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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
CURSO DE HISTÓRIA
ELAINE REGINA MENDES LISBÔA
PALCOS EDUCATIVOS: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina História
São Luís 2008
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ELAINE REGINA MENDES LISBÔA
PALCOS EDUCATIVOS: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina História
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História. Orientadora: Prof. Dra. Ana Livia Bomfim Vieira
São Luís 2008
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Lisbôa, Elaine Regina Mendes Palcos Educativos: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina História/ Elaine Regina Mendes Lisbôa. ___ São Luís, 2008. 85 f. Orientador: Prof. Dra. Ana Livia Bomfim Vieira. Monografia (Graduação) - Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2008.
1. Disciplina História 2. Cultura popular 3. Bumba-meu-boi 4. Currículo 5. Educação I. Título. CDU: 371.383:398.33
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ELAINE REGINA MENDES LISBÔA
PALCOS EDUCATIVOS: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina História
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História. Orientadora: Prof. Dra. Ana Livia Bomfim Vieira
Aprovada em: ____/____/____.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Dra. Ana Livia Bomfim Vieira (Orientadora)
____________________________________
1º Examinador
_____________________________________
2º Examinador
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AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus que me coloca diante de belos desafios,
dando-me força para cumpri-los.
Sou grata a minha querida vovó Aldenora. Dedicada a cumprir sua missão, não
mediu esforços para me proporcionar uma boa educação.
A meus pais, Rogério e Euzires, pelo amor e dedicação concedidos todos esses
anos.
Ao meu super irmão José, presente em todos os momentos da minha vida, sejam
eles felizes ou tristes.
A vovó Eunice, pelo exemplo de luta e determinação que passa para toda
família.
Ao meu namorado Erikson, pelo companheirismo ao longo dos anos, e a sua
família por me acolher tão bem.
Também agradeço a tio Bebeto, “Tchalitânha”, tio Aquiles, Célia (Raposa),
Lúcio (C. de C.), Nicinha, Silvana (F. B.), enfim a toda a minha grande família.
Wilmara, como poderei te agradecer? Orientações via telefone, MSN, e-mail e
ao vivo. Além das conversas, do apoio psicológico. Ao seu modo: “Muitíssimo Obrigada!” Ah,
vamos comemorar dentro de alguns meses no B. C.
Aos meus amados amigos Ana Rosa, Ângela Saraiva, Glória Pacheco, Léo
Batista e Márcia Andréa, amizade sólida que se constituiu desde o 1º período do curso de
História. Nunca vou esquecer dos nossos medos: “diz para a minha mãe que amo ela”, das
nossas promessas (têm umas pendentes, vamos pagar!), das nossas confissões, regadas ao bom
e velho Ciço.
A Michol por incentivar e acreditar no meu trabalho junto à cultura popular
maranhense.
A Equipe do Projeto Sabença: museu-escola (Aline; Dyego; Lilia, mais
conhecida como Olhinho; Isa, ou melhor, Palmito, O Lord – Weeslem, de novo Wil? Sim
agradeço pela oportunidade de trabalhar no Projeto Sabença, instigando a minha vontade de
aproximar cultura popular e educação. Ah, Lilia e Isa agradeço pelo plantão de dúvidas, vocês
são 10!
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A Professora Ana Livia aceitando o desafio de orientar este trabalho, e sempre
pronta a ajudar nos momentos mais difíceis.
A Professora Nizeth, por está sempre disponível a conversar sobre cultura
popular maranhense.
Não esqueci de vocês: JEMKYKEDD’s, antes apenas planos, agora é a
realidade, antes tão próximas, hoje tão longe. Aprendi muito com todas vocês.
A Jeane Carla pelos empréstimos dos livros e pelo apoio no momento oportuno.
A todos os meus amigos do curso de História (UEMA) e Pedagogia (UFMA).
Aos bolsistas e ex-bolsistas, ou mesmo estagiários da Superintendência de
Cultura Popular, em especial aos da Casa do Maranhão. Que tal uma dica? Lembram? A gente
trabalhava, mas nos divertíamos muito mais. Conviver com vocês foi uma grande lição de vida.
Valeu: Briza, Bruno, Carol Santana, Dani, Elaine, Esmênia, Jobelian, Léo Batista (de novo!)
Leonice, Louise, Manú, Neuma (obrigada pelo abstract), Raimundo (adorei a capa da
monografia!), Sandrinha, Sandro, Thiago, Valéria, Vanessa, e todos os outros.
E ainda, Lili, Darinalva, Edson e Luenil, “a cúpula da Casa do Maranhão”.
Nunca vou esquecer a força que vocês me deram durante os dois anos de estágio.
Aos professores do Curso de História UEMA, em especial aqueles que
contribuíram diretamente para minha formação acadêmica: Adriana, Allan, Ana Livia,
Elisabeth, Fábio, Helidacy (as nossas conversas auxiliaram muito a produção deste trabalho),
Henrique, Júlia, Lourdinha, Marcelo, Paulo Rios e Ximendes.
Agradeço a todos os professores, alunos e direção das escolas que atuaram nos
Palcos Educativos proposto por este trabalho.
Enfim, agradeço a todos!
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Criando e recriando, integrando-se às
condições do contexto, respondendo a
seus desafios, transcendendo, lança-se o
homem num domínio que lhe é exclusivo
– o da História e o da Cultura.
(Paulo Freire 1963, p.6)
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RESUMO Aborda-se a relação entre cultura popular e educação, focalizando-se a manifestação cultural
do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina História, tendo-se como
palcos educativos a Casa do Maranhão, o Projeto Sabença: museu-escola, e as salas de aulas.
Discute-se a importância de inserir a cultura popular no currículo escolar. Apontam-se dentro
desses ambientes educativos situações de aprendizagem que articulem o saber popular e o
saber científico.
Palavras-chave: Disciplina História. Cultura popular. Bumba-meu-boi. Currículo. Educação. .
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ABSTRACT
It is approached between popular culture and education, focusing the cultural expression of
the “Bumba-meu-boi”, as educational instrument of the subject History, having as educational
enviroments the “Casa do Maranhão”, the “Projeto Sabença”: school-museums, and the
classrooms. It is discussed the importance of to insert the popular culture in the school
syllabus. It is pointed inside these educational environments of learning situations that join
the popular knowledge and the scientific knowledge.
Key-words: Subjet History. Popular culture. Bumba-meu-boi. Syllabus. Education.
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LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 Cabine expositiva dos Ensaios do Bumba-meu-boi 56
FIGURA 02 Cabine expositiva do Batizado do Bumba-meu-boi 57
FIGURA 03 Cabine expositiva das Apresentações do Bumba-meu-boi 58
FIGURA 04 Cabine expositiva da Morte do Bumba-meu-boi 59
FIGURA 05 Boi de Timon 62
FIGURA 06 Monitoria na Casa do Maranhão 66
FIGURA 07 Palestra–oficina sobre o Bumba-meu-boi 66
FIGURA 08 Montagem de exposição 67
FIGURA 09 Apresentação de exposição 67
FIGURA 10 Bumba-meu-boi sala de aula 72
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1 TRAJETÓRIA DA DISCIPLINA HISTÓRIA ............................................................. 15
1.1 História da disciplina escolar....................................................................................... 15
1.2 Constituição da disciplina História no Brasil.............................................................. 20
1.3 As correntes historiográficas e o ensino de História ................................................... 25
2 CULTURAS POPULARES E ESCOLAS...................................................................... 28
2.1 Discutindo culturas populares .................................................................................... 29
2.2 Breves estudos sobre cultura popular e folclore no Brasil e no Maranhão................ 33
2.3 Cultura popular e Parâmetros Curriculares Nacionais.............................................. 41
2.4 Multiculturalismo e educação...................................................................................... 45
3 PALCOS EDUCATIVOS: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-
boi como instrumento pedagógico da disciplina História ...................................................... 50
3.1 Superintendência de Cultura Popular......................................................................... 51
3.1.1 Casa do Maranhão....................................................................................................... 53
3.1.2 Projeto Sabença: museu-escola.................................................................................... 64
3.2 Sala de aulas: o caso da disciplina História ................................................................... 70
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 74
REFERÊNCIA ................................................................................................................... 76
ANEXOS ............................................................................................................................ 82
APÊNDICES ... ...................................................................................................................... 85 INTRODUÇÃO
A idéia de realizar este trabalho surgiu de uma inquietação pessoal enquanto
estudante de História (UEMA), Pedagogia (UFMA), membro da equipe do Projeto Sabença:
museu-escola e monitora da Casa do Maranhão, um espaço museológico voltado para a
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manifestação cultural do Bumba-meu-boi, pois ao longo de dois anos estagiando nesta
instituição, percebi o descomprometimento, ou o desconhecimento de vários professores, a
maioria da disciplina História, com o tema cultura popular, isto era evidenciado na medida em
que muitos deles permitiam que a visita a Casa do Maranhão e a outros pontos da Praia
Grande, local onde esta se localiza, não passasse de um mero passeio, uma simples atividade
lúdica, descontextualizada do saber escolar.
Nesse sentido, a proposta deste trabalho direciona-se para uma abordagem da
manifestação cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico da disciplina
História, uma vez que percebe-se na dinâmica deste folguedo diversas situações de ensino-
aprendizagem que podem ser exploradas por esta disciplina. Para isso, delimitou-se a pesquisa
em três espaços que denominou-se Palcos Educativos: a Casa do Maranhão, o Projeto
Sabença: museu-escola, ambos atrelados a Superintendência de Cultura Popular da Secretaria
de Estado da Cultura do Maranhão, e as salas de aulas, destacando-se o ensino de História.
Para embasar a referida apreciação, optou-se inicialmente por uma análise da
disciplina História, focalizando a noção de disciplina escolar a partir de duas correntes: uma
que defende a “transposição didática”, difundida pelo francês Yves Chervallard, entendendo
esses saberes como meras reproduções do saber científico, necessitando apenas de
metodologias que possuem a função de adequar este conhecimento no âmbito escolar. Em
contrapartida, André Chervel e Ivor Goodson encabeçam outro pensamento, partindo da
premissa de que as disciplinas devem compor aspectos da realidade dos diversos sujeitos
educacionais, sendo tratadas de forma contextualizada.
Ainda no primeiro capítulo, traçou-se a constituição da disciplina História no
Brasil, pontuando vários momentos em que tal estudo foi moldado para legitimar interesses
Estatais. Além disso, buscou-se a influência que as correntes historiográficas desempenharam
neste ensino. Sendo assim, avanços e retrocessos são muito presentes ao longo da história
desse saber.
No segundo momento, remete-se a relação entre culturas populares e escola,
destacando-se primeiramente alguns aspectos da cultura popular, do ponto de vista de
historiadores como Roger Chartier que em sua publicação A História Cultural entre práticas
e representações fundamenta as noções de práticas e representações, destacando as múltiplas
formas de apropriação de acordo com as finalidades de cada grupo; Peter Burke em sua obra
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Cultura Popular na Idade Moderna aponta o termo biculturalidade, indicando as
possibilidades que os grupos possuem de participar de culturas distintas. Numa perspectiva da
Nova História, destaca-se a contribuição de Carlo Ginzburg em seu livro O Queijo e os
Vermes, através do entendimento da expressão circularidade cultural proposta por Mikhail
Bakhtin em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais, reconhece as influências mútuas existentes entre as ditas culturas das classes
subalternas e das classes dominantes. Dessa forma, entende-se que este trabalho monográfico
segue esta linha de pesquisa, uma vez que propõe uma articulação entre o saber popular, neste
caso, destaca-se o Bumba-meu-boi, e o saber científico representado pela disciplina escolar
História, evidenciando o diálogo entre culturas.
Segue-se o capítulo identificando análises de outros estudiosos, além de perceber
a influência desses teóricos na produção nacional e local. Esse tipo de discussão objetiva
subsidiar a relação entre cultura popular e educação, não se tendo a pretensão de aprofundar
os embates acerca da cultura popular, visto que o interresse desta abordagem remete-se a
associação dessa temática com as questões educacionais.
Assim, aponta-se o currículo, ao longo de sua trajetória histórica, como um
instrumento legitimador das idéias dominantes. Porém, ressalta-se atualmente a existência de
um espaço sugerido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de História e o Tema
Transversal Pluralidade Cultural às questões culturais, mas não se percebe uma clara política
de incentivo a cultura popular como um espaço de múltiplas identidades que precisam ser
escutadas pelas escolas. Nesse sentido, evidencia-se a educação do ponto de vista
multicultural como uma possibilidade de reconhecer a diversidade cultural nos currículos
oficiais.
Feito isso, parte-se para o terceiro capítulo com a pretensão de tratar dos Palcos
Educativos. Então, faz-se uma breve contextualização desses espaços, delimitando as suas
dinâmicas de funcionamento. A Casa do Maranhão composta por uma amostra expositiva da
manifestação cultural do Bumba-meu-boi, caracteriza-se por um ambiente disponível a um
público bastante heterogêneo, que inclui a recepção aos diversos níveis escolares, realizando-
se um acompanhamento monitorado com o alunado e demais representantes da instituição de
ensino.
Outro palco refere-se ao Projeto Sabença: museu-escola que visa estabelecer
uma ação educativa que articule os vários atores educacionais, através de situações de ensino
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aprendizagem nas escolas e nos espaços museológicos disponibilizados pela Superintendência
de Cultura Popular (Casa do Maranhão, Casa de Nhozinho e Casa da FÈsta). Delimitou-se
dentro das possibilidades temáticas do Projeto a edição do Bumba-meu-boi que acontece na
Casa do Maranhão. Vale ressaltar, que não se trata de uma mera visita a um centro cultural,
como muitas vezes acontece. O projeto dispõe de várias etapas que visam o planejamento e a
execução condizentes com a realidade de cada escola.
Por último entendem-se as salas de aulas, especialmente o caso das aulas de
História, como espaço que deve incitar a criticidade dos alunos, desconstruindo idéias
cristalizadas por alguns livros didáticos que priorizam a memorização das datas e fatos
determinados por uma historiografia tradicional. Nesse sentido, identificam-se outras
abordagens propostas pela Nova História, as quais dão vozes a sujeitos que por tanto tempo
foram silenciados.
Nesse contexto, evidencia-se a relevância deste trabalho monográfico, pois
almeja estimular a valorização do Bumba-meu-boi como um campo fértil para professores de
História proporcionarem aulas mais próximas de muitos alunos, ou então que envolva aqueles
que não tem estreito contato com a manifestação, despertando o interesse e o respeito pela
cultura popular maranhense. Além de promover situações de ensino-aprendizagem que
articule saber popular e saber erudito.
Buscou-se como fonte para elaboração deste trabalho diversas obras, algumas
expressas em citações no decorrer do texto, outras elucidando informações que versam sobre
os temas envolvidos, dando margem para olhares diferenciados diante do mesmo objeto. Os
Boletins da Comissão Maranhense de Folclore, os quais datam desde agosto de 1993 até
dezembro de 2007 disponíveis na Biblioteca Roldão Lima, localizada no Centro de Cultura
Popular Domingos Vieira Filho, contribuíram no sentido de identificar aspectos da cultura
popular maranhense. A revista com enfoque educacional, Presença Pedagógica permitiu
análises a respeito das festas no ambiente escolar. Somaram-se a essas informações artigos de
estudiosos da área de ensino de História e Cultura, disponíveis em site das universidades do
país.
Foi possível também, o acesso aos Parâmetros Curriculares Nacionais de História
e Geografia, assim com o documento relacionado aos Temas Transversais, abordando-se a
Pluralidade Cultural, o que permite se fazer uma análise acerca das propostas do saber escolar
oficial.
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Destaca-se também, a fonte oral utilizada como direcionamento da pesquisa, uma
vez que buscou-se fazer questionários e entrevistas (ver roteiro em apêndice) com os vários
sujeitos envolvidos no processo educacional (alunos, professores de História, e representantes
institucionais da cultura popular maranhense), para assim, se perceber o sentido de trabalhar
a cultura popular na escola. Coletou-se instrumentos (ver em anexo) utilizados pelo Projeto
Sabença: museu-escola para demonstrar os recursos utilizados em sua realização.
O uso dessas fontes é de grande relevância para o desenvolvimento desta pesquisa,
visto que em articulação com os referenciais teóricos fundamentam a problemática, pois
indicam a necessidade de se interagir o conhecimento histórico escolar e o conhecimento da
cultura popular.
Os procedimentos metodológicos necessários para o desenvolvimento da pesquisa
exigem o levantamento de dados e informações acerca da manifestação cultural do Bumba-
meu-boi, tendo como referencial a amostra expositiva da Casa do Maranhão, assim como
também, observações do envolvimento de docentes e discentes nos palcos educativos.
Dessa forma, será possível fazer um diálogo entre os referenciais teóricos, as
várias fontes disponíveis e a pesquisa de campo nas escolas, para que assim se evidencie a
importância do estudo da manifestação cultural do Bumba-meu-boi nas aulas da disciplina
História.
1 TRAJETÓRIA DA DISCIPLINA ESCOLAR HISTÓRIA
Pensar o ensino de História atualmente é algo desafiador, visto que sua trajetória
está permeada por manipulações, ideologias, silêncios e lacunas, enfim elementos que
moldam os discursos históricos, obrigando o profissional da área, a saber, desconstruir esses
discursos, utilizando-se do diálogo com os materiais utilizados em sala de aula.
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Na contemporaneidade, emergem muitas discussões acerca do saber histórico
escolar, direcionados para novas abordagens que dão vozes àqueles que por muitos séculos
não possuíam espaço enquanto sujeitos históricos, e sim meros figurantes em um “palco” no
qual apenas os “grandes homens” e os “grandes eventos” podiam se apresentar.
Nesse sentido, este trabalho possui como proposta de estudo a manifestação
cultural do Bumba-meu-boi como instrumento pedagógico das aulas de História, o que irá
incitar nos alunos a valorização e aproximação da cultura popular maranhense, objetivando
assim a desconstrução da idéia da cultura popular como algo desvinculado do saber escolar.
1.1 História da disciplina escolar
Tratar acerca das questões que envolvem o conhecimento histórico enquanto saber
escolar direciona a um novo campo de pesquisa, o qual remete para a História das Disciplinas
Escolares, visto que, até então, o conhecimento abordado nas escolas não possuía uma
organização no que se refere às especificidades de cada estudo.
A expressão disciplina escolar, tal como é difundida atualmente, é uma criação
recente, pois, até o século XIX, era tida como um imperativo militar, guardando a idéia de
repressão, controle e ordem. Segundo Chervel (1990, p.178):
No seu uso escolar, o termo disciplina escolar e a “expressão disciplina escolar” não designam até o século XIX mais do que a vigilância dos estabelecimentos, a repressão das condutas prejudiciais à sua boa ordem e aquela parte da educação dos alunos que contribui para isso.
Porém, sob a influência do ideário liberal francês, evidencia-se a mudança de
sentido deste termo, o qual passa a direcionar para as questões educacionais, as quais estavam
permeadas por discussões acerca da identidade nacional, cidadania, Estado e Nação,
elementos que embasaram o surgimento da História enquanto conhecimento escolar. De
acordo com ZAMBONI (dezembro de 2003):
Historicamente, o ensino de história foi marcado desde o século XIX pelo ideário das nacionalidades; na França, o discurso liberal defendeu a laicização da sociedade e a formação da nação moderna. Estes princípios foram os norteadores do sistema educacional francês, como também da organização dos currículos de história. No Brasil, sob o manto do ideário liberal, em 1838 foi criado um programa de ensino de história para o
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Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, que reafirmava a tendência vigente. Iniciava esse programa com o estudo geográfico do território nacional, a organização social, política e cultural dos habitantes encontrados pelos europeus - os índios -, e em seguida estudava-se a política portuguesa de exploração e colonização, os processos religiosos de catequização, o negro como um trabalhador escravo. Este conteúdo programático, a partir dessa temática, criou os fundamentos da unidade e da hegemonia nacional1.
Após a Segunda Guerra Mundial, ocorre a ampliação do acesso da população ao
sistema educacional, sobretudo nos países que adotaram a política do bem estar social2,
proclamando a educação escolar como um meio eficaz e disponível para que as pessoas
pudessem melhorar a sua posição na sociedade.
No entanto, logo foram vistas as contradições ocasionadas por uma política
educacional que construiu a idéia de que a escola promoveria a igualdade de oportunidades
para todas as classes sociais, criando-se, assim, um campo fértil para os estudos sociológicos
em busca das razões que evidenciavam as desigualdades geradas por essa instituição.
Neste contexto, desenvolveu-se o “paradigma da reprodução”, que entendia a
escola como um instrumento de reprodução do sistema capitalista. Destaca-se a obra de
Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A Reprodução (1970), no qual é possível notar a
educação não mais como mecanismo transformador e democrático, passando a ser vista como
um instrumento que, a partir da seleção cultural, mantém e legitima os privilégios sociais.
Porém, a abordagem da Sociologia da Educação possuía um olhar voltado para as
macro-estruturas, isto é, as análises do processo educativo eram realizadas apenas a partir das
instâncias oficiais e formais de escolarização, não considerando um processo mais amplo que
envolvia os sujeitos construtores do fenômeno educativo.
Dessa forma, iniciou-se na Europa, no final da década de 70, um estudo que
buscava na História Cultural referenciais de análises que auxiliassem o estudo da História da
Educação, permitindo o surgimento de novas abordagens que até então haviam permanecido
1 ZAMBONI, Ernesta. Projeto pedagógico dos parâmetros curriculares nacionais: identidade nacional e consciência histórica. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 367-377, dezembro 2003. Disponível em http://www.cedes.unicamp/ acessado em 20 de dez de 2008. 2 Estado de bem-estar Social ou Estado-providência (em inglês: Welfare State) é um tipo de organização política e economia, na qual o Estado desempenha a função de agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população. Para maiores informações, consultar: ARRETCHE, Marta T.S. – Emergência e desenvolvimento do Welfare State: teorias explicativas – São Paulo: BIB- Ancops- 1995, nº. 39.
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à margem das discussões historiográficas. Como afirma o autor José D’ Assunção Barros
(2004, p.36):
(...) a Nova História Cultural tornou-se possível na moderna historiografia a partir de uma importante expansão de objetos historiográficos (...) como a cultura popular, a cultura letrada, as representações, as práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, os sistemas educativos, a mediação cultural através de interlocutores ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noção de cultura.
Com isso, se percebe um eminente campo a ser estudado pela Nova História
Cultural, desenvolvida por teóricos como Carlo Guinzburg, que enfatiza o estudo da micro-
história, visto em sua obra O Queijo e os Vermes, o qual trata das crenças e idéias do Moleiro
Menochio, perseguido pela inquisição no século XVI. Dessa forma, através do conceito de
circularidade cultural proposta por Mikhail Bakhtin, Ginzburg analisa as influências entre
cultura popular e cultura erudita (GINZBURG, 1987).
Destaca-se também neste campo de pesquisa a contribuição de Roger Chartier,
direcionadas para a elaboração das noções de prática e representações, as quais fundamentam
a impossibilidade da imposição da cultura dominante, visto que os objetos são apropriados
por grupos diferenciados com finalidades igualmente distintas (CHARTIER, 1998).
Esses estudos ampliaram os objetos historiográficos em suas múltiplas formas de
apropriação, dando vozes aos vários sujeitos que, até então, estavam silenciados. De tal
forma, que as questões culturais passaram a ser consideradas elementos constituintes das
disciplinas escolares e na elaboração de teorias educacionais. Fonseca ressalta (2006, p.20):
(...) Estudos que partam de outras dimensões históricas da educação e das disciplinas escolares em particular não se restringem, assim, às esferas institucionais e formais – políticas públicas, propostas pedagógicas, formulações curriculares oficiais, entre outras –, atentando para o cotidiano escolar e para a multiplicidade de suas práticas culturais.
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Então, à medida que as disciplinas escolares foram sendo sistematizadas, surgiram
discussões acerca da emergência e transformações destes saberes, assim como o predomínio
de métodos e conteúdos de ensino (CHERVEL, 1990).
Diante disto, as pesquisa encaminham-se para posicionamentos diversos entre os
teóricos. Para alguns, ligados às tendências ancoradas na Sociologia da Educação, as
disciplinas escolares decorrem das ciências de referência, isto é, aquelas originárias de
pesquisa com rigor metodológico científico, esta concepção foi difundida como “transposição
didática” pelo francês Yves Chevallard. Com isso, o estudo acadêmico é transposto para o
meio escolar através de uma didática que possui a função de adequar o conhecimento
científico ao conhecimento escolar. Afirma Bittencourt (2004, p. 36):
Essa abordagem considera a disciplina escolar dependente do conhecimento erudito ou científico, o qual para chegar à escola e vulgarizar-se, necessita da didática, encarregada de realizar a transposição. Consequentemente uma “boa” didática tem por tem por objetivo fundamental evitar o evitar o distanciamento entre a produção científica e o que deve ensinado, além de criar instrumentos metodológicos para transpor o conhecimento científico para a escola de forma mais adequada possível.
Em contrapartida, outra linha de teóricos, como o inglês Ivor Goodson e o francês
André Chervel, não concorda com a noção meramente reprodutivista das disciplinas
escolares. Estes autores as entendem como construções sociais e, portanto, devem ser
estudadas historicamente, buscado os vários elementos que influenciam a constituição deste
saber. Para Chervel as disciplinas escolares são “criações espontâneas e originais do sistema
escolar” (FONSECA, 2006), logo devem estar direcionadas para as práticas docentes e
discentes, às finalidades da disciplina e aos fenômenos culturais a elas relacionados.
Sendo assim, faz-se necessário o entendimento da escola como um espaço de
produção de conhecimento próprio. Porém, por estar inserida na dinâmica social, reflete
também as contradições que permeiam as relações estabelecidas fora do espaço físico escolar.
Deste modo, a cultura geral da sociedade é um elemento que não pode ficar à margem das
discussões que direcionam o processo de construção do saber escolar. Para Chervel (1990,
p.184):
(...) uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e
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o fenômeno de aculturação de massa, que ela determina então a história das disciplinas escolares podem desempenhar um papel importante não somente na história da educação, mas na história cultural.
A partir disso, pode-se notar que é de fundamental importância para o processo de
ensino-aprendizagem que exista uma relação entre o que se “aprende” na escola e o que se
“vivência” fora dela, visto que isto permite maior aproximação do aluno com conteúdos
sistematizados por cada disciplina, possibilitando um envolvimento que pode gerar um
conhecimento significativo.
Nesse sentido, destaca-se a categoria cultura escolar enquanto campo de pesquisa
que valoriza as múltiplas ações que permeiam a trajetória dos vários atores que fazem parte do
processo educacional, configurando-se, assim, como um campo vasto para as pesquisas
direcionadas a História da Educação (JULIA, 2001). Seguindo esta interpretação, Fonseca
(2006, p.09) elenca elementos que permeiam as disciplinas escolares:
(...) as disciplinas escolares podem ser compreendidas tanto em seu processo de construção no tempo, como em suas relações com a produção científica, com os interesses políticos do Estado ou de grupos específicos da sociedade, com os mecanismos de divulgação e vulgarização do saber, com as influências de universos culturais específicos nos quais se produziram ou nos quais atuam e, é claro, com as práticas que envolvem no universo escolar propriamente dito.
Dessa forma, um conhecimento tratado em sala de aula, além de refletir as
vivências de várias pessoas envolvidas no processo, traz cargas sociais, políticas e
econômicas preponderantes, podendo ser notadas através dos ditames da política educacional
que pode selecionar conteúdos que se dissociam da realidade em determinada região, ou que
possuem a função de impor para as sociedades idéias de supostas civilidades.
1.2 Constituição da disciplina História no Brasil
Ao longo de sua caminhada enquanto ser pensante foi inerente ao Homem buscar
explicações para as suas dúvidas. Por isso, através das obras e fontes de cada época, nota-se
32
que os objetos de estudo foram sendo delineados com interesses diversos, refletindo uma
“memória social que é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da
história”, comenta Le Goff (1996, p.476). Então, várias abordagens da História marcaram a
incessante busca do Homem em compreender os questionamentos que permearam a sua
trajetória: exploraram-se os aspectos míticos; a concepção teológica que embasou a
construção da mentalidade cristã; o Iluminismo voltado para supremacia da razão e o
aprimoramento de áreas como a Filosofia e a Sociologia que colaboraram para ampliação do
conhecimento histórico, enfim o seu estatuto foi mudando de acordo com cada tempo, sendo
considerado hoje um saber científico.
Pensar a disciplina História nos moldes que se evidenciam atualmente é uma
construção recente das políticas educacionais, visto que esse conhecimento esteve muito
ligado a objetivos que suplantavam o ato da aprendizagem crítica, servindo em vários
momentos históricos como instrumento legitimador das ações de grupos dirigentes.
Diante disso, é notável que a historiografia da educação brasileira, ao longo de
séculos de dominação política, econômica e cultural, esteve muito atrelada às condicionantes
impostas pela Europa, uma vez que esta configurava-se como centro hegemônico, possuidor
de um alto desenvolvimento tecnológico e industrial e, portanto, favorável à sua afirmação
enquanto continente mais poderoso.
Isso pode ser notado desde o período colonial, quando a Companhia de Jesus,
apoiada pela Coroa portuguesa, iniciou seu processo evangelizador, utilizando a educação
como mecanismo de dominação dos povos indígenas ao mesmo tempo em que camuflava e
garantia objetivos mais amplos, isto é, o plano de expansão missionária favorecia a aplicação
de um projeto econômico que almejava o aumento territorial (CAVALCANTI FILHO, 1990).
Os primeiros colégios no território brasileiro foram fundados pelos jesuítas e eram
regulamentados por um documento escrito em 1599 por Inácio de Loyola, o Ratio atque
Instituto Studiorum, mais conhecido como Ratio Studiorum, baseado em uma educação,
condizente com os interesses da Igreja Católica e do Estado Português, que pregava os ideais
cristãos e europeus, consolidando assim a educação formal e homogênea, pois era imposta a
qualquer população sem levar em consideração a sua realidade (MANACORDA, 2006).
Nesse contexto, não havia a constituição da disciplina História, porém, existia um contato
com esse conhecimento a partir da leitura de autores greco-romanos, os quais faziam parte do
33
eixo de ensino jesuítico, fortalecendo, assim, aspectos distantes da vida na Colônia
(FONSECA, 2006).
Porém, esse estilo de ensino não satisfazia mais os interesses do Estado Português,
visto que a Companhia de Jesus estava se tornando uma instituição fortalecida a ponto de se
transformar em um obstáculo aos ideais iluministas e ao projeto político moderno que visava
à centralização das decisões educacionais no Estado. Na administração do Marquês de
Pombal, o ponto máximo da divergência entre as duas “empresas”, gerou a expulsão dos
jesuítas em 1759 e a implantação de uma reforma de modernização e desenvolvimento no
campo educacional. ( CAVALCANTI FILHO, 1990)
Não diferente dos Jesuítas, a administração de Pombal também se utilizava da
educação como um meio para outras conquistas, pois o grande objetivo dessa reforma era
modernizar a sociedade para que Portugal adquirisse condições de desenvolver a sua
economia e torna-se apto a concorrer com as grandes potências da época como a Inglaterra.
Além de substituir o sistema jesuítico de ensino, a reforma proposta por Pombal buscava
preparar o cidadão para assumir postos de comando do Estado absolutista, permitindo que a
educação estivesse atrelada aos seus ditames.
Tais mudanças levaram à laicização do ensino e geraram uma desestruturação do
sistema educacional construído pelos jesuítas: o que antes era institucionalizado e centrado na
seriação do ensino foi substituído por aulas autônomas e isoladas. Villalta (1997, p. 351)
coloca que:
O ensino, do nível das primeiras letras ao secundário, passou a ser ministrado sob forma de aulas avulsas, fragmentando o processo pedagógico. Faltaram professores, manuais e livros sugeridos pelos novos métodos. Os recursos orçamentários foram insuficientes para custear a educação pública, havendo atrasos nos salários dos mestres. A Coroa, em determinadas ocasiões, chegou mesmo a delegar aos pais a responsabilidade pelo pagamento dos mestres. Isso mostra como a educação, tornada pública pela lei, esteve em grande parte privatizada.
De acordo com Villalta, Zotti (2004, p.32) completa:
O Brasil, não é contemplado com as novas propostas que objetivavam a modernização do ensino pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza, com a finalidade de acompanhar os progressos do século. Restam no Brasil, na educação, as aulas régias para a formação mínima dos que iriam ser educados na Europa.
34
Sob essas observações, fica evidente que essas reformas não representaram um
avanço significativo na educação brasileira, demonstrando a fragilidade de um processo de
ensino baseado em disciplinas isoladas que continuavam a serviço da elite colonial.
Com o processo de “independência” e “ruptura” com Portugal, emergiram várias
discussões acerca do liberalismo a ser implantado no Brasil. Nesse sentido, a educação
configurou-se com um importante papel de inculcar na mentalidade dessa sociedade a
construção de uma identidade nacional. Para consolidar esse fato, o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) criado em 1838, ocupou-se na missão de elaborar uma história
nacional e difundi-la por meio da educação, mais precisamente através do ensino de História.
Nos fins do século XIX, discussões relacionadas aos conceitos de identidade
nacional, cidadania, Estado faziam parte dos debates internacionais. O Brasil seguia esta
linha, visto que estava se constituído enquanto nação. Pra isso, fazia-se necessário difundir a
idéia de um país composto por um povo harmônico disposto a lutar pela unificação nacional.
Neste momento são construídos os grandes heróis da pátria estudados a partir de uma história
biográfica, valorizando as suas ditas conquistas e fortalecendo o mito da união nacional3.
Pinsky (2006, p. 15) escreve sobre isso:
O mito da união nacional, do sentimento de brasilidade, destilado em doses históricas homeopáticas, não admite revisão biográfica dos heróis, nos momentos de solidariedade nacional, na história dos que fizeram o país do jeito que ele está forte e unificado.
Dessa forma, a necessidade de sedimentar essa identidade nacional fez com que no
regime republicano as políticas educacionais proporcionassem o aumento da escolarização,
atingindo camadas sociais até então marginalizadas do processo educacional. Na escola era
repassada a construção de uma nação pautada em princípios cristãos e etnocêntricos,
excluindo as minorias sociais de qualquer participação enquanto sujeitos das narrativas
históricas (DAVIES, 2006).
Gradativamente, o Estado manipulava as informações de acordo com os seus
interesses, os quais naquele momento direcionavam para a valorização do ser brasileiro. Para
3O mito da união nacional foi construído para fortalecer a formação do Brasil, enquanto nação, no século XIX, com intuito de passar a imagem de uma nação harmônica. Informações complementares consultar ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2005.
35
legitimar esse controle, várias propostas foram implantadas nesse período. A Reforma
Francisco Campos de 1931 demonstra bem isso, pois passava para o Ministério da Educação e
Saúde Pública a competência exclusiva de elaborar os programas educacionais, retirando das
escolas a autonomia de construí-los coletivamente de acordo com os interesses regionais.
A Reforma Gustavo Capanema, de 1942 priorizou o ensino de História do Brasil
que, até então, era tido como um apêndice da História Universal, fortalecendo ainda mais o
estudo da História da Pátria. Segundo Reznik (1992, p.103):
História Pátria, tradição, alma católica brasileira, são termos vinculados a um bloco ideológico que se tornou vitorioso. Nesse bloco encontramos, para a fins de nossa análise, os defensores dos estudos “clássicos” e os conservadores nacionalistas que propugnavam a volta da cadeira História do Brasil.
Com o Regime Militar de 1964, não houve mudanças no que se refere às
concepções que direcionavam o ensino de História, fortalecendo-se ainda mais o currículo
escolar voltado para os fatos políticos e a biografia dos “grandes homens”. Dessa forma, a
intenção do Estado era tornar a disciplina apenas descritiva, diluindo assim o nível de
criticidade das aulas. Para consolidar esse fato, as disciplinas História e Geografia foram
substituídas pela disciplina Estudos Sociais, tendo como auxiliares as disciplinas Educação
Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), com finalidades político-
ideológicas voltadas para controlar e adaptar a sociedade a esse regime ditatorial, além de
construir o sentimento patriótico.
Nos fins dos anos 70, as lutas pela democratização do país ganham maior
expressão com o crescimento das associações de professores, permitindo que as discussões se
tornassem mais sistematizadas. Um dos grandes avanços desse período foi a volta das
disciplinas História e Geografia como disciplinas autônomas, favorecendo a ampliação de
seus campos de pesquisa e a busca por uma análise interpretativa e crítica de seus objetos de
estudo. (BITTENCOURT, 2005).
Os embates entre pesquisadores, docentes e Estado continuaram nos anos 80,
direcionados para mudanças no currículo vigente. As propostas curriculares passaram a ser
elaboradas e debatidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, de forma
diversa e heterogênea, demonstrando, no caso da disciplina História, a influência das
tendências historiográficas no Brasil. De acordo com Magalhães (2003, p.101):
36
Essa explosão de uma expressiva produção historiográfica brasileira ocorre, ainda num momento em que se tornam visíveis os sinais de esgotamento do marxismo enquanto modelo privilegiado de interpretação do passado. Das primeiras análises marxistas que procuravam definir, inicialmente de maneira bastante mecanicista, posteriormente de modo mais sofisticado, as estruturas sócio-econômicas e os modos de produção existentes no país passou-se, a partir dos anos setenta, a discutir o universo mental e as ideologias presente nas análises históricas da realidade brasileira.
Na década de 90 essa renovação curricular intensificou-se, através da Nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, estabelecendo como finalidade para a educação “o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania, sua
qualificação para o trabalho”4 (Brandão 2007, p. 19); dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, os quais propõem uma orientação geral para a educação brasileira, além de sugerir
espaços em sala de aula para as especificidades regionais. Além disso, houve um aumento
significativo dos cursos de Licenciatura em História, gerando a expansão das produções
acadêmicas.
Assim, sob a influência da Nova História, as pesquisas históricas e o ensino de
História buscam novos objetos para atender a nova realidade brasileira, priorizando o estudo
do homem comum através das mais diversas fontes em detrimento da narrativa econômica e
política carregadas de “grandes heróis” supervalorizados pelas fontes escritas e oficiais.
Porém, essa “renovação curricular” não é realidade em todo o sistema de ensino
brasileiro, pois não existe uma política de formação de professores que alcança e realiza um
trabalho constante com os docentes. Além disso, inúmeras escolas não disponibilizam uma
estrutura mínima que proporcione condições que fujam do ensino tradicional baseado na
“educação bancária”, como afirma Paulo Freire (2002, p. 58) em que o professor deposita em
seus alunos os conhecimentos que possui, dispensando qualquer tipo de questionamento e
colocando em dúvida o saber docente:
Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
4 Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação da Educação nacional/ nº. 9394/96.
37
Nesse sentido, é imprescindível que exista na prática uma construção coletiva dos
currículos nacionais e dos projetos político-pedagógicos das escolas, ou seja, um diálogo entre
os vários sujeitos que compõem o sistema educacional, com o intuito de aproximar o
currículo oficial da realidade das escolas, ou, em contrapartida, o Brasil continuará com uma
educação distante da maioria da população.
1.3 As correntes historiográficas e o ensino de História
Na contemporaneidade, o processo de ensino tem gerado vários debates,
principalmente no que se refere à seleção do conteúdo a ser ensinado pela escola. O ensino de
História não foge desta linha, passando por diversos contextos históricos no Brasil: em sua
constituição este ensino inculcava as questões referentes à identidade nacional, no Regime
Militar proclamava os “feitos” dos homens de patente, enfim, estes e tantos outros momentos
estão ligados a objetivos condizentes com a construção de idéias propostas pelo Estado.
Vale destacar, que este tipo de saber necessita estar embasado em uma teoria da
História, o que irá permitir a sustentação e a orientação em seus discursos. Daí se fortalecem
as correntes históricas Positivista, Historicista, Marxista e a Annalista como fundamento
teórico para esse conhecimento.
A corrente Positivista teve um papel preponderante na História do Brasil, pois no
século XIX, o país passava por um processo de constituição enquanto nação, por isso
necessitava difundir essa idéia e a escola configurava-se como um espaço propício para
propagar e legitimar a identidade nacional. Assim, tal corrente propõe princípios de ordem e
progresso, influenciando a formação de um povo harmônico e adaptado ao novo sistema,
fazendo com que a realidade social, essencialmente baseada em um caráter histórico e
dinâmico, fosse substituída por leis imutáveis propostas pelas ciências naturais, como
defendeu Auguste Comte.
A História, segundo esta concepção está voltada para a observação, e
experimentação dos fatos, retirando toda subjetividade inerente às relações sociais. Zierer
(2003, p. 22) ressalta:
A partir do século, pretendeu-se erigir a História à categoria de ciência, subordinando o conhecimento histórico a metodologia das ciências naturais, cujo pressuposto é a construção de leis. A principal preocupação era a utilização de documentos autênticos, de procedência escrita e estatal.
38
O Historicismo defendido por Leolpold Von Ranke, assim como o Positivismo, é
classificado como uma história tradicional. Tem como premissa “dar os acontecimentos do
passado como eles na realidade se passaram”5. Para essa corrente, os fatos eram
considerados irrepetíveis, porém estavam diretamente ligados a um fato anterior, dando uma
clara idéia de linearidade à história, sendo por isso conhecido também como história–
narrativa. Além disso, caracteriza-se pela comprovação dos fatos apenas pelos documentos
escritos. Com a utilização dessas concepções por parte dos professores de História em sala
de aula, os alunos não são estimulados a pensar criticamente, tornando-se repetidores de
fatos político-militares valorizados pelos “heróis nacionais”.
É possível notar que ainda existem sujeitos envolvidos com o processo
educacional voltados para os métodos das correntes historiográficas tradicionais, não
permitindo a desconstrução e a criticidade dos fatos sociais.
Destaca-se também a influência da corrente marxista no ensino de História a partir
do fim do Regime Militar, no começo dos anos 80. Este momento foi caracterizado por
muitos debates acerca do processo de redemocratização, proporcionando aos professores e
estudiosos em geral um ambiente propício ao estudo das lutas de classes e os modos de
produção como conteúdos principais para a educação libertadora. (PACIEVITCH e CERRI,
2005).
Diferente das correntes tradicionais, no marxismo o historiador trabalha na
investigação do processo histórico concreto e intervém de modo prático sobre eles. A partir
disso os acontecimentos não são acabados e a História não é dada, mas sim construída
socialmente pelos indivíduos que nela se inserem. A estrutura econômica é privilegiada nessa
tendência, com a produção material determinando as demais esferas da vida social.
Considerada por Peter Burke como a Revolução Francesa da Historiografia, a Escola
dos Annales, fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre ampliou o campo de estudo da
História. Segundo Zierer (2003, p.22):
A pretensão dos fundadores era realizar a “história - problema” calcada nos homens e não apenas nos “Grandes Homens” como fizera até então a história événementielle ou factual, predominante desde os novecentos, e utilizar o tempo longo das estruturas em oposição ao tempo curto dos acontecimentos.
5 CERRI, Luís Fernando. As concepções de história nos cursos de licenciatura. Disponível em httt://www.rhr.uepg.br/v2n2/cerri.tm. Acessado em 08 de agos de 2007.
39
A partir deste movimento surge a corrente teórica do estudo da História
denominada Nova História ou História Nova. Com isso, novos objetos foram inseridos na
pesquisa histórica: cotidiano das pessoas comuns, estudo da educação, do sexo, da cultura
popular, entre tantos outros.
Outra novidade foi a ampliação das fontes, até então, voltadas apenas para os
documentos oficiais e escritos, isto é, passou-se a utilizar a oralidade, as imagens, as músicas,
enfim cabia ao pesquisador dialogar com a suas fontes.
Evidenciam-se nesta linha de pesquisa os trabalhos de Carlo Guinzburg
direcionados para as noções de circularidade cultural, focalizando a relação entre cultura
popular e cultura erudita. Roger Chartier, através do conceito de práticas e representações,
discute as diferentes formas de apropriação e Edward Thompson6 direcionado para os
movimentos sociais o e cotidiano das classes populares.
A Nova História, sendo uma corrente que de certa forma revolucionou o
entendimento histórico, sofreu e ainda sofre críticas, visto que é acusada de compartimentalizar
este conhecimento, desprivilegiando uma visão global e totalizante. A perspectiva micro
também é contestada, uma vez que os “grandes acontecimentos” são relegados a segundo plano.
No que se refere ao campo educacional, é notável a contribuição dessa corrente
para o ensino de História, pois permite que o professor possa trabalhar com objetos que fazem
parte da vida do aluno, descontruindo a idéia de que a História é a ciência que se volta apenas
para o estudo do passado. Além disso, os próprios livros didáticos e os Parâmetros Curriculares
Nacionais aderiram a essa concepção, à medida que incorporaram em seus materiais temas até
então à margem do estudo histórico.
Porém, é sabido que pela ausência da educação continuada na formação de muitos
professores, assim como questões de ordem estrutural da instituição, o sistema educacional e,
especificamente, o ensino de História, não conseguiram totalmente se desvencilhar da
memorização, do quadro de giz, da relação vertical entre professores e alunos, práticas
tradicionais estas ainda bastante presentes na realidade escolar.
2 CULTURAS POPULARES E ESCOLA
6 Ver VAIFAS, Ronaldo. “História das mentalidades e História Cultural”. In: CARDOSO, Ciro F. e VAIFAS, Ronaldo. Domínios da Historia: ensaios da teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
40
Ao longo de sua história, a escola configurou-se como um espaço de retomada das
informações impostas pelas classes dirigentes, com o intuito de moldar a sociedade de acordo
com os seus interesses, focalizando tradições inventadas oficiais, e paralelamente a isso, existia
neste ambiente uma cultura popular silenciada que não conseguia exteriorizar as suas
especificidades.
A educação é inerente às sociedades, logo, não é apenas nas escolas que se pode
encontrar o conhecimento, visto que isto se desenvolve através de múltiplos canais e em
variadas situações. O ser humano, nos diversos locais em que se estabeleceu, organizou formas
de comunicação que, promovem, em síntese, situações de ensino aprendizagem. Ensina-se e
aprende-se na convivência familiar, nos locais de trabalho, na internet, na televisão, na escola,
nas questões que envolvem a cultura popular, entre tantas outras possibilidades.
A escola foi elaborada, do ponto de vista institucional, como um ambiente
ideologicamente construído para a experimentação de processos de ensino e aprendizagem.
Porém, outros espaços quebraram a sua redoma, expondo-a num universo de informações que a
sociedade passou a exigir, muitas vezes inconscientemente, que fosse trabalhada na escola, uma
vez que alunos, professores e demais atores educacionais fazem parte da dinâmica social,
portanto, as suas relações fora do espaço escolar de alguma forma influenciam a dinâmica da
instituição. Comenta Pereira (2003 p.14-15):
(...) de um lado, a escola oficial estabelece programas de ações universalizastes, entrando em choque com os anseios de grupos locais, que reivindicam o atendimento de suas demandas particulares(...) Nesse sentido, é interessante uma aproximação aos procedimentos adotados pelos vários agentes que participam dos processos de ensino-aprendizagem em diferentes contextos.
Neste contexto, focaliza-se este trabalho para a emergência de aproximar cultura
popular e escola, direcionando assim para os aspectos relacionados à manifestação cultural do
Bumba-meu-boi partindo-se de três espaços educativos: a Casa do Maranhão, o Projeto
Sabença: museu-escola e as salas de aulas, promovendo uma parceria entre escolas e espaços
disponibilizados pela Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da Cultura
do Maranhão. Reforça isso a Superintendente Michol7:
Dentro desse processo do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, e atualmente da Superintendência de Cultura Popular, de contribuição em termos de apoio, incentivo, divulgação da cultura popular maranhense
7 Entrevista realizada no dia 18 de março de 2008, com a Superintendente de Cultura Popular Michol Carvalho.
41
(...) se viu que era impossível partir para uma atuação na área da cultura popular sem procurar ter por base a questão educacional, porque como transmitir o gosto, o interesse, o despertar e desenvolver a sensibilidade das novas gerações por essa cultura, sem que isso estivesse inserido num contexto de relação entre cultura e educação.
Tendo por base a relação cultura x educação, faz necessário destacar aspectos da
cultura popular, fazendo-se uma abordagem historiográfica a respeito do posicionamento de
alguns historiadores e outros estudiosos acerca da temática. Diante desses embates, insere-se o
referido trabalho no conceito de circularidade cultural proposto de Carlo Ginzburg, visto que a
manifestação cultural do Bumba-meu-boi enquanto saber popular é demonstrada como um
campo fértil para dialogar com a disciplina História, evidenciada como saber erudito.
2.1 Discutindo culturas populares
Versar sobre cultura popular não é uma tarefa fácil nem para historiadores, nem
para antropólogos, tampouco para os folcloristas, visto que instiga as discussões acerca de
outros objetos de estudo que estão muito próximos deste campo de pesquisa. Como folclore,
cultura erudita e cultura de massa. Por isso, muitos estudiosos expressam um certo
desconforto na tentativa delimitar essas áreas de estudo ou até mesmo definir conceitos.
Para aqueles considerados construtores da dita cultura popular também não é fácil.
A afirmação de Chartier (1995, p. 179) explica bem isso: “A cultura popular é uma categoria
erudita (...) quer delimitar, caracterizar e nomear práticas que nunca são designadas pelos seus
autores como pertencendo à cultura popular”. Assim, o autor expõe a impossibilidade de se
delimitar o que é genuinamente do povo, pois existe um histórico intercâmbio entres culturas.
Diante desse emaranhado de conhecimentos que, de acordo com o momento
histórico ou com a abordagem teórica, se complementam ou se opõem, tem-se o intuito de
discutir o envolvimento do Bumba-meu-boi no meio escolar. Para isso faz-se necessário traçar
alguns aspectos da cultura popular, com o objetivo de subsidiar essas discussões associadas ao
campo educacional, seguindo o tema proposto pelo trabalho. Não se tendo a pretensão de
esgotar o universo da cultura popular.
Um dos primeiros pensadores a utilizar o termo “cultura popular” (Kultur des
Volkes) foi o filósofo romântico J. G. Herder, nos fins do século XVIII, o qual buscou através
dos costumes dos camponeses – seus poemas, músicas, festas, saberes, histórias e rituais
construir as bases da identidade da cultura alemã.
42
Isto demonstra a emergência da corrente romântica associada aos movimentos
nacionalistas europeus. Em oposição ao Iluminismo, caracterizado pelo elitismo, pela rejeição
à tradição e pela ênfase na razão, o Romantismo valoriza a diferença e a particularidade,
consagrando o povo como objeto de interesse intelectual. Dessa forma, já é possível notar o
“popular” sendo utilizado como estratégia para fortalecer o sentimento patriótico.
Muito confundido com a cultura popular, o folclore também sistematizou-se na
Europa, 1846 quando a denominação “folk”, direcionado para as noções de povo e nação, e
“lore”, significando saber, foi difundida pela revista inglesa “The Athenaeum” por W. J.
Thoms. Os folcloristas ao longo do século XIX construíram a idéia de um “povo” guardião do
que era mais autêntico e essencialmente nacional, solidificando as bases de um entendimento
a respeito de folclore, que ainda pode ser encontrada nos escritos atuais, valorizando as
continuidades e tradições da sociedade. Os debates não se encerram na relação tradicional x
modernidade, visto que o grande cerne da questão passa pela relação cultura popular x cultura
erudita. Neste sentido, os teóricos do assunto dividem-se em torno de vários posicionamentos.
Segundo Mikhail Bakhtin em seu livro Cultura Popular na Idade Média e no
Renascimento (BAKHTIN, 1996), a noção de cultura popular nesse período não remetia a um
saber associado exclusivamente ao povo, uma vez que a cultura era expressa informalmente
nas praças, nos mercados, nas feiras e nas igrejas, enfim em vários lugares onde era
disponível a todos, isto é, elite e povo “faziam parte dessa história”. Como se pode observar a
partir de Ortiz (1995, p.15):
As fronteiras entre cultura popular e de elite se misturavam, pois os nobres participavam das crenças religiosas, das superstições e dos jogos, ao mesmo tempo em que as autoridades toleravam as práticas populares porque eram patrocinadas pelos senhores de terra. O gosto pelos romances de cavalaria era generalizado, as baladas e a literatura de cordel não eram associadas, pela minoria educada, ao povo inculto.
Porém, Ortiz em consonância com Peter Burke, questiona os escritos de Bakhtin,
visto que para esses autores não havia simetria entre as culturas; a elite participava da tradição
popular, mas o povo era excluído da tradição clássica.
43
Burke aponta em seus estudos a existência da “biculturalidade”8, pois existia uma
cultura para todos, tida como tradição popular, configurando-se como cultura única para o
povo, em contrapartida para a elite a cultura popular significava diversão opondo-se a uma
tradição clássica transmitida formalmente nos liceus. Nesse sentido, Burke (1978, p.207-208)
afirma:
Em 1500, a cultura popular era a cultura de todo mundo: uma segunda cultura para os instruídos e a única cultura para os demais. Por volta de 1800, contudo, em muitas partes da Europa, o clero, a nobreza, os comerciantes, os homens de ofício - e suas mulheres – haviam abandonado a cultura popular, da qual estavam agora, como nunca antes, por profundas diferenças de visão de mundo.
No que se refere à cultura popular, Gramsci analisa as diversas estruturas culturais
das ditas classes subalternas, em especial o conceito de folclore, que pode ser tanto
interpretado como uma concepção de mundo ou como a facção da cultura hegemônica
adaptada ao popular. Dentro dessa ótica, Ferretti (2003, p. 27) cita Gramsci:
(...) folclore é um aglomerado indigesto de fragmentos de todas as concepções que se sucederam na história. Ao mesmo tempo, Gramsci considera o folclore importante e diz que deve ser estudado e compreendido como concepção do mundo e de vida, em grande parte implícita, de determinados estratos da sociedade, em contraposição às concepções oficiais do mundo.
Através desses escritos, Gramsci entende as culturas subalternas como resultado
desigual dos bens econômicos e culturais, ao mesmo tempo em que poderiam assumir uma
forma de oposição à cultura hegemônica, dos setores dominantes. Dessa forma, nota-se o
caráter de resistência que pode ser desempenhado pelos setores populares da sociedade.
(CHAUÍ, 2000).
Seguindo outra linha de entendimento acerca da relação cultura popular – cultura
dominante, destacam-se os estudos do historiador Carlo Ginzburg, o qual trabalha numa
perspectiva da Nova História que, ao ampliar o seu campo de pesquisa, alcança sujeitos
históricos que por tanto tempo ficaram silenciados e esquecidos nas narrativas históricas.
8 Termo utilizado por Peter Burke em sua obra Cultura Popular na Idade Moderna para definir as possibilidades que a elite dispunha de conhecer e participar do mundo da cultura popular, ao mesmo tempo em que preservava a sua própria cultura.
44
Dessa forma, este autor contribui para os estudos culturais na medida em que
reconhece que os indivíduos considerados em outros momentos como “camadas inferiores dos
povos civilizados” possuíam cultura, instigando assim a emblemática relação entre culturas.
Assim Ginzburg (1987, p.16-17) escreve:
A existência dos desníveis culturais no interior das assim chamadas sociedades civilizadas é o pressuposto das disciplinas que foi aos poucos se autodefinindo como folclore, antropologia social, história das tradições populares, etnologia européia. Todavia, o emprego do termo cultura para definir o conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamentos próprios das classes subalternas num certo período histórico é relativamente tardio e foi emprestado da antropologia cultural. Só através do conceito de ‘cultura primitiva’ é que se chegou de fato a reconhecer que aqueles indivíduos outrora definidos de forma paternalista como ‘camadas inferiores dos povos civilizados’ possuíam cultura. A consciência pesada do colonialismo se uniu assim à consciência pesada da opressão de classe. Dessa maneira, foi superada, pelo menos verbalmente, não só a concepção antiquada de folclore como mera coleção de curiosidades, mas também de que distinguia nas idéias, crenças, visões de mundo das classes subalternas nada mais do que um acúmulo desorgânico de fragmentos de idéias, crenças, visões de mundo elaborados pelas classes dominantes provavelmente vários séculos antes. A essa altura começa a discussão sobre a relação entre cultura das classes subalternas e das classes dominadas. Até que ponto a primeira esta subordinada à segunda? Em que medida, ao contrário, exprime conteúdos ao menos em parte alternativos? È possível falar em circularidade entre os dois níveis de cultura?
É notável a defesa de Ginzburg no que se refere às influências mútuas existentes
entre as culturas das ditas classes dominantes e das classes subalternas. Dessa maneira, é
possível observar a clara contribuição que Bakhtin desempenhou nos trabalhos de Ginzburg,
utilizando-se até mesmo do termo circularidade cultural. Nesse sentido, afirma Silva (1996,
p.210):
Bakhtin refuta a tradicional dicotomia entre cultura erudita e cultura popular, negando qualquer superioridade ou dependência absoluta de uma em relação à outra. A todo o momento enfatiza as relações que entre elas se estabelecem, num constante processo de interação e re-alimentação que instaurando um movimento circular, busca a unidade dos contrários através de uma síntese dialética que anula toda e qualquer justaposição.
É nesse contexto que os escritos de Bakhtin e Ginzburg têm fundamental
importância, visto que permitem às camadas tidas como inferiores mostrarem que também
possuem cultura e que esta influencia e pode ser influenciada por outras culturas. Sendo
assim, entende-se que este trabalho monográfico se insere nessas discussões, uma vez que
45
almeja trazer para sala de aula, isto é, um ambiente sistematizado de ensino, aspectos a serem
trabalhados sobre a cultura popular, especificando o caso do Bumba-meu-boi, articulando os
chamados saberes popular e o erudito proporcionando assim, a desconstrução desses domínios
enquanto opositores.
2.2 Breves estudos sobre folclore e cultura popular no Brasil e no Maranhão
Falar sobre o desenvolvimento das pesquisas de folclore e cultura popular no
Brasil não se constitui uma tarefa simples. Vários são os motivos que justificam essa assertiva
e, dentre estes, elenca-se o infindável número de fontes e a abrangência do tema. Neste item,
contudo, pretende-se colocar alguns de seus mais importantes momentos a fim de melhor
elucidar o tema proposto por este trabalho: a relação entre cultura popular e educação.
O Brasil devido à sua condição de dependência procurou se nortear pelas
tendências ideológicas internacionais, objetivando atualizar as suas concepções e padrões
econômicos, tecnológicos, políticos e sociais. Não haveria de ser diferente no que tange aos
estudos das práticas sociais e culturais, uma vez que estas se encontram fortemente
entrelaçadas às esferas citadas anteriormente.
Ao avançar do século XIX, o cenário mundial encontrava-se em grandes
polêmicas e sob forte ebulição de novas idéias por arte dos intelectuais da época: as novas
roupagens da divisão do trabalho, o surgimento de novos estados-nação, a consolidação do
sistema capitalista, o nascimento de novas áreas do saber. Aqui sobressalta-se as discussões
travadas entre os iluministas, afeiçoados ao elitismo, à ênfase da razão e total rejeição à
tradição; e os anti-iluministas, influenciados pelos preceitos do movimento romântico,
apregoando as particularidades e singularidades culturais, no qual o povo passaria a ser o
principal elemento de interesse. Cavalcanti (2000, p.104) fala que:
A concepção de povo é construída num duplo contraste com as camadas cultas e, ao mesmo tempo, com a plebe ou ralé. O contraste entre o povo e a multidão urbana acentua não só a valorização moral do primeiro, como define também o objeto privilegiado de estudo para os folcloristas desde esta época: o camponês, depositário da autêntica cultura popular. O povo é, para os intelectuais, natural, simples, inculto, instintivo, irracional, enraizado nas tradições e no solo de sua região. O indivíduo povo está dissolvido na comunidade.
46
No Brasil, essas influências chegaram sob a geração dos românticos que
idealizaram as culturas dos índios, dos negros e dos sertanejos. Os poetas e escritores
românticos se voltaram para a questão do negro, militando pela abolição da escravidão,
descrevendo a natureza tropical e recorrendo a uma idealizada imagem do índio. Foi por meio
das interferências de críticos e historiadores que a cultura popular passou a receber um
tratamento mais científico e racional.
A partir da segunda metade do século XIX, se evidenciam os primeiros estudos
sobre cultura popular e folclore, sob os auspícios da construção de uma identidade nacional.
Esses trabalhos foram iniciados por Celso Magalhães e Sílvio Romero. Dentro desse universo
de conhecimentos, os teóricos voltaram-se primeiramente para literatura popular, como
expressões da identidade nacional, a qual em processo de construção estava permeada pelas
questões referentes à união das três raças na formação do “ser brasileiro”.
No caso do Maranhão não foi diferente. Os intelectuais locais, simpatizantes à
linha de pensamento que buscava a construção da identidade nacional como forma de
soberania, deram início a estudos sistemático sobre as expressões culturais maranhenses
enquanto elementos integrantes da cultura brasileira.
Vale destacar neste contexto a influência que os estudos nacionais desempenharam
sob a intelectualidade local, como por exemplo, o poeta sertanista Catulo da Paixão Cearense
(1863-1946), Humberto de Campos (1835-1934), o português jornalista Fran Paxeco (1874-
1952), o professor e o cronista Raul Astolfo Marques (1876-1918), o jurisconsulto Godofredo
Viana (1878-1944), Inácio de Viveiros Raposo (1875-1945), Antonio Lopes (1889-1950),
Raimundo Lopes (1894-1941), Aquiles Lisboa, o folclorista, poeta e jornalista Fulgêncio
Pinto (1894-?), e, posteriormente Rubem Ribeiro de Almeida (1896-1979), o jornalista Mata
(1896-1979), o jornalista Mata Roma (1894-1944), Jerônimo José de Viveiros (1884-?),
Astolfo Serra (1900-?), o folclorista Domingos Vieira Filho (1923-1981), entre outros.
(CORRÊA, 2001, p.41).
Ressaltam-se os estudos de Celso Magalhães, pelo seu pioneirismo em relação ao
estudo da cultura do povo, rompendo com as abordagens românticas direcionou seus estudos
para o folclore brasileiro, abordando as manifestações culturais maranhenses, iniciando então
os estudos folclóricos neste Estado através da obra literária de “A Poesia Popular
Maranhense” publicado em 1873, no jornal pernambucano “O Trabalho”.
47
Em seus trabalhos é possível notar uma ampliação dos objetos de pesquisa, visto
que rompe com o ideário romântico, contudo, nota-se uma carga de preconceito, inerente ao
lugar social onde escreve, com relação ao negro, considerando-o como elemento depreciador
do folclore, Assim nota-se em Magalhães (1966, p. 33):
O elemento africano acabou a obra que o português e a companhia tinham começado. Os trovadores populares limitavam-se ùnicamente a repetir o que lhes restava na memória, lembrando-se da metrópole, e os nacionais arremedaram-nos mais ou menos infelizes, intrometendo nos romances os barbarismos e as corrupções que o meio africano fazia desenvolver.
Magalhães entende o folclore local como uma clara imitação deturpada do folclore
português, é o que denominou “transplantação cultural”. Seguindo esse autor, evidencia-se a
contribuição de Antônio Lopes na pesquisa acerca da cultura popular maranhense, inovando
em sua obra Presença do Romanceiro, na medida em que não se detém apenas em identificar
as manifestações, mas sim perceber as reelaborações do cancioneiro popular.
Com os estudos de Sílvio Romero, nota-se a defesa de uma visão mais científica e
racional da vida popular. Para esse autor os estudos de folclore deveriam abandonar a
sentimentalidade literária e dar vazão ao objetivismo e positivismo a fim de que o campo
ganhe ares científicos. Dentro da ótica opositora ao Romantismo e a transplantação aos
modelos europeus, este autor, reconheceu a participação do mestiço na cultura popular
brasileira. Com relação a isso, Corrêa comenta (2001, p.39):
As perspectivas dos estudos de Silvio Romero conduziam-se no sentido de relacionar a formação da literatura brasileira ao cruzamento racial e lingüístico. Nesse sentido, procurou identificar a contribuição dos povos e raças na formação cultural brasileira, a partir da valorização da mestiçagem e da teoria do embranquecimento, como alternativa de reabilitação das raças inferiores.
Outras grandes figuras compartilhavam dessa opinião a exemplo de Amadeu
Amaral9, que se mostrava insatisfeito com o diletantismo dos estudiosos do assunto. Para ele,
necessitava-se, então, de uma sistematização dos métodos de pesquisas para que os resultados
obtidos fossem de uma melhor qualidade, ricos em detalhamento, mas sem os floreamentos
9 Mesmo simpatizante em comum a uma idéia maior, Amaral desfere profundas críticas a Sílvio Romero e a Celso Magalhães, respectivamente, devido aos discursos infundados e precipitados e ao amadorismo científico entalhado por uma profunda erudição (Cavalcanti, 2000).
48
típicos dos literatos, devendo o folclorista retratar o seu objeto com o máximo de
verossimilhança e fidedignidade. A metodologia a ser seguida seria, nesta ordem, a coleta do
material, o seu estudo, a sua comparação e a sua teorização (VILHENA, 2000).
Um pouco mais adiante, os modernistas brasileiros, que ganharam expressão
pública na Semana de Arte Moderna de 22, partiram para a descoberta do Brasil sem
discriminar entre o "ordinário" e o "erudito", procurando evidenciar a dimensão relacional que
sempre existira entre esses universos. Um dos objetivos fundamentais do movimento
modernista era, portanto, estruturar os meios que pudessem atender à coletivização - à
democratização - do saber, num país onde este era dividido entre o "culto" e o "popular".
Segundo Cavalcanti (2000, p.107):
O abandono do amadorismo e a conquista da “cientificidade” deveriam ser alcançados com o auxílio das cátedras universitárias relacionadas ao folclore, sobretudo a sociologia (...), as sociedades de antropologia, geografia, história... Essas sociedades poderiam “policiar e orientar” os trabalhos sobre folclore, banindo o diletantismo, assim como a transformação da produção popular em produção popularesca, cheia de retoques e inautênticas.
Mário de Andrade, expoente do pensamento da sua geração, durante a sua gestão
no Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, junto com vários modernistas, inclinou-
se para o exame das diversidades existentes em solo brasileiro, contando com o apoio e
participação de muitos profissionais das ciências sociais10 de renome internacional, como
Dina Lévi-Strauss, para que se otimizassem as pesquisas de campo. (VILHENA, 2000).
Nesse contexto, os modernistas galgavam a idéia de abrasileirar o brasileiro,
sendo assim, as questões referentes à identidade nacional são bastante presente nas obras de
Mário de Andrade. Com isso, a sociedade foi remodelando a percepção negativa do ser
brasileiro, manifestando o anseio de se libertar do julgo cultural europeu. Essa mudança
influenciou a construção de uma cultura nacional, contribuindo significativamente para que a
cultura popular passasse a ser símbolo de nacionalidade.
Nesse sentido, Andrade fez um estudo das danças dramáticas do Brasil11,
identificando dentre as diversas expressões, o Bumba-meu-boi. No caso do Maranhão esta
10 Como resultando desse incremento, mais tarde, nasceram a Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1933), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934) e a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (1935), que passaram a conferir os padrões científicos da antropologia às áreas do saber até então limitadas aos estudos de folclore. 11 Ver ANDRADE, Mário. Danças dramáticas do Brasil. Org. Oneida Alvarenga. Belo Horizonte: Itatiaia 1982; Brasília: INL, Fundação Pró-Memória, 1982.
49
manifestação causou uma diversidade de posicionamentos, visto que tanto os intelectuais
quanto a população em geral se dividia entre o seu repúdio e a sua valorização.
Por muitas décadas o Bumba-meu-boi foi considerada por muitos como um
movimento bagunçado e violento, típico da gente pobre e simples. Por isso, a classe
dominante impôs o distanciamento da brincadeira dos arredores “civilizados”. Isso é
demonstrado no jornal da época12: “Antigamente as festas de São João se faziam em
arrabaldes distantes da cidade: Anil, Maioba, Turu e, São José. Ultimamente, animação maior
é nos arredores de São Luiz, no bairro proletário de João Paulo”.
Dessa forma se percebe uma segregação cultural e social, gerando sérios
problemas para os brincantes e a população apreciadora da brincadeira que se encontrava
restrita a determinados ambientes sociais.
Porém, a partir da década de 30, inicia-se uma gradativa valorização da cultura
popular maranhense, isto pode ser notado a partir do aumento dos escritos acerca dessa
temática, destacando-se assim Antonio Lopes, Fulgêncio Pinto, Rubem Almeida, Fernando
Perdigão, Domingos Vieira Filho, os quais irão contribuir para a institucionalização da cultura
popular na década de 40, organizando órgãos que desempenhavam a função de pesquisar e
divulgar o folclore maranhense, não fugindo das discussões existentes no âmbito nacional,
direcionadas para a construção da identidade.
Dessa forma, é possível notar que a intelligentsia local, acostumada com o
sentimento de valorização do ser maranhense através da construção da Atenas Brasileira13 e
da São Luís fundada por franceses14, no final do século XIX buscava outra característica que a
recolocaria em uma posição de destaque no cenário nacional, então isto foi se processando a
partir da primeira metade do século XX, por meio da cultura popular, legitimando assim a
12 MONTELLO, Josué. São João Maranhense. Jornal Diário de São Luiz. São Luis, p.07, 21 de junho de 1949. 13 Conforme Corrêa (2001, p.14) Atenas Brasileira. Construção simbólica fabricada pela intelectualidade maranhense do final do século XIX numa referência à intensa atividade literária existente em São Luís, cujos maiores representantes Odorico Mendes, Gonçalves Dias, João Lisboa, entre outro, pertencentes ao denominado Grupo Maranhense do Romantismo brasileiro (1832-1868) estavam presos à constante reminiscência de um tempo de esplendor econômico, no qual o Maranhão desfrutou os benefícios de uma economia algodoeira exportadora. 14 (...) o curto espaço de três anos que os franceses ficaram no Maranhão -26 de julho de 1612 a 31 de julho de 1615 – os impossibilitou de deixar grandes marcas. Os únicos sinais de ocupação francesa são: o local onde aportaram e posteriormente escolhidos pelos lusitanos para construir a cidade de são Luís; as improvisadas capelas, continuadas pelos missionários portugueses e tornadas núcleos religiosos que perduraram até nossos dias; e o nome do Forte de São Luís, mantido pelos portugueses para nominar a capital do Estado do Maranhão”. Lacroix (2002, p.39). É somente a partir de fins de século, o século do galicismo,quando a economia maranhense entra em processo de declínio, que se começa a falar de fundação francesa de cidade de São Luís, singularização construída por grupos locais. A imaginada condição de ludovicense – francês foi transformada em característica de todo maranhense.
50
manifestação cultural do Bumba-meu-boi como elemento que identificasse o “ser
maranhense”.
Retomando a discussão acerca da identidade nacional, Ortiz (2005, p.21) trata-na
como uma meta a se alcançar no futuro, isto é, com a emergência do processo de
branqueamento da sociedade brasileira. Gilberto Freire um dos maiores marcos deste
movimento publica em 1933 a obra Casa grande e senzala, no qual reelabora as teses de
Silvio Romero15 no que se refere à noção do mestiço na dinâmica desta sociedade. Além
disso, através da influência do sociólogo Fraz Boas, substitui o conceito de raça pelo de
cultura. Assim se refere Ortiz (2005, p. 41) a obra de Freyre:
Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em positividade, o que permite completar definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada. Só que as condições sociais eram agora diferentes, a sociedade brasileira já não mais se encontrava no num período de transição, os rumos do desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava orientar essas mudanças. O mito das três raças torna-se então plausível e pode se atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas ambigüidades das teorias racistas, ao serem reelaboradas pode difundir-se socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos grandes eventos como carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-se nacional.
É importante ressaltar que nesse período, o estudo da cultura popular, atendendo
às necessidades da era getulista de construção de uma identidade nacional, busca a
identificação de uma brasilidade, apontando os seus componentes e, para isso, por meio de um
cientificismo, deveria retratar o cotidiano popular, destacando as suas raízes, apagando as
interferências e distorções e fortalecendo e perpetuando essas tradições. A originalidade, a
grande diversidade e a autenticidade do folclore brasileiro deveriam ser defendidas e
apregoadas.
No ano de 1938, Mário de Andrade, juntamente com Oneyda Alvarenga16, deu
início a uma de suas mais vultuosas ações, organizando a Missão de Pesquisas Folclóricas que
tinha como intuito, a partir do mapeamento do Brasil, o resgate e a pesquisa da música
popular brasileira nas regiões mais “longínquas” do país. Os pesquisadores perceberam que o
15 Para maiores informações ver ROMERO, Sílvio. Estudo sobre a poesia popular do Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1977. 16 Diretora da Discoteca Pública Municipal, órgão ligado à Divisão de Expansão Cultural, também chefiada por Mario de Andrade.
51
Brasil realmente não conhecia a sua música nem seus bailados populares, devido à sua
enorme extensão, e regiões perfeitamente distintas uma da outra, dificultando a empreitada do
estudo. A Missão ocorreu nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde pesquisadores do
Departamento Municipal de Cultura de São Paulo fotografaram, filmaram e gravaram
melodias e danças tradicionais das localidades.
Assim foi se delineando o Movimento Folclórico no Brasil, com intuito de
construir a singularidade nacional através da integração cultural. Nesse contexto, identifica-se
a criação da Comissão Nacional de Folclore, liderada por Renato Almeida, diplomata e
estudioso da música popular. O ideário desse movimento encontra-se na Carta do Folclore
Brasileiro (1951, p.01), na qual está registrada a definição de fato folclórico da seguinte
maneira:
Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservado pela tradição popular e pela imitação e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica.
Eis que diante disso, surgem as questões mais direcionadas para antropologia,
tendo-se de um lado o folclore valorizando o tradicional e as permanências oriundas de uma
identidade cultural e étnica, formada pelas contribuições das três raças; e do outro lado a
sociologia das décadas de 1950 e 1960, liderada pela Universidade de São Paulo de Florestan
Fernandes que via as culturas populares no âmbito da modernização, da mudança social e das
desigualdades sociais.
Isto foi palco de muitos debates que enfraqueceram o conhecimento proposto pelos
folcloristas, uma vez para muitos era desprovido de métodos científicos, valorizando apenas a
descrição dos fatos em detrimento de suas interpretações, gerando uma construção negativa
que perdura até hoje acerca do folclore: algo exótico e até mesmo ridículo.
Assim, se percebe uma desvinculação entre cultura popular, folclore e identidade
nacional. Para Roger Bastide e Maria Isaura Pereira de Queiroz, ambos sociólogos da USP, os
novos condicionantes sociais não permitiam mais a criação de uma cultura nacional ou
mesmo culturas integradas. Com relação a isso Abreu (2003, p. 52) comenta:
A integração nacional não se realizou via integração cultural, como pretendiam os folcloristas, mas através dos estratos dominantes. O resultado disso tudo foi uma desvalorização da premissa de que a tradição folclórica ocupava importante espaço na construção nacional. Ao mesmo tempo
52
ficavam em segundo plano as discussões sobre os significados da dinâmica das trocas culturais na sociedade brasileira e sobre as próprias manifestações populares tradicionais (ou pré-modernas), face a uma maior preocupação com a transformação do Brasil em uma moderna sociedade de classes e com a reprodução das desigualdades sociais.
Com isso fica evidente a necessidade de um estudo que permita inserir nas
discussões a dinâmica inerente a uma sociedade de classes, permitindo assim um outro
entendimento acerca de cultura popular: “O objetivo da Cultura Popular é a elaboração de um
projeto que liberte o homem, no interior de uma cultura de que ele é um simples objeto”
(BRANDÃO, 2002).
Apesar da longa trajetória de segregação da cultura popular frente à cultura
erudita, percebe-se na contemporaneidade uma aproximação nessa relação, ou seja, a cultura
popular está sendo constantemente utilizada pelas classes dirigentes como cultura para as
massas, visto que numa sociedade capitalista facilmente evidencia-se a mudança de status dos
objetos, das pessoas e até mesmo da cultura.
Nesse sentido, o poder público, de forma claramente paternalista, incentiva a
cultura popular com o intuito de aproximá-la das massas e assim construir uma identidade que
irá legitimar propagandas políticas, expansão do comércio, redirecionamento para o turismo
local, e tantos outros mecanismos que gradativamente estão transformando a cultura popular
como um meio eficaz para se galgar outros objetivos.
É sabido que as manifestações culturais estão inseridas numa sociedade capitalista
e dinâmica, sendo assim é evidente que as transformações deste sistema e a própria
dinamicidade das relações sociais refletem na estrutura dessas manifestações, porém o que
causa intensos debates são as grandes modificações pelas quais a cultura popular vêm
passando com intuito de agradar cada vez mais a um número maior de adeptos, isto é, as
massas, que também, inconscientemente, possuem sua função no sistema capitalista.
Cabe então as escolas enquanto espaço difusor do conhecimento, através do
currículo, subsidiar informações que favoreçam o aluno a pensar as questões relacionadas a
cultura popular de uma maneira contextualizada, desvencilhando-se do aspecto apenas
lucrativo ou festivo, tendo-se em vista as diversas relações que permeiam a sua dinâmica.
53
2.3 Parâmetros Curriculares Nacionais e cultura popular
Desde 1985, com o processo de redemocratização, professores e pesquisadores
juntamente com as Secretarias de Educação de Estados e Municípios brasileiros, elaboraram
inúmeras propostas curriculares, evidenciando-se assim uma heterogeneidade nos programas de
cada disciplina. ( BITTENCOURT, 2005)
No caso do currículo de História, houve grande aceitação do programa implantado
em Minas Gerais, por ser considerado uma síntese das expectativas de um ensino democrático e
participativo, e que refletia o momento político atual. A adoção do programa mineiro foi
percebida tanto nas programas de outros estados, quanto no campo editorial dos livros
didáticos. Seus princípios estavam direcionados para a concepção marxista, não fugindo de uma
visão linear da História, a qual organiza seus conteúdos pela cronologia dos modos de
produção, além de simplificar as relações de trabalho entre dominantes e dominados. Apesar da
aceitação inicial desse programa, logo vieram às críticas, visto que uma nova corrente
historiografia ganhava espaço nas produções brasileiras. Fonseca (2006, p. 65) evidencia:
Se num primeiro momento a nova história a ser ensinada nas escolas apoiava-se teoricamente no materialismo histórico e o momento político favoreceu, sem dúvida, essa escolha -, logo no final dos anos 80 e início dos 90 a historiografia brasileira acelerava um significativo processo de renovação, expondo a influência cada vez mais nítida da chamada “nova história”, particularmente a tendência de origem francesa.
Nesse contexto novas propostas foram incorporadas ao ensino de História,
embasadas nas atuais discussões historiográficas, especialmente as oriundas da Escola dos
Annales e da História Social Inglesa (GALVES, 2004), focalizando temas como mentalidades e
cotidiano, promovendo assim um novo olhar nos programas e aos materiais didáticos que logo
seguiram esta linha de produção.
Então, com intuito de universalizar o currículo em 1997 o Ministério de Educação
juntamente com as entidades representativas educacionais, as secretarias regionais de educação
e a consultoria do espanhol César Coll, elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN’s).
A elaboração do PCN de História realizou-se em um momento, do ponto de vista
historiográfico, voltado para os estudos reverenciados pela Nova História, permitindo novas
54
abordagens que ampliaram a noção de sujeito histórico, focados até então pela História
Tradicional nos “Grandes Homens”. Evidencia-se então nesse documento (1997, p.29):
O sujeito histórico pode ser entendido, por sua vez, como sendo os agentes de ação social, que se tornam significativos para os estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles indivíduos, grupos ou classes sociais. Podem ser assim todos aqueles que, localizados em contextos históricos, exprimem suas especificidades e características (...) Podem ser trabalhadores, patrões, escravos, reis, camponeses, políticos, prisioneiros, crianças, mulheres, religiosos, velhos, partidos políticos, etc.
Destaca-se também a influência do construtivismo nos PCN de História, na
medida em que expressa a necessidade de integrar o ensino de História com cotidiano do aluno,
objetivando a educação para a cidadania, inserindo a escola nos acontecimentos da sociedade.
Além disso, essa nova visão da História proposta por este material, abomina a memorização dos
fatos sociais, privilegiando a formação do pensamento crítico do aluno através da interação com
o seu contexto Kessel17 (dez de 2003) ressalta:
Ao conteúdo histórico simplesmente transmitido pelo professor vieram se contrapor às tendências pedagógicas denominadas, grosso modo, de construtivistas que atribuem ao educando o papel de participante ativo de sua aprendizagem. Para a área de História, isto se traduz na importância de valorizar o papel do aluno como construtor da sua história.
Com isso, é notável que essa proposta educacional demonstra a preocupação em
sistematizar o ensino de história condizente com as discussões atuais deste campo de pesquisa,
porém, é sabido que os currículos se constituem em importante instrumento da intervenção do
Estado no ensino, logo os PCN’s são resultantes de um jogo de poder, no qual está permeado
por discussões e disputas com intuito de legitimar determinadas visões de mundo por meio dos
saberes historicamente construídos (GOODSON 1995).
Ao analisar os currículos escolares, deve-se saber que se trata de um documento
permeado por fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais não tão
“nobres” e “formais”, tais como interesses, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de
legitimação e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe,
etnia, gênero conceitos construídos historicamente (Goodson, 1995, p. 17). Como afirma
Michel de Certeau (2000, p. 66), toda elaboração de uma pesquisa (e mesmo os currículos)
“se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural’’. 17 KESSEL, Zilda. Memória nos Parâmetros Curriculares. Disponível em http://www.museudapessoa.net/biblioteca/pdfs/memorianosparametroscurriculares.htm. Acessado no dia 16 dez. 2007.
55
Nota-se que o currículo não é um material neutro, visto que está inerente em seu
discurso a influência do lugar social e a carga social individual daqueles que elaboram o
documento, além disso, o referido material é construído tendo-se em vista que tipo de
sociedade se deseja formar, sendo assim, a sociedade é tida com um todo homogêneo e
harmonioso. Nesse sentido Bittencourt (2005, p. 29) comenta:
(...) não relativizam a realidade e trabalham com a ausência de rupturas e resistências. As dificuldades e obstáculos do cotidiano estão ausentes dos textos. Os currículos e programas das escolas públicas, sob qualquer forma que se apresentem (guias, propostas, parâmetros), são produzidos por órgãos oficiais. Que os deixam marcados com suas tintas, por mais que os documentos pretendam representar o conjunto dos professores e o ‘interesse dos alunos’. E por mais que tais grupos reivindiquem participação na elaboração de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a leitura discussões posteriores à sua elaboração.
Esse distanciamento entre propostas curriculares e vivência escolar celebra uma
dicotomia que promove inúmeras críticas por parte de muitos agentes educacionais, perdendo
assim o seu caráter direcionador do trabalho docente, para tornar-se um material apenas de
contestação.
As falhas nos PCN’s são bastante presentes, pois ao passo que propõem novos
olhares, novas fontes, novas metodologias, permite a continuidade de uma concepção
tradicional da educação, demonstrando contradições em seu texto. Exemplo disso é a
linearidade com que entende a história da disciplina História, em contrapartida crítica a ordem
cronológica dos fatos.
Outra característica demarca a História enquanto disciplina, apenas com o
nascimento do Estado brasileiro, abdicando a educação formal dos períodos anteriores, assim
como os acontecimentos não divulgados por meios não oficiais do governo, logo prioriza uma
história erudita.
Somado a esses elementos, alguns autores criticam a ausência das referências
bibliográficas nesse documento, não fornecendo assim subsídios que sugerem leituras
complementares por parte dos agentes educacionais, assim como também não promove as
discussões entre os autores, sendo configurado como um manual de instrução pronto e acabado
para o professor executar ( GALVES, 2004).
Embora existindo diversas ausências nos Parâmetros Curriculares Nacionais, pode
se perceber um espaço para novas abordagens, as quais na maioria das vezes permanecem
apenas no papel, visto que além de propor, faz-se necessário que haja políticas públicas, por
56
parte do Ministério da Educação e das Secretarias Municipais e Estaduais que permitam a
realização daquilo que se configura como interessante pela escola. Cabe ressaltar que essa
escolha deve emergir de um Projeto Político Pedagógico democrático, no qual os vários sujeitos
envolvidos no processo educacional possam expressar as suas opiniões.
Nesse sentido, destaca-se como foco desta pesquisa o tratamento dispensado pelos
currículos à cultura popular, ressaltando-se que mesmo existindo essa intenção nos PCN’s de
História e no Tema Transversal – Pluralidade Cultural, não se percebe, porém uma clara política
de incentivo à cultura popular como um espaço de múltiplas identidades.
Esse entendimento vai de encontro à proposta do PCN’s, já que “é primordial que
o ensino de História estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre
as quais as que se constituem como nacionais” (BRASIL, 1997, p.32). Entende-se então a
construção de uma identidade nacional, como um elemento constituinte da formação da História
enquanto disciplina escolar, se perpetuando até hoje como objetivo principal desse saber.
No parâmetro curricular referente à pluralidade cultural também é possível notar a
preocupação com a construção da identidade nacional, dentre um dos seus objetivos gerais:
Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais
como meio para construir a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de
pertinência ao país. (BRASIL, 1997, p. 7). Assim, o currículo, em suas várias análises, não
deixa de fazer referência a um plano que prioriza o nacional, deixando as informações regionais
a cargo das determinações locais, correndo-se o risco de não haver esse direcionamento.
Retomando a problemática central da pesquisa, tratar sobre cultura popular no
meio educacional é uma prática relativamente comum, porém não é articulada as disciplinas
escolares, são encaradas, muitas vezes, por diretores, professores, alunos, pais e comunidade em
geral como uma atividade apenas festiva, envolvendo apresentações de manifestações culturais,
geralmente ensaiadas pelos professores de Educação Física, explorando a expressão corporal do
aluno. Segundo Côrtes (2004 p. 331-332):
Tratados como estudos sem importância, estes conteúdos só encontram significado nas chamadas atividades extra classe, com a denominação de atividades complementares, extra escolar ou de lazer, a festa, o folclore a as artes populares. Normalmente desenvolvidas no mês de agosto, dentro de disciplinas isoladas, especialmente a Educação Física, os projetos que discutem este assunto raramente ultrapassam os limites do exótico, através das atividades que envolvam, as tradições brasileiras ou as antiguidades populares, normalmente ilustrada nas comemorações cívicas ou nas comemorações organizadas pela escola como feiras de cultura.
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Dessa forma, percebe-se que a maneira como está sendo usada a cultura popular
no meio educacional, desperdiça o objetivo principal desta parceria: problematizar a cultura
popular, enquanto campo de estudos da educação, proporcionando assim, um leque de
discussões envolvendo cotidiano dos alunos, professores e outros; respeito à cultura do outro,
conhecer a sua cultura para assim respeita-lá, enfim muito pode ser dito a respeito de uma
comunidade por meio da cultura popular e isto, deve ser uma prática constante nas escolas, pois
é interessante enriquecer estes alunos com saberes populares articulados aos saberes científicos
em todo o ano letivo e não apenas nas festas juninas, feiras culturais, dia internacional do
Folclore, dia das crianças, estes são momentos que devem continuar existindo, mas não
isoladamente, e sim contextualizado com o conteúdo escolar. De acordo com Lopes (1999, p.
110):
O conhecimento escolar se propõe a princípio, a construir/transmitir aos alunos o conhecimento científico e ao mesmo tempo é a base de transmissão/construção do conhecimento cotidiano de uma sociedade (...) esses dois campos se inter-relacionam com o conhecimento escolar, mas não sem contradições.
É nesse contexto que se destaca a cultura popular como elemento integrado ao
currículo escolar, sendo assim, é evidente a relevância deste trabalho, já que busca articular a
manifestação cultural do Bumba-meu-boi ao ensino de História, tendo como palcos educativos
os espaços disponíveis pela Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da
Cultura em parceria com as escolas.
Esse tipo de abordagem permite a desconstrução da idéia de cultura popular como
algo exótico, representante apenas do caráter lúdico de determinada manifestação, ampliando as
discussões para diversos fatores inerentes a sociedade pesquisada, destacando assim suas
contribuições, vivências, enfim o descortinamento de histórias somente vistas nos bastidores
são levados para diversos palcos educativos.
2.4 Multiculturalismo e educação
No decorrer dos últimos anos, o estudo do multiculturalismo tem ganhado lugar
nos bancos das escolas, isto é explicando pela necessidade do currículo oficial contemplar
aspectos referentes à diversidade cultural do Brasil.
Porém, nem sempre foi assim, pois a origem desse movimento está associado a um
princípio étnico norteador das ações de grupos culturalmente dominados, aos quais foi negado
58
o direito de preservarem suas características culturais. O multiculturalismo inicialmente
estava voltado apenas para as reivindicações de grupos étnicos.
A partir da segunda metade do século XX, nota-se uma ampliação dos sujeitos
envolvidos no embate multicultural, visto que outros grupos dominados sentiram a
necessidade de se articular a essas discussões, com o intuito de serem reconhecidos e
respeitados, enquanto cidadãos. Gonçalves e Silva ( 2006, p.24) esclarecem :
Enfim, motivados por uma leitura mais questionadora da diversidade humana, os grupos culturalmente dominados buscam conquistar, paulatinamente, sua emancipação, abandonando os valores culturais que os oprimem. Pouco a pouco, o caráter étnico do multiculturalismo vai cedendo espaço para outros aspectos de dominação cultural.
Dessa forma, é possível notar que a escola não foi o palco do nascimento do
movimento multicultural, mas este campo de estudo em suas múltiplas formas de expressão
(questões de etnia, cultura, gênero, sexualidade, identidade entre outros) vem conquistando
espaços nas discussões educacionais. Reconhecer a necessidade da ampliação dos currículos
oficiais para que atendam a demanda de uma educação que visa também àqueles que por tanto
tempo foram excluídos do processo educacional, apresenta-se como uma necessidade no
mundo contemporâneo.
Mas, é sabido que a escola funciona como um instrumento ideológico do Estado
(ALTHUSSER, 1985), logo cabe a ela repassar aos alunos conteúdos condizentes com
objetivos maiores do Estado, sendo assim, essa instituição configura-se como um ambiente
ideologicamente construído a partir de currículos universalizastes que primam por uma
cultura erudita, embasada no eurocentrismo.
Na contemporaneidade, a necessidade de uma educação democrática está sendo
bastante requerida por parte da sociedade, visto que a partir da década de 60, intensifico-se
um movimento que via na educação escolar um meio eficaz para promover a igualdade de
oportunidades para todas as classes sociais, aumentando assim a demanda de alunos das
classes menos favorecidas.
Assim, entende-se a escola como um ambiente eminentemente da diferença, onde
estão presentes muitas pessoas, as quais se apresentam com suas singularidades, isto é, um
espaço dinâmico que reflete as tensões e conflitos sociais postos em uma esfera maior. Com
um público bastante heterogêneo, passa-se a ter exigências para satisfazer o novo alunado,
59
cabendo ao Estado promover políticas educacionais que visam incluir nos currículos questões
referentes à diversidade cultural.
No entanto, o fenômeno da globalização impede essa diversidade, uma vez que
busca assegurar a uniformização da vida. No campo escolar, isto é determinado pela ausência
de múltiplas abordagens culturais, colocando-se para o aluno, independente da sua história de
vida, um conteúdo pré-estabelecido pelo currículo. De acordo com isso Côrtes (2002, p. 329)
declara:
Nesse contexto, aspectos relacionados à cultura popular e aos saberes populares nacionais, não têm conseguido espaço nos currículos educacionais brasileiros, e deixam de relacionar a vida escolar com a vida cotidiana de seus alunos e professores.
Dessa forma, tem-se um grande desperdício no que se refere às estratégias do
processo ensino-aprendizagem, visto que fazer articulações entre o saber cristalizado e a
vivência de alunos e professores tornam as aulas mais interativas, e principalmente mais
significativas, pois ambos irão se perceber enquanto sujeitos históricos, em contrapartida ao
que normalmente acontece, professores repassando apenas o que contém no livro didático e
alunos memorizando datas e fatos rapidamente esquecidos.
A educação do ponto de vista multicultural, ainda bastante tímida no Brasil, tem
por objetivo articular a cultura dominante, presente nos currículos oficiais, e a cultura dos
dominados, de maneira que a escola possa promover um diálogo entre culturas, gerando assim
uma aliança entre escola e sociedade.
As discussões sobre esta temática geram intensos debates, estudiosos como John
Searle e Charles Taylor vêem que uma educação voltada para o multiculturalismo destrói a
herança intelectual ocidental, além disso, pode fragmentar a sociedade, gerando grupos
isolados. De tal forma Gonçalves e Silva (2006, p. 32) revelam:
Teme-se que a educação multicultural impeça o acesso dos indivíduos ao dito saber universal, favorecendo atitudes que favorecem o fechamento dos mesmos em mundo cultural equivocadamente visto como restrito (...) advoga-se que uma política multicultural leva ao esfacelamento da suposta unidade nacional.
Esta abordagem que destaca o multiculturalismo como agente esfacelador da
unidade nacional, remete aos embates acerca do mito da democracia racial no Brasil, no qual
foi ressaltado o caráter harmônico na formação do povo brasileiro, dando origem ao mestiço
que representa o aspecto pluriétnico desta nação. Questionando-se essa idéia, observa-se o
60
caráter paradoxal dessa construção inter- racial, visto que ao passo que essa pluralidade era
proclamada na produção intelectual da época, esses mesmos personagens, negros, índios e
mestiços, viveram a mais brutal discriminação em todos os segmentos de suas vidas.
As formas de repressão às várias culturas é um fato estabelecido desde a
constituição do Estado brasileiro, porém é camuflado através de mecanismo ideológicos, que
fornecem subsídios para o fortalecimento do “ser brasileiro”.
Assim, voltando-se para o ensino de História, numa vertente tradicional embasada
nos grandes homens e grandes eventos, percebe-se a atuação da escola como legitimadora dos
interesses Estatais, repassando assim um ideal de nação sem conflitos. Por isso, faz-se
necessário a influência da História Nova e do multiculturalismo na disciplina escolar História,
permitindo assim a desconstrução dos mitos nacionais, e dando lugar aos sujeitos oprimidos
pela História oficial.
Nessa linha de estudo, Peter McLaren, Paulo Freire, Giroux, Santomé entre outros,
defendem a inclusão de novas temáticas que extrapolem as macro-abordagens, possibilitando
a compreensão da teia de relações que envolvem a escola. Gonçalves e Silva (2006, p. 50)
afirmam:
Em suma, a educação multicultural propõe a reforma das escolas e de outras instituições educacionais com a finalidade de criar iguais oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos, independente de seu grupo social, étnico/racial.
Através desse incentivo, a sala de aula pode ser transformada em um palco de
vários autores, isto é, negros, mestiços, índios, acostumados com os bastidores ou com a
platéia, passam a traçar suas histórias juntamente com outros personagens.
Para que de fato ocorra essa integração, as instâncias federais, estaduais e
municipais devem manter parcerias, com intuito de fortalecer propostas educacionais,
currículos oficiais e projetos políticos pedagógicos direcionados para um ensino que valoriza
as influências mútuas entre as culturas, proporcionando assim ao professor um campo fértil a
ser utilizado como instrumento pedagógico de suas disciplinas.
No caso do ensino de História, destacam-se mudanças substancias nas últimas
décadas, visto que esta disciplina recebeu influência das discussões acadêmicas que
renovaram o campo historiográfico, permitindo abordagens que fugiram da padronização
eurocêtrica, e foram refletidas nos livros didáticos, em propostas curriculares, em recursos
inovadores e nas práticas de alguns professores.
61
As políticas multiculturais, destacando-se aquelas direcionadas para a construção
de currículos embasados na diversidade cultural brasileira, são fortalecidas com a
promulgação da lei nº. 10 6309 que estabelece a obrigatoriedade do "ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira" nos estabelecimentos públicos e privados de ensino fundamental e
médio, abrindo caminho para o preenchimento dessa lacuna.
Contudo, não basta haver inovações nos objetos de estudo, nos métodos e nos
recursos se não existir políticas públicas direcionadas para a formação de professores, pois a
maioria das vezes, esse profissional dispõe apenas de quadro e giz, além de um livro didático,
nem sempre condizente com os debates da Nova História, tornando-se interlocutor de um
discurso oficial. Com relação a isso Sacristán (1995, p. 161) relata:
Não podemos esquecer-nos que o professor atual é fruto de modelos de socialização profissional que lhe exigiam unicamente prestar atenção à formulação de objetivos e metodologias, não considerando objeto de sua incumbência a seleção explicita dos conteúdos culturais.
Então, evidencia-se um distanciamento das questões culturais com a prática
pedagógica de muitos docentes, causando um ofuscamento de tais temas no âmbito escolar.
Assim, tem-se de um lado uma cultura erudita e etnocêntrica, vinculada aos chamados
conteúdos formais e particularmente identificada com a classe dominante. E, do outro lado,
nota-se uma cultura popular guetizada, que somente entra em cena nas datas comemorativas, é
o que Santomé (1995, p. 173) denomina “currículo turístico, ou seja, em unidades didáticas
isoladas, nas quais esporadicamente, se pretende estudar a diversidade cultural”.
Nesse sentido, inserido na abordagem multiculturalista, focaliza-se o tema
cultura popular, especificamente a manifestação cultural do Bumba-meu-boi no Maranhão
como um campo fértil a ser discutido na disciplina escolar História, visto que permite a
percepção de uma festa onde as culturas foram se influenciando mutuamente, na formação
dessa brincadeira18.
Assim, o valor educativo da cultura popular e a sua aplicabilidade na escola são
questões atuais que devem estar presentes nas salas de aulas, proporcionando um arcabouço
de informações que irão dialogar com as histórias de vida de professores e alunos.
18 Denominação utilizada no Maranhão para denominar uma manifestação cultural.
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3 PALCOS EDUCATIVOS: uma abordagem sobre a manifestação cultural do Bumba-meu-
boi como instrumento pedagógico da disciplina História.
“Palcos educativos”. Esta expressão dentro da dinâmica do presente trabalho
direciona para a importância de se valorizar a cultura popular maranhense no âmbito escolar,
para isso optou-se pela manifestação cultural do Bumba-meu-boi, visto que configura-se
atualmente dentro da política do Estado como sua maior expressão cultural. Assim, as escolas
são incentivadas a trabalhar o Bumba-meu-boi com o objetivo de divulgar a brincadeira local,
porém observa-se que na maioria das vezes, tratam-na de forma descontextualizada, dando
atenção apenas ao lado cênico de um espetáculo.
A relevância desta pesquisa surge na medida em que busca despertar a
comunidade escolar para a ampliação das informações da cultura popular maranhense,
permitindo assim um trabalho constante com esses elementos em sala de aula e articulados
com as disciplinas escolares.
Então, identificou-se propostas da Superintendência de Cultura Popular que
viabilizam oportunidades para as escolas seguirem uma linha de estudo que busca ir além da
simples apreciação e divulgação do Bumba-meu-boi, procurando despertar nos alunos e
demais atores da escola que não basta dançar, olhar, apresentar as manifestações culturais, é
preciso estimular o interesse e o respeito da comunidade escolar para a história que permeia a
diversidade cultural.
Assim, nota-se um campo fértil para ser trabalhado na disciplina de História,
pois permite que os debates possam ir além das atividades que visam decorar o sotaque ou
algum detalhe de um grupo, ou mesmo voltar-se apenas para as lembranças das datas
comemorativas de São João, momento em que os alunos fazem apresentações de algumas
danças.
É necessário incitar o discente à busca das informações fora do espaço físico
escolar, para que assim, novas situações surjam, despertando a curiosidade e a necessidade de
questionamentos para as suas dúvidas, promovendo assim em sala de aula discussões acerca
dos vários olhares sobre o mesmo objeto. Desta maneira, cabe ao professor mediador
promover ainda mais a conversa, gerando a interação dos alunos com novas descobertas que
serão associadas ao saber de cada disciplina escolar, facilitando então um processo de ensino-
aprendizagem contextualizado e significativo.
63
3.1 Superintendência de Cultura Popular
A Superintendência de Cultura Popular é um órgão do Estado da Secretaria de
Estado da Cultura do Maranhão, que desempenha a função de pesquisar, apoiar, incentivar e
divulgar a cultura popular maranhense, favorecendo a preservação e dinamização tanto do
ponto de vista material quanto no que se refere às questões imateriais desta cultura.
Na década de 80, a responsabilidade institucional pela cultura popular maranhense
ficava a cargo do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho (CCPDVF) vinculado a
Fundação Cultural do Maranhão19, esta tendo como finalidade promover e coordenar as
atividades culturais em todo o Estado, incorporando os seguintes órgãos: Teatro Arthur
Azevedo, Biblioteca Pública, Museu Histórico, Departamento de Cultura, Museu do Folclore
e Arte Popular e a Biblioteca do Folclore, esses dois últimos deram origem ao CCPDVF.
Entre mudanças e reformas em alguns casarões da Praia Grande, o CCPDVF se
instalou em 1982 na Rua do Giz, onde foram estabelecidos uma Biblioteca e um Museu que
abrigava uma extensa exposição acerca de vários aspectos da cultura popular maranhense,
desta forma, viu-se a necessidade de ampliar as suas instalações.
Por esse motivo, em 2002 dividiu-se o Circuito de Exposição em três espaços
museológicos situados na Praia Grande: Casa da FÉsta20, dando ênfase às questões
relacionadas às festas e a religiosidade, destacando o carnaval, o natal, Divino Espírito Santo,
os ex-votos, a devoção a São José de Ribamar, as danças populares, os cultos afro, entre
tantos outros elementos que compõem a cultura do Estado.
Outro módulo de exposição refere-se à Casa de Nhozinho, que recebeu este nome
em homenagem ao artesão Antonio Bruno Pinto Nogueira, abrigando uma vasta coleção sobre
materiais que envolvem a vida cotidiana do homem maranhense e também elementos
indígenas e artesanato em geral.
Além desses dois espaços, destaca-se a Casa do Maranhão como um dos campos
escolhido para a pesquisa, já que dispõe de uma amostra expositiva acerca do Bumba-meu-boi
maranhense, e ainda apresenta vídeos sobre outras manifestações presentes no Estado, assim
como alguns pontos turísticos que são apreciados através de um espaço multimídia,
favorecendo ao visitante diversos recursos para entendimento da temática.
19 Instituída através da lei nº. 3.225 de 06 de dezembro de 1971. 20 Casa da FÉsta é grafada desta forma, pois relaciona-se aos aspectos de fé e festa dentro do universo da cultura popular maranhense.
64
A partir de 2004, como já foi colocado, a Superintendência de Cultura Popular21
foi criada, assumindo a responsabilidade antes atribuída ao CCPDVF, passando este a ser
subordinado ao referido órgão juntamente com a Casa de Nhozinho, a Casa do Maranhão, o
Parque Folclórico da Vila Palmeira e a Casa do Divino em Alcântara.
Vale ressaltar, a existência de um extenso acervo sobre cultura popular tanto no
que se refere a peças que fazem parte das exposições, como também em obras, boletins
periódicos, entrevistas, enfim, material disponível na Biblioteca Roldão Lima22, visitada por
um público variado composto por estudantes escolares e universitários, pesquisadores e
comunidade em geral. Pode se evidenciar isto através das palavras de João Carlos23 aluno e
um freqüentador deste espaço:
A Biblioteca contribui e muito para as nossas pesquisas escolares, pois aqui a gente pode encontrar muitos livros que vão ajudar a fazer os trabalhos da escola (...) mas, às vezes, venho só para ler qualquer coisa sobre Bumba-meu-boi, Divino Espírito Santo, carnaval, para quando alguém me perguntar eu saber responder e dizer onde tem mais informações.
Através deste depoimento nota-se a contribuição dispensada por esta instituição a
educação de jovens locais que não só de forma imposta visitam bibliotecas, mas também por
curiosidade e desejo de ampliar os seus conhecimentos acerca daquilo que está presente no
seu dia-a-dia.
Outra contribuição reflete no campo da pesquisa, visto que há um constante
intercâmbio entre estudiosos e os construtores do saber popular, ocasionando a promoção de
eventos direcionados para grupos distantes da capital que apresentam os seus trabalhos e são
entrevistados com o objetivo de expor o seu modo de fazer cultura popular, gerando assim a
difusão deste conhecimento.
A Superintendência de Cultura Popular desenvolve também uma série de projetos
que reforçam o envolvimento da população que mora em São Luís, ou mesmo aqueles que a
visitam, com a cultura popular maranhense. Destacam-se oficinas direcionadas para os temas
das exposições; a produção da série memórias de velhos que valoriza a memória e a história
oral dos maranhenses, e, sobretudo, o Projeto Sabença: museu-escola, visto que representa
também um dos campos de atuação desta pesquisa, abordado no decorrer do trabalho.
21 Criada pelo decreto nº. 20.668, de 23 de julho de 2004. 22 Localizada na Rua do Giz nº. 205, no prédio do CCPDVF. 23 Entrevista realizada no dia 10 de janeiro de 2008, com João Carlos Amaral.
65
3.1.1 Casa do Maranhão
A Casa do Maranhão atualmente permanece subordinada a Superintendência de
Cultura Popular, sendo estabelecida na Rua do Trapiche desde a sua inauguração em março de
2002. Constitui-se de uma rica exposição acerca do Bumba-meu-boi maranhense, que trata de
seus diversos sotaques, ciclo de vida da brincadeira, assim como peculiaridades que envolvem
alguns grupos.
O público que realiza a visitação a este Centro Cultura é bastante heterogênea.
Pode-se encontrar pesquisadores, turistas nacionais e internacionais, estudantes tanto das
escolas como também de universidades e a comunidade local, buscando conhecer ou
aprofundar informações acerca desta manifestação.
Algumas escolas realizam as visitas por meio de marcação prévia, outras, porém
são omissas a toda uma preparação que se inicia na sala de aula, chegando ao espaço
programado de forma aleatória. Essa postura demonstra descomprometimento ou o
desconhecimento de vários professores com o tema cultura popular, pois muitos deles
permitem que a visita à Casa do Maranhão e a outros pontos da Praia Grande, local onde esta
se localiza, não passe de um mero passeio, uma simples atividade lúdica descontextualizada
do saber escolar. Para ilustrar isso, perguntou-se ao professor “A”24 como funcionou a
preparação prévia dos alunos para conhecer este ambiente cultural:
Primeiro fazemos o passeio, depois iremos pensar juntamente com a coordenação pedagógica e, através das sugestões dos alunos, a melhor forma de tornar o assunto proposto pela Casa interessante e lúdico quando chegar em sala de aula. Interessante que isto ínsita outros professores a promoverem atividade que saiam da escola, mas continuam fazendo relação com ela. É muito interessante este tipo de trabalho escola e museu.25
Nota-se através da entrevista com o docente, uma falha que afeta todo um processo
de ensino-aprendizagem, visto que não foi realizado com os alunos um trabalho de
envolvimento, assim chegaram a Casa do Maranhão sem mesmo saber que se tratava de um
espaço referente ao Bumba-meu-boi, causando dificuldade ao alunado que já poderia estar
anexando às novas informações teóricas e visuais aos seus arcabouços de conhecimentos
24 Optou-se por manter no corpo do texto o anonimato dos professores entrevistados. 25 Entrevista realizada no dia 22 de outubro de 2006, com o Professor de História “A”.
66
prévios. O monitor também é prejudicado na medida em que o primeiro contato com os
alunos deveria ser para fortalecer a preparação e a motivação da temática, em contrapartida irá
iniciar todo um processo que precisa de tempo para assimilação e novas descobertas, tornando
a monitoria enfadonha. Completando o déficit, o trabalho do professor ficará limitado às
informações captadas na Casa do Maranhão, desperdiçando um universo de outros olhares
que poderiam gerar um grande debate acerca deste folguedo popular.
Contrapondo a primeira situação, existem docentes que planejam a atividade de
forma que o aproveitamento, dentro do limite da cada aluno, seja o melhor possível. Assim, o
entrevistado “B”26 destaca:
(...) o aluno precisa ser despertado para o tema da cultura popular, ela é muito presente nas nossas vidas (...) anteriormente a visita, o aluno tem que ser ouvido. O trabalho tem mais proveito se aproveitarmos os seus conhecimentos prévios e as suas histórias de vida, algumas muito próximas do Bumba-meu-boi.
Chegando a Casa do Maranhão, cabe ao monitor sondar qual é o nível de
identificação da turma, qual é a série escolar que estão cursando, para assim direcionar a sua
fala. Feito isso, os discentes e os docentes são preparados para uma visita a um espaço
museológico, que neste caso está voltada para a manifestação cultural do Bumba-meu-boi do
Maranhão.
Assim, optou-se por uma breve contextualização desta manifestação, tendo como
pano de fundo a amostra expositiva da Casa do Maranhão, já que este é um dos palcos
educativos proposto pelo trabalho, dando então subsídios para sugerir situações de
aprendizagem tendo Bumba-meu-boi como recurso pedagógico da disciplina História, não se
tendo a intenção de limitar este entendimento a determinado nível escolar, o objetivo é propor
a situação que caberia uma articulação entre saber científico e saber popular.
Primeiramente a manifestação é apresentada enquanto significativa expressão
cultural do Estado, sendo envolvida com um intenso caráter religioso que festeja os quatro
santos do mês de junho: Santo Antônio (12/06); São João (24/06); São Pedro ( 29/06) e São
Marçal (30/06). Tradicionalmente, a comemoração acontece em torno do pagamento de uma
promessa a São João, padroeiro da brincadeira, mas atualmente devido ao forte caráter
26 Entrevista realizada no dia 09 de fevereiro de 2008, com o Professor de História “B”.
67
econômico das relações culturais, o folguedo já é encarado por muitos como numa atividade
lucrativa, sobrepondo assim, a intenção comercial perante a religiosa.
Focaliza-se a seguir os vários estudos acerca deste tema, demonstrando a
diversidade que existe sobre a sua origem. Para alguns estudiosos a brincadeira está ligada ao
Ciclo do Gado ou Civilização do Couro, quando a vida das “gentes do nordeste” mantinha
uma intensa relação com o boi (CARVALHO, 1995). Outros acreditam ser uma herança
Ibérica e que no processo de formação do Brasil tenha sido absorvida e reelaborada por
nativos, negros africanos e os brancos europeus, lembrando características das “três raças”.
Assim cabe ao professor de História utilizar o caso do Bumba-meu-boi, em suas
múltiplas análises, para exemplificar e desconstruir a idéia de que não existe verdade absoluta,
evidenciando uma série de narrativas que permeiam um objeto de pesquisa, e que nem por
isso existe uma certa e a outra errada, podendo haver o diálogo entre elas. Este
direcionamento pode ser usado em qualquer nível escolar, já que um dos pilares do ensino
multicultural é inserir novos objetos e novas abordagens no currículo. Nessa perspectiva o
aluno João Carlos reforça:
È tão mais interessante quando a gente tem aula em outro espaço, ainda mais de um tema tão contagiante como o Bumba-meu-boi. Foi muito legal o trabalho antes, durante e depois. A Casa do Maranhão serviu para a gente trabalhar o conteúdo de História do Brasil e do Maranhão em sala de aula.
Dentro do embate da origem da brincadeira é possível explorar aspectos
relacionados ao conteúdo da disciplina História: o ciclo do gado permite a discussão acerca da
economia do século XVII e XVIII, momento em que a pecuária foi valorizada através da
figura do boi, utilizado na alimentação, no vestuário, transporte e como força de trabalho. Já a
outra vertente está embasada na contribuição das “três raças”, incitando a formação do povo
brasileiro a partir da contribuição do negro, do índio e do branco, dando margem ao docente
para as discussões acerca da identidade nacional. De acordo com esse entendimento o
professor “B” discorre:
No mundo globalizado em que se vive atualmente é necessário repensar certas coisas que deixamos de lado, e a cultura popular maranhense é uma delas, por meio dela podemos nos ver. Através de uma peça na Casa do Maranhão pude repensar toda uma história de vida. E quantos alunos também não o fizeram? O elemento identitário está latente nesse tema, então por isso eu prôpus a visita.
68
O próximo ponto remete ao ciclo de vida do “novilho”, que significa as etapas que
divide a festa: Ensaio, Batismo, Apresentação e Morte. Estes momentos indicam
significativas situações de aprendizagem que envolve o grupo. Por isso, optou-se por uma
breve explicação a respeito dessas fases, para exemplificar tal recurso pedagógico.
Seguindo uma ordem cronológica, destacam-se inicialmente os Ensaios. Na figura
1 observa-se a representação de um barracão, isto é a sede do grupo. Nesta primeira cabine
expositiva dialoga-se com os preparativos da festa, visto que as providências devem ser
tomadas para que não ocorram problemas nas outras etapas. Além disso, como constantes
questionamentos são feitos pelos alunos com relação à datação, o monitor geralmente destaca
que tradicionalmente esse momento acontece entre o Sábado de Aleluia e o dia de Santo
Antônio (12/06), tempo necessário para elaborar e ensaiar coreografias e toadas, e
confeccionar as indumentárias e bordar o couro do boi, todos esses procedimentos são
realizados na sede do grupo, como se pode notar:
Figura 1: Cabine expositiva dos Ensaios do Bumba-meu-boi Fonte: Casa do Maranhão
A seguir fala-se a respeito do batizado do novilho, acontecendo de forma
tradicional no dia de São João (24/06), porém, vários grupos não se detêm mais a estes
aspectos, até porque, nesta ocasião é concedida a benção e a permissão para o Bumba-meu boi
brincar fora de sua casa, sendo assim, alguns grupos que privilegiam as questões econômicas
batizam o boi no dia de Santo Antônio (12/06), iniciando as apresentações mais cedo, logo
recebendo mais cachê por elas.
69
Trata-se também no Batizado, a estreita relação entre o sagrado representado pelo
compromisso e devoção aos santos, e o profano caracterizado pela dança, pelas doses de
bebidas alcoólicas, enfim evidenciam-se aspectos tidos como opostos, neste momento se
aproximando a ponto de acontecer um diálogo que promove a dinâmica da festa. Na figura 2
nota-se isso de forma bem visual: o altar com toda uma simbologia religiosa e o boi com toda
uma carga pagã e leiga, à espera da benção.
Figura 2: Cabine expositiva do Batizado do Bumba-meu-boi Fonte: Casa do Maranhão
Em sala de aula, a temática do batizado do Boi pode gerar conflitos com relação à
religiosidade. Perguntas do tipo: como um boi pode ser batizado? Não é só gente que se
batiza? Como bebida e santo se misturam em uma festa? Ou também pode se escutar: lá perto
da minha casa o Boi é batizado e apresentado na porta da Igreja!
Estas situações dão margem ao professor trabalhar com as questões referentes à
tolerância religiosa, um tema que pode ser articulado a vários momentos históricos, assim
como também o respeito à cultura do outro, inserindo o aluno em uma discussão que está
presente não apenas na disciplina de História, mas em sua casa, em sua rua, em sua Igreja,
enfim, em vários lugares sociais pelos quais se presencia a diversidade de opinião. Dessa
forma, o aluno terá contato com informações sobre o respeito aos vários aspectos religiosos
que permeiam as relações sociais.
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As apresentações se configuram como o momento de maior identificação dos
alunos, visto que durante os meses de junho e julho boa parte deles tem contato com a
manifestação através das apresentações nos arraias, sendo estimulada a interação na medida
em que fazem depoimentos daquilo que já presenciaram. Assim, cabe ao professor ressaltar o
Bumba-meu-boi como uma manifestação que durante todo o ano faz parte da vivência da
comunidade, identificando as suas etapas e estabelecendo as histórias de vida das pessoas que
se dedicam a essa manifestação. Com relação a isso a Superintendente de Cultura Popular
Maria Michol contribui:
Quando a gente pergunta ao aluno: e aí o Bumba-meu-Boi? Eles respondem: - “o Bumba-meu-boi é no São João”. Assim como bloco tradicional é no carnaval, é sempre aquela idéia da festa, do momento, da coisa passageira, ficando sempre como um apêndice. Não se traz para dentro do currículo, para dentro do conteúdo das disciplinas.
Através dessa fala, nota-se que o Bumba-meu-boi só faz sentido para a
maioria do alunado no São João, pois foram acostumados ao longo de suas vidas escolares a
ensaiar e fazer apresentações da brincadeira nesta época, tendo, na maioria das vezes, como
única relação com as disciplinas escolares à transposição da nota de participação da festa em
qualquer matéria, sem haver contextualização com saber científico ou com a história de vida
do aluno.
Figura 3: Cabine expositiva das Apresentações do Bumba-meu-boi Fonte: Casa do Maranhão
71
A próxima etapa refere-se à morte do Boi, terminando um ciclo que
tradicionalmente é iniciado no ano seguinte com os Ensaios. A exposição neste aspecto
remete ao auto27 da brincadeira e destaca-se como um ponto de grande interesse dos alunos,
por fazer associação à história de Pai Francisco e Mãe Catirina28, conhecida por muitos deles,
trazendo uma história de resistência que focaliza a luta de um casal perante seu patrão. A
figura seguinte demonstra a representação desta narrativa: a ânsia de Chico e sua esposa e o
boi amarrado no mourão29, pronto para o ritual da Morte.
Figura 4: Etapa da morte do Bumba-meu-boi Fonte: Casa do Maranhão
27 Significa uma encenação que irá contar a história da manifestação cultural do Bumba-meu-Boi de uma maneira significativa para a sociedade, os brincantes inserem na apresentação políticos, figuras locais, bichos e tantos outros personagens cômicos. Vale destacar que existem inúmeros autos, sendo assim a exposição da Casa do Maranhão optou pelo mais conhecido em São Luis, como protagonistas mãe Catirina e pai Francisco, mas abre espaço para outras estórias. 28 Pai Francisco e sua esposa Mãe Catirina são trabalhadores de uma fazenda. Ela estava grávida e sentiu desejo de comer a língua do Boi mais bonito da fazenda, seu marido resistia, mas teve que satisfazer os caprichos de Catirina matando o Boi e tirando a língua para saciar a vontade de sua mulher. Porém logo o padrão (amo) sentiu a ausência de seu novilho, convocando a todos (vaqueiros, índios, e outros) para encontrá-lo. De tal forma que trouxeram o Boi e também o Chico que negava o seu envolvimento com a matança, mas depois de muita pressão acabou confessando o crime. Assim, chamaram o pajé para voltar a vida do boi. Após incessante rezas o novilho levanta-se dançando e urrando, e tudo vira festa! Ver: AZEVEDO NETO, Américo. Bumba-meu-boi no Maranhão. São Luís: Alcântara, 1983. 29 Estrutura de madeira enfeitada, onde o Boi é amarrado no ritual da morte.
72
Com relação a esta cabine de exposição Relata a professora “B”:
Quando fui à Casa do Maranhão com os alunos da 6ª série, nos escolhemos trabalhar a temática que envolvia esta cabine de exposição, justamente para enfocarmos as relações de trabalho que foram se delineando na formação de Brasil. Além disso, os alunos fizeram encenação de como atualmente existem patrões que tratam os seus empregados mal.
Esta metodologia demonstra que a docente promoveu a interação entre os saberes,
fazendo uma clara relação entre aspectos do universo do Bumba-meu-boi e a disciplina
escolar. Porém, é importante que o mediador das informações se desvencilhe do seu juízo de
valor. Isto fica evidente quando a entrevistada ressalta: “(...) os alunos fizeram encenação de
como atualmente existem patrões que tratam os seus empregados mal”. Deve-se levar em
consideração que são culturas diferenciadas, logo não cabe fazer comparações, uma vez que
possuem dinâmicas próprias.
Todas estas etapas promovem um campo fértil para discussões nas aulas de
História, pois instigam os alunos à aproximação com o saber popular, favorecendo ao
professor desta área iniciar um conteúdo estudado normalmente, apenas em sala de aula, em
um outro ambiente, partindo assim de uma atividade que envolve recursos visuais e que faz
parte da vida de alguns alunos que possuem identificação com esta manifestação, participando
diretamente da brincadeira ou por meio de um membro da família, logo além de existir um
grande significado para eles, ainda irão fazer relatos aos outros alunos que não possuem este
contato. A esse respeito completa a professora “A”:
È notável como eles se empolgaram com a visita a Casa do Maranhão, e falar de uma cultura muito presente na sua realidade. Alguns deles têm pessoas muito próximas que atuam na brincadeira, isso fez com que eles levassem fotos, o CD do grupo, chamando-nos atenção para desenvolver um trabalho expositivo bem variado, pois além desses materiais, foram em busca de outras fontes, apresentando um belíssimo trabalho.
A amostra expositiva do Bumba-meu-boi prossegue fazendo referência aos
sotaques30, os quais foram organizados em vitrines para melhor visualização do visitante,
30 Refere-se a um conjunto de elementos: indumentária, toadas, organização dos brincantes no momento da apresentação, ritmos entre outros aspectos que foram sistematizados por estudiosos da cultura popular maranhense com intuito de tornar o estudo mais didático. Para maiores informações consultar: CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Matracas que desafiam o tempo: é o Bumba-meu-boi do Maranhão. Um estudo da tradição/modernidade na cultura popular. São Luís: EDUFMA, 1995.
73
além de sólidos onde são expostos alguns instrumentos. O sotaque de matraca é o primeiro a
ser abordado, caracterizado pelas matracas e pandeirões, produzindo um som frenético.
Recebe também o nome de sotaque da ilha por ter se iniciado neste local. Outra característica
marcante é a presença do caboclo de pena ou caboclo real, tem-se ainda a presença de outros
personagens como a manguda31, as índias, a burrinha, entre tantos outros.
O sotaque de zabumba ocupa a vitrine seguinte, destacando o caboclo de fita ou
rajado e as tapuias32, como elementos peculiares. Surgiu na região de Guimarães, possuindo
como instrumentos principais a zabumba, o tambor onça, a maracá, o tamborinho e o tambor
de fogo.
A vitrine seguinte possui o objetivo de quebrar a idéia de cinco sotaques, cabendo
ao mediador da exposição ressaltar que esta é uma classificação produzida por estudiosos da
cultura popular maranhense, não havendo, portanto, uma preocupação sistemática dos
brincantes do Bumba-meu-boi em seguir fielmente esta estrutura, contendo assim elementos
que indicam um determinado sotaque, mas inserido outros que fazem sentido apenas na
vivência de determinado grupo. Isto demonstra que não é necessário fazer parte de um
sotaque para ser considerado grupo de Bumba-meu-boi.
Para exemplificar este fato, esta exposição optou em mostrar o Boi de Timon, por
não estar inserido nesta divisão, visto que não possuem elementos que o agregue a outros
grupos, desconstruindo assim a idéia do sotaque. São demonstradas características que
afastam este grupo dos demais, exemplo disso reflete nos instrumentos de corda utilizados, a
presença de personagens como o toureiro, o próprio boi possui estrutura e bordado
diferenciado daqueles costumeiramente apresentados. Isto dá margem à liberdade que os
brincantes podem desempenhar em seu grupo. (ver figura 5).
31 Personagem do sotaque de matraca composto por uma lenda urbana referente ao contrabando na província, sendo então incorporado a brincadeira. 32 No sotaque de zabumba as índias recebem a denominação de tapuias.
74
Figura 5: Boi de Timon Fonte: Casa do Maranhão
Característico da região Cururupu, o sotaque de costa-de-mão diferencia-se pelo
colorido na indumentária do caboclo de fita e um rico bordado que realça as calças de veludo
e os chapéus em estilo cogumelo afunilado, e ainda um instrumento denominado pandeiro
costa-de-mão, tocado pelos brincantes com as costas das mãos. Aborda-se também neste
contexto a figura da mutuca33, representando a presença feminina na brincadeira,
estabelecendo no âmbito escolar o debate sobre gênero defendido pela Nova História Cultural.
Quando se realiza o acompanhamento com os alunos, é possível notar que o
sotaque de orquestra configura-se como um dos mais conhecidos por eles, isto talvez seja
evidenciado pelo fato de atualmente ser o sotaque que mais cresce na ilha de São Luís, além
de primar por uma coreografia bastante diversificada.
Na vitrine dedicada a esta temática expõem-se personagens como a índia, o
vaqueiro campeador e vaqueiro de fita. E ainda destaca-se o banjo, o saxofone, entre outros
instrumentos que compõem uma orquestra e são utilizados na manifestação cultural do
Bumba-meu-boi.
A intervenção do monitor ou do docente deve acontecer no sentido de fazê-los
perceber que cada sotaque, ou melhor, cada grupo estabelece elementos que compõem
33 Ver: CARVALHO, Maria Michol Pinho. As mulheres no Bumba-meu-Boi: saindo detrás das cortinas. In: NUNES, Izaurina de Azevedo (Org). Olhar, memória e reflexão sobre a gente do Maranhão. São Luís: Comissão Maranhense de Folclore, 2003.
75
determinada brincadeira, portanto, não é interessante estabelecer critérios em propostas
diferenciadas.
O próximo sotaque é conhecido como Baixada ou Pindaré, utiliza os mesmo
instrumentos do sotaque de matraca, porém são tocados de forma mais lenta e suave. Além
disso, a exposição volta-se para o cazumba(á)34 que é um atributo particular deste sotaque, e
para os bailantes ou baiantes35.
Em outro salão nota-se a diversidade nas brincadeiras do interior do Estado, dando
espaço para as lendas locais, os mais variados personagens, demonstrando aspecto cômico e
contestador da ordem vigente, já que em muitos lugares a brincadeira funciona como um
espaço de denúncia da realidade local.
Após um verdadeiro passeio pelos pontos centrais da amostra expositiva proposta
pela Casa do Maranhão, evidencia-se informações permeadas de discussões que através da
mediação do professor e contribuições dos alunos possibilitarão ricos debates e situações de
envolvimento com a disciplina História.
Exemplos disso podem ser percebidos na medida em que são trabalhadas em sala
de aula as toadas dos vários sotaques, os quais dizem muito a respeito da história do local e
dos atores que dão vida a essa brincadeira. Vale ressaltar, que o trabalho com as toadas
acontece desde a Casa do Maranhão, uma vez que os visitantes têm a oportunidade de escutá-
las ao mesmo tempo em que conhecem a história do Bumba-meu-boi, funcionando como um
fundo musical. E ainda, identificam-se textos de parede com trechos dessas canções e
explicações fundamentais para melhor entendimento do visitante.
34 Ser mítico que possui formas de homem e de bicho, desempenhando a função de espantar os maus espíritos que desejam atingir o Boi. 35 Personagem típico do sotaque da baixada, caracterizado por utilizar chapéus testeiros ricamente bordados.
76
3.1.2 Projeto Sabença: museu-escola
O Projeto Sabença: museu-escola é mais uma possibilidade de articular a cultura
popular e o meio escolar, sendo assim é considerado por este trabalho como um palco
educativo, pois visa estabelecer uma ação educativa que proporcione um elo entre escola,
comunidade e elementos representativos da cultura popular maranhense, através de situações
de ensino-aprendizagem nas escolas e nos espaços museológicos. Assim a Superintendente
Michol ressalta: “o Projeto Sabença faz com que o conteúdo científico da sala de aula não seja
desvinculado do saber popular. Este saber traz consigo uma grande possibilidade de
identificação com a realidade local”, favorecendo uma condição de realimentação entre esses
saberes.
Este projeto foi elaborado em 1999 pelo Centro de Cultura Popular Domingos
Vieira Filho, mas assim como a Casa do Maranhão, faz parte atualmente da política da
Superintendência de Cultura Popular. Inicialmente a preocupação estava voltada
exclusivamente para a valorização desta cultura, porém com base em constantes avaliações o
projeto foi passando por reformulações na perspectiva de suscitar maior participação dos
envolvidos e melhor dinâmica de funcionamento.
Então, somada ao estímulo de valorização da cultura popular, passou-se a dá
ênfase ao papel do museu enquanto instituição difusora de modos e práticas culturais,
trabalhando a favor da democratização cultural. Além disso, o projeto foi dividido em várias
etapas de forma a aprofundar os conhecimentos.
Tudo é iniciado com reuniões de planejamento entre a equipe do Projeto, sendo
elaborada uma grade de atividades, que possui o objetivo de sistematizar o trabalho, porém de
acordo com as especificidades de cada escola, as atividades são repensadas para se alcançar
um aproveitamento significativo. Com intuito de periódicas reciclagens são preparadas fichas
avaliativas direcionadas aos professores e aos alunos.
Um aspecto primordial nesta etapa é a escolha do tema, dentro do universo da
cultura popular maranhense, o qual será focalizado no decorrer do Projeto. Feito esta escolha,
evidencia-se outra novidade desta edição: a produção de um material didático, chamado de
cartilha. Este recurso não possui a pretensão de esgotar o assunto escolhido, procura subsidiar
mais uma fonte de pesquisa para o aluno, com uma linguagem acessível à faixa etária
daqueles que participam do projeto, e propostas dinâmicas e interativas para o leitor.
77
A referida cartilha é constituída por três partes: inicialmente apresenta-se e situa-se
o Projeto dentro das atribuições da Superintendência de Cultura Popular, e ainda, é feito o
convite para a escola participar. Em seguida, trata-se das questões referentes às supostas
origens e elementos que compõem um museu, além de se enfatizar os papéis desempenhado
por eles ao longo dos séculos, destacando-se nos dias atuais como um espaço propício para se
estabelecer uma relação identitária, desconstruindo a premissa: “quem vive de passado é
museu”. Finalizando, reserva-se a parte temática da cartilha, modificada de acordo com o
tema trabalhado, identificando aspectos da cultura popular maranhense de forma interativa,
através dos personagens que dialogam com o leitor.
Ainda pensando-se nos preparativos, são selecionados e capacitados monitores que
já atuam no espaço museológico escolhido. Como a pretensão deste trabalho é tratar o
Bumba-meu-boi, o Projeto Sabença: museu-escola será abordado com está temática, tendo a
Casa do Maranhão como espaço disponível.
No segundo momento identificam-se escolas interessadas em compor o Projeto,
então o primeiro contato é feito com a direção e professores da escola, para assim apresentar
propostas, escutar sugestões e formalizar a parceria. Os representantes da instituição são
convidados a estabelecer um contato mais profundo com o tema e com o Projeto, acontecendo
uma reunião para acertar as turmas participantes, os dias das atividades, enfim toda a
dinâmica é discutida, fazendo-se adequações e traçando-se um planejamento. Feito isto, estes
condutores da escola são convidados a conhecer o espaço museológico que será palco das
atividades no âmbito da Superintendência de Cultura Popular, dando subsídios para as
informações iniciais repassadas aos discentes.
Após a preparação com os professores, a equipe do Projeto faz uma visita às
turmas disponíveis para a participação. O objetivo é apresentar aos alunos o projeto, distribuir
as cartilhas e discutí-las, dando ênfase ao entendimento do aluno acerca do museu,
promovendo a discussão que dismistifique a seguinte construção: “museu é um lugar para
guardar coisas velhas”. Esta conversa sugere perguntas interativas acerca dos espaços
museológicos de São Luís e do cotidiano dos discentes, permitindo a equipe conhecer melhor
os alunos, elaborando mecanismos que tenham significados para as suas realidades.
Chegada o dia da visita, é disponibilizado um ônibus que leva alunos e professores
a Casa do Maranhão, onde acontece uma série de atividades. Inicialmente encontram-se com
um monitor que faz o acompanhamento, explicando a exposição, já tratado no item anterior
78
(Casa do Maranhão), enfatizando diversos aspectos dentro da gama de informações a respeito
da manifestação cultural do Bumba-meu-boi. Como se observa na figura 6:
Figura 6: Monitoria na Casa do Maranhão Fonte: Projeto Sabença: museu-escola
Em seguida, são deslocados para o salão, onde acontece o lanche. Após isto,
alunos e professores assistem uma palestra-oficina ministrada por um estudioso da cultura
popular maranhense, buscando de forma interativa consolidar o entendimento sobre a
temática. Visualiza-se esta etapa através da figura 7:
Figura 7: Palestra-oficina sobre o Bumba-meu-boi Fonte: Projeto Sabença: museu-escola
79
Continuando a programação, os alunos têm um espaço de intensa criatividade,
exteriorizando o seu olhar acerca do Bumba-meu-Boi, para isso, são disponibilizados
materiais didáticos, elementos representativos desta manifestação, textos de apoio, auxílio da
equipe do Projeto e professores, além das informações da cartilha, da monitoria, da palestra,
da conversa da equipe na escola, somando-se tudo isso aos seus conhecimentos prévios,
evidenciando uma gama de informações que embasam os alunos (em grupos) na montagem de
uma mini-exposição que será monitorada por eles, permitindo assim perceber os seus
entendimentos sobre museologia e cultura popular. Nas figuras 8 e 9 nota-se essa dinâmica:
Figura 8: Montagem de exposição Fonte: Projeto Sabença: museu-escola
Figura 9: Apresentação da exposição Fonte: Projeto Sabença: museu-escola
80
Depois das apresentações, docentes e discentes recebem uma ficha de avaliação
onde colocam a sua opinião sobre o Projeto, colaborando assim para as intervenções em seu
funcionamento. Após esse momento recebem a visita de personagens interativos da cartilha,
ou o sorveteiro Seu Riba, ou a vendedora de pirulitos D. Dica, os quais falam de maneira
divertida sobre os seus ofícios, além de distribuírem seus produtos.
Finalizando a visita ao museu, a equipe do Projeto prepara os alunos para uma
atividade na escola. Sendo assim, através do diálogo entre as sugestões dos alunos e demais
membros da escola e a equipe do Projeto, é escolhida a atividade avaliativa condizente com a
temática e com os conteúdos escolares.
No dia da visita a Escola, a equipe do Projeto Sabença organiza uma Gincana
Cultural, fortalecendo os conhecimentos de forma lúdica e articulada com o saber escolar,
além de exibição de filmes, atrações culturais, distribuição de pirulitos, pipocas ou sorvetes e
a premiação para o aluno ou a equipe que, naquele momento, mostrou-se mais envolvido com
o tema, recebendo assim um kit de livros sobre cultura popular e um mp3. A instituição
participante também ganha um kit de livros sobre cultura popular maranhense para compor a
sua biblioteca, dando oportunidade para os outros alunos se familiarizarem com o tema.
É interessante notar, que este momento chamado de culminância, proporcionou
que o alunado participante do Projeto levasse toda a experiência vivida para socializar com o
coletivo da escola, desempenhando assim a função de multiplicadores, visto que diversas
formas de expressão entoavam os seus conhecimentos sobre o Bumba-meu-boi.
As observações nas escolas foram realizadas no período entre maio de 2007,
quando iniciou a nova fase do Projeto, até janeiro de 2008, o que permitiu um razoável tempo
de pesquisa, como também uma variedade de escolas, presenciando-se assim os trabalhos nas
seguintes escolas: Unidade de Ensino Básico Justo Jansen e Escola Modelo, desenvolvendo o
tema sobre a festa do Divino Espírito Santo, utilizando-se a o espaço disponível da Casa da
FÉsta; Unidade de Ensino Básico Maria Rocha e Unidade de Ensino Básico Darcy Ribeiro
voltadas para o estudo dos pregoeiros, tendo-se acesso a este acervo na Casa de Nhozinho; e
Unidade de Ensino Básico Senador Miguel Lins e o Centro de Ensino Médio Liceu
Maranhense, nos quais a pesquisa foi direcionada, já que trabalharam com a temática do
Bumba-meu-boi, sendo a Casa do Maranhão o palco educativo para as primeiras atividades.
Na Unidade de Ensino Básico Senador Miguel Lins, duas turmas de 8ª série e
cinco professores, destacando-se um da disciplina História, participaram diretamente das
81
atividades, porém o momento do projeto no âmbito escolar envolveu as outras turmas,
somando-se a eles professores, direção, as pessoas que desempenham função na cantina,
enfim a comunidade escolar foi “sacudida” pelas questões culturais.
No Centro de Ensino Médio Liceu Maranhense, verificou a atuação de cinco
salas de 1º ano do ensino médio, abrangendo-se os três turnos, apoiados por 7 professores,
sendo dois da disciplina História, tendo-se também o apoio dos demais sujeitos educacionais.
Dessa forma totalizou-se, nas duas escolas, uma média de 250 alunos que
participaram diretamente do Projeto, os quais dentro dos seus limites, aproveitaram a proposta
de trabalho com a cultura popular.
Através das observações, conversas, entrevistas e questionários realizados no
ambiente da escola e da Superintendência de Cultura Popular notou-se o distanciamento de
alguns alunos com a manifestação do Bumba-meu-boi e com os espaços museológicos, porém
no decorrer do Projeto percebeu-se o envolvimento de vários discentes, com a proposta
empreendida por esta parceria: Superintendência e escola. Assim Reinaldo Matos36 relata:
Para mim, e para muitos dos meus colegas foi uma experiência 10. Não gostava do Boi e ainda achava que museu só tinha besteiras velhas. Agora vejo que tava muito enganado. Sei muitas informações sobre o Boi, inclusive a minha equipe de feira cultural vai falar do ciclo econômico que formou o Bumba-meu-boi.
Através deste palco educativo, o professor de História possui um arcabouço de
informações a serem utilizadas em suas aulas, a sugestão pode partir da atividade avaliativa
do Projeto Sabença e continuar num processo que viabilize a articulação durante vários
momentos no decorrer do ano letivo. Segundo o professor de História “C” 37:
(...) é possível aproveitar a participação dos alunos no Projeto Sabença: museu-escola a partir do estudo histórico da nossa civilização, buscando fazer com que o alunado conheça e valorize a nossa cultura. Dentre os vários aspectos, podemos dizer que o encontro entre teoria e prática dos alunos através da externalização desses conhecimentos promovem ricos debates acerca do saber histórico. A História é por si só uma disciplina interdisciplinar.
Neste sentido, pode-se evidenciar a importância que um estudo cultural
desempenha em sala de aula, permitindo que o mundo que está além dos muros escolares
36 Entrevista realizada no dia 03 de março de 2008, com o aluno Reinaldo Matos. 37 Entrevista realizada no dia 28 de agosto de 2007, com o professor de História “C”.
82
possa entrar pela porta da frente da escola e assim não mais fazer o papel de telespectador, e
sim de personagem principal juntamente com o saber histórico, atuando não apenas nos
palcos que se tratou neste trabalho, mais em várias situações que ocorrem no cotidiano desses
atores.
3.2 as salas de aulas: o caso da disciplina História
As salas de aulas configuram-se como mais um dos palcos educativos proposto por
este trabalho. Neste sentido, busca-se entendê-las como tal, sugerindo situações que as retirem
da condição de meros espaços de reprodução, pois se sabe que muitas aulas de História são
pautadas na memorização das datas e fatos, tendo como recursos o quadro, o livro didático,
muitas vezes, numa perspectiva apenas narrativa, e a figura do docente, não raramente,
reprodutor de idéias cristalizadas neste material.
Com isso, compreende-se as salas de aulas como um ambiente repleto de opiniões
e histórias diversas, logo propício para o debate. Então, não condiz com essa realidade uma aula
que apenas instrumentaliza o livro didático, sem assim perceber as inúmeras possibilidades
metodológicas acerca de um estudo.
Pautando-se na influência que a Nova História Cultural desempenha na disciplina
História, nota-se a ampliação de objetos e fontes que possibilitam novas abordagens do
conteúdo em sala de aula, instigando assim, o trabalho com a micro-história defendida pelo
estudioso Carlo Ginzburg. A partir disso, a manifestação cultural do Bumba-meu-boi possui
legitimidade para ser trabalhada em consonância com a disciplina História, passando a ter um
espaço significativo nas escolas. No que tange a esta situação o professor “C” contribui:
Ensinar a disciplina História vai muito além dos conteúdos curriculares. Por isso o professor deve ter atenção em tudo que acontece no mundo: política, economia, saúde, educação, e evidentemente a cultura. Não é interessante limitar-se aos materiais didáticos. É preciso ousar. Usar jornais, internet, visitar museus, valorizar e utilizar a cultura popular como metodologia em sala de aula. Ela faz parte da minha vida e da vida dos meus alunos.
Porém, não se observa essa prática constantemente, pois a cultura popular, e
especificamente o Bumba-meu-boi, não são valorizados em sua essência pela sociedade
maranhense, visto que costumeiramente são “lembrados” apenas no período junino, momento
83
em que há uma campanha midiática e governamental para a difusão dessa manifestação, com
intuito principal de fortalecer a propaganda turística do Estado e construir uma identidade local.
Dessa forma, a escola funciona como um instrumento legitimador desse processo,
visto que promove a festa junina, ou o Arraial da escola, onde os alunos apenas reproduziam
uma apresentação, deixando a margem todo um processo histórico de perseguição a essa
cultura. A respeito disso Abreu ( 2003, p.100) afirma:
As festas pertencem à história e as lutas dos homens e mulheres de seu próprio tempo. Discutir os vários sentidos e possibilidades das festas, no passado e no presente; ou, ainda melhor, procurar identificar os sujeitos sociais que costumam estabelecer e divulgar certos significados das festas, recuperando, muitas vezes, os conflitos que se constroem em torno dessas definições são estratégias promissoras para começarmos a trabalhar com as festas na escola e na história.
Por isso, cabe aos professores e a direção da escola trabalhar as relações que
envolvem as manifestações culturais, tendo-se em vista que é um campo fértil para as
discussões acerca do tema transversal pluralidade cultural. Além disso, a Lei de Diretrizes e
Bases - LDB (2007, p.17) entende as manifestações culturais como possibilidade de
educação:
Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (grifo nosso)
É notável que a LDB cita a importância das manifestações culturais no processo de
aprendizagem, porém faz necessário que a cultura popular seja inserida ao currículo escolar,
permitindo assim que alunos e professores conheçam a sua história. Cabe ainda a esses
sujeitos educacionais que construam juntamente com a direção da escola um Projeto Político
Pedagógico que alcance os estudos multiculturais.
Nesse bojo, sugerem-se pontos que devem ser levados em consideração na sala de
aula pelos professores de História, para melhor aproveitamento do tema Bumba-meu-boi e
ensino de História. Para ilustrar a referida situação, a figura 10 demonstra esta manifestação
sendo trabalhada em sala de aula.
84
Figura 10: Bumba-meu-boi em sala de aula Fonte: Projeto Sabença: museu-escola
1) BUSCA DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS
- Quem conhece a manifestação cultural do Bumba-meu-boi?
- Onde mora existe a sede de grupos de Bumba-meu-boi?
- Qual o nível de identificação dos alunos com a manifestação cultural do Bumba-
meu-boi? Participam da brincadeira, ou alguém próximo (membro da família,
amigos, vizinhos)?
- Quem não conhece gostaria de conhecer?
- Aqueles que não gostam, qual é o motivo?
2) DESPERTAR O INTERESSE / PREPARAÇÃO
- Falar sobre a manifestação (aspectos gerais)
- Discutir a historicidade da manifestação cultural do Bumba-meu-boi
- Levantar curiosidades
- Convidá-los a fazer pesquisa fora do espaço escolar a respeito do Bumba-meu-
boi.
3) PRÀTICA
- Visita à Casa do Maranhão
- Visita à sede de grupos de Bumba-meu-boi
- Realização de questionários e entrevistas
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- Pesquisa histórica e bibliográfica da manifestação
4) DEBATE
- Discussão em sala de aula das informações encontradas em campo, fazendo-se
relação com o saber histórico (algumas sugestões foram colocadas no decorrer do
trabalho).
A intenção deste roteiro é planejar a atividade, podendo ser adaptada dependendo
da realidade escolar e do perfil dos alunos, assim como também do conteúdo histórico
abordado e da faixa etária em que se encontram os alunos. Com isso, pretende-se realizar uma
pequena contribuição num amplo campo a ser conquistado pela cultura popular no meio
escolar.
86
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da notável ausência de uma política educacional que valorize a inserção da
cultura popular no currículo escolar, evidenciaram-se possibilidades de amenizar essa
problemática através dos palcos educativos identificados por este trabalho. Sendo assim, as
observações, conversas, questionários e entrevistas demonstraram que existindo a parceria
entre as ações da Superintendência de Cultura Popular, através do Projeto Sabença: museu-
escola e da Casa do Maranhão, e as escolas por meio das salas de aulas, especificando-se o
ensino de História, a manifestação cultural do Bumba-meu-boi é ressaltada enquanto
elemento provedor de debates articulados ao saber escolar.
No que se refere à disciplina História, nota-se que esta manifestação possui
subsídios para contribuir de forma significativa em seus conteúdos. Porém, é sabido as
vicissitudes deste conhecimento ao longo de sua trajetória, perpassando por manipulações,
silêncios e lacunas que legitimaram interesses diversos, principalmente ligados ao Estado. Um
dos objetivos principais do curso deste saber foi a construção de uma identidade nacional.
Com a influência da Nova História, emergiram abordagens que oportunizaram a
inserção diversificada de fontes e objetos se estudos. É nesse contexto que a manifestação
cultural do Bumba-meu-boi é configurada como um campo disponível para ser explorado em
sala de aula. Todavia, o currículo, especificando-se os Parâmetros Curriculares Nacionais de
História, não contempla de forma expressiva o envolvimento com o saber popular, limitando-
se em citar a importância das manifestações.
Dessa forma, evidenciou-se que muito tem se tratado acerca das questões que
envolvem a cultura popular, principalmente nas escolas. Porém, isto acontece baseado em um
calendário que busca seguir comemorações já pré-estabelecidas, as quais podem num dado
momento não fazer nenhum sentido para determinados alunos, isto é, não despertá-los, uma
vez que não condiz com suas realidades. Por isso, cabe ao professor promover a interação
entre os saberes a ponto de envolver estes discentes.
Vale destacar que muitas são as dificuldades encontradas pelos docentes para a
implantação de uma sistemática inovadora e significativa em sala de aula, uma vez que muitas
instituições não dispõem de recursos estruturais e didáticos que favoreçam o melhoramento da
prática do profissional, e ainda, a sua própria formação pode ter sido comprometida por
teorias tradicionais da educação, limitando-se a repassar informações cristalizadas pelos livros
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didáticos, sendo estas memorizadas e logo esquecidas pelos alunos. Assim, cabe ao Estado
promover cursos de formação continuada com o intuito de permitir que mais professores
tenham acesso as novas discussões educacionais e (re)estruturar as escolas, preparando-as
para novos desafios.
Diante desse cenário, os palcos educativos são estudos de caso que realmente
contribuem para que a manifestação cultural do Bumba-meu-boi seja tratada de forma
significativa dentro da escola, isso é demonstrado na medida em que foi constatado por este
trabalho a valorização que alunos, professores e demais atores educacionais dispõem a este
folguedo no âmbito escolar.
Tendo-se em vista esse incentivo, os professores de História aproveitaram dos
diversos elementos que compõem a dinâmica da brincadeira para criar juntamente com os
alunos situações de ensino aprendizagem que envolva o Bumba-meu-boi e os conteúdos da
disciplina História.
Mas, percebe-se que esta não é uma prática constante na escola e nem mesmo nas
aulas de História. Dessa forma, os palcos educativos: a Casa do Maranhão, o Projeto Sabença:
museu-escola e as salas de aulas dentro dessa parceria Superintendência x escolas
configuram-se como ricas experiências que devem ser seguidos por todos que almejam retirar
a cultura popular dos bastidores, colocando-as nos variados palcos educacionais.
88
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ENTREVISTAS
AMARAL, João Carlos. Entrevista concedida a Elaine Regina Mendes Lisbôa. São Luís,
10 jan. 2008.
CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Entrevista concedida a Elaine Regina Mendes
Lisbôa. São Luís, 18 mar. 2008.
FERNANDES JÚNIOR, Luiz Celso. Entrevista concedida a Elaine Regina Mendes
Lisbôa. São Luís, 28 ago. 2007.
MATOS, Reinaldo. Entrevista concedida a Elaine Regina Mendes Lisbôa. São Luís, 03
mar.2008.
SANTOS, Elizabeth. Entrevista concedida a Elaine Regina Mendes Lisbôa. São Luís, 22
out. 2006.
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97
PROJETO SABENÇA: museu-escola
Ficha de avaliação
Nome: _________________________________________________________
Escola que trabalha: ______________________________________________
Disciplina que ministra: ___________________________________________
O1) O que você achou da proposta do Projeto Sabença: museu-escola?
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
Qual nota você daria para o projeto?_____________
02) Como você acha que foi o aproveitamento dos alunos no decorrer do Projeto?
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
Qual nota você daria para o projeto?_____________
03) Você pretende aproveitar a participação dos seus alunos no Projeto em sua disciplina?
04) Para você, quais são os aspectos positivos do Projeto?
05) Para você, quais os aspectos negativos do Projeto e o que você sugeriria para melhorá-lo?
99
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevistada: Maria Michol Pinho de Carvalho (Superintendente de Cultura Popular)
1) No seu ponto de vista, qual a relação entre cultura popular e educação?
2) Quando e como surgiu o interesse do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira com
as questões educacionais?
3) Quais os direcionamentos a Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de
Estado da Cultura do Maranhão executa com relação à valorização da cultura popular
no âmbito educacional?
4) A Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da Cultura do
Maranhão incentiva a visitação das escolas aos espaços museológicos? De que forma?
5) Qual a contribuição social e educacional do Projeto Sabença: museu-escola?
6) A Casa do Maranhão enquanto espaço difusor da manifestação cultural do Bumba-
meu-boi está cumprindo o seu papel educacional?
7) Em muitas escolas é possível notar a manifestação cultural do Bumba-meu-boi, sendo
tratada e repassada de maneira apenas lúdica e festiva, deixando de lado aspectos
importantes que poderia ser utilizado de forma interdisciplinar. Qual é o seu
posicionamento acerca disso?
8) Além da Casa do Maranhão e o Projeto Sabença: museu-escola, em sua abordagem
voltada para o Bumba-meu-boi, existe outro projeto da Superintendência de Cultura
Popular da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão que pode ser configurado
como espaço educativo para a manifestação cultural do Bumba-meu-boi?
100
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevistados: Professores de História que visitaram a Casa do Maranhão juntamente com
seus alunos
1) Como partiu o interesse de realizar a visitação a casa do Maranhão juntamente com os
alunos?
2) Quais procedimentos foram realizados antes da visita?
3) Qual foi a postura dos alunos antes da visita?
4) Qual foi a postura dos alunos após a visita?
5) Qual a contribuição da visita a Casa do Maranhão em sala de aula?
6) Foi possível fazer uma relação entre a manifestação cultural do Bumba-meu-boi e a
disciplina História?
101
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevistados: Professores de História que participaram do Projeto Sabença: museu-escola
01) O que você achou da proposta do Projeto Sabença: museu-escola?
02) Quais procedimentos foram realizados antes da visita a Casa do Maranhão?
03) Qual foi a postura dos alunos após o Projeto?
04) Como foi o aproveitamento dos alunos no Projeto?
05) Você pretende aproveitar a participação dos seus alunos no Projeto em sua disciplina?
06) No seu ponto de vista, qual a contribuição dos centros culturais para a educação dos
alunos?