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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO - UMESP
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE POS GRADUAO EM EDUCAO
GISELDA GERONYMO SANCHES BRETHERICK
EDUCAO E TECNOLOGIA:
DESTERRITORIALIZAO DO CONHECIMENTO E
DESCENTRALIZAO DO SABER NA
OBRA DE PIERRE LVY
SO BERNARDO DO CAMPO
2010
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GISELDA GERONYMO SANCHES BRETHERICK
EDUCAO E TECNOLOGIA:
DESTERRITORIALIZAO DO CONHECIMENTO E
DESCENTRALIZAO DO SABER NA
OBRA DE PIERRE LVY
Dissertao apresentada como exigncia do Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de So Paulo sob a orientao do Prof. Dr. Danilo Di Manno de Almeida, para a obteno do Ttulo de Mestre em Educao. Linha de pesquisa: Formao de Educadores.
SO BERNARDO DO CAMPO
2010
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GISELDA GERONYMO SANCHES BRETHERICK
EDUCAO E TECNOLOGIA: DESTERRITORIALIZAO DO
CONHECIMENTO E DESCENTRALIZAO DO SABER NA OBRA
DE PIERRE LVY
Dissertao apresentada como exigncia do Programa de Ps-Graduao Mestrado em Educao da Universidade Metodista de So Paulo sob a orientao do Prof. Dr. Danilo Di Manno de Almeida, para obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Data de defesa: 26 de maro de 2010.
Resultado: Aprovada com louvor
Banca Examinadora
______________________________
Universidade Metodista de So Paulo Prof. Dr. Danilo Di Manno de Almeida
UMESP
______________________________
Universidade De So Paulo Prof. Dr. Jos Manuel Moran Costas
USP
______________________________
Universidade Metodista de So Paulo Prof. Dra Norins Panicacci Bahia
UMESP
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela oportunidade de vida e aprendizado.
Ao meu pai, por transmitir o amor pela leitura e o gosto por escrever.
minha me, por proporcionar a realizao material desta caminhada.
Ao meu orientador Prof. Danilo Di Manno de Almeida pela pacincia e colaborao.
Aos professores do Mestrado pela compreenso e disponibilidade em ajudar.
professora Norins P. Bahia, pela sua ateno, carinho e orientao.
Ao professor Jos Manuel Moran, pelas suas valiosas observaes.
Aos meus companheiros e companheiras de mestrado, parceiros nesta caminhada,
conflituosa, porm gratificante e construtiva. Especialmente as meninas Adriana R. B.
Pasqualini, Alessandra M. T. Domeniquelli e Lcia Helena C.O. Lopes pelo carinho,
amizade e companheirismo.
Aos meus colegas de trabalho do Curso de Pedagogia/EAD da Metodista, Fernanda,
Luciana, Renato, Renata e Simone pelo apoio e incentivo.
A Marcus Vinicius Villa Bretherick, pela colaborao no abstract.
minha filha Talitha Amanda e ao meu marido Almir, pela solidariedade, frente aos
momentos difceis.
Universidade Metodista de So Paulo pelo suporte financeiro.
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Escolas que so asas no amam pssaros engaiolados.
O que elas amam so pssaros em vo.
Existem para dar aos pssaros coragem para voar.
Ensinar o vo, isso elas no podem fazer,
porque o vo j nasce dentro dos pssaros.
O vo no pode ser ensinado.
S pode ser encorajado.
No haver borboletas
se a vida no passar por longas
e silenciosas metamorfoses.
(RUBEM ALVES)
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RESUMO
Este estudo apresenta uma pesquisa nas obras de Pierre Lvy, sobre as relaes entre educao e tecnologia. A investigao est centrada sobre os conceitos de desterritorializao do conhecimento e descentralizao do saber. A temtica que o referido autor desenvolve, a respeito dos conceitos de ecologia cognitiva, tecnologias da inteligncia e inteligncia coletiva, assim como o saber e o conhecimento que permeiam a educao do futuro, o objetivo central deste trabalho. O objeto de pesquisa a prpria produo do autor. Esses conceitos so problematizados levando em conta duas instncias: de um lado, o conhecimento acadmico institucionalizado e de outro lado, a proposta de uma inteligncia coletiva, que d espao para uma dimenso mais ampla do saber humano. Lvy reconhece que cada ser humano sabe alguma coisa, e que, em funo disto, entende que o conhecimento no lugar de estar reservado a espaos especficos, est presente na humanidade na forma de uma inteligncia coletiva. Acredita que a popularizao do acesso ao ciberespao atravs das tecnologias da inteligncia e da cibercultura resulta em um espao antropolgico onde as inteligncias coletivas produzem um espao de saber democrtico, possvel a todos os seres humanos e, um espao de produo de diferentes saberes. Esta pesquisa considera tambm as resistncias proposta de Pierre Lvy, e, aprofunda, de maneira crtica, a idia enunciada acima, de uma educao do futuro. Palavras-chave: Educao. Tecnologia. Pierre Lvy. Conhecimento.
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ABSTRACT
This study presents a research on the relationship between education and technology in the works of Pierre Lvy. The research focuses on the concepts of decentralization and deterritorialization of knowledge. The theme that the author develops about cognitive ecology, intelligence technology and collective intelligence, as well as the knowledge that permeate the education of the future, is the goal of this work. The object of research is the very production of the author. These concepts are problematized considering two cases: on the one hand, the institutionalized academic knowledge, and on the other hand, the proposal for a collective intelligence, which gives way to a broader dimension of human knowledge. Levy recognizes that every human being knows something, and that, because of this, understands that knowledge, rather than being restricted to specific areas, is present in humanity as a collective intelligence. He believes that widespread access to cyberspace through the use of intelligence and cyberculture result in an "anthropological space" where collective intelligence produces a "democratic space of knowledge" possible to all humans and, finally, a "production area of production of different kinds of knowledge. This research also considers the opposition to Lvys proposal, and taking into account possible objections, wishes to critically investigate to a deeper point the idea of an education of the future.
Keywords: Education. Technology. Pierre Lvy. Knowledge.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 rvore do Saber de Descartes...........................................................................22
Figura 2 Galeria dos Quadros, obra de Maurits Cornelis Escher.....................................26
Figura 3 rvore do Conhecimento de Maturana e Varela................................................ 27
Figura 4 rvore do Conhecimento de Pierre Lvy e Michel Authier.................................36
Figura 5 Rizoma................................................................................................................77
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SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................... 9
CAPTULO 1
MUDANAS DE CONCEPO SOBRE A PRODUO DO CONHECIMENTO .. 19
1.1 DESCARTES E A RVORE DA SABEDORIA .............................................. 21
1.2 A RVORE DO CONHECIMENTO DE MATURANA E VARELA .................. 24
1.3 AS RVORES DE CONHECIMENTOS DE PIERRE LVY ........................... 30
CAPTULO 2
CONHECIMENTO E SABER NA PERSPECTIVA DE PIERRE LVY .................... 38
2.1 UM POUCO DE PIERRE LVY ...................................................................... 38
2.2 AS TECNOLOGIAS INTELECTUAIS COMO ESTRUTURAS DO SABER ... 42
2.3 O ESPAO ANTROPOLGICO DO SABER E A INTELIGNCIA
COLETIVA ............................................................................................................ 51
2.4 RUMO AO FIM DAS FRONTEIRAS ............................................................... 60
2.5 ALGUMAS OBJEES S TEMTICAS DA OBRA DE PIERRE LVY ..... 64
CAPTULO 3
DESTERRITORIALIZANDO O CONHECIMENTO E DESCENTRALIZANDO
O SABER ................................................................................................................. 72
3.1 AS METFORAS DE RVORES ................................................................... 73
3.2 A EDUCAO DO SCULO XXI ................................................................... 78
3.2.1 COMUNICAO COMO ALICERCE DA EDUCAO .............................. 79
3.2.2 NOVAS TECNOLOGIAS COMO AUXILIARES A EDUCAO ................. 80
3.3 A EDUCAO NA PERSPECTIVA DO FUTURO: AS CONTRIBUIES
DE PIERRE LVY ................................................................................................ 86
CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 92
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 97
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INTRODUO
A produo do conhecimento est diretamente relacionada s possibilidades e
necessidades de uma determinada viso social, que por sua vez, est estruturada de
acordo com a leitura da realidade feita pelas diferentes culturas.
fato que as mudanas tecnolgicas desencadeiam transformaes sociais e
propem novos modos do saber, redefinem novas competncias e configuram novas
habilidades, contudo da mesma forma que com a inveno da escrita, houve uma
necessidade de todos dominarem o cdigo escrito, atualmente a multiplicao de
mquinas e sistemas informacionais e a circulao de conhecimentos propem a
diversificao de habilidades e competncias.
Entretanto, passados alguns sculos, podemos encontrar indivduos, e at
sociedades primitivas, que no dominam a escrita. Diante disso, o discurso de que as
NTICs1 possuem um acesso e um uso restrito, a determinadas camadas da populao,
no deve ser um impedimento para sua expanso. Ademais, as NTICs podem ser um
recurso para o desenvolvimento pessoal e social, para aprender e expandir a liberdade de
expresso e pensamento.
Frente a este quadro, se fazem necessrios estudos, discusses e reflexes,
para que esta nova configurao do saber possa expandir seu domnio e, as novas
tecnologias possam ser gradativamente incorporadas prtica diria de toda a sociedade.
Paralelamente, a questo sobre o conhecimento foi sempre uma necessidade
dos seres humanos, e com o crescente desenvolvimento tecnolgico ela tende a se
expandir. Hoje com a amplitude, o ritmo e a velocidade das transformaes no campo da
tecnologia, este processo caminha a passos largos e cresce em progresso geomtrica:
realidades virtuais, mdias digitais, 3D, realidade aumentada, game, simulacro, avatar...
Entretanto para que haja tecnologia se faz necessrio o desenvolvimento das
competncias e habilidades humanas, as quais podem brotar em novos espaos do saber.
Espaos estes, construdos a partir de uma inteligncia valorizada coletivamente, latente
nestes novos espaos.
1 Novas tecnologias de informao e comunicao
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As NTICs encurtam distncias geogrficas e concorrem para um processo de
desterritorializao2 do conhecimento e uma descentralizao do saber. Desta forma, os
saberes tendem a ser desvinculados de um determinado ponto central, tornando a
hierarquia de saberes mvel e relativizando-a.
Se, nos remetermos idia de que no territrio h uma delimitao de espao
do institudo e estabelecido, alm de uma apropriao de espaos sociais e culturais,
ento a desterritorializao uma forma de desvincular o conhecimento dos espaos pr-
estabelecidos, numa ao de desestabilizar, no sentido de mobilizar, e encontrar novos
saberes menos institudos, em um movimento de reterritorializao.
Nesta perspectiva adota-se uma percepo diferenciada, na medida em que ela
est aberta para descobrir novas idias alm das previstas, e novos espaos alm dos
convencionais.
Neste contexto, Pierre Lvy, em sua obra, desenvolve o conceito de inteligncia
coletiva como uma inteligncia construda a partir do processamento da informao
adquirida individualmente, e partilhada. Ao mesmo tempo, prope que a popularizao do
acesso ao ciberespao3 atravs das tecnologias da inteligncia e da cibercultura4 podem
resultar num espao onde essas inteligncias coletivas produzam um saber democrtico,
num processo de cooperao e produo de saberes, possvel a todos os seres humanos,
e onde as fronteiras geogrficas inexistem.
Com efeito, Lvy apresenta uma descentralizao do saber e uma
desterritorializao do conhecimento, no mais restrita a muros e poucas pessoas, e que
poderia resultar em um reconhecimento e valorizao da inteligncia coletiva. Mas
considera que, para mobilizar estas competncias e saberes necessrio identific-los. E
para apont-los preciso reconhec-los em toda a sua diversidade. Para Pierre Lvy, os
saberes oficialmente vlidos s representam uma nfima minoria dos que hoje esto ativos.
A temtica que Pierre Lvy desenvolve em sua obra versa sobre a sabedoria
humana e o humano na sua integralidade. Lvy valoriza o saber no acadmico, sem
menosprezar o saber acadmico. Trata da relao entre o homem contemporneo e a
2Este um conceito proposto pelos filsofos Gilles Deleuze e Flix Guattari.
3 A palavra ciberespao foi inventada em 1984 por William Gibson em seu romance de fico cientfica Neuromante. (LVY, 1999, p. 92) Para Pierre Lvy, o ciberespao um novo meio de comunicao que emerge da interconexo mundial dos computadores. A definio do termo abrange alm da infra-estrutura da comunicao digital, o universo de informaes que ela contm e todos os sujeitos que navegam e abastecem esse universo. (p. 17) 4 O neologismo se reporta ao conjunto de tcnicas materiais e intelectuais, s prticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem com o aumento do ciberespao. (LVY, 1999, p. 17)
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tecnologia digital e desenvolve conceitos como inteligncia coletiva, ecologia cognitiva5,
tecnologias da inteligncia e engenharia do lao social.
Trata-se de uma abordagem do conhecimento onde o sujeito no ignorado,
diferente da concepo cartesiana, onde o objeto do conhecimento est frente do sujeito.
uma relao fundada no sujeito/objeto do conhecimento, que rompe o processo
poder/conhecimento. Remete ideia da rede com seus ns que produzem diferentes
saberes que se deslocam de seu ponto central e bifurcam-se, continuamente, criando
novas redes de saber, numa crescente descentralizao do saber.
Considero que, as tecnologias, como produto de uma sociedade e de uma
cultura, carregam consigo projetos, implicaes e expectativas variadas, e historicamente
determinadas. Alm do que, subentendem relaes de fora e poder diferentes entre os
seres humanos. Assim, a tecnologia no boa nem m, esses julgamentos s advm
dependendo do uso que uma sociedade e uma cultura fazem dela. Entretanto tambm no
neutra, pois seu uso est sempre implicado em determinadas ideias e projetos.
Entendo que o sujeito participa na produo de significados a partir dos
significantes que lhe so propostos, alimentando o binmio razo/emoo e, dessa forma,
transforma a cultura de sua poca. Por isto, penso que, incorporar as potencialidades das
novas tecnologias aliadas ao processo de construo de conhecimentos com o
desenvolvimento dos sentidos emocionais do humano, contribua para uma melhor
dinmica no processo da vida. Alm do mais, a descentralizao dos saberes e a
desterritorializao dos conhecimentos tendem a proporcionar maiores oportunidades aos
sujeitos menos favorecidos socialmente.
Pretendo ainda, com esta pesquisa, conjugar a minha trajetria na rea
educacional com a minha formao inicial na rea de Comunicaes. Quando terminei o
curso de Magistrio no I.E.E. Caetano de Campos, a antiga Escola Normal, e fui cursar
a Faculdade de Comunicaes da FAAP, senti que havia alguma ligao entre esses
saberes. Aps ter sido professora do Ensino Fundamental da Prefeitura de So Paulo e,
posteriormente, cursado a graduao em Pedagogia constatei o elo existente entre eles.
Entretanto s tomei contato com Pierre Lvy, um filsofo da comunicao, na Faculdade
5 Estudo das dimenses tcnicas e coletivas da cognio. Segundo Lvy (1993, p. 137), esta cincia ainda estaria para nascer.
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de Pedagogia da UMESP. Tendo ele nascido em 1956, estava no incio de sua carreira
quando eu estudava as teorias da comunicao.
No trabalho de monitoria na disciplina Educao e Novas Tecnologias, iniciei
as leituras dos textos, pensamentos e teorias de Pierre Lvy, um autor fundante na rea
da Comunicao e das Tecnologias da Informao, e um estudioso das cincias cognitivas
aplicadas educao. Constatei, ainda mais, a ntima relao que existe entre
comunicao e educao, pois o aprendizado e o desenvolvimento esto presentes em
todas as formas de comunicao: nas linguagens verbais e no verbais, nas expresses e
sensaes de nosso corpo, nos diversos relacionamentos, na mente e nas mais diferentes
formas de interao.
Hoje, trabalhando com educao a distncia, verifico que o conhecimento no
mais se restringe a territrios, nem geogrficos e nem circunstanciais. Alm de que, o
leque de competncias e habilidades solicitadas, cada vez mais se amplia resultando em
um nmero cada vez maior de saberes.
O objetivo deste estudo direciona-se a uma reflexo, no mbito educacional,
sobre a descentralizao do saber e a desterritorializao do conhecimento, que Pierre
Lvy prope em sua obra e que, segundo este autor, dever contribuir para uma mudana
qualitativa na educao. Alm da valorizao, e reconhecimento, das competncias e
habilidades que todos os seres humanos possuem indistintamente. Para Lvy h uma
nova dimenso de saberes que necessita ser valorizada, e que ocupar o lugar central de
um novo espao antropolgico: o espao do Saber.
Para tanto, julgo ser necessrio identificar e localizar, na obra de Pierre Lvy, os
conceitos e ideias concernentes temtica em questo: descentralizao do saber e
desterritorializao do conhecimento. E, por meio deste recorte temtico na obra do autor,
aprofundo os conceitos apresentados por ele, acerca da inteligncia coletiva, da ecologia
cognitiva e da engenharia do lao social, desenvolvidos por meio das tecnologias da
inteligncia.
Pretendo ainda, com este estudo, contribuir para uma reflexo sobre as
possibilidades que as NTICs possuem para ampliar a democratizao do conhecimento e
para propiciar a disseminao dos saberes. Alm do que, nos espaos de saber, novas
competncias e habilidades podem emergir e oportunizar uma melhor valorizao do
sujeito.
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No que tange metodologia, o presente trabalho se estrutura por meio de uma
pesquisa terica bibliogrfica, com anlise de contedo6. O objeto de pesquisa a
produo de Pierre Lvy, seus livros e artigos publicados em lngua portuguesa e suas
entrevistas e conferncias realizadas quando de suas vindas ao Brasil.
Este trabalho se apresenta em trs captulos. No primeiro captulo exponho
maneiras de conceber o conhecimento, e como essas maneiras sempre implicam em
determinadas vises a respeito do ser humano. Julgo importante mencionar, como pano
de fundo, determinadas alteraes que ocorreram na concepo sobre a produo do
conhecimento, e que conduziram a uma mudana de paradigma. Neste desenvolvimento
apresento, e descrevo, trs metforas de rvores: a rvore do saber de Descartes, a
rvore do conhecimento de Maturana e Varela, e, para uma melhor compreenso, o
projeto das rvores de conhecimentos de Pierre Lvy e Michel Authier. Para isto utilizo
alguns autores que subscrevem as teorias apresentadas, como Descartes, Maturana e
Varela, Maria Cndida de Moraes, Fritjof Capra, W. B. Pearce, Jos Manoel Moran, Hugo
Assman e o prprio Pierre Lvy.
A partir dos sculos XVI e XVII, teve incio uma srie de mudanas radicais na
cincia que estabeleceram uma nova percepo de mundo. Descartes considerado o
fundador da cincia moderna, e com sua rvore da sabedoria colocou a razo como a
nica base segura para a compreenso do homem e da natureza. O conhecimento
matemtico, que tem origem na razo, foi tido como o prprio modelo do conhecimento.
No pensamento cartesiano o conhecimento, para ser apreendido, deveria ser dividido em
partes e distribudo em doses compatveis com a capacidade de armazenamento. Esta
perspectiva colocou o conhecimento no pressuposto de que antes preciso adquiri-lo para
depois poder aplic-lo em situaes especficas. Registrar e memorizar para depois
experimentar. Esse pensamento teve como uma de suas consequncias a dicotomia entre
corpo e mente.
A ps-modernidade prope um questionamento sobre a teoria cartesiana e as
noes clssicas de verdade, razo, identidade e objetividade. Esta abriga uma transio
paradigmtica em direo a um conhecimento local e total, e a uma noo de
6 Conforme Bardin (1997) a pesquisa de anlise de contedos supe a fase da pr-anlise, com a sistematizao das idias iniciais e organizao. Aps, passa-se a um estudo mais detalhado, em que surgem idias coincidentes e divergentes. A fase final da interpretao referencial, que prope uma maior intensidade do trabalho com reflexes, aprofundamento e desvelamento do contedo latente das mensagens. a fase em que se descobrem os ncleos de sentido que podem compor significado para o objetivo escolhido para anlise.
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conhecimento ligado ao autoconhecimento. H uma multiplicidade de maneiras de
interpretar a realidade, alm de colocar a dvida como condio para a reflexo.
Nesta mudana de concepo do conhecimento exponho a rvore do
conhecimento de Maturana e Varela, onde a explicao do fenmeno do conhecer
colocada numa circularidade cognitiva, e o sujeito constri conhecimento que, no parte
nem do mundo do sujeito e nem do mundo do objeto, mas o resultado das interaes
que ocorrem entre ambos. Na teoria autopoitica, destes autores, os seres vivos se
caracterizam por produzirem-se continuamente a si mesmos. Esta teoria coloca o
processo de conhecer muito alm do pensar, raciocinar e medir, pois envolve a percepo,
a emoo e a ao como elementos fundamentais para constituirem a dinmica da vida. A
interpretao da realidade dependente das situaes que acontecem na estrutura do
sistema vivo.
O saber e o conhecimento mudam de estatuto na ps modernidade, e os
computadores modificam a aquisio, classificao, acesso e explorao destes. No h
hierarquias de conceitos, todos esto interconectados em rede e descentralizam a prpria
produo de conhecimentos. O paradigma tradicional colocava o sujeito como passivo e
espectador do mundo, agora estamos frente de um sujeito-coletivo que busca a remoo
das fronteiras e a desterritorializao do conhecimento.
O projeto das rvores de conhecimentos de Pierre Lvy um sistema que revela
as tcnicas e os diferentes saberes de cada indivduo, grupo ou comunidade e, ao mesmo
tempo, a identidade de cada um nesse espao.
Para Lvy este sistema pode ser aplicado a tudo porque no h nenhum
requisito no tocante classificao dos conhecimentos, seu contedo, seu valor e seu
modo de transmisso. apenas uma ferramenta que propicia o acesso livre expresso
dos saberes de qualquer comunidade humana. Para ele, este projeto poderia ampliar a
cidadania por meio de trocas e partilha dos conhecimentos, e tambm pelo
reconhecimento e visibilidade de todas as competncias. Possibilitando assim, dignidade a
quem os saberes da vida so negados. uma forma de reconhecimento e de avaliao
aberta a todas as competncias disponveis na sociedade.
Na perspectiva de Lvy, a rvore de cada grupo ou comunidade cresce na
medida da prpria evoluo de suas competncias, e a vida cognitiva destes que
determinam qual a forma da rvore. Assim, para Lvy, em um espao em que todos os
saberes podem ser colocados sem hierarquia, as diferenas podem se tornar uma maneira
de enriquecimento ao invs de ser um fator de violncia. H uma infinidade de
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conhecimentos, que todos podem possuir em um momento ou em outro, com pertinncia
econmica, ldica, social ou cientfica. O espao do saber que faz emergir estas rvores
de conhecimentos no pertence a um determinado territrio, desterritorializado.
No segundo captulo, alm de apresentar a trajetria formativa de Pierre Lvy,
identifico, descrevo e transcrevo, em ordem temtica, as idias e conceitos presentes em
sua obra, que fundamentam a proposta deste estudo sobre a desterritorrializao do
conhecimento e a descentralizao do saber. Visando apresentar uma maior preciso das
datas e melhor visibilidade cronolgica, elenco, neste momento, os livros de Pierre Lvy,
traduzidos e publicados no Brasil, com suas datas de publicao originais, acompanhadas
da data de publicao no Brasil,
A mquina universo- criao, cognio e cultura informtica
Frana 1987, Brasil 1998;
Tecnologias da Inteligncia
Frana 1990, Brasil 1993;
A ideografia dinmica rumo a uma imaginao artificial?
Frana 1991, Brasil 1998;
As rvores de Conhecimentos
Frana 1992, Brasil 1995;
A Inteligncia Coletiva - por uma antropologia do ciberespao
Frana 1994, Brasil 1998;
O que o virtual?
Frana1995, Brasil 1996;
Cibercultura
Frana 1997, Brasil 1999;
O Fogo Liberador
Frana 1999, Brasil 2000;
A Conexo Planetria
Frana 2000, Brasil 2001.
Para desenvolver a temtica sobre a descentralizao do saber e a
desterritorializao do conhecimento, na perspectiva da obra de Lvy, percorro alguns
temas e conceitos, que so recorrentes em sua obra e, que contribuiro, efetivamente,
para elucidar a temtica escolhida.
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Lvy transcorre sobre as tecnologias da inteligncia e sobre as diferentes
tcnicas utilizadas pela humanidade, dentre elas, as narrativas, a escrita, a leitura, o
hipertexto e as simulaes realizadas em computador. Conceitua um novo espao
antropolgico como o espao do saber. Espao este em que a inteligncia coletiva, por
meio de uma ecologia cognitiva, prope a descentralizao do saber e a
desterritorializao dos conhecimentos, e possibilita a construo da engenharia do lao
social.
Apresenta os processos, que fazem parte da tcnica, como formas sociais do
tempo e do saber. E coloca as tcnicas, em correspondncia com os tempos do esprito,
as etapas da oralidade, da escrita e da informtica. Alm de interpretar a tecnologia e a
produo e circulao de mensagens, no interior das redes de computadores, como um
elementochave de uma sociedade em mutao.
Para Lvy esto presentes quatro grandes espaos antropolgicos na histria da
humanidade: Terra, Territrio, Mercadorias e Saber. O espao do saber virtual, pois no
se realiza especificamente em parte alguma, entretanto est sempre presente e alimenta
todos os outros espaos. A inteligncia coletiva construda a partir do processamento da
informao adquirida individualmente, e partilhada. Est distribuda por toda parte,
continuamente valorizada, e movimentada em tempo real. Transforma o penso, logo
existo para um formamos uma inteligncia coletiva, logo existimos eminentemente como
comunidade. Lvy situa as competncias dos indivduos como nicas e interligadas ao
seu trajeto de vida, e assinala duas grandes reformas que poderiam ser feitas nos
sistemas de educao e formao, relacionando-as cibercultura.
No sub-item, sobre o fim das fronteiras, exponho, segundo Lvy, como a
expanso do conhecimento cientfico proporcionou humanidade uma nova forma de
apreenso do espao, pois num ponto qualquer de uma grande cidade pode-se ter acesso
a uma inteligncia coletiva acumulada a sculos, da qual participam os mais diversos
povos. O ciberespao poder ser o lugar da criao e da aquisio de conhecimentos, das
atividades de aprendizagem, de pesquisa e de lazer. Abordo, ainda, o tema do
desenvolvimento e da valorizao do aspecto humano, que recorrente, ao longo da obra
de Pierre Lvy. Para ele o conhecimento verdadeiro conduz o ser humano em direo
liberdade e responsabilidade.
Neste captulo, elenco algumas das objees ao pensamento de Pierre Lvy.
Contudo, a grande maioria das crticas encontradas, com relao a este autor, no se
dirige ao objetivo especfico deste estudo: a desterritorializao do conhecimento e a
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descentralizao do saber, e sim s suas ideias e conceitos sobre o real e o virtual e, mais
explicitamente, contra o seu otimismo em relao s tecnologias digitais.
No captulo trs, exponho o conceito de desterritorializao de Deleuze e
Guattari, e apresento a metfora de rizoma destes autores, em contraposio s trs
metforas de rvores: a de Descartes, de Maturana e Varela, e a do projeto de Lvy e
Authier.
A rvore possui razes como seu eixo principal, e remete a centros de poder e
estruturas hierrquicas. Ao contrrio da forma arborescente, a formao rizomtica cresce
e transborda, sem comeo nem fim. Assim, o conceito de rizoma o que caracteriza a
rede de conhecimentos, presente no ciberespao. Alm de, estabelecer uma maior relao
com a desterritorializao do conhecimento e a descentralizao do saber.
Abordo, ainda, a partir das idias e conceitos de Pierre Lvy, algumas premissas
da educao para este sculo: a comunicao, os suportes tecnolgicos e a formao
para vida. E, para tanto, utilizo o auxlio de autores, j elencados anteriormente. Para
finalizar, levanto, de que forma, as idias de Lvy podem contribuir para uma educao
mais condizente com a perspectiva do futuro.
A educao a distncia favorece o desenvolvimento de competncias e
habilidades para expressar o prprio pensamento e a interpretao deste. Mas a
aprendizagem no pode ser s intelectual, importa formar formadores que abarquem os
sentidos corporal, emocional e espiritual.
Uma aprendizagem significativa conduz ao processo de autoconhecimento e de
descobertas de conhecimento que cooperem para uma convivncia coletiva. O aprender a
aprender ser capaz de realizar aprendizagens significativas, com certo grau de
autonomia, em uma amplitude de situaes.
O processo de construo do conhecimento est envolvido com sentimentos e
emoes. Os contedos devem provocar, no sentido de estimular e incitar, discusses
tericas e reflexes que possam culminar numa prtica reflexiva, que possibilite
construo de autonomia e autoria, aliadas a um desenvolvimento de aspectos qualitativos
no desenvolvimento de valores afetivos.
O conhecimento humano nunca pura operao mental. Toda ativao da
inteligncia est entretida de emoes, pois o conhecimento est imbricado na inteligncia
emocional.
O panorama atual demanda uma formao docente, que assimile estas
mudanas. Se pretendermos relaes mais afetivas, construtivas e amorveis precisamos
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foment-las nos futuros educadores (alunos do curso de formao de professores), que
iro desenvolv-las no seu trabalho com crianas e jovens, difundindo princpios
valorativos e dotando-os de flexibilidade, possibilitando-lhes experincias cognitivas que os
habilitem a serem criativos, autnomos e capazes de apropriarem-se de oportunidades
oferecidas em contextos cognitivos.
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CAPTULO 1 MUDANAS DE CONCEPO SOBRE A PRODUO DO
CONHECIMENTO
A questo sobre o conhecimento foi colocada desde o incio da filosofia grega,
pois foi sempre uma necessidade do ser humano. Alm disso, a produo do
conhecimento, nas diversas pocas, implica em diferentes vises de mundo, de
sociedade e de concepes a respeito do ser humano. Estas esto diretamente
relacionadas, com a leitura da realidade que feita pelas diferentes culturas.
As leituras de mundo, de ser humano, de sociedade e de conhecimento esto
congregadas em modelos e referenciais tericos designados por paradigmas7.
A identidade ou o consenso sobre uma maneira de entender, perceber e agir no
mundo revela um determinado paradigma. A aceitao, sem uma avaliao crtica dos
fundamentos deste paradigma, e dos fatos e relaes entre esses fatos, acontece sem
uma reflexo mais aprofundada. Geralmente no nos apercebemos dos paradigmas que
orientam nossas aes, pois todo paradigma nos prope enxergarmos algumas coisas e
ignorarmos outras. Moraes (2002) e Capra (1982) assinalam que um paradigma prioriza
algumas relaes em detrimento de outras, e acaba por controlar a lgica do discurso.
Os paradigmas passam por desafios que terminam ocasionando mudanas,
quando os modelos so contestados por novas evidncias.
A partir dos sculos XVI e XVII, tem incio uma srie de mudanas radicais na
cincia que estabelecem uma nova percepo de mundo, com a noo de um mundo-
mquina, conseqncia das mudanas revolucionrias na fsica e na astronomia. A viso
do mundo-mquina originou um novo mtodo de investigao cientfica, que envolvia a
descrio matemtica da natureza. Para Moraes (2002) esse perodo, chamado de
Revoluo Cientfica, teve incio quando Nicolau Copernico (1473-1543) se ops
concepo geocntrica de Ptoolomeu e da Bblia, aceita por mais de mil anos. As grandes
navegaes e a descoberta da Amrica alteraram a imagem que os homens faziam da
7No sentido etimolgico, o termo paradigma vem do grego (pardeigma), e no latim (paradigma), tem um
significado comum: modelo, padro. Na cincia, o termo paradigma foi usado por Thomas Khun (1970, p. 13) que considerou paradigma como as realizaes cientficas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e solues modelares para uma comunidade de praticantes de uma cincia.
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terra. Dessa forma, as teorias cientificas de Nicolau Coprnico, Giordano Bruno, Galileu
Galilei e Johannes Kepler possibilitaram uma nova concepo de universo. A reforma de
Lutero abalou o poder da autoridade da Igreja catlica no Ocidente, e props a
interpretao da Bblia pelo prprio individuo. Para Capra (1982) a mudana decisiva
ocorreu com Lamarck, no comeo do sculo XIX, com a sua teoria da evoluo, que
embasou a teoria de Darwin, muitas dcadas aps. Segundo Castells (2002) o ganhador
do prmio Nobel, Ilya Prigogine, com sua teoria sobre a dinmica no-linear da auto-
organizao dos ciclos qumicos, possibilitou a compreenso do aparecimento espontneo
da ordem como uma das caractersticas essenciais da vida.
As leituras da realidade relacionadas s mudanas que ocorrem no universo e
envolvem fenmenos fsicos e astronmicos ocasionam novas explicaes e condicionam
(mais cedo ou mais tarde) novas leis, que conduzem a novas prticas e a mudanas
sociais. O que desconhecemos sempre o desconhecimento de um determinado tipo de
conhecimento, assim como o que conhecemos sempre o conhecimento de um
determinado desconhecimento. As mudanas de um paradigma no podem ser previstas,
pois acontecem por meio de uma srie de crises ou revolues, j que sempre vemos o
futuro atravs do paradigma que temos no presente. O conhecimento um processo e,
alm de ser uma representao mental do mundo, est sempre em relao com a
atividade prtica do homem.
Na inteno de contextualizar a temtica das mudanas de concepo sobre a
produo do conhecimento apresento, neste captulo, trs metforas de rvores com seus
galhos de saber. A rvore do saber de Descartes, com seus ramos que priorizam
determinados conhecimentos, a Medicina, a Mecnica e a Moral, em detrimento de outros.
A rvore do conhecimento de Maturana e Varela, que apresenta uma circularidade
cognitiva, onde o fenmeno do conhecer no se ergue como uma rvore que parte de um
ponto mais slido, mas que cresce progressivamente at abranger tudo o que h para
conhecer. E o projeto das rvores de conhecimentos, de Pierre Lvy e Michel Authier,
que, atravs de seus galhos em rede, oportuniza visibilidade s tcnicas e aos diferentes
saberes de cada indivduo, grupo ou comunidade e, ao mesmo tempo, expe a identidade
de cada um nesse espao.
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1.1 DESCARTES E A RVORE DA SABEDORIA
Foi o filsofo, mdico e matemtico francs, Ren Descartes8 (1596-1650) que
vivendo num tempo de transio entre uma tradio muito forte e uma nova viso de
mundo, preocupou-se em formular um mtodo que fosse capaz de orientar a razo com o
propsito de atingir o conhecimento verdadeiro.
Segundo Capra (1982) e Moraes (2002) Descartes considerado o fundador da
cincia moderna, em que a razo se torna a nica base segura para a compreenso do
homem e da natureza. Pai do racionalismo moderno, considera como verdadeiro e vlido
somente o conhecimento que for lgico. O conhecimento matemtico, com sua origem na
razo, foi tido como o prprio modelo do conhecimento. Para os racionalistas, a existncia
do conhecimento emprico como simples opinio desprovido de valor cientfico. O
conhecimento, assim entendido, supe a existncia de ideias ou essncias anteriores e
independentes de toda a experincia.
No Discurso do mtodo (DESCARTES, 1996, P. 78 e 79), publicado em 1637,
Descartes formulou quatro regras subjacentes ao conceito de mtodo. A primeira era a
regra da evidncia, jamais aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse
evidentemente como tal, evitar a precipitao e a preveno. A segunda era a regra da
diviso, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas
fosse possvel e quantas fossem necessrias para melhor as resolver. A terceira era a
regra da ordem, conduzir por ordem os meus pensamentos, comeando pelos objetos
mais simples e mais fceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, at
ao conhecimento dos mais compostos e a quarta era a regra da enumerao, fazer em
toda parte enumeraes to completas, e revises to gerais, que estivesse seguro de
nada omitir.
O pensamento cartesiano exposto coloca a necessidade de decompor uma
questo em outras mais simples at chegar a um grau de simplicidade suficiente para a
resposta ficar evidente e, que o conhecimento para ser apreendido, deveria ser dividido
em partes e distribudo em doses compatveis com a capacidade de armazenamento.
(DESCARTES, 1996)
8 tambm conhecido pelo nome latino de Cartesius, o que originou seu pensamento ser conhecido como
cartesiano
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Na obra Os Princpios da Filosofia (DESCARTES, 1989, p.42), publicada em
1644, Descartes comparou a filosofia a uma rvore (fig.1), a rvore do saber, onde a raiz
seria a Metafsica, o tronco a Fsica, e os galhos que saem do tronco constituiriam todas
as diferentes cincias, as quais poderiam ser reduzidas a trs principais: a Medicina, a
Mecnica e a Moral. A Moral seria a principal, a mais elevada e mais perfeita, porque o
homem, possuindo somente conhecimento vulgar e imperfeito, deve, primeiramente, ter a
incumbncia de formar uma moral capaz de dispor as aes da vida. A Moral seria o
ltimo grau da sabedoria.
Figura 1 rvore do Saber
Fonte: http://bp1.blogger.com/_9gmd2Cc9HL4/RyjsEXkifFI/AAAAAAAAAf0/cwuYju6OXEk/s1600-
h/Grandes+Ideias+rvore+do+saber+2.gif acesso em 27/09/09
Segundo Descartes (1996), a Metafsica inclui os princpios do conhecimento,
dentre os quais est o esclarecimento dos atributos essenciais de Deus, da imaterialidade
de nossas almas e de todas as ideias simples que esto em ns. Entretanto, antes
preciso estudar a lgica, no aquela da escola que ensina a dialtica, mas a que orienta a
http://bp1.blogger.com/_9gmd2Cc9HL4/RyjsEXkifFI/AAAAAAAAAf0/cwuYju6OXEk/s1600-h/Grandes+Ideias+%C3%83%C2%A1rvore+do+saber+2.gifhttp://bp1.blogger.com/_9gmd2Cc9HL4/RyjsEXkifFI/AAAAAAAAAf0/cwuYju6OXEk/s1600-h/Grandes+Ideias+%C3%83%C2%A1rvore+do+saber+2.gif
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razo para a descoberta de verdades que desconhecemos. Depois devemos praticar as
regras pertinentes s questes simples da matemtica.
Aps descobrir os verdadeiros princpios das coisas materiais, devemos nos
ocupar do estudo da Fsica para encontrar os verdadeiros princpios das coisas materiais:
como o universo composto; qual a natureza da terra e de todos os corpos que se
encontram em torno dela como o ar, a gua, o fogo, e os outros minerais. Depois
investigar a natureza das plantas, dos animais e, sobretudo, do homem, o que possibilitar
a capacidade de encontrar as outras cincias que so teis humanidade.
Ora como no das razes nem do tronco das rvores, que se colhem os frutos, mas to somente das extremidades dos ramos, a principal utilidade da filosofia depende, portanto, daquelas partes que so aprendidas em derradeiro lugar. (DESCARTES, 1989, p.42)
A partir do sculo XVII a busca pelo ideal matemtico, uma mathesis
universalis (matemtica universal) onde o conhecimento dominado pela inteligncia e
baseado na ordem e na medida, permitindo assim o estabelecimento de cadeias de
razes. A principal conseqncia da matemtica, na cincia moderna, ter sido colocada no
centro que conhecer passou a significar quantificar, ou seja, as qualidades intrnsecas ao
objeto so menos importantes que as quantidades em que este objeto possa ser traduzido.
O conhecer transforma-se em dividir e classificar para poder determinar relaes
sistemticas entre aquilo que se separou.
Esta perspectiva colocou o conhecimento no pressuposto de que antes preciso
adquiri-lo para depois poder aplic-lo em situaes especficas. Registrar e memorizar
para depois experimentar.
O pensamento, onde tudo poderia ser explicado por leis matemticas e pelo
conhecimento das partes e, que alicerou o paradigma moderno de cincia, teve como
uma de suas consequncias a dicotomia entre corpo e mente. Assim, o corpo enquanto
realidade fsica e fisiolgica estava vinculado a processos de alimentao e digesto e,
encontrava-se submetido s leis da natureza, enquanto que as atividades da mente como
recordar, raciocinar, querer e conhecer pertenciam ao domnio da liberdade de expresso
e reflexo filosfica.
Capra (1982, p. 55) coloca que o cogito cartesiano fez com que Descartes
privilegiasse a mente em relao matria e levou-o concluso de que as duas eram
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separadas e fundamentalmente diferentes, no havendo nada no conceito de corpo que
fizesse parte da mente, e nada na ideia de mente que fizesse parte do corpo.
Conforme Moraes (2002) e Capra (1982), a crise que acontece em um
paradigma conseqncia de uma srie de problemas, onde determinado campo terico
no encontra as solues. Por conseguinte, as descobertas relacionadas teoria da
relatividade e teoria quntica desencadearam a queda dos principais conceitos da viso
de mundo cartesiana e da fsica newtoniana, pois medidas de espao e tempo so
relativas e esto submetidas a um determinado observador.
Para Moraes (2002) um forte abalo ao paradigma da cincia moderna ocorreu
em 1905, quando Einstein escreveu dois artigos revolucionrios sobre a teoria da
relatividade da simultaneidade de acontecimentos, e sobre a forma de conceber a radiao
eletromagntica que caracterizaria a teoria dos fenmenos atmicos. Capra (1982)
assinala que a teoria de Einstein ocasionou uma mudana drstica aos conceitos de
espao e tempo.
Essa mudana pode ser observada no princpio de indeterminao na cincia,
na exploso da informao e no crescimento das tecnologias de informao. Lyotard
(1979) referiu-se a esse perodo de mudanas gerais na condio humana, como ps-
modernidade. Segundo ele, neste perodo ps-moderno, h um questionamento sobre a
teoria cartesiana e as noes clssicas de verdade, razo, identidade e objetividade.
Evidencia-se uma proposta que abrange uma multiplicidade de maneiras de interpretar a
realidade, alm de colocar a dvida como condio para a reflexo.
1.2 A RVORE DO CONHECIMENTO DE MATURANA E VARELA
Por volta de 1968, dois bilogos, Humberto Maturana e Francisco Varela,
compreenderam que os fenmenos associados percepo, somente podiam ser
entendidos conforme a concepo do operar do sistema nervoso como uma rede circular
fechada de correlaes internas e, que a organizao do ser vivo se explicava a si
mesma ao ser vista como um operar circular fechado (MATURANA e VARELA, 1995, p.
39)
Dessa forma o fenmeno do conhecer no pode ser equiparado existncia de
fatos ou objetos l fora, que podemos captar e armazenar na nossa cabea. Essa
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experincia de coisas l fora legitimada pela estrutura humana, que torna possvel essa
coisa. O fenmeno do conhecer um todo integrado, e todos os seus aspectos esto
fundados sobre a mesma base. (p. 39) Esses autores concluram que entre o social e o
humano e suas razes biolgicas no h uma descontinuidade e, sendo assim, os seres
vivos se caracterizam por produzirem-se continuamente a si mesmos. Estes cientistas
definem esta organizao como organizao autopoitica.9 (MATURANA e VARELA,
1995)
Um sistema autopoitico um sistema capaz de produzir-se a si mesmo.
Maturana e Varela compreenderam como autopoise a prpria capacidade de auto-
organizao da vida.
A teoria da autopoitica, destes cientistas, coloca a mente como um processo de
conhecer e a cognio como um fenmeno biolgico que est subordinado s interaes
que acontecem, onde o crebro no a nica estrutura responsvel pela construo do
conhecimento e as mudanas que resultam da interao entre o ser vivo e seu meio so
desencadeadas pelo agente perturbador, embora sejam determinadas pela estrutura do
sistema perturbado. Assim o ser vivo uma fonte de perturbaes, e no de instrues.
((MATURANA e VARELA, 1995, p. 131)
Moraes (2003, p. 100) estudando a teoria destes autores demonstra que
Maturana e Varela evidenciam que a realizao de toda vida individual depender sempre
da organizao do sistema social total a que se pertence posto que se componente
dele. Dessa forma o desenvolvimento de uma competncia ou a expresso de um talento
qualquer de um indivduo est imbricado ao ambiente que o circunda, ao entrelaamento
da gentica, com a cultura, com o contexto alm dos fatores internos. Enfim, pela
coexistncia do social, do cultural e do ambiental.
Segundo Maturana e Varela (1995, p. 258), a explicao do fenmeno do
conhecer nos coloca numa situao circular, numa sensao de no termos um ponto de
referncia fixo e absoluto, pois a suposio de um mundo objetivo, independente de ns
como observadores e, acessvel ao nosso conhecimento atravs do nosso sistema
nervoso, no nos permite entender como este funciona em sua dinmica estrutural, pois
exige que o meio especifique seu operar
9 Poieses de origem grega refere-se a produo, autopoiese seria autoproduo
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O processo de conhecer nesta teoria colocado num patamar muito mais
abrangente do que a concepo do pensar, raciocinar e medir. Envolve elementos
fundamentais como a percepo, a ao, a emoo e toda a corporeidade. O
conhecimento produto das interaes entre sujeito e mundo, a aprendizagem e a vida
no esto separadas, conhecer viver e experimentar algo novo.
Toda interao, todo acoplamento afeta o operar do sistema nervoso devido s mudanas estruturais que desencadeia nele. Toda experincia particularmente nos modifica, ainda que s vezes as mudanas no sejam de todo visveis (...) viver conhecer (viver ao efetiva no existir como ser vivo). (MATURANA e VARELA, 1995, p. 197)
Maturana v a arvore do conhecimento numa circularidade cognitiva onde o
conhecer do conhecer no se ergue como uma rvore com um ponto de partida slido,
que cresce gradualmente at esgotar tudo o que h para conhecer. Assemelha-se com a
situao do rapaz que aparece na obra de Escher (fig.2) que se transforma na cidade e
na galeria onde ele prprio se encontra. (1995, p. 260)
Figura 2 Galeria dos Quadros, obra de Maurits Cornelis Escher, 1956
Fonte: www..fisicanet.com.ar/nove/perspectivas/escher_galeria.php - acesso em 30/08/09
http://www.fisicanet.com.ar/nove/perspectivas/escher_galeria.php
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Segundo Maturana e Varela (1995, p. 260) A bagagem de regularidades
prprias ao acoplamento de um grupo social sua tradio biolgica e cultural. Mas a
tradio alm de ser uma forma de ver e atuar, tambm uma maneira de ocultar. Toda
tradio se fundamenta no que uma histria estrutural acumulou como bvio, como
regular, como estvel. Entretanto a reflexo que possibilita enxergar o bvio opera
somente com aquilo que perturba essa regularidade.
No prefcio da obra destes dois bilogos apresentado um grfico (fig.3) que
demonstra a inter-relao de todas as dimenses conceituais que revelam nossa natureza
cognitiva. Primeiramente vemos o eixo central: a natureza cognitiva do ser humano,
correlacionado est a percepo e o conhecimento junto ao operar do sistema nervoso e
organizao do ser vivo, a organizao autopoitica. Simultaneamente observamos o
fenmeno da descrio e do surgimento da autoconscincia prpria do observador que
descreve, (ou seja, do processo que d lugar ao fenmeno da linguagem natural humana,
sem a qual no existe autoconscincia). O grfico manifesta a cincia das leis que rege o
universo humano e se encontra arraigada no prprio fundamento cognoscitivo da nossa
natureza. O homem est contido apenas em sua prpria natureza, em seu modo humano
de operar e de autodescrever seu universo experiencial-perceptivo, portanto: em seu
prprio Ser. (MATURANA E VARELA, 1995, p. 42 e 43)
Figura 3 O ser do ser humano
Fonte: MATURANA e VARELA (1995, p. 43)
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A teoria apresentada por Maturana e Varela (1995, p. 260) se situa dentro da
tradio da cincia e se valida por critrios cientficos. Contudo assinala uma
singularidade dentro dessa tradio, ao mostrar como, ao tentar conhecer o conhecer,
acabamos por nos encontrar com nosso prprio ser.
O conhecimento do conhecimento compromete. Compromete-nos a tomar uma atitude de permanente vigilncia contra a tentao da certeza, a reconhecer que nossas certezas no so provas da verdade, como se o mundo que cada um de ns v fosse o mundo, e no um mundo, que produzimos com outros. Compromete-nos porque, ao saber que sabemos, no podemos negar o que sabemos. (MATURANA e VARELA, 1995, p. 262)
Conforme Moran (2008, p. 41), desconhecemos os aspectos mais importantes
sobre o processo do conhecer: de onde viemos e para onde nos encaminhamos
Conhecer saber, desvendar, ir alm da superfcie, da descoberta, penetrar mais fundo nas coisas, na realidade, no nosso interior. Conhecer tentar chegar ao nvel da sabedoria, da integrao total, da percepo da grande sntese, que se consegue ao comunicar-se com uma nova viso do mundo, das pessoas e com o mergulho profundo no nosso eu. O conhecimento se d no processo rico de interao externo e interno.
Capra (1996) assinala que esta criao de nosso mundo interior est
particularmente ligada com a linguagem, o pensamento e a conscincia. O meio ambiente
desencadeia as mudanas estruturais, contudo este no as controla e nem as especifica.
Em referncia a estas mudanas de concepo sobre o conhecimento, Capra
(1996) coloca que estamos enfrentando um conjunto de mudanas paradigmticas, to
radicais quanto as que ocorreram na transio da razo teolgica para a razo filosfica
ou com a revoluo de Coprnico. Este novo paradigma valoriza a experincia, na medida
em que tudo est em movimento num constante fluxo de energias, e tudo o que fazemos
, na verdade, uma experincia. O paradigma tradicional colocava o sujeito como passivo
e espectador do mundo, agora estamos frente de um sujeito-coletivo que busca a
remoo das fronteiras.
Segundo Assmann (1998), os paradigmas so historicamente mutveis,
relativos e naturalmente seletivos, portanto no h paradigma permanente. Para Capra
(1996) as mudanas de paradigmas no so feitas de uma forma uniforme, elas ocorrem
em diferentes velocidades e diferentes maneiras. Conforme Moraes (2002) os valores que
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so subjacentes aos velhos paradigmas resistem o quanto podem autodestruio, pelo
fato da natureza do ser humano ser conservadora. Delin (2005) observa que como o
novo incomoda, a zona de conforto do convencional pode cristalizar, na aquisio do
saber, a linearidade, a reproduo de contedos e a transmisso esttica do
conhecimento.
Pearce (1996, p. 181) em seus estudos explica que o novo paradigma baseia-se
na passagem da teoria prtica e lembra que a etmologia da palavra teoria significa
espectador. Questiona ento, se somos expectadores ou participantes, pois a
participao implica em questionamentos. Afirma que, ao invs de aspirar episteme
(conhecimento das coisas verdadeiras) temos que aspirar fronesis, que significa,
aproximadamente, uma sabedoria sobre como funcionam as coisas do mundo. E, ao
adentrarmos neste processo podemos nos defrontar com o imprevisvel, o inesperado.
Conforme Maturana e Varela (1995) aprendemos, conhecemos, experimentamos e
vivemos ao mesmo tempo.
Neste panorama a ciberntica e a informtica mudam a forma como
conhecemos e apreendemos o mundo, solicitando novas formas de fazer, e exigindo
novas estratgias e novos critrios para a produo do conhecimento. Para Delcin (2005,
p. 76 e 77) as novas maneiras de produo do saber colocam as tecnologias como
elementos co-estruturantes deste processo, e este saber vive a dinmica dos intelectuais
coletivos que se conectam, deslocam-se e transformam-se. Alm do que, as tecnologias
digitais propiciam novas interaes e fazem emergir novas formas de aprender.
Segundo Lyotard (2002) o mundo do saber na ps-modernidade pode ser
representado por meio de um jogo de informao completa, na medida em que os dados
so em princpio acessveis a todos os experts, no havendo segredo cientfico. Dessa
forma, o saber no se reduz cincia e nem ao conhecimento. O conhecimento seria
como o conjunto dos enunciados que denotam ou descrevem objetos e a cincia como um
subconjunto do conhecimento. Dessa forma, o saber no apenas um conjunto de
enunciados denotativos, mas uma mistura das idias de saber-fazer, saber-viver, saber-
escutar, ou seja, o saber se estende alm das competncias cognitivas, e pressupe
qualificao tcnica, sabedoria tica, sensibilidade auditiva, visual, etc. Ento o consenso
que faz circunscrever ou discriminar determinado saber a cultura de um povo.
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1.3 AS RVORES DE CONHECIMENTOS DE PIERRE LVY
Apresento dentre as metforas das rvores, a do prprio Lvy, que, juntamente,
com Michel Authier10 pesquisava uma forma de democracia que reencontrasse a vitalidade
do pensamento coletivo em uma nova cidadania e que fosse adequada sociedade da
informao. Assim, no final de 1991, elaboraram o projeto das rvores de
Conhecimento11. A essncia desta rvore de conhecimento revelar as tcnicas e os
diferentes saberes de cada indivduo, grupo ou comunidade e, ao mesmo tempo, a
identidade de cada um nesse espao.
As rvores so um mtodo que permite que cada pessoa que integra uma comunidade se perceba como parte dela. Um estudante de uma faculdade, por exemplo, pode descobrir que tipo de aluno , que habilidades possui e como est em relao aos seus colegas. Isso pode se estender ao bairro ou cidade em que se mora, instituio na qual se trabalha. (AUTHIER, 2003)
um mapa dinmico, em forma de rvore, que pode ser consultado na tela, e
que cada comunidade, grupo ou indivduo faz crescer de maneira diferente, na proporo
em que as habilidades e competncias deste grupo, comunidade ou indivduo evoluem.
um mtodo informatizado para a gesto global das competncias nos estabelecimentos de
ensino, nas empresas, nos centros de emprego, nas coletividades e nas associaes.
(LVY, 1999)
Sobre o funcionamento deste mapa Michel Authier explica em entrevista
revista Galileu (2003) que, para que o projeto possa funcionar bem essencial que cada
membro da comunidade torne visvel as suas experincias, para que possa compartilh-
las e avali-las dentro da comunidade. No como uma enciclopdia, um dicionrio nem
nada parecido. um mecanismo para conhecer pessoas, trabalhar e aprender em
conjunto, compartilhar informaes.
Esclarece ainda que, a originalidade deste projeto de rvores a gerao de
um grfico que vai mudando de acordo com a interveno das pessoas. como se fosse
10
Professor da Universidade de Paris possui formao em matemtica, sociologia e histria das cincias. 11 O endereo eletrnico possui mais informaes sobre o software.
http://www.trivium.fr/
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31
uma espcie de mapa em que a pessoa se localiza em relao aos outros. Pode ver onde
est e aonde vai chegando quando aprende algo novo. Explica que este mtodo de
descoberta e no de pesquisa e, que a grande qualidade das rvores gerar a
possibilidade de uma viso global de todas as pessoas que formam uma determinada
comunidade, pois desta forma podem enxergar o conhecimento e as informaes que as
pessoas trazem. um mecanismo que oferece diferentes possibilidades, de acordo com o
perfil dos usurios.
As empresas, por exemplo, utilizam as rvores para gesto dos empregados e para estimul-los a descobrir seu potencial e seu valor dentro da empresa. Em um trabalho social, as rvores servem para compartilhar experincias. Uma pessoa com determinado problema pode fazer alianas com pessoas que j solucionaram uma questo semelhante. (AUTHIER, 2003)
Neste projeto das rvores de conhecimento Lvy demonstra a necessidade de
viabilizar a valorizao e o reconhecimento dos saberes de uma inteligncia coletiva, e um
mecanismo de reconhecimento e avaliao que abarque todas as competncias
disponveis em uma sociedade. Lvy (1999) entende por competncias as aptides
comportamentais (saber ser), as habilidades (savoir-faire, know-how) e os conhecimentos
tericos.
Sendo utopia (ou no), Pierre Lvy leva-nos a atentar para novas formas de
conhecimento e sinalizar uma nova igualdade, fundada na singularidade das habilidades e
competncias.
Para Lvy e Authier (2008), os processos revolucionrios na Antiguidade
originavam-se na partilha das terras. Na era industrial, voltavam-se para a posse dos
meios de produo, e atualmente sobre o conhecimento, os saberes, as habilidades e as
competncias que o poder baseia sua riqueza, e que os indivduos conquistam um
reconhecimento social e um emprego.
Estes autores demonstram que a vida coletiva sempre se baseou sobre as
habilidades e os conhecimentos dos indivduos, e que todo o saber est na humanidade.
Entretanto, evidenciam que no tempo em que quase no ocorriam mudanas nas tcnicas
e nas habilidades, o papel do saber no era preponderante e a capacidade de
aprendizagem dos indivduos e dos grupos no era vista como uma qualidade
determinante para a estabilidade da vida. Afirmam que hoje, o conhecimento evolui
rapidamente, dirige e transforma a vida coletiva em seus meandros. A terra e o capital
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32
continuam a existir, mas agora sua valorizao depende dos processos que se
desenrolam em um outro espao, o do conhecimento. (LVY e AUTHIER, 2008, p. 104)
Apontam que o conhecimento pode ser um lugar em que a solidariedade entre
os homens tenha mais sentido, onde possa ocorrer a integrao na diversidade. E, alm
disso, o esforo da humanidade deve ser direcionado sobre as trocas e partilha dos
conhecimentos, pois todos sabem algo e todo saber pode ter uma utilidade econmica ou
social. Todo ser humano sabe algo na prpria medida em que viveu. Todavia, se todos
sabem algo, ningum sabe tudo. o que ignoro antes de tudo o que o outro sabe. Mais
voc me dessemelhante, mais sua vida diferente da minha, mais voc possui
conhecimentos que eu no tenho, mais poder me ensinar (LVY e AUTHIER, 2008, p.
101 e 102).
Consideram que todo ser humano, at sua morte, pode ser considerado como
um reservatrio, um estoque, um capital de conhecimentos que nunca acaba de crescer.
Pois nem todos sabem as mesmas coisas, ningum possui a mesma histria, h uma
identidade especfica nos indivduos, uma singularidade, que poderia ser definida pelo que
eles sabem, como uma impresso digital, um rosto trabalhado pela experincia, o timbre
de uma voz, um nome, uma assinatura. (LVY e AUTHIER, 2008, p. 100). No fao
distino entre conhecimentos. No h mais saber na casa de um professor universitrio
do que na casa de um trabalhador pobre que precisa descobrir formas sutis de ganhar a
vida, de educar seus filhos. (AUTHIER, 2003)
Indagam se certos conhecimentos no seriam mais importantes que outros?
No deveramos ter um julgamento qualitativo de um saber? Lvy e Authier (2008, p. 100)
nos dizem que quando caio na gua, o saber nadar que importa, se estiver em um
encontro de amigos, quem toca uma msica, sabe histrias ou conhece jogos encantar a
assistncia. Em nosso trabalho, determinadas habilidades e determinadas experincias
sero indispensveis. No preparo de uma refeio, o principal que saibamos cozinhar e
que entendamos a preparao do prato que destinamos aos nossos convidados e nossa
famlia. Ou quando meu carro quebra em uma estrada deserta, ser bom que eu saiba me
virar em mecnica, e assim por diante. Por isso todos os saberes so importantes, e
ningum sabe tudo.
O saber na perspectiva do projeto das rvores de conhecimento destes autores
expressa um espao em que todos os saberes podem ser valorizados sem a priori, as
diferenas podem se tornar uma fonte de desenvolvimento das comunidades, ao invs de
poderem tornar-se um fator de violncia. Nem todos tem dinheiro, mas todos sabem algo.
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33
Ento as pessoas no precisariam ser assistidas, mas valorizadas pelo que so. (LVY e
AUTHIER, p. 76 e 78)
O espao do saber que emerge nessas rvores de conhecimento um
mecanismo de reconhecimento e de avaliao aberto a todas as competncias disponveis
na sociedade, baseado sobre as comunidades de aprendizagem e de conhecimento.
(LVY e AUTHIER, 2008, p. 107)
A representao em rvore de conhecimentos permite determinar, por uma simples inspeo, a posio ocupada por um determinado saber em um dado momento e os itinerrios de aprendizagem possveis para se ter acesso a esta ou aquela competncia. (...) As pessoas ganham assim uma melhor apreenso da sua situao no "espao do saber" das comunidades s quais elas participam e podem elaborar, com conhecimento de causa, suas prprias estratgias de aprendizagem. (LVY, 1999, p. 178)
Neste espao h a possibilidade de construo de uma nova civilidade, fundada
na visibilidade de todas as competncias, e do seu reconhecimento, e na dignidade
desses a quem os saberes da vida so negados (LVY e AUTHIER, 2008, p. 43). Seria
ento, por uma melhor gesto dos saberes, pela inveno de uma economia dos
conhecimentos que poderamos projetar os contornos de outras formas de prosperidade e
de eficcia, sem explorao nem desmedida (p. 25) e uma nova energia poderia ser
gerada para abordar o futuro.
Lvy e Authier (2008) expem que de todos os saberes, apenas uma parcela
mnima acompanhada por um reconhecimento oficial de ttulos ou diplomas. Mas h uma
infinidade de conhecimentos, invisveis, clandestinos, prontos para serem usados. Tantos
quantos so as inmeras histrias de vida, pois ningum possui a mesma histria,
ningum sabe as mesmas coisas (p. 100). O saber uma das dimenses do ser porque
a linha da existncia est sempre duplicada por uma linha do conhecimento que a recruza,
a desposa e a ilumina. Citam (p. 65) o exemplo de um contramestre de uma fbrica de
vidros, velho e prximo da aposentadoria que diz: So coisas que no se aprende na
escola (...) H engenheiros cheios de diplomas que querem nos ensinar a fazer vidro e
outros que esperam nos substituir por mquinas, mas o vidro nunca exatamente a
mesma coisa, a cada vez diferente. No se pode explicar".
No mbito social, Lvy (1999, p. 179) explica que o sistema de rvores de
Conhecimentos poderia contribuir para lutar contra a excluso e o desemprego
reconhecendo as habilidades daqueles que no possuem nenhum diploma, favorecendo
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uma adequao da formao ao emprego, e estimulando um verdadeiro "mercado da
competncia". No mbito das redes de escolas e universidades, o sistema possibilitaria
colocar em funcionamento uma pedagogia cooperativa, no compartimentada e
personalizada. Nas organizaes, as rvores de Conhecimentos poderiam oferecer
instrumentos de localizao e de mobilizao das habilidades, avaliao das formaes, e
uma viso estratgica das evolues e das necessidades de competncias. Trata-se,
portanto, de um instrumento a servio do lao social para troca de saberes e emprego de
competncias.
Para explicar melhor o projeto, Lvy e Authier (2008, p. 135) colocam que entre
os samurais o conhecimento era o que fazia a nobreza do homem. No sistema das rvores
de conhecimentos, como todo mundo sabe algo, todos so nobres e podem ter um
braso12: as pessoas do povo, as corporaes, os ofcios, as cidades, etc. As rvores de
conhecimento so fundadas sobre princpios de auto-organizao, de democracia e de
livre troca na relao com o saber. Cada competncia particular reconhecida aos
indivduos em funo de procedimentos bem especificados: teste, admisso pelos pares,
fornecimento de prova etc. Ns chamamos esta imagem de "braso" da pessoa, para
marcar que a verdadeira nobreza de hoje conferida pela competncia. (AUTHIER, 2003)
Para os autores, as rvores de conhecimento abandonam uma concepo
feudal dos conhecimentos organizados em disciplinas e dominados pelos grandes
conceitos. Sendo assim, desenvolvem um espao do saber produzido por todos,
coextensivo vida das coletividades humanas, sem muros nem fossos incontornveis.
(LVY e AUTHIER, 2008, p.135)
Todas as transaes e interrogaes gravadas pelo dispositivo contribuem para determinar constantemente o valor (sempre contextual) das competncias elementares em funo dos diferentes critrios econmicos, pedaggicos e sociais. Esta avaliao contnua por meio do uso um mecanismo essencial de auto-regulao. (LVY, 1999, p. 179)
Pode-se acrescentar ao braso dos estudantes as competncias advindas de
sua experincia social ou profissional, podemos tambm conectar empregadores s
rvores das universidades. Em uma perspectiva internacional, no se trata de uma
12 tipo de imagem caracterstica que os samurais levavam sobre seus escudos com o fim de se reconhecerem nos combates. Algo reservado aos militares e aos nobres.
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regulamentao autoritria dos diplomas, pois em cada comunidade particular os brases
podero ter posies e valores diferentes, correspondendo s caractersticas de uso e
cultura local. Embora qualquer um possa passar de um pas para outro e de uma
coletividade para outra, conservando a sua lista de competncias, estas podero ter uma
valorizao diversa em diferentes rvores. (LVY, 1999)
Segundo Lvy (2001, b), o sistema das rvores de conhecimentos j aplicado
hoje em diversos lugares do mundo, em instituies de ensino, empresas, organizaes
sociais, econmicas, como por exemplo, a organizao do sistema econmico e a
organizao de desenvolvimento humano da Unio Europia13. Authier (2003) cita o uso
do sistema em grandes empresas como a EDF (Cia de Eletricidade da Frana) e a PSA
(Peugeot e Citroen), em mdias empresas, em universidades, em escolas de comrcio,
em coletividades locais (municpios, regio Poitou-Charentes), e em conjuntos
habitacionais de aluguel moderado (HLM).
Para Lvy e Authier (2008, p. 171) a economia do conhecimento seria igualitria,
na medida em que cada um tivesse a mesma parte do capital, a maneira de valoriz-las
que mostraria as diferenas, sem necessidade de explorao. O fundo da riqueza seria
organizado pelo potencial de inteligncia e de habilidade das pessoas.
Revelam ainda, que por meio deste sistema, a diferena no seria mais o que
organiza a existncia: seria por existirem e pela vida conceder a cada um infinitas
possibilidades que todos seriam diferentes; diferentes e no entanto iguais, solidrios e no
entanto livres, variados e no entanto fraternais. Na perspectiva das rvores de
conhecimentos, cada um feito de elementos tirados de um mesmo tesouro que
composto por sua vida de maneira original. (LVY e AUTHIER, 2008, p. 182)
Na rvore de conhecimentos de Pierre Lvy e Michel Authier (fig. 4), os saberes
bsicos so colocados no tronco, os saberes muito especializados de fim de cursos
formam as folhas. Os galhos renem as competncias, que esto, quase sempre
associadas, nas listas individuais de competncias dos indivduos. A organizao do saber
que uma rvore expressa, no fixa para sempre, ela reflete a experincia coletiva de um
grupo humano, que vai evoluir com a experincia. (LVY, 1999)
13
No livro Cibercultura, Lvy descreve, um exemplo concreto de uso das rvores de conhecimentos, nos anos de 1994 e 1995, em um projeto internacional, financiado pela Unio Europia e desenvolvido pelos departamentos de Business Administration de cinco universidades: a de Aarhus na Dinamarca, a de Siena na Itlia, a de Limerick na Irlanda, a de Lancarter na Inglaterra e a de Genebra na Sua. (LVY, 1999, p. 180 e 181)
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Figura 4 A arvore de conhecimento de Pierre Lvy e Michel Authier (traduo nossa)
Fonte: http://www.trivium.fr/fichiers/Plaquette%20-%20Arbres.pdf - acesso em 05/08/09
http://www.trivium.fr/fichiers/Plaquette%20-%20Arbres.pdf
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No Brasil, realizou-se o Programa rvores do Conhecimento, apoiado pelo
Ncleo de Estudos da Violncia (NEV) da Universidade de So Paulo (USP) - um dos
Centros de Pesquisa, Inovao e Difuso (CEPID) da Fundao de Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo (FAPESP). A empresa DDIC Inteligncia Coletiva a
representante, para o Brasil e a Amrica do Sul, do software de rede que sustenta o
desenvolvimento e a administrao das rvores de conhecimentos.
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CAPTULO 2 CONHECIMENTO E SABER NA PERSPECTIVA DE PIERRE
LVY
Neste captulo exponho, a partir da obra de Pierre Lvy, as ideias e conceitos
que sustentam a temtica deste estudo sobre a desterritorrializao do conhecimento e a
descentralizao do saber. Tendo em vista que este captulo fundamentado em Pierre
Lvy, menciono apenas a data e a pgina da citao. Visando ainda, atender aos objetivos
deste trabalho, priorizo a ordem temtica, em sua obra, ao invs da ordem cronolgica.
Sendo que, esta j foi exposta na Introduo.
Apresento, ainda, no ltimo item do captulo, algumas objees ao pensamento
de Pierre Lvy, de autores brasileiros e franceses.
Com o objetivo de esclarecer melhor o leitor, julgo importante, neste momento,
explanar sobre a trajetria formativa de Pierre Lvy.
2.1 UM POUCO DE PIERRE LVY
Pierre Lvy trata de temas como cultura, sociedade, antropologia, educao,
poltica, economia e religiosidade. natural de Tunes, capital da Tunisia, um pas ao norte
da frica, que faz fronteira ao norte e leste com o Mar Mediterrneo, com uma populao
predominantemente rabe. Lvy nasceu em 2 de julho de 1956, no mesmo ano em que a
Frana concedeu independncia Tunsia.
Pierre Lvy se autodefine
Sou judeu (de nascimento e de tradio espiritual), budista (por meditao), tunisiniano (de nascena e por uma parte de minha cultura musical, gastronmica, etc.), francs (de lngua e educao escolar), europeu (pelo ideal de uma entidade poltica supranacional pacifista e multicultural), quebequense (pela escolha de uma participao na Amrica francfona), canadense (imigrante ao Canad, amante dos lagos e florestas), brasileiro (por gosto), filsofo (por vocao), professor (por ambientao) (LVY, apud: ZWARG, 2005, p. 10).
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Ainda pequeno Lvy comea a se interessar sobre questes referentes ao
pensamento humano. Ele conta que por volta dos dez anos de idade, iniciou a ler livros
sobre a ciberntica e sobre o crebro eletrnico, pois, queria saber como era possvel
mquinas pensarem.
Aproximadamente aos dezessete anos, Pierre Lvy estabelece seu primeiro
contato com o computador. Estava realizando o servio militar e tinha sob a sua
responsabilidade a incumbncia de alimentar os computadores do Exrcito com cartes de
identificao, sendo que naquela poca os computadores no possuam nem tela, nem
teclado
No final da dcada de 70, Pierre Lvy se gradua em Histria e Geografia, e foi
nas aulas de metodologia da pesquisa histrica e de cartografia que Lvy afirma, ter
efetivamente, aprendido a utilizar o computador, a mquina que transformava a maneira
de pensar do pesquisador.
Lvy diz que se dedicou a investir seus estudos na rea das tcnicas da
informao depois de ler o relatrio oficial publicado na Frana chamado Nora-Menk, no
final da dcada de 70, sobre a informatizao da sociedade por meio de instalao em
rede dos computadores via sistema telefnico. E concluiu que era em cima disso que
precisava trabalhar
Em 1980, Pierre Lvy fez seu mestrado em Histria das Cincias na
Universidade de Sorbonne em Paris, onde teve sua vocao de pesquisador
definitivamente despertada, ao seguir os cursos de Michel Serres na mesma Sorbonne.
Foi nessa mesma poca que seus estudos comearam a despertar ateno.
Em 1983 termina o doutorado, tambm na Sorbonne, em Sociologia e Cincia
da Informao e da Comunicao, com a tese sobre a ideia de liberdade na Antiguidade,
sob a orientao de Cornelius Castoriadis, na Ecole de Hautes-Etudes en Sciences
Sociales.
A partir da comea a frequentar os cursos noturnos de informtica do
Conservatoire National des Arts et Mtiers. Trabalha por dois anos, na Ecole
Polytechnique, na pesquisa sobre o nascimento da ciberntica e da inteligncia artificial.
Assume ento, como meta, pensar a revoluo numrica contempornea nos planos
filosfico, esttico, educacional e antropolgico.
Publica sua primeira obra, A Mquina Universo criao, cognio e cultura
informtica, em 1987, e convidado a participar da equipe de Michel Serres para redigir os
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Elements dhistoire des sciences (publicado em 1989), onde escreve o captulo sobre a
inveno do computador.
Nesse mesmo ano, 1987, convidado para ser professor de comunicao na
Universidade do Quebec, em Montreal, no Canad, onde ministra aulas sobre a utilidade
dos computadores no processo da comunicao. L permanece at 1989 e aproveita para
aprofundar seus estudos em cincias cognitivas. o incio dos conceitos sobre hipertexto
e multimdia interativa, que vo, posteriormente, render-lhe a escrita de seu segundo livro:
As Tecnologias da Inteligncia o futuro do pensamento na era da informtica.
Lvy volta Frana, em 1990, onde publica o livro, supra citado, que
fundamenta o conceito de hipertexto. Nesse mesmo ano comea a dar aulas de
tecnologias para a educao e cincias cognitivas, na Universidade de Paris, em Nanterre,
onde leciona at 1992.
Nesse nterim, Lvy pesquisa no centro europeu Neurope Laboratrio, em
Genebra na Sua (o qual ajudou a fundar) sobre as conexes de conhecimento em rede e
sobre a economia do saber.
Termina seu ps-doutorado em Cincia da informao e da comunicao em
Grenoble, Frana. E, em 1991, pblica A ideografia dinmica rumo a uma imaginao
artificial, o qual se fundamenta num sistema de escrita icnica e interativa, por meio de
smbolos e de suportes dinmicos com as telas de um computador.
A primeira-ministra francesa Edith Cresson lana uma pesquisa e uma
formulao de propostas de ensino distncia, em 1991, onde Pierre Lvy e Michel
Authier desenvolvem o conceito de cosmopdia: um tipo de enciclopdia virtual que se
auto-organiza e se enriquece automaticamente, conforme os acessos e consultas
daqueles que a pesquisam: o chamado sistema das rvores de conhecimento.
Em 1992, Pierre Lvy e Michel Authier co-assinam um livro descrevendo este
projeto: As rvores de conhecimentos. Lvy, ao se referir a este livro, considera-o como
uma nova forma de qualificar o funcionamento da sociedade, mais relacionado ao
conhecimento do que ao poder.
Aps este projeto, Lvy torna-se professor do departamento Hipermdia da
Universidade de Paris, em St-Denis, e membro do Comit de redao da revista virtual do
centro Pompidou. mundialmente conhecido, tendo suas obras traduzidas e publicadas
em diferentes pases: Brasil, Itlia, Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Coria, Grcia e
Espanha. considerado um conferencista a nvel mundial, vindo vrias vezes ao Brasil.
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Em 1994, Lvy publica o livro A inteligncia coletiva por uma antropologia do
ciberespao, onde demonstra suas idias sobre inteligncia coletiva, e sobre o surgimento
de um novo espao antropolgico, o espao do Saber, onde efetivamente se desenvolve
a inteligncia coletiva.
Logo em seguida, em 1995, Lvy publica uma das suas obras mais polmicas e
revolucionrias, O que o virtual? Obra em que analisa a mutao contempornea do
corpo, da cultura e da economia, e desestabiliza a viso comum do virtual como oposio
daquilo que real,
Como fruto do relatrio encomendado pelo Conselho Europeu, em 1997, Lvy
publica a obra Cybercultura, onde fundamenta seus argumentos a favor da cibercultura, e
onde procura elucidar muitas questes relativas informtica, dentre elas a excluso
digital e o monoplio da elite sobre o domnio da nova tcnica.
Em 1999, Lvy publica o resultado do que chama de uma completa
transformao interior, O Fogo Liberador, com a colaborao de sua companheira Darcia
Labrosse. No prefcio edio brasileira, um ano depois, escreve
(...) tenho com os meus leitores brasileiros uma relao muito mais afetiva do que com os meus leitores franceses. Costumam considerar-me, em geral, um especialista da cibercultura, mas, na verdade, sou um filsofo otimista. Passei a me interessar pelo modo como o mundo funcionava, mais especificamente pelas questes humanas, porque achava que se entendssemos as coisas do mundo, teramos mais chances de melhor-las. Continuo pensando assim, mas sei agora que no basta compreender o mundo, a humanidade ou a sociedade para que as coisas melhorem. Aprendi que tambm preciso conhecer a si mesmo. E esse autoconhecimento no tem nada de terico, conceitual, discursivo. No externo, no o adquirimos de ningum. Temos todos que descobri-lo em ns mesmos. Somos os nicos especialistas de nossas prprias vidas. (p.11)
A obra A Conexo Planetria, publicada em 2000 na Frana, a mais recente
das suas publicaes traduzidas no Brasil. Nela Lvy elabora uma sntese do
desenvolvimento humano, perpassando por diversos temas como economia, ciberespao,
conscincia humana e coletiva.
A partir de 2000, inicia um trabalho na unio europia com estudos sobre uma
democracia eletrnica. E, em 2002 publica Ciberdemocracia, ainda no traduzida no
Brasil.
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Atualmente trabalha na Universidade de Ottawa, no Canad, desde 2002, como
professor pesquisador em Inteligncia Coletiva. tambm membro da Sociedade Real do
Canad, da Academia Canadense de Cincias e Humanidade. Sobre esta mudana de
pas afirma
() eu queria lecionar uma disciplina que se chamasse Inteligncia Coletiva e na Frana no consegui. No Canad disseram-me: Voc quer criar uma disciplina? V em frente. Assim pude desenvolver, na Universidade de Ottawa, um projeto de dez anos de durao que tem por objetivo estudar e acompanhar a formao da inteligncia coletiva (LVY, 2003).
A ideia central de sua obra versa sobre a sabedoria humana e o humano na sua
integralidade. Valoriza o saber no acadmico, sem menosprezar o saber acadmico.
Trata da relao entre o homem contemporneo e a tecnologia digital, e seus conceitos
vo alm das limitaes das disciplinas e das titulaes. Lvy postula um novo saber
desterritorializado e virtualizado, participativo e coletivo.
2.2 AS TECNOLOGIAS INTELECTUAIS COMO ESTRUTURAS DO SABER
Segundo Lvy (1993) as tcnicas de processamento e armazenamento de
informaes e conhecimentos tornam possveis determinadas evolues culturais. Elas
so produto de uma sociedade e de uma cultura e, portanto, carregam consigo projetos,
implicaes e expectativas variadas, e historicamente determinadas. Dessa forma o
sentido de uma tcnica no est nunca estabelecido definitivamente na sua concepo, e
nem em nenhum momento de sua existncia. Ele se encontra no cerne das interpretaes
contraditrias e contingentes dos atores sociais.
Afirma ainda, que o desenvolvimento do conhecimento produzido pela
humanidade, e compartilhado pelas mais diversas sociedades, embora possa parecer
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natural, baseia-se no uso de tcnicas14 que esto circunscritas a perodos histricos e
datas.
Assim sendo, construmos representaes internas de aes e conhecimento
em forma de esquemas ou imagens, os quais utilizamos, posteriormente, para raciocinar
ou tomar decises. Entretanto a comunicao verdadeira entre seres humanos s existe
quando os interlocutores compreendem, ou interpretam os enunciados a eles destinados.
E s compreendem, verdadeiramente, os conceitos e as proposies abstratas, por
associao a metforas ou a experincias concretas, sejam elas emocionais, fsicas,
sensrio-motoras, espaciais ou sociais. (1998b)
Explica que a evoluo biolgica da espcie humana possibilitou o
desenvolvimento da nossa habilidade de idealizar aes futuras, e seu resultado acerca do
meio externo. Por isso podemos utilizar a experincia acumulada e antever o resultado de
nossas aes, e assim, a unio da capacidade de imaginao com a habilidade de
manipulao pode esclarecer porque, geralmente, pensamos por meio de alguns modelos
concretos, muitas vezes de origem tcnica. (1993, p. 70)
Esclarece ainda, que as inovaes tcnicas possibilitam (ou condicionam) o
aparecimento de uma determinada forma cultural no haveria cincia moderna sem
impresso, nem computador pessoal sem microprocessador. (1993, p. 148) Segundo
Lvy, com a generalizao da impresso, estamos vivenciando hoje a redistribuio da
configurao do saber estabilizado no sculo XVII. talvez em pequenos dispositivos
materiais ou organizacionais, em determinados modos de dobrar ou enrolar os registros
que esto baseadas a grande maioria das mutaes do saber. (p. 34)
Aponta que, no nos apercebemos mas a impresso se estrutura sobre muitas
interfaces15, as quais se tornaram estveis antes do sculo XV: a organizao do livro em
pginas dobradas e costuradas juntas e no em rolos; a utilizao do papel ao invs do
papiro ou do pergaminho e o uso de um alfabeto e de uma caligrafia comuns maior parte
do mundo europeu. (1993)
14
Aqui entendida como o conjunto dos processos de uma arte e sua prtica. 15
Tudo aquilo que traduo, transformao, passagem, da ordem da interface. O livro uma rede de interfaces, o prprio princpio da escrita, a interface visual da lngua ou do pensamento. (...) a palavra interface tem origem na informtica: designa um dispositivo que garante a comunicao entre dois sistemas informticos distintos ou um sistema informtico e uma rede de comunicao. (1993)
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Revela que a presena ou no de determinadas tcnicas de comunicao, torna
possvel classificar as culturas em algumas categorias. Entretanto, as diferentes culturas
situam-se em posies singulares e temporrias, com relao s tecnologias intelectuais.
(1993) Assim as formas sociais do tempo e do saber que hoje nos parecem ser as mais
naturais e incontestveis baseiam-se, na verdade, sobre o uso de tcnicas historicamente
datadas, e, portanto transitrias. (1993, p. 87) Alm do mais, no possvel utilizar a
tcnica sem interpret-la, pois esta sempre formada de bricolagem e reutilizao.
Com relao s tecnologias intelectuais, Lvy (1993) distingue trs etapas, e as
coloca em correspondncia, com o que ele denomina os trs tempos do esprito: as
etapas da oralidade, da escrita e da informtica. (1993, p. 75)
Na etapa da oralidade primria, Lvy coloca a palavra como anterior aquisio
da escrita, e a cultura calcada nas lembranas dos indivduos, e na memria auditiva.
Alm disso, as formas de representaes esto codificadas em narrativas dramticas, com
msica e diferentes rituais, os quais trazem consigo uma grande carga emotiva. Assim, h
mais possibilidades de perdurarem no tempo, pois quanto mais estamos envolvidos com
uma informao, tanto mais fcil lembr-la. (1993)
Nas pocas que antecediam a escrita, era mais comum pessoas inspiradas ouvirem vozes (Joana dArc era analfabeta) do que terem vises, j que o oral era um canal habitual da informao. Bardos, aedos e griots (Negro afr