III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
“VENDE-SE JUVENTUDE”: UMA ANÁLISE DE ASPECTOS DA TEORIA
SEMIOLINGUÍSTICA EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DA REVISTA
MARIE CLAIRE
Aline Torres Sousa Carvalho1
Guilherme Jorge de Rezende2
Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar, sob a perspectiva da Teoria Semiolinguística,
proposta por Charaudeau (2008), os aspectos discursivos de quatro campanhas
publicitárias, que têm como tema a promessa da juventude, veiculadas na Revista Marie
Claire, de Junho de 2010.
A análise dos anúncios abordará o contrato de comunicação publicitária, proposto
por Soulages (1996) e enfatizará o modo de organização do discurso enunciativo, a fim
de identificar como os sujeitos falantes desses anúncios publicitários posicionam-se
diante de seus interlocutores e que relações estabelecem com eles, consigo mesmos e
com o mundo.
Para a realização deste trabalho, em primeiro lugar, serão explicitados alguns
conceitos básicos da Teoria de Charaudeau (2008) e da proposta do contrato de
comunicação publicitária, de Soulages (1996), considerados pertinentes a este estudo.
Em seguida, será realizada a análise dos textos publicitários e, por fim, serão tecidas
algumas considerações finais.
1. O ato de linguagem como encenação
A Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau (2008), considera a linguagem
como um processo sociointeracional, no qual se inserem quatro sujeitos: a) os sujeitos
do dizer (EU enunciador e TU destinatário); b) os sujeitos do fazer (EU comunicante e TU
interpretante). Assim, o ato de linguagem é composto por um circuito interno, que
corresponde aos sujeitos do dizer ou seres de fala, e um circuito externo, que
corresponde aos sujeitos do fazer, ou seres agentes, conforme o quadro abaixo:
1 Mestre em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-
Rei, especialista em Educação pela Universidade Federal de Lavras e graduada em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei.
2 Doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e professor do Programa de Mestrado em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei. Autor do livro Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial (2000).
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Figura 1: Ato de linguagem. Fonte: Charaudeau (2008), p. 52.
O EU comunicante é aquele que dá início ao processo de comunicação, “é um
sujeito agente que se institui como locutor e articulador de fala” (Charaudeau, 2008, p.
48). Ele tem um propósito e para atingi-lo utiliza a linguagem a partir de estratégias e
contratos de fala. Nesse processo, surge o EU enunciador, que é uma imagem criada pelo
EU comunicante a fim de atingir seu objetivo junto ao TU interpretante. Conforme
Charaudeau (2008), o EU enunciador também é uma imagem criada pelo TU
interpretante, que supõe uma intencionalidade do EU comunicante. Do outro lado do
quadro, e do processo sociocomunicativo, encontram-se o TU destinatário e o TU
interpretante, sendo que o primeiro corresponde ao “interlocutor fabricado pelo EU como
destinatário ideal, adequado ao seu ato de enunciação” (Charaudeau, 2008, p. 45). O TU
destinatário é uma hipótese de interlocutor construída pelo EU. Essa hipótese pode ou
não ser confirmada, conforme o êxito do EU comunicante, uma vez que existe o quarto
sujeito do ato de comunicação, que é o TU interpretante. O TU interpretante é instaurado
pelo processo de interpretação da enunciação e não depende do EU. Ele foge ao seu
controle. Assim, ao envolver-se no ato comunicacional, o EU comunicante busca uma
coincidência entre o TU destinatário e o TU interpretante, para que seu propósito
comunicacional seja atingido.
Charaudeau (2001) classifica os sujeitos supracitados como parceiros e
protagonistas. O EU comunicante e o TU interpretante devem reconhecer-se no contrato
de comunicação, sendo parceiros. Em uma sala de aula, por exemplo, professor e aluno
estabelecem entre si um jogo no qual eles reconhecem uma relação de poder. O
reconhecimento dessa relação não é esperado, da mesma maneira, se esses dois seres
sociais se encontram em outra situação de comunicação, como uma festa ou um bar. Os
2
protagonistas são o Eu enunciador e o TU destinatário, que são os “seres de fala da
encenação do dizer, produzida pelo EU comunicante e interpretada pelo TU interpretante”
(Charaudeau, 2001, p. 32, grifos do autor).
Assim, na Semiolinguística, o ato comunicativo é caracterizado como mise-em-
scène, que é esse processo no qual os sujeitos sociais, para atingir seus objetivos ou
efeitos no ato comunicacional, colocam em cena seus seres de fala. A comunicação
linguajeira é, então, uma encenação. Conforme Machado (2001), essa teoria tem como
ponto forte o fato de ela considerar o ato de linguagem como um “jogo” de equilíbrio e
ajustamento entre as normas de um discurso e a margem de manobras possíveis nesse
mesmo discurso, o que origina as estratégias dos sujeitos comunicante e interpretante.
Assim, os sentidos são sempre negociáveis entre os protagonistas da comunicação,
dependendo das estratégias e do contrato estabelecidos entre eles.
Nessa perspectiva, o ato de linguagem não é um processo de comunicação direta
e transparente entre um emissor e um destinatário. Ao contrário, é um processo de
encenação por meio do qual os seres sociais lançam-se em “uma expedição e uma
aventura” (Charaudeau, 2008, p.56). O sujeito comunicante, o ser social dotado de
propósitos, organiza seu dizer com o objetivo de atingir seu destinatário, mas não tem o
total controle dos efeitos de sua enunciação.
2. Os modos de organização do discurso
Conforme a Semiolinguística, na encenação comunicativa, o sujeito falante
organiza as categorias linguísticas de acordo com suas finalidades discursivas, com seu
projeto de fala, em um processo denominado modos de organização do discurso. São
quatro os modos estabelecidos por Charaudeau (2008): o enunciativo, o descritivo, o
narrativo e o argumentativo. Cada um desses modos possui uma função de base, que é a
finalidade do falante (narrar, descrever, argumentar) e um princípio de organização da
encenação (que é o modo com o qual o falante posiciona-se, descrito pelo modo
enunciativo). Conforme o autor, esses modos coexistem nos atos de linguagem e o modo
enunciativo comanda os demais modos.
O modo de organização enunciativo permite compreender a posição do sujeito
falante em relação ao interlocutor, ao que ele (o sujeito) diz e ao que um terceiro diz
(Charaudeau, 2008), de modo que a construção enunciativa pode ocorrer a partir de três
comportamentos:
a) Alocutivo: o sujeito falante enuncia sua posição em relação ao interlocutor,
impondo-lhe um comportamento.
b) Elocutivo: o sujeito falante enuncia sua posição sobre o mundo, sem envolver o
interlocutor nessa posição.
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c) Delocutivo: o sujeito falante apaga-se em sua enunciação, tornando-a
aparentemente objetiva.
O modo de organização descritivo é formado por três componentes: nomear,
localizar-situar e qualificar. Nomear é “fazer existir seres significantes no mundo, ao
classificá-los.” (Charaudeau, 2008, p. 112, grifos do autor). Por meio do processo de
nomeação, o sujeito dá sentido aos seres a partir de sua visão de mundo. Localizar-situar
é posicionar os seres no tempo e no espaço, também a partir da visão de mundo dos
sujeitos culturais; qualificar é atribuir aos seres nomeados características específicas que
os subdividem em classes ou grupos, a partir da visão do sujeito falante.
O modo narrativo caracteriza-se por uma sequência de eventos consecutivos,
proferidos por um narrador, que possui a intencionalidade de contar tais eventos de
determinada maneira a um destinatário (Charaudeau, 2008). Ou seja, os
acontecimentos, no modo narrativo, devem estar inseridos num contexto.
E, por fim, no modo de organização do discurso argumentativo, o sujeito elabora
explicações, asserções sobre o mundo, com as quais tenta persuadir o interlocutor em
seu comportamento. Para que haja esse modo de organização, devem existir: uma
proposta sobre o mundo que incite o debate, o questionamento; um sujeito que defenda
tal proposta; e outro sujeito que seja o alvo da argumentação, ou seja, ao qual o locutor
quer convencer.
3. O contrato de comunicação publicitária
Cada contrato comunicacional pressupõe um jogo de linguagem e estratégias
específicas, à medida que os interlocutores devem se reconhecer parceiros na
encenação. Assim, os indivíduos envolvidos nas práticas sociais estabelecem um
consenso em relação às representações linguajeiras que concernem a essas práticas
(Charaudeau, 2008). É como se, de modo consciente ou não, os sujeitos envolvidos em
uma comunicação estabelecessem regras para suas encenações. A partir dessas regras,
o sujeito comunicante (EU comunicante) organiza sua enunciação para atingir
determinados efeitos junto ao sujeito interpretante (TU interpretante).
A publicidade constitui um campo específico de práticas sociais, que pressupõe a
existência de determinado contrato comunicacional entre o sujeito comunicante e o
interpretante. Conforme Soulages (1996), a publicidade constitui um contrato
sociolinguajeiro no qual a finalidade do EU comunicante, seu projeto de fala, é persuadir
o consumidor de publicidade (o TU interpretante) para transformá-lo em consumidor de
mercadorias. Assim:
No ato da linguagem de um discurso publicitário, pode-se dizer que é fabricada uma imagem de um TUd a quem falta alguma coisa; esse TUd “deve procurar
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preencher essa falta”. Então, uma hipótese é criada por parte do EU-publicitário, que supõe que o TUi se identificará com a imagem do TUd que foi proposta.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 46-47, grifos do autor).
No contrato de comunicação publicitária, os parceiros e os protagonistas
envolvidos na encenação comunicativa podem ser especificados pelo quadro abaixo:
Figura 2: Contrato de comunicação publicitária. Fonte: Soulages, 1996, p. 146.
Assim, o circuito externo e o interno são organizados a partir de uma situação
específica, que é a econômica. No circuito externo, encontram-se o EU comunicante,
composto pela empresa e o publicitário (a) 3, que são os seres sociais que dão origem à
situação comunicativa, com o objetivo de anunciar seus produtos; e o TU interpretante,
composto pelos consumidores da publicidade e, se atingido o objetivo do EU
comunicante, consumidores do produto. O TU interpretante é responsável pela
interpretação da mensagem enunciada, podendo comprar ou não a mercadoria
anunciada. O circuito interno possui, de um lado, o EU enunciador benfeitor, que é
aquele que oferece o produto como um bem e não se revela como publicitário. Ele é uma
imagem de enunciador construída pelo EU comunicante e pelo TU interpretante. De outro
lado, encontra-se o TU destinatário beneficiário que, na encenação, deve reconhecer tal
produto como um bem. O TU destinatário é representado pelos (as) leitores (as)
/telespectadores (as) da mensagem veiculada. No circuito externo, entre os parceiros
dessa comunicação, encontra-se o produto anunciado, a mercadoria, representado como
X. E no circuito interno, entre os protagonistas, encontra-se a mensagem publicitária,
que é um objeto cultural, representado por X’.
3 Neste trabalho, o responsável pela criação das mensagens publicitárias será representado pelo termo
“publicitário (a)”, contudo, sabe-se que essa responsabilidade pode ser atribuída tanto a uma única pessoa ou
a uma equipe, dependendo da configuração da empresa.
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4. Analisando anúncios publicitários
A partir do referencial teórico abordado acima, este trabalho propõe analisar
quatro anúncios publicitários, veiculados na Revista Marie Claire de Junho de 2010. A
escolha desses anúncios foi feita a partir do tema: são produtos de beleza que prometem
a juventude. Muito embora tais mensagens sejam construídas tanto por textos verbais
quanto por imagens, em função dos limites deste artigo, será priorizada a linguagem
verbal. Os anúncios analisados encontram-se em anexo. As mensagens verbais estão
transcritas abaixo, seguidas de suas respectivas análises. Para melhor visualização dos
elementos identificados, os enunciados dos anúncios foram divididos.
4.1) Anúncio A1:
(a) Pele mais jovem? Eu quero pele nova.
(b) Renew Reversalit.
(c) O primeiro com a tecnologia activinol. Ajuda a criar novas células e a reverter
dramaticamente as rugas visíveis. É tão efetivo que a pele parece nova... Da
noite para o dia. 73% das mulheres já sentiram a diferença.
(d) Sinta você também.
(e) Você quer? Agora você pode.
(f) Fale com uma revendedora Avon ou ligue para 0800 708 2866 –
WWW.avon.com.br
O quadro de Soulages (1996) pode ser aplicado aos quatro anúncios em questão.
Nessa primeira mensagem publicitária, tem-se:
EU comunicante: Avon + publicitário (a) responsável pela criação da mensagem.
TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Avon, da publicidade.
EU enunciador benfeitor: a modelo inglesa Yasmin Le Bon, uma mulher de 45
anos, que possui uma pele que, no imaginário dessa sociedade, é considerada
bonita, é um valor.4
TU destinatário beneficiário: mulheres não muito jovens, leitoras da Revista Marie
Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa
de uma pele mais jovem.
4 Embora este trabalho se detenha apenas ao aspecto verbal dos anúncios, há de se considerar o icônico, ou
seja, a imagem da modelo presente no anúncio, uma vez que, apesar de não haver seu nome mencionado no
anúncio verbal, é a ela que o EU comunicante recorre para dar credibilidade e legitimidade ao seu anúncio
publicitário e, portanto, à sua mercadoria.
2
X: Renew Reversalit.
X’: a juventude.
Em (A1), o EU comunicante utiliza a imagem da modelo inglesa Yasmin Le Bon
para dar credibilidade à fala, tornando mais sedutor o produto anunciado. Está implícito
no anúncio um dos valores da sociedade contemporânea: o culto à beleza e à juventude,
de modo que a modelo, de 45 anos, se torna um referencial a ser seguido pelas mulheres
dessa faixa etária.
Na organização enunciativa desse anúncio, o projeto de fala do interlocutor é
organizado pelos três tipos de comportamento propostos por Charaudeau (2008): o
alocutivo, o elocutivo e o delocutivo.
Em (a), o locutor tem um comportamento elocutivo, pois ele estabelece uma
relação consigo mesmo, explicitando seu ponto de vista, que no caso é um desejo. Ao
expressar esse desejo, ele expõe uma qualificação avaliativa do que é aceito no
imaginário social: uma pele nova, que, implicitamente, está em oposição a uma pele
velha. Ou seja, a juventude em contraposição à velhice.
Após dizer o nome do produto, o locutor assume, em (c), um comportamento
delocutivo, no qual ele apaga as marcas explícitas de seu ponto de vista em relação ao
produto por meio da asserção. Assim, o propósito desse enunciado é dito como uma
verdade aparentemente objetiva, como se ele existisse por si só, independentemente do
enunciador.
Com o ato alocutivo, o falante impõe um comportamento ao interlocutor,
interpelando-o. O EU enunciador dirige-se explicitamente ao TU destinatário por meio do
pronome “você” em (d) e em (e), na frase que constitui o slogan da Avon. O
comportamento alocutivo também é explícito pelo uso dos verbos no imperativo “sinta”
em (d) e “fale” e “ligue” em (f). Desse modo, o locutor espera que o interlocutor se
identifique à interpelação da campanha publicitária e se torne, além de consumidor dessa
publicidade, consumidor do produto anunciado. Se isso ocorrer, o circuito comunicacional
estará completo e o EU comunicante terá atingido seu objetivo.
4.2) Anúncio A2:
Páginas 1 e 2:
(a) Tem o tempo do relógio, o tempo das idades, impessoal, feito só de tempo. E
tem o tempo feito de sentimentos, vivências.
(b) O tempo faz sua história.
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(c) Não foi o calendário que criou seu rosto. Foi a vida.
(d) Rodapé: Sílvia, 48 anos, mãe de dois filhos, é personal trainer e completou a
Maratona de Nova York em 3 horas e 59 minutos.
Páginas 3 e 4:
(e) Cada rosto tem uma história. Cada história tem um Chronos.
(f) Nova linha Natura Chronos.
(g) Agora você escolhe Chronos pela idade e pela intensidade de sinais.
(h) Tudo em um só produto: Firmeza, redução dos sinais, hidratação, proteção,
bloqueio dos radicais livres. 100% verdade.
(i) Rodapé: Tem um para sua história. Chronos Natura.
Neste anúncio, de acordo com o quadro de Soulages (1996), tem-se:
EU comunicante: Natura + publicitário (a) responsável pela criação da mensagem.
TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Natura, da
publicidade.
EU enunciador benfeitor: Sílvia, uma personal trainer de 48 anos, mãe de dois
filhos, que completou a maratona de Nova York em 3 horas e 59 minutos.
TU destinatário beneficiário: mulheres que têm idade a partir de 25 anos, leitoras
da Revista Marie Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão
influenciadas pela promessa de um rosto com menos sinais de expressão.
X: Chronos.
X’: a juventude.
Em (A2) o modo de organização do discurso enunciativo é composto pelos
comportamentos delocutivo e alocutivo. O ato delocutivo está em (a), (e) e (h), que são
alocuções marcadas pelo distanciamento do interlocutor. Este tece afirmações sobre o
tempo em (a), estabelece as relações entre cada ser humano, sua história/idade e o
produto anunciado em (b) e em (h) mostra as qualidades do produto, também a partir
do que é valorizado no imaginário social, conferindo-lhe legitimidade. O comportamento
alocutivo pode ser observado em (b), (c) e (i) por meio do pronome “sua”, e em (g), com
o uso da forma “você”. Nessas duas alocuções, o locutor interpela o interlocutor,
dirigindo-se explicitamente a ele. Há de se destacar, ainda, nesse anúncio, a presença
explícita do EU enunciador, através não só de sua imagem, mas de seu nome e de uma
breve descrição de quem é ele em (d). Assim, é como se esse EU enunciador assinasse a
2
mensagem, legitimando as considerações feitas anteriormente sob o comportamento
delocutivo.
4.3) Anúncio A3:
(a) O tempo deixa marcas.
(b) Rennovee.
Aplicando o quadro de Soulages (1996) no terceiro anúncio, tem-se:
EU comunicante: Nutrilatina + publicitário (a) responsável pela criação da
mensagem.
TU interpretante: consumidores (a) da Revista, do produto Nutrilatina, da
publicidade.
EU enunciador benfeitor: a modelo russa Kristina Rudenkaya.
TU destinatário beneficiário: mulheres não muito jovens, leitoras da Revista Marie
Claire, as quais o EU comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa
de renovação da pele do rosto.
X: Rennovve.
X’: a juventude.
O anúncio (A3) é organizado de modo sintético, de maneira que a interpelação do
interlocutor ocorre por meio de um jogo de linguagem com o próprio nome do produto.
Rennovee é um substantivo próprio que nomeia a mercadoria anunciada, mas é também
um verbo no imperativo (renove). Desse modo, o próprio nome do produto impõe um
comportamento ao interlocutor, que deve identificar-se com tal comportamento e buscar
uma pele mais jovem e bonita, renovada. O modo com o qual o locutor utiliza o nome em
sua enunciação, em (b), é marcado pelo ato alocutivo. Para dar legitimidade ao
enunciado, o EU comunicante tem como enunciador uma modelo de origem russa que
obedece aos padrões de beleza europeus: ela possui pele clara, olhos verdes, cabelos
lisos e claros. Muito embora a publicidade esteja sendo veiculada no Brasil, tem-se o
mesmo efeito de legitimidade do anúncio, uma vez que as brasileiras e os brasileiros são,
ainda, muito influenciadas/os pelos valores europeus. Antes, porém, há o
comportamento delocutivo em (a), pois o locutor postula uma “verdade”, aparentemente
objetiva. Ele cria o efeito de que tal enunciação não seja fruto de seus próprios
julgamentos e valores.
2
4.4) Anúncio A4:
(a) A mãe que todas querem ser.
Em forma e bonita.
(b) Milhares de mulheres bonitas de verdade experimentaram Linolen.
(c) Este depoimento é real. Linolen foi desenvolvido por pesquisadores com
exclusivo processo de filtragem e concentração. Uma inovação tecnológica criada
pela Líder em Suplementos do Brasil e da América Latina, a Nutrilatina.
(d) “Corro no parque, faço esteira, abdominais... E não fico sem Linolen.”
Christiane Michelin Mansur, 45 anos, dona de restaurante e mãe de Anna Clara e
Maria Luisa.
Analisando os participantes do contrato de comunicação publicitária, tem-se:
EU comunicante: Nutrilatina + publicitário (a) responsável pela criação da
mensagem.
TU interpretante: consumidores (as) da Revista, do produto Nutrilatina, da
publicidade.
EU enunciador benfeitor: Christiane Michelin Mansur, 45 anos, dona de
restaurante e mãe de Anna Clara e Maria Luisa.
TU destinatário beneficiário: mães, leitoras da Revista Marie Claire, as quais o EU
comunicante imagina que serão influenciadas pela promessa de garantia de um
corpo bonito, mesmo com o passar do tempo.
X: Linolen.
X’: a juventude.
O quarto e último anúncio analisado neste trabalho é a publicidade de um produto
para emagrecimento, que não apresenta explicitamente a promessa de juventude.
Contudo, essa promessa está implícita no uso da palavra “mãe” em (a) e pela própria
imagem da mulher magra e jovem, com suas duas filhas adolescentes. Desse modo, o
ideal de um corpo perfeito está intimamente relacionado ao ideal de juventude e vice-
versa.
Quanto ao modo de organização enunciativo do discurso, estão presentes nesse
anúncio o comportamento delocutivo e o elocutivo. Em (a) o locutor apaga-se de seu
enunciado e ratifica valores socialmente estabelecidos na sociedade contemporânea, que
são o culto ao corpo magro e a necessidade de uma constante juventude. Com esse
comportamento, o interlocutor consegue dar mais credibilidade ao seu texto, uma vez
2
que confere à mensagem um caráter de objetividade e universalidade. Não é apenas o
EU enunciador quem pensa assim, mas essa ideia é consensualmente aceita. O mesmo
processo de apagamento das marcas de subjetividade do EU enunciador ocorre em (b) e
(c). O ato elocutivo está presente em (d), quando o EU enunciador, representado por
uma mãe, de 45 anos, bonita, magra e jovem, assina o anúncio com seu depoimento (o
qual já fora postulado como verdadeiro em (c)). Nesse caso, a busca pela legitimidade da
publicidade e do produto é explícita verbalmente, por meio do ponto de vista do locutor
(Christhine) em relação ao produto.
Considerações finais
Por meio da linguagem, seres sociais agem na sociedade e interagem entre si,
sendo capazes de realizar seus objetivos e desejos, manifestar suas opiniões, persuadir,
estabelecer relações sociais de poder. Isso implica dizer que a linguagem é uma prática
social.
A Teoria Semiolinguística de Charaudeau (2008) oferece meios de se compreender
como esta prática social é realizada discursivamente no cotidiano dos sujeitos. Ao definir
o ato de comunicação como uma encenação, o autor possibilita a compreensão de como
um ser social, dotado de uma intencionalidade, organiza seu projeto de fala, com
estratégias e contratos, de modo a gerar o efeito de sentido pretendido em seu
interlocutor.
Desse modo, é possível compreender como os diversos gêneros textuais são
manifestações de sujeitos sociais e, dentre esses gêneros, como o texto publicitário é
organizado de modo a interpelar os sujeitos. A publicidade é um espaço de estratégias
discursivas por meio das quais o sistema capitalista cria necessidades para seus
produtos, gera demandas, de modo que o TU interpretante, ou seja, os (as)
consumidores (as) comprem tais produtos.
Ao criar necessidades, a publicidade cria, de certa forma, subjetividades, pois
interfere nos modos de pensar e agir dos sujeitos sociais. No caso dos anúncios
analisados neste trabalho, a publicidade visa a um público específico, que são mulheres
de determinada faixa etária, e age no sentido de ratificar nelas um valor presente na
sociedade contemporânea: a juventude. O texto publicitário atua, então, em um duplo
sentido: ele forja subjetividades condizentes com as necessidades do capitalismo, mas o
faz a partir das próprias condições de produção oferecidas pelo meio social no qual se
insere.
Em contrapartida, como TU interpretante do contrato de comunicação publicitária,
os sujeitos sociais podem se identificar ou não com o TU destinatário do mesmo contrato.
Ou seja, por um maior ou menor reconhecimento das estratégias de comunicabilidade, os
2
seres sociais podem responder “sim” ou “não” à interpelação publicitária, de modo que
determinados valores sociais podem ser corroborados ou modificados. No caso das
mulheres as quais se destinam os anúncios analisados, elas podem confirmar ou negar
as representações sociais estereotipadas do feminino, que são produzidas
discursivamente e comumente veiculadas pela mídia (a mulher como aquela que deve
estar sempre bonita e atraente para o homem, que deve estar sempre jovem). Assim, a
linguagem representa, então, um espaço de estratégias e lutas ideológicas, como afirma
Bakhtin (1988) em Marxismo e Filosofia da Linguagem.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. Trad. Angela M. S. Correa & Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto, 2008. MACHADO, I.L. Uma teoria de análise do discurso: a Semiolinguística. In: MARI, H. Et allii Análise do discurso: fundamentos e práticas.Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso-FALE UFMG, 2001. SOULAGES, J.C. Discurso e mensagens publicitárias. In: O discurso da mídia. CARNEIRO, A.D. (org.). Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.