos, denominação dada
pelos irmãos para identificar as pessoas carentes e doentes, ou seja, pessoas mais pobres e
com poucos recursos.
As visitas à Santa Casa de Misericórdia eram recorrentes na Conferência, visto que nas
atas foram feitas menções sobre a ida ao hospital. É importante destacar que mesmo a Santa
Casa de Misericórdia121 sendo uma confraria composta pela classe dominante feirense recebia
o apoio financeiro da Conferência de São Vicente que era composta na maioria por
trabalhadores que possuíam atividades braçais.
119 PLÁSCIDO, Mayara. Experiência de trabalhadores/as pobres de Feira de Santana 1890-1930.
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012, p 32. 120 Inventário de Rachel Carolina dos Santos 1917. 121 Ver Cerqueira, João Batista. Assistência e caridade: a história da Santa Casa de Misericórdia de Feira de
Santana; Feira de Santana. UEFS, 2007.
61
Cooperação para o ensino emcino primário nas aulas da conferêcia [...]
fazerem acada mezhuma visita aos doentes recolhidos no Hospital da Santa
Caza da Misericórdia desta cidade, que nesta occazião será offerecido um óbolo aos emfermos, segundo seos rendimentos.(sic)122
Com base nas Atas da Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo, foi possível
identificar quais os grupos sociais foram mais beneficiados financeiramente pela Conferência.
Em muitas Atas, o número de mulheres viúvas e doentes era elevado “... sendo socorrida de
novo por esta Conferencia a viúva Maria Thomazia de Freitas sendo vizitada pelo confrade
Antonio Ernesto dos Santos” 123 , numa outra Ata “...foi apresentada pelo Prezidente do
Conselho Particular a fim de ser socorrida por esta conferencia a disvalida Petronilhaviuva
com cinco filho...(sic)”124 e também no caso do auxílio moradia dado ao desvalido com
necessidades especiais “...foi suspenso o donativo que esta conferência fazia em favor de
morada para o cego João da Cunha, por lhe ser dada casa para morar.”125
A análise da documentação da Conferencia de São Benedito da Sociedade de Vicente
de Paulo permitiu notar que no primeiro ano de funcionamento as atividades cotidianas, tal
como, visita aos enfermos, doação de dinheiro a desvalidos e a arrecadação da bolsa foram
mantidas com êxito pelos confrades “... o secretario congratulou-se com o Prezidente e os
confrades, por ter completado esta conferencia uma anno aos seus trabalhos o Vice Prezidente
disse tão bem algumas palavras dando parabéns ao Prezidente e aos mesmos confrades.
(sic)”126
Depois de ter completado um ano do funcionamento da Conferência da Sociedade de
São Vicente de Paulo, a mesma começou a apresentar dificuldades que interferiram no
prosseguimento das principais atividades filantrópicas, como sinaliza a Ata de outubro de
1904:
O prezidente pedio aos confrades prezentes, que não o dezamparacem ao
menos este pequeno número que de tão boa vontade se prestam a fim de não
abandonarmos esta sociedade auxiliadora e que alguns benefícios deve prestar assim como já é considerada com o número de terceira conferencia
que não será tão louvável para o publico prezensiar seo esfacelamento, ainda
pedio ao confrade Affonso Regis que em occaziões opportuna, não deixasse de tomar parte no detalhe desta, visto a pouca freqüência de seos
confrades.(sic)127
122 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 12/02/1905 123 Idem, 09/10/1906. 124 Idem, ibidem. 06/11/1906. 125 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 26/09/1905. 126 Idem, 19/06/1904. 127 Idem, ibidem. 02/10/1904.
62
Em 1905, as críticas do Presidente persistiram, mas o mesmo não obteve êxito como
notou-se:
O Prezidente observou os confrades a grande falta da parte dos Senhores
confrades relativamente as obrigações da conferencia sobre as confissões e vizitas ao Hospital e pedio para não se reproduzirem mais semelhantes
faltas.128
De acordo com as fontes, o comprometimento dos confrades não era o mesmo e isso
prejudicava a continuidade dos trabalhos internos. As advertências, por parte do presidente,
relativas a falta de cumprimento das obrigações passaram a ser freqüentes:
O Prezidente fez muitas observações pela falta de comprometimento dos
confrades a pistas de não haver a quem se entregue a bolsa, prova do fica,
que os Senhores confrades serão os primeiros a negarem-se a caridade chistã
elle Prezidente trataria de retirar se desta Prezidencia, logo que reconhece a má vontade de seus sócios que de tão boa mente nella se alistarão
prometendo assim cumprir com sua ordenação ...129
A Ata acima realçou os problemas enfrentados pela Conferência de São Vicente de
Paulo e destacou as tentativas do presidente em deter o avanço da crise pela qual passava.
Segundo o Presidente, as atividades básicas, principalmente colaboração financeira aos
socorridos, estavam interrompidas por não haver dinheiro em caixa e que era conseqüência da
ausência dos confrades nas reuniões, visto que a arrecadação financeira ocorreria entre os
mesmo e semanalmente ter um membro que ficava responsável em angariar uma quantia no
seu circulo social. Tais impasses interfeririam nas atividades filantrópicas da Conferencia,
mais uma vez, em 1907 retomou-se o assunto “Pedro Neponuceno fez a leitura espiritual não
haver distribuição por nada apresentar a bolsa que conserva intacta sem que faltando este
resultado e difficil haver distribuição por falta de numero de confrades ... (sic)”130.
Além das obrigações da Associação, deixarem de ser realizadas por falta de verbas, o
Presidente mostrou-se preocupado com os resultados negativos advindos da
irresponsabilidade dos membros poderia afetar o reconhecimento social adquirido na
sociedade feirense. O documento explicitou o lugar de destaque alcançado pela Conferencia
na cidade e a preocupação desta em permanecer com a mesma representação:
O Prezidente agradeceo aos confrades que tomarão parte na commissão
encarregada da estação e assistiram a primeira missa do Reverendíssimo
Senhor Padre Tertuliano Carneiro [...] Prezidente ainda pedio aos confrades a fim de não deixarem comparecer nas seccões e que esta conferencia tem
128 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 19/12/1905. 129 Idem, 18/06/1907 130 Idem, ibidem. 22/10/1907
63
sido elogiada pelo Prezidente do Conselho Particular, e que assim esperava
de seus companheiros que não lhe desmentirão este conceito...(sic)131
A Ata ainda destaca a solidariedade dos confrades em prestigiar a primeira missa
celebrada por Tertuliano Carneiro da Silva. De acordo com as Atas da Conferência, neste
período, Tertuliano Carneiro havia sido ordenado padre, no entanto o mesmo chegou ao cargo
de Monsenhor, um dos postos mais importantes da Igreja Católica. Além disso, o seu nome
consta na relação de nomes, encontrada no Termo de Compromisso, dos membros da
Irmandade de São Benedito. Eurico Boaventura fez uma breve descrição das características do
Monsenhor e destacou sua participação no Conselho Municipal de Feira de Santana:
Antes de findar-se a primeira década do século, já era vigário da freguesia de Feira de Santana o padre Bebeto que chegou a Monsenhor Tertuliano
Carneiro. Tabaréu daqui, aqui viera cuidar do rebanho das suas almas. Padre
bom. Exemplos de virtudes, sem imagens de retórica. Modesto. Padre
Bebeto figurou no Conselho Municipal por muito tempo, mas só nas posses do Conselho e do Intendente usava suas insígnias de Cônego. Também era
preciso luxo para tais solenidades. Nem na festa de Santana, quando o
templo ficava assim! De padres de fora, nem mesmo assim padre Bebeto usava a batina de vivo botões rubros, a faixa escarlate e as meias cor de
bonina.132
As Atas passaram a apontar os primeiros indícios de declínio da Conferência de São
Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, as dificuldades tornaram- se constante
inviabilizando o prosseguimento das atividades essenciais da agremiação religiosa. A última
Ata com o nome completo da Conferência e o registro dos problemas financeiros enfrentados
ocorreu em 19 de novembro de 1907. Anos depois, 1920, no mesmo livro de Atas a
denominação, provavelmente, modifica-se passando a ser intitulada Sociedade de Vicente de
Paulo.
Pode ter ocorrido também a criação de uma nova agremiação que agregou novos
membros e manteve alguns da anterior. Na Ata da Sociedade de Vicente de Paulo de 1920,
Honorato Alves Freitas, integrante da Irmandade e da Conferência, continua sendo um dos
protagonistas desta história na constante busca por poder e prestígio. Conforme o documento:
Pelo confrade Honorato Freitas foi apresentado para sócio subscriptor o Senhor Hermenegildo de Carvalho, foi aceito, pelo confrade Macario
Barreto foram apresentadas para sócias as senhoras Maria Assis Regis,
Maria Olympia Dantas, Catharina Soares Fontes, Maria da Pureza Barreto, Jesuina Carolina Barreto, Maria Andreza ....(sic)133
131Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 19/11/1907 132 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2000, p. 25. 133 Idem, 05/09/1920.
64
O livro de Atas usado era o mesmo da Conferência de São Benedito da Sociedade de
Vicente de Paulo, mas o local das reuniões deste novo grupo acontecia na Capela de São
Vicente de Paulo. Segundo Cledson Morais134, estava localizada na Rua Conselheiro Franco
no Edifício Mandacaru.
A crise econômica pode ter levado ao provável fim ou mudança no nome da
Conferência, provavelmente, haveria outros motivos influenciadores, tal como, o aparente
desinteresse dos membros em continuar contribuindo e participando das reuniões pode ter
colaborado para a crise. Se houve uma mudança no nome de “ Conferência de São Benedito
da Sociedade de Vicente de Paulo”, para apenas Sociedade de São Vicente de Paulo. Porque
São Benedito foi desassociado da nomenclatura da mesma. Será que o grupo de vicentinos
estava agrupado com os confrades de São Benedito preferiram criar uma conferência
independente e foram para a Capela de São Vicente de Paulo no Edifício Mandacuru ?
O vínculo da Escola Noturna para pobres da Sociedade de Vicente de Paulo a esta
nova confraria ou nova configuração, oriunda da antiga conferência permaneceu. “...foi
apresentado pelo professor da aula de São Vicente a matricula geral de 54 alunnos.”135
134MORAIS, Cledson Jose Ponce. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios: 300 anos de história, fé e devoção.
Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2005. 135 Livro de Atas da Sociedade de Vicente de Paulo. 12/09/1920.
65
Capítulo 2 - A filantropia na Sociedade de São Vicente de Paulo
2.1 A filantropia no Brasil
Para entendermos a forma como se deu a atuação dessa Sociedade de São Vicente de
Paulo em Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX, torna-se imprescindível uma
breve definição sobre filantropia no Brasil.
Gisele Sanglard, no seu estudo sobre os laços de sociabilidade, filantropia e o hospital
do câncer no Rio de Janeiro, trouxe um conceito para explicar o termo filantropia e
demonstrar como o mesmo foi aplicado na sociedade brasileira. Sanglard inicia pesquisa
discernindo a caridade e a filantropia, segundo a autora, ambas foram praticadas no Brasil,
mas apresentam características distintas.
[...] a filantropia se difere da caridade por propor estar desvinculada de qualquer vestígio de piedade e ter subjacente a ela a ideia da ‘utilidade
social’. A caridade reflete, nesse sentido, o temor a Deus, a realização de um
dos dez mandamentos – ajudar o próximo – e uma atitude de resignação ante
a pobreza; enquanto que a filantropia, uma virtude laicizada, é uma ação continuada, refletida e não mais isolada. Outra diferença que podemos notar
é que na caridade o anonimato é um valor importante, pois o gesto é de
abnegação.[...] Já a filantropia, para pôr em prática suas obras de utilidade social, necessita da reunião de pessoas que “participam de um mesmo
movimento de expressão e de identidade do doador: elas se remetem às
convicções, o situam em um espaço social, o inscrevem no seio de um grupo de relações”.136
As primeiras associações religiosas a promoverem a filantropia no Brasil foram
trazidas por intermédio dos Portugueses, a partir do século XVI, foram as Santas Casas de
Misericórdia, o assistencialismo era um dos fundamentos básicos destas instituições com
larga experiência nos países católicos europeus, principalmente, Portugal. A Santa Casa de
Misericórdia apresentou-se na primeira instituição religiosa criada na Bahia durante o período
colonial. Essas associações apresentavam, além de traços fortes de assistência, um intenso
rigor nos critérios de admissão dos membros, principalmente, ao longo do período colonial e
imperial, dado que era permitida a entrada apenas de pessoas oriundas das classes dominantes.
Com relação as principais finalidades das Santas Casas de Misericórdia, João Cerqueira
acentuou:
As irmandades da Santa Casa de Misericórdia são instituições fundadas e
mantidas sob a inspiração da doutrina cristã, cujos membros se propunham a
136 SANGLARD, GISELE. Laços de sociabilidades, filantropia e o Hospital do Câncer no Rio de Janeiro
1922-1936. História, Ciência e Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro. Jul 2010, p.128.
66
atuar em obras pias, nas quais eram oferecidos serviços assistenciais às
pessoas socialmente desamparadas. Ademais, é unânime entre os estudiosos
do tema que foi o povo lusitano o responsável pela difusão do modelo assistencial das Santas Casas tanto na metrópole quanto nos territórios
ultramarinos do Império Colonial.137
A principal área de atuação destas se concentrava na fundação e manutenção de
hospitais gerenciados pelas Santas Casas de Misericórdia. Ao ressaltar a definição do termo
filantropia e a forma como era empregado o historiador A. Russel-Wood, destacou:
A filantropia social pode tomar duas formas. A primeira consiste em
programa de reabilitação social que se entende por um período de meses, ou mesmo de anos. A segunda se faz por meio de alívio direto, financeiro ou
espécie. A forma mais adequada de assistência varia de caso para caso e é
determinada pelas circunstâncias sociais, físicas e econômicas da pessoa que esteja em dificuldades. De maneira geral, a reabilitação social é necessária
quando as vítimas da pobreza ou desgraça já alcançaram um grau elevado de
degeneração física e moral. A assistência, geralmente de natureza institucional, os ajuda a recuperar a posição que anteriormente ocupavam na
sociedade. O auxílio direto se orienta para as causas da pobreza num estágio
em que a assistência médica, financeira ou médica podem evitar que uma
pessoa descambe para a pobreza endêmica ou para a enfermidade crônica.138
De acordo com a conceituação de A. Russel-Wood, existe duas formas de atuar no
campo da filantropia. Primeira, a reabilitação social e segunda por meio da assistência
financeira, o uso das duas maneiras eram corriqueiros entre as Santas Casas, a partir do século
XVII, mas, paulatinamente, passou a ser usual entre outras agremiações religiosas fundadas
desde a Colônia até a República “A Misericórdia da Bahia atuou nos dois campos durante os
séculos XVII e XVIII. Na prática de reabilitação social a Misericórdia não encontrou
rivalidade na Bahia colonial”139.
Gisele Sanglard e Luiz Ferreira, no seu estudo sobre pobreza, filantropia e assistência
à infância no Rio de Janeiro, sublinharam a finalidade da filantropia na sociedade brasileira
nas primeiras décadas do século XX enquanto uma questão de utilidade social para os grupos
das camadas populares.
Este é um dos componentes através dos quais podem os entender a
filantropia no Brasil na Primeira República, notadamente aquela que in
vestia seu capital social e financeiro na abertura de instituições voltadas para o atendimento da população indigente. Nessa perspectiva, a filantropia
levada a cabo pela sociedade brasileira nesse período seria revestida de uma
utilidade social, e os filantropos, homens e mulheres, poderiam ser
137 CERQUEIRA, João Batista. Caridade, Política e Saúde: O Hospital João de Deus e a Santa Casa de
Misericórdia de Cachoeira, Bahia (1756 a 1872). Salvador: UFBA, 2015, p.171. 138 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa de Misericórdia da Bahia (1550-1755 .
Brasília: Ed. Universidade de Brasília. 1981, p. 133. 139 Idem, p 133.
67
considerados, em sua maioria, reformadores sociais – que tinham como
público-alvo os operários ou o trabalha dor pobre, aquele que mesmo
trabalhando não conseguia o sustento necessário, colocando em risco sua família.140
A prática filantrópica foi largamente difundida entre os cristãos, principalmente, os
católicos baianos. Devido a inoperância do Estado nas questões sociais, os fiéis assumiram
durante muito tempo esse papel, como afirmou Christiane Souza:
No vazio deixado pelo estado, floresceram as ações filantrópicas. A ação da
filantropia não se pautou apenas em função de demandas locais ou dos
deveres caritativos próprios de uma sociedade de tradição católica. Tais ações refletiam as transformações ocorridas na sociedade, como também os
avanços da medicina e das teorias biomédicas, seguindo, nesse ponto,
tendências internacionais.141
Conforme Riolando Azzi, durante o período imperial no Brasil as associações com
caráter assistencialistas foram muito mais incentivadas pela Igreja Católica do que as
irmandades de ajuda mútua. Sobre a finalidade destas associações religiosas dirigidas por
leigos e acerca da fundação da primeira Irmandade de São Vicente de Paulo, Azzi frisou:
As associações católicas criadas na época imperial tinham como característica principal oferecer recursos para as congregações femininas que
se dedicavam ao atendimento de crianças órfans [...] A primeirade que tenho
notícia foi fundada em Salvador pelo arcebispo D. Romualdo Antônio Seixas, sob o título de Irmandade de São Vicente de Paulo. Embora
conservando o tradicional título de Irmandade, tal associação tinha como
finalidade específica angariar recursos para as Filhas da Caridade que
passaram a se ocupar da educação da infância pobre e desvalida e da assistência aos doentes necessitados.142
Ana Paula Magno Pinto ao pesquisar a Sociedade de São Vicente de Paulo em Lisboa,
a partir da análise do manual de 1885, destacou as prioridades e objetivos desta associação
religiosa:
Sobre as condições necessárias para que outras obras pias vicentinas possam
prosperar estão a dedicação dos confrades e a interlocução com a sociedade,
que deverá ser convocada a participar das práticas da caridade (Idem, p. I- 30; II- 287). O Regulamento prevê a catequese das crianças, a escola de
adultos, os asilos, orfanatos, as visitas aos hospitais e aos moribundos, assim
como aos presos, aos condenados a morte e o enterro dos pobres (Idem, p. II- 403, 431), embora haja a ressalva de que a Sociedade não fará orações
140 SANGLARD, Gisele. FERREIRA, Luiz Otávio. Pobreza e Filantropia Fernandes Figueira e a assistência
a infância no Rio de Janeiro 1900-1920. Est. Hist., Rio de Janeiro. Vol. 27. nº 53, 2014, p.74. 141 SOUZA, Christiane Cruz. Saúde pública na Bahia da primeira metade do século XX: o protagonismo
dos médicos e das mulheres de elite. Anais da ANPUH. São Paulo, 2011, p. 4 142 AZZI, Riolando. A Sé Primacial do de Salvador: A Igreja Católica na Bahia 1551-2001. Vol. II. Petropólis:
Vozes. 2001, p.78.
68
fúnebres nestes eventos. O Regulamento ainda reserva páginas a outras
questões, como a Patronagem, as Caixas econômicas, entre outros.143
2.2 A filantropia em Feira de Santana
A filantropia em Feira de Santana, especialmente, no princípio do século XX foi
praticada não apenas pelos católicos da cidade, mas também por outras religiões ou
denominações religiosas como as religiões de matrizes africanas, os protestantes e espíritas. A
atuação filantrópica desenvolvida por grupos religiosos não pode ser considerada apenas
como uma preocupação baseada na utilidade social, pois representam estratégias proselitistas.
Nas Religiões de Matrizes Africanas em Feira de Santana, a filantropia apresentou-se
a partir da ação de agentes de cura como uma possibilidade de atuação para a população que
recorria aos seus saberes religiosos na cidade. Conforme Ronaldo Senna, os sacerdotes das
Religiões de Matrizes Africanas recebem a missão de promover a cura sendo agentes de
práticas filantrópicas “Ser curador ou ser louco, fica, assim a opção possível para aquele que
tenha sido, realmente, chamado pelos guias, e por este motivo, é obrigado a abraçar a função
de fazer caridade.” 144
Consoante Elizete da Silva, entre os protestantes a filantropia no campo feirense pôde
ser verificada pela primeira vez no final do século XIX com a fundação de um colégio pelo
Reverendo presbiteriano George Chamberlain. O Reverendo pregou e residiu em Feira de
Santana entre 1896 e 1899.
Além de evangelistas Chamberlain e sua esposa foram educadores e
fundaram várias escolas em São Paulo, a exemplo do Colégio Mackenzie, uma escola para meninas em São Felix e Feira de Santana, as quais a filha
mais velha do casal deu prosseguimento seguindo as pegadas da sua
genitora, Sra Mary Ann A, Chamberlain.145
Além de considerar a atitude do Senhor Chamberlain como prática assistencialista
com o intuito de letrar a população feirense, podemos notar na prática assistencialista uma
estratégia para difundir paulatinamente o protestantismo na cidade de Feira de Santana.
143 PINTO, Ana Paula Magno. Caridade Organizada: O manual da Sociedade de Vicente de Paulo de Lisboa
1885. XXVIII Simpósio de História. 2015, p. 11. 144 SENNA, Ronaldo. Feira de Encantados: Uma panorâmica da presença afro- brasileira em Feira de Santana
construções simbólicas e ressignificações. Feira de Santana: Ed: UEFS, 2014. p.219. 145 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira
de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010, p. 167.
69
Outras atividades filantrópicas promovidas por outras denominações protestantes foram
encontrados, no entanto ultrapassam o recorte temporal desta dissertação.
A inserção da filantropia espírita de forma mais ampla em Feira de Santana só se deu a
partir de 1950, conforme Chablik Morgado, a chegada dos primeiros espíritas na cidade se
deu no final da década de 30 do século XX, certamente, os mesmo desenvolveram algum tipo
de assistencialismo nesse período.
Inaugurado no final da década de 1950, o abrigo para idosos Lar do Irmão
Velho - LIV se tornou um emblema do movimento espírita na cidade de Feira de Santana. Tal obra trouxe um capital simbólico para a prática da
caridade realizada pelos espíritas não somente para o campo religioso, mas
que se espraiou para a sociedade feirense em geral, uma vez que a situação de abandono aos idosos se tornou assunto frequente na pauta das discussões
da própria Câmara de Vereadores de Feira de Santana146
No seu estudo sobre o Espiritismo no Brasil, Emerson Giumbell definiu ser uma
crença que tem por implicação necessária a prática da caridade. Sobre o assunto, o autor
frisou:
O espiritismo ao contrário parece estar nos ‘lugares certos’, uma vez que suas práticas podem ser enquadradas ou como ‘doutrinárias’ ou como
‘assistenciais’, e é desse modo, enquanto ‘religião’ ou caridade, que se
transforma enquanto objeto de estudo e imagem do senso comum.147
Esse panorama religioso demonstrou que os católicos feirenses não encontravam-se
sozinhos na atuação filantrópica da cidade, isto é, o campo feirense era um espaço de disputas
de fiéis na cidade, além de atividades assistencialistas promovidas para acolher potenciais
prosélitos.
2.3 A Conferência de São Vicente de Paulo e sua perspectiva filantrópica
A história da Sociedade de São Vicente de Paulo está atrelada ao caráter filantrópico
da Conferência. Em meados do século XX, a SSVP protagonizou muitas atividades
filantrópicas na sociedade feirense, representando o ideal cristão de solidariedade.
Nas três primeiras décadas do século em Feira de Santana, a Irmandade de São
Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo conseguiu agregar ambas, pois, passava vários
146 MORGADO, Chablik de Oliveira. O voo do pássaro e seu canto: trajetória de um espírita e do espiritismo
em Feira de Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História) Feira de Santana: UEFS, 2016. p. 89. 147 GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos: Uma História da condenação e legitimação do espiritismo.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997, p. 283.
70
meses auxiliando, financeiramente, os desvalidos e fazia recorrentes visitas ao Hospital da
Santa Casa de Misericórdia da cidade.
A partir das leituras das Atas da Confraria de São Benedito da Conferência de São
Vicente de Paulo de Feira de Santana, ficou perceptível a permanência destes mesmos
princípios e os mesmos projetos assistenciais como a instalação da Escola Noturna da
Sociedade de Vicente de Paulo, o oferecimento de aulas de catequese, as visitas ao hospital da
Santa Casa de Misericórdia e as doações em dinheiro a grupos empobrecidos. Essas
atividades faziam parte do cotidiano da Confraria como demonstra a Ata da Conferência da
Sociedade de São Vicente de Paulo de 31 de outubro de 1905:
O confrade Manoel Lopes de Santa Anna recolheo a bolsa com dois mil e oitocentos e secenta correo a bolsa entre os confrades fez-se a colleta de seis
sentos e vinte reis o Thezoureiro recolheo vindo de sócias subscritoras
duzentos reis, foi proposto para aspirante o menor Luiz Monteiro, o presidente observou quais os deveres dos aspirantes, o tesoureiro fez a
distribuição com os socorridos de dois mil e oitocentos e oitenta e contribuiu
com três mil réis em favor da aula noturna de S. Vicente de Paulo, o Prezidente observou os confrades a continuação das vizitas aos enfermos no
hospital, e que no domingo seguinte teria logar essa vizita as oito horas
depois da missa. (sic)148
Como se notou na Ata de 31 de outubro de 1905, a estrutura interna da Sociedade de
São Vicente de Paulo possuía uma classificação de denominação dos membros, isto é, cada
irmão ao adentrar para associação era apresentado ao grupo de maneiras distintas. Na Ata,
vimos as novas integrantes serem designadas de sócias subscritoras e o posto de aspirantes.
Esta fonte indica que além dos cargos de: presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário a
Conferência da São Vicente de Paulo possuía mais uma outra divisão organizacional.
Na Ata de 13 de setembro de 1903, foram mencionadas questões relativas a adesão e
conduta moral dos novos associados. Honorato Alves Freitas, presidente da Conferência de
São Vicente de Paulo, salientou que para fazer da mesma os membros deveriam tem um
comportamento aceitável. A análise desta Ata demonstrou, inclusive, a importância e o quanto
representava os valores morais para seus membros. Sobre a proposição de novos associados
na confraria, Ata destacou:
[...] o Senr. Prezidente fez alguma declaração sobre o escrúpulo que deve
haver da parte dos confrades nas propostas que tinham de fazer observar o
estado das pessoas que os impossibilitem de pertencerem a esta confraria, quer como sócio activo, subscriptor, ou mesmo irmãs protetoras, o mesmo
Prezidente ainda propoz para sócio activo o Senr Macário Ferreira da
Silva.(sic)149
148 Livro de Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo 31/10/1905. 149 Idem, 13/09/1903.
71
Na Ata acima, podemos destacar outra modalidade de confrades, além de aspirante,
subscritor e irmãs protetoras, havia o de sócio ativo. Dentre todas as categorias existentes na
Conferência a mais recorrente na documentação era a de sócio ativo. Em todos os documentos
pesquisados não há uma especificação do significado dessas nomenclaturas no grupo, no
entanto com o estudo do cotidiano da mesma foi possível pressupor os significados dos
cargos.
Sócio ativo seria o confrade assíduo e participativo. O aspirante aquele que desejava
chegar ao posto de sócio ativo e era introduzido na confraria ainda menor de idade,
supostamente, para aprender os preceitos religiosos do catolicismo afim de um dia torna-se
sócio ativo. A Ata de 22 de maio de 1906 demonstrou, efetivamente, a possibilidade de
irmãos aspirantes tornarem-se sócios ativos “[...] foi apresentado para socio activo desta
conferência o aspirante de Lourdes Rozado Damasseno e nada mais a tractar foi enserrada a
secsão” (sic)150. Importante salientar que o irmão aspirante proposto para sócio ativo era um
membro da Confraria de Nossa Senhora de Lourdes, mas diante da fonte podemos levantar a
hipótese da progressão de irmão aspirante à sócio ativo A Ata do dia 04 de setembro de 1904
ressaltou, como algumas outras atas, o caráter da menoridade dos membros a aspirantes “[...]
foi proposto pelo confrade João Antônio Maia para aspirante o menor Alipio Augusto Cezar
de Araujo”(sic)151. Possuir irmãos aspirantes na Conferência era um fator importante por
representar a continuidade da Conferência de São Vicente de Paulo, a preservação da doutrina
católica e a manutenção do capital simbólico em Feira de Santana.
As mulheres, em algumas atas, foram citadas como irmãs subscritoras “[...] foram
propostas para subscritoras Amizia Bispo Borges e Fermina Maria da Silva e para sócio ativo
o Senhor Bernado Alerio de Oliveira [...]”152 aparecem na função de irmã protetora havia
apenas mulheres, provavelmente associado a um suposto dom maternal, em razão de não ser
encontrado, nas atas da associação, nenhum homem na função de irmão protetor.
A Ata de 08 de janeiro de 1908 contribuiu para distinguir o posto entre sócio ativo e
do irmão subscritor “[...] o confrade pediu e obteve transferência de activo para subscriptor
visto ter fixar residência na cidade de Irará” (sic) 153 , ou seja, para ser sócio ativo era
necessário se fazer presentes nas reuniões e morar na cidade de Feira de Santana facilitava a
freqüência, provavelmente, por isso não houve objeção dos confrades quanto a modificação.
150 Idem, 22/05/1906. 151 Idem, Ibidem, 04/09/1904. 152 Livro de Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 14/08/1906. 153 Idem, 08/01/1907.
72
De acordo com Riolando Azzi, estas modificações no perfil da Igreja Católica faziam
parte de um novo modelo de catolicismo romano influencia do pelo Concílio de Trento do
século XVI. Esse Concílio organizou-se com o propósito de diminuir a crise na Igreja
Católica intensificada com o protestantismo e estabelecendo uma nova reforma nas doutrinas
católicas.154
Como parte importante da implantação do modelo de Igreja tridentina na Bahia, foram instituídas, além de associações de cunho marcadamente
religioso, outras em que prevalecia a preocupação educativa e assistencial.
As conferências vicentinas passaram a ter uma atuação assistencial significativa em favor dos pobres.155
A filantropia praticada por grupos religiosos era a maneira mais utilizada para ajudar o
próximo, especificamente a população empobrecida, bem como, era um recurso usado por
estes grupos para obter notoriedade na sociedade. Através da análise das atas da Sociedade
Vicente de Paulo notou-se constantes doações em dinheiro a pessoas empobrecidas e doentes.
Em Feira de Santana, na Conferência de São Vicente de Paulo homens e mulheres estavam
reunidos em torno de um projeto assistencialista fundamentado nas origens da formação da
Sociedade de Vicente de Paulo no século XIX.
Geralmente, não havia investimentos do Estado nas áreas sociais. A função de assistir
aos pobres, geralmente, recaia sobre as instituições ligadas a religião, no caso de Feira de
Santana à doutrina católica ou com obras beneméritas de famílias abastadas. Ao frisar a
respeito das atribuições da Santa Casa de Misericórdia em Feira de Santana, em decorrência
das péssimas condições de higiene encontradas no século XIX, João Cerqueira destacou:
As precárias condições de saúde pública decorriam da conjugação de fatores
socioeconômicos e políticos. Até aquele momento o Estado ainda não havia tomado pra si a responsabilidade pela assistência e prestação do serviço de
saúde a população. Não existia assistência médica privada, ou o auxílio de
entendidos ou de curandeiros.156
Segundo Cerqueira, a negligência do Estado em diversas áreas, sobretudo, na saúde
obrigou a população, principalmente, empobrecida a buscar formas de combater e tratar
doenças. O autor salientou a recorrência aos curandeiros e rezadeiras, ou seja, os costumes e
tradições das Religiões de Matrizes africanas estavam presentes e constituíam-se como
importantes recursos para o contexto de total desassistência dos órgãos públicos.
154 Ver AZZI, Riolando. A Sé Primacial do de Salvador: A Igreja Católica na Bahia 1551-2001. Vol. II.
Petropólis: Vozes. 2001, p.216-217. 155 Idem. p. 202. 156 CERQUEIRA, João. Assistência e Caridade: A história da Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana.
Feira de Santana: EDUEFS. 2007, p. 130.
73
Em Feira de Santana, assim como em outros locais do Brasil, houve uma mistura de
saberes populares oriundos da cultura indígena, africana e europeia empregadas por
curandeiros, raizeiros, benzedores, parteiras, sangradores, boticários nas práticas de cura,
principalmente, pela população empobrecida. Os saberes populares do uso das ervas para a
cura foram sendo passadas por meio da cultura oral e foram ressignificadas ao longo dos
séculos157. Segundo Gabriela Silva, a impressa feirense evidenciava o conflito existente entre
a Medicina legal e os curandeiros. Os jornais noticiavam uma suposta superioridade do saber
acadêmico em oposição uma possível inferioridade do saber popular. Para a imprensa e a
classe dominante os curandeiros e rezadores eram charlatões.
Ressalta-se neste aspecto social a oposição entre masculino e feminino. O médico, homem, detentor de saber; e a parteira, mulher, sem instrução
acadêmica, apresentada no artigo enquanto indivíduo que não sabia regras
básicas de higiene, levando as suas parturientes a sofrer em decorrência de infecções.158
Conforme Ronaldo Senna, a maioria das pessoas que recorriam às práticas de cura
com a utilização de banhos defumadores, erva de São Miguel, ervas de cheiro, xarope era por
não terem acesso a Medicina tradicional ou porque acreditavam e sentiam-se seguros com as
práticas populares. Valer-se dos saberes populares muitas vezes era a única alternativa para a
população pobre, pois o número de médicos era pequeno e custoso. 159 Nos casos mais
simples, os doentes não necessitavam utilizar os serviços dos curandeiros para recuperar a
saúde, pois criavam suas próprias estratégias de cura, serviam-se de chás ou outros recursos
semelhantes.160
A inserção de médicos no cotidiano da população brasileira deu-se de forma mais
intensa, a partir do século XIX no sul, devido ao processo de higienização ocorrido no País.
Geralmente, havia resistência, principalmente das pessoas pobres, em aceitar o saber médico
devido a legitimidade dos seus agentes de cura e por representar mudanças nos costumes.
Relutar pela manutenção das tradições herdadas de negros e indígenas por gerações era uma
opção muitas vezes assumida em objeção ao saber médico institucionalizado.
157 SANTIAGO. Antonia Aparecida dos Santos. “Feiticeiros dos Olhos D’ Água”: A repressão as práticas de
cura em Feira de Santana (1940-1960). Feira de Santana. Monografia . 2016, p.28-29. 158 SILVA, Gabriela do Nascimento. Na terra de Nanã: Candomblés, territorialidade e conflito em Feira de
Santana (1890-1940). Dissertação (Mestrado em História). Santo Antonio de Jesus: UNEB. 2016, p. 33. 159 SENNA, Ronaldo de Sales. Feira de Encantados. Uma panorâmica da presença afro-brasileira em Feira de
Santana: Construções simbólicas e ressignificações. Feira de Santana: EDUEFS. 2014, p.114-115. 160 LESSA, Denilson dos Santos. Nas encruzilhadas da cura: crenças, saberes e diferentes práticas de curativas-
Santto Antonio de Jesus- Recôncavo sul, Bahia. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antonio de Jesus.
UNEB, 2005. p.12.
74
Entre o final do século XIX e a partir do século XX, houve o aumento da repressão às
benzedeiras, rezadeiras e curandeiras, pois os saberes curativos praticados por estes foram
hostilizados pela classe médica e pela justiça. O Código Penal brasileiro de 1890 instituiu que
pessoas sem formação na área médica não poderiam utilizar-se dos seus conhecimentos para
curar enfermidades porque existia a probabilidade de serem acusados de crimes de saúde
pública. O conhecimento usado na cura adquirido através dos costumes passou a ser
inferiorizado e desqualificado em detrimento do conhecimento médico161.
Pelo fato de muitas pessoas, no final do século XIX e início do XX, não terem
condições financeiras de recorrerem a um médico procuram outros meios para a cura de
enfermidades que podem ser vistas como atividades filantrópicas, principalmente, de pessoas
associadas a Religiões de Matrizes Africanas e ao Espiritismo. O Código Penal brasileiro no
capítulo III referente aos crimes contra a saúde pública previa “Art. 158. Ministrar, ou
simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer
forma preparada substâncias de qualquer reino da natureza, fazendo ou exercendo assim o
officio do denominado curandeiro.” 162 A pessoa acusada de curandeirismo poderia ficar
detida por seis meses e ainda teria que pagar uma multa. Com esse decreto do Governo
Federal as pessoas sem conhecimento acadêmico ficavam impedidas de trabalhar ou exercer
alguma atividade filantrópica ligada à assistência a saúde por ser considerado crime, no
entanto sabemos rezadoras/rezadores, curandeiros/curandeiras, os sacerdotes e sacerdotisas
das Religiões de Matrizes Africanas criam subterfúgios para manter suas práticas religiosas.
Cerqueira destacou ainda a função e importância da Santa Casa de Misericórdia
feirense no auxílio aos doentes e também pensá-la enquanto estratégia utilizada pela classe
dominante para que o saber e as terapias populares caíssem em desuso pela população.
Segundo Mara Regina Nascimento, havia duas formas de caridade. Primeiro, a
direcionada com os custeios da morte e a segunda:
A partir do século XV, a forma mais marcante de caridade para com os outros sofre transformações e passa a envolver mais dinheiro uma vez que
era principalmente através do pagamento de missas ou de indulgências que
os mortos poderiam ser beneficiados. Por volta de 1520, esclarece Bossy,
surge uma nova noção de caridade: a filantropia. Ela implicava um sentido de benemerência mais abstrato e entendido como um dever do cidadão, que
carregava já consigo uma repugnância civilizada para com os pedintes. [...]
Esta nova prática foi levada a cabo, de maneira geral na Europa e também no Brasil, por meio de uma aliança entre as instituições caritativas, como as
161 SACRAMENTO. Adriana de Jesus. Artes e práticas curativas em Caetité (1897-1940). Dissertação
(Mestrado em História) Santo Antônio de Jesus: UNEB. 2012, p.97. 162 Código Penal 1890. http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes
75
Misericórdia, e a municipalidade juntas; condenavam tanto a mendicidade
quanto a esmola individual, já que está poderia contaminar a emergente
política de assistência social.163
Ao frisar sobre a falta de estrutura do Estado nas esferas sociais, Cerqueira
argumentou que até mesmo nos países europeus esta condição era posta por uma conjuntura
de revoltas das populações pelas conquistas e busca de direitos de cidadania propostos pelos
ideais das revoluções ocorridas no século XVIII e XIX. Segundo o autor, se as dificuldades
eram enfrentadas nos países europeus, no Brasil não poderia apresentar um quadro diferente e
referindo-se ao contexto da sociedade feirense, Cerqueira enfatizou:
Estávamos no alvorecer de nossa organização como comunidade.
Mudanças de paradigmas, como as propiciadas pelos ideais libertários da
Revolução Francesa de 1789, que deram conteúdo ideológico para que o Estado assumisse responsabilidades com a assistência social, ainda era uma
miragem longínqua.
Mesmo na Europa, em relação a tais mudanças, somente na década de 80 do século XIX, graças ao governo alemão, mediante proposta do então
chanceler Otton von Bismark (1815-1898), é que se deram os primeiros
passos. Começa a ganhar contorno o denominado Estado do bem-estar
social, no qual o direito do cidadão são assegurados por lei; o Estado passa a ter responsabilidade pelos seus cidadãos164.
Nas suas argumentações, Cerqueira explicitou como eram as estratégias de grupos
organizados na sociedade feirense com o propósito de suprir ou atender a necessidades
básicas da população de Feira de Santana, reafirmou a omissão do Estado em áreas básicas e
salientou a relevância das ações praticadas por Montepios e associações religiosas da cidade,
conforme demonstrou o texto:
Na ausência do Estado, a parca assistência à saúde era prestada,
exclusivamente, por entidades privadas associativas, como os montepios, a
exemplo do Montepio dos Artistas Feirenses, fundado em nossa cidade no dia 1º de janeiro de 1881, sob a liderança do padre Ovídio Alves Boaventura
(1840-1886), ou pelas entidades associativas e filantrópicas, como hospitais
fundados e mantidos pelas Misericórdias.165
Os confrades da Sociedade de Vicente de Paulo da cidade de Feira de Santana
visitavam, frequentemente, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia como demonstrou a Ata
da Conferência de 03 de outubro de 1905 “... o Prezidente observou aos confrades a
continuação das vizitas ao enfermos no Hospital. E que no domingo seguinte teria logar essa
163 NASCIMENTO, Mara Regina. Irmandades leigas em Porto Alegre: Práticas funerárias e experiência
urbana XVIII-XIX. Tese de Doutorado. Porto Alegre, 2006, p.88. 164 CERQUEIRA, João. Assistência e Caridade: A história da Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana.
Feira de Santana: EDUEFS. 2007, p. 130. 165 Idem. p.131
76
vizitas as oito horas depois da missa.” (sic) 166 As visitas ao Hospital da Santa Casa de
Misericórdia eram uma das responsabilidades para os confrades como apresentou-se na Ata
de 21 de junho e 1906 “ [...] esta confraria tomaria o seo cargo além das obrigações do seu
regulamento fazerem a cada mez huma vizita aos enfermos recolhidos, segundo seos
rendimentos [...]”(sic)167. Além dessas atas, diversas outras reiteram o posicionamento e o
comprometimento da Conferência quanto as visitas aos doentes.
A Conferência de São Vicente de Paulo assim como a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia e outras confrarias de Feira de Santana fazia o papel do Estado diante da sua
inaplicabilidade e assim para realizava suas atividades filantrópicas. Em 1938, o Diário da
Coluna Feirense168 republicou a seguinte divulgação do Jornal Gazeta do Povo:
1898- Notícia “ Gazeta do povo”
Conferência de S. Vicente de Paulo Quem como nós conhece os louvabilíssimos intuitos dessa aggremiação que
os mais importantes serviços há prestados à caridade pública não só na
capital como em todo o mundo, certamente elogiará a felicíssima lembrança do ilustre homem do bem, o Tenente Coronel Dr. José Leoncio de Medeiros
no desejo ardente de restaurar nesta cidade geralmente cathólica a
Conferência de São José. E, agora, mais que nunca, é necessidade, de antes um dever de todos nós
católicos combatermos em prol da caridade, porque como ninguém ignora o
protestantismo amigo do erro e da heresia pretende macular a sublimidade da
portentosa e consoladora religião golgotha. Para esse fim procurou o dr. Medeiros, na capital, o nosso diretor
proprietário Anatelio Valladares e, após uma conferência relativa ao nobre
escopo nomeou-se presidente da conferência que, em dia que será annunciada, restaurar-se nesta cidade.
Foi nomeado presidente de honra o digno padre Moysés Gonçalves do
Couto. (sic)169
A nota acima, colaborou para ressaltar a presença e articulação da Conferência de São
Vicente de Paulo em solo feirense desde o final do século XIX. Ao reporta-se a capital do
Estado, Salvador, enfatizou-se o caráter caritativo da Confraria na cidade de Feira de Santana
e em outros lugares do mundo. De forma explícita, os membros destacavam a predominância
do catolicismo na cidade diante de outras religiões ou denominações religiosas, a atitude de
criar estratégias a fim de que a Igreja Católica permanecesse majoritária no campo religioso
feirense com o combate explicito ao protestantismo e continuar mantendo o seu capital
simbólico.
166 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 03/10/1905. 167 Idem, 21/06/1903 168O Diário da Coluna feirense republicava notícias relativas a Feira de Santana publicadas originalmente em
jornais feirenses e periódicos nacionais. 169 Diário da Coluna Feirense. Jornal Folha do Norte Feira de Santana. Agosto de 1938.
77
Vimos que os católicos feirenses estavam atentos diante da ameaça dos grupos
protestantes e por isso criaram maneiras para manterem-se predominantes no campo religioso
de Feira de Santana. Segundo Pierre Bourdieu, o capital simbólico conquistado por
determinado grupo religioso a fim de conservar e/ou restaurar um mercado simbólico:
A gestão do depósito de capital religioso (ou sagrado), produto do trabalho
religioso acumulado, e o trabalho religioso necessário para garantir a
perpetuação deste capital garantindo a conservação ou restauração do mercado simbólico em que o primeiro se desenvolve, somente podem ser
assegurados por meio de aparelhos de tipo burocrático que seja capaz, como
por exemplo a Igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua
(ordinária) necessária pra assegurar sua própria reprodução a reproduzir os bens de salvação e serviços religiosos, a saber, o corpo de sacerdotes e o
mercado oferecido a estes bens, a saber os leigos (em oposição aos leigos e
heréticos) como consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (habitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica
de seus produtos.170
A filantropia foi uma tática utilizada pela Sociedade de São Vicente de Paulo para
fazer proselitismo entre os feirenses e assim barrar o crescimento do protestantismo, os
confrades convocaram a toda população católica da cidade a resistirem e frearem a atuação
dos protestantes por isso era relevante agrupar o maior número possível de católicos e tentar
restaurar a Conferência de São José, no entanto não conseguimos documentos atestando se
essa Conferência foi realmente reaberta. O discurso escrito no jornal evidenciou o conflito
existe entre protestantes e católicos, inclusive, o uso da caridade para manter fiéis.
Na notícia, o protestantismo apareceu desqualificado em detrimento de uma suposta
superioridade das doutrinas católicas. Os católicos feirenses posicionaram-se diante da
presença de protestantes na cidade e da ameaça que poderiam trazer para a hegemonia
católica. A respeito desse conflito entre católicos e protestantes, Elizete da Silva argumentou:
A Igreja Católica reagiu de forma contundente, colocando-se como a religião dos brasileiros e o protestantismo como seita estrangeira e adventícia. No
que pese o ressentimento da hierarquia católica, magoada com a liberdade
religiosa que a República instalou, de fato, o estrangeirismo do protestantismo brasileiro era algo em visível.171
Certamente, a notícia publicada em 1898 pelo periódico Gazeta do povo referia-se ao
presbiteriano Reverendo George Chamberlain residente em Feira de Santana no final do
século XIX, o ano de 1898 coincidiu com data na qual o pastor foi na cidade. De acordo com
170 BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 59. 171 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira
de Santana. Feira de Santana: UEFS. 2010, p.48
78
os estudos de Elizete da Silva, George Chamberlain viveu na cidade entre 1896 e 1899. Sobre
o período de passagem do pastor pela cidade, a autora salientou:
A Igreja Presbiteriana do Brasil só estabeleceu uma Congregação em Feira
de Santana na segunda metade do século passado, porém o esforço evangelístico foi promovido desde o final do século XIX. Em 1898, o
Reverendo George Chamberlain distribuía bíblias e folhetos evangélicos e
realizava cultos públicos172.
O noticiário permitiu verificar a proximidade do Cônego Moysés Gonçalves Couto
com a Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo e a sua indicação para ser presidente de
honra da Conferência que os confrades feirenses pretendiam reabrir. A nota do Jornal nos deu
indícios que para ser presidente de honra da Sociedade de Vicente de Paulo deveria ser bom
católico, possuir uma condição econômica elevada ou possuir algum cargo dentro da Igreja
Católica como o Padre Moysés Gonçalves Couto. O vigário Moysés Gonçalves do Couto
também participava da Irmandade de São Benedito, seu nome consta, no Termo de
compromisso, na relação de membros componentes da confraria “Consistório da Capella de
N. S. dos Remédios da cidade de Feira de Santa’Anna, 21 de maio de 1903. O Vigário,
Moysés Gonçalves do Couto. Izidoro Pinheiro da Silva, (P). Felippe Fernandes Ribeiro, (VP.)
[...]”173.
Na condição de integrante da hierarquia da Igreja Católica, Moysés Gonçalves Couto
possuía um capital simbólico na sociedade feirense. Com a análise do inventário do seu
genitor constatou-se que o clérigo era oriundo de uma família com posses na cidade, ou seja,
possuía recurso financeiro. Foi deixado para o vigário e demais herdeiros metade dos
pertences dos pertences do seu pai e uma quantia em dinheiro, pois a outra metade
representava a herança da sua mãe falecida alguns anos antes. Além de bens como casas,
fazendas em Feira de Santana e móveis, os filhos receberam uma quantia considerável em
dinheiro.
1910
José Gonçalves do Couto- Falecido
Herdeiros: Conego Moysés Gonçalves do Couto, Romualdo Gonçalves do Couto, Hemeterio Moreira Leite, Ermijidio Gonçalves do Couto, Doutor
João Gonçalves do Couto, Ventine Gonçalves da Silva Couto, Antonio
Gonçalves do Couto, Maria Gonçalves da Silva Couto. Descrição e avaliação dos bens
Parte de uma casa na Villa de Igrapicena [...] no valor de um conto e
duzentos mil reis 1:200.
172 SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira
de Santana. Feira de Santana: UEFS. 2010, p. 164. 173 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903. A sigla (P) simboliza o cargo de presidente e
(VP) vice -presidente da Irmandade de São Benedito.
79
Uma casa para armação de negócio em chão próprio na Villa de Igrapicena a
Praça Carlos Gomes... avaliada em trezentos e cinqüenta mil reis 350.
Duas pequenas casas, já deterioradas em chão próprio e sem quintal em Villa de Igrapicena a rua Dr. Manoel Victorino [...] avaliadas por cento e
cinqüenta mil reis 150.
Uma fazenda cacaueira e outras árvores frutíferas com engenho de ralar
mandioca [...] na Villa Igrapicena em frente a estrada Geral do Sul...avaliada por um conto e trezentos mil reis 1:300.
Parte de casa na Rua 12 de março [...] na Villa Igrapicena avaliada em cento
e cinqüenta mil reis 150. Uma fazenda de cacaueiros e cafeeiros [...] na Villa Igrapicena em frente a
Estrada de Santana [...] avaliada em trezentos mil reis 300.
Cem braçadas de terras no centro da Villa de Igrapicena [...] avaliada por
cem mil reis 100. Quinze palmos de terras na Villa de Igrapicena [...] avaliados em trinta mil
reis 30.
Quinze palmos de terras na Villa de Igrapicena [...] avaliados em vinte mil reis 20.
Trezepalmos de terras na Villa de Igrapicena [...] avaliados em vinte mil reis
20. Quinze palmos de terras na Villa de Igrapicena, rua Pernanbuco [...]
avaliados por quinze mil reis 15.
Dinheiro em deposito na Caixa Econômica Federal, da capital do estado da
Bahia [...] no valor de dois contos e cem mil reis 2:100.174
A atuação da Sociedade de São Vicente de Paulo de Feira de Santana teve um papel
semelhante ao encontrado pela Sociedade de São Vicente de Paulo em Itabuna. Adriana da
Silva destacou a ineficiência do Estado e a carência no âmbito social destacando a atuação e
atribuições dadas a autora destacou:
Foi assim que no período de 1920 a caridade ligada à Igreja Católica, em
especial, à Sociedade São Vicente de Paulo, predominou entre senhoras e
senhorinhas ricas da cidade. A dinâmica de sociabilidade e lazer estava
estreitamente vinculada aos eventos religiosos. Em uma ou outra ocasião se envolviam com as festividades profanas, como carnaval e mi-carême. [...].
Ademais, a caridade não havia ganhado um caráter estatal. Como já foi
mencionado, as políticas sociais de Estado eram efêmeras. A Igreja e as famílias ricas assumiam o papel do assistencialismo, em especial, nos
redutos do interior do país.175
A prioridade da Conferência feirense era atender a população mais humilde.
Provavelmente, a Sociedade de Vicente de Paulo de Itabuna recebeu influências e usufruiu
das experiências da Sociedade de Vicente de Paulo fundada em Feira de Santana, dado que a
instalação desta no território feirense se deu por volta do final do século XIX. Porque de
acordo com os estudos de Adriana Silva, a Sociedade de São Vicente de Paulo instalou-se em
174 Inventário de José Gonçalves do Couto1910. Estante:05, Caixa:129. 175 SILVA, Adriana Oliveira da.Damas da Sociedade: Caridade, Política e Lazer entre as mulheres de Elite de
Itabuna (1924-1962).. Dissertação (Mestrado em História) (1924-1962). Feira de Santana: UEFS, 2012, p. 78.
80
1913 “A Igreja Católica, através da Sociedade São Vicente de Paulo, criada em novembro de
1913, foi uma das precursoras no trabalho caritativo.”176
A dissertação de Adriana da Silva destacou, ainda, as prováveis articulações e trocas
de experiências por parte dos vicentinos no Brasil, uma vez a autora destacou a fundação da
Santa Casa de Misericórdia em Itabuna, mas atrelada a mesma estava a Sociedade de Vicente
de Paulo. Um ponto importante para analisar foi a presença do Monsenhor Moysés Gonçalves
do Couto, membro da Irmandade de São Benedito e vigário da cidade de Feira de Santana no
início do século XX. Certamente, conviveu e fez parte do projeto vicentino feirense e
contribuindo, através da bagagem de conhecimento, para a instalação da Santa Casa em
Itabuna. A respeito disso de Monsenhor Moysés Gonçalves do Couto, Adriana da Silva
destacou:
O projeto de fundação da Santa Casa de Misericórdia em Itabuna foi
articulado entre a “Irmandade da Misericórdia”, criada pelo Monsenhor Moysés Gonçalves do Couto, e os membros das elites locais. O passo
fundamental para a consolidação desse projeto foi a doação do terreno para a
construção da Santa Casa em Itabuna.177
Ao discorrer sobre o cotidiano da classe dominante de Itabuna, cidade baiana, Adriana
Silva salientou que a filantropia, era utilizada por estas, para obter mais notoriedade na
sociedade. A autora frisou:
Não só foi possível camuflar astutamente os interesses de status e a dominação política por meio da filantropia, como angariar mais estima das
camadas subalternizadas. De um modo geral, a busca por um novo padrão de
convivência social fez surgir, em Itabuna, uma “economia da caridade”,
conjunto de ideias e práticas assistencialistas que associavam formal e informalmente iniciativa pública e privada em torno das resoluções dos
problemas sociais, identificados com o quadro mais geral de miséria,
mendicância e doença que assolava parte dos segmentos empobrecidos e se espalhava pelo cenário urbano.178
Em Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX, existiam algumas regiões
da cidade conhecidas por ter uma concentração maior de pessoas das camadas populares.
Reginilde Santa Barbara ao discutir as sociabilidades das lavadeiras feirenses sinalizou alguns
desses pontos, os registros da autora destacam o bairro Taque da Nação, local no qual
moravam a maioria das lavadeiras da cidade, em razão de ter fontes de água e por isso ter uma
circulação elevada de pessoas. Reginilde Santa Barbara salientou:
176 SILVA, Adriana Oliveira da.Damas da Sociedade: Caridade, Política e Lazer entre as mulheres de Elite de
Itabuna (1924-1962). Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012, p 57. 177 Idem p.60. 178 Idem, Ibidem.
81
[...] passavam com diferentes objetivos a cumprir no centro ou na periferia da
cidade e convergia também uma outra diversidade de indivíduos que
convergiam ao Tanque dirigiam-se afim de utilizar-se de água para o uso doméstico, comercial e tantos outros. Dentre esses freqüentadores
encontravam-se os moradores da região em busca de “água para uso”, os
aguadeiros com potes, barris e animais, e as lavadeiras que permaneciam por
mais tempo, e em muitos momentos era o grupo que mais se utilizava daquele espaço179.
De acordo com Reginilde Santa Barbara, a renda das lavadeiras oriunda das lavagens
de roupa era pequena, principalmente durante o inverno, por conta disso os rendimentos eram
complementados com outros serviços como “[...] faxinas nas casas de patroas, venda de
quitutes e artigos alimentares em geral eram outras atividades realizadas periodicamente por
aquelas lavadeiras para complementar a renda [...].180
Clóvis Ramaiana Oliveira ao debruçar-se sobre os poemas do feirense Aluísio
Rezende conseguiu identificar que o subúrbio de Feira de Santana era povoado por pessoas
carentes e na sua maioria negras181. O historiador utilizou os termos “Negros subúrbios” para
fazer alusão à cor das pessoas dessas regiões. Eram caracterizados enquanto subúrbios da
cidade: Ponto Central, Baraúnas, Queimadinha, Alto do Bonfim, Alto do Cruzeiro e Campo
Limpo 182 . Como foi visto no capítulo anterior, alguns membros da Conferência de São
Vicente de Paulo, a exemplo de, João Batista da Silva morador do Bairro Sobradinho, Pedro
Ribeiro da Costa morador do bairro Pampalona, João Antonio Maia morador da
Queimadinha, Leocádio Pereira Sobral morador do bairro Pedra do Descanso e Florentino
Martins morador do bairro Tomba. 183Devido ao crescimento urbano de Feira de Santana,
alguns desses bairros, atualmente, não são considerados subúrbios, mas são marginalizados
socialmente por ainda terem um grande número de moradores empobrecidos e negros, tal
como, o bairro da Queimadinha.
Muitos desses moradores sobreviviam de trabalhos, muitas vezes, associados a feira
livre da cidade. Quanto a algumas das funções ocupadas pelos trabalhadores pobres, Mayara
Silva sublinhou a profissão de doméstica como mais comum e entre os homens:
Entre os homens artistas [...] padeiros, maquinistas, empregados no
comércio, ganhadores, jornaleiros, magarefes, soldados, alguns formalmente
179 SANTA BARBARA, Reginilde do Nascimento. O caminho da autonomia na conquista da dignidade:
sociabilidades e conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana- Bahia (1924-1964). Dissertação (Mestrado em
História). Salvado. UFBA, 2007, p.76-77. 180 Idem, ibdem, p. 83. 181 OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos
em Feira de Santana (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Brasília, UNB, 2011, p.221. 182 Idem. p. 188. 183 Lista de folhas avulsas com o nome e endereços de alguns membros da Conferência de São Benedito da
Sociedade de Vicente de Paulo.
82
empregados e outros, que arriscavam a sobrevivência nas ocupações
constituídas nas demandas da feira semanal, ou dos estabelecimentos
comerciais que se multiplicavam nas artérias centrais da cidade.184
Em Feira de Santana, as práticas filantrópicas representadas pelas visitas a Santa Casa
de Miséricórdia, doações em dinheiro para enfermos e auxílio financeiro para a Escola
Noturna da Sociedade de Vicente de Paulo, apresentaram-se enquanto estratégia para homens
e mulheres alcançarem capital simbólico, a exemplo, Geminiano Alves Costa, Albertina
Motta e Leolinda Bacelar.
A tabela abaixo destaca os valores em réis arrecadados nos três primeiros anos de
funcionamento da Conferência, ou seja, entre 1903 a 1906. Os confrades da associação eram
responsáveis por arrecadar dinheiro para a manutenção das atividades e visitas ao Hospital da
Santa Casa de Misericórdia, auxílio financeiro a população carente de Feira de Santana e a
contribuição mensal para o custeio da Escola Noturna da Sociedade de Vicente de Paulo. A
comparação da tabela possibilitou perceber que em 1903, ano de fundação da Associação,
foram reunidas as maiores somas de dinheiro e a partir do final do segundo semestre de 1904
houve um decréscimo na arrecadação de valores, provavelmente, trouxe dificuldades para o
andamento dos projetos definidos pela Conferência. No primeiro capítulo, mencionamos
como um dos motivos para a crise financeira da Conferência, respaldada pela pesquisa nas
Atas, que o descomprometimento dos membros pôde ter ocasionado dificuldades internas.
Tabela 03- Informações retiradas das Atas da Conferência da Sociedade de Vicente de Paulo entre 1903 e 1906.
184 SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres de Feira de Santana 1890-1930.
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012. p. 69.
Mês/ano Valor em réis
doado
10/1903
12/1903
04/1904
09/1904
03/1905
09/1905
02/1906
05/1906
1400
4910
5900
320
340
3240
2460
210
83
Destacamos na tabela, de acordo com os dados retirados das atas da Conferência
Sociedade de Vicente de Paulo, os meses e anos em que as arrecadações em dinheiro por parte
confrades alcançaram o maior e o menor valor. No ano de 1903, o maior valor arrecadado
4910 reis e o menor 1400 reis. No ano de 1904, o maior valor encontrado 5.900 reis e o menor
320 reis. Em 1905, o maior valor 3240 reis e o menor valor 340 reis e, em 1906, a maior
quantia 2460 reis e a menor 210 reis. Certamente, os meses e anos em que as doações em
dinheiro foram menores prejudicaram o andamento das atividades na Conferência.
Semanalmente, um dos confrades ficava responsável por arrecadar verbas e no dia da reunião
os outros confrades também contribuíam. Além do confrade responsável por angariar recursos
para a Conferência, todos os membros independentemente da classe social tinham que
colaborar com as doações, pois esse era um dos pré-requisitos para ser aceito na associação.
O confrade Francisco José da Silva recolheo a bolsa com mil trezentos e
sessenta reis, fez-se a colheta entre os de quatro centos e sesenta reis, fez-se a distribuição com as socorridas de mil oitocentos e vinte reis, forão
propostos para subscritores pelo confrade Honorato Freitas o Senrs
Innocencio dos Santos Oliveira, João Manuel do Nascimento, Tertuliano
Martins de Oliveira, José Pereira dos Santos, João Borges de Jesus, Arnaldo Urbano da Silva, Vitor Manuel da Costa, Dª Bernadina Francisca da Silva e
Maria Senhorinha de Santana.185
Consoante as fontes, os membros eram incumbidos de angariar recursos para a
caridade, ao discorrer sobre um destes momentos, o Presidente da Conferência Honorato
Alves Freitas, relatou uma de suas experiências para solicitar dos membros a permissão para
auxiliar a desvalida Leonidia:
[...] sendo encarregado da bolsa e tendo occazião de sair angariando esmolas,
encontrou pelas ruas, quase em estado de morrer de fome a desvalida Leonidia que a socorreu com a quantia de quinhentos reis, e que apresenta
esta mesma desvalida para que fosse socorrida que foi de accordo da meza
mandando dar a mesma a quinhentos reis semanal por esta conferencia [...]186
Em alguns casos as ações filantrópicas da Conferência ultrapassavam o território de
Feira de Santana, foram encontradas em algumas Atas a solicitação de custeio da viagem para
tratamento de enfermidade no Hospital da Caridade localizado em Salvador. Na ata de 04 de
outubro de 1903, o Presidente da Confraria de Nossa Senhora de Lourdes, recorre aos
confrades da Sociedade de Vicente de Paulo para encaminhar um doente para o Hospital da
Caridade em Salvador, em algumas atas da Conferência encontrou-se membros da Confraria
de Lourdes participando das reuniões. Era comum ter irmãos que integravam mais de uma
185 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, 20/03/1906. 186 Idem, 12/02/1905.
84
irmandade, não podemos descartar a possibilidade de haver um interesse desse irmão de
desejar participar da Sociedade de Vicente de Paulo. Além disso, podemos concluir a
existência de uma articulação e uma rede de solidariedade entre as confrarias de Feira de
Santana e a proporção da importância e visibilidade da Conferência de São Vicente de Paulo
no espaço feirense nas primeiras décadas do século XX na cidade. Conforme descreve a Ata:
[...] foi entregue ao Prezidente vindo da Confraria de N. Senhora Lourdes uma subscrição pedindo para que esta conferência auxiliasse ao desvalido
Francisco Manuel de Almeda, a fim deste seguir para a capital onde vai
recolher-se ao Hospital de Caridade, o senhor Prezidente ordenou ao tezoureiro que de comformidade com o dinheiro que existisse no cofre desta
conferencia auxilia-se o que fosse possível [...]187
2.3 Mulheres feirenses e filantropia
Entre o final do século XIX e início do século XX, mundialmente as mulheres
estavam lutando para ocupar novos espaços os quais lhes eram negados há séculos. Para a
maioria das mulheres, principalmente, as da classe dominante a circulação estava restrita aos
espaços privados. No campo religioso as mulheres também questionaram os privilégios
masculinos, em detrimento da subalternização em que viviam em diversas comunidades
religiosas.
Na ata de 23 de agosto de 1903, foram propostas para ingressarem na Conferência de
São Vicente de Paulo algumas senhoras e demonstrando mais um vez que o espaço da
confraria também era freqüentado pelas mulheres que freqüentavam e participavam
ativamente das atividades promovidas pela Conferência. Entre as atas pesquisadas não se
encontrou nenhuma mulher proposta para o cargo de sócia ativa, as mulheres sempre foram
apresentadas para irmã protetora ou subscritora. Importante ressaltar que apenas os homens
propunham os novos irmãos ou irmãs. As atividades filantrópicas representavam para as
mulheres uma maneira de por em prática os princípios da caridade cristã.
Pelo confrade Bertolino fouram propostas para Irmãs protetoras as Senhoras
Maria Umbelina de Jesus, moradora do Bonfim, Adelaide Ferreira de Freitas, Adelina Maria da Conceição, Alta Maria Umbelina de Jesus, Fausta
Maria do Carmo. Pelo confrade Pedro Neponuceno foi proposto para sócio
subscriptor o Senr. Alfredo Mansão, pelo confrade Demétrio foi proposta para Irmão protetora a Senhora Cândida de Jesus, foi tão bem proposto para
187 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo 04/10/1903
85
sócio subscriptor o Senr. Avelino Ferreira Leite pelo confrade Manoel
Pinheiro correo a bolsa entre os confrades [...]. 188
As mulheres feirenses não destoaram desta posição e encontraram na filantropia uma
das suas áreas de atuação, para as mulheres eram reservados apenas os espaços privados do
convívio familiar, as práticas filantrópicas foram uma formar de adentrar nos espaços, como
destacou Cristiana Ramos:
Desde o final do século XIX, em Feira de Santana, o modelo defendido
como próprio para o exercício da “verdadeira feminização” inscreveu-se em práticas da piedade e caridade, calcadas nos princípios de honra e pudor, ao
tempo que práticas religiosas deveriam povoar toda a existência da mulher
honrada, pois residia aí a formação cristã das almas femininas, onde o
modelo de mulher devia estar exclusivamente pautado nos papéis de esposa e de mãe.189
A classe dominante recorria a diversas estratégias para manter o poder político,
religioso, social e cultural. Principalmente, políticos recorriam a associações religiosas para
expandir sua notoriedade, por isso a filantropia apresenta um ambiente propício como uma
forma de ampliar e manter a visibilidade na sociedade, a exemplo, o Major Cicero Carneiro, o
Coronel Augustinho Fróes da Mota, Geminiano Alves da Costa, o Vigário Moysés Gonçalves
do Couto e outros políticos feirenses participantes da Conferência de São Vicente de Paulo, da
Irmandade de São Benedito e de outras agremiações religiosas da cidade.
Para os grupos mais abastados frequentar uma confraria representava ter uma
proximidade e acessibilidades a camadas da sociedade as quais não faziam parte do seu
cotidiano, poderia ser um ambiente para alcançar capital político. Fazer parte de uma ou mais
associações religiosas, numa cidade hegemonicamente católica, era uma boa tática para
multiplicar votos. Assim como homens e mulheres de famílias com posses iam buscar
notabilidade, os membros com o poder aquisitivo pequeno também disputavam visibilidade,
pois ter o nome atrelado a uma congregação religiosa com uma prática filantrópica constante
representava um papel importante na sociedade feirense.
A assistência espiritual e financeira à população empobrecida era um recurso para
evitar sublevações e, inclusive, conservar uma possível submissão dos grupos marginalizados
e afastá-los das principais vias da cidade e Feira de Santana não apresentou um contexto
diferente, pois não era conveniente para as famílias ricas uma visão displicente da cidade. A
188 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 23/08/1903. 189 RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade Princesa: mulheres
de elite, caridade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus. UNEB,
2007, p. 62.
86
filantropia representou um espaço de perpetuação do poder. Doar dinheiro para mulheres e
homens poderia, por exemplo, evitar roubos por parte dos homens e das mulheres o
meretrício. Por isso, o assistencialismo era relevante e constantemente discutido em todas as
reuniões da Conferência de São Benedito como verificou-se nas atas “O confrade Antonio
Angelo fez a leitura espiritual, fei-se a distribuição com a socorrida Maria Thomzia de Freitas
com quinhentos reis, Rofina Rosa da Silva quinhentos reis socorreo-se ao cego João de tal
com quinhentos reis [...](sic)”.190
A cerca do assistencialismo enquanto instrumento de dominação por parte dos grupos
mais abastados de uma sociedade, Aline dos Santos ao analisar as sociabilidades Cine-Teatro
Santana, local de realização de várias festas beneficentes da cidade, a autora destacou:
O Cine-Teatro Santana foi um espaço que carregava a representação de ser
um lócus difusor de modelos a serem seguidos, e evidentemente que para os intelectuais e políticos que fomentavam tais eventos, de disseminar suas
ideias, seus modelos. Projetavam-se, assim, diante da sociedade feirense,
pois estas pessoas aumentavam seu carisma, ou seja, lhes rendiam um capital simbólico89, que se desdobravam nas mais diversas formas, pois estes
poderiam estender ainda mais os seus campos de influência.191
Originalmente, na ata de fundação da Confraria de São Benedito da Conferência da
Sociedade de Vicente de Paulo de 21 de junho de 1903, não constava o nome de nenhuma
mulher, no entanto, paulatinamente, as mulheres começaram a ser indicadas e propostas para
fazerem parte da Conferência. Em 16 e 23 de agosto de 1903 as primeiras irmãs foram
apresentadas e aceitas pelos os outros membros Pedro Neponuceno, Demétrio e Bertolino.
Foram elas: Maria S., Francisca Maria Victoria, Maria Umbelina de Jesus, Adelaide Ferreira
de Freitas, Adelina Maria da Conceição, Fausta Maria do Carmo e Candida Maria de Jesus.
Ao analisar o novo perfil no âmbito da educação, cultura e lazer das mulheres da elite
baiana, Marcia Leite ressaltou as diversas estratégias utilizadas com o intuito de garantir mais
liberdade e independência, visto que as mulheres das camadas populares muitas vezes tinham
de ir trabalhar nas ruas com a finalidade de garantir o sustento da família. A autora frisou:
Para as mulheres das camadas intermediárias e abastadas, a inserção no
mundo do trabalho e da rua ocorreu de modo diferente. São outros os
motivos que levaram senhoras e senhorinhas à esfera pública. O desenvolvimento de uma educação formal, a participação mais ativa na
família, o ingresso em profissões liberais, a restrição à prática de
enclausuramento concorreram para essas mulheres ingressarem com mais
intensidade no domínio público. Já vimos o quanto foi difundida a elevação
190 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo 11/06/1905 191 SANTOS. Aline Aguiar. Diversões e civilidades na Princesa do Sertão 1919-1946. Dissertação (Mestrado
em História) Feira de Santana. UEFS, 2012, p.133.
87
intelectual da mulher nesse contexto marcado por idéias de progresso e
modernidade. A presença feminina em ocupações \ como a filantropia e o
assistencialismo social, na literatura, no magistério, nos divertimentos, nas compras, evidencia formas de sociabilidade que servem para avaliarmos as
suas ações e o significado dos seus papéis.192
Estas novas formas de sociabilidades eram direcionadas para as mulheres da classe
dominante. Sobre esses novos ambientes buscados, no contexto da sociedade feirense,
Cristiana Ramos frisou:
Contudo, a mulher feirense ganha o espaço público. A idealidade de reclusão
não era mais modelo de hábitos educados, mas fazia-se urgente um
redimensionamento das políticas e discursos de controle sociais, baseados em parâmetros burgueses definidores da modernidade e da civilização.193
As mulheres católicas de Feira de Santana, nos primórdios do século XX, estavam
articuladas em torno do Catolicismo, doutrina religiosa predominante na cidade, a fim de
ampliar os locais de convívio e muitas delas participavam de associações religiosas da cidade
como a Santa Casa De Misericórdia, Confraria de Nossa Senhora de Lourdes, Confraria
Nossa Senhora do Rosário, Irmandade de São Benedito e Conferência de São Vicente de
Paulo.
Segundo Cristiana Ramos, houve em Feira de Santana uma organização das mulheres
em torno da religião para conquistar novos espaços para atuarem, por isso estavam presentes
em muitas associações religiosas. Ao analisar essas novas estratégias de sociabilidades,
produzidas pelas mulheres feirenses através do assistencialismo, a historiadora salientou:
O modo em que às mulheres de elite e as das camadas populares construíram
suas sociabilidades não se processou de forma homogênea e linear, mesmo
frente às pressões impostas pelo ideal civilizador da elite local, e apesar de todas as tentativas de silenciar outras falas polifônicas da história feirense,
associado à preocupação do poder público local de retirar da cena pública
sujeitos indesejados à nova ordem.194
Como foi dito no capítulo anterior, algumas mulheres das camadas mais abastadas da
sociedade feirense faziam parte da Confraria de São Benedito da Sociedade de Vicente de
Paulo, a exemplo de, Leolinda Bacelar e Albertina Motta, filha de, Agostinho Fróes da Motta,
como verificamos no capítulo anterior, era um dos homens mais ricos de Feira de Santana 192 LEITE, Marcia Maria Barreiros. Educação, Cultura e Lazer das mulheres de elite em Salvador.
Dissertação (Mestrado em História). Salvador: UFBA, 1997, p. 111-112. 193 RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade Princesa: mulheres
de elite, caridade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus. UNEB,
2007, p. 42. 194 Idem.
88
entre o fim do século XIX e início do XX. A análise do inventário do pai de Leolinda Bacelar
revelou o tamanho da sua fortuna:
1932- Partilha amigável
Falecido: Camillo Mello Lima Requerente: Leolinda Bacelar de Mello Lima
Partilha amigável, que por instrumento particular fazem entre si Leolinda
Bacelar de Mello Lima e Walter Erisman que por cabeça de sua mulher Georgina Mello Erismam, ambos representados por seu advogado, conforme
procuração junto aos auto do inventário e bens deixados por Camillo de
Mello Lima marido e sogro dos contractantes.195
O trecho do inventário possibilitou conhecer um pouco mais sobre a árvore
genealógica da família de Leolinda Bacelar, com destaque para sua filha Georgina Erismann,
assim como sua progenitora tornou-se professora. Além disso, Georgina era musicista, poetisa
e foi a autora do hino à cidade Feira de Santana. A discrição dos bens deixados por Camillo
Mello Lima, genitor de Leolinda Bacelar colaborou para identificar o perfil social de alguns
dos componentes da Conferência. Abaixo, a lista do patrimônio:
Quinhão que se faz ao herdeiro Walter Erismann por cabeça da sua mulher Professora Georgina de Mello Lima de sua legitima paterna que é da quantia
de seis contos setecentos e noventa e cinco mil reis.
Haverá vinte camas avaliadas pela quantia de vinte mil reis cada e todas por
quatrocentos mil reis. Haverá dez mesas grandes e pequenas avaliadas a vinte mil cada e todas por duzentos mil reis. Haverá cincoenta cadeiras
avaliadas a cinco mil reis cada e todas por duzentos e cincoenta mil reis.
Haverá um balcão avaliado por cem mil reis. Haverá trese armações para negocios avaliadas por duzentos mil reis todas. Haverá quatro armários
avaliados a vinte mil reis cada e todos por oitenta mil reis. Haverá vinte
lavatorios avaliados a cinco mil reis cada e todos por cem mil reis. Haverá dois relógios de paredes avaliados a trinta mil reis cada e ambos por sessenta
mil reis. Haverá um prédio situado à rua Conselheiro Franco, número trinta e
dois, nesta cidade, com duas portas e quatro janelas de frente no andar
superior, avaliados com todas suas dependências e quintal edificado em terreno foreiro a municipalidade por doze contos de reis.196
A justificativa para uma quantidade elevada móveis como bens se deve ao fato da
família de Georgina Erismann ser dona de uma pousada em Feira de Santana.197
A cerca da posição social da família de Georgina Erismann, sobrenome de casada,
Aldo Morais Silva a classificou no rol das mais tradicionais de Feira de Santana entre final do
século XIX e início do XX:
195 Inventário Camillo Mello Lima. Estante: 04, Caixa: 98. 196 Inventário Camillo Mello Lima. Estante: 04, Caixa: 98. 197 SILVA, Aldo José Moraes. Georgina Erismann e o Hino à Feira: uma análise da obra e os seus sentidos, Feira
de Santana. 2016.
89
Batizada com o nome Georgina de Mello Lima, nasceu em Feira de Santana
(BA), EM 27 de janeiro de 1893, filha de Camilo de Mello e Lima e
Leolinda Bacelar de Mello e Lima. Integrante de família tradicional deu início a sua formação musical em casa, com sua mãe, pianista e professora
municipal.198
O nome de Leolinda Bacelar também é encontrado em mais um inventário em 1933,
desta vez recebeu a fortuna deixada por Libania Pedreira Gomes Pereira, sua prima, visto que
a mesma não tinha herdeiros diretos. Os bens deixados por Libania foram mais numerosos em
comparação a herança de Camillo, como demonstrou o testamento:
Joias: Um anel de brilhantes bom, um par de argolas com broche, um relógio
dourado, uma coroa para santa com pequenas coroas de brilhantes, um
adereço composto de uma volta e broche de ouro, um adereço composto de uma pulseira, um par de argolas e um broche de ouro com pedras de
brilhantes, uma volta e uma cruz de ouro, um par de argolas de ouro para
criança, um par de brincos com pedras verdes, um par de botões de ouro, um punhal com incrustações de ouro no cabo, uma caçamba de setal branco para
moça.
Gabinete de entrada: uma mobília typo austrico, usada com um sofá; e sete cadeiras, uma mesinha redonda, um porta chapéu.
Sala de jantar: uma mobília composta de um sofá e vinte cadeiras, um
espelho grande, três espelhos menores, duas banquetas com pedra mármore,
oito quadro de paredes [...] Quarto de alcova: uma cama grande boa com lastro de palha, dois guarda
vestidos, um toillete velho sem espelho, um bode antigo, uma cama
desarmada. Quarto junto a sala de jantar: dois armários grandes, um armário pequeno,
uma cama desarmada em bom estado, uma cama sem lastro, um móvel com
duas gavetas, [...] Capella: Uma imagem grande de N. S. da Conceição, quatro imagens
pequenas, um crucifixo em bom estado, seis quadros de santos de parede,
quatro castiçaes, uma pia pequena na parede para aqua benta, um jarro e uma
bacia de louça [...] (sic)199
A transcrição do inventário tornou-se longa, contudo necessária para evidenciar a
categoria social na qual Leolinda Barcelar esteve inserida, isto é, na classe mais abastada da
sociedade feirense. Devido a grande quantidade de bens herdados, selecionei apenas alguns
como notou-se.
Não foi possível definir a classe social de todas as consocias, apenas de algumas
mulheres da classe dominante, mas não podemos descartar que dentre os diversos nomes de
mulheres encontrados nas atas não houvesse mulheres das camadas populares.
198 SILVA, Aldo José Morais. Georgina Erismann e o Hino à Feira: uma análise da obra e os seus sentidos, Feira
de Santana. 2016. p. 10 199 Inventário Libania Pedreira Gomes Pereira. Estante: 04, Caixa: 101
90
As irmãs que participaram da Conferência de São Vicente de Paulo foram relevantes
para o funcionamento das atividades cotidianas da Conferência, assim como os homens, as
mulheres participavam das reuniões, faziam visitas aos enfermos do Hospital da Santa Casa
de Misericórdia e contribuíam financeiramente para o andamento das atividades.
2.4 Conferência e Escola Noturna para pobres da Sociedade de São Vicente de Paulo
Como dissemos anteriormente, a filantropia praticada pelos confrades da Conferência
da Sociedade de Vicente de Paulo de Feira de Santana representou, não apenas um espaço
para exercer solidariedade, com a contribuição para a manutenção da Escola Noturna para
Pobres da Sociedade de Vicente de Paulo.
Na ata de 15 de novembro de 1903, podemos destacar as principais atividades da
Conferência de São Vicente de Paulo, as doações para amenizar o sofrimento dos
necessitados, as visitas para o consolo espiritual dos enfermos do Hospital da Santa Casa de
Misericórdia e o subsídio no valor de três mil reis para colaborar na continuidade da Escola
Noturna para Pobres da Sociedade de Vicente de Paulo.
O Presidente ordenou, para que seja socorrido semanal com a quantia de um mil reis, o desvalido João Francisco Ribeiro, sendo encarregado para visita
lo o confrade Eugenio Jozé da Silva, para pagar foi authorizado o
thezoureiro a mensalidade de três mil reis para a aula noturna de São Vicente de Paulo, o presidente declarou que as visitas aos enfermos da Santa Casa
continuarão no mês vindouro[...]200
No Brasil, alguns estudos sobre escolas elementares, têm demonstrado a relevância da
contribuição de irmandades negras religiosas nas instalações e manutenções destas. Além de
frisar, a participação de professores negros nestes processos. Feira de Santana nos primórdios
do século XX apresentou estas características, pois, possuía confrarias religiosas que
apresentam-se neste contexto.
Daiane Oliveira e Ione de Sousa ao se reportarem a Escola Noturna para Pobres da
Sociedade de Vicente de Paulo, como um novo projeto de escolarização na cidade de Feira de
Santana assinalou:
Isto posto, o objeto que aqui se amarra foi um modelo de letramento
diferenciado a partir de 1919 em Feira de Santana, primeiro por se tratar de aulas noturnas, o que era uma novidade para Feira de Santana, mesmo a
alfabetização de adultos não fosse novidade na Bahia desde o período de
200 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 15/09/1903.
91
1870, no caso de Feira de Santana foi uma novidade; depois pelo destaque
social do modelo de escola que se efetivou, uma escola voltada para
pobres.201
No entanto, as Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo
mostram que as primeiras doações a Escola ocorreram em 1903 e 1904, ou seja, a presença de
Escolas Noturnas em Feira de Santana era anterior a 1919. Os irmãos da Conferência de São
Vicente de Paulo, além de auxílio financeiro aos doentes e desvalidos, contribuíam
financeiramente para o funcionamento da Escola Noturna para pobres mantida pela Sociedade
de Vicente de Paulo. De acordo com a ata de 03 de agosto de 1903 da Conferência de São
Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, A Escola tinha como objetivo formar para as
primeiras letras, ou seja, a ler e escrever :
Disse mais o Senr. Prezidente ao tezoureiro Antonio Agnello Matta que de conformidade com a colheta que tem feito a bolsa desta confraria entre os confrades existentes, que formulasse um obulo, e passe as mãos do
prezidente do Conselho particular, em favor das aulas de primeiras letras S.
Vicente de Paulo.(sic)202
Ione Sousa, ao analisar o processo de escolarização para pobres no final do século
XIX, destacou o período de fundação das escolas noturnas na Bahia, os objetivos destas e seu
público alvo:
Em outubro de 1871 foram criadas na Província da Bahia para educação de
adultos, diversas escolas noturnas, todas de primeiras letras. O intuito que as
instituiu, conforme a Falla do presidente da Província, o desembargador João
Antonio Araújo de Freitas Henrique, realizada no ano posterior ao ato, possibilitar a freqüência às escolas daqueles que “deixaram de aprender na
infância” (sic)203
Segundo Maricélia dos Santos Cruz que estudou a História da educação dos negros
destacou:
Ao nos reportamos às práticas de escrita por negros no século XIX, torna-se
inevitável o estudo dos usos que se fazia desta prática no cotidiano das
confrarias religiosas, nomeadas de irmandades. As Irmandades foram
consideradas como espaços importantes da organização comunitária no contexto do Brasil colonial e imperial. Consistiram em entidades leigas de
caráter religioso que se agregavam nas igrejas católicas congregando seus
membros em torno de um santo de devoção comum, proteção mútua e
201 OLIVEIRA, Daiane Silva; SOUSA, Ione Celeste de Jesus. Uma Escola para a pobreza: o professor
Geminiano Alves Costa e a Escola para Pobres. CBHE. Cuiabá, 2013, p. 1-2 202 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. Ata nº06,
03/08/1903 203 SOUSA, Ione Celeste Jesus de. Escolas do Povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia – 1870 a
1890. Tese de Doutorado. São Paulo, 2006. p. 183
92
realização de obras caritativas. Essas entidades eram mantidas por
contribuição de seus membros e por doações de particulares, muitas vezes
contempladas em testamentos. 204
A Escola Noturna para Pobres de São Vicente de Paulo em Feira de Santana também
recebia irmãos da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo na
instituição que os mesmos colaboravam. Na ata de 28 de fevereiro de 1904,“O Prezidente fez
a leitura espiritual e enseguida propoz para aspirantes os allunnos da aula de São Vicente:
Justo Alves Boaventura, Constantino Santos, Durval dos Santos, João Evangelista dos
Santos(sic)”205.
Participar da Conferência poderia ser uma oportunidade para facilitar o acesso à
Escola Noturna, visto que no início do século XX não havia escolas em Feira de Santana e
muito menos que atendesse a população pobre, ou seja, a ata demonstrou que pessoas das
camadas populares também ingressavam e participavam da Conferência, o próprio nome da
Escola ressalta que ambiente escolar destinado para as pessoas pobres. Por Justo Alves
Boaventura, Constantino Santos, Durval dos Santos e João Evangelista dos Santos serem
alunos da Escola Noturna, a aprovação desses na Conferência poderia ser facilitada, pois foi
especificado que o grupo indicado para aspirantes eram alunos da Escola.
Assim como a Conferência de São Vicente de Paulo de Feira de Santana, outras
associações religiosas eram atreladas a escolas noturnas, a exemplo, da Irmandade de São
Benedito em Campinas no século XIX, como demonstrou José Pereira:
Na verdade o nome da entidade é Sociedade de Instrução de São Benedito, e
segundo seus estatutos, tinha como finalidade manter uma escola de instrução para os irmãos e filhos de irmãos da Irmandade de São Benedito. É
importante verificar não somente os filhos, mas os próprios os próprios
irmãos pretendiam ler e escrever.206
Os estudos mais recentes sobre irmandades, como este e o de José Galdino Pereira,
estão confirmando as hipóteses, referentes a participação de irmandades na educação dos
negros, levantadas por Luciano Farias Filho:
Saltemos, assim para uma segunda hipótese aparentemente plausível, uma
vez que ela nos remete a sólidas associações religiosas cujos traços podem
ser recuperados no século XVIII: são as irmandades de negros católicos.
204 CRUZ, Maricélia dos Santos. Uma abordagem sobre a História da Educação dos negros. In: ROMÃO,
Jeruse (Org.). História da Educação dos negros e outras histórias. Brasília: Ministério da Educação, 2005. p. 25-
26. 205 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo Ata nº
32,28/02/1904. 206 PEREIRA, José Galdino. Os negros e a construção da sua cidadania: estudo do Colégio São Benedito e da
Federação Paulista dos homens de cor- Campinas 1896- 1914: Campinas, 2001. p. 20.
93
Teriam elas exercido algum papel na educação dos negros brasileiros? Tal
hipótese foi amplamente difundida no Brasil em 1988, por ocasião do
Centenário da Abolição da Escravatura, momento em que teólogos e agentes pastorais negros buscavam recuperar o papel evangelizador da Igreja
Católica e sua ação na defesa dos oprimidos. Mas essas idéias como muitas
outras, precisam ser relativizadas e contextualizadas para que possa de fato,
avaliar seu potencial explicativo.207
As escolas elementares representavam espaços de mobilidade social, uma vez que
eram poucas as pessoas escolarizadas, ou seja, ler e escrever constituía um diferencial. Para os
membros da Irmandade de São Benedito, a oportunidade de alfabetização denotava chances
de projeção social. De acordo com Ione Sousa, a educação poderia ser uma forma de alcançar
melhores condições de vida, mas poderia ser utilizada para gerar trabalhadores disciplinados:
Essa escolarização visava criar um cidadão disciplinado, via a incorporação de um conjunto de representações sociais, entre outras a dignificação do
trabalho; o culto do amor a Pátria, configurada no Monarca e na presença da
sua efígie; a adoção e prática da religião católica, representada pelo
crucifixo. Em inúmeros ofícios de professores e inspetores litterarios/parochiais estes três objetos - o relógio de parede, o busto do
monarca e o crucifixo - encabeçaram os pedidos de utensílios escolares,
antes mesmo dos livros e demais materiais exclusivamente “didáticos”.208
Conforme o Livro de Matrícula da Escola para Pobres da Sociedade de Vicente de
Paulo datado entre 1904 e 1930, a mesma em 1915 era administrada pelo professor
Geminiano Costa, como dito no capítulo anterior, foi por no mínimo duas vezes presidente da
Irmandade de São Benedito. Em 18 de março de 1915, Cincinato Ricardo Franca209, professor
negro e abolicionista, esteve em Feira de Santana, visitou a Escola para pobres e parabenizou
o trabalho realizado por Geminiano Costa, o mesmo ressaltou, ainda, a posição de destaque de
Geminiano entre os professores baianos demonstrando confirmar a visibilidade do mesmo na
sociedade do período. No livro de matrículas da Escola Noturna para Pobres da Sociedade de
Vicente de Paulo, não constava os bairros onde residiam os alunos inviabilizando identificar
os principais bairros atendidos pela Escola, encontramos no livro apenas os nomes das mães e
dos alunos matriculados e as congratulações à Geminiano Costa pelo trabalho prestado na
Escola.
Vizitei hoje esta escola dirigida aos pobres dirigida pelo illustre preceptor Germiniano Alves da Costa cuja habilitação justifica o extraordinario
adiantamento em que se acham os allunnos cujo numero de trinta e
207 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliane Marta(orgs.).
500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 32 208 SOUSA, Ione Celeste J. de. Escolas do Povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia- 1870 a
1890. Tese (Doutorado em História), PUC, 2006. p. 224.
204 Livro de matricula da Escola Noturna para Pobres da Sociedade de Vicente de Paulo.
94
frequencia e quarenta e nove de matricula deixam bem claroo attestado de
seo desenvolvimento moral tal a ordem e respeito que encontrei, tudo
justificando a grandeza profissional do Mestre e dedicado pedagogo que honra a classe do professorado baiano.
Feira de Santana 18 de março 1915
Cincinato Ricardo Franca210
Como visto no capítulo anterior, Geminiano Alves da Costa, era professor e “homem
de cor”, como demonstra a Ata de eleição da Irmandade de São Benedito e as notas relativas a
Irmandade no Jornal Folha do Norte que apresentam o nome de Geminiano Costa
percebemos que mesmo possuía notoriedade na sociedade feirense das primeiras décadas do
século XX.
Sobre a atuação de Geminiano Alves da Costa como professor na cidade de Feira de
Santana, Daiane Oliveira destacou:
Geminiano Alves da Costa foi nomeado pelo Conselho Municipal de Feira de Santana professor da segunda escola do sexo masculino da cidade de
Feira de Santana em 31 de dezembro de 1895 para exercício no Distrito de
Bom Despacho. Doze anos depois foi transferido para assumir a segunda cadeira do sexo masculino da cidade de Feira de Sant’Anna em 1907 alguns
meses após o casamento com a filha do Major Cícero Carneiro da Silva,
também seu padrinho de batismo.211
Conforme Daiane Oliveira, a rede de solidariedade existente entre a família de
Geminiano Costa e a família de Major Cicero Carneiro da Silva, o possibilitou o custeio da
sua educação.
Apadrinhado por Cícero Carneiro da Silva, filho de José Carneiro da Silva,
família de homens de cor, que fazia parte da elite comercial de Feira de
Santana, como joalheiros, comerciantes de algodão e casas comerciais.
Infere-se que Geminiano Alves da Costa de 1867 a 1889, recebeu educação financiada por esta família212.
Essa proximidade entre Geminiano Alves Costa e Cícero Carneiro da Silva
demonstrou que ambos se conheciam antes mesmo integrarem a Irmandade de São Benedito e
já possuíam uma amizade solidificada.
Sobre professores negros na Bahia no princípio do século XX e seus meios de
ascensão social, José Augusto Ramos da Luz salientou:
210 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo Ata nº
32,28/02/1904. 211 OLIVEIRA, Daiane Silva. Instrução para pobres e negros em Feira de Santana: As escolas do Professor
primário Geminiano Alves da Costa (1890-1920). Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. 2016,
p.86. 212 Idem, Ibidem, p.85.
95
A presença de professores negros pode ter representado uma ruptura
relevante numa sociedade como a brasileira fortemente marcada pelo
preconceito racial que havia realizado a abolição da escravidão há apenas 30 anos. De igual modo, parece indicar que, principalmente negros, mas
também mulatos circularam em vários espaços sociais até então destinados à
elite, formando através, da docência das ações e/ou da produção intelectual,
gerações de futuros professores.213
José Pereira nas análises da sobre a Irmandade de São Benedito em Campinas também
registrou a atuação de um professor negro, José Francisco de Oliveira, no Colégio de São
Benedito em 1902:
Um professor negro, Francisco José de Oliveira, natural de Minas Gerais,
ex-seminarista, formado em magistério vindo de Ribeirão Preto onde
lecionava, passa pela cidade em visita. Na ocasião se hospeda com um negro de Francisco (Chico) Vilela, que era proprietário de um bar alcunhado
“fregue-moscas”, na rua sacramento, perto da matriz velha, este
estabelecimento era muito freqüentado por homens negros ligados à Irmandade de São Benedito, que ao descobrirem que o visitante era
professor tiveram a idéia de convidá-lo para criar uma escola para alfabetizar
os filhos de homens de cor da cidade. Aproveitando os fundo da Igreja de
São Beneddito, onde funcionava a Escola de música, iniciaram-se as músicas no mesmo ano, ficando assim fundado o Colégio de São Benedito.214
Segundo Atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, a
Escola sofreu alguns problemas, o município de Feira de Santana não estava colaborando com
o valor mensal destinado a escola:
O secretário leo um officio vindo do Prezidente do Conselho Particular, acompanhado de uma subscrição, para esta Conferencia auxiliar a Aula
Noturna de S. Vicente, visto não ter ainda a municipalidade contribuído como notara, em favor da referida aula o Prezidente submeteo essa
resolução ao parecer da conferencia, esta respondeo que em virtude do
numero de desvalidos socorridos por esta conferencia não poderia ser aceito
essa resolução, ficando o secretario autorizado de responder o officio.(sic)215
Por quais motivos a municipalidade de Feira não estava fornecendo as verbas para a
escola noturna? Poderia ser por perseguição política aos membros da Conferência ou por não
ter tanta relevância para os políticos. Provavelmente, a Escola Noturna para pobres ameaçava
a classe dominante feirense, visto que era um ambiente de ensino voltada para as camadas
populares da cidade. Ser alfabetizado, no início do século XX, representava poder,
213 LUZ, José Augusto Ramos da. A salvação pelo ensino primário: Bahia 1924- 1928. Feira de Santana:
UEFS, 2013. p. 87. 214 Apud PEREIRA, José Galdino. Os negros e a construção da sua cidadania: estudo do Colégio São
Benedito e da Federação Paulista dos homens de cor- Campinas 1896- 1914: Campinas, 2001, p. 25-26. 215 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 19/06/1904.
96
principalmente, por neste período votarem apenas as pessoas letradas. Segundo Maria Ferraz
Meneses, a relevância dos segmentos populares era tamanha que não havia explicitamente e
conscientemente posições questionadoras do que representava ser cidadão no Brasil da
Primeira República. A exigência de ser alfabetizado para exercer o sufrágio excluía grande
parcela da população pobre e negra, deixando-os de fora nas decisões políticas do País e,
consequentemente, da participação em cargos políticos.
[...] membros das classes populares na Bahia não só acreditavam no “papel
redentor” da escola, como lutaram por ela, tomando a iniciativa de criar classes escolares em suas organizações, para si e seus filhos. A tal ponto era
valorizada a instrução que não se encontra, nestas lutas ou pelo menos nos
registros que se fez delas, nenhuma posição contra a exigência da alfabetização para a cidadania ativa, da exclusão do analfabeto do direito ao
voto, pelo menos nesse período republicano [...], a ponto de que nos ocorre
pensar que este é um ponto em que os excluídos estiveram sob a hegemonia de quem os excluía ou, simplesmente, do instrumento de sua exclusão.216
A Escola denotava sinônimo de oportunidade para os grupos subalternos e de perigo
para os grupos dominantes. Ser letrado, além de representar chances de mobilidade social,
propiciava a possibilidade de exercer a cidadania através do voto, visto que analfabetos eram
constitucionalmente impedidos de votar.
A Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo contribuía
mensalmente para a manutenção da Escola Noturna para Pobres da Sociedade de Vicente
Paulo. O valor doado representava o bom funcionamento das atividades cotidianas, do
estabelecimento de ensino, por ser uma renda fixa. Conforme a Ata:
O Conselho Particular por um officio pede a cotinuação do donativo que
fazia esta Conferencia em favor da aula noturna de S. Vicente de Paulo,
nesta mesma data mandou-se que o thezoureiro continuasse a enviar ao Conselho Particular, trez mil reis mensaes em favor desta aula...217
Por ser a filantropia um dos principais objetivos da Conferência, a mesma interrompeu
a colaboração financeira mensal por ter sido informada da cobrança aos alunos, por parte de
uma professora da escola. Se era um estabelecimento de ensino com propósito de atender
pessoas de pequeno poder aquisitivo, não deveria ter sido requerida nenhuma mensalidade. A
medida tomada pela Associação, de suspender o donativo, expressou a importância deste
assunto para os confrades e o posicionamento sobre a questão já em 1906:
... o confrade Pedro Nepunuceno, pedio a palavra e falou sobre os alunnos da
aula vicentina, dizendo que em vista da deliberação da Professora desta aula
216 MENEZES, Jaci Maria Ferraz. Construindo a vida: relações raciais e Educação na Bahia. Cadernos
PENESB. V. 8, 2006, p.113 217 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 26/09/1905
97
exigir quinhentos reis semanal de cada um destes alunnos, neste caso esta
conferencia devera suspender a mensalidade que esta conferencia faz de trez
mil reis em favor desta aula the que receba ordens terminantes do Conselho Particular ....218
Nas atas seguintes, não foram encontradas informações referentes ao posicionamento
da Conferência sobre a cobrança indevida da professora e sobre a suspensão da mensalidade
de três mil réis em favor da Escola Noturna para Pobres da Sociedade de Vicente de Paulo.
Não temos como ter certeza se a suspensão do pagamento foi acatada pela Conferência, a
decisão pode ter sido anunciada em alguma reunião especial e documentada em outra
documentação.
Conforme Ione Sousa, o projeto governamental de escolarização da população pobre,
principalmente negra, não era promover uma formação consciente e crítica possibilitadora de
intervenções nas questões políticas, sociais e econômicas no País, mas sim formar uma classe
trabalhadora, que tivesse instruções básicas para exercer um ofício, preferencialmente,
manual. Ao discutir as aulas para as camadas populares na Província da Bahia, Souza
sublinhou:
Para atingir este intuito os pobres deveriam ser capacitados nas habilidades
de ler, escrever e contar, assim como preparados em ofícios, tanto nas habilidades de artífices ou artistas, como nos ofícios da agricultura, contanto
que exercessem atividades produtivas, permitindo o controle desta crescente
massa liberta e livre.219
Nayara Cunha, a partir das análises sobre as disputas nas eleições municipais de Feira
de Santana, destacou o censo e recenseamento para construir o perfil do eleitorado feirense.
Os dados usados por Cunha refletem a realidade do Brasil no início do século XX, apenas um
número reduzido de pessoas votavam e estas representavam os grupos mais ricos, pois, os
grupos sem recursos financeiros, sem acesso a educação sistemática era grande e estes não
tinham direito ao sufrágio por não saberem ler e escrever ficando submetidos as decisões dos
grupos dominantes e, consequentemente, prejudicados por não terem suas exigências
atendidas.
[...] a dinâmica das eleições e sobre as relações dos eleitores na década de
20. Fizemos uma busca nos dados demográficos como: censos e
recenseamentos para entender quem eram e qual o perfil dos que podiam votar. Pelo recenseamento de 1920, Feira de Santana possuía 14.790
habitantes na sua sede principal, tendo em sua área total mais de 77.600
habitantes. Podemos perceber que houve um aumento populacional e
também um acréscimo do número de eleitores na cidade, que passa a ser
218 Livro de atas da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo. 20/02/1906 219 SOUZA, Ione Celeste. Pobres e negros nas aulas públicas: Província da Bahia 1842-1850. Feira de
Santana. UEFS. p. 3
98
entre 3.000 a 3.500 nessa década. Em 1925, por exemplo, encontramos o
número de 3.479 pessoas votantes na cidade. As sessões eleitorais passaram
de 10 para 12. A partir desses dados, estima-se que apenas 5% da população feirense tinha direito ao voto.220
Os negros escravizados conquistaram a “liberdade” após a abolição em 1888, mas isso
não representava cidadania plena de direitos, muitos empecilhos foram criados a fim de
possibilitar a ascensão do negro no pós-abolição. A Constituição de 1891 excluía o voto dos
analfabetos, ou seja, negros e pobres do cenário político, acerca da cidadania Pereira
destacou:
A recuperação da humanidade faz-se com a recuperação do direito pleno,
pois somente a liberdade trazida coma abolição da escravatura não bastava,
porque não lhe dava o direito ao voto enquanto analfabeto. [...] A Constituição Republicana de 1891 (que incorporou a Lei Saraiva, que
estabelecia o domínio da técnica de leitura e escrita não dava o direito de
voto ao analfabeto). Logo, o negro, embora liberto, não era considerado cidadão com plenos direitos. 221
A Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo configurou em
Feira de Santana um espaço para a conquista da cidadania por parte dos seus membros negros
e não escolarizados, uma vez que financiava a Escola Noturna de São Vicente de Paulo,
instituição promovedora de aulas elementares, na qual os membros da Conferência e a
população das camadas populares procuravam oportunidades de estudo e assim conseguir
ocupar novos espaços na sociedade.
Segundo Daiane Oliveira, em 1916, Agostinho Fróes da Motta intendente de Feira de
Santana nesse período mostrou-se empenhado em implantar escolas para as camadas
populares “Sobre esta questão da demanda de escolas noturnas por parte dos trabalhadores
feirenses, Agostinho Fróes da Motta defendeu no Conselho Municipal a implantação de
escolas populares para a população menos abastada no seu primeiro mandato como
Intendente.”222
Vemos, portanto, o engajamento de alguns políticos de Feira de Santana, como
político Agostinho Fróes da Motta, na implantação de escolas para as camadas populares.
Podemos ver essa atitude como uma estratégia para ser visto positivamente pela população,
220 Cunha, Nayara Fernandes Almeida. Os coronéis e os outros: Sujeitos e relações de poder e práticas sociais
em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2013 p.114 221 PEREIRA, José Galdino. Os negros e a construção da sua cidadania: estudo do Colégio São Benedito e da
Federação Paulista dos homens de cor- Campinas 1896- 1914: Campinas, 2001. p.114 222 OLIVEIRA, Daiane Silva. . Instrução para pobres e negros em Feira de Santana: As escolas do Professor
primário Geminiano Alves da Costa (1890-1920). Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. 2016,
p.96.
99
mas também como o ato de um religioso preocupado com educação de pessoas sem recursos
para custear uma escola privada.
A Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, além de colaborar
coma a escola noturna, promovia aulas de catecismo para crianças. As aulas de catequese
eram proferidas pelos próprios membros, em 1905, no primeiro ano das aulas o confrade
responsável foi Honorato Alves Freitas, que a partir da análise das profissões dos membros da
Conferência, constatou-se ser sacristão e no período era secretário da Irmandade de São
Benedito e presidente na Conferência de São Benedito de São Vicente de Paulo. Conforme a
Ata da Conferência, “o presidente declarou que esta conferencia de hora em diante
encarregava-se de uma aula de Catesismo administrada por elle, e que pedia frequencia dos
alunnos”223
A catequese foi inserida e imposta nos domínios portugueses a partir da chegada dos
portugueses, porém instrução mais sistemática das doutrinas católicas ocorreu com a partir da
atuação dos padres jesuítas. Fabrício Lyrio ao analisar à catequese dos indígenas ressaltou:
Nos cinquenta anos que se seguiram à descoberta oficial do Brasil pelos navegadores lusitanos, houve, certamente, tentativas de conversão e
catequese dos habitantes nativos, com os quais os portugueses estabeleceram
seus primeiros contatos. Seria um erro imaginar que a catequese somente
teve início com a chegada dos jesuítas. Apesar disto, uma política oficial de missionação somente teve início efetivo com a instalação do governo geral e
a chegada dos primeiros seis religiosos da Companhia de Jesus, liderados
pelo padre Manuel da Nóbrega.224
Verificamos na análise dos documentos, o papel de destaque das práticas filantrópicas
dentro da Conferência de São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo, os confrades
assumiram responsabilidades que deveriam ser do Estado. A assistência dos irmãos a seus
próprios membros e, principalmente, as pessoas oriundas das camadas populares de feira de
Santana demonstrou mesmo na cidade não tendo uma administração pública voltada para
investimentos públicos na área de moradia, saúde e educação, associações religiosas a partir
dos seus princípios religiosos viam na filantropia uma forma de por em pratica a caridade com
a solidariedade ao próximo. A Conferência de São Vicente de Paulo constituiu um importante
espaço para atuação filantrópica na cidade nas primeiras décadas do século XX, toda esse
engajamento social poderia render, ainda, prestígio para os membros da Conferência.
223 Livro de atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo Ata nº67,
30/04/1905. 224 SANTOS, Fabricio Lyrio. . Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia 1750-1800.
Doutorado. Salvador: UFBA, 2012. p.45.
100
Capítulo 3-Irmandade de São Benedito: as festas religiosas
3.1 As festas religiosas na Bahia
As festividades religiosas brasileiras foram introduzidas a partir do modelo religioso
português no século XVI. Essas festas passaram a apresentar a associação entre elementos
católicos e oriundos das Religiões de Matrizes Africanas e religiões indígenas criando
especificidades no catolicismo brasileiro. Durante a Colônia, Império e boa parte República,
as festas religiosas representaram as principais formas de entretenimento de algumas cidades,
principalmente na Bahia, porque além de conter a parte litúrgica possuía manifestações
profanas.
Sobre a relevância das festas para a sociedade baiana, durante o século XIX, e a
mescla entre a cultura europeia, indígena e negra Riolando Azzi destacou:
As festas dedicadas aos santos e procissões religiosas continuam sendo nesse
período o ponto alto da devoção, onde se unem a crença religiosa com a
cultura popular, constituindo ao mesmo tempo momentos de lazer e expressões da própria vida comunitária.225
As relações entre sagrado e o profano disputavam e dividiam espaços nos festejos
religiosos brasileiros, um representando o posto do outro, mas que ao mesmo tempo
completavam-se. Conforme Mircea Eliade, o homem pode transitar num mesmo tempo entre
o sagrado e o profano. O tempo do sagrado pode ser revisitado sempre, pois apresentará a
mesma sequência lógica e a liturgia do mesmo modo que ocorreu há séculos atrás e o tempo
profano pode modificar-se. O autor acentuou:
Tal como o espaço, o Tempo também não é, para o homem religioso, nem
homogêneo nem contínuo. Há, por um lado, os intervalos de Tempo sagrado, o tempo das festas (na sua grande maioria, festas periódicas); por outro lado,
há o Tempo profano, a duração temporal ordinária na qual se inscrevem os
atos privados de significado religioso. Entre essas duas espécies de Tempo, existe, é claro, uma solução de continuidade, mas por meio dos ritos o
homem religioso pode “passar”, sem perigo, da duração temporal ordinária
para o Tempo sagrado.226
Ao analisar as festas católicas na Bahia, Edilece Couto mostrou a junção entre o
sagrado e o profano. Os festejos religiosos eram espaços de manifestação da fé, assim como,
ambiente para lazer e divertimento dos fiéis. Para a autora:
225 AZZI, Riolando. A Sé Primacial do de Salvador: A Igreja Católica na Bahia 1551-2001. Vol. I. Petropólis:
Vozes. 2001 p. 452. 226 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.38
101
Se o santo e o devoto conseguissem cumprir suas obrigações a contento, o
fiel comemorava o fim do acordo com exuberante festa. A maior expressão
da devoção na Bahia era a realização dos festejos em homenagem a um determinado santo, que incluíam novenas, procissões, foguetórios, banquetes
e bailes populares. Afinal, as festividades não eram exercícios públicos de
piedade, mas uma ocasião propícia aos divertimentos e à ligação entre o
sagrado e o profano.227
João José Reis, nos estudos sobre a Cemiterada no século XIX, destacou o esplendor
das festas realizadas pelas as irmandades em Salvador:
A data máxima do calendário das irmandades era a festa do santo de
devoção, quando os irmãos e irmãs saiam das confrarias aparatados com suas vestes de gala, capas, tochas, bandeiras, andores, cruzes e insígnias em
pomposas procissões seguidas de danças e banquetes.228
Lucilene Reginaldo se reportando as irmandades baianas do século XVIII enfatizou a
importância das festas para essas associações: “A festa do padroeiro era a principal atividade
das irmandades. Era o momento mais notável de maior mobilização e visibilidade pública dos
confrades”229.
Os festejos das irmandades denotavam a proporção da popularidade e destaque destes
nas suas respectivas sociedades, portanto, deveriam ser bem organizadas. Segundo Annie
Pontes,
As festas religiosas em homenagem ao santo padroeiro possibilitavam às irmandades religiosas o confronto de prestígio e rivalidades, a exaltação de
posições e valores, de privilégios e poderes. Tudo isso era reforçado pela
pompa e circunstância dos ritos processionais. Os confrades afirmavam, com
sua participação nas festas, seu lugar na cidade e na sociedade local.230
3.2 Irmãos de São Benedito nos festejos a Senhora Santana
As festas para Nossa Senhora Santana propiciavam ocasiões que não faziam parte da
rotina dos feirenses. A grandiosidade das homenagens a padroeira da cidade denotava a
relevância dos festejos, todos/as esperavam ansiosos/as pelo momento de chegada das
227 COUTO, Edilece. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant´Ana
em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2010, p.71. 228 REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 1988, p.100. 229 REGINALDO, Lucilene. Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades
africanas na Bahia setecentista. Tese (Doutorado em História) São Paulo: Alameda, 2005, p 121. 230 PONTES, Annie Larissa Garcia Neves. Irmandade de Bom Jesus dos Passos: Festas e Funerais na Natal
oitocentista. Dissertação (Mestrado em História). João Pessoa, 2008, p.54.
102
novenas, lavagem e procissão. A Irmandade de São Benedito e outras confrarias religiosas231
também participavam destas festas religiosas na Feira de Santana do início do século XX.
A Confraria de São Benedito possuía um capítulo, no Termo de Compromisso,
relativo à sua participação em homenagem a Senhora Santana “Independente de convite, a
Irmandade se apresentará incorporada nas procisões, e actos da semana santa e na festa e
procissão de Senhora Sant’Anna, padroeira d’esta cidade232 (sic)”. Além das festas da própria
Irmandade de São Benedito, a associação dispunha de um tempo reservado para outros
festejos religiosos do calendário católico da cidade como as festas da padroeira da cidade e a
semana santa. O Termo de Compromisso da Irmandade deixou transparecer a atitude e o
compromisso da Irmandade de São Benedito nas festividades religiosas denotando a disputa
por capital simbólico no campo religioso da cidade.
Segundo Pierre Bourdieu,
Contra todas as formas do erro “interaccionista” o qual consiste em diminuir
as relações de forças a relações de comunicação são de modo inseparável,
sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólicos acumulados pelos agentes (ou pelas instituições)
envolvidos nestas relações e que, como dom ou o potlatch podem permitir
acumular poder simbólico.233
Conforme Rennan Oliveira, as festas a Senhora Santana em Feira de Santana
representavam espaços de sociabilidades e expressam a religiosidade católica da população
feirense “As celebrações à Santa mobilizavam toda comunidade local e da região, gerando
múltiplas relações de sociabilidade e expressões de fé. Muito se fazia para tornar as
homenagens bem pomposas e inesquecíveis nas memórias dos feirenses.”234
Segundo Silvania Batista, “Reverenciava-se Santana de maneira alegre, ostentando a
fé pelas ruas da cidade, durante a Festa em sua homenagem. Em torno dessa santa os feirenses
brindavam. A religiosidade festeira assolava os quatro cantos da cidade”235. As festas para
Senhora Santana era um dos pontos altos do calendário festivo de Feira de Santana com o
cortejo de diversas irmandades, inclusive, da Irmandade de São Benedito. Batista também
registrou a presença da Irmandade de São Benedito nos festejos a Nossa Senhora Santana.
231 Confrarias religiosas ou Associações religiosas são termos sinônimos que em determinados momentos utilizo
para se referir as irmandades. 232 Termo de compromisso Irmandade de São Benedito 1903. 233 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.Rio de Janeiro: Bertrand, 2001, p.11 234 OLIVEIRA, Rennan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). UEFS, 2014. p. 12. 235 BATISTA, Silvana Maria. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de Santana (1930-1950).
(Trabalho de especialização). UEFS, 1997. p.48.
103
3.4 As suntuosas festas ao glorioso São Benedito
Além da festa de Senhora Santana, destaca-se também no cenário feirense de meados
do século XX, os festejos da Irmandade de São Benedito. As festividades a São Benedito
possuíam uma grande notoriedade na cidade, relatos e notícias eram amplamente divulgados
nos periódicos da cidade. Encontravam-se presentes aspectos característicos da liturgia
sagrada como as missas e novenas como notou-se no Jornal Folha do Norte de 13 de abril de
1912 “ Estão sendo realizadas na Capella de N. S. dos Remédios as novenas em louvor a São
Benedicto.(sic)”236 Divulgar as novenas no periódico era uma de comunicar a população
feirense das festas dando mais visibilidade para os membros da Irmandade e,
consequentemente, atrair fiéis para as celebrações promovidas pelos irmãos. Os elementos das
manifestações no âmbito profano como o uso de fogos para anunciar a festa para a sociedade
feirense, também tinham espaço e eram divulgados no periódico Folha do Norte:
As espoucas de muitas girândolas de foguetes foi levantada no domingo
próximo na Praça dos Remédios a “bandeira” anunciadora da festa projetada
para o dia 28 do corrente, em louvor ao glorioso São Benedito, festa que está
sendo promovida pela respectiva irmandade.237
A nota do Jornal Folha do Norte, referente ao hasteamento da bandeira da Irmandade
nos permite notar o poder simbólico representado mediante o levantamento da bandeira, era a
forma de comunicar a sociedade feirense sobre a proximidade da festa em louvor a São
Benedito. Num período no qual o jornal impresso era o maior meio divulgação de notícias e
sendo poucas as pessoas alfabetizadas, nem todas poderiam ter acesso a este meio
comunicação. Por isso, criar sistemas simbólicos para anunciar a festa era estratégico e muito
relevante.
A bandeira representava simbolicamente uma forma de comunicação entre a
Irmandade e a população feirense. Acerca da adoção e função dos sistemas simbólicos numa
determinada sociedade, Pierre Bourdieu sublinhou:
Os símbolos são instrumentos por excelência da “integração social”:
enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação (cf. análise durkeheiminiana da festa), eles tornam possível o consensus acerca do
sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução
da ordem social: a integração “lógica” e a condição de integração “moral”. 238
236 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 20 de abril de 1912. 237 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 04 de maio de 1912. 238 BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 10.
104
Os detalhes da festa da Irmandade de São Benedito começavam a ser preparados no
mês de dezembro, no entanto, o mês de celebração era em abril, e todos esses meses de
antecedência ocorriam para que tudo saísse impecável, pois esse era o momento de maior
visibilidade para as irmandades.
Conforme Edilece Couto, a festa do patrono em irmandades envolvia um grande
número de pessoas, inclusive pessoas que não estavam diretamente ligadas as confrarias, as
mesmas criavam estratégias com o objetivo de agregar e conseguir novo membros, como
percebe-se no texto:
O principal objetivo de uma irmandade de devoção era agrupar certo número
de fiéis em torno da veneração a um santo escolhido como padroeiro, manter
o culto e promover a festa. A homenagem a um santo poderia ser individual, mas considerava-se que a celebração tinha mais força quando realizada de
forma coletiva e espetacular, em família, pois cada uma tinha o seu oratório
particular, ou na irmandade239.
Podemos considerar a existência de uma concorrência simbólica entre as festas
religiosas celebradas em Feira de Santana, pois as confrarias da cidade preocupavam-se em
divulgar e demonstrar todo o seu esplendor. Quando a Irmandade de São Benedito convidava
a população a ir as suas novenas e festas, sabiam da possibilidade de serem comparadas
positivamente ou negativamente em relação as outras confrarias da cidade, por isso mais um
motivo para deixar tudo primoroso.
Mais um motivo para esse tratamento especial poderia estar relacionado com o fato da
festa do patrono ser o momento no qual a Irmandade se apresentava nas ruas para a população
feirense e a intenção era que todos percebessem a opulência e riqueza da Confraria, e a partir
dos festejos tivessem a convicção que a mesma não passava por crises, além de ser uma forma
de divulgação e atração de novos confrades. Por isso, os membros da Irmandade de São
Benedito destinavam meses para a organização da festa. De acordo com o Termo de
Compromisso:
Na primeira dominga do mes de dezembro se reunirá a mesa para deliberar
sobre o modo de celebrar a festa ao Glorioso São Benedicto, padroeiro d’esta
Irmandade, festa que deverá ser precedida de um novenario, podendo a Mesa
nomear dous juízes e duas juízas da festa e nove mordomos para maior solemnedade das novenas.
1º- Esta festividade será celebrada com todo o brilhantismo possível; para o
que poderá a mesa nomear Irmãos para tirar esmolas, precedendo a lincença do Parocho240.
239 COUTO, Edilece. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e
Sant´Ana em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2010, p.68. 239Idem, ibidem. p. 67. 240 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
105
As esmolas mencionadas no Termo de Compromisso são valores em dinheiro
arrecadados para financiar as festas da Irmandade, como podemos notar os confrades não
mediam esforços pra tornar a celebrações mais sublimes.Os juízes e juízas eram responsáveis
por arrecadar dinheiro para os festejos da Irmandade.
Ainda sobre a organização da festa a São Benedito em Feira de Santana, o Termo de
Compromisso acentua “A Assembleia Geral se reunirá ordinariamente na primeira dominga
do mez de março para a eleição dos mesários e no dia da festa do Glorioso S. Benedicto para
dar posse aos eleitos e assistir a leitura do relatório apresentado pelo presidente(sic)”241.
As festas religiosas representavam a fuga do cotidiano, a disputa por poder simbólico e
a busca de prestígio não apenas para os integrantes das irmandades, mas a todos os envolvidos
na organização e aos participantes dos festejos. Por isso, havia uma mobilização e divulgação
muito grande em torno das festividades ultrapassando o espaço religioso, atingindo áreas da
economia e política.
As festas das irmandades, principalmente, as da Irmandade de São Benedito
modificavam o convívio citadino porque eram espaços propícios a novas experiências e sendo
vistas como meios de driblar a vigilância imposta no dia a dia da sociedade feirense do início
do século XX.
No tocante as festas de São Benedito em Feira de Santana, todos os documentos dizem
respeito as primeiras décadas do século, no entanto utilizamos uma notícia do Jornal Gazeta
do povo datada em 1891, republicada na Coluna da vida Feirense de 02 de novembro de 1944.
Na nota, notamos que a exuberância das celebrações da Irmandade configurava-se desde o
século XIX e permaneceram nas primeiras décadas do século XX. De acordo com a nota do
jornal, as festas neste período já ocorriam de forma brilhante e a missa em homenagem ao
patrono da Irmandade era minuciosamente descrita pelo redator do Gazeta do povo, o mesmo
elogiou a atuação do padre durante a missa festiva, mas não destacou pré-nome do vigário
revelando apenas o sobrenome, provavelmente, era a forma como a maioria da população
feirense conhecia o padre e pra finalizar a notícia foi evidenciada a parte não litúrgica da
festa com os leilões e fogos de artifícios.
1891- informa a “Gazeta do povo” Festa de São Benedito
Como havíamos noticiado, teve logar na egreja dos Remédios, com o maior
brilhantismo, a festa deste glorioso santo. Ocupou a coluna sagrada o padre
241 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
106
Lacerda, que produziu uma brilhante oração sacra, cheia de riquíssimas
phrases, que com maestria e erudição sabe burilar o fecundo pregador.
À noite houve leilão e depois fogos de artifícios sendo enorme a concorrência pública.242
As festas das irmandades não propiciavam somente divertimento entre os membros
das irmandades, os festejos eram um ambiente propício para estabelecer redes de
sociabilidade, entre membros das confrarias e pessoas externas, e por meio destas articular
estratégias a fim de adquirir e ampliar poder simbólico. Por isso, as festas eram bastante
destacadas e tinha muita visibilidade nos meios de comunicação do período. As notas
relativas às festas da Irmandade de São Benedito eram detalhadas com o anuncio de todos os
participantes, o trecho do Jornal Folha do Norte evidenciou estes nomes, dentre eles, muitos
nomes de políticos de alto prestígio na sociedade feirense, dentre eles: capitães, coronéis,
majores, professores e professoras. Essa fonte, com os nomes dos juízes e juízas da festa,
colaborou para concluirmos que os espaços da Irmandade, além de ser um ambiente para
práticas religiosas e conforto espiritual, o mesmo era utilizado para promoção social.
Conforme prometemos, publicamos hoje a relação dos juízes, juízas e
novenários escolhidos para a próxima para a próxima festa de São
Benedicto, festa que se deverá realizar no dia 28 de abril: Juízes- Cel. Agostinho Motta, Major Antonio dos Santos Ruben, Cel.
Francisco de Macêdo, Cap. Candido Rezende, Major Rogerio Cornelio da
Maia Pitombo, Herminio Santos, Cel. Tertuliano José d’ Almeida, Cap. Abilio Antunes Guimarães, Major Agnelo Cohim Pacheco, Acinilino
Ferreira de Araujo e João Mendes da Costa.
Juízas- D. Severina Falcão, Prof. Eufrosina Amélia de Miranda, Anna Constanca Ramos, Maria Irisaldina de Senna Ramos, Izaura Daltro, Amelia
Menezes de Araujo, Innocência da Matta, Prof. Amalia Moscôso e prof.
Maria do Carmo de Miranda Ramalho.
Novenário- 1ª noite, Cel. Cicero Carneiro da Silva; 2ª Pedro Nepomuceno de Oliveira; 3ª João Pascoal dos Santos, Afonso Regis Nascimento, Manuel
Liberato Alves; 4ª João Batista da Silva e Domingos Alves Franco; 5ª Prof.
Geminiano Alves Costa e major Francisco Alves de Andrade; 6ª Leocadio Pereira Sobral, Lucio Ribeiro da Costa e Ricardo Pereira; 7ª Isaias Felix de
Oliveira e Firminio Vital, 8ª Cel. Valentim José de Souza e Major Francisco
Assis Garrido; a Irmandade243
A respeito da participação dos juízes da festa, o Termo de Compromisso de 1903 da
Irmandade realçou “Nomear dous juízes e juízas” da festa e novenários da festa. Em 1903,
eram quatro juízes e em 1912 eram 32 ao todo. Como explicar esse aumento elevado de juízes
e juízas na Irmandade? Certamente, os nomes escolhidos para fazerem parte desses cargos
242 Coluna da Vida Feirense 02 de novembro de 1891. 243 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 30 de março de 1912.
107
eram muitos disputados, pois apresentar-se na festa da Irmandade representaria ascensão
social para os seus participantes e, consequentemente, teria mais notabilidade para a
Irmandade por como juízes e juízas homens e mulheres com muita notabilidade na sociedade
feirense.
Quanto à função atribuída a juízes e juízas nas festas das irmandades, não existem
muitos trabalhos direcionados a discutir o papel destes e destas, alguns estudos tratam sobre o
tema. Ao argumentar sobre os meios de organização e arrecadação em dinheiro para festas das
irmandades baianas do século XVIII, Lucilene Reginaldo inferiu “Geralmente as irmandades
dispunham de um recurso especial para suprir os gastos festivos. Em muitas confrarias os
oficiais da mesa, principalmente os juizes e mordomos, contribuíam de maneira especial para
a realização desses eventos.”244Assim como Reginaldo, Marina de Mello Souza também
demonstrou, com o auxílio das pesquisas de Marcos Magalhães de Aguiar, a participação e
função de juízes nas festas promovidas por irmandades “Marcos de Magalhães Aguiar
acredita que algumas irmandades compensavam a sua receita diminuta com a eleição de
grande quantidade de juízes, generalizando a categoria de juiz por devoção.”.245
Essas análises sobre a função dos juízes nas festas das irmandades nos leva a concluir
a principal atribuição dada aos mesmos era colaborar financeiramente para a promoção da
festa. Essa informação nos auxilia a explicar o motivo de haver na organização da festa da
Irmandade de São Benedito de Feira de Santana ter tido um número elevado de pessoas
provenientes da alta sociedade feirense como foi visto na nota divulgada pelo jornal Folha do
Norte de 1912. No entanto, não descartamos a possibilidade de pessoas de pessoas das
camadas populares terem participado na condição de juízes e juízas.
Como rezava o Termo de Compromisso, o momento da festa a São Benedito era o
espaço para a apresentação da nova mesa diretiva para a sociedade feirense, ou seja, a
visibilidade dos festejos ao santo era aproveitada ao máximo pelos confrades. Provavelmente,
por isso vemos nomes de destaque na cidade sendo eleitos para os principais cargos, sendo
esses apresentados durantes a festa a Irmandade poderia aumentar sua notoriedade. Além de
tomar posse, os eleitos reafirmavam o cumprimento de respeitar as doutrinas católicas e os
seus deveres dentro da confraria. A impressa mais uma vez apareceu como a principal forma
de divulgação das atividades da Irmandade.
244 REGINALDO, Lucilene.Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades
africanas na Bahia setecentista. Tese (Doutorado em História) São Paulo:2005, p.118 245 SOUZA, Marina de Mello. Reinos negros no Brasil escravista: História da Festa de coroação de Rei Congo.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p. 213.
108
O secretário fará publicar, por edital ou pela imprensa o resultado da eleição,
convidando além d´isto por carta, a cada um dos eleitos para no dia da festa
de São Benedicto comparecer ao consistório da Irmandade afim de tomar posse que lhe será dada pela Assembleia reunida com os irmãos presentes,
prestando todos os Mesários juramentos aos santos evangelhos de bem
cumprirem os seus deveres.246
O periódico Folha do Norte de 1913 divulgou informações relativas a posse do ano
compromissal de 1913 e 1914, indo em conformidade com o Termo de compromisso. O
jornal noticiou que no dia da festa de São Benedito seria a nomeação da nova direção da
Irmandade, ocorrida na Capela de Nossa Senhora dos Remédios, como verificamos a posse da
mesa diretiva ocorria no período de maior visibilidade para Irmandade e a imprensa da cidade
era convidada para participar e cobrir o acontecimento.
São Benedicto
No dia 11, de corrente, às 10 horas, haverá na capella N. S. dos Remédios,
desta cidade uma missa festiva em louvor ao glorioso São Benedicto, que manda celebrar a sua irmandade, ali erecta ; devendo ter ligar em seguida, a
sessão da assembleia geral para a posse da nova mesa eleita para o anno
compromissal de 1913-1914.
Agradecemos o convite que nos foi feito.
No que se refere às indumentárias dos irmãos de São Benedito, o Termo de
Compromisso de 1903 menciona uma roupa de cor rocha “Os Irmãos d’esta Irmandade
usarem de capa roxa de, como já é de costume, devendo cada Irmão mandar faze-la a sua
custa”247. Entretanto, nas memórias de Eurico Alves Boaventura, escritas quase três décadas
depois da edição do Termo de Compromisso, destaca-se que as roupas dos irmãos eram cor de
ferrugem “E passavam os componentes da Irmandade com os seus balandraus cor de
ferrugem, compridos, imponentíssimos” 248.
Segundo o memorialista, o tom das vestimentas dos confrades era marrom, entretanto,
o Termo de Compromisso demonstra que “já è de costume” tê-las rocha. Provavelmente, a
Irmandade tinha trajes diferentes para diversas ocasiões ou pode ter mudado ao longo das
décadas. Os associados da irmandade sempre estavam preocupados em representar perante a
sociedade feirense a sua opulência nos momentos das festas e procissões, dessa forma sempre
se encontram notas nos jornais feirenses referentes às festas da Confraria de São Benedito.
As notícias do periódico Folha do Norte referentes a programação das festas de São
Benedito eram apresentadas e organizadas para atrair a população. Realçava-se a parte
246 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito. 247 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito. 248 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2006, p. 33.
109
litúrgica e, sobretudo, os momentos profanos, por isso a necessidade de mencionar que além
das novenas e procissão teria-se música, leilão e outras diversões.
Com grande pompa será festejado, na matriz dessa freguesia, o Glorioso S.
Benedito no dia 22 do corrente. No dia 21 sabbado, ao meio dia começaram os animados festejos aos sons da charanga Lyra bonfimrense, havendo à
noite novenas e após, animado leilão com outras diversões populares. No dia
22 às 11 horas entrará a mesa festiva, pregando o evangelho o revm. Vigário daquella freguesia padre José Gomes Loureiro. As 4 horas da tarde subirá a
procissão, e ao recolher da qual pregará o padre Tertuliano Carneiro.
Encerrará a festa e a benção do S. S. Sacramento249.
Nos anos anteriores, o Jornal Folha do Norte também trazia notas sobre a festividade
do Padroeiro, São Benedito sempre ressaltando o brilho e a participação da comunidade
feirense nos festejos, além disso, a nota do periódico demonstrou a participação dos feirenses
nas celebrações religiosas, pois os festejos eram bastante concorridos. Os festejos sempre
eram iniciados com as novenas na Capela de Nossa Senhora dos Remédios conforme o
periódico:
Encerraram-se, no sabbado, as novenas que precederam a festa do glorioso
S. Benedito, havendo, depois dos exercícios religiosos, animado leilão de prendas na praça dos Remédios. No dia imediato esta praça amanheceu
ornada de bandeirolas, palmas e arcos. Na Capella de N. S. dos Remédios,
recentemente pintada pela Irmandade de São Benedito, ostentava caprichosa ornamentação externa. Às 11 horas cantada a missa festiva, que esteve muito
concorrida. Occupou o coro uma boa orquestra 250.
Para a festa ser opulenta, primeiro, deveria ter uma bela ornamentação no templo,
lugar onde tinha origem os preparativos para a festa, e posteriormente iam se arrumando o
exterior do templo que não podia deixar de ser regada a uma boa música e orquestra “A cada
festa, a Irmandade incumbia-se do asseio interno e externo do templo, bem como da
decoração que se estendia à praça e as ruas do percurso das procissões”251. O momento da
solenidade era o período que a Irmandade de São Benedito tinha para representar,
simbolicamente toda a sua riqueza, demonstrava à sociedade em geral, visto que este era o
espaço para conquistar reconhecimento, a fim de ocultar a exclusão social e racial, a festa
possibilitava uma série de oportunidades para os componentes e também para outros grupos
envolvidos. De acordo com Bianca Costa, na análise acerca dos significados e sentidos das
festas religiosas a autora sublinhou:
Além disso, é importante ressaltar que as celebrações, como no caso uma
festa se faz no interior de um território, no e para o qual se expressam anseios, reivindicações, frustrações, revanches dos vários sujeitos sociais que
249 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 14 de julho 1913, n.174, p. 01 250 Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 04 de maio de 1912, p. 02 251 LAGEDINHO, Antonio do. A Feira na década de 30 (memórias). Feira de Santana, 2004, (s. Ed.) p. 24
110
dela participam. Cada sujeito concede a festa um sentido diferente que
extrapola o seu objetivo primordial, ou seja, ainda que a mesma tenha sido
organizada para que atenda a determinados interesses de um grupo específico, os que dela participam conferem a mesma um leque de
significações. Como ressalta Levi-Strauss as festas sempre respondem a
necessidades específicas, como também preenchem funções diversas, sejam
estas políticas, religiosas e sociais.252
A preocupação com as vestimentas para a festa não se encontrava apenas nas pessoas
da alta sociedade feirense, uma vez que pessoas com poder aquisitivo pequeno também
tinham cuidados com a roupa que iriam vestir no dia do festejo. Deve-se considerar que essa
era uma das poucas oportunidades que, principalmente, as moças tinham para sair de casa,
dada as descriminações e recolhimento em que viviam.
O memorialista Lajedinho também reporta a alguns momentos da festa de Santana
com muita alegria, destacando o entusiasmo da sociedade feirense com o festejo destacando,
principalmente, a relevâncias e as representações desta para a juventude da cidade:
Os rapazes quase todos de paletó e alguns com gravata, faziam um círculo
em volta do coreto deixando o espaço central livre para que moças se
mantivessem nadando em volta, entre eles e o coreto.
Ali estava o momento mais esperado pela moçada: galanteios, lança-perfume nas costas e nos braços, confete e muito sorriso, muita paquera e toda alegria
do mundo. Era simplesmente deslumbrante253.
As festas religiosas, principalmente, as de São Benedito eram um espaço onde
homens e mulheres faziam a corte, levando muitas vezes a construções de relacionamentos
que geralmente terminavam em casamentos, por isso a necessidade de todos e todas estarem
bem apresentáveis na festa. Seguindo os padrões da elite feirense.
As festas religiosas organizadas pela Irmandade de São Benedito nas primeiras
décadas do século XX eram espaços que propiciavam sociabilidade e visibilidade para grande
parte da sociedade feirense. Os festejos religiosos movimentavam o cotidiano porque
modificava a rotina da cidade. O cortejo a Nossa Senhora Santana e os festejos promovidos
pela Irmandade de São Benedito promoviam entretenimento para os cidadãos e para os
membros das irmandades feirenses.
252 COSTA, Bianca Silva Lopes. Cidade de devoção e festejo: Sentidos e significados da festa de Nossa
Senhora do Rosário em Itaberaba. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antonio de Jesus, UNEB, 2013,
p.67. 253 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2006, p.28.
111
3.5 Irmandade de São Benedito: A Lavagem e o Bando Anunciador
Segundo o Jornal Folha do Norte de 1912, população da cidade foi convidada, de
maneira bem criativa, para ir a Lavagem, novenário, leilões e ouvir as músicas tocadas pela
charanga do Arraial do Bonfim, a Irmandade incumbiu um grupo de homens mascarados à
cavalo para fazer a divulgação das festas. As comemorações a São Benedito, além de trazer
muitas expectativas para a população local despertavam o interesse de moradores das cidades
vizinhas, realizava-se uma grande publicidade em torno da festa. Os jornais feirenses
reservavam colunas de destaque para divulgar os préstitos, conforme o Jornal Folha do Norte,
Festa de São Benedicto têm sido muito concorridas e animadas as novenas
rezadas na Capella de N. S. dos Remédios, em louvor ao Glorioso São
Benedicto. A lavagem da Igreja effectuo-se, na quinta-feira, entre os
clássicos folguedos populares. No ultimo domingo foi por um interessante bando de mascarados, que
cavalgavam ardegos jericos, distribuindo o programa da festa, que
effectivamente se realizará amanham e constará de uma missa cantada: às 10:00 pregando o evangelho, o revdmo. Sr vigário Tertuliano Caneiro;
procissão à tarde, e noite leilão de prendas e fogo de artifício na praça dos
Remédios. Tocará, nesta ocasião, Charanga do Arraial do Bonfim, que há dias esta nesta cidade, tendo puchado o préstito da “lavagem”.
A Irmandade de São Benedicto não tem poupado esforços para o bom êxito
dos festejos. (sic)254
Essa nota acerca das festividades a São Benedito constituiu-se numa riquíssima fonte,
pois a partir dela diversos pontos da celebração puderam ser abordados no estudo. Além dos
momentos litúrgicos, tal como os novenários, a festa contava com outros momentos e um
deles era a Lavagem da Igreja dos Remédios. A Lavagem seria o ato de lavar e purificar a
Igreja de Nossa Senhora dos Remédios para os festejos ao santo. Infelizmente, não
encontramos informações detalhadas da Lavagem feitas nas festas a São Benedito, entretanto
podemos exemplificar a partir de outras lavagens ocorridas no contexto feirense das primeiras
décadas do século XX.
Conforme Edilece Couto255, as origens da Lavagem remontam o início do século XIX
em Salvador. Dentre as lavagens, a mais conhecida e divulgada pela mídia é a do Senhor do
Bonfim realizada anualmente em Salvador após o dia de Reis. Couto destacou:
O ritual da Lavagem, que provavelmente teve início em Salvador no século
XIX, é uma mistura de elementos do catolicismo e dos cultos afro-
brasileiros. Herdamos do catolicismo tradicional (de raízes ibéricas,
254 Folha do Norte. Feira de Santana, 27 de abril 1912, p.1. 255 COUTO, Edilece Souza. “Lavar o santo”: ritual afro-católico na festa do Senhor do Bonfim, Salvador-BA. In:
SILVA, Elizete da; NEVES, Erivaldo Fagundes. Cultura, Sociedade e Política: Ideias, métodos e fontes na
investigação histórica. Feira de Santana: Ed.UEFS, 2014, p.144.
112
medieval, familiar e leigo) o costume de lavar as imagens, as vestimentas
dos santos, os objetos rituais e as igrejas (templos) para preparar os símbolos
e os espaços sagrados para a festa do orago. Após essa limpeza, ornamentavam-se os altares e andores que sairiam às ruas em procissão. 256
Rennan Oliveira, ao discutir os festejos a Nossa Senhora Santana em Feira de Santana,
descreveu como ocorriam os preparativos para a cerimônia da lavagem a padroeira da cidade
e de como essa celebração modificava o cotidiano da cidade. Todo um ritual era feito para que
os organizadores da Lavagem conseguissem atingir o objetivo de lavar a Igreja. Segundo o
autor,
Antes dos toques da Zabumbas, bem cedo, homens e mulheres iam buscar água e suas vassouras para lavar o templo. Dando suporte estavam os
burricos, todos enfeitados com laçarotes e ornamentados a caráter para o dia
tão especial, auxiliando o transporte das águas carregavam esse elemento simbolicamente purificador em suas cangaias. As águas eram trazidas das
fontes dos Olhos D’Água, nome revelador da região em que brotavam olhos
de água do minadouro que abastecia parte da comunidade feirense.257
Ainda sobre a lavagem de Senhora Santana, Rennan Oliveira evidenciou a adesão da
população feirense ao rito e a maneira como era vivenciada a festa, visto que a mesma
modificava o dia a dia da cidade e sendo a associação entre o sagrado e o profano.
No cotidiano da urbe os animais eram guiados pelos homens conhecidos
como carregadores. No dia da Lavagem eles quebravam parte de sua lógica
cotidiana, se permitindo viver uma experiência diferenciada da sua rotina anual. Essa efeméride se apresentava como ritual composto de vários
símbolos: em ritual de renovação e reafirmação dos laços dos crentes com
sua fé, na esperança de novas conquistas.258
Podemos considerar que as Lavagens feitas na Igreja dos Remédios pela Irmandade de
São Benedito apresentavam características parecidas com as lavagens promovidas pelos
organizadores da festa de Santana, pois ambas festas encontravam-se em Feira de Santana e
num contexto temporal próximo. Certamente, na Lavagem da Irmandade de São Benedito
havia o rito da retirada da água das lagoas e tanques da cidade, com o carregamento sendo
transportado no lombo de jerricos, para ser feito o ato simbólico de limpar a igreja,
normalmente, as mulheres que ficavam a frente dessa limpeza.
256 COUTO, Edilece Souza. “Lavar o santo”: ritual afro-católico na festa do Senhor do Bonfim, Salvador-BA. In:
SILVA, Elizete da; NEVES, Erivaldo Fagundes. Cultura, Sociedade e Política: Ideias, métodos e fontes na
investigação histórica. Feira de Santana: Ed.UEFS, 2014, p.144. 257 OLIVEIRA, Rennan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). UEFS, 2014, p.53. 258 Idem. p.53.
113
Conforme a notícia do Jornal Folha do Norte de 1912, a Lavagem da Igreja de Nossa
Senhora dos Remédios promovida pela Irmandade de São Benedito era acompanhada com o
som de músicas tocadas pelas charangas, além de ter puxado a Lavagem, tocou à noite após a
procissão. A programação distribuída pelo bando de mascarados, uma espécie de bando
anunciador das festas a São Benedito, constava que seria celebrada uma missa pelo vigário
Tertuliano Carneiro, seguida da procissão à tarde, à noite com os leilões, os fogos de artifícios
e por fim os festejos foram finalizados ao som da Charanga do Arraial de Bonfim na Praça
dos Remédios.
A partir da nota do Jornal Folha do Norte, verificamos a existência de um Bando
Anunciador da festa da Irmandade de São Benedito, ou seja, o bando não ocorria apenas na
divulgação das festas a Nossa Senhora Santana, também havia um bando para anunciar e
distribuir a programação da festa a São Benedito, segundo o periódico feirense, homens saíam
mascarados em burricos para difundir os festejos. Outra referência encontrada sobre o Bando
Anunciador das festas ao patrono da Irmandade diz respeito a um dos cadernos de miscelânias
produzidos por Monsenhor Renato Galvão, o mesmo encontrou referências sobre o bando no
final do século XIX “Irmandade de São Benedito em 1893, com Bando Anunciador comunica
a transferência da festa de São Benedito para 30/04”259. Então, a prática do bando anunciar a
festa da Irmandade era antiga e recorrente, pois permaneceu nas primeiras décadas do século
XX.
Greice Moreira, no seu estudo sobre o Bando Anunciador da festa a Senhora Santana
na cidade, salientou:
O bando anunciador em seus primórdios, era um grupo de pessoas que saía
muito cedo pelas ruas centrais da cidade, proclamando, com dois meses de
antecedência o início da festa em homenagem Sant’Ana, dando abertura às
atividades litúrgicas, novenas, missas e também as comemorações de largo da Igreja Matriz.260
Sendo algumas décadas anteriores ao nosso recorte temporal, entretanto relevante
para esta análise, o periódico O Feirense de 1863, deu destaque ao Bando Anunciador da
Irmandade de São Benedito, acrescentou que o mesmo colaboraria para aumentar o
brilhantismo da festa de São Benedito e frisou a adesão da população aos festejos ao
complementar o comparecimento de um grande número de mascarados. O Jornal O Feirense
sublinhou:
259 Caderno de miscelânias de Monselhor Renato Galvão. p. 261. 260 MORAES, Greice Moreira. Bando anunciador na festa de Sant’Anna em Feira de Santana 1860-1988.
Anpuh-BA. Anais V encontro. p.3.
114
Na quinta-feira 12 d’este mês teve lugar o bando de mascarados a Cavallo,
que deverá concorrer para o brilhantismo da festa de São Benedito, que foi
celebrada na Capella de Nossa Senhora dos Remédios no dia 15. Esse bando compoz de dois cavalleiros! Porém nos dois dias que se seguirão o bando a
pé contara crescido de número de mascarados. (sic)261
Sobre a participação do Bando Anunciador nos festejos a Senhora Santana, Rennan
Oliveira enfatizou a maneira como era feito o anúncio da programação e acerca dos trajes dos
homens responsáveis pela divulgação como podemos verificar:
Espocando rojões e fogos de artifícios, num grande clamor, jovens
mascarados montados em seus cavalos e levados também pelo toque dos sinos da Igreja Matriz, tomavam as ruas da urbe feirense para anunciar o
grande séquito a acontecer nos próximos dias na cidade. Os cavaleiros muito
bem vestidos acompanhados de grande cortejo distribuía pelas ruas da cidade os folhetos informativos da programação das Festas em homenagens
a Sant’Ana.262
De acordo com análises feitas no Jornal Folha do Norte e do Caderno de miscelânias
podemos constatar que o bando anunciador da festa de São Benedito tinha as mesmas
características e propósitos da festas de Santana, isto é, divulgam de forma bem peculiar a
festa do padroeiro da Irmandade.
As notícias do Jornal Folha do Norte demonstraram a mobilização da Irmandade para
a festa da Irmandade de São Benedito, existia uma preocupação acerca da divulgação da
mesma. Além da organização do novenário e da procissão, havia um destaque para a parte
“profana” a população era convidada a ir as ruas da cidade a fim de participar dos leilões,
lavagens e assistir e escutar o desfile das charangas, tudo era feito para atrair um grande
número de pessoas.
Na nota do periódico Folha do Norte de abril de 1912, encontramos mais um elemento
a ser discutido neste estudo, a participação das filarmônicas da cidade no cortejo da festa,
como visto anteriormente, além das músicas tocadas pelas charangas havia as modinhas
tocadas pela Filarmônica da Vitória, Euterpe Feirense e Filarmônica de Março. Se grupos
musicais de outras cidades, como Irará, provavelmente, as de Feira de Santana encantavam a
festa com suas músicas. A presença nas festas da Irmandade era um espaço para promover as
próprias filarmônicas, pois nelas compareciam pessoas de todas as classes sociais da
sociedade feirense. Mais uma vez o jornal citou as mascaradas, alusão ao bando anunciador
261 O Feirense. Feira de Santana, 8 de fevereiro de 1863, p. 4. 262 OLIVEIRA, Rennan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). UEFS, 2014, p. 27.
115
da festa de São Benedito, e acentuou a realização da lavagem ocorrida na Igreja dos
Remédios.
No próximo dia 28 de abril, precedida de mascaradas e da clássica
“lavagem” terá lugar a festa do glorioso São Benedito cuja irmandade é erecta na Capella de N. S. dos Remédios.
É possível que a dita festa seja abrilhantada pelas philarmonicas locaes, já
estando contractada a charanga “24 de janeiro” da vizinha cidade de Irará. Por nos terem a nota chegado tarde só na próxima edição publicaremos a
relação dos juízes dos novenários escolhidos.(sic)263
Aline Santos, no estudo sobre as filarmônicas feirenses como espaço para promoção
de lazer na sociedade feirense, Santos apontou ser fundamental o comparecimento das
filarmônicas nas festas religiosas e em outros eventos da cidade.
As filarmônicas se faziam presentes nos diversos eventos políticos, sociais, religiosos da urbe, animando a população. Realizavam bailes e eventos nas
suas sedes, contando com a presença dos mais ilustres filhos da terra
feirense. [...] Além disso, a participação de tais grupos era fundamental nos
bailes carnavalescos, eventos religiosos como a Festa de Nossa Senhora Santana, nos desfiles cívicos pelas ruas da urbe, bem como inaugurações de
obras públicas, além da participação nos eventos cotidianos da cidade.264
Assim como as filarmônicas estavam presentes nas festas de Senhora, encontramos
indícios no Jornal Folha do Norte do comparecimento nas festas organizadas pela Irmandade
de São Benedito, inclusive, encontramos Benigno José Resende um dos fundadores da
Filarmônica da Vitória, era membro da Irmandade de São Benedito, como destacamos no
primeiro capítulo. Nesse sentido, Benigno José Resende poderia estar obtendo notabilidade de
ambos os lados, certamente, existiam outros irmãos d São Benedito na mesma situação de
Benigno José Resende.
Os festejos organizados pela Irmandade de São Benedito também faziam parte desse
calendário festivo, os irmãos destinavam muito tempo para a organização das festas, visto que
o sucesso nas apresentações poderia trazer bastantes benefícios e, principalmente, prestígio
para os confrades. Provavelmente, devido a incorporação de novos hábitos, novas festas,
como a micareta, propiciaram mudanças, outros espaços de lazer e com a introdução de novas
doutrinas religiosas, protestantismo e espiritismo, tenha diminuído a divulgação e participação
dessas comemorações religiosas.
Eurico Boaventura descreve com tristeza o declínio das festas religiosas feirenses
frisando:
263 Folha do Norte. Feira de Santana, 20 de abril de 1912, p.1. 264 SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidades na Princesa do Sertão 1919-1946.
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. UEFS, 2012, p. 54.
116
De igual sorte, já se fizeram, tempos passados, mansas e hilariantes mascaradas
antes da festa de Nossa Senhora dos Remédios, na sua Capela. Pomposíssimas tais
festividades, a ponto de internamente as paredes dos templos com luxuosos espelhos
biseautés. Para que, não o sei. E comemorações semelhantes o faziam nas festas do
Rosário, de São Benedito, com o larguinho todo enfeitado, de ponta a ponta. Isto
ainda no fim do século passado e no início do atual. 265
Além das festas religiosas, começavam aparecer em Feira de Santana outros espaços
de sociabilidades, certamente, contribuíram para o declínio desses festejos. Aline Santos na
sua pesquisa sobre os novos locais de sociabilidades, como o Teatro Cine Brasil e o Cine
Teatro Santana, inferiu:
As atividades desenvolvidas no Cine-Teatro Santana são importantíssimas para
percebermos como as novas sociabilidades ancoradas nas ideias de civilidade se
desenvolveram nos eventos socioculturais e também sociopolíticos que aconteceram
nesse ambiente. Sendo a única casa de diversões desse estilo, o Cine-Teatro Santana
disponibilizou no seu palco os mais diversos eventos266.
De acordo Aline Santos, nesses novos ambientes de sociabilidades aconteciam
recitais, peças teatrais, exibição de filmes, como também apresentações de músicos e
orquestras e alguns espetáculos circense.267
3.6 Irmãos de São Benedito e a perspectiva de Eurico Alves Boaventura
Nesse sentido, Eurico Alves Boaventura, destacou a presença da Irmandade de São
Benedito ressaltou a composição étnica destes confrades, o qual expõem de forma implícita
que os irmãos eram negros268, mas não os designa como “homens de cor”. Todas as vezes que
o autor mencionou os irmãos de São Benedito, utilizou analogias, como homens cor de
tamarindo ou cor de formiga, para evidenciar a cor, deixando de utilizar os conceitos
recorrentes do período.
Existiram sim elementos da cultura afrobrasileira nas festas religiosas feirense as
“coisas de nagô” foram ocultadas dos escritos de Eurico Boaventura. Analisando as festas a
Nossa Senhora Santana em Feira de Santana, Rennan Oliveira destacou a presença das
baianas na Levagem da lenha:
265 SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira dos. Diversões e civilidades na Princesa do Sertão 1919-1946.
Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. UEFS, 2012, p.20. 266 Idem, p. 105. 267 Idem, Ibidem p. 106. 268 É relevante ressaltar que no início do século XX, o termo “negro” não era usual para período. Quando fazia-
se referências a cor de pele de homens e mulheres negras dizia-se “homens de cor”, ou seja era este o termo
ocultado por Eurico Alves Boaventura.
117
Com tons de muita aproximação e similaridade da Lavagem da Igreja a
Levagem da Lenha antecedia o último momento das homenagens a Excelsa
Padroeira da Cidade, ela se caracteriza em especial pelos feixes de madeiras
levados pelas baianas que dirigiam seu cortejo pelas ruas da cidade, tendo como ponto final de chegada a porta da Igreja Matriz onde eram depositados
estes feixes de madeiras e era montada uma grande fogueira que era acesa no
final da noite para aquecer o samba e também acender ainda mais a fé dos participantes a homenageada do dia. 269
Diversas foram as tentativas de exclusão, silenciamento e discriminação
promovidas pela classe dominante católica feirense, nas primeiras décadas do século XX, com
o propósito de punir inferiorizar e desqualificar as manifestações religiosas de origem africana
na cidade.
Mais uma vez, o poeta Eurico Boaventura nas suas memórias deixou evidências e
mensagens subliminares sobre a presença e manifestação da religião e cultura da população
negra de Feira de Santana. Essa participação, conforme o autor, encontrava-se desde a festa de
Nossa Senhora dos Remédios à festa de Nossa Senhora Santana, ou seja, perpassou pelas
comemorações a São Benedito. Boaventura negou as influências do povo negro nos festejos
católicos, aos portugueses como segue no texto do memorialista:
Das festas de Nossa Senhora dos Remédios se passava aos que anunciavam a
maior efemeridade católica da cidade, a festa de Santana. E eram ternos, cheganças, bumba-meu-boi, um ror de coisas, tantas pancadarias sonora.
Dir-se-ia que é coisa de negro africano, estes batuquejés pelas ruas. Não o
eram. E sim coisas de luso, que modelou este barro que aqui passou. Não nos
deu o preto tanta tradição aqui pelo sertão.270
Mesmo com as omissões e negações referentes as Religiões de Matrizes Africanas,
os estudos sobre Feira de Santana, estão possibilitando encontrar vestígios sobre o campo
religioso da sociedade feirense. Nas análises sobre a expulsão dos elementos africanos nas
festas católicas da cidade Clóvis Oliveira acentuou:
Censurados e estigmatizados, os encontros de fé e folguedo foram remetidos
ao obscuro universo da marginalidade, do perigoso, irracional e, portanto,
desqualificado enquanto ponto de sociabilidades ou instrumento de formação de memórias. Ao mesmo tempo, pela dura crítica conduzida em órgãos de
imprensa e pelas ações policiadoras, socializava-se uma noção de ordem
cartografizada que produziria, por sua vez, uma memória urbanizada, ou
269 OLIVEIRA, Renan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). UEFS, 2014, p. 49 270 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2006, p.20.
118
seja, uma urbe sem marcas que pudessem lembrar passado negro ou
indígena. 271
Sobre a participação da população negra na festa de Santana, Reginilde Santa
Barbara salientou “a população negra na festa de Santana constituía-se através de práticas,
rituais e costumes de sua tradição, que se davam a ver na presença de baianas na Lavagem,
nos membros da Irmandade de São Benedito...”272. Reginilde ao ressaltar a presença negra nas
festas a Senhora Santana destacou a participação da Irmandade de São Benedito nos festejos.
Não temos como ter certeza se os membros da Irmandade de São Benedito eram “Homens de
cor” “embranquecidos”, no entanto não podemos descartar essa possibilidade.
Na pesquisa, constatou-se que realmente havia uma presença negra significativa,
ou seja, homens e mulheres de cor na Irmandade de São Benedito, tal como, Agostinho Fróes
da Motta, Geminiano Alves da Costa, Eduardo Fróes da Motta, Albertina Motta, Cicero
Carneiro e Tertuliano Carneiro.
Eurico Alves Boaventura ressaltou a importância e expectativas criadas em torno da
das festas religiosas para os moradores da cidade, pois estes festejos eram os principais
espaços de lazer da população:
Andava a cidade inteira de olhos pregados na folhinha, esperando a festa de Santana. Trabalhava-se o ano inteiro, aguardando-se esta quadra festiva.
Tudo se marcava de acordo com a data maior da cidade, vivia-se em função
desta efeméride. E as mocinhas de economia escabreadas, as senhoras menos
abastadas esperavam o ano todo para fazer um vestido melhor para a festa. F. maiúsculo também. Já se sabia que se não falava de outra festa que não fosse
a de Santana273.
As festividades em torno de Santana movimentavam o comércio e a rotina dos
feirenses, provavelmente, as características eram as mesmas durante os festejos promovidos
pelos irmãos de São Benedito, sobre essas oportunidades, o memorialista Eurico Boaventura
enfatizou:
Vestido, sapatos, tudo havia de ser novo para o dia maior. Movimentavam-se
as sapatarias. Os representantes da Casa Stela se via, Davi Almeida,
Francolino Matos, Manuel César, grandes proprietários de sapataria, não tinham hora para o sono. E as modistas? E assim vestidos trabalhados.
271 OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e silenciamentos
em Feira de Santana (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Brasília, UNB, 2011, p. 65-66. 272 SANTA BARBARA, Reginilde. O caminho da autonomia na conquista da dignidade: sociabilidades e
conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana- Bahia (1924-1964). Dissertação (Mestrado em História). UFBA,
2007, p. 16. 273 BOAVENTURA, Eurico Alves. A Paisagem urbana e o homem: Memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: Editora UEFS, 2006 p. 26.
119
Vidrilhos, contas, canutilho, aljôfares e latenjoulas, tudo isso empregado nos
trabalhos os vestidos das elegantes do tempo.274
Ao discutir sobre os festejos a Nossa Senhora Santana Rennan Oliveira reafirmou,
baseado nas pesquisas em periódicos feirenses, todas as expectativas produzidas em torno do
cortejo da padroeira de Feira de Santana. O autor sublinhou que o espaço da festa também era
o local para definir as classes sociais da cidade:
No início do século XX, outro demarcador das diferenças sociais foi o vestir-
se para a festa, em especial para poder assistir as novenas e sair na procissão.
Este aspecto foi reforçado pela mídia jornalística da época, tornando-se um costume dos festejos que habitou durante muito tempo, o imaginário coletivo
da sociedade feirense.275
As festas não representavam apenas um ambiente de delimitação de grupos sociais,
mas também como um local propício para a fuga das atividades corriqueiras. Os festejos
possibilitavam experiências diferentes das adquiridas no cotidiano, particularmente, para as
mulheres da classe dominante. As festividades religiosas promoviam a mescla entre as classes
sociais, acerca do comportamento de mulheres de famílias abastadas da sociedade, Marcia
Leite discutiu:
A festa, tanto no seu lado público como no privado, não deixava na prática
de permitir às mulheres uma socialização mais livre. O discurso normatizador que objetivava definir as ações e atitudes femininas no
momento informal das suas vidas, do seu lazer, das suas horas de
entretenimento, não vingou em sua totalidade. As prescrições pedagógicas mais comuns não funcionavam bem nos dias de folia. O costume de dançar,
por exemplo, permitiu às mulheres brancas a apropriação de uma variedade
de ritmos e passos considerados transgressores, advindos da cultura africana
e das camadas populares. 276
274 Idem. ibidem. p, 26. 275 OLIVEIRA, Renan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e o largo 1930-
1987. Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. UEFS, 2014,p. 100. 276 LEITE, Marcia Maria Barreiros. Educação, Cultura e Lazer das mulheres de elite em Salvador.
Dissertação (Mestrado em História). Salvador: UFBA, 1997, p.167
120
Capítulo 04: Celebrar a morte na Irmandade de São Benedito
4.1 As representações da morte na sociedade Ocidental
Talvez, por ser a morte considerada um tabu em muitas culturas, os estudos referentes
ao tema ainda são restritos. As primeiras pesquisas sobre a morte foram elaboradas pelos
franceses, Philippe Ariès, Michel Vovelle e o filósofo Edgar Morin, a partir da introdução das
novas correntes, a exemplo, da Escola dos Annalles e da História Cultural. Novos temas
passaram a ser introduzidos na oficina dos historiadores, tais como: festa, cotidiano,
religiosidade, sentimentos, gênero, dentre outros.
Sobre a originalidade dos estudos produzidos sobre a morte no mundo ocidental,
Maria Marcílio ressaltou:
As pesquisas desbravadoras de Philipe Ariès e de Michel Vovelle mostraram a beleza e complexidade, e também a viabilidade, da história das atitudes
diante da vida, da infância, do casal, da família e também da morte, no
ocidente cristão. As atitudes coletivas no passado, face a morte - na ordem
do dia hoje na França- fazem parte de uma preocupação convergente de pesquisadores das ciências do homem: sociólogos, psicólogos, antropólogos,
particularmente.277
Para entendermos as atitudes dos homens diante da morte, torna-se necessário aplicar
um conceito sobre a mesma com o objetivo de compreendê-la e, consequentemente, perceber
como em diferentes tempos a sociedade ocidental cristã conviveu com o fato e seus
desdobramentos. De acordo com Edgar Morin, a morte pode ser compreendida de diversas
formas a partir das construções feitas sobre o tema, o autor a definiu da seguinte maneira:
A morte é, a primeira vista, uma espécie de vida, que prolonga de um lado
pra outro, a vida individual. Ela é de acordo com essa perspectiva, não uma “ideia”, e sim uma “imagem”, como diria Bachelard, uma metáfora da vida,
um mito digamos. De fato, nos vocabulários mais arcaicos a morte ainda não
existe como conceito: fala-se nela como um sono, de uma viagem, de um
nascimento, de uma doença, de um acidente, de um malefício, de uma entrada na morada dos ancestrais, e, na maioria das vezes de tudo isso ao
mesmo tempo.278
Em diferentes contextos e períodos históricos, o homem percebeu e vivenciou a morte
de várias maneiras, a maioria das pesquisas sobre a morte tratam do período da Idade Média.
Philippe Ariès nas suas pesquisas analisou alguns tipos de morte. Na Alta Idade Média a
277 MARCÍLIO, Maria Luiza. A morte de nossos ancestrais. In: MARTINS, José de Souza. A morte e os mortos
na sociedade brasileira. São Paulo: Ed. Hucitec, 1983, p. 61. 278 MORIN, Edgar. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Ed. Amago, 1997, p. 26.
121
morte domada constitui-se como a que é esperada pelo doente, com o apoio, carinho e
solidariedade familiar, onde se é possível uma preparação prévia dos ritos fúnebres, não há
surpresas na sua chegada 279 . As representações mentais da morte caracterizadas pela
passagem do juízo final e individual de cada um correspondendo:
Durante a segunda metade da Idade Média, do século XII ao século XV,
deu-se uma aproximação entre três categorias de representações mentais: as
da morte, as do conhecimento por parte de cada indivíduo de sua própria biografia e as do apego apaixonado às coisas e aos seres possuídos durante a
vida. A morte tornou-se o lugar em que o homem melhor tomou consciência
de si280.
Segundo Ariès, a morte repentina apresenta-se, geralmente, de forma trágica e
inesperada “Rompia então a ordem do mundo em que todos acreditavam instrumento absurdo
de um acaso, por vezes disfarçado em cólera de Deus”281
4.2 Concepções religiosas da morte
Além dos cuidados com os preparativos das festas a São Benedito, a morte
apresentava-se como uma das principais preocupações dos irmãos da Irmandade de São
Benedito. A depender da religião ou denominação religiosa, as concepções acerca da morte
podem ser vivenciadas de formas distintas. Para analisarmos a visão de morte dos irmãos
feirenses de São Benedito precisamos compreender a noção de morte construída por outras
religiões ou denominações religiosas presentes em Feira de Santana nas primeiras décadas do
século XX.
Elizete da Silva no estudo sobre anglicanos e os protestantes batistas na Bahia
analisou a concepção de morte dessas denominações religiosas. Segundo a autora, havia três
maneiras de se ver a morte.
O discurso anglicano sobre a morte construiu-se de forma organizada, seguindo a
tradição eclesiástica e os ensinamentos bíblicos. Da leitura dos epitáfios e dos textos
necrológicos pode-se concluir que viam a morte basicamente sob três perspectivas: a
primeira era que a morte do cristão era uma morte bem-aventurada, pois que
morriam no Senhor; a segunda é a que identificava a morte como um sono, um
repouso dos fiéis no aguardo da ressurreição eterna; e a terceira concepção era a de
que se constituía numa passagem, numa partida desta vida para a vida eterna.282
279 ARIÈS, Phillipe. História da morte no ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: F. Alves.
1977, p.22 280 Idem. p.35. 281 ARIÈS, Phillipe. O homem diante da morte. Volume I. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989 p.12. 282 SILVA, Elizete da. Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese (Doutorado em
História). São Paulo, 1998, p. 364.
122
Elizete da Silva salientou que os anglicanos acreditavam que as atitudes e boas ações
na vida terrena poderiam garantir alguma recompensa após a morte.283 Na visão de morte dos
protestantes, as pessoas podiam ser divididas entre os destinados ao reino do céu e os que
iriam para o inferno “O protestantismo desde os seus primórdios rechaçou a possibilidade da
existência do purgatório, porém manteve a crença na vida futura definida em duas excludentes
direções: o céu para os justos e o inferno para os injustos.”284
Para os espíritas, após a morte do corpo físico, as pessoas voltavam a Terra
reencarnadas até conseguirem um estágio de evolução que o libertassem do processo de
reencarnação. Ao discutir sobre o Espiritismo em Feira de Santana, Clablik Morgado
ressaltou que os espíritas feirenses buscavam trechos da Bíblia cristã para validar sua visão
diante da morte “Quando escreveu sobre o Espiritismo na coluna À vol d’oiseau, Osvaldo
Requião privilegiou discussões sobre princípios religiosos, como livre-arbítrio e
determinismo, comprovação bíblica do Espiritismo e reencarnação.”285
Maria Cristina Guarniere ao discutir o processo de luto na doutrina espírita definiu a
forma de ver a morte na perspectiva dos espíritas:
A existência de espíritos implica na crença da sobrevivência da alma após a
morte. Alma, inclusive para a doutrina, é o espírito encarnado que, com a morte, desencarna tornando-se um espírito.
O espiritismo acredita na existência de outros mundos habitados que
oferecem diferentes possibilidades de evolução e aprendizado para os
espíritos. 286
Em O cuidado dos mortos, Emerson Giumbelli argumentou que para o Espiritismo
alguns espíritos não conseguem evoluir e esses foram denominados de espíritos sofredores.
Para o autor:
Outra coisa eram as manifestações de ‘espíritos sofredores’, ou seja,
‘espíritos’ que perambulavam pelas regiões mais baixas da hierarquia do plano invisível, presos ainda às dolorosas lembranças de sua ‘encarnações
anteriores’. Tais ‘espíritos’ podiam se manifestar ‘espontaneamente’ através
de algum ‘médium’ e, quando o faziam, geralmente assumiam o tom
agressivo e desafiador.287
283 283 SILVA, Elizete da. Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese (Doutorado em
História). São Paulo, 1998, p. 366. 284 Idem, p.383. 285 MORGADO, Clablik de Oliveira. O voo do pássaro e seu canto: trajetória de um espírita e do espiritismo
em Feira de Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2016. p. 119. 286 GUARNIERE, Maria Cristina. Morte no corpo, vida no espírito: o processo de luto na prática espírita da
psicografia. Dissertação (Mestrado em Ciências das religiões). São Paulo, 2001, p.51. 287 GIUMEBLLI, Emerson. O cuidado dos mortos: Uma História da condenação e legitimação do espiritismo.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997, p.76.
123
Para os adeptos das Religiões de Matrizes Africanas, as representações a cerca da
morte passam pelo ritual do axexê, o qual é o ritual para desfazer a feitura de cabeça cortando
os elos religiosos do fiel. Conforme Luiz Claudio Bandeira:
No momento da morte, o iniciado, agora denominado ará-orum4 , mesmo
comandado por Ikú, por um curto período de tempo, contará com a ajuda de
alguns orixás e voduns que se mesclam com a morte e com a terra, como Oiá, Nanã, Euwá, Obaluaiê, Exu Burucu, Orixalá, a fim de que possa melhor
compreender sua nova existência. Cabendo a Euwá, que com seu saber e
conhecimento de fórmulas especiais, ajudar o Egum a fazer sua transposição
do Aiyê para o Orum com tranquilidade.288
Conforme a antropóloga Elbein, entre a etnia Nagô, a morte constitui a última fase
para se chegar a imortalidade, a autora ressaltou:
Devemos novamente insistir no fato de que, para o Nagô, a morte não significa absolutamente a extinção total ou aniquilamento, conceitos que
verdadeiramente o aterram. Morrer é uma mudança de Estado, de plano e de
status. Faz parte da dinâmica da existência que inclui, evidentemente, a dinâmica social. Sabe-se perfeitamente que o Ikú deverá devolver o Iyá-nlá,
a terra, a porção símbolo da matéria de origem na qual cada indivíduo, fora
encarnado; mas cada criatura ao nascer carrega seu ori, seu destino. Trata-se, portanto, de assegurar que este se desenvolva e se cumpra. Isso é valido
tanto para ser uma unidade (uma família, um “terreiro” etc.) quanto para o
sistema quanto uma totalidade. A imortalidade, ou seja, o eterno
renascimento, de um plano de existência a outro deve ser assegurado.289
Até mesmo no interior do Catolicismo, a morte foi vivenciada de maneiras distintas
em diferentes espaços e grupos. Ao sublinhar as experiências acerca da morte no Sertão
baiano, Cândido Silva destacou que a população sertaneja possuía uma forma particular de
interpretar e ressignificar a morte. Conforme o autor, as atitudes dos sertanejos diante da
morte eram mais modestas e autônomas quando comparadas as das irmandades. Como se
pôde notar:
Nenhum momento ensejou ao cristão da diáspora maior autonomia, ungindo
sua capacidade criadora reinterpretativa, do que a morte em uma circunstância sertaneja. Evidencia-se a interferência mínima e secundária do
ministro, na cessão dos diversos passos e procedimentos mantidos por uma
tradição laica.290
288 BANDEIRA, Luis Claudio. A morte e o culto dos ancestrais nas Religiões afro-brasileiras.São Paulo,
2010, p. 49. 289 SANTOS, Jauna Elbein. Os Nagô e a morte: Padè, Asésé e o culto Égun na Bahia. Petropólis: ED. Vozes,
2002, p.221-222. 290 SILVA, Cândido da Costa. . Roteiro da vida e da morte (um estudo do catolicismo no sertão da Bahia).
São Paulo: Ática, 1982, p. 26.
124
Como vimos, as concepções sobre a morte a depender da instituição religiosa ou a
religiosidade de grupos refletia na forma como as pessoas interpretavam ou vivenciam,
enquanto rito de passagem para um outro plano.
4.3 Os Irmãos de São Benedito e a morte
A morte na perspectiva do catolicismo, a partir do estudo da Irmandade de São
Benedito de Feira de Santana, possibilitou compreender como parte dos católicos feirenses
vivenciaram a morte. O falecimento ou rituais fúnebres de algum membro da Irmandade
poderia denotar o grau de prestígio e poder numa sociedade durante a vida e após a morte. A
Irmandade de São Benedito de Feira de Santana, segundo as análises do Termo de
Compromisso, jornais e outras fontes, apresentavam com nitidez estas características.
Consoante o Termo de Compromisso, a Irmandade feirense de São Benedito possuía
um artigo destinado a explicar quais atividades eram criadas dentro da Irmandade no tocante
aos irmãos falecidos. Pode constatar-se o comprometimento da Irmandade em relação à
memória e a garantia de salvação dos que morreram, pois além da missa anual, certamente no
dia de finados, havia a celebração mensal “A Irmandade fará celebrar annualmente um officio
fúnebre por todos os Irmãos falecidos e mensalmente uma missa pelos Irmãos vivos e
defuntos ao qual assistirão aos irmãos incorporados”.291
A historiadora Mara Regina Nascimento destacou os principais objetivos de homens e
mulheres ao tentarem ingressar numa associação religiosa era justamente a preocupação com
a morte:
Entre as razões que levava um indivíduo a aderir uma irmandade religiosa, duas era dúvidaas mais freqüentes: a busca de algum grau de prestígio social
e também a necessidade de integrar-se a um círculo diferenciado de pessoas,
seja de caráter étnico, político ou de superioridade econômica. No entanto,
para além destes dois motivos, havia outro ainda mais forte que impulsionava, se não todos, quase todos os indivíduos a tornarem-se
confrades: a preocupação constante iminência com a morte.292
O Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito da cidade de Feira de
Santana estabelecia alguns direitos reservados aos irmãos no momento da morte, muitas
dessas garantias eram de praxe em irmandades. Uma das cláusulas dessa fonte enfatizou as
vantagens ofertadas aos seus confrades, tal como, “graças espirituais”, podemos interpretar
291 Termo de Compromisso da Irmandade do Glorioso São Benedito de 1903. 292 NASCIMENTO, Mara Regina do. Irmandades leigas em Porto Alegre: práticas funerárias e experiência
urbana XVIII-XIX. Tese (Doutorado em História). Porto Alegre, UFRGS, 2006, p.169.
125
como uma possibilidade da conquista do reino do céu, alívio espiritual dos sofrimentos
terrenos, perdão dos pecados e a celebração de missas para salvar a alma do falecido do
purgatório. O Termo de Compromisso rezava:
Além das graças espirituaes de que gozam os Irmãos, em virtude das
concessões da Santa Egreja Romana, terão direito a suffragios mandados
celebrar pela Irmandade, à sepultura, quando não houver cemitério próprio, e a socorros corporaes, cahindo em indigência, conforme os recursos da
mesma Irmandade.
Ao irmão que fallecer sem recursos, a Irmandade ciente e inteirada, mediante comunicação verídica e fidedigna, dará a sepultura commum, fazendo as
despezas do enterramento.(sic)293
A fonte acima contribuiu para percebermos a existência de solidariedade e ajuda
mútua entre os confrades da Irmandade, se por algum motivo o irmão em vida não tivesse
deixado dinheiro para o custeio dos seus ritos fúnebres, a Irmandade se encarregava de fazê-
lo, mas frisava que o enterro se daria de forma comum, ou seja, simples, sem pompa.
Sobre a relevância dos cortejos fúnebres para os membros ingressantes nas
irmandades, ao analisar a Irmandade do Rosário do Pelourinho da Bahia século XIX, Sara
Farias destacou:
Os ritos fúnebres ocuparam lugar de destaque na Bahia oitocentista. Morrer
com pompa e cerimônia era sinal de que o morto não era qualquer um,
representava prestígio. Ricos e pobres, brancos e negros, livres, libertos e até escravos buscavam esse fim.294
A Irmandade de São Benedito de Feira de Santana admitia a possibilidade de
participar e propiciar assistência religiosa no sepultamento de pessoas externas ao grupo, isto
é, católicos, mediante o pagamento da quantia de trinta mil réis, como rezava o Termo de
Compromisso:
Poderá a Irmandade acompanhar o enterro de qualquer outra pessoa
estranha a mesma, precedendo convite do interessado que entrará para o cofre com a esmola de trinta mil reis entregue ao thezoureiro por meio de
guia do procurador. 295
Nos estudos sobre irmandades, é comum encontrar pessoas solicitando a presença nos
velórios, simbolicamente ter o acompanhamento de uma irmandade num enterro representava
a transferência do prestígio para o falecido e, consequentemente, demonstrava o papel de
293 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903. 294 FARIAS, Sara Oliveira. Irmãos de cor, de caridade e de crença: Irmandade do Rosário do Pelourinho na
Bahia do século XIX. Dissertação (Mestrado em História).Salvador. UFBA, 1997, p. 90. 295 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
126
destaque do mesmo na sociedade feirense, como constatou-se no Termo de Compromisso.
Conforme Gilian França Silva, integrar uma irmandade religiosa configurava rituais
funerários estabelecidos, anteriormente, nos seus respectivos termos de compromisso, por isso
o autor destacou:
Pertencer a uma irmandade era ter o direito, estabelecido nos estatutos confrariais, da ação protetora da associação. O associado teria um funeral
assistido e alguns sufrágios que essas instituições mandavam celebrar pelos
irmãos defuntos. Por causa dessa característica social, algumas pessoas inscreviam-se em mais de uma irmandade, visando obter maior número de
missas em intenção de sua alma.296
Marina Souza refere-se, a simbologia que foi criada em torno da morte pelas
irmandades negras no período colonial e que persistiram e ainda persistem:
Uma justificativa comumente invocada para a criação de irmandades de “homens pretos” era a de dar um enterro cristão a negros muitas vezes
abandonados pelos seus senhores na hora da morte. Dessa forma, as
pequenas contribuições pagas ao longo da vida, na forma de anuidades, garantiam um enterro digno para aqueles que muitas vezes, se não contasse
com o amparo da irmandade à qual pertenciam, seriam jogados em alguma
praia ou mato para serem devorados pelos animais297.
Conforme Michel Vovelle, os ritos celebrados após a morte ainda eram bastante
presentes, no século XIX, nos países ocidentais “No Ocidente católico, sobretudo, a igreja se
manteve como lugar privilegiado para toda uma série de atos relativos à morte e ao além
mundo” 298 .Na tradição cristã, a morte significa o momento do fiel confrontar-se com a
perspectiva da salvação ou da perdição eterna, entre o céu ou o inferno, o juízo final de Deus.
Candido da Costa e Silva analisando as cerimônias fúnebres no sertão baiano destaca
que estes não são tão pomposos e bastante diferenciados quando comparados com as
irmandades, visto a ausência destas e do reduzido número de padres, os leigos se encarregam
de realizar os sepultamentos de forma modesta, conforme a vida que levavam.
Aqui não se cogita do rito exequial em latim que ao pároco compete presidir.
Nenhuma oração sua à saída da casa, nem a presença no acompanhamento,
se quer uma prece à beira da cova, uma exortação aos acompanhantes. O comum é o passo corrido, o gole de cachaça, as tiradas de humor pelo
296 SILVA, Gilian Evaristo França. Espaço, Poder e Devoção: As irmandades religiosas da fronteira Oeste da
América portuguesa (1745-1803). Tese (Doutorado em História). Curitiba, 2016, p.264. 297 SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: História da Festa de Coroação de Rei congo.
Belo Horizonte-MG: UFMG, 2006, p. 186. 298 VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a
idade média até o século XX. São Paulo: Atica, 1997, p.351.
127
caminho, e enxada e a pá escavando e recobrindo com a terra o
esquecimento. Nesse, sertão, a morte não se comporta os cortejos pomposos,
as eças piramidais, os mausoléus artísticos, a profusão dos sufrágios que o aval executor das irmandades e confrarias assegura com as capelas de
missas. Nem os mais abastados escapam a essa penúria .299
Feira de Santana distanciou-se desse contexto de simplicidade, pois é conhecida como
“Princesa do Sertão” e apresentava rituais fúnebres consideráveis, pomposos e concorridos,
principalmente, os promovidos por irmandades como a Irmandade de São Benedito, a
exemplo, do funeral de Agostinho Fróes da Motta.
4.4 Testamentos e últimas vontades dos irmãos de São Benedito
Para compreendermos o modo como os católicos feirenses, principalmente, os
vinculados a Irmandade de São Benedito concebiam a morte fez-se necessária uma
investigação em testamentos de pessoas que em algum momento participaram da Irmandade,
bem como, a análise das imagens das sepulturas e de necrologias encontradas no periódico
feirense O Município.
Os testamentos, além de serem utilizados para verificar a composição social de uma
pessoa ou determinado grupo, devido a disposição dos seus bens, pode ser útil para aferir sua
concepção religiosa, até mesmo, no momento de redigir os testamentos. Neles podemos
encontrar o grau de religiosidade de uma determinada sociedade e suas percepções sobre a
morte, pois “o objetivo do testamento era o de obrigar o homem a pensar na morte enquanto
era tempo”300. Possuir um testamento é um forte indício para identificar a classe social porque
tê-lo representava pertencer ao grupo abastado da sociedade ou ter bens para legar aos
herdeiros.
Philippe Ariès ao estudar a História da morte no Ocidente destacou o testamento,
enquanto uma riquíssima fonte para compreender o lugar da religiosidade na vida das pessoas.
O autor explicou:
Do século do século XIII ao XVIII, o testamento foi o meio para cada
indivíduo exprimir, frequentemente de modo muito pessoal, seus
pensamentos profundos, sua fé religiosa, seu apego às coisas, aos seres que amava, a Deus, bem como as decisões que havia tomado para assegurar a
salvação da sua alma e o repouso do seu corpo. O testamento era, então,
299 SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte (um estudo do catolicismo no sertão da Bahia).
São Paulo: Ática, 1982, p.24 300 ARIÈS, Philippe. A História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: F.
Alves. 1977, p.111.
128
mais que o simples ato de direito privado para a transmissão de uma herança,
um meio para cada um afirmar seus pensamentos profundos e concepções.301
O testamento de Senhor Agostinho Fróes da Motta nascido 04/05/1856 e faleceu em
23/03/1922 302 apresentou esse perfil descrito por Volvelle: no primeiro momento, houve
referência a sua religiosidade católica e, posteriormente, apresentou-se a partilha da herança.
Agostinho Fróes da Motta afirmou professar a doutrina católica apostólica romana e frisou
que em morte pretendia permanecer na mesma. O nome de Agostinho Fróes da Motta consta
na relação dos nomes dos juízes da festa da Irmandade de São Benedito em 30 de março de
1912. É importante frisar que o testamento de Agostinho Fróes da Motta redigiu-se no início
do século XX, no entanto era um homem que viveu boa parte da vida no século XIX e não foi
difícil encontrar semelhanças entre o seu modelo de testamento e o empregado entre os
séculos XIII e XVIII, como podemos notar:
Em nome de Deus, Amém
Eu, Agostinho Fróes da Motta, achando-me em perfeita saúde e em juízo
seguro, mas, desejando cautelar alguns interesses que me cumprem cautelar
delibero sem constrangimento algum e de minha livre e espontâneas vontade fazer meu testamento do seguinte modo:
1ª verba-: Declaro que professo a Religião Católica Apostholica Romana, em
qual nasci e espero morrer.303
As primeiras referências do testamento de Agostinho Fróes da Motta foram relativas a
sua doutrina religiosa e a primeira verba para explicitar a sua condição de católico. Após essas
informações, começa-se a distribuição do seu patrimônio entre esposa, filhos, sobrinhos,
afilhados, primos, amigo e empregado. Mesmo o testamento de Agostinho tenha sido
redigido no século XX, o mesmo continha algumas características dos testamentos do século
XVIII, pois nele encontramos, além da disposição de bens, doações para “parentes pobres”,
doações para viúvas pobres da cidade de Feira de Santana, para o Asilo de Nossa Senhora de
Lourdes, para Santa Casa de Misericórdia e para a Igreja Nossa Senhora dos Remédios.
Volvelle contextualizou as novas formas de estruturar os testamentos depois da
segunda metade do século XVIII destacando a tendência em diminuir aspectos religiosos
dando prioridade para a distribuição de bens:
Pode-se admitir que essa mudança foi generalizada em todo o Ocidente
Cristão, protestante ou católico. As cláusulas piedosas, as escolhas de sepulturas, as instituições de missas e serviços religiosos e as esmolas
301 ARIÈS, Philippe. A História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: F.
Alves. 1977, p.44. 302 Datas retiradas do Jazigo de Agostinho Fróes da Motta. 303 Testamento Agostinho Fróes da Motta. Estante: 06, Caixa: 166.
129
desaparecerem, tendo sido o testamento reduzido ao que é hoje – um ato
legal de distribuição de fortunas. 304
Assim como o testamento do Coronel Agostinho Fróes da Motta, o de Tertuliano José
de Almeida datado no ano de 1930, também possuía menção religiosa com frases
direcionadas para Deus ou Jesus Cristo, declarando-se católico apostólico romano. Tertuliano
José de Almeida nasceu em 27/04/1850 e faleceu em 21/10/1930, 305o nome de Tertuliano
José de Almeida consta na relação dos nomes dos juízes da festa da Irmandade de São
Benedito em 30 de março de 1912. Diferentemente do amigo Agostinho Fróes da Motta,
Tertuliano trouxe uma descrição mais simples dos seus bens deixou-os apenas para familiares
e não fez nenhuma doação a obras de caridade. Constituiu num modelo mais próximo dos
novos padrões de testamentos adotados a partir do século XIX, nos quais a presença de
referências à religião se tornou cada vez menor e, geralmente, aparecem nos primeiros
enunciados do testamento, como vemos no documento abaixo:
Testamento em notas que fez Tertuliano José de Almeida como abaixo declarado:
Saibam quantas este número testamento em notas, virem que no anno de
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil novecentos e trinta, dez
dias do mês de fevereiro deste ano, nesta cidade da Feira, digo, aos onze dias do mês de fevereiro do dito anno, nesta cidade de Feira de Sant´Anna, do
Estado da Bahia e República dos Estados Unidos do Brasil em casa de
residência do supramencionado Tertuliano José de Almeida [...]. Verba 2ª: declara que é cathólico, apostólico e romano cuja fé pústula viver e
morrer.306
Outro testamento de um período um pouco posterior a pesquisa, entretanto
considerado importante por ser o de Arthur Fróes da Motta falecido em 1951307e o mesmo
constar entre o nome de integrantes da segunda década do século XX. Arthur Fróes da Motta
era um dos consultores dos anos compromissais de 1928-1929 da Irmandade de São Benedito
em 1928, o Jornal Folha do Norte, publicou:
Irmandade de São Benedito
Reunidos em sessão de assembléa geral, a 19 do findante, os membros desta
associação religiosa elegeram a nova mesa administrativa que tem de gerir os destinos da irmandade durante o anno compromissal de 1928-1929.
São estes nossos dirigentes: presidente - Bertino Alves de Farias, vice-
presidente –João Paschoaldos Santos (reeleito): secretário- Antonio Alves Caribé, segundo secretário-João Mendes Leite; thezoureiro- Antonio
Cipriano Pinto (reeleito); 1º procurador – Antonio Euzebio do Nascimento
304 ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: F. Alves.
1977, p. 44. 305 Informações retiradas do Jazigo de Tertualiano José de Almeida. 306 Testamento de Tertuliano José de Almeida. Estante: 13, Caixa: 367. 307307 Informações retiradas do Jazigo de Arthur Fróes da Motta.
130
(reeleito); 2º procurador- Alberto de Assis Costa; Zelador- Amerino
Annunciação (reeleito).
Consultores: Pedro Fonseca, Francisco Alves de Andrade (reeleito), Herminio Francisco dos Santos (reeleito), Alfredo Rodrigues, Lydio Barros,
pharm. Arthur Fróes da Motta, Genuino Neco(reeleito). Rosendo dos Santos
(reeleito) e Manoel Cosme Carneiro da Silva.
Suplentes de consultores: Armando Oliveira, Pocino Rodrigues e José Trindade.
Commissão de contas- Tertuliano de Almeida Sampaio, Antonio Ferreira da
Silva, Victor Costa.308
Na nota do Jornal Folha, temos as eleições da mesa diretiva para os anos de 1928 e
1929. Foram eleitos os seguintes cargos: presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro,
procuradores, consultores, suplentes de consultores e a comissão de contas. Ainda nos anos de
1928-1929, não encontramos nomes de mulheres na mesa administrativa da Irmandade de São
Benedito
O testamento de Arthur Fróes da Motta mostrou-se importante para encontrarmos
resquícios relativos a sua religiosidade católica, nele encontramos apenas uma única menção
religiosa na qual o mesmo explicitou ser católico apostólico romano como registrou-se no
testamento:
Saibam quanto este testamento em notas virem, que aos quinze dias do mês
de abril de mil novecentos e cinquenta, nesta cidade de Feira de Santana, do Estado da Bahia, e República dos Estados Unidos do Brasil, em casa de
residência do farmacêutico Arthur Fróes da Motta a Avenida Senhor dos
Passos, número 15, onde eu Almachio Alves Boaventura, a chamado vim, e aí perante mim compareceu como outorgante o mesmo Arthur Fróes da
Motta, brasileiro, casado, farmacêutico e funcionário público do Estado,
reconhecendo de mim próprio tabelião [...] Verba quinta- Nomeia seu testamenteiro sua mulher Francelina Carneiro
Mota e Cônego Mario Pessoa da Silva, a qualquer pede que pede que aceite
este encargo. Declaro por fim que é católico Apostólico Romano, crê em
Deus sob todas as coisas e nesta crença espera morrer.309
No testamento de Arthur Fróes da Motta, não havia nenhuma doação de cunho
filantrópico ou entidade religiosa, provavelmente, por estar o testamento adequado ao novos
padrões de excluir clausulas religiosas e incluir apenas bens matérias. Podemos ressaltar,
ainda, a proximidade de Arthur com os religiosos da cidade, visto que um dos seus
testamenteiros era um dos vigários de Feira de Santana.
Elizete da Silva ao argumentar sobre a forma como aparecia a questão religiosa nos
testamentos de protestantes na Bahia ressaltou as diferenças existentes entre testamentos de
308 Folha do Norte. Feira de Santana, 07 de julho de 1928, p.3. 309 Testamento de Arthur Fróes da Motta. Estante: 06, Caixa: 166.
131
protestantes e católicos, tinham uma forma particular de conceber a morte. Segundo a autora,
os protestantes não fazem alusões a religião como podemos verificar:
Porém, do que se pôde observar entre os anglicanos, tende-se a admitir que
não era resultante do abandono das crenças, porém de um certo tipo de práticas e concepções religiosas menos emocional, mais contida e cultivada
individualmente, no recôndito do coração ou da mente, que não convinha se
expor em um documento que se tornaria público,mesmo que para um pequeno círculo.310
Emanuela Santana ao analisar alguns testamentos de pessoas da classe dominante
feirense das primeiras décadas do século XX destacou a ausência destes aspectos religiosos
nos testamentos:
Nem há muitos registros de informações sobre a religiosidade, como os ritos
de elevação da alma, a exemplos das missas, as cerimônias de enterramento, com seus ricos detalhes sobre como deveriam ser dispostos os restos mortais
do testador, como deveriam ser as sepulturas, já que a mesma seria uma
extensão de sua existência pela eternidade ou até o dia do juízo final, quais
os anjos e santos de devoção do testador, esmolas pias, entre outros.311
Acerca das mudanças nas formas de conceber e escrever os testamentos, Maria
Marcílio salientou:
O testamento era então um documento para a salvação da alma era uma
verdadeira prece generosa feita a Deus; à “gloriosa Virgem Maria” e aos intercessores celestes, ante a morte eminente. Só mais tarde ele tornou-se um
texto, que apenas regulamentava as questões matérias.312
Philippe Ariès também acentuou a finalidade inicial do testamento, esse documento,
no primeiro momento, foi criado com o objetivo de salvar almas, ou seja,tinha um caráter
religioso e, paulatinamente, tornou-se somente um texto para a distribuição de bens materias.
Conforme o autor,
O testamento foi, portanto, o meio religioso e quase sacramental de ganhar
as aeterna sem perder completamente as temporalia, de associar as riquezas à obra da salvação. E de certa maneira, um contrato de segurança concluído
entre o indivíduo mortal e Deus, por intermédio da Igreja: um contrato com
duas finalidades; de início, um “passaporte para o céu”, segundo a palavra de
Jacques Le Goff.313
310 SILVA, Elizete da.Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese (Doutorado em
História). São Paulo. USP, 1998, p.372. 311 SANTANA, Emanuela Kelly Silva. Entre os vivos e os mortos: o cotidiano da morte entre os católicos de
Feira de Santana no início do século XX. Monografia. Feira de Santana. UEFS, 2010, p. 38 312 MARCÍLIO, Maria Luiza. A morte de nossos ancestrais. In: MARTINS, José de Souza. A morte e os
mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Ed. Hucitec, 1983, p.68. 313 ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989, p.201.
132
Nos testamentos analisados nesta pesquisa, percebemos um novo modelo a ser
seguido, as referências religiosas deixam de ser o foco do testamento, o documento passou a
ser preenchido com quesitos direcionados a bens materiais que seriam herdados. Desses
testamentos o único com características mais próximas aos dos períodos anteriores ao século
XVIII foi o de Agostinho Fróes da Motta, provavelmente por ter uma mentalidade de um
homem que nasceu no século XVIII, e para demonstrar seu poder econômico, mas a maioria
dos testamentos da classe dominante feirense seguia o novo perfil adotado.
4.5 Sepulturas dos irmãos de São Benedito
Para discutirmos a arquitetura e simbologias dos sepulcros dos irmãos de São
Benedito, faz-se necessário trazer informações relativas ao local onde os túmulos se
encontram, ou seja, o cemitério. O cemitério mais antigo de Feira de Santana é o Piedade,
nele encontram-se sepultadas as pessoas que viveram na cidade desde a segunda metade do
século XVIII. Inicialmente, o Cemitério era administrado pela Câmara de Vereadores,
posteriormente, ficou sob o controle da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.
O terreno com um cemitério e uma casa foi adquirido, no ano de 1856, pelo
governo da província da Bahia, junto ao senhor José Maria Soares de Mello, e era administrado pela Câmara de Vereadores.
Em 1860, através da Lei nº844, de 03 de Agosto de 1860, a área do terreno,
num total de 74.888 metros quadrados, com um cemitério e uma casa, foi doado à Santa Casa de Misericórdia. Entretanto, somente a partir de 29 de
Outubro de 1864, a Irmandade assumiu a posse do imóvel, passando a ser
denominado Cemitério da Santa Casa de Misericórdia.314
De acordo com João Cerqueira, primeiro, o cemitério chamou-se Cemitério da Santa
Casa de Misericórdia, mas em 1906 passou a denomina-se Piedade. Cerqueira sublinhou
“Objetivando-se um melhor funcionamento do cemitério a Mesa Administrativa, em 12 de
junho de 1906, aprovou o regulamento, no qual fez constar no artigo I do capítulo que o
imóvel passaria a ser denominado Cemitério Piedade.”315.
Devido a proliferação de epidemias de doenças, a prática de sepultar em templos teve
de ser modificada, as pessoas passaram a afastar os mortos das áreas mais próximas das
cidades. Ao pesquisar a epidemia de cólera do século XIX na Bahia, Onildo David apontou as
seguintes mudanças nos costumes:
314 CERQUEIRA, João Batista. Assistência e Caridade: A história da Santa Casa de Misericórdia de Feira de
Santana 1859-2006. Feira de Santana: UEFS, 2007, p. 110. 315 Idem, Ibidem, p.111
133
No mesmo dia, como vimos por recomendações da Faculdade de Medicina
da Bahia e por lei do governo provincial, essas inumações foram proibidas.
A partir daí todos os defuntos passariam a ser sepultados no cemitério, geralmente, localizados fora do perímetro urbano. A medida procurava
afastar os mortos da cidade uma vez que eles eram vistos por médicos e
autoridades da cidade como um principal foco da cólera.316
Por esses motivos, o uso dos cemitérios passou a fazer parte dos novos hábitos da
população brasileira.
Conforme Elizete da Silva317, durante o Império era proibido sepultar protestantes em
Cemitérios administrados pela Igreja Católica, por isso durante uma epidemia no Final do
século XIX em Feira de Santana os filhos reverendo presbiteriano foram enterrados foram
enterrados no fundo do Cemitério Piedade. A autora frisou:
Embora os filhos do missionário tivessem falecido em 1899, em plena
República, o cemitério continuava a ser administrado pela Santa Casa de
Misericórdia (católica) que proibia o sepultamento de protestantes para não “profanar o Santo solo”. Os jovens foram enterrados numa parte dos fundos,
onde havia um muro que separava os falecidos católicos dos falecidos
protestantes.318
No Cemitério Piedade foram sepultadas pessoas de destaque da sociedade feirense,
algumas delas fizeram parte, em algum momento, da Irmandade de São Benedito como
Agostinho Fróes da Motta, Tertuliano José de Almeida e Arthur Fróes da Motta. O testamento
do Coronel Agostinho Motta corroborou para vermos a preocupação do Coronel com uma boa
morte para si e até a terceira geração da sua família.
Deixo a quantia de dez contos de reis para a construção de um mausoléu e
compra de um terreno perpetuo tanto quanto seja preciso ao lado esquerdo desta cidade, cujo mausoléu servirá para mim e meus descendentes até a
terceira geração. Esta quantia será entregue ao meu filho Doutor Eduardo,
para que no prazo estabelecido para o comprimento do meu legado e mais disposições faça iniciar a obra completando-a. Esta disposição não tem por
mim a vaidade e ostentação; faço apenas para decoração da minha terra e
para lembrar a meus filhos que tendo isto fiz com o produto do meu honesto
trabalho decente a vida.319
Diferentemente, dos outros testamentos analisados anteriormente, o de Agostinho
Fróes da Motta trouxe uma peculiaridade, nele reservou-se uma cláusula para tratar dos
tramites para a construção do Mausoléu da Família Fróes da Motta. Coronel Agostinho
316 DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível: epidemia na Bahia do século XIX. Salvador: Edufba, 1996, p.123. 317SILVA. Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos progressistas em Feira de
Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010. 318 Idem, ibidem, p.166-167. 319 Testamento de Agostinho Fróes da Motta. Estante: 06, Caixa: 166.
134
incumbiu Eduardo Fróes da Motta, um dos seus filhos, da construção do jazigo no Cemitério
Piedade. Coronel Agostinho salientou que a finalidade do sepulcro não era ostentar a
condição financeira da sua família e sim embelezar a cidade de Feira de Santana, pois toda a
riqueza na ornamentação seria resultado do esforço de anos de trabalho.
Podemos interpretar o ato de Coronel Agostinho Fróes da Motta em embelezar ser
mais uma forma de reafirmar sua privilegiada condição econômica na sociedade feirense,
mesmo após a sua morte, além do seu carro espetacularizado com as buzinas na festa de
Nossa Senhora Santana. Como veremos, o pedido referente a localização do terreno comprado
dentro do cemitério foi atendido, o mausoléu da Família Fróes da Motta encontra-se à
esquerda de quem entra no Cemitério Piedade posicionado logo na entrada, isto é, numa área
nobre.
Michel Volvelle explicou que houve um aumento da ornamentação dos jazigos
familiares entre o final do século XIX e início do XX, era uma das formas das famílias
burguesas demonstrarem sua riqueza. O autor destacou:
Houve uma idade de ouro do cemitério, se assim podemos dizer, enquanto também a família burguesa, em filas cerradas, se aglomerou dentro desse
hábitat póstumo: época dos monumentos funerários, de uma explosão
vertical que irrompeu as lápides e estelas bastante simples do cemitério
anterior a 1850, formando uma arquitetura heteróclita.320
Dentre os sepulcros familiares de pessoas falecidas nas primeiras décadas do século
XX em Feira de Santana, existentes no Cemitério Piedade, o mausoléu da família Fróes da
Motta é um dos mais suntuosos como podemos notar nas fotografias abaixo:
320 VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário da História: Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a
Idade Média até o século XX. São Paulo: Ática, 1997, p. 328.
135
FIGURA 06- Jazigo da Família do Coronel Agostinho Fróes da Motta. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal.
O mausoléu da Família Fróes da Motta enquadra-se dentro do perfil apontando por
Volvelle apresentando o que o autor denominou de “explosão vertical”, a maioria das estátuas
das sepulturas encontra-se na vertical, como no monumento da Família de Agostinho.
Importante salientar que a patente de coronel também foi incorporada ao jazigo da família, o
título acompanhado em vida manteve-se na recordação eterna do cemitério. O tipo de cruz
encontrada no mausoléu da Família de Agostinho estava presente em outros túmulos de
pessoas falecidas em meados do século XX. Notamos, ainda, o laurel de flores na imagem
representava a fé “Um outro tipo de representação funerária encontrada foi o do laurel de
coroa de flores. Coroas de glória ou de flores foram prometidas aos cristãos que
permanecessem fiéis até à morte.”321
Elizete da Silva nos seus estudos sobre os anglicanos na Bahia analisou os símbolos
presentes nos sepulcros, discutiu a representação da morte nas sepulturas. Segundo Silva, a
cruz fazia-se presente tanto nos túmulos católicos quanto protestantes:
A persistência da cruz, um símbolo cristão das mais populares no universo
protestante, traz um significado especial que é o da morte de Cristo como um sacrifício que se estende a todos os cristãos, propiciatório da vida eterna ,
símbolo que os anglicanos mantiveram nos seus rituais fúnebres, porém,
também, na liturgia dominical, compondo o altar juntamente com a Bíblia, o cálice do vinho e a salva do pão da sagrada comunhão.322
321 Silva, Elizete da. Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese (Doutorado em História).
São Paulo. USP, 1998, p. 381. 322 Idem, p. 381.
136
Faz parte ainda do Mausoléu da família de Agostinho está outra imagem localizada na
parte superior do túmulo.
Figura 07- Mausoléu da Família Fróes da Motta. Cemitério Piedade Arquivo pessoal.
Ao observar o mausoléu da Família Fróes da Motta, notamos a opulência do mesmo,
no jazigo além de estar sepultado Agostinho Fróes da Motta encontra-se também sua primeira
esposa Maximiana de Almeida Motta.No topo do túmulo, há a representação de um anjo
juntamente com uma cruz ornamentada com flores e ramos de plantas reafirmando a
religiosidade cristã da família e com várias imagens em alto relevo. No mausoléu, encontra-se
uma placa comemorativa do centenário do Coronel comemorado em 1956 o mesmo foi
chamado de benemérito, ou seja, ilustre e/ou bondoso, as lembranças da sua posição de
destaque permaneciam na memória.
Emanuela Santana ao descrever o anjo do jazigo da Família Fróes da Motta levantou a
hipótese “Representado numa figura feminina, provavelmente o anjo da gratidão, colocando
137
uma coroa de flores na cruz, esta em estilo cristão ou latina, adornada por um laço, que
representa a paixão e a fé cristã.”323
Segundo Michel Volvelle, o anjo também poderia significar as lembranças referentes
as pessoas falecidas “O anjo conservou sua significação própria: espalha as flores da
lembrança e interroga com seu sorriso enigmático. Com freqüência será também será
associado ao defunto (na maioria das vezes à morte), o transportando para o céu.”324
Ainda sobre a ornamentação dos túmulos entre o fim do século XIX e início do XX,
Volvelle ressaltou:
[...] a contínua fecundidade de uma estética neoclássica: urnas, ramos de
murta, cenotáfios à moda antiga, salgueiro-chorão dentro de um cemitério
jardim; mais tarde, um anjo da morte levantando sua tocha invertida e uma carpideira a moda antiga ... assim se delineou todo um repertório.325
No seu testamento, o Coronel Agostinho Fróes da Motta acentuou que os seus
descendentes até a terceira geração poderiam ser inumados no mesmo local, no entanto
Eduardo Fróes da Motta e Arthur Fróes, dois dos seus filhos, optaram por ter o seu próprio
jazigo.
323 SANTANA, Emanuela Kelly Silva. Entre os vivos e os mortos: o cotidiano da morte entre os católicos de
Feira de Santana no início do século XX. Monografia. Feira de Santana. UEFS, 2010,p. 49. 324 VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a
idade média até o século XX. São Paulo: Atica, 1997, p. 331. 325 Idem. p. 326.
138
Figura 08-Jazigo da Família Eduardo Fróes da Motta. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal
Assim como o jazigo de Agostinho Fróes da Motta, o do seu filho Eduardo Fróes da
Motta também era suntuoso e possuía referência a religiosidade católica, pois contem a
estátua de Jesus Cristo crucificado, podemos interpretar nessa imagem a crença na
ressurreição das pessoas ali sepultadas. O sepulcro está localizado no final do primeiro
corredor à direita de quem entra numa área nobre do Cemitério Piedade, fica perceptível o
empenho da família quanto a decoração.
O túmulo de Arthur Fróes da Motta destoou em comparação ao do seu pai e do irmão,
mostrou-se ser mais simples e está discretamente localizado no meio do Cemitério Piedade.
Arthur Fróes da Motta faleceu em 1951, no ano de 1922 foi eleito um dos consultores da
Irmandade de São Benedito no pleito dos anos compromissais de 1928 e 1929, mais um
motivo para a busca de resquícios da sua religiosidade. Não se pode ter certeza de qual o
motivo do seu túmulo está tão distante de seus parentes de primeiro grau, quanto a
simplicidade de seu sepulcro uma possível explicação pode estar no emprego de padrões mais
modestos a partir da segunda metade do século XX, ou também pode ser por algum motivo
pessoal da família de Arthur Fróes da Motta. Além do símbolo da cruz, a outra referência
religiosa encontrada foi epitáfio “orae por elles”.
139
Figura 09- Sepulcro da Família Arthur Fróes da Motta. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal.
Outro jazigo em destaque no Cemitério Piedade foi o da Família de Tertuliano José de
Almeida, com localização privilegiada sendo o primeiro túmulo à direita de quem entra no
referidocemitério. Devido aos furtos, por conta dosmateriais das letras serem feitas com
metais preciosos, os nomes do jazigo não possuem mais o destaque de outrora, mas não
deixou de chamar atenção por conta do seu esplendor. A imagem em alto relevo no túmulo
nos trouxe um anjo em posição de julgamento e três imagens de mulheres em posição de
suplica e clemência pelo falecido. No cemitério Piedade, com exceção da estatuária de santos
masculinos, as imagens em alto relevo de mulheres predominam.
Volvelle nas suas análises acerca da estatuária funerária descreveu as representações
sobre as mulheres, as mais comuns:
Todavia, na grande maioria dos casos, atribuí-se a mulher a função de expressar o luto, quer tome ela o rosto entre as mãos, pensativas ou
140
transtornada [...] Em todos os lugares, dir-se-ia é ela, quem espalha as flores
da lembrança e do consolo sobre o túmulo... 326
Figura 10- Jazigo da Família Tertuliano José de Almeida. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal.
Figura 11- Jazigo da Família Tertuliano José de Almeida. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal.
A maioria dos jazigos das famílias mais abastada de Feira de Santana possuía uma
estatuária funerária grandiosa e exuberante, essas famílias demonstraram seu prestígio e poder
econômico até mesmo na morte. Foram encontrados um número considerável de imagens de
Jesus Cristo, santos e santas denotando a predominância do catolicismo na cidade.
326 VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a
idade média até o século XX. São Paulo: Atica, 1997, p.333.
141
Entre os mausoléus de meados do século XX, o jazigo da Família João e Amália Mota
Faskumy apresentou uma peculiaridade em relação aos outros pesquisados, com denominação
masculina dos jazigos trouxe o nome de uma mulher juntamente com o do homem, seu
marido ou irmão, na denominação do sepulcro. A riqueza do jazigo pôde ser vista na
proporção de mais de um metro da imagem de Jesus Cristo crucificado sendo visto pela
imagem de uma mulher, provavelmente Maria, acompanhada da imagem de um homem.
Figura 12- Jazigo da Família João e Amália Mota Faskumy. Cemitério Piedade. Arquivo pessoal.
Segundo Michel Volvelle, a imagens denotadoras da religiosidade fazia-se constantes
durante o período de ouro dos cemitérios.
A estatuária sagrada impõe-se de imediato correspondendo a uma das vocações fundamentais do lugar dos mortos. É grande a sua importância:
142
representação da Virgem, de Cristo, de alguns santos e principalmente do
anjo, cuja importância desmesurada requer uma atenção particular. 327
O sepulcro, abaixo, é o mais antigo dos selecionados para este estudo e o mais
atingido pela ação do tempo. Nele estão enterrados Antônio Alves de Freitas Borja em
primeiro de agosto de 1920 e Elvira Bastos de Freitas Borja em 30 de junho de 1882,
respectivamente, marido e mulher. Possui uma cruz com flores em alto relevo, características
comum nas sepulturas do fim do XIX para início do XX, logo abaixo da cruz encontra-se
lauréis representando a fé cristã, o símbolo de uma pena e o epitáfio “orae por elles.”.
Figura 13- Jazigo de Antonio Alves de Freitas Borja e Elvira Bastos de Freitas Borja. Cemitério Piedade Arquivo pessoal.
327 VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a idade
média até o século XX. São Paulo: Atica, 1997, p.329.
143
Figura 14- Jazigo de Antonio Alves de Freitas Borja e Elvira Bastos de Freitas Borja. Cemitério Piedade Arquivo pessoal.
Como visto na pesquisa feita nos sepulcros do Cemitério Piedade, especialmente nos
jazigos de alguns membros da Irmandade de São Benedito, a religiosidade católica também
estava presente no momento da morte dos católicos feirenses. As representações religiosas
permaneciam além da vida, acompanhavam o morto no seu destino eterno para a salvação.
4.6 Os discursos necrológicos no periódico “O Município”
O estudo dos textos necrológicos do jornal feirense O Município constituiu fonte
relevante para verificarmos como eram organizadas e vivenciadas as cerimônias fúnebres em
Feira de Santana, no início do século XX.
Em 10 de abril de 1908, o periódico O Município na coluna Necrologia descreveu o
funeral de Donato Almeida, o anúncio trouxe algumas informações sobre local em que
trabalhava , enumerou qualidades relativas ao caráter do jovem e acentuou que o mesmo
estava enfermo há algum tempo. De forma poética e melancólica, podemos observar a
maneira como o redator do jornal reportou-se a morte sendo vista como a indesejada
externando o sofrimento causado. Segundo o jornal, Donato Almeida tinha facilidade em
fazer amigos e esses amigos presentes no sepultamento foram mencionados como cavalheiros
e por fim o redator prestou condolências à família do finado.
144
Necrologia
Em dias do mez passado sumcubiu nesta cidade o Sr. Donato Almeida que
há muitos anos era empregado no commércio da capital. Como é antipática a morte!...
Ah! Ella, a terrível. Agravando-lhe seus antigos padecimentos. Minando-lhe
todo o organismo a despeito das lágrimas dos seus parentes carregou para
debaixo da terra. Moço modesto, criterioso e bom. Donato grangeava muitas sympathias,
sabendo-se torna-se amigo de cada um de seus amigos de trabalho.
Ao seu enterramento compareceu grande número de cavalheiros. Repousa em paz o ditoso moço que me vida soube ser bom.
À toda família do extincto nossas expressões de pezar.328
José Witter ao fazer um estudo de anúncios fúnebres no início do século XX destacou
a nomenclatura peculiar do período para referir-se ao morto. Geralmente, a família solicitava
o anúncio. O autor salientou:
E o anúncio, de alguma forma, parece contribuir para que a informação do desaparecimento do “morto querido” permita manter, através da
solidariedade dos que ficaram, um conforto e um calor humano que acabam
por manter os laços do grupo.329
Ao analisar os necrológios no jornal Folha do Norte, Emanuela Santana observou que
os anúncios de falecidos em Feira de Santana eram de pessoas da elite da cidade, isto é,
letradas e que podiam pagar os anúncios do jornal.
Ou seja, o jornal será o principal veículo de comunicação utilizado pelas elites para a propagação dos novos padrões de civilidade, para as normas
sanitaristas, mas também servirá no que se refere ao cotidiano da morte,
como um tipo de culto à memória dos falecidos, no caso, referindo-se a pessoas pertencentes à elite feirense. 330
No jornal O Município de 09 de agosto de 1908, encontrou-se notas fúnebres com
menção a classe social do morto como podemos verificar:
Faleceu e sepulto-se na tarde de trinta do mez findo, a ExmªSª D. Zeferina
Alves de Sá viúva do capitão Florentino Gomes de Sá muito conhecido de seu tempo de comércio nesta cidade.
Compareceram ao enterro da extincta a S. Casa de Misericórdia, uma
comissão da philarmônica “25 de março” numeroso concurso de pessoas de todas as classes sociais.
A Exmª família da finada, especialmente a seu irmão major José Alves
Franco, apresentamos nossas sinceras condolências.331
328
O Município. Feira de Santana, 22 de maio de 1908. 329 WITTER, José Sebastião. Os anúncios fúnebres (1920-1940). In: MARTINS, José de Souza. A morte e os
mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Ed. Hucitec, 1983, p. 87. 330 SANTANA, Emanuela Kelly Silva. Entre os vivos e os mortos: o cotidiano da morte entre os católicos de
Feira de Santana no início do século XX. Monografia.Feira de Santana: UEFS, 2010, p.52. 331 O Município. Feira de Santana, 09 de agosto de 1908.
145
O periódico noticiou a morte de Dona Zeferina Alves de Sá, a posição de destaque da
mesma na sociedade feirense foi acentuada por ter sido viúva do major Florentino Gomes de
Sá, antigo comerciante da cidade, e irmã do major José Alves Franco. A presença da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, provavelmente a falecida fazia parte da confraria, e
a Filarmônica 25 de Março no sepultamento reforçou o prestígio de Dona Zeferina Alves de
Sá. Como vimos no jornal, as filarmônicas compareciam não apenas em festas, mas também
em nos velórios e sepultamentos e tinham a função de tocar marchas fúnebres no cortejo.
Entre os ambientes de atuação das filarmônicas feirenses Aline Santos enfatizou as
cerimônias fúnebres e sublinhou:
Fora da sede, faziam apresentações nas praças, as tocatas musicais, passeios e caravanas, bem como atuavam em bailes de formaturas da Escola Normal
e, depois, do Ginásio Santanópolis. Participavam, ainda de alguns
casamentos de seus sócios e acompanhavam algumas cerimônias
fúnebres.332
Ainda podemos apreender na nota do jornal que Dona Zeferina Alves de Sá era
bastante estimada na sociedade feirense e que houve repercussão social, porque
compareceram pessoas de diversas classes sociais. Conclui-se que o funeral de Dona Zeferina
Alves de Sá foi organizado com muita opulência.
Segundo Edigar Morin, os funerais eram espaços para as representações da morte.
Morin destacou:
[...] os funerais (que têm na sepultura apenas um de seus resultados), ao mesmo tempo em que constituem um conjunto de práticas tanto
consecratórias como determinantes da mudança de estado do morto,
institucionalizam um complexo de emoções: refletem as perturbações profundas que uma morte provoca no círculo dos vivos.333
Outro necrológio publicado no jornal O Município em 08 de novembro de 1908 o de
Casemira Lima e Silva, descreveu-se a finada como dotada de características exigidas para os
padrões da maioria das mulheres de meados do século XX, com adjetivações exaltando a
figura da boa mãe e esposa.
Necrologia
No dia 17 do mez passado, vitimada pela tuberculose na idade de 24 annos a Exmasra D. Casemira Lima e Silva, digníssima esposa do Sr. José Sancho da
Silva.
A finada deixou sete filhos menores.
332 SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”: 1919-1946 Feira de
Santana. Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana. UEFS, 2012, p. 53. 333 MORIN, Edigar. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Ed. Amago, 1997, p.29.
146
À Deus pedimos aos orphamzinhos , e a seu esposo prestamos nossas
sentimentos.334
Nos três necrológios analisados, identificamos como a sociedade feirense concebia e
vivenciava a morte em Feira de Santana nas primeiras décadas do século XX.
4.7 A celebração do dia de Finados
As irmandades sempre destacam em seus Termos de compromissos a celebração aos
finados, esse eram um dos dias mais importantes para as mesmas . Os membros das confrarias
acreditavam que tendo uma boa morte cristã, com todos os rituais necessários, chegariam
prontos para o juízo final. Em Feira de Santana na Irmandade de São Benedito, não ocorria
diferente havia uma programação especial para o dia em homenagem aos mortos.
A memorialista feirense Esther Alves Freitas, no seu caderno de recordações intitulou
um dos capítulos de Mês de finados, nesse capítulo constam informações referentes as
cerimônias dos dias de finados. O caderno de memórias é datado de 1976, mas em 1928 Ether
Alves Freitas já era normalista e a mesma ressaltou que sua memórias sobre a morte dizem
respeito à sua infância, ou seja, início do século XX sendo este o período deste estudo.
Dona Esther Alves Freitas foi uma normalista feirense, segundo Ione Sousa, a
professora exercia outras atividades econômicas.
Algumas egressas da Escola Normal de Feira de Santana exerceram, também, outras atividades relacionadas ao magistério, como montar
pensionatos e dar aulas particulares. Uma delas, a professoras Esther Freitas,
manteve o pensionato N. Sra Rosário, na Rua Sr. dos Passos, n. 8.335
Cristiana Ramos também escreveu sobre a professora Esther Alves Freitas e referiu-se
ao Internato Nossa Senhora do Rosário na cidade, com vagas ofertadas a preços modestos
para as moças de outras cidades que vinham estudar na Escola Normal em Feira de
Santana336.
Dona Esther Alves Freitas citou a presença da Irmandade de São Benedito,
Irmandade do Rosário e Nossa Senhora dos Remédios nas celebrações do mês de novembro,
todas essas confrarias ficavam localizadas na Capela de Nossa Senhora dos Remédios e esse
334 O Município. Feira de Santana, 8 de novembro de 1908. 335 SOUSA, Ione Celeste. Garotas tricolores, deusas fardadas: as normalistas em Feira de Santana 1925-1945.
Dissertação (Mestrado em História). São Paulo. PUC. 2001. p. 129. 336 RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade Princesa: mulheres
de elite, caridade e cultura 1900-1940. Santo Antônio de Jesus. Dissertação (Mestrado em História). UNEB,
2007, p.96.
147
pode ter sido o motivo da memorialista não ter mencionado as celebrações das outras
irmandades da cidade. Certamente, as outras Irmandades feirenses, como a Santa Casa de
Misericórdia, também tinham uma programação para esse dia.
Pra começo temos: Todos os Santos no dia 1º. O dia 2 é feriado nacional dia
consagrado aos “Mortos”.
É o celebre dia de finados. No entanto “Novembro” é todinho dedicado consagrado as almas.
Nos velhos tempos os padres tinham direito de celebrar 3 missas. A primeira
era celebrada na intenção dos Pontífices; depois seguiam-se as outras nas demais intenções.
Na Capela de N. Senhora dos Remédios havia uma missa que os “Irmãos de
São Benedito”, “N. S. dos Remédios”, “N. S. do Rosário”, devotos de S. Antonio e benfeitores da Capela eram sufragados.337
Philippe Ariès a respeito das percepções sobre a morte discorreu sobre as novas
formas de ver a morte, a noção da morte entre os séculos XV e XVIII modificaram
influenciando em novas práticas. Segundo o autor, no século XIX o dia de Todos os Santos e
Finados passaram a ser vivenciados de outra maneira:
Na realidade, as orações de intercessão pelas almas do purgatório, que, do
séc. XV ao século XVIII, tinham lugar tradicionalmente no dia de Todos os
Santos e no seguinte, não possuíam então o carácter de grande celebração unânime que as caracteriza hoje e que data somente século XIX, o de uma
verdadeira migração que leva até os cemitérios multidões frequentemente
vindas de longe.338
Conforme Ariés, essas novas concepções da morte popularizaram-se com a instituição
do catolicismo romanizado no XIX, o autor denomina essa nova fase de culto aos túmulos:
A grande diferença entre o dia de Todos os Santos antes do séc. XIX e
depois e depois dele é que aquele dia não implicava, antes do século XIX, a
presença física do túmulo, ao contrário do que se passa depois. Entre as duas festas interveio portanto um fenômeno importante: o culto do túmulo, ligado
a memória dos defuntos. Assim, não devemos tentar reconhecer nesta
cerimônia funerária uma tradição ininterrupta do paganismo. É um fato novo
de religião que aparece no final do séc. XVIII e se expande por todo o lado do séc. XIX, que o catolicismo ou a ortodoxia adaptaram, mas que lhes era
estranho.
O dia dos mortos não é mais do que uma das expressões próprias dos países católicos de um culto dos túmulos muito mais difundidos.339
A Irmandade de São Benedito tinha uma ornamentação toda especial para o dia de
finados, que na maioria das vezes, impressionava os fiéis e ficava presente no imaginário da
população. Neste caso específico, destacou-se as memórias de Esther Alves Freitas: “Na
337 Caderno de recordações Esther Alves Freitas 338 ARIÉS, Philippe. Sobre a História da morte no Ocidente desde a Idade Média. p. 138. 339Idem. p. 138
148
sacristia de S. Benedito a Irmandade a guardava um “caixão” estilo “mortuário” para as
encomendações nas missas fúnebres. Este era assombração da meninada que apavorava...”340.
O impacto de ter visto um caixão dentro do templo de Nossa Senhora dos Remédios foi
realmente grande para a memorialista, visto que anos depois ao ter escrito o seu caderno de
lembranças ainda recordava com angústia o momento em que olhou o esquife:
Que dia meu Deus... Até hoje não gosto de lembrá-lo quando eu entrava para a missa e dava com aquele caixão coberto de preto, com as velas acessas...
Ficava apavorada: Não queiram saber o medo que eu tinha de defunto.
Naquele tempo, a Morte era respeitada. Homem nenhum passava por uma porta, onde estivessem corpo, que não tirasse o chapéu em sinal de respeito;
hoje eles vivem sem chapéu logo, um trabalho a menos.341
Mais uma vez foi possível perceber o tom de nostalgia pelas modificações dos costumes
feirenses, a partir do momento em que a escritora menciona que no passado havia uma
reverência aos mortos e a partir da segunda metade do século XX não se encontrava mais.
Constantemente, ressaltando os pontos positivos do seu período de infância em detrimento
dos da sua idade madura.
A agremiação de São Benedito possuía um sino na Capela de Nossa Senhora dos
Remédios que de acordo com Esther Alves Freitas tinha a função de anunciar a morte.
O sino de Nossa Senhora dos Remédios -suave melodioso – destinava-se a
chamar para os atos religiosos e o “Angelo”- o de S. Benedito- suas
pancadas eram fortes e plangentes- tocava nos atos da Irmandade e tinha a triste missão de “dobrar” pelos finados. Era ele que anunciava o falecimento
dos cristãos pelo seu badalar, com os espaços das batidas, se sabia de quem
era o falecimento isto é se homem ou mulher.342
Como escreveu Esther Alves Freitas, a Irmandade de São Benedito tinha o ritual de
tocar os sinos para anunciar a morte dos irmãos. Sobre badalar dos sinos, o Termo de
Compromisso sublinhava “Além dos suffragios acima mencionados, o Irmão que fallecer, terá
direito a ser acompanhado pela Irmandade até a sepultura, dando o sino da mesma seis
dobres.”343
Ainda sobre a função do sino, citado acima por meio do escritos de Esther Alves
Freitas, Gilian Silva reafirmou a relevância do tocar do sino dentro dos ritos funerários e as
formas pelas quais a sociedade e as irmandades o usavam para divulgar e distinguir os mortos:
Outro meio de afirmação pública da morte era o toque do sino.
Rigorosamente era o seu sinal que escalonava o cerimonial, num sistema de
340 Caderno de recordações de Ester Alves Freitas. s/p, 1976 341 Idem, Ibidem. 342 Caderno de recordações de Esther Alves Freitas. s/p, 1976. 343 Termo de Compromisso da Irmandade de São Benedito 1903.
149
comunicação com os fregueses. O ritmo da vida cotidiana, os
acontecimentos excepcionais, os perigos e a perda de vidas humanas
irrompiam sonoramente em forma de notícia. A mensagem era transmitida através do toque diferenciado e personalizado do sino. O toque dos sinos
obedecia a normas, regulando o tempo da morte. O primeiro toque
correspondia à saída do préstito, o segundo assinalava a entrada do corpo na
igreja e o último fazia-se ouvir durante o repouso final. O sino dizia ainda quem era evocado, distinguia homens, mulheres e crianças, com número de
sinais distintos.344
A celebração da morte e do dia de finados em Feira de Santana pela Irmandade do
Glorioso São Benedito garantia aos irmãos os ritos necessários para o percurso final, rumo à
glória eterna e também a manutenção do prestígio e visibilidade buscado incessantemente
durante a vida para se perpetuar após a morte.
344 SILVA, Gilian Evaristo França da. Espaço, poder e devoção: As irmandades religiosas nas fronteiras do
Oeste da América Portuguesa 1745- 1803.Curitiba: UFPR, (Tese de Doutorado), 2015, p.265.
150
Considerações finais
Esta dissertação sobre a Irmandade de São Benedito e a Conferência de São Vicente
de Paulo nos possibilitou compreender como um grupo de homens e mulheres organizados
em torno do Cristianismo católico pautado numa religiosidade exercida por meio da fé, da
festividade religiosa e das práticas filantrópicas, consequentemente, conquistou ou ampliou
prestígio para seus membros na sociedade feirense das primeiras décadas do século XX.
Vimos que assim como algumas pessoas da classe dominante, Cicero Carneiro da
Silva, Monsenhor Tertuliano Carneiro da Silva, Monsenhor Moysés Gonçalves Couto,
Albertina Motta Barreto, o Farmacêutico Arthur Fróes da Motta, o Fazendeiro Tertuliano José
de Almeida, a Professora Leolinda Bacelar inclusive, “homens de cor”, a exemplo do Coronel
Agostinho Fróes da Motta, do Professor Geminiano Alves da Costa estavam reunidos em
torno da Irmandade de São Benedito e da Conferência de São Benedito da Sociedade de
Vicente de Paulo encontramos pessoas dos grupos subalternos integrando as mesmas e
participando do cotidiano e das atividades promovidas pelas Irmandades, certamente, tanto a
Irmandade quanto a Conferência tinham mais pessoas oriundas das camadas populares do que
dos grupos abastados, tal como, o ganhador Lucio Ribeiro da Costa, o sacristão Honorato
Alves Freitas, o funileiro Pedro Nepomuceno, o sapateiro Manuel Rodrigues Ramos, o
alfaiate Gesuino Neves de Salles e outros.
Para Rolie Poppino a Irmandade de São Benedito era formada exclusivamente por
homens negros e pobres, ao longo do nosso estudo identificamos mais de uma classe social
tanto na Irmandade de São Benedito quanto na Sociedade de Vicente de Paulo.
No Termo de compromisso da Irmandade de São Benedito, no Jornal Folha do Norte e
no Caderno de miscelânia de Monsenhor Galvão vimos a dedicação dos membros da
Irmandade de São Benedito em realizar as festas do patrono de forma primorosa. Anúncios
eram feitos no Jornal Folha do Norte para convidar a população para participar das novenas,
da procissão, dos leilões e um bando anunciador da Irmandade ia as ruas da cidade para
distribuir a programação com a finalidade de informar o maior número de pessoas sobre as
celebrações a São Benedito. As celebrações ao santo também eram precedidas de uma
lavagem na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. A festa de São Benedito constituia-se
num espaço para demonstração de fé, disputas entre as outras agremiações da cidade e o
momento de maior visibilidade para os irmãos, inclusive, eram durantes as festas que a nova
mesa diretiva da Irmandade de São Benedito era empossada.
151
A Conferência de São Vicente de São Benedito por meio da sua atuação nas doações
de dinheiro a pessoas doentes, as viúvas e as visitas aos enfermos do Hospital da Santa Casa
de Misericórdia levou socorro em dinheiro e, sobretudo, o conforto espiritual/religioso para
essas pessoas. Percebemos o empenho dos confrades da Conferência de São Vicente de Paulo
em manter suas obrigações religiosas e o esforço para continuar o funcionamento da mesma,
principalmente no momento de crise, e assim continuar com as atividades filantrópicas da
Conferência na cidade. Destacamos o comprometimento dos membros em doar mensalmente
uma quantia em dinheiro para a manutenção de uma das escolas mais antigas da cidade a
Escola Noturna para Pobres da Sociedade de Vicente de Paulo a mesma atendia pessoas sem
recursos financeiros para pagar uma escola privada. A Escola tinha como professor
Geminiano Costa da Silva, um “Homem de cor”, religioso membro da Irmandade de São
Benedito, o Professor juntamente com os confrades da Conferência assistiram com a
possibilidade de alfabetização das pessoas das camadas populares de Feira de Santana. A
Conferência de São Vicente de Paulo confirmou ser um importante ambiente para a prática
assistencialista e, sobretudo, da propagação da religiosidade católica e dos seus preceitos na
sociedade feirense.
Este estudo propiciou conhecermos como parte da classe dominante de Feira de
Santana agia diante da morte. A religiosidade cristã, em especial dos irmãos de São Benedito,
fazia-se presente não apenas durante a vida, permanecia na morte. Nos testamentos do
Coronel Agostinho Fróes da Motta, Tertuliano José de Almeida e Arthur Fróes da Motta
analisamos o modo como parte da sociedade feirense concebia a morte e como isto refletia na
forma como eram redigidos os testamentos, com pedidos de foro intímo, relacionados aos
preparativos dos ritos fúnebres. Os jazigos familiares existentes no Cemitério Piedade
também nos deram uma dimensão das atitudes dos homens diante da morte, pois muito
muitos símbolos denotadores da religião dos sepultados eram encontrados no cemitério. Os
necrológios do Jornal O Município nos possibilitou identificar como eram organizados os
funerais, as representações da morte e as qualidades atribuídas aos falecidos pelo redator do
jornal ou pelas famílias.
Vimos ao longo desta dissertação, por meio da análise de fontes, que a Irmandade de
São Benedito era composta por um número significativo de “Homens e mulheres de cor”.
O estudo mostrou-nos como a Irmandade de São Benedito e a Conferência da
Sociedade de Vicente de Paulo constituíram e configuraram espaços propiciadores de
prestígio e visibilidade social em Feira de Santana no início do século XX.
152
Os estudos sobre irmandades religiosas em Feira de Santana ainda constitui-se um
campo vasto a ser explorado pelos historiadores, acreditamos termos dado uma contribuição
para que novas pesquisas possam ampliar e diversificar as iniciadas por nós em 2007, pois
outros aspectos e outras fontes podem alargar o conhecimento sobre religiosidade da
sociedade feirense.
153
LISTA DE FONTES:
Fontes impressas: Periódicos
Jornal Folha do Norte – Biblioteca Setorial Monsenhor Renato Galvão/ UEFS.
Jornal O Município - Biblioteca Monsenhor Renato Galvão/ UEFS.
Jornal O Feirense- Biblioteca Monsenhor Renato Galvão/ UEFS.
Inventários e Testamentos
Agostinho Fróes da Motta- CEDOC/UEFS
Tertuliano José de Almeida- CEDOC/UEFS
Athur Fróes da Motta- CEDOC/UEFS
Libania Pedreira Gomes- CEDOC/UEFS
Camillo Mello Lima- CEDOC/UEFS
José Gonçalves do Couto- CEDOC/UEFS
Fontes manuscritas: Eclesiásticas
Ata da primeira sessão da Assembleia Geral da Irmandade do Glorioso São Benedito de 6 de
janeiro de 1904- AAFS.
Livro de Atas da Conferência do Glorioso São Benedito da Sociedade de Vicente de Paulo
1903-1907- AAFS.
Quatro folhas avulsas com nome, endereço e profissão dos membros da Conferência da
Sociedade de Vicente de Paulo 1903-1914 - AAFS.
Livro de matrícula da Escola Noturna da Sociedade de Vicente de Paulo 1914-1930- AAFS.
Documentos impressos
Diário da Coluna da vida feirense- Biblioteca Monsenhor Renato Galvão/ UEFS.
Documentos manuscritos
Caderno de miscelânias I de Monselhor Renato Galvão- Biblioteca Monsenhor Renato
Galvão/ UEFS.
Memórias
Caderno de recordações Esther Alves Freitas. 1976. Arquivo pessoal
BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e Vaqueiros. Salvador: Editora UFBA, 1989-
BSJC/UEFS
LAGEDINHO, Antonio do. A Feira na década de 30 (memórias). Feira de Santana, (s/ed.),
2004. BSJC/UEFS
Dicionário Personativo:
ALMEIDA, Oscar Damião. Dicionário Personativo, Histórico, Geográfico e Institucional
de Feira de Santana. Feira de Santana, 2012. APMFS.
Imagens
154
Imagens dos Jazigos nos Cemitério Piedade- Arquivo pessoal
155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Marta. O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro,
1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
ARIÈS, Phillipe. História da morte no ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de
Janeiro: F. Alves. 1977.
ARIÈS, Phillipe. O homem diante da morte. Volume I. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989.
AZEVEDO, Tales de. . Elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social
e classes sociais e grupos de prestígio. Salvador: EDUFBA, 1996.
BACELAR, Jeferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de
Janeiro: Pallas, 2001.
BANDEIRA, Luis Claudio. A morte e o culto dos ancestrais nas Religiões afro-
brasileiras. 2010.
BATISTA, Silvânia Maria. Conflitos e comunhão na festa da padroeira em Feira de
Santana. Monografia (Especialização em Teoria e Metodologia da História) – UEFS, Feira
de Santana, 1997.
BOSCHI. Caio Cesar. Os Leigos e o Poder. (Irmandades dos leigos e política colonizadora
em Minas Gerais). São Paulo: Ática, 1986.
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 1974.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed.Bertrand, 1989.
BRAGA, Julio Santana. Sociedade Protetora dos Desvalidos: uma irmandade de cor.
Salvador: Ianamá, 1987.
CAMPOS JÚNIOR, Luiz de Castro. NALIN, Ivanir Lourdes Marques. Novos caminhos para
as fontes históricas: iconografias, fotos e objetos. Paraná: Secretaria de educação, 2014.
CERQUEIRA, João Batista. Caridade, Política e Saúde: O Hospital João de Deus e a Santa
Casa de Misericórdia de Cachoeira, Bahia (1756 a 1872).Salvador:UFBA, 2015,
Cerqueira, João Batista. Assistência e caridade: a história da Santa Casa de Misericórdia de
Feira de Santana; Feira de Santana. UEFS, 2007.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Portugal: Difel,
2002.
156
COSTA, Bianca Silva Lopes. Cidade de devoção e festejo: Sentidos e significados da festa
de Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba. Dissertação de mestrado. Santo Antonio de Jesus,
UNEB, 2013.
COUTO, Edilece Souza. “Lavar o santo”: ritual afro-católico na festa do Senhor do Bonfim,
Salvador-BA. In: SILVA, Elizete da. NEVES, Erivaldo Fagundes. Cultura, Sociedade e
Política: Ideias, métodos e fontes na investigação histórica. Feira de Santana: Ed.UEFS, 2014,
COUTO, Edilece Souza. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da
Conceição e Sant´Ana em Salvador (1860-1940). Salvador-Ba: EDUFBA, 2005.
CRUZ, Maricélia dos Santos. Uma abordagem sobre a História da Educação dos negros.
In: ROMÃO, Jeruse (Org.). História da Educação dos negros e outras histórias. Brasília:
Ministério da Educação, 2005.
CUNHA, Nayara Fernandes Almeida. Os coronéis e os outros: Sujeitos e relações de poder e
práticas sociais em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2013.
DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível: epidemia na Bahia do século XIX. Salvador:
Edufba, 1996.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES,
Eliane Marta (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
FARIAS, Sara Oliveira. Irmãos de cor, de caridade e de crença: Irmandade do Rosário do
Pelourinho na Bahia do século XIX. Dissertação (Mestrado em História) Salvador:
UFBA,1997.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo:
Dominus, 1965.
GIUMEBLLI, Emerson. O cuidado dos mortos: Uma História da condenação e legitimação
do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
GUARNIERE, Maria Cristina. Morte no corpo, vida no espírito: o processo de luto na
prática espírita da psicografia. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). São Paulo.
PUC, 2001.
HOORNARET, Eduardo. História da igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do
povo. Petrópolis: Vozes. 1977.
LEITE, Marcia Maria Barreiros. Educação, Cultura e Lazer das mulheres de elite em
Salvador. Dissertação ( Mestrado em História). Salvador: UFBA, 1997.
LESSA, Luciana Falcão. Senhoras do Cajado: um estudo sobre a irmandade da Boa Morte
em São Gonçalo dos Campos. Dissertação ( Mestrado em História). Salvador-Ba, 2000.
157
LUCA, Tania Regina de. PINSKY, Carla Bassanezi. O historiador e suas fontes. São Paulo:
Ed. Contexto, 2009.
MARCÍLIO, Maria Luiza. A morte de nossos ancestrais. In: MARTINS, José de Souza. A
morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Ed. Hucitec, 1983.
MENEZES, Jaci Maria Ferraz. Construindo a vida: relações raciais e Educação na Bahia. .
Cadernos PENESB. V. 8, 2006.
MORAES, Greice Moreira. Bando anunciador na festa de Sant’Anna em Feira de
Santana 1860-1988. Anpuh-BA. Anais V encontro.
MORAIS, Cledson José Ponce. A Igreja Nossa Senhora dos Remédios: 300 anos de
história, fé e devoção. Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2000.
MORGADO, Clablik de Oliveira. O voo do pássaro e seu canto: trajetória de um espírita e
do espiritismo em Feira de Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado em História) Feira de
Santana: UEFS, 2016.
MORIN, Edgar. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Ed. Amago, 1997,
NASCIMENTO, Antonio Conceição. A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de
Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização 1851-1995. Dissertação (Mestrado
em História). Santo Antonio de Jesus. UNEB, 2011.
OLIVEIRA, Clóvis F. R. M.“Canções da cidade amanhecente”: urbanização, memórias e
silenciamentos em Feira de Santana (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Brasília,
UNB, 2011.
OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Morais. De Empório a Princesa do Sertão: Utopias
Civilizadoras em Feira de Santana (1893-1937). Dissertação (Mestrado em História).
Salvador- Bahia, UFBA, 2000.
OLIVEIRA, Daiane Silva. Instrução para pobres e negros em Feira de Santana: As
escolas do Professor primário Geminiano Alves da Costa (1890-1920). Dissertação
(Mestrado em História). Feira de Santana, UEFS, 2016.
OLIVEIRA, Daiane Silva; SOUSA, Ione Celeste de Jesus. Uma Escola para a pobreza: o
professor Geminiano Alves Costa e a Escola para Pobres. Anais CBHE. Cuiabá, 2013.
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Religião e dominação de classe. Petrópolis: Editora
Vozes, 1985.
OLIVEIRA, Renan Pinto de. Sant’ Ana dos olhos D’Água: fé e celebração entre a Igreja e
o largo 1930-1987, UEFS, 2014,
158
PEREIRA, Daiane Pires. O glorioso São Benedito: Irmandade e Conferência em Feira de
Santana 1903-1930. Monografia. Feira de Santana: UEFS, 2010.
PEREIRA, José Galdino. Os negros e a construção da sua cidadania: estudo do Colégio
São Benedito e da Federação Paulista dos homens de cor- Campinas 1896- 1914: Campinas,
2001.
PINTO, Tânia Maria de Jesus. Os negros cristãos católicos e o culto aos santos na Bahia
colonial. (Dissertação de mestrado). Salvador-Ba, 2000.
PONTES, Annie Larissa Garcia Neves. Irmandade de Bom Jesus dos Passos: Festas e
Funerais na Natal oitocentista. Dissertação (Mestrado em História). João Pessoa, 2008,
QUINTÃO, Antonia Aparecida. Irmandades negras: outro espaço de luta e resistência. São
Paulo (1870-1890). São Paulo: Annablume, 2002.
RAMOS, Cristiana Barbosa de Oliveira. Timoneiras do bem na construção da cidade
Princesa: mulheres de elite, caridade e cultura 1900-1940. Dissertação (Mestrado em
História). Santo Antônio de Jesus: UNEB, 2007.
REGINALDO, Lucilene. Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências
escravas e identidades africanas na Bahia setecentista. São Paulo: Alameda, 2005
REGINALDO, LUCILENE. Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências
escravas e identidades africanas na Bahia setecentista. Tese (Doutorado em História).
Campinas, 2005.
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.
RODRIGUES, Aline Laurindo. Os ilustres réus da cidade: A família Fróes da Motta em
Feira de Santana 1906-1927. Dissertação. São Cristovão – Sergipe. 2016.
ROHRBACHER, Padre. Vidas dos santos. Vol. VI, São Paulo:Editora Américas, 1959.
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa de Misericórdia da Bahia
(1550-1755).Brasília: Ed. Universidade de Brasília. 1981.
SANGLARD, Gisele. FERREIRA, Luiz Otávio. Pobreza e Filantropia Fernandes Figueira
e a assistência a infância no Rio de Janeiro 1900-1920. Est. Hist., Rio de Janeiro. Vol. 27.
nº 53, 2014.
SANGLARD, GISELE. Laços de sociabilidades, filantropia e o Hospital do Câncer no
Rio de Janeiro 1922-1936. História, Ciência e Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro. Jul 2010.
SANTA BARBARA, Reginilde do Nascimento. O caminho da autonomia na conquista da
dignidade: sociabilidades e conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana- Bahia (1924-
1964). Dissertação (Mestrado em História). UFBA, 2007.
159
SANTANA, Emanuela Kelly Silva. Entre os vivos e os mortos: o cotidiano da morte entre
os católicos de Feira de Santana no início do século XX. Monografia. Feira de Santana:
UEFS, 2010.
SANTANA, TANIA de. O culto a santos católicos e a escravidão africana na Bahia
colonial. Revista aulas. Dossiê Religião. N. 07. Abril 2007/junho 2007.
SANTIAGO. Antonia Aparecida dos Santos. “Feiticeiros dos Olhos D’ Água”: A repressão
as práticas de cura em Feira de Santana (1940-1960). Monografia. UEFS, Feira de Santana,
2016.
SANTOS, Aline Aguiar Cerqueira. Diversões e civilidade na “Princesa do Sertão”: 1919-
1946 Feira de Santana. Dissertação de Mestrado. Feira de Santana. UEFS, 2012.
SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na
Bahia 1750-1800. Tese (Doutorado em História). Salvador: UFBA, 2012.
SANTOS, Igor Gomes. Eurico Alves Boaventura: uma “democracia mestiça” para uma
civilização de uma “classe só”. In: SILVA, Aldo Morais (Org.). História, poesia e sertão:
Diálogos com Eurico Alves Boaventura. Feira de Santana: Editora UEFS, 2010.
SANTOS, Jauna Elbein. Os Nagô e a morte: Padè, Asésé e o culto Égun na Bahia.
Petropólis: ED. Vozes, 2002.
SENNA, Ronaldo Salles. Feira de Encantados:Uma panorâmica da presença afro- brasileira
em Feira de Santana construções simbólicas e ressignificações. Feira de Santana: Ed: UEFS,
2014.
SILVA, Adriana Oliveira da. Damas da Sociedade: Caridade, Política e Lazer entre as
mulheres de Elite de Itabuna. Dissertação de Mestrado (1924-1962). Feira de Santana: UEFS,
2012.
SILVA, Aldo José Moraes. Georgina Erismann e o hino à Feira: Uma análise da obra e
seus sentidos. Feira de Santana. 2016.
SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, Civilidade e Comércio em Feira de Santana:
elementos para o estudo da identidade social no interior da Bahia (1833-1927). Dissertação
(Mestrado em História). Salvador: UFBA, 2000.
SILVA, Aldo José Morais. A feira e o mercado: Notas sobre a inserção de Feira de Santana
na economia baiana. In: SILVA, Elizete da; NEVES, Erivaldo Fagundes. Cultura, Sociedade e
Política: Ideias, métodos e fontes na investigação histórica. Feira de Santana: Ed.UEFS, 2014.
SILVA, Cândido. Roteiro da vida e da morte (um estudo do catolicismo no sertão da
Bahia). São Paulo: Ática, 1982
SILVA, Elizete da. Protestantismo ecumênico e realidade brasileira: Evangélicos
progressistas em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS, 2010.
160
SILVA, Elizete da. Cidadãos de outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. Tese
(Doutorado em História). USP, São Paulo, 1998.
SILVA, Elizete da. Configurações históricas do Campo Religioso Brasileiro. In: DIAS,
André Luis Mattedi; COELHO NETO, Eurelino Neto; LEITE, Márcia Maria Barreiros.
História, Cultura e Poder. Feira de Santana/Salvador: EDUFBA/Ed.Uefs, 2010.
SILVA, Elizete da. O campo religioso feirense: um olhar poético. In: SILVA, Aldo Morais
(Org.). História, poesia e sertão: Diálogos com Eurico Alves Boaventura. Feira de Santana:
Editora UEFS, 2010.
SILVA, Gabriela Nascimento. Na terra de Nanã: candomblé, territorialidade e conflitos em
Feira de Santana 1890-1940. Dissertação (Mestrado em História). Santo Antônio de Jesus:
UNEB, 2016.
SILVA, Gilian Evaristo França da. Espaço, poder e devoção: As irmandades religiosas nas
fronteiras do Oeste da América Portuguesa 1745- 1803.Curitiba: UFPR, (Tese de
Doutorado), 2015.
SILVA, Maria Nilza da.o negro no Brasil: um problema de raça ou classe? Revista
Mediações, Londrina, v. 5, n. 2.
SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana
(1890-1930). Dissertação (Mestrado em História). Feira de Santana: UEFS, 2012.
SILVEIRA, Renato. Formas de Crer. Sobre o exclusivismo e outros ismos das irmandades
negras na Bahia Colonial. In: BELLINI, Ligia. SOUZA, Everton Sales;
SOUSA, Ione Celeste Jesus de. Escolas do Povo: experiências de escolarização de pobres na
Bahia – 1870 a 1890. Tese (Doutorado em História). PUC, São Paulo, 2006.
SOUSA, Ione Celeste. Garotas tricolores, deusas fardadas: as normalistas em Feira de
Santana 1925-1945. Dissertação (Mestrado em História). PUC, São Paulo, 2001.
SOUZA, Christiane Cruz. Saúde pública na Bahia da primeira metade do século XX: o
protagonismo dos médicos e das mulheres de elite. Anais da ANPUH. São Paulo, 2011.
SOUZA, Marina de Mello. Reinos negros no Brasil escravista: História da Festa de
coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.
VOLVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: Fantasmas e certezas nas
mentalidades desde a idade média até o século XX. São Paulo: Atica, 1997.