UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
MARINA DULEBA
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTES DE
TRÂNSITO
CURITIBA
2014
MARINA DULEBA
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTES DE
TRÂNSITO
Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. DálioZippin Filho
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
MARINA DULEBA
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTES DE
TRÂNSITO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel no
Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____de________de 2014.
Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador:_____________________________________________
Prof. DálioZippin Filho
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. ____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
EPÍGRAFE
Não conhecemos textos legais que devam permanecer mais vivos na mente
dequalquer pessoa que as normas fundamentais de trânsito.Waldyr de Abreu
Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso a
todos que fizeram parte do meu sonho real, ao meu
pai Paulo que hoje não está mais entre nós e em
especial a minha mãe Silmara,os quais sempre me
incentivaram a estudar, e em gratidão ao apoio
incondicional diante de todas as dificuldades e
desafios da vida acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus que iluminou meu caminho durante esta
caminhada me dando saúde força para superar as dificuldades.
A esta Universidade e seu corpo docente que durante todo o tempo me ensinaram e
mostraram o quão importante é estudar.
Ao meu orientador Prof. Dálio, por ter me acolhido, pelo suporte no pouco
tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos.
À minha família por sua capacidade de acreditar em mim. Mãe, seu cuidado,
dedicação e amor incondicional foi que deram em muitos momentos a esperança de
seguir em frente. Vocês são minha base.
Agradeço também a todos aqueles que de alguma forma estiveram e estão
próximos de mim, fazendo esta vida valer cada vez mais a pena, como meu
namorado, amigos e todas as amizades que adquiri nesta longa jornada e fizeram
com que os dias fossem menos pesados, os quais quero sempre em minha vida.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Art. - Artigo
CAP. - Capítulo
CC - Código Civil
CFRB - Constituição Federal da República Federativa do Brasil
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
CTB – Código de Trânsito Brasileiro
MIN. - Ministro
P. - Página
P. ex. - Por exemplo
RE - Recurso Extraordinário
REL. - Relator
RESP. - Recurso Especial
RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
RESUMO
O presente trabalho tem como pretensão analisar as nuances que envolvem o dolo eventual e a culpa consciente nos crimes de trânsito no ordenamento jurídico brasileiro. O método de pesquisa escolhido foi a revisão de literatura. A escolha do tema se deu pela atualidade da matéria, pela relevância do assunto e pela proximidade do tema ao nosso cotidiano. É um campo que se mostrou extremamente promissor para o aprofundamento da pesquisa no que tange ao dolo eventual e culpa consciente nos crimes de trânsito e a sua relevância social. Nota-se que o crime culposo é aquele que se dá por imprudência, negligência ou imperícia do causador, enquanto o doloso o causador quis o resultado (dolo direto) ou assumiu o risco de produzi-lo. Seria simples observar essa diferenciação se não notássemos a diferença das penas dos crimes de homicídio no trânsito culposo e quando ocorre o dolo eventual. O presente trabalho objetivou Analisar os institutos jurídicos do dolo eventual e da culpa consciente; demonstrar o entendimento da doutrina sobre esse tema; diferenciar o dolo eventual e a culpa consciente; demonstrar a compatibilidade do dolo eventual com os agravantes dos crimes de homicídio. Conclui-se que se pode entender que o fator determinante para a diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente é certamente a vontade do agente. Nos casos em que restar claramente evidenciado esse querer, poder-se-á falar em dolo eventual, que, nos delitos de trânsito, embora possível, é de difícil comprovação. Palavras-Chave: Direito Penal, Dolo eventual, Culpa Consciente.
ABSTRACT
This work has the intention to analyze the nuances involving the eventual intention and conscious in traffic crimes in the Brazilian legal system fault. The research method chosen was the literature review. The theme was given the topicality of the subject, the relevance of the subject and the proximity of the subject to everyday life. It is a field that proved extremely promising for further research regarding the eventual intention and conscious guilt in traffic crimes and their social relevance. We notice that the fault crime is one that occurs by recklessness, negligence or malpractice of the causative, while the intentional causing the wanted result (direct intent) or assumed the risk of producing it. It would be simple to observe this difference is not the difference notássemos feathers of involuntary manslaughter in transit and when the eventual intention occurs. This study aimed to analyze the legal institutions and the eventual intention of conscious guilt; demonstrate understanding of the doctrine on the subject; differentiate the eventual intention and conscious guilt; demonstrate compatibility with the eventual intention of aggravated manslaughter. It is concluded that one can understand that the determining factor for the differentiation between the eventual intention and conscious guilt factor is certainly the will of the agent. Where those wanting to remain clearly evident, it will be possible-speaking eventual intention, that is, the traffic offenses, while possible, is difficult to confirm. Keywords: Criminal Law, any Dolo, Guilt Aware.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
2 O CÓDIGO DE TRÂNSITO E OS CONCEITOS DE DOLO E CULPA .............. 11
2.1 DO DOLO ........................................................................................................ 11
2.2 DA CULPA ....................................................................................................... 13
2.3 ESPÉCIES DE DOLO ...................................................................................... 13
2.3.1 Dolo Direto .................................................................................................... 14
2.3.2 Dolo Eventual ................................................................................................ 14
2.4 ESPÉCIES DE CULPA .................................................................................... 16
2.4.1 Culpa inconsciente ........................................................................................ 16
2.5 DIFERENÇAS ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL ............. 18
3 HOMICÍDIOS E LESÕES CORPORAIS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ........ 19
3.1 PROVAS PARA O RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL EM
ACIDENTES DE TRÂNSITO ................................................................................. 21
3.2 O ALARGAMENTO DO CONCEITO DE DOLO EVENTUAL NOS DELITOS DE
TRÂNSITO ............................................................................................................. 23
3.3 APLICAÇÃO DE CULPA CONSCIENTE EM CASOS DE HOMICÍDIO
DECORRENTE DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE................................................ 24
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 27
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 29
10
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como pretensão mostrar as nuances do
reconhecimento do dolo eventual ou da culpa consciente em acidentes de trânsito.
Observa-se que seja qual for a doutrina adotada, a estrutura de certa conduta
punível difere uma da outra, segundo se trate de ilícito doloso ou de ilícito culposo.
No primeiro caso, o desvalor da ação se expressa no dolo; no segundo, a valoração
negativa consiste na infração de um dever de cuidado.
Se considerar-se que o dolo expressa uma vontade dirigida contra bens
jurídicos alheios, ou seja, o agente quer a violação do preceito contido na norma; e
se, de outro lado, admitir-se que na culpa, mesmo com a previsão do resultado
lesivo ou perigoso, a pessoa age, rompendo um dever, então será fácil buscar a
distinção entre dolo direto e culpa consciente.
O problema se apresenta, porém quando se cuidade extremar os conceitos
de dolo, que seja apenas eventual, e a culpa consciente. Ai se entrará em campo
escorregadio, mas de fundamental importância na dogmática e na prática dos
tribunais.
A questão do dolo eventual traz consigo, como complicador, os diversos
graus de intensidade em que um experto em psicologia pode apreender o momento
volitivo necessário para afirmar que o ser humano atuou com dolo. De fato, apenas
com o conhecimento dos elementos do tipo objetivo só está satisfeita a primeira das
exigências na configuração do dolo. Além do conhecimento, ainda é preciso que o
agente assuma o risco de produzir o resultado ilícito.
Num plano estritamente teórico, a delimitação entre condutas dolosas e
culposas pode parecer nítida: quem conhece e quer a realização dos elementos
objetivos do tipo atua dolosamente; se falta o elemento volitivo, a atuação é culposa.
As duas situações em exame possuem em comum a circunstância de que em
ambas o agente tem o conhecimento ou a representação da possibilidade de
ocorrência do resultado.
Todavia, é cediço que o dolo eventual requer algo mais que a culpa
consciente. Quando o agente atua dolosamente um plus de gravidade do ilícito se
acrescenta à conduta perigosa ou negligente, em razão de a vontade ser mais
acentuada.
11
2O CÓDIGO DE TRÂNSITO E OS CONCEITOS DE DOLO E CULPA
Observa-se que a primeira legislação a tratar de trânsito no Brasil surgiu em
1910, esta legislação tinha como objetivo disciplinar os serviços por automóvel no
país. Somente em 1941 é que foi aprovado o primeiro Código Brasileiro de Trânsito
(Decreto-Lei n. 2994), aproximadamente vinte anos do início das atividades da
indústria automobilística no Brasil.
No ano de 1966 foi criado o Código Nacional de Trânsito (Lei n. 5108) com o
fim de rever a legislação que estava até então em vigor e detalhar determinadas
condutas. Com o passar dos anos, o aumento crescente de acidentes e o aumento
de mortos, houve um movimento em toda a sociedade para que fossem aumentadas
as penas aos infratores da lei, e diminuir o número de mortos, assim surgiu a Lei n.
9503/97 que se trata do novo Código de Trânsito Brasileiro, no qual trouxe previsão
legal dos delitos de trânsito, assim como penalidades mais gravosas aos condutores
infratores.
Desta forma, o Código de Trânsito Brasileiro trouxe em seu bojo uma
inovação no sistema jurídico penal brasileiro, porque previu uma seção especifica
sobre os crimes de trânsito, entre esses se destaca o homicídio culposo, porém
diferentemente do Código Penal, cometido na direção e veículo automotor. Quanto à
gradação de penas, o delito específico do Código de Trânsito tem pena mais grave,
de dois a quatro anos, e no delito do Código Penal é de um a três anos, isso porque
os delitos previstos no Código de Trânsito são, geralmente, culposos.
2.1 DO DOLO
Antes de iniciar qualquer abordagem sobre dolo e culpa faz-se necessário
conceituar e indicar de sua previsão legal. O dolo é constituído por dois elementos,
E. Magalhães Noronha (1999, p. 136) afirma:
Dois são, portanto, os elementos do dolo. A consciência há de abranger a ação ou a omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a atividade desenvolvida pelo sujeito ativo. Age, pois, dolosamente quem pratica a ação (sentido amplo) consciente ou voluntariamente.
12
Existem pelo menos três teorias no que diz respeito ao dolo, de acordo com
Fuher (1999, p. 33):
Pela teoria da vontade, o dolo consiste na vontade e na consciência de praticar o fato típico. Pela teoria da representação, a essência do dolo estaria não tanto na vontade, mas principalmente na consciência, ou seja, na previsão do resultado. Pela teoria do assentimento, o dolo consistiria na aceitação do resultado, embora não visado como fim específico.
O Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade e a teoria do
assentimento. Isso é demonstrado no art. 18 quando diz que o crime é doloso, desta
forma, o dolo é composto de um elemento intelectual e outro volitivo como,
formadores da ação típica.
De acordo com o entendimento de Fragoso (2010, p. 209) dolo é: “a
consciência e vontade na realização da conduta típica. Compreende um elemento
cognitivo (conhecimento do fato que constitui a ação típica) e um volitivo (vontade de
realizá-la)”. No entanto, de acordo com Juarez Cirino dos Santos (2002, p. 46) “o
dolo representa a energia psíquica dirigida à produção da ação incriminada e,
portanto, o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o tipo objetivo”. E, ainda,
Zaffaroni (2010, p. p. 405) “dolo é uma vontade determinada que, como qualquer
vontade, pressupõe um conhecimento determinado”.
Assim, consciência, ou seja, o elemento intelectual do dolo é representado
pelo conhecimento das circunstâncias do fato típico, isto é, a situação fática em que
se encontra o agente, não se exige o conhecimento potencial ou refletido do fato, e
sim o conhecimento das circunstâncias presentes e futuras do tipo objetivo, de modo
que se não houver consciência não se pode falar em dolo. Já o aspecto volitivo
consiste na vontade dirigida, alcançada pelo conhecimento de realizar um tipo
objetivo, é o querer o resultado danoso antevisto, de modo que essa vontade deve
ser incondicionada, bem como capaz de influenciar o fato, essa vontade deve ser
exteriorizada. Sendo assim, o agente deve, pelo menos, iniciar a conduta, pois se o
fato ficar na esfera mental do agente seu comportamento será irrelevante.
Ao constatar que o Código Penal brasileiro adotou as teorias da vontade e do
assentimento é importante apontar o argumento de Damásio de Jesus (2005, p. 288)
“quem realiza o ato deve conhecer os atos e sua significação e o autor deve estar
disposto a produzir o resultado”. Assim, têm-se um conceito de dolo e já um breve
indicativo do que seria dolo eventual. Mas, existem diversos tipos de dolo.
13
2.2 DA CULPA
Faz-se necessário conceituar culpa, na doutrina e na legislação, antes de
observar sua incidência nos acidentes de trânsito. Segundo Celso Delmanto (2000,
p. 34) no que diz respeito ao homicídio culposo é preciso ter alguns indicativos:
a) comportamento humano voluntário, positivo ou negativo; b) descumprimento do cuidado objetivo necessário, manifestado pela imprudência, negligência ou imperícia; c) previsibilidade objetiva do resultado; d) inexistência de previsão do resultado; e) morte involuntária.
O artigo 18, inciso II do Código Penal traz a seguinte previsão: “culposo,
quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Ainda, diante dos elementos da culpa vale dizer:
Para melhor entendimento da culpa como modalidade delitiva, diferenciar a previsibilidade objetiva da previsão do resultado, tratando a primeira do conhecimento do agente de que sua conduta pode gerar um dano e a segunda trata da imprevisão que assiste a mente do agente sobre o resultado de sua conduta (DELMANTO: 2000, p. 34).
Desta forma, fica clara a possibilidade de um evento que não se pretendia
nem tampouco era anuído, mas ocorreu devido a imprudência, imperícia ou
negligência do agente.
2.3 ESPÉCIES DE DOLO
De acordo com Bitencourt (2010, p. 120) a doutrina subdivide o conceito de
dolo em pelo menos duas espécies: dolo direto (ou imediato) e dolo indireto
(novamente subdividido em dolo alternativo e dolo eventual) há essa divisão pela
“necessidade de a vontade abranger o objetivo pretendido pelo agente, o meio
utilizado, a relação de causalidade, bem como o resultado”. É importante pontuar
que apesar da divisão dos tipos de dolo feita pela doutrina na prática isso não tem
efeito algum, porque o Código Penal não discriminou as diversas hipóteses de dolo,
equiparou todos eles no art. 18, I. Sendo assim, pouca diferença faz se o crime foi
cometido com dolo direto ou indireto (seja ele eventual ou alternativo), pois, qualquer
que seja a hipótese, será reprimida com a mesma intensidade, eis que o dispositivo
incriminador será o mesmo.
14
No entendimento de Rogério Greco (2008, p. 81) as espécies de dolo são:
dolo direto e dolo indireto. Sendo que o dolo direto se divide em dolo direto de
primeiro grau e dolo direto de segundo grau. E o dolo indireto divide-se em: dolo
alternativo e dolo eventual. E, ainda, a alternatividade do dolo pode ser subjetiva
quando se referir à pessoa; e objetiva quando se tratar do resultado.
2.3.1 Dolo Direto
O dolo direto, numa análise direta e simplista, ocorre quando o agente quer o
resultado. Neste tipo de dolo há uma confusão com a intenção. Sobre o dolo direto
Noronha (1999, p. 138) afirma: “existe ele quando o evento corresponde à vontade
do sujeito ativo. Exemplo um indivíduo quer matar outro desfere um tiro e prostra-o
sem vida”.
Nesta espécie de dolo, facilmente percebe-se a presença do elemento
cognitivo, através da forma utilizada pelo agente e na consciência antijurídica, e
também o elemento volitivo, demonstrando o resultando pretendido. Sendo assim,
mesmo não alcançando o resultado, o fato de o agente desencadear o crime através
de sua cognição e voluntariedade, aclara por completo a sua pretensão criminosa.
Por fim, no dolo direto é característico que a possibilidade de alcançar o
resultado é irrelevante, desta forma não deixa de existir dolo se o agente alvejar a
vítima sem a certeza de que ela irá morrer.
2.3.2 Dolo Eventual
O dolo eventual está dentro da classificação de dolo indireto e consiste na
produção de um resultado danoso diante do qual o agente não se detém, embora
não o deseje, aceitando-o, porém, como resultado possível de sua ação. De acordo
com Miguel Reale Júnior (2009, p. 227) o dolo indireto ocorre:
Quando o agente assumiu o risco de produzir o resultado. Dessa forma, a ação não tem o fim direto de cometer crime, que se mostra, no entanto, como eventual. Daí a doutrina ter proposto que se configuraria o dolo se houvesse a possibilidade de ocorrer o evento, ou, em grau mais acentuado, a probabilidade.
15
No dolo eventual, segundo Celso Delmanto (2000, p. 43) “o agente,
conscientemente, admite e aceita o risco de produzir o resultado”. No dolo eventual
o agente sabe que o evento lesivo pode ocorrer, mas age indiferentemente,
aceitando o risco da produção do evento danoso.
Nota-se que algumas decisões judiciais identificaram o dolo eventual em
situações em que nãoexiste o aspecto volitivo de “aceitação” do dano. É notório que
estas decisões tentam amparar-se nas teoriasda representação ou da probabilidade,
que não foram recepcionadas no nosso Código Penal.
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt (2002, p. 242) relata as diferenças
entre as teorias da probabilidade e as teorias da vontade. Para a teoria da
probabilidade, diante da dificuldade de demonstrar o elemento volitivo, o querer
oresultado, admite a existência do dolo eventual quando o agente representa o
resultado comode muito provável execução e, apesar disso, atua admitindo ou não a
sua produção. Noentanto, se a produção do resultado for menos provável, isto é,
pouco provável, haverá neste caso a culpaconsciente.
Prosseguindo, argumenta Bitencourt (2002, p. 243) que para a teoria da
vontade é insuficiente que o agente represente o resultado como deprovável
ocorrência, sendo necessário que a probabilidade da produção do resultado
sejaincapaz de remover a vontade de agir. Haveria culpa consciente se, ao
contrário, desistisse daação, estando convencido, calcula mal e age, produzindo o
resultado.
Diante desses apontamentos, nota-se que para ateoria da probabilidade não
leva em conta o elemento volitivo, este elemento é fundamental para a diferenciação
entredolo eventual e culpa consciente.
Para Damásio de Jesus (2005, p. 201) o dolo eventual caracteriza-se pela
presença de duascaracterísticas elementares: a previsibilidade objetiva, que é a
possibilidade do agenteantever que a conduta a ser percorrida poderá produzir um
resultado danoso (devendo estaprevisibilidade se nortear pelo discernimento que um
cidadão comum teria na mesmasituação); e a anuência do autor para com este
possível resultado (indiferença). Júlio Fabbrini Mirabete (2009, p. 141) aduz que:
Exemplos de dolo eventual são o do motorista que avança com o automóvel contra uma multidão, porque está com pressa de chegar a seu destino, por exemplo, aceitando o risco da morte de um ou mais pedestres; dos ciganos que mutilavam as crianças da tribo, para que esmolassem, causando-lhes a
16
morte por infecção; do médico que ministra medicamento que sabe poder conduzir à morte do paciente, apenas para testar o produto etc.
Por fim, ainda existe o entendimento de que no dolo eventual o agente efetivamente
quer a produção do resultado, porque ao antever a possibilidade de sua ocorrência
insiste na conduta e demonstra o desejo da produção do resultado. E alguns casos
há uma confusão entre os conceitos de dolo eventual e culpa consciente, cumpre
então entender as espécies de culpa.
2.4 ESPÉCIES DE CULPA
Antes de tratar das espécies de culpa, faz-se necessário um breve
apontamento sobre os elementos que a constituem: imprudência, negligência e
imperícia. A imprudência se refere à precipitação, falta de cautela na pratica de
determinada ação, um exemplo clássico, é quando o indivíduo ao conduzir um
automóvel através de um cruzamento desrespeitando as normas de preferência ou
de sinalização de parada obrigatória; a negligência é a prática de uma ação com
falta de precaução, praticada pelo agente sem diligência, essa é a culpa na forma
omissiva; por fim, a imperícia é a falta de técnica para exercer determinada atividade
ou profissão, ou seja, a prática de uma determinada conduta com a falta de
conhecimentos técnicos para a sua correta execução. Existem alguns tipos de culpa,
da mesma forma que o dolo, a culpa tem várias espécies.
2.4.1 Culpa inconsciente
No que diz respeito a culpa inconsciente, esta ocorre quando o agente não
prevê o que era previsível, culpa sem previsão. De acordo com Oliveira (2005, p.33)
na culpa inconsciente “o agente não prevê o resultado negativo para a sua ação ou
omissão, porque incompetente para tanto, muito embora tal resultado seja
absolutamente previsível”.
Como exemplo, pode-se citar o caso de indivíduo que abandona arma de fogo
displicentemente num ambiente com crianças e com fácil acesso de crianças.
Mesmo este indivíduo não desejando patrocinar um homicídio, a sua conduta neste
caso torna este resultado possível por puro desleixo. De acordo com Mirabete (2009,
p. 123) a culpa inconsciente, juntamente com a culpa conscientesãoespécies de
17
culpa. Na culpa inconsciente, embora o resultado seja previsível pelo agente
(condição sinequa non para ojuízo de culpabilidade do crime), o agente não antevê a
possibilidade doresultado por mera displicência.
2.4.2 Culpa consciente
Nota-se que na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas não o quer,
ele prevê a possibilidade de produzir o resultado ilícito, no entanto, acredita que este
não venha acontecer. Observe-se que neste caso não basta apenas a
previsibilidade do resultado para que se configure a culpa consciente, mas há a
necessidade que o agente não o almeje e se esforce para que este não ocorra. De
acordo com Damásio de Jesus (2005, p. 79):
Na culpa consciente, também denominada, negligente e culpa ex lascívia, o resultado é previsto pelo sujeito, que confia levianamente que não ocorra que haja uma circunstância impeditiva ou que possa evitá-lo. Por isso, é também chamada de culpa com previsão. Esta é elemento do dolo, mas, excepcionalmente, pode integrar a culpa. A exceção está exatamente na culpa consciente.
Seguindo a mesma toada, Luiz Régis Prado (2006, p.331) ensina:
Culpa consciente ou com previsão – o autor prevê o resultado como possível, mas espera que não ocorra. Há efetiva previsão do resultado, sem a aceitação do risco de sua produção (confia que o evento não sobrevirá). Por sem dúvida, há uma consciente violação do cuidado objetivo. A previsibilidade no delito de ação culposa se acha na culpabilidade e não no tipo de injusto.
Desta forma, pode-se afirmar que a culpa (em sentido estrito) é a forma mais
branda de culpabilidade, argumenta-se isso porque ela menos grave do que o dolo.
Nota-se que na culpa o resultado ilícito de dano ou perigo não é previsto, mas
previsível, e se for previsto de algum modo, não é aceito pelo agente que acredita
que tal não ocorra.
Ainda, sobre as espécies de culpa existe a culpa imprópria diz que por erro
inescusável o agente frente a uma causa que ache justificável, acredita quer esta lhe
dá o direito de praticar, licitamente, um fato típico. Por sua vez, a culpa presumida,
pode ser uma forma de responsabilidade objetiva, que não é mais prevista pela
legislação penal. E, quando o agente produz indiretamente um resultado a título de
18
culpa, sendo necessário para verificação desta se o resultado está na linha de
desdobramento causal da conduta e se pode ser atribuída ao autor mediante culpa,
diz que é culpa mediata ou indireta.
2.5 DIFERENÇAS ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL
Faz-se necessário uma distinção entre a culpa consciente e o dolo eventual,
visto que a confusão entre esses dois institutos pode influenciar de forma
determinante na pena do acusado. Muitos doutrinadores fazem essa distinção, de
acordo com Cezar Roberto Bittencourt (2010, p. 123):
Os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpaconsciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do delito. Há entreambos um traço em comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no doloeventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vezde renunciar à ação na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência doresultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.
Outra distinção apontada pela doutrina vem pela escrita de Fernando Capez
(2010, p. 232):
A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agenteprevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (se eu continuar dirigindo assim, podevir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir). Na culpaconsciente, embora prevendo o que pode vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade(se eu continuar dirigindo assim, pode vir a matar alguém, mas estou certo de que isso,embora possível não ocorra). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no doloeventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível”, masnão vai acontecer de forma alguma.
Ainda, de acordo com Júlio Fabbrini Mirabete (2009, p. 125):
A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas comela não se confunde. Naquela (na culpa consciente), o agente, embora prevendo o resultado,não a aceita como possível. Nesse (no dolo eventual), o agente prevê o resultado, não seimportando que venha ele a ocorrer.
Nota-se que existe uma dificuldade para se diferenciar o dolo eventual da
culpa consciente, e esse problema não pode ser facilmente resolvido, mas a
doutrina traçou alguns parâmetros para uma distinção, conforme se cita acima.
19
Nelson Hungria (2005, p. 145) faz a seguinte distinção entre dolo eventual e culpa
consciente:
Sensível é a distinção entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e, empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá.
Para chegar a um consenso sobre a distinção entre a culpa consciente e o
dolo eventualargumenta-se que a culpa consciente apenas se revela na mente do
agente e diferenciar-se-á do dolo eventual na ação do agente. Por fim, Nelson
Hungria (2005, p. 146) arremata:
A diferença entre essas duas formas de culpabilidade (dolo eventual e culpa consciente) apresenta-se quando se faz a seguinte pergunta: “porque, em um e outro caso, a previsão das consequências possíveis não impediu o culpado de agir?” No primeiro caso (dolo eventual), a importância inibidora ou negativa da representação do resultado foi, no espírito do agente, mais fraca do que o valor positivo que este emprestava à prática da ação. Na alternativa entre duas soluções (desistir da ação ou praticá-la, arriscando-se a produzir o evento lesivo), o agente escolheu a segunda. Para ele o evento lesivo foi como que o menor de dois males. Em suma, pode dizer-se que, no caso de culpa consciente, é por leviandade, antes que por egoísmo, que o inculpado age, ainda que tivesse tido consciência do resultado maléfico que seu ato poderia acarretar. Neste caso, com efeito, o valor negativo do resultado possível era, para o agente, mais forte que o valor positivo atribuía à prática da ação. Se estivesse persuadido de que o resultado sobreviria realmente, teria, sem dúvida, desistindo de agir. Não estava, porém, persuadido disso. Calculou mal. Confiou em que o resultado não se produziria, de modo que a eventualidade, inicialmente prevista, não pode influir plenamente no seu espírito. Em conclusão: não agiu por egoísmo; não refletiu suficientemente.
Conclui-se que a diferença exata entre esses dois institutos penais diz
respeito a existência ou não do consentimento do agente sobre o resultado dano
que foi produzido. O dolo eventual se caracteriza quando o agente consente e
assume o risco, e a culpa consciente quando o agente não consente, mas ocorre por
imperícia ou negligência sua.
3 HOMICÍDIOS E LESÕES CORPORAIS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO
O Brasil é um dos países onde mais se mata no trânsito no mundo. Em estudo
realizado pelo Instituto Avante Brasil e publicado no portal JusBrasil (2014, p. única)
20
indica que em termos absolutos, o Brasil é o 4º país do mundo em número de
mortes no trânsito, perdendo apenas para China, Índia e Nigéria. O estudo mostra
que o Brasil teve 42.844 mortes em 2010 nas estradas brasileiras. Isso aponta outro
aspecto alarmante que diz respeito ao número crescente de veículos em circulação
e a mistura muito comum entre álcool e direção.
Nota-se que um dos fatores que mais influenciam no desempenho e no
comportamento dosmotoristas, causando riscos de acidentes de trânsito, de acordo
com Bottesini e Nodari (2011, p. 79) é o uso do álcool, essa combinação é uma das
mais frequentes e perigosas, pois reduzem temporariamente a capacidade de
percepçãoe atenção do indivíduo. Laiber (2007, p. 37) argumenta que os efeitos do
álcool no organismo humano afetam o sistema nervoso central, diminuindo
drasticamente a discriminação sensitiva e o desempenho intelectual e motor.
Portanto, uma tarefa complexa tal como dirigir um veículo, fica prejudicada.
No que tange a relação entre álcool e o trânsito, incrementadas a partirdas
últimas décadas, trouxeram contornos científicos a tão importante questão. Embora
há algum tempo no senso comum existisse a idéia de que o álcool era responsável
direto por muitos acidentes de trânsito, na verdade, tal afirmação carecia de estudos
que comprovassem – com nível técnico de precisão – esta tese. Desta forma,
algumas pesquisas importantes foram realizadas no intuito de verificar a relação
dessa droga com as vítimas que constantemente o trânsito acaba por produzir.
Mas a combinação de álcool e direção não é a única causa de mortes e
lesões no trânsito brasileiro, existem outros elementos importantes, como: o excesso
de velocidade, competição automobilística não autorizada (“racha”) e condutores
não habilitados. Um rápido passar de olhos sobre essas condutas e vê-se que o
elemento principal é a imprudência dos condutores. Na maioria nos casos
assumindo o risco de provocar situação danosa.
No que tange ao excesso de velocidade, muitas vezes essa conduta é
combinada com o álcool. A Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997 ao tratar sobre
excesso de velocidade, disciplina no art. 311:
Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano.
21
No que concerne ao condutor não habilitadoCódigo de Trânsito disciplina no
art. 309 sobre o crime de conduzir veículo sem permissão, definindo como conduta
típica o fato de:
Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, ou ainda se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano, sendo a pena prevista para esse delito a de detenção de seis meses a 1 ano, ou multa.
O “racha” ou competição automobilística não autorizada ocorre cada vez mais
em nossas cidades, especialmente nos subúrbios causando danos e incômodo à
moradores das proximidades e suscitando situações de perigo e iminente dano.
Essa conduta encontra previsão no art. 308 do CTB, que disciplina como sanção as
penas de detenção, de 6meses a 2 anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.
3.1 PROVAS PARA O RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUALEM ACIDENTES
DE TRÂNSITO
O reconhecimento da existência de dolo eventual em acidentes de trânsito ou
não, é uma discussão complexa que divide a doutrina e coloca mídia e população
(muitas vezes) como fiel da balança para decidir esse entrave. Os tribunais
brasileiros estão cada vez mais decidindo de forma severa e reconhecendo a
existência do dolo eventual em acidentes de trânsito, alguns doutrinadores
argumentam que essas decisões não estão de acordo com o direito e sim dando
vazão ao emocional. Essa crítica é feita por Sérgio Salomão Shecaira (2006, p. 351):
A mídia nos dá, quase diariamente, informações sobre pessoas em estado de embriaguez, ou participando de rachas que causam morte em pessoas inocentes. Em razão do elevado número de casos semelhantes, os jornais passaram a exigir punições mais duras o que acabou fazendo com que os juristas fizessem uma reinterpretação dogmática dos dois institutos, “dolo eventual e culpa consciente”.
Embora se argumente que seja possível diferenciar de forma clara as
categorias do dolo eventual e da culpa consciente no plano teórico, essa distinção
nem sempre é tão simples em relação aos fatos concretos. Assim cabe ao juiz
decidir da melhor forma possível. Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002, p. 397)
argumentam:
22
A análise de seus elementos distintivos requer por parte do juiz um exame das representações e dos motivos que atuaram sobre a psique, obrigando ao intérprete e aplicador da lei a investigação dos mais recônditos elementos da alma humana.
Sendo assim, neste caso, fica evidente a dificuldade de determinação fática da
presença do dolo eventual. É muito difícil enquadrar o caso concreto no dolo
eventual, pois para isso é necessário chegar ao íntimo do agente infrator e
demonstrar que este foi, de fato, indiferente para com o resultado.
O dolo eventual, antes de ser eventual é dolo! E como tal deve ser entendido. “O dolo eventual se integra assim pela vontade de realização concernente à ação típica (elemento volitivo do injusto da ação), pela consideração seria do risco de produção do resultado (fator intelectual do injusto da ação), e, em terceiro lugar, pelo conformar-se com a produção do resultado típico como fator de culpabilidade. (Shecaira: 2006, p. 351).
Quando o tema é levado para o Tribunal do Júri, em que o julgamento é
proferido por juízes leigos, a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual é
muito efetiva, especialmente em casos que tiveram repercussão na mídia. No
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, encontram-se diversos julgados
reconhecendo e criando precedentes para que haja o reconhecimento do dolo
eventual.Cita-se abaixo alguns julgados no sentido do reconhecimento do dolo
eventual.
HOMICÍDIO. TRÂNSITO. RACHA. ALTA VELOCIDADE. Não afasta a possibilidade de se entender ter agido com dolo, na modalidade eventual, motociclista que atropela e mata transeunte durante disputa (racha) de que participe, ainda que tudo ocorrido em via pouco movimentada e onde tolerada aquela prática. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DEFENSIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70047944954, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 12/09/2012).
Neste caso houve o reconhecimento do dolo eventual numa situação fática de
prática de racha. No mesmo sentido, Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul aduz:
CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A PESSOA. HOMICÍDIO SIMPLES. LESÃO CORPORAL GRAVE. Evento de trânsito, com resultado morte de uma vítima e lesões em outra. Pronúncia que reconheceu o dolo eventual. Pretensão defensiva que busca a desclassificação. Características do fato que autorizam, à primeira vista, a manutenção da pronúncia. Condutor que admite ter ingerido bebida alcoólica, parte da prova aponta para cruzamento em sinal fechado, velocidade excessiva, perda de controle ao atingir o canteiro divisório, invasão da pista contrária e colisão com a motocicleta que trafegava em sentido contrário. Suspensão do direito de dirigir revogada. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. POR MAIORIA. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70046865077, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 10/05/2012).
23
No julgado supracitado o reconhecimento do dolo eventual se deu numa
situação em que o condutor havia ingerido bebida alcoólica e assumiu o risco de
produzir o resultado.Ao avaliar tais questões Shecaira (2002, p. 149) argumenta que:
Não se deve, sob a influência da pressão da mídia, reconhecer qualquer alteraçãona estrutura do delito, para mandar alguém a júri. Por mais grave que tenha sido a conduta culposa, não pode ela ser transformada em dolosa, sob pena de criarmos um direito penal de terror, que venha satisfazer interesse punitivoextra-autos.
No entanto, Júlio Fabbrini Mirabete (2009, p. 190) argumenta:
Querer o perigo ou aceitar o risco de sua ocorrênciaequivale a consentir no risco do resultado (morte ou lesão corporal). Se da corrida, disputa ou competição não autorizada resultarevento mais grave (lesão ou morte), configura-se o dolo eventual (art.18, 1, 2ª parte doCódigo Penal), respondendo o condutor pelo delito de homicídio doloso ou lesão corporaldolosa. Fica absorvido o crime do art. 308 do CTB. Efetivamente, aquele que participa de racha, em via pública, tem consciênciados riscos envolvidos, aceitando-os, motivo pelo qual merece ser responsabilizado por crimedoloso.
Portanto, conclui-se que para o reconhecimento do dolo eventual em
acidentes de trânsitos pode ocorrer simplesmente pelo fato do condutor está
dirigindo sob efeito de álcool ou participando de competições não autorizadas. Esses
elementos já são suficientes para concluir que o condutor assumiu o risco de causa
o evento dano haja vista ignorar o possível resultado que sua ação pudesse
produzir.
3.2 O ALARGAMENTO DO CONCEITO DE DOLO EVENTUAL NOS DELITOS DE
TRÂNSITO
Observa-se que Nelson Hungria (2005, p. 232) já alertava para esta
demasiada e perigosa propensão dealguns juristas em alargar o conceito de dolo
eventual, Hungria comenta que de um possível caso de tentativa de caracterização
de dolo eventual em acidente de trânsitocom choque frontal de veículos, aqui fica
claro a total incompatibilidade da situação coma teoria do assentimento.
O reconhecimento do dolo eventual em crimes de trânsito é cabível e certo
em determinadas situações como participação de “racha” ou conduzir o veículo sob
o efeito de álcool. No entanto, é preciso analisar cada caso para que não se alargue
24
o conceito do tipo doloso de tal forma que possa, conforme Hungria disse acima,
caracterizar dolo onde o veículo do autor colide frontalmente com carro dirigido pela
vítima. Callegari (2010, p. 343) criou uma fórmula interessante para analisar a
tendência jurisprudencial ao tratar o delito de trânsito com grande severidade:
Não é possívelafirmar, como querem alguns aplicadores do direito de nosso Estado, que da condutadaquele que se embriaga, dirige em velocidade elevada e fere ou mata mais de umapessoa, que estaria agindo com dolo eventual, visto que em tal conduta não hámanifestação de vontade do agente em relação ao resultado.
3.3APLICAÇÃODE CULPA CONSCIENTE EM CASOS DE HOMICÍDIO
DECORRENTE DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
Da mesma forma como existem os defensores da caracterização de dolo
eventual em acidentes de trânsito, também são numerosos os doutrinadores que
sustentam a aplicação de culpa consciente em lugar de dolo eventual em
determinados casos de acidentes de trânsito. Edmundo José de Bastos Jr. (2006, p.
243) argumenta:
Quando a atitude psíquica do agente não se revelar inequívoca, ou se há inafastável dúvida se houve, ou não, aceitação do risco do resultado, a solução deve ser baseada no princípio in dúbio pro reo, vale dizer, pelo reconhecimento da culpa consciente (...) Nos delitos de trânsito, há um decisivo elemento de referência para o deslinde da dúvida entre o dolo eventual e culpa consciente: o risco para o próprio agente. Com efeito, é difícil aceitar que um condutor de veículo, na plenitude de sua sanidade mental, seja indiferente à perda de sua própria vida – e, eventualmente, de pessoas que lhe são caras – em desastre que prevê como possível consequência de manobra arriscada que leva a efeito.
O argumento de que nossos tribunais estão vendo dolo eventual em todos os
casos concretos não é verdadeiro. Abaixo se cita alguns julgados em que se
caracterizou a culpa consciente em lugar do dolo eventual e vice versa.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DELITO DO AUTOMÓVEL. LESÕES CORPORAIS. CARACTERIZAÇÃO DE CULPA CONSCIENTE E NÃO DOLO EVENTUAL. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1) A questão do reconhecimento em acidente de trânsito, da ocorrência de dolo eventual, embora teoricamente possível, só pode ser admitida em face à prova insuspeita do animus dolandi do agente. Caso em que não basta que
25
o motorista tenha se conduzido de maneira a assumir o risco de produzir o resultado, pois é preciso não olvidar nunca que o dolo, embora eventual, é sempre dolo, ou seja, aquele elemento subjetivo em que, ao menos em mínima parcela, há de entrar o fator volitivo. 2) Evidenciado o acerto da decisão que desclassificou o fato para lesão corporal culposa (CP. art 129,§ 6º), é de se decretar a extinção da punibilidade do apelado quando, entre a data do recebimento da denúncia e o julgamento do apelo Ministerial são decorridos mais de quatro anos. Aplicação dos arts. 107, IV e art. 109, VI, do Código Penal.(TJ-AP - APL: 100399 AP , Relator: Juiz Convocado RAIMUNDO VALES, Data de Julgamento: 14/09/1999, CÂMARA ÚNICA, Data de Publicação: no DOE N.º 2156 de Segunda, 18 de Outubro de 1999)
No julgado acima trata-se de um caso de reconhecimento de culpa consciente
em lugar de dolo eventual, também com a desclassificação para a lesão corporal
culposa, que por fim resultou em extinção da punibilidade, pois já havia transcorrido
o prazo de quatro anos que é a pena para esse tipo penal.
CRIME DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO CULPOSO (ART. 302 DA LEI N. 9.503/97)- AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - MOTORISTA QUE, EMBRIAGADO, DIRIGE EM ALTA VELOCIDADE - ESTADO DE EMBRIAGUEZ COMPROVADO PELAS PALAVRAS DAS TESTEMUNHAS E PELO TESTE DO BAFÔMETRO - VELOCIDADE EXCESSIVA - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO AO ARGUMENTO DE CULPA DE TERCEIRO - IMPRUDÊNCIA CARACTERIZADA - CARACTERIZAÇÃO DE CULPA CONSCIENTE E NÃO DOLO EVENTUAL - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DOS ASSISTENTES NÃO PROVIDO. DOSIMETRIA - PENA BASE FIXADA COM PARCIMÔNIA PELA ANÁLISE DESFAVORÁVEL DA CULPABILIDADE E DA PERSONALIDADE DO RÉU - PENAS CUMULATIVAS - AUTORIZAÇÃO LEGAL - RESTRITIVA DE DIREITO EM SUBSTITUIÇÃO À PRIVATIVA DE LIBERDADE - PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA EM FAVOR DOS BENEFICIÁRIOS DA VÍTIMA - VALOR FIXADO COM CRITÉRIO INADEQUADO - DISCUSSÃO DO MONTANTE IDEAL NA ESFERA DO CÍVEL, PONDERADOS OS INDICATIVOS DEFINIDORES E ASSEGURADA A MANIFESTAÇÃO DO DEVEDOR - ADEQUAÇÃO - RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJ-SC - APR: 220092 SC 2005.022009-2, Relator: Irineu João da Silva, Data de Julgamento: 20/09/2005, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação criminal, de Balneário Camboriú.)
O julgado acima é um excelente exemplo de parcimônia quanto ao crime
provocado por condutor embriagado. Reconhecendo a culpa consciente e mantendo
as penas. Esse julgado coloca uma pá de cal no entendimento de muitos críticos das
decisões dos tribunais brasileiros de que se reconhece dolo eventual em todos os
casos indiscriminadamente.
LESÃO CORPORAL DOLOSA DUPLAMENTE AGRAVADA - INFRAÇÃO COMETIDA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - CARACTERIZAÇÃO, ENTRETANTO, DA CULPA CONSCIENTE - DESCLASSIFICAÇÃO - REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL PARA EVENTUAIS PROPOSTAS DE APLICAÇÃO DAS
26
MEDIDAS PREVISTAS NOS ARTS. 76 E 89 DA LEI Nº 9.099/95. Sendo inviável perscrutar, ainda mais retrospectivamente, a real direção da vontade do infrator no momento do fato à base de simples conceitos e teorias, há de se buscar nas provas e circunstâncias do caso indicações materiais para particularizar o dolo eventual ou a culpa consciente. E havendo elementos concretos a revelarem ter o agente, a despeito de sua imprudência, realizado o que estava ao seu alcance para evitar a lesão ao bem jurídico, é de se reconhecer a culpa consciente, visto como o dolo eventual pressupõe que o autor, ante o perigo, venha a se decidir pelo possível dano ao objeto da tutela jurídico-penal. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJ-PR - ACR: 3360410 PR 0336041-0, Relator: Telmo Cherem, Data de Julgamento: 19/10/2006, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 7254)
O julgado acima também é um caso de desclassificação e reconhecimento da
culpa consciente em caso concreto de lesão corporal decorrente de acidente de
trânsito.
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho concentrou-se em investigar a incidência de doloeventual
ou de culpa consciente nos delitos de lesão corporal e homicídio decorrente de
acidentes de trânsito. A partir de uma conceituação dos tipos de elementos
subjetivos, diferenciaram-se os institutos do dolo eventual e culpa consciente,
apontando posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, a partir dai passou-se a
uma caracterização dos delitos de trânsito do CTB, para então analisar a incidência
do elemento subjetivo no resultado concreto nos crimes de racha, dirigir alcoolizado
e conduzir veículos sem habilitação, todos eles disciplinados pelo CTB Lei 9503/97.
Observa-se que a doutrina brasileira se divide quanto ao reconhecimento de
dolo ou culpa.Juridicamente, a interpretação dos dispositivos legais em vigor aponta
que aintençãodo legislador de levar o interprete para a culpa consciente
A análise da interpretação jurisprudencial da matéria deu conta que, quando
nãohá provas concretas, definitivas de que o acusado tenha agido com a intenção
de causarresultado, não poderá existir outra decisão senão no sentido de se
reconhecer uma condutaculposa. Nota-se ainda que a opção pela culpa consciente
é, ainda, a interpretação técnica mais adequada deacordo com a legislação
específica que regula a matéria: Código de TrânsitoBrasileiro.
No entanto, é evidente que, por decisão de política criminal, o Poder
Judiciárioresolveu dar à sociedade a resposta por ela esperada, punindo tais delitos
de granderepercussão social com seriedade, o que só pode ser feito no âmbito do
dolo.
Mas não se pode generalizar e afirmar que os tribunais brasileiros
reconhecem o dolo eventual em quase todos os casos ou é uma tendência. Ao
apontar julgados acima em que se reconheceu a culpa consciente em casos
concretos colocou-se uma pá de cal no argumento dos contrários a aplicação do
dolo eventual em crimes de trânsito. É claro que o julgador tem o arbítrio de analisar
a cada caso concreto a caracterização do dolo ou da culpa.
Entretanto, faz-se necessário apontar duas situações que não devem ser
respondidas de forma unilateral: a) a influência da mídia e pressão da sociedade não
deveria ser o principal agente motivador para a caracterização do dolo eventual e
não a culpa consciente em determinados casos, não se atendo ao caso concreto e
28
os elementos fáticos; b) também se deve dá uma resposta para condutores que
dirigem seus veículos sob efeito de álcool ou participando de “racha”, lesionando e
ceifando a vida de terceiros. Acredita-se que uma decisão que releve essas duas
questões com certeza será mais bem fundamentada.
Por fim, conclui-se que se pode entender que o fator determinante para a
diferenciação entre odolo eventual e a culpa consciente é certamente a vontade do
agente. Nos casos emque restar claramente evidenciado esse querer, poder-se-á
falar em dolo eventual, que, nosdelitos de trânsito, embora possível, é de difícil
comprovação. No entanto, diante da dificuldade dedescobrir o que pensava o agente
no momento da conduta delituosa, na prática, o elementosubjetivo não é extraído da
mente do autor, mas sim das circunstâncias do caso concreto, assim aplica-se a
culpa consciente.
29
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal - Parte Geral. Volume I. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. BOTTESINI, Giovani; NODARI, Christine Tessele. Influência de medidas de segurança de trânsito no comportamento dos motoristas. Revista Transportes, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 77-86, março 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2010. DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte Geral. 14ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Penal – Parte Geral. 15ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói-RJ: Editora Impetus, 2008. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal – Parte Geral. 26ª edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 2005. JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. 28ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005. ________________. Direito Penal - Parte Geral. 32ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 19ª edição. São Paulo: Atlas Jurídico, 2009. NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Introdução e parte geral. 34ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999. OLIVEIRA, Frederico de Abrahão de. Dolo e culpa nos delitos de trânsito. Porto Alegre: SagraLuzzatto, 2005. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro vol. I. Parte Geral. 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal – Parte Geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: editora Forense, 2009. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 2ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
30
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Dolo Eventual e Culpa Consciente nos Crimes de Trânsito. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n° 59, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. _________________________; JUNIOR, Alceu Corrêa. Teoria da Pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.