UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
GUSTAVO HENRIQUE TRAJANO DE AZEVEDO
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015
Dissertação de Mestrado
Recife
2016
GUSTAVO HENRIQUE TRAJANO DE AZEVEDO
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito do Centro de Ciências
Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da
Universidade Federal de Pernambuco como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Jurisdição e processos
constitucionais
Linha de pesquisa: Estado, Constitucionalização e
Direitos Humanos
Orientador: Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho
Berardo Carneiro da Cunha
Recife
2016
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria José de Carvalho CRB/4-1462
A994r Azevedo, Gustavo Henrique Trajano de
A reclamação constitucional: hipóteses de cabimento no Código de Processo
Civil brasileiro de 2015. – Recife: O Autor, 2017.
242 f.
Orientador: Profº. Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da
Cunha.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.
Programa de Pós-Graduação em Direito, Recife, 2017.
Inclui bibliografia.
1. Direito processual civil. 2. Código Processo Civil (2015). 3. Teoria geral do
processo. 4. Dogmática jurídica. 5. Reclamação constitucional. 6. Ação
constitucional - Competência - Jurisdição. 7. Precedentes judiciais - Autoridade de
decisões. I. Cunha, Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da
(Orientador). II. Título.
341.46 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-20)
TERMO DE APROVAÇÃO
Gustavo Henrique Trajano de Azevedo
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre.
Área de concentração: Jurisdição e processos constitucionais.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo
Carneiro da Cunha.
A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,
submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado e a julgou nos seguintes termos:
Professor Adjunto Dr. Edilson Pereira Nobre Jr., Dr. UFPE
Julgamento: _________________________ Assinatura: _________________________
Professor Adjunto Dr. Francisco Antônio de Barros e Silva Neto, Dr. UFPE
Julgamento: _______________________ Assinatura:____________________________
Professor Adjunto Dr. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Dr. UFRN
Julgamento: __________________________ Assinatura: _________________________
Recife, 29 de agosto de 2016
MENÇÃO GERAL: APROVADO
Coordenadora do Curso: Prof. Dr.
Agradeço ao Professor Doutor Leonardo Carneiro da
Cunha, cujo esmero e dedicação em minha
orientação foram fundamentais para a presente
pesquisa.
“E eis que se levantou um certo doutor da lei,
tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar
a vida eterna?
E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?”
Lucas, 10:25,26
LISTA DE ABREVIATURAS
AC – Apelação Cível
ACO – Ação Civil Originária
ADC – Ação Direta de Constitucionalidade
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AgR – Agravo Regimental
AgRg – Agravo Regimental
AI – Agravo de Instrumento
AL – Alagoas
AP – Amapá
Art. – Artigo
BA – Bahia
CC – Conflito de Competência
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CE – Ceará
CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
CF – Constituição Federal
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
Coord. – Coordenador
CPC – Código de Processo Civil
CPPM – Código de Processo Penal Militar
d.c. – depois de Cristo
DF – Distrito Federal
DJ – Diário de Justiça
DJe – Diário de Justiça Eletrônico
DJU – Diário de Justiça da União
DOE – Diário Oficial do Estado
EC – Emenda Constitucional
Ed. – Edição
ES – Espírito Santo
EUA – Estados Unidos da América
FPPC – Fórum Permanentes de Processualistas Civis
FNPP – Fórum Nacional do Poder Público
GO – Goiás
HC – Habeas Corpus
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IRDR – Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva
ISS – Imposto sobre Serviços
MA – Maranhão
MC – Medida Cautelar.
MG – Minas Gerais
Min. – Ministro
MS – Mandado de Segurança
Nº - Número
Org – Organizador
P - Página
Par. – Parágrafo
PE – Pernambuco
PI – Piauí
QO – Questão de Ordem
Rcl – Reclamação Constitucional
RE – Recurso Extraordinário
Rel – Relator
Repr - Representação
REsp – Recurso Especial
RIL – Revista de Informação Legislativa
RITJAM – Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Amazonas
RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RISTJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
RITRF5 – Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região
RITSE – Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral
RITST – Regimento Interno Tribunal Superior do Trabalho
RS – Rio Grande do Sul
SP – São Paulo
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
STM – Superior Tribunal Militar
TFR – Tribunal Federal de Recursos.
TJAM – Tribunal de Justiça do Amazonas
TJCE – Tribunal de Justiça do Estado do Ceará
TJPE – Tribunal de Justiça de Pernambuco
Trad. – Traduzido por
TER – Tribunal Regional Eleitoral
TRF – Tribunal Regional Federal
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
TST – Tribunal Superior do Trabalho
Úni. – Único
UNB – Universidade Nacional de Brasília
UNICAP/PE – Universidade Católica de Pernambuco
Vol. – Volume
RESUMO
AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de. Reclamação Constitucional: hipóteses
de cabimento no Código de Processo Civil brasileiro de 2015. 2016. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências
Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.
A reclamação aparece no CPC/2015 como uma ação originária de qualquer tribunal
brasileiro, com a tríplice finalidade de preservação de competência, garantia de
autoridade de decisões e controle dos precedentes dos tribunais. A reclamação,
portanto, sofre uma reformulação por parte do Direito Positivo, mediante um novo
desenho de seu tratamento legal, sobretudo porque amplia o cabimento para qualquer
tribunal brasileiro e ganha a importante função de assegurar a correta aplicação dos
precedentes obrigatórios. Essa nova formulação dada à reclamação pelo Direito
Positivo demanda novas pesquisas dogmáticas sobre o instituto. É necessário estudar a
analisar a reclamação mediante o método dogmático, conceituando-a e localizando-a
dentro Direito Processual Civil e da Teoria Geral do Processo. A presente pesquisa
intenta realizar um estudo dogmático da reclamação constitucional, compreendendo o
seu desenvolvimento histórico, sua natureza jurídica e suas hipóteses de cabimento.
Busca-se demonstrar a natureza de remédio constitucional da reclamação. Destina-se a
assegurar a integridade do Poder Judiciário. A tríplice função da reclamação relaciona-
se coma higidez dos tribunais. A primeira função – preservação de competência –
protege o direito constitucional ao juiz natural. A segunda função, garantir a
autoridade de decisões, assegura a cogência e imperatividade do Poder Judiciário. A
última e moderna função, controlar a aplicação de precedentes, adensa a igualdade e
segurança jurídica das decisões do Poder Judiciário, pois contribuem para que casos
semelhantes sejam tratados de forma igual. Por fim, realiza-se análise da reclamação
como instrumento adequado para controlar a aplicação de precedentes obrigatórios.
Palavras-chave: Reclamação constitucional; Dogmática jurídica; Ação constitucional;
Competência; Jurisdição; Autoridade de decisões; Precedentes judiciais.
ABSTRACT
AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de. Reclamation Action: functions in the
2015 Brazilian Civil Procedure Code. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.
As now found in the newly enacted CPC/2015 (Brazilian Civil Procedure Code), the
reclamation action can be presented to any Brazilian court. It has three main functions:
the preservation of a court's jurisdiction, the guaranty of its authority and the control of
its judicial precedents. Therefore, this new legal treatment not only widens the
applicability of the reclamation action to include every court in the country but it also
assigns to the reclamation action the relevant function of assuring the application of
binding precedents. This innovation in Brazilian civil procedure code makes new legal
research on the institution of the reclamation action necessary, so it can be properly
defined and have its range and boundaries within the Civil Procedural Law and the
General Theory of Procedural Law determined. In this paper, we study the legal theory
that supports the reclamation action, its historical development, legal nature and the
cases in which it is applicable. We argue that the reclamation action is essentially a
constitutional writ aimed at guaranteeing the judiciary's integrity. The three functions
of the reclamation action are deeply related to the judiciary integrity. The first function
– preservation of a court's jurisdiction – protects the constitutional right to a judgment
by a court with jurisdiction under the law. The second function – to guarantee the
application of decisions – makes sure that the rulings by the judiciary are in fact being
followed. The third and more recent function – to control the correct application of
judicial precedents – contributes to greater legal certainty and equality before the law,
since it ensures that similar situations are treated in a similar fashion. Finally, we
analyze the reclamation action as a means to control the application of binding
precedents.
Keyword: Reclamation action; constitutional writ; Legal dogmatic; Court's
jurisdiction; Jurisdiction; Decisions Authority; Judicial precedents.
1
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................. 7
RESUMO ................................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
a. Objetivos, delimitação temática e premissas .............................................................. 7
b. Estruturação ................................................................................................................ 9
1. A importância do método dogmático para compreensão da reclamação ......... 11
1.1. Acepções da locução dogmática jurídica.................................................................. 11
1.2. A dogmática jurídica moderna ................................................................................. 13
1.2.1. O método dogmático ................................................................................................ 13
1.2.2. A dogmática jurídica moderna: características ......................................................... 14
1.2.3. A função de controle da dogmática jurídica moderna .............................................. 17
1.2.3.1. A função de controle da dogmática e a segurança jurídica ...................................... 20
1.3. A dogmática jurídica processual civil ...................................................................... 23
1.4. O antigo problema de fontes da reclamação ............................................................. 26
1.4.1. A antiga falta de solidez dogmática da reclamação .................................................. 26
1.4.2. A superação do problema de fonte da reclamação constitucional ............................ 29
1.4.2.1. As fontes do Direito .................................................................................................. 30
1.4.2.2. As fontes da reclamação constitucional: desenvolvimento dos centros produtores de
normas e de enunciados dogmáticos ........................................................................................ 32
1.4.2.2.1. A alteração das fontes formais da reclamação constitucional .................................. 34
1.5. Razões para o estudo dogmático das hipóteses de cabimento reclamação
constitucional ............................................................................................................................ 36
1.5.1. A previsão da reclamação no CPC/2015: necessidade de redução das incertezas ... 37
1.5.1.1. Ambiguidade e vagueza das hipóteses de cabimento: conceitos jurídicos
indeterminados ......................................................................................................................... 38
2
1.5.2. A função de controle da dogmática jurídica em relação à reclamação .................... 41
1.5.2.1. A necessidade de segurança jurídica em relação à reclamação: uma questão de
metassegurança jurídica ............................................................................................................ 42
2. Genética da reclamação constitucional ................................................................ 45
2.1. A classificação história tradicional ........................................................................... 45
2.2. Nova proposta de classificação histórica: evolução da reclamação constitucional .. 47
2.2.1. Fase pré-constitucional ............................................................................................. 47
2.2.1.1. Surgimento da Reclamação ...................................................................................... 48
2.2.1.2. Consolidação ............................................................................................................ 53
2.2.2. Fase constitucional ................................................................................................... 54
2.2.2.1. Emenda Constitucional 45/2004: a súmula vinculante............................................. 56
2.2.2.2. Reclamação contra decisões dos juizados especiais cíveis ...................................... 57
2.2.2.3. Cabimento da reclamação em outros tribunais, fora o STJ e o STF ........................ 60
2.2.2.4. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de
decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade ......................................... 63
2.2.2.5. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de
decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade. .................................................. 68
2.2.2.6. O não cabimento de reclamação contra decisão que aplica indevidamente ou deixa
de observar a tese firmada em recurso extraordinário com repercussão geral ......................... 73
2.2.2.7. Um apanhado final da fase constitucional ................................................................ 76
2.2.3. Fase codificada ......................................................................................................... 78
2.2.3.1. A revogação da Resolução nº 12/2009 do STJ ......................................................... 79
2.2.3.2. O fim do debate sobre a competência dos Tribunais para julgar reclamação .......... 79
2.2.3.3. Aumento de reclamações como consequência da ampliação das hipóteses de
cabimento: a reclamação num tripé de writs constitucionais junto ao habeas corpus e ao
mandado de segurança .............................................................................................................. 80
2.3. A gênese sob uma perspectiva sociológica............................................................... 84
3
2.3.1. A gênese sob uma perspectiva sociológica: as razões sociais da eleição da
reclamação como meio de impor a observância dos precedentes ............................................ 90
2.4. A reclamação constitucional no direito comparado ................................................. 95
2.5. Natureza jurídica da reclamação constitucional ....................................................... 99
2.5.1. Reclamação constitucional como medida administrativa ....................................... 102
2.5.1.1. Reclamação não se confunde com a correição parcial ........................................... 103
2.5.2. Reclamação constitucional como recurso............................................................... 104
2.5.3. Reclamação constitucional como exercício do direito de petição .......................... 107
2.5.4. Reclamação constitucional como incidente ............................................................ 111
2.5.5. Reclamação constitucional como ação ................................................................... 112
2.5.5.1. Reclamação constitucional como remédio constitucional ...................................... 113
2.5.5.2. Reclamação constitucional não é jurisdição voluntária .......................................... 116
3. Hipóteses de cabimento ........................................................................................ 119
3.1. A alteração do CPC/2015 antes da vigência: A Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de
2016. A vontade do legislador? .............................................................................................. 121
3.2. Tríplice função da reclamação constitucional ........................................................ 125
3.3. Demanda típica e de fundamentação vinculada: a causa de pedir na reclamação
constitucional .......................................................................................................................... 126
3.3.1. A causa de pedir próxima e remota na reclamação ................................................ 128
3.3.2. A indicação da hipótese de cabimento ................................................................... 132
3.3.3. Cumulação de hipóteses de cabimento ................................................................... 134
3.4. O grau de vagueza e ambiguidade das hipóteses de cabimento ............................. 136
3.5. Preservar competência de tribunal (CPC/2015, art. 988, I) .................................... 137
3.5.1. A hipótese de reclamação do TJAM: o cabimento de reclamação contra ato de
desembargador ........................................................................................................................ 144
3.6. Garantir autoridade das decisões de tribunal (CPC/2015, art. 988, II) ................... 146
4
3.6.1. Interpretação autêntica da sentença como consequência da reclamação para garantir
autoridade de decisão.............................................................................................................. 154
3.7. Garantir a observância de precedentes ................................................................... 156
3.7.1. O rol do art. 988 do CPC/2015 é exaustivo? .......................................................... 159
3.7.2. Garantir observância de súmulas vinculantes e decisões de controle concentrado de
constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III)......................................................................... 161
3.7.3. Garantir observância de teses firmadas em casos repetitivos e em incidente de
assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV) ............................................................... 165
3.7.3.1. Cabe reclamação por ofensa do STF a precedente do STJ, em matéria federal? ... 169
3.7.4. O significado de “garantir a observância” de precedente: a reclamação como meio
útil à realização de distinção e reinterpretação do precedente................................................ 171
3.8. O caso da Rcl 4374/PE: reclamação que realizou overruling e revogou de decisão
em controle concentrado de constitucionalidade .................................................................... 176
3.9. O caso da súmula vinculante 10 do STF ................................................................ 181
4. Reclamação e as demandas repetitivas ............................................................... 184
4.1. O fenômeno da litigiosidade em massa .................................................................. 185
4.1.1. Fundamentos para tutela adequada das demandas repetitivas: isonomia, segurança e
eficiência 188
4.2. Microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos ................................... 190
4.3. Questões repetitivas ................................................................................................ 193
4.4. Reclamação repetitiva: a aplicação do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas 198
4.4.1. Questões repetitivas processuais próprias da reclamação ...................................... 199
4.4.2. Questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo ..... 200
4.4.3. Questões repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou erro na
aplicação de precedente .......................................................................................................... 201
4.5. A escolha da reclamação paradigma ...................................................................... 205
4.6. Suspensão das demais reclamações ........................................................................ 207
5
4.7. Síntese do capítulo .................................................................................................. 208
CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 209
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 213
6
INTRODUÇÃO
A reclamação constitucional é fruto de construção jurisprudencial do STF, durante
a segunda metade do século XX. Cuida-se de uma ação constitucional que surgiu, com base
na teoria dos poderes implícitos, destinada inicialmente à preservação das competências e à
garantia da autoridade das decisões do STF. Com a Constituição Federal de 1988, a
reclamação ganha assento constitucional, mantendo sua dupla função, porém sendo cabível
perante o STJ, além do STF.
Durante esse período histórico inicial da reclamação, os estudos eram escassos e a
jurisprudência – principal responsável por sua entrada no ordenamento jurídico – era vacilante
e insegura, ou seja, não conseguia delimitar os seus contornos dogmáticos. Ademais, era
menor a quantidade de reclamações ajuizadas no STF e STJ. Assim, a reclamação não
encontrava nas fontes, formais e materiais, do direito substrato teórico suficiente para
delimitar seus contornos dogmáticos.
Porém, gradualmente, surgem novas fontes – formais e materiais – em relação à
reclamação constitucional. São inovações legislativas, constitucionais e infraconstitucionais,
novas pesquisas doutrinárias de destaque sobre o tema, e importantes debates travados no STF
sobre o instituto. Igualmente, aumenta-se significativamente o número de reclamações no STJ
e STF em relação a anos anteriores.
A nova ordem jurídica constitucional redesenhou as competências dos tribunais e
o próprio Poder Judiciário, além de criar o STJ como Guardião da Lei Federal. Houve uma
evolução no controle concentrado de constitucionalidade, despontando a reclamação como
ação destinada a garantir a autoridade dos dispositivos de decisões proferidas em ADIn, ADC
e ADPF. A reclamação, com a EC 45/2004, tornou-se um instrumento adequado para garantir
a observância de súmulas vinculantes. Por outro lado, passa a ser admissível contra decisões
de juizados especiais cíveis que afrontassem jurisprudência consolidada do STJ.
Outas discussões sobre o cabimento da reclamação são travadas no STF, a
exemplo: (a) por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de decisão proferida em
controle concentrado de constitucionalidade; (b) por ofensa à ratio decidendi (motivos
determinantes) de decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade; e, (c) o não
cabimento de reclamação contra decisão que aplica indevidamente ou deixa de observar a tese
firmada em recurso extraordinário com repercussão geral. Tais discussões giravam em torno
7
da admissibilidade da reclamação para garantir a autoridade de precedentes do STF e, ao fim,
o STF compreendeu que não se prestava a esse fim.
Esses fatos – em conjunto – contribuíram para o amadurecimento dogmático da
reclamação, principalmente no que toca suas hipóteses de cabimento. A reclamação deixa de
ser uma ação pouco vista na prática e aumenta, vertiginosamente, sua quantidade perante o
STF e STJ. Adensam-se as fontes formais e materiais da reclamação, que contribuem para
compreensão de suas hipóteses de cabimento.
Atualmente, a reclamação é um dos pilares do sistema de precedentes obrigatórios
erigido pelo CPC/2015. É o meio adequado, em qualquer tribunal, para o controle da
aplicação de alguns dos precedentes obrigatórios. Além das antigas funções, a reclamação
destina-se a assegurar a observância de: ratio decidendi de decisão do STF em controle
concentrado de constitucionalidade; tese jurídica em acórdão proferido em julgamento de
incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou de incidente de assunção de
competência (IAC); e, tese jurídica de acórdão proferido em recursos especial e
extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as instâncias ordinárias.
O CPC/2015 amplia as hipóteses de cabimento da reclamação constitucional. O
texto permite visualizar três funções bem definidas da reclamação: preservação de
competência, garantia da autoridade de jugados e asseguração da observância de precedentes
obrigatórios.
Por outro lado, a reclamação – com o CPC/2015 – passa ter intima relação com o
julgamento de casos repetitivos. É que o IRDR e os recursos excepcionais repetitivos
destinam-se à gestão de casos repetitivos e à formação de precedentes obrigatórios, ao passo
que a reclamação serve ao controle da aplicação desses precedentes obrigatórios. Num
contexto de litigiosidade em massa, a reclamação é um elemento lateral do sistema de gestão
e julgamento de casos repetitivos, uma vez que serve para garantir o controle dos precedentes
formados lá formados, concedendo racionalidade à prestação jurisdicional.
a. Objetivos, delimitação temática e premissas
O objetivo do presente trabalho é compreender – partindo da tríplice função da
reclamação constitucional – o significado presente das hipóteses de cabimento. A pesquisa
busca responder o que significa, atualmente, diante da modelagem processual do CPC/2015,
preservar competência, garantir a autoridade de jugados e assegurar a observância de
8
precedentes obrigatórios. Busca-se compreender, dogmaticamente, o conteúdo das hipóteses
de cabimento da reclamação.
O instituto não mais se restringe apenas às hipóteses de cabimento contidas na
Constituição Federal (CF/1988, art. 102, I, l, art. 103-A, §3º, e 105, I, f ). O rol do art. 988 do
CPC/2015 as amplia consideravelmente, além de fixar competência para qualquer tribunal
brasileiro apreciá-la. Passa a ser ação de competência originária de todos os tribunais.
Importante e relevante, pois, pesquisar as hipóteses de cabimento da reclamação.
Isso fica mais claro quando se percebe que o CPC/2015 sepultou algumas
discussões sobre o cabimento da reclamação. Mais precisamente, o CPC/2015 é explícito que
a reclamação serve para garantir observância de precedentes, o que fora anteriormente
rechaçado pelo STF. Não mais se discute se a reclamação serve ou não para garantir a
observância de precedentes. O que o presente trabalho pretende delimitar é o que significa
“garantir a observância” de precedentes; qual o alcance dessa locução para fins de propositura
de reclamação.
Igualmente, busca-se delimitar o significado de “preservação de competência” e
“garantir autoridade de decisões”. Com o CPC/2015, há alteração do significado dessas
locuções? “Preservar a competência” do STJ ou do STF possui o mesmo significado de
“preservar a competência” de outro tribunal? “Garantir a autoridade” do STJ ou do STF
possui o mesmo significado de “garantir a autoridade da competência” de outro tribunal?
Quais casos há usurpação de competência e afronta à autoridade dos julgados, de modo a
permitir o ajuizamento da reclamação.
Após explicar o significado das hipóteses de cabimento da reclamação, também
será feita uma explanação da relação entre o julgamento de casos repetitivos, a formação de
precedentes obrigatórios em IRDR e em recursos excepcionais repetitivos e a reclamação
constitucional. É que a hipótese de cabimento para assegurar a observância de acórdão
proferido em IRDR e recursos excepcionais repetitivos pode fazer proliferar a quantidade de
reclamações com pretensões semelhantes. São reclamação que impugnam o erro ou
inobservância desses precedentes. É o que se denomina de reclamação repetitiva.
Toda essa análise será feita, partindo do método dogmático de pesquisa, sobre três
premissas básicas. A primeira delas é que os textos normativos são vagos e ambíguos,
permitindo inúmeras interpretações, o que implica certo grau de insegurança jurídica. A
segunda é que a dogmática jurídica, mediante sua função de controle, é capaz de aumentar a
9
segurança jurídica, reduzindo as incertezas em relação às intepretações. A terceira é que as
hipóteses de cabimento da reclamação, exatamente por serem textos normativos, possuem
certo grau de vagueza e ambiguidade, viabilizando várias intepretações de seus significados.
Assim, ao tentar compreender o significado das hipóteses de cabimento da
reclamação importa, na verdade, em reduzir as interpretações possíveis do texto normativo, o
que – ao cabo – contribui para adensar o grau de segurança jurídica da própria reclamação.
b. Estruturação
O presente trabalho é dividido em quatro capítulos.
O primeiro deles busca demonstrar a importância da dogmática jurídica no estudo
da reclamação. Mais precisamente, é feita uma exposição da relevância da dogmática jurídica
no estudo do Direito Processual Civil, principalmente como sua função de controle de
consistência de interpretações contribui para aumentar a segurança jurídica. Ainda se
demonstra a importância de um estudo dogmático da reclamação, de modo a reduzir as
incertezas em seu entorno.
No segundo capítulo expõe-se a genética da reclamação. De início, faz-se uma
exposição histórica do instituto. A reclamação é fruto de construção jurisprudencial. Nasceu
no seio do próprio STF. A sua compreensão como um todo pressupõe que se conheçam o
modo e as razões de seu surgimento. Para entender a reclamação e tratar com coerência suas
hipóteses de cabimento, é preciso conhecer como e porque surgiu dentro do STF, incluindo o
seu desenvolvimento histórico inicial.
Ainda é importante a exposição histórica para saber como foi o desenvolvimento
do instituto. De uma ação que antes era pouco utilizada a uma ação ajuizada em grande
quantidade no STF e STJ. Entender antigos debates sobre a reclamação, perante o STF, que
contribuem para compreende as atuais hipóteses de cabimento.
Ainda no segundo capítulo é realizada a exposição da natureza jurídica da
reclamação. É que se cuida de um tema que não foi pacificado na jurisprudência, tampouco é
possível afirmar que o CPC/2015 sepulte tal discussão. É relevante saber a natureza jurídica
de um instituto, pois implica identificar o regime jurídico aplicável. Defende-se que a
reclamação é uma ação constitucional.
10
No terceiro capítulo, é realizada uma leitura das hipóteses de cabimento da
reclamação constitucional. Coloca-se a reclamação como uma demanda típica e de
fundamentação vinculada. Aponta-se qual é causa de pedir numa demanda reclamatória e a
possibilidade de cumulação de hipóteses de cabimento. Após, é feita uma análise de cada
umas delas, buscando delimitar o seu significado e limites. A pergunta que será respondida no
terceiro capítulo é: Qual o significado e alcance de “preservar competência”, “garantir
autoridade” de decisões e “garantir observância” de precedentes? Quando ocorre casa uma
dessas hipóteses?
No quarto e último capítulo, é feita uma breve análise do contexto de litigiosidade
de massa para, depois, explicar a íntima relação entre o julgamento de casos repetitivos e a
reclamação constitucional. Explica-se como a hipótese de cabimento da reclamação para
assegurar a aplicação dos precedentes, formados em casos repetitivos, pode tornar a
reclamação também repetitiva.
11
1. A importância do método dogmático para compreensão da reclamação
1.1. Acepções da locução dogmática jurídica
Na linguagem comum dos juristas, a locução dogmática jurídica é utilizada com
acepções inconstantes e equívocas1. Existem variadas publicações que falam de dogmática
jurídica, porém não existe univocidade quanto ao significado do termo, o que dificulta o
entendimento do papel da dogmática jurídica e o seu respectivo discurso argumentativo2. Tal
problema semântico, inclusive, reflete na dogmática processual civil.
Riccardo Guastini afirma que a locução dogmática jurídica é usada pelo menos
em três acepções: (i) o primeiro sentido, amplamente genérico, refere-se à ciência jurídica, no
caso, denota o estudo doutrinário do Direito; (ii) o segundo sentido, menos genérico, cuida
não da doutrina jurídica em si, mas de um estilo doutrinário específico, ou particular; e, (iii) o
terceiro sentido denota um subsetor da doutrina, não a doutrina jurídica em si ou um estilo
doutrinário específico, mas uma parte da doutrina que se dedica ao estudo e à elaboração de
dogmas jurídicos3-4.
As três acepções, embora distintas, estão ligadas por uma origem comum.
Descarta-se, para a presente pesquisa, a última acepção, já que denota um subsetor de doutrina
que se dedica à elaboração de dogmas jurídicos em sentido estrito, sendo atualmente pouco
relevante e mais raro, remontando inclusive ao pensamento jurídico do Direito Medieval, de
influência helênica (Aristóteles e Platão) e cristã (Tomás de Aquino) 5-6. Os dogmas da Idade
1 Segundo Miguel Reale: “É deveras sintomático que o conceito de Dogmática Jurídica tenha se convertido num
dos mais problemáticos e polêmicos da Epistemologia Jurídica contemporânea” (Em: REALE, Miguel. O
Direito como experiência. Introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 123). 2 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 163.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação
jurídica. 2ª ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 244. 3 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 164-165. 4 Há autores que fazem a distinção entre alta dogmática e baixa dogmática. A alta dogmática seria a parte da
descrição do direito que elabora conceitos jurídicos mais sofisticados, complexos e de maior alcance. Já a baixa
dogmática limita-se a interpretar as normas a um menor nível de abstração. A alta dogmática é exercida pelos
acadêmicos, já a baixa pelos juízes e demais juristas nas atividades de aplicação do direito (GUASTINI,
Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 165; JORI, Mario; PINTORE, Anna. Manuale di teoria generale del
diritto. Torino: Giappichelli, 1988. p. 113). 5 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 34. 6 Cumpre registrar que o termo “medieval” não foi usado de forma pejorativa. É apenas uma referência temporal,
pois é à Idade Média que o pensamento dogmático remonta, longinquamente, sendo marcantes os estudos em
Bolonha, durante o século XI, influenciados pelo pensamento aristotélico, platônico e escolástico (WIEACKER,
Franz. História do Direito Privado Moderno. 4ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010, p. 38-52).
12
Média eram misto de poder e autoridade – seculares e teológicos7 – baseados principalmente
no Corpus Juris Civilis de Justiniano.
Já as duas primeiras acepções – dogmática como doutrina e como estilo
doutrinário específico – são mais significativas e acabam por se confundir.
A dogmática como doutrina denota a ciência jurídica por excelência8. Cuida-se
do estudo doutrinário do Direito. É nesta acepção que, atualmente, a locução dogmática
jurídica é mais utilizada9. Deve-se entender por dogmática jurídica, portanto, a ciência do
Direito em sentido mais estrito e próprio. Como explica Robert Alexy, a dogmática como
ciência é, em síntese, uma mescla de, não menos, que três atividades: (i) a descrição do direito
vigente; (ii) sua análise sistemática e conceitual; e, (iii) formulação de propostas para a
solução de casos jurídicos problemáticos10.
Na última acepção, a dogmática jurídica significa um estilo ou método doutrinário
próprio e peculiar. Contudo, essa forma de uso da expressão está caindo em desuso (com
exceção das pesquisas históricas), exatamente porque o método dogmático está tão enraizado
na cultura jurídica dos países de civil law que se generalizou como a própria doutrina. Não é
mais percebido como um estilo doutrinário particular, mas sim com a própria doutrina dita
dogmática11. Entende-se por dogmática jurídica “a atitude predominante na chamada
“ciência do direito” tal como se mostra em nossa época”12.
7 Nelson Saldanha afirma que a secularização (racionalização ou laicização) do pensamento jurídico não excluiu
o componente teológico, que ainda é encontrado na ciência jurídica contemporânea, ou seja, a dogmática jurídica
atual ainda é dominada, parcialmente, pelo teológico. Tal fato é observável no formalismo do direito, quase que
litúrgico, passado da Igreja para as Universidades e para a Burocracia (SALDANHA, Nelson. Da Teologia à
Metodologia: secularização e crise do pensamento jurídico. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 31-38). 8 No presente trabalho, não se adentra o debate se o estudo do Direito cuida-se de ciência. Entendendo ser
possível o estudo científico do Direito: VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito
positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 127-133; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad.
João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 79; RADBRUCH, Gustav. Filosofia do
Direito. Trad. Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 161-162; FERRAZ JUNIOR, Tercio
Sampaio. A ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977. Lourival Vilanova afirma que a Ciência do Direito (ou
dogmática do direito positivo) delimita seu campo de conhecimento, possui unidade metodológica, teoriza sua
finalidade e articula proposições sistemáticas sobre o seu campo de conhecimento, portanto seria um estudo
científico. Negando a cientificidade da dogmática jurídica: WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito:
a epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luiz Bolzan. Porto Alegre: SAFE, 1995, v. 2, p. 383-389.
Warat nega a cientificidade da dogmática jurídica porque não é sistemático o suficiente, não é capaz de delimitar
seu próprio objeto e as decisões se justificam arbitrariamente, independente de consistência, arbitrariedade e
racionalidade. 9 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 163. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica,
cit., p. 244. 10 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 245. 11 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 169. 12 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 30.
13
Então, a dogmática jurídica como ciência jurídica e como estilo doutrinário
específico se confundem, porque o método dogmático se estendeu profusamente e se tornou o
método de pesquisar o direito por excelência. Quando se fala, portanto, em dogmática
jurídica, a referência que se faz é à ciência jurídica enquanto doutrina, que utiliza um método
específico de estudo do Direito, no caso, o método dogmático.
1.2. A dogmática jurídica moderna
1.2.1. O método dogmático
Em breves linhas, é preciso introduzir o método dogmático para, mais a frente,
explicar a sua importância para a reclamação constitucional.
Tem-se por dogmática jurídica moderna13 a ciência do direito que se propõe a
analisar, conceituar e sistematizar, mediante método específico, o Direito vigente14. E a
dogmática não busca conferir uma ordenação qualquer ao Direito vigente ou à disciplina
legislativa, que já possui uma ordenação própria, principalmente os diplomas codificados.
Busca uma ordenação que se sobreponha a do legislador15. Uma sistemática diferente
elaborada pelo intérprete, sob método próprio com pretensões científico-racionais: uma
ordenação específica da dogmática jurídica.
Partindo da análise das normas jurídicas (que são o seu objeto), a dogmática
jurídica procura uma ordenação dos fenômenos jurídicos encontrados em conceitos gerais. A
dogmática exige um trabalho de lógica e técnica jurídica, por meio do qual se realizam
operações de análise e síntese, de dedução e indução, sobre o direito vigente (ou seja, sobre as
normas jurídicas), cujo resultado é uma série de conceitos sistematizados e servíveis para
ordenar e orientar o ensino das disciplinas e a atividade do jurista, em busca de soluções de
13 O termo “modernidade” refere-se à dogmática jurídica dos séculos XX e XXI. É adjetivo de dimensão
temporal para contemplar a dogmática atual em contraponto à das Idades Antiga, Média e século XIX
(LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad: racionalidad y contingencia en la sociedad moderna.
Barcelona: Paidós, 1997. p. 16-17). Miguel Reale trata do direito moderno em três fases. A primeira vai da
Revolução Francesa até o fim do século XIX. A segunda e a terceira pertencem ao século XX (REALE, Miguel.
Nova fase do Direito moderno. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.95-129). A “modernidade” que o trabalho
refere-se corresponde a segunda e terceira fases descritas por Miguel Reale. 14 Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que o Direito positivo não é objeto único da dogmática. A positivação é o
problema central da dogmática jurídica. Em torno do Direito positivo que gravita a dogmática, porém se debruça
também sobre outros objetos, a exemplo da questão da decidibilidade de todos os casos concretos surgidos
(FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 81-82). 15 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 170.
14
casos jurídicos16. A partir desses conceitos abstratos, reunidos em torno de institutos17, são
desenvolvidos novos conceitos, também de forma sistematizada, com o intuito de adequação e
suficiência totalizante para resolução de casos jurídicos. Conceitos são provenientes de
conceitos prévios e assim por diante.
Robert Alexy, ao tratar da argumentação jurídica dogmática, afirma que o jurista
dogmático exerce, ao menos, três atividades. A descrição do direito vigente, a sua análise
sistemática e conceitual, e elaboração de propostas para solução de casos jurídicos
problemáticos. “A dogmática tem então três tarefas: (1) a análise lógica dos conceitos
jurídicos, (2) a recondução desta análise a um sistema, e (3) a aplicação dos resultados desta
análise na fundamentação das decisões jurídicas”18.
Daí se percebe que a dogmática sabe bem de onde parte e aonde deseja chegar.
Ela parte da análise dos conceitos abstratos encontrados nas normas jurídicas do direito
vigente para, ao cabo, fundamentar decisões jurídicas, sejam de casos judiciais ou
extrajudiciais19. Entre a análise inicial dos conceitos abstratos e a tomada final de decisões, o
método atravessa um momento, quiçá o mais complexo da dogmática, consistente na
sistematização dos conceitos de forma orgânica.
Porém, a principal importância do método dogmático é sua orientação para
resolver os casos jurídicos concretos. É aonde deseja chegar. Todo o método dogmático é
conduzido para solucionar litígios. Há a vedação ao non liquet e, igualmente, um caminho
orientado para decidir conflitos. Por mais difícil que seja o problema posto, a dogmática
jurídica irá solucioná-lo. Cuida-se da última etapa da atividade dogmática: a aplicação dos
conceitos jurídicos aos casos concretos como forma de solucioná-lo.
1.2.2. A dogmática jurídica moderna: características
16 STRENGER, Irineu. Da dogmática jurídica: contribuição do Conselheiro Ribas à dogmática do Direito Civil
brasileiro. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 63. 17 Para o termo “instituto jurídico”, é importante a lição: “O Direito é concebido como um fenômeno que aponta
para certas estruturas, as quais revelam uma certa articulação natural, uma certa normatividade própria.
Costuma-se empregar a respeito delas – e lembramos Savigny – o termo instituto jurídico, não com o
significado por aquele autor, mas com o significado positivista de complexo de normas” (FERRAZ JR., Tercio
Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 77). 18 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 247. 19 “Extrajudicial” porque o Direito não é privilégio do Poder Judiciário. Um delegado, um julgador
administrativo, um fiscal da Receita Federal do Brasil, um membro do Ministério Público, todos eles tomam
decisões jurídicas extrajudiciais.
15
A dogmática, partindo do Direito vigente, elabora conceitos para solucionar casos
jurídicos. Das atividades da dogmática extraem-se suas duas principais características: a
inegabilidade dos pontos de partida (de onde parte) e a obrigatoriedade de decidir ou
vedação ao non liquet (aonde chega)20.
A inegabilidade dos pontos de partida (de onde parte) significa que um
argumento é juridicamente aceitável ao passo que se embasa em norma jurídica do sistema, já
que a norma é o dogma prefixado do sistema jurídico. O intérprete – dogmático – parte das
normas do sistema, sem as negar, para encontrar os conceitos jurídicos e resolver o respectivo
caso. As fontes das normas e as próprias normas são dogmas prefixados; são os pontos de
partida inegáveis da dogmática jurídica.
A ciência do Direito não pode negar as bases sobre quais se assenta, sob pena de
negar a si própria. As normas não podem ser negadas. São os dogmas da ciência jurídica. Isso
não implica que é vedado recusar uma ou outra norma, mas sim que uma norma jurídica
apenas pode ser rejeitada em virtude de outra norma também jurídica21-22. Mais precisamente,
a dogmática jurídica parte das normas, mas não se limita a copiá-las; depende de que estejam
postas para tomar sua própria interpretação.
“A inquestionabilidade dos pontos de partida, contudo, não significa que os
dogmas jurídicos sejam interpretações estáticas de conduta social, uma vez que eles precisam
ser constantemente revistos a fim de acompanhar a mutabilidade inerente àquela conduta.”23
Em síntese, a dogmática jurídica não significa pura estática do Direito. Ao contrário, a
sistematização é fruto de interpretação dinâmica das normas jurídicas. A sistematização dos
conceitos e argumentos garante o processo de revisão e atualização, dês que dentro dos limites
fixados pelas próprias normas jurídicas.24
20 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 215-218. 21 “A dogmática jurídica tem como dogma prefixado a norma jurídica. Tal dogma constitui-se de determinadas
interpretações da realidade que não devem ser questionadas e, caso o sejam, devem ater-se aos parâmetros
fixados pelas próprias normas jurídicas” (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 31). 22 Daí os três critérios – hierárquico, temporal e especialista – para solução de antinomias dentro do ordenamento
(BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6ª ed.
Brasília: UNB, 1995. p. 91-97). 23 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 31. 24 “Isto significa que a dogmática se garante contra a mutabilidade das relações de fato através de seu próprio
distanciamento deste suposto fático, o que lhe fornece um novo campo de ação, por assim dizer,
autodeterminável. Em lugar de funcionar como uma prisão, o dogma jurídico e seus processos integradores
específicos formam a ponte para uma nova realidade, ou seja, a dogmática jurídica não se limita a copiar a
norma que lhe é imposta, apenas depende da existência prévia desta norma para interpretar sua própria
vinculação” (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 32).
16
A segunda característica da dogmática é a obrigatoriedade de decidir ou vedação
ao non liquet (aonde chega). É a questão da decidibilidade.
Com o advento da modernidade, o Estado passa a monopolizar o poder, entendido
como força. Detentor de toda a soberania, o Estado é o depositário da coação legítima.25 O
Direito se torna válido para todos. Não é mero desejo do indivíduo, mas uma possibilidade
amparada por um poder criado em benefício de todos, o Poder Judiciário26.
Sendo o Poder Judiciário preordenado para prestar a tutela jurisdicional, como
dever jurídico do Estado27, deve decidir todos os casos jurídicos. O mais difícil dos casos
jurídicos deverá ser guarnecido pelo Direito28. Não é possível deixar sem solução um caso
jurídico. O Estado detém o monopólio da justiça e possui como dever atender a todos. Logo,
todo conflito colocado perante o juiz deverá ser resolvido. A dogmática jurídica, portanto,
possui como característica a obrigatoriedade de decidir, ou vedação ao non liquet, já que o
Estado é responsável por tentar manter a pacificação social e detentor do Direito válido e
legítimo.
É até curioso observar que a vedação ao non liquet, além de ser uma característica
da dogmática jurídica, também é um dogma. É um ponto de partida inquestionável. Quando
se interpreta as normas jurídicas, parte-se do dogma de que será obrigatório decidir. Assim, a
vedação ao non liquet faz parte do início e do fim da atividade dogmática. Faz parte do início
(de onde parte), pois é dogma; é ponto de partida inquestionável que será obrigatório decidir.
Faz também parte do fim (aonde chega), já que encerra a atividade dogmática, quando o caso
jurídico é finalmente solucionado. É possível enxergar, portanto, uma relação de circularidade
na atividade dogmática.
25 BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 41. 26 “O direito aparece, então, como princípio racional, genérico, válido para todos, desde o momento em que
deixa de ser mera pretensão, nas relações entre indivíduos, como acontece no status naturalis, para se converter
em possibilidade, como ocorre no status civilis, amparado já por um poder externo, inviolável, tutelar, criado
em benefício de todos, a saber, o Estado-instituição.” (BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal,
cit., p. 112) 27 “Entenda-se por função estatal a expressão do poder estatal, enquanto preordenado às finalidades de
interesse coletivo e objeto de um dever jurídico (...) (i) função normativa – de produção de normas jurídicas
(=textos normativos); (ii) função administrativa – de execução das normas jurídicas; (iii) função jurisdicional –
de aplicação das normas jurídicas” (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. 8ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2011. p. 233-234). 28 Até os casos mais difíceis (“hard cases”) devem ser solucionados: “mesmo quando nenhuma regra regula o
caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo
nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a
sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 127).
17
1.2.3. A função de controle da dogmática jurídica moderna 29
A função de controle exercida pela dogmática jurídica é uma das mais relevantes.
É que o controle do Direito é necessário para manutenção da ordem jurídica. O Direito
demanda segurança jurídica30. O Direito, exatamente por ser linguagem, é incerto. A
dogmática jurídica, portanto, torna controláveis as incertezas do Direito. O método
dogmático é capaz de adensar a segurança jurídica, pois contribui para tornar o Direito
cognoscível e calculável.
A função de controle é tão relevante que Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirmou que a
função social da dogmática jurídica é, exatamente, o controle da contingência da aplicação
das normas jurídicas31.
A função de controle significa que a dogmática jurídica é capaz de controlar a
consistência das decisões32. Afirmar que a dogmática possui a função de controle implica
dizer que é capaz de reduzir as incertezas da linguagem jurídica. Reduz as incertezas da
aplicação do direito. Permite diminuir a contingência das decisões jurídicas. Controla a
consistência das decisões33.
Explica-se. A linguagem jurídica é expressa por símbolos. Mais precisamente, a
norma é expressa por símbolos, como explica Adeodato34. Exprimem-se as normas jurídicas
mediante símbolos, em ampla acepção, que podem ser gestos, palavras, texto, mímica, sinais
ou dados linguísticos de uma forma geral. Os dados linguísticos (significantes) servem para
transmitir informações35 (significado). Contudo, entre o significante e o significado existe um
29 De acordo com Robert Alexy, das duas principais características da dogmática jurídica, podemos identificar
seis funções: (a) estabilização; (b) progresso; (c) descarga; (d) técnica; (e) heurística; e, (f) controle. (ALEXY,
Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 258). Tercio Sampaio Ferraz Jr. aponta apenas 4 (quatro)
funções da dogmática jurídica: previsão, heurística, organizatória e avaliativa. (FERRAZ JR., Tercio Sampaio.
Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 119). Muito embora não indique controle
como função da dogmática, em sua tradicional obra “Função social da dogmática jurídica”, discorre
proveitosamente sobre o controle realizado pela dogmática (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da
dogmática jurídica., cit., p. 92-97). 30 Segurança jurídica possui variadas acepções e perspectivas em relação ao Direito, exatamente porque o ideal
de segurança jurídica permeia o Direito em sua completude. É tal qual o lubrificante para que o motor funcione
adequadamente.. 31 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 97. 32 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit. p. 97. 33 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 261. 34 ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2ª ed. São Paulo:
Noeses, 2014. p. 202. 35 “O termo |informação| possui dois sentidos fundamentais: (a) significa uma propriedade estatística da fonte,
ou seja, designa a quantidade de informação que pode ser transmitida; (b) significa uma quantidade precisa de
informação selecionada que foi de fato transmitida e recebida” (ECO, Umberto. Tratado geral da semiótica. 4ª
ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 33).
18
abismo, uma incompatibilidade traduzida na vagueza e ambiguidade, cuja consequência é a
dificuldade de aplicação da norma jurídica ao caso concreto.
Elementar a explicação de Marcelo Neves:
A esse respeito, cabe considerar o problema da ambiguidade (na conotação) e vagueza (na
denotação) do texto normativo. A primeira significa que as disposições, em particular as
constitucionais, não são unívocas, ou seja, ao menos prima facie, podem ser-lhes atribuídos
mais de um significado. Isso significa a possibilidade de que mais de uma norma possa ser
“extraída” de uma mesma disposição normativa ou, mais precisamente, atribuída a esta. Por
sua vez, a vagueza refere-se à imprecisão em definir quais são os referentes da norma, ou
seja, a indeterminação dos limites do âmbito dos fatos jurídicos e respectivos efeitos
jurídicos que estão previstos na disposição normativa e, pois, na norma. Às vezes, superada
a ambiguidade (determinou-se o significado da disposição normativa e, portanto, já se
definiu a norma a aplicar), ainda assim surgem problemas de vagueza, tento em vista a
dificuldade de determinar quais os fatos que se enquadram na respectiva norma. Dessa
maneira, por exemplo, mesmo que seja delimitado claramente o sentido de “pluralismo
político” nos termos do art. 1.º, inciso V, da Constituição Federal, persistirá a dificuldade
em determinar quais as situações fáticas em que um partido extremista deve ser considerado
uma ameaça ou um perigo para o pluralismo jurídico. Precisa-se, portanto, de uma
“interpretação dos fatos” para que se supere a vagueza para o caso concreto e a norma
possa ser aplicada.
Para a superação da ambiguidade de disposições normativas, é fundamental a interpretação
do respectivo texto. Para a superação da vagueza e a aplicação normativa a um caso
concreto, vai-se além, desenvolvendo-se um amplo processo seletivo de concretização da
norma.36
A ambiguidade e vagueza da linguagem jurídica tornam o Direito incerto. A
priori, não se sabe exatamente qual o significado do texto normativo, pois é ambíguo.
Igualmente, não se sabe quais são os fatos atingidos pela referida norma jurídica, pois é vago.
A aplicação da norma jurídica se traduz em incerteza. Desde o significado do
texto normativo (ambiguidade) até a determinação dos fatos que devem ser solucionados pela
mesma norma extraída do texto (vagueza). Existem, portanto, diversas soluções, bem distintas
umas das outras, que podem ser dadas aos casos concretos, a depender da interpretação
adotada.
Dessa forma, é possível afirmar que a incerteza do Direito é fruto de uma dupla
contingência. Os dois polos da aplicação da norma jurídica adquirem caráter contingente: (i)
de um lado, não se sabe exatamente qual o sentido da norma jurídica, em virtude da
36 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. Princípio e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes,
2013. p. 6-7.
19
ambiguidade do texto normativo; (ii), por outro lado, não se conhece quais fatos são
enquadrados na norma jurídica. Não se sabe quais os fatos juridicamente relevantes para fins
de aplicação da norma jurídica, por conta da vagueza do texto normativo.
Observamos, nesse sentido, que a Dogmática surge, na relação de aplicação, quando os seus
dois polos adquirem um caráter contingente. De um lado, em temos de tomada de decisão,
os casos podem ou não existir, podem ser interpretados de um modo ou de outro. E de
outro, com o fenômeno da positivação, as próprias normas podem postas desta ou daquela
maneira. Ora, quando ambos os polos da relação ficam contingentes, a própria relação de
aplicação se torna contingente, pois ficamos obrigados a reconhecer que não há só uma,
mas várias possibilidades de se aplicar o Direito. Surge daí a necessidade socialmente
fundada de um instrumento estabilizador dessa dupla contingência, na forma de critérios de
relacionamento da relação de aplicação. Esse instrumento é a dogmática jurídica.37
A dupla contingência, inevitavelmente, cria incertezas. E a dogmática jurídica
torna as incertezas controláveis.
É preciso superar a ambiguidade e vagueza do texto normativo mediante
interpretação, porém inúmeras interpretações podem ser elaboradas. Exatamente aí que
desponta o método dogmático como controlador das incertezas.
A dogmática jurídica contribui para superar a vagueza e a ambiguidade do texto
normativo de forma controlável, mediante seu método, que cria conceitos sistemáticos, por
meio de enunciados em torno de institutos. Uma dada interpretação de um texto normativo
será aceitável quando possível comprovar sua compatibilidade lógica com os enunciados
dogmáticos38. A interpretação é aceitável se estiver de acordo com os padrões dogmáticos.
Não é qualquer interpretação que será aceita, mas aquelas que possuam
compatibilidade lógico-sistêmica com os demais enunciados acerca do instituto interpretado.
Não se quer dizer que apenas uma única interpretação é válida. Várias interpretações são
válidas, dês que sejam todas comprováveis pelo método dogmático39. Portanto, a dogmática
jurídica não reduz a zero as incertezas (ou seja, transforma-as em certeza), mas apenas as
torna controláveis mediante aferição da consistência das decisões.
37 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 96. 38 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 262. 39 Igualmente não se pode ter a ilusão do estudante de direito, que acredita ser possível criar sua própria
interpretação desprovida de método. Como explica Tercio Ferraz Sampaio Jr: “Não é por acaso que o estudante
de Direito, que principia sua formação se surpreende com o número de teorias que um texto legal pode sugerir
ao ser interpretado, o que lhe dá, quando ainda não domina as técnicas dogmáticas, a impressão de estar
tratando com meras opiniões, o que o anima a construir ingenuamente a sua própria interpretação. Na
realidade, a visão é falsa, como ele logo aprende, quando percebe que as incertezas estão referidas às
incertezas da interpretação, onde elas se tornam mais amplas, mas, ao mesmo tempo, controláveis. (FERRAZ
JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 95).
20
Em resumo: a aplicação do Direito é duplamente contingente. Não se sabe, a
priori, qual o significado de um texto normativo (primeira contingência fruto da
ambiguidade). Igualmente não se sabe quais os fatos juridicamente relevantes que se
enquadram na norma extraída do texto normativo (segunda contingência fruto da vagueza)40.
As soluções dos casos jurídicos se tornam incertas. Diversas interpretações podem ser dadas,
em virtude da ambiguidade e vagueza do texto normativo, daí por que se fala em incerteza do
Direito. Uma interpretação será considerada válida, caso se comprove a compatibilidade
lógica com os demais enunciados dogmáticos relacionados. A função de controle da
dogmática jurídica reside exatamente em tornar controlável as contingências e incertezas da
aplicação da norma jurídica. O método dogmático permite comprovar se a interpretação dada
ao texto normativo é compatível com os demais enunciados igualmente dogmáticos. Controlar
é, pois, aferir a consistência das decisões jurídicas.41
1.2.3.1. A função de controle da dogmática e a segurança jurídica
É possível realizar um paralelo entre a função de controle e segurança jurídica. A
função de controle da dogmática jurídica, por reduzir as incertezas, está intrinsecamente
40 Importante ressaltar que Marcelo Neves faz ressalvas ao entendimento de que a produção na norma apenas
ocorre no processo interpretativo. A norma é prévia ao processo interpretativo-concretizador, sob pena de cair
num realismo decisionista: “Se afirmarmos que a produção da norma só ocorre no processo concretizador,
persistirá a questão de se os juízes e órgãos competentes para a concretização normativa não estariam
subordinados a normas antes de casa solução de caso. Pode-se cair em um realismo decisionista, se esses
modelos não forem tratados com os devidos cuidado e, eu diria, com restrições.” (NEVES, Marcelo. Entre
Hidra e Hércules. Princípio e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 8-9). É o que faz
Friedrich Müller, Partindo de um marco teórico totalmente distinto, também admite que inúmeras interpretações
do texto normativo são possíveis. Porém, de modo distinto do aqui defendido, bem como do defendido por
Marcelo Neves, não existiria norma jurídica prévia. A norma jurídica não está pronta. Apenas existe texto
normativo. A norma jurídica surge, apenas, quando do processo de concretização. Logo, no processo
interpretativo, diversos caminhos podem ser trilhados. É uma solução correlata de um marco teórico distinto:
“Âmbito normativo e programa normativo não são meios para encontrar, à maneira do direito natural,
verdadeiros enunciados ônticos de validade geral; tampouco ajudam a averiguar o verdadeiro sentido dos
textos normativos em termos do tipo definido e juridicamente correto do uso da língua no respectivo contexto
normativo” (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do Direito. Trad. Peter Naumann. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009. p. 245). 41 É curioso observar que os polos de contingência do Direito se correlacionam com as duas principais
características da dogmática jurídica: a inegabilidade dos pontos de partida e a obrigatoriedade de decidir
(vedação ao non liquet). Há contingência na identificação da norma jurídica que se extrai do texto normativo,
por conta de sua ambiguidade, logo há contingência na identificação e interpretação dos dogmas, que são os
pontos de partida inquestionáveis da dogmática. Por outro lado, existe contingência na identificação dos fatos
atingidos pela norma jurídica, em decorrência da vagueza do texto normativo. Existe contingência no
reconhecimento dos fatos juridicamente relevantes que devem ser obrigatoriamente decididos. A vedação ao non
liquet correlaciona-se com a contingência, pois é preciso saber o que é juridicamente relevante que deverá ser
obrigatoriamente decidido. O que não for considerado relevante para o Direito, não incidirá a obrigação de
decidir. É fato, porém não jurídico.
21
conectada à segurança jurídica42. A sociedade complexa atual necessita da dogmática, porque
precisa de sua função de controle para diminuir as contingências de suas expectativas
normativas43. Como explica Odete Medauar: “A sociedade necessita de uma dose de
estabilidade, decorrente, sobretudo, do sistema jurídico”44.
O Direito existe para proporcionar segurança à vida social. A segurança jurídica é
uma das razões básicas do Direito45. Segurança jurídica é associada à própria ideia de Direito.
“É uma noção inerente à própria ideia de Direito”46.
A dogmática jurídica, por meio de suas funções, principalmente a de controle,
contribui para adensar a segurança jurídica, porque torna o Direito, em maior grau,
cognoscível e calculável, almejando duas das finalidades da segurança jurídica47.
Partindo da teoria de Humberto Ávila, uma das finalidades da segurança jurídica é
a cognoscibilidade do Direito. O termo cognoscibilidade (ou compreensibilidadade) significa
a capacidade, formal ou material, de conhecer os conteúdos normativos possíveis de um texto
normativo ou de práticas argumentativas destinadas a reconstruí-los. Cognoscibilidade do
Direito consiste em alta capacidade de conhecer (compreender) os diversos sentidos aceitáveis
de um dado texto normativo (significante), partindo de núcleos de significação replicáveis por
processos argumentativos intersubjetivamente controláveis48.
Uma segunda finalidade da segurança jurídica é a calculabilidade, também
contemplada pela função de controle da dogmática jurídica. Calculabilidade concerne à maior
capacidade de prever as consequências jurídicas dos atos e dos fatos. Calculabilidade implica
saber, antecipadamente, quais os atos e fatos juridicamente relevantes para o Direito. Assim, a
segurança jurídica garante que se antecipem alternativas interpretativas e respectivos efeitos
das normas jurídicas49. Calculabilidade é uma previsão, uma projeção para o futuro,
antecipando quais as interpretações possíveis do texto normativo.
42 A segurança jurídica pode referir-se a um estado de fato (segurança como fato), pode denotar um juízo
axiológico (segurança como valor) e, ainda, pode consubstanciar uma norma jurídica (segurança como princípio)
(GOMETZ, Gianmarco. La certezza giuridica como prevedibilità. Torino: Giappichelli, 2005. p. 25-51). 43 Diante da complexidade da sociedade moderna e da contingência das expectativas normativas, é preciso que o
sistema jurídico seja confiável para que a expectativas normativas sejam reduzidas (LUHMANN, Niklas.
Confianza. Trad. Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 39-52). 44 MEDAUAR, Odete. Segurança jurídica e confiança legítima. Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em
homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. ÁVILA, Humberto. (org). São Paulo: Malheiros, 2005. p.
115. 45 MEDAUAR, Odete. Segurança jurídica e confiança legítima, cit., p. 115. 46 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 133. 47 Humberto Ávila indica três finalidades da segurança jurídica, embora apenas sejam tratadas de duas na
presente pesquisa: calculabilidade, cognoscibilidade e confiabilidade. 48 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 129. 49 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 131-132.
22
A dogmática jurídica permite elevado grau de cognoscibilidade e calculabilidade.
Ora, a função de controle implica aferição da consistência das decisões jurídicas.
Permite aferir se há compatibilidade lógica entre a fundamentação da decisão do caso jurídico
e os enunciados dogmáticos. A partir do momento em que o método dogmático se instala,
com uma série de enunciados e conceitos sistematizados entre si, é mais fácil conhecer os
conteúdos normativos possíveis de um texto normativo ou de práticas argumentativas que o
reconstruam (cognoscibilidade), bem como antever quais atos e fatos poderão ser
considerados como juridicamente relevantes e seus respectivos consequências e efeitos
jurídicos (calculabilidade).
Além de contribuir para maior projeção de duas das finalidades da segurança
jurídica (cognoscibilidade e calculabilidade), a dogmática jurídica também eleva o grau
protetivo de dois objetos da segurança jurídica50, ainda seguindo a teoria de Humberto Ávila.
A segurança normativa (na perspectiva da aplicação da norma jurídica) e segurança
doutrinária (sob o aspecto da metalinguagem jurídica).
Um dos objetos da segurança jurídica, isto é, aquilo que se pretende tornar
cognoscível e calculável é a aplicação das normas jurídicas, a segurança normativa. Tal
segurança decorre da aferição dos elementos argumentativos da decisão do caso jurídico. Os
elementos argumentativos relacionam-se com o uso de estruturas claras e objetivas de
raciocínio. As premissas e as conclusões do raciocino jurídico devem estar baseadas no
ordenamento jurídico. Sua construção deve obedecer a critérios racionais de argumentação,
com consistência formal e material51.
A função de controle da dogmática, como visto, consiste exatamente em aferir a
consistência das decisões. É aferido se a tomada de decisões está compatível com os demais
enunciados dogmáticos. Sabe-se qual foi o raciocínio aplicado e se é aceitável
dogmaticamente. A aplicação da norma jurídica, que é duplamente contingente, se torna mais
segura e menos contingente, em virtude do método dogmático. Busca-se coibir aplicação
desuniforme e totalmente arbitrária, aumentando o grau de segurança jurídica na aplicação das
normas.
A função de controle da dogmática coincide, portanto, em parte, com um dos
objetos da segurança jurídica, no caso, a segurança da aplicação das normas jurídicas.
50 Humberto Ávila indica quatro objetos da segurança jurídica, embora apenas sejam tratados de dois na
presente pesquisa: segurança normativa, comportamental, fática e doutrinária. 51 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 148.
23
Outro objeto da segurança jurídica é a segurança doutrinária. Nesse viés, não está
se tratando de segurança do Direito, mas sim de segurança do modo como o Direito é tratado
e estudado. Segurança da ciência do Direito. Nessa perspectiva, não se cuida da segurança da
norma jurídica ou de outras formas de manifestação do Direito (linguagem jurídica objeto),
mas sim da segurança dos enunciados doutrinários que ordenam o próprio Direito (ou a
metalinguagem jurídica descritivo-explicativa)52.
“Nessa interpretação, portanto, está-se fazendo referência à clareza, à
abrangência, à consistência (formal) e à coerência (material) não das normas (linguagem-
objeto), mas dos enunciados doutrinários que vertem sobre elas (metalinguagem).”53 A
segurança doutrinária consiste, pois, na segurança da ciência do Direito. E como a dogmática
jurídica é a ciência do Direito – por excelência – a função de controle da dogmática jurídica
em relação à segurança doutrinária exerce-se reflexivamente.
A função de controle da dogmática jurídica, ao contemplar a segurança da
doutrina, opera-se exercida sobre si própria, de maneira reflexiva, uma vez que a dogmática é
a própria doutrina por excelência54.
E a dogmática, como explicado no tópico anterior, possui como característica a
inquestionabilidade dos pontos de partida. Parte de dogmas prefixados e a eles se vincula para
elaborar seus enunciados conceituais de forma lógico-sistemática (metalinguagem jurídica). É
essa vinculação aos dogmas – inquestionabilidade dos pontos de partida – que garante
segurança à própria dogmática. Ao vincular-se a dogmas, de forma estável, permite formação
de enunciados comprováveis sistematicamente, ou seja, torna possível demonstrar se há
compatibilidade lógica com os demais enunciados já aceitos e integrados ao sistema de
maneira estável. Essa possibilidade de comprovação dos enunciados dogmáticos garante,
portanto, segurança dos enunciados doutrinários. A dogmática jurídica garante sua própria
segurança jurídica.
1.3. A dogmática jurídica processual civil
A dogmática processual civil é Ciência Processual Civil por excelência. É a
processualística. O estudo doutrinário do Direito Processual Civil. Cabe à dogmática jurídica
processual civil construir os enunciados doutrinários conceituais do Direito Processual Civil,
52 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 151. 53 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica., cit., p. 151. 54 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 30.
24
partindo, fundamentalmente, dos conceitos já elaborados pela dogmática jurídica da Teoria
Geral do Processo.55 A ciência jurídica do Direito Processual Civil deriva diretamente da
Teoria Geral do Processo e seus enunciados conceituais56-57.
A Teoria Geral do Processo é a primeira a fornecer o manancial teórico necessário
ao desenvolvimento da dogmática processual civil58-59. Entretanto, a Ciência Processual Civil
não vai derivar apenas dos conceitos próprios da Teoria Geral do Processo. Não são
suficientes. A dogmática processual civil irá elaborar seus conceitos partindo também de
55 DIDIER Jr., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 2ª ed. Salvados: Juspodivm, 2013. p.
110. 56 “A estrutura jurídica de um determinado Estado pode constituir o objeto de várias disciplinas jurídicas
particulares, tais como os Direitos Constitucional, Administrativo, Tributário, Civil, Comercial etc. Será, nesse
sentido, objeto do estudo e conhecimento por certas províncias individualizadas da ciência do Direito. Em tal
hipótese, a investigação científica converge para uma estrutura jurídica particular, e que é peculiar a um
determinado Estado: p. ex., Direito Penal brasileiro, Direito Administrativo alemão, Direito Constitucional
americano. (...) As ciências jurídicas particulares, correspondentes, na linguagem figurada e metafórica da
doutrina tradicional, aos ramos do Direito (Constitucional, Civil, Penal etc.), estudam e descrevem as variadas
hipóteses e consequências, tipificadas pelas normas respectivas. Para além desse campo restrito de
especialização, a Teoria Geral do Direito preocupa-se com a descrição da estrutura formal da experiência
jurídica” (BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
35). 57 Por exemplo, o conceito de exceção de pré-executividade (próprio do Direito Processual Civil) deriva do
conceito de defesa (pertinente à Teoria Geral do Processo). Da mesma forma, o conceito de conflito de
competência está intrinsecamente ligado ao conceito de jurisdição. 58 Fredie Didier Jr. afirma que a Teoria Geral do Processo é uma disciplina filosófica, o que, na visão desta
pesquisa, é um erro. A Filosofia do Direito distingue-se da Teoria Geral do Direito e das disciplinas dogmáticas
específicas. Colocar a Teoria Geral como um ramo da Filosofia do Direito é reduzir por demais o pensamento
filosófico. Afirma Didier Jr.: “A Teoria Geral do Processo é, em relação à Teoria Geral do Direito, uma teoria
parcial, pois se ocupa dos conceitos fundamentais relacionados ao processo, um dos fatos sociais regulados
pelo Direito. É uma disciplina filosófica, de viés epistemológico; nesse sentido, como excerto da Epistemologia
do Processo, é ramo da Filosofia do Processo” (DIDIER Jr., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, cit., p.
60). Ora, Teoria Geral não é um ramo da Filosofia, como explicado por Nelson Saldanha: “Ela [a Teoria Geral
do Direito] se relaciona com a própria experiência real do Direito através de um momento hermenêutico, ou
mesmo de uma dimensão hermenêutica, integrando o fenômeno jurídico, vincula ao “Direito”, como realidade
dinâmica (não apenas como estrutura) as raízes da “teoria” que a ele se refere. Evidentemente tal teoria se
distingue da Filosofia do Direito, que tem mais amplas dobras e implica em indagações mais profundas; a
teoria pode inclusive entender-se como um passo entre a visão “dogmática” do Direito – vai o termo por falta
de outro melhor – e sua visão filosófica, cujos contornos epistemológicos nunca cessarão de ser discutidos (...)
O chamado rigor formal é admissível e até necessário no saber dito dogmático, isto é, no trato específico dos
diversos ramos do direito positivo. Não cabe trazê-lo, mais ainda sob toque cientificistas, para dentro da teoria
jurídica, onde o rigorismo e o cientificismo significam muitas vezes renúncia às reflexões mais representativas”
(SALDANHA, Nelson. Da teologia à metodologia: secularização e crise do pensamento jurídico. 2ª ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005. p. 106, 110). 59 A Teoria Geral do Direito, que é tomada como um prolongamento das ciências jurídicas dogmáticas: o ponto
que liga os campos específicos de conhecimento jurídico é a parte geral de cada campo ou as denominadas
teorias gerais (teoria geral do direito civil, teoria geral do direito público-político, teoria geral do direito penal,
teoria geral do processo, teoria geral do direito tributário, teoria geral do direito administrativo). Muito da
chamada parte geral é uma zona de intersecção entre o (digamos) subcampo específico e a órbita da Teoria
Geral do Direito. Assim, evitamos o hiato entre as ciências jurídicas especializadas e a Teoria Geral do Direito.
O comum ponto de partida de todo conhecimento jurídico-dogmático é a experiência do ordenamento jurídico
positivo.” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 15-16).
25
enunciados de outras áreas da Ciência Jurídica, a exemplo da Teoria Geral do Direito, do
Direito constitucional, do Direito Civil etc.60.
Ainda haverá conceitos da ciência do Direito Processual Civil originados
diretamente da interpretação das fontes formais do Direito. Conceitos puramente do Direito
Processual Civil. Enunciados dogmáticos próprios do Direito Processual Civil, frutos de
atividade sistemática exercida diretamente sobre os textos normativos e demais formas de
manifestação válidas do Direito. São enunciados que não derivam de outros enunciados
conceituais pertencentes a outras áreas da ciência jurídica, porém com esses compatíveis
lógica e sistematicamente. Não existe relação de derivação, porém de compatibilidade lógica.
É o caso, por exemplo, do conceito de ação rescisória, próprio da dogmática processual
civil61, porém compatível com os conceitos de ação e defesa (Teoria Geral do Processo) e
acesso à justiça (Direito Constitucional).
Enfim, a dogmática processual civil se propõe a elaborar os enunciados
conceituais – sistematicamente – partindo de enunciados prévios da Teoria Geral do Processo,
de outras áreas da Ciência Jurídica e das fontes da norma jurídica processual, buscando
soluções argumentativas consistentes para a solução de casos jurídicos relativos a questões
processuais. A dogmática processual civil é a metalinguagem, descritivo-explicativa, que
trabalha sobre a linguagem, prescritivo-normativa, consistente nas diversas formas de
manifestação do Direito Processual Civil.
A dogmática processual civil agrupa seus enunciados doutrinários, como é típico
do método dogmático, em torno de institutos. Procura condensar, sistematicamente, seus
enunciados em torno das normas que tenham uma unidade material de regulamentação
setorial, como, por exemplo, fontes normativas relativas a processo, procedimento, ação,
defesa, jurisdição, precedentes, recursos, competência etc.62
60 É exemplo o conceito de negócio jurídico processual que advém do conceito de negócio jurídico, pertencente
à teoria geral do Direito. “La nozione di negozio è, dunque, nozione di teoria generale del diritto, quale che sai
l’ordinamento in relazione al quale viene studiata, quale che sia materia alla quale viene aplicata”
(MIRABELLI, Giuseppe. Negozio giuridico. MORTATI, Costantino; SANTORO, Francesco (Org.).
Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1978. v. XXVIII. p. 3). 61 Ao dizer que o conceito é próprio do Direito Processual Civil, não se está aduzindo sua exclusividade, mas sim
que foi elaborado primeiramente pela dogmática processual civil partindo das fontes das normas jurídicas
processuais. Daí podem ser eventualmente aproveitados por demais áreas do Direito. É o caso, por exemplo, do
conceito de ação rescisória, primeiramente elaborado pela dogmática processual civil, e posteriormente
aproveitado pelo Direito Processual do Trabalho. (Sobre a história da ação rescisória: PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1976. p. 89-118). 62 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma arqueologia das ciências dogmáticas do processo. DIDIER JR.,
Fredie (org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 52.
26
A dogmática processual civil é o conjunto de enunciados doutrinário-conceituais,
sistemáticos, que busca compreender e ordenar as formas de manifestação do Direito
Processual Civil (as fontes do direito), em torno de institutos, orientando o aplicador do
Direito para decidir casos jurídicos que tratem de questões processuais.
1.4. O antigo problema de fontes da reclamação63
1.4.1. A antiga falta de solidez dogmática da reclamação
A reclamação é instituto que, nas primeiras décadas após o seu surgimento, até a
EC 45/2004 que previu seu cabimento para garantir observância de ´sumulas vinculantes,
careceu de amadurecimento dogmático que, ao final, decorria de um problema de fonte. As
suas bases dogmáticas eram rarefeitas.
Por amadurecimento entenda-se a falta de contornos dogmáticos. Ausência de
estudos teórico-dogmáticos sobre a reclamação constitucional. Não existiam enunciados
doutrinário-dogmáticos suficientes e desenvolvidos para reger o instituto. Faltava-lhe solidez a
suas bases dogmáticas, fruto de diversos motivos, daí por que se diz suas bases eram
rarefeitas.
Há um rastro que se segue para entender a antiga falta de desenvolvimento
dogmático da reclamação, cujo fim pode ser resumido como um problema de fonte. Sob a
perspectiva particular desta dissertação, são vários os motivos, todos entrelaçados, que
levavam ao raso substrato teórico da reclamação constitucional.
O primeiro fator era a escassa doutrina sobre o tema. A ausência de atividade
dogmática propriamente dita sobre o instituto, que implicava a insuficiência e
subdesenvolvimento dos enunciados dogmáticos. Eram poucas as pesquisas e os livros
publicados de relevância e profundidade. Além de duas dúzias de artigos que, até mesmo
pelas pretensões dos autores, não se propunham a analisar com mais minúcia ou responder às
indagações em aberto sobre o instituto.
A jurisprudência é a principal fonte da reclamação, contrariando a tradição
brasileira, cuja principal fonte, via de regra, é a lei.64 No Brasil, a lei é fonte primária,
63 O tópico se inspirou em artigo de Eduardo Costa, no qual se coloca a reclamação perante os tribunais estaduais
como um problema de fonte: COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação Constitucional Estadual como
um problema de fonte. Reclamação Constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro
Henrique Pedrosa (orgs). Salvador: Juspodivm, 2013. p. 161-177. Na presente pesquisa, vai-se além. O instituto
da reclamação, como um todo, possui um problema de fonte.
27
enquanto a jurisprudência é fonte secundária65. Porém, com a reclamação ocorreu diferente,
pois a sua fonte primária sempre foi a jurisprudência (ao menos até o advento do CPC/2015).
Contudo, a reclamação constitucional, em sua fase histórica inicial, contou com
poucos precedentes dos tribunais, já que utilizada em menor escala e cuida-se de instituto
relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro: as primeiras reclamações remontam
à década de 1940, como será visto adiante.
A atividade doutrinária, jurisprudencial e legislativa sobre a reclamação era,
portanto, pequena.
As decisões sobre reclamação eram, inicialmente, vacilantes e reticentes,
dificultando a formação de precedentes. A falta de adoção de uma teoria de precedentes
vinculantes, com respeito à segurança jurídica e à confiança legítima66, principalmente do
STF que não respeita os próprios precedentes, levou – inevitavelmente – à inconsistência
teórica do instituto. O STF proferiu, diversas vezes, julgamentos contraditórios, entre si, sobre
reclamação constitucional67.
Não se quer dizer que, uma vez exposto um entendimento pelo STF sobre
reclamação, deveria ser imutável. Também não se esquece de que, se foi fruto de construção
64 “A legislação, nos países de direito escrito e Constituição rígida, é a mais importante das fontes formais
estatais” (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 15ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 62). No Brasil, principalmente no Direito Privado, a legislação sempre foi a principal fonte
formal. Durante mais de três séculos vigoraram as Ordenações Filipinas, em seguida veio o Código Civil de
1916. Antes vigoraram as Ordenações Afonsinas e Manuelinas, bem como houve a publicação da Lei da Boa
Razão. Nesse sentido: GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 2-13; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito
Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981. 65 Atualmente, é possível dizer que a jurisprudência se aproximou da lei, na condição de fonte formal primária
do Direito positivo brasileiro. O CPC/2015 instaura um sistema de precedentes obrigatórios que traz a
jurisprudência para o mesmo patamar de valor da lei, muito embora haja uma hiperprodução de leis, enquanto
são poucos os precedentes ditos vinculantes. Os precedentes – que devem ser seguidos obrigatoriamente pelos
órgãos julgadores – estão previstos no art. 927 do CPC/2015; por serem obrigatórios são denominados
precedentes formalmente vinculantes. Nesse sentido: ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes.
Salvador: Juspodivm, 2015. p. 344. 66 Sobre confiança legítima: PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 103-124; CALMES, Sylvia. Du principe de pretection de la confiance legitime em droits
allemand, cummunautaire er français. Paris: Dalloz, 2001; ARAÚJO, Valter Shuenquener de. O princípio da
proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do estado. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. 67 Já disse o STF que se trata de recurso, ao julgar a Rcl 831-DF (Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos,
Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971). Por outro lado, o Ministro Orosimbo Nonato designou-a como
“remédio incomum”, o que é uma expressão vazia de significado, em nada contribuindo para identificar seu
regime jurídico (NONATO, Orosimbo; apud MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal
Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 280). Ministro Nelson Hungria afirmou que era uma simples
representação, sem qualquer natureza processual (HUNGRIA, Nelson; apud MORATO, Leonardo L.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.
83). O STF, no julgamento da ADIn 2.212-CE, adotou expressamente o entendimento de Ada Pellegrini
Grinover e considerou a reclamação como exercício do direito de petição (ADI 2212-CE, Rel. Min. Ellen
Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003, DJ 14/11/2003).
28
jurisprudencial, nada mais normal que as primeiras considerações sobre reclamação sejam
bem distintas das atuais e existam julgamentos em sentidos diversos; na verdade, seria até
sinal de amadurecimento do instituto, na medida em que se vai discutindo e concedendo-lhe
contornos mais definidos e rígidos ao decorrer dos anos.
Outrossim, não estamos a desconsiderar as lições de Marcelo Navarro Ribeiro
Dantas, que afirma ser necessário observar os pronunciamentos judiciais sem cometer
anacronismo epistemológico68. É compreensível que, à luz de momentos políticos, sociais e
de compreensão do Direito Processual Civil totalmente distintos, haja precedentes em
sentidos opostos e aparentemente incoerentes entre si
Até o advento do CPC/2015, a principal fonte da reclamação constitucional era
jurisprudencial. Os precedentes judiciais eram os principais pontos de partida do estudo
dogmático da reclamação constitucional, contudo não era uma fonte segura, ou seja, os
precedentes judiciais não eram consistentes, já que vacilantes, contraditórios entre si e, por
vezes, contrários ao texto normativo contido em lei69.
O pouco amadurecimento da reclamação também era resultado da ausência de
texto legal a regulando com minúcia, isto é, esclarecendo, ou tentando esclarecer, os pontos
divergentes e mais obscuros. Em sua fase histórica inicial, havia um mínimo de dispositivos
legais tratando do instituto. A lei era a fonte secundária do instituto.
É que o profissional do direito brasileiro (do foro e da academia) sofre com ecos
de um legalismo exegético exacerbado e possui dificuldades ao ter que tratar de matéria cuja
regulação mediante texto legal é mínima70. A reclamação constitucional é prevista na
68 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2000. p. 34-35. 69 Importante a lição de Manuel Atienza, tratando de coerência e consistência na obra de Neil MacCormick:
“Para uma decisão ter sentido com relação ao sistema ela precisa – como já indiquei – satisfazer aos requisitos
de consistência e de coerência. Uma decisão satisfaz ao requisito de consistência quando se baseia em
premissas normativas, que não entram em contradição com normas estabelecidas de modo válido. E essa
exigência – embora MacCormick não o faça – precisa ser estendida também à premissa fática; assim, quando
há um problema de prova, as proposições sobre o passado (o fato cuja existência se infere) não devem entrar
em contradição com as afirmações verdadeiras sobre o presente. Portanto, pode-se entender que o requisito de
consistência deriva, por um lado, da obrigação dos juízes de não infringir o Direito vigente e, por outro lado, da
obrigação de se ajustar à realidade em termos de prova” (ATIENZA, Manuel. As razões do Direito. Teorias da
argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006. p. 128-129).
Na obra de Neil MacCormick (que na versão brasileira consistency foi traduzida como coesão):
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 255-297. 70 Insista-se: o profissional do Direito brasileiro sofre com o legalismo exegético. Confunde texto com norma;
mais precisamente identifica a lei com a norma, daí o motivo por ter dificuldade em lidar com a reclamação
constitucional, que possui pouco texto legal regulando-a. Ora, texto e norma não se confundem: o texto (seja
legal ou jurisprudencial) é o apenas o significante e a norma é o significado extraído do texto após a
29
Constituição, artigos 102, I, l e 105, I, f, e em apenas cinco dispositivos da Lei nº 8.038/1990,
artigos 13 a 18. Não houve um trabalho do legislador com o intuito de normatizar, em texto
de lei, a reclamação, deixando tal ônus para a jurisprudência.
Para o profissional do direito brasileiro, é árdua a tarefa de lidar com instituto,
cuja regulação legal é mínima, isto é, trabalhar com normas sem texto de lei, o que, aliado ao
fato de termos precedentes reticentes e vacilantes e escassa doutrina, contribui globalmente
para a falta de amadurecimento da reclamação constitucional. O estudo dogmático no Brasil
ainda clama por texto legal como principal fonte para construir os enunciados dogmáticos,
fruto de ecos de uma persistente confusão entre texto legal e norma.
O último motivo encontrado para justificar as antigas bases teórico-dogmáticas
rarefeitas é ser a reclamação constitucional genuinamente brasileira, sem uma inspiração
específica no direito comparado. Como bem observado por Eros Roberto Grau e Paula
Forgioni, muito dos estudos brasileiros são transplantados do direito estrangeiro, sem
qualquer adequação à realidade social brasileira, acostumados a engolir, sem grau crítico
próprio, os estudos alienígenas71. No caso da reclamação constitucional, por ser brasileira
nata, não há pesquisas estrangeiras para serem transplantadas para o Brasil, ficando o
doutrinador brasileiro órfão72.
1.4.2. A superação do problema de fonte da reclamação constitucional
Todas as causas acima elencadas para explicar as antigas linhas dogmáticas tênues
da reclamação constitucional podem, em certo reducionismo, se resumir a um problema de
fonte, no sentido amplo do termo. Um problema de fontes, formais e materiais, da reclamação
constitucional. Não havia fontes formais (lei e jurisprudência), tampouco fontes materiais
(doutrina) suficientes para conceber as bases teórico-dogmáticas da Reclamação. No entanto,
esse cenário mudo. Gradualmente, surgem novos centros produtores de normas sobre
interpretação. A norma é resultado do processo interpretativo exercido pelo aplicador sobre a lei, o precedente, o
costume ou outra fonte formal do Direito. Não existe coincidência entre texto e norma (ADEODATO, João
Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2ª ed., cit., p. 271-299). 71 GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
11-13. 72 Nesse sentido: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p.
385. Leonardo Lins Morato chega a afirmar ser infrutífero perquirir institutos análogos no direito estrangeiro
(MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 37).
30
reclamação, bem como novas pesquisas doutrinárias, de modo a superar o problema de fonte
da reclamação, sendo
1.4.2.1. As fontes do Direito73
Fonte é termo ambíguo. Fonte é termo metafórico74. Refere-se à origem ou à
comunicação da norma. Respectivamente, refere-se a duas questões, “por um lado, de que
provém o direito, de onde ele nasce, como ele é gerado; de outro, como se revela o direito,
como se mostra ao ser humano, quais suas formas de manifestação”75. Nesse duplo sentido
do termo fontes, ambos são úteis para compreender o problema de fonte da reclamação. O
primeiro sentido refere-se aos centros produtores de normas jurídicas, ao modo de formação e
produção das normas jurídicas, à atividade nomogenética76. O segundo sentido relaciona-se ao
meio que se revela a norma jurídica, isto é, ao significante da norma jurídica; se a norma
jurídica revela-se mediante texto legal, precedentes, gestos, palavras faladas etc.
As fontes também se classificam em formais e materiais. Trata-se de classificação
útil para entender o problema de fontes da reclamação.
As formais são aquelas dotadas de cogência ou do poder de decidir e optar entre
as diversas vias normativas possíveis. São capazes de se impor e tornar-se direito positivado,
ou seja, entrar no ordenamento jurídico validamente e vincular sujeitos; são os pontos de
partida inquestionáveis da dogmática jurídica. Neste trabalho, consideram-se fontes formais a
lei, a jurisprudência, o costume e o negócio jurídico77. As fontes formais ligam-se à noção de
validade. A forma de produzir o significante normativo (o texto legal, o precedente judicial, o
costume e o negócio jurídico) garante legitimidade e impositividade pelo poder estatal, dentro
do ordenamento jurídico. A lei, o precedente e o negócio jurídico possuem um rito de
formação que legitimam sua validade. Já o costume, embora não seja dotado de solenidade, é
possível observar m processo de institucionalização que lhe concede legitimidade;78 no caso,
73 Na Itália, destaca-se: GUASTINI, Riccardo. La fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. 74 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5º ed. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 225. 75 ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo, cit., p. 212. 76 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, cit., p. 227. 77 REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 12. 78 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, cit., p. 243.
31
sucessivas e constantes formas de comportamento reconhecidas pela expressão social como
impositivas.79
Já as materiais são os dados empíricos, ideológicos, científicos que são conteúdo
das fontes formais. São as “fontes das fontes” (fons-fontis). Embora não sejam prescrições, as
fontes materiais fornecem os elementos (biológicos, psicológicos, fisiológicos, científicos,
históricos etc.) para a formação das fontes formais. As materiais não possuem cogência,
tampouco se inserem per se no ordenamento jurídico.80
A doutrina, atualmente, é apenas fonte material. Não possui caráter obrigatório.
Apenas função persuasiva em relação aos profissionais do Direito. Já foi considerada fonte
formal porque um edito do imperador Teodósio II estabeleceu (426 d.c.) que, em casos
complexos, prevaleceria a opinião do “Tribunal dos Mortos” (Gaio, Papiniano, Modestino,
Paulo e Ulpiano)81. A doutrina dos jurisconsultos romanos fazia parte do Corpus Juris Civilis,
daí por que a doutrina era alçada à condição de fonte formal do Direito, contudo, com a
modernidade e a escola exegética, a doutrina perde o caráter cogente e passa a ser considerada
apenas fonte material.82
Ainda se deve observar que, dentre as fontes ditas formais, existe uma tendência à
hierarquização como forma de evitar antinomias entre as variadas fontes. É a classificação em
fontes primárias e secundárias. A própria nomenclatura já informa a priori, pois o que é
primário deve prevalecer sobre o que é secundário. A fonte primária retira de si própria a
força de cogência, em virtude de autoridade estatuída pelo ordenamento jurídico. A fonte
secundária retira de outra fonte formal, no caso, a primária, sua força coercitiva. Na Escola
Exegética, a fonte primária por excelência era a lei, daí por que a jurisprudência não poderia
contrariá-la. Já no direito inglês, a jurisprudência é a fonte primária e a lei, a fonte secundária,
79 REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 12. 80 A característica para diferenciar as fontes formais das materiais é, exatamente, o poder de impor uma estrutura
normativa (prescrição) inerente apenas à fonte formal, tanto que alguns autores não utilizam a classificação,
considerando apenas fonte do direito as fontes ditas formais, como é o caso de Miguel Reale Por ora, é
apropriada a distinção entre fontes formais e materiais, por duas razões simples. A primeira é ser a classificação
consagrada no estudo jurídico, dotada de cunho didático. A segunda é que uma fonte, a depender do
ordenamento jurídico, pode perder sua cogência inerente, logo deixa de ser fonte formal, restado apenas a
posição de fonte material. Foi o que ocorreu em relação à doutrina, já dotada de cogência em outros tempos, hoje
apenas possui força cultural (REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito, cit., p. 11-14). 81 LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 74. 82 “Mesmo hoje não se nega que a doutrina seja uma fonte material do direito de grande importância. Pois se a
ideologia e as opiniões de qualquer grupo social são fontes materiais do direito, claro que também o serão as
ideologias e opiniões dos juristas. A doutrina interfere profundamente sobre juízes e legisladores, mas hoje não
se pode dizer que seja fonte formal.” (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do
direito subjetivo, cit., p. 218).
32
vindo por último o costume83. A hierarquia entre as fontes formais, na verdade, reflete a luta
política entre os três poderes e a busca da harmonia.
1.4.2.2. As fontes da reclamação constitucional: desenvolvimento dos centros
produtores de normas e de enunciados dogmáticos
Desta breve explanação sobre a teoria das fontes, confirma-se que os motivos
acima dados para a antiga falta de amadurecimento dogmático da reclamação era, na verdade,
um problema de fontes do direito. Um problema de fontes formal e material, mais
precisamente um problema com a doutrina, com a jurisprudência e com a lei.
A doutrina da reclamação, como dito, era escassa. É pouca a atividade dogmática
sobre o instituto. Eram poucas as pesquisas relevantes e de profundidade. A quantidade de
estudos teórico-dogmáticos sobre a reclamação constitucional é pequena. Eram poucos os
enunciados doutrinário-dogmáticos suficientes e desenvolvidos que regiam instituto.84
Gradualmente, surgem trabalhos doutrinários tratando da reclamação com mais
profundidade. No início da década de 2000 – após um longo período sem pesquisas de fôlego
sobre a reclamação constitucional – são publicados vários trabalhos que contribuíram,
visivelmente, para o amadurecimento dogmático da reclamação. Em ordem cronológica,
destacam-se três obras monográficas sobre o tema: “Reclamação constitucional no direito
brasileiro” de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas85; “Reclamação e sua aplicação para o respeito
da súmula vinculante” de Leonardo Lins Morato86 e “Reclamação Constitucional” de Ricardo
de Barros Leonel.87
Além desses três trabalhos monográficos específicos, de maior relevância, o
estudo da reclamação ganha espaço em artigos de periódicos especializados, em coletâneas e
83 “As fontes do direito britânico são, em ordem crescente de importância, o costume, a lei e os precedentes
judiciários” (LOSANO, Mario. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p. 331). 84 A doutrina que tratava da reclamação, por vezes, é de retaguarda, e não de vanguarda: “Problema bem
específico enfrenta a doutrina jurídica (dogmática) no Brasil, na medida em que quase se reduz a relatos
descritivos e superficiais do direito positivo, exposições de textos legais e de decisões dos tribunais. Em um
sentido bem literal, ela forma a retaguarda do direito positivo, e não sua vanguarda. Não desempenha sua
função crítica como metodologia, de doutrina dogmática como estratégia de modificação da dogmática
material.” (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo, cit., p.
219). 85 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2000. 86 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. 87 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
33
capítulos de manuais e livros mais gerais.88 Todas essas pesquisas contribuíram para adensar
as fontes materiais da reclamação, de modo a conceber seus contornos dogmáticos.
Além do desenvolvimento de doutrina quanto à reclamação, aos poucos ela se
torna instrumento relevante no STF e STJ, como será visto no item 2, ao fazer a exposição
histórica do instituto. O que importa pontuar, nessa etapa, é surgem precedentes sobre a
reclamação. Os julgados proferidos no STF e STJ vão também contornos dogmáticos à
reclamação. Quais seus limites, suas hipóteses de cabimento, competência etc. Os precedentes
se revelam como importantes fontes da reclamação. É da jurisprudência que não extraías
diversas normas jurídicas em relação à reclamação, principalmente hipóteses de cabimento.
Isso foi muito importante para a reclamação, pois, como será visto no item 2.2.1, a
reclamação é fruto de uma construção jurisprudencial. Surgiu sem previsão em texto legal,
logo seus limites dogmáticos demandaram atividade judicial para explicitar exatamente suas
88 Destacam-se, dentre outros, em ordem alfabética: ALVES, Renato de Oliveira. A reclamação constitucional
no STF. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 80, jul./set.
2012; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões que envolvem a nova hipótese de reclamação junto ao STF
advinda da EC nº 45. Repertório IOB de jurisprudência. São Paulo: IOB, nº 8, abr.-2005; CAMBI, Eduardo;
MINGATI, Vinícius Secafen. Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança
jurídica. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011; CÔRTES, Osmar Mendes
Paixão. A reclamação no novo CPC - fim das limitações impostas pelos Tribunais Superiores ao cabimento?
Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 244, Jun- 2015; CÔRTES, Osmar Mendes Paixão.
Reclamação – A ampliação do cabimento no contexto da “objetivação” do processo nos tribunais superiores.
Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 197, jul.-2011; CORTEZ, Claudia Helena Poggio. O
cabimento de reclamação constitucional no âmbito dos juizados especiais estaduais. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 188, out.-2010; COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro
Henrique Pedrosa (org.). Reclamação constitucional. Salvador: JusPodivm, 2013.; CUNHA, Leonardo Carneiro
da. Reclamação. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016; CUNHA, Leonardo
Carneiro da. Natureza jurídica da reclamação constitucional. Aspectos Polêmicos e Atuais dos recursos cíveis e
de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda
Alvim (coords). Vol. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR.,
Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3; DINAMARCO, Cândido
Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros,
2013; GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais. O
processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005; MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional
no Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009;
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça. COSTA, Eduardo José da Fonseca;
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013;
PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos
Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989; PACHÚ, Cláudia Oliveira. Da Reclamação
perante o Supremo Tribunal Federal. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 55, abr./jun.-2006; PONTES MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, t. 5; ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional:
princípios constitucionais do processo civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; ROSSI, Júlio César.
Aspectos processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo:
Dialética, v. 19, out.-2004; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 808, fev.-2003; VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação
constitucional e a valorização do precedente. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 220,
jun.-2013; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
34
hipóteses de cabimento, seu procedimento, seu regramento, tudo foi, ao menos inicialmente,
concebido pela jurisprudência, com poucos dispositivos de lei. Assim, também se
desenvolveu a reclamação mediante o adensamento da jurisprudência como sua fonte.
Existe uma relação de circularidade entre a doutrina, como fonte material, e a lei e
a jurisprudência, como fontes formais. A doutrina fornece o substrato teórico para o Poder
Legislativo e, principalmente, para os juízes no momento de decidir. Por outro lado, a
doutrina, para sistematizar e formular os enunciados dogmáticos da reclamação, parte da lei e
da jurisprudência. É um movimento circular. A fonte material alimenta a fonte formal, que, a
seu turno, é o ponto de partida da fonte material, retroalimentando-a. A doutrina parte das leis
e dos precedentes para formar enunciados servíveis às leis e aos precedentes89.
O que se conclui, portanto, é que a reclamação surge no sistema jurídico com
poucas fontes formais e materiais, principalmente doutrina e jurisprudência; porém,
gradativamente, vai ganhando espaço e robustez dogmática, mediante esforço conjunto da
doutrina e jurisprudência, superando – ao cabo – o problema de fonte. O CPC/2015, por sua
vez, traz um regramento mais detalhado da reclamação.
1.4.2.2.1. A alteração das fontes formais da reclamação constitucional
Como dito, a fonte formal primária da reclamação era a jurisprudência, em sentido
contrário da tradição brasileira, que teve a lei como fonte primária.90 Havia poucos
dispositivos legais tratando da reclamação, que dependia de precedentes jurisprudenciais,
municiados dos enunciados dogmáticos doutrinários construídos em torno do instituto.
No Brasil, a lei é fonte primária por excelência, já a jurisprudência era fonte
secundária. Porém, com a reclamação era diferente, pois a sua fonte primária era a
89 Essa relação circular foi influenciada pelo bartolismo: “O bartolismo, aplicação da doutrina que empresta o
nome de um importante glosador da época medieval, Bartolo de Saxoferrato, tão importante que vem
expressamente mencionado nas Ordenações, é um recurso ou instituto do direito comum (direito erudito, o
direito dos glosadores e pós-glosadores). Entendido como direito subsidiário ao direito escrito, mesmo que
eventualmente, em um ou outro momento, tenha assumido papel prevalente, teve inegável e profunda influência
na formação das nossas tradições jurídicas brasileiras. Determina a mentalidade do jurista não como técnico
do direito, destinado a aplica a lei de forma unívoca, mas como um “sabedor” do direito. Daí a vocação, no
direito brasileiro, para a criação (reconstrução) do direito pelo judiciário e para a busca da justiça no caso
concreto” (ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 96). 90 “Entre os povos cultos contemporâneos, a lei é a fonte principal do direito objetivo (ESPÍNOLA, Eduardo;
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1943, v. 1. p. 16). No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro
interpretada, cit., p. 62; GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, cit., p. 2-
13; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito Civil brasileiro, cit.;
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 79-80.
35
jurisprudência. Eram pouquíssimos os dispositivos legais sobre a reclamação, daí por que a lei
era sua fonte secundária. Contudo, o CPC/2015 altera o cenário das fontes formais da
reclamação, exatamente porque aumenta – significativamente – a quantidade de texto legal
tratando do instituto. Passam a ser 22 (vinte e duas) disposições, nos arts. 988 a art. 993, art.
937, VI, e art. 985, §1º. Revogam-se apenas 9 (nove) disposições que eram previstas na Lei nº
8.038/1990 (arts. 13 a 19). Os do Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587)
são revogados implicitamente pelo CPC/2015.91 Ademais, são mantidos os artigos da Lei da
Súmula Vinculante (Lei nº 11.417/2006, arts. 7º a 9º).
Por outro lado, o CPC/2015 aproxima a jurisprudência da lei, na condição de
fonte formal primária do Direito brasileiro. O CPC/2015 instala um sistema de precedentes
obrigatórios, colocando a jurisprudência em nível de relevância aproximado ao da lei. Os
precedentes obrigatórios são arrolados no art. 927 do CPC/2015; e, já que são obrigatórios,
denominam-se precedentes formalmente vinculantes.92 A lei e os precedentes são ambos
formalmente vinculantes.
Assim, o CPC/2015 altera substancialmente a hierarquia das fontes formais. A lei
era a fonte formal primária, ao passo que as demais, aí incluída a jurisprudência, eram fontes
secundárias. O CPC/2015 intenta estruturar um sistema de precedentes formalmente
vinculantes. Torna-se maior a cogência da jurisprudência como fonte formal. Lei e
jurisprudência passam a ser fonte formal primária do direito brasileiro.
No que se refere à reclamação, a jurisprudência já era sua fonte formal primária e
mais importante. Porém, o CPC/2015 traz tantos e tão importantes dispositivos sobre
reclamação que, inevitavelmente, estabelece-se como fonte formal primária da reclamação, ao
lado da jurisprudência. O texto legal, no CPC/2015, torna-se fonte formal primária da
reclamação, tão importante quanto à jurisprudência. O CPC/2015 traz previsões sobre
procedimento, hipóteses de cabimento e inadmissão, partes, causa de pedir, legitimidades
ativa e passiva, intervenção do Ministério Público, prova, tutela provisória, conteúdo da
decisão etc.
O curioso é o movimento reverso da reclamação. Enquanto para os demais
institutos, a fonte primária era a lei e a jurisprudência era fonte secundária, o movimento foi
no sentido da jurisprudência também se tornar fonte primária, por conta do sistema de
91 Ressalvam-se os prazos previstos no CPPM, que são atinentes as peculiaridades do processo penal militar,
todos os demais dispositivos sobre reclamação foram revogados pelo CPC/2015, pois cuidam da mesma matéria. 92 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes, cit., p. 344.
36
precedentes vinculantes do CPC/2015. Já em relação à reclamação, ocorreu o caminho
inverso. A fonte primária era a jurisprudência e, por sua vez, a lei que se elevou à fonte
primária.
O CPC/2015, portanto, é um marco da superação do problema de fonte da
reclamação. Do surgimento, sem previsão legal, escassa doutrina e poucos precedentes, até o
CPC/2015, que trata com mais detalhes a reclamação, acompanhada de desenvolvimento da
doutrina e da jurisprudência.
1.5. Razões para o estudo dogmático das hipóteses de cabimento reclamação constitucional
A dogmática jurídica contribui para adensar o conhecimento sobre o instituto
estudado. Situa a reclamação na Ciência Jurídica e dentro do Direito Processual Civil. A
reclamação submete-se às três tarefas do método dogmático. Partindo das fontes formais, são
analisados e elaborados os conceitos jurídicos do instituto. Tais enunciados conceituais são
reconduzidos para uma análise sistemática com o resto do ordenamento jurídico. Ao fim, os
conceitos elaborados são servíveis para fundamentar casos jurídicos.
Sob a perspectiva desta pesquisa, a grande importância da dogmática jurídica
consiste em dirigir-se, sempre, à resolução de casos jurídicos e permitir aferir a consistência
das decisões jurídicas, mediante a análise da fundamentação e sua compatibilidade com os
enunciados dogmáticos sistematizados. E, ao estudar dogmaticamente a reclamação,
permitem-se decisões a ela relativas mais consistentes, pois fundadas em enunciados
sistematizados pela dogmática.
Estudar dogmaticamente as hipóteses de cabimento reclamação significa,
portanto, tratá-las como institutos do Direito Processual Civil e elaborar os seus enunciados
dogmáticos e sua relação com os demais institutos. É explicar, a partir da ciência do Direito,
qual o seu conceito e sua relação do com os demais institutos. É analisar as fontes formais da
reclamação e elaborar os enunciados dogmáticos, ou seja, é conceber a doutrina e alargar a
fonte material da reclamação.
Enfim, estudar dogmaticamente as hipóteses de cabimento da reclamação
consiste, basicamente, em conceituá-la e descrevê-la, à luz do Direito Processual Civil. Tudo
sob o método próprio da dogmática, garantindo a possibilidade de aferir a consistência das
decisões que resolvam casos jurídicos às hipóteses de cabimento da reclamação relacionados,
aumentando a segurança jurídica do instituto.
37
1.5.1. A previsão da reclamação no CPC/2015: necessidade de redução das incertezas
As fontes formais são os pontos de partida inegáveis da atividade dogmática. São
o objeto de estudo dogmático da doutrina. As fontes formais (linguagem prescritiva) são o
objeto da formação da dos enunciados dogmáticos (linguagem descritiva). A atividade
dogmática se inicia com o estudo das fontes formais, ou seja, são seus pontos de partida
inquestionáveis93.
Como dito, o CPC/2015 normatiza, amplamente, a reclamação Constitucional.
São mais de vinte e duas disposições, dentre artigos, parágrafos e incisos, que tratam da
reclamação no CPC/2015 (CPC/2015, arts. 988 a 993; art. 937, VI; art. 985, §1º). Traz, em
seu regramento, uma consolidação e novas hipóteses de cabimento da reclamação
constitucional.
O aumento da regulação, mediante texto de lei, pode trazer para os profissionais
do Direito a ilusão de que as incertezas sobre o instituto são diminuídas. Não é verdade.
Cuida-se de erro, fruto da confusão entre texto legal e norma. A maior quantidade de
dispositivos apenas aumenta as incertezas94. O alargamento das fontes formais amplia as
inúmeras possibilidades interpretativas possíveis. As incertezas são ainda maiores com mais
disposições legais tratando da reclamação.
Aqui reside outra razão para o estudo dogmático da reclamação. A maior
quantidade de disposições normativas demanda um estudo dogmático. A dogmática é capaz
de controlar as incertezas.95 Quanto maior a quantidade de dispositivos legais (ou seja, de
fontes formais ou de significantes normativos), maiores as incertezas, pois são ainda maiores
93 João Maurício Adeodato coloca a norma jurídica sob três perspectivas. Norma como ideia ou significado.
Norma como expressão jurídica dotada de validade ou significante. E norma jurídica como decisão dotada de
efetividade. No segundo sentido – norma jurídica como significante – a norma é expressa por símbolos, que são
palavras, gestos, mímicas, entonações, ações, objetos etc. Porém, a norma jurídica deve ser expressa por
símbolos (ou significantes) válidos, ou seja, os significantes que o ordenamento jurídico permita exprimir
normas jurídicas. Dessa forma, a norma jurídica como significante se confunde com as fontes formais. Os
símbolos ou significantes capazes de exprimir normas jurídicas válidas são as fontes formais. Em última análise,
as fontes formais (ou normas jurídicas como significantes) são os pontos de partidas inquestionáveis da
dogmática jurídica. (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo,
cit., p. 201-233). 94 A linguagem é incerta. A incerteza do Direito é consequência de ser linguagem. Os símbolos da linguagem são
vagos e ambíguos. Quanto mais a quantidade de texto, mais incerteza surge, pois se tornam ainda maiores as
possibilidades de interpretação desses textos, que são símbolos ambíguos e vagos. Como explica Gadamer,
“todo texto escrito é por excelência objeto da hermenêutica” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método:
traço fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 15ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015,
v. 1., p. 510). 95 Sobre a função de controle da dogmática jurídica, vide item 1.2.3.1.
38
as possibilidades interpretativas. A dogmática jurídica contribui exatamente com a sua função
de controle. É apta a tornar controláveis as incertezas. Não reduz a zero as incertezas – não
transforma em certeza – porém afere a consistência das decisões, já que controla o exercício
hermenêutico sobre as fontes formais regentes do instituto.
Os novos dispositivos sobre reclamação trazem incertezas jurídicas, o que não é
percebido prima facie pelo profissional do Direito. Cabe à dogmática processual civil
“mostrar que o problema envolve incertezas ainda maiores que rompem o sentido estreito do
dogma que deverá, então, prever o que não previu, dizer o que não disse, regular o que não
regulou”.96
As incertezas, fruto da reclamação, são profundas. Não apenas porque
aumentaram as regras regulando o instituto, mas também porque foram criadas novas
hipóteses de cabimento, sobre as quais pairam dúvidas. Ao ser publicada nova lei, não se
sabe, a princípio, quais são as melhores soluções para as incertezas argumentativas sobre as
novas hipóteses de cabimento. Sabe-se que são inúmeras as possibilidades de soluções, em
virtude das inúmeras possibilidades argumentativas. O papel da dogmática é controlar e
reduzir as possibilidades argumentativas sobre a reclamação constitucional.
1.5.1.1. Ambiguidade e vagueza das hipóteses de cabimento: conceitos jurídicos
indeterminados
As hipóteses de cabimento da reclamação constituem conceitos jurídicos
indeterminados. Possuem um certo grau de vagueza e ambiguidade, com abertura semântica,
cujo preenchimento demanda a divisão de trabalho entre Doutrina e Jurisprudência. Os
enunciados contidos nas hipóteses de cabimento do art. 988, do CPC/2015, são locuções
dotadas de grau de vagueza. São conceitos jurídicos indeterminados97, o que dificulta dizer –
a priori – todas as situações que ocorrerão in concretum.98
96 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 95. 97 Por conceito indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e extensão são em alguma medida
incertos. Os conceitos absolutamente determinados são muito raros no Direito. Em todo o caso devemos
considerar como tais os conceitos numéricos (especialmente em combinação com os conceitos de medida e os
valores monetários: 50 Km, prazo de 24 horas, 100 marcos). Os conceitos jurídicos são predominantemente
indeterminados, pelo menos em parte. É o que logo vale afirmar, por exemplo, a respeito daqueles conceitos
naturalísticos que são recebidos pelo Direito, como os de <<escuridão>>, <<paz nocturna>>, <<ruído>>,
<<perigo>>, <<coisa>>. E com mais razão se pode dizer o mesmo dos conceitos pròpriamente jurídicos, como
os de <<assassinato>> [<<homicídio qualificado>>], <<crime>>, <<acto administrativo>>, <<negócio
39
Os conceitos jurídicos indeterminados são aqueles, contidos em disposições
normativas, que possuem grau de ambiguidade e vagueza, ou seja, de abertura semântica.99
Na verdade, conceitos absolutamente determinados são muito difíceis no Direito. Os
conceitos jurídicos são predominantemente indeterminados. Com efeito, a indeterminação é
medida em grau; um conceito é mais ou menos ambíguo e vago.100 É preciso, pois, preencher
seu significado, de modo a facilitar a antevisão de quais fatos são alcançados pelo conceito
jurídico. O objetivo da interpretação dogmática, no caso, é preencher o significado do
conceito,101 reduzindo sobremaneira a ambiguidade e a vagueza. Cuida-se de um exame
casuístico, que conta com o trabalho conjunto na Doutrina e da Jurisprudência, cujo intuito é
facilitar a identificação de quais fatos se subsomem aos conceitos jurídicos indeterminados.
No caso da reclamação, as locuções contidas nas hipóteses de cabimentos são
conceitos jurídicos indeterminados, com algum grau de vagueza e ambiguidade. Os
significados de “preservar competência”, “garantir autoridade de decisões” e “garantir
observância” de precedente possuem certa vagueza. Há, nessas locuções, certa medida de
fluidez semântica. Não é possível antever todas as situações concretas que nelas se
jurídico>> etc. (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 5ª ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 1964. p. 173). 98 Conceito jurídico indeterminado não se confunde com cláusula geral. Ambos são partes de textos normativos,
com ampla abertura semântica, contudo a fluidez e indeterminação da cláusula geral é mais ampla: “Cláusula
geral é uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto por termos vagos e o
conseqüente (efeito jurídico) é indeterminado. Há, portanto, uma indeterminação legislativa em ambos os
extremos da estrutura lógica normativa” (DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista
Internacional de Estudios de Derecho Procesal y Arbitraje. Vol. 2, set.-2010). Ainda sobre cláusulas gerais:
MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um ‘sistema em construção’. As cláusulas gerais no projeto
do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado, vol. 139, jul./set.-1998. 99 Como amplamente exposto no item 1.2.3.1., a linguagem jurídica exatamente por se expressar mediante
símbolos não é unívoca. É, com efeito, ambígua e vaga. As fontes normativas, sejam o costume, as leis, os
precedentes são todas símbolos com plurivocidade de significados. As normas exprimem-se em dados
linguísticos plurívocos, ou seja, com a ambiguidade e vagueza. De cada fonte normativa é possível extrair mais
de uma norma e diversos fatos que lhe sujeitam. A ambiguidade relaciona-se à identificação da norma que se
extrai do texto normativo, ao passo que a vagueza consiste em identificar os fatos que devem ser solucionados
pela mesma norma extraída do texto; primeiro, identifica-se a norma, reduzindo a ambuiguidade e, depois,
identifica-se os fatos que se submetem à norma, reduzindo a vagueza. Ambas, de qualquer modo, referem-se ao
significado no enunciado normativo. (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do
direito subjetivo. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2014. p. 202; NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. Princípio e
regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 6/7). 100 “Em primeiro lugar, toda disposição é (mais ou menos) vaga e ambígua, de um tal modo que tolera diversas
e conflitantes atribuições de significado. Neste sentido, a uma única disposição – a cada disposição –
corresponde não apenas uma só norma, mas uma multiplicidade de normas dissociadas. Uma única disposição
exprime mais normas dissociadamente: uma ou outra norma, de acordo com as diversas interpretações
possíveis.” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.
34). 101 BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes,
2007. p. 19-20.
40
enquadram. Com efeito, saber se um fato concreto se caracteriza como alguma das hipóteses
de cabimento da reclamação é uma atividade casuística do intérprete.102
Claro que certas situações configuram, com mais facilidade, algumas das
hipóteses de cabimento. Outras, porém, estão numa zona mais cinzenta, restando difícil
afirmar a priori se caracterizam, ou não, alguma das hipóteses de cabimento.103 Inclusive,
diante da complexidade social, é impossível antever todas as situações relacionadas às
hipóteses de cabimento da reclamação. A cada dia pode surgir um fato, não antes imaginado,
que venha a se enquadrar em algum dos incisos do art. 988. Daí por que se afirma que as
hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos jurídicos indeterminados, pois não se
consegue antever todos os fatos que por elas são alcançadas.
Em suma, afirmar que as hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos
jurídicos indeterminados significa, ao cabo, dizer que não é possível antever todos os fatos
que nelas se enquadram. Quais são os atos que configuram usurpação de competência? E
afronta à autoridade de decisão? E inobservância de precedente? Não se sabe todos
aprioristicamente. A indeterminação – abertura semântica – reside exatamente em não antever
quais fatos estão compreendidos nas hipóteses de cabimento da reclamação. Alguns fatos são
previstos com facilidade, outros pairam dúvidas se caracterizam algum dos fundamentos da
reclamação, outros não são sequer imaginados até que aconteçam.104
A diminuição do grau de ambiguidade e vagueza pressupõe um estudo dogmático
das hipóteses de cabimento, buscando conceituá-las, sistematicamente, junto aos demais
institutos e enunciados normativos do Direito Processual Civil e outros ramos do Direito. É
possível, mediante o método dogmático, conferir significado às hipóteses de cabimento da
reclamação, preenchendo semanticamente as expressões “preservar competência”, “garantir
autoridade de decisões” e “garantir observância” de precedente.105
102 “A normatização da reclamação é muito econômica. A doutrina, escassa, como se sabe. Então, muito fica a
cargo da jurisprudência, ao sabor dos casos concretos – o que não deixa de ser bom para vivificação do
instituto.” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 484). 103 Podemos distinguir nos conceitos jurídicos indeterminados um núcleo conceitual e um halo conceitual.
Sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da extensão dum conceito, estamos no domínio do núcleo
conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo conceitual.” (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento
jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1964. p. 173). 104 “Ora, pode não parecer, mas não é tão simples dizer em que casos há, realmente, usurpação de competência
e/ou desacato a uma decisão ou súmula vinculante, a legitimar o cabimento da reclamatória. Muitas vezes não
se sabe, havendo mais de uma medida ou remédio existente, qual seria o meio adequado para o caso, se a
reclamatória ou se outra medida, para se atingir o fim pretendido. O cabimento da reclamatória, como adiante
se verá, encontra limites bastante tênues, porém restritos, sendo um trabalho bastante árduo para o julgador
defini-los.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit.,
p. 176). 105 Um detalhe é capaz de demonstrar a importância do estudo dogmático e sua relação com a fluidez dos
conceitos contidos nas hipóteses de cabimento da reclamação. O termo “preservar competência” está atrelado
41
Assim, o que se busca na presente pesquisa é realizar uma breve incursão
dogmática nas hipóteses de cabimento da reclamação, de modo a contribuir no preenchimento
do significado das locuções indeterminadas nelas contidas: “preservar competência”,
“garantir autoridade de decisões” e “garantir observância” de precedente.
1.5.2. A função de controle da dogmática jurídica em relação à reclamação
Os tribunais, ao tratarem das hipóteses de cabimento da reclamação, poderão, e
deverão, utilizar os enunciados conceituais elaborados pela dogmática. Claro que o papel dos
tribunais é criador. Não se trata de mera aplicação da lei. Os tribunais criam normas. Os
precedentes106 e as normas jurídicas individuais e concretas proferidas nas demandas judiciais
são novas normas. Porém, para chegar até elas, o tribunal deve partir de enunciados
conceituais dogmáticos, principalmente diante das novas situações que surgirão com as
previsões sobre reclamação contidas no CPC/2015.
A importância do estudo dogmático da reclamação, ao cabo, reside em aumentar a
segurança jurídica do instituto e diminuir as incertezas decorrentes do Direito e sua
linguagem. É a função de controle da dogmática107, cujo resultado é o aumento da densidade
da segurança jurídica. A função de controle torna as hipóteses de cabimento da reclamação,
em maior grau, cognoscíveis e calculáveis, ou seja, atende a duas das finalidades da segurança
jurídica. É preciso adensar a segurança jurídica da reclamação constitucional.
A função de controle resulta em aferir a consistência das decisões sobre
reclamação108. Permite controlar se há compatibilidade entre os motivos da decisão do caso e
os enunciados dogmáticos sobre reclamação. Com a adoção do método dogmático,
sistematizando os enunciados conceituais em torno das hipóteses de cabimento da
reclamação, conhecem-se mais facilmente os conteúdos normativos possíveis dos dispositivos
ao conceito dogmático de competência. Caso este seja alterado, modificar-se-á por consequência os casos em
que cabem reclamação por usurpação de competência. 106 O termo precedente aqui foi utilizado em metonímia. Precedente é o texto, a norma é a ratio decidendi dele
extraída. Pode também, aqui, ser visto como norma na acepção de significante, como explanado no item 1.2.3. 107 Sobre a função de controle da dogmática e sua correlação com a segurança jurídica, ver item 1.2.3.1. 108 A aplicação do Direito é duplamente contingente. Inicialmente, não se sabe o significado de um determinado
texto legal (contingência primária decorrente da ambiguidade). Também se desconhece que fatos juridicamente
relevantes se subsomem na norma extraída do texto legal (contingência secundária decorrente da vagueza). As
decisões dos casos jurídicos são incertas. Inúmeras interpretações são possíveis, diante da ambiguidade e
vagueza do texto legal, portanto se fala em incerteza do Direito. Dada interpretação será tida por válida, se
comprovar-se a compatibilidade lógica com os demais enunciados dogmáticos. A função de controle da
dogmática jurídica consiste em tornar controláveis as contingências e incertezas da aplicação da norma jurídica.
O método dogmático permite comprovar se a interpretação dada ao texto normativo é compatível com os demais
enunciados igualmente dogmáticos. Controlar é, pois, aferir a consistência das decisões jurídicas.
42
do CPC/2015 que tratam da reclamação, ou de práticas argumentativas que os reconstruam
(cognoscibilidade). Igualmente, anteveem-se quais atos e fatos – relativos às hipóteses de
cabimento da reclamação – serão considerados como juridicamente relevantes e seus
respectivos efeitos jurídicos (calculabilidade)109.
1.5.2.1. A necessidade de segurança jurídica em relação à reclamação: uma
questão de metassegurança jurídica
A função de controle da dogmática jurídica também é importante para o estudo
das hipóteses de cabimento da reclamação, pois atende a dois objetos da segurança jurídica.
Mais precisamente, a função de controle da dogmática atende: (a) à segurança na aplicação
das normas jurídicas atinentes às hipóteses de cabimento da reclamação; e, (b) à segurança da
doutrina sobre as hipóteses de cabimento da reclamação.
Percebe-se, enfim, que as razões para o estudo dogmático sobre reclamação se
resumem a uma questão de segurança jurídica da própria reclamação, sob algumas
perspectivas. Segurança na aplicação das normas jurídicas atinentes à reclamação. Segurança
na interpretação das fontes formais da reclamação. Segurança nas decisões de casos jurídicos
relativos à reclamação. Segurança da doutrina sobre reclamação. Segurança jurídica da
reclamação.
A segurança jurídica da reclamação é, na verdade, questão de metassegurança
jurídica. Segurança jurídica de segundo nível. Segurança da segurança jurídica. É que a
reclamação é instrumento judicial adequado para manter a segurança jurídica do Direito, em
certas perspectivas que serão oportunamente abordadas. Logo, afirmar que é necessário
manter a segurança jurídica da reclamação constitucional implica falar de metassegurança
jurídica. Deve-se manter seguro o instrumento que garante a segurança jurídica.
109 A segurança jurídica está relacionada à possibilidade de controlar as decisões jurídicas, o que o método
dogmático permite, já que serve para aferir a consistência das decisões. “La presunta abnormità di questo
risultato è all’origine della proposta di considerare la prevedibilità non come sinonimo, ma come semplice
sintomo di certezza: la prevedibilità delle conseguenze giuridiche delle proprie azioni – si afferma – deve essere
considerata condizione forse necessaria, ma in ogni caso non sufficiente, di certezza: affinché possa
propriamente parlarsi di “certezza del diritto” è necessario affiancare alla prevedibilità delle conseguenze
giuridiche dell’azione l’ulteriore condizione della controllabilità delle decisioni giuridiche, definita come la
«possibilità di valutare preventivamente, o anche in un momento successivo, la conformità delle scelte
particolari ad un criterio generale precostituito». Gli autori che avallano questa scelta definitoria affermano
che «si ha tanta più certezza quanto più le vie della previsione tendono a coincidere con le vie della
giustificazione». Quando il diritto è molto certo, insomma, possiamo ottenere il quadro delle scelte degli organi
giuridici che, talvolta in alternativa tra loro, sono giustificabili in un momento dato” (GOMETZ, Gianmarco.
La certezza giuridica como prevedibilità. Torino: Giappichelli, 2005. p. 246-247).
43
A reclamação constitucional como instrumento judicial para adensar a segurança
jurídica do Direito é segurança de primeiro nível. Buscar a segurança jurídica acerca da
reclamação constitucional é segurança de segundo nível.
Dos autores que dissertam sobre reclamação constitucional, diversos indicam que
se trata de um instrumento útil para manutenção da segurança jurídica. É que a reclamação é
atualmente cabível para (CPC/2015, art. 988): (i) preservar competência dos tribunais; (ii)
garantir a autoridade das decisões dos tribunais; (iii) garantir a observância de súmula
vinculante e decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade; e, (iv) garantir a
observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de
assunção de competência. Todas as hipóteses de cabimento, que serão dissecadas com mais
profundidade adiante, estão intrínseca e mediatamente ligadas à ideia de segurança jurídica,
principalmente as últimas duas.
A primeira relaciona-se com o princípio do juiz natural, cujo um dos fundamentos
é a segurança jurídica. A segunda trata da eficácia das decisões judiciais, com ênfase nas que
formaram coisa julgada material. As duas últimas são hipóteses de cabimento da reclamação
como meio de controle de aplicação ou não observância de precedentes judiciais ditos
obrigatórios, cujos fundamentos para a obrigatoriedade são a igualdade e a segurança jurídica.
Assim, a reclamação constitucional – em todas as hipóteses de cabimento – serve
mediatamente para adensar a segurança do Direito.
São vários os autores, em pesquisas específicas sobre o tema, que explicam a
relação entre a reclamação constitucional e a segurança jurídica110, principalmente na sua
função de controlar a aplicação ou não observância do precedente judicial.111
110 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 103-
104. MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes, segurança jurídica e os
juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 131. CAMBI, Eduardo; MINGATI, Vinícius Secafen.
Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança jurídica. Revista de Processo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011. TAKOI, Sérgio Massaru. Reclamação Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 194. STRATZ, Murilo. Reclamação na jurisdição constitucional. Santa Cruz do Sul:
Essere nel mondo, 2015, p. 170. 111 “De modo que o cabimento da Reclamação, nessa perspectiva, passa a guardar relação com a autoridade
das decisões da Corte enquanto precedentes constitucionais, que não podem ser desrespeitados em qualquer
caso. Os precedentes definem o sentido do direito federal infraconstitucional, com como os precedentes
constitucionais são precedentes de uma Corte Suprema. São precedentes que desenham o direito que devem
orientar a sociedade e governar as decisões judiciais. Assim, a tutela da autoridade desses precedentes é
imprescindível para se garantir a coerência do direito, a igualdade e a segurança jurídica.” (MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 242).
44
As hipóteses de cabimento da reclamação são pontos que contribuem para
segurança do Direito em sua inteireza.
Saber, a priori, por qual tribunal será julgado, bem como conhecer que existe um
instrumento preservador da competência previamente fixada, adensa a segurança jurídica,
afastando o temor dum tribunal de exceção.
Saber que, após o julgamento, a decisão será eficaz e, caso desrespeitada, há um
instrumento para impô-la aos que lhe submetem, também aumenta a segurança jurídica.
Igualmente, saber que os tribunais o tratarão igual aos demais jurisdicionados e,
ainda, que há um instrumento para garantir o julgamento isonômico, também contribui para a
segurança jurídica.
Esse instrumento é a reclamação constitucional. Preserva a competência dos
tribunais, garante a autoridade das decisões, bem como a observância, ou não aplicação, dos
precedentes ditos obrigatórios.
A reclamação constitucional é, portanto, meio mediato útil para adensar a
segurança do Direito. Mediante suas hipóteses de caimento, protege o princípio do juiz natural
e as competências dos tribunais, garante a autoridade e eficácia das decisões dos tribunais e
controla a aplicação dos precedentes judiciais. Suas funções adensam remotamente a
segurança jurídica. Dessa forma, ao falar da necessidade de segurança jurídica da reclamação
constitucional implica uma questão de metassegurança jurídica, pois está tratando da
segurança acerca de instituto, cuja finalidade é a segurança do sistema como um todo.
Mantém-se seguro o instituto que traz segurança para o ordenamento.
45
2. Genética da reclamação constitucional
2.1. A classificação histórica tradicional112
A reclamação constitucional é fruto de construção pretoriana. Surgiu no seio do
STF, sem previsão em texto legal. Sua gênese remonta a precedentes judiciais do STF,
baseado na teoria dos poderes implícitos (implied powers). Também é instituto jurídico
genuinamente brasileiro; não se conhecem institutos análogos no direito comparado113.
José da Silva Pacheco dividiu – para fins didáticos – o surgimento e a evolução da
reclamação em quatro fases. É uma classificação já tradicional, que embasou inclusive a
pesquisa histórica de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas. A primeira fase proposta por José da
Silva Pacheco vai desde a criação do instituto pelo STF até o ano de 1957. A segunda inicia-
se em 1957, com a inserção da medida no Regimento Interno do STF, até 1967. O marco
inicial da terceira fase é a CF/1967, cujo permissivo contido no art. 115, parágrafo único,
alínea “c”, autorizava o Regimento Interno do STF a estabelecer o processo e o julgamento
dos feitos de sua competência originária ou de recurso, terminando em 1988. A última fase
descrita começa com a CF/1988, cujos arts. 102, I, l, e 105, I, f, preveem expressamente a
reclamação no texto constitucional.114
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, a seu turno, divide o surgimento da reclamação
em cinco fases115. Basicamente, a terceira fase da divisão proposta por José da Silva Pacheco
é subdividida em duas. A terceira fase, desta divisão, inicia em 1967, com o advento da
CF/1967 até 1977, quando começa a quarta fase, com o advento da Emenda Constitucional
7/1977. A quarta fase é marcada pela avocatória116, que poderia ter esvaziado a reclamação,
112 A reclamação é um instituto relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, porém é possível já
dividi-lo em fases, principalmente tendo em vista seu desenvolvimento recente. Como diz Edilson Pereira Nobre
Júnior: “Apesar de faltar à reclamação a nota de ancianidade, pois o seu surgimento nestas plagas recua ao
início da centúria pretérita, é possível descortinar-se algumas fases em seu desenvolvimento até os dias atuais
(NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça. COSTA, Eduardo José da Fonseca;
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 111). 113 Marcelo Ribeiro Navarro Dantas realizou ampla pesquisa nos ordenamentos jurídicos americano, alemão,
austríaco, espanhol, francês, italiano, português e comunitário europeu, e concluiu pela inexistência de instituto
símile à Reclamação Constitucional brasileira (DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação
Constitucional no direito comparado. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa
(orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 335-369). 114 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos
Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989. 115 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2000. p. 45-266. Registra-se aqui, a profundidade da pesquisa do autor. 116 A avocatória consistia na possibilidade do STF deferir pedido do Procurador-Geral da República para avocar
àquela Corte causas processadas perante quaisquer juízos ou tribunais, quando houvesse imediato perigo de
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, nos termos do art. 119, I, alínea “o” da
CF/1967.
46
porém não o fez, ao reverso fortaleceu o instituto e o firmou no ordenamento jurídico, tanto
que foi – após o fim do regime militar – alçada a nível constitucional. Resumidamente, são
cinco as fases da divisão de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas: (a) fase de formulação; (b) fase
de discussão; (c) fase de consolidação; (d) fase definição; e, (e) fase de plenificação
constitucional.117
Já Leonardo Lins Morato adota a divisão proposta por Marcelo Navarro Ribeiro
Dantas, porém adiciona ainda mais uma fase, perfazendo o total de seis. A sexta fase histórica
descrita por Leonardo Lins Morato possui como marco inicial a promulgação da Emenda
Constitucional 45/2004, que coloca a reclamação como meio de controle da aplicação ou não
observância de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3ª).118 A Emenda Constitucional
45/2004 foi um marco histórico importante, por potencializar o uso da reclamação a cada
edição de mais uma súmula vinculante.
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, em tese destinada à obtenção de grau de Doutor,
realizou proveitosa pesquisa sobre a origem da reclamação constitucional. Contudo, o livro
“Reclamação Constitucional no Direito brasileiro” foi publicado no ano de 2000. De lá para
cá, as feições do instituto se alteraram bastante119. Primeiro, em virtude da Emenda
Constitucional 45/2004, que previu a hipótese de reclamação para controle de aplicação ou
não observância de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3). Segundo, por conta do
cabimento para impugnar decisão de juizado especial cível que violar entendimento do STJ.
Terceiro, em razão do CPC/2015 (arts. 988 a 993). Duas alterações legislativas e
entendimento jurisprudencial que modificaram a reclamação e potencializaram a sua
propositura nos tribunais.
A exposição histórica sobre a reclamação ainda é importante exatamente para
compreender a sua atual função, e respectivas hipóteses de cabimento, no sistema jurídico
positivo brasileiro. Qualquer trabalho que discorra sobre reclamação constitucional, para fazê-
la clara, deve ter uma referência mínima ao surgimento do instituto, pois é sua origem
117 “Seriam, então, ao todo, cinco [fases], e não somente quatro, assim: a1) dos primórdios do STF até 1957,
quando foi introduzida a reclamação em seu regimento interno – que se chamará de fase formulação do
instituto; a2) a partir da incorporação da medida ao RISTF até a promulgação da CF/67 – que, na história da
medida, será tida como sua fase de discussão; a3) do advento da CF/67, passando pela EC 1/69, até a edição da
EC 7/77 – que se vai denominar fase de consolidação; a4) desde as modificações trazidas pela EC 7/77 ao final
do regime constitucional imediatamente pretérito – a fase de definição do instituto; a5) da CF 88 até o presente
– em que se tem a fase de plenificação constitucional da reclamação” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.
Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 46-47). 118 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 36. 119 O ano de elaboração deste texto é 2015.
47
pretoriana sui generis, alicerçada em decisões do STF, que consegue justificar e explicar
diversas nuances dogmáticas, principalmente suas hipóteses de cabimento.
Compreender a reclamação pressupõe conhecer sua origem jurisprudencial.
Muito embora as três classificações acima sejam úteis para fins didáticos, propõe-
se uma nova classificação das fases históricas da reclamação. É que, com as hipóteses de
cabimento previstas em legislação infraconstitucional, sobretudo a ampliação da competência
para todos os tribunais brasileiros (CPC/2015, art. 988), a reclamação entra em uma nova
fase, talvez a mais importante do instituto. O CPC/2015 é um relevante marco histórico, que
inicia a fase codificada da reclamação.
É com o intuito meramente didático, que se propõe o rearranjo da divisão histórica
da reclamação constitucional em apenas três fases: (i) fase pré-constitucional; (ii) fase
constitucional; e, (iii) fase codificada. A primeira fase vai desde a apreciação pelo STF das
primeiras reclamações até a promulgação da CF/1988. A segunda fase possui como marco
inicial a alçada do instituto a nível constitucional (CF/1988, arts. 102, I, l, e 105, I, f), até
2016. A última fase começa com a vigência do CPC/2015, que regulamenta, no texto
codificado, o procedimento, hipóteses de cabimento e competência de todo tribunal para
apreciar reclamações.
Não se quer apagar os marcos históricos propostos por José da Silva Pacheco,
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Leonardo Lins Morato. Apenas apresenta-se um rearranjo,
didaticamente distinto, na forma de expor a origem pretoriana da reclamação e suas
transformações ao longo dos anos. Para a exposição histórica, em virtude da qualidade e
verticalização, utiliza-se como marco teórico a pesquisa “Reclamação Constitucional no
Direito brasileiro”, de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.
2.2. Nova proposta de classificação histórica: evolução da reclamação constitucional
2.2.1. Fase pré-constitucional120
A primeira fase da nova classificação proposta vai do surgimento da Reclamação
até sua previsão expressa no texto da CF/1988 (arts. 102, I, l, e 105, I, f). Cuida do lapso
temporal, em que a reclamação não possuía permissivo expresso no texto constitucional.
Trata-se do tempo quando ocorreu sua gênese propriamente dita. Ela surge, ganha contornos,
120 Esse momento histórico da reclamação é mui bem sintetizado por Lúcio Delfino: DELFINO, Lúcio. Aspectos
históricos da reclamação. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs).
Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 295-303.
48
define-se e se consolida. Destaca-se nesse período a formulação, no seio do STF, da
reclamação, ou seja, as primeiras reclamações que concederam as feições iniciais do instituto,
a despeito de previsão em texto legal. Igualmente, destaca-se o Regimento Interno do STF,
que previu expressamente a reclamação para preservar a autoridade das decisões do STF e
preservar sua competência. Também é dado relevante a CF/1967, cujo art. 115, parágrafo
único, alínea c, autorizava o Regimento Interno do STF a estabelecer o processo e o
julgamento dos processos de sua competência originária ou de recurso, o que lhe deu forte
respaldo e pôs fim a discussões sobre a necessidade de previsão legal para o seu cabimento.
2.2.1.1. Surgimento da Reclamação
A reclamação – como medida útil para preservar a competência de tribunal e
garantir autoridade de seus julgados – surge no seio do STF.
Em meados da década de 1940, o STF começa a apreciar reclamações. Não havia
texto legal ou constitucional prevendo as hipóteses de cabimento de reclamação perante o
STF. Foi construída jurisprudencialmente, com base na teoria dos poderes implícitos. Possuía
contornos teóricos bastante tênues. Pouco a pouco, a cada julgamento proferido pelo STF, a
reclamação constitucional vai ganhando contornos mais densos, mediante o papel dos
precedentes como fonte formal primária da reclamação.
Nas primeiras reclamações, existia uma clara confusão, realizada tanto pelas
partes quanto pelos ministros, com a reclamação correicional ou, simplesmente, a correição
parcial. Por vezes, a medida apresentava características da reclamação correicional (ou
correição parcial), outras vezes já se mostrava com feições da reclamação constitucional como
hoje se conhece, isto é, o instrumento adequado para preservar competência de tribunal e
garantir autoridade de seus julgados (CF/88, arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”).
A reclamação correicional, ou correição parcial, é medida de caráter
administrativo-disciplinar cabível quando o juiz praticar atos que importem na inversão
tumultuária dos atos processuais, em grave prejuízo para o processo121. Como será visto
oportunamente no item 2.5.1.1, a reclamação constitucional e a correição parcial não se
confundem. Porém, cabe afirmar que – na época em que surge a reclamação constitucional no
121 SANTOS, Aloysio. A correição parcial: Reclamação ou recurso acessório? 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002. p.
41.
49
STF – a correição parcial era bastante problemática, existia dúvida quanto à sua
constitucionalidade e à sua natureza jurídica, se era recurso ou medida disciplinar122.
A confusão entre a reclamação constitucional e a reclamação correicional não era
decorrência de ignorância das partes ou dos ministros. Na verdade, tal confusão dava-se
porque ambas eram ainda problemáticas e confusas na dogmática jurídica. Existia embaraço
entre as medidas. O fato é que a reclamação constitucional, gradualmente, mediante
construção jurisprudencial, desprendeu-se da reclamação correicional e tornou-se a medida
que hoje se conhece.
A gênese do instituto não foi instantânea, tampouco ocorreu sem divergências.
Ocorreu gradativamente. Cada reclamação julgada, bem como as discussões travadas entre os
ministros, contribuiu para construção da reclamação contemporânea123. Existiu resistência em
aceitar uma medida – sem fundamento em texto legal ou constitucional – para preservar
competência do tribunal e garantir a autoridade de seus julgados. O acertado fundamento
dogmático encontrado foi a “teoria dos poderes implícitos”, difundida pela Suprema Corte
norte-americana: de nada adiantaria conceder ao STF o poder para exercer suas competências
explícitas, se também não lhe fosse dado o poder de preservar as competências explícitas e
impor as suas decisões aos demais juízos e tribunais.
Conforme lição de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, a Reclamação nº 141-SP foi
o julgamento mais marcante para a gênese da reclamação constitucional, principalmente por
conta dos votos dos Ministros Rocha Lagoa e Orosimbo Nonato124. Na fundamentação é
possível extrair a ratio decidendi, como norma jurídica geral e abstrata, que prevê a
reclamação constitucional no ordenamento jurídico brasileiro. Nela restou consignado, de
maneira contundente, o fundamento da gênese da reclamação constitucional.
A competência não expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construção
constitucional. – Vão seria o poder outorgado ao Supremo Tribunal Federal de julgar em
recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fora possível
122 Sobre a polêmica da Correição Parcial, vide: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. São
Paulo: Bushatsky, 1969. 123 É possível indicar as seguintes Reclamações que contribuíram, significativamente, para a gênese do instituto:
Rcl 84, DJ 23.7.46, p. 1.358; Rcl 90, DJ 19.4.48, p. 1.340; Rcl 127; Rcl. 141-SP; Rcl. 155; Rcl. 169, DJ 21.5.53;
Rcl. 174-DF; Rcl. 184; Rcl. 202. (As indicações foram retiradas de: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.
Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 45-264). 124 A Reclamação nº 141-SP foi conhecida por maioria. No julgamento, houve três votos contrários ao cabimento
da medida para preservar competência do STF e garantir autoridade dos julgados. Votos contrários são
excelentes para melhor construção do instituto. Além do caráter democrático, demonstra que houve entraves,
debates e amadurecimento das teses levantadas. As discussões dialéticas apenas enriquecem o julgamento.
Votaram contra os ministros Abner de Vasconcellos, Hahnemann Guimarães e Edgard Costa. Votaram pelo
conhecimento os ministros Rocha Lagoa, Nelson Hungria, Lafayette de Almeida, Orozimbo Nonato. Os
ministros Mário Guimarães e Luiz Gallotti eram impedidos.
50
fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justiças locais.
A criação dum remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel de suas sentenças está
na vocação do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus
poderes. – Necessária e legítima é assim a admissão de Reclamação, como o Supremo tem
feito. – É de ser julgada procedente a Reclamação quando a justiça local deixa de atender à
decisão do Supremo Tribunal Federal125.
O Ministro Rocha Lagoa, em seu voto, foi incisivo ao afirmar que a competência
não precisa estar expressa no texto constitucional, podendo ser fruto de construção
jurisprudencial, principalmente para fazer impor a observância às competências explícitas.126
Outro valioso voto, cujos fundamentos compõem as razões de decidir do
precedente, foi o do Ministro Orozimbo Nonato:
Em outros tempos, procurei mostrar a legitimidade e a necessidade, em tais casos, de se
admitir a reclamação, como o Supremo Tribunal tem feito. É o que também se dá quando
são barrejadas as fronteiras de sua competência, através de invasão evidente. A criação de
um remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças está na vocação
do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus poderes.127
A Reclamação nº 141-SP é o precedente que marca o cabimento da reclamação. A
norma geral e abstrata que se extrai do precedente é o cabimento da reclamação para
preservação da competência do STF e garantia da autoridade de seus julgados, como afirma
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas128. Observa-se, portanto, que a reclamação é fruto de pura
construção jurisprudencial, alicerçada sobre a “teoria dos poderes implícitos”.
Não foi apenas em relação à reclamação constitucional, que o STF aplicou a
“teoria dos poderes implícitos”. Já havia aplicado em outras vezes. Com base nos poderes
implícitos, o STF bem cedo reconheceu a competência implícita para os crimes de moeda
falsa, contrabando e peculatos para os funcionários federais e para conhecer a ação rescisória
contra seus julgados, muitos antes da criação desse instituto, com a CF/1934 (art. 76, “2”,
I)129.
Leonardo Carneiro da Cunha bem explica que há competências implícitas
decorrentes das competências explícitas dos órgãos jurisdicionais. Em matéria de
125 Ementa da Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/01/1942. 126 “Ora, vão seria o poder, outorgado a este Supremo Tribunal, de julgar um recurso extraordinário as causas
decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes se lhe não fora possível fazer prevalecer
seus próprios pronunciamentos, acaso desrespeitados pelas justiças locais. Para tanto ele tem admitido
ultimamente o uso do remédio heroico da Reclamação, logrando desse modo fazer cumprir suas próprias
decisões.” (Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/1/1942). 127 Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/01/1942. 128 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 182. 129 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos
Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989. p. 20.
51
competência, há a importante regra das tipicidades das competências. As competências são
típicas. A interpretação dada à fonte normativa que confere competência a algum órgão
jurisdicional deve ser restrita. Não se admite competência por analogia ou por interpretação
extensiva. Contudo, há situações em que a competência é implícita. Está encartada na fonte
normativa sistemática e implicitamente130. A competência não deixa de ser típica, porém
implícita. É exatamente o caso da reclamação constitucional. A competência para apreciá-la
era implícita, em decorrência das competências explícitas. Um órgão jurisdicional para
exercer suas competências explícitas precisa do poder – ainda que implícito – de preservar
suas competências e garantir autoridade de suas decisões. Canotilho explica as competências
constitucionais implícitas como aquelas “não individualizadas ou mencionadas no texto
constitucional, mas que se podem ainda considerar como implicitamente derivadas das
normas constitucionais escritas”131. Ainda em Portugal, Jorge Miranda é incisivo:
A competência vem da norma; não se presume. Contido, tanto pode ser explícita quanto
implícita. Quer dizer tanto pode assentar numa norma que, explicitamente, a declare como
assentar em norma cujo sentido somente seja descoberto através de técnicas interpretativas
e que surja como consequência de outra norma ou nela esteja contida. Não há diferença de
natureza entre poderes explícitos e implícitos; há somente diferença de graus de leitura.132
No caso do surgimento da reclamação constitucional perante o STF, reforça-se
por se tratar de competência constitucional. Como explica Hesse, as normas constitucionais
devem adquirir maior eficácia possível133, daí as competências explícitas constitucionais
precisam ser mais eficazes possíveis, surgindo, portanto, a competência implícita
constitucional para que o STF aprecie reclamações e reforce a força normativa da
Constituição.
Sob influência de Pontes de Miranda, Marcos Bernardes de Mello explica as
normas implícitas, sob a necessidade de “ter-se em vista que há mais normas vigentes numa
comunidade do que aquelas explícitas nos documentos legislativos que compõem o
ordenamento jurídico”134. Riccardo Guastini utiliza a expressão normas sem disposições;
sendo o termo disposição como sinônimo de texto legal.135
130 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição competência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
47-49. 131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 680. 132 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo V. p. 58. 133 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: SAFE, 1991. p. 27. 134 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
25. 135 “Em sentido forte, uma norma é sem disposição quando se trata de uma norma implícita ou não expressa,
isto é, uma norma que não pode ser extraída mediante interpretação de alguma disposição específica ou
combinação de disposições que podem ser encontradas nas fontes. Uma norma não expressa habitualmente é
52
Enfim, cada autor, sob marco teórico próprio, chega à mesma conclusão: existem
normas jurídicas implícitas (ou não expressas ou sem disposição) que são encontradas no
ordenamento jurídico partindo de interpretação das normas jurídicas explícitas (ou expressas
ou com disposição). No caso específico do surgimento da reclamação constitucional, cuida-se
de normas que conferem competência. A competência para conhecer a reclamação é uma
competência implícita (ou não expressa) decorrente das demais competências explícitas (ou
expressas) do STF. A influência específica sobre a reclamação constitucional – muito embora
tenha ficado claro que diversos autores discorrem sobre as normas implícitas – foi do direito
norte americano.
Nos EUA, difundiu-se a “teoria dos poderes implícitos” ou “implied power
theory”, em virtude principalmente de sua Constituição sintática não esmiuçar as
competências da Supreme Court, limitando-se à Seção 2 do artigo III. Conforme lição de
James Madison, famoso e influente comentarista da Constituição norte-americana, no livro “O
Federalista”: “Não ha principio mais universalmente recebido pelas leis e pela razão do que
este: Que quando o fim he necessário, os meios são permittidos: que todas as vezes que a lei
confere o poder geral de fazer huma cousa, todos os poderes particulares necessarios para
esse fim, se acham completamente comprehendidos nessa disposição.”136
Em 1819, a “teoria dos poderes implícitos” difundiu-se por diversos
ordenamentos jurídicos, inclusive o do Brasil, em virtude do julgamento do caso McCulloch
vs. Maryland perante a Suprema Corte dos EUA. Na época, a presidência era de John
Marshall, que, por 34 anos, dirigiu a corte, exercendo fundamental papel na formação do
Direito constitucional americano, além de propagar a “teoria dos poderes implícitos” nos
diversos precedentes de sua relatoria.
O julgamento do caso McCulloch vs. Maryland, em clara influência de James
Madison, pode ser assim sintetizado: “Se o fim é legítimo e está de acôrdo com os objetivos
da Constituição, todos os meios apropriados e plenamente adaptáveis a êle, não proibidos,
mas dentro da letra e do espírito da Constituição, são constitucionais.”137 Em outras
deduzida ou de outra norma expressa (por exemplo, mediante analogia), ou do ordenamento jurídico no seu
conjunto, ou de algum subconjunto de normas considerado unitariamente (o sistema do direito civil, o sistema
do direito administrativo).” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 41). 136 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const.
de J. Villeneuve e Comp, 1840. Tomo II. p. 162. 137 “Let the end be legitimate, let it be within the scope of the constitution, and all means which are not
prohibited, but consistent with the letter and spirit of the constitution, are constitutional” (RODRIGUES, Lêda
Boechat. A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1992. p. 43/44).
53
palavras, dês que sejam lícitas, é permitido reconhecer competências implícitas para que o
órgão jurisdicional atinja a finalidade de cumprir e exercer suas competências explícitas.
De todas as razões dadas, insiste-se em salientar o ponto mais importante para
compreender a reclamação constitucional: seu surgimento prescindiu de texto legal, expresso,
explícito; cuidou-se de uma construção jurisprudencial, que encontrou a competência
implícita do STF em decorrência de suas competências explícitas. De nada adianta conceder a
uma corte uma série de competências – recursais e originárias – se não lhe é dada a
prerrogativa de preservar essas competências e garantir a autoridade de suas decisões. As
competências explícitas restariam esvaziadas.
A gênese reclamação é pretoriana. Porém, importante frisar que o STF não apenas
cria a reclamação no sentido de constituir. O STF não produz-esquematiza (“poiesis”) a
reclamação; ele também a descobre-revela (“aletheia”). A reclamação estava latente no
sistema jurídico, o STF apenas indicou sua existência. “Se não existia em ‘ato’ no plano
material dos textos escritos, sempre existiu em ‘potência” no plano lógico das normas”.138
2.2.1.2. Consolidação
Posteriormente, após sua construção jurisprudencial, superação da discussão
quanto ao seu cabimento e distanciamento da correição parcial, a reclamação constitucional
passou a contar com dispositivo normativo expresso no Regimento Interno do STF. Segundo
o artigo 97, II da CF/ 1946, era competência do próprio STF a elaboração de seu Regimento
Interno. Dessa forma, em 2 de outubro de 1957, foi aprovada pelos ministros emenda ao
RISTF para incluir no “Título II” o “Capítulo V-A”, nomeado “Da Reclamação”139.
Muito embora a justificativa para a emenda ao Regimento Interno do STF
sinalizasse por uma função eminentemente correicional da reclamação, na prática já estava
consolidada como típica atividade jurisdicional, como meio processual adequado para cassar e
combater decisões judiciais. A emenda ao regimento internou tratou, na verdade, de uma
138 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação constitucional estadual como um problema de fonte.
COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.). Reclamação constitucional.
Salvador: JusPodivm, 2013. p. 170. 139 A emenda foi proposta pelo Ministro Ribeiro da Costa, aprovada na sessão do pleno de 2 de outubro de 1957.
A justificativa dada foi o uso contínuo da medida de função corregedora denominada reclamação. Sobre o
Regimento Interno do STF, em tempo próximo ao da inserção da medida, vide: MELLO, Augusto Cordeiro de.
O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 278.
54
maneira de colocar em disposição escrita a prática jurisprudencial do STF, no intuito de tentar
coibir alegações de inconstitucionalidade acerca do cabimento da reclamação140.
Porém, o arremate da positivação (aqui no sentido de entrada no sistema jurídico)
da reclamação, foi a previsão constitucional do art. 115, parágrafo único, c, da CF/1967, que
permitia ao STF instituir regras de processo e julgamento dos feitos de sua competência e dos
recursos. A competência constitucional dada ao STF de, mediante Regimento Interno,
estabelecer suas próprias regras de competências pôs cabo às discussões quanto à
constitucionalidade do instituto141. Prevaleceu o Regimento Interno do STF de 1980 (arts. 152
a 162)142.
A fase pré-constitucional da reclamação vai do seu surgimento até 1988, quando é
alçada a nível constitucional. É quando ocorre sua construção pretoriana. Sua gênese ocorre
no seio do STF, sendo principal precedente que firma o instituto a Rcl. 141-SP, cujas razões
de decidir deixam claro o cabimento da reclamação para preservação de competência e
garantia de autoridade de julgados. É, nesse período, que se desprende da correição parcial.
Perde características administrativas e correicionais. Consolida-se no ordenamento jurídico
(por meio de uma afirmação jurisprudencial)143, passa a fazer parte do RISTF e as discussões
quanto à sua constitucionalidade são minimizadas.
2.2.2. Fase constitucional
A segunda fase da nova classificação proposta para a reclamação começa com a
Constituição de 1988 e termina com a vigência do CPC/2015. É a fase constitucional. Cuida
do período em que a reclamação é alçada a nível constitucional (CF/88, arts. 102, I, l, e 105, I,
f). Alguns fatos se destacam no período constitucional. Primeiramente, o cabimento perante o
140 “Entretanto, apesar de ter constado na referida justificativa que a reclamação tinha função corregedora, o
que era dito com a finalidade de justificar a sua constitucionalidade em face da ausência de lei que a previsse, a
leitura dos acórdãos nos mostra que esse instituto era utilizado unicamente como meio processual de reformar e
cassar decisões judiciais” (SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 808, fev.-2003. p. 125). 141 No julgamento da Rcl. 831-DF, em 11/11/1970, o Min. Amaral dos Santos asseverou: “Não é mais de
discutir-se sobre a constitucionalidade do instituto, matéria que serviu de campo para dissertações polêmicas,
de alto interesse doutrinário e prático. O texto do art. 115, parágrafo único, “c”, da CF de 1967, reproduzido
pelo art. 120, parágrafo único, “c”, da mesma Constituição, segundo a EC 1/69, na inteligência que lhe deu
este Tribunal, afasta de vez a questão. Com efeito, por norma Constitucional, o Regimento Interno estabelecerá
“o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recursos.”’ 142 No mesmo período, o STF julgou a Representação de Inconstitucionalidade nº 1.092-DF, na qual se discutia a
constitucionalidade do Regimento Interno do extinto Tribunal Federal de Recursos prever o cabimento de
Reclamação. Ao julgar a Repr. 1.092-DF, o STF declarou a inconstitucionalidade dos arts. 194-201 do TFR, pois
apenas o RISTF possuía autorização constitucional para prever regras de processo e recursos. 143 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 223.
55
STJ144. A EC 45/2004 previu o cabimento de Reclamação para o STF por não observância ou
erro na aplicação de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3º). Ainda é relevante o
julgamento do Recurso Especial nº 571.572-8/BA, cuja ratio decidendi previu o cabimento de
reclamação dirigida ao STJ, quando os órgãos dos juizados especiais estaduais afrontassem
jurisprudência uniformizada pelo STJ. Esse período também foi marcado por ampla discussão
da constitucionalidade de reclamação perante outros tribunais, que não o STF e o STJ.
Esses fatores, em conjunto, fizeram explodir a quantidade de reclamações
ajuizadas no STF e STJ, despertando a atenção dos profissionais de Direito para o instituto.
Inicialmente, reforça-se o cabimento perante o STJ. O regime constitucional de
1988 já evita discussões quanto ao cabimento, e obviamente quando à constitucionalidade, da
reclamação perante o STJ. Com efeito, o instituto é cabível junto ao STJ, tendo em vista o
valor das decisões da Corte e a relevância de suas competências. A função do STJ é de suma
importância para o sistema jurídico brasileiro. Caso se observe suas competências como um
feixe único, é possível afirmar que o STJ “tem a missão de definir o sentido da lei federal e
de garantir a sua uniformidade no território nacional”.145 As competências do STJ e,
consequentemente, as decisões advindas do exercício das competências são de valor relevante
para o sistema jurídico-constitucional como um todo, uma vez que uniformizam a
interpretação do direito infraconstitucional146. Daí, para resguardar – desde logo – as
competências e a autoridade das decisões do STJ, a CF/1988 previu o cabimento de
reclamação (art. 105, I, f).
O período constitucional da reclamação coincide com o surgimento do STJ (e
respectiva extinção do antigo Tribunal Federal de Recursos). Já se reconhece a importante
função do STJ, enquanto Corte Suprema, para o sistema jurídico na integralidade,
estabelecendo, constitucionalmente, o meio adequado para que o STJ garanta a autoridade de
suas decisões e preserve sua competência.
Também no período constitucional, para adequar o STF e o STJ ao novo regime
constitucional, é sancionada a Lei nº 8.038/1990, que trata dos recursos e processos de
competência originária nos âmbitos do STJ e STF. Os arts. 13 a 18 regularam sucintamente a
144 Cumpre registrar que a Reclamação não era cabível perante o extinto Tribunal Federal de Recursos. 145 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
p. 119. 146 “As decisões do Superior Tribunal de Justiça configuram o referencial máximo em relação ao entendimento
havido como correto em relação ao direito federal infra constitucional. Tais decisões, em devendo ser
exemplares, hão, igualmente, de carregar consigo alto poder de convicção, justamente porque são, em escala
máxima, os precedentes a serem observados e considerados pelos demais Tribunais” (ALVIM, Eduardo Arruda.
A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Recurso Especial e a relevância das
questões. STJ 10 anos: obra comemorativa. Brasília: STJ, 1999. p. 39).
56
reclamação constitucional perante o STJ e STF, tratando de legitimidade, prova, tutela
antecipada, conteúdo da decisão e procedimento (atualmente os dispositivos encontram-se
revogados pelo 1.072, V, do CPC/2015).
Durante a fase constitucional, quatro discussões travadas no STF são marcantes
para a história do instituto.
A primeira diz respeito ao cabimento perante outros tribunais, afora o STJ e o
STF, principalmente nas cortes estaduais, o que passou pela análise da natureza jurídica da
reclamação.
A segunda consiste no cabimento de reclamação por violação de ratio decidendi,
com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle
concentrado de constitucionalidade.
A terceira importante questão, na fase constitucional, foi o não cabimento de
reclamação contra decisão que aplica indevidamente a tese firmada em recurso extraordinário
com repercussão geral.
O quarto embate tratou do cabimento de reclamação, para garantir autoridade de
ratio decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade, o que se
relaciona com a dita objetivação do controle difuso. Também pode ser vista como a
“transcendência dos motivos determinantes” de decisão de controle difuso de
constitucionalidade.
2.2.2.1. Emenda Constitucional 45/2004: a súmula vinculante
Da Lei nº 8.038/1990 até 2004, não ocorreram questões tão relevantes em relação
à reclamação constitucional. Porém, a Emenda Constitucional 45/2004 é um dos fatos mais
importantes no histórico do instituto, principalmente porque, a partir dela, despertou-se maior
interesse dos profissionais do Direito para a reclamação constitucional147. A EC 45/2004, ao
dispor sobre a súmula vinculante, inseriu na Constituição Federal o art. 103-A, § 3.º, que
147 Importante a lição de Edilson Pereira Nobre Junior, destacando a importância do estudo da Reclamação após
a EC 45/2004: “Nestas plagas, tal fenômeno, timidamente, presente com a EC 03/93, instituidora da ação
declaratória de constitucionalidade, ganhou alento com a EC 45/2004, ao estender tal efeito às decisões
proferidas no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade e, simultaneamente, com a instituição da súmula
vinculante. As inovações do poder constituinte derivado despertou, com maior intensidade, o vetusto debate
sobre a necessidade de se assegurar a eficácia das deliberações proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Tudo isto com uma singularidade: o desafio de garantir a efetividade dos comandos constitucionais como
preceitos vinculativos dos poderes públicos e dos particulares. Desse modo, ganha importância o estudo da
reclamação, principalmente quando se observa que se cuida de instrumento de preservação da ordem
constitucional objetiva” (NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 110).
57
previu o cabimento de reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que
desrespeitasse enunciado de súmula vinculante, ampliando, assim, suas hipóteses de
cabimento perante o STF148.
Realmente, a súmula vinculante – que marca o sistema recursal brasileiro149 –
contribui significativamente para o desenvolvimento da reclamação constitucional: explode a
quantidade de reclamações ajuizadas perante o STF e desperta os profissionais do Direito para
a importância do instituto. No ano de 2004, quando não existia a súmula vinculante, foram
distribuídas no STF apenas 491 (quatrocentos e noventa e uma) reclamações. No ano de 2005,
após a EC 45/2004, já foram distribuídas 933 (novecentas e trinta e três) reclamações no STF.
Em 2014, foram distribuídas 2.353 (duas mil trezentos e cinquenta e três) reclamações no
STF150.
O indicador estatístico é claro. As reclamações se multiplicaram perante o STF
após a súmula vinculante. A partir daí, os profissionais do Direito, alguns antes sequer cientes
da existência da reclamação, acordam para sua importância no sistema jurídico. Observe-se
que a tendência é o aumento de reclamações a cada edição de nova súmula vinculante; ora, se
existem novos enunciados aptos a serem violados, maior será a quantidade de reclamações
para garantir o respeito aos enunciados vinculantes, principalmente num sistema jurídico no
qual não se enraizou o respeito aos precedentes vinculantes, tampouco a forma adequada de
aplicá-los.
2.2.2.2. Reclamação contra decisões dos juizados especiais cíveis
Outro fato, durante a fase constitucional do instituto, que aumentou
expressivamente a quantidade de reclamações propostas junto ao STJ, foi o cabimento contra
decisões de órgãos colegiados dos juizados especiais estaduais151.
148 Leonardo Carneiro da Cunha defende que o cabimento da Reclamação por afronta à súmula vinculante não é
nova hipótese autônoma de cabimento; enquadra-se na antiga hipótese de Reclamação para garantir autoridade
de tribunal (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Reclamação constitucional contra ato que desrespeita enunciado
de súmula vinculante. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.).
Reclamação constitucional. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 289) 149 A súmula vinculante foi uma mudança implementada para evitar novas demandas judiciais no STF, em
decorrência de atos da administração contra jurisprudência consolidada do STJ, bem como novos recursos, em
virtude de afronta pelos demais órgãos jurisdicionais (SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à
súmula vinculante, cit., p. 270-273). 150 Dados disponíveis em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisa
ClasseAnosAnteriores. Acesso em: 04 de setembro de 2015. 151 Sobre o tema: CORTEZ, Claudia Helena Poggio. O cabimento de reclamação constitucional no âmbito dos
juizados especiais estaduais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 188, out.-2010, p. 253-
264.
58
O STJ, como dito, exerce a função de interpretar a lei federal e conceder-lhe
uniformidade. O STJ confere unidade à interpretação dos órgãos jurisdicionais, almejando
segurança jurídica e tratamento igualitário dos jurisdicionados. Os órgãos pertencentes ao
microssistema dos juizados especiais (estaduais, federais e da fazenda pública152) devem, ao
aplicar a lei federal, seguir a interpretação adotada pelo STJ, sob pena de afrontar sua função
constitucional de intérprete da lei federal.
Entretanto, nos juizados especiais estaduais, não é cabível o recurso especial153 ou
outro meio de impugnação dirigido ao STJ, que garantam os juizados especiais cíveis seguir a
interpretação dada pelo STJ. É permitido o recurso extraordinário154, mas não o recurso
especial.
Trata-se de um problema específico dos juizados especiais estaduais. Nos
juizados especiais federais e da fazenda pública, existem mecanismos de submissão ao STJ,
quando os julgamentos divergem de súmula ou jurisprudência dominante. Não cabe recurso
especial, mas há as Turmas Nacionais de Uniformização, órgãos responsáveis pela unidade
interpretativa; o resultado do julgamento poderá ser submetido ao STJ, caso a parte entenda
que houve afronta à súmula ou jurisprudência dominante, nos termos das Leis nº 10.259/2001
e 12.153/2009.
A falta de meio apto a forçar que os órgãos dos juizados especiais estaduais
adotassem a posição interpretativa criava insegurança jurídica e tratamento desigual dos
jurisdicionados. Cada turma recursal era senhora de sua própria interpretação.155
152 Os juizados especiais estaduais, federais e da fazenda pública são regidos, respectivamente, pelas Leis nº
9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009. 153 Enunciado nº 203 da súmula do STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de
segundo grau dos juizados especiais”. O enunciado é fruto de interpretação da CF/1988, art. 105, III. O texto
constitucional diz cabível Recurso Especial contra causas decididas por Tribunal Regional Federal ou pelos
Tribunais dos Estados, do Distrito Federal ou Territórios. Os juizados especiais são formados por juízes de
primeiro grau, até mesmo as turmas recursais são formadas por juízes. Logo, como a CF/1988 dispõe “Tribunal
Regional Federal ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal ou Territórios”, não cabe Recurso
Especial contra decisão de juizado especial cível. 154 Enunciado nº 640 da súmula do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por Juiz de
primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. A CF/1988, art.
102, III, dispõe que caberá recurso extraordinário contra causas decididas em única ou última instância. Não há
ressalva quanto ao órgão prolator. As turmas recursais dos juizados são órgãos de última instância, logo é cabível
o recurso extraordinário. 155 “Essa lacuna debilita de modo considerável o exercício integral, pelo STJ, de sua competência constitucional
de uniformizar a interpretação e aplicação da lei federal. Em outras palavras, ainda que o STJ pacifique seu
entendimento a respeito da legislação federal, seja por força do julgamento de recursos especiais repetitivos,
seja ainda por meio da edição de súmulas, nos Juizados Especiais da Lei 9.099, de 195, essas posições
consolidadas poderiam pura e simplesmente ser desconsideradas sem que houvesse qualquer mecanismo para
fins de reparo.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 205”.
59
Diante dos esdrúxulos e desiguais julgamentos nas turmas recursais dos juizados
especiais estaduais, os profissionais do Direito lançaram mão de recursos extraordinários, sob
alegação de que o desrespeito à interpretação consolidada do STJ afrontava, em última
análise, sua função constitucional de intérprete da lei federal. A estratégia foi fadada ao
insucesso, já que – conforme antiga posição defensiva do STF – não passa de mera ofensa
reflexa à Constituição156, incabível, portanto, o recurso extraordinário.
Após um bom tempo de vácuo jurídico, quando cada órgão de juizado era um
núcleo autônomo de interpretação da lei federal, após inúmeros recursos extraordinários
inadmitidos por ofensa reflexa, o STF julgou importante precedente, o recurso extraordinário
nº 571.572/BA (DJe nº 223, de 26/11/2009). Nas razões de decidir extraídas do voto da
Ministra Ellen Gracie, restou consignado que é cabível reclamação constitucional dirigida ao
STJ (CF/1988, art. 105, I, “f”), quando órgão de juizado especial estadual violar interpretação
de lei federal dada pelo STJ157.
Dessa forma, o Recurso Extraordinário nº 571.572/BA se tornou importante
precedente para reclamação, cuja ratio decidendi denota o seu cabimento perante o STJ contra
decisão de juizado especial estadual, quando ocorrer afronta a interpretação de lei dada pelo
próprio STJ.
Em sequência, ainda no ano de 2009, foi ajuizada no STJ a Reclamação nº
3.752/GO, cuja pretensão era o desfazimento de decisão de juizado especial de Goiás
contrária ao entendimento do STJ. Ao apreciá-la, a Ministra Nancy Andrighi submeteu a
questão à Corte Especial, que resolveu editar a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de
2009158. O ato infralegal regulava a reclamação contra as decisões de juizado especial.159
156 MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes, segurança jurídica e os juizados
especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 127. 157 Segue trecho do voto da Ministra Ellen Gracie: “Todavia, enquanto não for criada a turma de uniformização
para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da
interpretação da legislação infraconstitucional federal. Tal situação, além de provocar insegurança jurídica,
acaba provocando uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz
para resolvê-la. (...) Desse modo, até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação
da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação
jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda que se dê à reclamação
prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude à solução do impasse” (DJe nº 223, de 26/11/2009). 158 A constitucionalidade da Resolução nº 12/2009 do STJ é duvidosa, frente à reserva de matéria processual à lei
federal (CF/1988, art. 22, I). Eduardo José da Fonseca Costa também põe em dúvida a constitucionalidade da
Resolução, pois “à míngua de lei, confere poderes arbitrários ao relator e uma feição coletivizante à
reclamação” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord). São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2205). 159 A Resolução 12, de 14 de dezembro de 2009, foi expressamente revogada pelo art. 4º da Emenda Regimental
nº 22, de 16 de março de 2016, do STJ.
60
Decorrido algum tempo, o STJ restringiu o cabimento de reclamação contra
decisão de juizado especial cível. Apenas a admitia em caso de afronta à tese jurídica fixada
em julgamento recurso especial repetitivo, bem como a enunciado da súmula de sua
jurisprudência160. Ainda, a reclamação, nesses casos, apenas era cabível se a questão fosse de
natureza material, não se revelando cabível caso se tratasse de questão processual.161.
O Recurso Extraordinário nº 571.572/BA e a resolução nº 12/2009 do STJ
possuíram efeito semelhante ao da EC 45/2004: o aumento expressivo de reclamações no STJ
e o despertar do profissional do Direito para sua relevância no sistema jurídico. Em 2009,
quando ainda não vigorava a Resolução nº 12/2009, foram distribuídas 456 (quatrocentas e
cinquenta e seis) reclamações no STJ. Em 2010, após a vigência da Resolução 12/2009, foram
distribuídas 1.247 (mil duzentos e quarenta e sete) reclamações. Mais recentemente, no ano de
2014, foram distribuídas 6.947 (seis mil novecentos e quarenta e sete) reclamações e, por fim,
em 2015 foram 6.359.162
O aumento de propositura de reclamações é hiperbólico. Acordou-se, na fase
constitucional, para a importância do instituto dentro do sistema jurídico brasileiro. Marcelo
Navarro Ribeiro Dantas, em 2000, já havia chamado a Reclamação da “garantia das
garantias”163, porém, apenas após a EC 45/2004 e a Resolução 12/2009 do STJ, que surgiu
interesse pela reclamação, pois houve um expressivo aumento de seu ajuizamento perante o
STJ e STF.
2.2.2.3. Cabimento da reclamação em outros tribunais, fora o STJ e o STF
Parte da discussão a respeito do cabimento de reclamação nos tribunais estaduais
ocorreu no julgamento da ADIn 2.212-1/CE. A ação impugnou o art. 108, VII, da
Constituição do Ceará e o art. 21, VII, “j”, do Regimento Interno do TJCE, que previam o
cabimento de reclamação, dirigida ao TJCE, para preservação de sua competência e garantia
de autoridade de seus julgados. Alegou-se que: (i) a CF/1988 reservou a reclamação para o
STJ e o STF (arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”); (ii) o texto constitucional não previu o cabimento
de reclamação para outros tribunais, logo não se deveriam excetuar os tribunais estaduais; (iii)
160 Rcl 4.858/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23/11/2011, DJe 30/11/2011, STJ, 2ª Seção. 161 AgRg na Rcl 4.682/AL, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, j. 25/5/2011, DJe 1º/6/2011; STJ, 2ª Seção. 162 Dados disponíveis em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/?vPortalAreaPai=183&vPortalArea=
584. Acesso em: 04 de setembro de 2015. 163 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 501.
61
ofensa à reserva de matéria processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação
possui natureza processual.164-165
O STF, ao julgar a ADIn 2.212-1/CE, declarou constitucional o cabimento de
reclamação perante Tribunais estaduais, porém por razões das quais aqui se discorda. É que o
STF, como meio argumentativo de escapar da reserva de matéria processual à lei federal,
afirmou que a reclamação não possui natureza processual, mas se trata do exercício de direito
de petição (CF/1988, art. 5º, XXXIV, a)166, além da adoção do instituto pelas cortes estaduais
estar em consonância com o princípio da simetria e da efetividade das decisões judiciais.
O STF adotou o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover segundo o qual a
reclamação configura o exercício do direito constitucional de petição, não possuindo natureza
processual167. Tratou-se de meio argumentativo encontrado para justificar a reclamação
estadual, sem ofender o art. 22, I, da CF/1988. Com efeito, é possível dizer que a reclamação
nos tribunais estaduais é um problema de fonte168. Não precisava negar a natureza processual
da reclamação, pois sua gênese é capaz de comprovar que é decorrente de competências
implícitas, como explicado no item anterior, sendo desnecessário texto explícito prevendo o
cabimento da reclamação estadual. Não há ofensa ao art. 22, I, da CF/1988, uma vez que o
cabimento de reclamação prescinde de previsão legal expressa, é fruto da teoria dos poderes
implícitos. A fonte da reclamação é norma implícita no ordenamento. 169
164 Contra o cabimento de reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: DANTAS, Marcelo Navarro
Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 301-302; MORATO, Leonardo Lins.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 65-71; ROSSI, Júlio César. Aspectos
processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 19,
out.-2004, p. 50-51. 165 A favor do cabimento da reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: NOBRE JUNIOR, Edilson
Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 109-129; COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação
constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p. 175-177; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos.
Da reclamação, cit., p. 129; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 11ª ed. São Paulo:
Dialética, 2013. p. 668-673. 166 As discordâncias quanto à posição do STF na ADIn 2.212-1/CE serão esmiuçadas no item 2.5., ao se tratar da
qualificação jurídica da Reclamação. De logo, adianta-se que a Reclamação possui natureza de ação, e não de
exercício de direito de petição, o que é corroborado pelo CPC/2015. 167 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais. O
processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005. p. 74. 168 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p.
175-177. 169 Edilson Pereira Nobre Junior defende ser cabível a Reclamação perante os Tribunais de Justiça, com base na
teoria dos poderes implícitos: “A lógica dos poderes implícitos se centra no fato de que, quando haja norma
jurídica estatuindo o alcançar duma determinada finalidade, há a possibilidade do Congresso legislar para
assegurar os meios para que tal realidade se torne possível. Transplantando-se ao Judiciário nacional esta
orientação, tem-se que, existindo competência conferida a determinado órgão para que, pela via jurisdicional,
seja atingido um determinado fim, é de se reconhecerem, tácitos, os meios para que tal se concretize. Isto se
trate ou não de atividade constitucionalmente deferida a um órgão de superposição. De maneira que um órgão
jurisdicional, independente da sua condição de organismo de superposição, deve contar com mecanismos
eficazes para fazer valer a autoridade de suas decisões. Se estes não existem, por ausência de disciplinamento
62
O julgamento da ADIn 2.212-1/CE foi duplamente marcante. Por um lado
positivo, declarou a constitucionalidade das reclamações perante os tribunais estaduais170.
Pelo lado negativo, afirmou que a reclamação possui natureza de exercício do direito de
petição.
O que se percebe é a ADIn 2.212-1/CE não tratou apenas do cabimento da
reclamação no tribunal estadual. Cuidou também de sua natureza jurídica, contudo não
conseguiu pôr fim às discussões. Adotou o STF uma posição esdrúxula – na contramão do
restante da doutrina jurídica –, além de contraditória, pois em outros diversos julgados o
próprio STF tratou a reclamação como ação171. Assim, na fase constitucional da reclamação,
não houve pacificação quanto à sua natureza jurídica.
Durante a fase constitucional, foi aceita a reclamação perante os tribunais
estaduais, o STM e o TSE. Não foi aceita a reclamação nos TRFs e no TST172. A Reclamação
dirigida ao STM é prevista no Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587), não
ocorrendo discussões quanto a sua constitucionalidade.
Quanto ao TSE, cumpre registrar o julgamento da reclamação nº 14.1450/MG (DJ
8/9/1994), no qual se discutiu amplamente o cabimento da medida perante o TSE, lembrando
que na época não havia previsão legal (Código Eleitoral), tampouco regimental (RITSE). A
Reclamação nº 14.1450/MG foi conhecida173, com base na “teoria dos poderes implícitos”,
decidindo pelo cabimento da medida perante o TSE. Logo em seguida, foi alterado o
legal, será possível, através do labor interpretativo, a formulação de meio eficaz, pena de gravoso
comprometimento da função jurisdicional. Assim a impõe a teoria dos poderes implícitos que, antes de
restringir à província de alguns órgãos do Estado, visa assegurar a regularidade e eficácia das funções
legislativa, administrativa e jurisdicional em sai inteireza. A corrente doutrinária que vislumbra a reclamação
imersa no direito constitucional de petição – a qual, mesmo minoritária, granjeou o plácito do Pretório Excelso,
- embora tenha relevância para o reconhecimento da competência legislativa das unidades federadas, não
resolve satisfatoriamente o problema. A razão: o direcionamento da questão não é de ser resolvido no
particular do critério da competência legislativa. Ao limitar o cabimento da reclamação ao Supremo Tribunal
Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, omitindo-se quanto aos tribunais intermediários (tribunais de justiça
e tribunais regionais federais), laborou a Constituição impulsionada por razões unicamente de ordem prática”
(NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 124-125). 170 14 Estados possuem previsão constitucional do cabimento da Reclamação: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará,
Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e
Tocantins. 171 Em algumas Reclamações, o STF exigiu o interesse de agir: Rcl. 6.449/RS; Rcl. nº 1.525/ES; Rcl. 1.267/ES.
Em outras, exigiu legitimidade: Rcl. 5.873/ES; Rcl. 6.482/SP; Rcl. 4.931/CE. Também há casos em que o STF
exige capacidade postulatória: Rcl. 9.654/SP; Rcl. 7.902/SP; Ainda há casos de extinção de Reclamação por
litispendência: Rcl. 9.814/PI; Rcl. 5.509/AP; Rcl. 8.054/MG. 172 Cumpre registrar que, durante a fase pré-constitucional, o STF declarou inconstitucional a Reclamação
perante o TFR, no julgamento da Repr. 1.092-DF. 173 O voto condutor da Rcl. 14.1450/MG foi proferido pelo Ministro Torquato Jardim, acompanhado pelos
Ministros Carlos Velloso, Flacquer Scartezzini, Pádua Ribeiro e Sepúlveda Pertence. Dissentiram os Ministros
Diniz de Andrada e Marco Aurélio.
63
Regimento Interno do TSE para estabelecer a reclamação para preservar a competência do
Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões (RITSE, art. 15).
Sobre o cabimento da reclamação perante Tribunal Regional Federal, destaca-se o
julgamento da Reclamação nº 2003.01.00.009467-6/DF, pela Corte Especial do TRF da 1ª
Região. A reclamação não foi admitida, exatamente porque – no entendimento daquela corte
regional – não há previsão constitucional do seu cabimento perante Tribunal Regional
Federal. Nos regimentos internos das cinco cortes regionais, antes da vigência do CPC/2015,
não existia previsão do cabimento de reclamação174.
A reclamação no TST possui previsão regimental (RITST, DJU 9/5/2008, arts.
196 a 200; RITST, DJU 27/11/2002, arts. 190 a 193). Durante certo período foi considerada
constitucional pelo próprio TST, conforme registrado na Reclamação nº 105.097/2003-000-
00-00.1 (DJU 10/2/2006). Contudo, em 2008, o STF decretou a inconstitucionalidade da
previsão da medida perante o TST, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 405.031/AL (DJe
16/4/2009), sob argumento de que previsão regimental não poderia dispor sobre competência
do TST, sendo matéria reservada à lei. A partir de então, o TST – invariavelmente – passou a
não conhecer das reclamações (TST, Reclamação nº 187994/2007-000-00-00.5).
2.2.2.4. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos
determinantes) de decisão proferida em controle concentrado de
constitucionalidade
O segundo importante debate travado, durante a fase constitucional, foi o
cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de decisão
proferida em controle concentrado de constitucionalidade, sob o argumento de que o
desrespeito à ratio decidendi afrontaria a autoridade dos julgados do STF. Houve bastante
vacilo e inconsistência das decisões do STF, que – ao fim – terminou por rejeitar a tese do
cabimento da reclamação.
Para compreender o debate, são importantes algumas rápidas distinções
conceituais prévias. Uma decisão proferida em ação de fiscalização concentrada de
constitucionalidade (ADIn, ADPF e ADC) possui duas normas jurídicas: uma norma jurídica
174 O atual Regimento Interno do TRF da 5ª Região (DJe de 18/3/2016) prevê cabimento de Reclamação, em
virtude da competência explícita prevista no CPC/2015 (art. 988). O Regimento imediatamente anterior,
contudo, não previa o cabimento de Reclamação. Por outro lado, o antigo Regimento previa (RITRF5, DOE/PE
de 21/6/1989, art. 7º, IX). A presente pesquisa não encontrou nenhuma Reclamação durante a vigência do antigo
Regimento no TRF da 5ª Região.
64
abstrata (e genérica) contida na fundamentação e, doutro lado, uma norma jurídica concreta (e
também genérica) encontrada no dispositivo. A norma jurídica abstrata (e genérica) é o
precedente judicial construído a partir da fundamentação de uma decisão judicial. Em
metonímia, é possível afirmar que o precedente judicial é a norma jurídica abstrata (e
genérica) fruto das razões de decidir (fundamentação) de um julgamento.
Já a outra norma, concreta (e também genérica) encontra-se no dispositivo que
julga a ação de controle concentrado; é a norma que soluciona o caso; sendo o caso a análise
da constitucionalidade do ato normativo impugnado. Mais precisamente, a norma jurídica
concreta é a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade contida no
dispositivo da decisão, sobre qual recairá a coisa julgada material.175
A “transcendência dos motivos determinantes” implica afirmar que os motivos
determinantes de uma decisão, isto é, sua fundamentação possui eficácia vinculante para os
demais órgãos jurisdicionais.176
O conceito de ratio decidendi177 (ou a norma jurídica abstrata e genérica)
praticamente coincide com os “motivos determinantes”. Na verdade, o conceito de ratio
decidendi é mais sofisticado e bem elaborado que o de “motivos determinantes de uma
175 Entende-se por generalidade a possibilidade de a norma alcançar uma quantidade de indivíduos ou classe de
indivíduos. Compreende-se por abstração a quantidade de fatos, ações e casos que são abrangidos pela norma; se
apenas um ou poucos casos, fatos ou ações é alcançado pela norma, diz-se que a norma é concreta. Assim, no
caso das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, ambas são normas jurídica genéricas, pois se
referem à uma generalidade de indivíduos. Tanto a norma jurídica do precedente quanto a norma que julga o
caso alcançam uma série de indivíduos. Porém, a norma contida na fundamentação (do precedente) é abstrata,
pois serve a regular ações e comportamentos futuros dos destinatários, em abstrato. Doutro lado, a norma do
dispositivo, apesar de genérica, é concreta, já que trata de um objeto certo (um caso específico), que é a
constitucionalidade de uma lei; é uma norma que vincula uma classe de sujeitos (genérica), porém em relação a
um objeto específico, daí por que é uma norma concreta. “Segundo Bobbio, toda norma de comportamento (o
jurista reconhece também, ao lado destas, as normas de estrutura, de organização e de competência) é
composta, basicamente, de dois elementos: o sujeito-destinatário e a ação-objeto. O sujeito é o destinatário da
norma. A ação, que pode referir-se a uma obrigação, a uma permissão, a um poder ou a uma proibição, é o
objeto da norma. O sujeito e ação comportam desdobramentos. Pode uma ação referir-se à totalidade de uma
classe de indivíduos ou a um indivíduo, singularmente determinado. Temos, então, as normas genéricas no
primeiro caso e as individualizadas, no segundo. Quanto à ação de cada uma dessas normas, é possível que se
refira à totalidade do comportamento compreendido na descrição do tipo, ou a uma ação singular. Diz Bobbio
que as primeiras dão origem às normas abstratas; as segundas, às normas concretas (...) As normas que
compõem o ordenamento jurídico são, portanto, de suas espécies: genéricas e individualizadas. As genéricas
podem ser abstratas ou concretas. As individualizadas, que são as referentes aos negócios jurídicos, sentenças
judiciais e atos administrativos especiais, podem ser, também, abstratas ou concretas” (PEDROSO, Antonio
Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas: Teoria e Aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 48-50). 176 “Segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os
princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da
Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros” (MENDES, Gilmar
Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 6ª ed. Edição
digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 8.1). 177 “A ratio decidendi é, enfim, a essência da tese jurídica que serviu de fundamento para a solução do caso
concreto (rule of law)” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. O processo Civil no Estado Constitucional e os
fundamentos do projeto no novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 209, 2012. p. 358).
65
decisão”178-179. Existem peculiaridades que podem aproximá-los. O conceito de ratio
decidendi é próprio da doutrina do stare decisis do direito anglo-saxão180, ao passo que o de
“motivos determinantes” é fruto do direito romano-germânico181.
A expressão “motivos determinantes da decisão”, em princípio tomada como sinônima da
enunciada por “eficácia transcendente da motivação”, contém detalhe que permite a
aproximação do seu significado ao de ratio decidendi. Isso porque há, nesta expressão, uma
qualificação da motivação ou da fundamentação, a apontar para o aspecto que estabelece
claro link entre os motivos e a decisão. Os motivos têm de ser determinantes para a decisão.
Assim, não é todo e qualquer motivo que tem eficácia vinculantes ou transcendente –
apenas os motivos que são determinantes para a decisão adquirem esta eficácia. E os
178 E nem se diga que se cuida do mesmo conceito com nomes diferentes. Ora, o conteúdo do conceito carrega a
construção histórica do instituto. Se foram institutos construídos em ordenamentos e experiências jurídicas
distintas, seus conceitos também serão diferentes; podem até se aproximar, mas não serão idênticos. Cada
conceito carrega consigo parte de sua história. Eis a importante e elegante lição de Judith Martins-Costa: “É por
isso que, especialmente no Direito Privado, as palavras e expressões designativas dos seus principais institutos
podem ser metaforizadas pela concha do marisco abandonada: em uma concha jogada na areia da praia, o
primitivo habitante que lhe recheava o conteúdo de há muito pode ter desaparecido e gerações de outros
habitantes podem ali ter encontrado a sua morada. Traços do antigo morador, todavia, permanecem escondidos
em sua volutas, incrustados e disfarçados em sua madrepérola, pontuando sutilmente nossas representações.
Tal qual os habitantes da concha, os institutos jurídicos estão alojados em um universo de referências, algumas
palpáveis e evidentes, outras muito habilmente escondidas, mas nem por isso menos atuantes. Há, na verdade,
um duplo movimento que leva a questionar: o que muda, o que fica incrustado em suas volutas? Quais os
sentidos que, ao construir o presente, conferimos, nós, ao passado tal como Kafka deu, para Borges, o sentido
de seus antecessores?” [MARTINS-COSTA, Judith. A concha do marisco abandonada e o nomos (ou os nexos
entre narrar e normatizar). Revista do Instituto do Direito Brasileiro, v. 5, 2013. p. 4136-4137]. 179 Aqui cabe a lição de Clóvis V. do Couto e Silva: “A história dos conceitos é um setor do direito nem sempre
suficientemente estudado, talvez em razão do condenável e excessivo conceitualismo vigorante em boa parte do
século passado. Assim, não há – ou parece não haver – uma comparação entre mais de um setor do direito em
busca de um certo paralelismo de formação conceitual, como resposta a indagações semelhantes em mais de um
campo do direito. Seria relevante examinar, especialmente na dogmática do século XIX e no início do século
XX, o desenvolvimento simultâneo de certos conceitos do direito material e do direito processual. E também
observar como se refletiu na ciência do direito a mudança progressiva do meio econômico e social, e a
tendência para abranger dentro de ceftos conceitos tradicionais – como o de negócio jurídico – essas várias
situações. Boa parte do raciocínio aplicável à formação de conceitos e da terminologia jurídica pode ser vista
através desse modelo fundamental de dogmática jurídica, não sendo difícil perceber nele uma progressiva
abstração com a perda de seus conteúdos específicos e característicos, de sua vinculação empírica,
predominando, então, os aspectos formais, como aliás, tem sucedido na filosofia.” (SILVA, Clóvis V. do Couto
e Silva. Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito processual civil (a atualidade do pensamento
de Otto Karlowa e de Oskar Bülow). Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 37, jan./mar.-
1985.) 180 “Apesar de na Inglaterra e nos Estados unidos existirem problemas para a identificação da ratio decidendi,
que não encontram correspondentes no Brasil, em virtude da cultura secular do instituto nesses sistemas, faz-se
necessário iniciar seu estudo pela análise das principais correntes doutrinárias dos ingleses e norte-americanos
acerca dos métodos utilizados para a determinação da ratio decidendi de um caso” (ATAÍDE JR., Jaldemiro
Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 72). 181 “A concepção de efeito vinculante consagrada pela EC n. 3/93 está estritamente vinculada ao modelo
germânico disciplinado no § 31-2 da Lei Orgânica da Corte Constitucional. A própria justificativa da proposta
apresentada pelo Deputado Roberto Campos não deixa dúvidas de que pretendia outorgar não eficácia erga
omnes, mas também efeito vinculante à decisão, deixando claro que estes não estariam limitados apenas à parte
dispositiva” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e
na Alemanha. 6ª ed. Edição digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 8.1.).
66
motivos que determinam a decisão nada mais são do que as razões de decidir, isto é, a ratio
decidendi.182
De qualquer sorte, exatamente porque o STF não realiza a distinção entre
“motivos determinantes” e ratio decidendi, bem como haver semelhanças entre os conceitos,
serão aqui tratados como um só conceito183.
O cerne da segunda discussão residiu, na verdade, no cabimento de reclamação
por afronta aos “motivos determinantes” de decisão proferida em controle concentrado de
constitucionalidade, como situação enquadrada na hipótese de reclamação para garantir
autoridade de julgado do STF. A questão foi saber se os motivos determinantes possuem
autoridade sobre as demais cortes; se são transcendentes. Se a ratio decidendi – norma
jurídica abstrata e genérica – de uma decisão em controle concentrado vincula os demais
órgãos judiciais.
Travou a discussão para investigar se a ratio decidendi vincula e um órgão
jurisdicional a descumpre, é cabível a reclamação por ofensa à autoridade das decisões do
STF; por outro lado, caso se considere que não existe vinculação, não será cabível a
reclamação. Esse era o cerne do debate.
O STF adotou, inicialmente, a tese do cabimento de reclamação contra decisão
que viola os motivos determinantes de decisão prolatada em controle concentrado de
constitucionalidade, porém – após certo tempo – passou a rejeitar a tese184.
O julgamento da Rcl 1.987/DF185, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa em
outubro de 2003, é emblemático. No acórdão, o STF aplicou a tese da “transcendência dos
182 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.
273. 183 Cumpre registrar que o STF não faz a distinção, porque no Brasil há um “paradoxo metodológico”, pois o
processo constitucional é de matiz do common law, ao passo que o processo infraconstitucional foi herdado do
civil law. Recepcionaram-se duas tradições opostas. Duas formas de pensar distintas, daí por que o STF possui
dificuldade em diferenciar e escolher entre os conceitos de motivos determinantes e de ratio decidendi (ZANETI
Jr., Hermes. Processo constitucional. O modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro,
Lumen Juris, 2007. p. 15/18). 184 “Em sucessivas decisões, o Supremo Tribunal Federal estendeu os limites objetivos e subjetivos das decisões
proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, com base em uma construção que vem
denominando transcendência dos motivos determinantes. Por essa linha de entendimento, é reconhecida
eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que
embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do
acórdão, mas igualmente às razões de decidir. Como consequência, seria admissível reclamação contra
qualquer ato, administrativo ou judicial, que contrarie a interpretação constitucional consagrada pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma
oblíqua. (...) Essa linha jurisprudencial parece afinada com o propósito de racionalização da jurisdição
constitucional e da carga de trabalho do STF, privilegiando as teses constitucionais que hajam sido firmadas
em controle abstrato. Nada obstante, o próprio tribunal tem ensaiado uma possível mudança de jurisprudência
na matéria, questionando a possibilidade de se conferir eficácia vinculante também às suas razões de decidir”
(BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6ª ed. Edição digital. São
Paulo: Saraiva, 2012. Item 5.4).
67
motivos determinantes”. Argumentou que a ratio decidendi de uma decisão em controle
concentrado de constitucionalidade vincula as demais cortes, e sua desobediência desafia o
cabimento de reclamação, para garantir a autoridade dos julgados do STF. Se a
fundamentação vincula erga omnes, possui autoridade; e se possui autoridade, cabe
reclamação. A decisão reclamada não afrontou o dispositivo da ADI 1.662/SP, na verdade
violou os motivos determinantes da ADIN 1.662/SP, daí se adotou a tese da “transcendência
dos motivos determinantes” e aceitou o cabimento da reclamação186.
O STF, em alguns julgados, aceitou a reclamação contra decisões que violavam os
motivos determinantes (ou a ratio decidendi) de decisão em controle concentrado de
constitucionalidade, exatamente porque considerou que os motivos determinantes vinculavam
as demais cortes. Havendo vinculação, existe autoridade dos motivos determinantes; havendo
autoridade, o seu descumprimento leva ao cabimento da reclamação.
Contudo, o entendimento no STF não perdurou. Logo foi superado. Após um
ensaio inicial que seria aceita a teoria dos motivos determinantes, o STF passou a recusá-la e,
por consequência, a inadmitir reclamações contra decisões que contrariavam os motivos
determinantes de decisão em controle concentrado de constitucionalidade.
Nesse sentido, na Rcl 3.014 houve longo debate sobre a transcendência dos
motivos determinantes, bem como sobre o cabimento de reclamação187. A tese foi rejeitada
por maioria188 e, desde então, se consolidou o entendimento de não ser cabível a reclamação
185 “Admissibilidade da reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que desafie a exegese
constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua. (...) Ausente a existência de preterição, que
autorize o seqüestro, revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada
ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua
autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a
transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela
consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados
por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem
constitucional.” (Rcl. 1.987/DF, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 1/10/2003, DJ 21/5/2004). 186 No mesmo sentido a Rcl. 2.363, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 23/10/2003, DJ 1/4/2005: “Alcance do
efeito vinculante que não se limita à parte dispositiva da decisão. Aplicação das razões determinantes da
decisão proferida na ADI 1.662. Reclamação que se julga procedente”. 187 Carlos Eduardo Rangel Xavier explica detalhadamente o julgamento da Rcl 3.014 e a conclusão a que chegou
o STF, XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 54-60. 188 Rcl. 3.014, Rel. Ministro Ayres Brito, j. 10/3/2010, DJe 21/5/2010: “O Supremo Tribunal Federal, ao julgar
a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no
âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do
Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos
irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela
maioria do Tribunal.”
68
por violação aos motivos determinantes de decisão de controle concentrado de
constitucionalidade189.
Aqui se registra a crítica de Carlos Eduardo Rangel Xavier, para quem a opção de
repelir o cabimento de reclamação por violação aos motivos determinantes de decisão em
controle concentrado de constitucionalidade foi uma opção de política judiciária. Houve
receio do aumento vertiginoso de reclamações e a consequente engessamento do STF.190
Esse é um debate no STF que foi sepultado pelo CPC/2015, ao erigir um sistema
de precedente formalmente vinculantes, elegendo a reclamação como meio adequado para
impor o respeito à ratio decidendi das decisões de controle concentrado de
constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III, §4º).
2.2.2.5. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos
determinantes) de decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade.
Um dos grandes entusiastas, no STF, da transcendência dos motivos
determinantes, é o Ministro Gilmar Mendes, tanto na condição de professor, como na de
Ministro. Como professor, escreveu, em conjunto com Ives Gandra da Silva Martins: 191 “A
eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios
dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da
Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.”
E Gilmar Mendes buscou encampar o entendimento doutrinário nos julgamentos
do STF. Mais precisamente, a posição no sentido de que a ratio decidendi das decisões
proferidas em controle difuso de constitucionalidade vincula as demais cortes. Os
fundamentos de decisão em controle difuso seriam obrigatórios para os demais órgãos
jurisdicionais.
189 São inúmeros os precedentes inadmitindo a Reclamação nesses casos: Rcl. 2.475-AgR, Rel. Ministro Carlos
Velloso, j. 2/8/2007, DJ 14/9/2007; Rcl. 2.990-AgR, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, j. 16/8/2007, DJ
14/9/2007; Rcl. 6.204-AgR, Rel. Ministro Eros Grau, j. 6/5/2010, DJ 27/5/2010; Rcl. 4.448-AgR, Rel. Ministro
Ricardo Lewandowski, j. 25/6/2008, DJ 7/8/2008; Rcl. 9.778-AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJ
10/11/2011. 190 “A motivação subjacente, não é demais reforçar, foi estancar um possível aumento vertiginoso de
reclamações perante o Tribunal. Em suma, agregar-se “efeito vinculante” aos fundamentos, e não somente à
parte dispositiva da decisão em controle principal, permitiria o ajuizamento de reclamação a propósito de
aplicação de qualquer lei similar à objeto de declaração, no contexto de uma Federação com 27 Estados e mais
de 5.500 Municípios – de fato, na segunda metade do século XXI, o Supremo experimentou um grande aumento
desse tipo de ação (a reclamação constitucional). A anunciada rejeição à “tese da transcendência dos motivos
determinantes” no controle abstrato, assim, foi claramente uma decisão de política judiciária” (XAVIER,
Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 60). 191 MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle concentrado de constitucionalidade:
comentários à Lei 9.868, de 11.11.1999. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 544.
69
Daí surgiu o terceiro debate sobre a reclamação, em sua fase histórica
constitucional. O cabimento, ou não, da reclamação para garantir autoridade de ratio
decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade, o que se relaciona
com a dita “transcendência dos motivos determinantes.” 192
No controle difuso, não se julga constitucional ou inconstitucional a lei; o órgão
judicial reconhece-a constitucional ou inconstitucional para, em segundo momento, julgar
outros pedidos. O reconhecimento da inconstitucionalidade, no controle difuso, fica
exclusivamente na motivação e serve de fundamento para julgar o pedido principal.193
O debate – que ocorreu no julgamento da Rcl 4.335 – consistiu exatamente em
saber se os fundamentos de decisão vinculavam, ou seja, se a reconhecimento de
inconstitucionalidade, em sede de controle difuso, a ratio decidendi obriga as demais
cortes194. Havendo vinculação, seria cabível reclamação para garantir os motivos
determinantes de decisão em controle difuso de constitucionalidade.195-196
192 Sobre o tema sucintamente, vide: CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Reclamação – A ampliação do cabimento
no contexto da “objetivação” do processo nos tribunais superiores. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 197, jul.-2011. p. 13-25. 193 MACÊDO, Lucas Buril de. Duas notas sobre o art. 52, X, da Constituição Federal e a sua pretensa mutação
constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 215, jan.-2013. p. 437-461. 194 A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos
comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos
efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental” (MENDES, Gilmar Ferreira. O papel
do Senado Federal no controle federal de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional.
Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 179, jul/set.-2008. p. 274). 195 Para alguns, o efeito vinculante seria consequência da “objetivação” do controle difuso. Em tese de livre-
docência, Eduardo Talamini afirma serem fenômenos distintos: “Identifica-se a tendência de objetivação do
recurso extraordinário, a partir do conjunto de aspectos até aqui destacados: pressuposto da repercussão geral,
atenuação de exigência meramente formais; redimensionamento da exigência de prequestionamento; técnica de
julgamento por amostragem, apta a produzir uma decisão-quadro aplicável à generalidade de recursos que
versem sobre questão idêntica; admissão de amicus curiae dada a relevância do julgamento de outros processos
... (...) A rigor, como antes indicado, o recurso extraordinário sempre teve uma caráter precipuamente objetivo,
tendo em vista sua função de assegurar o cumprimento e harmonizar as interpretações das normas
constitucionais. O que ora se nota é uma intensificação dessa característica. (...) Tendo em vista tanto a
tendência de objetivação do recurso extraordinário, quanto o progressivo fortalecimento do controle direto de
constitucionalidade (que independe de qualquer outro órgão para produzir decisões gerais e vinculantes),
autorizada doutrina tem defendido que as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em controle
incidental de constitucionalidade também já teriam, em si mesmas, força vinculante e eficácia erga omnes. Teria
havido um processo informal de mudança da Constituição, pelo qual o art. 52, X, teria sofrido uma alteração de
seu significado: a intervenção do Senado não se destinaria mais a retirar (“suspender”) a norma do
ordenamento, mas apenas a tornar pública a decisão do STF tomada no controle incidental – essa por si só já
apta a ter eficácia erga omnes e força vinculante. (...) Não há identidade entre os fenômenos da objetivação do
recurso extraordinário e da (pretensa) força vinculante e eficácia erga omnes das decisões sobre ele tomadas. A
objetivação funda-se em outras razões e é apta a conduzir a outros resultados, que não necessariamente esse da
vinculação forte. Há um salto lógico entre a constatação da objetivação do recurso extraordinário e a
afirmação de que as decisões do STF em controle incidental têm força vinculante em sentido estrito. Uma coisa
não implica necessariamente a outra” (TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional
brasileira: repercussão geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e
alargamento do objeto do controle direito. Tese de livre-docência. São Paulo: USP, 2008. p. 237-238).
70
No julgamento da Rcl 4.335, iniciado em 1º/2/2007 e findado em 20/3/2014197,
discutiu-se se os fundamentos do HC 82.959198, que decretou – em sede difusa – a
inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, seriam vinculantes, ou não.
Igualmente, se seria cabível a reclamação por ofensa aos motivos determinantes do HC
82.959.
O Ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo Ministro Eros Grau, sustentou que
os motivos determinantes da decisão em controle difuso vinculam as demais cortes. Afirmou,
ainda, que ocorreu mutação constitucional do art. 52, X, da CF199, não sendo mais necessário
que o Senado Federal suspenda a execução da lei decretada inconstitucional, para haver
vinculação erga omnes.200 O reconhecimento de inconstitucionalidade de lei, em sede difusa,
vincularia, independente da suspensão da lei por parte do Senado Federal201-202.
196 “O fato de o juiz ordinário ter o poder-dever de controlar a constitucionalidade obviamente não significa
que ele não deve respeito às decisões do Supremo Tribunal Federal. Este respeito decorre logicamente da
adoção do sistema de controle difuso e da atribuição do Supremo do dever de dar a última e definitiva palavra
acerca da constitucionalidade da lei federal. Quando se tem claro que a decisão é um mero produto do sistema
judicial, torna-se pouco mais que absurdo admitir a possibilidade do juiz ordinário contrariar as decisões do
Supremo Tribunal Federal.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011. p. 84). 197 Rcl 4.335, Rel. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, j. 20/3/2014, DJe 22/10/2014: “Reclamação. 2. Progressão
de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado
inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1º/9/2006. 4.
Superveniência da Súmula Vinculante nº 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em
controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente.” 198 HC 82.959/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio, j. 23/2/2006, DJ 1º/9/2006. 199 “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...)X - suspender a execução, no todo ou em parte, de
lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. 200 Para melhor compreensão da posição de Gilmar Mendes, vide: MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do
Senado Federal no controle federal de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista
de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 179, jul./set.-2008. p. 257-276. 201 Lucas Buril de Macêdo rechaça a tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CF. O autor distingue entre
a eficácia vinculante de um precedente do STF e desnecessidade do Senado Federal suspender a lei decretada
inconstitucional: “O que aconteceu foi a transformação do precedente do STF, que de meramente persuasivo
passou a ser obrigatório. Isto significa que há um dever jurídico dos demais órgãos judiciais conformarem suas
decisões aos precedentes do Supremo, muito embora esta vinculação, o papel do Senado É importante perceber
que a norma reconhecida como inconstitucional, em controle difuso, mantém-se no ordenamento, incidindo e
ensejando fatos jurídicos. Acontece, entretanto, que as situações pautadas nela, caso exista o precedente
obrigatório do Supremo nesse sentido, deverão ser desfeitas, com base em sua inconstitucionalidade, pelo
Judiciário. A instituição do stare decisis no Brasil não leva, com todo respeito à posição dos Ministros, à
mutação da competência exclusiva do Senado Federal posta no art. 52, X, da CF/1988 (LGL\1988\3). A
obrigatoriedade de seguir os precedentes é dos juízes e tribunais e não do Legislativo, como se reconhece,
limita-se a enunciar que “sob a doutrina anglo-americana do stare decisis, uma decisão pela mais alta corte de
qualquer jurisdição é vinculante para todas as cortes inferiores nesta mesma jurisdição, e então, tão breve
quanto a corte tenha declarado uma lei inconstitucional, nenhuma outra corte poderá aplica-la”. Criar um
precedente obrigatório da maneira que se pretende não é só agressivo à separação de poderes, mas à própria
doutrina do stare decisis, que perquire a segurança jurídica, isonomia e a economia, tudo isso ligado à
jurisdição, não dizendo respeito à função legiferante” (Em: MACÊDO, Lucas Buril de. Duas notas sobre o art.
52, X, da Constituição Federal e a sua pretensa mutação constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 215, jan.-2013. p. 437-461). Igualmente, afastando a mutação constitucional do art. 52, X, da
CF: TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional brasileira: repercussão geral, força
71
Daí, havendo transcendência dos motivos determinantes e desnecessidade do
Senado suspender a lei decretada inconstitucional, seria cabível a reclamação – diretamente ao
STF – para garantir a autoridade da decisão em controle difuso203.
Houve subsequentes pedidos de vista, pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo
Lewandowski, o que prolongou o julgamento. Nesse meio tempo, foi editada a súmula
vinculante nº 26204, que tratava da mesma matéria dos autos. A discussão restou, portanto,
prejudicada, pois a Rcl 4335 foi decidida com base na súmula vinculante, escapando o debate
se era cabível reclamação por afronta aos motivos determinantes de decisão proferida em
controle difuso de constitucionalidade.
Ainda assim, o Ministro Teori Zavascki registrou que, em seu entendimento, não
é cabível a reclamação:
vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e alargamento do objeto do controle
direto, cit., p. 244-245. 202 “Registre-se que a eficácia vinculante, derivada das decisões em controle difuso, funda-se unicamente na
força peculiar dessas decisões, oriunda do local privilegiado em que o Supremo está localizado no sistema
brasileiro de distribuição de justiça. Assim, a eficácia vinculante das decisões do Supremo nada tem a ver com
comunicação ao Senado, certamente ilógica e desnecessária para tal fim. Ora, no controle difuso, a lei
declarada inconstitucional continua a existir, ainda que em estado latente. A comunicação é feita apenas para
permitir ao Senado, em concordando com o Supremo Tribunal, suspender a execução do ato normativo. A não
concordância daquele em nada interfere sobre a eficácia vinculante da decisão deste. Trata-se de planos
distintos. Lembre-se que, nos Estados Unidos, existem casos – certamente excepcionais – em que a Suprema
Corte “ressuscita” a lei que estava apenas on the books, ou que, mais precisamente, era vista como dead law,
exatamente por já ter sido declarada inconstitucional” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 84). 203 “Para fundamentar essa posição, doutrinariamente já defendia há anos, o Ministro lembrou de uma série de
fatos e eventos que justificariam a sua tese de mutação constitucional, consistentes, principalmente: a) na
orientação jurisprudencial do STF (de 1977), que firmou posição quanto à “dispensabilidade de intervenção do
Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na representação de
inconstitucionalidade (controle abstrato)”; b) na possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de
leis ou atos normativos, com eficácia geral, no controle abstrato; c) na inadequação do instituto para “asse-
gurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a
inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta”;
d) na adoção pelo STF de uma interpretação conforme a Constituição, “restringindo o significado de uma dada
expressão literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário”; e) nos casos de declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, “nos quais se explicita que um significado normativo é
inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração”; f) nas situações em que o STF limita-se
a rejeitar a arguição de inconstitucionalidade; g) na inaplicação do instituto de suspensão da execução da lei
inconstitucional à declaração de não recepção da lei pré-constitucional levada a efeito pelo STF; h) na
limitação temporal dos efeitos da decisão com a declaração de inconstitucionalidade; e i) no entendimento
adotado quando do julgamento do RE 191.898, pelo qual “houve por bem o Tribunal ressaltar, uma vez mais,
que a reserva de plenário da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo funda-se na presunção
de constitucionalidade que os protege, somada a razões de segurança jurídica”, razão pela qual os órgãos
parciais dos outros tribunais podem acolher a decisão tomada pelo Pleno, prescindindo de submeter a questão
ao seu próprio Pleno ou órgão especial.” [ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no
controle difuso pela ótica do STF (Rcl. 4.335). Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v.
207, jul./set.-2015, p. 107-108]. 204 Súmula vinculante nº 26, STF, DJe 23/12/2009: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de
pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da
Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos
objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de
exame criminológico.”
72
Realmente, ainda que se reconheça que a resolução do Senado permanece tendo, como teve
desde a sua origem, a aptidão para conferir eficácia erga omnes às decisões do STF que, em
controle difuso, declaram a inconstitucionalidade de preceitos normativos – tese adotada,
com razão, pelos votos divergentes –, isso não significa que tal aptidão expansiva das
decisões só ocorra quando e se houver a intervenção do Senado – e, nesse aspecto, têm
razão o voto do relator. Por outro lado, ainda que outras decisões do Supremo, além das
indicadas no art. 52, X, da Carta Constitucional, tenham força expansiva, isso não significa,
por si só, que seu cumprimento possa ser exigido diretamente do Tribunal, por via de
reclamação.
Ao cabo, da análise de todos os votos, apesar da superveniência da súmula
vinculante nº 26, percebe-se que a maioria dos ministros rejeitou a tese sustentada pelos
Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.205 Para os ministros do STF não seria cabível manejar
diretamente a reclamação ao STF, uma vez que existe via recursal própria, sendo inclusive
suscitado o argumento consequencialista-pragmático de que o STF, com apenas 11 (onze)
ministros, não possui aparelhamento para receber e julgar milhares de Reclamações advindas
de todos os órgãos jurisdicionais; foi muito forte o argumento de política judiciária.
Esse é mais um entendimento do STF que deve ser superado, parcialmente, pelo
CPC/2015. A previsão textual é expressa quanto ao cabimento de reclamação por ofensa à
ratio decidendi de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de
acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as
instâncias ordinárias (CPC/2015, art. 988, IV, §5º, II).
205 “Como resultado, o Tribunal, por maioria, decidiu conhecer e julgar procedente a reclamação, nos termos
do voto do Relator. Foram vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski
e Marco Aurélio, que não conheceram da reclamação, mas concederiam habeas corpus de ofício. Em realidade,
considerando os votos prolatados de modo individual, o resultado alcançado foi o seguinte: os Ministros Gilmar
Mendes e Eros Grau votaram pela procedência, sob o fundamento da mutação constitucional (que será adiante
explicada); o Ministro Sepúlveda Pertence prolatou voto pela improcedência da Reclamação, mas concedeu
habeas corpus de ofício; os Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio não conheciam
da Reclamação, mas todos concederam habeas corpus de ofício (os quatro últimos não admitiram a tese da
mutação constitucional); os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello julgaram
procedente a Reclamação à luz da superveniência da edição da Súmula Vinculante no 26; e, por fim, estava
ausente justificadamente a Ministra Cármen Lúcia, que não prolatou voto no caso. Desse modo, de um ponto de
vista prático, a decisão final cassou as decisões proferidas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da
Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que negaram a possibilidade de progressão de regime
relativamente a cada um dos interessados em nome dos quais foi ajuizada a Reclamação. Além disso, caberia ao
Juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atenderiam ou não os
requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim e desde que de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico. Os quatro Ministros vencidos decidiram pela concessão de
habeas corpus de ofício, por entenderem, sob diferentes fundamentos, que o instituto da Reclamação não
poderia ser manejado no caso” [ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no controle difuso
pela ótica do STF (Rcl. 4.335), cit., p. 106].
73
2.2.2.6. O não cabimento de reclamação contra decisão que aplica
indevidamente ou deixa de observar a tese firmada em recurso extraordinário
com repercussão geral
O STF, ao julgar recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, firma
tese jurídica que deve ser obrigatoriamente seguida por todos os demais órgãos
jurisdicionais206. A repercussão geral é um filtro, que permite o STF dirigir o foco de suas
atividades para resolver questões de maior relevância. Coloca-se um filtro para que o STF
decida melhor sobre questões mais relevantes.207 A repercussão geral é um requisito de
admissibilidade do recurso extraordinário, cuja apreciação é de exclusiva competência do
STF.208 No mesmo sentido da racionalização e eficiência, quando – na vigência do CPC/1973
– havia multiplicidade de recursos extraordinários de idêntica controvérsia, com repercussão
geral reconhecida, seu julgamento era realizado no regime repetitivo (CPC/1973, arts. 543-A
e 543-B).
Nessa sistemática, alguns recursos eram selecionados como representativos da
controvérsia para analisar a repercussão geral, enquanto todos os demais ficavam sobrestados.
Quando negada a existência pelo STF da repercussão geral, todos os demais recursos com a
mesma questão deveriam ser inadmitidos pela corte local. Por outro lado, reconhecida a
repercussão geral e julgado o mérito do recurso extraordinário, as cortes locais deveriam
seguir a tese firmada pelo STF para retratar-se, caso o acórdão recorrido estivesse em
desacordo com a sua orientação; ou declarar prejudicados os recursos até então sobrestados,
caso o acórdão estivesse consoante a sua orientação. Não havendo a retratação, o recurso
extraordinário deveria ser admitido, caso se preenchem os demais requisitos de
admissibilidade.
Entretanto, em relação a essa sistemática, surgiram duas questões que envolvem a
reclamação. Em caso de sobrestamento indevido de um recurso extraordinário, seria a
reclamação um meio impugnativo cabível? E, em caso de aplicação indevida pela corte de
origem da tese firmada no recurso extraordinário repetitivo, tanto na retratação como no
206 Sobre o tema: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso
extraordinário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso
extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; PAULSEN, Leandro
(coord.). Repercussão geral no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2011; DANTAS,
Bruno. Repercussão geral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 207 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral, cit., p. 267-268. 208 CF, art. 102, §3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).
74
julgamento pela prejudicialidade, caberia reclamação? O STF deu resposta negativa para
ambas as indagações. Não cabia a reclamação.
No caso de sobrestamento indevido de recurso extraordinário, porque a
controvérsia do recurso sobrestado não era a mesma da repercussão feral a ser julgada, alguns
autores apontaram o cabimento de agravo diretamente ao STF (CPC/1973, art. 544) ou a
reclamação por usurpação de competência.209 A tese é a de que, ao sobrestar erroneamente, o
tribunal local estaria obstando que o STF exercesse sua competência de julgar o recurso
extraordinário. Nessa análise, ao impedir a subida do recurso extraordinário ao STF,
sobrestando-o indevidamente, a corte local estaria usurpando a competência dele, daí por que
se defendia o cabimento da reclamação.
Entretanto, o STF rechaçou a tese do cabimento do agravo e da reclamação,
estabelecendo que caberia apenas o agravo interno para o pleno ou o órgão especial da corte
local. Caso houvesse o sobrestamento errôneo de recurso extraordinário, não cabia
reclamação, tampouco agravo direto ao STF; a impugnação seria agravo interno para órgão da
própria corte local.210 Não era dado o acesso ao STF. A via estava fechada, ainda que
mediante reclamação. Segundo o STF, sua jurisdição somente se iniciaria com a manutenção,
pelo tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da
repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do CPC/1973. Enquanto sobrestado o
209 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 71; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito
da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 366; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER
JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 3. p. 325. 210 “RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE
ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-
RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE
AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso
extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo
Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no
julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia
com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da
repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica
hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal
Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor
agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de
origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da
presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao
Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta
Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação.” (Rcl 7569, Rel. Min. Ellen Gracie, j.
19/11/2009, DJe 10/12/2009). No mesmo sentido: STF, AgRg na Rcl 9471, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.
29/6/2010, DJe 13/8/2010; STF, AC 2177 MA-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 12/11/2008, DJe 20/2/2009.
75
recurso, ainda que indevidamente, na posição do STF, sua jurisdição não havia sido
inaugurada, daí por que não era cabível a reclamação constitucional.
Em suma, não era cabível a reclamação contra decisão de sobrestamento indevido
de recurso extraordinário, pois não havia sido realizado o juízo provisório de admissibilidade.
Da mesma forma, o STF compreendeu também incabível a reclamação contra a
decisão da corte local que aplicasse indevidamente a tese firmada no recurso extraordinário
repetitivo, com repercussão geral. Para o STF, ao aplicar o entendimento firmado –
retratando-se ou não – a corte local estaria exercendo competência própria, não se justificando
o manejo de reclamação. Apenas seria cabível a reclamação, se houvesse negativa expressa
em aplicar a tese do STF pelo tribunal de origem.211 No entendimento do STF, a reclamação
seria cabível, esgotando as instâncias ordinárias, de modo a evitar o acesso per saltum, após
negativa expressa de aplicação da tese firmada, ou seja, seria necessária a não observância
explícita pelo STF. O erro da aplicação da tese jurídica do STF, firmada em recurso
extraordinário repetitivo, não ensejava o cabimento da reclamação, apenas a negativa expressa
em não aplicar a tese do STF.212 Eis trecho da Rcl 10793, que elucida a posição do STF
quando ao não cabimento da reclamação:
3. O legislador não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o ônus de fazer aplicar
diretamente a cada caso concreto seu entendimento. 4. A Lei 11.418/2006 evita que o
Supremo Tribunal Federal seja sobrecarregado por recursos extraordinários fundados em
idêntica controvérsia, pois atribuiu aos demais Tribunais a obrigação de os sobrestarem e a
possibilidade de realizarem juízo de retratação para adequarem seus acórdãos à orientação
de mérito firmada por esta Corte. 5. Apenas na rara hipótese de que algum Tribunal
mantenha posição contrária à do Supremo Tribunal Federal, é que caberá a este se
pronunciar, em sede de recurso extraordinário, sobre o caso particular idêntico para a
cassação ou reforma do acórdão, nos termos do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo
Civil. 6. A competência é dos Tribunais de origem para a solução dos casos concretos,
cabendo-lhes, no exercício deste mister, observar a orientação fixada em sede de
211 “Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da
decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem.
Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão
do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito
do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no
processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do
STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos
termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade
aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com
repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se
converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem.” (AI 760358 QO, Rel. Min. Gilmar
Mendes, j. 19/11/2009, DJe 12/2/2010). 212 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 76-79.
76
repercussão geral. 7. A cassação ou revisão das decisões dos Juízes contrárias à orientação
firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo Tribunal a que estiverem
vinculados, pela via recursal ordinária. 8. A atuação do Supremo Tribunal Federal, no
ponto, deve ser subsidiária, só se manifesta quando o Tribunal a quo negasse observância
ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso
extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica
constante do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 9. Nada autoriza ou aconselha
que se substituam as vias recursais ordinária e extraordinária pela reclamação.213
Contudo, esse entendimento foi rechaçado, em obter dictum, pelos Ministros
Ellen Gracie e Gilmar Mendes, no julgamento das Rcls 11408 AgRg e 11427 AgRg214, que
ainda estão pendentes de julgamento final, pois há pedido de vista215. De forma lateral, em
seus votos, ambos os ministros consignaram que a reclamação poderia ser admitida,
excepcionalmente, se o tribunal local classificasse erroneamente a repercussão geral e tal
equívoco não fosse corrigido pelos meios impugnativos ordinários.216
Esse obter dictum, visto como uma sinalização de possível mudança de
entendimento, resta afastado pela redação do CPC/2015, cuja previsão é expressa em caber a
reclamação após esgotadas as instâncias ordinária (CPC/2015, art. 988, IV, §5º).
2.2.2.7. Um apanhado final da fase constitucional
A fase histórica constitucional vai desde a promulgação da Constituição de 1988
até a vigência do CPC/2015. Podem ser resumidos os seguintes fatos escolhidos como
relevantes para a reclamação durante o período:
213 STF, Rcl 10793, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13/4/2011, DJe 3/6/2011. No mesmo sentido: STF, Rcl 15378,
Rel. Min. Edson Fachim, j. 18/8/2015, DJe 10/9/2015; STF, Rcl 17914 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
26/8/2014, DJe 3/9/2014; STF, Rcl 12692 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 27/2/2014, DJe 20/3/2014. 214 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 81-82. 215 Até a data de término da presente dissertação. 216 Informativo 634, STF: “A Ministra reputou, ademais, que seria inviável o pronunciamento do STF em cada
caso e que não se poderia simplesmente substituir a via do recurso extraordinário pela da reclamação, novamente
sobrecarregando esta Corte. Entretanto, asseverou que a reclamação poderia, excepcionalmente, ser admitida
quando o tribunal de origem classificar erroneamente a repercussão geral, se esse equívoco não for corrigido
pelos mecanismos já assentados pela jurisprudência do Supremo. Destacou que, em se tratando de matéria
constitucional nova, poderia o STF – a critério do relator –, vislumbrando icto oculi a presença de transcendência
e relevância, transformar em recurso extraordinário a própria reclamação. Situação esta em que seria reconhecida
a repercussão geral e solucionada a questão de mérito. Tudo com efeitos vinculantes para os casos semelhantes
então em tramitação em qualquer instância. Porém, reconheceu que isso não ocorrera na Rcl 11427 AgR/MG,
em que a parte suscitara a inconstitucionalidade da resolução que impusera regra sobre admissibilidade de
recurso especial (pagamento de custas). Destacou que o próprio Supremo já teria dado resposta à essa matéria ao
estabelecer a inexistência de repercussão geral quando a alegação disser respeito a pressupostos de
admissibilidade do recurso especial ou recurso equivalente. Por fim, registrou que essa conclusão aplicar-se-ia
também à Rcl 11408 AgR/RS. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.”
77
(a) o cabimento perante o STJ, com fundamento constitucional, (CF/1988, art.
105, I, f);
(b) a Emenda Constitucional 45/2004, que previu o cabimento de reclamação para
o STF por não observância ou erro na aplicação de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A,
§3º);
(c) o Recurso Especial nº 571.572-8/BA, cuja ratio decidendi previu o cabimento
de reclamação dirigida ao STJ, quando os órgãos dos juizados especiais estaduais afrontarem
jurisprudência uniformizada pelo próprio STJ; este, então, editou a Resolução nº 12/2009
(hoje revogada) para regular as reclamações nesses casos;
(d) o aumento expressivo das reclamações perante o STF e o STJ, após a EC
45/2004 e a Resolução STJ nº 12/2009, acompanhado do despertar do profissional do Direito
para a importância e o valor da reclamação;
(e) a discussão a respeito da constitucionalidade de reclamações perante outros
tribunais, fora STJ e STJ; sendo permitidas nos tribunais de justiça, Tribunal Superior
Eleitoral e Superior Tribunal Militar;
(f) a discussão sobre o cabimento de reclamação por violação de ratio decidendi,
com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle
concentrado de constitucionalidade;
(g) o debate sobre o cabimento de reclamação para garantir autoridade de ratio
decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade;
(h) o descabimento de reclamação contra sobrestamento indevido de recurso
extraordinário e contra decisão que erra ao aplicar a tese firmada pelo STF em recurso
extraordinário reconhecido com repercussão geral;
Percebe-se que, na fase constititucional, a reclamação desenvolve-se
dogmaticamente, embora não se estabilize. Houve muita discussão sobre seus contornos
teóricos. Debateu-se a extensão de suas hipótese de cabimento, a competência para julgá-las,
a sua importância para garantir a autoridade dos julgados. Foi na fase constitucional que suas
fontes amadurecem delimitando seus limites dogmáticos. Enfim, em poucas palavras, é
possível dizer que o extrato da fase constitucional é o valor que o profissional do Direito
78
passa a dar à reclamação constitucional, o despertar de um interesse como um importante
instrumento para o sistema jurídico brasileiro.217
2.2.3. Fase codificada
A última, e atual, fase histórica da reclamação é a codificada. Recém-iniciada com
a vigência do CPC/2015. As mudanças trazidas pela legislação codificada são tão
significativas que se justifica tê-la como marco teórico de uma nova fase da reclamação. O
CPC/2015 regulamenta seu procedimento, hipóteses de cabimento, casos de inadmissão,
legitimidade ativa e passiva, participação do Ministério Público, prova, tutela provisória,
conteúdo da decisão etc.
De todas as mudanças, as mais expressivas são as resultantes da ampliação da
competência e das hipóteses de cabimento. O CPC/2015 permite a reclamação em qualquer
tribunal brasileiro (art. 988, §1º). Toda e qualquer corte passa a ter competência para julgar
reclamações. Além do STJ e STJ, cuja competência para julgar reclamações está prevista na
Constituição (CF, art. 102, I, l, e art. 105, I, f), todos passam a ser competentes.
As hipóteses de cabimento também são ampliadas. O CPC/2015 repete as três
hipóteses de cabimento que já eram previstas na Constituição e adiciona mais duas,
respectivamente: (i) preservar competência dos tribunais; (ii) garantir a autoridade das
decisões dos tribunais; (iii) garantir a observância de súmula vinculante e de decisão do STF
em controle concentrado de constitucionalidade; e, (iv) garantir a observância de precedente
proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.
Antes, as reclamações se restringiam ao STJ, STF, STM e TRE e a alguns
Tribunais Estaduais218, porém apenas para preservação de competência e garantia de
autoridade dos julgados e, especificamente para o STF, garantir observância de súmula
vinculante. Com a entrada em vigor do CPC/2015, todas as cortes se tornam competentes para
julgar reclamações.
217 Convém, em nota de rodapé, fazer menção a um precedente, da fase constitucional, que permitiu a
reclamação contra ato administrativo, por afronta à autoridade de seu julgado muito antes da criação da súmula
vinculante. O cabimento da reclamação não foi alvo de debate: “ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, QUE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, ANULOU O ATO DEMISSÓRIO DE SERVIDOR E,
SEM PREJUIZO DA INSTAURAÇÃO DE NOVO PROCESSO DISCIPLINAR, DETERMINOU A
REINTEGRAÇÃO DESTE. PROCESSO INSTAURADO SEM O RETORNO DO SERVIDOR AO SEU
CARGO. Caso configurador de desacato à decisão do STF, em sua parte final. Reclamação parcialmente
deferida.” (Rcl 501, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 20/9/1995, DJ 20/10/1995)
218 14 Estados possuem previsão constitucional do cabimento da Reclamação: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará,
Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e
Tocantins.
79
2.2.3.1. A revogação da Resolução nº 12/2009 do STJ
Como explicado no item 2.2.2.2., em virtude do não cabimento de recurso
especial contra decisão proferida em juizados especiais, nos quais cada órgão era um núcleo
autônomo de interpretação da lei federal, com ofensa reiterada à jurisprudência do STJ, o STF
julgou o Recurso Extraordinário nº 571.572/BA e nele consignou o cabimento de Reclamação
Constitucional dirigida ao STJ (CF/1988, art. 105, I, “f”), quando órgão de juizado especial
cível violar interpretação de lei federal dada pelo STJ219. Editou-se a Resolução nº 12, de 14
de dezembro de 2009220. O ato infralegal regula a reclamação contra as decisões de juizado
especial e dita o seu procedimento. Foi o meio que o STJ encontrou de regular o instituto, nos
casos de impugnação de decisões de juizado especial cível.
Com a publicação do CPC/2015, a Resolução nº 12/2009, do STJ, é revogada
implicitamente, por incompatibilidade. O CPC/2015 passa a regular exatamente o que a
Resolução vem regulando. Logo, por ser o CPC/2015 posterior e diploma normativo
hierarquicamente superior, a Resolução é implicitamente revogada.221
Com o CPC/2015, não há mais vácuo jurídico. Contra decisões de juizados
especiais cíveis, que afrontarem precedentes firmados em casos repetitivos do STJ, será
cabível Reclamação, após esgotadas as vias ordinárias. Igualmente, o CPC/2015 estatui o
procedimento da Reclamação. Portanto, o CPC/2015 revoga a Resolução nº 12/2009, do STJ.
De qualquer sorte, o STJ certeiramente, de modo a não remanescer dúvidas,
revogou expressamente a Resolução nº 12/2009, mediante o art. 4º da Emenda Regimental nº
22, de 16 de março de 2016, do STJ.
2.2.3.2. O fim do debate sobre a competência dos Tribunais para julgar
reclamação222
219 O STJ, com o tempo, restringiu o cabimento de Reclamação contra decisão de juizado especial cível. Apenas
as admite em caso de afronta à tese jurídica fixada em julgamento recurso especial repetitivo, bem como a
enunciado da súmula de sua jurisprudência. Ainda, a Reclamação, nesses casos, apenas é cabível se a questão for
de natureza material, não se revelando cabível caso se trate de questão processual. 220 A constitucionalidade da Resolução nº 12/2009 do STJ é duvidosa, frente à reserva de matéria processual à lei
federal (CF/1988, art. 22, I). Eduardo José da Fonseca Costa crítica a Resolução, pois confere feição
coletivizante à reclamação (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil, cit., p. 2204). 221 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 91-97. 222 Além do STJ e STF, era cabível, na fase constitucional, Reclamação perante o TSE, STM e Tribunais
estaduais. Não foi aceita a Reclamação nos TRFs e no TST. A Reclamação dirigida ao STM é prevista no
80
Durante a fase constitucional do instituto, houve longo debate – principalmente
perante o STF – sobre a competência de outros tribunais para julgar a reclamação. Com o
advento do CPC/2015, essa discussão finda. Não há mais razões para continuar a discutir o
cabimento perante outros tribunais. A disposição é expressa. A reclamação pode ser proposta
perante qualquer tribunal, cuja autoridade pretenda se garantir ou competência preservar
(CPC/2015, art. 988, §1º).
Como exposto mais detalhadamente no item 2.2.2.3., os argumentos contra o
cabimento da reclamação em outros tribunais podem ser assim resumidos: (i) a Constituição
reservou a reclamação para o STJ e o STF (CF/1988, arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”); (ii) ofensa
à reserva de matéria processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação possui
natureza processual.
O segundo argumento cai por terra. A reclamação passa a ser prevista no
CPC/2015, não havendo ofensa ao art. 22, I, da CF/1988, que reserva à lei federal dispor
sobre direito processual. Com exceção do STJ, do STF e do STM, a reclamação era prevista
nas Constituições Estaduais e nos Regimento Internos dos Tribunais; porém, passa a ser
regulada em lei federal, o CPC/2015, superando a alegação de ofensa ao art. 22, I, da
CF/1988.
Assim, todo e qualquer tribunal sempre pode, seguindo à risca a teoria dos
poderes implícitos, conhecer e julgar reclamações. Não é cabível apenas no STF e no STJ,
mas perante todo tribunal. Ressalta-se que as competências originárias (e explícitas) dos
tribunais brasileiros estão contidas na Constituição. São competências importantes, tanto que
alçadas ao texto constitucional. Todas elas possuem alto valor no sistema jurídico brasileiro.
Assim, o CPC/2015 apenas veio a sedimentar o que a teoria dos poderes implícitos já
embasava: todo e qualquer tribunal brasileiro é competente para apreciar reclamações, como
forma de garantir a autoridade dos seus julgados e preservar suas competências explícitas.
2.2.3.3. Aumento de reclamações como consequência da ampliação das
hipóteses de cabimento: a reclamação num tripé de writs constitucionais junto ao
habeas corpus e ao mandado de segurança
O aumento de reclamações se baseia nas duas principais mudanças trazidas pelo
CPC/2015. A competência de todo o tribunal brasileiro e o alargamento das hipóteses de
Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587), não ocorrendo discussões quanto a sua
constitucionalidade.
81
cabimento, em conjunto com um sistema de precedentes vinculantes (CPC/2015, art. 927),
acredita-se que provocarão consideráveis repercussões na reclamação.
A primeira delas é a vertiginosa multiplicação de Reclamações ajuizadas, tal qual
ocorreu após a EC 45/2004 (que previu a reclamação para garantir observância de súmula
vinculante) e a Resolução nº 12/2009, do STJ, que regulava a reclamação contra decisão de
juizado especial cível. O aumento de reclamações é inevitável. Cabe em todos os noventa e
um tribunais brasileiros, em diversas e novas hipóteses de cabimento. É uma combinação que
implica maior quantidade de reclamações.
Além disso, a reclamação foi eleita como um dos meios de controle da aplicação
dos precedentes obrigatórios. É um dos instrumentos que compõem o sistema de precedentes
obrigatórios, com a importante função de garantir sua observância. No CPC/2015, a
reclamação faz parte da estrutura do sistema de precedentes obrigatórios, que, por sua vez, é
voltado à segurança jurídica da prestação jurisdicional.
Em outras palavras, a reclamação é um importante instrumento para bom
funcionamento do Poder Judiciário. Sua função de garantir a observância de precedentes
obrigatórios, especificamente, garante um tratamento igualitário dos jurisdicionados e encorpa
a segurança jurídica.
Esses fatores, somados, colocam a reclamação constitucional como um importante
writ constitucional, ao lado do habeas corpus e do mandado de segurança223. Torna-se tão
relevante quanto ambos. O habeas corpus, como remédio para defesa liberdade; o mandado
de segurança, como proteção do sujeito de direito perante a Administração Pública ou o
particular que exerça atividade pública; a reclamação, como garantia do jurisdicionado de
tratamento igualitário, de decisões eficazes dos tribunais, cujas competências são
respeitadas.224
A reclamação equipara-se – em valor e relevância – no sistema jurídico, como
remédio constitucional, ao habeas corpus e ao mandado de segurança. Cada um com sua
223 “Contém a reclamação todos os requisitos dos chamados writs constitucionais, ou instrumentos
constitucionais especiais. Aliás, não são infrequentes, como se verificou na jurisprudência, a transformação de
mandados de segurança e habeas corpus em reclamações” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação
constitucional no direito brasileiro, cit., p. 465). 224 A reclamação coloca-se ao lado do habeas corpus e do mandado de segurança como um tripé de remédios
constitucionais. Não colocam o mandado de injunção e o habeas data, embora sejam também remédios
constitucionais, por dois motivos. Primeiramente que os três primeiros são cabíveis perante qualquer tribunal, ao
passo que o habeas data e o mandado de injunção são originários apenas do STF. Por outro lado, a quantidade de
mandados de injunção e de habeas data é bem menor, no STF, quando comparadas aos outros três. Em 2016, até
8 de agosto, foram distribuídos 1 habeas data, 50 mandados de injunção, 275 mandados de segurança, 2038
reclamações e 2788 habeas corpus (Dados disponíveis em:
C:\Users\gusta\AppData\Local\Temp\pesquisaclasse.mhtml. Acesso em: 09 de agosto de 2016).
82
finalidade. A reclamação contribui para o bom funcionamento do Poder Judiciário. É útil para
que os juízes tratem isonomicamente os jurisdicionados, ao forçá-los a observarem os
precedentes obrigatórios. É uma ação constitucional voltada à proteção das competências dos
tribunais e garantia da autoridade dos seus julgados.
E a cada novo precedente obrigatório, descerra-se o caminho para novas
reclamações. É um efeito multiplicador. Mais precedentes obrigatórios, mais reclamações
para garantir sua observância. Um precedente obrigatório dá azo a reclamações. Primeiro,
porque poderá haver resistência em seguir os precedentes obrigatórios. Segundo porque, ainda
que haja disposição para observar os precedentes, é plausível ocorrer discordância
interpretativa quanto ao conteúdo do precedente, ou seja, os juízes sigam os precedentes, mas
ao os aplicar os jurisdicionados discordem da interpretação dada, dando ensejo a novas
reclamações.
Assim, quanto mais precedentes obrigatórios um tribunal firmar, maior será a
quantidade de reclamações, que pode ser fruto da renitência dos juízes, ou por erro na
aplicação ou, até mesmo, por discordância interpretativa. A reclamação, nesse último caso,
funciona como ambiente adequado para exercício do distinguishing e reinterpretação do
próprio precedente, conforme será visto adiante.
Insista-se num ponto. Não haverá reclamações tão-somente se houver resistência
em observar o precedente obrigatório. Ainda que os precedentes obrigatórios sejam
observados, é admissível a reclamação por erro na aplicação. Se houve, ou não, erro na
aplicação é uma questão de mérito que levará a improcedência ou procedência, conforme o
caso.
Não se pode ter medo que a resistência aos precedentes gere muitas reclamações.
É exatamente a sua função. Na verdade, deve-se congratular que haja a reclamação, diante do
temor de resistência aos precedentes, pois há um meio adequado de quebrar essa resistência,
que – por vezes – as vias recursais não são suficientes.
É um argumento imprudente (e simplista) o volume de reclamações nos tribunais,
no objetivo de tolher as hipóteses de cabimento e diminuí-las. A reclamação serve exatamente
para impor a observância dos precedentes, ou seja, garantir tratamento isonômico e segurança
jurídica aos jurisdicionados. É um remédio que permite aos jurisdicionados pleitear um
julgamento igualitário pelo Poder Judiciário. Caso haja alguma resistência aos precedentes
obrigatórios, é essencial a reclamação, e não importa que essa resistência perdure
83
indefinidamente; pois, o que realmente convém é haver um instrumento para ultrapassar a
resistência e impor a observância acertada do precedente, garantindo, ao fim, segurança
jurídica e isonomia na entrega da tutela jurisdicional.
Com efeito, o medo do excesso de reclamações é, até certo ponto, paradoxal. Foi
elaborado um sistema de precedentes formalmente vinculantes, já que os juízes não seguem
os precedentes dos tribunais aos quais estão vinculados. Como parte desse sistema, foi eleita a
reclamação para impor a obediência a alguns dos precedentes. Procurar estreitar as hipóteses
de cabimento, para diminuir seu volume nos tribunais, significa, portanto, esvaziar o sistema
de precedentes. É um raciocínio paradoxal: desejam-se precedentes obrigatórios para vincular
formalmente os juízes, porém não se quer um instrumento para impô-los, com receio que se
inundem os tribunais; com esse argumento, volta-se à estaca zero.
Convém registrar o caráter pedagógico da reclamação.225 O julgamento da
reclamação não opera o efeito substitutivo. A reclamação cassa a decisão para que o órgão
reclamado profira nova decisão, dessa vez respeitando o precedente tido por violado. Aí
reside o caráter pedagógico da reclamação. O órgão reclamado é forçado a obedecer – ele
próprio – a autoridade do precedente. Não recebe simplesmente uma decisão substituindo a
sua; o órgão reclamado tem sua decisão cassada, sendo obrigado a proferir outra decisão, em
respeito ao precedente. Essa obrigação de proferir nova decisão caracteriza o caráter
pedagógico da reclamação226. Ao cabo, esse caráter pedagógico contribui para criar a cultura
de respeito aos precedentes.
Coloca-se aqui a reclamação formando um tripé, em conjunto com o habeas
corpus e o mandado se segurança. No sistema jurídico nacional, o habeas corpus garante o
direito fundamental à liberdade; o mandado de segurança protege o sujeito de direito perante a
Administração Pública; e, a reclamação torna-se o remédio para adensar o princípio da
igualdade e o da segurança jurídica junto ao Poder Judiciário227. Num Estado Democrático de
Direito, é essencial um Poder Judiciário seguro e que conceda tutela isonômica a todos
jurisdicionados. A reclamação contribui para tanto.
225 VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação constitucional e a valorização do precedente.
Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 220, jun.-2013, p. 59-60. 226 VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação constitucional e a valorização do precedente, cit.,
p. 60. 227 Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, em 2000, já havia chamado a Reclamação da “garantia das garantias”
(DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 501).
84
2.3. A gênese sob uma perspectiva sociológica
As pesquisas sobre a gênese da reclamação mostram, na maior parte, como
ocorreu seu surgimento. Elas explicam a forma de sua aparição, a maneira como se originou a
reclamação. Contudo, não abrangem as razões que levaram ao seu surgimento. Demonstram o
modo de origem e os fundamentos dogmáticos, porém não explicam o porquê do surgimento.
Quais foram as razões sociais, históricas e políticas do surgimento da reclamação? É essa
questão que será respondida, sob uma simples perspectiva histórica, nos limites desta
pesquisa.
Aqui, inicialmente, cabe lembrar a crítica antiga de Miranda Rosa:
É curioso, assim, constatar a extrema escassez de estudos jurídicos e sociológicos a respeito
da influência de valores culturais ou sócio-culturais, em relação aos diversos ramos do
Direito e, particularmente, do Direito Processual. (...) O exame do Direito Processual em
relação às suas motivações nos valores sócio-culturais é virtualmente inexistente.228
Com a reclamação não é diferente. Há escassez de estudos sociológicos, como
ocorre com o restante do Direito Processual Civil. No presente item, não se faz uma ampla
pesquisa sociológica, mas apenas se traz simples ideias que possam explicar o motivo do
surgimento da reclamação. E a ideia trazida é que a resistência – reiterada – dos juízes locais
ao cumprimento das decisões do STF, bem como a afronta à sua competência levaram ao
surgimento da reclamação, à míngua da existência de um instrumento adequado para
preservar a competência e garantir o respeito às decisões do STF.
É importante a lição de Sérvulo Correia, ao tratar do surgimento do mandado de
segurança, porém servível à reclamação constitucional:
Lê-se com frequência a afirmação de que o mandado de segurança foi essencialmente uma
criação brasileira. Cremos que assim é, uma vez que o instituto processual foi nascendo na
psique nacional por força da evolução do próprio ordenamento jurídico e do modo como,
em face das circunstâncias políticas e sociais específicas, se foram desenhando as
necessidades de tutela jurisdicional administrativa.229
O mandado de segurança aparece, no ordenamento brasileiro – Lei nº 191/1936 –
para suprir um vácuo processual consistente, em resumo, na ausência de “um instrumento
mais eficiente e expedito para coibir ou prevenir a ocorrência dos abusos praticados pelos
228 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito. O fenômeno jurídico como fato social. 9ª ed. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 154. 229 CORREIA, Sérvulo. Direito do contencioso administrativo. Lisboa: Lex, 2005. p. 211.
85
agentes do Estado.”230-231 Na Primeira República, o Poder Judiciário era bastante fragilizado,
por razões políticas e jurídicas (ingerência política, falta de autonomia financeira, ausência de
garantias para a magistratura, forte poder político dos chefes locais e estaduais etc.); daí se
encontravam dificuldades em controlar os atos administrativos, restando sem proteção os
sujeitos de direito frente ao Poder Público.232 Assim, “adensou-se no Brasil, ao longo da
segunda década do século XX, a consciência necessária de um novo meio processual
específico, capaz de reintegrar como celeridade e imediatividade os direitos dos particulares
violados pela Administração.”233
Em resumo, o mandado de segurança surge porque não havia meio adequado,
célere e eficaz para proteger o cidadão dos reiterados atos abusivos do Poder Público. Cuidou-
se de uma necessidade social, política e do próprio sistema jurídico. Origina-se por haver um
vazio jurídico-social.234
Os motivos do surgimento da reclamação são análogos aos do mandado de
segurança. A reclamação se origina, em virtude de circunstâncias sociais, políticas e jurídicas
que propulsionaram o ordenamento jurídico a buscar um instrumento adequado e eficaz para
preservar a competência do STF e garantir a autoridade de seus julgados. Nasce na psique dos
envolvidos na tutela jurisdicional, principalmente na das partes, dos juízes e dos advogados, a
necessidade de um novo instituto. Havia um vácuo jurídico no ordenamento, igual ao caso da
origem do mandado de segurança; a diferença que a lacuna jurídica da reclamação foi suprida
pelo Poder Judiciário, ao passo que a do mandado de segurança foi por atividade legislativa.
Em outras palavras, as reiteradas ofensas, pelas justiças locais, à competência e às
decisões do STF, desenharam a necessidade de um instrumento eficaz para combater essas
ofensas, exatamente porque não existia nenhum instrumento útil para tanto. O STF, então,
230 CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança. São Paulo: MP, 2009. p. 22. 231 O vácuo jurídico consistente na ausência de meio para, eficazmente, combater a abusividade dos atos do
Poder Público se deu, principalmente, porque não vingou a teoria brasileira do cabimento de habeas corpus para
controlar atos administrativos. Essa tese, amparada em parte da doutrina, durou até 1926 e, a partir daí, surge um
vazio que cria a necessidade sócio-jurídica do mandado de segurança: “A defesa da teoria brasileira do habeas
corpus persistiria até a reforma constitucional de 1926, que alterou vários dispositivos constitucionais, dentre
eles, o art. 72, § 22, da Constituição de 1891, restringindo ou explicitando que o bem jurídico tutelável pelo
habeas corpus seria, como sempre foi, a liberdade, o direito de locomoção. Tal vazio deixado por essa restrição
é que provocaria o surgimento da figura do mandado de segurança” (CAVALCANTI, Francisco. O novo
regime jurídico do mandado de segurança, cit., p. 20). 232 CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança, cit., p. 21. 233 CORREIA, Sérvulo. Direito do contencioso administrativo, cit., p. 208. 234 Em Congresso Jurídico de 1922, o Juiz do STF, Muniz Barreto, sublinhou, na apresentação de sua tese, que a
Justiça deveria estar aparelhada para restaurar, pelos meios jurídicos adequados e dotados de prontidão, as
situações de lesão de Direito pela Administração. (CAVALCANTE, Themístocles Brandão. Do mandado de
segurança. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967. p. 32-35).
86
construiu a reclamação constitucional, gradualmente, preenchendo o vácuo no ordenamento
jurídico.235 Tratou-se de criação jurisprudencial para atender a uma necessidade sócio-jurídica
do sistema. Social, porque havia persistentes ofensas à competência e às decisões do STF, que
levavam à sensação de insegurança. Jurídica, porque, para o ordenamento, não é saudável o
órgão de cúpula do Poder Judiciário – dotado de alto grau de cogência – ser repetidamente
afrontado.
Já se viu no item 2.2.1., que o STF começa a apreciar reclamações por volta da
década de 1940 e, aos poucos, a delineou como atualmente é conhecida. E um dos fatores que
levou, na década de 1940, a ocorrer reiteradas ofensas à competência e à autoridade das
decisões do STF foi, na ideia desta pesquisa, um problema que já existia desde a Primeira
República: poderes, local e estadual, fortes que não se viam obrigados diante do Poder
Federal.236
Por outro lado, com a promulgação da Constituição de 1934, inaugurou-se um
propósito constitucional unificador dos Estados brasileiros, que atuou sobre diversas
manifestações da vida brasileira.237 No setor jurídico, a influência unificadora foi intensa no
Direito Processual. Antes de 1934, cada Estado era competente para legislar sobre Direito
Processual, entretanto a nova carta constitucional concedeu competência apenas à União. Em
1939, foi publicado o Decreto-lei nº 1.608, um Código de Processo Civil válido para todo
território nacional, servindo ao propósito unificador do Poder Central Federal.238
Somava-se, ainda, a larga competência do STF, que, na época, julgava, em grau
recursal, recursos extraordinários por ofensa à lei federal e à Constituição. O STF era
guardião da lei federal e, igualmente, da Constituição.
Os fortes poderes locais, diante do propósito unificador e centralizador da União,
não se intimidaram facilmente frente à pretensão centralizadora da União e a ingerência daí
advinda. Houve resistência que foi demonstrada, inclusive, no Poder Judiciário local –
controlado pelos coronéis e chefes municipais – resistindo ao cumprimento de decisões do
STF. Explica-se.
235 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 172-182. 236 KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República. Revista da USP. São
Paulo, v. 21, mar./mai-1994, p. 59-69. 237 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito, cit., p. 164. 238 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1947, t.1, p. 64-65.
87
Na República, os governos estaduais eram eleitos diretamente, daí as oligarquias
estaduais estabeleceram alianças com os coronéis – uma expressão do poder local – que lhes
davam apoio eleitoral em troca do controle dos municípios.239 Havia um sistema de
reciprocidade entre o poder local, nas figuras do coronel e do chefe municipal, e o poder
estadual. O coronel, elemento desse sistema, era tão fortalecido localmente, que conseguia
subjugar juízes e promotores, até porque não havia a prerrogativa da inamovibilidade e suas
nomeações ficavam a cargo do poder estadual, cuja relação com os chefes locais era de
favores recíprocos. Os juízes eram do coronel, lhe pertenciam.
Raymundo Faoro bem explica:
O coronel municipal, delegado do governo estadual – delegado sem vínculo hierárquico,
insista-se, e no exercício das funções com patrimônio próprio – subordina a si diversos
subcoronéis, aos quais comanda e dos quais é dependente. O coronel tem capangas,
elementos sem vontade própria, como os têm os subcoronéis. Entre os coronéis e os
subcoronéis, bem como entre os dois e os não dependentes imediatos (empregados,
devedores, moradores em sãs terras) há um laço de amizade, que atenua a ameniza a
subordinação. Em regra o compadrio une os aderentes ao chefe, chefe enquanto goza de
confiança do grupo dirigente estadual e enquanto presta favores, com o domínio do
mecanismo policial, muitas vezes do promotor público, não raro expresso na boa vontade
do juiz de direito. As autoridades estaduais – inclusive o promotor público e o juiz de
direito – são removidas, se em conflito com o coronel. Até a supressão da comarca, seu
desmembramento, elevação de entrância são expedientes hábeis para arredar a autoridade
incômoda.240
Os chefes municipais e o coronel, portanto, controlavam o Poder Judiciário local.
Possuíam inserção e ingerência sobre os juízes de direito, quando não muitas vezes eram seus
parentes ou tinham relação de compadrio, lealdade e veneração241-242. Nos níveis de Poder
Público local, por vezes, havia uma extensão do núcleo familiar. As funções públicas eram
239 Nesse sentido: FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 16ª ed. São Paulo: Globo, 2004, v. 2, p. 631-632;
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 45-52;
KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República, cit., p. 61. 240 FAORO, Raymundo. Os donos do poder., cit., v. 2, p. 632. 241 FAORO, Raymundo. Os donos do poder, cit., v. 2, p. 633. 242 “A ascensão política dos bacharéis dentro das famílias, não foi só de genros: foi principalmente de filhos,
como indicamos em capítulo anterior. Se destacamos aqui a ascensão dos genros é que nela se acentuou com
maior nitidez o fenômeno da transferência de poder, ou de parte considerável do poder, da nobreza rural para a
aristocracia ou a burguesia intelectual.” (FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado
e desenvolvimento do urbano. 16ª ed. São Paulo: Global, 2016. p. 724).
88
guiadas pelos laços de sangue e de coração, raramente se norteavam pelo interesse público-
objetivo.243
Em suma, o Poder Judiciário local – os juízes de direito – era subjugado aos
chefes municipais e ao coronel, sendo também submisso ao chefe estadual244, tanto por razões
de política-força quanto por razões de política-compadrio.245
Por outro lado, as cartas constitucionais, de 1934 e 1937, aumentaram os poderes
da União. Houve um propósito unificador dos Estados, que acarretava na robustez da União,
em detrimentos dos poderes dos Estados.246 Estabeleceu-se um federalismo, no qual a União
saiu muito fortalecida247, tanto que “intervinha ostensiva ou maliciosamente nos estados de
243 “No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de
funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível
acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu
ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos,
foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. Em um
dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos
chamados “contatos primários”, dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na
vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre
mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a
sociedade em normas antiparticularistas” (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo:
Companhia da Letras, 2011. p. 146). 244 Eis a lição de Victor Nunes Leal: “O bem e o mal, que os chefes locais estão em condição de fazer aos seus
jurisdicionados, não poderiam assumir as proporções habituais sem o apoio da situação política estadual para
uma e outra coisa. Em primeiro lugar, grande cópia de favores pessoais depende fundamentalmente, quando
não exclusivamente, das autoridades estaduais. Com o chefe local – quando amigo – é que se entende o governo
do Estado em tudo quanto respeite aos interesses do município. Os próprios funcionários estaduais, que servem
no lugar, são escolhidos por sua indicação. Professoras primárias, coletor, funcionários da coletoria,
serventuários da justiça, promotor público, inspetores do ensino primário, servidores da saúde pública etc.,
para tantos cargos a indicação ou aprovação do chefe local costuma ser de praxe. Mesmo quando o governo
estadual tem candidatos próprios, evita nomeá-los, desde que venha isso a representar quebra do prestígio do
chefe político do município. Se algum funcionário estadual entra em choque com este, a maneira mais
conveniente de solver o impasse é removê-lo, às vezes com melhoria de situação, se for necessário. A influência
do chefe local nas nomeações atinge os próprios cargos federais, como coletor, agente do correio, inspetor do
ensino secundário e comercial etc., e os cargos das autarquias (cujos quadros de pessoal têm sido muito
ampliados), porque também é praxe do governo da União, em sua política de compromisso com a situação
estadual, aceitar indicações e pedidos dos chefes políticos nos Estados.” (Em: LEAL, Victor Nunes.
Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 44). 245 “O aspecto que logo salta aos olhos é o da liderança, com a figura do “coronel” ocupando o lugar de maior
destaque. Os chefs políticos municipais nem sempre são autênticos “coronéis”. A maior difusão do ensino
superior no Brasil espalhou por toda a parte médicos e advogados, cuja ilustração relativa, se reunida a
qualidades de comando e dedicação, os habilita à chefia. Mas esses mesmos doutores, ou são parentes, ou afins,
ou aliados políticos dos coronéis” (Em: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 22). 246 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 81-
84. Tratando apenas da Constituição de 1934: PINTO FERREIRA. A Constituição brasileira de 1934 e seus
reflexos na atualidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 93, jan./mar.-1987. p. 15-
30) 247 Esse fortalecimento do poder federal não foi mera opção política. Ela se explica também pelas novas
tecnologias de transporte e comunicação, que permitiram a União chegar em locais antes inacessíveis. O poder
era relegado ao coronel local, porque a União lá não conseguia chegar, mas com novos meios de transporte e
comunicação a União consegue chegar em novos locais, mitigando os poderes do coronel local (Em: LEAL,
Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 42).
89
médio porte na Federação (Pernambuco, Ceará), mas respeitava as poderosas forças
públicas de São Paulo, Minas Gerais”.248 Daí, até mesmo as legislações processuais dos
Estados foram revogadas; foi estatuído um Código (Decreto-lei nº 1.608/1939) para reger
todo o Processo Civil brasileiro, cuja competência para interpretar, em última análise, era do
STF.
Esse cenário implicou o aumento de decisões de juízes locais usurpando a
competência do STF, bem como afrontando a autoridade de suas decisões, o que, como já
dito, criou a necessidade de um instrumento para preservação de competência e garantia da
autoridade dos julgados do STF.
Os coronéis e chefes locais resistiram às ingerências da Poder Federal. Eram ilhas
de poder fortes e, em certa medida autônomas, com aptidão de contrastar a União. Essa
resistência refletiu no Poder Judiciário, subjugado e submisso aos poderes locais e estaduais.
O Poder Judiciário local contrapõe-se à autoridade do STF, pois prefere atender aos interesses
daqueles que detêm o poder local e, inclusive, o poder sobre os cargos de juízes, a obedecer às
decisões do STF.
O fortalecimento da União quebra a harmoniosa relação entre os poderes local,
estadual e federal. A relação, antes harmoniosa e mutuamente recíproca, passa a pender para o
lado da União, em detrimento do chefe local249, cuja “mentalidade estreita, confinada ao
município, onde interesses de sua facção se sobrepõem aos da pátria”,250 leva-o a resistir à
ingerência da União, de todas as formas, inclusive às decisões judiciais. O chefe local
consegue subjugar o Poder Judiciário local, a ponto de conseguir que os juízes locais resistam
às decisões do STF contrárias aos seus interesses.
Esses fatores, históricos, políticos e sociais, levaram às afrontas reiteradas à
competência e às decisões do STF, que, por sua vez, ocasionaram a necessidade de um
instrumento para combater essas afrontas. Não podia o STF, órgão de cúpula do Poder
Judiciário, ser ofendido repetidamente. Era necessário buscar um instituto que pudesse coibir
a usurpação de competência do STF e garantir suas decisões.
248 PINTO FERREIRA. A Constituição brasileira de 1934 e seus reflexos na atualidade. Revista de Informação
Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 93, jan./mar.-1987. p. 20. 249 “É claro, portanto, que os dois aspectos – o prestígio próprio dos “coronéis” e o prestígio de empréstimo
que o poder público lhes outorga – são mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tempo como
determinantes e determinados. Sem a liderança do “coronel” – firmada na estrutura agrária do país –, o
governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a liderança do
“coronel” ficaria sensivelmente diminuída”. (Em: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 43). 250 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 37.
90
À míngua de um meio eficaz e adequado, o sistema jurídico, por meio da
jurisprudência, criou, então, a reclamação para suprir esse vácuo jurídico. Surge a reclamação,
durante a década de 1940, para preencher um vazio no sistema: inexistência de instrumento
para – eficazmente – preservar a competência do STF e garantir a autoridade dos seus
julgados.
Tal qual ocorreu com o mandado de segurança, a reclamação constitucional surgiu
diante de um vácuo jurídico ou uma “lacuna jurídica ameaçadora”251. Faltava no sistema um
instrumento jurídico adequado para tutelar as afrontas praticadas pelo Poder Público aos
direitos dos cidadãos, no caso do mandado de segurança, daí por que o Poder Legislativo
criou o mandado de segurança; por outro lado, também faltava no sistema um meio adequado
e eficiente para combater as reiteradas afrontas à autoridade e à competência do STF, o que
permitiu ao STF (cúpula do Poder Judiciário) criar um instituto – reclamação constitucional –
apto a preservar sua competência e a autoridade de seus julgados. A diferença principal entre
o surgimento dessas ações processuais é a origem. No caso do mandado de segurança, a
lacuna foi suprida por atividade legislativa, ao passo que no da reclamação constitucional, a
origem é no seio do Poder Judiciário.252
A criação da reclamação constitucional é um típico caso em que os tribunais, no
caso do STF, se mostram sensíveis “paralelamente à mudança social subjacente à ordem
jurídica”.253 As decisões do STF se amoldaram à necessidade sócio-jurídica de um
instrumento processual para preservar a sua competência e a autoridade de seus julgados.
2.3.1. A gênese sob uma perspectiva sociológica: as razões sociais da eleição da
reclamação como meio de impor a observância dos precedentes
Decorridas algumas décadas do surgimento da reclamação, outro vácuo jurídico se
torna latente. Surge outra “lacuna jurídica ameaçadora”254 ou, ao menos, a sensação dela.
251 A expressão é utilizada por Eduardo José da Fonseca Costa, para exprimir que a ausência de um instituto no
sistema jurídico deixa situações importante sem solução adequada (Em: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da
reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2201). 252 Convém registrar o aspecto de comunidade de trabalho entre Jurisprudência, Doutrina e Legislação na
formação da ordem jurídica vigente. Sobre o aspecto histórico dessa comunidade de trabalho, consultar:
CAENEGEM, R. C. van. Juízes, legisladores e professores. Trad. Luiz Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier,
2010. p. 47-78. 253 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto; CANDIDO, Odilá Dinorá de Alagão. Jurisprudência e mudança social.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 164. 254 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil,
cit., p. 2201
91
Mais precisamente, a ausência de meio adequado para controlar a aplicação e observância dos
precedentes dos tribunais. Com o persistente desrespeito aos precedentes dos tribunais,
desenha-se a necessidade de um meio, rápido e eficaz, de impor a observância dos
precedentes aos órgãos jurisdicionais inferiores.
No Brasil, há valores culturais, patrimonialistas e personalistas, que implicam um
sistema judicial incoerente, irracional e sujeito a mudanças repentinas. Não há respeito aos
precedentes judiciais. Os juízes não absorvem com frequência as orientações jurisprudenciais.
Ao contrário, os juízes consagram, nas decisões, seus valores e desejos pessoais, sem qualquer
compromisso com os precedentes.255
A formação cultural brasileira explica o desrespeito aos precedentes e a
necessidade, social e jurídica, de um meio adequado para o controle de sua aplicação ou de
sua inobservância. Ou seja, explica-se a eleição da reclamação como instrumento para impor
respeito aos precedentes.256
A formação cultural brasileira é tipicamente patrimonialista e personalista257. O
patrimonialismo significa a obediência baseada na autoridade patriarcal, quase que
sacralizada. Um poder atávico, pessoal e arbitrário do patriarca. Esse caráter patrimonialista é
reproduzido no Poder Público e na administração da justiça; o cargo público e o seu ocupante
estão a serviço da autoridade que sobre eles detém poder. Assim, as decisões, num Poder
255 “No Brasil, muitos juízes ainda imaginam que podem atribuir significado aos textos que consagram direitos
fundamentais a seu bel-prazer – como se a Constituição fosse uma válvula de escape para a liberação dos seus
valores e desejos pessoais – e, assim, decidir sem qualquer compromisso com os precedentes constitucionais,
numa demonstração clara de ausência de compreensão institucional. Estão por detrás da falta de respeito aos
precedentes argumentos retóricos e natureza jurídica, valores culturais e, inclusive, um nítido interesse num
sistema judicial incoerente e aberto a mudanças repentinas. É importante perceber que a falta de autoridade
das decisões das Cortes Supremas não deriva apenas da rejeição teórica à ideia de que as suas decisões devem
definir o sentido do direito e, portanto, orientar os demais tribunais, mas também do desinteresse de posições
sociais significativas na racionalização da distribuição do direito no país.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A
ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 73-74). 256 Há mais de vinte anos, Miranda Rosa já alertava a importância da Sociologia Jurídica investigar a influência
dos precedentes judiciais na realidade jurídica brasileira: “Sem a mesma importância que, na Inglaterra e nos
Estados Unidos da América do Norte, principalmente, e nas outras organizações estatais que adotam o mesmo
sistema de common law, possuem os precedentes judiciais, estes exercem, entretanto, no Brasil e no resto dos
países da civilização ocidental, ou que ela influenciou, uma força condicionante que impressiona pela sua
regularidade. Como opera, na realidade, essa influência, em que grau ela efetivamente se exerce, se é alterada,
ou não, pelas outras modificações sociais subjacentes à realidade jurídica, que motivos fazem que os
magistrados, muitas vezes, se submetem a orientações jurisprudenciais diferentes daquelas que entenderiam as
melhores, constituem assuntos a serem investigados no interesse da administração da justiça. A Sociologia do
Direito deve-se ocupar disso.” (MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito. O fenômeno
jurídico como fato social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 185). 257 Para entender a formação do patriarcado brasileiro, consultar: FREYRE, Gilberto. Casa-grande e Senzala:
formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 52ª ed. São Paulo: Global, 2013.
92
Judiciário patrimonialista, estão a serviço dos critérios pessoais de certas autoridades, num
jogo de interesses alheio à impessoalidade, não havendo, portanto, respeito aos precedentes.258
O caráter patrimonialista agrega-se ao personalismo. Uma forte dosagem de
preocupação individual e falta de comprometimento com interesses objetivos. Há
compromisso apenas com interesses estritamente pessoais. Esses traços culturais
patrimonialistas e personalistas fazem com que o brasileiro não compreenda bem os domínios
do privado e do público. Ele não sabe a diferença entre o “jardim” e a “praça”.259 O brasileiro
possui dificuldade em enxergar a coisa pública, a trata como se fosse sua. O funcionalismo
público é reprodução da vida doméstica. Os ocupantes dos cargos públicos são escolhidos por
uma relação de confiança pessoal, independentemente de suas aptidões técnicas. O brasileiro
é o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda. O homem que não se dedica a suas
funções impessoal e objetivamente. Mas sim o homem que atende aos interesses pessoais,
guiados por laços de sangue, coração, amizade, além da obediência à autoridade. O homem do
jeitinho, que prefere atender pelo nome de batismo, ao invés de seu sobrenome. O brasileiro
atua na vida pública como se na privada estivesse, com pouca noção da coisa pública e
interesses impessoais e objetivos.260
O homem cordial também esteve presente na administração da justiça.261 A
cultura brasileira patrimonialista e personalista contaminou o Poder Judiciário e os sujeitos
nele envolvidos. As decisões judiciais, portanto, foram afetadas pelos interesses pessoais
daqueles ligados à administração da justiça. As decisões são manipuladas em favor daqueles
que merecem estima, confiança e simpatia.262 O homem cordial – advogado, juiz, promotor,
258 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 82. 259 Sobre a experiência brasileira em relação aos domínios público e privado, é proveitoso consultar:
SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça. São Paulo: Edusp, 1993. p. 103-108. Eis um trecho importante: “De
certa forma o problema do privatismo brasileiro, que se prende ao “personalismo” ainda hoje perceptível,
deverá ser entendido em conexão com fenômenos idênticos, correntes em toda a América Latina: latifúndios,
famílias dinásticas, caudilhismo político, partidos formados por coalisões pessoais, escassa e descontínua do
povo e do sentido de coisa pública como tal.” 260 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2011. p. 145-148. 261 Aqui cumpre registrar a lição de Francisco de Barros e Silva Neto: “A Administração Judiciária não é seara
alheia ao Direito Processual, como também não o é a Sociologia do Processo. Apenas se pode compreender
adequadamente o fenômeno processual por uma mirada que contemple todas essas perspectivas, pois, como
visto, soluções de direito processual surgem de “problemas administrativos” e vice-versa.” (SILVA NETO,
Francisco de Barros e. Paradoxos do recurso extraordinário como ferramenta do direito processual
constitucional. Questões atuais sobre os meios de impugnação contra decisões judiciais. CUNHA, Leonardo
Carneiro da (coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 53). 262 “Também aí teve e ainda tem lugar o “homem cordial”, o juiz e o promotor que atuam com base nos velhos
motivos que presidiam a família patriarcal, quando tudo girava em torno da pessoalidade. O advogado
igualmente é investido dessa figura, tornando-se o “bajulador” que deixa de ser defensor dos direitos para se
tornar lobista de interesses privados, para o que são mais efetivas as relações peculiares ao chamado
93
servidor etc. – inviabilizou a aplicação igualitária da lei. A interpretação das fontes do direito
era norteada para beneficiar e agradar aqueles envolvidos na administração da justiça,
independente do próprio senso de justiça. O conteúdo decisório era, e ainda é, direcionado aos
amigos ou àqueles detentores de poder e possibilidade de troca de favores institucionais.
Esses traços culturais brasileiros, presentes na administração da justiça,
acarretaram um sistema irracional, cuja distribuição da justiça não é igualitária. Os casos são
tratados de forma particularizada, sem respeito à igualdade, tampouco à segurança jurídica.
As fontes são interpretadas de acordo com os critérios pessoais, em detrimento da
intepretação conferida pelos tribunais, principalmente os superiores, sob o falseado e
ultrapassado argumento de que o juiz apenas se submete à lei. Não se respeita a interpretação
dos tribunais. Cada juiz é senhor de sua própria interpretação equacionada com seus
interesses.
Precisamente, o homem cordial é a antítese da ideia de que a lei é igual para todos e, por
mera consequência, o patrimonialismo que se incorporou à cultura brasileira é
completamente avesso a uma ordem jurídica coerente e a um sistema racional de
distribuição de justiça. Os governos autoritários, as posições sociais que sempre foram
privilegiadas, os ambientes deformados da magistratura e da advocacia, não só necessitam
de previsibilidade, mas não querem igualdade nem muito menos coerência e racionalidade.
Por isso fingem não ver a imprescindibilidade de uma teoria que privilegie a autoridade da
função desempenhada pelas Cortes Supremas.263
E esse sistema de prestação jurisdicional, irracional, desigual, imprevisível e
inseguro, agrada a muitos. Agrada a algumas partes, que preferem acreditar nas relações de
estima, simpatia e prestígio para obter decisões favoráveis. É interessante para alguns
advogados, cujo espaço de trabalho depende da imprevisibilidade das decisões judiciais e de
troca de favores. Traz conforto para servidores, com uma falsa sensação de aumento de
espectro de poder.
Por outro lado – apesar dos interessados no sistema irracional, que despreza a
força dos precedentes – surgiu um anseio social por segurança jurídica e igualdade na
distribuição de justiça. Apareceu uma necessidade de decisões impessoais e objetivas, que
deixassem de lado os interesses pessoais e particularistas. Surge a necessidade de um sistema
que imponha força vinculantes às decisões dos tribunais, no qual os casos idênticos sejam
“jeitinho” ou “jeito” do que conhecimento técnico-jurídico ou capacidade de convencimento do juiz.”
(MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 87). 263 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 97.
94
solucionados de forma idêntica.264 Há um anseio social por segurança e igualdade jurídica na
prestação jurisdicional que, ao cabo, significa anseio por respeito aos precedentes dos
tribunais. A sociedade demanda do Poder Judiciário sobretudo tratamento igualitário.
Passa-se a ter medo dos juízes e do conteúdo incalculável e imprevisível de suas
decisões265, na famosa lição de Eros Roberto Grau:
Isso tudo talvez acabe quando começar a comprometer a fluência da circulação mercantil, a
calculabilidade e a previsibilidade indispensáveis ao funcionamento do mercado (talvez
então os juízes voltem a ser a boca que pronuncia, sem imprensa, sem televisão...). Ou será
a desordem, até que novos rumos nos acudam...
Até então terei medo dos juízes (acaso continuarei a nutri-lo, esse medo, ainda após
então?), tenho medo do direito alternativo, medo do direito achado na rua, do direito achado
na imprensa...266
Esse medo dos juízes, levantado por Eros Roberto Grau, nada mais é que a
demanda social por uma distribuição de justiça segura e igualitária. Angustia-se por decisões
judiciais que respeitem e apliquem devidamente os precedentes emanados dos tribunais, de
forma impessoal e objetiva, sem tratamento desigual dos jurisdicionados, conferindo um
mínimo de segurança jurídica. Repudia-se o lobby, a troca de favores, as decisões
particularistas que agradam pessoas estimadas.
Há, portanto, um vácuo jurídico consistente na ausência de um instrumento capaz
de forçar a observância dos precedentes. O meio eleito pelo CPC/2015 foi a reclamação
constitucional, que passa a ser a ação adequada para impor respeito a alguns dos precedentes
vinculantes, mais precisamente aos enunciados de súmula vinculantes, decisões do STF em
controle concentrado de constitucionalidade, recursos repetitivos e incidente de assunção de
competência.
A reclamação foi trazida pelo CPC/2015 para garantir a observância dalguns dos
precedentes dos tribunais. É uma forma de buscar que os precedentes sejam realmente
seguidos pelos juízes, garantindo decisões igualitárias, calculáveis e previsíveis. A reclamação
264 “Um sistema que confere autoridade às decisões judiciais das Cortes Supremas, vendo-as como precedentes
dotados de força obrigatória ou vinculante, garante a imparcialidade da prestação jurisdicional em todos os
níveis da estrutura do Poder Judiciário e, por consequência, dificulta o “jeito” e o lobby, peculiares às relações
dotadas de pessoalidade e características à formação cultural brasileira.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A
ética dos precedentes, cit., p. 94). 265 São utilizados termos tais quais “jurisprudência lotérica” e “jurisprudência banana boat” para indicar a
ausência de confiança legítima nas decisões judiciais (CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos
Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 786, abr-2001; SILVA, Ticiano Alves e. Jurisprudência banana
boat. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 209, jul-2012). 266 GRAU, Eros Roberto. Por que eu tenho medo dos juízes. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 139.
95
contribui para adensar a segurança jurídica na prestação jurisdicional, garantindo maior
respeito aos precedentes; e, como dito, observar os precedentes diminui as chances de
decisões particularistas, comprometidas apenas com interesses pessoais. O respeito aos
precedentes confere maior respaldo institucional ao Poder Judiciário, como um todo, e atende
à exigência social de uma administração da justiça imparcial e impessoal.
Como explicado no item 2.3., o STF criou a reclamação, nas hipóteses específicas
de garantia de eficácia de seus julgados e preservação de sua competência, em virtude de uma
conjuntura social que levou a tanto; da mesma forma, o CPC/2015 criou novas hipóteses de
cabimento de reclamação, tornando-a um dos meios adequados para controlar a aplicação de
precedentes, diante do anseio social por decisões equânimes e seguras.267
Tome-se aqui a lição de Miranda Rosa, para quem o processo judicial é o meio
adequado para concretização dos princípios da igualdade e da segurança jurídica. “O processo
judicial tem como elemento indispensável das suas motivações e das suas razões de ser
assegurar a igualdade das partes em face dos órgãos jurisdicionais do Estado.”268 A
legislação processual, embora não de forma absoluta, encarta os valores culturais da
sociedade. Assim, os valores segurança e igualdade, almejados pela sociedade, contaminam o
sistema processual.269 Essa necessidade social de respeito aos precedentes, pelas razões
acima, levou o CPC/2015 a eleger a reclamação constitucional como meio adequado para
controlar a aplicação dos precedentes; o sistema processual reorganiza-se e acomoda-se para
adensar os valores igualdade e segurança.
2.4. A reclamação constitucional no direito comparado
Neste item, aproveita-se a rica pesquisa de Direito Comparado já realizada por
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, no principal trabalho até hoje empreendido sobre
267 Como exposto nos itens 2.2.2.4. e 2.2.2.5., durante a fase constitucional da reclamação, o STF ensaiou, em
algumas decisões, utilizar a reclamação como forma de controlar a aplicação de seus precedentes, no caso, de
impor respeito às rationes decidendi de acórdãos de controle concentrado e difuso de constitucionalidade, o que,
contudo, não vingou, apesar dos debates capitaneados principalmente por Gilmar Ferreira Mendes. Era, naquela
fase constitucional, latente o vácuo jurídico consistente na ausência de um meio adequado para impor a
interpretação dos tribunais aos demais juízes, para adensar a segurança jurídica e a igualdade da prestação
jurisdicional, o que veio a ser suprido na fase codificada, pelo 268 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito, cit., p. 158. 269 “A segurança social, ou seja, a segurança da sociedade como um todo, também está presente nas normas
processuais (...) Os valores éticos que informa a vida social encontram-se presentes em todo o sistema de
normas processuais (...) Prevalecendo esses valores éticos, é acentuada a realização dos demais valores básicos
que o complexo sócio-cultural procura assegurar do Direito Processual” (MIRANDA ROSA, Felippe Augusto.
Sociologia do Direito, cit., p. 160-161).
96
reclamação constitucional.270 O autor elegeu – partindo de métodos de pesquisa do Direito
Comparado, previamente expostos – sete países e o ordenamento comunitário europeu para
comparar com o ordenamento jurídico brasileiro, no intuito de identificar algum instituto
similar à reclamação constitucional.
Por ser um instituto genuinamente brasileiro, não buscou uma medida exatamente
idêntica à reclamação. Buscou-se, nos sistemas estrangeiros eleitos, analisar como funcionam
e operam os meios jurídicos existentes, para identificar instrumentos que desempenhem as
finalidades exercidas pela reclamação no Brasil. Assim, em sua pesquisa, não utilizou o
nomen iuris como parâmetro de pesquisa, mas sim as características, funções e finalidades dos
institutos comparados.271
Convém registrar que, no momento da pesquisa realizada por Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas, as funções da reclamação eram a de preservar a competência e a de garantir a
autoridade das decisões dos tribunais. Não havia, ainda, a previsão textual das hipóteses de
cabimento para controlar e impor a observância de precedentes. Então, os parâmetros de
pesquisa, para fins de Direito Comparado, no rastro de um instituto homólogo, limitaram-se a
preservação de competência e garantia de autoridade dos julgados. Não foram buscados
institutos com as características da reclamação, cujo objetivo também fosse controlar
aplicação de precedentes.
O autor elegeu sete países e o sistema jurídico da comunidade europeia. O Estados
Unidos, pois é país do judicial review e a origem da teoria dos poderes implícitos (implied
powers theory), tão importante para a gênese da reclamação, como explicado no item 2.2.1.1.
A Alemanha e a Itália, em virtude da influência doutrinária na formação e desenvolvimento
da doutrina processual no Brasil. A França, pelo peso exercido nos países de civil law. A
Áustria, já que foi o berço do controle concentrado de constitucionalidade. Portugal e
Espanha, já que o sistema jurídico brasileiro remonta às instituições ibéricas. Por fim, foi
eleito o ordenamento comunitário europeu, pois é um modelo no qual o Mercosul pode vir a
se espelhar.272
270 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 385-429;
DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado. COSTA, Eduardo
José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador:
Juspodivm, 2013. p. 335-369. 271 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 335-336. 272 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 336.
97
No curso de sua investigação, comparando os instrumentos dos ordenamentos
apontados, não se divisou um instituto realmente assemelhado à reclamação, com
características e funções claramente análogas.273 Porém, no Direito Comunitário Europeu, se
encontrou algo que um pouco se aproxima da reclamação constitucional; apenas em relação à
específica hipótese de cabimento de garantir autoridade das decisões, no caso, as proferidas
pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, atualmente o Tribunal da União
Europeia.274 Cuida-se da ação de incumprimento, prevista nos arts. 258º a 260º do Tratado de
Lisboa275, antigamente prevista nos arts. 169 a 171 do Tratado de Roma, que instituiu a
Comunidade Europeia276
O Tribunal de Justiça da União Europeia surgiu em 1952277, denominado de
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; apenas em 2007, com o Tratado de Lisboa,
passou a ser chamado de Tribunal de Justiça da União Europeia, alargando suas competências
e estrutura.278 É um tribunal supranacional, com múltiplas funções. Exerce jurisdição
administrativa, fiscal, comercial, social e consultiva. Seu principal objetivo é garantir que a
legislação da União Europeia seja aplicada e interpretada igualmente por todos os países
membros.
A ação de incumprimento é cabível quando um país membro não cumpre a
legislação europeia, cuja legitimidade para propositura é de qualquer outro país membro e da
Comissão Europeia. A ação de incumprimento poderá ser proposta se um país da União
Europeia não cumpre a legislação europeia, de forma comissiva ou omissiva. No acórdão,
sendo declarado o descumprimento, o país é condenado a pôr-lhe fim, adotando as medidas
adequadas e necessárias.279
Se o primeiro acórdão não é cumprido pelo país membro condenado, ou seja, não
são tomadas as medidas adequadas para pôr termo ao descumprimento da legislação europeia,
273 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 36. 274 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 364-369. 275 Versão consolidada de 2008, disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:2008:115:FULL&from=PT. Acesso em: 18 de julho de 2016. 276 Disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:11957E/TXT. Acesso em: 18 de
julho de 2016. 277 Entrou em funcionamento em 1952, porém foi instituído pelo Tratado de Paris, de 1951, que formou a
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Disponível em:
http://curia.europa.eu/jcms/jcms/T5_5119/pt/. Acesso em: 18 de julho de 2016. 278 Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=OJ:C:2007:306:FULL&from=PT.
Acesso em: 18 de julho de 2016. 279 MESQUITA, Maria José Rangel de. Efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias proferidos no âmbito de uma acção de incumprimento. Coimbra: Almedina, 1997. p. 28-30.
98
poderá ser ajuizada uma segunda ação de incumprimento. Dessa vez, a ação é ajuizada para
forçar o cumprimento daquilo que foi decido na primeira ação de incumprimento.
Na segunda ação de incumprimento, sendo constatado o não cumprimento do
acórdão da ação anterior, é prolatado um segundo acórdão, com imposição de multa
pecuniária, de modo a submeter o país membro ao julgado anterior;280 é nessa perspectiva que
a ação de incumprimento assemelha-se à reclamação constitucional.281 É uma ação cujo
objetivo também é garantir a autoridade de uma decisão anterior, tal qual a reclamação
constitucional. Inclusive, admite-se decisões provisórias para obstar, de imediato, o
descumprimento alegado, com base em fumus boni iuris.282
A segunda ação de incumprimento desempenha a função de garantir o estrito
cumprimento do acórdão prolatado em uma primeira ação de incumprimento, mediante
aplicação de multa. Aproxima-se nesse ponto, portanto, da reclamação constitucional.
Contudo, cada um dos institutos guarda características próprias que não os torna idênticos,
mas apenas assemelhados quanto ao objetivo de garantir o cumprimento de uma decisão
anterior.
Assim, na pesquisa de Direito Comparado empreendida por Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas, fora do ordenamento comunitário europeu, em que há a ação de
incumprimento, não foi identificado, nos sete países pesquisados (Estados Unidos, Alemanha,
Itália, Áustria, França, Portugal e Espanha), outro instrumento próximo da reclamação
constitucional.
Outra pesquisa que encontrou instituto com característica assemelhada à da
reclamação, foi a realizada por Edilson Pereira Nobre Jr. sobre medidas cautelares em sede de
fiscalização abstrata de constitucionalidade. Identificou o autor medida análoga na Bélgica.283
280 Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3Al14550. Acesso em> 18 de
julho de 2016. 281 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 366. 282 MESQUITA, Maria José Rangel de. Efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias proferidos no âmbito de uma acção de incumprimento, cit., p. 57, 96-96. 283 “Ainda no âmbito dos tribunais constitucionais europeus, desperta atenção o exemplo da Corte de
Arbitragem belga. A Lei Especial de 06 de janeiro de 1989, ao disciplinar, com detalhamentos, o recurso de
anulação de lei, decreto, ou norma elaborada nos termos do art. 134 da Constituição (leis regionais), aborda,
no seu Título I, Capítulo I, Seção III, o instituto da suspensão do ato inquinado de violar a Lei Maior, sendo de
destacar que o seu art. 19 permite que a Corte profira decisão motivada, a instância do requerente. Limitando a
competência da Corte, a fim de evitar o desprestígio da função legislativa, o art. 20 prescreve que a suspensão
somente poderá ser deliberada em duas situações. A primeira delas corporifica os pressupostos do poder geral
de cautela, estando representadas pela seriedade das razões invocadas e pelo fundado receio de que a execução
da lei ou ato normativo provoque o risco de causar prejuízo grave e de difícil reparação. A outra hipótese
sucede quando o recurso de anulação é manifestado contra uma norma idêntica ou semelhante a que restou
99
É que no Tribunal Constitucional belga é permitido suspender, cautelarmente, os efeitos da lei
impugnada, caso se cuida lei de idêntico ou semelhante teor a outra que já fora julgada
inconstitucional pelo tribunal, advinda da mesma casa legislativa. No caso, a medida
identifica na Bélgica aproxima-se da reclamação brasileira, pois destina-se a garantir a força
vinculante de uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade, que – na Bélgica
– vai além, pois obriga até mesmo o Poder Legislativo, de modo a impedi-lo que delibere
outra lei idêntica.
2.5. Natureza jurídica da reclamação constitucional
A natureza jurídica da reclamação é controvertida. Muito embora a grande
maioria dos autores identifique-a como ação,284 ainda pendem divergências que justificam
explicar qual exatamente é sua natureza jurídica.
invalidada por decisão anterior da Corte de Arbitragem e, mesmo assim, foi adotada pelo mesmo órgão
legislativo. Assemelha-se, numa correlação com o sistema jurídico pátrio, a uma reclamação para fins de
preservação da decisão vinculativa da Corte, à qual é aparelhada com a antecipação dos seus efeitos. O
dispositivo é hábil para demonstrar que a deliberação vincula também o legislador, ao contrário do que aqui se
tem entendido. O pedido de suspensão, o qual poderá ser deduzido juntamente com o recurso de anulação, ou
por petição distinta, deve conter os fatos que tornem plausível que a aplicação imediata da norma atacada
possa causar um prejuízo dificilmente reparável. Promovida mediante pleito distinto, a petição deverá indicar a
norma objeto do recurso de anulação.” (NOBRE Jr., Edilson Pereira. Fiscalização abstrata de
constitucionalidade e medida cautelar. Revista de Direito Administrativo e constitucional. Curitiba: Juruá, v. 10,
n. 41, jul./set.-2010, p. 9-10) 284 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 671; CUNHA, Leonardo
Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.
533; PACHÚ, Cláudia Oliveira. Da Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal. Revista de direito
constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55, abr./jun.-2006. p. 233; MAGALHÃES,
Breno Baía. Considerações acerca da natureza jurídica da reclamação constitucional. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 210, ago.-2012. p. 414-415; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação
constitucional no direito brasileiro, cit., p. 459-461; MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional no
Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009, p. 96;
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, t. 5, p. 287; GÓES, Gisele Santos Fernandes. Reclamação constitucional. DIDIER JR.,
Fredie (org.). Ações Constitucionais. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 508; MORATO, Leonardo L.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 109; SANTOS, Alexandre Moreira
Tavares dos. Da reclamação, cit., p. 151; PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo
com a nova Constituição. Revista dos Tribunais, cit., p. 30; TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição
constitucional brasileira: repercussão geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de
constitucionalidade e alargamento do objeto do controle direto, cit., p. 173; LEONEL, Ricardo de Barros.
Reclamação Constitucional, cit., p. 171; MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional:
precedentes, segurança jurídica e os juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 79; TAKOI, Sérgio
Massaru. Reclamação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 44; STRATZ, Murilo. Reclamação na
jurisdição constitucional. Santa Cruz do Sul: Essere nel mondo, 2015. p. 16; OLIVEIRA, Pedro Miranda. Da
reclamação. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer
(coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2015, n. 1 ao art. 988, p. 1455; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da
reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2203.
100
Para bem compreender as hipóteses de cabimento reclamação, numa análise
dogmática analítica, é preciso identificar sua natureza jurídica. É que o regime jurídico
aplicável a um instituto depende de sua natureza jurídica. É conhecendo sua natureza jurídica,
que se identificam suas características, efeitos, limites de abrangência, regras e princípios
aplicáveis e, no caso da presente pesquisa, as hipóteses de cabimento.
Em sentido oposto, foi o STF, no voto do Ministro Celso de Mello, quando
relatou a Rcl 336-DF. Em seu voto, preferiu não tratar da natureza jurídica da reclamação,
pois, segundo o ministro, qualquer qualificação que fosse dada, não alteraria sua finalidade.
Apontou variadas qualificações jurídicas possíveis de atribuir à reclamação, sustentando não
importar eleger uma delas para adequada solução do caso; foram listadas: ação, recurso,
sucedâneo recursal, remédio incomum, incidente processual e medida processual de caráter
excepcional, porém não enquadrou a reclamação em nenhuma delas.285
Esse precedente apenas demonstra a incerteza que ainda paira no STF a respeito
da natureza jurídica da reclamação. Não aponta a natureza jurídica da reclamação e, o que é
ainda mais grave, afirma ser irrelevante a necessidade de identificar sua natureza jurídica. O
STF, ao julgar de tal forma, não percebeu que o regime jurídico do instituto e todas as
consequências daí advindas dependem de identificar sua natureza jurídica.
Essa confusão é antiga. Já disse o STF que se trata de recurso, ao julgar a Rcl 831-
DF286. Por outro lado, o Ministro Orosimbo Nonato designou-a como “remédio incomum”, o
que é uma expressão vazia de significado, em nada contribuindo para identificar seu regime
jurídico.287 Ministro Nelson Hungria afirmou que era uma simples representação, sem
285 RECLAMAÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - ALEGADO DESRESPEITO A AUTORIDADE DE
DECISÃO EMANADA DO STF - INOCORRENCIA - IMPROCEDENCIA. - A reclamação, qualquer que
SEJA a qualificação que se lhe de - Ação (Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", tomo
V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonca
Lima, "O Poder Judiciário e a Nova Constituição", p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato,
"apud" Cordeiro de Mello, "O processo no Supremo Tribunal Federal", vol. 1/280), incidente processual (Moniz
de Aragão, "A Correição Parcial", p. 110, 1969), medida de Direito Processual Constitucional (Jose Frederico
Marques, " Manual de Direito Processual Civil", vol 3., 2. parte, p. 199, item n. 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou
medida processual de caráter excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ 112/518-522) - configura, modernamente,
instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a
viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a
garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, "l") e do Superior Tribunal de
Justiça (CF, art. 105, I, "f"). - Não constitui ato ofensivo a autoridade de decisão emanada do Supremo Tribunal
Federal o procedimento de magistrado inferior que, motivado pela existência de várias execuções penais ainda
em curso, referentes a outras condenações não desconstituídas pelo "writ", deixa de ordenar a soltura imediata de
paciente beneficiado por "habeas corpus" concedido, em caso diverso e especifico, por esta Corte. (Rcl 336-DF,
Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 19/12/1990, DJ 15/3/1991). 286 Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos, Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971. 287 NONATO, Orosimbo; apud MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 280.
101
qualquer natureza processual.288 Mais recentemente, o STF, no julgamento da ADIn 2.212-
CE, adotou expressamente o entendimento de Ada Pellegrini Grinover e considerou a
reclamação como exercício do direito de petição.289 Doutro lado, o STF já afirmou que a
decisão em reclamação produz coisa julgada material, o que é incompatível com o mero
exercício de direito de petição.290 O STJ, a seu turno, já afirmou que a reclamação era mero
incidente processual, logo não justificaria a condenação em honorários sucumbenciais.291
O que se entrevê é que a maior parte da doutrina aponta a reclamação como ação,
principalmente a mais recente, ao passo que o STF – durante toda as fases pré-constitucional e
constitucional, exposta nos itens 2.2.1. e 2.2.2. – não consolidou a opinião da maior parte da
doutrina, enquanto ainda restou variante, em cada julgado escolhendo uma natureza jurídica
diferente ou, quando não indicava expressamente a natureza jurídica, decidia por
consequências jurídicas próprias de alguma natureza.
Nessa atual fase codificada, o CPC/2015, com a redação dada, não espanca as
dúvidas sobre a natureza jurídica da reclamação. A topografia do instituto, que está no setor
de processos originários dos tribunais, ao lado da ação rescisória, é um indicativo de ser uma
ação, porém não é suficiente. A análise deve ser melhor aprofundada.
A reclamação constitucional é ação originária dos tribunais. É uma ação
constitucional especial.292 Tal qual o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data,
o mandado de injunção, integra a jurisdição constitucional. Sua função sistemática tríplice é
proteger a competência, a autoridade e os precedentes dos tribunais, ao fim concretizando os
princípios constitucionais da segurança jurídica e igualdade. Integra as normas de processo
288 HUNGRIA, Nelson; apud MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula
vinculante, cit., p. 83. 289 ADI 2212-CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003, DJ 14/11/2003. 290 Ementa: Direito Constitucional e Processual Civil. Reclamação: Garantia à Autoridade de Decisão do S.T.F.
(art. 102, I, ‘l’, da Constituição Federal, e art. 156 do R.I.S.T.F.). Coisa Julgada. 1. Havendo sido julgada
improcedente a Reclamação anterior, sem que os Reclamantes, no prazo legal, propusessem a Ação Rescisória,
em tese cabível (art. 485, incisos VI e IX, do Código de Processo Civil) e na qual, ademais, nem se prescindiria
de produção das provas neles exigidas e aqui não apresentadas, não podem pretender, com alegações dessa
ordem, pleitear novo julgamento da mesma Reclamação, em face do obstáculo da coisa julgada. 2. Agravo
Regimental improvido pelo Plenário do S.T.F. Decisão unânime. (STF, Rcl 532 AgR/RJ, rel. Min. Sydney
Sanches, Tribunal Pleno, j. 1º/8/1996, DJ 20/9/1996) 291 “É vedada a condenação em verba de patrocínio na reclamação. A reclamação é apenas um incidente
processual. Não dá ensejo à formação de uma nova relação jurídica-processual, tendo em vista a inexistência de
citação do reclamado para se defender. Trata-se de mero incidente, através do qual se busca preservar a
autoridade da decisão proferida no processo, bem como a competência da corte superior a quem cabe julgar
determinado recurso interposto no processo.” (Rcl 502/GO, Rel. Min. Adhemar Maciel, Primeira Seção, j.
14/10/1998, DJ 22/3/1999) 292 MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum
Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009, p. 96; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.
Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 470.
102
com assento constitucional.293 É uma ação autônoma de impugnação de ato judicial ou
administrativo. Assim, o seu regime jurídico é próprio de uma ação constitucional, como o
mandado de segurança.
2.5.1. Reclamação constitucional como medida administrativa
Inicialmente, é preciso destacar a natureza jurisdicional da reclamação. A
reclamação não é medida administrativa. Ao julgar uma reclamação, o tribunal exerce a sua
típica função jurisdicional. Os contornos da reclamação esclarecem que não é medida
administrativa. Primeiramente, porque a reclamação pode impugnar uma medida
administrativa, como nos casos de desrespeito à súmula vinculante ou inquéritos
investigativos contra autoridades com prerrogativa de foro.294
Se pode veicular impugnação a decisão a decisão administrativa, não tem a reclamação, ela
mesma, caráter de medida administrativa. É pouco mais do que evidente que um órgão do
Judiciário (ainda que o STF) não tem poder para anular, administrativamente, ato de outro
poder. A anulação, pelo Judiciário, de atos administrativos editados por outro Poder apenas
se pode dar na via judicial.295
Por outro lado, um dos efeitos da decisão da reclamação é cassar o ato reclamado.
Se o ato for decisão judicial, a reclamação provocará a cassação da decisão, com avocação
dos autos, a depender de sua hipótese de cabimento. Não se trata de atividade administrativa.
Ora, “cassar uma decisão é típica atividade jurisdicional, sendo absurdo pensar em medidas
puramente administrativas capazes de banir a eficácia de atos de exercício da jurisdição”.296
Ademais, outra série de características comprovam sua natureza jurisdicional.
Exige-se capacidade postulatória, provocação das partes ou do Ministério Público, a decisão
final produz coisa julgada material e formal, são cabíveis as medidas provisórias, são
293 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 26-27. 294 É exemplo a investigação contra deputado federal, cuja competência é do STF. Caso esteja tramitando perante
autoridade policial, poderá ser ajuizada reclamação diretamente ao STF, para preservar sua competência. Nesse
sentido a Rcl 4830: “Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que deputado
federal é suspeito da prática de crime eleitoral” (Rcl 4830, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 17/5/2007,
DJe 15/6/2007). 295 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 90. 296 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Nova era do processo civil. 4ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 208.
103
previstos recursos.297 E, ainda, a sua disposição no CPC/2015 também aponta sua natureza
jurisdicional.
2.5.1.1. Reclamação não se confunde com a correição parcial
A discussão acerca da natureza jurídica da reclamação, na verdade é antiga e
encontra-se, em certa medida, ligada à própria forma de sua origem, a partir de uma criação
jurisprudencial que, inicialmente, não deu uma morfologia rigorosa à reclamação298. Num
primeiro momento, em sua fase pré-constitucional, quando dos primeiros julgamentos do
STF, a reclamação possuía feições administrativas, que foram aos poucos superadas, sendo
hoje tipicamente jurisdicional. Inicialmente, a reclamação se confundiu com a reclamação
correicional, porém, pouco a pouco, se distanciaram, tornando-se institutos distintos.
Cumpre distinguir a reclamação constitucional da correição parcial (ou
reclamação correicional)299-300.
A correição parcial é medida administrativa com o intuito de verificar atividade
tumultuária do juiz, não sujeita a recurso próprio. Objetiva apurar a regularidade da atuação
do juiz na condução do processo, aí incluídos, verbi gratia, o abuso de poder e as dilações
injustificadas, tudo com o caráter disciplinar301. Não é servível a correição parcial para atacar
error in iudicando ou error in procedendo, mas apenas para disciplinar administrativamente
os rumos do processo302.
A correição parcial relaciona-se com a atividade administrativa do magistrado, e
não com a sua atividade jurisdicional propriamente dita. Não interfere no mérito das decisões
297 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 438-439. 298 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 130. 299 Como a reclamação correicional, correição parcial ou simplesmente reclamação é medida administrativa
prevista nos regimentos internos dos tribunais, sua nomenclatura pode variar de tribunal para tribunal. 300 Sobre a correição parcial, consultar: SANTOS, Aloysio. A correição parcial: Reclamação ou recurso
acessório? 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002. 301 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Correição parcial não é recurso (portanto, não deve ser usada como tal).
Aspectos Polêmicos e Atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY
JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 4. p.
836. No mesmo sentido: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. Curitiba: Bushatsky, 1969.
p. 108. 302 A correição era medida muito mais utilizada na vigência do CPC de 1939, em razão da irrecorribilidade de
várias espécies de decisões interlocutórias, contudo restou esvaziada com a previsão, no CPC de 1973, da ampla
recorribilidade das interlocutórias através do recurso de agravo. O mandado de segurança contra ato judicial
também supre a irrecorribilidade de alguma decisão. (NERY JR. Nelson. Teoria geral dos recursos. 7ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 99-100).
104
de forma direta.303 Apura-se eventual abuso ou tumulto de um juiz, para que seja sancionado e
o processo retome seu curso regular, sob um viés estritamente disciplinar.
A reclamação constitucional não possui natureza administrativa, tampouco a
função de disciplinar juízes. Como explicado no item anterior, é medida eminentemente
jurisdicional, que busca a cassação de uma decisão judicial. A reclamação constitucional
possui mérito próprio, que não é disciplinar o juiz. Não há na reclamação constatação de
atividade tumultuária do juiz, nem o objetivo de sancioná-lo pessoalmente.
Logo, a reclamação constitucional possui feição jurisdicional, diferindo da
correição parcial (ou da reclamação correicional). Sabendo que não é medida administrativa,
falta analisar os institutos jurisdicionais pertinentes, um a um, para enquadrar a reclamação
num deles.
2.5.2. Reclamação constitucional como recurso
Ultrapassada a questão do caráter jurisdicional da reclamação constitucional,
rechaça-se o posicionamento adotado por José Frederico Marques304-305 e pelo STF no
julgamento da Rcl 831-DF306 de relatoria do Ministro Amaral Santos, que a consideraram um
recurso.
A reclamação, como dito no decorrer deste capítulo, pode impugnar atos
administrativos. E, portanto, não pode ser considerada um recurso. A interposição de um
recurso não inaugura uma relação jurídica processual nova, mas apenas uma nova fase da
mesma relação jurídica, com o intuito de reformar, invalidar, esclarecer ou integrar a decisão
impugnada. A reclamação, ao impugnar um ato administrativo, inaugura uma relação jurídica
processual e, por consequência, não pode ser considerada um recurso contra ato
303 HOMMERDING, Adalberto Narciso. Reclamação e correição parcial: critérios para distinção. COSTA,
Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador:
Juspodivm, 2013. p. 57. 304 José Frederico Marques classifica a Reclamação como recurso regimental, junto aos embargos infringentes,
aos embargos de declaração e aos agravos regimentais. (MARQUES, José Frederico. Manual de direito
processual civil. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 230). No mesmo sentido: SIQUEIRA, Vicente Paula de.
Da reclamação. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1958. p. 91. 305 Defendendo ser a reclamação um recurso: LIMA, Alcides de Mendonça. O poder judiciário e nova
Constituição. Rio de Janeiro: AIDE, 1989. p. 80; LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no
novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015. p. 495. 306 Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos, Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971.
105
administrativo.307 Recursos contra atos administrativos são dirigidos a tribunais
administrativos, e não a um tribunal do Poder Judiciário, como é o caso da reclamação
constitucional.
Por outro lado, no direito processual civil, vigora a norma da taxatividade dos
recursos. Somente são considerados recursos aqueles institutos previstos especificamente
como tais; comportam uma interpretação restritiva e estão em rol numerus clausus308. A
reclamação não consta de lei especificamente como recurso. Na Constituição e no CPC2015
está prevista como de competência originária dos tribunais e, portanto, no momento de sua
instauração, dá origem a novo processo diferente daquele em que foi proferida a decisão
reclamada. Ora, o que é originário de tribunal, não pode ser uma continuidade de um
processo anterior. Se é originário, ainda não havia relação prévia. Assim, por respeito à norma
da taxatividade e sabendo que instaura um novo processo originário de tribunal,309 afasta-se a
natureza recursal da reclamação.
Ademais, um dos principais efeitos dos recursos é o substitutivo (CPC/2015, art.
1.008). A decisão proferida no recurso conhecido substitui a que fora atacada; ainda que o
recurso seja desprovido, opera-se o efeito substitutivo.310 A reclamação não detém o efeito
substitutivo disposto no art. 1.008 do CPC/2015. Sua decisão não substitui a decisão
reclamada.311 A reclamação cassa a decisão reclamada, não se operando o efeito
substitutivo312, e, a depender do caso, resta um non liquet, que força a autoridade reclamada a
decidir novamente.
Igualmente, a interposição de um recurso pressupõe a existência de sucumbência,
gravame ou prejuízo imposto ao recorrente; ou, no caso de embargos de declaração, omissão,
contradição, obscuridade ou, ainda, erro material. Sucumbência significa não obter tudo
aquilo que poderia ser obtido mediante a decisão judicial. Para haver sucumbência e, portanto,
307 Barbosa Moreira explica que não será recurso qualquer instituto que produza a instauração de novo processo
distinto daquele no qual foi proferida a decisão impugnada (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários
ao Código de Processo Civil, cit., p. 232). 308 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
248. 309 MORATO, Leonardo Lins. “A reclamação prevista na Constituição Federal”. Aspectos polêmicos e atuais
dos recursos. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 447. 310 “Ainda que a decisão recursal negue provimento ao recurso, ou, na linguagem inexata mas corrente,
“confirme” a decisão recorrida, existe o efeito substitutivo, de sorte que o que passa a valer e ter eficácia é a
decisão substitutiva e não a decisão ‘confirmada’”. (NERY JR. Nelson. Teoria geral dos recursos, cit., p. 466-
467). 311 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro, cit., p. 206. 312 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 672.
106
ser cabível o recurso, deve haver a possibilidade de o recorrente conseguir decisão mais
favorável que a recorrida, sob pena de inadmissão por ausência de interesse de recorrer.313 Já
a reclamação não depende necessariamente de sucumbência, prejuízo ou gravame para o
reclamado, tampouco coincide com as hipóteses de cabimento da reclamação. O interesse
pode consistir em que a decisão – que lhe fora favorável – seja efetivamente cumprida ou, a
despeito de derrota ou vitória, seja preservada a competência do tribunal.314
Ademais, recursos pressupõem prazo. Todos os recursos possuem prazo para
interposição. A ausência de interposição do recurso, até o fim do prazo legal, implica a
preclusão e, se for o caso, a formação da coisa julgada. A tempestividade é requisito de
admissibilidade extrínseco dos recursos.315 Contudo, a reclamação não pressupõe prazo. Não
há prazo legal para propositura da reclamação.316 Ela pode ser aforada a qualquer momento,
havendo a alegação de usurpação de competência, afronta à autoridade do tribunal ou
desrespeito à precedente; se ocorrerem no curso de um processo judicial, a qualquer tempo
será cabível a reclamação, enquanto não formada a coisa julgada no processo reclamado.317
Após o trânsito em julgado, será cabível apenas ação rescisória, que não é substituída pela
reclamação constitucional (CPC/2015, art. 988, §5º, I; STF, súmula 734318).
Convém registrar que a reclamação possui uma qualidade dos recursos, o que não
faz dela um recurso. No caso, a reclamação detém o efeito obstativo (ou impeditivo do
trânsito em julgado), próprio dos recursos.319 Por opção do direito positivo (CPC/2015, art.
988, §6º), a propositura da reclamação adia a formação da coisa julgada no processo
reclamado, até que a reclamação seja julgada. O processo reclamado aguarda o julgamento da
reclamação. A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão
proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação; assim, a reclamação não pode ser
313 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, cit., p. 135. 314 “Aliás, para haver usurpação de competência, não é sequer necessário que haja uma decisão, bastando que
algum órgão esteja atuando no lugar daquele que é o competente para tanto, o que pode ocorrer até mesmo por
parte de quem não uma autoridade judiciária.” (MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o
respeito da súmula vinculante, cit., p. 94). 315 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 201. 316 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 710. 317 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 153. 318 “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado
decisão do Supremo Tribunal Federal.” 319 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 6ª ed., cit., p. 241.
107
proposta após o trânsito em julgado, porém, sendo ajuizada antes, obsta a formação da coisa
julgada.320
Tudo isso faz ver que a reclamação não se enquadra no conceito positivo de
recurso. Suas características são diferentes, afastando a natureza jurídica de recurso.
2.5.3. Reclamação constitucional como exercício do direito de petição
Importante cotejar a reclamação com o direito de petição. É que o STF, no
julgamento da ADIn 2.212-CE, adotou expressamente o entendimento da Professora Ada
Pellegrini Grinover e considerou a reclamação constitucional como exercício do direito de
petição.321 Contudo, a reclamação não se confunde com o exercício do direito de petição.
A ADIn 2.212-1/CE impugnou o art. 108, VII, da Constituição do Ceará e o art.
21, VII, j, do Regimento Interno do TJCE, que previam o cabimento de reclamação, dirigida
ao TJCE, para preservação de competência e garantia de autoridade de seus julgados. Alegou-
se que: (i) a CF/1988 reservou a reclamação para o STJ e o STF (arts. 102, I, “l”, e 105, I,
“f”); (ii) o texto constitucional não previu o cabimento de reclamação para outros tribunais,
logo não deveria excetuar-se os tribunais estaduais; (iii) ofensa à reserva de matéria
processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação possui natureza
processual.322-323-324
320 Cuidou-se de uma forma de acomodar quando o processo reclamado é processado e julgado mais rápido que a
reclamação, cujo julgamento é incompatível com as decisões do processo reclamado. Eis o antigo entendimento
do STF: “I. Reclamação: subsistência à coisa julgada formada na sua pendência. Ajuizada a reclamação antes do
trânsito em julgado da decisão reclamada, e não suspenso liminarmente o processo principal, a eficácia de tudo
quanto nele se decidir ulteriormente, incluído o eventual trânsito em julgado do provimento que se tacha de
contrário à autoridade de acórdão do STF, será desconstituído pela procedência da reclamação. II. Reclamação:
improcedência. Sentença de liquidação de decisão de Tribunal Superior não afronta a autoridade de acórdão do
Supremo Tribunal exarado no processo de execução que se limitou a afirmar compatibilidade entre o julgado no
processo de conhecimento e o do mesmo Tribunal Superior, que reputara ofensiva da coisa julgada, e
conseqüentemente nula, a primitiva declaração de improcedência da liquidação.”
(Rcl 509, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 17/12/1999, DJ 4/8/2000). 321 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da reclamação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 38, abr.-jun.2002, p. 75-83; GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da
autoridade das decisões dos tribunais. O processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005. p. 74. 322 Contra o cabimento de reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: DANTAS, Marcelo Navarro
Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 301-302; MORATO, Leonardo Lins.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 65-71; ROSSI, Júlio César. Aspectos
processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 19,
out.-2004, p. 50-51. 323 A favor do cabimento da reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: NOBRE JUNIOR, Edilson
Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 109-129; COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação
constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p. 175-177; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos.
Da reclamação, cit., p. 129; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 11ª ed, cit., p. 668/673.
108
É que na época, como explicado no item 2.2.2.3., não havia previsão em lei
federal de reclamação dirigida aos tribunais de justiça. Havia, portanto, um longo debate se
era constitucional, a previsão em Constituição Estadual, de reclamação dirigida aos tribunais
estaduais.
O STF, ao julgar a ADIn 2.212-1/CE, decretou constitucional o cabimento de
reclamação perante Tribunais estaduais.325 O STF, como meio argumentativo de escapar da
reserva de matéria processual à lei federal, afirmou que a reclamação não possui natureza
processual, mas se trata do exercício de direito de petição (CF/1988, art. 5º, XXXIV, “a”),
além da adoção do instituto pelas cortes estaduais estar em consonância com o princípio da
simetria e da efetividade das decisões judiciais.
O STF sustentou que a reclamação configura o exercício do direito constitucional
de petição, não possuindo natureza processual. Cuidou-se de meio argumentativo para
justificar a reclamação estadual, sem ofender o art. 22, I, da CF/1988. O STF não precisava
negar a natureza processual da reclamação, pois sua gênese – exposta no item 2.2.1. – é capaz
de comprovar que é decorrente de competências implícitas, sendo desnecessário texto
explícito prevendo o cabimento da reclamação estadual. Não era necessário argumentar que a
reclamação é exercício do direito constitucional de petição. Não há ofensa ao art. 22, I, da
CF/1988, uma vez que o cabimento de reclamação prescinde de previsão legal expressa, é
324 Vale ressaltar trecho do parecer do, à época, Advogado-Geral da União, atual Ministro Gilmar Ferreira
Mendes, opinando pela constitucionalidade: “[c]abe afastar a alegação de que o Constituinte estadual teria
invadido esfera de competência da União para legislar sobre direito processual. O instituto da reclamação
constitui inexorável decorrência da eficácia geral e do efeito vinculante do contrato abstrato de normas deferido
pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça. Com efeito, a reclamação assegura a observância pelos
demais órgãos judiciários da vinculação universal são só ao dispositivo mas também aos fundamentos da
determinantes das decisões (inclusive em sede cautelar) proferidas no controle abstrato de normas.” (Parecer do
Advogado-Geral da União na ADIn 2.212-CE, p. 5) 325 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA
RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO
ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A
natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se
ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal.
Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da
competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF). 2. A reclamação constitui
instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à
autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual,
inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da
competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro
Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o
princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta
de inconstitucionalidade improcedente.” (ADIn 2.212-CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003,
DJ 14/11/2003)
109
fruto da teoria dos poderes implícitos.326 A fonte da reclamação é norma implícita no
ordenamento.327
A reclamação constitucional não possui a natureza de direito de petição.
Ada Pellegrini Grinover sustenta que a reclamação constitucional é uma garantia
especial inerente a cláusula constitucional do direito de petição aos poderes públicos, em
defesa de direito ou contra a ilegalidade ou abuso de poder, conforme previsão do art. 5º,
XXXIV, “a”, da Constituição. Configuraria exercício do direito de petição.328 A reclamação
seria veículo para exercício do direito de petição. A autora, além de negar o caráter
jurisdicional, diz que na reclamação não incide o devido processo legal, sendo desnecessário
o contraditório, o direito de sustentar as razões e de influenciar o convencimento judicial.329
Na lição do Professor Canotilho:
Entende-se por direito de petição a faculdade reconhecida a indivíduo ou grupo de
indivíduos de se dirigir a quaisquer autoridades públicas apresentando petições,
representações, reclamações ou queixas destinadas à defesa dos seus direitos, da
constituição, das leis ou do interesse geral.330
O direito de petição consiste em poder-se representar, observar e reclamar contra
autoridades, ou, ainda, denunciar o abuso delas, mediante petição, perante qualquer dos três
poderes.331 É o meio pelo qual o cidadão se dirige ao Poder Público, com vistas a obter a
defesa de direito ou objetivando combater ilegalidade ou abuso de poder. É um direito público
326 O STF considerou a reclamação exercício do direito de petição como forma de fundamentar a decisão de
constitucionalidade da previsão de Constituição Estadual prever o cabimento de Reclamação para preservação da
competência e garantia da autoridade dos julgados do respectivo Tribunal de Justiça. Eduardo José da Fonseca
Costa explica que a problemática da reclamação constitucional estadual revela-se como uma questão de fonte.
Ele, para justificar a constitucionalidade das Reclamações Estaduais, se baseia na teoria dos poderes implícitos,
tal qual fez o próprio STF ao criar/descobrir a reclamação constitucional. Eduardo Costa diz que a fonte
normativa basilar das reclamações constitucionais estaduais nunca será um preceito explícito extraído da
legislação infraconstitucional federal, mas sempre um preceito (implícito ou explícito) de direito processual
constitucional retirado nas normas de competência gerais das Constituições Estaduais. Se ao Tribunal Estadual
são dadas competências gerais, para elas serem eficazes, deverá ser dada a competência de preservar suas
competências e garantir a força de seus julgados. (COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação
Constitucional Estadual como um problema de fonte, cit., p. 161-177). 327 Aqui, remete-se o leitor ao item 2.2.1., no qual se tratou com mais minúcia do surgimento da reclamação
constitucional, bem como a constitucionalidade das reclamações constitucionais estaduais. 328 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais, cit., p 74. 329 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais, cit., p 75. 330 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra : Almedina, 2004. p. 512-513. 331 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro:
Henrique Cahen, 1947, v. 3, p. 376.
110
subjetivo de índole democrática, para que qualquer interessado, ainda que desprovido de
personalidade jurídica, peça proteção administrativa contra abuso de poder.332
A reclamação constitucional não se destina a combater abuso de poder. Os
objetivos da reclamação são preservar competência, garantir a autoridade de julgado e impor
o respeito a precedente, que não consistem em abuso de poder. São fundamentos distintos.
Duras críticas foram tecidas por Leonardo Carneiro da Cunha à compreensão da
reclamação como exercício do direito de petição.333 Para o professor, o direito e petição pode
ser exercido tanto no âmbito administrativo quanto no judicial. A reclamação, contudo,
constitui medida estritamente jurisdicional, sem feição administrativa.
Entender a reclamação como direito de petição implica as seguintes
consequências: a) poderia ser intentada perante qualquer autoridade pública, já que ostentaria
natureza administrativa; b) não seria exigível pagamento de custas; c) não haveria
formalidade procedimental; d) a decisão dada não formaria a coisa julgada material; e) não
precisaria de capacidade postulatória para ajuizá-la.
Ora, a reclamação é cabível perante tribunais do Poder Judiciário, ostentando
feição jurisdicional. É lícito que sejam cobradas custas para seu ajuizamento. Há, na
reclamação, procedimento pré-definido, incidindo o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa; inclusive há previsão legal de concessão de tutela provisória (CPC/2015, art.
989, II), sendo cabível recurso contra a decisão que a defere ou indefere. A decisão final que
julga a reclamação forma coisa julgada, material e formal. A reclamação apenas pode ser
aforada por advogado constituído pela parte, ou pelo Ministério Público que também detém
capacidade postulatória.334
Com base nessas considerações, não se enquadra a reclamação no conceito de
direito de petição, guardando características diversas.
332 “O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante
prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de
qualquer interessado - mesmo daqueles destituídos de personalidade jurídica -, com a explicita finalidade de
viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal
quanto de significação coletiva.” (ADIn 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 17/8/1995, DJ
8/91995). Nesse sentido, consultar: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2007. P. 442-444. 333 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Natureza jurídica da reclamação constitucional. Aspectos Polêmicos e Atuais
dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY JUNIOR, Nelson;
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 8, p. 337-338; CUNHA.
Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 675. 334 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 675.
111
2.5.4. Reclamação constitucional como incidente
A Reclamação Constitucional também não se categoriza como incidente
processual, tal qual defendem Nelson Nery Junior335 e Moniz de Aragão336.
O incidente processual caracteriza-se quando há uma controvérsia acerca de uma
determinada questão (de fato ou de direito, material ou processual), que exige solução para
que o processo retome seu curso regular, mas sem instalar uma nova relação jurídica
processual. Cuida-se de questão acessória ao processo, que dilata seu curso e, algumas vezes,
dá azo para que se formem autos suplementares, evitando a conturbação física dos autos do
processo.
O incidente tem por objeto preparar o julgamento do mérito, ou complementá-lo.
O incidente processual não é sinônimo de processo incidental. No processo incidental, existe
novo objeto litigioso e nova relação jurídica processual, uma nova ação processual ligada à
ação processual principal; ao passo que, no incidente processual, apesar de poder haver
formação de autos suplementares, a relação jurídica ainda é a mesma do processo principal.337
Um incidente processual pressupõe: a) uma situação nova ou um fenômeno novo
que ocorra exigindo solução, b) que recaia sobre algo que pré-existe.338 Doutro lado, um
incidente possui como características: i) acessoriedade e incidentalidade; e ii) procedimento
específico para resolvê-lo.339
O incidente apenas existirá caso esteja em curso um processo judicial prévio.
Deve surgir um fato ou questão nova, cuja solução exigida será resolvida no incidente,
recaindo sobre o processo judicial prévio. Não surge uma nova relação jurídica. O incidente
processual altera o curso do procedimento, sendo possível encerrar-se prematuramente, com a
extinção do processo, ou um retardamento, modificando a rota normal: o procedimento é
suspenso ou alterado por conta do incidente.
Um incidente é sempre acessório e com um procedimento específico para
solucioná-lo. Não significa que necessariamente haverá autos apartados. O procedimento
pode se dar dentro dos mesmos autos. É preciso apenas que haja um rito específico para que o
335 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7ª ed., cit., p.117; 336 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. A correição parcial, cit., p. 109-110. 337 FERNANDES, Antônio Scarance. Incidente Processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 93. 338 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida
contra o Poder Público. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 25. 339 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança, cit., p. 40.
112
incidente chegue ao fim – seja nos mesmos autos, seja com a formação de autos
suplementares.340
Na reclamação constitucional, a pretensão deduzida em juízo instaura uma nova
relação jurídica processual e não necessariamente está atrelada a processo pré-existente.
Ricardo Barros Leonel aponta três razões para afastar a natureza jurídica de incidente
processual: a) a reclamação nem sempre advém de um processo judicial, podendo, por vezes,
estar associada a atos administrativos, como a reclamação contra usurpação da competência
do STF por autoridade administrativa; b) muitas vezes, a reclamação é proposta após o
encerramento do processo, no caso, para garantir a autoridade de decisão do STF já transitada
em julgado, daí não existir questão prévia ao encerramento de ação principal para ser decidida
incidentalmente; e, c) quando a reclamação está atrelada a outro processo, cuida de nova ação,
autônoma, com a instauração de uma nova relação jurídica processual, tais quais os embargos
de terceiro ou embargos à execução341.
À vista dos argumentos expostos, não se trata a reclamação de um incidente
processual, sobretudo porque instaura uma nova relação jurídica processual, e não depende da
existência de processo judicial prévio.
2.5.5. Reclamação constitucional como ação342
A reclamação é ação – constitucional especial – originária dos tribunais.
Na reclamação, há o exercício de pretensão a tutela jurídica estatal, que se faz
mediante o remédio denominado ação; preenchidos os pressupostos e requisitos de
admissibilidade, surge o direito das partes a uma decisão de mérito sobre o seu objeto
340 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança, cit., p. 43-44. 341 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 159. 342 Convém registrar que, em virtude do objetivo desta pesquisa, não se irá discorrer sobre as diversas teorias da
ação (civilistas, concretistas, abstratas, ecléticas etc.). Porém, por qualquer delas que for eleita, a conclusão
permanece inalterada: a reclamação é ação. Para um panorama sobre as teorias da ação: LOPES, João Batista.
Ação declaratória. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 33-45; ASSIS, Araken de. Cumulação de
ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 24-69; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo;
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 267-282. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 90-130. Sobre uma perspectiva pontesiana: SILVA, Ovídio
Baptista da. Ação de imissão de posse. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 35-45; PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, t. 1, 1999. Consultar ainda:
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador: Juspodivm,
2014.
113
litigioso, que pode versar sobre usurpação de competência, afronta à autoridade de julgado ou
desrespeito a precedente de tribunal.343
A reclamação possui os elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir). É
uma ação, ajuizada originariamente em tribunal, com o intuito de alcançar a preservação de
sua competência, garantir a autoridade de seus julgados ou, ainda, de seus precedentes
obrigatórios.344
O instituto está sujeito a procedimento em contraditório, enseja formação de coisa
julgada material e formal, exige a presença de capacidade postulatória, necessita do
pagamento de custas, depende de iniciativa de provocação das partes ou do Ministério
Público, instaura nova relação jurídica processual autônoma, comporta tutela provisória e suas
decisões são desafiadas por recurso. A reclamação também deve preencher todos os requisitos
processuais, a exemplo da capacidade de ser parte, interesse de agir e legitimidade para
agir.345
2.5.5.1. Reclamação constitucional como remédio constitucional
Não é a reclamação uma simples ação. É uma ação constitucional especial.346
Possui assento constitucional, ao lado de outros remédios, como o mandado de segurança, o
habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção. A reclamação possui todos os
requisitos dos denominados writs constitucionais. É uma ação que se compõe a jurisdição
constitucional das liberdades; é um remédio jurídico que busca proteger e dar efetividade a
direito e garantias fundamentais.347
A visão analítica das relações entre processo e Constituição revela ao estudioso dois
sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a) no sentido Constituição-
processo, tem-se tutela constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados no
plano constitucional; b) no sentido processo-Constituição, a chamada jurisdição
343 “É ‘ação’ [= ação em sentido processual] em que podem ser realizadas diferentes ações [= ação em sentido
material]. Essa variabilidade conteudística decorre da variabilidade de seus fundamentos.” (COSTA, Eduardo
José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2203). 344 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 459-461;
LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 171-179. 345 O STF exige o interesse de agir: Rcl 6.449/RS; Rcl nº 1.525/ES; Rcl 1.267/ES. E, de igual modo, exige
legitimidade: Rcl 5.873/ES; Rcl. 6.482/SP; Rcl. 4931/CE. Também o STF exige capacidade postulatória: Rcl
9.654/SP; Rcl 7.902/SP; extinguindo reclamação por litispendência: Rcl 9.814/PI; Rcl 5.509/AP; Rcl 8.054/MG. 346 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 470. 347 Sobre direitos e garantias fundamentais, consultar: SARLET, Wolfgang Ingo. A eficácia dos direitos
fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos
fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2014; DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
114
constitucional, voltada ao controle da constitucionalidade das leis e atos administrativos e à
preservação de garantias oferecidas pela Constituição (jurisdição constitucional das
liberdades).348
Num sentido, a relação entre Constituição e processo – reforçada pelo
Neoconstitucionalismo – forma o Direito Constitucional Processual.349 Cuida-se da tutela
constitucional do processo. Os institutos de Direito Processual são encartados na
Constituição, tornam-se garantias fundamentais. Institutos tipicamente processuais são
alçados a nível constitucional, de modo a conceder-lhes maior proteção e efetividade.350
Em sentido diverso, da relação entre Constituição e processo surge o Direito
Processual Constitucional, formado pelos mecanismos e instrumentos processuais, cujo
objetivo é proteger os preceitos constitucionais, bem como garantir-lhes maior eficácia e
efetividade. É a jurisdição constitucional que busca manter íntegros os valores constitucionais.
A jurisdição constitucional, portanto, é formada pelas ações que se destinam a proteger a
Constituição e os direitos e garantias fundamentais.
No primeiro bloco da jurisdição constitucional, estão as ações de controle de
constitucionalidade das leis. São a ação direta de controle de constitucionalidade, a arguição
de descumprimento de preceito fundamental e a ação declaratória de constitucionalidade. São
ações que servem à fiscalização, em abstrato, dos atos normativos, garantindo que não firam o
conteúdo constitucional.351
No segundo bloco da jurisdição constitucional, estão os remédios constitucionais.
É um arsenal de ações especiais (= procedimentos especiais) destinadas a assegurar certos
direitos e garantias fundamentais, mediante uma tutela jurisdicional particularmente forte e
diferenciada.352 São as ações que protegem as liberdades públicas, os direitos e as garantias
348 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 26-27. 349 Sobre a relação entre Constituição e processo, consultar: TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione.
Milano: Giuffrè, 1974; CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009. 350 É o caso da proibição da prova ilícita, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da
inafastabilidade da jurisdição, da cláusula do juiz natural etc. 351 “Por processo constitucional vai entender-se nas considerações subsequentes o conjunto de regras e actos
constitutivos de um procedimento juridicamente ordenado através do qual se fiscaliza jurisdicionalmente a
conformidade constitucional dos actos normativos. Tal como o processo jurisdicional em geral, também o
direito processual constitucional serve para garantir a observância e realização de um direito substantivo — o
direito constitucional — através da definição de regras constitutivas de um iter procedimental adequado ao
controlo e exame de questões jurídico-constitucionais.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1029). 352 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 30.
115
fundamentais. É o conjunto de remédios que a Constituição concede para prevalência dos
direitos que ela própria alberga.
Na jurisdição constitucional, encontram-se os seguintes remédios processuais:
mandado de segurança, para proteção do sujeito de direito contra abusos do Poder Público; o
mandado de injunção, suprindo lacunas legislativas que impeça o pleno gozo dos direitos e
garantias fundamentais; o habeas corpus, que protege a liberdade e o direito de locomoção; o
habeas data, que garante o direito à informação pública e verídica.353
Na jurisdição constitucional, também se encontra a reclamação constitucional,
cujo objetivo remoto é garantir a segurança jurídica e a igualdade na prestação jurisdicional.
A reclamação é um remédio disposto na Constituição que serve para proteger direitos e
garantias fundamentais, daí sua importância no sistema jurídico. A reclamação serve para
adensar a segurança e a igualdade do jurisdicionado frente ao Poder Judiciário
É que a reclamação é atualmente cabível para (CPC/2015, art. 988): (i) preservar
competência dos tribunais; (ii) garantir a autoridade das decisões dos tribunais; (iii) garantir a
observância de alguns precedentes obrigatórios. Todas essas hipóteses de cabimento estão
intrínseca e mediatamente ligadas à ideia de segurança354 e de igualdade.
O respeito à competência dos tribunais, na verdade, consiste em observar o juiz
natural. É garantir que o julgamento seja realizado pelo órgão previamente determinado, bem
como evitar modificação posterior do órgão jurisdicional.355 Garantir a competência e o juiz
natural previamente, em favor de todos, é, em última análise, garantir segurança e igualdade.
Garantir a autoridade das decisões judiciais é uma condição para que o Estado
exerça adequadamente a função jurisdicional, cuja principal característica é a cogência. Saber
353 “Consagração de ações tipicamente constitucionais e que dizem respeito à Jurisdição constitucional das
liberdades – denominadas de Ações ou Remédios Constitucionais – exatamente, aqueles que visam tornar
efetivos os Direitos individuais e Coletivos, constitucionalmente assegurados. Aqui, encontramos, como
exemplos históricos, o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança, ao lado dos quais, e especialmente no caso
brasileiro, acrescentem-se os institutos do Habeas Data, Mandado de Injunção, Ação Civil Pública os quais
devem levar em consideração as diferentes denominações consagradas em variados sistemas jurídicos para
ações com os mesmo objetivos.” (DANTAS, Ivo. Novo processo constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010.
p. 99-100). 354 Como dito no item 1.5, são vários os autores, em pesquisas específicas sobre o tema, que explicam a relação
entre a reclamação constitucional e a segurança jurídica: LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação
Constitucional, cit., p. 103-104. MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes,
segurança jurídica e os juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 131. CAMBI, Eduardo; MINGATI,
Vinícius Secafen. Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança jurídica.
Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011. TAKOI, Sérgio Massaru. Reclamação
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 194. STRATZ, Murilo. Reclamação na jurisdição constitucional.
Santa Cruz do Sul: Essere nel mondo, 2015, p. 170. 355 Mais detalhadamente: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. 2ª ed, cit.
116
que, após o julgamento, a decisão será eficaz e, caso desrespeitada, há um instrumento para
impô-la aos que lhe sujeitem, também aumenta a segurança jurídica.
Doutro lado, saber que os tribunais tratarão igualmente os jurisdicionados e,
ainda, que há um instrumento para garantir o julgamento isonômico, também contribui para a
segurança e igualdade jurídicas. A reclamação – como instrumento para impor a observância
de precedentes – garante maior calculabilidade e previsibilidade das decisões judiciais, bem
como distribuição igualitária da justiça. Faz com que casos semelhantes sejam resolvidos de
forma semelhante.
Dessa forma, se a reclamação, de cunho constitucional, garante e protege direitos
e garantias fundamentais, no caso, a segurança jurídica e a igualdade perante o Poder
Judiciário. Não há dúvida de que é um remédio constitucional que integra a jurisdição
constitucional. É uma ação constitucional especial.
Claro que a reclamação não surgiu, desde logo, como componente da jurisdição
constitucional. Até mesmo porque na época de sua gênese, que remonta à década de 1940, a
jurisdição constitucional não possuía tanto relevo como nos dias atuais. Gradualmente, a
reclamação foi ganhando importância no sistema jurídico e, com seu ápice, foi conduzida ao
CPC/2015, revelando-se como eficaz meio de adensar direitos fundamentais.
2.5.5.2. Reclamação constitucional não é jurisdição voluntária
A reclamação constitucional possui caráter contencioso. Não provoca jurisdição
voluntária.
Existem várias opiniões doutrinárias sobre a conceituação e características da
jurisdição voluntária. Destaca-se a opinião tradicional de José Frederico Marques, para quem
a jurisdição voluntária constitui função estatal de administrar direito subjetivos de ordem
privada, exercida pelo Poder Judiciário, com o objetivo de constituir, modificar ou extinguir
negócios e relações jurídicas entre os particulares. Seria a administração pública de interesses
privados. Uma atividade materialmente administrativa, embora subjetivamente seja atividade
judiciária, pois exercida por órgão do Poder Judiciário.356-357
356 O autor chega a dizer, portanto, que a jurisdição voluntária não é sequer jurisdição. (MARQUES, José
Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 2000, v. 1 p. 35-36.) 357 Pontes de Miranda afirma que a jurisdição voluntária não possui o caráter administrativo, mas sim
propriamente judicial: “Há funções administrativa do Poder Judiciário, como as há do Poder Legislativo, e não
117
Em perspectiva mais moderna, dispõe Leonardo Greco:
A jurisdição voluntária é uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o órgão
que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o seu
conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficácia de um ato
da vida privada, para a formação, o desenvolvimento, a documentação ou a extinção de
uma relação jurídica ou a para a eficácia de uma situação fática ou jurídica.358
Ainda, numa visão carneluttiana, para configurar jurisdição voluntária, ainda, não
pode haver lide359. Não pode haver conflito de interesses, pretensão e resistência. Presente a
lide, há jurisdição contenciosa.360 Costuma-se dizer que, na jurisdição voluntária, não há
partes; há interessados. Na jurisdição voluntária, os interessados exercem seus interesses em
juízo, sem que haja litígio.361
Sobre essas considerações gerais, deixando de lado as discrepâncias doutrinárias
sobre o conceito de jurisdição voluntária, não há como afirmar que a reclamação provoca
jurisdição voluntária. O ajuizamento da reclamação demanda tutela judicial tipicamente
contenciosa. Há instauração de uma ação litigiosa para resolver um conflito. Existe conflito de
interesses, pretensão e resistência na reclamação; presente a lide, há jurisdição contenciosa. A
reclamação não serve à “administração de interesses particulares”, também não é meio
necessário para a realização de atos jurídicos, tampouco se destina para sua autorização,
homologação ou constituição. A reclamação acarreta a formação de um processo de jurisdição
contenciosa, não pertencendo à esfera da jurisdição voluntária.
só do Poder Executivo; mas seria absurdo incluir-se nas funções administrativas do Poder Judiciário a
chamada jurisdição voluntária, porque, nela, as funções são puramente judiciárias (...) A função estatal é
exercida pelo Poder Judiciário, sem administratividade. A tutela jurídica, que se prometeu, é puramente
judicial, posto que, às mais das vezes, o juiz apenas homologue. (...) Na jurisdição voluntária há jurisdição: o
juiz aplica a regra jurídica, como juiz, que é, e não de ser.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. 16, p. 4-5). 358 GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna. São Paulo: Dialética, 2003, p. 11. 359 Carnelluti entende lide como o conflito de interesses resistidos. Para o professor italiano, na jurisdição
voluntária não haveria presença de lide (CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo:
Classic Book, 2000, v. 1. p. 95). 360 GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna, cit., p. 26. 361 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. cit., t. 16, p. 3.
118
119
3. Hipóteses de cabimento
As atuais hipóteses de cabimento da reclamação constitucional – perante qualquer
tribunal – estão consolidadas no art. 988, do CPC/2015: preservar a competência do tribunal;
garantir a autoridade das decisões do tribunal; garantir a observância de enunciado de
súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; e, garantir a observância
de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as
instâncias ordinárias.
Esse conjunto de hipóteses de cabimento é fruto do desenvolvimento e da
modificação do instituto, ao longo dos últimos 15 anos. A presente pesquisa, no item 2.2.,
propõe uma nova divisão histórica das fases da reclamação constitucional, principalmente
para fins didáticos, que contribuem para melhor compreensão de suas transformações e seu
desenvolvimento, até o advento do CPC/2015, que consolidou as atuais hipóteses de
cabimento.
São três fases históricas: (i) a fase pré-constitucional, que vai desse o surgimento
da reclamação até sua previsão expressa no texto constitucional; (ii) a fase constitucional, que
vai da vigência da Constituição Federal até a previsão do instituto no texto codificado; e, (iii)
a recente fase codificada, que vai da vigência do CPC/2015, até os dias atuais.
Foi durante a fase constitucional que a reclamação amadureceu e se revelou à
comunidade jurídica como um importante meio de impugnação às decisões judiciais. Durante
essa fase, amadurecem seus contornos dogmáticos e surgem diversas fontes formais e
materiais em relação ao instituto. O CPC/2015 inaugura a fase codificada da reclamação
consolidando amplas hipóteses de cabimento, assentando sua importância como ação
autônoma de impugnação às decisões judiciais, sobretudo de controlar a aplicação de
precedentes obrigatórios.
O instituto, desde sua fase pré-constitucional,362 surgiu com duas hipóteses
básicas de cabimento: preservar competência e garantir autoridade das decisões do STF.
362 Sobre o surgimento da reclamação constitucional, consultar item 2.2.1. A reclamação constitucional teve sua
gênese em uma gradativa construção jurisprudencial do STF, alicerçada sobre a “teoria dos poderes implícitos”.
O marco histórico que garantiu o cabimento da Reclamação (nos moldes mais próximos dos que atualmente a
conhecemos), com base nos implied powers e sem dispositivo legal a prevendo, foi o julgamento da Reclamação
nº 141-SP. Nela restou consignado que nada adiantaria conferir ao STF funções especiais e distintas das demais
cortes, se não fosse possível, à Corte Suprema, impor os seus julgados e a sua competência. Sobre o surgimento
120
Com sua previsão expressa no texto constitucional, passou a ser admissível também perante o
STJ, mantendo as mesmas hipóteses de cabimento anteriores (CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I,
f,).
Durante a fase constitucional, houve alguns julgamentos do STF, que foram
essenciais para fertilizar o debate sobre o cabimento da reclamação para assegurar a eficácia
vinculante da ratio decidendi de diversos tipos de decisão, ou seja, essas discussões já
giravam em torno da possibilidade de utilizar a reclamação como forma de controlar a
aplicação de precedentes. Contudo, apesar da inclinação de alguns ministros, esse
entendimento, na época ampliativo das hipóteses de cabimento da reclamação, não vingou. 363
De qualquer sorte, essas mudanças e discussões jurídicas e, ainda, a expressiva
quantidade de reclamações ajuizadas, colocaram-na em posição de destaque no sistema
jurídico; e, por tais motivos, o CPC/2015 – por opção – a elegeu como meio de controlar a
observância e o erro na aplicação de certos precedentes ditos obrigatórios (CPC/2015, art.
927). A reclamação, em voga e evidência para a comunidade jurídica, principalmente durante
a sua fase constitucional, foi escolhida como um dos instrumentos para controlar
determinados precedentes.
Assim, a discussão acerca do cabimento de reclamação para assegurar a
observância de precedentes é superada. O CPC/2015 sepulta essa questão e já delimita quais
hipóteses é admissível. O que resta identificar são os limites e alcances dessas hipóteses.
O CPC/2015 alargou e consolidou as hipóteses de cabimento da reclamação.
Manteve as hipóteses de preservar e garantir a autoridade dos julgados dos tribunais
(CPC/2015, art. 988, I e II). Também manteve o cabimento para garantir a observância e
devida aplicação de súmula vinculante (CPC/2015, art. 988, III; Lei nº 11.417/2006, art. 7º;
CF/1988, art. 103-A, §3º). Porém, a reclamação passa a ser cabível para garantir a
observância das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, e dos
precedentes proferidos em casos repetitivos e incidente de assunção de competência
(CPC/2015, art. 988, III e IV). E, ainda, para garantir a observância de acórdão de recurso
da Reclamação: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000. p. 45-266. 363 Esses debates estão mais esmiuçados no item 2.2.2.: (a) o não cabimento de reclamação por violação à ratio
decidendi, com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle concentrado de
constitucionalidade; (b) o não cabimento de reclamação contra decisão de tribunal local que aplica
indevidamente a tese firmada em recurso extraordinário com repercussão geral; (c) o não cabimento de
reclamação, para garantir autoridade de ratio decidendi de decisão do STF em controle difuso de
constitucionalidade, o que se relaciona com a dita objetivação do controle difuso. Também pode ser vista como a
“transcendência dos motivos determinantes” de decisão de controle difuso de constitucionalidade.
121
extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento
de recursos extraordinário ou especial repetitivos, desde que esgotadas as instâncias
ordinárias (CPC/2015, art. 988, §5º, II).
Essas últimas hipóteses de cabimento, inclusa a de garantir a observância e correta
aplicação de súmula vinculante, compreendem, na verdade, a função controle de aplicação de
precedentes atribuída expressamente à reclamação constitucional, na atual fase codificada.
3.1. A alteração do CPC/2015 antes da vigência: A Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de
2016. A vontade do legislador?
Ao afirmar que a reclamação foi alçada a instrumento para controle da aplicação
dos precedentes, em virtude da importância que a comunidade jurídica concedeu-lhe nos
recentes anos, isso não significa que é fruto da vontade do legislador ou de um grupo de
juristas que participaram da elaboração do CPC/2015. Rechaça-se, nesta pesquisa, a vontade
do legislador e a interpretação intencionalista364-365.
A autoridade e a intenção do Legislativo não se sobrepõem às do Judiciário. A
interpretação não pode ser fundada na autoridade dos legisladores ou de um grupo de pessoas
que tenham elaborado a lei. Primeiro, porque, seguindo esse raciocínio, a autoridade que
elaborou a lei – seja o jurista ou o legislador – não precisaria segui-la, já que nele residiria a
autoridade interpretativa. Segundo, porque não existe uma hierarquia entre o Legislativo e o
Judiciário. Os legisladores não estão acima dos juízes, por serem eleitos democraticamente.
Terceiro, porque as leis modernas de Estados democráticos não são obras de juristas ou
364 Nesse sentido, HURD, Heidi M. Interpretando as autoridades. Direito e interpretação. Andrei Marmor
(coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 607: “Apesar da tentativa de exorcismo, a interpretação jurídica é
assombrada pelo intencionalismo. Isso desconcertou aqueles que julgavam ter conseguido demonstrar a
indefensibilidade conceitual e normativa da interpretação intencionalista (...) enquanto se conferir ao Direito o
tipo de autoridade que ele historicamente reivindicou, ao intencionalismo será necessariamente conferido o tipo
de respeito que ele não merece”. Igualmente, DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 377-424. 365 Adotando a interpretação intencionalista: “In this chapter I want to support a certain conception of legal
authority. The question is this: Is it possible to attribute legal authority to a giver norm if its authority does not
derive from the authority of someone who has issued that norm? Basically, I will try to defend here a negative
answer to this question, espousing a personal conception of authority.” Tradução livre: “Nesse capítulo eu
quero sustentar um determinado conceito de autoridade legal. A questão que eu quero falar é essa: É possível
atribuir autoridade legal para certa norma se sua autoridade não deriva da autoridade de alguém que editou a
norma? Basicamente, eu tentarei defender aqui uma resposta negativa para essa questão, defendendo uma
concepção pessoal de autoridade” (MARMOR, Andrei. Positive law and objective values. Oxford: Clarendon
Press, 2001. p. 89).
122
legisladores isolados; na verdade, são produzidas com a influência de vários grupos, dentro do
jogo político366.
O CPC/2015 é uma lei elaborada em ambiente democrático. Não foi produto de
um grupo de juristas ou do conjunto da vontade dos deputados e senadores. Foi o resultado de
deliberações, por alguns anos, nas casas legislativas, com emendas de variados congressistas.
Durante a tramitação, também houve audiências públicas; pressões e reivindicações, em
sentidos e direções opostas, dos mais diversos setores sociais, políticos e da comunidade
jurídica367. A qualidade democrática do CPC/2015 é conseguir integrar essa diversidade de
propósitos e reivindicações coesamente; é combinar vontades e interesses para regular o
Direito Processual Civil brasileiro. Nesse quadro, não é prudente conferir ao legislador (essa
figura amorfa e inânime) ou a um determinado grupo de juristas à autoridade de interpretar o
CPC/2015 ou, no momento da interpretação, recorrer à vontade do legislador. A interpretação
é realizada pelo aplicador partindo do próprio texto legal. Não se parte da vontade do
legislador, uma vez que não houve apenas legislador; há, na verdade, um produto concebido
por um conjunto de fatores políticos, jurídicos e sociais. É sobre esse produto que se realiza a
interpretação.368
Dessa forma, ao dizer que a comunidade jurídica despertou o interesse pela
reclamação e a alçou a meio de controle de aplicação dos precedentes, é porque se acredita
que foi um dos fatores no trâmite do CPC/2015 que influenciaram; mas tal ponto não é
fundamental para interpretar a reclamação dogmaticamente, pois se parte do texto legal, sem
se socorrer à vontade do legislador, que – como dito – é amorfo e inânime.369
366 WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não-intencional. Direito e interpretação.
Andrei Marmor (coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 498. 367 “Sendo o povo fonte de poder (e isto se dizia desde pelo menos a Idade Média), o poder do povo não pode,
no plano institucional, expressar-se senão através de órgãos deliberativos organizados para representar as
diversas correntes de opinião pública e da vontade popular” (SALDANHA, Nelson. O que é Poder
Legislativo? 2ª ed. Brasília: Brasiliense, 1983. p. 21). 368 A atividade de deliberação, durante o trâmite legislativo, de um Código, em ambiente democrático, é tal qual
costurar uma colcha de retalhos, com poucos panos, porém de variadas cores. A colcha é sempre curta para
cobrir a todos; alguns não gostam das cores, outros querem furá-la, um grupo prefere que seja costurada uma
nova colcha, outro quer apenas um novo recorte, uns não conseguem ser cobertos... enfim, é uma atividade que
dificilmente agradará a todos, porém é certo que a colcha tem valor em si, independente daquele que costurou ou
de quem contribuiu com os retalhos, tesoura, agulha e linha. 369 Importante a lição de Gustavo Just: “As críticas usuais da voluntas legislatoris como critério objetivo de
identificação do sentido dos textos legislativos argumentam normalmente que as condições de produção do
direito nas sociedades contemporâneas são incompatíveis com os pressupostos implicados por essa noção, em
especial a existência de um estado mental que fosse ao mesmo tempo unívoco, imputável a um autor e acessível
ao intérprete. O que Troper explora é antes a impossibilidade conceitual ou lógica da redução do significado de
um texto legislativo à intenção do seu autor; em outras palavras, ele demonstra que a assimilação do sentido à
intenção é impossível mesmo que se admita, por hipótese, a presença otimizada das condições que ela supõe”
(JUST, Gustavo. Interpretando as teorias da interpretação. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 163).
123
O jogo político, entretanto, não para ao ser publicada a lei. As casas legislativas
continuam sempre sujeitas à influência dos fatores de poder. Assim ocorreu com o CPC/2015.
Antes mesmo de vigorar, foi alterado pela Lei nº 13.256, de 2016, com algumas mudanças em
relação às hipóteses de cabimento da reclamação. Mais precisamente, foram duas alterações,
uma singela e outra expressiva.370
A primeira, e mais irrelevante mudança, apenas deslocou a hipótese de cabimento
da reclamação por inobservância de súmula vinculante do inciso IV para o inciso III, do art.
988. Cuidou-se, apenas, de dispor melhor as hipóteses de cabimento, pois o inciso III também
trata da garantia das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, cujas
reclamações serão destinadas ao STF.
A segunda mudança é mais significativa. É uma causa de inadmissibilidade da
reclamação perante o STJ e o STF. É inadmissível a reclamação – antes de esgotar as vias
ordinárias – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com
repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos
extraordinário ou especial repetitivos.
Antes da alteração do Lei nº 13.256, de 2016, a reclamação para garantir
observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, bem
como de precedente de recursos extraordinário ou especial repetitivos, seria cabível antes
mesmo de esgotar as vias ordinárias. Contudo, após a modificação, apenas é admissível caso
esgotadas as instâncias ordinárias. Não é cabível a reclamação diretamente; apenas após
esgotadas as vias ordinárias. É um requisito de admissibilidade: o esgotamento das vias
ordinárias; se cumprido, será cabível a reclamação.
370 Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência
do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de decisão do Supremo
Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; III – garantir a observância de enunciado de
súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) IV - garantir a observância de enunciado de
súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de
competência. IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) §
1o A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional
cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir. § 2o A reclamação deverá ser
instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal. § 3o Assim que recebida, a reclamação será
autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. § 4o As hipóteses dos incisos III e IV
compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. § 5o É
inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão. § 5º É inadmissível a
reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) I – proposta após o trânsito em julgado da decisão
reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) II – proposta para garantir a observância de acórdão de
recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos
extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (Incluído pela Lei nº
13.256, de 2016).
124
O CPC/2015, antes mesmo de vigorar, foi recortado. Em relação à reclamação, as
mudanças foram consequências de pressão do STJ e STF. Um receio institucional de o
aparelhamento do STJ e o STF não ser capaz de gerir excessiva quantidade de reclamações.
No despertar da comunidade jurídica pela reclamação, incluiu-se, junto ao entusiasmo de
alguns, o temor do STJ e STF em lidar com uma enxurrada delas.371
A pressão do STJ e STJ para mudar o CPC/2015 e incluir um requisito de
admissibilidade é, em certa medida, paradoxal. Ambos os Tribunais, por um lado,
incentivaram um sistema de procedentes obrigatórios e uma cultura de segui-los. Porém, por
outro lado, temeram que fosse mantido o desrespeito aos precedentes obrigatórios, cedendo
espaço para sobejo número de reclamações372. Nessa encruzilhada, ao CPC/2015 restou o
meio dos caminhos: se esgotadas as vias ordinárias e mantida a inobservância do precedente,
será cabível a reclamação para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário
com repercussão geral reconhecida ou, ainda, de acórdão proferido em recursos extraordinário
ou especial repetitivos. Será cabível, desde que esgotadas as vias ordinárias.
Cumpre registrar, por fim, que a alteração legislativa ter sido fruto de pressão
institucional do STF e STJ não é razão, suficiente nem útil, para utilizá-la como fundamento
de interpretação restritiva, ou defensiva, da reclamação. A interpretação do instituto é
realizada sobre o texto normativo. Não se deve recorrer à vontade do legislador ou ao setor
social que reivindicou a mudança. Não há autoridade na vontade do legislador. Tais dados que
levaram à mudança no CPC/2015 são prévios e perdem seu valor após o fim do trâmite
legislativo. Após a sanção da lei, o texto legal é o objeto da interpretação.
Tal argumento é salientado, com o receio de que seja erigida jurisprudência
defensiva das Cortes Superiores, sob o fundamento de não poderem gerir vertiginoso número
de reclamações e, dessa forma, acabem por tolher as hipóteses de cabimento e o acesso à
371 “Trata-se do temor de que o incremento na utilização da reclamação constitucional gere uma distorção junto
ao STF e ao STJ. Essa deturpação residiria no aumento vertiginoso do número de reclamações ajuizadas,
rendendo ensejo a uma massa de feitos que as Cortes de Superposição não teriam condições de gerir
adequadamente. Além disso, pareceria, em certa perspectiva, que a própria existência desse instituto seria
reveladora de uma “fraqueza” institucional do Poder Judiciário, ou mesmo uma ausência de credibilidade, que
se faria presente no frequente descumprimento das decisões judiciais. Ademais, haveria o risco do
descumprimento da própria decisão proferida na reclamação, o que provocaria a “desmoralização”, por
exemplo, do STF.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 282). 372 Traga-se a observação de Ricardo de Barros Leonel: “Nesse quadro, é viável acreditar que o uso da
reclamação constitucional, mesmo com a importância que ela recebeu nos últimos anos, não chegará a criar o
risco de inviabilização do funcionamento do STF e do STJ. A tendência, acreditamos, é a adesão da comunidade
jurídica aos precedentes consolidados, que refletem precisamente o entendimento dos guardiães da Constituição
e das Leis Federais, função reservada às duas Cortes Superiores. Esse será o resultado da evolução da cultura
jurídica e social, pela nossa sociedade vem passando” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação
Constitucional, cit., p. 287).
125
justiça. Não importa se esse foi um dado que levou à mudança legislativa ou se essa foi a
vontade do legislador; o que é relevante é a interpretação que se extrai dogmaticamente do
texto normativo, tal qual publicado.
3.2. Tríplice função da reclamação constitucional
Das hipóteses de cabimento, conclui-se que a reclamação possui uma tríplice
função no sistema processual: (i) preservar a competência dos tribunais (CPC/2015, art. 988,
I; CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I, f,); (ii) garantir a autoridade de suas decisões (CPC/2015,
art. 988, II; CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I, f,); (iii) garantir a observância e correta aplicação
dos precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 988, III e IV, §5º, II; Lei nº 11.417/2006, art. 7º;
CF/1998, art. 103-A, §3º).
As duas primeiras funções da reclamação se identificam, com facilidade, com as
duas respectivas hipóteses tradicionais de cabimento: preservar a competência e garantir a
autoridade das decisões dos tribunais.
A terceira função da reclamação – controlar a aplicação de precedentes – abrange
as hipóteses de cabimento restantes. São as que cuidam da correta observância das teses
jurídicas373 dalguns dos precedentes obrigatórios. No caso, os enunciados de súmulas
vinculantes, as decisões em controle concentrado de constitucionalidade, e o julgamento do
incidente de assunção de competência e dos casos repetitivos, inclusos os recursos
excepcionais repetitivos.
Essas são as três funções da reclamação constitucional. E, para fins dogmáticos, é
essencial compreender as suas três funções, até mesmo para melhor entender as hipóteses de
cabimento. É que, a depender da função que a reclamação desempenhar no caso, suas
características e efeitos podem variar. Por exemplo, usualmente, a decisão de uma reclamação
para fins de preservar competência é mandamental, com avocação dos autos do processo para
o órgão cuja competência fora usurpada; já a decisão que garante a autoridade do julgado
possui eficácia constitutiva negativa, uma vez que cassa a decisão violadora da autoridade do
julgado.374
373 Expressão legal contida no CPC/2015, art. 988, III e IV, §4º. 374 NOGUEIRA, Pedro Henrique. A eficácia da reclamação constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca;
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 388-
295; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo V. Rio
de Janeiro: Forense, 1974. p. 384.
126
Igualmente, a competência interna para julgar reclamação fundada em
preservação de competência ou proteção à autoridade de julgado compete, usualmente, ao
órgão do tribunal cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir
(CPC/2015, art. 988, §1º). Por outro lado, a competência interna de reclamação destinada a
controle de precedentes não se atrela ao órgão que formou o precedente, ou seja, o órgão
prolator da decisão paradigma, devendo seguir os critérios do regimento interno.
Em suma, para um ideal estudo dogmático, é importante ter em vista a tríplice
função da reclamação constitucional, pois as suas características e efeitos se alteram de
acordo com a função exercida no caso. Assim, um dos critérios para identificar, em cada
situação, as qualidades e nuances de uma reclamação é exatamente a função que
desempenhar; daí por que se optou, na presente pesquisa, em dividir cada hipótese de
cabimento de acordo com a função em que se enquadra, para fins didático-dogmáticos.
Cabe aqui pontuar uma diferença. A segunda e terceira função advêm de um
mesmo fundamento, isto é, protegem o mesmo valor constitucional. Ambas se apoiam na
autoridade dos tribunais, contudo sobre perspectivas distintas.
A função de garantir autoridade das decisões dos tribunais destina-se a assegurar o
cumprimento daquilo que foi decidido nos dispositivos dos julgados; é, portanto, a autoridade
da norma concreta da decisão. Já a função de garantir a observância dos precedentes busca
proteger a autoridade da ratio decidendi de decisões do tribunal; com efeito destina a proteger
a autoridade dos precedentes dos tribunais, ou seja, a eficácia vinculante da norma geral e
abstrata dos precedentes. Muito embora se apoiem no mesmo fundamento de autoridade dos
tribunais, possuem funções distintas. Dessa forma, quando se fala em garantir autoridade dos
tribunais, que é a dicção legal, compreenda-se a autoridade do dispositivo de algum julgado
do tribunal.
Assim, deve-se separar: a hipótese de cabimento, que se trata da causa de pedir da
reclamação; o fundamento, que é o valor constitucional protegido; e, a finalidade, que é sua
destinação imediata no sistema processual.
3.3. Demanda típica e de fundamentação vinculada: a causa de pedir na reclamação
constitucional
127
A reclamação é uma ação típica de fundamentação vinculada; significa dizer seu
cabimento é restrito às hipóteses específicas previstas na legislação e na Constituição.375 As
hipóteses de cabimento da reclamação são típicas e estão consolidadas no art. 988 do
CPC/2015. Não cabe reclamação por hipótese distinta das previstas no art. 988.
Cada uma das hipóteses de cabimento configura uma causa de pedir da
reclamação. Cada fundamento típico equivale a uma causa de pedir da reclamação. Porém,
cada causa de pedir não corresponde um dos incisos do art. 988.376 Por exemplo, o inciso IV
prescreve o cabimento de reclamação por dois fundamentos: i) não observância de acórdão
proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas; e ii) não
observância de incidente de assunção de competência. Cada fundamento desse corresponde à
uma causa de pedir, embora constantes do mesmo inciso do art. 988.
Seguindo as lições de José Carlos Barbosa Moreira em relação à ação rescisória
(outra ação típica do direito brasileiro), mas servíveis perfeitamente à reclamação
constitucional, cuida-se de uma relação taxativa que exaure as hipóteses de reclamação, “não
é possível cogitar-se de outras quaisquer, nem mediante recurso à analogia”377. Então, cada
uma das hipóteses de cabimento é suficiente de per si.378
Portanto, a causa de pedir da reclamação são os fundamentos (hipóteses)
exaustivos previstos no ordenamento jurídico e consolidados no art. 988 do CPC/2015. Caso
o autor ajuíze Reclamação com base em dois ou mais fundamentos, haverá cumulação de
demandas, com conexão em virtude das partes e do pedido.
A causa de pedir, na condição de elemento da demanda, é o mais problemático e o
mais relevante dos três (partes, pedido e causa de pedir), por conta de sua complexidade e
controvérsia doutrinária.379 Dentre diversas teorias, aparenta haver univocidade na doutrina380,
375 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 249;
CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 679. 376 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 679. 377 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro:
Forense, 2010. p. 155. 378 “Não é necessário conjugá-los entre si, nem conjugar qualquer deles com alguma outra circunstância. Aos
vários fundamentos possíveis correspondem outras tantas causae petendi, diversas e autônomas; a invocação de
uma não exclui a de qualquer das restantes.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 154). 379 “Dentre os elementos individualizadores da ação material, a causa de pedir constitui o mais delicado e
problemático.” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 132). 380 “Reina total harmonia na doutrina brasileira, no reconhecimento da adesão ao Cód. de Proc. Civil à teoria
da substancialização” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 132). No mesmo sentido: TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001. p. 144; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no
128
que o CPC/1973 adotara a teoria da substanciação da causa petendi, uma vez que seu art.
282, III, exigia do autor a exposição, na petição inicial, dos fatos e os fundamentos jurídicos
do pedido.
No CPC/2015, a exigência de expor os fatos e fundamentos jurídicos do pedido na
petição inicial é mantida (CPC/2015, art. 319, III), daí por que também foi mantida a teoria
da substanciação381 da causa de pedir consistente naquela que “encara a causa de pedir como
o acervo dos fatos constitutivos do direito ou dos elementos das várias previsões
normativas”382. Em outras palavras, cabe ao autor narrar os fatos e os fundamentos jurídicos
de seu pedido, de forma clara, concisa e exaustiva383 e, partindo dessa narrativa, formular os
seus pedidos de forma lógica.
3.3.1. A causa de pedir próxima e remota na reclamação
Sucintamente, a causa de pedir, no direito brasileiro, são os fatos constitutivos do
direito e os fundamentos jurídicos que justificam os pedidos, tudo narrado pelo autor na
petição inicial. Daí se afirmar que a causa petendi se desdobra em duas, a causa de pedir
Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p.
43. 381 Dentre as várias teorias, destacam-se a teoria da substanciação e a teoria da individuação. Eis a sucinta lição
de Calmon de Passos sobre a diferença entre as teorias: “Para os adeptos da substanciação, a causa de pedir é
representada pelo fato ou complexo de fatos aptos a suportar a pretensão do autor, pois são eles que constituem
o elemento de onde deflui a conclusão. Já para os adeptos da teoria da individuação, a causa de pedir é a
relação ou estado jurídico afirmado pelo autor em apoio à sua pretensão, posto o fato em plano secundário e
não relevante, salvo quando indispensável à individuação da relação jurídica.” (CALMON DE PASSOS, José
Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 192).
Ainda que, como dito, haja harmonia da doutrina quanto à adoção da teoria da substanciação, Leonardo Carneiro
da Cunha e José Rogério Cruz e Tucci defendem que o CPC/1973 adotara uma posição intermediária; os motivos
da conclusão são aplicáveis ao regime do CPC/2015 (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos
Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro.
Coimbra: Almedina, 2012. p. 45-47; TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. p. 146-148). Apoiam-se esses autores na premissa básica que nem todos os fatos
são relevantes ou essenciais para caracterização da causa de pedir, como explica Ovídio Baptista:
“Verdadeiramente, podemos dizer apenas isto: nem todos os fatos serão decisivos para a caracterização da
causa petendi.” (SILVA, Ovídio Baptista. Limites objetivos da coisa julgada no atual Direito Brasileiro.
Sentença e coisa julgada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 131). Para Joel Dias Figueira Jr. a teoria da
individuação melhor atenderia os anseios do processo civil contemporâneo (FIGUEIRA Jr., Joel Dias.
Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 4. Tomo II. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 51-
53). 382 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise
comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p. 37. 383 “A narração há de ser clara e precisa; convém, outrossim, que seja exaustiva, mas concisa; e subentende-se
que há de conter a verdade dos fatos, expostos com probidade e encadeamento, tal como se passaram”
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 17-18).
129
remota, que são os fatos constitutivos do direito, e a causa de pedir próxima, consistentes nos
fundamentos jurídicos do pedido autoral.
A causa de pedir remota na reclamação são os fatos constitutivos alegados pelo
autor que configurem uma situação material, in concretum, de usurpação de competência, ou
de desrespeito à autoridade de decisão ou, ainda, de inobservância de súmula vinculante, de
decisão em controle concentrado de constitucionalidade, de acórdão de julgamento de casos
repetitivos e de incidente de assunção de competência.
Em outras palavras, a causa de pedir remota se traduz em uma situação concreta –
ao menos em narrativa realizada pelo autor – que pretenda caracterizar alguma das hipóteses
de cabimento previstas no art. 988 do CPC/2015. São os fatos afirmados na petição inicial,
que o autor entenda enquadrarem-se em uma das hipóteses de cabimento da reclamação
constitucional. Tais hipóteses constituem um rol exaustivo, que sequer por analogia podem
ser aumentadas. Se o autor descreve duas ou mais situações concretas suficientes para
caracterizar uma, ou mais, das hipóteses de cabimento, haverá cumulação objetiva de
demandas reclamatórias, já que presente mais de uma causa de pedir remota.
Doutra banda, a causa de pedir próxima cuida do “fundamento jurídico pelo qual
se move a demanda, ou seja, o enquadramento daquela situação substancial em um dos
permissivos estabelecidos no ordenamento”384.
A causa de pedir próxima são os fundamentos jurídicos do pedido. Primeiramente,
o autor deve indicar em qual hipótese de cabimento da reclamação os fatos narrados se
subsomem; num segundo momento, deve indicar as normas que incidem sobre os fatos, de
modo que implique a hipótese de cabimento indicada.
Devem ser indicadas as normas que dão juridicidade aos fatos narrados pelo autor,
ou seja, são exatamente as normas que incidem sobre a situação concreta cuja consequência é
a usurpação de competência, o desrespeito à autoridade de decisão ou a inobservância de
precedente, e justificar o cabimento da reclamação. Em suma, os fundamentos jurídicos do
pedido são as normas indicadas pelo autor para enquadrar os fatos narrados em uma das
hipóteses de cabimento da reclamação contidas no art. 988 do CPC/2015.
Traz-se um exemplo para melhor ilustrar a exposição. Imagine-se uma reclamação
dirigida ao STJ por usurpação de sua competência, pois o TJPE processou mandado de
segurança impetrado contra o Ministro da Fazenda. Na petição inicial, o autor deve narrar os
384 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 247.
130
fatos que demonstram a usurpação de competência, no caso, a impetração de mandado de
segurança contra Ministro de Estado em Tribunal Estadual. Essa narrativa dos fatos cuida-se
da causa de pedir remota, ou seja, uma situação material, in concretum, que se pretende
caracterizar como usurpação de competência do STJ. Após a narrativa dos fatos, o autor deve
expor os fundamentos jurídicos dos pedidos que consistem na causa de pedir próxima. O
autor elege a hipótese de cabimento da reclamação, no exemplo, a usurpação de competência
(CPC/2015, art. 988, I); e, depois, indica qual a norma que caracteriza a usurpação de
competência. Nesse exemplo, seria o art. 105, I, b, da CF/1988 que prevê a competência do
STJ para julgar e processar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado.
Nesse exemplo dado, a norma de competência de extraiu de um dispositivo
constitucional, porém as normas indicadas podem ser extraídas de qualquer fonte formal do
Direito. Pode se indicar um costume jurídico, legislação lato sensu etc. O importante é indicar
uma norma, seja princípio ou regra, seja geral ou abstrata, seja individual ou concreta,
originária de lei ou de precedente.
No caso de reclamação por inobservância de precedente (CPC/2015, art. 988, III e
IV), a norma apontada na causa de pedir próxima é a ratio decidendi do próprio precedente,
daí por que na reclamação por erro ou inaplicação de precedente sempre se indica a decisão
paradigma ou a súmula violada.
Retorne-se a um exemplo para esclarecer o ponto: o TJPE profere acórdão em
IRDR, declarando lícita a cobrança de ISS sobre a atividade de guia turístico. Uma
reclamação é ajuizada, por inobservância do acórdão nesse IRDR, pois o juiz da vara da
fazenda de Olinda/PE afastou a incidência sobre todos os guias turísticos de Olinda/PE, em
sede de liminar, em mandado de segurança coletivo da associação de guias turísticos. Na
petição inicial da reclamação devem ser narrados os fatos que demonstrem a inobservância do
precedente. No exemplo consiste na decisão do juiz de Olinda/PE que afastou a aplicação da
tese fixada no respectivo IRDR; essa seria a causa de pedir remota. Depois, o autor da
reclamação deve expor a causa de pedir próxima, isto é, os fundamentos jurídicos dos
pedidos; assim, elege-se a hipótese de cabimento da reclamação, no caso, inobservância de
acórdão em IRDR (CPC/2015, art. 988, IV) e, depois, invoca-se a norma que incidindo sobre
os fatos demonstram a inobservância do precedente, bem como a norma que confere
autoridade ao precedente (CPC/2015, art. 927). Nesse caso, a norma invocada é a ratio
decidendi contida no acórdão do IRDR que declarou lícita a cobrança de ISS sobre o serviço
131
de guia turístico e a norma contida no art. 927 do CPC/2015 que confere força vinculante ao
precedente.
Assim, em reclamações por inobservância ou erro na aplicação de precedentes, a
norma invocada é sempre a do precedente em que se funda a reclamação. É a ratio decidendi
– norma geral e abstrata – extraída do precedente. A causa de pedir próxima de uma
reclamação por afronta à precedente pressupõe-se sempre a indicação do próprio precedente,
com sua respectiva decisão paradigma.
Já a causa de pedir próxima de uma reclamação por afronta à autoridade de
julgado constitui uma norma jurídica concreta contida no dispositivo de alguma decisão
judicial. A norma que caracteriza a situação de afronta à decisão provém do dispositivo da
própria decisão violada, seja ela liminar ou definitiva.
Por exemplo, o juiz da vara cível de Recife, ao iniciar a execução de acórdão
definitivo proferido pelo TJPE, resolve aplicar índice de correção monetária diferente do
estipulado no dispositivo do acórdão. Na petição inicial da reclamação, deve ser exposto o
fato que se pretende caracterizar como violador da autoridade da decisão, ou seja, a aplicação
de índice de correção distinto do determinando no acórdão, consistindo essa narrativa na
causa de pedir remota. Após, devem ser expostos os fundamentos jurídicos do pedido, ou
seja, a causa de pedir próxima. Indica-se, portanto, a hipótese de cabimento da reclamação,
que será por afronta à autoridade de julgado (CPC/2015, art. 988, II) e duas normas jurídicas:
a) a norma jurídica concreta, cuja autoridade está sendo violada, no caso, contida no
dispositivo do acórdão do TJPE; e, b) a norma jurídica abstrata que concede eficácia plena à
norma jurídica concreta, nesse caso são os arts. 502 e 503 do CPC/2015 que tratam da
autoridade da coisa julgada.
Caso o exemplo se tratasse de violação à autoridade de decisão liminar do TJPE, a
causa de pedir próxima também seria a hipótese de cabimento da reclamação, que cuida da
afronta à autoridade de julgado (CPC/2015, art. 988, II) e outras duas normas jurídicas: a) a
norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão liminar do TJPE; e, b) a norma
jurídica abstrata que concede eficácia plena à decisão liminar do TJPE, nesse caso são os arts.
295 a 297 do CPC/2015 que concedem eficácia imediata às tutelas provisórias.
Em suma, a causa de pedir próxima de: a) reclamação por usurpação de
competência é norma jurídica geral e abstrata que disponha sobre competência do tribunal, via
de regra prevista na CF/1988 e nas Constituições Estaduais; b) a reclamação por afronta à
132
autoridade de julgada é a norma jurídica concreta, cuja autoridade se supõe violada, e a norma
jurídica geral e abstrata que concede eficácia plena à norma jurídica concreta; c) a reclamação
por inobservância de precedente é a ratio decidendi do precedente e a norma que confere
eficácia vinculante ao precedente, especificamente contida no art. 927 do CPC/2015.
3.3.2. A indicação da hipótese de cabimento
A indicação da hipótese de cabimento em que se calça a reclamação deve ser
analisada junto com os pedidos formulados, de modo a verificar o interesse de agir do
reclamante. Se o autor fundamenta seu pedido em alguma hipótese de cabimento que não se
aplica à reclamação ou formula pedido impertinente com a reclamação, houve inadequação da
via eleita e, por consequência, carece de interesse de agir. O autor precisa afirmar que ocorreu
uma das hipóteses do art. 988. Basta afirmar, que haverá interesse de agir; o que não pode é
afirmar que houve outras hipóteses fora daquelas previstas no art. 988, sob pena de falecer de
interesse processual.385 Por exemplo, se o autor fundamenta a reclamação em prevaricação do
juiz e pede a rescisão da decisão reclamada, há inadequação da via eleita e falta de interesse
de agir, pois invocou-se fundamento e formularam-se pedidos impertinentes à reclamação. Os
fatos foram narrados sem a pretensão de enquadrá-los em nenhuma das hipóteses do art. 988.
A via adequada seria uma ação rescisória (CPC/2015, art. 966, I), e não a reclamação. A
expressão “’[n]ão cabimento’, nesse caso, é sinônimo de verdadeira falta de interesse de
agir”386.
Por outro lado, se a hipótese de cabimento invocada e os pedidos forem próprios
de uma ação de reclamação, haverá interesse de agir. Basta, como dito, que o autor afirme ter
ocorrido uma das hipóteses de reclamação. Verificar se os fatos narrados realmente
caracterizam uma das hipóteses de cabimento da reclamação é questão de mérito. É o que se
denomina teoria da asserção.387 O que importa, para haver interesse processual, é a afirmação
do autor; a correspondência entre a afirmação e a realidade já é um problema de mérito.
Afirmando fato que se subsuma à hipótese de incidência há interesse de agir; por outro lado,
se de fato ocorreu a hipótese em concreto, é uma questão de mérito, de procedência ou
385 “A interesse de agir pode ressaltar da simples narração dos fatos. Não é preciso que explicitamente se refira,
nem que se prove. Se o demandado nega que existe, a todo tempo pode ser apontado e o juiz, examinando os
fatos da causa e seus fundamentos, pode afirmar-lhe a existência. (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 17-19). 386 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 251. 387 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 314.
133
improcedência da reclamação. Por exemplo, uma reclamação na qual se alegue inobservância
de acórdão proferido em IRDR, há interesse de agir, porém verificar se de fato houve, ou não,
a inobservância é questão de mérito. A reclamação deve ser julgada com mérito, pela
procedência ou improcedência (CPC/2015, art. 487, I), caso se declare, ou não, a
inobservância do precedente. Por vezes, nessas situações, utiliza-se – indevidamente – o
termo “não cabimento”, que pode levar a crer que não houve resolução de mérito, daí por que
melhor utilizar a expressão “improcedência” ou “inacolhimento”.
Convém registrar que a necessidade de indicar os fundamentos jurídicos do
pedido também contribui para o efetivo contraditório substancial. É que o contraditório não se
relaciona apenas com os fatos expostos pelo autor. O réu deve saber quais os fundamentos
invocados para se pronunciar sobre eles, de modo a atender ao contraditório.
Cabe registar que cada hipótese de cabimento corresponde, como dito, a uma
causa de pedir; e, por sua vez, cada causa de pedir relaciona-se com questões de fato narradas
na petição inicial. “Sendo assim, o tribunal não pode cassar a decisão reclamada ou avocar
os autos por fundamento não invocado, em razão da regra da congruência (arts. 141 e 492,
CPC)”388.
Contudo, o equívoco na indicação de algum por outro dos incisos do art. 988 do
CPC/2015 (assim como o erro na referência à norma jurídica sobre competência ou no
precedente indicado como violado), todavia, não vincula o órgão julgador, que pode examinar
o pedido e, se for o caso, acolhê-lo, à luz do dispositivo adequado, desde que a disposição do
fato conste da inicial (iura novit curia);389 entretanto, nessa situação, o órgão julgador sujeita-
se ao dever de consulta (CPC/2015, art. 10), impondo submeter às partes o fundamento que
entender aplicável, de modo a concretizar o contraditório substancial.390
Por fim, a causa superveniens deve ser considerada no julgamento da reclamação,
dês que submetida ao contraditório, ainda que suscitada de ofício pelo órgão julgador
(CPC/2015, arts. 10 e 493, par. úni.). O fato novo, surgido após a propositura da reclamação,
388 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 680.
Tratando da ação rescisória, porém em lição aplicável à reclamação: “Fundamento não invocado em caso algum
autoriza a rescisão, pois convencido que fique o órgão julgador da ocorrência do fato.” (BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.
154). 389 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro:
Forense, 2010. p. 154-155. “Em compensação, o silêncio ou o erro quanto ao número do dispositivo não
prejudica a postulação, desde que se consiga identificar com segurança a norma.” (TUCCI, José Rogério. A
causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 249). 390 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise
comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p. 44.
134
constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, deverá ser tomado em consideração, de
ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão,391 sendo antes ouvidas
as partes (CPC/2015, art. 493, par. úni.).
É o caso, por exemplo, de uma reclamação por não observância de precedente
que, durante o curso da demanda reclamatória, veio a ser revogado pelo tribunal, em virtude
de superação. Ou, ainda, de reclamação por afronta à autoridade de decisão que, antes do
julgamento, vem a ser rescindida mediante ação rescisória. Nesses casos, o fato superveniente
é levado em consideração, sem afronta à regra da congruência.
3.3.3. Cumulação de hipóteses de cabimento
Uma reclamação apenas pode se fundar em várias hipóteses de cabimento. Vários
incisos do art. 988 podem ser invocados para calçar apenas uma reclamação. Nesse caso,
haverá o cúmulo de causas de pedir. São várias ações materiais reclamatórias (ou demandas
reclamatórias) em apenas uma ação processual de reclamação.392
Dito de outra forma, cada hipótese de cabimento da reclamação corresponde a
uma causa de pedir. Invocando-se mais de uma hipótese de cabimento, haverá cumulação de
causas de pedir em apenas uma ação de reclamação. Serão tantas causas de pedir, quanto
forem as hipóteses de cabimento invocadas, tudo em apenas uma ação de reclamação.
Assim, é possível que uma reclamação se fundamente, por exemplo, em
usurpação de competência e inobservância de precedente obrigatório. Imagine-se que o TJPE
tenha decidido, em IRDR, sobre sua competência originária para julgar mandado de
segurança contra o Prefeito do Recife; contudo, o juiz da vara da fazenda do Recife aceita o
391 Durante o curso da lide, nem se muda o pedido, nem a causa de pedir. Isso não obsta a que se inclua,
explícita ou implicitamente, a causa superveniens. O princípio e que o pedido é imutável, e imutável é a causa
de pedir, só se refere a quem pede, quanto a aumentar ou trocar o pedido, ou varia de causa de pedir. Se o
direito se extingue durante a lide, o réu é absolvido. Se se afirmou terem sido tantos danos e no momento da
propositura da ação nem todos se haviam consumado e depois se consumaram, o ius superveniens é de
proteger-se, salvo se caracterizada demanda nova. A afirmação do fato, como presente, vale para o fato em
curso, ou para o fato continuativo, ou para as reiterações do mesmo fato.” (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
p. 21). Sobre o tema, amplamente: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes
no Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012;
LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. 392 “Os fundamentos jurídicos (causa petendi próxima), que ligam os fatos jurídicos e o pedido, ou seja, retirada
dos fatos, da qual decorre o petitum, multiplicam a causa de pedir, e, portanto, a indicação de dois fundamentos
jurídicos, mesmo a partir de um único complexo de fato – tendo-se em conta, sempre, que a existência de mais
de um conjunto de fatos, mesmo com idêntico efeito jurídico, importa cumulação – determina cúmulo de ações
materiais” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 150”.
135
processamento de mandado de segurança impetrado exatamente contra o Prefeito do Recife.
Nessa situação, será cabível reclamação com cúmulo de causas de pedir: a) por usurpação de
competência originária do TJPE; e, b) por inobservância de acórdão proferido em IRDR; tudo
em uma só ação de reclamação, fundando-se no mesmo complexo de fatos, no caso, a
impetração de mandado de segurança contra o Prefeito do Recife perante juiz de primeiro
grau.
Contudo, há regras que regulam a cumulação de causas de pedir, dentre elas a
competência do órgão julgador para conhecer da matéria invocada nas causas de pedir
cumuladas (CPC/2015, art. 327, §1º, II). Volte-se ao exemplo acima, porém não sendo mais o
precedente violado IRDR proferido pelo TJPE, mas sim acórdão de recurso especial repetitivo
julgado no STJ. No caso, não seria possível cumular as causas de pedir, pois a competência
para conhecer de cada uma delas seria distinta. A competência para conhecer da alegação de
usurpação de competência seria do TJPE; ao passo que a competência para conhecer a
alegação de inobservância de precedente seria do STJ, cujo precedente foi inobservado.
Portanto, a cumulação de causa de pedir pressupõe a competência do mesmo
tribunal para conhecer de cada causa de pedir cumulada em apenas uma reclamação.
É importante observar que, ao cumularem-se as causas de pedir, é possível cindir
cada uma delas em uma reclamação apartada. A cumulação das causas de pedir é uma opção
do autor que, de modo inverso, pode facultar por ajuizar uma reclamação para cada hipótese
de cabimento que entender ter ocorrido. De qualquer sorte, em caso de cisão, serão ações
conexas, já que remontam à mesma relação jurídica (CPC/2015, art. 55), devendo ser julgadas
conjuntamente.
Compreender a possibilidade de cisão da reclamação por cada causa de pedir é
importante até mesmo para compreender a exceção de coisa julgada, de modo a impedir que
se julgue novamente pedidos que já foram acobertados pela coisa julgada material. Mais
precisamente, é entender a incidência do efeito negativo da coisa julgada, que veda o órgão
julgador apreciar novamente pedidos já decididos e atingidos pela coisa julgada (CPC/2015,
art. 505).
Para fins de exceção de coisa julgada, compara-se dois processos para saber se
são idênticos, o que se faz sob o prisma da tríplice identidade.393 Examina-se se o processo,
393 “Mas como se identifica se estamos diante de ações idênticas? A fórmula clássica, adotada desde o direito
romano, é a aplicação do exame de tríplice identidade (tria eadem), isto é, a correspondência entre os
136
sob julgamento, buscando identificar se há identidade de partes, pedido e causa de pedir
(elementos da demanda) em relação ao processo no qual se formou a coisa julgada material
(CPC/2015, art. 337, §§ 2º e 4º). Caso haja a tríplice identidade, o órgão julgador não pode
julgar novamente, em virtude do efeito negativo da coisa julgada; a contrario sensu,
inexistindo a coisa julgada ou outro impeditivo de apreciação meritório, o órgão julgador é
obrigado a julgar o pedido reclamatório, em virtude da vedação ao non liquet.
Desse modo, uma reclamação pode ser ajuizada contra determinando ato, judicial
ou administrativo, com base em uma hipótese de cabimento e, caso vier a ser julgada
improcedente, ainda assim poderá ser intentada uma nova reclamação, caso o fundamento seja
outra hipótese de cabimento. É que nesses casos a mudança de hipótese de cabimento
importa, na verdade, em mudança de causa de pedir; e, alterando-se a causa de pedir, inexiste
a tríplice identidade, logo não há exceção de coisa julgada. Cuida-se de uma nova ação, com
causa de pedir diferentes, inexistindo o óbice da coisa julgada.
Mantendo-se no exemplo acima ilustrado, é possível que o autor resolva não
cumular as hipóteses de cabimento. Primeiramente, ajuíza uma reclamação porque houve
usurpação de competência do TJPE, que vem a ser julgada improcedente; num segundo
momento, após o trânsito em julgado da primeira reclamação, intenta uma segunda
reclamação, dessa vez porque a mesma decisão afrontou tese jurídica fixada em IRDR. Nesse
exemplo, a segunda reclamação não esbarra no efeito negativo da coisa julgada, já que houve
alteração de causa de pedir, logo não há a tríplice identidade no exame comparativo entre as
duas reclamações.
3.4. O grau de vagueza e ambiguidade das hipóteses de cabimento
As hipóteses de cabimento da reclamação afiguram-se como conceitos jurídicos
indeterminados, como explicado no item 1.5.1.1. As locuções dispostas nas hipóteses de
cabimento do art. 988, do CPC/2015, são dotadas de grau de vagueza. É preciso, então,
preencher o seu significado, mediante atividade interpretativa casuística, que reduza vagueza
e ambiguidade.
elementos da demanda do processo sub examinen e os elementos da demanda do processo já transitado em
julgado. Omo a demanda é composta de três elementos (partes, causa de pedir e pedido), o método resume-se a
procurar identidade de res, causa petendi e petitum.” (CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões
dinâmicas. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 104-105).
137
Há certas situações que se afiguram mais facilmente como algumas das hipóteses
de cabimento, outras nem tanto.
Por exemplo, o processamento de um ADIn contra lei federal perante Tribunal de
Justiça – com certeza – configura usurpação de competência do STF, caracterizando a
hipótese do art. 988, I, do CPC/2015. Por outro lado, a demora exagerada e injustificada do
juiz de primeiro grau em remeter apelação ao tribunal pode consistir numa usurpação oblíqua
de competência. O juiz impede indiretamente, ao não remeter os autos ao segundo grau, que o
tribunal exerça sua competência de julgar a apelação. Essa última situação é um pouco mais
cinzenta. É mais difícil dizer se configura uma usurpação de competência a render uma
reclamação com fundamento no art. 988, I, do CPC/2015.394 Inúmeras outras situações podem
surgir, sem que se saiba, desde logo, se implicam usurpação de competência de tribunal.395
Quando um juiz se recusa, expressamente, a aplicar a tese de um IRDR, não há
dúvida que o precedente fora inobservado, cabendo a reclamação com base no art. 988, IV, do
CPC/2015. Por outro lado, ao aplicar indevidamente, não há dúvida que o precedente foi
“observado” – na dicção legal –, porém “observado” erroneamente. Aplicou-se a caso que não
deveria ter incidido o precedente. Essa situação permite a propositura de reclamação com
fundamento no art. 988, IV, do CPC/2015: “garantir a observância de acórdão proferido em
julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de
competência”?396 O que significa exatamente “garantir observância” de precedente? Quais
situações implicam “inobservar” o precedente? Não é possível dizer todas antecipadamente,
sendo necessário analisá-las caso a caso.
3.5. Preservar competência de tribunal (CPC/2015, art. 988, I)
394 A presente pesquisa defende que, no exemplo dado, há usurpação de competência apta a ensejar a reclamação
com base no art. 988, I, do CPC/2015. 395 “Feitas essas breves considerações, há de se indagar: o que vem a ser usurpação de competência? É a
necessária a existência de algum ato usurpador, ou a mera relação processual em curso já é motivo para se
impetrar a reclamação? Pode haver invasão de competência, a ensejar reclamação, por ato de autoridade
administrativa? É possível que um órgão competente para apreciar uma dada causa pratique invasão de
competência em relação a ato privativo das Cortes Superiores? (...) Nem sempre é fácil dizer quando ocorre
usurpação de competência das Cortes Superiores, haja vista que, em muitas situações, é difícil distinguir se a
competência é mesmo exclusiva de uma ou de outra corte.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua
aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 175-176). 396 Nesse exemplo, a presente pesquisa compreende que é cabível a reclamação com fundamento no art. 988, IV,
do CPC.
138
É cabível reclamação para preservar a competência de qualquer tribunal. É
possível aviar a reclamação quando a competência de tribunal é usurpada.397 Mais
precisamente, a usurpação de competência se dá quando algum outro órgão, administrativo ou
judicial, invade a esfera de competência do tribunal. Pode ocorrer quando se pratica apenas
algum ato específico e pontual de competência do tribunal. Igualmente, pode ser usurpada a
competência para processar um procedimento em sua inteireza. Ainda é possível usurpar a
competência, obliquamente, mediante omissão que impeça o tribunal de exercer sua
competência.
Compreender o significado de usurpação de competência, como é óbvio,
pressupõe o conceito de competência.398 Cuida-se a competência dos limites – temporais,
objetivos e subjetivos – impostos a um órgão judicial para o exercício de sua jurisdição. Todo
órgão judicial é investido de jurisdição, ou seja, possui capacidade e poder, conferidos por
norma jurídica, para praticar atos judiciais. A competência consiste nos limites impostos ao
órgão para exercer a jurisdição; trata-se do limite para o exercício válido e regular do poder
jurisdicional, legitimando-o.399 Um órgão não pode praticar qualquer ato, mas apenas aqueles
dentro dos limites de suas competências. Em suma, a competência dispõe o quê, quem, onde e
quando pode um órgão praticar atos legítimos, no exercício da jurisdição.400
As fontes das normas sobre competências são as Constituições Federal e Estadual
e a legislação infraconstitucional.401 As competências dos órgãos constitucionais são típicas e
indisponíveis; são típicas porque são apenas as expressamente previstas na Constituição
397 “Usurpar competência significa agir como se estivesse autorizado a exercer a jurisdição para processar ou
decidir determinada causa, atuar no lugar da autoridade competente, invadindo a esfera de atuação pertencente
a esta, infringir as normas de competência. No caso de uma autoridade, judicial ou não, ao atuar ela de
qualquer modo que interfira na competência do STF e/ou do STJ, abrem-se as portas para a impetração da via
reclamatória, a fim de impedir essa conduta, repará-la, avocar a causa indevidamente apreciada pela
autoridade competente etc., qualquer providência que se faça necessária para a preservação de competência da
Corte.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p.
176). 398 O conceito de competência é lógico-jurídico. Não depende do direito positivo de algum ordenamento jurídico
específico. É um conceito constante e permanente, sem vinculações com as variações do direito positivo, tanto
que os problemas de competência se reproduzem em diversos ramos do Direito, não sendo específico do Direito
Processual Civil. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 38). 399 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 94. 400 Existe uma concepção tradicional de que a competência consiste na fração ou medida da jurisdição. “Todos
os juízes exercem jurisdição, mas a exercem numa certa medida, obedientes a limites preestabelecidos. São,
pois, ‘competentes’ somente para processar e julgar determinadas causas. A ‘competência’, assim, ‘é a medida
da jurisdição’, ou, ainda, é a jurisdição na medida em que pode e deve ser exercida pelo juiz.” (CARNEIRO,
Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 73). MARQUES, José Frederico.
Instituições de direito processual civil. Vol. I. Campinas: Millennium, 2000. p. 310-311. 401 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. cit., p. 75-76; CUNHA, Leonardo Carneiro da.
Jurisdição e competência. cit., p. 106-107;
139
Federal, são indisponíveis pois não podem ser transferidas para outro órgão distinto daquele a
quem a Constituição atribuiu a competência.402
As competências originárias dos tribunais brasileiros são previstas nas
Constituições Federal e Estaduais. São competências típicas e indisponíveis. Não podem ser
alargadas pela legislação infraconstitucional, tampouco podem ser delegadas a outros órgãos.
Já a competências derivadas podem ser previstas na legislação infraconstitucional, desde que
não afronte nenhuma outra norma de competência de nível constitucional. Ambas são
competências absolutas, já que não se prorrogam tampouco se modificam.
Por outro lado, a competência atrela-se à garantia constitucional do juiz natural
(CF/1988, art. 5º, XXXVII e LIII). “A garantia do juiz natural, em seu aspecto positivo,
significa que toda pessoa tem direito de ser julgada pelo órgão jurisdicional competente”.403
Há, pois, direito ao juiz previamente disposto como competente, conforme as normas
constitucionais e infraconstitucionais de competência.
Disso tudo, resulta que os tribunais possuem suas competências previstas na
legislação constitucional e infraconstitucional. A delimitação dos poderes dos tribunais são as
normas de competência. As competências originárias dos tribunais, por serem de cunho
constitucional, são típicas e indisponíveis, não podendo ser delegadas a qualquer outro órgão.
As competências dos tribunais, originárias e derivadas, são absolutas, logo não se prorrogam
nem se modificam por vontade das partes. O vício de incompetência absoluta, inclusive,
permite a rescisão de decisão transitada em julgado (CPC/2015, art. 966, II). Por fim, o
jurisdicionado tem o direito constitucional ao juiz natural, que lhe garante que as
competências pré-fixadas dos tribunais deverão ser respeitadas.
Quando um órgão pratica um ato de competência de tribunal, viola a garantia
constitucional do juiz natural (CF/1988, art. 5º, XXXVII e LIII). Por outro lado, afronta
norma de competência absoluta. Viola, por vezes, normas constitucionais, que tratam das
competências dos tribunais. Ao cabo, usurpar a competência de um tribunal significa retirar-
lhe parcela de seu poder e legitimidade de praticar atos, daí por que cabível a reclamação para
preservação da competência.
Toda vez que um órgão – administrativo ou judicial – praticar ato cuja
competência seja de tribunal ou impedir que este exerça sua competência, haverá inegável
usurpação de competência. Se alguma norma de competência do tribunal for violada por
402 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 48. 403 BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.
147; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 53-56.
140
órgão, de forma comissiva ou omissiva, há usurpação de competência; há invasão da esfera do
legítimo exercício jurisdicional do tribunal.
Contudo, não é toda usurpação de competência que rende ensejo à reclamação
constitucional.
A usurpação de competência de tribunal que permite o ajuizamento da reclamação
constitucional é aquela praticada por órgão, administrativo ou judicial, hierarquicamente
inferior ou submetido ao controle do respectivo tribunal.
Primeiramente, deve-se esclarecer que a usurpação de competência não se limita a
atos praticados por órgão judiciais. É possível que um órgão administrativo usurpe a
competência de tribunal, sendo cabível a reclamação constitucional. A reclamação não
pressupõe a existência de um processo judicial prévio, podendo ser apresentada contra ato de
autoridade administrativa.404 Imagine-se, por exemplo, que a Polícia Federal iniciou inquérito
investigativo contra autoridade com prerrogativa de foro, a exemplo de Ministro de Estado;
nesse caso é admissível reclamação dirigida ao STJ, para preservar sua competência de
investigar Ministro de Estado, avocando os autos do inquérito.
São diversos dos precedentes do STJ e STF sobre o cabimento de reclamação, por
usurpação de competência, quando autoridade administrativa investiga autoridade com
prerrogativa de foro, a exemplo de Ministros de Estados, Chefe de Executivo Estadual,
Desembargador de Tribunal Estadual, Membros do Congresso etc.405-406
Em segundo lugar, o ato reclamado – invasivo da competência – deve ser
proferido por órgão hierarquicamente inferior ou sujeito ao controle do tribunal, cuja
competência é usurpada. Não cabe a reclamação se o ato for praticado por órgão que não se
submete ao controle do tribunal. A reclamação apenas é cabível se a autoridade reclamada é
sujeita ao controle do tribunal, cuja competência é usurpada.
404 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 185;
LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 185-190; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.
Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 483. 405 STJ, Rcl 1.127/MA, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Corte Especial, j. 1/4/2002, DJ 9/9/2002; STJ, Rcl
1.286/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Corte Especial, j. 1/10/2003, DJ 20/10/2003; STF, Rcl 10908,
Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 1/9/2011, DJe 21/9/2011; STF, Rcl 4830, Rel. Min. Cezar Peluso,
Tribunal Pleno, j. 17/5/2007, DJe 15/6/2007.
406 Interessante é a discussão sobre o cabimento de reclamação dirigida ao STF contra ato praticado pelo CNMP
ou pelo CNJ, conforme exposto por Ricardo de Barros Leonel. As funções desses órgãos de controle externo do
Poder Judiciário e do Ministério Público (CF/1988, arts. 103-B e 130-A) não permitem que exerçam, ainda que
de forma velada, o controle de constitucionalidade de leis. Não podem determinar que órgãos do Ministério
Público ou do Judiciário deixem de aplicar atos normativos, pois isso, na verdade, pressupõe a declaração de
inconstitucionalidade do respectivo ato. Haveria, nesse caso, usurpação de competência do STF. (LEONEL,
Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 188-190).
141
Se o ato reclamado for judicial, deve haver hierarquia entre o órgão reclamado e o
tribunal, para ser cabível a reclamação. É que a reclamação não faz as vezes de um conflito de
competência.407 Se um órgão de outro tribunal usurpa a competência, não cabe a reclamação
por ausência de ascendência hierárquica do tribunal cuja competência foi usurpada. Nesses
casos, pode surgir um conflito de competência positivo, apto a solucionar a questão, porém
não cabe a reclamação.
Por exemplo, se o TST usurpa competência do STJ, não cabe reclamação dirigida
ao STJ, pois o TST não se submete a controle do STJ; falta-lhe, nessa situação, ascendência
hierárquica sobre o TST, o que torna incabível a reclamação. Também não caberá reclamação
ao STF, pois a reclamação é dirigida apenas ao tribunal cuja competência é usurpada. Não é
servível para proteger a competência de outro tribunal. Nesse caso específico, pode vir a
surgir um conflito de competência, que será dirigido ao STF (CF/1988, art. 102, I, o).
Outro exemplo é quando um juiz federal processa mandado de segurança
impetrado contra autoridade estadual, no exercício de suas funções estaduais, com
prerrogativa de ser julgado em Tribunal Estadual. A competência é da Corte Estadual, que,
porém, é usurpada pelo juiz federal. Não caberá a reclamação dirigida ao Tribunal de Justiça,
pois juiz federal não se sujeita ao seu controle. Pode, nesse caso, despontar um conflito de
competência que será processado e julgado perante o STJ (CF/1988, art. 105, I, d).
Até mesmo no caso de uma autoridade administrativa federal vir a usurpar a
competência de Tribunal Estadual, não caberá a reclamação. É que os atos de uma autoridade
administrativa federal não podem ser revistos ou controlados por Tribunal Estadual. Não há
ascendência hierárquica, em virtude do pacto federativo, logo é inviável a reclamação. Essa
situação pode, eventualmente, desencadear um conflito de atribuições entre a autoridade
judiciária e a autoridade administrativa, que será julgado pelo STJ. (CPC/2015, art. 959;
CF/1088, art. 105, I, g), porém não viabiliza a reclamação constitucional.
Um exemplo ajuda a ilustrar. A Constituição do Estado de São Paulo confere
competência ao Tribunal de Justiça para controlar os atos dos serviços notariais e de registro
(art. 77). Suponha-se que alguma autoridade federal inicie fiscalização dos atos de algum
serviço notarial instalado no Estado de São Paulo. Na hipótese, há uma nítida usurpação de
competência do Tribunal de Justiça, a quem compete controlar os atos dos notários estaduais,
407 “Nesse caso, não serve a reclamação como meio de eliminar conflito de competência de juízos inferiores,
nem de resguardar a competência de um juízo de primeira instância, estabelecida pela prevenção, ou burlada
por indevida distribuição por dependência. A reclamação cabe, não custa insistir, para preservar a competência
do tribunal, e não de um órgão que lhe seja hierarquicamente inferior” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A
Fazenda Pública em juízo. cit., p. 680).
142
no entanto a reclamação é incabível, em virtude de ascendência hierárquica sobre a autoridade
federal. Nesse caso, há um conflito de atribuições, cujo conhecimento é reservado ao STJ
(CF/1088, art. 105, I, g)
Convém registrar que a usurpação de competência não pressupõe necessariamente
uma conduta comissiva. Geralmente se exige um ato positivo, porém uma omissão também é
capaz de configurar uma usurpação de competência, permitindo a reclamação.408 A demora,
excessiva ou injustificada, em remeter os autos de um recurso para o tribunal que deverá
julgá-lo caracteriza usurpação de competência. O não fazer – omissão em remeter os autos –
impede, obliquamente, que o tribunal exerça sua competência de julgar o recurso.
Alguns exemplos esclarecem a ideia. No caso da apelação, que não possui mais o
juízo desdobrado de admissibilidade, o juízo de primeiro grau deve colher as contrarrazões e
remeter os autos à segunda instância (CPC/2015, art. 1.010, §3º). O retardo excessivo na
remessa dos autos obsta que o tribunal julgue a apelação, configurando usurpação de
competência a ensejar reclamação para avocação dos autos. Igualmente, se dá com o recurso
ordinário constitucional, caso o tribunal de segunda instância demore em remetê-lo ao STJ ou
STF. A mesma situação pode ocorrer com o agravo interposto contra decisão de tribunal local
que inadmitiu recurso especial ou recurso extraordinário; cabe ao tribunal local apenas
remeter os autos ao STJ ou STF (CPC/2015, art. 1.042, §4º). Havendo delonga na remessa do
agravo, é cabível a reclamação para avocar os autos, como já decidiram o STF e o STJ.409
A usurpação de competência pode se dar pontualmente, na prática de apenas um
ato, ou, por outro lado, pode ser usurpada a competência de conhecer um procedimento ou
processo como um todo. Ao processar um mandado de segurança contra a autoridade com
prerrogativa de foro, a usurpação se dá em relação ao mandado de segurança na sua inteireza.
Basta o mero processamento que já se configura a usurpação de competência. Outras vezes, a
afronta à competência se caracteriza pontualmente, mediante um ato ou decisão judicial
específico.
São inúmeros exemplos de usurpação de competência. Como dito, o novo regime
da apelação dispensa o juízo desdobrado de admissibilidade. O juiz de primeiro grau colhe as
408 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 183;
LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 183; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.
Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 482; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda
Pública em juízo. cit., p. 681. 409 STF, Rcl 645, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, j. 25/9/1997, DJ 7/11/1997; STJ, Rcl 2.506/RN,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, j. 12/12/2007, DJ 1/2/2008. Isso é confirmado pela súmula 727
do STF: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento
interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito
dos juizados especiais.”
143
contrarrazões e remete os autos para a instância ordinária (CPC/2015, art. 1.010, §3º). O juiz
de primeiro grau não mais possui competência para exercer juízo de admissibilidade
provisório da apelação. É competência apenas do tribunal. Caso o juiz inadmita a apelação,
caberá reclamação por usurpação de competência. Registra-se que não caberá sequer agravo
de instrumento, pois se cuida de decisão fora da lista de decisões agraváveis (CPC, art.
1.015).410
O juiz de primeiro grau também não possui competência para se pronunciar sobre
o efeito suspensivo do recurso de apelação. Esse decorre de disposição legal (efeito
suspensivo ope legis; CPC/2015, art. 1.012, §1º), porém o relator poderá concedê-lo ou
afastá-lo, caso preenchidos os pressupostos legais (efeito suspensivo ope iudices; CPC/2015,
art. 1.012, §4º). Em suma, conceder ou afastar efeito suspensivo à apelação é competência
apenas do tribunal. Se o juiz de primeira instância decidir sobre eventual efeito suspensivo da
apelação, há a afronta à competência do tribunal, ensejando o aviamento de reclamação para
cassar a decisão.
Igualmente ocorre quando a corte local aprecia a preliminar de repercussão geral.
Verificar a existência, ou não, de repercussão geral é competência unicamente do STF. Não
pode o tribunal de origem apreciar a preliminar de repercussão geral411; pode apenas sobrestar
os recursos, enquanto aguarda o STF se pronunciar sobre a repercussão geral. São casos
distintos. Assim, caso a corte local inadmita um recurso extraordinário – por ausência de
repercussão geral – antes que o STF julgue algum caso de controvérsia idêntica, haverá
usurpação de competência, sendo cabível a reclamação.412
Por fim, oportuno registrar que não cabe reclamação contra ato do próprio
tribunal, em virtude de afronta à competência funcional interna do tribunal. Não cabe
reclamação para o tribunal contra ato de órgão do próprio tribunal. Não é compreensível que a
competência do tribunal seja usurpada por um órgão interno. Não há hierarquia entre
410 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Da reclamação. Comentários ao novo Código de Processo Civil. cit., p. 1477-
1478. No mesmo sentido, o Enunciado 207 do FPPC: “Cabe reclamação, por usurpação da competência do
tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de
apelação.” Essa situação é a mesma de quanto o presidente ou vice-presidente de tribunal local inadmite recurso
ordinário dirigido ao STF ou STJ, pois o recurso ordinário constitucional segue o mesmo regime da apelação,
logo não se submete ao juízo provisório de admissibilidade. A admissão pertence exclusivamente às instâncias
superiores, sendo cabível portanto a reclamação. Nesse sentido os enunciados 208, 209 e 210 do FPPC. 411 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, cit., p. 51. 412 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, cit., p.
52-54.
144
membros e órgão do tribunal e, inexistindo hierarquia, não cabe a reclamação.413 As
competências são dadas ao tribunal como um todo, é o que se preserva mediante reclamação.
A divisão de competência interna no tribunal é questão de organização judiciária (CF/1988,
art. 96, I, a).
3.5.1. A hipótese de reclamação do TJAM: o cabimento de reclamação contra ato de
desembargador
Dito que não sabe reclamação contra ato do próprio tribunal, cumpre analisar a
curiosa previsão do Tribunal de Justiça do Amazonas de reclamação contra ato pertinentes à
execução de seus julgados. Trata-se de uma reclamação – interna – contra ato de
desembargador do próprio tribunal, relacionado à execução dos acórdãos das causas
originárias do TJAM.
Na realidade, o Regimento Interno do TJAM prevê dois tipos de reclamação: (a)
uma contra atos pertinentes à execução de julgado; (b) outra que se destina à garantia de sua
competência e à preservação de suas decisões, objetos previstos na Constituição Federal e, por
simetria, na Constituição Estadual, e também, atualmente, no CPC/2015.
Essa segunda reclamação é que a se destina as tradicionais hipóteses de cabimento
e sobre a qual essa pesquisa se debruçou. Está prevista na Constituição do Estado do
Amazonas, em seu art. 72, I, j, prevê que “Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I –
processar e julgar, originariamente: (...); j) as reclamações para preservação de sua
competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Por sua vez, o art. 30, II, l, do
Código de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar Estadual nº
17, de 1997) dispõe que “Ao Tribunal Pleno compete: (...) II – processar e julgar,
originalmente: (...) l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da
autoridade de suas decisões;”.
Tem-se, portanto, a reclamação tradicional para preservação da competência e
garantia da autoridade dos julgados do TJAM, que atacam atos ou decisões de órgão
hierarquicamente inferiores ou sujeito ao controle do TJAM.
Contudo, além dessa reclamação, o Regimento Interno do TJAM (RITJAM, art.
155) prevê uma outra “contra atos pertinentes à execução de julgado”:
413 “Não cabe reclamação contra atos decisórios dos ministros ou das Turmas que integram esta Corte
Suprema, dado que tais decisões são juridicamente imputados à autoria do próprio Tribunal em sua inteireza.
Agravo desprovido.” (STF, Rcl 3916, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 12/6/2006, DJ 25/8/2006).
145
Art. 155 - A reclamação contra atos pertinentes à execução de julgado será oposta dentro de
cinco (5) dias da publicação da intimação do ato reclamado e dirigida ao Presidente do
Tribunal ou das Câmaras Reunidas.
§1º - Despachada a petição no prazo de quarenta e oito (48) horas, será solicitado
informação do Desembargador, que a prestará no prazo de cinco (5) dias.
§2º - Conclusos os autos ao Presidente, este, fazendo relatório escrito apresentá-los-á em
mesa para julgamento na primeira sessão que se seguir.
Tal reclamação também é prevista no Código de Organização Judiciária do Estado
do Amazonas (Lei Complementar Estadual nº 17, de 1997):
Art. 52. Compete às Câmaras, em geral:
I – processar e julgar:
c) as reclamações contra atos pertinentes à execução de seus julgados;
Essa reclamação, prevista no referido art. 155 do RITJAM, tem objeto específico:
destina-se a tratar de atos referentes ao cumprimento de sentença de julgado. Quando a causa
tiver sido julgada originariamente por tribunal, cabe ao próprio tribunal processar a execução
(CPC-1973, art. 475-P, I; CPC-2015, art. 516, I). Se o relator promover atos pertinentes à
execução de julgado, será, nos termos do art. 155 do RITJAM, cabível reclamação dentro de
cinco dias da publicação da intimação do ato reclamado e dirigida ao presidente do órgão
julgador.414
Cuida-se, portanto, de uma reclamação contra ato de próprio desembargador de
tribunal, relacionado à execução dos julgados de causas originárias do tribunal. Tal
reclamação deve ser apresentada no prazo de cinco dias ao presidente do órgão fracionário,
que, após elaboração de relatório, deve apresentá-la em mesa na primeira sessão de
julgamento, para que o colegiado delibere sobre o ato reclamado.
Na verdade, essa reclamação encontrada especificamente no TJAM é instrumento
diverso da reclamação tradicional, objeto da presente pesquisa. Apesar da coincidência de
nomen iuris, são medida distintas.
Essa reclamação específica do TJAM é um recurso interno previsto no Regimento
Interno e no Código de Organização Judiciária. Faz as vezes de um agravo regimental que
414 “Nota-se ainda que, a despeito da discussão acerca do cabimento daquela primeira Reclamação, considero
que houve transgressão à regra de competência, na medida em que a Reclamação contra atos pertinentes à
execução do julgado deve ser dirigida ao Presidente da Câmara, conforme se extrai da interpretação do art. 52,
I, da Lei Complementar nº 17/97 conjugado com o art. 155 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Estado do Amazonas.” (TJAM, Rcl 4000872-71.2014.8.04.0000, 2ª câmara cível. Rel. Des. Wellington José de
Araújo, j. 3/8/2015)
146
combate atos do cumprimento de sentença de causas originárias julgadas no TJAM,
devolvendo a matéria ao órgão colegiado.
Três características indicam tratar-se de um recurso regimental: (i) possui prazo
preclusivo de cinco dias. As reclamações tradicionais não se sujeitam a prazo, já s recursos
sim; (ii) não criam nova relação jurídica; (ii) transferem o conhecimento da matéria
impugnada do relator para o órgão colegiado, atendendo ao princípio da colegialidade dos
tribunais.
Por fim, como dito no item anterior, a reclamação – objeto desta pesquisa – não se
presta a combater atos dos desembargadores do próprio tribunal. Pressupõe-se que não pode
um membro do tribunal usurpar a própria competência. A distribuição de competência pelos
membros e órgãos do tribunal é questão de organização interna. A reclamação específica do
TJAM não se presta a preservar competência, mas apenas – fazendo as vezes de um recurso
regimental – devolver o conhecimento da matéria ao órgão colegiado.
Assim, é possível afirmar que a reclamação prevista no art. 155, do RITJAM, e no
art. 52, I, c, do Código de Organização Judiciária do Estado do Amazona possui natureza de
recurso de agravo regimental.
3.6. Garantir autoridade das decisões de tribunal (CPC/2015, art. 988, II)
O conceito de autoridade está intimamente vinculado ao de jurisdição. É que a
jurisdição é uma das formas de manifestação do poder estatal; e, por ser poder, é dotada de
cogência e imperatividade415. Assim, uma das principais características da jurisdição é sua
capacidade de se impor, ou seja, o seu poder que inflige os indivíduos.416
Compreende-se, portanto, a locução “garantir autoridade” como assegurar que o
poder advindo da atividade jurisdicional seja obedecido. A reclamação, para garantir
autoridade de decisão (CPC/2015, art. 988, II), prestasse a preservar a cogência e
imperatividade da jurisdição dos tribunais.
Então, ao garantir a autoridade dos julgados dos tribunais, a reclamação –
mediatamente – protege e assegura a própria autoridade do poder estatal, no caso, a
autoridade do Poder Judiciário. Ora, se não existe meio adequado para impor aquilo que foi
decidido pelo tribunal competente, não haveria integridade do Poder Judiciário. Em última
415 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. cit., p. 112-113. 416 Sobre o conceito de poder, consultar: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 39-
43.
147
análise, é possível afirmar que a reclamação é remédio constitucional que protege a ordem
jurídica, pois assegura a autoridade do poder estatal.
A afronta à autoridade caracteriza-se pela desobediência ou desacato ao julgado.
Contudo, a desobediência pressupõe que a decisão seja eficaz e vincule as partes e os demais
sujeitos processuais. Não há como desobedecer a uma decisão que seja ineficaz, isto é, que
ainda não produza efeitos. Apenas se desobedece a decisão que tenha efeitos e vincule. O
desacato ou a desobediência traduz-se em negar os efeitos que a decisão deveria produzir.
Consiste, basicamente, numa neutralização indevida do conteúdo de decisão judicial já eficaz.
A decisão para ser violada não precisa estar acobertada pela coisa julgada
material. Basta que produza efeitos. Decisões concessivas de tutela provisória ou decisões
combatidas por recurso sem efeito suspensivo, portanto, podem ser desobedecidas, já que
produzem efeito de imediato, independente de trânsito julgado ou preclusão. As decisões
imunizadas pela coisa julgada produzem efeitos, inclusive têm força de lei entre as partes e
vincula os juízes (CPC/2015, arts. 503 e 505), logo – via de regra – podem ser desobedecidas,
viabilizando a propositura de reclamação. Contudo, uma decisão de mérito, transitada em
julgado, pode ser objeto de ação rescisória, em que foi proferida tutela provisória para
suspender os seus efeitos; assim, embora esteja acobertada pela coisa julgada material, não
produzirá efeitos, o que impede sua desobediência e, por consequência, também torna inviável
o ajuizamento de reclamação constitucional.
Em suma, a desobediência a uma decisão, de modo a permitir o ajuizamento de
reclamação por violação à autoridade, pressupõe vinculação e produção de efeitos. Podem ser
decisões transitadas em julgado, com coisa julgada material, decisões que tenham concedido
tutela provisória, decisões de tutela estabilizada e, ainda, decisões que tenham sido atacadas
por recurso sem efeito suspensivo.417
Cumpre registrar que a parte da decisão desobedecida é o dispositivo.418 É a parte
da decisão que vincula os sujeitos processuais. Sem vinculação, não há desobediência e, por
outro lado, a porção que vincula é o decisum. Não se desobedece aos fundamentos ou o
relatório. Logo, para saber se há desobediência, é essencial identificar o conteúdo dos
capítulos do dispositivo, pois são eles que vinculam. Isso não quer dizer que os fundamentos e
417 Até mesmo uma decisão que não tenha transitado em julgado, que não tenha concedido tutela provisória e
cujo recurso que a atacou seja dotado de efeito suspensivo, pode vir a produzir algum efeito mínimo. Havendo
esse efeito mínimo, é possível que seja desobedecido. A hipoteca judiciária, por exemplo, cuida-se de um efeito
da sentença condenatória, ainda que impugnada por recurso com efeito suspensivo (CPC/2015, art. 495, §1º, III);
assim, se um juiz nega o efeito mínimo de hipoteca judiciária de uma decisão, haverá desobediência ou desacato. 418 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p. 190; MORATO, Leonardo Lins.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 152.
148
o relatório da sentença são desprezíveis, até porque a interpretação da sentença é realizada
como um todo. Para saber o conteúdo do dispositivo, é preciso interpretá-lo em conjunto com
o relatório e a fundamentação da decisão.419
A parte da decisão que é desobedecida é o dispositivo, pois é nele que está a
norma jurídica concreta do julgado. A afronta à cogência e à imperatividade dessa norma
concreta que configura a desobediência. Em suma, o desacato é sempre concreto, violando ou
neutralizando os efeitos da norma jurídica concreta contida no dispositivo da decisão.420
Há o entendimento do STJ e do STF no sentido de que a reclamação apenas pode
ser proposta contra decisão proferida nos autos do mesmo processo, em que tenha sido
proferida a decisão afrontada.421 Segundo esse posicionamento, a decisão produz efeitos inter
partes, logo sua desobediência restringe-se ao âmbito da mesma relação processual na qual se
prolatou o julgado vulnerado. Não haveria desobediência apta a ensejar a reclamação quando
se violar uma decisão emanada de outro processo judicial. Em exemplo: houve uma decisão
D1 no processo judicial P1, em seguida foi dada a decisão D2 no processo P2, que desobedeceu
à decisão anterior D1; segundo o entendimento indicado, a reclamação não seria cabível, pois
a decisão desobedecida (D1) não foi proferida no mesmo processo da decisão desobediente
(D2).
Esse raciocínio nem sempre está correto. Na verdade, seu acerto depende de
identificar se a decisão violada é capaz de produzir efeito em outra relação processual. Se sim,
será cabível a reclamação, caso contrário, não o será. Um dos critérios para essa identificação
é o alcance inter partes dos efeitos da decisão, pois – como dito – apenas há desobediência se
houver efeitos que vinculem as partes, e, usualmente, a vinculação é inter partes.
A coisa julgada material impede que o juiz julgue diferente daquilo que foi
decidido, com o respectivo transito em julgado. Cuida-se do efeito positivo da coisa julgada.
O juiz é obrigado a seguir, num processo com as mesmas partes, aquilo que foi decidido
noutro processo, já transitado em julgado. O exemplo tradicional: uma ação de investigação
de paternidade é julgada procedente, formando a coisa julgada material sobre o
419 BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. cit., p. 322. “Em liquidações de sentença cujo
comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação,
entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual, seja no
substancial. Portanto, no caso não se há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do
título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado.” (REsp 1267621/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, j. 11/12/2012, DJe 15/3/2013). 420 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 156 e
168. 421 STF, AgRg na Rcl 6.078/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 30/4/2010; STJ, AgRg na Rcl 2.942/SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 22/10/2008, DJe 3/11/2008; STJ, EDcl nos EDcl na Rcl 19.603/BA,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 22/10/2014, DJe 6/11/2014.
149
reconhecimento da paternidade; numa eventual ação de alimentos, não pode o juiz negar a
paternidade, em virtude do efeito positivo da coisa julgada. A ação de alimentos pode até ser
julgada improcedente por outros motivos, contudo não pela ausência de paternidade.
Assim, a coisa julgada faz com que os efeitos de uma decisão transcendam o
processo e venham a atingir outra relação processual, de modo a abrir caminho para o
desacato e, portanto, para uma reclamação. Mantendo-se no mesmo exemplo dado, imagine-
se que o juiz, da ação de alimentos, resolva negar a existência da paternidade em sua
fundamentação. Nesse caso, há desobediência a uma decisão proferida em outro processo –
ação de investigação de paternidade – que, porém, produz efeitos na ação de alimentos, daí
por que é cabível a reclamação. Na verdade, o que se mostra como relevante, para o
cabimento da reclamação, é a produção de efeitos e vinculação da decisão violada, seja no
mesmo processo, seja em processo diferente. Havendo os efeitos e a vinculação das partes,
são possíveis o desacato e a reclamação.
Outro exemplo ajuda a esclarecer a ideia. É concedida uma tutela provisória, pelo
STJ, em ação rescisória, concedendo o efeito suspensivo e determinando a paralisação do
cumprimento de sentença. O juiz de primeiro grau, por sua vez, ignora a decisão do STJ e
prossegue com a execução. Observe-se que são duas relações processuais distintas: a ação
rescisória e o cumprimento de sentença. Nessa hipótese, é cabível a reclamação, pois a
decisão que concedeu a liminar, embora tenha sido prolatada em outra relação processual,
produziu efeitos e vinculou os sujeitos no cumprimento de sentença, existindo, portanto, o
desacato.
A reclamação por afronta à julgado não é sucedâneo de cumprimento de sentença.
Ela não serve para executar a decisão. A reclamação serve para garantir que o órgão judicial,
competente para a execução do julgado, cumpra corretamente a decisão do tribunal. O
cumprimento de sentença deverá ser processado perante o juízo competente; caso ele se
recuse a obedecer a decisão, será cabível a reclamação. Se a parte, contra quem é direcionada
a execução, negar-se a cumpri-la, não cabe a reclamação. Devem ser tomados os atos
executórios pelo juiz da primeira instância, de modo a coarctar a parte a cumprir a decisão do
tribunal. Contudo, se a negativa de cumprimento for do juiz, aí sim será cabível a reclamação
para forçá-lo a obedecê-la.422
Nessa altura, é importante frisar que, via de regra, a reclamação para garantir
autoridade de julgado apenas é admissível contra autoridade judiciária. Normalmente, não é
422 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 684-685.
150
cabível contra autoridade administrativa.423 É que contra a autoridade administrativa, em caso
de desobediência, basta trilhar o caminho executório habitual. Não há interesse de agir na
reclamação, já que é possível obter a coarctação da autoridade administrativa, sujeita à
decisão do tribunal, mediante as vias executórias comuns. A reclamação para garantia de
autoridade é veiculada contra órgãos judiciais que desacatem decisões do tribunal. Caso
contrário, a reclamação estaria fazendo as vezes de um cumprimento de sentença, o que não é
sua função, como dito no parágrafo anterior. Essa posição já foi adotada pelo STJ424
É possível, contudo, o ajuizamento de reclamação contra autoridade
administrativa que violar decisão em controle concentrado de constitucionalidade, tanto a
decisão definitiva como a liminar. Foi visto item 2.2.2.4., que a admissibilidade de
reclamação por violação ao acórdão (norma jurídica concreta) de ação de controle
concentrado de constitucionalidade foi aceita, sem maiores dúvidas, inclusive em relação às
decisões cautelares, cujo dispositivo também é vinculante. Nas ações de controle concentrado
de constitucionalidade, a coisa julgada é erga omnes, já que atinge todos os sujeitos de direito.
O acórdão, em sede de controle concentrado, possui vinculação erga omnes, atingindo as
autoridades administrativas. Portanto, é cabível reclamação contra autoridade administrativa,
quando se desobedece a acórdão – definitivo ou em cautelar – de ação de controle
concentrado de constitucionalidade.
Na verdade, o cabimento de reclamação por desrespeito a dispositivo (norma
jurídica concreta) de ação de controle concentrado de constitucionalidade foi aceito, com
poucas dúvidas, até mesmo em relação às decisões cautelares, cujo dispositivo também é
vinculante425. Inclusive, aceitar a reclamação, nesses casos, deu-lhe importância, “afinal,
abriu-se naturalmente o espaço para que ela pudesse ser utilizada como um mecanismo de
423 Em sentido contrário: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 684-685;
DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 483; SANTOS,
Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais. cit., p. 133. 424 “Descabe reclamação perante o STJ para garantir o cumprimento pela administração de decisum exarado
em sede de ação declaratória. Inadequação da via eleita. O sistema processual pátrio prevê a utilização pela
parte interessada do processo de execução para a efetivação do direito que lhe foi reconhecido no processo de
conhecimento.” (Rcl 2.207/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de
Noronha, Primeira Seção, j. 24/10/2007, DJ 7/2/2008) 425 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na
Alemanha. 6ª ed. Edição digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 9.2. Excelente exposição sobre o cabimento de
reclamação por afronta a dispositivo de ação de controle concentrado de constitucionalidade em: XAVIER,
Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016. p. 46-54.
151
fiscalização quanto ao cumprimento das decisões proferidas em sede de processo objetivo.”
426
Tome-se como exemplo o julgamento da ADC nº 4, que proclamou a
constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/1997427. Desde a concessão da medida cautelar
na ADC nº 4 pelo STF, em sessão do dia 11/2/1998428, para suspender a concessão de tutela
antecipada contra a Fazenda Pública, já se aceitava o cabimento de reclamação por
desrespeito à autoridade da decisão do STF, no caso, reclamação por ofensa à norma jurídica
concreta vinculante, contida no dispositivo da decisão cautelar da ADC nº 4.429 Assim, se um
órgão julgador concedia tutela antecipada contra a Fazenda Pública, nos casos proibidos pela
Lei nº 9.494/1997, era cabível reclamação diretamente ao STF, por ofensa à norma jurídica
concreta contida no acórdão que julgou a ADC nº 4, já que se enquadra na hipótese de
garantia da autoridade dos julgados do STF. Na verdade, já durante o julgamento da medida
cautelar da ADC nº 4, os ministros do STF discutiram, proveitosamente, sobre o cabimento da
reclamação; tratou-se de obter dictum que veio a se tornar ratio decidendi de futuras
reclamação por afronta a ADC nº 4, delimitando o seu cabimento430.
Mais precisamente, o cabimento da reclamação por ofensa ao dispositivo das
ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADIn, ADPF e ADC) foi aceito pelo
STF ao passo que a legislação, constitucional e infraconstitucional, foi impondo o efeito
vinculante da coisa julgada erga omnes.431 Especificamente no caso da ADIn, a reclamação
foi aceita mais pacificamente quando da Lei nº 9.898/1999, no art. 28, impôs expressamente a
426 “Todavia, com a ampliação da legitimação para as ações de controle concentrado, com a explicitação do
caráter erga omnes das respectivas decisões, bem como com seu efeito vinculante positivado no texto
constitucional, o STF passou a se deparar com a necessidade de tornar-se um guardião mais efetivo da
Constituição. Foi nesse contexto que a reclamação constitucional ganhou importância. Afinal, abriu-se
naturalmente o espaço para que ela pudesse ser utilizada como um mecanismo de fiscalização quanto ao
cumprimento das decisões proferidas em sede de processo objetivo. Assim, o STF passou a reconhecer a
existência de interesse legítimo para que qualquer destinatário da decisão proferida em sede de ação direta,
ação declaratória de constitucionalidade, ou mesmo arguição de descumprimento de preceito fundamental,
ajuizasse a reclamação contra atos do poder público, a fim de fazer valer, efetivamente, decisões proferidas no
processo objetivo” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 196). 427 ADC 4/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, julgado em 1/10/2008, DJe 15/10/2008. 428 “Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex nunc", e com efeito
vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que
tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494 , de 10.09.97,
sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido” (ADCMC 4/DF,
Rel. Ministro Sydney Sanches, julgado em 11/2/1998, DJ 21/5/1999). 429 “Ementa: Reclamação. Tutela antecipada. Decisão que implique pagamento de vantagens pecuniárias nos
termos da Lei 9.494/97 desrespeita a decisão do Plenário na ADC nº 4. Precedentes. Reclamação julgada
procedente” (Rcl. 2087/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, j. 28/4/2003, DJ 13/6/2003). 430 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 50-51. 431 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 52-53.
152
eficácia vinculante da decisão; em seguida, o STF entendeu cabível a reclamação por ofensa a
dispositivo de ADIn, no caso, cuidou-se do julgamento da Rcl 1.880 AgR432. Já no caso da
ADPF, a Lei nº 9.882/1999 trouxe previsão expressa do cabimento de reclamação, no art. 13:
“[c]aberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, na forma do seu Regimento Interno.”
A lição do tópico anterior, que não cabe reclamação contra ato do próprio tribunal,
aqui se aplica. Da mesma forma que o tribunal não pode usurpar a competência dele mesmo,
também não pode afrontar a sua própria autoridade.433 Não existe hierarquia entre os
membros dos tribunais. A distribuição de competência entre órgãos internos não implica
hierarquia entre seus membros e suas decisões, daí por que não é cabível a reclamação
internamente.
Uma obviedade que convém ser assinalada é, exatamente, a impossibilidade de
haver desacato de decisão futura. Apenas se caracteriza se a decisão violadora for prolatada
após à decisão violada. Se foi emitida posteriormente, não há desobediência.434
Feitas todas essas considerações, cabe ponderar: qual o exato conteúdo da
desobediência? Quando uma decisão é afrontada, de modo a permitir a reclamação? Como se
manifesta a desobediência? São três as formas pelas quais a desobediência se revela,
pragmaticamente: (i) demora, excessiva e injustificada, no cumprimento da decisão; (ii)
recusa expressa em atender a decisão; e, (iii) cumpri-la colidindo frontalmente com o
conteúdo do dispositivo.435
Na primeira forma, cuida-se, basicamente, de uma omissão. Um não agir que
implica descumprimento da decisão. É um não fazer consistente em deixar de cumprir a
decisão. Se há um retardo, descomedido, no cumprimento da decisão, haverá desobediência
oblíqua, o que permite o ajuizamento da reclamação para que o tribunal garanta a sua
autoridade.436 Esse é, inclusive, o entendimento do STJ.437 Contudo a demora no
432 Rcl 1880 AgR, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Correa, j. 7/11/2002, DJ 19/3/2004. 433 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição, cit., p. 24;
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 683; MORATO, Leonardo Lins.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 173. No mesmo sentido: STJ, Rcl
509/SP, Rel. Min. Fontes de Alencar, Corte Especial, j. 3/6/1998, DJ 29/6/1998; STF, Rcl 3939, Rel. Min.
Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14/4/2008, DJe 23/5/2008; STF, Rcl 647, Rel. Min. Néri da Silveira, Tribunal
Pleno, j. 19/06/1997, DJ 10/8/2001. 434 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 190. No mesmo sentido: “Sendo a decisão
atacada mediante a reclamação anterior a pronunciamento do Supremo, descabe cogitar de desrespeito a este
último.” (STF, Rcl 4131, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14/4/2008, DJe 6/6/2008). 435 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 190. 436 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 167.
153
cumprimento deve ser excessiva e injustificável. A demora moderada, de acordo com a média
regular dos andamentos processuais no local, não enseja a reclamação; a morosidade habitual
do Poder Judiciário não abre espaço para reclamação, mas apenas o retardo extraordinário.438
A segunda forma que se revela o descumprimento é a recusa expressa em não
cumprir a decisão do tribunal. O órgão judicial nega-se a atender o comando judicial de
maneira explícita, seja qual for o motivo. Nessa situação não há o cumprimento equivocado;
há uma recusa categórica em obedecer ao dispositivo do tribunal. É negar – sem dubiedade –
a autoridade do tribunal, refutando o cumprimento da decisão. Nesse caso, é plenamente
admissível a reclamação constitucional.
A terceira hipótese de manifestação de afronta à autoridade consiste no
cumprimento patentemente equivocado. É um cumprimento colidente, de maneira frontal,
com o conteúdo decisório. A decisão é cumprida, porém de forma claramente indevida, o que
configura o desacato. Essa forma de descumprimento termina por deturpar ou modificar
substancialmente aquilo que foi julgado pelo tribunal.439
Nesses casos, o desacato é resultado do erro judicial ao cumprir a decisão,
devendo ser aferido objetivamente: identifica-se o conteúdo da decisão vulnerada e, em ato
contínuo, compara-se com o conteúdo da decisão de cumprimento; nesse juízo de cotejo é que
se verifica o desacato à autoridade da decisão.
Em outras palavras, primeiramente deve-se encontrar o exato comando da
primeira decisão, indicada como vulnerada, para depois confrontá-lo com a decisão que
procede com o cumprimento. Nesse exercício comparativo – objetivo – é que se identifica o
desacato. Para apontar se houve desobediência, é imprescindível saber qual foi a
determinação judicial e se a decisão executória lhe atendeu nos seus exatos termos ou, em
sentido contrário, deturpou seu conteúdo. Enfim, verificar o desacato pressupõe cotejar as
decisões violada e reclamada.
Nessa linha, apenas pode haver afronta à questão decidida. É que se a questão não
foi decidida no julgado, não há como haver vulneração. Apenas se desacata aquilo que está no
dispositivo, ou seja, que foi expressamente resolvido por algum capítulo decisório. Não
437 STJ, Rcl 1.723/Pb, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, j. 11/6/2008, DJe 5/8/2008; STJ, Rcl
546/Rs, Rel. Min. Helio Mosimann, Primeira Seção, j. 23/9/1998, DJ 19/10/1998; STJ, Rcl 526/Df, Rel. Min.
Hélio Mosimann, Primeira Seção, j. 9/9/1998, DJ 09/11/1998. 438 Rcl 851/SE, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, j. 13/12/2000, DJ 5/3/2001. 439 “Não evidenciada hipótese de descumprimento de comando expresso em decisum do STJ, indefere-se, de
plano, a medida correcional por ser descabida.” (STJ, AgRg na Rcl 13.223/RS, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Segunda Seção, j. 26/8/2015, DJe 1/9/2015). No mesmo sentido: STJ, AgRg no AgRg na Rcl
22.895/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, j. 26/8/2015, DJe 9/9/2015.
154
havendo decisão sobre a questão, torna-se impossível o desacato e, por consequência, o
cabimento da reclamação.440
Imagine-se, por exemplo, uma fase de liquidação, cuja cognição impede rediscutir
ou modificar o julgado liquidando (CPC/2015, art. 509, §4º), para apurar lucros cessantes
fixados em acórdão. Não foi decidido o prazo de apuração dos lucros cessantes. Ao proceder
com a liquidação, o juiz fixa o prazo dos lucros cessantes em 30 anos. Não caberá a
reclamação, pois o prazo dos lucros cessantes não foi julgado no acórdão, restou em aberto.
Há, nesse ponto, um non liquet. Cabe ao juiz interpretar o acórdão para melhor apurar o prazo
dos lucros cessantes,441 contudo não cabe a reclamação, já que é questão estranha ao acórdão;
no acórdão não decidido o prazo de apuração. Doutro lado, se o juiz se recusar a apurar o
valor dos lucros cessantes – questão decidida no acórdão – haverá sim desacato, cabendo a
reclamação. Imagine, ainda, que o acórdão tenha fixados juros de mora de 1% a.m., porém –
por erro – o juiz determina o cálculo na razão de 0,5% a.m., configurando também o desacato,
sendo caso de reclamação ao tribunal prolator do acórdão.
Com efeito, a diferença entre recusar o cumprimento e cumprir equivocadamente
é semântico-sintático, pois, pragmaticamente, quase não se vislumbra distinção. Em ambos os
casos o que foi decidido pelo STJ não está sendo é atendido. Cumprir de forma errada e não
cumprir se equivalem para fins de cabimento da reclamação, pois, em ambas situações, há
uma neutralização do comando judicial, restando violada a autoridade do tribunal.
3.6.1. Interpretação autêntica da sentença como consequência da reclamação para
garantir autoridade de decisão
Como foi dito no item anterior, identificar violação a uma decisão pressupõe o
exercício de um juízo comparativo entre a decisão violada e a decisão reclamada. Primeiro se
delimita o conteúdo da decisão violada para, depois, comparar com a decisão reclamada, de
modo a saber se houve ou não o desacato. Apontar o desacato impõe, inevitavelmente,
conhecer o conteúdo do julgado afrontado. Apenas se consegue identificar a desobediência,
caso se saiba qual é a ordem.
A consequência dessa constatação é uma: o tribunal, ao julgar a reclamação para
garantir autoridade de decisão, termina por interpretar autenticamente sua própria decisão.
440 “Se o tema contra o qual se insurge não foi, porém, objeto do acórdão proferido no STJ, à reclamação falta
cabimento.” (STJ, Rcl 458/RS, Rel. Min. Nilson Naves, Segunda Seção, j. 14/10/1998, DJ 3/5/1999 441 STJ, REsp 1512227/SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 16/6/2015, DJe 25/6/2015.
155
A reclamação é proposta sob o argumento de que a decisão do tribunal fora
violada. O tribunal, ao julgar a reclamação, terá que – antes de tudo – delimitar qual o
conteúdo de sua decisão anterior, para saber se houve, ou não, a violação. Sem essa
delimitação, não há como julgar corretamente a reclamação. Nesse momento, ao delimitar o
conteúdo de sua própria decisão, o tribunal está interpretando autenticamente sua decisão.
Cuida-se de interpretação porque está esclarecendo qual o significado da decisão.
Está concedendo sentido ao dispositivo do julgado.442 É autêntica porque é realizada pelo
mesmo tribunal que prolatou a decisão.443 E, vale ressaltar, o caráter da autenticidade é
conferido ao tribunal como um todo, não precisa ser pelos mesmos desembargadores,
ministros ou órgão.
Não quer dizer que o objetivo da reclamação é obter a interpretação da decisão.
Trata-se de uma consequência lógica da reclamação. Quando alegada violação ao julgado,
mediante reclamação, o tribunal será forçado a realizar a interpretação da própria decisão.
Claro que um julgado pode ser mais ou menos obscuro. Em certos casos, o dispositivo é mais
claro, o que pode levar a crer que não houve intepretação, sob fundamento do brocardo “in
claris non fit interpretatio” ou “interpretatio cessat in claris”. Isso não procede. Qualquer
pronunciamento em torno do significado de uma decisão, ainda que de modo discreto ou
implícito, não importa se claro ou obscuro, constitui interpretação.444
Não custa repetir que o intuito da reclamação não é obter interpretação de decisão,
mas sim uma mera consequência. O único remédio no Direito Processual Civil cujo
fundamento próprio é interpretar uma decisão é o recurso de embargos de declaração. No
direito brasileiro não há outra medida servível expressamente para alcançar a interpretação de
uma decisão.445 Não há, no Direito Processual civil, um remédio que se destine a consulta do
conteúdo de uma decisão, após sua preclusão.
442 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. cit., p. 129-133. 443 “[N]ão apenas o legislador pode ser chamado a interpretar autenticamente o próprio preceito: outros
órgãos ou sujeitos que tenham colocado em prática preceitos jurídicos também podem ser chamados a
esclarecer o significado desses preceitos, contanto que se verifique a condição essencial da interpretação
autêntica, ou seja, que o autor do preceito interpretativo seja o mesmo do preceito interpretado. Assim, também
podem ser sujeitos de interpretação autêntica os órgãos jurisdicionais, os órgãos administrativos, os
particulares em sua defesa de autonomia.” (BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. cit., p.
335-336). 444 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. cit., p. 133. 445 “A situação de interpretação, quando referida à sentença judicial transitada em julgado, constitui desafio às
partes às quais a sentença é endereçada e ao juiz encarregado de fazer com que a sentença seja corretamente
cumprida. Poderiam as partes, encontrando-se em dúvida sobre a forma correta de cumprir o julgado, recorrer
ao órgão judicial prolator do capítulo obscuro, para que esclarecesse o seu significado? Digamos que o ponto
obscuro esteja em um acórdão do STJ. Poderiam as partes, após o trânsito em julgado, solicitar ao STJ que
esclarecesse o exato alcance da decisão? A resposta para essas questões, quando referente a uma decisão na
156
Na verdade, quando uma decisão é prolatada, seu texto legal não mais é alterado,
porém o sentido que se confere a esse texto é dado por aquele que aplica a decisão. Dessa
forma, todos aqueles submetidos à decisão são seus legítimos intérpretes. Juízes, partes e
demais sujeitos processuais, sempre que atendam a uma decisão, por mais clara que possa
parecer, estão interpretando-a446. E é exatamente por tal motivo que pode vir a caber a
reclamação por afronta à autoridade de julgado.
Um juiz pode interpretar a sentença de modo distinto da parte. Aos olhos da parte,
portanto, o juiz está violando a decisão. É uma questão objetiva. O juiz compreende o
decisum num sentido chegando a uma conclusão em seu dispositivo; enquanto a parte entende
noutro sentido, acreditando que a conclusão do dispositivo deveria ser outra. Para a parte, o
juiz está deturpando o conteúdo decisório, ou seja, está desacatando-o, abrindo espaço para a
reclamação.447 Nessa hipótese, a reclamação é aviada por afronta à autoridade do julgado.
Não terá o intuito de obter uma interpretação. O fundamento da reclamação é a violação do
julgado e não o erro interpretativo do juiz, até porque o juiz possui legitimidade para
interpretar a decisão. Com efeito, a interpretação é consequência do julgamento da
reclamação e não o seu fundamento ou objetivo.448 Saber, enfim, se houve o desacato ou não
passa a ser uma questão meritória da reclamação; se sim, será acolhida, caso não, será
improcedente.
3.7. Garantir a observância de precedentes
No Brasil, país de tradição de civil law, aos precedentes judiciais, emanados dos
tribunais, usualmente se conferia força meramente persuasiva. A desobediência a um
situação de interpretação, é negativa.” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 65-66). 446 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 700. 447 “Se o juiz, na execução, apenas interpreta o acórdão, não há qualquer atentado à decisão, apenas se houve
deturpação. É claro, tal interpretação sempre integra o raciocínio, que irá à conclusão (execução), mas tem um
prius que é a própria interpretação, que não servirá de escudo à reclamação, porque o pretexto de
interpretação pode levar à irregular execução do julgado.” (ROSAS, Roberto. Direito Processual
Constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.
137). “Pode ocorrer que a interpretação de um julgado, em sua execução, gere infringência à decisão da Corte
Superior e, por consequência, o desacato, a viabilizar o emprego da reclamação.” (MORATO, Leonardo Lins.
Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 160). 448 “A reclamação para garantia da autoridade das decisões do STF e STJ (CRFB/1988, arts. 102, I, l e 105, I,
f) constitui uma exceção à exclusividade da competência da fase de cumprimento para interpretar uma decisão
transitada em julgado. Ela tem lugar justamente quando o juiz da fase de cumprimento não observa a decisão
superior. Cabe, então, ao próprio tribunal que proferiu a decisão final fazer com que o juiz da fase de
cumprimento a observe. Nesse procedimento, pode ser necessário que o tribunal superior interprete sua decisão
anterior.” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013. p. 66).
157
precedente não era vista como algo grave. Os precedentes eram utilizados como argumentos
de reforço no convencimento do magistrado, não havendo vinculação. Deixar de seguir um
precedente era aceitável,449 inexistindo uma cultura de respeito aos precedentes.
Isso tudo contribui para a irracionalidade na prestação da tutela jurisdicional; na
verdade o próprio Direito – como conjunto de normas de um ordenamento – se torna
irracional. É que o sentido do Direito é fruto da conjunção de trabalho dos poderes estatais
junto com a comunidade jurídica, com mais ênfase ao Poder Judiciário que confere sentido
aos textos normativos. Para existir racionalidade, bem como igualdade e segurança jurídica,
deve haver unidade, coerência, estabilidade e integridade no conteúdo das decisões judicias
que conferem sentido aos textos normativos, isto é, ao Direito como conjunto de normas. Essa
unidade deve emanar dos precedentes judiciais proferidos pelos tribunais.
Se os precedentes são meramente persuasivos, a unidade do sentido do direito não
é alcançada. Cada órgão judicial se torna ilha isolada, senhor de sua própria interpretação dos
textos normativos. Há células interpretativas do direito, com menor grau de controle sobre o
acerto e ou desacerto das interpretações conferidas, tudo sob o antigo cânone de clareza da lei
e da independência do julgador, que não estaria adstrito ao entendimento dos tribunais. 450
No Brasil houve uma gradual mudança de paradigma, ao compreender a
necessidade de conceder força vinculante aos precedentes dos tribunais, de modo a tornar o
Direito mais racional. Surge o intuito de alcançar maior unidade na prestação jurisdicional, de
modo a densificar a igualdade e a segurança jurídica.451 Desponta-se a busca por uma cultura
de respeito aos precedentes.452
O CPC/2015 propõe-se a erigir um sistema de precedente vinculantes. O pilar
desse sistema é o art. 927, que traz um rol de decisões, cujas razões de decidir vinculam os
449 Vide a antiga súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a
melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da C.F.”
450 Não há dúvida que a coerência da ordem jurídica ou a unidade na expressão das decisões é imprescindível
ao Estado de Direito. De modo que a pretensão de dar ao juiz o poder de julgar o caso com bem entender, não
obstante já ter o tribunal superior conferido os seus contornos, constitui uma pretensão que, além de
logicamente destituída de fundamento, é anárquica, na medida em que alheia ao Estado de Direito.”
(MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit., p. 207). 451 No item 2.3., explica-se brevemente as razões sociológicas para no Brasil não haver uma cultura de respeito
aos precedentes dos tribunais, bem como o surgimento da reclamação como meio para controlar a aplicação de
precedentes. 452 Duas questões manifestam-se nessa mudança paradigmática: (a) a vinculação aos precedentes não
descaracteriza a independência dos juízes, que continuam livres para interpretar as provas, os fatos, aplicar o
direito ao caso concreto, inclusive interpretando o próprio precedente. Contudo, não podem conferir sentido ao
texto normativo diferente do que foi dado pelo tribunal, sob pena de tornar a prestação jurisdicional insegura,
irracional e desigual; (b) a superação de que o juiz é a boca da lei, fruto da distinção entre texto e norma. O texto
são os símbolos (significante) que veiculam a norma (significado). A norma, portanto, é fruto da atividade
interpretativa exercida sobre o texto. A norma é o resultado da interpretação do significante.
158
órgãos judiciais: “I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente
de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de
recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados”.
O art. 926 reforça esse sistema, ao dispor que os tribunais devem uniformizar sua
jurisprudência, mantendo-a íntegra, estável e coerente. Outros dispositivos, ao longo do
código, também compõem esse sistema de precedentes vinculantes, a exemplo do poder dado
ao relator de decidir recurso monocraticamente, seja para provê-lo ou desprovê-lo, com
fundamento em precedente (CPC/2015, art. 932, IV, “b” e “c”, V, “b” e “c”; art. 955, par.
úni., II), ou da permissão para a improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e
III).
No entanto, de nada adianta formatar um sistema de precedentes com pretensão de
serem obrigatórios, sem haver meios adequados para impor-lhes aos órgãos judiciais. A
vinculação efetiva demanda meios para garantir a observância dos precedentes.453 Os meios
comuns são os recursos, que podem veicular erro na aplicação e inobservância dos
precedentes obrigatórios. São os recursos os mecanismos habituais de controle dos
precedentes, assegurando-lhes vinculação.
No entanto, o CPC/2015 – por opção – também elegeu a reclamação como
remédio hábil a controlar a observância e o erro na aplicação de certos precedentes ditos
obrigatórios.454 Além dos recursos, a reclamação destina-se a garantir a observância dos
precedentes. A reclamação consiste, portanto, num dos elementos do sistema de precedentes
obrigatórios. A reclamação, na atual fase codificada, garante a observância de: súmula
vinculante; decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; acórdãos
proferidos em casos repetitivos e incidente de assunção de competência; e, acórdão de
recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em
453 “Existindo um Poder Judiciário, devem haver meios de controle sobre a racionalidade de suas decisões de
forma a garantir a uniformidade e a continuidade do direito para todos os casos análogos futuros” (ZANETI
JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 312). 454 O CPC/2015 repensou a reclamação, absorvendo toda sua evolução, reelaborando-a dogmaticamente. “A
reclamação, portanto, deve ser repensada, ou melhor, dogmaticamente elaborada à luz da função que o STJ tem
a incumbência de desenvolver no Estado contemporâneo. Atualmente, não é possível que a reclamação tenha
apenas o intuito de proteger as partes do processo em que a decisão foi ou há de ser prolatada. Afinal, o STJ
não é mais uma mera corte de correção voltada à tutela da lei.” (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto
corte de precedentes. cit., p 240).
159
julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, desde que esgotadas as
instâncias ordinárias.
Lucas Buril de Macêdo crítica a opção do CPC/2015 de eleger a reclamação como
instrumento para controlar a aplicação de precedentes. Afirma o autor que é uma medida
autoritária, além de diminuir o debate e a argumentação em torno da formação dos
precedentes. Para o autor, o diálogo próprio do sistema recursal, que passa por várias
instâncias julgadoras, é primordial para o bom funcionamento do stare decisis.455
O autor, porém, não percebe alguns pontos. O cabimento de reclamação não afasta
os recursos. Podem ser medidas concomitantes, o recurso e a reclamação. Logo, o debate e
argumentação em torno dos precedentes serão realizados nos recursos e nas reclamações. Na
verdade, há mais ambiente para o debate. Há mais que apenas recursos.
O segundo é que a reclamação não se destina a preservar qualquer precedente.
Não serve para os precedentes persuasivos, apenas para os formalmente vinculantes; e, dentre
os vinculantes, apenas a observância de parte deles é assegurada mediante reclamação. Assim,
quanto aos precedentes persuasivos e alguns dos precedentes vinculantes, continuam sendo os
recursos os remédios cabíveis.
Por fim, é importante observar que alguns dos precedentes obrigatórios, após a
sua formação, produzem barreiras muito fortes para acessar o tribunal através de recursos.
Igualmente, sua superação também é mais difícil. A reclamação desponta exatamente como o
meio adequado para levar a discussão jurídico em torno da aplicação dos precedentes aos
tribunais, com amplo debate e argumentação.
3.7.1. O rol do art. 988 do CPC/2015 é exaustivo?
Dentre os ditos precedentes vinculantes (art. 927, CPC) – que obrigam os demais
órgãos julgadores – apenas a aplicação dalguns deles é controlada mediante reclamação,
conforme rol do art. 988. Não é previsto, no texto legal, o cabimento de reclamação para
controlar a inobservância ou erro na aplicação dos “enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional” (art. 927, IV, CPC).
455 MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. cit., p. 488-493).
160
Surge, então, a controvérsia objeto deste item: o rol do art. 988 é exaustivo ou
cuida-se de lista meramente exemplificativa?
O rol é exaustivo. O caminho mais curto para a conclusão é a interpretação
exegética do art. 988 do CPC/2015. A lista trazida pelo art. 988 é exauriente, e não meros
exemplos do cabimento da reclamação constitucional. Como dito no item 3.2., as hipóteses de
reclamação são típicas, exaurindo-se nas hipóteses legais, não é possível cogitar-se de outras,
sequer mediante recurso à analogia.456
E nem se diga que essa interpretação enfraquece o sistema de precedentes
obrigatórios que o CPC/2015 pretende impor com o art. 927. É que a vinculação formal dos
precedentes não se confunde com o cabimento da reclamação para controlar sua aplicação ou
não observância.
É equivocado embaralhar a vinculação do precedente, com a forma e de controle
e, até mesmo, com a sanção aplicada pelo erro na aplicação do precedente. A vinculação do
precedente pressupõe uma forma de controle, mas com ela não se confunde. Também como
não se confunde com a sanção pela inobservância do precedente.
Para controlar a aplicação e não observância dos ditos precedentes vinculantes,
existem vários instrumentos, colocados à disposição pelo ordenamento. Como dito,
usualmente são cabíveis os recursos, que, como nos países de common law, onde as técnicas
de aplicação de superação de precedentes são utilizadas mais sofisticadamente, é o meio mais
adequado para amadurecer, qualificar e formar o precedente. No Brasil, também é cabível
ação rescisória (art. 966, V) e a reclamação (art. 988, III e IV, CPC).
É uma opção eleger a reclamação como meio de controle da aplicação dos
precedentes. Não é o cabimento da reclamação que fará de um precedente vinculante, ou não.
Como explica Hermes Zaneti Jr., para um precedente ser considerado formalmente vinculante,
deve haver algum instrumento técnico de controle457, que não precisa ser necessariamente a
reclamação, pois há, via de regra, o caminho recursal comum.
456 Em sentido contrário: “Assim posta a questão, pode-se entender que a disciplina encontrada no novo Código
às hipóteses de cabimento da reclamação é meramente enunciativa, não constituindo, o art. 988, caput, e § 5.º,
II, um rol taxativo. A jurisprudência deve ficar aberta à possibilidade de delimitação dos contornos dos
precedentes cuja autoridade pode ser afirmada por meio de reclamação, uma vez que o novo Código enuncia a
decisão – política, ou, mais precisamente, de política judiciária 0 que suplanta o entendimento que o STF
historicamente construiu em torno da reclamação.” (XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação
constitucional e precedentes judiciais. cit., p. 157). 457 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. cit., p. 337.
161
A imposição de um sistema vinculante de precedentes (arts. 926 e 927,
CPC/2015) foi uma opção, cujo objetivo é trazer maior segurança jurídica (calculabilidade e
confiabilidade) e racionalidade para a prestação da tutela jurisdicional458. Não se confunde o
cabimento da reclamação com a questão do art. 927 ser exaustivo ou exemplificativo.459 A
exaustão do art. 927, ou seja, se os precedentes obrigatórios são apenas os constantes desse
dispositivo é um outro debate. Não se relaciona esse debate com o rol exauriente do art. 988.
Se os precedentes vinculantes são mais do que o rol do art. 927, em nada altera-se as hipóteses
de cabimento da reclamação.
Ainda não se deve confundir o instrumento de controle dos precedentes
vinculantes com a sanção cabível. Um ponto é haver meio de controle, outro é a sanção
cabível. No caso, quando há erro na aplicação ou não observância do precedente vinculante
existe ilícito, daí a decisão atacada é passível de reforma ou anulação (=invalidação). O meio
que será utilizado é uma questão prévia e diferente da sanção, que será a reforma ou a
anulação.
Em suma, a lista constante do art. 988 é exaustiva. Não cabe reclamação para
controle de outros precedentes que não os expressamente previstos no art. 988. Os demais
precedentes possuem outros mecanismos de garantia de observância que, usualmente, são os
recursos.
3.7.2. Garantir observância de súmulas vinculantes e decisões de controle
concentrado de constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III)
A reclamação destina-se a garantir observância de súmulas vinculantes e de
decisões de controle concentrado de constitucionalidade do STF. É uma hipótese de
cabimento dirigida especialmente ao STF e aos tribunais de justiça, quando exercem suas
funções de Guardião da Constituição Estadual.
458 Sobre o art. 927, precedentes e segurança jurídica: PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança
jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 167. 459 Vários autores afirmam que o rol do art. 927 é exemplificativo: MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento
nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. cit., p. 24; MITIDIERO, Daniel.
Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 94-96; PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança
jurídica. cit., p-167; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. cit., p. 436-
438.
162
O cabimento para controlar a aplicação de súmula vinculante460-461 reproduz a
previsão constitucional (CF/1988, art. 103-A, §3º, incluído pela EC 45/2005), que também é
tratada pelo Lei nº 11.417/2006. Assim, a reclamação para assegurar a força de súmulas
vinculantes é regulada pelo CPC/2015 e pela Lei nº 11.417/2006, conjuntamente.
A súmula é o enunciado jurídico, escrito e resumido, de um tribunal acerca de
suas decisões. Trata-se de uma linguagem pretoriana que descreve o entendimento do tribunal
sobre uma questão jurídica específica. A súmula é uma metalinguagem jurídica.462 Tais
enunciados jurisprudenciais – súmulas – possuem, usualmente, conteúdo mais específico em
relação à norma jurídica que interpretam, porém também se estruturam como regras jurídicas,
ou seja, com caráter geral e normativo.463 As súmulas têm caráter geral e abstrato, porém são
de estrutura sintética, ao se distanciar dos fatos dos casos concretos a que se referem. É
apenas o texto conciso indicador do entendimento do tribunal sobre suas próprias decisões,
sem, contudo, fazer referência aos fatos materiais que induziram ao entendimento em si.
Daí a crítica de Luiz Guilherme Marinoni, com a qual se concorda, em relação à
previsão das súmulas no art. 927 do CPC/2015. O autor põe como lamentável a tentativa de
colocar súmulas como precedentes, já que a súmula não possui condições de expressar com
precisão as circunstâncias fáticas dos casos a que faz referência. As súmulas são enunciados e,
por desprenderem-se da fundamentação, diminuem sua função de orientar os juízes em casos
futuros.464
A Lei nº 11.417/2006 (Lei da súmula vinculante) tratou da reclamação no art. 7º,
§§1º e 2º. A lei é clara ao afirmar o cabimento da reclamação, quando não observada súmula
460 Sobre súmula vinculante, vide: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante.
Curitiba: Juruá, 2013. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as
súmulas vinculantes? 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula
vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 120, fev.-2005. Antes mesmo
da EC 45/2004, já falando sobre a súmula vinculante: CUNHA, Sérgio Sérvulo. O efeito vinculante e os poderes
do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução?
Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 98, abr-jun.-2000. SÁ, Djanira Maria Radamés de.
Súmula vinculante: análise de sua adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. 461 Sobre o surgimento da hipótese de cabimento para controlar a aplicação de súmulas vinculantes, remete-se o
leitor ao item 2.2.2.1. Sobre o tema, destaca-se: MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o
respeito da súmula vinculante. cit. 462 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit., p. 217 463 TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. cit., p. 141 464 “As súmulas foram concebidas como enunciados abstratos voltados a facilitar o trabalho de correção das
decisões dos tribunais. É ilógico tentar dar-lhes a função de precedentes, na medida em que só a decisão do
caso concreto é capaz de espelhar em toda sua plenitude o contexto fático em que a ratio decidendi se insere.
(...) A súmula não se preocupa com fundamentos, mas apenas em expressar um enunciado, que é um simples
resultado interpretativo. Um mero enunciado ou resultado interpretativo jamais será capaz de fornecer aos
juízes dos casos futuros as razões da decisão” (MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes
superiores: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 26)
163
vinculante ou aplicada indevidamente, tanto por ato da Administração Pública, como por ato
judicial. Entretanto, para o cabimento contra ato administrativo, deverão ser esgotadas as vias
administrativas; tratou-se de um filtro, com o objetivo de diminuir as reclamações dirigidas ao
STF.
A reclamação, em 2004, foi eleita como meio de controle da aplicação ou negativa
de vigência de súmula vinculante465. Foi uma opção encontrada de impor, com celeridade, a
eficácia da súmula vinculante. A reclamação foi o meio escolhido para garantir, com rapidez,
a vinculação da súmula vinculante466. Foi tão importante para o desenvolvimento da
reclamação, que Leonardo Morato afirmou que a súmula vinculante revolucionou e ajudou a
definir os contornos do instituto467. Já Marcelo Alves Dias de Souza concluiu que a
reclamação é o efeito prático mais palpável da súmula vinculante468.
Admite-se, portanto, reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que
contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar. Em caso de procedência, anula-
se o ato administrativo ou cassa-se a decisão judicial reclamada, dando o mandamento de
proferir outra, com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Qualquer ato judicial que afrontar súmula vinculante poderá ser combatido por
reclamação, diretamente no STF, independente do cabimento de recurso. Os atos
administrativos também podem ser controlados mediante reclamação, caso inobservem
enunciado de súmula vinculante.469 As demais hipóteses de cabimento de reclamação para
assegurar aplicação de precedente não são cabíveis contra ato administrativo, à exceção de
súmula vinculante, que possui regulamentação pela Lei nº 11.417/2006.
Entretanto, antes de impugnar o ato administrativo mediante reclamação, é preciso
esgotar as vias administrativas. Dito de outra forma, a reclamação contra ato administrativo,
por afronta à súmula vinculante, apenas é admissível após exaurir as vias administrativas.
Havendo previsão de recurso administrativo contra o ato, não é cabível a reclamação. Cuida-
465 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 224. 466 Cabe, aqui, lembrar a crítica de Marinoni em relação às súmulas como precedentes obrigatórios:
(MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo
CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 23). 467 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 36. 468 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante, cit., p. 275. 469 As súmulas vinculantes não obrigam o Poder Legislativo, que permanece livre para editar atos normativos
com conteúdo contrário a enunciado de súmula (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo.
cit., p. 686; SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2013.
p. 273; STF, Rcl 2617 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 23/2/2005, DJ 20/5/2005).
164
se de uma norma de barreira de acesso direto ao STF; mais precisamente uma opção de
política judiciária para evitar enxurrada de reclamações.470
A reclamação também é admissível para assegurar a aplicação de decisões
proferidas em controle concentrado de constitucionalidade. Se a decisão for do STF, a ele será
dirigida a reclamação; se a decisão for de tribunal de justiça estadual, a competência é do
tribunal que proferiu o acórdão. Nessa hipótese específica, restringe-se apenas contra atos
judiciais, não sendo admissível contra atos administrativos, que deverão ser controlados pelas
vias judiciais comuns.
Convém, aqui, registrar que, nessa hipótese específica, a reclamação
compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela
correspondam (CPC/2015, art. 988. §4º). A reclamação destina-se a garantir a observância da
ratio decidendi – tese jurídica – da decisão de controle de constitucionalidade. Não serve para
garantir respeito ao dispositivo, mas sim à ratio decidendi extraível do acórdão.
Foi visto no item 2.2.2.4. que, durante a fase constitucional da reclamação, o STF
afastou o seu cabimento por ofensa à ratio decidendi (ou motivos determinantes) de acórdão
proferido em controle concentrado de constitucionalidade. Contudo, o CPC/2015 é expresso
ao prever o cabimento (art. 988, III, §4º).
O que precisa ficar claro é a reclamação destina-se a garantir a tese jurídica, isto é,
a ratio decidendi – norma jurídica genérica e abstrata – contida no acórdão. Não é o
dispositivo que se busca assegurar; nessa hipótese, a reclamação seria cabível com base no
inciso II, do art. 988, por afronta à autoridade de julgado.
Num acórdão prolatado em controle concentrado de constitucionalidade, há duas
normas jurídicas. Uma norma jurídica concreta, contida no dispositivo, que julga a
constitucionalidade do ato normativo objeto da ação, acobertada pela coisa julgada erga
omnes. Outra norma jurídica abstrata e genérica, extraída da fundamentação da decisão,
consistente na ratio decidendi do acórdão. Em caso de inobservância da primeira norma,
concreta, cabe reclamação por afronta à autoridade de julgado (art. 988, II); em caso de
inobservância da segunda norma, abstrata e genérica, cabe reclamação por violação de
precedente (art. 988, II, §4º).
470 “Ademais, a limitação do uso da reclamação contra ato administrativo somente após o esgotamento prévio
das próprias vias administrativas, embora razoável em tese – e, portanto, constitucional – pode, em concreto,
mostrar-se exagerada, quando, então, poderá ser afastada, em controle difuso de constitucionalidade, após a
aplicação do princípio da proporcionalidade.” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo.
cit., p. 687).
165
Eis exemplo ilustrativo. O STF julgou, em sede de ADIN, inconstitucional lei do
Estado do Ceará que instituiu ICMS sobre comercialização de cordel, por entender haver
isenção constitucional (CF/1988, art. 150, VI, d). Caso o Estado do Ceará continuasse
aplicando a norma julgada inconstitucional, haveria ofensa ao dispositivo do acórdão,
cabendo reclamação por ofensa à autoridade do julgado (CPC/2015, art. 988, II). Por outro
lado, se o Estado de Pernambuco editasse lei idêntica à do Estado do Ceará e, ocasionalmente,
qualquer órgão judicial declarasse essa lei constitucional, caberia reclamação diretamente ao
STF, em virtude à ofensa à ratio decidendi do acórdão da ADIN (CPC/2015, art. 988, III,
§4º). Nesse caso, o órgão judicial é obrigado a seguir o entendimento do STF, no caso, que
sobre comercialização de cordel não incide ICMS, em virtude de isenção constitucional.
O objetivo final, na verdade, é garantir a vinculação de todos os órgãos
jurisdicionais ao entendimento do STF acerca da constitucionalidade das normas. As razões
de decidir de um julgado do STF, ao apreciar a constitucionalidade de uma norma, devem ser
seguidas pelos juízes, ao apreciar a constitucionalidade de outras normas semelhantes.
3.7.3. Garantir observância de teses firmadas em casos repetitivos e em incidente de
assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV)
A reclamação é admissível para assegurar a observância e correta aplicação das
teses jurídicas fixadas em acórdãos proferidos em julgamentos de casos repetitivos e no
incidente de assunção de competência (IAC). Considera-se julgamento de casos repetitivos a
decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), bem como em
recursos especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015, art. 928).
As decisões proferidas nesses incidentes e recursos destinam-se a formar
precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 927, III). O objetivo é que o tribunal fixe tese
jurídica a ser reproduzida em todos os casos análogos, vinculando o próprio tribunal e os
demais órgão hierarquicamente inferiores, sob os fundamentos da igualdade e da segurança
jurídica.
O art. 928 do CPC/2015 dispõe que se considera julgamento de casos repetitivos a
decisão proferida em IRDR e recursos excepcionais repetitivos. Essas espécies possuem
exatamente os mesmos objetivos. São procedimentos propostos a gerir casos repetitivos.
Apesar de cada um deles possuir regramento específico, a lógica e as técnicas são
166
semelhantes, de modo que – por analogia – as regras de um se aplicam aos outros, e vice-
versa. Juntos formam um microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos.471-472
Em linhas gerais, o IRDR é um incidente, instaurado num processo de
competência originária, em remessa necessária ou em recurso, cujo procedimento transfere a
competência para outro órgão interno do mesmo tribunal, com o objetivo de formar
entendimento sobre uma questão jurídica que se repete em vários processos. A tese fixada é
vinculante para os órgãos submetidos ao tribunal prolator da decisão. Está previsto nos art.
976 a 987 do CPC/2015.
Com lógica e técnicas bastante semelhantes, os recursos especial e extraordinário
repetitivos (que não provocam um incidente), são previstos nos arts. 1.036 a 1.040 do
CPC/2015. Trata-se de um procedimento específico para que o STJ e o STF lidem com
multiplicados recursos, especiais e extraordinários, sobre a mesma matéria.
O IAC não se encontra no microssistema de julgamento de casos repetitivos, pois
não pressupõe repetição de questões controversas, isso, porém, em nada afeta a força
vinculante de suas decisões, que também servem para formar precedentes, obrigando os
órgãos jurisdicionais.
Cumpre registrar que o IAC e o IRDR podem ser instaurados em qualquer
tribunal. Não há limitação de competência. Todo e qualquer tribunal podem suscitar o IRDR e
o IAC, de modo a produzir precedentes obrigatórios. Até mesmo no STF e STJ são permitidos
o IRDR e o IAC. O fato de haver regramento específico para os recursos especial e
extraordinário repetitivos não impede o IRDR e o IAC perante o STF e STJ. É que o IAC e o
IRDR podem ser instaurados em qualquer recurso, remessa necessária ou processo de
competência originária de tribunal; assim, um IRDR ou IAC podem ser suscitados nos
processos de competência originária do STJ e STF ou em outas espécies recursais, a exemplo
da própria reclamação, do conflito de competência, ação rescisória, recuso ordinário
constitucional, mandado de segurança, habeas corpus etc.
471 CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 976. Comentários ao novo código de processo civil.
CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coords.). 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1434-
1435; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed., cit.;
Enunciado 345 do FPPC: “O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos
extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas
de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.” 472 Agregam-se ao microssistema as regras sobre os recursos de revista repetitivos dispostas nos arts. 896-B e
896-C da Consolidação das Leis do Trabalho.
167
Dito isso, repise-se: é cabível reclamação para assegurar a observância de tese
jurídica contida em acórdão proferidos em IAC, IRDR e recursos extraordinário e especial
repetitivos. Todos esses acórdãos dispõem-se a formar precedentes obrigatórios, cuja
aplicação é controlável mediante reclamação constitucional.
Contudo, a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso
extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de
recursos extraordinário ou especial repetitivos, apenas é admissível após esgotar as instâncias
ordinárias. Mais precisamente, a reclamação destinada ao STF e STJ, com fundamento no
inciso IV, do art. 988, seja para assegurar acórdão de caso repetitivo ou de IAC, somente é
cabível após o exaurimento de vias ordinárias. É um requisito de admissibilidade.
Cuidou-se de uma opção de política judiciária473 com vistas a evitar o afogamento
das Cortes Superioras em reclamações constitucionais per saltum, isto é, contra decisões
proferidas em primeira instância ou, ainda que em segunda instância, sem terem sido
combatidas pelas vias comuns. Assim, o acesso ao STF e STJ, com fundamento no inciso IV,
do art. 988, exige prévio esgotamento das instâncias ordinárias, mediante os recursos
cabíveis.
Essa necessidade de esgotamento das instâncias ordinárias remete ao art. 1.030 do
CPC/2015474, que concebe o regime de admissibilidade prévio dos recursos especial e
repetitivo, na presidência ou vice-presidência do tribunal local. É nesse regramento que,
usualmente, se exaurem as vias ordinárias. Na verdade, o art. 1.030 vai além do simples juízo
de admissibilidade e concede competência ao tribunal local de julgar o mérito dos recursos
excepcionais, cuja questão recorrida tenha sido objeto de julgamento de caso repetitivo no
STJ ou STF.475
Se o acórdão recorrido estiver em conformidade com o entendimento firmado pela
Corte Superior no julgamento do caso repetitivo, o presidente ou vice-presidente deverá negar
seguimento ao recurso excepcional (CPC/2015, art., 1.030, I, a e b); contra essa decisão que
nega seguimento (ou seja, realiza verdadeiro juízo meritório) cabe agravo interno destinado a
órgão do próprio tribunal (CPC/2015, arts. 1.030, §2º, 1.021).
473 O CPC/2015, ao ser sancionando, não continha essa limitação de admissibilidade. Ainda durante o período de
vacância, foi editada a Lei nº 13.256/2016, que criou tal restrição. 474 O art. 1.030 é outro dispositivo do CPC/2015 que foi modificado pela Lei nº 13.256/2006, ainda durante o
período de vacância. 475 MACÊDO, Lucas Buril de. A Análise dos Recursos Excepcionais pelos Tribunais Intermediários: O
pernicioso art. 1.030 do Código de Processo Civil e sua inadequação técnica como fruto de uma compreensão
equivocada do sistema de precedentes vinculantes. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor, no prelo.
168
O julgamento desse agravo interno esgota as vias comuns. Não há nenhum outro
recurso ordinário cabível. As instâncias ordinárias estão exauridas, daí passa a ser admissível
a reclamação, com fundamento no art. 988, IV, do CPC/2015. Se, no julgamento desse agravo
interno, manter-se violação à tese de acórdão proferido em demanda repetitiva, é cabível a
reclamação dirigida ao STJ ou STF, conforme o caso.476
É importante ficar claro que a presidência ou vice-presidência do tribunal local, ao
apreciar um recurso excepcional, cuja questão já tenha sido decidida em recurso especial ou
extraordinário repetitivo, vai muito além do simples juízo de admissibilidade provisório. Faz
um verdadeiro juízo de mérito, o que impede a subida do recurso para apreciação no STF ou
STJ. O presidente ou vice-presidente, nesses casos, não se restringe a analisar os requisitos
recursais intrínsecos (legitimidade e interesse recursais e inexistência de fato extintivo ou
impeditivo do direito recorrer) e extrínsecos (cabimento, regularidade formal, tempestividade
e preparo). O que o presidente ou vice-presidente faz, na verdade, é um juízo de mérito, pois
analisa se o pedido de anulação ou reforma formulado no recurso procede, ou não, à luz da
tese jurídica firmada no acórdão do caso repetitivo; em caso de negativa de seguimento (ou
seja, de improcedência do recurso), caberá agravo para órgão do próprio tribunal, que
apreciará o acerto da decisão do presidente ou vice-presidente.
Esse julgamento de mérito dos recursos excepcionais perante as próprias cortes
locais, nos termos do art. 1.030, impede o acesso as cortes superiores, esgotando as vias
ordinárias. O acesso é permitido, no entanto, mediante reclamação constitucional, caso haja
inobservância ou erro na aplicação dos precedentes formados nos acórdãos de casos
repetitivos do STJ e STJ.
Contra o acórdão proferido em reclamação, são cabíveis os recursos especial e
extraordinário, a depender do fundamento. Por outro lado, a competência para julgar a
reclamação é do tribunal que proferiu o acórdão no julgamento do caso repetitivo ou IAC; o
tribunal é quem detém competência para preservar seu próprio precedente. Um tribunal não
tem legitimidade – e, portanto, competência – para proteger o precedente de outro tribunal.
Daí, surge a pergunta: se um tribunal profere um acórdão em IRDR e,
posteriormente, esse mesmo tribunal viola o precedente, ao julgar uma reclamação, qual o
remédio cabível? Recurso especial. Contra o acórdão caberá recurso especial, por violação
aos arts. 926 e 927 do CPC/2015. O tribunal deixou de cumprir seu dever de autorreferência,
476 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 114.
169
ou seja, de dialogar e respeitar os próprios precedentes. Igualmente, feriu seu dever de manter
sua jurisprudência íntegra e coerente,477 inobservando um precedente obrigatório. O STJ não
detém competência para preservar a tese jurídica de um precedente de outro tribunal, mas
como guardião da lei federal o STJ pode impor o respeito ao arts. 926 e 927 que, juntos,
prescrevem o dever dos tribunais de seguir os próprios precedentes.
3.7.3.1. Cabe reclamação por ofensa do STF a precedente do STJ, em matéria
federal?
O STF é órgão responsável a dar a última palavra sobre a interpretação do texto
constitucional. Doutra banda, pertine ao STJ conferir o significado final à legislação
infraconstitucional. Daí por que se fala que o STF é o Guardião da Constituição e o STJ o
Guardião da Lei Federal.
Exsurge um questionamento: é admissível reclamação por ofensa do STF a
precedente do STJ, em matéria federal, já que este é o Guardião da Lei Federal e seu último
intérprete? A resposta é negativa.
Não cabe reclamação dirigida ao STJ por suposta violação praticada pelo STF
contra precedente do STJ, ainda que em matéria infraconstitucional. É que o STF se sobrepõe
ao STJ. Cuidar-se-ia de contrassenso permitir a reclamação perante o STJ para atacar
julgamento do STF. E esta não é uma resposta meramente intuitiva.
O STF possui ascendência hierárquica sobre o STJ. A interpretação dada pelo
STF à legislação infraconstitucional se sobrepõe a do STJ, tanto que é cabível recurso
ordinário das causas originárias decididas pelo STJ. Por outro lado, não cabe recurso
ordinário ou, até mesmo, recurso especial contra as decisões do STF, por violação à
legislação infraconstitucional. Até mesmo a competência do STJ é submetida à interpretação
do STF, uma vez que disposta no texto constitucional (art. 105, CF), ou seja, o STF quem
delimita e interpreta a competência do STJ.
477 Os conceitos de integridade e coerência são confusos. Não há consenso na doutrina quanto a seu conteúdo. Os
termos, por vezes, são invertidos ou utilizados como sinônimos e, ainda, existem traduções de importantes
referências doutrinárias que não coincidem com o termo original dos autores. Na presente pesquisa, entende-se
por coerência da jurisprudência quando seus numerosos precedentes façam sentido quando considerados
conjuntamente, havendo uma compatibilidade lógica recíproca e reflexiva (MACCORMICK, Neil.
Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 193). Já
por integridade da jurisprudência compreende-se como a sua unidade e tratamento igualitário dos jurisdicionados
que estejam em mesma situação (treating like cases alike), norteando-se por um ideal de justiça e equidade
(DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.
202).
170
A hierarquia entre o STF e o STJ, mais precisamente, é decorrência da hierarquia
entre a própria Constituição e as demais fontes normativas do ordenamento jurídico. As
normas constitucionais são o fundamento dos diversos ramos do direito infraconstitucional478.
A interpretação da legislação ordinária deve ser feita à luz da Constituição e o STF é o último
intérprete da Constituição, a conclusão que se chega é que a interpretação da legislação
infraconstitucional dada pelo STF se sobrepõe a do STJ, exatamente porque foi realizada pelo
órgão de cúpula que interpreta o texto constitucional479. O STJ interpreta a legislação
infraconstitucional; porém, quando o STF também o faz, está procedendo à luz da
Constituição e, na condição de guardião da Constituição, deve prevalecer a interpretação que
concebe aos enunciados normativos infraconstitucionais.
Tanto que, como dito, é o STF quem interpreta e delimita a competência do STJ,
de caráter constitucional480. Também não cabe recurso especial, ou outro qualquer, dirigido ao
STJ contra decisão prolatada pelo STF. Dessa forma, não cabe reclamação – em nenhuma
hipótese – para o STJ atacando decisão do STF, ainda que se trate de não observância ou
aplicação diferente de enunciado de súmula, matéria infraconstitucional.
Aqui, retorna-se à ideia de Hermes Zaneti Jr., exposta no item 3.6.1., para quem o
precedente seja formalmente vinculante deve haver um instrumento de controle dirigido ao
órgão prolator da decisão. Não há, portanto, vinculação formal do STF aos precedentes
estabelecidos pelo STJ.
Não se quer afirmar que o STF pode simplesmente desconsiderar a interpretação
dada pelo STJ à legislação infraconstitucional.481 O STF, para afastar a interpretação
apresentada pelo STJ, deve fundamentar adequadamente (art. 93, IX, CF; art. 489, § 1º, CPC),
bem como cumprir o dever de integridade da ordem jurídica e coerência substancial de seus
478 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas relações entre
particulares. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 49. 479 “Tudo deve ser feito para que não haja conflito, em concreto, entre as duas altas Cortes de Justiça, evitando-
se que uma decisão do Supremo Tribunal Federal equivalha a um julgamento de quarta instância. Explica-se
até certo ponto a possibilidade de um desentendimento entre as duas Altas Cortes, dado o fato inconteste de que
não há questão jurídica que, em última análise, não envolva algum pressuposto de ordem constitucional. Assim
sendo, se analisarmos as questões com rigor formal, tudo acabará se elevando ao texto constitucional, que é a
fonte suprema de juridicidade” (REALE, Miguel. O modelo jurisdicional e o STJ. STJ 10 anos: obra
comemorativa. Brasília: STJ, 1999. p. 142). 480 Em uma última análise, será o STF quem dirá se o STJ pode julgar reclamação contra decisão do próprio
STF. 481 Cumpre, aqui, registar que o STF, no julgamento da ADPF 388/DF, mediante o voto do Ministro Celso de
Mello, fez menção expressa ao entendimento do STJ sobre o art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/1999, de modo a manter
a coerência entre o entendimento das Altas Cortes. Houve um mínimo diálogo entre os precedentes das Cortes.
(STF, ADPF 388/DF, Informativo de Jurisprudência 82)
171
julgados, conforme exige o art. 926 do CPC482. O STF deve justificar, à luz da Constituição,
porque não observa ou aplica, de forma distinta, entendimento do STJ sobre a legislação
infraconstitucional483.
Assim, conclui-se que não é cabível reclamação dirigida ao STJ, atacando decisão
do STF, tendo por causa petendi a inobservância de precedente do STJ, em matéria
infraconstitucional.
3.7.4. O significado de “garantir a observância” de precedente: a reclamação como
meio útil à realização de distinção e reinterpretação do precedente
O art. 988 dispõe que caberá reclamação para “garantir a observância” de
precedente perante qualquer tribunal, cuja vinculação pretende-se assegurar. Importante, pois,
delimitar o significado de “garantir a observância” de precedente exatamente para saber
quando a reclamação será admissível.
E o significado dessa locução parte de uma premissa básica, reiterada durante toda
esta pesquisa, que o precedente judicial é texto normativo, cuja significado pressupõe sua
interpretação. O precedente pode trazer uma norma jurídica genérica e abstrata (ratio
decidendi, tese jurídica, motivos determinantes...), que é identificada mediante interpretação
do texto da decisão, mediante o método hermenêutico mais adequado, seja o dedutivo,
indutivo ou abdutivo.
Na lição de Thomas da Rosa Bustamante:
Precedentes judiciais são, como enunciados legislativos, textos dotados de autoridade que
carecem de interpretação. É trabalho do aplicador do Direito extrair a ratio decidendi – o
elemento vinculante – do caso a ser utilizado como paradigma.484
Encontrar a ratio decidendi do precedente pressupõe sua interpretação, assim
como se interpreta a lei. O sistema de precedentes vinculantes do CPC/2015 foi fruto de uma
superação de paradigma: a lei não contempla apenas uma interpretação correta, logo o juiz
não é a boca da lei. Esse mesmo erro não pode se repetir em relação aos precedentes, que
482 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. cit., p. 151. 483 “O Supremo Tribunal Federal deve acatar a interpretação dada à legislação infraconstitucional federal pelo
Superior Tribunal de Justiça, ressalvadas as hipóteses em que a legislação infraconstitucional federal se
encontre sob controle de constitucionalidade” (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. Do
controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. cit., p. 92). 484 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial. A justificação e aplicação de regras
jurisprudenciais. cit., p. 259.
172
também aceitam mais de uma interpretação, logo não se deve buscar um juiz boca dos
precedentes.485 Um juiz não deve ser mero reprodutor de ementas dos julgados. Deve, ao
aplicar o precedente, interpretá-lo utilizando as técnicas adequadas, cujos dois conceitos
básicos, dentre outros, são a distinção e a superação (distinguishing e overruling).
Isso tudo para dizer que, ao aplicar um precedente, o juiz pode cometer
equívocos interpretativos, de modo a afrontá-lo. O equívoco também pode ser fruto da
ausência de esforço interpretativo ou de inércia argumentativa.486 E, quando realizados esses
erros, restando na violação do precedente, será cabível reclamação para “garantir sua
observância”.
Portanto, “garantir observância” significa assegurar que a ratio decidendi dum
precedente será aplicada nos casos análogos e afastadas nos casos distintos, mediante correta
intepretação do seu acórdão ou enunciado, no caso das súmulas. É que prescreve o §4º, do art.
988: “As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e
sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.”
Num esquema pragmático, três são as situações básicas de inobservância dum
precedente obrigatório, que descerram o caminho para a propositura de reclamação
(i) reclamações por pura negativa de aplicação do precedente, sem alegação de
qualquer distinção no caso concreto. O órgão julgador tão-somente se nega a aplicar o
precedente, sem qualquer justificativa. Não há um motivo para não aplicar o precedente,
como uma distinção no caso concreto. É uma negativa pura e simples, pois não reconhece a
autoridade do precedente. É uma recusa na aplicação do precedente;
(ii) reclamações por puro erro na aplicação do precedente, decorrente de equívoco
interpretativo ou má compreensão da tese jurídica. O julgador observa o precedente, mas ao
aplicá-lo comete um equívoco. Não interpreta corretamente qual a tese jurídica que foi fixada
na decisão paradigma. Há dúvida de qual o conteúdo da ratio decidendi do precedente; e,
(iii) reclamação por realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing
equivocadamente. O julgador erra ao proceder a distinção ou deixa de realizá-la. Cuida-se de
um caso concreto que por alguma peculiaridade não se sujeitaria ao precedente, porém ainda
485 A expressão é de Lenio Luiz Streck, que utiliza “juiz boca dos provimentos vinculantes” (STRECK, Lenio
Luiz. Comentários ao art. 988. Comentários ao Código de Processo Civil. Lenio Luiz Streck; Dierle Nunes;
Leonardo Carneiro da Cunha (coord.). Alexandre Freire (org.). São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1300). 486 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. O princípio da inércia argumentativa diante de um sistema de precedentes
em formação no direito brasileiro. Revista de Processo. Revista dos Tribunais: São Paulo, vol. 229, mar.-2014.
173
assim o julgador o aplica, sem realizar a distinção. Ou, por outro lado, o julgador afasta o
precedente, por identificar alguma distinção, de forma equivocada. Em suma, é realizar, ou
deixar de realizar, o distinguishing indevidamente.487
Cumpre registrar que omissão não permite o ajuizamento de reclamação. Se o
julgador apenas de omite, é caso de embargos de declaração. Deixar de analisar a incidência
um precedente invocado consiste numa presunção legal de omissão, cabendo os embargos de
declaração para sanar a omissão.488 Se tal omissão é configurada em acórdão de tribunal,
caberá o recurso especial por afronta aos arts. 1.012, par. úni., I, 489, §1, VI, 927, do
CPC/2015, que preceituam a omissão do juiz, ao deixar de analisar um precedente
obrigatório, e impõem-lhe o descer de proceder com a análise.
O precedente obrigatório, portanto, contribui para eliminar dúvidas pretéritas;
contudo, cria dúvidas futuras em relação à sua própria aplicação. A reclamação destina-se a
garantir a observância do precedente, mas acaba indo além, pois também concorre para
reconstruir a ratio decidendi do precedente.
Na reclamação, veiculam-se os erros na interpretação e aplicação do precedente.
Ao apreciar tais reclamações, o tribunal irá dirimir se a interpretação dada ao precedente está
correta, bem como se o distinguishing realizado foi acertado. O tribunal vai delimitando e
podando o próprio precedente. Vai alargando ou encurtando seu significado, dando maior ou
menor alcance, certificando quais fatos e situações estão, ou não, sujeitos ao seu alcance.
Verificar se houve inobservância do precedente implica, necessariamente, identificar qual a
ratio decidendi e quais fatos ela alcança. Tudo isso porque o precedente não contém um
significado unívoco, que pode ser interpretado de forma variada.
487 Essas duas últimas hipóteses por vezes se confundem. Um erro interpretativo da tese jurídica pode implicar
um distinguishing equivocado. O julgador, ao compreender mal a ratio decidendi, pode acabar excluindo um
caso concreto da incidência do precedente, que lhe deveria sujeitar-se; ou, doutra banda, aplicando-o a casos
concretos, que não deveriam a eles sujeitar-se. Com efeito, todo precedente é um dado textual normativo. E todo
dado textual é ambíguo e vago, pressupondo interpretação para extrair o seu significado. Ao interpretar o texto
normativo, há duas etapas para superar a ambiguidade e a vagueza. É um ato intelectivo complexo. Primeiro,
para superar a ambiguidade, interpreta-se o texto para compreender qual a norma que dispõe; nessa etapa, extrai-
se a ratio decidendi do precedente, já se sabe qual sua norma. Na segunda etapa, para superar a vagueza textual,
descobrem-se quais os fatos são atingidos pela norma extraída. Apontam-se quais são os fatos relevantes que se
deverão submeter à norma, isto é, quais são os casos concretos sujeito à incidência normativa do precedente. É
nessa segunda etapa que ocorre o distinguishing. Havendo equívoco na primeira etapa, contamina-se a segunda.
Em suma, interpretar um precedente significa descobrir qual sua norma (ratio decidendi) e quais os casos
concretos em que essa norma incide. 488 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 694.
174
Na reclamação, portanto, é possível a realização de distinguishing489 e
reinterpretação do precedente – claro que com atenção à confiança legítima – inclusive
servindo para deixar seu significado mais atual, atendendo as mutações sociais, políticas e
econômicas do entorno.490
Pode, ainda, ser procedido com o overruling na reclamação. É que a diferença
entre o overruling e o distinguishing é apenas de grau. Se, durante o julgamento da
reclamação, forem constatadas razões – históricas, políticas, sociais, jurídicas ou legislativas –
suficiente para quebrar a continuidade do precedente, deve ser realizada a sua superação.
Contudo, a superação – ou revogação do precedente – deve obedecer aos critérios
legais de cada um deles. Caso se cuide de uma súmula vinculantes, deve atender ao disposto
na Lei nº 11.417/2006. Já no caso de IRDR e recursos excepcionais repetitivos, deve atender
ao art. 986 do CPC/2015. Em todos os casos, deve ser atendido o contraditório dando às
partes a oportunidade de manifestaram-se sobre os argumentos em torno de uma superação.
Em suma, o tribunal, de ofício, ao julgar a reclamação pode proceder com a
revisão ou superação do precedente. (CPC/2016, art. 986; Lei nº 11.417/2006, art. 3º), sob
variados argumentos, inclusive a alteração do contexto fático, no qual o precedente foi
formado, a exemplo de modificações econômicas, políticas, sociais, que tornem o precedente,
total ou parcialmente, obsoleto ou ultrapassado para reger os novos fatos e situações jurídicas.
Por fim, ressalva-se uma curiosa questão, suscitada por Carlos Eduardo Rangel
Xavier, acerca da possibilidade de, num julgamento de reclamação para assegurar aplicação
489 “Caso o contexto fático do caso sob julgamento abra oportunidade para outra solução ou interpretação, em
vista das suas peculiaridades, não haverá violação da autoridade da decisão da Suprema Corte. Porém, o
simples distinguishing não é suficiente para afastar o cabimento da reclamação. A adequação do distinguishing
inviabiliza a procedência da reclamação, mas a sua realização – exatamente por poder ser inadequada – não
inibe a sua propositura. Se o tribunal inferior distinguir o caso sob julgamento e, por conta disso, não aplicar o
precedente, a reclamação deverá trazer a argumentação de que a distinção realizada é improcedente.”
(MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. cit., p 243). 490 Pode vir a ocorrer um overriding, que é a revogação parcial do precedente. A corte restringe o âmbito de
aplicação do precedente, em virtude de uma nova norma jurídica surgida após a instalação do precedente
paradigma. O overriding é superação parcial do precedente. “O overriding se baseia na necessidade de
compatibilização do precedente com um entendimento posteriormente firmado. A distinção que se faz, para se
deixar de aplicar o precedente em virtude do novo entendimento, é consistente com as razões que estiveram à
base da decisão que deu origem ao precedente.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit.,
p. 348) A corte, ao realizar o overriding, lida com determinada situação que não estava envolvida no precedente
que originou a ratio decidendi e toma por conclusão que, dados os fatos e circunstâncias sociais que levaram ao
entendimento anterior, a nova situação, sob julgamento, deve ser desvinculada da ratio anterior e ser decidida
com base em entendimento ou regra jurídica mais recente.
175
de precedente, restar apurado que o precedente invocado não contém ratio decidendi
delimitada e definida.491
É que um acórdão pode não conter razões suficientes e necessárias, em sua
fundamentação, que bem expliquem a solução dada à questão posta à julgamento. O acórdão
tem um dispositivo claro, mas a motivação dos votos do órgão colegiado não demonstra
argumentos suficientes e necessários para solucionar a questão. Não se consegue identificar
uma norma geral e abstrata para orientar os juízes em casos futuros. Cuida-se de um acórdão
sem ratio decidendi.492 Isso é mais difícil de acontecer no julgamento de casos repetitivos,
pois – ao final – o tribunal deve fixar a tese jurídica, ou seja, expõe especificamente o
fundamento da decisão (CPC/2015, arts. 978, par. úni., 984, §2º, 986).
Isso pode ocorrer com mais facilidade no caso das súmulas vinculantes e dos
acórdãos em controle concentrado de constitucionalidade. É que as súmulas são meros
enunciados, que trazem o extrato de entendimento reiterado do tribunal, porém dissociados
dos fatos materiais que levaram a tal entendimento. Doutro lado, os acórdãos em controle
concentrado de constitucionalidade têm o dispositivo claro e conclusivo, porém não tem
obrigação de fixar tese jurídica; por vezes os variados argumentos, em sentidos opostos,
contidos nos votos, ou até mesmo a falta de fundamentação dos votos, impede que se encontre
uma ratio decidendi. Trata-se de um acórdão com dispositivo, norma jurídica concreta; porém
sem norma geral e abstrata apta a regular casos futuros, isto é, sem ratio decidendi.
O que pode ocorrer é que a ausência de ratio decidendi apenas é identificada no
julgamento da reclamação. E precedente sem ratio decidendi não é precedente por definição,
sendo apenas decisão judicial com norma concreta. Não possui força vinculante, porque essa
emana da ratio decidendi. A reclamação, nesses casos, terá o seguinte resultado: (i) a
improcedência, caso a reclamação tenha sido ajuizada por erro na aplicação do precedente, já
que inexistente qualquer ratio decidendi que vincule o julgador; (ii) a procedência, caso
proposta por inaplicação do precedente ao caso concreto, pois se não há ratio decidendi não
havia nada a ser aplicado ao caso concreto.
491 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 154. 492 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 104-109; MARINONI, Luiz Guilherme.
Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. cit., p. 59-60.
176
3.8. O caso da Rcl 4374/PE: reclamação que realizou overruling e revogou de decisão em
controle concentrado de constitucionalidade
Um julgamento marcante, durante a fase histórica constitucional da reclamação
constitucional, foi o da Rcl 4374/PE, no STF493. Do acórdão é possível extrair duas rationes
decidendi. A primeira que na reclamação pode ocorrer a reinterpretação, distinguishing e
overruling da ratio decidendi de decisão proferida em controle concentrado de
constitucionalidade; a segunda que a reclamação pode implicar revogação de decisão em
controle concentrado de constitucionalidade.
Para entender o julgamento da Rcl 4374/PE, é preciso compreender rapidamente,
os fundamentos do acórdão. A ementa é sucinta e bastante esclarecedora494:
3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de
constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos
recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da
reclamação.
O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material
de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado
na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o
denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.
A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de
normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das
reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre
objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para
evolução interpretativa no controle de constitucionalidade.
Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá
reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir
além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que,
em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação
atual da Constituição.
No caso concreto, a reclamação foi ajuizada sob alegação de desrespeito ao
acórdão da ADI 1.232, que julgou constitucional o artigo 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 (Lei
de Organização da Assistência Social). O juízo reclamado, no processo principal, deixou de
493 Rcl 4374/PE, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 4/9/2013. 494 Sobre o tema: DIDIER JR., Fredie; MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de constitucionalidade e
revisão de coisa julgada: análise da reclamação nº 4.374/PE. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 16, n.
110, out. 2014/jan. 2015, p. 567-590.
177
aplicar o dispositivo já declarado constitucional pelo STF em sede de controle concreto de
constitucionalidade.
O voto condutor proferido pelo Ministro Gilmar Mendes fundamentou que, apesar
da declaração de constitucionalidade do dispositivo, os juízes deixavam de aplicar o conteúdo
do artigo, ou realmente por tê-lo como inconstitucional (violando frontalmente a ADI 1.232)
ou encontrando uma forma transversa de não aplicar (afrontando obliquamente a ADI 1.232).
Em certo momento, até mesmo os membros do STF, ao apreciar reclamações por afronta à
ADI 1.232, encontravam um argumento para manter a decisão reclamada. As centenas de
reclamações ajuizadas não foram suficientes para coibir as decisões das instâncias inferiores,
na solução dos cacos concretos, violadoras do acórdão da ADI 1.232.
Para o Ministro Gilmar Mendes, o caso era típico de mutação constitucional e, por
consequência, inconstitucionalização de norma. Determinado texto legal que fora declarado
constitucional em controle concentrado – artigo 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 – passou a ser
inconstitucional, em virtude de mudanças no ambiente social, político e ideológico.
O fundamento importante foi ser possível, em sede de reclamação, revisar
entendimento anterior do STF e até mesmo revogar decisão proferida em controle
concentrado de constitucionalidade. Nas palavras do relator: “A primeira questão a ser
enfrentada diz respeito à possibilidade de se revisar, no julgamento da reclamação, a decisão
que figura como parâmetro da própria reclamação”. E o parâmetro da Rcl 4374/PE foi o
acórdão da ADI 1.232, que julgou constitucional o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993. Assim,
a Rcl. 4374/PE revogou expressamente o acórdão da ADI 1.232 para decretar inconstitucional
o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 e julgou improcedente a demanda reclamatória.
De acordo com a ratio decidendi da Rcl 4374/PE, na reclamação é possível o STF
delimitar o alcance e o conteúdo da decisão parâmetro, ou seja, de reinterpretar a norma
constitucional já interpretada pelo próprio STF. Com efeito, na reclamação o STF pode
reinterpretar e realizar superação e distinções dos próprios precedentes firmados em controle
concentrado de constitucionalidade.
É natural que o Tribunal, ao realizar o exercício – típico do julgamento de qualquer
reclamação – de confronto e comparação entre o ato impugnado (o objeto da reclamação) e
a decisão ou súmula tida por violada (o parâmetro da reclamação), sinta a necessidade de
reavaliar o próprio parâmetro e redefinir seus contornos fundamentais.
178
Continua o voto condutor para afirmar que a oportunidade de reapreciar as
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no momento de
confronto entre o objeto da reclamação (ato impugnado) e a decisão violada (parâmetro da
reclamação) que aparece a oportunidade de evolução interpretativa no controle abstrato de
constitucionalidade. Daí, para justificar a possibilidade de revogar um acórdão de ADI,
fundamenta que “parece óbvio que a diferença entre a redefinição do conteúdo e a completa
superação de uma decisão resume-se a uma simples questão de grau”.
A possibilidade de reinterpretar ou revogar um entendimento anterior na
reclamação seria decorrência da própria estruturação da demanda, cujo juízo hermenêutico se
funda na comparação entre uma decisão anterior (parâmetro da reclamação) e um ato
impugnado (objeto da reclamação).
Num primeiro momento, o STF realizou um overruling. O STF, especificamente,
superou a ratio decidendi da ADI 1.232. Os motivos determinantes da ADI 1.232 foram
superados. A norma jurídica – geral e abstrata – foi suplantada. Os fundamentos adotados na
ADI 1.232, que levavam à constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, foram
sobrepujados por outros fundamentos. Houve, portanto, um overruling, inicialmente. A ratio
decidendi foi superada.
Ao comparar a demanda reclamatória (Rcl 4374/PE) com o acórdão paradigma
(ADI 1.232), o STF percebeu que a ratio decidendi do acórdão paradigma estava
ultrapassada. O que antes era constitucional, atualmente já não era. Ocorreu uma mutação
constitucional. Os motivos que implicavam a constitucionalidade não mais existiam; os
fundamentos do acórdão paradigma não mais se sustentavam, merecendo a superação. Então,
num primeiro momento, o STF superou a ratio decidendi, norma jurídica geral e abstrata da
ADI 1.232, e realizou um overruling, fruto do “balançar de olhos” entre a demanda
reclamatória e o acórdão paradigma.
Já num segundo momento, o STF realizou a revogação da ADI 1.232. O STF –
após superar a ratio decidendi – percebeu que deveria declarar inconstitucional o texto legal,
que antes era integralmente constitucional. O acórdão da ADI 1.232 deveria ser desfeito.
Nesse momento, o STF, ao decidir pela revogação da ADI 1.232, não tratou de
técnica de aplicação ou superação de um precedente, própria de uma teoria dos precedentes.
Não foi distinguishing ou overruling, exatamente porque já não era mais exercício cognitivo-
hermenêutico sobre a ratio decidendi da ADI 1232. Nessa segunda etapa da Rcl 4374/PE,
179
utilizou-se como parâmetro a parte dispositiva do acórdão da ADI 1232, no caso, apenas a
declaração da constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, que se trata de norma
jurídica concreta de decisão do caso.
Após realizar o overruling e fundamentar a mutação constitucional, percebeu-se a
inconstitucionalidade superveniente do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/1993. Assim, na segunda
etapa, o STF revogou a ADI 1.232; retirou do ordenamento a norma jurídica concreta contida
no dispositivo (a declaração da constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993) e a
substitui por outra norma jurídica também concreta (a decretação de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993).
Nessa segunda etapa do julgamento, não houve retirada do ordenamento de ratio
decidendi, norma jurídica genérica e abstrata extraída da fundamentação de um precedente,
mas sim da norma in concretum do dispositivo de uma decisão, cujo efeito é vinculante.
A Rcl 4374/PE possuía como causa de pedir a afronta a uma decisão em controle
concentrado de constitucionalidade do STF, a ADI 1.232, cujo efeito vinculante é erga omnes,
atingindo todos os jurisdicionados e órgãos julgadores. O processo reclamado deixou de
aplicar o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, daí a parte prejudicada ajuizou a Rcl 4374/PE por
ofensa ao dispositivo da ADI 1232, de efeito vinculante, e expondo o seu direito de ser
cassada a decisão atacada.
Após inicialmente realizar um overruling, a reclamação, ao cabo, rescindiu um
acórdão anterior. Em clara eficácia constitutiva negativa, retirou do mundo jurídico a decisão
proferida na ADI 1.232. O acórdão de ação direta de inconstitucionalidade foi desfeito
(desconstituído) pela reclamação constitucional.495
O STF entender ter ocorrido mutação constitucional no ambiente externo ou
inconstitucionalidade superveniente. Dito de outra forma, a reclamação possui o condão de
desconstituir acórdão da ação de controle concentrado, retirando-o do ordenamento jurídico, e
substituindo-o por outra decisão.
Uma norma ordinária pode nascer válida e eficaz, conforme os valores da
Constituição, entretanto a mesma norma, em virtude de modificações supervenientes do
entorno fático, pode se tornar incompatível com o texto constitucional. Implica afirmar que a
relação harmoniosa entre normas ordinárias e normas constitucionais pode ser quebrada em
495 “A reclamação é, realmente, meio adequado para elucidar uma modificação constitucional relevante mas,
pelas características do nosso sistema de controle concentrado, essa modificação só pode ser reconhecida no
sentido da constitucionalidade para a inconstitucionalidade e nunca em reverso” (DIDIER JR., Fredie;
MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de constitucionalidade e revisão de coisa julgada: análise da
reclamação nº 4.374/PE, cit., p. 584).
180
virtude de fato sobrevindos alteradores do contexto social. A norma, antes válida e
constitucional, passa por um processo de inconstitucionalização por fatos supervenientes.496
Nesse sentido, a sentença que reconhece a constitucionalidade de uma norma à luz
de determinado contexto histórico-social perderá a eficácia vinculante, caso sobrevenha fato
superveniente alterador do ambiente externo, que torne a norma incompatível com a
Constituição. Cuida de inconstitucionalidade superveniente por mudança do estado de fato.
Nas lições doutrinárias do Ministro Teori Zavascki, as sentenças proferidas no âmbito do
controle concentrado de constitucionalidade estão condicionadas à cláusula rebus sic
stantibus, “pode-se afirmar que a sua força vinculativa (“força de lei”) deixará de existir a
partir do momento em que, por mudança do estado de direito ou de fato, a norma declarada
compatível com a Constituição passa a ser com ela incompatível”497.
Assim, o que significam as razões de decidir contidas no acórdão da Rcl 4374/PE?
Com efeito, pode haver, sistemicamente, o desdobramento em duas razões de decidir: 1) é
possível na reclamação, na condição de ação protetiva da ordem constitucional, a
reinterpretação, distinção e superação de razões de decidir de acórdão proferido em ação de
controle concentrado de constitucionalidade; e, 2) a reclamação pode implicar revogação do
acórdão de ação de controle concentrado de constitucionalidade, nos casos de mutação
constitucional e processo de inconstitucionalização de norma, nesse caso, a reclamação possui
eficácia constitutiva negativa, pois elimina do mundo jurídico (desfaz, desconstitui, quebra)
norma jurídica concreta contida no acórdão parâmetro da demanda reclamatória.
A crítica que se formula ao julgamento do STF relaciona-se ao modo que se
processualizou o overruling e a revogação da decisão; concorda-se com a possibilidade de
fazê-los, contudo se discorda do modo que foram realizados.498
Primeiramente, não houve respeito ao contraditório substancial. Foram
reconhecidas questões desfavoráveis ao auto, sem ao menos conceder-lhe a oportunidade de
496 Isso pode ocorrer até mesmo porque a intepretação dada ao texto constitucional alterou-se com o tempo,
como bem observa Marcelo Neves: “No caso da inconstitucionalidade das leis, o significado contextual desem-
penha um papel importantíssimo, tendo em vista a vagueza, a ambiguidade e o caráter fortemente ideológico
dos termos constitucionais. Num determinado espaço-tempo social, os elementos contextuais podem conduzir a
interpretações no sentido da inconstitucionalidade de uma lei, enquanto em outro espaço-tempo social, eles
podem implicar-lhe a constitucionalidade. (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São
Paulo: Saraiva, 1988. p. 139) 497 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 137. 498 No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de
constitucionalidade e revisão de coisa julgada, cit., p. 584-585.
181
manifestar-se sobre elas. Houve uma decisão-surpresa, que é vedada em virtude do princípio
do contraditórios.
Igualmente, foi exercido overruling sem cogitar-se ou discutir a necessidade de
modulação de efeitos. Não foi sequer debatido, no julgamento, o impacto da mudança de
entendimento do STF nos casos concretos. É que a modulação de efeitos – como
consequência da segurança jurídica e confiança legítima – é um dever inerente à atividade
jurisdicional, que deve ser exercido no momento do julgamento.499
Por fim, também se critica a revogação da coisa julgada erga omnes em processo
sem as prerrogativas de ADIn ou ADC. Não houve participação do Advogado-Geral da União
tampouco do Procurador-Geral da República, não se abriu espaço para intervenção de amicus
curiae ou realização de audiências púbicas. Enfim, não se respeitaram as prerrogativas de um
processo cujo objetivo é apreciar a constitucionalidade de uma norma, em concentrado.
3.9. O caso da súmula vinculante 10 do STF
Como dito no item 3.7.2., as súmulas constituem enunciados sintéticos, em
estrutura de regra, que resumem o entendimento do tribunal e orientam os juízes. Contudo,
seu afastamento dos fatos materiais que levaram ao entendimento do tribunal cria entraves a
sua eficácia vinculante. Na verdade, dificulta a aplicação, é difícil identificar a ratio decidendi
de uma súmula. Seu conteúdo e seu alcance são mais difíceis de conceber. Assim, a
reclamação contribui bastante para delimitar o significado da súmula, mediante distinções no
caso concreto.
Um bom exemplo é a súmula vinculante 10 do STF:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de
tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
A súmula foi editada, em virtude de reiterados recursos extraordinários alegando
afronta ao art. 97 da CF/1988, que institui a cláusula de reserva de plenário. Apenas um órgão
especial de tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma, por maioria absoluta
de seus membros; contudo, o que acontecia, na prática, eram os órgãos ordinários dos
tribunais afastarem a incidência da norma, sem declarar expressamente sua
inconstitucionalidade, burlando, portanto, a cláusula de reserva de plenário.
499 PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica, cit., p. 329-330.
182
Daí, foi editada a súmula vinculante 10, com o intuito de coibir essa situação.
Contudo, o enunciado da súmula não é suficiente para esclarecer todos os fatos que alcança,
ou não. As reclamações serviram para delimitar o significado da súmula.
Na Rcl 15786, o STF decidiu que não se aplica a súmula vinculante 10, caso a
norma afastada pelo órgão fracionário seja anterior à Constituição Federal de 1988. Assim,
uma norma prévia à Constituição pode ser declarada inconstitucional, independente da
cláusula de reserva de plenário, sendo inaplicável a súmula 10.500
Por outro lado, na Rcl 15287, o STF afirmou que a súmula vinculante 10 não se
aplica em julgamentos administrativos de Tribunais. Na verdade, a cláusula de reserva de
plenário pressupõe atividade jurisdicional, logo, se o Conselho da Magistratura de corte local
afasta a aplicação de uma norma, não há ofensa à sumula vinculante 10.501
Igualmente, o STF – na Rcl 14889 – afirmou que não se aplica a súmula
vinculante 10 aos julgamentos proferidos na primeira instância. Cuida-se de uma
inaplicabilidade lógica, pois há primeira instância é tendente a decidir singularmente,
impossível aplicar a cláusula de reserva de plenário.502
Também não incide a súmula vinculante 10, caso a decisão que afastar a norma
seja monocrática em sede de tutela provisória. É que, nesses casos, o desembargador atua com
500 “Agravo Regimental. Reclamação. Alegado desrespeito à cláusula de reserva de plenário. Violação
da Súmula Vinculante 10. Não ocorrência. Norma pré-constitucional. Agravo regimental a que se nega
provimento. I - A norma cuja incidência teria sido afastada possui natureza préconstitucional, a exigir, como se
sabe, um eventual juízo negativo de recepção (por incompatibilidade com as normas constitucionais
supervenientes), e não um juízo declaratório de inconstitucionalidade, para o qual se imporia, certamente, a
observância da cláusula de reserva de plenário.” (Rcl 15786 Agr, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal
Pleno, j. 18/12/2013, DJe 19/2/2014). 501 “Sendo esse o contexto, passo a analisar a pretensão deduzida nesta sede reclamatória. E, ao fazê-lo, assinalo
que o exame do contexto delineado nos presentes autos leva-me a reconhecer a inexistência, na espécie, de
situação caracterizadora de transgressão ao enunciado constante da Súmula Vinculante nº 10/STF. É que a
alegação de desrespeito à exigência constitucional da reserva de plenário (CF, art. 97) supõe, para restar
configurada, a existência de decisão emanada de autoridades ou órgãos judiciários proferida em sede
jurisdicional. Assinalo, no entanto, que o Conselho da Magistratura do E. Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, no âmbito de suas atribuições, exerce atividade de caráter eminentemente administrativo, circunstância
essa que descaracteriza, por completo, a alegação de desrespeito ao enunciado constante da Súmula Vinculante
nº 10/STF.” (Rcl 15287 MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 30/9/2013, DJe 3/10/2013) No
mesmo sentido: Rcl 9360, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 30/9/2014, DJe 14/11/2014. 502 “O art. 97 da Constituição e a SV 10 são aplicáveis ao controle de constitucionalidade difuso realizado por
órgãos colegiados. Por óbvio, o requisito é inaplicável aos juízos singulares, que não dispõem de 'órgãos
especiais'. Ademais, o controle de constitucionalidade incidental, realizado pelos juízes singulares, independe de
prévia declaração de inconstitucionalidade por tribunal. A tese exposta na inicial equivaleria à extinção do
controle de constitucionalidade difuso e incidental, pois caberia aos juízes singulares tão somente aplicar
decisões previamente tomadas por tribunais no controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.” (Rcl
14889 MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, j. 13/11/2012, DJe 19/11/2012)
183
base no poder geral de cautela, para tutelar situações de urgência, não sendo justificável
submeter ao plenário, em virtude do tempo. É o que foi decidido na Rcl 17288.503
A simples ausência de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não
caracteriza, apenas por isso, violação da orientação contida na sumula vinculante 10. É
necessário que a decisão fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal tomada
como base dos argumentos expostos na ação e a Constituição. A inaplicabilidade porque os
fatos do caso não atraem a incidência da norma, não implica afronta à súmula vinculante 10,
conforme decidido na Rcl 12122.504
Também não há afronta à súmula vinculante 10, se o órgão fracionário do tribunal
local, ao afastar a norma por inconstitucionalidade, seguiu algum precedente do STF sobre a
matéria, conforme decidido na Rcl 11055.505
Em suma, o que se quer demonstrar é que a reclamação, ao cabo, serviu para
redefinir e reinterpretar o conteúdo da súmula vinculante 10. A medidas que as reclamações
foram julgadas, realizaram-se as devidas distinções, clareando o significado do enunciado
sumular. Isso demonstra que a reclamação proporciona um ambiente útil ao debate e
argumentação em torno da formação e amadurecimento de precedentes obrigatórios, como
vem sendo afirmado na presente pesquisa.
503 “Ementa: Agravo regimental em reclamação. Súmula vinculante nº 10. Decisão liminar monocrática. Não
configurada violação da cláusula de reserva de plenário. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1.
Decisão proferida em sede de liminar prescinde da aplicação da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da
CF/88) e, portanto, não viola a Súmula Vinculante nº 10. Precedentes. 2. A atuação monocrática do magistrado,
em sede cautelar, é medida que se justifica pelo caráter de urgência da medida, havendo meios processuais para
submeter a decisão liminar ao crivo do órgão colegiado em que se insere a atuação do relator original do
processo. 3. Agravo regimental não provido.” (Rcl 17288 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j.
25/6/2014, DJe 26/8/2014) 504 “Registro, ainda, que é permitido aos magistrados, no exercício de atividade hermenêutica, revelar o sentido
das normas legais, limitando a sua aplicação a determinadas hipóteses, sem que estejam declarando a sua
inconstitucionalidade. Se o Juízo reclamado não declarou a inconstitucionalidade de norma nem afastou sua
aplicabilidade com apoio em fundamentos extraídos da Constituição, não é pertinente a alegação de violação à
Súmula Vinculante 10 e ao art. 97 da Constituição.” (Rcl 12122 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,
julgamento em 19/6/2013, DJe de 24/10/2013). 505 “A jurisprudência desta Corte admite exceção à cláusula de reserva de plenário, quando o órgão fracionário
declara a inconstitucionalidade de uma norma, com base na própria jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal.” (Rcl 11055 ED, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 4/11/2014, DJe de 19/11/2014)
184
4. Reclamação e as demandas repetitivas
O CPC/2015 aprimora e alarga os mecanismos processuais de gestão e julgamento
de casos repetitivos. Forma-se um microssistema de julgamento de casos repetitivos, com a
dupla função de (i) geri-los e decidi-los e (ii) formar precedentes obrigatórios sobre as
questões decididas, vinculando o próprio tribunal e os demais órgãos hierarquicamente
inferiores. Basicamente, esse microssistema consiste no conjunto das normas que regulam o
incidente de resolução de demandas repetitivas (CPC/2015, art. 976 a 987) e os recursos
especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015, arts. 1.036 a 1.041).
Os mecanismos de solução de casos repetitivos não são nenhuma novidade do
CPC/2015. Houve, com efeito, uma significativa ampliação e aprimoramento. No CPC/1973,
já havia previsão e regulação dos recursos especiais extraordinário repetitivos (CPC/1973,
arts. 543-B a 543-C), de forma mais simples e restrita. O CPC/2015 ampliou. Trouxe
regramento mais especifico, permitindo a aplicação do regime de julgamento das causas
repetitivas a qualquer processo originário de tribunal, recurso e remessa necessária. Cuida-se
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR. Preenchidos os requisitos
legais, qualquer tribunal, portanto, pode instaurar IRDR para gerir os casos repetitivos e
formar precedentes obrigatórios.
Até mesmo no STJ e STF pode ser instaurado o IRDR.506 Não sendo recurso
especial ou extraordinário, cujo julgamento no mecanismo repetitivo possui regime próprio
(CPC/2015, arts. 1.036 a 1.041), qualquer outro processo de competência originária ou outra
espécie de recurso poderá ensejar a instauração do IRDR (CPC/2015, art. 978, par. úni.).
Muito embora a previsão do CPC/1973, menos sofisticada, se limitasse a recursos
excepcionais com questões repetitivas, o STJ aplicou o regime processual do recurso especial
repetitivo – por analogia – a uma ação de reclamação constitucional. Tratou-se do julgamento
da Rcl 12.062/GO.507 Ainda na vigência do CPC/1973, o STJ entendeu que o regime
506 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 257-258; CUNHA, Leonardo
Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. cit. p. 630-631. 507 RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS.
RESOLUÇÃO STJ N. 12/2009. QUALIDADE DE REPRESENTATIVA DE CONTROVÉRSIA, POR
ANALOGIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO INDIVIDUAL DE INDENIZAÇÃO. DANOS
SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO. CONDENAÇÃO EX OFFICIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA.
CONDENAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO ALHEIO À LIDE. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA
DEMANDA (CPC ARTS. 128 E 460). PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. NULIDADE. PROCEDÊNCIA DA
RECLAMAÇÃO. 1. Na presente reclamação a decisão impugnada condena, de ofício, em ação individual, a
parte reclamante ao pagamento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide e, nesse aspecto, extrapola
os limites objetivos e subjetivos da demanda, na medida em que confere provimento jurisdicional diverso
daqueles delineados pela autora da ação na exordial, bem como atinge e beneficia terceiro alheio à relação
185
processual do recurso especial repetitivo poderia ser aplicado, por analogia, à reclamação. O
principal motivo, levantado pelo Ministro Sidnei Beneti, era que se tratava de uma reclamação
ajuizada contra decisão de juizado especial cível, cuja questão controvertida se proliferava em
vários outros processos de juizados. Igualmente, sustentou o caráter uniformizador de
jurisprudência das reclamações propostas nos termos da antiga Resolução nº 12/2009, do STJ.
Contudo, na atual vigência do CPC/2015, o IRDR pode gerir o julgamento de
causas repetitivas em qualquer recurso, remessa necessária e processo de competência
originária de tribunal, dentre eles a reclamação. É possível instaurar o IRDR na reclamação
constitucional, o que ora se denomina – em metonímia – de reclamação repetitiva.508 Não se
trata mais de uma aplicação analógica, como fez o STJ, mas sim da incidência de regras
diretas que já regulam a hipótese de uma reclamação versar sobre questões repetitivas.509
O objetivo do presente capítulo é investigar a possibilidade e os aspectos
processuais da reclamação repetitiva.
4.1. O fenômeno da litigiosidade em massa
A sociedade moderna é hipercomplexa.510 Significa dizer que a sociedade
apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências, ações e informações; mais
inclusive do que o homem pode realizar e assimilar. Porém, a sociedade moderna também é
contingente, isto é, as experiências, ações e informações à disposição do homem podem não
corresponder às expectativas, porque são enganosas, inexistentes ou intangíveis.511 Essa
complexidade tende a reiterar-se, em idênticas experiências e eventos que se repetem todos os
jurídica processual levada a juízo, configurando hipótese de julgamento extra petita, com violação aos arts. 128 e
460 do CPC. 2. A eg. Segunda Seção, em questão de ordem, deliberou por atribuir à presente reclamação a
qualidade de representativa de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, por analogia. 3. Para fins de
aplicação do art. 543-C do CPC, adota-se a seguinte tese: "É nula, por configurar julgamento extra petita, a
decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos
sociais em favor de terceiro estranho à lide". 4. No caso concreto, reclamação julgada procedente. (Rcl
12.062/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 20/11/2014). 508 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 710. 509 Discorda-se, portanto do enunciado 363 do FPPC. A reclamação repetitiva segue o rito do IRDR, e não dos
recursos excepcionais repetitivos. Não é necessário recorrer à analogia. Existem regras que incidem diretamente,
independentemente de hermenêutica integrativa, no caso, as regras do IRDR. Enunciado 363 do FPPC: “O
procedimento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos aplica-se por analogia às causas repetitivas
de competência originária dos tribunais superiores, como a reclamação e o conflito de competência.” 510 Sobre a sociedade moderna e seu caráter complexo, consultar: NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma
relação difícil. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 1-58; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.
Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001; LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad:
racionalidad y contingencia en la sociedad moderna. Barcelona: Paidós, 1997. 511 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p.
45-46.
186
dias para diversas pessoas. É uma massificação das experiências e eventos, de forma reiterada
e idêntica. Há, também, na sociedade moderna, a massificação do consumo, fruto do modo de
produção capitalista e da atividade econômica contemporânea.512 A revolução industrial
desenvolveu a tendência de padronizar bens, serviços e tecnologias, produzidos e oferecidos
em larga escala, de forma idêntica e repetida, ou seja, massificada.
Tais fatores, em conjunto, levam à reiteração de eventos, experiências e ações na
vida dos homens. São as mais variadas delas que se repetem todos os dias. Diariamente, são
adquiridos produtos e serviços, em larga escala. Há padronização das relações jurídicas frutos
dessas experiências. Até mesmo as relações jurídicas junto ao Poder Público são semelhantes,
principalmente as tributárias e previdenciárias. As pessoas titularizam exatamente os mesmos
direitos. Há uma proliferação de situações jurídicas idênticas.
Dessas experiências sociais massificadas, tendem a surgir litígios também
massificados. É uma padronização dos conflitos na sociedade moderna. Os litígios são
semelhantes e tendem a se repetir. As ações, propostas no Poder Judiciário, possuem pedidos
e causa de pedir assemelhadas. Os juízes são levados a decidir a mesma questão em
incontáveis ações. São questões factuais e jurídicas idênticas, que precisam ser resolvidas,
alterando apenas os sujeitos envolvidos. É o fenômeno da litigiosidade judicial massificada
crescente a cada dia.513- 514
O Direito Processual Civil brasileiro tradicional, sob o paradigma liberal,
desenvolveu-se para solucionar adequadamente os litígios individuais. As normas processuais
foram estruturadas de modo a considerar única cada ação, em que litigam duas pessoas. O
512 Sobre o consumismo na modernidade: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida, cit., p. 10-116; WEBER,
Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 15ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 130-131. 513 A litigiosidade repetitiva é a massificação das ações do “homem médio”. É a representação da rebelião das
massas de Ortega y Gasset perante o Poder Judiciário. Vive-se sob o “brutal império das massas” no Poder
Judiciário, cujas ações enchem as prateleiras e, mais recentemente, os arquivos magnéticos. (ORTEGA Y
GASSET, José. A rebelião das massas. Lisboa: Relógio D´Água, 1998). 514 Na sociedade moderna, identificam-se três grandes grupos de litígio: a) litigiosidade individual ou “de
varejo”, envolvendo questões estritamente particularizadas e isoladas, que não tendem a se repetir; b)
litigiosidade coletiva, que versa sobre direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos,
submetidos ao Judiciário por meio de ações propostas pelos legitimados coletivos; e, c) litigiosidade em massa
ou repetitiva, envolvendo os direitos individuais homogêneos, que chegam ao Poder Judiciário mediante
reiteradas demandas individuais, tratando das mesmas questões de direito ou factuais. (NUNES, Dierle. Novo
enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da diversidade de
litigiosidade. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 184, jun.-2010, p. 118). Antonio Adonias
Bastos ainda explica que se enquadra nas demandas de massa, os conflitos heterogêneos, individuas e coletivos,
que – embora tenham pedidos e causa de pedir bem diferentes, possuem questões comuns a serem resolvidas.
(BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o
processamento das demandas de massa. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 168, ago.-
2010)
187
processo civil se norteou na resolução de os litígios particularizados.515 A estruturação do
sistema processual como um todo não se pautou na eficiência – adequada e necessária – para
a solução de demandas em massa.
O processo civil clamou por uma postura de mudança, em virtude da litigiosidade
de massa, buscando novo paradigma e estruturação.516 No Brasil, durante a segunda metade
do século XX, cultivava-se o ambiente adequado para sistematização da tutela jurisdicional
coletiva, num período de redemocratização e valorização da atividade do Ministério
Público.517 Gradualmente, desenvolveram-se as fontes do Direito Processual Coletivo, de
modo a tutelar os direitos coletivos stricto sensu, os difusos e os individuais homogêneos.
Igualmente, aumentou-se a produção acadêmica sobre o tema e os precedentes dos
Tribunais.518
Contudo, o Direito Processual Civil Coletivo não se revelou eficiente o necessário
para resolver todas as demandas massificadas.519 Não foi capaz de conter o ajuizamento
proliferado de ações repetitivas, por uma série de motivos.520 Surgem, portanto, a busca de
técnicas processuais de julgamento dos casos repetitivos, de modo a conferir racionalidade,
eficiência, igualdade e segurança ao sistema jurisdicional.
515 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 179, jan.-2010. 516 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil
clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação Civil
Pública (Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. MILARÉ, Édis (coord.) São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 73. 517 CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 113; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e
nacional. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 295-296. 518 Em 1985, foi promulgada a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985); a Constituição Federal prevê o
mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); a Constituição também reforça a ação civil pública, que já era
prevista desde as Ordenações Filipinas (art. 5º LXXIII); a Constituição alarga e reforça a ação civil pública (art.
129, III); o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) forma um microssistema processual coletivo,
pela interação com as demais fontes do Direito Processual Civil Coletivo; e, mais recentemente, a Lei nº
12.016/2009 regula o mandado de segurança coletivo. Todas essas inovações normativas foram acompanhadas
de desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. 519 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, cit., p. 302. 520 “Com efeito, a doutrina aponta a existência de deficiências no sistema processual coletivo de defesa de
direitos individuais homogêneos, como a restrição em relação a algumas matérias que poderiam ser objeto de
tais ações, como as de natureza tributária; a restrição da legitimação ativa da pessoa natural; a falta de
critérios para aferir e controlar concretamente a adequação da representatividade; a inadequada restrição de
atuação de associações; o ineficiente sistema de comunicação da propositura da ação coletiva aos interessados;
a condenação genérica e necessidade de execução individual; o sistema de extensão dos efeitos da coisa
julgada; a falta de uma cultura de associatividade e a tendência à propositura de demandas individuais; a
ausência de formas adequadas para flexibilização do procedimento e adequação ao conflito” (TEMER, Sofia.
Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 35-36). No mesmo sentido:
SICA, Heitor. Congestionamento viário e congestionamento judiciário. Revista de Processo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 236, out.-2014.
188
Diante dessa necessidade, o CPC/2015 – como dito – aprimorando e alargando os
mecanismos dos recursos excepcionais repetitivos do diploma anterior (CPC/1973, arts. 543-
B e 543-C) estabelece que se considera julgamento de casos repetitivos as decisões proferidas
em incidente de resolução de demandas repetitivas, apelidado de IRDR, e em recurso especial
e extraordinário repetitivos (CPC/2015, art. 928). São os principais mecanismos para gerir as
demandas repetitivas do CPC/2015.521
4.1.1. Fundamentos para tutela adequada das demandas repetitivas: isonomia,
segurança e eficiência
Os mecanismos de julgamento de casos repetitivos buscam fixar teses jurídicas
sobre questões repetitivas, de modo que os jurisdicionados, em litígios idênticos, recebam o
mesmo tratamento. A tese jurídica a ser firmada, cujo efeito é vinculante, deverá ser adotada
pelos demais órgão julgadores. A legislação traz regras que facilitam e aceleram a aplicação
das teses jurídicas fixadas, tornando mais eficiente a tutela jurisdicional; por exemplo, a
improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e III), a dispensa de remessa
necessária (CPC/2015, art. 496, §º, II e III), a autorização para tutela provisória de evidência
(CPC/2015, art. 311, II).
Tendo em vista essas características, é possível dizer que os fundamentos remotos
dos mecanismos de tutela de casos repetitivos são a isonomia, a segurança e a eficiência.522
Valores constitucionais que são concretizados pelas normas pertinentes ao julgamento de
casos repetitivos. O processamento e o julgamento das demandas repetitivas possuem
dogmática própria. Regem-se por um regime específico, de modo que a tese fixada, no
julgamento por amostragem, seja adotada em todos os demais processos em que a mesma
questão seja decidida. Assim, adensam-se os princípios da isonomia, da segurança e da
eficiência na prestação da tutela jurisdicional.523
Isonomia porque às questões idênticas serão dadas as mesmas soluções. Casos
semelhantes serão resolvidos de forma semelhante. A distribuição da justiça deve ser
521 São também mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos: (a) súmula vinculante, (b) suspensão
de segurança para várias liminares em casos repetitivos; (c) pedido de uniformização da interpretação da lei
federal no âmbito dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública. 522 Sofia Temer fala em isonomia, segurança e celeridade. (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas
repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 39-41) 523 Nesse sentido: ZANFERDINE, Flávia; GOMES, Alexandre. Tratamento coletivo adequado das demandas
individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
234, ago.-2014, p. 191.
189
igualitária para os jurisdicionados. O julgamento de casos repetitivos evita que haja soluções
distintas para os casos isomórficos.
Por outro lado, saber que o Poder Judiciário adota determinando entendimento
adensa a segurança jurídica. O jurisdicionado passa a antever quais serão as consequências
normativas de uma determinada conduta.524 Diminui-se a contingência das decisões judiciais,
que passam a seguir os precedentes vinculantes formados no julgamento das causas
repetitivas. A aplicação das normas pelos Poder Judiciário passa a ser mais previsível e
calculável, diminuído decisões com conteúdos contraditórios.525
Os mecanismos de julgamento das causas repetitivas ainda tornam a prestação
jurisdicional mais eficiente. Não se trata apenas de celeridade, mas de eficiência.526 Balizadas
pelo princípio da eficiência, foram postas as regras de gestão e julgamento dos casos
repetitivos. O objetivo é gerir os casos repetitivos, de modo a obter decisões melhores em
menor lapso temporal, com menos dispêndio de energia do Poder Judiciário.
A eficiência se traduz em conseguir melhores resultados, com menor dispêndio de
energia. São empregados meios ótimos, para alcançar melhores resultados. A eficiência está
intimamente ligada à gestão processual. É uma eficiência qualitativa, e não quantitativa. A
eficiência quantitativa se confunde apenas com a economia processual; no entanto, não basta
economia, devendo haver qualidade nas decisões prolatadas. Enfim, regras processuais
eficientes são as “adequadas à solução do caso com efetividade, duração razoável,
garantindo-se a isonomia, a segurança, com contraditório e ampla defesa.”
Os mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos não se norteiam
apenas na economia processual, nem na duração razoável do processo. Na verdade, são
balizados pela eficiência. Há regras que postergam um pouco mais a decisão final, porém
concretizam o contraditório efetivo, a exemplo da realização de audiências públicas e
intervenção recursal dos amici curiae (CPC/2015, arts. 983, §1º, 130, §3º). Por outro lado, há
regras que diminuem o custo processual, verbi gratia: o julgamento por amostragem e em
524 Diante da complexidade da sociedade moderna e da contingência das expectativas normativas, é preciso que o
sistema jurídico seja confiável para que a expectativas normativas sejam reduzidas (LUHMANN, Niklas.
Confianza. Trad. Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 39-52). 525 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 148. 526 “Por sua vez, a eficiência, como já registrado, mede a relação entre os meios empregados e os resultados
alcançados526. Quanto maior o rendimento de produção mais eficiente será a atividade desenvolvida. A
eficiência relaciona-se com o alcance de finalidades pré-estabelecidas, dizendo respeito aos meios empregados
para tanto. Haverá eficiência se os meios adotados forem ótimos, gerando pouco esforço ou dispêndio, com o
melhor resultado possível.” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no Projeto
do Novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 233,
jul.-2014, p. 67).
190
bloco de apenas poucos processos; a desistência não impede a apreciação do mérito; e, se já
houve afetação da mesma questão em tribunal superior, o IRDR é inadmissível (CPC/2015,
art. 976, §§ 1º e 4º).
Enfim, os mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos são balizados
pela eficiência processual. Não se trata apenas de economia processual, mas de eficiência
qualitativa.
4.2. Microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos
O CPC/2015 preceitua que são julgamentos de casos repetitivos as decisões
proferidas em IRDR e recursos excepcionais repetitivos (art. 928). Foi visto no item 3.7.3.
que, há também a formação de um microssistema de julgamento de casos repetitivos, cuja
função bifronte é (i) geri-los e decidi-los e, como dito, (ii) formar precedentes obrigatórios
sobre as questões decididas. Esse microssistema é o conjunto das normas que tratam do IRDR
(CPC/2015, art. 976 a 987) e os recursos especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015,
arts. 1.036 a 1.041).
Convém registrar que o fato de existir procedimento específico para os recursos
especial e extraordinário repetitivos não impede, de modo algum, que se instaure o IRDR
perante o STF ou STJ. A questão repetitiva pode ser própria de algum processo originário
(reclamação, ação rescisória, conflito de competência, mandado de segurança etc.), não
sendo veiculada nos recursos excepcionais, daí ser cabível o IRDR. Compreender
diversamente, significa que questões repetitivas contidas em processos originários do STF e
STJ não poderão se submeter ao mecanismo de tutela de casos repetitivos, o que afronta o
princípio da eficiência.
Em ambos, no IRDR e nos recursos excepcionais repetitivos, são escolhidos
alguns poucos casos representativos da controvérsia para serem julgados, afetados ao
procedimento específico, cujo julgamento formará o precedente. Chama-se também de
decisão paradigma, pois é dela que se extrai a tese jurídica (a ratio decidendi, os motivos
determinantes...). Enquanto se julgam os casos paradigmas, os demais processos de idêntica
controvérsia devem ser sobrestados, aguardando a fixação da tese jurídica. Quando for fixada
a tese jurídica, deverá ser aplicada aos casos sobrestados e futuros de mesma controvérsia.
191
Esses instrumentos, em conjunto, possuem dupla função: servem para gerir e
julgar os casos repetitivos e, igualmente, para formar precedentes obrigatórios sobre as
questões decididas.
A tese jurídica fixada no julgamento será aplicada, dentro da jurisdição do órgão,
a todos os processos, individuais e coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito,
bem como aos processos futuros que vierem a seu ajuizados com a mesma controvérsia.
Formado o precedente, no julgamento de casos repetitivos, a aplicação de sua
ratio decidendi é imposta em várias regras esparsas pelo Código. Em caso de erro na
aplicação ou sua inobservância, caberá reclamação constitucional dirigida ao tribunal que
formou o precedente (CPC/2015, art. 988, IV, §§ 4º e 5º, II); há omissão presumida na
decisão judicial que deixa de se pronunciar sobre o precedente invocado (CPC/2015, art.
1.022, par. úni., I); o relator passa a deter o poder de decidir o recurso monocraticamente, seja
para provê-lo, seja para desprovê-lo (CPC/2015, art. 932, IV, “b” e “c”, V, “b” e “c”; art.
955, par. úni., II); autoriza-se a tutela provisória de evidência (CPC/2015, art. 311, II);
dispensa-se a remessa necessária (CPC/2015, art. 496, §4º, II e III); permite-se a
improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e III).
Para exercer sua dupla função, há dois núcleos de regras aplicáveis ao julgamento
de casos repetitivos, resultado da junção das regras desses instrumentos. Um dos núcleos
refere-se à gestão dos casos repetitivos, o outro à formação e vinculação dos precedentes
obrigatórios.
No primeiro núcleo, encontra-se uma das regras mais importantes: o
sobrestamento de todos os processos de idêntica controvérsia de direito. Admitido o IRDR,
são suspensos todos os processos, coletivos ou individuais, tramitando na jurisdição do
respectivo tribunal, que versem sobre a mesma questão (CPC/2015, art. 982 I); da mesma
forma, selecionados e afetados os recursos excepcionais representativos da controvérsia, deve
ser determinado o sobrestamento dos processos com mesma questão, em todo território
nacional (CPC/2015, art. 1.037, II). A suspensão dos processos evita que sejam proferidas
decisões contraditórias e reduz os custos do Poder Judiciário. Não será desperdiçada atividade
jurisdicional em milhares de processos, mas apenas em alguns deles de forma concentrada no
tribunal.
Pode ocorrer, no entanto, que algum processo seja sobrestado indevidamente. Um
processo, cuja controvérsia seja distinta do caso repetitivo, pode ser suspenso, o que é muito
192
comum na prática. Trata-se de uma suspensão inútil, pois o julgamento do caso repetitivo em
nada afetará o processo suspenso, já que suas questões são diferentes. Nesse caso, pode a
parte prejudicada, sem incidência de prazo preclusivo, requerer o retorno ao curso processual
ordinário. A qualquer momento, mediante pedido fundamentado, no qual esclareça a
distinção, fática ou jurídica, entre o seu caso e o repetitivo a ser julgado pelo tribunal, pode
requerer o prosseguimento do processo (CPC/2015, art. 1.037, §§ 8º a 13).
Durante a suspensão processual, não é vedada a concessão de tutela provisória de
urgência. Os demais atos, via de regra, restam vedados, salvo a concessão de tutela de
urgência. Se o processo está pendente na primeira instância, o pedido de tutela de urgência
será dirigido ao juiz da causa (CPC/2015, art. 982, §2º); se está pendente de julgamento no
tribunal, o requerimento de tutela de urgência será perante o relator do processo; e, se já
interposto recurso especial ou extraordinário, ainda não admitido, será requerido ao presidente
ou vice-presidente do tribunal (CPC/2015, art. 1.029, §5º, III).
Para a exercer a função de formação de precedentes obrigatórios, aplica-se outro
núcleo de regras, das quais se destacam (i) a ampla divulgação e publicidade, (ii) o debate
participativo ampliado e (iii) o dever de fundamentação qualificada. Essas regras fundam-se
em dois motivos. Primeiro, é o efeito multiplicador da decisão, que afetará milhares de
pessoas, que não são parte. Daí surge o segundo motivo, a necessidade de formar um
precedente mais qualificado, contemplando todos os argumentos até então levantados das
partes, mediante contraditório substancial.
O CNJ deve manter um cadastro nacional dos casos repetitivos, de modo que
qualquer interessado possa ter acesso aos casos repetitivos que serão julgados nos tribunais.
Igualmente, cada tribunal manterá banco de dados próprios, com informações específicas
sobre questões de direito submetidas ao julgamento repetitivo (CPC/2015, art. 979).
Essa ampla publicidade, além de viabilizar que os órgãos judiciais se cientifiquem
dos casos repetitivos, permite que terceiros e eventuais amici curiae intervenham para
contribuir com o debate e com a formação do melhor precedente possível. É a participação
ampliada, concretizando o contraditório efetivo e substancial. Os interessados, institucional ou
juridicamente, podem intervir no julgamento dos casos repetitivos, para influenciar no debate,
fornecendo argumentos e dados ao tribunal. Também o Ministério Público, como fiscal da
ordem jurídica, deverá ser intimado, nos casos em que não for parte (CPC/2015, arts. 976,
§2º, 1.038, III).
193
A fundamentação da decisão que julga o caso repetitivo deve ser reforçada e
qualificada. O debate ampliado e substancial é procedido exatamente com o intuito de
fornecer, ao tribunal, um manancial de dados e informações – técnicos e jurídicos – que
embasarão a decisão. Quanto mais informações, dados e argumentos, melhor será a decisão
que, obrigatoriamente, deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis
(CPC/2015, arts. 984, §2º, 1.038, §3º). A ideia é que os argumentos vencidos fiquem claros,
dando maior legitimidade a decisão, além de facilitar a necessidade, ou não, de revisão do
precedente.
Formado o precedente, sua ratio decidendi vincula os processos de mesma
controvérsia, futuros ou presentes. Contudo, é permitida a revogação ou revisão da tese. O
tribunal, de ofício, ou os legitimados para suscitar o IRDR poderão requerer a revisão ou
superação do precedente. (CPC/2016, art. 986), sob variados argumentos, inclusive a
alteração do contexto fático, no qual o precedente foi formado, a exemplo de modificações
econômicas, políticas, sociais, que tornem o precedente, total ou parcialmente, obsoleto ou
ultrapassado para reger os novos fatos e situações jurídicas.
4.3. Questões repetitivas
Para melhor compreender, analiticamente, os mecanismos de julgamento dos
casos repetitivos, é preciso discorrer sobre a noção de questão repetitiva. Tal noção servirá
igualmente para entender os aspectos e a viabilidade das reclamações repetitivas.
O CPC/2015 utiliza as expressões “demandas repetitivas”, “casos repetitivos” e
“recursos repetitivos”, ao tratar dos mecanismos de gestão e julgamentos dos repetitivos.
Também são usadas na doutrina as expressões “causas repetitivas”, “processos repetitivos”,
“ações repetitivas”, “litígios repetitivos”, dentre outras. Contudo, a terminologia mais
adequada é “questões repetitivas”. O CPC/2015 foi infeliz, ao eleger as outras expressões. O
que se repetem são as questões. Não se repetem as demandas, recursos, ações, causas,
processos, casos, litígios etc.; o que se repetem são as questões.527/
527 De qualquer sorte, a terminologia legal não macula os institutos, tampouco artigos e trabalhos acadêmicos que
utilizem os termos legais ou outros pretensamente sinônimos. Inclusive, em liturgia penitencial, no presente
trabalho, ao deparar-se com qualquer das expressões acima, saiba-se que são utilizadas como sinônimos de
questões repetitivas. Na verdade, a terminologia legal traduz-se em uma metonímia, uma figura de linguagem
usualmente utilizada na Ciência Processual Civil, o que não diminui o seu rigorismo técnico. Quando se utiliza
reclamação repetitiva, recorre-se a metonímia para expressar questão repetitiva constante de reclamação
escolhida como caso paradigma.
194
A atração da incidência dos mecanismos de gestão dos repetitivos depende da
existência de questões repetitivas controversas proliferadas em ações, recursos, incidentes,
sucedâneos recursais etc.528 É, a princípio, irrelevante de quais instrumentos constem as
questões repetitivas. O objeto do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos são as
questões comuns aos processos.
Por questão compreende-se qualquer ponto, duvidoso e controverso, de fato ou de
direito, material ou processual, que surja no decorrer de ação.529 Questões são os pontos
controvertidos – endoprocessuais – de fato ou de direito, materiais ou processuais.530
Não é, contudo, qualquer espécie de questão que atrai o IRDR e os recursos
excepcionais repetitivos. O CPC/2015 limitou seu objeto às questões de direito, excluindo as
questões de fato (CPC/2015, art. 976, I, 1.036). As questões devem ser unicamente de direito.
As questões de fato não podem ser objeto do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos.
Cuidou-se de opção infeliz, por dois motivos: a) não há uma linha limítrofe clara entre
questões de fato e de direito, muitas vezes se confundindo; 531-532 e, b) há questões fáticas
repetitivas que merecem ser solucionadas em julgamento em bloco; imagine-se, por exemplo,
na seara do Direito do Consumidor, a necessidade de fixar se um determinado produto é
defeituoso, ou se a negativa na prestação de algum serviço médico configura dano moral.533
Por outro lado, o CPC/2015 não limitou às questões materiais ou processuais.
Podem ser objeto dos mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos igualmente
questões materiais e questões processuais. Essa extensão é muito relevante, uma vez que as
528 Nesse sentido: TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 48-63;
CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas., cit., p. 527. 529 SILVA, Ovídio Baptista. Limites objetivos da coisa julgada no atual Direito Brasileiro. Sentença e coisa
julgada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 112; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Questões
prejudiciais e questões preliminares. Direito Processual Civil: ensaios e pareceres. Borsoi: Rio de Janeiro, 1971.
p. 74-75; DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 20. 530 No Direito Processual Civil o termo “questões” é frequentemente encontrado: questões de mérito, materiais,
preliminares, prejudiciais, decididas, de ordem púbica, de fato, de direito etc. 531 Explicando a dificuldade em distinguir as questões de fato e de direito: “Assim, se o fenômeno jurídico
envolve necessariamente fato/direito, a nosso ver, pode-se falar em questões que sejam predominantemente de
fato e predominantemente de direito, quando, neste movimento pendular a atenção do juiz (do intérprete) se fixa
mais demoradamente do “lado” em que estão as normas. O fenômeno jurídico é simultaneamente de fato e é de
direito, mas o aspecto problemático deste fenômeno pode estar girando em torno dos fatos ou em torno do
direito.” (Em: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questão de fato e questão de direito. Processo Civil em
Movimento: diretrizes para o novo CPC. LAMY, Eduardo; ABREU, Pedro Manoel. OLIVEIRA, Pedro Miranda
de (coords.). Florianópolis: Conceito, 2013. p. 170). “A linha de demarcação entre questões de direito e
questões de fato, contudo é flutuante.” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 164-165). 532 Sobre a dificuldade na distinção: NEVES, Antonio Castanheira. Questão-de-facto, questão-de-direito, ou, o
problema metodológico da juridicidade. Coimbra: Almedina, 1967. 533 CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 976, cit., p. 1439-1440; CUNHA. Leonardo Carneiro da. A
Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 253.
195
questões processuais, controversas e duvidosas, tendem a se repetir tanto quanto as questões
materiais.534
Deve existir divergência na solução dessas questões controvertidas. Não se admite
o IRDR se as questões controvertidas são decididas de maneira idêntica pelos juízes. Seria um
incidente inútil, instaurado para pacificar o que já está pacificado. Também seria um
procedimento preventivo, com o intuito de evitar futuras divergências jurisprudenciais. É
necessário que as soluções dadas estejam variando a ponto de ameaçar a segurança jurídica e
a igualdade jurisdicional. Ainda deve haver uma multiplicidade de processos com a questão
controversa em comum; alguns poucos não são suficientes. A repetição da questão comum
deve ser efetiva (CPC/2015, arts. 976 e 1.036).535-536
Enfim, o elemento necessário para instaurar os mecanismos de julgamento
repetitivos é questão de direito controversa, material ou processual, comum a múltiplos
processos, havendo divergência quanto à solução que lhe é dada.
Feitas essas considerações, três pontos devem ser bem esclarecidos.
Primeiramente, a questão controversa pode ser comum a vários tipos de remédios
processuais. A questão pode ser comum, a um só tempo, a recursos de apelação, de agravo de
instrumento, de mandado de segurança, agravos internos, reclamações, ações rescisórias,
procedimentos especiais, procedimento comuns, execuções, embargos à execução, conflitos
de competência etc. Não existe limitação aos tipos de ação, incidentes, recurso e remédios em
que despontem as questões comuns.
534 O CPC/2015 não optou por realizar a limitação do Incidente de Uniformização de Interpretação da lei federal,
dirigido à Turma Nacional de Uniformização, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Nele a controvérsia
restringe-se a questões de direito material. Eis o art. 14 da Lei nº 10.259/2001: “Art. 14. Caberá pedido de
uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito
material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.” 535 “É preciso, como visto, que haja efetiva repetição de processos. Não cabe IRDR preventivo. Mas se exige que
haja risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Esse requisito reforça a vocação do IRDR para a
formação de precedentes, aliando-se ao disposto no art. 926 do CPC. Exatamente por isso, somente cabe o
incidente quando já houver algumas sentenças antagônicas a respeito do assunto. Vale dizer que, para caber o
incidente, deve haver, de um lado, sentenças admitindo determinada solução, e, por outro lado, rejeitando a
mesma solução. É preciso, enfim, existir uma controvérsia já disseminada para que, então, seja cabível o IRDR.
Exige-se, em outras palavras, como requisito para a instauração de tal incidente, a existência prévia de
controvérsia sobre o assunto.” (CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo, cit., p. 253). 536 Em sentido contrário, tomando por desnecessária a existência de decisões conflitantes, Marcos Cavalcanti
afirma que basta o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (CAVALCANTI, Marcos. Incidente de
resolução de demandas repetitivas e ações coletivas, cit., p. 421). O argumento do autor aparenta contraditório.
Não se vislumbra como pode haver risco à isonomia e a segurança jurídica se as decisões estão uniformes. A
exigência de decisões conflitantes é, na verdade, um critério objetivo que demonstra o risco de ofensa à isonomia
e à segurança jurídica.
196
Por exemplo, é possível que surja questão controvertida sobre a licitude e
constitucionalidade de um determinado tributo estadual. A questão pode chegar ao Tribunal
de Justiça mediante vários remédios: mandado de segurança originário para combater a
autuação fiscal, recurso de apelação em procedimento comum, agravo de instrumento contra
inacolhimento de exceção de pré-executividade apresentada na execução fiscal que cobra o
tributo etc. Não existe uma repetição na espécie de ação ou recurso, o que se repete é a
questão controvertida comum a todos eles, permitindo-se, assim, a instauração do IRDR.
Como é óbvio, porém, algumas questões, principalmente as processuais, são
próprias de algum remédio e nele revelam-se com mais frequência. Pense-se, por exemplo, no
cabimento de mandado de segurança contra decisão interlocutória irrecorrível por agravo.
Essa discussão, via de regra, se mostrará aos tribunais nos próprios mandados de segurança e
nos recursos em mandado de segurança, pois a questão controvertida relaciona-se ao tipo de
remédio.
A segunda questão que deve ser esclarecida é que as questões comuns
controvertidas não se limitam a direitos individuais homogêneos.537 Na verdade, os direitos
individuais homogêneos fracionados em ações individuais é apenas uma das situações que
permite a instauração do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos, pois nela haverá
questão material ou processual comum a todas as ações. Serão ações com aproximação de
pedidos e causa de pedir.
Porém, os casos repetitivos não se limitam a questões substanciais comuns. Não
se restringem à repetição da pretensão material decorrentes de direitos individuais
homogêneos. As questões comuns não são sinônimo de direitos individuais homogêneos.538
As questões comuns repetitivas podem ser encontradas em causas totalmente heterogêneas,
inclusive sem origem comum. As questões processuais repetitivas encontram-se em causas
que não guardam qualquer similitude, sendo totalmente heterogêneas, como é o caso de
discussão sobre algum requisito de admissibilidade da apelação, que se reitere em múltiplas
apelações; não há, nesse exemplo, qualquer direito homogêneo substancial de origem comum.
537 O conceito de direitos individuais homogêneos extrai-se do lacônico art. 81, par. úni., III, do CDC:
“interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” Partindo do
texto legal, entende-se por direitos individuais homogêneos aqueles cujo titulares podem ser individualizados,
mas o direito possui uma origem comum, ou seja, decorrem dos mesmos fatos, ou condutas, ou questões de fato
ou de direito. Apesar dos titulares serem fracionáveis individualmente, sua criação destinou-se a permitir o seu
tratamento coletivo (molecular). (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado
e nacional, cit., p. 225). 538 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 59.
197
As questões comuns podem ser encontradas em causa heterogêneas, totalmente
particularizadas. Não precisam ter origem comum.539 São demandas, as mais variadas
possíveis, nas quais desponte uma controvérsia idêntica, ainda que de natureza material.
Imagine-se, por exemplo, a discussão sobre a licitude na aplicação de um determinando índice
de correção monetária. Esse debate pode surgir em causas bem heterogêneas, sem qualquer
origem comum: (i) uma ação de consignação em pagamento que pleiteie a nulidade da
cláusula de correção num contrato de compra e venda de imóvel entre médicos; (ii) nos
embargos ajuizados em execução proposta por banco para cobrar dívida de contrato de cheque
especial; (iii) na impugnação ao cumprimento de sentença que condenou o INSS a pagar
verbas previdenciárias inadimplidas; (iv) mandado de segurança contra atuação fiscal que
aplicou o índice; (v) ação de cobrança de alugueis atrasados etc. No exemplo, a questão
comum é a mesma – licitude do índice de correção monetária –, porém as causas são as mais
variadas possíveis, com origens distintas. Nalgumas delas, a aparição da controvérsia é
concomitante ao ajuizamento da ação, noutras surge no decorrer dela e, por vezes, até depois
da sentença, no momento de cumpri-la.
Crê-se, com efeito, que a classificação em direitos individuais homogêneos,
direitos heterogêneos, direitos coletivos homogêneos é inservível no campo dos casos
repetitivos. Classificações podem ser úteis ou inúteis. E essa classificação é útil no campo do
Direito Processual Civil Coletivo;540 contudo, no campo dos casos repetitivos, não se presta a
nenhuma utilidade. O que é relevante é serem questões jurídicas repetitivas, independente de
os direitos deduzidos serem individuais homogêneos ou heterogêneos. Essa classificação em
nada influência o desencadeamento e trâmite de um mecanismo de julgamento dos repetitivos.
O foco reside nas questões, tanto que o art. 1.037, I, do CPC/2015, dispõe que,
após escolhidos os casos paradigmas, as questões devem ser identificadas com precisão.541 É a
questão o objeto do incidente. É sobre ele que serão realizados os debates e exercida a
cognição. Ao definir rigorosamente qual a questão a ser julgada, define-se o objeto meritório
539 Marcos Cavalcanti afirma que, muito embora as questões objeto do IRDR não coincidam com os direitos
individuais homogêneos, é preciso haver homogeneidade nas questões repetitivas e que tenham origem comum:
“Em resumo, as questões de direito que podem ser objetos do IRDR são exatamente aquelas que decorrem de
origem comum e cujos aspectos comuns prevalecem sobre os individuais, recomendado o tratamento coletivo”
(CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas, cit., p. 529). O
argumento não procede. A questões comuns repetitivas podem ser encontradas em causas heterogêneas,
ajuizadas em tempos diversos, sem qualquer origem comum. Basta que se repita a questão controversa. 540 Recentemente, Edilson Vitorelli questionou a utilidade e a eficiência dessa classificação para o próprio
Direito Processual Coletivo: VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 35-112. 541 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 241-242.
198
do incidente e o órgão julgados a ela vincula-se. Não poderá decidir além ou aquém da
questão, incidindo a regra da congruência ou correlação.542
4.4. Reclamação repetitiva: a aplicação do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas
O STJ já aceitou, ainda durante a vigência do CPC/1973, a reclamação repetitiva.
Ao julgar a Rcl 12.062/GO, aplicou-se por analogia a antiga sistemática do recurso especial
repetitivo (CPC/1973, art. 543-C).543 Nela havia questão de direito que se repetia em diversos
processos de Juizado Especial Cível, cuja forma de chegar ao STJ era mediante reclamação
constitucional, nos termos da extinta Resolução nº 12/2009, do STJ, o que justificou a
aplicação analógica, de modo a fixar uma tese sobre a questão debatida.544
Atualmente, não é mais necessário recorrer à analogia. O IRDR é suscitável em
processos originários, em recursos e em remessa necessária (CPC/2015, art. 978, par. úni.).
Na reclamação, como ação de competência originária, pode ser instaurado o IRDR, formando
o que ora se denomina de reclamação repetitiva. Até mesmo no STJ e STF, que podem julgar
os recursos excepcionais repetitivos, o IRDR será aplicado à reclamação. Caso haja alguma
regra dos recursos excepcionais repetitivos cuja aplicação se imponha, não há nenhum
problema, pois tais mecanismos formam um microssistema de gestão e julgamento de casos
repetitivos, cujas regras aplicam-se reciprocamente.
Cumpre destacar que qualquer das hipóteses de cabimento da reclamação permite
a admissão do IRDR. O importante – como explicado anteriormente – é que na reclamação
desponte alguma questão controvertida comum a diversos outros processos, sejam
reclamações ou não. Igualmente, a reclamação repetitiva poderá ser instaurada em todos os
tribunais, já que a reclamação pode ser proposta em qualquer tribunal (CPC/2015, art. 988,
§1º).
As hipóteses de cabimento da reclamação são: (i) preservar competência dos
tribunais (CPC/2015, art. 988, I); (ii) garantir a autoridade das decisões dos tribunais
(CPC/2015, art. 988, II); (iii) garantir a observância de súmula vinculante e de decisão do STF
542 Sobre a correlação no processo civil, consultar: MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo
civil. Salvador: Juspodivm, 2015. 543 Rcl 12.062/GO, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 12/11/2014, DJe 20/11/2014. 544 Remete-se o leitor para o item 2.2.2.2, no qual se discorre sobre reclamação contra decisões de Juizados
Especiais Cíveis.
199
em controle concentrado de constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III); e, (iv) garantir a
observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de
assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV).
Nas duas últimas hipóteses, a finalidade da reclamação é garantir a observância e
correta aplicação das teses jurídicas dalguns precedentes obrigatórios, mais especificamente,
das rationes decidendi de súmulas vinculantes, de decisões em sede de controle concentrado
de constitucionalidade, de decisões em incidente de assunção de competência e em casos
repetitivos.
Em qualquer reclamação, fundamentada nas distintas hipóteses de cabimento da
reclamação, é possível suscitar um IRDR. Na verdade, quando se refere à reclamação
repetitiva, significa dizer que é uma reclamação da qual conste uma questão jurídica
controvertida comum a diversos outros processos, sejam reclamações ou não.
O objeto do IRDR é a questão jurídica que será decidida, daí sua importância. Ela
quem delimita o conteúdo da tese a ser fixada. Daí a importância de entender quais os tipos de
questão que podem aparecer numa reclamação repetitiva. São basicamente três: (i) questões
repetitivas processuais próprias da reclamação; (ii) questões repetitivas, processuais ou
materiais, próprias de qualquer processo; e, (iii) questões repetitivas surgidas na reclamação
em virtude da inobservância ou erro na aplicação de precedente.
4.4.1. Questões repetitivas processuais próprias da reclamação
A reclamação é uma ação constitucional de competência originária dos tribunais.
Seu rito básico é previsto no CPC/2015, arts. 988 a 993. Cuida-se de uma ação de rito célere e
expedito, baseado em prova documental pré-constituída, bem similar ao rito do mandado de
segurança. Antes do CPC/2015, que inaugurou a fase codificada,545 as reclamações eram, em
sua maior parte, concentradas no STJ e STF. Atualmente, podem de propostas em qualquer
tribunal.
Em virtude do novo regramento legal concebido pelo CPC/2015, é mais que
normal despontarem diversas questões processuais controversas pertinentes à ação de
reclamação constitucional reiteradamente. E, caso recebam tratamento conflituosos pelos
juízes, é aconselhável que se instaure o IRDR – a reclamação repetitiva – para pacificar tais
questões.
545 Sobre as fases da reclamação remete-se o leitor para o item 2.2.
200
São questões processuais comuns às ações de reclamação. São questões
processuais controversas pertinentes ao rito da reclamação. São inúmeros os exemplos. Pode
ser a discussão do cabimento de honorários sucumbenciais na reclamação, se existe
litispendência entre reclamação e recurso, se o rol do art. 988 é exemplificativo ou se é
cabível reclamação para controlar a aplicação de qualquer precedente obrigatório do art. 927.
São todos exemplos de questões processuais pertinentes à reclamação, logo é nas reclamações
e nos recursos em reclamação que essas questões comuns tendem a se revelar.
Excepcionalmente, surgirão questões processuais sobre reclamação em outros tipos de
remédios; por exemplo, ação rescisória contra acórdão de reclamação ou mandado de
segurança contra decisão em reclamação. Porém, via de regra, tendem a mostrar-se nas
reclamações e recursos em reclamações.
4.4.2. Questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo
O segundo tipo que questões repetitivas que surgem na reclamação são próprias
de qualquer processo, de natureza material ou processual. É a perspectiva mais ampla de
questões comuns aptas a ensejar o IRDR. Em sede de reclamação podem manifestar-se
questões que não se referem propriamente à ação de reclamação. São questões jurídicas de
qualquer tipo aptas a surgirem em variados tipos de processo, recursos etc.
Essas questões, materiais ou processuais, podem guardar ou não relação com as
hipóteses de cabimento da reclamação.
Uma questão controvertida sobre competência pode reproduzir-se em reclamação
e processos de outra espécie. Imagine-se o seguinte exemplo: o STF possui entendimento de
que a sua competência originária para julgar conflitos entre a União e Estados da Federação546
apenas se instala se houver ameaça ao pacto federativo (CF/88, art. 102, I, “f”). Não havendo
abalo ao pacto federativo, a competência é da Justiça Federal de primeira instância. Na
prática, há casos concretos em que a existência ou não de ameaça ao pacto federativo é uma
zona cinzenta, surgindo dúvidas quanto à competência, se do STF ou Justiça Federal. Daí
poderão ser ajuizadas ações diretamente no STF ou na Justiça Federal de primeira instância.
Processadas as ações de primeira instância, poderão ser ajuizadas reclamações perante o STF,
caso a parte entenda que existe usurpação de competência do STF. Na prática, em todas essas
ações haverá uma questão repetitiva comum, a controvérsia quanto à competência para julgar
546 ACO 1364 AgR, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, j. 16/9/2009, DJe 5/8/2010.
201
o caso, se do STF ou da Justiça Federal de primeira instância. É uma questão de competência
que guarda relação com uma das hipóteses de cabimento da reclamação.547
Outros exemplos são de mais fácil compreensão. A legitimidade do Ministério
Público para ser parte em alguma demanda, pode aparecer nos mais variados tipos de
remédios e ações, inclusive na reclamação. A forma de contagem de prazo processuais. A
discussão sobre a licitude de um índice de correção monetária. São todas questões jurídicas,
materiais e processuais, que podem aparecer em qualquer tipo de demanda.
4.4.3. Questões repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou
erro na aplicação de precedente
Na sistemática do CPC/2015, a reclamação é um meio adequado para controlar os
precedentes obrigatórios. Daí se encontra intimamente ligada aos mecanismos de julgamento
dos casos repetitivos. O IRDR e os recursos excepcionais repetitivos servem para gerir e
julgar os casos repetitivos, de modo que a decisão proferida forma um precedente obrigatório
(CPC/2015, art. 927, III); e a reclamação foi eleita como instrumento adequado para impor a
observância e a correta aplicação desses precedentes (CPC/2015, art. 988, IV).
A reclamação é um elemento complementar do microssistema de gestão e
julgamento dos casos repetitivos. Por opção de direito positivo, sua função no sistema é
garantir eficácia e efetividade aos acórdãos proferidos no julgamento de casos repetitivos.548
O sistema criou mecanismos para lidar com as questões repetitivas e formar uma tese jurídica
que deverá ser observada pelos demais órgãos jurisdicionais. A reclamação é um instituto que
combate a irresignação dos juízes em relação ao precedente e o erro em sua aplicação. A
547 Outro exemplo: os policiais civis do Estado de Pernambuco entram em greve e o Secretário de Defesa Social
determina o corte do ponto. O sindicato ajuíza um mandado de segurança no TRT alegando abusividade do corte
do ponto, lá surgindo a controvérsia se a competência é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum, pois se
trata de greve dos servidores públicos estaduais. Ao mesmo tempo, a associação de policiais civis ajuíza um
mandado de segurança na primeira instância da Justiça Estadual em que também surge a mesma controvérsia da
competência. Contra esse último mandado de segurança, a Procuradoria do Estado ajuíza reclamação, pois o
mandado de segurança contra ato de secretário de Estado seria de competência originaria do Tribunal. Nessa
reclamação, uma das questões prévias é saber se a matéria de fundo é da Justiça Estadual ou do Trabalho. No
caso, também se formou um conflito de competência que deverá ser julgado no STJ, no qual a controvérsia é a
mesma: a competência. Ainda é possível imaginar que a controvérsia chegue no TST mediante recurso ordinário
constitucional, no caso de denegação de ordem do mandado de segurança impetrado diretamente no TRT. Em
todos os casos, manifesta-se a mesma questão: a competência para conhecer de ações relativas à greve de
servidor público estadual. 548 Há dúvida se a reclamação é um meio de controle de precedentes eficiente, sob a perspectiva da
administração da justiça. É possível a proliferação de reclamações contestando a aplicação dos precedentes,
abarrotando os tribunais. Essa questão é mais grave nos tribunais superiores, pois a reclamação não tem os
mesmos filtros dos recursos excepcionais, cujos requisitos de admissibilidade são mais complexos.
202
reclamação complementa a racionalidade, a segurança e a igualdade dos julgamentos dos
repetitivos, garantindo a correta aplicação e o cumprimento da tese jurídica fixada.
Contudo, nessas hipóteses, exatamente por se relacionar aos casos repetitivos, a
reclamação pode tornar-se também repetitiva. Com efeito, há uma tendência de multiplicação
de reclamações propostas para controlar a aplicação de precedente, de súmulas vinculantes, de
decisões de controle concentrado de constitucionalidade e de acórdãos em julgamento de
repetitivos (CPC/2015, art. 988, III e IV).
Mais precisamente, podem surgir múltiplas reclamações com questão jurídica
comum relativa à aplicação ou não observância do precedente formado em julgamento de
casos repetitivos. A aplicação dos precedentes pressupõe sua interpretação e, durante a
atividade hermenêutica, podem surgir dúvidas ou interpretações divergentes, implicando o
ajuizamento de inúmeras reclamações, fundamentadas no art. 988, IV.
Explicando melhor, podem surgir três hipóteses de questões jurídicas nas
reclamações por afronta a precedente, conforme exposto no item 3.7.4.:
(i) o afastamento, expresso do precedente, sem qualquer justificativa.
Explicitamente, sem apresentar distinção no caso concreto ou outro motivo, o órgão judicial
recusa-se a aplicar o precedente;
(ii) erro interpretativo na extração da ratio decidendi do precedente. O órgão
judicial, ao aplicar o precedente, má compreende sua tese jurídica. Cuida-se de um equívoco
na interpretação do acórdão do precedente, que implica extrair uma tese jurídica errada. E,
extraindo a tese jurídica erra, acaba-se por aplicar a casos em que não se deveria;
(iii) o julgador erra por realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing. Trata-se de
um caso concreto que por diferença factual não se submeteria ao precedente, contudo ainda
assim o órgão judicial o aplica, sem realizar a distinção. Ou, doutra banda, o julgador afasta o
precedente, por identificar alguma distinção, de forma equivocada. Em suma é realizar, ou
deixar de realizar, o distinguishing indevidamente.
É possível que se repitam na reclamação essas três espécies de questões comuns,
com base no art. 988, II e IV, do CPC/2015.
Na primeira hipótese, não será viável instaurar o IRDR. Existe uma recusa
injustificada na aplicação do precedente. O que resta é forçar sua aplicação. Ainda que se
multipliquem reclamações com essa mesma questão, não é viável a reclamação repetitiva. É
203
que a controvérsia nela contida já foi resolvida. A tese jurídica já foi fixada no julgamento do
caso repetitivo que embasa a própria reclamação. Seu ajuizamento se fundamenta na negativa,
pura e simples, de aplicação desse precedente. O IRDR não teria utilidade, pois serviria para
solucionar uma questão que já fora decidida com a respectiva fixação da tese. Essas
reclamações devem ser julgadas individualmente, de modo a cassar a decisão que deixou de
observar o precedente.
A única exceção que se consegue visualizar é instaurar a reclamação repetitiva
para revogar a tese anterior. A utilidade da reclamação seria para exercer o overruling, como
permitido pelo art. 986, do CPC/2015. É possível que a negativa pura e simples, reiterada do
precedente, demonstre a necessidade de superá-lo. É possível, porém, que tenha ocorrido
mudanças políticas, econômica ou sociais que impliquem a obsolescência do precedente e,
por consequência, a necessidade de sua superação. Nesse caso, justifica-se a instauração da
reclamação repetitiva para revogar o precedente. A reclamação mostra-se como um meio
adequado de superação do precedente; é um dos instrumentos úteis para o exercício de
overruling, principalmente quando, nas reclamações, se repetem controvérsias acerca da pura
inobservância do precedente.
As duas outras espécies de questões (erro na interpretação do precedente ou na
realização do distinguishing) também podem se reproduzir nas reclamações para controle de
precedentes obrigatórios. Havendo repetição de reclamações com tais questões em comum, é
cabível a instauração do IRDR, isto é, a reclamação repetitiva.
Por vezes, o texto de um precedente não é claro o suficiente, gerando dúvidas
quanto à sua tese jurídica fixada. Sua ratio decidendi pode não transparecer facilmente do
texto. Claro que uma decisão com qualificada fundamentação diminui dificuldades
interpretativas acerca da norma que se extrai do precedente e o CPC/2015 traz regras nesse
sentido, porém nem sempre são tão eficazes (CPC/2015, arts. 489, §1º, 984, §2º). De qualquer
modo, havendo dúvida interpretativa do precedente, poderão surgir multiplicadas
reclamações, cujas questões controvertidas comuns sejam exatamente a alegação de erro
interpretativo do precedente, que permitirão instaurar a reclamação repetitiva para
reinterpretar autenticamente o precedente.
É possível, igualmente, que um precedente, ao ser firmado, não consiga alcançar
todos casos concretos relacionados e juridicamente relevantes, havendo divergência quanto ao
alcance do precedente. Ou, ainda, que, no decorrer da vida social complexa, surjam, após a
204
fixação do precedente, novos fatos, também juridicamente relevantes, que gerem dúvidas se
submetem ou não à norma do precedente. Em resumo, são dúvidas acerca do distinguishing
no julgamento do caso concreto, se suas particularidades são capazes de atrair ou afastar a
incidência do precedente. Nesses casos, sendo múltiplas as reclamações, é totalmente
concebível o IRDR.
Essas reclamações, com idênticas questões, podem se multiplicar perante o STJ
ou STF, sendo caso de submetê-las ao procedimento do IRDR, de forma a racionalizar a
prestação jurisdicional.
Coloque-se em exemplo tudo o que foi exposto no presente item para melhor
compreensão. Volte-se ao exemplo dado da dúvida sobre a licitude de um determinado índice
de correção monetária que se torne uma questão repetitiva nos mais variados processos. O
STJ aplica o regime dos recursos repetitivos e fixa a tese que o índice é lícito, salvo para
negócios relativos à construção civil. Continuamente, podem ocorrer as seguintes situações:
(a) os juízes negam reiteradamente aplicação ao precedente, sem alegação de
distinção no caso concreto. Tão-somente afastam o precedente, e declaram ilícito o índice, ao
apreciarem o caso concreto. Esgotadas as vias ordinárias, caberá reclamação ao STJ para
impor observância ao precedente, isto é, para que no caso concreto o índice seja declarado
lícito. Nessas hipóteses, ainda que se proliferem reclamações idênticas, de nada adianta
instaurar um IRDR, pois a tese já está fixada – licitude do índice –, resta apenas impor sua
aplicação. Apenas é recomendável o IRDR, se o STJ observar que a razão da inaplicação do
precedente seja uma possível obsolescência. As mudanças sociais, políticas, jurídicas e
econômicas implicaram a ilicitude do índice. Nesse caso, concebe-se a reclamação repetitiva
para, se for o caso, exercer o overruling;
(b) os juízes possuem dúvida quanto ao conteúdo do precedente. Ao aplicar o
precedente ao caso concreto, não se sabe o significado da expressão “negócios relativos à
construção civil”; se são apenas negócios que tratem de execução de obra, como é o caso do
contrato de empreitada, ou também negócios que tratem de compra e venda de insumos
destinados à execução de obra ou, ainda, negócios bancários que financiem a construção da
obra. Essas dúvidas interpretativas podem implicar a má aplicação do precedente, aplicando-o
ou afastando-o indevidamente. Esgotadas as instâncias ordinárias, caberá reclamação ao STJ.
Havendo múltiplas reclamações com essas controvérsias, devem ser submetidas ao regime
205
IRDR, de modo que o STJ, em interpretação autêntica, esclareça o conteúdo do precedente
anterior, explicando o que seriam “negócios relativos à construção civil”;
(c) pode haver dúvidas quando a uma distinção em caso concreto. No caso, a
Fazenda Pública alega que o índice também não é lícito na correção de precatórios judiciais.
Em virtude do regime próprio de pagamento das dívidas pública, a Fazenda Pública passa a
invocar a inaplicabilidade do precedente em caso de precatórios judiciais. Contudo, o STJ não
fez tal distinção. Na verdade, não foi sequer aventada a hipótese de aplicar o índice à correção
dos precatórios judiciais, quando da fixação da tese. Os juízes passam a divergir, alguns
aplicam outros afastam o precedente, reconhecendo a distinção. Esgotadas as instâncias
ordinárias, é cabível reclamação dirigida ao STJ, nas quais, com base na afronta à tese jurídica
do precedente, será pleiteada a distinção no caso concreto. Havendo múltiplas reclamações
com essas controvérsias, é pertinente que se desencadeie a reclamação repetitiva, de modo
que o STJ fixe se a o índice também se aplica à correção de precatórios judiciais, exercendo,
se for o caso, o distinguishing.
4.5. A escolha da reclamação paradigma
Com base nas considerações expostas, observa-se que é plenamente viável a
reclamação repetitiva, na sistemática do CPC/2015. Significa, com efeito, a instauração de
um IRDR em uma reclamação constitucional, na qual se discuta uma questão jurídica comum
a diversos processos.
Mas, já que se trata de uma questão comum a diversos outros processos, o que
justifica escolher a reclamação como caso paradigma para submeter-se ao IRDR, e não algum
dos outros tipos processo, recursos ou remédios em que também se veiculem as mesmas
questões? A resposta encontra-se nos parâmetros quantitativos e qualitativos balizadores da
escolha do caso representativo.549
A escolha dos casos representativos é essencial para a produção de um precedente
mais qualificado. Há, portanto, alguns critérios que norteiam a escolha dos casos
representativos, encontrados nas regras dos recursos excepcionais repetitivos (CPC/2015, art.
1.037, §§ 1º a 5º). São critérios qualitativos e quantitativos que permitam demonstrar a
549 Sobre o tema, consultar: CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução
de processos repetitivos. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 231, mai.-2014.
206
controvérsia da questão a ser decidida de forma mais abrangente e profunda e, por
consequência, melhoram o contraditório substancial e qualificam a decisão final.550
Primeiramente, no critério quantitativo, devem ser escolhidos dois ou mais casos,
que em conjunto demonstrem bem a controvérsia. Esses casos, agora no critério qualitativo,
devem trazer a maior quantidade de argumentos – em todos os sentidos –, com maior
profundidade, acerca da controvérsia. Devem ser escolhidos alguns casos que bem
representem os argumentos dos interessados na questão a ser decidida. Os casos paradigmas,
portanto, devem possuir representatividade adequada e argumentativa551, consistente, em
linhas gerais, na demonstração da controvérsia com maior amplitude e abrangência.
A questão objeto do julgamento repetitivo pode se reproduzir nos mais variados
processos e recursos, contudo, na maioria das vezes, é comum que tenda a se repetir em um
determinado tipo de processo ou recurso. Uma questão processual sobre mandado de
segurança, despontará mais em mandados de segurança e recursos neles interpostos. Uma
questão material acerca de locação, surgirá com mais frequência nas ações da Lei do
Inquilinato. Muito embora possa surgir em várias espécies processuais, uma questão assim
tende a manifestar-se com mais frequência numa delas. Logo, um modo de reforçar o grau de
representatividade do caso paradigma, é escolher a espécie processual em que mais apareça a
questão a ser resolvida.
Daí a resposta para a questão acima posta. A reclamação deverá ser eleita como
caso representativo da controvérsia – a dita reclamação repetitiva – se for nela que, com
maior frequência, surgir a questão jurídica objeto do IRDR, de modo a adensar o grau de
representatividade do caso paradigma.
Isso acontecerá com mais frequência quando a questão repetitiva for (i) pertinente
ao procedimento da reclamação constitucional ou (ii) referente à aplicação ou não observância
de precedente (CPC/2015, art. 988, III e IV). Nas reclamações, manifestar-se-ão, com mais
habitualidade, questões processuais próprias da reclamação; e, ainda, aquelas relativas a
controle de precedente. Como dito anteriormente, no sistema erigido pelo CPC/2015, a
reclamação tem por função controlar os precedentes, sendo ambiente adequado para exercício
550 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 23-240. 551 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 163; MARINONI, Luiz Guilherme.
Comentários ao art. 928. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 2082.
207
de distinguishing e de overruling, surgindo muitas reclamações com esse fundamento. São
essas reclamações que devem ser escolhidas como casos representativos da controvérsia.
Essa lógica se aplica às outras espécies processuais, como o conflito de
competência e a ação rescisória. Por exemplo, a discussão acerca da competência, se da
justiça do trabalho ou da justiça comum, para executar créditos trabalhistas inclusos em
recuperação judicial – normalmente – chega ao STJ mediante conflito de competência.552 São
inúmeros os conflitos de competência com essa questão no STJ, o que justificaria instaurar
um IRDR em sede de conflito de competência para fixar tese sobre a questão. Configuraria,
em metonímia, um conflito de competência repetitivo.
4.6. Suspensão das demais reclamações
A instauração de um IRDR ou de um recurso excepcional repetitivo implica a
suspensão de todos os processos de idêntica controvérsia, no território sob jurisdição do
tribunal que admitiu o procedimento repetitivo (CPC/2015, arts. 982, art. 1.037, II). Se em
uma reclamação discute-se a mesma controvérsia, deverá ser sobrestada para aguardar o
julgado do caso repetitivo. Basta que a questão controvertida seja a mesma.
Um detalhe, contanto, precisa ser esclarecido. A reclamação constitucional é uma
ação autônoma, que possui relação jurídica processual distinta da do processo reclamado. São
relações processuais e ações independentes e autônomas. Via de regra, possuem causa de
pedir e pedidos distintos, pois se fossem os mesmos poderia caracterizar litispendência.
Nesse caso, já que se trata de relações jurídicas processuais diferentes, com
objetos também diferentes, a suspensão da reclamação em virtude do processamento de caso
repetitivo, não afeta o processo reclamado, que deverá manter seu prosseguimento
normalmente.
Na reclamação, é permitido ao relator deferir tutela provisória para suspender o
processo ou o ato reclamado (CPC/2015, art. 989, II). Nessa hipótese, a suspensão da
reclamação por conta da admissão do caso repetitivo não importará revogação ou ineficácia
da tutela provisória concedida pelo relator na reclamação. O processo ou o ato reclamado
continuará suspenso, em virtude da concessão da tutela provisória. É que o processamento de
caso repetitivo não impede que o relator ou juiz dos casos sobrestados conceda tutela
552 CC 135.703/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, j. 27/5/2015, DJe 16/6/2015.
208
provisória (CPC/2015, arts. 982, §2º, 1.029, §5º, III). Uma tutela provisória concedida no
processo suspenso mantém sua eficácia.
Em suma, a reclamação está suspensa em virtude da admissão do caso repetitivo
e, doutro lado, o processo ou ato reclamado está suspenso por conta da tutela provisória
concedida pelo relator da reclamação.
4.7. Síntese do capítulo
O CPC/2015 ampliou e aprimorou os mecanismos de solução de casos repetitivos.
Dispôs uma sistemática mais especifica, que permite a aplicação do regime de julgamento das
causas repetitivas a qualquer processo originário de tribunal, recurso ou reexame necessário,
mediante o IRDR que, em conjunto, com os recursos especial e extraordinários repetitivos
formam o microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos. Possui dupla função de
gerir e julgar os casos repetitivos e formar precedentes obrigatórios.
Na reclamação, como ação de competência originária, pode ser suscitado o IRDR,
o que ora se denomina de reclamação repetitiva. Inclusive perante o STJ e STF, que tem a
prerrogativa de julgar os recursos excepcionais repetitivos, o IRDR será aplicado à
reclamação. Na verdade, a expressão reclamação repetitiva é usada em metonímia, pois o que
se repetem são as questões jurídicas, materiais ou processuais, controvertidas.
Basicamente, são três os tipos de questões repetitivas que usualmente despontam
numa reclamação repetitiva: (i) questões repetitivas processuais próprias da reclamação; (ii)
questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo; e, (iii) questões
repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou erro na aplicação de
precedente.
Contudo, na reclamação aparecerão, com mais frequência, questões processuais
próprias da reclamação; e, por outro lado, referentes à aplicação de precedente. É que,
atualmente, a reclamação tem por função controlar os precedentes, sendo um veículo em pode
ser realizado distinguishing e overruling, tendendo a surgir muitas reclamações com essa
possibilidade. São nessas duas hipóteses que a reclamação deverá ser eleita como caso
representativo da controvérsia – a dita reclamação repetitiva –, mais precisamente, se for nela
que, com maior habitualidade, surgir a questão jurídica objeto do IRDR, de modo a aumentar
o grau de representatividade do caso paradigma
209
CONCLUSÕES
A reclamação é prevista no CPC/2015 como um processo originário de qualquer
tribunal brasileiro (CPC/2015, arts. 988 a 993), com a tríplice finalidade de preservação de
competência, garantia de autoridade de decisões e controle dos precedentes dos tribunais. A
reclamação, portanto, sofre uma reformulação por parte do Direito Positivo, mediante um
novo desenho de seu tratamento legal, sobretudo porque consolida e amplia as hipóteses de
cabimento – perante qualquer tribunal brasileiro – com a importante função de assegurar a
correta aplicação dos precedentes ditos obrigatórios.
Essa nova formulação dada à reclamação pelo Direito Positivo demanda novas
pesquisas dogmáticas sobre suas hipóteses de cabimento. O estudo dogmático da reclamação
decorre, dentre uma série de motivos, da importância do método dogmático para a
compreensão do fenômeno jurídico e a aplicação do Direito Positivo em casos concretos, de
modo a solucioná-los adequadamente. Além disso a dogmática, possui algumas funções que
adensam o grau de segurança jurídica. Destaca-se a função de controle da dogmática jurídica,
cujo objetivo é controlar a consistência das decisões. Os textos normativos permitem
inúmeras interpretações, contudo a função de controle da dogmática reduz as interpretações
possíveis, o que diminui às incertezas e, por consequência, aumenta a segurança jurídica.
As hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos jurídicos indeterminados,
isto é, possuem grau de vagueza e ambiguidade. É preciso, pois, em atividade conjunta da
doutrina e jurisprudência – como principais fontes formais da reclamação – preencher o
significado das locuções “preservar competência”, “garantir autoridade” de decisão e
“garantir observância” de precedente obrigatório. A pesquisa, portanto, buscou contribuir para
delimitar o significado das hipóteses de cabimento da reclamação, de modo a facilitar a
identificação de quais fatos são por ela alcançados.
Contudo, antes de proceder com essa análise, foi proposta uma nova classificação
histórica, diferente das até então apresentadas por outros autores. É que a reclamação
amadurecer e se desenvolveu significativamente, sobretudo nos últimos quinze anos,
principalmente após a EC 45/2004; foram vários e importantes fatos, culminado com sua
previsão no CPC/2015. Daí por que foi apresentada uma nova classificação histórica, com
outros marcos divisores, para tornar o estudo mais didático.
São três as fases históricas da reclamação: (i) fase pré-constitucional; (ii) fase
constitucional; e, (iii) fase codificada. A primeira fase vai desde a apreciação pelo STF das
210
primeiras reclamações até a promulgação da CF/1988. A segunda fase possui como marco
inicial a alçada do instituto a nível constitucional (CF/1988, arts. 102, I, l, e 105, I, f), até
2015. A última fase começa com a vigência do CPC/2015, que regulamenta, no texto
codificado, o procedimento, hipóteses de cabimento e competência de todo tribunal para
apreciar reclamações.
Para a compreensão dogmática das hipóteses de cabimento da reclamação, é
primordial identificar sua natureza jurídica. Há várias posições doutrinárias – e
jurisprudenciais – divergentes. Contudo, as pesquisas mais recentes apontam a reclamação
como ação. Há, na reclamação, o exercício de pretensão a tutela jurídica estatal; preenchidos
os pressupostos e requisitos de admissibilidade, surge o direito das partes a uma decisão de
mérito sobre o seu objeto litigioso. A reclamação possui os elementos da ação (partes, pedido
e causar de pedir). É uma ação, ajuizada originariamente em tribunal, sujeita a procedimento
em contraditório, enseja formação de coisa julgada material e formal.
Não é a reclamação uma simples ação. É uma ação constitucional especial. Possui
assento constitucional, ao lado de outros remédios, como o mandado de segurança e o habeas
corpus. A reclamação possui todos os requisitos dos denominados writs constitucionais. É
uma ação que se compõe a jurisdição constitucional das liberdades; é um remédio jurídico
que busca proteger e dar efetividade a direito e garantias fundamentais.
A reclamação, portanto, possui assento constitucional e exerce papel importante
na entrega da tutela jurisdicional. Ela destina-se a assegurar a integridade do próprio Poder
Judiciário. A tríplice função da reclamação relaciona-se com a higidez dos tribunais. A
primeira função da reclamação – preservação de competência dos tribunais – protege o direito
constitucional ao juiz natural. A segunda função, garantir a autoridade de decisões, assegura a
cogência e imperatividade do Poder Judiciário. A última e moderna função, controlar a
aplicação de precedentes, adensa a igualdade e segurança jurídica das decisões do Poder
Judiciário, pois contribuem para que casos semelhantes sejam tratados de forma igual.
As atuais hipóteses de cabimento da reclamação constitucional – perante qualquer
tribunal – estão consolidadas no art. 988, do CPC/2015: preservar a competência do tribunal;
garantir a autoridade das decisões do tribunal; garantir a observância de enunciado de
súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; e, garantir a observância
211
de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as
instâncias ordinárias.
O CPC/2015, por opção, elege a reclamação para garantir a observância de alguns
dos precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 927), no caso, as súmulas vinculantes, as
decisões em controle concentrado de constitucionalidade e os acórdãos em julgamento de
casos repetitivos e incidente de assunção de competência. A reclamação, portanto, é um
elemento estrutural do sistema de precedentes obrigatórios erigido pelo CPC/2015. De nada
adiantaria conceber precedentes formalmente vinculantes, sem criar mecanismos de controle
em sua aplicação. Usualmente, esse mecanismo é o recurso comum, contudo a reclamação
complementa esse sistema contribuindo na garantia de observância de precedentes.
No capítulo terceiro da presente pesquisa foram dissecadas as hipóteses de
cabimento, com o intuito de delimitar o significado de uma delas. Foi visto que as hipóteses
de cabimento são taxativas, não comportando sequer interpretação analógica para ampliar o
rol do art. 988 do CPC/2015.
A reclamação, fundada em usurpação de competência, é cabível contra órgão,
administrativo ou judicial, – hierarquicamente inferior ou submetido ao controle do
respectivo tribunal – que praticar ato ou proferir decisão cuja competência seja do tribunal ou,
ainda, que impedir, de forma comissiva ou omissiva, que o tribunal exerça suas competências.
Se alguma norma de competência do tribunal for violada por órgão, de forma comissiva ou
omissiva, há usurpação de competência; há invasão da esfera do legítimo exercício
jurisdicional do tribunal.
A reclamação para garantir a autoridade de decisão é cabível quando órgão
jurisdicional, vinculado ao tribunal, desobedecer a norma do dispositivo de uma decisão que
seja plenamente eficaz, vinculando juízos e partes, independente do trânsito em julgado. Na
pragmática, são três maneiras em que se manifesta a desobediência: (i) demora, excessiva e
injustificada, no cumprimento da decisão, ou seja, uma omissão; (ii) recusa expressa em
atender a decisão; e, (iii) cumpri-la colidindo frontalmente com o conteúdo do dispositivo.
Num esquema pragmático, três são as situações básicas de inobservância dum precedente
obrigatório, que descerram o caminho para a propositura de reclamação.
Por fim, por “garantir observância” de precedente obrigatório, compreende-se três
situações em que admite-se a reclamação: (i) pura negativa de aplicação do precedente, sem
alegação de qualquer distinção no caso concreto, ou seja, uma pura negativa injustificada em
212
aplicar o precedentes; (ii) reclamações por puro erro na aplicação do precedente, decorrente
de equívoco interpretativo ou má compreensão da tese jurídica; e, (iii) reclamação por
realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing equivocadamente. Essas são as três situações
que viabilizam o cabimento da reclamação por afronta à precedente obrigatório.
Vislumbrou-se que, em sede de reclamação, é possível ocorrer a reinterpretação
do precedente, o distinguishing e, até mesmo, o overruling, como consequência da
estruturação e da causa de pedir da reclamação fundada em inobservância de precedente
obrigatório. É que se há alegação de afronta ou inobservância de precedente, antes de julgar o
mérito da reclamação, o juiz deve identificar a ratio decidendi do precedente. Ao fazer isso,
está reinterpretando – autenticamente – o próprio precedente. Após identificar a ratio
decidendi do precedente, o juiz deve identificar se o caso concreto a ela submete-se,
obrigando-o a perquirir se há algum distinguishing há ser feito que afaste o precedente. Por
fim, é possível que, em virtude de mudanças sociais, históricas, políticas, econômicas e, até
mesmo, legislativas, se identifique a necessidade de superação do precedente, sendo, portanto,
possível o overruling em sede de reclamação.
A reclamação, ainda, pode servir para suscitar um incidente de resolução de
demandas repetitivas – IRDR. Numa reclamação pode despontar questão jurídica – material e
processual – que se repita em múltiplos litígios. É a repetição de questões controversas
relativas à moderna litigiosidade em massa. E, a reclamação, no sistema do CPC/2015, está
intimamente relacionada ao IRDR, já que se destina a garantir a aplicação dos precedentes
nele formados. Assim, é comum que na reclamação surjam questões repetitivas relacionadas à
aplicação do precedente contido em acórdão de IRDR. Quando isso acontecer, uma
reclamação poderá ser eleita para instalar o IRDR e solucionar a questão, fixando a tese
jurídica vinculante dos demais órgãos judiciais. É que se denominou de reclamação
repetitiva.
213
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