PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS
MESTRADO PROFISSIONAL
DISCIPLINA:
TÓPICOS EM RECURSOS HÍDRICOS E
HIDROGEOLOGIA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
FACULDADE DE GEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS
MESTRADO PROFISSIONAL
DISCIPLINA: TÓPICOS EM RECURSOS HÍDRICOS E HIDROGEOLOGIA CARGA HORÁRIA: 60h - CRÉDITOS: 4
Prof. Dr. Milton Matta Prof. Dr. Itabaraci Cavalcante
ANO 2015
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 4
1.1. A Abordagem Hidrogeológica – Multidisciplinaridade 6 1.2. Os Recursos Hídricos e o Mercado de Trabalho 8 1.3. Conceituação de Hidrogeologia 10 1.4. Evolução dos Estudos Hidrogeológicos com o Tempo 11 1.5. Importância Histórica das Águas Subterrâneas 15 1.6. Águas subterrâneas – um bem mineral 19
2. A PROBLEMÁTICA DA ÁGUA 24
2.1. Recursos Hídricos – Cenário Mundial 24 2.2. Recursos Hídricos no Brasil 28
3. AS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NO CICLO HIDROLÓGICO 32
3.1. O Ciclo Hidrológico 32 3.2. Águas superficiais 36 3.3. Aguas Sub-superficiais 37
4. OS AQÜÍFEROS 39
4.1. Tipos de aquíferos 40 4.2. Relações entre águas subterrâneas e águas superficiais 43
5. PROSPECÇÃO HIDROGEOLÓGICA 44
5.1. Levantamentos Hidrogeológicos 45 5.2. Prospecção Geofísica 47
6. RESERVAS E DISPONIBILIDADES HÍDRICAS SUBTERRÂNEAS 52
6.1. Reservas Renováveis (Rr) 54 6.2. Reservas Permanentes (Rp) 55 6.3. Recursos explotáveis (Re) ou Potencialidade Aquífera (P) 56 6.4. Disponibilidade 57 6.5. Disponibilidade Efetiva (Disponibilidade Instalada) 58 6.6. Disponibilidade Instalável 58 6.7. Disponibilidade Hídrica Total 58
7. BIBLIOGRAFIA: 59
CÁPITULO 1
1. INTRODUÇÃO Nós...a água...e a vida.(Texto modificado do Prefácio de Nilson Campos, 1999).
A água está no mundo e em cada um de nós. Ela está sobre nós, nas nuvens,
como parte da atmosfera; ao nosso redor, nos rios, lagos, córregos e valetas,
componentes da atmosfera; está abaixo de nós, circulando nos maiores rios da Terra
– os depósitos de água subterrânea; está caminhando até nós, nos sistemas
hidráulicos de distribuição de água até nossas casas.
A água está também dentro de nós, perfazendo cerca de ¾ de nosso
organismo e como elemento imprescindível à manutenção de nossa vida. Assim
como a água nos dá a vida, pode também tirá-la. Pois como acontece entre os
humanos, existem as águas boas e as águas más! As boas são as águas puras, sem
cor odor ou cheiro, que matam nossa sede. Algumas águas, porém, são traiçoeiras,
nos alimentam de doenças – ditas doenças de veiculação hídrica – que podem nos
levar a morte.
A água surgiu na Terra há mais de 3.5 bilhões de anos e veio tornar nosso
planeta único no Universo. Até agora somente a Terra mantém as condições básicas
para sustentar a vida. Desde a formação das primeiras moléculas orgânicas que
antecederam a geração das primeiras células vivas, a água tem tido um papel
fundamental na Terra. Os primeiros animais foram marinhos. Depois os anfíbios
começaram a povoar a Terra sólida. Os homens, surgidos há 3 milhões de anos,
passaram a formar as aglomerações sociais em volta dos cursos de água.
Passaram, então, a transformar as águas boas em águas más.
Ao iniciar a disciplina Tópicos em Recursos Hídricos e Hidrogeologia, é
importante que o leitor se conscientize não só da importância do entendimento dos
principais conceitos que governam as águas subterrâneas – a base do estudo – mas
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também do papel de cada um de nós no processo de uso e conservação dos
Recursos Hídricos em geral que, no fundo, está diretamente ligado à sobrevivência
das gerações futuras. Na Amazônia, com a abundância de água que temos, essa
conscientização é muito mais difícil, pois já desenvolvemos a cultura do desperdício.
Achamos que temos muita água. Água de graça! Por isso nossos governantes não
têm investido em pesquisa e projetos de melhor aproveitamento de nossos Recursos
Hídricos.
Talvez a melhor maneira de conscientizar os amazônidas da necessidade de
preservar nossas águas, é lembrar da situação de nossos irmãos nordestinos. Sobre
isso, CAMPOS (1999) escreve: “...mais do que ninguém os nordestinos têm uma
convivência com a escassez de água, da forma entendida por Euclides da Cunha,
como forma de luta e de força na ocupação dos sertões.” As águas subterrâneas
vêm se inserindo cada vez mais no cenário nacional – e no internacional - como uma
das alternativas mais importantes na matriz da gestão dos recursos hídricos, no
sentido de atender plenamente à sociedade brasileira naquilo que vem sendo
considerado o mais precioso bem do Terceiro Milênio – a água.
O conhecimento deve ser considerado o principal capital humano no modelo
atual de sociedade de nosso país. Neste contexto, torna-se imprescindível ao
interessado na área ambiental e dos recursos hídricos, a aquisição dos fundamentos
básicos da moderna Hidrogeologia e suas interações com uma grande gama de
outras áreas das geociências e das ciências humanas em geral. A busca de sucesso
no mercado de trabalho atual de nosso país tem demonstrado que a área dos
Recursos Hídricos vem representando uma fatia considerável desse mercado,
juntamente com suas interações com a Geologia Ambiental e com ferramentas
indispensáveis existente no campo do Geoprocessamento e do Sensoriamento
Remoto.
Além disso, o entendimento dos processos relacionados com a prospecção
das águas subterrâneas e suas inter-relações com os outros componentes do ciclo
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hidrológico permitirão a obtenção de fortes subsídios para o exercício da cidadania
plena. Cremos que um dos maiores desafios que o Brasil enfrentará nesse início de
século nas questões da água será modificar os modelos políticos, institucionais,
técnicos e educacionais atuais e abordar a problemática da água na concepção de
gestão integrada, onde cada gota d’água deverá ser utilizada de forma racional.
Para tanto, o entendimento da moderna Hidrogeologia pode constituir o primeiro de
muitos passos a serem dados na direção do uso e proteção dos Recursos Hídricos e
exercício pleno da cidadania.
1.1. A Abordagem Hidrogeológica – Multidisciplinaridade
Assim como é característico de todas as ciências, os estudos hidrogeológicos
em particular e dos recursos hídricos em geral são abordagens multidisciplinares,
utilizando um amplo conjunto de ferramentas de várias disciplinas.
Além disso, no mercado de trabalho é clara a tendência de preferência pelos
profissionais com uma formação menos especialista e mais generalista nos leques
de campos de atuação.
Recursos Hídricos e Hidrogeologia
Multidisciplinar
Qualquer Ciência
Atual Multidisciplinar
Geocientista Especialista
Geocientista Generalista
Em BAIXA no
Mercado de Trabalho
Em ALTA no
Mercado de Trabalho
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A figura 1 mostra um leque de disciplinas associadas com o estudo dos
recursos hídricos. Pode-se notar o vasto campo das ciências associado com os
estudos hidrogeológicos.
Figura 1 – Disciplinas e ciências de uma maneira geral associadas ao estudo dos recursos hídricos e da hidrogeologia.
FONTE: do autor.
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1.2. Os Recursos Hídricos e o Mercado de Trabalho
A Hidrogeologia no Brasil e no exterior tem crescido muito nos últimos 10
anos. Os indicadores socioeconômicos têm mostrado que tal tendência deve
continuar nas próximas décadas.
Isso tem decorrido não somente pela consciência da sociedade da importância
de ambientes limpos para viver, como também pelo fato de que há uma crescente
ideia de que somente haverá um futuro para a humanidade com a erradicação da
pobreza e isso terá que passar necessariamente pela democratização do acesso à
água potável e ao saneamento.
Acrescenta-se também que está se tornando cada vez mais claro que o
desenvolvimento não se contrapõe ao controle ambiental. Ao contrário, algumas
técnicas ambientalmente salutares tem elevado o lucro das empresas a médios e
longos prazos.
Nesta conjuntura, o mercado profissional para o hidrogeólogo tem se
diversificado tremendamente nas últimas décadas. Antigamente as possibilidades de
trabalho restringiam-se em atuar com perfuração de poços tubulares, avaliações
hidrogeológicas e estudos acadêmicos de contaminação de aqüíferos. As empresas
onde se deixava o currículo eram as perfuradoras de poços e se esperava por um
concurso público para entrar em uma instituição de pesquisa governamental.
Hoje o recém-formado de geologia ou de engenharia, que queira trabalhar em
hidrogeologia, tem muito mais opções:
Obras de captação: i) acompanhamento de perfuração de poços
tubulares em companhias privadas; ii) desenvolvimento de novas
tecnologias de perfuração de poços (lama, polímeros, etc.) e iii) projeto
de captações de água subterrânea.
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Avaliação hidrogeológica: locação de poços tubulares, inclusive com
a incorporação às técnicas tradicionais de análises geológicas mais
sofisticadas, como a neotectônica e o estudo de ambiente de
sedimentação (faciologia).
Prospecção de água mineral: busca de fontes de água mineral que
atendam a demanda, a não-contaminação e a química.
Gestão ou manejo do recurso hídrico: i) exploração e produtividade
do aqüífero; ii) sustentabilidade da exploração do aqüífero; iii) impactos
que a exploração podem causar em áreas ecologicamente frágeis e iv)
impactos do abandono da exploração em áreas urbanas (elevação de
níveis potenciométricos e problemas geotécnicos).
Contaminação ambiental: i) hidrogeoquímica (estudo das anomalias
químicas); ii) contaminação de solos e de aqüíferos (caracterização de
locais impactados por atividades humanas); iii) remediação de áreas
contaminadas (solo e aqüíferos).
Geologia do planejamento: i) compatibilização do uso da terra frente à
capacidade da hidrogeologia (abastecimento de água, vulnerabilidade
de aqüíferos); ii) avaliação de áreas de risco geológico.
As empresas e instituições contratantes dos serviços hidrogeológicos também
se diversificaram. Um fenômeno bastante notável nestes últimos anos foi à criação e
expansão das empresas de consultoria em meio ambiente. Também foram criadas a
agência de controle do setor água (ANA) e os comitês de bacias hidrográficas, que
estão mudando, ainda mais, este perfil de empresas no País.
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1.3. Conceituação de Hidrogeologia
Foi o naturalista francês Lamark, em 1802, quem primeiro utilizou o termo
Hidrogeologia para definir um conjunto de fenômenos de erosão, transporte e
sedimentação produzidos por agentes hídricos.
No mesmo sentido o termo foi utilizado pelo americano Powell, em 1885.
É evidente que o significado do termo Hidrogeologia, como empregado por
Lamark e Powell não foi bem aceito nem entre seus contemporâneos, nem
posteriormente.
Depois disso, seguiram-se algumas contribuições:
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Hoje se entende que Hidrologia é a ciência que trata do estudo da água na
natureza, sua ocorrência, circulação e distribuição, suas propriedades físicas e
químicas e suas reações com o meio-ambiente, incluindo suas relações com a
vida.(Definição recomendada pelo United States Federal Concil of Science and
Tecnology, 1962)
1.4. Evolução dos Estudos Hidrogeológicos com o Tempo
Existe um ditado que diz “ninguém pode realmente ser um mestre em uma
ciência a menos que estude sua história específica.” Isso é também válido para os
estudos hidrogeológicos. Para que entendamos a Hidrogeologia hoje, é importante
que conheçamos como esses estudos têm evoluído ao longo do tempo.
Durante cerca de 99% de sua existência na Terra, o homem foi caçador-
extrativista, seguindo animais e vegetais, segundo as estações.
Somente durante os últimos 10 000 anos é que se tornou sedentário, na
medida em que foi obrigado a praticar a agricultura para sobreviver nas regiões
áridas, para onde teve que migrar fugindo da calota polar do último grande período
glacial.
As águas subterrâneas eram a base do desenvolvimento das civilizações
antigas, pré-Cristo. O exemplo mais claro da utilização das águas subterrâneas na
antiguidade foram as KHANATS. Eram galerias que captavam as águas e as
transportavam por longas distâncias. Os khanats penetravam por baixo das zonas
saturadas e captavam água ao produzir uma linha de menor potencial.
O termo HIDROGEOLOGIA tem sido usado
para a parte subterrânea da Hidrologia
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A origem dos khanats se perde na antiguidade, mas segundo De Camp (1963)
in Custódio & Llamas (1983), quando Sargon II de Asíria invadiu a Armênia em 714
a.C., destruiu os khanats que lá encontrou e transportou a técnica para seu país.
A construção de poços escavados começou a ser desenvolvida no Oriente.
Eram normalmente profundidades a 50 ou 100m e diversas referências podem ser
encontradas no livro da Gênese, do Antigo Testamento quanto à construção desses
poços e aos consequentes problemas legais e políticos.
A crescente complexidade das atividades de produção e de ocupação do meio
ambiente da sociedade moderna exigiu um permanente desdobramento das ciências
em geral.
Como resultado disso, a Hidrogeologia evoluiu, durante o último milênio, de
uma abordagem quase mitológica para uma fase altamente tecnicista, a qual passou
rapidamente, durante o último quarto de século, para uma abordagem ecológica
(Rebouças, 1995)
Segundo Rebouças (1995) os grandes marcos da Hidrogeologia
compreendem as seguintes etapas:
Fase Empírica – Se estende desde os primórdios da
civilização, há cerca de 10 000 anos a.C., quando foram
escavados os primeiros poços para abastecimento humano,
animal e irrigação até a experiência de Darcy, em 1856 d.C.
Período de 1856 – 1935 – foi lançado o embasamento
científico, correspondentes aos fundamentos geológicos e a
mecânica dos fluidos, com as condições de ocorrência e de
fluxo das águas subterrâneas nos meios porosos e
produtividade das obras de capacitação.
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Período de 1936 – 1950 – houve um grande crescimento na
industria, que deu suporte a II Guerra Mundial, exigindo o
desenvolvimento dos métodos de avaliação da produtividade
de poços, raios de influência, precursores da hidrogeologia
quantitativa moderna.Os modelos físicos (caixas de areia,
placas paralelas ou de viscosidade) tiveram um relativo
sucesso, sendo posteriormente substituídos pelos modelos
analógicos elétricos.
Década de 1950 – o consumidor atingiu a fase comercial,
possibilitando a evolução da tradicional abordagem pontual
da hidráulica de poços, para uma análise mais ampla, em
que se considerou a UUnniiddaaddee AAqqüüííffeerraa.. Nesta fase, as
unidades lito-estratigráficas, ou corpos rochosos com
relativamente melhor permeabilidade foram denominados
de aqüíferos, em contraposição às camadas praticamente
impermeáveis que foram denominadas de aqüicludes, e os
aqüitardes sendo termos intermediários. Os modelos
analógicos elétricos foram, progressivamente, substituídos
pelos modelos matemáticos analíticos. Década de 1970 – teve início a abordagem sistêmica dos
problemas hidrogeológicos. Nesta etapa, as aplicações se
restringiram, praticamente, às análises de alternativas de
usos múltiplos de reservatórios.
Nos estudos hidrogeológicos passou-se a considerar o SISTEMA
AQÜÍFERO, o qual compreende suas zonas de recarga, de trânsito de fluxo e
zonas de descarga, todas associadas e interdependentes do sistema
hidrológico ou da unidade hidrográfica onde ocorria o aqüífero em questão.
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Década de 1980 – cresce a percepção sobre as
interações hidrodinâmicas e hidroquímicas que
ocorrem no subsolo, envolvendo aqüíferos, aqüicludes e
aqüitardes, resultando na abordagem atual do SSiisstteemmaa
ddee FFlluuxxooss SSuubbtteerrrrâânneeooss.. Os resultados da investigação
de campo e de laboratório tornam evidente a
inexistência, em absoluto, de água subterrânea
desconectada do ciclo hidrológico.
A partir 1985 – cresce a percepção sobre os problemas
de poluição que afetam as águas subterrâneas. Em
conseqüência, desenvolvem-se os métodos de estudo da
zona não saturada, intensificam-se, substancialmente,
os estudos de hidrogeologia física e, sobretudo,
desenvolve-se rapidamente a hidrogeologia química ou
hidroquímica. Os estudos dos processos hidrológicos
ou físicos passam a ser tão importantes quanto os
processos geoquímicos ou hidroquímicos, exigindo um
maior aprofundamento dos conhecimentos de
matemática, química e das ciências computacionais.
Na década de 1990 – a microbiologia das águas
subterrâneas (solo, zona não saturada e zona
saturada) passa a ser uma importante fase dos estudos
hidrogeológicos. Esta fase exige um grande esforço
dos hidrogeólogos, no sentido de um maior
aprofundamento científico em microbiologia e de
ajuste cultural para abordagem de estudos
experimentais no campo e laboratório.
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1.5. Importância Histórica das Águas Subterrâneas
Sabe-se que o organismo humano pode privar-se de alimento por alguns dias.
Mas, privando-se de água ele morrerá rapidamente. Não admira, pois que, desde
muito antes que o homem primitivo houvesse deixado sua presença sobre a Terra
por meio de incisões nas paredes de suas cavernas a água tenha sido a força
propulsora de toda a civilização.
Na realidade a quantidade de água que nosso organismo necessita para sua
subsistência é relativamente pequena, se comparada com o peso do corpo: cerca de
2 a 2.5 litros por dia, para uma pessoa de atividade moderada, em clima temperado.
Cada função orgânica, porém, está condicionada a presença de uma porção dessa
quantidade, de tal forma que se pode afirmar que a vida depende da água.
A água participa na proteção do embrião antes do nascimento, na manutenção
da temperatura do corpo, no processo respiratório, no funcionamento das glândulas,
na digestão, na lubrificação das articulações móveis. Sem água suficiente para a
manutenção das funções orgânicas, o homem perde o apetite, torna-se subnutrido e
incapacitado, até chagar à morte!
Tem sido ao longo de hidrovias que o homem tem se movimentado, desde os
tempos remotos, ao procurar expandir sua cultura e dominar sempre mais as regiões
incultas. Basta se observar as maiores cidades das nações e atentarmos para suas
relações com o oceano, com um lago ou com um rio, para se constatar que, a
No momento, os estudos hidrogeológicos têm como
objetivo básico o uso e a proteção das águas
subterrâneas, exigindo o concurso de um amplo
espectro interdisciplinar de especialistas.
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despeito de nossa habilidade em vencermos o tempo, distância e espaço, não
deixamos de estar subordinados à agua.
A figura 2 mostra a distribuição das águas no planeta. Pode-se perceber que,
a maior parte da água do planeta é salgada (97,5%), não servindo, portanto, para o
consumo humano na sua forma natural, sem utilização dos onerosos processos de
dessalinização. Os restantes 2,5% estão divididos em 1,72% referentes às águas
das calotas polares e geleiras, que também se encontram distantes dos centros de
maior consumo. Sobram 0,78% disponíveis como água doce para consumo
humano. Dessa última parte, cerca de 96.1% equivale às águas subterrâneas, 1,01%
estão nos lagos e rios e, os restantes 2,89% estão em outros reservatórios.
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Figura 2 – Distribuição da água na Terra.
FONTE: Matta (2002). (Fonte dos dados numéricos: Shiklomanov, 1998)
A distribuição das águas na terra não pode ser vista simplesmente como a
relação numérica mostrada na figura 2. Ela serve somente para se definir as
dimensões físicas dos recursos hídricos. Deve-se lembrar, porém, que a
disponibilidade de água deve ser correlacionada com a velocidade que uma
determinada fonte de água se renova através dos processos do ciclo hidrológico. Os
tempos de trânsito das águas em cada estágio do ciclo hidrológico variam bastante.
Nos rios esse tempo médio é de cerca de 18-20 dias, enquanto na atmosfera a água
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é substituída a cada 12 dias. As águas subterrâneas profundas precisam de várias
centenas de anos, ou mais, para se renovar (Rebouças, 1994).
A figura 3 resume um conjunto de vantagens que as águas subterrâneas
apresentam em relação às superficiais. A pergunta quese impõe é: porque, na
maioria das cidades, a água superficial é preferida para abastecimento humano em
detrimento das águas subterrâneas?
Este é um fator que tem representado um importante papel na
descaracterização das águas subterrâneas como um grande provedor para
abastecimento de água potável.
Para uma grande parte de nossos administradores, a construção de poços
para explotação de água subterrânea “não dá votos, pois o povo não vê a obra!”.
Não há como colocar uma placa!
É muito mais interessante, politicamente, investir em grandes obras para
captação e tratamento das águas superficiais, mesmo que sejam financeiramente
inviáveis quando comparadas à um investimento menor nas águas subterrâneas.
Com as águas superficiais o povo vê a obra e dá prestígio ao político responsável!
A Política Brasileira e a água pouco
fotogênica!
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Figura 3 – Vantagens das águas subterrâneas em relação às superficiais para abastecimento público.
FONTE: do autor 1.6. Águas subterrâneas – um bem mineral
A água sempre foi considerada um bem livre e de uso comum (“de graça”)!
Principalmente na Amazônia, onde se encontra a maior descarga de água doce do
Planeta.
Brasil: quinto país do mundo, em território e em população. Destaca-se no
cenário mundial como detentor de 53% da água doce da América do Sul e 12% do
total mundial
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Abundância trouxe a cultura do desperdício e a não realização de
investimentos no setor para um uso e proteção mais eficientes desse bem mineral.
A figura 4 mostra a cobra representativa da ordem de valores das 30 mais
importantes matérias primas mineral do mundo. O tamanho de cada bola e o número
associado representam a ordem de importância do bem mineral.
Pode-se perceber que a água subterrânea representa a segunda matéria
prima em ordem de importância para a humanidade, vindo logo após o petróleo.
Na maioria das cidades, a população tem se acostumado a abrir as torneiras e
deixar a água correr sem ter noção dos problemas que se enfrenta para captação e
tratamento das águas.
Neste contexto também se insere a água subterrânea. Os famosos poços
escavados (poços amazonas) têm sido cavados nos quintais das casas e têm
servido para enaltecer essa ideia de que a água é gratuita. (figura 5)
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Figura 4- Ordem de valores das 30 mais importantes matérias primas.
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Figura 5- Poço amazonas (poço escavado), a céu aberto e nas proximidades do sanitário e fossa.
Na realidade, em diversos paises do mundo e mesmo em algumas regiões do
Brasil, as águas subterrâneas passaram a ser olhadas dentro de um outro prisma.
Elas têm sido consideradas como um bem mineral e têm passado a representar um
importante papel nos balanços econômico-financeiros.
Nos estados Unidos, por exemplo, e em diversos países ditos do primeiro
mundo, a motivação primária para o estudo das águas subterrâneas tem sido,
tradicionalmente, sua importância como um bem mineral, com grande interesse
econômico.
No Brasil, a partir de 1997, com a Lei Federal N. 9433, o uso da água passou
a ser cobrado e, as regiões com alto potencial hídrico, principalmente de águas
subterrânea, ganharam um importante bem mineral para compor a matriz econômica.
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Para se alcançar um uso mais eficiente da gota d’água disponível no mundo,
uma das recomendações do Banco Mundial (BM) e da Organização das Nações
Unidas (ONU) é considerá-la uma mercadoria, com preço de mercado.
Certamente, seria de fundamental importância informar mais a mídia e a
sociedade, em geral, sobre a existência das águas subterrâneas e o grande alcance
social e econômico da sua utilização racional.
CAPÍTULO 2 2. A PROBLEMÁTICA DA ÁGUA
Neste capítulo serão mostrados os cenários da água a nível mundial e
brasileiro, no sentido de caracterizar com mais propriedade a problemática da água e
o papel da sociedade diante dele.
2.1. Recursos Hídricos – Cenário Mundial
A água tem tido, historicamente, assim como a religião e a ideologia, o poder
de mover milhões de pessoas. Desde o início das civilizações, variados grupos
humanos tem se deslocado em busca de água, deixado as regiões em que ela é
escassa, ou aquelas em que ela é exageradamente abundante
O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê: “Toda
pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a
saúde e o bem estar”. Sem o acesso à água limpa, a saúde e o bem estar, não só
estarão em perigo, como se tornarão inviáveis.
Em todos os fóruns científicos do mundo inteiro fala-se sobre a crise global da
água. Comenta-se sobre a possibilidade da III Grande Guerra estar vinculada às
disputas pela garantia das demandas de água potável. O exemplo mais forte desses
conflitos é o vivenciado por Israelenses e Palestinos, cujos mananciais disponíveis
dependem de complicados acordos entre diversas nações.
As relações da água com a economia diferem de país para país, dependendo
das condições climáticas naturais, da disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos
recursos hídricos, além das condições de desenvolvimento econômico e social de
cada nação.
Entretanto, desde os primórdios dos tempos, tudo que diz respeito à água é
político, à medida que compreende interesses divergentes.
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Um crescente número de exemplos positivos mostra que, nas últimas
décadas, pelo menos, é mais importante usar de forma cada vez mais eficiente a
gota d’água disponível do que ostentar escassez ou abundância – tanto nos países
muito pobres de água nos seus rios (menos de 500 m3/ano per capita), como Israel,
por exemplo, quanto nos países ricos (entre 10.000 e 100.000 m3/ano per capita) no
Brasil, ou em regiões muito ricas (mais de 100.000 m3/ano per capita) nos estados
da Região Norte do Brasil.
A experiência mostra, todavia, que a utilização da água subterrânea para
abastecimento humano, é a alternativa mais barata contra a escassez local e
ocasional de água nos países desenvolvidos. Por sua vez, na gestão sistêmica de
uma bacia hidrográfica as diferentes funções do subsolo para depuração de águas
injetadas ou de reuso, são as alternativas mais baratas de tratamento. Contudo, nos
países em desenvolvimento ou emergentes como o Brasil, estas alternativas não
são, sequer, consideradas no arcabouço legal vigente. Assim, no Brasil, em geral, e
no meio urbano, em particular, onde não se tem rede coletora de esgotos, distinguir
um poço bem construído - de produção, monitoramento ou injeção – de um buraco
de onde se extrai água é tão importante quanto diferenciar uma incisão cirúrgica de
uma facada.
Vale salientar que, em função dos progressos verificados nas últimas décadas
nos métodos de construção de poços, as performances crescentes das bombas e a
expansão da oferta de energia elétrica, principalmente, faz com que já não exista
aqüífero confinado e profundo inacessível aos meios técnicos e financeiros.
Considerando, portanto, que as demandas totais de água no mundo são da
ordem de 6.000 km3/ano – consumo domestico (10%), industrial (20%) e agricultura
(70%) – verifica-se que, em escala global, não há falta de água doce no mundo.
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Basta lembrar que com a redução de 10% dos desperdícios verificados na
agricultura, cuja perda média mundial nos projetos de irrigação é de 60%, já daria
para abastecer uma população do dobro da atual FAO (2000).
Portanto, a crise da água no mundo é, fundamentalmente, de distribuição
e de tradição!
Primeiro, porque o meio técnico do saneamento básico parece que considera
como água doce, apenas os volumes que estão estocados nas calhas dos rios e
lagos - 10 milésimos do volume de água doce estocado no subsolo - para cujo uso
torna-se necessário realizar grandes investimentos públicos.
Segundo, porque não se considera o direito universal de uso das águas por
todos. Em função disso, certamente, o Egito, por exemplo, declara que vai considerar
ato bélico a captação de água a montante da barragem de Assuã, sem levar em
conta que cerca de 80% destas são geradas nestes territórios de montante e que aí
vive uma população que é assolada frequentemente por secas catastróficas, desde
os primórdios dos tempos históricos.
Por sua vez, vários países ricos do mundo esquecem que importam a maior
quantidade do que comem diariamente e que a importação de alimentos significa,
grosso modo, a importação de água.
O direito à água limpa de beber não admite exclusão. Em outras palavras,
tanto povos ricos quanto povos pobres, necessitam ter água limpa de beber,
produção industrial e de alimentos, coleta e tratamento de esgotos, porque eles
vivem juntos e a falta deste elemento vital prejudicará a todos.
Segundo Rebouças (1994), a disponibilidade anual mais baixa de água no
Brasil, no semi-árido nordestino, envolvendo estados como Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba e Pernambuco é, em média, duas vezes superior á disponibilidade
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per capita da Alemanha (1.100 m3) e similar a de vários outros países da Europa.
Apesar disso, o consumo per capita nesses países vem sendo três vezes maior que
nos estados brasileiros.
Na realidade, analisando-se todos os números que tem saído na literatura
especializada sobre os volumes de água disponíveis em todos os países, e as
planilhas de demandas e suas projeções, não deverá faltar água no mundo.
O que é preocupante, não é a quantidade de água disponível para a
humanidade, mas o crescimento desordenado do consumo de água na maioria dos
países, associado ao grande desperdício nos usos domésticos e agrícolas e a
degradação dos grandes mananciais em níveis jamais imaginados, que poderão
fazer com que falte água nas torneiras de muitos usuários.
As águas subterrâneas assumem um papel importantíssimo nos processos de
gestão integrada dos recursos hídricos, por todas as vantagens que elas
demonstram em relação aos reservatórios superficiais. Porém, nem sempre essas
águas estão disponíveis. Muitas vezes, estão tão distantes e/ou profundas, que suas
relações custo/benefício podem inviabiliza-las como fonte de abastecimento.
Fica claro, portanto, que muito mais significante do que as quantidades de
água disponíveis para consumo humano, são as formas de gestão desses recursos
na grande maioria das localidades.
Seria um “mito” se dizer que existe uma crise de água e que as reservas de
água doce estão prestes a se esgotar no mundo.
Na realidade, o “fato” é que a crise é de gerenciamento da água! O problema
mundial é o de se utilizar da forma mais racional possível cada gota de água
disponível e se proteger os mananciais disponíveis pensando nas futuras gerações.
28
2.2. Recursos Hídricos no Brasil
O Brasil, entre os países do mundo de dimensões continentais, possui uma
ampla diversificação climática, onde predomina o clima tropical úmido. Em mais de
90% de seu território, recebe abundantes chuvas, com índices pluviométricos entre
1.000 e 3.000 mm/ano. Isso acarretou na existência da maior descarga de água doce
do planeta, distribuída numa rede hidrográfica perene das mais extensas e densas
(Rebouças, 1999).
O Brasil apresenta uma produção hídrica de cerca de 177.900 m3 /s que,
somada a parte referente à Amazônia internacional, representa cerca de 53% da
produção de água doce do continente Sul Americano e 12% do total mundial.
(Rebouças, 1999).
Essa abundância de água serviu para desenvolver a chamada cultura do
desperdício da água e justificou a falta de investimentos no setor de recursos
hídricos por parte dos poderes constituídos. Além disso, o Brasil vive uma situação
singular em termos de distribuição de recursos hídricos, que é bem conhecida da
classe científica e da população em geral.
Em termos de recursos superficiais, tem-se uma produção hídrica de cerca de
78% do total nacional, na região Amazônica, que detém uma densidade populacional
de 2 a 5 hab/km2. Na bacia do rio São Francisco, por outro lado, com uma
densidade populacional entre 5 e 25 hab/km2 tem-se uma produção hídrica de cerca
de 1,7% do total nacional, enquanto na bacia do Paraná, com uma média de 53
hab/km2 , tem-se cerca de 6% do total nacional (Rebouças, 1999).
A região Norte se destaca no cenário nacional, como uma bacia que ocupa
uma área de cerca de 57% da superfície do Brasil e por onde passa a maior
descarga de água doce do planeta. Em contraste, as populações da maioria das
29
cidades da região sofrem com problema de água potável, em abundância e
qualidade desejáveis.
Isso está relacionado, como no restante do país, a um crescimento exagerado
das demandas em geral e de forma localizada, a uma degradação dos mananciais
em níveis nunca imaginados e, mais importante, a uma falta de política pública que
busque uso cada vez mais eficiente e menor degradação da qualidade das águas.
A figura 6 mostra a distribuição das províncias hidrogeológicas do Brasil. A
disposição das províncias segue aproximadamente as províncias geológicas do país.
Em termos de produção hídrica destacam-se as províncias Amazonas (2), a do
Paraná (7) e a do Parnaíba (4) as quais correspondem às três grandes bacias
sedimentares paleozoicas do Brasil.
30
Figura 6 – Províncias Hidrogeológicas do Brasil
FONTE: FGV (1998)
No Brasil, os dados do último censo demográfico (IBGE, 2000) revelam que
dos 130 milhões de brasileiros que moram nas cidades, 110 milhões não têm esgoto
31
tratado e mais de 40 milhões não recebem regularmente água, vivendo o penoso
regime de racionamento ou rodízio de abastecimento. Os mais pobres desse grupo,
em torno de 11 milhões, não têm sequer acesso à água limpa de beber. Entretanto,
por mais que esse quadro sanitário seja um dos nossos maiores dramas, não tem
merecido a devida atenção das autoridades – Executivo, Legislativo ou Judiciário –
ou dos partidos políticos.
Não é exagero dizer que os problemas de abastecimento d’água em Manaus,
Santarém ou Belém - cidades situadas na Região Hidrográfica do Amazonas, muito
rica de água doce ou >100.00m3/ano per capita, 73% das descargas de água doce
dos rios do Brasil, as maiores do mundo – são muito parecidos com os que ocorrem
no semiárido do Nordeste (Fortaleza), na sua zona úmida costeira (Recife), na região
Sudeste (Grande São Paulo) ou na região Sul (Porto Alegre), por exemplo.
Entretanto, o grande desafio à sociedade brasileira e até ao seu meio técnico
é evoluir da ideia tradicional de que a única solução aos problemas de oferta local e
ocasional de água é aumentar sua oferta mediante a construção de obras
extraordinárias.
CAPÍTULO 3
3. AS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NO CICLO HIDROLÓGICO
Neste capítulo será descrito o ciclo hidrológico e será mostrada a importância
das águas subterrâneas no processo de comunicação entre os diversos setores do
caminho que a água percorre na Terra.
3.1. O Ciclo Hidrológico
A água na hidrosfera se encontra em seus três estados físicos básicos: sólido,
líquido e gasoso. O segundo estado é o que tem maior interesse para a
hidrogeologia, uma vez que é na fase líquida que a água se acumula no interior da
Terra, além de constituir os principais cursos superficiais.
Tanto na linguagem vulgar, como na científica, a palavra água, salvo quando
especificado diferentemente, se refere à sua fase líquida.
O ciclo hidrológico (figura 7) representa o movimento da água no meio físico.
Dentro do ciclo hidrológico, a água pode estar no estado gasoso, líquido ou sólido,
distribuindo-se tanto na subsuperfície e superfície da Terra como na atmosfera.
Portanto, a água está em constante circulação, passando de um meio a outro e de
um estado físico a outro, sempre mantendo o equilíbrio, sem ganhos ou perdas de
massa no sistema.
Os processos que permitem esta circulação da água são: evaporação,
transpiração, precipitação, escoamento superficial, infiltração e escoamento
subterrâneo.
O ciclo da água na terra, ou ciclo hidrológico, é a contínua circulação da água
em nosso planeta. Não tem início nem fim, mas é comum se começar sua descrição
com as águas do oceano, uma vez que cobrem cerca de três quartos da superfície
terrestre.
33
Assim, a água evapora a partir dos oceanos e corpos d’água, formando as
nuvens, que, em condições favoráveis, dão origem à precipitação, seja na forma de
chuva, neve ou granizo. Os hidrólogos e outros chamam-na de “água de origem
meteórica”.
A precipitação, ao atingir o solo, pode escoar superficialmente até atingir os
corpos d’água ou infiltrar até atingir o lençol freático. Além disso, a água,
interceptada pela vegetação e outros seres vivos, retorna ao estado gasoso através
da transpiração.
Figura 7 – Esquema do ciclo hidrológico.
34
A precipitação sobre a superfície da Terra é a origem de todos os nossos
suprimentos de água potável. Dela depende a reposição da quantidade que é
retirada dos lagos e outros cursos superficiais para os numerosos usos do homem.
A água retorna ao mar através do escoamento superficial pelos rios, do
escoamento subterrâneo pela descarga dos aqüíferos na interface água doce/água
salgada e, também, através da própria precipitação sobre a área dos oceanos.
Outra parte se impregna no solo. Grande parte da água que penetra no solo é
retida na zona das raízes das plantas, retornando eventualmente à superfície, pelos
vegetais ou pela capilaridade do solo. Parte, porém, se infiltra abaixo da zona das
raízes, continuando a mover-se para baixo, até alcançar os reservatórios de água
subterrânea.
Ao juntar-se à massa da água subterrânea, a água infiltrada move-se através
dos poros da matéria do subsolo podendo, eventualmente, reaparecer na superfície
em diferentes locais dependendo de diversos fatores que gerenciam os fluxos
subterrâneos e suas interações com a superfície topográfica e as águas superficiais.
Os cursos, carreando as águas de escoamento superficial e as descargas
naturais da água subterrânea, eventualmente as fazem retornar ao oceano.
O ciclo hidrológico é, pois, o sistema pelo qual a
natureza faz a água circular dos oceanos para a
atmosfera e retornar, superficial e
subterraneamente, aos oceanos por vias
tortuosas, umas curtas e outras longas, quer
quanto ao tempo, quer quanto ao espaço. Os
agentes que participam desse processo são a
irradiação solar, a gravidade, a atração
molecular e a capilaridade.
35
De uma maneira geral, o ciclo hidrológico pode ser dividido em três setores distintos: O sistema hidrometeorológico está relacionado com a porção aérea do ciclo, envolvendo o processo de evaporação, evapotranspiração e precipitação. O sistema hidrográfico cobre os aspectos superficiais do ciclo, envolvendo os diversos cursos de águas que se direcionam aos oceanos. O sistema hidrogeológico, por sua vez, está relacionado à porção subterrânea do ciclo, envolvendo processos de infiltração, além de fluxos horizontais e verticais subsuperficiais
Figura 8 – Representação esquemática dos três setores do ciclo hidrológico
Pode dizer-se que a quantidade de água do planeta se tem mantido constante
desde o aparecimento do homem. A água existente nos oceanos, continentes e
atmosfera faz parte de um ciclo perpétuo que é mantido em movimento pela energia
do sol e pela força gravítica.
36
3.2. Águas superficiais
Como foi mostrado na discussão do ciclo hidrológico, existe uma interação
bastante importante entre os recursos hídricos superficiais e as águas subterrâneas.
De uma maneira geral, a parte superficial do ciclo hidrológico é formada pelos
oceanos e mares, rios, lagos e outros reservatórios, pântanos, etc.
A quantidade de água que se acumulará nesses elementos será função de
uma série de fatores, como clima, taxa de evaporação, índice pluviométrico local,
interação com outros elementos do ciclo, etc.
Conforme discutido nos itens anteriores, cerca de 97% da água da terra está
concentrada nos mares e oceanos. Apesar da grande importância dessas regiões
37
para o balanço hídrico mundial e para a preservação da vida humana no que
concerne ao equilíbrio de nosso ecossistema, essas águas tem uma salinidade muito
elevada o que as inviabilizam para o consumo humano.
Nas regiões costeiras do mundo, as interações das águas do mar com as
águas subterrâneas tem representado um problema bastante sério para o
abastecimento populacional.
O bastante comuns as cunhas de água salgada que interagem com os
aqüíferos contaminando-os e exigindo um controle muito rígido na alocação de poços
e nas relações espaciais entre poços e/ou redes de poços.
Outro elemento de importância na hidrologia superficial é a rede de drenagem
que, gradual e continuamente, se dirige para os oceanos e mares.
Essa água constitui um dos elementos físicos mais importantes na
composição da paisagem terrestre, interferindo na vida animal-vegetal e humana, a
partir da interação com os demais elementos.
3.3. Aguas Sub-superficiais
Nem toda a água que se infiltra no solo vai compor as águas subterrâneas.
Três situações podem ocorrer:
1) A água pode voltar à superfície por capilaridade e evaporar-se na
atmosfera;
2) Pode ser absorvida pelas raízes das plantas e retornar à atmosfera
pela transpiração vegetal;
38
3) A água que penetrou bastante desce por gravidade até atingir o nível
da zona de saturação, passando a fazer parte das águas subterrâneas que,
eventualmente, abastecerá poços.
39
CAPÍTULO 4 4. OS AQÜÍFEROS
Aquífero é uma formação geológica, formada por rochas permeáveis seja pela
porosidade granular ou pela porosidade fissural, capaz de armazenar e transmitir
quantidades significativas de água. O aqüífero pode ser de variados tamanhos. Eles
podem ter extensão de poucos km2 a milhares de km2, ou também, podem
apresentar espessuras de poucos metros a centenas de metros.
A figura 9 mostra a porção subterrânea do ciclo hidrológico e contém a
representação dos principais elementos dos recursos hídricos subterrâneos que
serão mencionados aqui nos capítulos que se seguem.
Figura 9- Representação esquemática da porção subterrânea do Ciclo Hidrológico
Aqüifero = aqui (H2O) + FERO (SUPORTE)
40
4.1. Tipos de aquíferos
Para que se possa entender a classificação dos Aqüíferos, é necessário que
se defina dois dos parâmetros hidrogeológicos fundamentais, que serão objeto de
estudo mais adiante. São eles:
41
Utilizando os valores de condutividade hidráulica e de porosidade específica,
os aquíferos podem ser classificados segu7ndo os seguintes termos:
42
CLASSIFICAÇÃO DOS AQUÍFEROS SEGUNDO A GEOLOGIA DO MATERIAL SATURADO
Ocorrem em rochas sedimentares consolidadas, sedimentos inconsolidados e
solos arenosos, decompostos in situ. Constituem os mais importantes aqüíferos, pelo
grande volume de água que armazenam, e por sua ocorrência em grandes áreas.
Estes aqüíferos ocorrem nas Bacias Sedimentares e em todas as várzeas onde se
acumularam sedimentos arenosos. Uma particularidade deste tipo de aqüífero é que
tem sua porosidade quase sempre homogeneamente distribuída, permitindo que a
água flua para qualquer direção em função tão somente dos diferenciais de pressão
hidrostática ali existentes. Esta propriedade é conhecida como isotropia.
Ocorrem em rochas ígneas e metamórficas. A capacidade destas rochas em
acumularem água está relacionada à quantidade de fraturas, suas aberturas e suas
intercomunicação. No Brasil a importância destes aqüíferos está muito mais em sua
localização geográfica, do que na quantidade de água que armazenam.
Poços aí perfurados fornecem poucos metros cúbicos de água por hora. A
possibilidade de se ter um poço produtivo dependerá tão somente do mesmo
interceptar fraturas capazes de conduzir a água. Há caso em que de dois poços
situados a pouca distância um do outro, somente um venha a fornecer água, sendo o
outro seco. Para minimizar o fracasso da perfuração nestes terrenos, faz-se
necessário que a locação do poço seja bem estudada por profissional competente.
Nestes aqüíferos a água só pode fluir onde houver fraturas, que quase sempre
tendem a ter orientações preferenciais, e por isto dizemos que são meios aqüíferos
anisotrópicos, ou que possuem anisotropia.
1) Aqüíferos Porosos
2) Aqüíferos fraturados ou fissurados
43
Um caso particular de aqüífero fraturado é representado pelos derrames de
rochas ígneas vulcânicas basálticas das grandes bacias sedimentares brasileiras.
Estas rochas, apesar de ígneas, são capazes de fornecer volumes de água até 10
vezes maiores do que as rochas das áreas não sedimentares.
4.2. Relações entre águas subterrâneas e águas superficiais
Como visto no ciclo hidrológico, existe uma ampla interação entre as
águas subterrâneas e as superficiais e as pluviais.
44
CAPÍTULO 5
5. PROSPECÇÃO HIDROGEOLÓGICA
A prospecção hidrogeológica de qualquer área (Sedimentar clástica, cárstica,
Cristalino (metamórfica, ígnea plutônica ou vulcânica)) envolve um conhecimento
multidisciplinar que culminará na construção da obra de captação que melhor se
adequar as características hidroambientais da região em questão, seja poço ou
barragem subterrânea.
Predominantemente, as águas subterrâneas são captadas por poços, sejam
eles construídos manualmente ou com maquinário pesado (Rotativo, percussor ou
roto-pneumático). As barragens subterrâneas são construídas em zonas aluvionares
que possuem caraterísticas intrínsecas que permitem o desenvolvimento de tais
obras, a exemplo de espessura, porosidade eficaz e permeabilidade.
Figura 10- Poço Violeto, Bacia do Meio Norte, onde se observa o seu caráter artesiano (Jorrante). Possui 930m e sua vazão foi estimada à época em 1.000.000
L/h.
45
5.1. Levantamentos Hidrogeológicos
Como pré-requisito básico de um projeto, deve-se planejar o poço tendo em
vista o aquífero que ele vai captar, associado ao conhecimento em relação a
explotação (Volume de água para um uso específico, vazão máxima do aquífero etc)
que as características hidrogeológicas permitem. Em todo caso, o melhor projeto de
captação é aquele no qual se consegue um bom equilíbrio entre a eficiência do
sistema, sua vida útil e seus custos de instalação e funcionamento. O técnico
responsável deverá ter conhecimento da hidrogeologia, de modo a adequar o projeto
de poço para as características específicas locais, levando-se em conta os seguintes
aspectos:
O poço deverá ter a maior descarga possível, para o menor
rebaixamento;
Deverá manter a boa qualidade da água, prevenindo-se de possíveis
contaminações;
A obra ter uma vida útil de, no mínimo, 25 anos.
Para alcançarmos os objetivos acima, o técnico poderá seguir a sequência
investigativa a seguir:
1. Conhecer a geologia de superfície.
2. Conhecer os aquíferos existentes e suas potencialidades;
3. Conhecer a demanda;
4. Conhecer os aspectos climáticos da área, estabelecendo o balanço hídrico.
5. Conhecer os aspectos hidrogeológicos e, particularmente, os poços existentes
na localidade e/ou no entorno, com os dados de profundidades, vazões, níveis
estático dinâmico, além dos perfis construtivo e litológico.
6. Conhecer as características sedimentológicas, ou estruturais dos níveis
aquíferos passíveis de serem captados, e;
7. Conhecer a qualidade da água a ser bombeada.
46
A maioria das informações deverá originar-se de poços já construídos nas
proximidades da área pesquisada pois, caso contrário, será necessária a realização
de sondagens e a construção de poços pioneiros, dependo do projeto, para a
obtenção das informações técnicas necessárias para, finalmente, elaborar-se o
projeto definitivo do poço produtor.
No levantamento de dados hidrogeológicos secundários utiliza-se
normalmente daqueles existentes nos arquivos e/ou banco de dados particulares ou
governamentais, sendo que o primeiro é de responsabilidade das empresas de
consultoria e/ou que constroem poços e organizações não-governamentais (ONGs)
e, o segundo, das secretarias estaduais de recursos hídricas, empresas de água e
esgoto, institutos e universidade que trabalham com pesquisa hidrogeológica, e do
Serviço Geológico do Brasil – CPRM que detém o Banco de Dados SIAGAS –
Sistema de Informações de Águas Subterrâneas, o maior acervo de poços tubulares
existente na América do Sul.
Em geral, infelizmente, o que acontece é que um número significativo de
poços é construído apenas com projetos improvisados por pessoas cujos
conhecimentos, em hidrogeologia e engenharia de perfuração, são nulos. Assim, a
prática da improvisação leva quase sempre a resultados negativos quanto ao
aspecto construtivo do poço, cujas consequências influenciarão em custos adicionais
desnecessários, e o que é inadmissível, a potencial contaminação dos aquíferos.
Em síntese, o projeto final da construção do poço dependerá muito das
características de cada local e da experiência de cada profissional atuante na área
de hidrogeologia.
Normalmente os dados são coletados em planilhas, tipo Excel, para
posteriormente serem trabalhados em programas estatísticos e/ou gráficos, a
exemplo do que existe no Excel, Surfer e ambiente SIG. O recomendável ao se
coletar os dados de poços e aquíferos é obter-se o maior número possível, sejam
eles numéricos ou informações, para que, posteriormente, se possa analisar, integrar
47
e transformar os dados em informações. Inúmeras vezes os dados e informações
existentes não traduzem confiabilidade! Porém, só dispondo deles é que se pode
analisá-los e descartá-los, se for o caso, ou seja, se a pessoa não tem experiência
hidrogeológica, deve coletar, analisar e decidir sobre o descarte conhecendo todos
os pormenores da questão.
5.2. Prospecção Geofísica
Dois métodos geofísicos encontram destaque na aplicação da prospecção de
águas subterrâneas para fins de captação através de poços tubulares:
eletrorrestividade para obtenção de SEVs – Sondagens Elétricas Verticais, e o VLF –
Very Low Frequency.
Sondagens Elétricas Verticais (SEVs)
Representa um dos métodos de sondagens geofísicas (método de sondagem
indireta) por eletrorresistividade, podendo ser realizada com arranjo Wenner ou
Schulumberger, sendo realizadas a fim de caracterizar o posicionamento do nível
d`água, espessura dos sedimentos e a espessura saturada da área, caracterizados
através de perfis geoelétricos. Tais sondagens fornecerão dados para ajudar a
interpretar a geometria aquífera e realizar cálculos das reservas hídricas
subterrâneas, além do zoneamento da vocação aquíferaaquífera.
A Eletrorresistividade consiste no método de investigação geofísica que se
baseia na capacidade que um determinado meio geológico apresenta em conduzir
ou resistir à penetração de correntes elétricas que, artificialmente, a ele é aplicado.
Cada tipo de material terrestre (rocha) apresenta um comportamento particular
quanto a capacidade de transmissão de corrente elétrica. Existem rochas que vão
desde extremamente condutivas a rochas extremamente resistivas podendo, ainda,
estas apresentarem variações de um extremo ao outro, dependendo a que outro tipo
de material a elas esteja associado, com a água constituindo bom exemplo
(MARINHO & CORDEIRO, 2014).
48
O acervo instrumental para as medições de resistividade aparente inclui,
geralmente, uma fonte de corrente, medidores de corrente e de potencial, bobinas,
cabos e eletrodos. Um resistivímetro inclui uma unidade transmissora e outra
receptora; bobinas, cabos elétricos, eletrodos e outros são periféricos.
No geral, a técnica aplicada ao mapeamento geofísico por eletrorresistividade
é a SEV (Sondagem Elétrica Vertical) com arranjo Schlumberger, que se fundamenta
no posicionamento linear e nas relações de distâncias entre os eletrodos A, M, N e B
(Foto q). Por meio dos eletrodos A e B, parcialmente fixados na superfície do terreno,
injeta-se uma corrente elétrica de intensidade conhecida, para determinação dos
estratos aquíferos (profundidade dos poços) e qualidade da água (Figura 11).
Figura 11 - Esquema do quadripolo linear simétrico AMNB com indicação teórica
do fluxo de correntes e das superfícies equipotenciais
49
Foto 12 – Eletroresistivímetro com detalhe do equipamento, bobinas e cabos envolvidos na prática da Eletroressistividade.
Fonte: Arquivo da SOHIDRA (in CARDOSO, 2010)
Os resultados das SEVs são interpretados com a utilização de softwares
específicos, resultando em modelos multicamadas, e os resultados destes modelos
serão utilizados para o imageamento da coluna geoelétrica que facilita a
interpretação e visualização dos estratos aquíferos, a exemplo do que ilustra a Figura
13.
50
Figura 13 – Exemplo de imageamento elétrico de uma SEV. As cores representam as variações litológicas interpretadas dos dados da eletrorresistividade. Vermelha - areia não saturada; azul - areia saturada; amarela - argila, o verde - areia argilosa; marrom claro - rocha alterada, e; marrom escuro - rocha sã (Fonte: MARINHO & CORDEIRO, 2014).
SEV 01
-20
-18
-16
-14
-12
-10
-8
-6
-4
-2
0
Co
ta (
m)
Areias não saturadas
Areias saturadas (aqüífero)
Fm. Barreiras argilo-arenosa (água salobra)
SEV 01
-50
-45
-40
-35
-30
-25
-20
Cota
(m
)
Fm. Barreiras argilo-arenosa (água salobra)
Substrato cristalino
VLF (Very Low Frenquency)
O interesse do homem na utilização de princípios geofísicos para a
prospecção mineral data do século XVII. Utilizando-se do desenvolvimento dos
processos digitais, em 1987 uma empresa sueca desenvolveu o instrumento “WADI”
utilizável, especialmente, para medições VLF (Very Low Frequency) e ele atualmente
é bastante utilizado na prospecção de fraturas em meio cristalino (Domínio
Hidrogeológico Fraturado). Este equipamento, embora de aparência simples,
incorpora avançadas tecnologias e uma nova filosofia que está surgindo neste
campo, dando ao método VLF, agilidade nos levantamentos de campo e precisão na
interpretação dos dados.
51
O equipamento “WADI” consegue detectar fraturas, no geral, com indicações
do mergulho e a profundidade destas. Entretanto, para se obter sucesso na
perfuração de poços são necessárias as observações hidrogeológicas, pois somente
o uso conjunto destas ferramentas é capaz de minorar os riscos inerentes à locação
de poços.
Características do Sistema WADI
O Sistema WADI é constituído de três unidades: a de controle e
processamento, a de medidas e compartimento das baterias e a de antena, que
encontram-se presas a um cinturão de formato anatômico, desenvolvido para causar
o mínimo desconforto possível ao se operar o sistema (Figura 14).
Aliado aos aspectos acima mencionados, destaque deve ser dado à rapidez e
facilidade para a execução dos trabalhos de campo, bem como a sua portabilidade,
pois possui um peso relativamente pequeno (7 kg).
Figura 14 – Sistema WADI. (A) Unidade de controle e processamento, (B) Unidade de medidas e compartimento das baterias, (C) Unidade de Antena (Foto de CORDEIRO, W. 2014).
(A)
(B)
(C)
52
CAPÍTULO 6
6. RESERVAS E DISPONIBILIDADES HÍDRICAS SUBTERRÂNEAS
Vários parâmetros influenciam no cálculo de reservas das águas
subterrâneas, tais como precipitação pluviométrica, tipo de aquífero, características
dimensionais e hidrodinâmicas do meio e qualidade da água.
O cálculo das reservas hídricas subterrâneas deve ser incorporado a qualquer
projeto direcionado ao planejamento e gestão integrada de recursos hídricos. O
planejamento dos recursos hídricos (superficial e subterrâneo) deve considerar o uso
integrado das reservas, recursos e disponibilidades de água, associados a qualidade
hídrica, ocupação do meio físico, uso e proteção (Cavalcante, 1998).
As rochas sedimentares possuem porosidade e condutividade hidráulica
primárias decorrentes da própria diagênese, facilitando o armazenamento e fluxo
d´água. Entretanto, existem rochas sedimentares que sofreram a ação de processos
tectônicos rupturais, com aporte de sílica, e que passam a ter características
anisotrópicas e heterogêneas, onde o armazenamento e fluxo hídrico subterrâneo
ocorrem nas fraturas, interconectadas e abertas, dificultando sobremaneira o cálculo
de reservas hídricas.
O fluxo da água em sub-superfície se processa de modo muito lento. Os
tempos de residência das águas nos aquíferos são da ordem de dezenas de anos e,
em alguns casos, se atinge a escala de centenas e até de milhares de anos, o que
permite dizer que a água subterrânea pode ser um recurso mineral esgotável à
escala da vida humana. Assim, o conceito de esgotabilidade do recurso hídrico está
intrinsicamente a renovabilidade, ou seja, a velocidade de recarga hídrica
subterrânea.
53
Assim, é recomendável que o planejamento de utilização dos sistemas
aquíferos considere os potenciais de renovabilidade, a integração com o meio hidro-
ambiental, a capacidade de regeneração das águas servidas que retornam ao
manancial em apreço e, principalmente, o limite de intervenção humana que não
deve ultrapassar o aceitável pelas condições inerentes ao meio local.
Os volumes hídricos armazenados nos sistemas aquíferos representam as
reservas e podem ser avaliadas segundo um ponto de vista natural ou utilitário.
Tradicionalmente, estas reservas são classificadas como renováveis (dinâmicas ou
reguladoras) e não renováveis (permanentes ou geológicas). As reservas totais são
obtidas pela somatória das reservas renováveis e permanentes. Sob uma análise
integrada, em função de escala de tempo de renovação e uso das águas, a
classificação de reservas permanentes (não renováveis) não encontra respaldo, pois
se sabe que a água subterrânea não está desconectada do ciclo hidrológico,
participando efetivamente à medida que existe recarga, extração através de poços
tubulares e descarga (Figura 15).
Figura 15 – Classificação das reservas hídricas subterrâneas (Cavalcante, 2014).
54
6.1. Reservas Renováveis (Rr)
São representadas pelo volume hídrico armazenado entre os níveis de
flutuação máximo e mínimo dos aquíferos livres. Participa do ciclo hidrológico numa
escala de tempo anual, interanual ou sazonal estando, desta forma, em constante
movimento. Existem várias maneiras de se realizar o cálculo destas reservas, sendo
as mais comuns:
10) cálculo da Vazão de Escoamento Natural (VEN), que sob condições de equilíbrio
natural representa a recarga anual efetiva do aquífero, expressa pela Equação 1.
VEN = T i L [Equação 1]
onde T = transmissividade hidráulica (L2T-1), i = gradiente hidráulico e L=
comprimento da frente de escoamento (L).
Este método é recomendado e empregado no dimensionamento das reservas das
águas subterrâneas com a utilização de mapas potenciométricos que permitem o
cálculo do gradiente hidráulico local, direção do fluxo subterrâneo e do comprimento
da frente de escoamento. O valor da transmissividade é obtido de testes de
bombeamento.
20) Hidrograma de escoamento superficial, com cálculos a partir das curvas de
recessão, no trecho correspondente à restituição do excesso infiltrado no meio
poroso. A restituição das reservas hídricas somente inicia-se quando toda a água
superficial é escoada, ou seja, no período de estiagem (COSTA, 1997).
55
30) Método volumétrico, tendo-se por base a flutuação (h) dos níveis d´água nos
aquíferos livres (Equação 2).
Rr = A. h. e [Equação 2]
onde A = área de ocorrência do aquífero (L2), h = variação do nível d´água (L) e e
= porosidade efetiva (adimensional) para aquíferos livres ou S = Coeficiente de
armazenamento para aquíferos confinados a semi-confinados.
6.2. Reservas Permanentes (Rp)
Estas reservas representam o volume de água subterrânea que participa do
ciclo hidrológico numa escala de tempo plurianual, centenária ou milenar.
Correspondem aos volumes estocados abaixo do limite inferior de flutuação sazonal
do nível de saturação dos aquíferos livres ou dos níveis potenciométricos dos
aquíferos confinados (Rebouças, 1997; Cavalcante, 1998). Elas são calculadas pelo
método volumétrico utilizando-se a Equação 3.
Rp = A. ho. e [Equação 3]
Onde:
A = área de ocorrência do sistema aquífero (L2);
ho = espessura saturada (L), e;
e = porosidade efetiva (adimensional) no caso de sistema livre.
No caso do sistema aquífero confinado, as reservas permanentes são calculadas
pela somatória de Rp = A. ho. e mais o volume armazenado sob pressão dado
pela equação Rp =A.ho.S, onde S = coeficiente de armazenamento.
56
6.3. Recursos explotáveis (Re) ou Potencialidade Aquífera (P)
Os recursos explotáveis das águas subterrâneas, ou potencialidade aquífera,
representam os volumes que podem ser utilizados das reservas naturais, em função
das reservas renováveis (reguladoras) ou dos meios técnico-financeiros de que se
disponha, ou seja, da variável de decisão que leva em consideração outros objetivos
e fatores limitantes, a exemplo da taxa de renovabilidade natural (REBOUÇAS, 1997;
CAVALCANTE, 1998). É interessante observar que a utilização dos recursos hídricos
explotáveis está associada a responsabilidade de uso dos recursos hídricos que
estão disponíveis sem que haja comprometimento do aquífero nem do meio
ambiente.
Em princípio, para que não haja comprometimento do aquífero, é
recomendável a explotação do volume correspondente à recarga, ou seja, a reserva
reguladora do aquífero sem provocar qualquer depleção nas reservas permanentes.
Porém, dentro de uma visão sistêmica, o uso depende fundamentalmente do
conhecimento técnico das reservas, com monitoramento em tempo real, integrado a
evolução da demanda.
DUARTE (1996, 1997) define recursos explotáveis como sendo “aqueles que
estão disponíveis sem que haja comprometimento do aquífero nem do meio
ambiente” e os associa com as disponibilidades hídricas do sistema aquífero,
resultando no dimensionamento da potencialidade aqüífera. Admite-se que, sem
prejuízo para o aquífero, se possa explotar toda a reserva renovável e mais uma
parcela da reserva permanente, que representem no período de 50 anos um valor de
30% dessas reservas. Assim, tem-se que (Equação 4):
P = Rr + (0,006 x Rp) [Equação 4]
onde:
P – Potencialidade aquífera
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Rr – Reserva renovável
Rp – Reserva permanente
6.4. Disponibilidade
Além de reservas e recursos/potencialidades aquíferas, o termo denominado
de disponibilidade vem sendo empregado comumente nos trabalhos sobre
planejamento das águas subterrâneas.
As disponibilidades hídricas subterrâneas representam a parcela hídrica que
os aquíferos podem liberar através das captações diversas e devem ser
incorporadas aos projetos relacionados com planejamento e gestão dos recursos
hídricos. A caracterização da bacia hidrogeológica e, por conseguinte, a geometria
dos corpos aquíferos, depende intrinsicamente de estudos de sub-superfície que
nem sempre estão disponíveis na literatura técnica, dificultando sobremaneira os
cálculos das reservas hídricas subterrâneas.
A disponibilidade refere-se ao volume que pode ser explotado sem risco de
exaustão do sistema aquífero (DUARTE, 1997), que pode ser classificada na área de
estudo nos seguintes tipos: (a) disponibilidade potencial do aquífero; (b)
disponibilidade instalada dos poços, e; (d) disponibilidade instalável dos poços.
A definição utilizada para Recursos Explotáveis também se emprega para
Disponibilidade Potencial do Aquífero, já calculada anteriormente. A Disponibilidade
Instalada dos Poços corresponde ao volume de água subterrânea que pode ser
captado a partir das obras instaladas, adotando-se a vazão máxima permissível de
cada poço em regime de bombeamento contínuo.
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6.5. Disponibilidade Efetiva (Disponibilidade Instalada)
A Disponibilidade Efetiva dos Poços representa os volumes atualmente
captados, utilizando-se as vazões dimensionadas de bombeamento e o regime de
bombeamento operante. O tempo médio de bombeamento varia de acordo com a
necessidade do usuário, sendo considerados os seguintes tempos, a exemplo de 20
horas/dia para abastecimento público nos poços operados pelas companhias
estaduais de água e esgoto, e de 3 horas/dia para demais usos públicos/particulares.
Assim, tem-se que (Equação 5):
De = Q.p.t [Equação 5]
Sendo que:
De = Disponibil idade efetiva (m3/ano);
Q=Vazão do poço (m3/h);
P = Nº de poços por município, e;
t = Período de operação (365 dias).
6.6. Disponibilidade Instalável
Representa o volume de água subterrânea que poderá ser
bombeado pelos poços atualmente paral isados, passíveis de entrarem
em funcionamento.
6.7. Disponibilidade Hídrica Total
Para a projeção de oferta dos recursos hídricos subterrâneos
util iza-se a Disponibi l idade Total, resultante da soma das vazões
cedidas pelos poços operantes, mais as vazões que poderão ser
fornecidas posteriormente pelos poços que poderão entrar em
operação, tendo em vista ser o conceito ma is adequado para f ins de
planejamento e gestão das águas subterrâneas.
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7. BIBLIOGRAFIA: ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. 2002 b. Relatório de Gestão 2001. Disponível em: http: www. ana.gov.br . Acesso em: 14 outubro 2002. BRAGA, R & CARVALHO, P. F. 2003. Recursos Hídricos e Planejamento urbano e Regional. 1ª Ed., São Paulo: LPM-UNESP. CAVALCANTE, I.N. – 1997 – Fundamentos para a gestão integrada de recursos hídricos da Região Metropolitana de Fortaleza – Ceará. IG/USP. São Paulo- SP. 147p. DRISCOLL, F.G. – 1986 – Groundwater and Wells. Johnson Division. Minnesota. 2a Ed.1073p. FEITOSA, F. A. C. et. Al. (Coords.) 2008, Hidrogeologia : Conceitos e Aplicações. 3ª Ed CPRM, 812p. FETTER, C. W., 2000, Applied Hydrogeology, 4a Ed., Prentice Hall Inc, 598p. FREEZE, R. A. & CHERRY, J. A. – 1979 – Groundwater. Prentice Hall, Inc. New Jersey. 604p. HISCOCK, K. M., 2005, Hydrogeology: Principles and Practice, 1a ed., Wiley-Blackwell, 408p. MACHADO, C. J. S. 2004. Gestão de águas doces. São Paulo: Interciência. MAGALHÃES Jr., A. P. 2007. Indicadores Ambientais e Recursos Hídricos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. MATTA, M. A. S. Fundamentos Hidrogeológicos para a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos da Região Metropolitana de Belém/Ananindeua – Pará, Brasil. 2002. 292f. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Pará. Instituto de Geociências. MOTA, S. - 2008 – Gestão ambiental de recursos hídricos. ABES. Rio de Janeiro-RJ. 343p. REBOUÇAS, A.C.; BRAGA, B.; TUNDISI, J.G. (Orgs) – 1999 – Águas doces do Brasil: capital ecológico, uso e conservação. Ed. Escrituras. São Paulo – SP. 717p. YOSHIDA, C. Y. M. 2007. Recursos Hídricos: aspectos éticos, jurídicos, econômicos e socioambiental. São Paulo: Alinea. Vol. I e II. TUCCI. C. E. M. 2001.Hidrologia Ciência e Aplicação. Porto Alegre: ABRH – EPUSP.