Download - Versão divulgação - Processos criativos
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda
Bárbara Puttini Possas
Evandro Alves Caixeta
Júlia Fuscaldi Rebouças
Júlia Gutierrez Souza Carmo
Júlia Neiva de Sousa
Mateus Santos Garcia
PROCESSO CRIATIVO E LINGUAGEM PUBLICITÁRIA: liberdades e limites
Belo Horizonte
2012
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação e Artes
Centro de Pesquisa em Comunicação
Habilitação em Publicidade e Propaganda
Orientador: Robertson Mayrink
Supervisora: Vanessa Cardozo Brandão
Processo criativo e linguagem publicitária: liberdades e limites
Nome Matrícula Telefone E-mail Bárbara Puttini Possas 00389684 (31) 9737-9304 [email protected]
Evandro Alves Caixeta 00380277 (31) 8781-9981 [email protected]
Júlia Fuscaldi Rebouças 00380292 (31) 9971-3331 [email protected]
Júlia Gutierrez Souza Carmo 00380294 (31) 8802-6985 [email protected]
Júlia Neiva de Sousa 00389698 (31) 9430-3000 [email protected]
Mateus Santos Garcia 00380316 (31) 9817-6485 [email protected]
Belo Horizonte
2012
Bárbara Puttini Possas
Evandro Alves Caixeta
Júlia Fuscaldi Rebouças
Júlia Gutierrez Souza Carmo
Júlia Neiva de Sousa
Mateus Santos Garcia
PROCESSO CRIATIVO E LINGUAGEM PUBLICITÁRIA: Liberdades e limites
Projeto de pesquisa apresentado ao
departamento de Comunicação Social da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais como requisito fundamental para a
obtenção do título de graduação em
Comunicação Social com Habilitação em
Publicidade e Propaganda.
Orientador: Robertson Mayrink
Belo Horizonte
2012
AGRADECIMENTOS
Agradecemos às pessoas que nos ajudaram a realizar este projeto. A Adão
Rodrigues, Alex Vendrametto, Ananda Porto, André Almeida, Arthur Petrillo, Bruno
Scartozzoni, Cacate Almeida, Caule Rodrigues, Cristina Cortez, Erick Rosa, Fábio
Seidl, Filipe Alonso, Gegê Santos, Gregório Reis, Luciana Moretzshon, Pedro
Cavalcanti, Ricardo Petnys, Robertson Mayrink, Rodrigo Bergel, Rui Piranda, Ruy
Lindenberg, Val Sammarone e Zico Farina nossos sinceros agradecimentos.
RESUMO
O departamento de criação evoluiu muito com os anos, acompanhando as
mudanças da área e da sociedade. Desde a sua origem e até hoje, o processo
criativo na publicidade e propaganda não segue uma metodologia acadêmica, mas
existem alguns tópicos que são comuns à maioria dos profissionais de propaganda
quando eles estão criando. A partir de pesquisas bibliográficas e análise de
entrevistas realizadas pelo grupo, o projeto estuda os diferentes processos criativos
na publicidade e propaganda, focando nas restrições impostas durante a criação.
Também é desenvolvida uma discussão sobre até que ponto os tópicos abordados
são realmente limitadores ou apenas guias do processo.
Palavras-chave: Limites. Linguagem publicitária. Processos criativos.
ABSTRACT
The creative department has evolved over the years, following the changes in the
area and in the society. Since its inception and until today, the creative process in
advertising does not follow an academic methodology, but there are some topics that
are common to most advertising professionals when they are creating. Starting from
bibliographic searches and interviews conducted by the group, the project studies the
different creative processes in advertising, focusing on restrictions during the
creation. It’s also developed a discussion about until when the topics addressed are
really limiting or only processes guides.
Keywords: Limits. Advertising language. Creative process.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 A EVOLUÇÃO DA PUBLICIDADE E PROPAGANDA ......................................... 11
2.1 A revolução criativa dos anos 1950 ................................................................. 13
2.2 Os anos 1990 e a consolidação da internet e das estratégias integradas ... 25
3 A EVOLUÇÃO DA CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA ..................................................... 27
3.1 As mudanças na publicidade brasileira a partir dos anos 1950 ................... 34
3.2 As mudanças na publicidade brasileira a partir do aumento da interação social e tecnológica ................................................................................................ 40
4 A CRIAÇÃO E O PROCESSO CRIATIVO NO SÉCULO XXI ............................... 44
4.1 Os processos criativos, suas diferenças e semelhanças ............................. 47
4.2 Os limites impostos ao processo criativo ...................................................... 57
4.3 O desafio da publicidade e propaganda ......................................................... 61
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 66
ANEXOS ................................................................................................................... 70
8
1 INTRODUÇÃO A criação nem sempre acontece em um estalo. Na publicidade1, ela vem a
partir de um processo com o objetivo de atender às necessidades do cliente. Esse
procedimento requer uma grande capacidade imaginativa e também a capacidade
de análise, estudo e pesquisa.
A criação em publicidade e propaganda se dá a partir de uma série de
direcionamentos impostos ao processo. Essas restrições são resultado de
influências da sociedade, do cliente e também de pesquisas e planejamentos
anteriores à elaboração da campanha. Em alguns momentos, os limites atuam
negativamente, impedindo a publicidade de atingir todo o seu potencial. Entretanto,
é comum que eles possam agir como direcionamentos, guiando o processo de
criação.
O interesse comum de todos os membros do grupo pela linha de estudo foi
um dos motivadores da escolha do tema abordado. Experiências na área e
curiosidade pelo assunto complementaram a decisão. Durante a realização do
trabalho, foram identificadas e analisadas as principais características do processo
de criação na publicidade. Isso tornou possível um maior entendimento do processo
criativo e da linguagem publicitária na atualidade, identificando padrões de
comportamento e pensamento e ampliando os conhecimentos sobre o tema
proposto.
Durante os estudos realizados, foram encontrados poucos materiais
bibliográficos que tratassem especificamente do tema abordado. A partir da
bibliografia, realizou-se uma comparação entre as técnicas utilizadas durante o
processo criativo de cada profissional e em cada época da propaganda. Os estudos
que mais se aproximam do tema se limitam a descrever apenas uma época ou uma
linha de raciocínio. Nesse caso, foi abordado, por exemplo, o processo de criação
utilizado por um publicitário específico. Outros estudos ainda tecem um paralelo
entre os diferentes momentos, privilegiando as suas perspectivas históricas.
Devido a essa limitação encontrada pelos membros do grupo, foram
realizadas entrevistas com profissionais da área. Com o objetivo de complementar o
objeto de estudo, o grupo entrou em contato com redatores, diretores de arte e
1 Neste projeto, os termos publicidade e propaganda são utilizados de maneira indiscriminada, referindo-se sempre à publicidade comercial.
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diretores de criação. Em Belo Horizonte, foram selecionadas as seguintes agências:
18 Comunicação, Lápis Raro, Popcorn Comunicação e Pro Brasil Propaganda, além
de profissionais liberais. Em São Paulo, as agências pesquisadas foram:
AlmapBBDO, Ativa Esporte, DM9DDB, Giovanni+Draft FCB, JWT, Leo Burnett Tailor
Made, NEOGAMA/BBH, Ogilvy, R/GA e Tutu, além de profissionais liberais. Esses
profissionais faziam parte da rede de contatos dos integrantes do grupo, foram
indicados por conhecidos ou contatados através de redes sociais.
As entrevistas foram estruturadas a partir da orientação da professora Lúcia
Lamounier, da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, no formato de
pesquisas qualitativas. Houve, então, a elaboração de um questionário padrão,
composto por dez perguntas que buscavam solucionar o problema de pesquisa
proposto: como se dá o processo criativo e quais são os seus limites e liberdades?
No processo de pesquisa, descobriu-se que os profissionais entrevistados
possuíam particularidades que mereciam ser abordadas mais diretamente, como a
participação em bancas de julgamento de importantes prêmios, a premiação em
festivais ou a atuação em áreas específicas. Por isso, o questionário foi adaptado
com o objetivo de abordar os temas que fossem mais interessantes e úteis para o
desenvolvimento do projeto.
As entrevistas serviram como base para as análises realizadas ao longo dos
capítulos. Além disso, os documentos completos podem ser encontrados no final do
projeto, na seção “Anexos” que se inicia na página 79. A partir das entrevistas, foi
também produzido um documentário que se encontra em anexo no final do projeto.
O trabalho desenvolvido se divide em três capítulos. No primeiro, “A evolução
da publicidade e propaganda”, foi feito um estudo bibliográfico, através do qual foi
traçada uma breve história da publicidade. Foram citados e estudados os principais
nomes da publicidade de cada uma das épocas, incluindo exemplos de peças e
casos. O capítulo tem ênfase na revolução criativa iniciada na década de 1950 e que
se reflete na propaganda atual, além de analisar os movimentos sociais que se
refletiram na sociedade nas décadas de 1970 e 1990. Também foi feito um estudo
sobre como os processos criativos se modificaram e evoluíram no decorrer dos
anos.
No segundo capítulo, “A evolução da criação publicitária”, foi aprofundado um
tema inicialmente abordado na primeira parte do trabalho: a evolução dos processos
criativos a partir dos anos 1950, com foco na publicidade brasileira. Nesse caso,
10
contudo, o objetivo foi analisar, especificamente, a evolução da área de criação.
Foram usadas campanhas e cases de cada uma das épocas para exemplificar
essas mudanças, além de um uso mais aprofundado das entrevistas realizadas.
Já no capítulo três, “A criação e o processo criativo no século XXI”, a base de
desenvolvimento foi principalmente as entrevistas feitas pelo grupo, ainda que
tenham sido utilizadas referências bibliográficas. Foram selecionados os trechos das
entrevistas nos quais os profissionais descrevem o próprio processo criativo, a fim
de procurar identificar um padrão ou um elemento comum. Além disso, foram
utilizadas as falas sobre os limites – internos e externos – e liberdades por eles
percebidos durante a criação. A partir desse estudo, o grupo realizou uma análise
sobre até que ponto essas limitações são positivas ou negativas e como elas
interferem na construção da propaganda.
O grupo se baseou, portanto, em pesquisas bibliográficas e entrevistas
qualitativas. Através desses métodos, procurou responder ao problema de pesquisa
proposto, analisando se existe um processo criativo unificado ou padronizado. Foi
realizado um estudo sobre as liberdades identificadas pelos profissionais e os limites
por eles percebidos durante o processo de criação e como esses fatores influenciam
no resultado final.
11
2 A EVOLUÇÃO DA PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Ninguém sabe ao certo qual foi o início da propaganda. Porém, essa é uma
técnica que vem evoluindo e se modificando ao longo dos anos no Brasil e no
mundo. Inicialmente praticada de maneira intuitiva, aos poucos a propaganda foi se
profissionalizando, tomando dimensões cada vez maiores e se tornando parte do
cotidiano das pessoas. Atualmente, é praticamente impossível imaginar o mundo
sem a publicidade e os seus desdobramentos. Tungate (2009) é um dos estudiosos
que não acreditam que a propaganda tenha tido um início certo e mostra que, desde
a antiguidade, ela já estaria presente no dia a dia da sociedade.
Quando começou a propaganda? É questionável que os antigos egípcios e gregos fossem insensíveis aos benefícios da promoção de produtos. Os romanos sabiam por certo como criar um apelo de vendas convincente, e antigos exemplos de propaganda foram encontrados nas ruínas de Pompeia. (TUNGATE, 2009, p. 26).
No Brasil, poucos se dão conta de que a propaganda já estava no cotidiano
das pessoas muito antes dela ser considerada, de fato, propaganda. Ricardo
Ramos, citado por Carrascoza (1999), faz referência ao aparecimento de anúncio no
jornal Gazeta do Rio de Janeiro, afirmando que esta é a primeira inserção
publicitária que se tem notícia no Brasil: “Negrinha. Compra-se uma de 12 anos para
fora (sic)” (CARRASCOZA, 1999, p. 72), publicado em 1808. O texto é simples e
direto, mas representa um marco no início da história da propaganda brasileira.
Segundo o autor, foi assim que se criou o anúncio classificado, muito popular
atualmente.
Os registros mais antigos mostram que a propaganda nasceu como
expressão de uma necessidade de informação diferente daquelas oferecidas pelos
jornais. As pessoas, as companhias e o comércio precisavam de outras formas de
impressões e informações.
A propaganda entrou no ritmo com a Revolução Industrial – auxiliada e incitada pela ascensão do jornal como veículo de massa. Com os avanços em tecnologia, os bens de consumo podiam ser produzidos e embalados numa escala anteriormente impensável. Essa abundância de alimentos, roupas, sabão e assim por diante, estimulou os fabricantes, antes limitados a negócios de fundo de quintal, a buscar novos mercados mais extensos. Para fixar os
12
nomes e as virtudes de seus produtos na memória dos consumidores, criaram marcas para eles, e começaram a anunciá-los. (TUNGATE, 2009, p. 27).
No século XIX, surgiram as primeiras ilustrações em anúncios publicitários.
Esse foi o contato produtivo inicial entre a arte e a propaganda. Mas, basicamente,
os anúncios consistiam em texto puro e direto. Em 1908, o primeiro concurso de
cartazes publicitários foi realizado. Esse acontecimento mostra uma mudança na
estrutura da propaganda. Antes, a propaganda tinha como foco a ideia, o texto e o
interesse de venda. Nessa época, entretanto, já é possível perceber o crescimento
do interesse das pessoas pelo aspecto visual e artístico da área.
Em 1913, a primeira agência de comunicação brasileira foi fundada em São
Paulo, impulsionada pelo crescimento urbano e a consequente diversificação das
atividades profissionais. A partir da década de 1920, a propaganda começa a ocupar
cada vez mais espaço nos meios de comunicação, tornando-se a maior fonte de
renda de jornais, que antes se mantinham da arrecadação do valor das assinaturas.
A atuação das agências multinacionais não foi imediata no Brasil. Foi somente em
1930 que a primeira agência de propaganda norte-americana, a Ayer, chegou ao
país. O motivo foi a vinda da conta publicitária da Ford, que era, anteriormente, da
pioneira Eclética. Com as agências internacionais, a publicidade brasileira ganhou
uma nova estética, junto à necessidade de mostrar uma maior profissionalização.
No início de 1900, aparecem no país as primeiras revistas, menos voltadas à notícia clássica e mais crônicas sociais, sátiras, charges, sonetos, fatos diversos comentados. Aí vamos encontrar os primeiros anúncios de páginas inteiras, como ilustrações apuradas, em até duas cores. (MARCONDES, 2002, p.17).
Com o passar dos anos e com a melhoria do parque gráfico, a imagem
começa a ocupar um lugar cada vez mais frequente nos anúncios publicitários. “O
art-noveau exerce forte influência sobre a imagem dos primeiros anúncios
brasileiros” (MARCONDES, 2002, p. 20). Por volta de 1930, as propagandas
impressas começam a usar fotografias no lugar de ilustrações, técnica que se
propagou cada vez mais.
Também foi no início da década de 1930 que o rádio chegou ao país. A
propaganda passou a ter sons e voz. Alguns anos depois, a linguagem publicitária
13
no rádio passou a ter formatos próprios com o surgimento de spots e jingles, vindos
dos Estados Unidos, onde o seu poder já havia sido provado.
O rádio, embora representasse uma nova linguagem e, de certa forma, uma
expansão da comunicação, inclusive geograficamente, era um instrumento ainda
limitado. “Naquela época, não havia televisão e os padrões de comportamento eram
ditados pela comunidade e não por uma cadeia nacional. Não havia televisão, mas
existia o rádio” (PERISCINOTO, 1995, p. 41). As pessoas começaram a se inspirar
em situações que ouviam, em músicas e em radionovelas. Os publicitários se viram
com a missão de criar mensagens melodiosas e convincentes a fim de atrair esse
público.
Na década de 1940, a publicidade passou por uma fase de recessão. Com a
Segunda Grande Guerra, muitas empresas faliram ou reduziram sua verba
destinada à comunicação. O setor entrou em crise, começando a se recuperar
somente em 1945. No fim da década e início dos anos 1950, a sociedade de
consumo voltou a se consolidar. O surgimento dos crediários, principalmente,
impactou de forma positiva a produção e o consumo.
2.1 A revolução criativa dos anos 1950
A mais importante mudança pela qual passou a propaganda se deve, em
grande parte, à chamada Revolução Criativa, que se iniciou nos anos 1950 e se
consolidou na década de 1960, conforme Tungate (2009). Nesse período, a
publicidade mundial passou por diversas modificações que foram essenciais para a
sua nova configuração, tanto no processo de criação quanto no espaço que ela
passou a ocupar no dia a dia de todos.
Para Lipovetsky (2007), a sociedade se desenvolve a partir do consumo
característico de cada época. De acordo com essa hipótese, a civilização passou por
duas grandes fases do capitalismo e hoje vive a terceira, chamada sociedade do
hiperconsumo. A primeira fase teve o seu início ainda nos anos 1880, estendendo-
se até o fim da Segunda Grande Guerra. Nesse momento, o surgimento de novas
possibilidades na infraestrutura de transporte e comunicação proporcionou a
substituição dos pequenos mercados locais por grandes mercados nacionais.
Invenções como telégrafo e telefone possibilitaram o avanço da comunicação, assim
como a produção em série.
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Na década de 1950, o mundo passou por um momento de revolução cultural.
A política, o jornalismo, a música, a literatura, as artes visuais e a dança quebraram
paradigmas para se aproximarem do que são hoje. De acordo com Lipovetsky
(2007), esse momento é apenas um reflexo das transformações sofridas na primeira
fase do capitalismo que trouxeram o aumento do poder de consumo e as novas
maneiras de produzir e consumir informação. Nos anos 1950, aconteceu uma
reestruturação da distribuição, que passou a ser focada em estratégias de
segmentação e outras vertentes do marketing.
Nos anos 1950, segundo Lipovetsky (2007), a sociedade passou por uma
mudança não somente na maneira de consumir, mas por toda uma transformação
cultural. As pessoas ansiavam por satisfações imediatas, conforto e identificação
com o cotidiano. Impulsionada ainda pela revolução sexual, Lipovetsky classifica
essa fase do capitalismo como uma “segunda revolução individualista”, em
contraposição à primeira fase, disciplinar e autoritária, marcada pelas discordâncias
ideológicas. Por isso, a linguagem cultural anterior, mais formal e fechada em
padrões preestabelecidos, passou a tomar novas formas, tornando-se mais
descontraída. A propaganda, por ser reflexo da sociedade, também apresentou
essas modificações. “A publicidade não dita comportamentos. Ela tira o
comportamento do meio da multidão e põe em destaque” (PERISCINOTO, 1995, p.
100).
Nessa época, alcançaram sucesso as agências e os publicitários que
conseguiam exprimir os desejos subjetivos dos consumidores. Essa época é
mostrada na série de televisão Mad Men. No seriado, profissionais vivem a chamada
era de ouro da publicidade, um retrato hiperbólico da sociedade norte-americana,
além de uma visão romântica do trabalho nas agências. Na época retratada em Mad
Men, a publicidade passa a adotar uma linguagem mais instigante e elaborada, que
desperta o desejo de compra não mais por aspectos concretos do produto, mas pelo
misticismo criado ao seu redor. Desse modo, instituem-se novos hábitos de
consumo, refletindo essas transformações e, ao mesmo tempo, antecedendo as
mudanças que ainda estavam por vir.
Nesse momento, teve destaque internacional a DDB de Nova Iorque. William
Bernbach, um dos fundadores da agência, foi o principal responsável por provocar
uma nova configuração nas agências de publicidade, colocando em destaque a
inovação e a criatividade. A chamada revolução criativa provocou a transformação
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dos setores e levou a uma maior integração do processo criativo, principalmente a
partir do estabelecimento das duplas de criação, formadas por um diretor de arte e
um redator. Uma campanha consagrada desenvolvida nessa época foi a “Think
small”, produzida pela DDB para o lançamento do Fusca, da Volkswagen. As peças,
inicialmente reprovadas pelo cliente, apresentavam uma ousadia incomum para a
época.
Naquela época, todos os anúncios de carro eram coloridos, com gente exuberante, dando a entender um estilo de vida voltado para pensar grande, o American way of life, “The car you were waiting for” – aquelas cartas marcadas, bem burrinhas. (PERISCINOTO, 1995, p. 36).
Figura 1 – Anúncio Think small, criado pela DDB para a Volkswagen
Fonte: THINK..., 2012.
16
Com o sucesso da campanha, já não era possível negar que a propaganda estava
passando por um processo de mudança, reflexo das transformações sofridas pela
sociedade. A comunicação começou a atingir pontos que surpreendiam o
consumidor, satisfazendo necessidades e anseios que ainda se encontravam de
uma forma latente.
No Brasil, foi marcante a influência da publicidade norte-americana nessa
década e nas seguintes. Alex Periscinoto diz que começou “a achar que os
americanos eram bons demais na arte de fazer publicidade. E aprender inglês virou
[...] uma obsessão” (PERISCINOTO, 1995, p. 55).
Inspirado pela experiência como espectador e visitante da DDB, Alex
Periscinoto iniciou, também no Brasil, a transformação das agências publicitárias. A
Almap, onde era diretor de criação, foi pioneira na adoção do sistema de duplas de
criação no país, além de apostar em novos conceitos de comunicação, mais
ousados e adaptados ao contexto sociocultural.
[...] a organização da agência [no final dos anos 1950 e início dos anos 1960] era completamente diferente da de hoje em dia. Existia um departamento de arte, onde ficavam as pessoas que desenhavam, ilustravam, faziam letras à mão, produziam layouts. Havia um ensaio rudimentar de departamento de pesquisa. E o resto eram os contatos, a redação, a planificação, a mídia, o rádio, a gravação, o tráfego, a contabilidade. Não existiam profissionais específicos dessas áreas. Eles foram sendo formados pelas agências multinacionais que dominavam o mercado naquela altura: a Thompson, a McCann, a Standard e a Lintas. (PERISCINOTO, 1995, p. 79).
Até os primeiros anos da década 1950 no Brasil, os departamentos de
pesquisa e os estudos sobre o comportamento do consumidor ainda estavam se
desenvolvendo. Os profissionais, vindos de diversas áreas – advogados, jornalistas,
escritores e artistas, principalmente – usavam muito das próprias experiências de
vida e da intuição. Os redatores tinham uma importância extrema, acima do diretor
de arte. O conceito de comunicação geralmente se resumia ao título e ao slogan, o
que acabava por deixar os anúncios com muito texto e pouco apelo visual. Embora
hoje esse tipo de anúncio seja considerado simplista, ele funcionava para a
sociedade da época.
Ao relatar sobre a sua experiência na Standard, Periscinoto diz que
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Um dos motivos que me fizeram deixar a Standard foi uma certa desilusão com o peso dado ao redator dentro da agência. O redator se colocava como um semideus que sabia mais que o cara do estúdio (não existia diretor de arte naquele tempo). Eles não admitiam que se mudasse nem uma vírgula dos textos deles. (PERISCINOTO, 1995, p. 62-63).
Situação semelhante é retratada quando o mesmo autor conta sobre a sua
breve passagem pela Thompson:
Mas desisti no primeiro dia de trabalho, quando vi, sobre a mesa que eu deveria ocupar, um pedido de serviço em que, além do briefing, já constavam o título, o texto e a ideia da ilustração que o anúncio deveria ter, tudo anotado pelo redator e grampeado no envelope pardo. (PERISCINOTO, 1995, p. 63).
Com a importação da nova configuração da agência e das duplas de criação,
os profissionais se viram mais livres para praticar a criatividade. Embora fossem
especialistas de cada área, sentiam-se motivados a palpitar em outros
departamentos. Na dupla, por exemplo, o redator podia sugerir layouts e o diretor de
arte contribuía com ideias de títulos e textos.
Periscinoto também começou a aplicar técnicas americanas na Almap que
depois se estenderam para outras agências brasileiras. Os criativos começaram a
receber briefings mais específicos, responsáveis por deixá-los a par do problema do
cliente. Com essas informações, era possível desenvolver campanhas mais
assertivas e focadas nos consumidores, proporcionando um maior aumento de
vendas.
Segundo Marcondes, na década de 1950,
[...] a publicidade viveria o que se pode chamar de seu maior momento de expansão, como setor que ainda luta por sua consolidação. Em 1957, acontece o 1º Congresso Brasileiro de Propaganda [...]. Nele, aprovam-se as bases do código de ética da profissão, que seria oficializado em 1960. (MARCONDES, 2002, p. 38).
Nesse contexto, a área da publicidade adquiriu um viés oficial, consolidando-
se como profissão. Isso permitiu que as agências se expandissem e os publicitários
tivessem mais confiança para realizar bons trabalhos, que inovavam e refletiam as
transformações da época.
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As mudanças culturais e sociais vivenciadas na década de 1950 tiveram
ainda um agravante. Nessa época, os aparelhos de televisão se popularizaram,
chegando ao Brasil. “Se, com a chegada do rádio, o desafio era dar voz às
mensagens publicitárias, agora se tratava do desafio final: dar imagem. E em
movimento.” (MARCONDES, 2002, p. 31)
A propaganda começou na televisão como merchandising. Os produtos e
serviços eram citados ao vivo nos programas ou nos intervalos comerciais. No início
dos anos 1960, o VT começou a surgir na indústria brasileira.
O advento do VT, que começa a ser usado pelas emissoras brasileiras já no início da década, transforma a televisão, definitivamente, num paraíso para todos os envolvidos em sua realização. Agora, era possível errar. E aí refazer, gravar de novo. [...] Não mais depoimentos ao vivo, com seus erros e sustos, mas precisão nas mensagens, com textos e imagens mais bem trabalhados e precisos. (MARCONDES, 2002, p. 42-43).
A propaganda, que já sofria uma revolução na maneira de abordar os
consumidores, ainda passou por maiores transformações. A mensagem era a
mesma, mas, com o surgimento do novo meio, adquiriu novas possibilidades de
linguagem. O publicitário foi forçado a pensar de maneira criativa para captar a
atenção do consumidor e transmitir as informações de um modo compatível com a
nova tecnologia. Com os VTs, tornou-se possível a realização de um planejamento
prévio mais correto, pautado tanto em pesquisas quanto nas percepções dos
profissionais sobre a sociedade.
A revolução criativa foi marcante nos Estados Unidos na década de 1950. No
Brasil, esse processo aconteceu mais tarde e lentamente. A revolução foi de fato
efetivada em 1960, quando as agências de comunicação e mídia resolveram ser
mais ousadas, não só procurando vender produtos, passando a oferecer ideais, arte
e um estilo de vida para os consumidores.
Carrascoza cita uma lista de mudanças que ocorreram no campo da
publicidade brasileira durante essa época de revolução.
Concepção e produção das campanhas subordinadas pelas exigências da TV; maior participação das agências nacionais no bolo publicitário; fundação da Associação Brasileira de Anunciantes, que aos poucos passou a incrementar as áreas de pesquisa e controles de mídia; mudança no sistema de remuneração das agências de
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17,65% concedidos pelos veículos para 20%, com a Lei n. 4.680; lançamento de uma rede nacional de telecomunicações por meio da Embratel; criação do instituto Verificador de Circulação; crescimento do jornalismo especializado, proliferação de revistas de associações, e a criação de escolas de comunicação onde se incluía o ensino da propaganda. (CARRASCOZA, 1999, p. 104).
Aproveitando as melhorias da propaganda e se aperfeiçoando cada vez mais,
os publicitários dos anos 1970 e 1980 colocaram a criatividade brasileira no cenário
mundial. É o momento do primeiro prêmio da propaganda brasileira no prestigiado
Festival de Cannes.
Quando Washington e Bukowinski terminaram o filme Homem de 40 Anos, no começo de 1975, o festival existia há quase trinta anos, mas nenhum brasileiro até então conseguira pisar no último andar do pódio para laçar um Leão de Ouro, o prêmio mais cobiçado. O degrau mais alto a que o Brasil chegara aconteceu no festival de 1972, quando a dupla Zaragoza/João Palhares, da DPZ, recebeu um Leão de Prata pelo filme Menino Sorrindo, também dirigido por Andrés Bukowinski e produzido para a Seagram's, como parte de uma campanha recomendando moderação no consumo de bebidas alcoólicas. (MORAIS, Fernando, 2005, p. 131).
Essas mudanças também são decorrentes da transformação pela qual
passou a sociedade mundial. Conforme explica Lipovetsky (2007), já citado no início
do capítulo, a civilização se divide temporalmente em fases pautadas pela maneira
de consumir produtos, serviços e informações. Os anos 1970 são um marco para a
passagem da segunda fase do capitalismo para a chamada “sociedade do
hiperconsumo”, que prevalece até hoje.
De acordo com o autor, na década de 1970, o individualismo já presente na
segunda fase da sociedade ganha novos contornos. Nessa nova etapa, tudo pode
se tornar um novo segmento mercantil. A produção passa a atingir níveis
exorbitantes, o que causa obsolescência dos produtos de uma maneira muito rápida.
Com isso, é preciso atingir os consumidores de uma forma emocional e subjetiva,
criando necessidades superficiais e provocando o consumo. A publicidade brasileira
foi uma das que, nessa fase, identificou os novos anseios da sociedade, o que se
traduziu em prêmios e conquistas para a área.
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Figura 2 – Vídeo “Homem com mais de quarenta anos”, primeiro leão de ouro brasileiro em Cannes
21
Locução: Você já ouviu falar que um homem depois dos 40 anos fica ultrapassado, sem chance de se realizar profissionalmente se não tiver atingido o ponto máximo de sua carreira até essa idade. Pois bem, pode ser surpreendente, mas é assim que muita gente pensa. Você não acredita, então responda, por que os anúncios classificados de certas empresas levam aquela frase com o preconceito em negrito: idade máxima 40 anos. Essas empresas julgam os homens com mais de quarenta anos velhos demais para conseguirem sucesso profissional. E acham normal que eles comemorem o dia do trabalho numa fila de desempregados. Mas isso tem que acabar. Nenhum país pode se dar ao luxo de desperdiçar o potencial de seus homens mais experientes. Empregador, tire dos anúncios classificados de sua empresa a frase com o preconceito em negrito - idade máxima, 40 anos - e procure descobrir o talento e a vontade de trabalhar que podem estar escondidos dentro de uma cabeça coberta de cabelos brancos. Lembre-se que todos os homens que você viu aqui fizeram sucesso bem depois dos 40.
Fonte: HISTÓRIA..., 2012.
Por três anos consecutivos (1981, 1982 e 1983), o Brasil foi o segundo país
mais premiado em Cannes. A valorização da publicidade brasileira ainda se reflete
na configuração social. Antes, a propaganda apenas se apropriava dos elementos
que já estavam nas ruas. A partir de uma maior veiculação e valorização, a
publicidade passou a ser ela própria um elemento cultural. Pouco a pouco, as
campanhas mais impactantes começaram a ser citadas em diálogos comuns, as
pessoas passaram a fazer referências a elas e a discuti-las.
A partir da segunda metade do século [...], ocorre uma inversão no processo de produção artística. A publicidade passa a exercer sua influência na comunicação e sua presença pode ser vista em vários
22
setores. Os jornais deixam de ser apenas informativos e adotam a linguagem persuasiva (tanto escrita quanto visual), a poesia concreta desabrocha e cada estrofe explode como um apelo de compra, o estilo publicitário estende-se à música e até ao conteúdo e a forma do novo romance brasileiro a partir do final dos anos 80. (PIRATININGA apud CARRASCOZA, 1999, p.14).
Washington Olivetto foi um dos grandes responsáveis por levar a linguagem
publicitária ao dia a dia das pessoas. A sua consagrada campanha “O primeiro
sutiã”, feita para a Valisère, levou a expressão “O primeiro [Valisère] a gente nunca
esquece” para as ruas.
Assim como há a utilização de enunciados fundadores no texto verbal e visual na mídia impressa, o mesmo acontece na televisão. As peças publicitárias que se tornam clássicas, como esse comercial da Valisère, passam a ser citadas, mencionadas e imitadas de forma recorrente, pois já são familiares ao público, capaz de reconhecer sua presença, ou fragmentos do todo em outras criações. (CARRASCOZA, 2008, p. 73).
Já o Garoto Bombril, criado pelo publicitário, foi tão bem aceito pelo público
que ficou no ar de 1978 a 2004. Carlos Moreno, o ator que o interpretava, encarnou
diversos personagens para enfatizar o slogan da marca, “Mil e uma utilidades”.
Outras campanhas de Olivetto e de outros grandes publicitários também
tiveram destaque e repercutem até hoje na linguagem popular. Não é estranho, por
exemplo, ouvir alguém falando “não é nenhuma Brastemp”, alusão à campanha feita
pela Talent, ao se referir a uma coisa que não é excelente.
23
Figura 3 – Vídeo “Não é assim uma Brastemp”
Personagem: - Comprei pra minha mulher um freezer, ótimo. Não é assim nenhum Brastemp, mas bom, bom freezer. Assistência técnica é boa. Eles demoram um pouco pra vir porque estão sempre muito ocupados, né? Não é assim nenhuma Brastemp. É boa. Minha mulher gostou. Minha mulher ficou satisfeita, ela até falou "Tá bom esse, amore! Não é assim, nenhuma Brastemp, mas você também não é nenhum Alain Delon”. Narrador: - Brastemp. Não tem comparação.
Fonte: COMERCIAL..., 2012a.
Outro caso de sucesso é a campanha “Bonita camisa, Fernandinho”, também
feita pela agência Talent para a marca de camisas USTop. A frase virou um bordão
tão significativo que ainda hoje é falada até mesmo por aqueles que não viram a
propaganda.
Figura 4 – Vídeo “Bonita camisa, Fernandinho”
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Cena 1: Chefe: -Fernando! Que novidade é essa, senhor Fernando? Fernando: -É… É da nova coleção USTOP. Chefe: -Bonita! Cena 2: Chefe: -Modelo novo, Fernando? Fernando: -Sim, senhor. Chefe: -Gostei! Narrador: -Camisas USTOP. O mundo trata melhor quem se veste bem. Cena 3: Chefe: Bonita camisa, Fernandinho. Fernandinho: Muito obrigado. Colegas de trabalho: A do senhor também é linda!
Fonte: COMERCIAL..., 2012b.
O sucesso da propaganda brasileira refletido em importantes prêmios
continuou pelos anos seguintes.
Durante toda a década, salvo exceções, a criatividade publicitária nacional vai ocupar novamente o lugar de destaque que ocupou esporadicamente nos anos 1980. Desta vez, de forma mais sólida e,
25
aparentemente, mais consistente e duradoura. Em 1993, o país ganha seu primeiro Grand Prix no Festival de Cannes, com um anúncio de Marcello Serpa e Nizan Guanaes, da DM9, para o guaraná Antártica Diet. Foi a maior premiação da propaganda Brasileira. (MARCONDES, 2002, p.59).
Na década de 1990, houve uma nova transformação na sociedade e na
publicidade. Nessa época, as agências brasileiras começaram a se fundir a
multinacionais. É o caso da Almap, por exemplo, que, em 1988, tornou-se
AlmapBBDO e da DM9, que, em 1997, associou-se à DDB Worldwide, passando a
se chamar DM9DDB. Essa mudança interferiu muito no processo criativo, que se
assemelhava, cada vez mais, ao norte-americano. Com a internacionalização das
agências, iniciou-se a chamada era das campanhas globalizadas. As grandes
empresas multinacionais tinham posicionamentos desenvolvidos pelas agências
internacionais. O conceito passou a chegar ao Brasil praticamente pronto,
precisando apenas ser adaptado para o mercado local. Ainda hoje essa postura
pode ser observada em algumas campanhas. Entretanto, o mais comum é que
sejam feitas adaptações da campanha global ao mercado regional ou que as
campanhas sejam produzidas inteiramente no Brasil, precisando apenas estar
alinhadas ao planejamento estratégico da marca.
2.2 Os anos 1990 e a consolidação da internet e das estratégias integradas “O fato mais importante dos anos 1990 é a consolidação da World Wide Web,
a internet para todos” (MARCONDES, 2002, p.55). Com o surgimento da internet,
várias questões foram levantadas dentro e fora do campo da publicidade. É inegável
dizer que, com essa nova ferramenta, a comunicação ficou mais fácil, as
informações mais acessíveis e as possibilidades ilimitadas.
Apostando no futuro da propaganda na rede, agências online têm sido criadas
e procuradas cada vez mais. Essas empresas são especializadas em produzir
diversas estratégias na internet, desde anúncios divulgados em grandes portais ao
planejamento e execução de ações em redes sociais e vêm com a promessa de
levar o cliente a resultados de maneira mais eficiente e barata que a publicidade
tradicional.
Um ponto discutido atualmente é se essa diferenciação é realmente
necessária. Questiona-se se a internet não consistiria apenas em mais uma mídia
26
publicitária e, por isso, um investimento exclusivo nessa área não seria necessário,
mas sim uma proposta integrada. Para Messa, ainda que muitos profissionais
preguem a integração entre as áreas on e offline, essa é uma realidade ainda inicial.
É muito fácil ficar aqui sentado na frente do notebook escrevendo artigos, posts e tweets reclamando que o digital ainda não foi devidamente integrado às campanhas de comunicação. Também é fácil afirmar que esse papo de on e off é velho; e que agência digital deveria deixar de existir, pois toda e qualquer agência deveria criar ações integradas, sem muita diferenciação entre o que é, ou não, digital. (MESSA, 2012).
Ainda assim, segundo Messa, nas agências já é possível perceber essa
mudança de olhar. Muitos profissionais, principalmente os mais jovens, encaram a
internet como apenas mais uma plataforma que deve ser trabalhada nas
campanhas. Mas nas empresas, em sua maioria, o universo online ainda está sendo
explorado. Muitas vezes, devido a esse fenômeno, os gerentes empresariais
buscam agências especializadas em internet para realizarem determinada ação, não
possibilitando que a agência tradicional – e que, muitas vezes, já se encontra
capacitada para se adaptar aos novos meios – planeje e coloque em prática uma
proposta integrada.
Até mesmo o Festival de Criatividade de Cannes (Cannes Lions) está se
abrindo para as novas possibilidades da propaganda. Inicialmente tido como uma
ramificação do Festival de Cinema de Cannes, só aceitava inscrição de filmes
publicitários. Com o passar do tempo, as categorias foram se expandindo ao
impresso, ao rádio e à mídia exterior. Hoje, o prêmio mais cobiçado é o Titanium,
reservado a campanhas que, agindo de forma integrada e criativa em diferentes
mídias, conseguem resultados positivos e impactantes (CANNES LIONS, 2012). A
escolha do competido prêmio é tão criteriosa que, em 2011, nenhum case chegou a
ganhar o Grand Prix, que é a premiação máxima de cada categoria. Mesmo assim,
três casos foram premiados: The Speed Camera Lottery, da DDB de Estocolmo para
a Volkswagen, o American Rom da BV McCann Erickson da Romênia para Kandia
Dulce e o Decode Jay-Z with Bing da Droga5. (RIZZO, 2011). Eles tiveram destaque
por usarem diversas mídias de maneiras diferentes, porém integradas, para divulgar
o produto ou o serviço em questão.
27
3 A EVOLUÇÃO DA CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA
Existe uma discussão que acompanha toda a história da propaganda, uma
disputa entre duas maneiras diferentes de encarar a publicidade. Alguns
profissionais e estudiosos da área defendem a ideia de que a publicidade seja
produzida por meio da inspiração. Através dela, os consumidores se sensibilizam e
chegam ao ato da compra. Outros acreditam que os dados de pesquisa são o ponto
chave para a elaboração do conteúdo das propagandas e que, assim, são
alcançados melhores resultados na venda dos produtos e serviços.
Harper, citado por Mark Tungate (2009), critica os criativos ao dizer que,
quando um cliente está disposto a pagar por uma campanha ou anúncio, ele não
está interessado no processo criativo, na arte ou fonte de inspiração, mas quer
somente vender seu serviço ou produto, quer saber apenas dos resultados. Rosser
Reevers, também citado pelo autor, compartilha da mesma opinião. Ele acredita que
a propaganda não deve ser vista como arte. “A propaganda começou como arte e
muitos homens querem que continue assim, uma terra do nunca onde possam dizer:
‘Isto é certo porque sentimos que está certo’” (REEVES apud TUNGATE, 2009,
p.66).
Pedro Cavalcanti (2012), redator da AlmapBBDO, diz que "a publicidade faz
uso das artes. Mas no fundo é um negócio [...]". Zico Farina (2012), redator da
DM9DDB, concorda e completa dizendo que a propaganda "é uma atividade
comercial que se alimenta de linguagens artísticas para criar alguma coisa nova, a
sensação de novo, de diferente".
Apesar de não achar que a publicidade é arte, o diretor de criação da Ogilvy,
Fábio Seidl, também não acredita que ela seja apenas uma atividade comercial. "[...]
não acho que ela seja instrumento de venda por si só, porque a publicidade, na
essência, não vende. A função primordial da publicidade é chamar atenção de
alguém para alguma coisa que possa ser importante para aquela pessoa" (SEIDL,
2012). Ele diz, ainda, que alguns publicitários se comportam como artistas, mas que
o trabalho deles é muito diferente do de um Leonardo da Vinci, por exemplo.
Cris Cortez, diretora de criação da Lápis Raro, lembra-se de uma palestra que
proferiu na Universidade Federal de Minas Gerais, chamada "Arte é o caralho". Ela
diz que "a gente não é artista. Arte é outra coisa" (2012) e mencionou outra palestra,
ministrada em Cannes por um artista francês de rua chamado JR. Ele disse que a
28
semelhança entre os publicitários e os artistas é que ambos disputam o mesmo lugar
na rua, mas que ele, por ser artista, é livre. Ele ainda completa dizendo que “o seu
limite [do artista] é só a sua responsabilidade" (CORTEZ, 2012). Cris Cortez conta
que JR foi aplaudido de pé pelos publicitários que estavam em Cannes e que,
surpreso, escreveu em seu blog: “Fui contra os caras, eu era inimigo deles. Mas, no
final, fui aplaudido de pé.” (CORTEZ, 2012). Cris ainda completa dizendo que, no
caso da publicidade, se ela não vender é porque não funcionou. Já a arte não tem
esse compromisso com o comércio. "Propaganda não é arte porque tem começo,
meio e fim. E o fim é a venda. [...] o fim da arte não é a venda." (BERGEL, 2012)
Ao contrário dos publicitários já citados, Will Bernbach, redator – já citado no
primeiro capítulo – e com forte senso visual que esteve à frente da Doyle Dane
Bernbach (DDB), acreditava que o estético poderia, sim, vender e adquirir resultados
para os clientes. Até os anos 1940, as agências adotavam um modelo de produção
enrijecido. Ele resolveu então desafiar e contrariar esse modelo, alegando que elas
“[...] estavam transformando seu pessoal de criação em mimeógrafos.” (BERNBACH
apud TUNGATE, 2009, p. 67). Bernbach acreditava que, se as propagandas
continuassem assim, frias e sem apelo artístico, acabariam se tornando ineficazes e
invisíveis aos olhos dos consumidores. Para o publicitário, apenas uma revolução
criativa poderia salvar a publicidade.
Bernbach, movido por essa ideia, em 1947 enviou a seus chefes na agência
Grey Advertising de Nova Iorque uma carta que mudou o rumo da publicidade. Nela,
ele dizia que “propaganda é fundamentalmente persuasão e acontece que a
persuasão não é uma ciência, mas uma arte. Vamos provar ao mundo que bom
gosto, boa arte e boa escrita podem ser boas vendas.” (BERNBACH apud
TUNGATE, 2009, p. 69). Para ele, era inaceitável que a propaganda seguisse um
caminho óbvio e repetitivo e, como não obteve resposta para a carta, fundou a DDB
– Doyle Dane Bernbach, dando início, então, à revolução criativa dos anos 1950 e a
uma era que tinha a propaganda como pura e unicamente criativa, assim como a
arte.
A carta citada, ainda hoje, é uma referência importante quando o assunto é
criatividade e simplicidade na propaganda. Bernbach pode não ter inventado a
publicidade, mas a recriou ao dar mais valor à forma verbal e visual de um anúncio
do que às pesquisas e à técnica. Para ele, o essencial não era o que se falava sobre
um produto, mas como fazer a informação chegar aos consumidores, deixando-os
29
interessados pela mensagem. Quando o consumidor se visse instigado por um
anúncio, ele se sentiria desafiado e valorizado, passando, assim, também a dar valor
à própria peça publicitária e ao processo criativo de produção da propaganda.
Roberto Menna Barreto (1982) posiciona-se de maneira diferente. O autor
define a propaganda como uma técnica de manipulação, e não como uma arte, nem
como uma ciência, uma vez que seu propósito é a persuasão. Para ele, a área se
utiliza de argumentos racionais e emocionais para convencer o público-alvo a
consumir o produto, serviço ou ideia proposta. Pode-se considerar essa uma terceira
vertente na maneira de encarar a publicidade. É importante ressaltar que
manipulação não é enganação. Para Menna Barreto, a boa propaganda não fala
mentiras, ela evita algumas verdades, “depurando” a realidade em prol de uma ideia
ou um produto.
O principal argumento dos teóricos que não veem a publicidade como arte se
baseia no caráter de encomenda que a área tem. Afinal, a publicidade é uma
resposta às demandas do cliente. Entretanto, a arte feita sob encomenda pode ser
observada em vários momentos e em diversos ramos artísticos. Durante o
Renascimento Cultural ocorrido nos séculos XV e XVI, por exemplo, a produção
artística era sustentada pelos mecenas. Eram ricos comerciantes, banqueiros ou
pessoas ligadas à realeza ou à Igreja Católica que investiam na arte como maneira
de obter prestígio e reconhecimento social. Nomes como Galeazzo Maria Sforza e a
família Medici foram essenciais para o desenvolvimento das artes nessa época,
principalmente das artes plásticas. Artistas como Michelangelo e Rafael Sanzio
desenvolviam pinturas de acordo com os pedidos dos mecenas, atendendo a
solicitações e sem gozarem de total liberdade criativa.
Esse costume passou por diversas fases da história e, ainda hoje, grandes
obras de arte são feitas a partir de pedidos e chegam, inclusive, a ter objetivo de
vendas. Romero Britto, pintor, escultor e serígrafo pernambucano, é conhecido pelos
seus traços fortes e pela influência da pop art em suas obras. Contudo, o artista já
cedeu e produziu peças para várias marcas, como Melissa, Absolut, Disney, Pepsi e
Audi. A finalidade de muitas das suas pinturas, então, foi a venda. Inicialmente, a
venda a uma marca e, por fim, a venda do produto atrelado às suas obras.
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Figura 5 – Sandália da coleção Melissa by Romero Britto
Fonte: MELISSA..., 2012.
Não há como negar que a pintura seja uma forma consagrada de
manifestação artística. E, como arte, é uma apropriação recorrente feita por
campanhas publicitárias. A Leo Burnett resolveu juntar publicidade e pintura e
realizou uma campanha para o Getty Images, chamada Releitura Bosch.
A pedido da Getty Images foi solicitado a Javier Talavera e ao Ruy Lindenberg que fosse feito um anúncio somente com imagens do banco de imagens da Getty. Foi quando eles tiveram a ideia de fazer uma releitura do quadro de Bosch, Cruz às Costas, que retrata os tormentos de Cristo. A partir de uma pesquisa de imagem, foram selecionadas fotos de pessoas parecidas com as do quadro original, onde tive que, além de acertar a cor, ajustar algumas expressões faciais. Esta imagem foi feita em tempo recorde e já participou de exposições e palestras em universidades e pelo mundo. (BOTTINO, 2009).
31
Figura 6 – Anúncio Releitura Bosch, criado pela Leo Burnett para o Getty Images
Fonte: BOTTINO, 2009.
Assim como Romero Britto, Oliviero Toscani, fotógrafo italiano, é outro artista
que cede o seu trabalho a peças publicitárias. Ficou conhecido internacionalmente
por criar campanhas polêmicas para a Benetton, marca de moda sediada em Milão,
durante os anos 1990. As suas criações tendiam a chocar o público, fazendo com
32
que as pessoas pensassem de uma maneira diferente. Com isso, aproximava-se da
arte pura, embora não perdesse o objetivo final de agregar um conceito à marca
Benetton.
Figura 7 – Anúncio criado por Oliviero Toscani para a Benetton
Fonte: FASHION..., 2011.
Se a publicidade não é considerada arte por muitas pessoas, o cinema não
entra em discussão. Os filmes cinematográficos são uma arte poderosa, uma das
mais importantes fontes de entretenimento. E, nessa discussão de arte versus
propaganda, surge um elemento que pode gerar dúvidas sobre o assunto, o
storytelling.
Storytelling é uma forma inovadora de se fazer publicidade. São curtas-
metragens produzidos para alguma marca ou serviço e que atraem muitas pessoas
por, normalmente, terem uma produção hollywoodiana aliada a grandes nomes por
trás e à frente das câmeras, reconhecidos diretores, famosos atores e um enredo
capaz de prender a atenção de vários públicos, como amantes de cinema, de
33
propagandas ou de um bom entretenimento. Mirella Portiolli explica a visão de Tom
Stringhini, diretor de cena da Dogs Can Fly, dizendo que
para o diretor, a publicidade permite conceituar cada filme de maneira diferente e atualmente vive uma fase de reinvenção. Por existir diversas plataformas para divulgação, os filmes têm sido realizados dentro de um padrão bem menos engessado. (PORTIOLLI, 2012).
Um dos casos mais famosos do storytelling é a série de oito filmes chamada
The Hire, feita pela BMW em 2001 e 2002. A agência Fallon inovou ao trazer alguns
dos melhores diretores para a produção desses curtas. Scott Donaton analisa a bem
sucedida direção.
Para atrair esse talento de primeira grandeza, a BMW sabia de antemão que teria de quebrar as próprias regras e garantir aos diretores controle criativo quase total. […] Assegurar a participação dos melhores diretores em Hollywood tinha como preço permitir que eles fizessem coisas que provocariam mal-estar nos executivos da BMW. Como um personagem sangrar até a morte no banco traseiro de um de seus veículos. (DONATON, 2007, p. 97).
A série conta com histórias de ação, suspense e drama atreladas a uma
edição bem feita, cenários cinematográficos e atores reconhecidos, como Clive
Owen, que atua como motorista em todos os episódios. As narrativas são diferentes,
mas todas giram em torno de um carro BMW.
The Hire não foi exibida em cinemas ou TV. A estratégia consistia em montar
trailers que pareciam ser de filmes de ação tradicionais, instigando o público a entrar
no site da empresa para assistir à série completa.
Depois do sucesso da BMW, outras empresas apostaram no storytelling.
Alguns exemplos são a Phillips com os episódios de Paralel Lines, o American
Express com o Superman, que utiliza o personagem de desenho animado dentro de
uma produção com atores e cenários reais, e o Space Monkey, da WWF.
A partir dessa análise, fica claro que todo tipo de arte é uma ferramenta
essencial na criação de uma peça publicitária. Os publicitários se utilizam de
fotografia, cinema, pintura, música, arte de rua, e dança, por exemplo, para atrair
consumidores e criar um conceito para a sua marca.
34
A finalidade da propaganda é vender um serviço ou produto. Se ela não
promove a marca, não é eficaz. Mas, a partir do momento em que ela não só faz
uso, como produz uma nova arte – ou, no mínimo, um efeito de arte – apesar da sua
finalidade real, que é a venda, será que ela não pode ser considerada arte
propriamente dita?
Ao analisar o storytelling The Hire e a peça Releitura Bosch, é possível
observar a diferença entre ser arte e fazer uso da arte. A campanha do Getty Images
usou da arte, utilizando como referência uma pintura clássica e a reproduziu. Houve
uma ideia por trás de sua concepção e um trabalho artístico, mas a peça não é uma
obra de arte e, sim, uma reconstrução. Já a BMW fez um curta-metragem, uma peça
que se aproxima muito da arte. O storytelling tem um enredo, atores, diretores,
edição. Poderia ter sido veiculado como um curta qualquer, sem que fosse feita a
menção à BMW. Apenas o fato dos diretores terem quase total autonomia nas
filmagens já fez com que as características artísticas aparecessem mais do que as
comerciais. A finalidade de ambas é a venda e a divulgação da marca, mas o meio
para se chegar a esse resultado é diferente. Por isso, quando o assunto é a relação
entre arte e publicidade, é importante fazer uma análise crítica, levando em
consideração se a arte foi apropriada ou produzida.
3.1 As mudanças na publicidade brasileira a partir dos anos 1950
No final da década de 1950 e início da de 1960, a revolução criativa provocou
uma série de mudanças na publicidade. A partir de então, essa área não parou de
se modificar, sofrendo alterações estruturais, conceituais e no seu valor reconhecido
pela sociedade.
Desde o seu surgimento, a publicidade vem se profissionalizando. A
contratação de profissionais especializados na gestão das agências e a separação
dos setores financeiros e administrativos, além de outras mudanças estruturais,
como a maior divisão entre as funções, foram responsáveis por aumentar o
reconhecimento da profissão.
Ao mesmo tempo em que essa evolução ocorreu, o processo de produção se
tornou mais simples. Essa mudança resultou, em alguns casos, na desvalorização
do trabalho do profissional de publicidade. Segundo Adão Rodrigues, que trabalhou
como diretor de arte e ilustrador nas principais agências de Belo Horizonte durante
35
as décadas de 1960 e 1970, “naquela época, tinha o impacto do cliente quando se
deparava com uma campanha toda feita a mão, o cliente tinha um respeito maior
pela campanha praticada” (RODRIGUES, Adão, 2012). Hoje, como grande parte da
produção é digitalizada, muitas vezes o cliente não imagina a complexidade do
processo por trás de cada peça. Em grande parte, essa mudança veio
acompanhada da sistematização das técnicas, provocada pelo intenso uso dos
computadores.
A primeira grande mudança radical é a entrada do computador. Na agência, eu peguei antes do computador – não existia computador, você trabalhava com lápis e papel branco na tua frente – e aí, depois veio o computador, que você trabalhava com mouse e tela. Quer dizer, isso já foi uma mudança radical. A gente teve que se adaptar completamente a essa nova linguagem. (SAMMARONE, 2012). Eu comecei com máquina de datilografar, é inacreditável. [...] Os redatores tinham máquinas de datilografar e os diretores de arte, acho que eles trabalhavam na munheca, desenhando mesmo o layout, então era aquela coisa, o estúdio era gigantesco. (MORETZSOHN, 2012).
A chegada dos computadores impactou não somente na configuração técnica,
mas também levou a uma maior aceleração do processo criativo. Segundo Luciana
Moretzshon (2012), diretora de criação da 18 Comunicação, “era um processo muito
mais lento, demorado, que tinha um desafio técnico enorme e tinha uma estrutura
técnica muito grande que hoje, com essa digitalização, desapareceu”.
A partir daí, aparece uma nova maneira de encarar o tempo nas agências de
comunicação. Com a sociedade cada vez mais dinâmica, as pessoas buscam
realizar diversas atividades ao mesmo tempo. E não é incomum que elas queiram
que a publicidade também funcione da mesma maneira. Os clientes esperam que
campanhas completas, bem desenvolvidas, com conceitos consistentes e bem
finalizadas sejam entregues em poucos dias. Mas, ainda que, atualmente, os
criativos hoje disponham de mais ferramentas e softwares para trabalhar, existem
outras fases do processo que não podem ser ignoradas como, por exemplo, a
pesquisa.
Outra consequência da entrada dos computadores no mercado foi o aumento
da publicidade formal, menos intuitiva. Zico Farina (2012), redator da DM9DDB,
explica essa transição, sustentando que
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O trabalho era muito mais manual e artesanal, a gente tinha um processo mais solto, muito mais intuitivo [...] Ela [a criatividade] continua sendo intuitiva, óbvio, em busca do insight original. Mas ela tem uma cobrança muito maior do que tinha antigamente. [...] Eu sinto que hoje a comunicação virou uma ciência exata. (FARINA, 2012).
Para Caule Rodrigues (RODRIGUES, Caule apud RODRIGUES, Adão;
RODRIGUES, Caule. 2012), supervisor de criação da Pro Brasil Propaganda, a
publicidade “perdeu muito do seu aspecto artístico, mas ganhou do aspecto técnico,
e cada um tem o seu valor”.
Junto com as mudanças provocadas pela tecnologia, a publicidade passou
por uma série de outras transformações. Uma delas interferiu diretamente na
configuração espacial das agências, também impactando no processo criativo. Alex
Periscinoto (1995, p. 79), um dos fundadores da Almap, em trecho já citado no
primeiro capítulo, mostra como era a agência tradicional nos anos 1950, com os
departamentos rudimentares, estruturados sem planejamento. Também não havia
profissionais específicos para áreas como mídia, tráfego e contabilidade.
Na década de 1970, a agência já apresentava mudanças em sua
configuração. Adão Rodrigues (RODRIGUES, Adão apud RODRIGUES, Adão;
RODRIGUES, Caule. 2012) conta que ainda não existiam o diretor de criação ou as
duplas de criação. Nessa época, o diretor geral criava os rafes que seriam
desenvolvidos pela sua equipe de criação.
O briefing chegava primeiro na mão dele [Hélio Faria, diretor geral da Asa Comunicação na década de 1970], ele era um excelente artista plástico. Ele escolhia o redator que mais se adequava ao briefing, que faria dupla com ele. Dalí nasciam os esboços. A campanha chegava aos layoutmen rafeadas no lápis e a gente ia passar a limpo esses rafes. Fazer as manchas, marcar os títulos, tudo a mão. Isso depois voltava para a mão do atendimento, que depois voltava para a produção, ia orçar... (RODRIGUES, Adão apud RODRIGUES, Adão; RODRIGUES, Caule. 2012).
No final dos anos 1970, começaram a surgir as duplas de criação, assim
como uma pessoa responsável por coordenar essas duplas (RODRIGUES, Adão,
2012). Esse sistema vigorou massivamente até o início do século XXI e, ainda hoje,
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é encontrado em algumas agências. Entretanto, vem sendo substituído aos poucos
por outras formatações.
Nas agências, antes, a criação era dupla de criação, trabalhava cada um em uma sala. [...] Agora as agências são áreas abertas, todo mundo trabalha junto. Ainda têm as duplas, mas é um trabalho mais aberto, não é mais nichado como era antes. (SAMMARONE, 2012).
Caule Rodrigues (RODRIGUES, Caule apud RODRIGUES, Adão;
RODRIGUES, Caule. 2012) completa dizendo que uma das mais significativas
mudanças que já presenciou na área “foi a maior importância que o planejamento
teve. Isso transformou a característica das agências no sentido de que a criação era
focada em duplas, existia o diretor de criação e várias duplas. Hoje se tem muito
mais focada [a criação] em grupos de criação”.
Ainda sobre a mudança nos setores, ocorreram alterações no modo como a
agência se relaciona com o cliente. Antes, não existia um profissional
exclusivamente para o atendimento de contas. Esse papel era desempenhado pelos
diretores, que iam diretamente ao cliente e repassavam o briefing à criação. Aos
poucos, foram surgindo os departamentos de atendimento, compostos por
profissionais responsáveis por esse contato. Os demais setores se distanciaram,
então, do cliente.
Hoje, essa configuração vem se alterando mais uma vez. É cada vez mais
perceptível que a ideia do atendimento ser o único contato entre a agência e o
cliente vem deixando de ser uma realidade no meio publicitário. Em vez disso,
outros setores, como o planejamento e a criação, têm um relacionamento mais forte
com o cliente.
As grandes agências vêm se convencendo de que o contato entre criação e
cliente é fundamental, seja na reunião de briefing ou na apresentação da campanha,
como defende Cris Cortez (2012). Nas reuniões iniciais, a criação passa a se sentir
mais próxima do cliente, entendendo os seus anseios e aumentando as chances de
desenvolver uma campanha que o atenda. Fabio Seidl (2012) reforça essa opinião
ao dizer que “cada um trabalha de um jeito diferente, mas entender muito como
funciona o negócio de cada marca, o histórico, para onde a marca quer ir, o que os
clientes esperam e pretendem faz toda diferença para o que você vai criar”. Luciana
Moretzshon também defende essa ideia, enfatizando que, muitas vezes, os
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profissionais de criação têm mais conhecimento sobre a campanha que foi
desenvolvida, sabendo defendê-la inclusive melhor que o atendimento.
Você tem que aprofundar, você tem que conhecer, tem que saber da realidade do cliente. Então a gente [18 Comunicação] realmente trabalha próximo do cliente, vai muito ao cliente, apresenta muito job pessoalmente, apresenta muita concorrência. A entrega nossa é grande, da criação, do pessoal da criação. O atendimento tem aquele papel assim de interlocução, mas que não supre o da criação. A criação tem outro peso. Porque, quando você cria, você se envolveu no processo o tempo todo, você tem uma entrega [...] talvez até mais paixão. Você se jogou tanto ali naquela ideia que você tem um poder maior de convencimento, de argumentação, de entendimento dos desafios. Então, essa ponte, ela é bacana. (MORETZSHON, 2012).
Quanto mais a equipe conhece o cliente, mais ela é capaz de apresentar
soluções criativas que o satisfaçam. E, aliado a uma defesa de campanha feita com
argumentação consistente e passional, torna-se mais fácil aprovar o que foi
desenvolvido pela agência. Dessa maneira, a agência conquista a confiança do
cliente, aumentando a possibilidade de propor soluções novas e criar oportunidades
que vão além das solicitadas pelo próprio cliente. Por isso, para Erick Rosa (2012),
“é cada vez mais importante contratar pessoas que tenham essa capacidade de se
relacionar bem com o cliente, para o cliente sentir a confiança na hora em que você
apresenta o trabalho pra ele”.
Outra maneira de conhecer o cliente a fundo é através da realização de
pesquisas de mercado. Os pré-testes também são importantes, quando utilizados
com o objetivo de medir o impacto da campanha no público alvo. São conceitos que
estão intimamente ligados, já que possuem a característica de buscar uma
mensuração da qualidade da publicidade, levando a um maior número de acertos.
Ainda que essa mentalidade esteja menos forte na era digital, muitos profissionais
ainda defendem a ideia sustentada por David Ogilvy.
Teste tudo. A palavra mais importante no vocabulário da publicidade é TESTE. Se você pré-testar o seu produto com consumidor e pré-testar sua publicidade, terá sucesso no mercado… Nunca pare de testar e sua publicidade nunca parará de melhorar. (OGILVY, 2001, p. 102)
Para Ogilvy (2001), a pesquisa é fundamental para o direcionamento do tom
que a comunicação deve explorar. É através dela que o publicitário tem contato com
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informações importantes, mas que não foram pontuadas pelo cliente ou pelo
atendimento.
Alex Periscinoto é outro publicitário que enfatiza a importância da pesquisa e
dos testes. Para ele (1995), essas são técnicas essenciais na identificação dos
vazios do consumidor que devem ser preenchidos pela publicidade. Muitas vezes,
são observações que estão escondidas na sociedade e que não são perceptíveis
sem que, antes, seja realizada uma observação minuciosa e técnica. Mas, como
explica Ogilvy (2001), sem a pesquisa e a realização do pré-teste, a agência pode
cair no erro de não entender o mercado, os concorrentes e os consumidores. Assim,
a comunicação torna-se uma peça bonita, talvez até criativa, mas sem conteúdo
relevante e que não causa impacto ao consumidor.
As pesquisas são a base para o planejamento, departamento em franca
expansão nas grandes agências publicitárias. As duplas de criação estão cedendo
espaço a equipes formadas por diversos profissionais, dentre eles o planejador.
Para Ogilvy (2001), as pesquisas são importantíssimas desde o início do processo
criativo. Assim, o planejador deve sempre trabalhar juntamente das duplas criativas,
buscando auxiliá-las e atuando como um aliado da publicidade (SEIDL, 2012). Na
Almap, a pesquisa criativa em parceria com o planejamento foi implantada por Alan
Grabowsky, “com a intenção de ajudar a criação a quebrar as pedras com mais
facilidade, ou seja, a encontrar a solução criativa de uma maneira mais fácil”
(PERISCINOTO, 1995, p. 126).
Na maioria das agências, as pesquisas são encaminhadas ao setor de
planejamento, que desenvolve um conceito para a marca ou para a campanha e
orienta o tom de comunicação que deve ser seguido pela equipe criativa. Para Alex
Vendrametto, planejador da agência Território Comportamental, a maior mudança
dos últimos 20 anos na publicidade foi “a voz ativa do planejamento dentro do
processo criativo dentro das agências. Antigamente, as ideias nasciam e iam direto
do briefing para a criação. E, hoje em dia, as ideias vão do briefing para o
planejamento [e, de lá,] para a criação” (VENDRAMETTO, 2012).
Esse relacionamento entre planejamento e criação, contudo, é muito delicado.
Em alguns casos, o departamento de planejamento acaba atuando como limitador
da criatividade, quando, na verdade, deveria orientá-la. Segundo Fabio Seidl (2012),
o planejamento tem como função trazer à tona aspectos que não estavam sendo
observados pela criação, tanto a respeito do consumidor quanto sobre a marca.
40
Dessa maneira, os criativos teriam mais opções de abordagens, possibilitando a
resolução do problema através de um modo mais inovador.
Um dos motivos do conflito que pode existir entre as áreas é o próprio
aspecto técnico de cada uma delas. “O planejamento criativo é mais pragmático, é
mais focado em estratégia. Muito mais focado em estratégia e muito menos livre
nesses sentidos, enquanto a criação publicitária é mais livre, pensa nas ideias”
(RODRIGUES, Caule, 2012). Contudo, cada vez mais, essas disputas vêm sendo
colocadas de lado para que seja alcançado um resultado satisfatório para o cliente.
Em algumas agências, inclusive, “o planejamento vem substituindo a criação,
ou pelo menos uma parte do papel da criação” (SCARTOZZONI, 2012). Bruno
Scartozzoni (2012), planejador, explica que é cada vez mais comum que os
planejadores participem de reuniões de briefing ou de brainstorm, exercendo papel
fundamental no desenvolvimento do conceito inicial. Essa nova formação está cada
vez mais frequente nas agências de publicidade, ainda que não represente um
marco para a extinção das equipes criativas.
3.2 As mudanças na publicidade brasileira a partir do aumento da interação social e tecnológica
A publicidade faz uso das mídias que estão à sua disposição. Quando a
internet chegou, a transformação que ela provocou no mercado publicitário foi
imensa e os publicitários precisaram se adaptar a esse novo meio.
[...] quando a comunicação começou a sair do rádio e a televisão foi chegando, a televisão diminuiu o valor do rádio e da mídia impressa. A televisão foi assumindo esse ponto vital da comunicação. Então o rádio, a imprensa, a peça gráfica e agora a internet, que é uma coisa super nova, que os profissionais estão se formando ainda pra essa área. É um veículo cheirando a novo. Até agora não se domina esse meio maravilhoso. (RODRIGUES, Adão apud RODRIGUES, Adão; RODRIGUES, Caule. 2012).
Entretanto, a internet não é um meio estático. Isso porque é mais que uma
mídia. Com o seu surgimento, foram quebrados paradigmas, trazendo mais
dinamismo à comunicação. “A internet tem 10, 12 anos e ela já se transformou
centenas de vezes” (RODRIGUES, Caule apud RODRIGUES, Adão; RODRIGUES,
Caule. 2012). Ela é uma mídia que, por natureza, está em constante mudança. Com
41
a sua dinamicidade, faz-se necessário que o publicitário se adapte rapidamente, de
acordo com as novidades que surgem.
[a internet] impactou demais a publicidade e até hoje a gente está vivendo uma adaptação dessa transformação. Eu não acho que a gente está pronto. A gente está no meio da transformação, as coisas estão acontecendo em um ritmo muito rápido, você tem que se virar para acompanhar. (MORETZSHON, 2012).
Val Sammarone (2012) destacou a praticidade da internet no momento da
pesquisa de referências. Para a diretora de arte, esse meio permite que o publicitário
tenha acesso a tudo o tempo inteiro. Dessa maneira, o trabalho torna-se facilitado, já
que agora não demanda a pesquisa em livros, o deslocamento até grandes
bibliotecas.
Adão Rodrigues (RODRIGUES, Adão apud RODRIGUES, Adão;
RODRIGUES, Caule. 2012) faz uma observação sobre o alcance da internet: “a
coisa mais legal da web, que a televisão nunca vai chegar, é a interatividade”. A
internet tem a capacidade de reunir pessoas fora do espaço e do tempo. Não é
preciso que uma conversa seja ao vivo, embora esse contato possa acontecer
quase instantaneamente. E muito menos é necessário estar próximo à outra pessoa,
já que a comunicação não acontece somente no meio físico. Com essas
características, a internet cria um novo meio de se relacionar, tanto entre pessoas
quanto entre pessoas e marcas.
Uma grande transformação trazida pelo advento da internet foi o
desenvolvimento das redes sociais. Seja para fins pessoais – como, por exemplo, no
Facebook – profissionais – LinkedIn – ou outros mais específicos – como acontece
no Scribd, rede social para discussão sobre livros – as pessoas estão cada vez mais
conectadas através de sites e portais desenvolvidos com foco na interação.
Segundo Fabio Seidl,
a entrada das redes sociais foi brutal para a publicidade. Mudou tudo, mudou até o que a gente achava que era a internet. Quando a gente começou a criar para internet, a gente achava que o futuro iam ser sites maravilhosos e incríveis. E agora a gente está vendo que está tudo migrando para um outro lado. Que é atuar mais onde o público está, que são as redes sociais. (SEIDL, 2012)
42
Atualmente, a grande maioria das empresas atua não somente na mídia
impressa, eletrônica, externa ou até mesmo na internet. Elas procuram estar mais
próximas do consumidor através do uso das redes sociais e de canais interativos.
Essa maior interação provoca mudanças no modo como as marcas se
relacionam com os clientes, alterando, inclusive, o processo criativo envolvido. Como
diz Gregório Reis (2012), “essa conversa sobre o crowdsourcing muda tudo”.
Crouwdsourcing pode ser traduzido como “provimento pelas multidões”. Na prática,
é o desenvolvimento de uma plataforma colaborativa, através da qual os clientes
ajudam no desenvolvimento de um novo produto, uma nova campanha ou um novo
conceito.
Um dos maiores cases de sucesso em crowdsourcing é o caso do Fiat Mio.
Em 2009, a Fiat decidiu convidar a comunidade virtual para o desenvolvimento do
seu carro conceito, que seria apresentado no Salão do Automóvel. Com o objetivo
de construir um carro do futuro, foram coletadas sugestões de usuários,
contabilizando mais de 11 mil ideias enviadas por mais de 17 mil participantes de
160 países. Além do estreitamento de laços entre a Fiat e os seus consumidores, a
empresa, hoje, possui muito mais informações sobre os anseios dos seus clientes.
Com o aumento do uso da colaboração, tanto as empresas quanto as
agências perceberam que as ideias podem vir de qualquer lugar. Segundo Filipe
Alonso (2012), “a gente consegue pegar problemas que vão um pouco além da
comunicação montando uma equipe disciplinar que não é fixa, por exemplo”. Essa
mudança, porém, pode ter aspectos positivos ou negativos. Zico Farina (2012)
ressalta que, com uma equipe diversificada, o publicitário se alimenta de um número
maior de fontes de pensamento. Porém, a nova configuração pode ser responsável
por tirar a autoridade criativa do departamento de criação. É importante, então,
reconhecer que “[a ideia] pode vir tanto da criação quanto de qualquer outro
departamento” (FARINA, 2012), mas que, normalmente, é a equipe de criação a
responsável por dar a forma final à campanha.
Além de uma equipe multidisciplinar, é importante que os próprios
publicitários cultivem interesses diferentes. Menna Barreto, em 1982, já defendia a
ideia de que uma pessoa criativa é uma pessoa não especialista. Isso porque, ao
conhecer sobre diversos assuntos, o seu repertório é mais amplo, tornando mais
fácil chegar ao conceito criativo. Como diz Erick Rosa:
43
o cara tem que saber fazer um título, tem que saber fazer um roteiro. Mas eu acho que o jovem tem que saber que a época do especialista, do cara que é só redator, que fazia só título, “ah, o cara faz excelentes títulos”, faz, mas tem que saber fazer outras coisas também. (ROSA, 2012)
Hoje, é muito mais importante ter uma equipe multidisciplinar composta por
não especialistas. Isso porque, com a junção dos vários conhecimentos adquiridos
por cada um, é possível alcançar uma resposta mais criativa e inovadora. Afinal, as
agências não se contentam mais em entregar uma peça ou campanha publicitária.
Hoje, elas querem entregar uma solução de comunicação completa para o cliente.
Essa mudança interfere, principalmente, nos processos criativos, que passam a
acontecer de maneiras ainda mais variadas.
44
4 A CRIAÇÃO E O PROCESSO CRIATIVO NO SÉCULO XXI
A palavra "criatividade" vem da capacidade de criar, de inventar. Dentro das
agências, a criatividade é constante em todas as áreas, mas é mais perceptível, sem
dúvida, entre os diretores de criação, redatores e diretores de arte, o chamado
"pessoal da criação".
Essa capacidade de criar não é sempre espontânea e involuntária. Para que
as campanhas publicitárias sejam inovadoras, engraçadas, sentimentais ou
convencionais, elas exigem domínio do processo criativo. Com a intenção de saber
o que é esse processo criativo, como ele acontece e se há um padrão, foram feitas
entrevistas com profissionais criativos de agências mineiras e paulistas.
Conforme foi estudado nos dois primeiros capítulos, a publicidade passou por
grandes mudanças até alcançar a sua configuração atual. Essas mudanças
interferiram diretamente no processo criativo individual de alguns profissionais
entrevistados. Adão Rodrigues (2012), por exemplo, é um dos profissionais que
ressaltam as mudanças entre a criação nos anos 1970 e a atual. Ele diz que hoje a
criação ficou muito mais fácil devido ao maior uso do computador, que também foi
apontado por Val Sammarone (2012), proprietária de um escritório de criação em
São Paulo, como um elemento que facilita a pesquisa por referências e interfere no
processo criativo individual e das agências.
Os computadores facilitam o processo criativo, mas nem sempre possibilitam
que o profissional crie com tanta liberdade. Por isso, Sammarone (2012) conta que
ainda faz rafes e, só depois da ideia pronta, é que vai para os programas gráficos.
Já Gregório Reis (2012), professor de criação publicitária da PUC Minas, faz
um recorte na análise das mudanças que vieram com o uso da internet. Segundo
ele, uma das maiores mudanças é o aparecimento do crowdsourcing. O assunto,
que foi abordado no segundo capítulo, influencia diretamente a forma de criar. Hoje,
pessoas do mundo inteiro conseguem colaborar para um trabalho com um custo
relativamente baixo, aumentando de forma significativa as possibilidades de criação
e alterando todo o método.
Outro aspecto que pode influenciar o processo criativo, de acordo com os
entrevistados, é o contato com o cliente. Eles acreditam que esse contato inicial é
importante para o desenvolvimento de uma campanha mais assertiva. Cris Cortez
(2012), diretora de criação da Lápis Raro, diz que até mesmo o contato informal é
45
importante, pois assim é possível conhecer mais do universo do cliente e do público
alvo. “O contato com o cliente é fundamental. Não só nessa parte formal, de pegar
briefing, de apresentar campanha. Mas, às vezes, em reuniões mais informais
também.” (CORTEZ, 2012)
Caule Rodrigues (2012), supervisor de criação da Pro Brasil, é outro
publicitário que acredita que essa proximidade é de suma importância para um
melhor entendimento das necessidades do cliente. "É preciso você enxergar a
empresa de fora pra dentro, mas é preciso também enxergar a empresa de dentro
pra fora."
Alex Vendrametto (2012), planner da Território Comportamental, acredita no
contato com o cliente, mas faz algumas ressalvas. Segundo ele,
Nos briefings mais complexos que é necessário ter uma imersão maior no cliente, ajuda muito esse contato direto com o cliente. E nesses briefings mais tranquilos, que a gente chama de briefing de dia a dia, que são clientes que às vezes já estão na casa, são clientes antigos, pra gente é até melhor nem ir nessas reuniões de briefing porque acaba otimizando mais nosso tempo dentro da agência. (VENDRAMETTO, 2012).
Os clientes também interferem de outra maneira no processo criativo, uma
vez que alguns deles possuem mais potencial, verba ou planejamento de marca.
Para Erick Rosa, redator da JWT, as campanhas que recebem prêmios têm
processos criativos semelhantes às campanhas “comuns”. O que acontece é que,
muitas vezes, alguns clientes têm mais potencial, por impactarem de maneira
diferente o consumidor. Ele cita, como exemplo, a Anistia Internacional, cliente da
Leo Burnett de Lisboa. Como o cliente trabalha em uma área tocante, com um
grande histórico de prêmios, o criativo que está responsável pela conta se empenha
em fazer uma campanha diferenciada. Já, por exemplo, no caso de sabão em pó, o
criativo precisa se ater às vantagens do produto e, por isso, a campanha acaba não
sendo tão impactante.
A área de planejamento de uma agência tem participado cada vez mais
ativamente do processo criativo. Fábio Seidl (2012), diretor de criação da Ogilvy and
Mather, defende a área de planejamento dentro do processo criativo, dizendo que
esse setor pode ser importante para fornecer detalhes e informações essenciais.
Para Fábio, “planejamento sempre deve ser um aliado da criatividade.” (SEIDL,
46
2012). Val Sammarone (2012) explica que, hoje em dia, o planejamento dá base
para o processo criativo, sendo responsável pela pesquisa e pela estratégia. Já a
criação se responsabiliza pela parte criativa em si. O diretor de arte, o redator e o
planejamento trabalham juntos. Eles recebem o briefing, pesquisam sobre o cliente e
aprofundam essa pesquisa antes de partirem para o brainstorming e a criação
efetiva.
O planejamento vem crescendo tanto que, segundo Bruno Scartozzoni
(2012), planner e professor da ESPM, acaba por assumir papeis que não são
competências da área, como a direção de criação. "Venho observando nesse tempo
que em muitas agências o planejamento vem substituindo a criação, ou pelo menos,
uma parte do papel da criação” (SCARTOZZONI, 2012). Por um lado isso pode
acabar sobrecarregando o planejamento, levando a resultados menos satisfatórios.
Por outro, essa mudança é positiva, uma vez que proporciona um pensamento mais
integrado entre as áreas durante o processo criativo.
A integração entre as áreas é facilitada quando existe um trabalho em equipe
sendo realizado durante todo o processo. André Almeida (2012a), redator da
AlmapBBDO, Arthur Petrillo (2012), diretor de arte da R/GA, Pedro Cavalcanti
(2012), redator da AlmapBBDO, e Ricardo Petnys (2012), redator da TUTU, são
alguns dos criativos que ressaltam essa importância. Ricardo Petnys (2012)
argumenta que sempre tenta absorver o máximo do que as outras áreas da agência
podem passar para ele. André Almeida (2012a) também acredita que é muito
importante saber trabalhar com outras pessoas. Segundo o redator, existem
pessoas que trabalham bem sozinhas, mas esse não é o caso dele. Tanto ele
quanto Pedro Cavalcanti (2012) defendem, principalmente, o trabalho em duplas de
criação. “Trabalhar em dupla é sempre importante. Você ouvir e somar ao invés de
cortar” (CAVALCANTI, 2012).
Arthur Petrillo (2012) vê também essa integração como uma das maneiras de
pular etapas durante o processo criativo. Ele defende que as ideias podem vir de
qualquer profissional e não só da dupla de criação. “A ideia pode vir de um
programador, ela pode vir de um atendimento, ela pode vir de um diretor de arte ou
um redator. Mas eu acho que assim, quando você trabalha junto, as coisas saem,
elas fluem bem mais rápido” (PETRILLO, 2012).
Durante as entrevistas, os depoimentos de dois publicitários instigaram a
questão da agência interferir ou não em um processo criativo. André Almeida
47
(2012a), quando questionado sobre essa interferência, diz que o processo é muito
pessoal e que a agência não muda o seu jeito de trabalhar. O redator diz que o
resultado final é diferente, mas o processo para chegar até ele é sempre o mesmo.
Já Rodrigo Bergel (2012), redator da NEOGAMA/BBH, acredita que o processo
criativo varia entre as agências. “Algumas agências têm seu próprio DNA.
Dependendo da agência em que você está, algumas áreas tem mais poder ou
menos poder” (BERGEL, 2012). Assim, o modo como o profissional de criação se
insere em cada agência, também altera a maneira como ele trabalha e desenvolve o
seu processo criativo.
Por fim, a maneira de se criar pode sofrer interferência do mercado em que o
profissional está atuando. Quando indagado sobre a diferença entre a criação em
Lisboa e em São Paulo, por exemplo, Erick Rosa (2012), diretor de criação da JWT,
conta que, na Leo Burnett Lisboa, o processo criativo era mais solto e livre. Ele
justifica essa diferença pelo tamanho da agência: a JWT de São Paulo possui cerca
de 300, 400 funcionários, enquanto a Leo Burnett Lisboa, 45. Além disso, Lisboa não
é o centro da propaganda na Europa, enquanto São Paulo é o centro brasileiro, o
que faz com que o mercado seja mais exigente e os profissionais sejam
pressionados a conseguir mais resultados positivos.
4.1 Os processos criativos, suas diferenças e semelhanças
Todos os fatores estudados no início do terceiro capítulo interferem no
processo criativo de cada publicitário. Nick Fenn, citado por Felipe Turlão (2011) no
artigo “Conheça os cinco perfis de criativos“ da Meio & Mensagem, edição Agosto de
2011, defende a ideia de que esses tópicos moldam 5 tipos diferentes de perfis
dentre os criativos.
Essa pesquisa realizada pela Creative Creatures foi desenvolvida a partir da
observação do comportamento das pessoas durante o processo criativo. Após as
análises, Nick Fenn observou que existe uma subdivisão entre estimuladores
(stimulators), reconhecedores (spoters), escultores (scuptures), selecionadores
(selectors) e apoiadores (suporters). “O processo criativo só vai pra frente se cada
um entender o seu papel nele, de acordo com o perfil que possui” (TURLÃO, 2011).
Os estimuladores são as pessoas que procuram ideias em várias fontes e
acabam desenvolvendo as suas próprias. Elas têm como característica serem as
48
primeiras a descobrir as coisas. O exemplo apontado é o de Francesc Petit,
fundador da DPZ.
Já os reconhecedores fazem conexões intuitivas a partir do processamento
de diversas informações e ideias. Ken Fujioka, vice-presidente da Loducca, é
considerado um reconhecedor.
Os escultores, por sua vez, são contadores de história. Transformando as
ideias e conceitos em resultados concretos e tangíveis. Para isso, eles se utilizam de
palavras e imagens. O sócio presidente e diretor de criação da AlmapBBDO,
Marcello Serpa, é um exemplo.
Os selecionadores são aqueles responsáveis por separar o que é bom do que
é ruim. Eles têm como característica a tranquilidade diante de várias ideias,
considerando as implicações de cada uma, e decidindo o rumo que a criação deve
tomar. O presidente e CEO do grupo ABC, Guga Valente, é considerado um
selecionador.
Por fim, os apoiadores dão suporte às ideias, facilitando a sua realização. O
processo criativo torna-se mais fácil, uma vez que eles reconhecem as habilidades
de cada integrante do grupo. Um exemplo dessa categoria é Alex Periscinoto,
fundador da AlmapBBDO.
Os profissionais entrevistados se encaixam em algum desses perfis, ou
combinam mais de um para desenvolver o seu processo criativo. Apesar de Nick
Fenn (FENN apud TURLÃO, 2011) defender a ideia de que os criativos são
separados por perfis, Renata Alencar2 estuda os processos criativos a partir de outra
perspectiva. Segundo a pesquisadora, a maneira de se criar é um caminho de uma
natureza sensível e intelectual, mas passa por etapas semelhantes,
independentemente do profissional e do cliente. Em palestra apresentada em 2012,
Alencar explicou seis fases do processo criativo. Segundo ela, inicialmente, os
profissionais passam por uma fase de apreensão. Nesse momento, eles ficam
inseguros diante de um briefing ainda não solucionado. Depois, eles passam por
uma fase de preparação, quando mergulham no mundo do cliente, pensando nas
possibilidades e nos recursos técnicos necessários e disponíveis. Essa também é a
fase da pesquisa de referências. Logo após, acontece a fase de incubação, uma
etapa descrita como angustiante por Renata Alencar (2012), uma vez que acontece
2 Palestra proferida por Renata Alencar no Tio Flávio Cultural, Belo Horizonte, 05 set. 2012.
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o relaxamento dos sensores da inteligência e, muitas vezes, os profissionais
acreditam que não conseguirão solucionar o briefing. Então, vem a fase de
iluminação ou insight criativo, que é quando a ideia acontece. Por fim, os
profissionais passam pelas fases de verificação e comunicação, executando as
ideias e as inserindo na sociedade.
Durantes as entrevistas, dois profissionais também defenderam a ideia de que
a criação é dividida em fases. Alex Vendramentto (2012) é um dos que tem uma
ordem no seu processo criativo.
Então, eu gosto de trabalhar com três fases. Primeiro é uma fase de imersão, de pesquisa, que eu acho fundamental. Depois é a fase do processo criativo, aí eu acho que a primeira etapa é ter ideias sem filtro, e depois, a segunda etapa é colocar um filtro exequível nessas ideias, porque na hora que forem executadas, precisam parar em pé. Eu acho que um grande risco da criação, às vezes é isso, é ter ideias incríveis, mas depois, na hora de executar, elas não funcionam. Então eu costumo trabalhar com essas fases. (VENDRAMENTTO, 2012).
Cris Cortez (2012) também divide seu processo em fases, mas,
diferentemente de Alex Vendrametto (2012), ela cria em quatro etapas.
Tem quatro etapas importantes no processo de criação. Uma quando você ouve o problema e você tem a intuição. Você tem mais ou menos uma solução na cabeça, você tem uma primeira impressão, o que você acha que pode ser, uma primeira solução que não pode ser desprezada. Porque essa que vem pela intuição, muitas vezes tem uma verdade nela. Depois dessa parte, vem a informação. E nisso o Planejamento ajuda demais. É internet, redes sociais, essa pesquisa pessoal. Não só pesquisa formal, de instituto de pesquisa, mas a pesquisa pessoal, você vai em campo, ver de perto o cliente, ver o dia-a-dia, essa parte é importante. Depois vem a incubação. E a incubação é a parte mais angustiante do processo criativo. Porque é aquela parte em que você acha que você não vai ter uma nova ideia, que você é uma farsa. E que você enganou todo mundo até aquele momento, mas que agora você vai ser descoberto. E aí vem a parte do sofrimento que é inerente ao processo criativo, que é quando vai te levar um passo além. Depois desse processo vem a inspiração, que parece que é a parte fácil, a parte que vem dos deuses, de algum lugar que ninguém sabe explicar, mas que vem depois, normalmente, pras pessoas comuns no mundo, pelo menos, vem depois dessas outras três fases. Isso varia o tempo, até porque você tem um prazo pra cumprir, mas não tem muito como você pular essas etapas não. Quanto mais informação você tem, mais fácil esse processo. Esse processo de incubação às vezes pode ser mais angustiante porque a informação é tiro pra todo lado. A parte de incubação é a hora em que você vai ficar lá no casulo um pouco
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vendo o que é importante, separando o que não presta, o que não é importante, pra depois você chegar na inspiração, você chegar na ideia que é uma ideia original, dizer o que o cliente quer dizer de uma forma que nunca foi dita. Eu acho que esse é o mesmo processo pra qualquer pessoa. (CORTEZ, 2012)
Essa forma de se explicar o processo criativo foi vista de maneira diferente
pelos outros 18 entrevistados pelo grupo, que enxergam a criação a partir de outra
perspectiva. Ruy Lindenberg (2012), vice-presidente de criação da Leo Burnett de
São Paulo, exemplifica dois modos pelos quais criou campanhas memoráveis.
Segundo Ruy Lindenberg, normalmente, um bom trabalho de criação provém de
muito esforço para que a ideia certa seja encontrada e, depois disso, trabalhada,
aprovada e produzida, além de contar com a sorte para que tal ideia emplaque. Para
exemplificar essa visão, Lindenberg cita a campanha "Bonita Camisa, Fernandinho",
que foi de difícil elaboração e execução. Mas afirma que é possível ter um insight
criativo em um curto espaço de tempo ao citar a campanha “Tem gente achando que
você é analfabeto e você nem desconfia”, criada rapidamente.
Ter uma ideia eficiente de forma rápida é um processo raro. Por isso, o
profissional não pode contar com isso em todos os jobs que desenvolve. Pedro
Cavalcanti (2012) acredita que o processo criativo vem da transpiração, “Isso de ‘ah,
tive uma inspiração e uma ideia‘“ pode acontecer, mas uma vez ou outra. Cacate
Almeida (2012), diretora de arte autônoma, concorda que uma solução criativa não é
um processo iluminado, que acontece de forma espontânea. Ela cita que o seu
exercício é ler e reler o briefing, buscando identificar e analisar o problema da melhor
maneira possível. Para isso, ela busca referências nem sempre relacionadas à
campanha. “Eu busco referência, mas eu abro completamente o leque, eu vejo
qualquer coisa, mas, eu preciso me alimentar" (ALMEIDA, Cacate, 2012).
Gregório Reis (2012), por sua vez, acredita que uma ideia criativa se alimenta
de referências e observações, e não de inspiração. Para criar, ele passa muito
tempo pesquisando. Segundo o professor, ele divide o tempo que possui para
realizar o job em 70% de pesquisa e 30% de execução. É essa pesquisa que,
segundo ele, traz a inspiração.
Às vezes, o processo de pesquisa me ajuda, inclusive, a chegar em um resultado puramente artístico. Às vezes, eu faço sete dias de pesquisa e percebo que nada daquilo vai funcionar para a comunicação, e surge uma outra ideia para este processo. Eu tento
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modificar, direcionar o trabalho para as coisas que eu conheço, para os assuntos e as técnicas que eu conheço. Então, por exemplo, se algum dia eu aprender serigrafia super bem, eu vou incluir isso no meu processo criativo. Eu conheço muito do mundo da música, por exemplo, então eu trago muita referência da música para o meu processo criativo. Eu acho que é uma mistura de pesquisa e de potencializar os seus talentos visuais como artista criativo. (REIS, 2012).
Muitas vezes o processo de pesquisa se inicia no próprio briefing. Val
Sammarone (2012) diz que um briefing bem feito é o primeiro passo para um
resultado positivo, já que faz com que o criativo tenha um bom conhecimento sobre
o cliente e inicie uma boa pesquisa, começando, assim, a criar uma base para o
trabalho. Após essa pesquisa inicial, começam os esforços da criação para separar
o que é relevante e o que já foi criado. "Então o que realmente é importante e o que
realmente é novidade? Isso é o mais bacana pra você apresentar pro cliente,
sempre a busca pelo novo" (SAMMARONE, 2012).
Essa busca por soluções diferentes também é destacada por André Almeida
(2012b). “Eu tenho um processo claro, sempre tive. E uma coisa que eu sempre faço
é pesquisar o que já foi feito para o mesmo briefing. Não só pela óbvia razão de
conhecer o que existe para não fazer nada igual” (ALMEIDA, André. 2012b).
Zico Farina (2012) também começa o seu processo no briefing. A partir dele,
mergulha no mundo do cliente.
Se é uma campanha sobre cerveja preciso mergulhar no mundo de cerveja, entender não só a marca dele, mas, principalmente, entender quais são as outras marcas, poder avaliar. O meu processo de criação vai muito de investigação, de estudo mesmo. Quanto mais eu souber do universo dessa marca, desse produto, eu vou ter como comparar e buscar saídas estratégicas e criativas pra poder apresentar pro cara. (FARINA, 2012).
Depois de ler o briefing e pesquisar, ele gosta de sentar em um lugar tranquilo
e silencioso com o planejamento, dupla de criação ou grupo envolvido, e conversar
sobre tudo o que foi pensado pela criação, do que foi proposto.
O processo de Filipe Alonso (2012), diretor de arte da Popcorn, também
consiste em se cercar de referências e pesquisar sobre o assunto em questão.
O meu processo criativo, não só para cá, mas também para os meus trabalhos pessoais é tentar me cercar de referências. Você começa
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pesquisando sobre o assunto e vai formando uma estrela de referências. Você começa a procurar coisas parecidas, áreas afins daquele assunto: se você pesquisa sobre panelas, tem que pesquisar sobre “Bombril” também, ou o óleo que você vai usar na panela. Então acaba que a pesquisa começa a ir se abrindo e, no final, você começa a mapear, pelo menos eu faço assim, alguns pontos que eu acho importantes nesta espiral e depois eu começo a fazer outro processo de selecionar e processar aquilo e tentar enxergar aquele conjunto com uma perspectiva diferente. Tem umas coisas que eu tento me colocar como a pessoa que vai ver o que está sendo criado, em outras, eu tenho que pesquisar. É um negócio meio... Começa de um ponto e vai abrindo, toma caminhos muito diversos, não tem um formato específico. Tem uma sequência, mas o processo mesmo não tem um formato específico. Isso até que eu e as pessoas que trabalham comigo consideremos um trabalho adequado, com um formato adequado. Pode demorar dias ou ser um trabalho de estalo, sabe? Porque, às vezes, são referências que você já tem acumuladas de outros trabalhos que você já fez, ou que você viu na rua, ou um bordão que alguém falou. São coisas muito diversas que vão culminar naquilo. (ALONSO, 2012).
Filipe Alonso (2012) cita que procura se colocar no lugar do público alvo.
Fábio Seidl (2012) também segue esse processo.
Então, eu fico sempre tentando me distanciar e pensar com a cabeça desse cara, que vai ligar a televisão e vai abrir a revista, entrar na internet e dizer ‘Tá, o que vocês têm pra me dizer?’ E se ele tá entendendo aquilo, se aquilo tá fácil, se aquilo é divertido, se emociona, se faz alguém ter vontade de comprar. (SEIDL, 2012).
Rodrigo Bergel (2012) também utiliza esse truque. Na campanha antifumo
que desenvolveu para a Adesf, ele conta que
A gente não fuma, mas tem que se colocar quando está fazendo a campanha como se a gente fumasse. Então, tem que viver aquele público como se a gente fosse ele mesmo. Se a gente não se coloca no lugar do cara que vai ser atingido por aquilo, a gente não consegue criar pra ele. (BERGEL, 2012).
Para se colocar no lugar do consumidor, os criativos buscam referências na
rua e nas experiências pessoais. Para Caule Rodrigues (2012), além dos anuários
de propaganda e das fontes tradicionais de referências, o mais importante é a
vivência do dia a dia.
O referencial é o boteco, é a conversa na rua, é sentir alguma coisa. Por exemplo, atender varejo, como a gente atende - a Ricardo Eletro.
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Ir lá pra uma loja e ver aquelas senhoras ali, naquele dia quente, disputando a tapas uma oferta é de uma riqueza, um dia de loja é dois anos de campanha criada e com o sucesso quase garantido. Então, esse tipo de olhar sobre as coisas referenciais pode não ser útil naquele momento, mas ela vai ser muito útil no processo criativo, então, tudo é referência. (RODRIGUES, Caule. 2012)
Fábio Seidl (2012) acha que boa parte das coisas que ele cria e gosta vêm de
suas experiências pessoais.
Desde coisas que eu vivi e achei divertidas e engraçadas ou algum filme que eu vi e me divertiu, até alguma exposição que eu fui ou alguma viagem que eu fiz. Minha primeira gaveta é sempre minha experiência pessoal. Eu me lembro de coisas que eu fiz que foram importantes pra mim e tento transformar aquilo em publicidade. Mas eu procuro em coisas diferentes, que não são de publicidade. Eu sei que hoje está muito fácil você ter acesso a referências de publicidade e o que eu procuro fazer é sempre pensar em outras coisas, outros caminhos, outras manifestações de criatividade que não são a publicidade. (SEIDL, 2012)
Segundo Erick Rosa (2012), é importante que a equipe de criação tenha
contato com as ruas, com o ambiente do consumidor. Por isso, ele costuma sair com
a equipe para bares, onde esse contato é mais fácil. “Em relação ao processo, às
vezes eu gosto de pegar uma equipe, sair da agência e ir para um bar” (ROSA,
2012).
Luciana Moretzsohn (2012), diretora de criação da 18 Comunicação, fala que
não é do tipo de pessoa que, logo após ler um briefing, fica sentada procurando ter
alguma ideia. Ela gosta de levantar, sair, pensar em outras coisas. “Aí na hora que
eu sento, vem alguma coisa e eu já faço. E aí você começa a aprimorar aquilo ali”
(MORETZSOHN, 2012).
Ela ainda diz que o processo é um pouco instintivo. “(...) você fez alguma
coisa ali que você sentiu que é bacana, que aquilo te tocou ali, que tem uma ideia
legal por trás, você percebe e começa a aprimorar aquilo ali e acaba dando certo”
(MORETZSOHN, 2012). Além disso, Moretzsohn (2012) fala que isso de ter uma
ideia no meio da noite ou no final de semana e ficar horas livres trabalhando nela
acontece bastante.
Ela também comenta sobre o profissional ver o processo criativo como um
desafio. “[...] Eu não quero fazer alguma coisa que eu já sei, traduzir uma referência,
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alguma coisa que eu vi, às vezes, você precisa se ausentar” (MORETZSOHN,
2012). Para Luciana Moretzsohn (2012), buscar o novo não é uma coisa fácil.
André Almeida (2012b) também vê o processo criativo como um desafio a ser
vencido.
Eu vejo alguém que fez algo do caralho para o mesmo briefing que está na minha mesa e aí, eu penso: "Se esse cara consegue, eu também consigo". E eu tenho que conseguir. Vira uma questão de honra. Então, isso faz parte do meu processo. Quando estou travado e descontente com todas as ideias que coloquei no papel, preciso ver algo bom já feito. E quando encontro, bum! Começo a ter ideias boas. É como se tivesse ligado o turbo. (ALMEIDA, André. 2012b).
Uma das fontes de referência pode ser, inclusive, o próprio produto e seus
diferenciais. Ricardo Petnys (2012) tenta identificar o que sobressai naquilo que ele
precisa vender.
Eu pergunto “O que completa o seu produto? Qual é o diferencial?” O cara tem na mão vinte produtos iguais, mas por que comprar necessariamente o seu? [...] a comunicação às vezes não é lapidada ao produto em si, mas é bom eu ter uma base porque não dá pra contar uma mentira, né? Isso, na verdade, não sou eu nem que falo, é o óbvio que fala, uma boa campanha só acaba com um produto ruim mais rápido. Mas o que eu faço, normalmente é isso, tento analisar o produto, vejo o produto, finalizar por onde eu posso abordar. É bem por aí, começo a fazer exercício, ou com o diretor de arte, se o diretor de arte não está disponível, eu tento fazer exercício sozinho. Normalmente, tento saber se tem alguma assinatura, um conceito pra facilitar a minha vida, e até direcionar a questão de como eu vou desdobrar isso. Depende do que cai na mão, entendeu? É meio “Cai e vou ver o que vou trabalhar...”, não tem uma regra. Também vou pensar no público que eu tenho que impactar. Tem públicos e públicos, num foco que o público é mais velho, não adianta eu querer inventar uma coisa do outro mundo, o cara não vai entender. Eu sempre trabalho pensando no público que eu vou atingir, não tem como trabalhar sem pensar nesse público. E tentar me colocar no lugar desse consumidor, se eu fosse consumidor por que eu compraria esse produto? Com a minha percepção de consumidor diante do produto, tento fazer tudo em cima, raciocinar em cima disso. (PETNYS, 2012).
Rui Piranda (2012), diretor executivo de criação da Giovanni+Draftfbc, segue
um processo diferenciado para conferir assinatura às marcas que gerencia. Ele
procura transformar a marca em pessoas, simulando relações interpessoais e dando
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personalidade a cada uma delas. Assim, é possível trabalhar vocabulário, padrão de
imagens, cores, repertório, assunto, propósito e, por fim, vender o produto.
Eu acredito em uma coisa e a Giovanni também acredita em uma coisa que é o que faz que eu fique na Giovanni. A gente acredita em marcas relacionais, a gente acredita que as marcas se relacionam com pessoas. E aí como é que eu trabalho, como é que eu absorvo isso? Dentro do processo do meu trabalho eu acabo transformando marca em pessoa. E aí eu tento simular relações interpessoais. Parece complicado, mas não é. Uma marca tem propósitos, uma marca tem valores. E eu tento descobrir por que uma marca acorda de manhã e vai trabalhar. Ela acorda de manhã porque o que ela produz é a mesma coisa que outras empresas produzem. Então, a IBM acorda por uma razão, a HP acorda por outra e a Apple acorda por outra. O que não faz uma ser melhor do que a outra. Só faz ser diferente. E aí as pessoas se relacionam com essas marcas justamente porque elas acordam de manhã por razões diferentes. E eu acho bastante interessante essa história, eu acho essas três marcas icônicas, e acho mais icônico ainda quando eu disse para a minha filha de 19 anos de idade que eu já tinha trabalhado para a IBM e ela perguntou pra mim: "Quem é a IBM?" E eu fiquei absolutamente chocado da minha filha não saber. E a minha filha não é uma tola. Ela não é uma tola, acreditem. E ela não sabia quem era IBM. Ela sabia quem era HP por causa da impressora. Mas HP é muito mais do que uma impressora. Mas ela sabia por causa da impressora. Porque afinal de contas, né, quem é que imprime a Apple? Enfim, transformando marcas em pessoas e sabendo quem elas são, por que elas acordam de manhã e em que elas acreditam, você consegue trabalhar vocabulário, padrão de imagem, cores, repertório, assunto, propósito e, por último, mas não menos importante, vender produto. (PIRANDA, 2012).
Ruy Lindenberg (2012) começa seu processo de criação questionando qual o
principal objetivo e aonde ele deseja chegar. Após esse questionamento, estabelece
o que chama de "caos", que, segundo ele, é o "vale-tudo". Essa fase é um momento
de coleta de todos os dados, ideias e referências que interessam ao criativo.
Então, eu acho que, na verdade, a criação tem que juntar duas coisas. Quer dizer, duas coisas que, teoricamente, não andam juntas: o caos e a objetividade. E eu acho que um pouco do segredo é um pouco isso, como é que você dosa essas coisas, como é que você entra no caos pra tirar coisa interessante, mas sai dele com alguma objetividade, senão também você vai ficar no caos. Se você for só na objetividade, você vai ser provavelmente distante do consumidor, próximo dos problemas, das soluções, do racional e muito longe do emocional [...] (LINDENBERG, 2012).
De acordo com Lindenberg, o mundo é mais emocional. Assim, mesmo que o
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produto seja técnico, o criativo deve explorar o caráter emocional.
Como foi exposto no início do capítulo, muitos dos criativos entrevistados não
veem o processo criativo como único ou padronizado. Para Caule Rodrigues (2012),
a forma de se criar é individual. Às vezes, uma pessoa pode apresentar diferentes
processos. O profissional conta que já criou de formas variadas. Para exemplificar
seu posicionamento, ele menciona que na área de planejamento criativo "o melhor
exercício é olhar a informação e não pensar o senso comum" (RODRIGUES, Caule,
2012). Já no processo de criação de um conceito, ele se baseia nas promessas de
cada marca.
Para Rodrigo Bergel, redator da NEOGAMA/BBH, os processos criativos não
têm regras, mas cada profissional adquire, ao longo de sua experiência,
mecanismos próprios de desenvolvimento de campanhas.
Acho que a criação tem os mecanismos que você vai adquirindo. Ela tem os processos, mas ela não tem regra, né? Então, eu acho que o processo para cada caso é um, o que precisa é trabalhar muito pra chegar numa solução. Mas como você chega até ela, às vezes você nem está na agência, mas está com aquilo presente em você, está pensando naquilo o tempo todo. Às vezes você está na agência o tempo todo e aquilo vem naturalmente, depende do processo. (BERGEL, 2012).
Ele dá como exemplo a campanha Skavurska, desenvolvida para a NET. O
personagem desenvolvido era russo e, no imaginário das pessoas, a Rússia ainda
lembrava a Guerra Fria.
Ficou esse imaginário, que o exercito russo tinha esse papel de ser muito autoritário e a gente quis um personagem que lembrasse um pouco isso, um personagem autoritário que falasse alguma coisa que parecesse russo, e a gente buscou a palavra mais diferente e inusitada. Depois de várias palavras, meu sobrenome é Scazufka, aí a gente mudou um pouquinho e usou Scavurska. (BERGEL, 2012)
Ruy Lindenberg (2012) acredita que não existe um processo definido. O
publicitário aprende e descobre o seu jeito de criar ao longo da sua carreira e dos
trabalhos que realiza.
Erick Rosa (2012) também tenta variar no seu processo criativo. Segundo o
diretor de criação, “não tem nenhuma regra muito clara” (ROSA, 2012). Ele comenta
que é importante ser criativo inclusive no processo, para que os resultados não se
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tornem repetitivos: “é tentar ser criativo até na hora do processo assim, porque se
você começa a seguir sempre a mesma maneira de criar, o perigo é você ficar um
pouco redundante até na hora de criar porque fica tudo um pouco parecido.” (ROSA,
2012).
Alex Vendrametto (2012), André Almeida (2012a), Arthur Petrillo (2012), Fábio
Seidl (2012), Filipe Alonso (2012), Ricardo Petnys (2012) e Zico Farina (2012)
também concordam com os profissionais acima. Gregório Reis (2012) completa:
Cada profissional tem que desenvolver seu próprio processo, sua própria linha de raciocínio na hora de criar. Seja mais confortável e otimize as qualidade. É importante você perceber qual é a sua maior qualidade como profissional criativo e desenvolver um processo que potencialize essa qualidade. (REIS, 2012).
4.2 Os limites impostos ao processo criativo
Como mencionado no primeiro capítulo, a publicidade interfere na sociedade
e vice-versa. Se o Brasil passa por um período de ditadura, a propaganda também é
censurada. Se é um país livre e democrático, coloca, então, o setor na mesma
página.
Atualmente o Brasil vive um momento de liberdade de expressão. Mas até
que ponto a sociedade é realmente livre? Até que ponto a propaganda pode tentar
romper com os valores socialmente aceitáveis para causar impacto na população?
O Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, órgão
formado pelos próprios profissionais de propaganda, foi criado na década de 1970
para balancear os interesses da publicidade em relação aos valores sociais, fazendo
valer os preceitos básicos da ética publicitária. São tópicos como o dever com a
honestidade e com as leis jurídicas, o senso de responsabilidade social e o respeito
aos concorrentes.
A ética na propaganda tem que ser garantida por todos os profissionais que
nela trabalham. Porém, é o consumidor que, ao se sentir prejudicado, em qualquer
sentido, deve denunciar o anúncio ao Conar, que, a partir daí, pede a suspensão ou
alterações na campanha.
Quanto ao processo criativo, o conselho não é um limitador, porque os
profissionais, na verdade, fazem exercer os valores que já carregam por viver em
sociedade. A definição de certo e errado já está no subconsciente de todos e o
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Conar existe para controlar caso alguém ache uma campanha ofensiva. No entanto,
é fundamental que todos os profissionais de criação conheçam o código de ética do
Conar, que define parâmetros importantes em setores polêmicos da comunicação,
como publicidade de bebidas alcoólicas e de produtos direcionados para o público
infantil.
Para Rui Piranda (2012), o Conar não impede a criação. “Você ama a sua
mãe, ama seu pai porque eles também deram limite. Souberam dar limite. Porque
você também vai culpar a sua mãe e seu pai pelos limites que eles não souberam
dar a você” (PIRANDA, 2012).
Portanto, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária é um
limite, um direcionamento necessário para que a propaganda não fuja dos valores
socialmente aceitos.
Além do Conar, vários outros elementos foram apontados nas entrevistas
como possíveis limitadores do processo criativo. A verba, as pesquisas, o cliente, o
briefing, o planejamento e o tempo foram os principais pontos abordados.
Adão Rodrigues (2012), Luciana Moretzsohn (2012) e Val Sammarone (2012)
são alguns dos profissionais que destacam a verba como limitador. Arthur Petrillo
(2012) diz que
Não dá pra fazer a mesma coisa com 40 mil ou 20 mil reais, do mesmo jeito, existem ideias geniais que gastam mil reais. Mas, quando se tem um briefing, uma coisa a se cumprir, fica mais complicado criar quando se tem pouca verba.” (PETRILLO, 2012).
Zico Farina (2012) comenta que não é necessário trabalhar sempre com
verbas milionárias, mas a qualidade do produto final é afetada quando o capital
investido é muito pequeno.
Antes mesmo da criação ser efetivada, as pesquisas e os testes podem limitar
o processo. Essas informações recebidas podem direcionar os criativos para apenas
uma solução. Mas, em contrapartida, esses estudos podem ser importantes para
coletar informações sobre o cliente, dando um norte ao profissional.
De acordo com Erick Rosa (2012),
Às vezes, complica quando você começa a colocar muitas e muitas formas de teste qualitativos/quantitativos – sem querer desmerecer isso porque muitas vezes, muitos insights, muitas campanhas são salvas ou são corrigidas ou melhoradas por isso. Mas acho que hoje,
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uma das grandes dificuldades é que antes mesmo da gente ter a ideia, já passa por uma série de testes e pré-testes e pós-testes, até mesmo dentro da agência. Às vezes, isso de certa forma coloca grades e cerca a ideia e deixa a ideia um pouco tímida. (ROSA, 2O12).
Zico Farina (2012) completa dizendo que, muitas vezes, os grupos de
pesquisa são formados por consumidores que não estão preparados para analisar
criticamente a campanha em questão. “Na verdade, o grupo de pesquisa serve pra
apontar alguns caminhos, é muito torto, é muito disforme a avaliação final” (FARINA,
2012).
Existe uma discussão sobre o cliente ser um fator limitante, ou não, entre os
profissionais entrevistados. A grande maioria dos que defendem que sim, na
verdade, criticam a dificuldade do cliente em aceitar ideias novas. Segundo Cacate
Almeida (2012), esse é um aspecto que mudou com o tempo. Antes, quando havia
menos ferramentas, havia mais confiança no trabalho do profissional. Hoje, é mais
complicado para os clientes apostarem nas ideias. Cris Cortez (2012) diz ainda que
o que limita a criação no cenário atual é o medo de arriscar. “Eu acho que todo
mundo quer uma ideia original, mas dentro do que já existe” (CORTEZ, 2012). Erick
Rosa (2012) concorda que o cliente tem medo de arriscar e que esse medo
exagerado deve ser deixado de lado.
Rodrigo Bergel (2012) diz que, invariavelmente, é mais difícil convencer o
cliente do que o próprio consumidor. Em contrapartida, ele comenta que há muitos
clientes que entendem a necessidade de apostar no novo, vendo esse caminho
como a melhor solução.
Gergório Reis (2012) tem uma opinião semelhante à de Bergel. Para ele, o
criativo precisa ser sensível o suficiente para entender o cliente. Segundo o
professor, não é por ser conservador que o cliente limita a criação, pelo contrário, às
vezes esse pode ser um estímulo a mais.
Luciana Moretzsohn (2012) apresenta opinião um pouco diferente. Para ela, o
objetivo do publicitário é atender o cliente. Pedro Cavalcanti (2012) concorda com
ela quando diz que “o cliente não é um limitador, é o cliente. Ele tá pedindo, tá
solicitando um trabalho pra agência. [...] você não está livre, é um mercado, é um
negócio” (CAVALCATI, 2012).
O briefing é resultado da relação agência-cliente e, algumas vezes, pode ser
considerado outro fator limitante. Para Val Sammarone (2012), um briefing mal
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estruturado e de difícil compreensão pode acabar limitando o processo criativo.
Fábio Seidl (2012) diz que outras vezes é a interpretação do briefing que leva à
perda de liberdade. Segundo ele, é negativo levar algumas informações ao pé da
letra ou acreditar que todos os dados contidos em uma pesquisa são fundamentais
para a campanha.
Um dos aspectos mais polêmicos sobre a interferência no processo criativo é
a área de planejamento. Enquanto alguns profissionais acreditam que essa área
restringe as possibilidades da criação, outros defendem a ideia de que o
planejamento é apenas um norte a ser seguido.
Bruno Scartozzoni (2012) conta que o planejamento foi criado por volta da
década de 1960, na Inglaterra. Nessa época, a criação possuía alto teor artístico e,
muitas vezes, esquecia-se das demandas do cliente. Para racionalizar a área, foi
criado um subdepartamento do setor de pesquisa, que mais tarde ficou conhecido
como planejamento. Portanto, ele foi criado, de certa forma, para limitar a criação.
Luciana Moretzshon (2012) é outra criativa que concorda com essa visão ao
dizer que, especificamente no caso de planejamento de marca, é preciso se ater às
demandas do cliente. Ainda que seja um fator de restrição, o planejamento muitas
vezes é considerado positivo pelos profissionais, como também já citado no início
desse capítulo.
Erick Rosa (2012) entende que o planejamento é um caminho a ser seguido.
Para Fábio Seidl (2012), “o planejamento não pode nunca limitar a criação. Pelo
contrário, ele tem que trazer sempre coisas que você não estava pensando, não
estava esperando sobre o consumidor e sobre a marca” (SEIDL, 2012). Ele ainda
afirma que o planejamento é essencial para desenvolver a parte estratégica da
campanha. Portanto, “planejamento sempre deve ser um aliado da criatividade”
(SEIDL, 2012).
Pedro Cavalcanti (2012) compartilha dessa opinião:
Um bom planejamento é fundamental, porque quanto mais você define o que você tem que dizer, quanto mais relevante isso é dentro do que você vai dizer; quanto mais eu definir isso, quanto mais isso estiver alinhado com o produto e com as pessoas que vão receber isso, menos esforço eu vou fazer, porque mais dentro do briefing eu vou criar. [...] Então é muito importante essa definição cliente-verba-planejamento e toda a estrutura, toda a base, a inteligência, o direcionamento. Não adianta você colocar um barco no oceano e ver aonde ele vai dar. Você tem um limite, é dentro daquela reta, daquele
61
caminho traçado que você tem que ter as ideias. (CAVALCANTI, 2012).
Dentre todos os aspectos discutidos e questionados, o único que ficou fora de
questionamento e teve conclusão unânime foi o tempo de desenvolvimento e
produção de uma campanha.
Adão Rodrigues (2012) faz um paralelo entre a produção na década de 1970
e hoje, dizendo que, antes, a execução demandava muito tempo, já que os recursos
eram, em sua grande maioria, manuais.
Ainda que, com o avanço tecnológico, a produção tenha sido facilitada, os
criativos ainda encontram barreiras nos prazos. Para Cacate Almeida (2012), esse é
um grande problema no meio publicitário. Zico Farina (2012) concorda com Cacate
(2012) e completa dizendo que, cada vez mais, os prazos de execução são
menores. Essa limitação é agravada, ainda, por existir um sistema de aprovação
mais horizontal no cliente, dificultando a aceitação da campanha.
Por fim, Ricardo Petnys (2012) diz que não se pode esperar que o briefing
venha com um prazo ideal. Afinal, é muito raro ter um bom prazo para desenvolver
as campanhas. Por isso, é importante administrar o tempo, procurando diminuir o
nível de dispersão.
4.3 O desafio da publicidade e propaganda
Analisando todos os limites apresentados nas entrevistas, percebe-se que, na
verdade, eles são próprios da publicidade. É uma atividade que tem como referência
os objetivos do cliente e, por isso, essas restrições sempre vão existir.
Segundo Caule Rodrigues (2012), criar por criar é muito mais prazeroso, mas
não é a realidade encontrada nas agências, além de não ser estratégico, nem
pertinente. Para ele, a criação é uma atividade pragmática e, portanto, ser criativo
com um foco em mente e com uma série de parâmetros a serem cumpridos é o
principal desafio.
Essa opinião é reforçada por Gregório Reis (2012), que diz que o trabalho do
profissional de propaganda é ser criativo, independentemente das circunstâncias.
Ruy Lindenberg (2012), apesar de defender a liberdade durante o processo,
acredita que ela deve ser direcionada a objetivos claros. Caule Rodrigues (2012)
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defende ser essa uma estratégia que, inclusive, proporciona uma maior longevidade
às marcas.
Gregório Reis (2012) menciona que a total liberdade pode ser um grande
limite, afinal, ideias muito interessantes, criadas sem restrições, podem trazer uma
série de problemas técnicos. Para exemplificar, o professor e criativo mostra a
dificuldade encontrada durante o desenvolvimento de uma campanha criada para a
marca de roupas Diesel, enquanto esteve trabalhando na Itália, alegando que a
criatividade quando muito livre, pode se tornar inconsequente.
O caso da Diesel, apontado por Gregório Reis, é apenas um exemplo de
como esses limites não podem ser sempre vistos como negativos. Fabio Seidl
(2012) defende que existem limites bons.
Você saber que às vezes não tem todo dinheiro do mundo pra criar. Isso força você a ter uma ideia mais simples e que chame mais atenção, por exemplo, às vezes você ter um limite de tempo força você a construir coisas mais eficazes e mais simples que também podem funcionar melhor. Dependendo dos limites, conhecendo as regras do jogo, você pode se dar bem. Achar que posso tudo, “a criatividade é um exercício que você pode fazer de tudo”, perde um pouco a graça. (SEIDL, 2012).
Ruy Lindenberg (2012) encara a criatividade como uma superação de
barreiras. É ”quando você faz uma ideia que é ‘desse tamaninho’ valer muito mais
porque você teve um insight interessante” (LINDENBERG, 2012). Ele completa
dizendo que essa inovação pode ser na estratégia de comunicação, na mídia ou na
própria campanha.
Para Pedro Cavalcanti (2012), a questão principal da publicidade é
desenvolver boas ideias dentro da verba e da necessidade do cliente. Caule
Rodrigues (2012) completa, afirmando que “os verdadeiros criativos criam sob
condições limitadoras” (RODRIGUES, Caule. 2012). Afinal, essas condições exigem
mais criatividade, planejamento e estratégia. Extrapolar os limites é a verdadeira
barreira a ser superada pelos criativos. “Você tem um limite e esse limite é o seu
desafio” (CORTEZ, 2012).
Rui Piranda observa que
Eu sou um otimista. Nada limita a criação. O que eu acho que existe é norte. "Olha, você tem que ir pra lá. Você pode fazer o que você quiser, mas você vai para lá." Tem gente que acha que isso é
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limitante. O nome disso é direção de criação. Você pode fazer o que você quiser, desde que você vá naquela direção. (PIRANDA, 2012).
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5 CONCLUSÃO
Através de pesquisas realizadas, a evolução da propaganda foi associada às
transformações sociais de cada época. Se não houvesse mudanças nos hábitos dos
cidadãos, o setor da publicidade e propaganda não conseguiria se modificar para o
que é hoje.
A revolução criativa iniciada nos anos 1950 e consolidada na década de 1960
foi considerada um grande marco na área pelo grupo, que analisou as mudanças
nesse período e as viu como principais responsáveis para a atual forma da
publicidade. Passando por outros períodos históricos, as décadas de 1970 e 1990
também tiveram relevância no projeto. Importantes mudanças sociais refletiram em
avanços tecnológicos e culturais, fazendo da publicidade e propaganda um setor
profissional, reconhecido e capaz de ampliar cada vez mais o seu campo técnico.
Depois de analisar a história da propaganda mundial, foi especificamente
analisada a evolução do processo criativo dos brasileiros. Esse estudo trouxe ao
grupo diversas discussões e nem sempre respostas consensuais, como a questão
da propaganda versus a arte.
Nenhum integrante do grupo considera a propaganda apenas como uma arte.
O que foi analisado é que ela se apropria de elementos artísticos, mas, no final,
ainda é um negócio que deve vender e cumprir o seu papel. Se a propaganda não
vende, ela não funciona, o que não é o caso da arte.
Notou-se que, após estudar várias formas de se fazer propaganda,
principalmente o storytelling, alguns integrantes deixaram uma opinião mais rígida
de lado, passando a ver a propaganda como uma possibilidade de arte propriamente
dita e não somente um mecanismo de venda.
No projeto de pesquisa, a questão foi apresentada a partir de uma perspectiva
imparcial para que o grupo pudesse estudar e apresentar várias vertentes. Contudo,
a maioria dos integrantes enxerga diferenças entre a arte e a publicidade.
Um assunto que não dividiu opiniões foi o processo criativo. O grupo começou
a desenvolver o projeto tendo em mente que não há apenas uma forma de se criar.
Na falta de conteúdos teóricos, os integrantes procuraram profissionais atuantes no
mercado para que eles pudessem contar sobre o processo criativo de cada um,
mostrando se ele é único ou não.
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Como já esperado, os entrevistados relataram possuir um processo criativo
individual. Contaram que não existe um mecanismo de criação que serve para
todos, uma regra geral. Buscar referência na rua, ver o mundo de várias formas e
estar sempre aberto ao novo foram três aspectos bastante citados pelos criativos,
mostrando que a maneira de se criar pode ser diferente, mas que normalmente o
meio para se chegar à peça final é semelhante.
Ao contrário da última questão, e mais próximo da discussão da propaganda
como arte, o estudo sobre os limites da criação publicitária também dividiu opiniões,
principalmente ao tratar da relação com o cliente. A maioria não vê o cliente como
um limitador, mas um orientador natural, da mesma forma que em qualquer outro
tipo de trabalho. O cliente contrata a agência e cabe a ela desenvolver o melhor
trabalho possível, independentemente da verba ou das vontades de quem contrata.
A ideia de que a palavra limite é vista como um fator negativo e que nem
sempre deve ser encarada dessa maneira foi unânime. No caso da criação
publicitária, os limites devem ser vistos como um norte ou, no máximo, um desafio.
Essas orientações fazem parte do trabalho e cabe ao criativo lidar da melhor
maneira possível com elas. Para o grupo, o único limitante negativo é o tempo, que
acaba por diminuir a capacidade de produção de algo inovador, ou tido como
melhor.
A área de criação de uma agência deve sempre se reinventar. Com a rapidez
com que a sociedade tem evoluído, os criativos devem acompanhá-la. Assim, eles
não perdem o que é novo, inovador e deixam para trás o que já não funciona mais.
Independentemente do seu processo criativo ou dos limites vistos, o criativo tem que
se renovar para alcançar o objetivo da área.
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69
70
ANEXO A – ENTREVISTA ADÃO RODRIGUES
Nome: Adão Rodrigues
Hoje trabalha na(s) empresa(s): - Área de atuação: Direção de arte e ilustração
Tempo de mercado: 42 anos
Quando você começou a atuar no mercado publicitário?
Comecei em 1970, na maior agência de publicidade de Belo Horizonte, que sá de
Minas Gerais, a maior agência que existia no mercado. E o que eu vejo de diferença
é que a agência não tinha essa parse que as agências têm, mais parecia uma
escola de artes plásticas.
Na área em que você trabalhava mais com publicidade, como era a produção dos briefings, como que era a sua relação com os profissionais de atendimento?
Sempre funcionou dessa maneira: o atendimento trazia o briefing praticamente
pronto do cliente e passava pela Operação, como atualmente, e depois chegava na
mão do diretor de arte. No meu tempo, não existia o diretor de criação nem duplas
de criação. Existia o diretor geral, que trabalhava com três quatro criadores, é dele
que vinha os chamados rafes, que eram redesenhados depois, passados a limpo
pelo pessoal dos layouts, o diretor de arte, que era um só. No meu caso, na Asa,
era o Hélio Faria. Ele e o Edgard Melo fundaram a Asa, o Hélio Faria era a parte arte
da agência, o outro era financeiro.
Quando você começou a atuar no mercado, o modelo de dupla não existia. Como foi essa transformação? Essa função que o Hélio prestava, que era o dono da agência. O briefing chegava
primeiro na mão dele, ele era um maravilhoso artista plástico, ele escolhia o redator
que mais se adequava ao briefing, que faria dupla com ele, dali nasciam os esboços.
A campanha chegava no pessoal do layout que davam rafeadas no lápis, e a gente
ia passar a limpo esses rafes. Fazer as manchas, marcar os títulos, tudo a mão, isso
depois voltava pra mão do atendimento, que depois voltava pra produção, ia orçar...
Passava pelas nossas mãos dessa maneira.
71
Você pegou a época da Asa em que começaram a surgir as duplas? Naquela época, essa função que o Hélio Faria fazia foi diminuindo, foram surgindo
outras pessoas... Alguns já faziam os rafes até com caneta esferográfica, sem
preocupação nenhuma de desenho. Então, depois começaram a surgir as duplas de
criação, no final da década de 70... E também a surgir a pessoa que gerenciava
essas duplas, até três duplas de criação. Eu trabalhei lá até 73, mas não existia
ainda.
Na época que você era mais focado em publicidade, como eram as limitações que você tinha que enfrentar? Era a produção do mercado, não tinha tanta produtora quanto tem hoje. Por
exemplo, desenho animado, era praticamente impossível fazer em Belo Horizonte,
isso era tudo feito em São Paulo, demoraria 2, 3 meses para chegar, e o cliente
podia nem aprovar. Era feito um storyboard bem explicado, mais ainda assim era
arriscado, então nós tínhamos que evitar.
Antigamente não existiam os bancos de imagem, como existe na internet, como funcionava isso?
Era maior loucura, porque uma das coisas que não mudou nas agências era o
tempo, o mesmo relógio que contava naquela época conta hoje, e era aquela
loucura, era vasculhar livros. E é ai que entra os desenhistas, era tudo desenhado, e
tinha aquela preocupação: isso tem que ser feito, não pode ser uma coisa
impossível. Você vasculhava revistas, filmes, mas só como uma fonte para dar um
toque, porque na verdade era uma coisa desenhada, e a fotografia ia entrar depois.
Era esse tipo de loucura que acontecia com a gente, não é com essa quantidade de
informação que a dupla recebe atualmente. Era o que se dizia nas reuniões, você
trabalhava muito com o que a concorrência estava apresentando e com o que você
folheava, a biblioteca das agências era infinita.
E o seu processo criativo, como você pode definir, na época e hoje?
Hoje mudou completamente. Hoje eu acho bem mais fácil de criar, é mais difícil de
aprovar. Hoje ficou muito fácil, eu não quero diminuir o trabalho das duplas, mas
naquela época, tinha o impacto do cliente quando se deparava com uma campanha
toda feita a mão, o cliente tinha um respeito maior pela campanha praticada. Hoje,
72
por se conhecer melhor como é feita a campanha que está sendo apresentada, ele
desdenha um pouco, ele acha que é fácil de fazer. Antes não, havia um respeito,
mesmo que o conceito estivesse fora do que foi planejado.
E sobre campanhas aprovadas, teve alguma peça que você acha que devia ter sido e você se arrepende? Essa é a dor de todos os publicitários, sempre vai existir isso. Apesar dessa
facilidade que tinha de aprovar, sempre tem aquela que você achou foda.
Algum em específico? Várias coisas! Mas mais coisas pequenas... Talvez você estava até enganado, às
vezes o cliente tem até razão, e o resultado final é o que importa. Mas existem
muitos casos que ficaram guardados.
Você se lembra de algum caso de cliente que te limitava a criação?
Sempre! Isso é outra coisa que vai existir sempre. O que eu vejo de diferente na
forma de criar dentro das agências é o seguinte: porque a criação você sempre
imagina ela infinita, como de um artista plástico, a única coisa que te limita é o
tamanho da tela, se ela tem dois metros ou quinze centímetros. Na criação dentro da
publicidade já é diferente, tem a verba, a produção... Hoje se pensa pouco na
produção, se pode fazer tudo que você quiser, naquela época não, tinha esse
contratempo, mas eu tenho esses limites como mais agudos.
Quando você trabalhava nos anos 70 na Asa ou em outras agências, o que você previa que ia acontecer que não aconteceu?
Estavam em formação as escolas de Publicidade e Propaganda, a gente achava que
as escolas teriam posições mais adequadas ao mercado, não quanto a formação do
profissional, colocar o futuro profissional dentro das escolas mais preparado para
atender o mercado. O profissional sai com muitas ilusões em relação ao mercado.
Tinha que haver um entrosamento maior entre agência e faculdade. E o mais
importante, o anunciante, a faculdade tinha que trazer o anunciante para dentro da
faculdade, trazer as agências e os anunciantes para a faculdade. E as agências
mais escola, para formar mais anunciantes.
73
E você acha que isso é possível?
É difícil, mas é possível. Eu vejo um distanciamento das escolas e da faculdade do
principal produto, o anunciante. Não se formam anunciantes, se vai de anunciantes
já prontos, e quando esse anunciante acabar? Todo mundo quer anunciar, todo
mundo precisa se comunicar, entretanto, ele está lá. Não adianta reclamar quando o
anunciante vai direto aos veículos, porque quando se trata de fazer alguma coisa, o
veículo que entra primeiro no mundo dele, e não as agências; são as agências que
tinham que entrar no mundo deles. As agências não provam do mesmo remédio que
receitaram pra todo mundo.
Você acha que melhorou de lá pra cá? Melhorou, o publicitário virou uma estrela de cinema. Ele é conhecido e todo mundo
sonha em ser publicitário. No meu tempo, quando você falava que era publicitário,
ninguém sabia o que era, da mesma forma a agência, ninguém sabia. O publicitário
hoje é um profissional respeitado, assim como um médico.
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ANEXO B – ENTREVISTA ADÃO RODRIGUES E CAULE RODRIGUES
Nome: Adão Rodrigues
Hoje trabalha na(s) empresa(s): - Área de atuação: Direção de arte e ilustração
Tempo de mercado: 42 anos
Nome: Caule Rodrigues
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Pro Brasil Propaganda
Área de atuação: Supervisão de criação
Tempo de mercado: 14 anos
Em relação às mudanças pelas quais a publicidade passou, quais diferenças vocês percebem na configuração das agências da época de cada um de vocês?
AR: A diferença do tempo que eu trabalhei pro atual. Eu acho que a evidência maior
é na produção. Acho que a produção hoje é um paraíso. Um paraíso que
sonhávamos na época. Que hoje você pode produzir tudo que você vê, tudo que
passa pela sua cabeça, você pode fazer. E o limite maior que barrava o nosso poder
criativo daquele tempo também, além dos parâmetros da publicidade, do cliente, da
verba e tudo mais, principalmente a produção. Não tinha produtora como tem hoje.
CR: Uma coisa, também, que colabora para essa transformação, claro, houve uma
evolução tecnológica, eu me lembro do tempo que as coisas eram coladas no papel
supremo, e hoje é um processo que é até difícil de imaginar como funcionava isso.
Obviamente, essa evolução tecnológica permitiu a criação extrapolar. Imagina 3D na
década de 70, era um aerógrafo minucioso.
AR: O 3D que era reproduzido naquela época era no aerógrafo, em ilustrações.
CR: Uma outra coisa que eu acho da transformação de lá para cá, foi a maior
importância que o planejamento teve. Isso transformou a característica das agências
no sentido que a criação era focada em duplas, existia o diretor de criação, as várias
duplas. Hoje se tem muito mais focado em grupos de criação. Às vezes, são dois
75
redatores para um diretor de arte, às vezes é metade da agência para uma
campanha. Eu, particularmente, trabalhei com duplas fixas uma única vez, quando
eu estava na Espontânea. De lá pra cá, ora eu tava fazendo dupla com um, mas não
era dupla e sim, um conselho. Isso é uma característica que eu sinto que mudou
bastante. E também tem a direção de arte, era mais segmentada, tinha o diretor de
arte, o manchador, o ilustrador...
AR: Tinha o layoutman, que hoje é o ilustrador. Ele pegava o rafe do diretor de
criação e passava ele a limpo. E depois de ele a limpo que ia pra mão do cliente.
Planejamento, por exemplo, raramente chegava na criação. Hoje, a dupla de criação
trabalha praticamente junto com o planejamento e, naquela época, não era uma
realidade pra nós.
CR: Eu acho que, obviamente, houve enormes transformações. Acho que perdeu
muito do aspecto artístico, mas ganhou do aspecto técnico, e cada um tem o seu
valor. Eu me lembro de menino vendo a preocupação quase que barroca com a
composição, o layout parecia um quadro barroco, isso vêm de cima para baixo, de
baixo para cima...
AR: Veja só, a função maior, a nossa função, era... A coisa cara que o dono de
agência achava cara era foto, era fotografia, a fotografia era uma coisa cara, tinha
que ser por último. Depois que a gente tivesse uma verba garantida é que a gente ia
investir num fotografo, numa boa foto, coisa e tal. O artista era empregado da
agência. E eu estou falando artista assim, poetas, Rui Barbosa, poetas, escritores.
Eu trabalhei com Roberto Drummond, Fernando Brant. Pegava a campanha e fazia
uma maravilha, mas era um mês pra criar uma campanha, então era inviável
trabalhar com eles. Logicamente, publicitário não tem essa coisa. Então o ambiente,
o visual da agência de publicidade, mudou completamente, o cheiro mudou.
Comentem sobre os projetos e campanhas feitos por vocês que vocês consideram que merecem destaque. CR: Nós fizemos vários projetos juntos. Teve uma campanha de natal do zoológico
que nós fizemos e a prefeitura tinha sérias restrições orçamentárias.
76
AR: O lançamento da zoobotânica, fomos nós que fizemos.
CR: E aquele Encontro Nacional dos Recursos Hídricos de Recife, aquele foi um
projeto que arrebentou!
AR: Nós ali arcamos com tudo: criação, a produção toda e enviar cada carta pro
Brasil inteiro. Foi um trabalho que excedeu bastante, foram noites em claro.
CR: Foram projetos trabalhosos, mas divertidos.
Quais as novas tendências que vocês enxergam hoje para o mercado publicitário?
CR: Eu acho que a tendência é diminuir a importância de ADs, VTs; na verdade,
outros meios vão ganhar importância. Então, falando exclusivamente de criação, pra
mim, a principal tendência é: estamos criando cases, não estamos criando anúncios
nem VTs. Não que antes a gente não pensava em criar cases, não que meu primeiro
sutiã não tenha sido um grande case, mas hoje, a gente não tem só a plataforma, a
superfície dos VTs e dos ADs pra trabalhar, a gente tem um multi canais e o
conceito tem que encaixar em todos, e tem que extrapolá-los. Fazer de uma forma
que ninguém nunca fez, e depois de fazer a primeira vez fica fácil, mas a primeira é
difícil. E com o formato da internet nós já temos grandes cases, os anuários estão
cheios deles, mas não existe um formato, uma técnica criativa que eu vou chegar e
falar assim: "eu vou fazer um viral para a Internet". Esse é um pedido de trabalho
que eu acho terrível: "cria um viral".
AR: Eu vejo assim: quando a comunicação começou a sair do rádio e a televisão foi
chegando. A televisão diminuiu o valor do rádio e da mídia impressa. A televisão foi
assumindo esse ponto vital da comunicação. Então o rádio, a imprensa, a peça
gráfica e, agora a internet, que é uma coisa super nova, que os profissionais estão
se formando ainda pra essa área. É um veículo cheirando a novo. Até agora não se
domina esse meio maravilhoso.
CR: É uma coisa curiosa que a internet tem 10, 12 anos e ela já se transformou
centenas de vezes, já foi uma paginazinha, já foi um banner, já foram os perfis... O
77
que será da internet, não tenho a mínima ideia. E a TV é a mesma coisa que
costumava ser, um anúncio de 30 segundos, um VT.
AR: E continua como um vulcão (internet). Eu estou até me lembrando de uma
campanha do Estado de Minas que mostrou uma foto pegando um ônibus ou um
avião, e com umas televisões no colo, pra ver a diferença que faz a televisão.
Pessoal sentado no banco da praça com a televisão no colo. Pra você ver como que
é a função. A televisão nunca ia superar o jornal. Hoje eu vejo a televisão com o
mesmo dilema com a internet. Eu vejo umas provocações, umas coisinhas assim
que a mídia televisiva fala com a mídia da web. Mas a web, pelo amor de deus, é um
gigante que precisa ser trabalhada, não pode abrir mão desse poder ultra jovem. A
coisa mais legal da web, que a televisão nunca vai chegar, é a interatividade.
Quais dicas vocês dariam a um profissional recém-formado que pretende atuar na área de criação do meio publicitário?
CR: A principal dica que eu dou para o profissional de criação é: a publicidade é
negócio e, como qualquer negócio, o resultado é nossa principal perseguição. Então,
o que a gente tem para criar precisa responder a algo maior para a empresa, do que
a finalidade do anúncio ou do VT. A dica que eu dou é, sem se endurecer, mas
nunca deixar de encarar a nossa profissão como uma área da administração, como
uma área corporativa/empresarial. Então, é um negócio, mas como um negócio a
arte pode ser bem vinda, mas para fomentar um negócio. Eu acho assim, abrir um
anúncio e depois perguntar "o que isso se construiu?" "o que isso se vendeu", por
mais divertido que seja, na minha humilde opinião, não foi positivo.
AR: Eu acho assim... Em 1971, na Asa, com todo mundo trabalhando, tinta pra todo
lado, prancheta e coisa e tal, um colega meu virou pra mim e disse: “Adão, presta
atenção, nós não somos publicitários, nós somos artistas plásticos, nós somos
ilustradores, somos pintores, somos desenhistas, isso aqui não tem nada a ver com
a gente. Então vamos ficar alertas, porque quando os donos das agências
perceberem que, se eles pegarem uma sala e transformarem essa sala num
laboratório fotográfico e num estúdio de fotografia, e contratar um fotógrafo, nós
estamos demitidos”. Ele falou isso e seguiu à risca. Saiu da agência e ficou só no
freelancers e foi trabalhar em artes plásticas. Pintar e expor. Eu insisti ainda na
78
propaganda, continuei na década de 70, 80, 90 e, em 94, eu comecei a perceber
que o terreno estava minado. Não tinha mais lugar pro desenhista, pro artista.
Aquele artista propriamente dito. A criatividade, a arte, vai sempre existir na
propaganda, mas com aquele ímpeto, com aquela coisa. A maior quantidade dos
profissionais que trabalhava nas agências eram desenhistas. O publicitário chegava
na agência e era contratado se tivesse um bom desenho, se o traço dele era bom,
se ele entendia de perspectiva, de anatomia, de desenho de figura humana, coisa e
tal, de objetos, ele estava contratado imediatamente, como eu fui contratado dessa
maneira. Hoje em dia, eu vejo assim, o profissional de publicidade tem que estar
muito ligado com o planejamento, com a coisa empresarial, com o trabalho
praticamente todo burocrático e, principalmente, no meu modo de ver, estar atento
com os novos veículos, porque é ali, é na mídia que está acontecendo. Igual no caso
da web que nós estávamos falando aqui agora, é que vai veicular aquilo que ele
pensou, que passou pela cabeça dele. E o profissional não pode esquecer: ele não
vai poder nunca empolgar com a campanha ou com a peça, ou com a simples
logomarca que ele criou, sabe como que é? Ele tem que empolgar é com o conceito
geral do cliente e com o porquê de ele ter sido chamado pra fazer aquilo. Um
anúncio, uma campanha, o mais importante, na minha opinião, é quem está
anunciando. É ele que está pagando, é ele que está fazendo aquilo tornar realidade.
Então o profissional não pode nunca, jamais, esquecer esse detalhe. A agência é
muito importante, tem meu patrão, está fazendo meu salário, eu estou aqui por
causa dele, mas é aquele ali que é o paizão geral: o cliente. “Agência é muito bom,
tem um ambiente maravilhoso, trabalhar na nossa agência é maravilhoso. O
publicitário é uma pessoa maravilhosa, criativa, muito bom. O que atrapalhava era o
cliente.” Quer dizer, impossível. É uma brincadeira, mas é o contrário que a gente
tem que pensar. O bom profissional é aquele que coloca o cliente acima de todas as
coisas.
CR: Tem uma coisa que eu também acrescento a isso: é que nós fazemos coisas
para civilizar pessoas e isso é uma coisa a gente não pode tirar de foco nunca. Se o
que estamos fazendo sensibiliza mais você ou o colega do lado, do que a dona que
está disputando à tapa a oferta na loja, é sinal que o que está sendo feito não está
positivo. A verdade está lá, ela não está aqui (na agência). Isso é uma coisa que é
importante refletir. Para não cair na tentação do ego, da prepotência de que o que
79
eu trouxe como solução é a única. A verdade está no que aquela "doninha" que eu
preciso sensibilizar pensa, e não no que eu penso. E eu acho que isso é a única
coisa talvez imutável na propaganda de 1800 e daqui a 1000 anos no futuro. O que
a gente faz, o que a gente fala, o que a gente constrói, é para impactar pessoas,
para falar com pessoas. E sendo assim, o que eu falo não é o mais importante e,
sim, o que o outro escuta. Qualquer publicitário, da área que for, que considera que
suas verdades são maiores que as verdades de quem ele está tentando chegar, já
está começando errado. Encare qualquer coisa que não encaixa com o que você
está pensando, não como um enfrentamento, mas como um elemento de que o
seguinte: as pessoas não são iguais, elas não pensam iguais e elas não são iguais a
você, a gente tem que entender e encontrar essa verdade.
AR: É uma profissão muito importante, você está mexendo com coisas seriíssimas.
De repente, você parte de um briefing que está ali com um colega ou discute aquilo
ali. É um produto que está ali na sua mão, sem nome, sem rótulo. De repente, você
cria uma marca, um nome praquilo ali, um rótulo, uma embalagem, um cartaz, um
folheto, e amanhã está lá no supermercado e uma fila de gente pra comprar isso aí.
Só de você imaginar isso, dá um frio no estômago, então, pensa bem que essa
profissão não é uma profissãozinha, que você pode desistir. Não é só isso não, eu
considero o publicitário um médico. É uma profissão ultra séria, não é brincadeira
não.
80
ANEXO C – ENTREVISTA ALEX VENDRAMETTO
Nome: Alex Vendrametto
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Território Comportamental
Área de atuação: Planejamento
Tempo de mercado: 20 anos
Nesses 20 anos, quais as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Sem dúvida nenhuma, foi o crescimento do planejamento. A voz ativa do
planejamento dentro do processo criativo dentro das agências. Antigamente, as
ideias nasciam e iam direto do briefing pra criação. Hoje em dia, as ideias vão do
briefing pro planejamento, depois pra criação. Essa foi a maior mudança.
Você chega a ter contato com os clientes dos Jobs que você faz ou você recebe o briefing direto do atendimento? Existem os dois casos, né? Mas eu tenho muito contato com os clientes. E no caso,
o planejamento acaba tendo mais contato com o cliente do que a criação.
E você acha que isso influencia o seu processo? Te ajuda a entender melhor o cliente? Depende da complexidade do briefing. Nos briefings mais complexos, que é
necessário ter uma imersão maior no cliente, ajuda muito esse contato direto com o
cliente. E nesses briefings mais tranquilos, que a gente chama de “briefing de dia-a-
dia”, que são clientes que às vezes já tão na casa, são clientes antigos, pra gente é
até melhor nem ir nessas reuniões de briefing, porque acaba otimizando mais nosso
tempo dentro da agência.
A gente sabe que hoje em dia, grande parte do poder criativo de uma agencia está no planejamento. Como que funciona o processo criativo dentro do planejamento? Dentro do planejamento? Eu acho que cada agência, ou cada planner, ou cada
diretor de planejamento, impõe um processo, impõe uma metodologia. Na área
promocional, especificamente que eu trabalho, planejamento é um fato ainda mais
81
recente do que na publicidade de massa. Então, eu gosto de trabalhar com duas,
com três fases, na verdade. Primeiro é uma fase de imersão, de pesquisa, que eu
acho fundamental. Depois é a fase do processo criativo, aí eu acho que a primeira
etapa é ter ideias sem filtro e, depois, a segunda etapa é colocar um filtro exeqüível
nessas ideias, que a gente precisa ter que ideias que depois, na hora que forem
executadas, precisam parar em pé. Eu acho que um grande risco da criação, às
vezes, é isso: é ter ideias incríveis, mas que depois, na hora de executar, elas não
funcionam. Então, eu costumo trabalhar com essas fases.
Quais aspectos que você acha que limitam o processo criativo dentro do planejamento? É, bom, especificamente, na área promocional – vou falar especificamente na área
promocional. Hoje em dia, as agências de promoção não costumam trabalhar com
contas, com a maioria das contas fixas. Então existem umas contas fixas, mas a
maioria do trabalho é por job. Com isso, a nossa área promocional não tem acesso a
várias ferramentas de pesquisa e de consulta, ferramentas de trabalho do
planejamento, que a área da Publicidade de massa já tem. Então, são ferramentas
caras, que não justifica uma agência comprar pra um job específico. Então, no caso
específico da área promocional, a falta de acesso a essas ferramentas é um
processo bastante limitador pra gente.
Você acha que, às vezes, o planejamento pode acabar limitando a criação? Pode.
E como você faz pra isso não acontecer? Bom, eu acho assim... Isso não é um problema no planejamento nem na criação.
Mas, ao meu ver, é um problema da prática da comunicação em geral. Hoje em dia,
a comunicação não é uma criadora de tendência, ela é uma seguidora de tendência.
E eu acho que seguir tendência demais acaba limitando o processo criativo. A gente
acaba se limitando a seguir caminhos que já foram estabelecidos e não desenvolver
caminhos novos. Então, eu acho que a comunicação deveria voltar a ser uma
lançadora de tendências e não só uma consumidora de tendências que, geralmente,
agora estão vindo da web, das redes sociais. Enfim, estão vindo desse universo
online as tendências que a comunicação só está seguindo.
82
Muitos clientes consideram a publicidade só um mecanismo de venda. Como que você vê isso em relação ao caráter artístico que a publicidade também tem? Então, eu acho que esse limite é bastante perigoso porque, na verdade, eu não vejo
a Publicidade como um produto artístico, e sim como um produto criativo. E a gente
não pode esquecer que a função dela, na verdade, é vender e construir marca
também. Então, assim, eu acho que o cliente está errado quando ele vê a
Publicidade só como uma ferramenta de venda, ele tem que ver a Publicidade como
uma ferramenta construtora de marca, capaz de influenciar o comportamento dos
consumidores, angariar fãs pra marca dele e colocar a marca num patamar bacana.
Agora, eu não considero a Publicidade, a criação publicitária, um processo artístico.
Quais são as novas tendências que você enxerga pro mercado publicitário? O que você acha que vai acontecer daqui pra frente? Então, eu acho que a principal coisa que está acontecendo é o excesso de
tendências, como eu te falei em uma das respostas anteriores aí. E, ao meu ver, o
processo natural que vai acontecendo, vai demorar um pouquinho, mas é a
simplificação do processo novamente. Acho que a gente está atingindo um nível de
saturação de muita tendência, muita regra, enfim, de muitas tribos, e a coisa está
perdendo um pouco a essência. Então, eu acredito que o processo criativo,
especificamente o planejamento, em muito pouco tempo vai fazer um retorno
saudável e simplificar um pouco mais esse processo. Eu acho que é aí que a gente
vai começar a voltar a ser desenvolvedor de tendência, e não só seguidor de
tendência.
E a partir disso, quais as dicas que você dá pra alguém que está entrando no mercado agora, que está querendo entrar pra essa área? Acho que tem muitas dicas, né? Mas eu acho que a primeira coisa é buscar
originalidade. Eu estou insistindo bastante nisso, porque é uma coisa que eu sinto
muito no dia-a-dia, sabe? As pessoas simplesmente mastigam uma coisa que já
existe, eu acho que as pessoas perderam um pouco a capacidade de ir buscar
coisas novas. Então, eu acho que é pensar um pouco mais simples, é voltar a olhar
pras pessoas com quem ela vai se comunicar, voltar a conversar com os públicos,
analisar comportamento das pessoas, ir direto à fonte. Acho que isso hoje vale muito
83
mais, vou dar um exemplo: eu tenho um cliente de cerveja que, pra minha equipe, é
muito mais produtivo a gente pra fazer um trabalho pra esse cliente, a gente passar
uma manhã naqueles bares ali da Avenida Santo Amaro – que tem aqui em São
Paulo, que é um grande laboratório –, vendo como funciona o trade, como funciona
as pessoas, entender o que mobiliza as pessoas e conversando com essas pessoas
e descobrindo qual é a vida dessas pessoas, do que passar o dia inteiro na internet
olhando o que que as grandes marcas de cerveja estão fazendo e tentar fazer igual.
84
ANEXO D – ENTREVISTA ANDRÉ ALMEIDA E PEDRO CAVALCANTI
Nome: Pedro Cavalcanti
Hoje trabalha na(s) empresa(s): AlmapBBDO
Área de atuação: Redação
Tempo de mercado: 5/6 anos
Nome: Andre Almeida
Hoje trabalha na(s) empresa(s): AlmapBBDO
Área de atuação: Redação
Tempo de mercado: 5 anos
Nesse tempo, os dois têm 5, 6 anos de experiência, quais foram algumas das mudanças que vocês já presenciaram? PC: Mudança. Bom, uma coisa que eu senti, eu comecei na Lew Lara e sempre
trabalhei com off-line, mas, agora é meio junto. Teve uma época que eu decidi ficar
um ano em uma agência digital. E foi bom, porque foi exatamente no momento em
que as coisas estavam mudando mesmo no sentido digital da coisa. Só que lá eu
percebi que agência digital, não todas, claro, tem uma tendência muito grande a
produção. Então, eu vi que, na verdade, o que conta é a ideia, é digital, é não sei o
que. Então, essa minha passagem por agências off-line e agências digitais me
mostrou que não importa muito a mídia. Tá mudando, a TV vai morrer? A revista vai
morrer? Acho que não. Acho que uma boa ideia depois você vê aonde ela vai se
encaixar. Então, acho que a mudança, a integração, elas existem, mas continua
valendo a boa ideia. Acho que isso não mudou.
AA: É engraçado, assim, a gente foi crescendo junto com essas mudanças. Quando
comecei, era estagiário na Young, uma agência que é uma puta máquina, fazendo
coisa direto, muito filme, muito anúncio. Aí fui para a Santa Clara, que tava
começando a viver a mudança e eu fui acompanhando. Conforme fui crescendo, a
coisa foi mudando junto, então, não consigo ver um antes e um depois. Mas é bem
isso que o Pedro falou. Aqui na ALMAPBBDO mesmo, é uma agência que tem uma
história de filme e de print gigante, muito boa. Esse ano a gente teve com uma peça
85
que foi pra Cannes, não levou nada, mas é uma puta peça legal que é o “guitar pee”,
que é uma instalação no banheiro.
PC: Chegaram a ver isso? O cara fazia xixi no banheiro e tocava uma música.
AA: No mictório e tocava uma música. Então, tipo, a ideia está em qualquer lugar
agora assim, então. Eu ganhei um leão esse ano de cyber, um bronze pra peça
originária do Flavio. Eu não sou do digital, não sou um redator oficial. Aqui você tem
um time off-line e um time on-line. O time off-line que é a gente, a gente faz muita
coisa on-line das nossas próprias campanhas, mas nós somos do off-line. Ai eu
ganhei um leão de uma peça digital. Tá todo mundo fazendo isso. A Sofia também
ganhou um leão de cyber com o filme “From Love to Bingo”. A Sofia e o Kotler são
do off-line, mas ganharam um leão de cyber com o site que eles fizeram, que é um
jeito mais interativo de ver o vídeo.
PC: Está cada vez mais difícil você separar...
AA: Tá. Tá tudo misturando assim.
PC: O que conta é a ideia, então, aonde vai acontecer a ideia isso...
AA: Isso é uma coisa engraçada que a Lu, que é a nossa diretora de criação on-line,
ela foi jurada em Cannes e ela falou que a missão deles esse ano era provar que a
categoria cyber não tinha que morrer em Cannes, porque as peças de direct eram
cyber, as peças de filme eram cyber, as peças de mídia eram cyber.
PC: Promo, titânio, tudo.
AA: E aí a gente ta vivendo isso também. Tipo, lá o cyber não tinha que morrer como
categoria separada e aqui ele está fazendo parte das coisas que a gente faz assim.
Agora não é só digital também, é rua, é ação, conteúdo. Está tudo uma bagunça só
e a gente está tentando aprender como faz.
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A gente escreveu nosso TCC sobre isso, sobre a internet e se ela deveria ser fora ou dentro da agência. Se deveriam ter agências só off-line ou se elas deveriam ser integradas. Você acha que se fosse só off-line teria uma diferença na criação? O fato de ser junto faz ficar mais redondo talvez? PC: Essa pergunta é interessante, porque, por exemplo, você tem agências que
produzem de internet, que são produtoras, produtoras digitais. Você tem agências
digitais, que se dispõe a criar e a produzir. Se você tem uma agência, vamos supor a
ALMAPBBDO, uma agência com excelência criativa, uma agência premiada e tal,
por que não ter a ideia e produzir aqui dentro, terceirizar? Pode até ser, mas se você
tem tudo no mesmo lugar, a produção e a concepção da ideia se misturam. De novo,
a ideia vem antes, antes da produção. Então assim, “Ah, tá lotado, você quer
terceirizar? Tudo bem”. Mas você ter ali a possibilidade de botar de pé as suas
ideias, sejam elas digitais ou não, acho interessante, porque fica uma unicidade.
AA: Como uma opinião pessoal. Eu já trabalhei em agências que não tinham a conta
on-line de determinado cliente e é um saco, porque às vezes você pensa, vem uma
ideia e ela morre na burocracia, porque a agência não quer mostrar, porque já tem
uma agência que faz on-line, aí a agência on-line não vai gostar, porque essa fatia
da verba é minha. E quando você tem uma agência que faz tudo, que é o caso da
gente na maioria dos nossos clientes, é muito melhor. Isso acaba evoluindo a gente,
a gente como criativo, porque se o seu job description é pensar numa coisa, você
começa a pensar em outra completamente diferente. E é muito bom, assim, não ter
essas amarras.
PC: O que conta é a ideia. O meio onde ela vai acontecer é importante, cada mídia
tem uma característica tal, mas hoje a coisa é meio orgânica. O digital tá em tudo
né? Então, por exemplo, você tem a TV, a TV digital, você tem o celular. É tudo
interligado. E mudou o raciocínio: antes, a gente fazia e não havia resposta, você
faz, mão única, você cria um comercial de TV em trinta segundos. Hoje, é uma troca
né? Você concebe a ideia e a sua ideia depende da interação das pessoas. Então,
você faz alguma coisa para que haja interação e essa interação passa a fazer parte
da sua ideia. Então, ao pensar na ideia, você já pensa as interações que você
espera e como você vai usar na sua ideia. Então, é difícil você separar, hoje é tudo
muito integrado.
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AA: Claro que para o negócio está todo mundo engatinhando nessa área. Tem
cliente que tem uma agência digital, uma agência de mídias sociais, uma agência
pra print e filme e outra agência pra conteúdo. Está todo mundo meio que
aprendendo a tocar esse negócio. Trabalhei na DM9DDB, lá tem um time gigante de
mídia social. De repente, um dia, os clientes começam a querer essas coisas e a
gente, por exemplo, está aprendendo a fazer mídia social, porque não é o que você
cresceu fazendo. Então, vem uma galera de mídia social pra dentro da agência, aí
você começa a aprender com esses caras quando eles começam a aprender com
você. Então, está todo mundo aprendendo e quem já é muito “fodão” tá meio que
reaprendendo. Os caras já sabem “pra caralho” e agora eles estão reaprendendo.
E vocês aqui na ALMAPBBDO costumam ter contato com os clientes dos jobs que vocês fazem ou vocês recebem o briefing direto do atendimento? PC: Geralmente eu tenho contato com o cliente.
AA: Mas nada de apresentar, né?
PC: É, nada de apresentar. Você tá perguntando isso?
Na hora de apresentar, na hora de ter uma reunião inicial. PC: É. Como funciona: o atendimento tem o contato com o cliente inicial, eles
pegam o briefing, fazem o briefing, escrevem e mandam pra criação; a criação vai lá,
desenvolve a campanha, cria; às vezes, na hora de apresentar, a criação vai junto, a
criação vai pra contar. Às vezes não, às vezes vai só o atendimento, mas vira e
mexe a gente vai lá contar os filmes, ler os filmes na reunião.
AA: Depende da importância do job também, né? Você pega um job extremamente
grande, aí tem aquela primeira reunião que, às vezes, tem alguém do cliente, aí tem
planejamento, tem atendimento, tem todo mundo, o diretor de criação está nessa
primeira reunião. Geralmente não, geralmente é só o briefing e você chega lá e, às
vezes, você vai para apresentar. E é bom que você tá lá, com a sua cria lá que você
fez, então você sabe, às vezes o cliente quer mexer em alguma coisa e você já diz
pra ele se é possível ou não, você tá ali protegendo, né? Você sabe o que é seu e o
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jeito melhor de cuidar daquilo. Então, você já fala isso aqui rola ou isso aqui não fica
tão bom porque x, y, z e por aí vai.
E como que vocês descrevem o processo criativo de cada um de vocês? PC: Tem um livro do Roberto Menna Barreto que chama Criatividade em
Propaganda. Ele descreve o processo criativo. Ele fala primeiro como funciona a
vida do criativo. Você recebe um briefing pra você fazer isso aqui, “Ah vai ser fácil”.
Depois você pega lá e começa a falar, “Ih rapaz, não é tão fácil assim”. Depois,
“Nossa, eu to ferrado, não vou conseguir fazer, ferrou”. Depois você consegue e o
último item do processo é “Ufa”. Esse é o processo criativo que ele descreve lá. Mas,
no meu caso, a ALMAPBBDO é uma agência muito focada, isso pra mim, por
exemplo, eu gosto muito. É uma agência muito focada, as pessoas estão sempre
trabalhando. O foco é trabalho. Então, quando você tá sentado ali você encara
aquilo ali com a seriedade merecida. Aí chega um briefing e você senta e começa a
criar em cima daquilo. Acredito em buscar inspiração na rua. A matéria-prima é o
que você vê, o que você vive. Aí você traz isso. Porque é sempre ligar uma coisa a
outra, né? Pra isso tem que ter a matéria-prima que é a vida. Mas uma vez sentado
na cadeira ali é produzir. Produzir e transpirar, né? Esse lance de, “Ah tive uma
inspiração e uma ideia”, pode ser, mas uma vez, entendeu? Porque todo dia você
tem que ter uma ideia, então é sentar e buscar uma ideia. Então, o processo criativo
é você buscando as ideias, você produzindo. Tem arte, a parte artística? Tem, claro.
A publicidade faz uso das artes. Da arte da escrita, das artes plásticas. Mas no fundo
é um negócio, um negócio que atinge um objetivo. Por trás do objetivo da
comunicação tem o objetivo de marketing e você precisa atingir aquele objetivo,
embrulhado pra presente. Mohallem tem essa frase. A publicidade é a
argumentação embrulhada pra presente. Então, acho que a ideia, o processo
criativo, eu não sei se tem o processo. É assim, vai fazendo.
AA: É engraçado assim, porque às vezes a gente quer dar uma coisa mágica para a
ideia ou às vezes uma técnica mesmo e eu não tenho uma ordem. Às vezes, eu fico
um tempão, pego um briefing assim, aí eu olho e faço, “Putz, que merda”. Aí fico um
tempão pensando em outras coisas, enrolando, aí tem uma hora que eu falo assim
“Putz, eu tenho que focar”, aí eu olho e não tem muita regra. Você para e começa a
procurar coisa na sua cabeça, sabe? Não tem uma ordem assim. A minha dupla fala
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que a gente é o Corinthians, que a gente tem que sofrer, senão não sai. Aí, as
vezes, a gente fica um tempão, aí fica. Tá com um job, sei lá, tem prazo pra
caramba. Aí no primeiro dia a gente vai “sussa”, o segundo dia a gente vai “sussa” e
no terceiro, “Caralho, a gente vai se fuder se não entregar essa porra”. Aí começa a
sofrer, a botar um monte de coisa no papel e começa a sair. Eu e a minha dupla, a
gente funciona muito bem, falando em processo criativo acho que é muito importante
saber trabalhar com outra pessoa. Claro que tem muita gente que trabalha muito
bem sozinha. Tem gente que pensa de um lado, pensa do outro, depois junta os
dois e escolhe as melhores ideias de cada um e junta. Tem gente que funciona
muito bem assim. Eu não gosto. Eu gosto de falar com a minha dupla e sei lá, a
coisa funciona assim. Tipo, falo com ele assim: tive uma ideia aqui e é um traço. E
ele fala, legal, e se a gente pegar um traço e colocar um outro traço. E aí ele, “Putz
legal, temos uma coisa”, aí escreve a ideia da coisa aqui e passa pra próxima. Eu
acredito que tem meio que ser assim. Você não pode ter preconceito. Não pode ter
vergonha, você tem que falar. Pra chegar na ideia boa você fala muita ideia ruim.
PC: Não pode bloquear, né? É isso aí. Isso é importante. Não confundam falta de
vergonha com sem-vergonhice na publicidade, por favor.
AA: Então, acho que você não pode ter preconceito, não pode ter vergonha e você
tem que saber como você fala com o outro. Uma coisa que eu acordo com a minha
dupla quando a gente tá criando; não é um acordo que eu falei: “Bom, a partir de
hoje, a gente funciona assim”. Quando um não gosta da ideia do outro a gente tem
que argumentar. Não é assim, “Ah não gostei”. Quem pode fazer isso é o meu
diretor de criação, não ele.
PC: Às vezes uma ideia que você não gosta, quando você tá aberto a “Isso é legal”,
pode virar outra coisa. Trabalhar em dupla é sempre importante você ouvir e somar,
ao invés de cortar.
AA: Agora a propaganda está ficando cada vez mais de todo mundo. Só pelas fichas
que tem em Cannes. Voltando um pouco, um anúncio não é que seja fácil de fazer,
mas um anúncio você faz ali, eu e você, a gente senta aqui e tem uma ideia, beleza.
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Aí tipo uma ação, é tanta gente envolvida. É mais complexa. E ela vai ganhando
corpo conforme você vai mexendo nela. Aliás, toda ideia meio que vai ganhando.
PC: É. Tem a interação do consumidor a parte da idéia, né?
AA: Cada coisa que vai passando, assim, ela vai ganhando um pouco e vai ficando
mais forte. E retomando o raciocínio: mas, você aprender a trabalhar com os outros,
acho que isso é extremamente importante. Sendo egoísta e senhor de si, você não
chega a lugar nenhum.
PC: Acho que humildade também, né? Acho que humildade faz diferença.
AA: Parece balela assim. E uma coisa que eu acho também é que nenhuma ideia
está fechada sempre. Gosto de pensar numa ideia como uma coisa que quando eu
mostrar para o meu diretor de criação ele possa acrescentar alguma coisa nela,
porque eu já vi cada ideia melhorar. O Pedro também já trabalhou com muita gente
e, então, ele vai concordar comigo. Uma vez, um cara me falou que existem três
tipos de diretor de criação: tem aquele que é ou sim ou não, ele vai e vê todas as
suas ideias e fala: “Putz é essa, é, não é”; tem aquele que fala assim: “Não é nada
disso, mas faz do meu jeito”, e tem pra caramba esse tipo de cara - e, às vezes,
funciona, porque o cara é um monstro de bom pra caramba e, realmente, você vai
fazer do jeito dele e vai dar super certo; e tem aquele que melhora sua ideia, que é
muito bom quando você vê um cara que melhora sua ideia, porque você aprende
com ele assim.
PC: Que é o caso aqui na AlmapBBDO.
Na verdade, eu queria fazer uma que não está no roteiro. Vocês são novos, mas já passaram por varias agências, inclusive por outras cidades. Vocês veem a diferença no processo dessas agências? Vocês mudam o jeito de criar dependendo das agências e das cidades? E assim, a gente sabe que vocês têm diretores de criação ícones da publicidade brasileira de muito tempo, isso faz vocês terem um gás maior, uma vontade maior?
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AA: Isso que você falou é muito importante, porque acho que o medo é importante
também. Você tem que ter um certo medo assim.
PC: Respeito.
AA: Quando eu cheguei aqui na AlmapBBDO, aí você... O que é isso aí que você
falou dos ícones? Aliás, na AlmapBBDO não, tipo em todos os lugares que eu
trabalhei. Eu vim de Brasília, eu sou de um mercado que é bem diferente do daqui.
Vocês conhecem bem o mercado de BH. Por melhor que seja o de BH e por melhor
que seja o de Brasília, aqui é anos luz. Aí eu cheguei na Young e olhava pra galera
assim “Caralho, esse cara não pode achar que eu sou um retardado, não pode”. E
vai subindo, claro que tem as pessoas, todo lugar que você passa você tem isso
com o seu diretor de criação, com seus colegas, então, putz, eu quero estar no nível
dessa galera, por exemplo, eu quero que olhem pra mim e tenham orgulho.
PC: Mas, por exemplo, você perguntou da AlmapBBDO. A mudança, pra mim – não
vou puxar o saco da agência – mas, realmente é diferente. Eu trabalhei em agências
muito boas, tinha chefes muito bons, são pessoas que somaram assim.
AA: Todos trabalharam aqui.
PC: É. Todos trabalharam aqui, é verdade. Os meus chefes, a começar pelo dono
da agência, eles são a envergadura ética da agência, é uma coisa muito, muito
ética, você percebe isso. O nível dos diretores de criação é muito alto, então, eles
são muito tranquilos e muito seguros, isso te passa uma segurança. E são pessoas
extremamente humildes. Por exemplo, você vai perguntar uma coisa, é
impressionante, porque é um dos redatores mais premiados do mundo. E são caras
tranquilos, humildes, abertos, abertos a discutir com você. Isso faz muita diferença.
Quanto mais lá em cima o cara, mais você vê não é à toa que esse cara tá aí. Então,
faz diferença, sim, você trabalhar numa agência, faz diferença.
AA: Falando lá da sua pergunta sobre o processo mudar: o processo é muito
pessoal, né? Acho que a agência não muda o seu jeito de trabalhar, ela muda sua
entrega, o que você entrega acaba sendo diferente, mas o jeito que você faz é o
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mesmo. Eu trabalhei na Santa Clara, que é uma agência completamente fora da
caixa, e lá não tinha. Você pega um briefing lá e não tem que peça você tem que
fazer. É tipo, precisamos divulgar, como você vai fazer isso é problema seu. Então,
você está mostrando a ideia e você fala: olha essa ideia aqui é uma ação, ah legal,
próximo; olha essa aqui é uma campanha de anúncio, boa, boa; tem um filme assim
e assado. O jeito que eu cheguei nisso é do mesmo jeito que eu trabalho em
qualquer lugar, mas a minha entrega é diferente assim, o seu cliente é o diretor de
criação.
A gente falou sobre liberdade e limite. Vocês acham que a agência, o cliente e verba são limitadores ou eles só te direcionam? PC: Isso é bem importante que você falou. O cliente não é um limitador, é o cliente.
Ele tá pedindo, tá solicitando um trabalho pra agência. Então, a verba precisa ser
respeitada. Você não está livre, é um mercado, é um negócio. O Chester tinha uma
frase, ele falava o seguinte: “Publicitários são homens de negócios com alvará para
usar All Star”. Então, assim, onde tá o lance da publicidade, é você fazer a boa ideia
dentro da verba e da necessidade do cliente. Então, não é que eu posso ter
qualquer ideia. Não sou um artista em frente a uma tela jogando tinta e falando
some daqui. Você tem regras, verba, um cliente. Isso é importante.
AA: Adoro usar metáforas para falar de propagandas, eu vivo fazendo, e uma que eu
pensei agora é o seguinte: você vai fazer um bolo, você tem esses ingredientes, não
adianta você fazer sorvete, porque você não tem ingredientes para fazer sorvete, e o
cliente quer é o bolo, você não vai chegar lá com um frango assado. De onde você
tirou esse frango assado se é um bolo? O seu papel é fazer o melhor bolo do
mundo, independente se só tem açúcar e farinha, inventa. Não dá pra falar que é um
limitador, porque é o guia assim e a gente brinca com o que a gente tem.
PC: Aí entra o planejamento, né? A AlmapBBDO, por exemplo, é uma agência em
que o planejamento fala muito com a criação e mídia, e tudo. Um bom planejamento
é fundamental, porque quanto mais você define o que você tem que dizer e quanto
mais relevante isso é dentro do que você vai dizer. Então, vamos supor, eu preciso
fazer uma propaganda desse copo branco que vocês não estão vendo. Aí, o copo
branco, o que eu preciso dizer? O copo mais mole que existe, porque ele é de
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plástico. Quanto mais eu definir isso e quanto mais isso estiver alinhado com o
produto e com as pessoas que vão receber isso, menos esforço eu vou fazer,
porque mais dentro do briefing eu vou criar. Então, não adianta ter ideias
maravilhosas e excepcionais fora do copo mole. Então, é muito importante essa
definição cliente/verba/planejamento e toda a estrutura, toda a base, a inteligência, o
direcionamento. Não adianta você colocar um barco no oceano e ver onde ele vai
dar. Você tem um limite, é dentro daquela reta, daquele caminho traçado que você
tem que ter as ideias. Isso é importante. Isso que muda a publicidade de outras
atividades que você não tem amarras, né?
AA: Agora, claro que o cliente, às vezes, não tá preparado para a melhor coisa. Às
vezes, ele não tá de boa intenção, às vezes ele não entende. Não é um mundo
perfeito, o seu papel é fazer coisas que sejam inquestionáveis, assim. É o que a
gente tenta fazer. É o que a AlmapBBDO tenta fazer. Eu trabalhei com o Bradesco
em três agências diferentes. Aqui é a agência que fez o “Vai que?”.
PC: Que fez o “Vai que?”. Você ta andando na rua e vai que...
AA: Ainda é um banco. Ainda é um banco que não tem um histórico de coisas boas,
mas o que a agência fez. Ela não, “Ah, putz, é um banco, vamos fazer de qualquer
coisa”. Não, ela chegou e falou, “Pô vamos mudar isso aí e tentar convencer o
banco de que o divertido também vende, também funciona”, e a gente foi lá e fez. E
tipo tá aí, todo mundo fala vai que... Todo mundo viu o comercial do Jason e se
amarra.
PC: A AlmapBBDO é uma agência muito consciente nesse sentido de buscar o que
tem que ser feito e ser relevante e eficiente. Relevância, cara. Você tem que ter
relevância, não adianta. E aqui eles têm as ideias que vocês veem, que são
excepcionais. Eu, antes de entrar aqui, sempre fui fã da agência. Acho que todo
mundo é, que trabalha.
AA: Você trabalha pra entrar na AlmapBBDO.
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PC: É. Assim, é uma agência que todo mundo admira. E você entra aqui e vê o
processo e fala: “Pô, o processo é muito correto, é muito fluente. Isso ajuda muito”.
AA: Você perguntou das outras agência. Assim, é uma coisa quase que, é demais
você olhar pro monitor ao lado e ver uma puta campanha nascendo, e você vê todo
mundo fazendo coisa boa. E um recado que eu tenho pra vocês dois que abriram a
agência agora: eu não faria isso, nunca assim, não faria. Porque você aprende
trabalhando com gente boa. E pode ter certeza que em BH, por mais zoneado que o
mercado possa estar, mas com certeza vocês precisam tá trabalhando com gente
boa.
PC: Não que não tenha em Minas, viu? Aliás, muita gente boa, muito mineiro.
AA: Um recado pra vocês mesmo, não faz isso, aprende com os erros dos outros,
com os acertos dos outros, olhando para o monitor ao lado, vendo o que tá saindo
na impressora, indo em reunião. Eu tinha um chefe em Brasília que me levava em
todas as reuniões só pra eu ver como era a reunião, só pra eu ver como era falar
com o cliente, como que é falar com produtora, me levava pra acompanhar filme só
pra eu ver como era. E agora, quando eu chego aqui e vou numa reunião, eu sei
como é. Eu aprendi, eu vi, fui ouvinte, não vou passar vergonha, não vou errar com
o cliente, não vou pisar no pé dele, não vou fazer nada de errado. Acho que o
segredo de você se dar bem nessa profissão é trabalhar com pessoas boas. Você tá
lá na Popcorn, né? Cola numa pessoa lá na Popcorn que seja a melhor e aí você vai
aprender o máximo dela e você vai fazer uma pasta que vai te levar para uma
agência melhor e assim por diante. Eu passei em nove agências na minha vida, em
5 anos de carreira. Não recomendo isso, isso aconteceu. Em uma acabou o estágio,
numa eu ganhava muito pouco, não tinha dupla, na outra eu saí pra vir pra
ALMAPBBDO, que é uma desculpa boa que você tem. Eu tinha dois meses e 20
dias de Thompson. Eu saí da Thompson com três meses. Você ficou quando tempo
na W/Mccann?
PC: Dois meses.
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AA: Tava assim. E eu fui falar com o meu chefe, tinha acabado de chegar lá e já
tinham sido cinco agências, né? Então, eu já sou piada.
PC: Almeidinha é mais conhecido no mercado do que ler mensagem.
AA: Eu sei, eu sou a putinha de mercado, todo mundo me conhece. Eu já sou a
piada e ainda cheguei pro meu chefe e falei: “Putz Brandão, tenho que falar com
você; e ele putz, Almeidinha, to meio fudido, mas o que que é?”; aí eu falei, “É meio
sério”; aí ele tava digitando e olhou pra mim: “Recebeu proposta? – quinta agência
já”; aí eu falei “É”; e ele, “E você já quer sair filho da puta?”; aí eu falei, “Não foi bem
assim, aconteceu”; e ele, “De quem?”; aí eu, “Da AlmapBBDO”; aí ele, “Do caralho,
tenho que ficar feliz por você”. Mas, voltando, trabalhar com gente boa é o que vai te
levar pra longe nessa profissão. Tenho absoluta certeza que tem um monte de gente
boa em BH. Tem um monte de gente boa em Brasília, tem um monte de gente boa
em Recife, tem um monte de gente boa no Rio. Às vezes, é a cidade, às vezes, é o
mercado limitador. Brasília não tem cliente, Brasília tem shopping, faculdade, rede
de farmácias, concessionárias e governo. Isso aqui que tem em Brasília. Lá em BH,
provavelmente tem tudo isso, mas deve ter alguns produtos a mais, mas não tem
dinheiro. Aqui é onde a coisa acontece. Então, você vai e cola nas pessoas boas lá
de BH e você vai crescendo, vai pra uma agência, vai pra outra. Vai lá na Filadélfia,
aí quando você vê, você vem pra cá. E eu recomendo pra caralho assim, quer
brincar de verdade, é vindo pra SP. Voltando às minhas analogias, aqui é a primeira
divisão do futebol. Lá vocês estão jogando bola também, mas é a segunda divisão.
Eu era atacante na segunda divisão lá de Brasília. Aí vim pra cá, to no banco e tal,
mas eu tô com um timão.
Aí uma outra pergunta, só pra fechar mesmo. Tem alguma campanha de autoria de alguma outra pessoa que vocês consideram inovadora ou inspiradora. Que tem algum fator que você olha pra ela de um jeito diferente, que você acha que tem alguma coisa, que o objetivo é fazer alguma coisa. PC: Pode ser da AlmapBBDO mesmo. Eu gosto muito de campanhas que são
emocionais. Acho que assim, saiu uma matéria agora que o humor é poderoso na
publicidade. O humor é muito poderoso, não é a toa que 99% das cantadas usam
humor, é muito eficiente. Bom, enfim. Eu gosto muito das propagandas do Boticário,
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eu acho propagandas emotivas. Elas têm uma construção, um tecido, um texto
emotivo, ela é lenta, ela deixa você respirar, porque a coisa tá tão acelerada hoje.
Eu me lembro de uma campanha da TIM, da Lewis Lara, que era “Vá devagar”, que
era tudo debaixo d’água, que as cenas eram gravadas debaixo d’água, “Desacelere”
era o conceito. Hoje, você não tá medindo mais em segundos, tá medindo em fração
de segundos, o tempo. Tudo muito rápido. Você não tem tempo de degustar um
texto, de saborear. E propagandas que são verdadeiras, que tocam por dizer
verdade, tem um lance emocional que te emocionam de alguma maneira. Você
como criativo, você também é consumidor final e pessoa. Gente que vai pra casa e
liga a TV, à noite, mas liga. Essas propagandas do Boticário, por exemplo, têm
textos, aquele da “Você pode ser linda”, quando uma mulher é bonita etc, quando
ela é linda os homens olham com respeito. Parece meio balela, né? Aquelas
propagandas com ideias geniais do gorila tocando bateria, também é legal, mas eu
acho que falta, eu sinto falta de emoção na publicidade. Talvez seja eu, mas eu acho
que quando tem emoção te toca de um jeito que vai além da marca.
AA: Engraçado, a gente tá nessa coisa assim, nessa busca por inovação, coisa
inovadora, diferentona, internet. E aí vocês viram a campanha de fim de ano da John
Lewis, que é uma loja de departamento inglesa, que é um menininho no Natal. Todo
ano a John Lewis faz um filme de Natal bem legal. Ela já ganhou um Cannes, dois
anos ganhou um Cannes, acho que não era de Natal, mas era apresentação. E
sempre tem uma música legal. Desse ano foi um cover de The Smiths, o outro ano
foi com um cover de Sweet Child O’mine, aí outro ano foi um cover de Elton John.
Sempre é uma música bem legal. E assim, é um filme, sem diálogo, sem nada, uma
história, com uma trilha bonita e um conceito no final. Tipo, lindo. O desse ano, vou
estragar a piada pra vocês que a gente não tem o filme aqui, mas é um menininho
entediado. Ele tá vendo o dezembro passar, então começa a nevar, ele fica riscando
os dias no calendário, um menino de uns 6 anos, e aí ele fica jogando bola sozinho.
É um menino esperando dezembro passar, e ele tá puto porque dezembro tá
demorando a passar. Aí chega a tão sonhada noite de Natal. Ele sai correndo e tá
esperando um brinquedo né e tal. Aí ele sai correndo, passa pelos brinquedos dele,
não pega nada e aí ele pega um presente, abre a porta do quarto dos pais e chega
com o presente.
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PC: Ele ganhou Cannes, né? E ele que deu o presente?
AA: É, ganhou Cannes esse ano. E aí o conceito é para que os presentes que você
não pode esperar pra dar, que você mal pode esperar pra dar, que você tá louca pra
dar esses presentes. É bobo, é velho, é simples, funcionaria em 1982. Mas, é lindo,
é genial assim. É brega, mas eu gosto dessa propaganda que é atemporal. Não
quero assim. Claro que eu quero tá fazendo coisa nova, acho que o mundo tá
mudando. Mas isso funciona ainda, as pessoas ainda são humanas. Não é a internet
que mudou as pessoas.
PC: As pessoas são pessoas. Elas têm coração, sentimento, elas são iguais. A vida
não é on-line, é off-line. Você tá vivendo na rua, quando você vai na padaria, não é
na internet.
AA: E é um filme, é um filme de 1min30s com uma trilha bonita que não tem nenhum
avanço de storytelling, nada diferente. Mas é genial, eu recomendo assim, o de
2011.
PC: Aliás, assistam todos os vídeos de Cannes.
AA: Tem que ver. É John Lewis, o 2011, 2010 e 2009. O de 2011 é o com cover de
The Smiths. Acho legal que a Inglaterra, assim como o Brasil, também vive muito a
propaganda. Poucos lugares. Argentina vive muito a propaganda. E deu o maior
bafafá, porque os fãs do Smiths ficaram putos porque era uma música... Não lembro
o nome da musica, mas que fala assim, traduzindo: então, por favor, por favor,
senhor, me deixa conseguir o que eu quero, Deus sabe que vai ser pela primeira
vez. Então, sei lá, o cara fez a música, ele tava sofrendo, falando de um amor e tava
lá pra vender presente. Aí os fãs dos Smiths ficaram putos, saiu matéria no jornal.
Essa menina que tem a música, o cover, já vendeu cd pra caralho. Então, você vê, é
um filme, mas olha o tanto de coisa que acontece ao redor. E eu acho essas
campanhas de John Lewis geniais, mesmo as que não ganharam Cannes, eu acho
lindo. Então, uma coisa que eu recomendo, é assistir.
98
ANEXO E – E-MAIL ANDRÉ ALMEIDA
Eu sempre achei que não tinha um processo de criação. Puro. Eu tenho um
processo claro, sempre tive.
E uma coisa que eu sempre faço é pesquisar o que já foi feito para o mesmo
briefing.
Não só pela óbvia razão de conhecer o que existe para não fazer nada igual.
Mas também pelo desafio, entendem? Eu vejo alguém que fez algo do caralho para
o mesmo briefing que está na minha mesa e aí, eu penso:
"Se esse cara consegue, eu também consigo". E eu tenho que conseguir. Vira uma
questão de honra.
Então, isso faz parte do meu processo. Quando estou travado e descontente com
todas as ideias que coloquei no papel, preciso ver algo bom já feito.
E quando encontro, bum! Começo a ter ideias boas. É como se tivesse ligado o
turbo.
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ANEXO F – ENTREVISTA ARTHUR PETRILLO
Nome: Arthur Petrillo Hoje trabalha na(s) empresa(s): R/GA São Paulo
Área de atuação: Criação – Diretor de arte
Tempo de mercado: 7 anos
Quais mudanças você vê entre o mercado de Belo Horizonte e o de São Paulo, já que você passou por grandes agências em São Paulo? Eu acho que o mercado em BH, ele tem um potencial muito grande. Eu vejo que
tenho amigos, excelentes profissionais, realmente fodas assim. Formaram comigo.
Que assim, não existe uma comparação de nível de profissional. Eu acho que é até
leviano falar isso, mas eu acho que eles têm nível pra estar aqui, pra estar em
qualquer lugar do mundo, existe em Belo Horizonte. Mas eu tenho um pouco de
receio,do tipo de negócio que é trabalhado lá, esse foi um dos motivos que me fez
vir pra São Paulo. O tipo de pensamento de quem precisa de um produto de
comunicação. Eu acho que a cabeça tem que ser muito mais aberta, eu acho que a
coisa tem que funcionar de uma forma muito mais ampla, a agência forma o serviço
que ela faz. Então independente do que ela faz. As coisas lá são bem fechadas. O
mercado é muito fechado, se agarra muito nas contas públicas. Isso é uma coisa
que, de certa forma, incomoda porque existem gargalos nesse cenário que
atrapalham tanto a criatividade quanto a possibilidade de você fazer uma coisa
completamente disruptiva. Eu acho que é muito difícil. Eu acho que em qualquer
lugar do mundo eu acho difícil você fazer um trabalho disruptivo, um trabalho que
você quebra completamente, você cria o produto, você cria uma nova forma de ver o
produto, um novo comportamento. Criar comportamento é muito difícil. Ainda mais
quando você tem briefings fechados, às vezes com verbas já pré-definidas de mídia,
não existe um planejamento, não existe uma coisa assim. Eu vejo isso em todos os
mercados, em todos os lugares. Mas em Belo Horizonte eu acho que tem que
melhorar um pouco nesse sentido, mas eu vejo um futuro enorme. Porque tem
profissionais bons lá dentro. Então eu acho que, a partir disso, pode ser foda.
100
Como é o seu processo criativo? Desde a hora em que você pega um briefing, tem uma reunião com o cliente até a hora de entregar. Não existe muita regra, na realidade. Eu acho que a ausência de regras nesse
momento, ela é muito bem-vinda. Eu acho que a ausência de metodologia. Porque
assim, você tem uma ideia a qualquer momento. Assim, a palavra pensar, a maioria
das ideias vem em momentos inusitados. Assim "e se a gente fizesse isso"? E aí
você está em um bar, você está na sua casa, você está dormindo, você está no
parque, você está no clube, e aí vem uma ideia. Então você tem que arrumar um
jeito de fazer aquilo. Quando você está fazendo um job, você tem que ter aquela
ideia naquele momento ou num prazo de 2, 3 dias, 5 dias, um mês. Mas você tem
que ter aquela ideia. Então eu acho que você poder... Você cortar mais ainda o
processo de forçar você a ter uma ideia, brincar, sabe? Falar coisa ruim, falar ideias
toscas, engraçadas. Eu acho que brincar, assim. É um problema nosso que a gente
é tachado de brincalhão, de não sei o que, mas eu acho que esse é um exercício
que é fundamental. E ouvir de todas as pessoas, sabe? A ideia pode vir de um
programador, ela pode vir de um atendimento, ela pode vir de um diretor de arte ou
um redator. Mas eu acho que assim, quando você trabalha junto, as coisas saem,
elas fluem bem mais rápido. E é um aprendizado isso, assim, eu acho que saber
ouvir também. Eu acho que a gente tem que saber muito exteriorizar nossas ideias e
saber ouvir as outras. Que aí a gente tem uma massa crítica pra poder fazer uma
coisa bem feita, sabe?
Você vê esses fatores com o cliente (verba, fator regional, se o cliente é público ou privado) como limitantes ou como um direcionamento? Olha, eu acho que existem limitadores, com certeza. Não tem como você falar que
faz chover com 40.000 reais, com 20.000 reais, não tem jeito. E do mesmo jeito que
têm ideias geniais que gastam 1.000 reais, uma coisa assim. Mas quando você tem
um briefing, uma coisa a se cumprir, eu acho que fica mais complicado quando você
tem pouca grana, quando você tem um cliente com cabeça fechada, porque já é
difícil ter, já é difícil você formatar uma ideia com um budget legal. É difícil. É um
exercício que a gente faz, que a gente gosta de fazer. Imagina com alguns
limitadores a mais. Então é natural que dificulte sim, o processo criativo. Então eu
acho que não tem sombra de dúvidas que se dificulta. Mas eu acho que não é
desculpa também. O nosso exercício é, desde quando você acabou de sair da
101
faculdade até você virar diretor de criação, diretor de atendimento, VP, qualquer
coisa, você tem que encarar cada job como o job da sua vida. Então você aprende a
lidar com budgets pequenos e jobs gigantescos e multimilionários, sabe? Então eu
acho que pode limitar, mas eu acho que pode ajudar nesse sentido. De putz, eu
tenho esse desafio e eu tenho que fazer chover com pouca grana. Imagina o dia em
que eu tiver muita grana, então isso ajuda. Então isso é uma coisa que é importante,
eu acho.
Tem alguma campanha sua, da R/GA, de alguma outra agência, do exterior, que você considera inovadora ou inspiradora? Que teve algum marco em algum momento da história da propaganda ou em algum momento da sua vida? Eu sou suspeito pra falar, porque eu estou aqui na R/GA não é a toa. A gente tem
serviços, realmente, criação de produto, criação de uma nova maneira de pensar. Eu
acho. E é uma coisa que vem do DNA assim, eu tô pegando isso, tem que assimilar,
e eu acho muito importante. E a maneira de pensar. E um exemplo disso pra mim,
assim, que eu acho que é foda, que é o que ganhou agora o Titanium em Cannes,
que é o Nike Fuelband, que é uma derivação do Nike +. Que é da R/GA, um projeto
da R/GA que foi uma criação de produto. Na verdade não é uma criação de
campanha. Você consegue ter o seu produto em contato com o consumidor pelo
menos 2h por dia, 3h, sei lá, que é o tempo que o cara corre. Isso milhões de
pessoas no mundo inteiro compartilhando e vivendo uma experiência que é ter uma
pulseira que mede a sua atividade física, que te monitora, sabe? E isso tudo social.
Isso pra mim é uma grande sacada. Você ter uma marca em contato com a pessoa.
O Fuelband é mais que o Nike + porque ele é 24h por dia. Então cada esforço ele
mede, então acho que isso é, pra mim, um exemplo em que se cria uma plataforma.
Não é só uma campanha em que você tem picos de share. Você tem uma
estabilidade crescente. Cada vez mais você tem mais usuários usando, cada vez
mais você tem mais usuários em contato com a marca. E isso é o que pra mim é
importante. É óbvio que tem marcas e marcas, né. A Nike é uma coisa e a gente
trabalha com o Toddy, que é outra coisa, trabalha com a Google, que é outra coisa,
com Tim, que é outra coisa. Mas, se a gente conseguir trazer esse pensamento
inovador pra plataformas que adequam, que têm a ver com o conteúdo das
marcas... eu acho que é o que a marca precisa hoje, num novo mercado maluco.
102
Onde pessoas querem compartilhar o tempo todo, querem falar o tempo todo o que
elas estão fazendo, que foto que elas estão tirando, o que elas estão comendo,
aonde elas estão indo, quem são os amigos... Eu acho que isso é importante.
E quais as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? Eu acho que a tendência é, cada vez mais, aliar criatividade com tecnologia. Eu
acho que parece até idiota falar sobre isso, mas a gente está o tempo todo com
essas conspirações "automaçã, os computadores". É ficção científica. Mas isso é
real. O mundo está mudando por causa e em torno da tecnologia. Se a gente não
conseguir trazer isso de uma forma que não seja intrusiva, a gente está tendo um
ganho muito grande. Porque hoje em dia a gente passa muito tempo com um iPad,
com um iPhone, com um notebook, em qualquer lugar com uma conexão de wi-fi.
Porque na televisão isso é fato. Estão nascendo crianças que sabem já mexer com
esse dispositivo. Então não tem necessidade de você pegar um telefone antigo, de
você poder ver uma televisão, sendo que você tem ali, a qualquer hora que você
quiser, uma informação. Eu acho que a mídia convencional é essencial. Porque ela
é uma identificação que o cara vê o tempo todo. Eu acho que não tem como
abandonar. Porque, se é uma coisa que está ganhando a tanto tempo... Tem marcas
que sobrevivem basicamente disso, há 60, 70 anos, por que mudar hoje? Eu acho
que o que cabe é uma integração disso tudo. Quando você tem integração, aí você
tem esse equilíbrio multiplataforma, você tem uma coisa bem feita. Eu acho que
esse é o segredo, se é que existe segredo. Mas eu acho que cada marca, cada
cliente, é uma coisa separada. Não dá pra você prever. Mas, se for pra fazer um
review geral, eu acho que é alguma coisa nesse sentido.
E como que você faz para acompanhar essas tendências? Porque a sociedade muda o tempo inteiro e a propaganda tem que acompanhar isso. Como você faz? Uma coisa que a gente estava conversando sobre isso que é muito
interessante.Vem estudante perguntar pra quem trabalha com mídia digital: "putz,
tem algum livro, alguma publicação que você acha interessante me passar, que
tenha a ver?". Olha, se eu escrever o que eu estou falando aqui agora, eu faço uma
palestra. Se eu escrever o que eu estou falando, semana que vem já está
ultrapassado. Semana que vem já não existe mais timeline no Facebook, já existe
103
um outro tipo, um outro tipo de interação. O botão like já virou o botão verbo, então
você pode dar um like curtir, beber, abraçar, sabe? Então não tem mais como você
definir um parâmetro por causa dessa velocidade de mudanças, assim. eu acho que
a gente exige muito agora pra mudar. Se não muda, morre. Vira Orkut, vira Twitter.
Ah, isso é passado. Não adianta você fechar em um blog ou em um determinado
tipo de informação em uma revista, em uma Wired, em uma Fast Company, em
nada. O que você tem que pegar é arrumar uma forma de ler tudo o que você acha
que é do seu interesse. Seja pelo reader, pelo Facebook, de qualquer outra forma.
Encontre as suas formas. Eu tenho as minhas. Eu tenho meu Google Reader, que é
ultrapassado mas até hoje me mantém informado de tudo, tem o próprio Facebook,
e o fato de você já ter amigos que você acompanha e sabe que o conteúdo deles é
de fato relevante... Ah, Fulano de Tal. Fulano de Tal tem uma puta noção estratégica
sobre user experience... Ah, pô, vou ler o que ele postou. Não vou deixar de ler. E aí
ganha relevância esse tipo de conteúdo. E aí vira uma coisa que se alimenta de
pessoas também.
E você tem alguma dica, alguma coisa pra falar para quem está se formando e entrando no meio publicitário agora? A dica é a seguinte: não se feche. Tentar entender de tudo, tentar entender o que é
que está acontecendo. Eu vim pra São Paulo com uma cabeça, hoje eu tenho outra.
Eu tinha um objetivo. Você traça o seu objetivo e vai atrás. É isso. Você põe o seu
objetivo lá na frente. Só que você pode ter ajustes no meio do caminho. Ajustes são
necessários. Eu acho que, se você traçar o seu objetivo e você ajustar à medida que
você achar que "putz, eu acho que esse objetivo, que eu acho que é isso aqui, eu
acho que é um pouco mais para o lado", sabe? Vai. Persegue. Não é difícil, não é
impossível se dar bem. Eu acho que você tem que ter humildade, ouvir, você tem
que ir atrás das pessoas certas. Tem pessoas que são excelentes guias, assim. E eu
devo minha carreira quase inteira a determinadas pessoas. Não só aqui em São
Paulo, mas como em Belo Horizonte também. Pessoas que abrem a sua cabeça e
falam "e se?". E se isso fizesse isso? Eu acho que você tem que... é um mix de
vontade com objetivo claro e correr atrás. Pedir... "ah, posso te ajudar?", "como você
fez isso?", "posso fazer junto?", "vamos fazer juntos?". É somar. Não é, por exemplo,
"ah, esse job aqui é meu, sai". "Ah, seu nome na ficha técnica, seu nome na ficha
técnica vai ganhar o prêmio". Não importa, sabe? Eu tô crescendo. O próximo vai vir
104
no meu nome. Eu vou participar desse, as pessoas certas sabem que eu participei.
Então é esse pensamento. É o pensamento que de certa forma o digital traz. Que é
o pensamento de tipo assim... É junto.
Quantas pessoas são necessárias pra colocar uma plataforma? Tipo um Nike + no
ar? Sabe... São 600 pessoas, 500 pessoas. Dentre planejamento, arquiteto de
informação, producer, diretores de arte, redatores e enfim, profissionais que tem de
tudo quanto é tipo aqui. Quantas pessoas são necessárias para colocar um anúncio
na Veja da semana que vem? Ou uma campanha de três meses com sequencial de
10 anúncios? Duas pessoas a cinco pessoas, sabe? Então, se a gente não tiver
essa coisa do crowd sourcing, assim... São pessoas alimentadas por pessoas
fazendo coisas juntas, de mãos dadas, assim "vem aqui, faz comigo, me ajuda",
você não vai conseguir. Não vai, sabe. E saber lidar com pessoas, eu acho que é o
maior desafio também.
Então você vê que o futuro da criação é essa integração de áreas? Não é mais aquela coisa de diretor, diretor, redator? Não sei. Eu não sei. Eu acho que cada agência tem o seu modelo e eu não discuto.
Porque os caras, eles são realmente fodas, assim, eles têm anos e anos de
mercado. Eu acho que o modelo é ouvir qualquer tipo de profissional. E fazer junto.
Agregar, nunca tirar. "Ah, atendimento, você está com tempo livre? Nós estamos
fazendo um brainstorm. Eu acho que seria legal um input seu". "Ah, atendimento é
burro, é isso, é aquilo". Aí começa. Não é para existir isso. É um mesmo time. Se
uma ponta estiver de mal, ou for considerada burra, ou for considerada qualquer
outro tipo de coisa, eu acho que azeda o negócio inteiro. Então, se não tiver, essa
coisa Mad Men acabou. Áreas, essa coisa muito linchada em funções, assim,
acabou. Ah, você é diretor de arte? Tá fazendo um anúncio? Faz um texto. Ajuda o
redator. Pergunta ao redator o que ele acha da foto, da montagem. Pergunta ao
diretor o que ele acha da tipografia que você escolheu. Pergunta o que que ele acha
que... Como é que poderia fazer aquele projeto maior. Eu acho que esse que é o
segredo, sabe? Eu acho que... Volto a dizer, eu acho que não existe segredo. Mas
eu acho que essa é uma forma legal de trabalhar. Eu acredito que o futuro seja
formado por pessoas e não por máquinas. É o contrário que toda teoria diz. Eu não
vejo como teoria da conspiração nenhuma, mas eu vejo que está chegando, está
105
chegando uma mudança grande. E é preciso que as pessoas façam as coisas juntas
para que essa mudança aconteça de uma forma legal. Equilíbrio.
106
ANEXO G – ENTREVISTA BRUNO SCARTOZZONI
Nome: Bruno Scartozzoni
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Ativa Esporte
Área de atuação: Planejamento
Tempo de mercado: 10 anos
Nesses 10 anos, quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Por mais clichê que possa parecer eu vou te falar que é a internet, e as mídias
sociais. Embora eu não goste de nenhum desses guris que falam que as mídias
sociais estão mudando o mundo, mas o fato é que essas novas ferramentas
tiraram o consumidor de uma posição de passividade e colocaram a gente numa
posição de atividade e, segundo, que isso começou a provocar fenômenos muito
interessantes. Então, eu vou te dar um exemplo, quando eu comecei nessa carreira
há dez anos atrás a gente inventava uma ação completamente maluca para fazer
na rua e a primeira perguntam que vinha do cliente é mas quantas pessoas vamos
impactar com isso? E você falava “vamos impactar poucas pessoas, mas vai gerar
buzz”. Isso não servia para as empresas naquele momento e esse tipo de ação era
meio que cortada na raiz. Com a internet de repente ficou viável você fazer uma
ação em um único lugar uma única vez, filmar isso e jogar na internet e assim
produzir o impacto que você queria e não tinha como, então isso que eu vi mudar
pelo menos em 10 anos.
Você normalmente tem contato com os clientes dos jobs que você faz ou recebe um briefing de um atendimento? Tenho contato sim, hoje principalmente porque estou como sócio de uma empresa.
Já é minha segunda experiência, eu já tive uma agência há um tempo atrás, e como
a gente ainda ta num momento bastante inicial eu acabo desempenhando outros
papéis que, não só planejamento, mas mesmo quando eu trabalhava em agências
maiores com grande estrutura eu principalmente preferia ter contato com o cliente. É
uma coisa muito minha, tem gente que gosta, tem gente que não gosta. Eu prefiro ir
lá pegar o briefing, ir lá apresentar. Eu costumo dizer que eu aprendi uma regra ao
107
longo do tempo que é "quem escreveu o power point apresenta”, sempre que faz
diferente disso foi um desastre.
A gente sabe que hoje grande parte do poder criativo das agências está no planejamento e como que funciona o processo criativo dentro dessa área? Interessante você falar isso porque uma outra coisa que eu venho observando nesse
tempo é que, em muitas agências o planejamento vem substituindo a criação, ou
pelo menos, uma parte do papel da criação. Então, pelo menos aquele brainstorm
inicial de conceber uma ideia inicial, isso está cada vez mais fazendo parte, sendo
um papel e uma obrigação do planejamento. Obviamente que pra mim, que
trabalho com isso tem um lado interessante, né? Que eu acabo sendo um
profissional mais valorizado no mercado e hoje no mercado de SP especificamente a
gente vê um problema que o planejamento foi supervalorizado, pra vocês que vão
formar vai uma dica: está bem fácil de arranjar emprego nessa área, mas também
causa uma coisa ruim, porque a gente acaba tendo obrigação de coisas que não
estão no nosso objeto de estudo. Eu acho super legal criar, eu adoro, eu sou meio
um planejamento com pé na criação, mas uma coisa é você gostar de fazer isso,
fazer por prazer e dar uns pitados, outra coisa é ter obrigação. Eu já tive experiência
com uma agência há uns 6 anos atrás, que o planejamento dirigia a criação na
prática, uma obrigação meio estranha mas isso está acontecendo e tem coisas boas
e ruins.
Em relação ao desenvolvimento de campanhas voltadas pro esporte, qual a diferença que você enxergar dessas pra outras áreas? Tem dois jeitos de te responder isso. A primeira é que não tem nenhuma diferença,
no fundo, a comunicação é tudo igual. Eu tenho uma carreira multidisciplinar, já
trabalhei com política, esporte, conteúdo, on-line e offline, e isso é uma escolha
minha também e, no fundo, o esporte é mais uma plataforma de comunicação como
outra qualquer que tem o mesmo objetivo de comunicação que é brigar pela atenção
das pessoas, conquistar a atenção das pessoas. Uma outra resposta que posso te
dar é que a maior diferença esta do lado do cliente, porque é uma área onde as
decisões são tomadas com menos racionalidade. Então, uma coisa que a gente vê
bastante, por exemplo, o diretor de marketing da empresa é praticante de
determinado esporte, por isso ele escolhe esse esporte para a marca que ele vai
108
patrocinar ser daquela modalidade, e às vezes a marca não tem nada a ver com
aquela modalidade, é uma escolha muito mais dele do que da marca. Então, eu
sofro um pouco mais por isso, às vezes a gente tem que sambar para encaixar
coisas que não são encaixáveis. Mas, no dia-a-dia é tudo a mesma coisa.
Quais aspectos você acha que podem limitar o processo criativo dentro do planejamento? E você acha que tentar se adaptar às tendências do mercado acaba sendo uma limitação da liberdade criativa? A segunda parte achei bem interessante. Na verdade, a maioria das pessoas
entende tendência como uma coisa moderna que você deve ir atrás. E eu fiz uma
grande mudança na minha carreira a partir do momento que eu percebi que
basicamente é o seguinte, de 6 em 6 meses surge uma nova tendência no mercado,
então, hoje em dia, se fala de gamefication, transmidia, web 2.0, viral, marketing
alternativo... Eu já vi varias dessas palavrinhas da moda passarem por mim e você
olha aquilo, acaba descobrindo um monte de coisas, se apaixona por aquilo, corre
atrás, e aí, depois de 6 meses ou um ano, a moda simplesmente morre e vem uma
nova palavra. E isso é horrível, então eu passei a encarar de uma outra
maneira depois que eu parei de olhar pra tendência e comecei a olhar pra coisas
mais essenciais então fui estudar mais comportamento humano e outras coisas.
Você acha que às vezes o planejamento pode limitar a criação? Olha, tem a resposta bonitinha que é não, porque realmente um bom planejamento e
uma boa criação não entram nesse embate. Mas tem a resposta mais feia, que o
planejamento de uma certa forma foi criado para isso. O planejamento, se não me
engano, na década de 60, na Inglaterra, que começou como um departamento de
pesquisa que servia pra dar algum grau de racionalidade pra criação. Eles
começaram a perceber que a criação era artística demais e não olhava para as
demandas do cliente, então, o planejamento foi criado pra isso.
Como você faz para não interferir tanto no processo criativo? Só contribuir sem limitar do jeito ruim? No fundo, o que o planejamento tem que fazer é direcionar a criação. Ele tem que
falar "olha, vai pra direita ou pra lugar nenhum". O processo ideal seria explicar
porque ir pra esquerda ou direita. Explicar de uma forma racional, por causa de x, y,
109
z devemos tomar essa direção. E aí a criação tem que desenvolver a partir daí, é
isso que eu considero um processo saudável.
Muitos clientes acabam considerando a publicidade só um mecanismo de venda, e você acha que isso influencia negativamente no caráter artístico que a publicidade e a propaganda tem? A gente tem que discutir se a publicidade tem um caráter artístico mesmo ou não,
né? Primeiro, quase todo publicitário que eu conheço gostaria de ser artista ou
escritor. Acho que todo publicitário tem um pé na arte e gostaria que publicidade
fosse mais artística do que é. Mas, infelizmente, publicidade não é pra isso, é
mesmo pra vender os produtos. O que a gente pode discutir aqui é qual a
necessidade da publicidade ser mais artística hoje em dia, eu acho que essa
necessidade é enorme. Com o fluxo de informações na vida de cada pessoa cada
vez maior, é só pegar sua timeline do Facebook é impossível ver tudo que acontece.
Antigamente a gente tinha 8 canais de TV, hoje em dia, a gente tem mais de um
blog sendo criado a cada segundo, que é como se fosse um canal de TV. Então, é
muita informação. A partir do momento que você tem muita informação, você tem
que lutar para captar atenção das pessoas de uma forma diferente do que você
fazia. Então, antigamente era só jogar um comercial e a pessoa ia invariavelmente
assistir porque ela não tinha mais o que fazer. Hoje em dia, ela tem um tablet no
colo, um celular na mão, enfim, ela tem outras coisas, outras possibilidades e ela vai
atrás dessas outras possibilidades. Se você estiver sendo chato, então, pra não ser
chato, talvez você tenha que ser mais artístico, mas esse é um processo que está
ainda muito difuso, ninguém sabe fazer isso direito. Mas, enfim, acho que é uma das
tendências.
Quais as novas tendências que você enxerga pro mercado publicitário, além dessa maior influência da arte na propaganda? A partir disso, quais dicas você daria pra alguém que está entrando no mercado agora? Essa pergunta é mais difícil. Eu acho o seguinte, como já falei a necessidade de
você ser legal é uma tendência, aí a gente vê várias marcas investindo pesado em
conteúdo, criando minisséries na internet, coisas desse tipo. O que significa uma
marca criar uma minissérie na internet? Significa que ela está tentando roubar sua
atenção pra quando você puder estar vendo TV, por exemplo, uma minissérie da TV
110
não vai colocar uma marca no meio, você tem que ter um roteirista tão bom quanto o
cara da TV, uma produção tão boa quanto e, além disso, incluir seu produto ali de
alguma maneira. De uma forma geral, acho que essa é uma tendência. Eu também
sou professor da ESPM, então, essa parte de contar histórias é mais minha área.
Mas acho que isso se aplica basicamente a qualquer área que você estiver. A dica
que eu dou pra quem está começando, você quer exercer sua criatividade? Comece
exercendo fora da área publicitária. Quer escrever bons roteiros? Comece a
escrever roteiro sem falar publicidade. Quer ser um DA foda? Comece fazendo sua
arte, suas ilustrações. É um caminho interessante, você faz uma coisa fora do meio
publicitário que é reconhecido e é convidado para entrar no meio, e quando você é
convidado, você tem uma liberdade muito maior pra fazer o que quiser. Vai fazer
uma coisa fora da publicidade e seja convidado por ela.
111
ANEXO H – ENTREVISTA CACATE ALMEIDA
Nome: Cacate Almeida
Hoje trabalha na(s) empresa(s): freelancer
Área de atuação: Direção de arte
Tempo de mercado: aproximadamente 20 anos
Conheci muitas pessoas no mercado, fiquei seis meses na ASA e conheci
praticamente todo mundo que estava no mercado. E aí já criei meu sonho de
consumo que era trabalhar com Geraldo Leite, que era diretor de criação da
Setembro, na época, que é a agencia do Almir Sales que hoje é a Casa Blanca, E fui
La com meu portfoliozinho e o Geraldo me contratou na hora. A gente ficou super
amigo, e ainda era uma estrutura completamente diferente do que é hoje. Pra vocês
terem ideia, a Setembro era um prédio, uma sala, um andar no Quinta Avenida, e
cada dupla ficava numa sala, e o diretor de arte tinha uma mesa enorme, e um papel
em branco e caneta, a gente fazia todos os rafes à mão. Era uma coisa muito
gostosa, um jeito de criar muito gostoso. Cada sala tinha milhares de referências, a
gente assinava todas as revistas, de moda, todas as revistas da área de construção
civil, tudo, tudo que pudesse ser referência a gente assinava, era uma sala
abarrotada de coisas assim. Até hoje eu uso muita referência. Eu acho que, por
causa dessa influência mesmo do Geraldo, do Marquinhos, que ainda tá no mercado
também, um redator excelente, e a gente tinha esse exercício assim, eu ainda uso
isso.
Você pegou a transição da prancheta pro computador? Peguei. A minha atuação, a minha carreira, sempre foi uma coisa atípica. Primeiro,
essa história de que eu não passei pelo estúdio. Depois, a maioria dos diretores de
arte que já estavam no mercado, que já eram considerados bons, tinham um
desenho muito bom, os caras faziam uns rafes maravilhosos, e assim, eu
desenhava, mas eu não tinha um desenho muito bom. Então, eu comecei a ficar
muito boa na colagem, que é o que a gente faz hoje com Photoshop, a gente fazia,
tirava Xerox mesmo, preto e branco, manchava por cima das imagens de revista ou
recortava da própria imagem da revista, e eu comecei a ficar muito boa muito rápido.
Eu não encontrava ninguém no estúdio que me acompanhasse, eu queria fazer e eu
112
mesma fazia. Eu tinha que suprir essa deficiência que eu considerava que era não
ter uma mancha tão bonita. Eu não achava o meu produto final bom o suficiente pra
apresentar pro cliente. Então, comecei a fazer uma colagem muito bacana. E aí,
apareceu o computador, e nessa época eu estava na RC, e colocaram aqueles PCs
lá, e a gente não sabia o que fazer com aquela porcaria, com Corel... Era uma coisa
louca, era tudo novidade e a gente sem saber usar a ferramenta tornava tudo muito
mais lento. Pra mim isso durou coisa de um ano, muito pouco, porque daí eu fui pra
DNA e eles já usavam Macintosh. Não tem passagem, né? É outro universo. Me
lembro que eu sentei um dia com o Aderson Fagundes, um super ilustrador, ele ta aí
no mercado como ilustrador bombando. Ele era do estúdio da DNA e ele me deu os
caminhos assim: “você arrasta, coloca na pastinha, clica e arrasta qualquer dúvida
que você tiver, clica e arrasta”, e quando eu vi em três dias eu tava usando
naturalmente e entendendo totalmente como funcionava o sistema, e foi ai que eu
comecei a realmente usar os softwares específicos mesmo. Na época, não era
InDesign, ainda era Quaeque, para vetor substituindo o Corel era Illustrator. Tudo
muito melhor, muito mais fácil e daí pra frente foi rápido. E, na verdade, o que eu
considero nesse período uma transição mais macia, foi essa coisa do diretor de arte
trabalhar com apoio do estúdio, ou não. Eu não tenho circulado muito nos últimos
anos para saber como acontece nas outras agências, trabalhei eu mesma fazendo o
produto final, elaborando os meus layouts, aquele que eu fazia na colagem. No
tempo que eu era uma diretora de arte iniciante, eu voltei a fazer com Phothoshop
porque as agências perderam um pouco essa estrutura que eu tive, uma estrutura
muito bacana com profissionais de estúdio muito bem treinados na DNA. Então, era
uma estrutura maravilhosa e eu, de fato, mesmo que meu rafe fosse eletrônico, eu
não precisava fazer o produto final para ser apresentado. Isso tinha um ganho de
tempo, criava uma dinâmica muito mais interessante, o trabalho do diretor de arte
era muito mais dinâmico, porque você tinha um estúdio que chegava com a ideia e
ele dava um pedal maravilhoso. Adércio era um, Ericson, Julinho, vários
profissionais que ainda estão aí no mercado, muito bons. Estavam todos lá, sendo
formados e já mostrando um talento danado.
Como é ser freelancer, depois de trabalhar tantos anos em agência? Pra mim, é um exercício diário, de me policiar, porque eu tenho um problema sério
com tempo. Organizar meu tempo. Qualquer pessoa que tenha trabalhado comigo,
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se você tocar nesse assunto, vai falar assim “ah, mas ela esquece da vida, ela
lambe layout, ela vira noite fazendo uma coisa que podia ter terminado em duas
horas”. É de fato uma característica minha, eu lambo mesmo, então o freelancer tem
que estar em todas as pontas. E isso é a grande dificuldade para mim, estou a
poucos meses nessa nova fase. Eu tenho trabalho, não to precisando ir atrás de
trabalho. Para falar a verdade eu tinha uma demanda reprimida de um outro período
como freela, eu mantive meus clientes, então, eu tinha muita coisa já começada,
mas marcar reunião pra mim, eu acho um saco. Qualquer coisa que não seja sentar,
criar, eu acho um saco, mas é um exercício que eu tenho que fazer. Eu vejo muitas
pessoas fazendo isso com bastante naturalidade, eu tenho bastante inveja dos que
conseguem.
Você está escrevendo agora também? Fazendo direção de arte e redação? Não, eu busco... Eu já trabalhei com ótimos redatores no mercado. Agora a
comunicação ficou muito fácil, a gente consegue duplar por qualquer meio digital.
Então não, eu sempre busco um dos redatores com quem eu já trabalhei. Eu tenho
vários que tenho muita afinidade, então, dependendo do trabalho eu busco eles.
Você concorda que atualmente existem alguns aspectos do mercado que limitam a criação? Quais são esses aspectos? Olha, aproveitando o gancho que a gente estava falando do tempo, eu acho que a
tecnologia trouxe uma outra forma de ver o tempo e de se executar qualquer
trabalho de comunicação. Eu acho até que quando a gente chegava lá com o layout,
todo montado, cheio de colagem, talvez fosse mais fácil pro cliente entender que
aquilo era uma coisa trabalhosa, apesar de que aquilo era apenas uma parte final
depois que a dupla já tinha ficado horas pensando um conceito, buscando a forma
para aquele conceito, depois a forma visual. Mas, hoje com a tecnologia ajudando,
acho que está muito mais difícil educar qualquer cliente para ele conseguir entender,
que aquilo leva um tempo. O trabalho do atendimento não está nada fácil, de
ninguém está fácil. Independente do cara, lógico que temos clientes mais
preparados, outros menos, clientes mais parceiros outro menos, mas de qualquer
jeito, tem essa coisa de que tudo tem que ser rápido, que o rápido que é bom. Eu
acho até que um criativo da sua idade, por exemplo, não consegue ficar, nem se ele
quiser, o tempo que eu fico em um job. Porque eu vejo pelas minhas filhas, o jeito
114
que elas pensam, estudam, lidam com a informação, é muito mais dinâmico. Eu
tenho, é uma característica minha, mas também da minha geração, de mergulhar,
ficar ruminando aquele assunto, todas as possibilidades. Mas então, essa coisa do
tempo, é um desafio até que eu busco me corrigir um pouco nisso, tentar não
esquecer da vida. Estou até aproveitando essa fase pra estabelecer limites. Se eu
quiser mergulhar, que mergulhe num tempo menor, né? Uma outra coisa, é que eu
não vejo mais as pessoas apostando nas ideias. Acho que a comunicação tornou-se
uma coisa,como se existisse um produto pronto, como se a gente usava MT essa
expressão “não é uma coisa que eu vou pegar na prateleira”. Acho que a cobrança
de que isso está pronto e você vai pegar na prateleira, acho que essa ideia
aumentou muito nos últimos anos, essa forma de enxergar. Porque é claro, a gente
tem MT mais ferramenta pra trabalhar, né? Você tem pesquisa, né? Eu abro isso
aqui e tem toda informação que eu preciso. Claro que isso é um facilitador, mas
tudo, qualquer coisa, no fundo, eu preciso de uma ideia. Posso ter toda essa
informação e não ter ideia nenhuma, o que no fundo não vai adiantar nada, o que eu
fizer não vai ter impacto nenhum pra ninguém. Essa confiança na ideia, quando
agente tinha menos ferramenta, existia mais, porque assim, ideia eu acho que é
resolver um problema. Então, quando você consegue identificar o problema com
clareza, a ideia é uma solução criativa pra um problema, não é uma coisa iluminada.
Eu sou da ralação, sou operária. Acho que é identificar um problema e descobrir a
forma mais criativa de sair dele. Existia então, uma confiança maior assim “ah essa
ideia vai resolver, surpreender, divertir, vamos nessa”. Agora, acho que é tudo muito
mais medido e acaba ficando mais contido, mais igual.
O fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas influencia negativamente na propaganda, comprometendo o caráter artístico e criativo da publicidade? É, mas, porque o que eu acho é que o caráter artístico e criativo também está a
serviço de um objetivo de mercado. A dificuldade que eu acho que muitos
anunciantes têm é de entender que o que é divertido, criativo, vai beneficiar a
imagem do seu produto e suas vendas. Essa separação é que eu acho que é ruim,
assim “ah não, tem que ser vendedor”, mas o bom é vendedor, surpreendente é
vendedor. Acho que quando a propaganda trás informação, imagina, você como
consumidor, quando te trazem uma informação que você não sabia, mas quando ela
115
te mostra uma coisa que você está cansado de saber, mas de uma forma bem
humorada, você tem muito mais empatia com aquele produto do que simplesmente
ficar gritando no seu ouvido e batendo na mesa pra te acordar
Como é o seu processo criativo? Eu leio o briefing, por mais que os atendimentos não acreditem, leio, releio. Meu
exercício é esse, procurar identificar e ter com o máximo de clareza, o que é o
problema, depois o que aquele problema provoca, para eu encontrar uma solução
criativa. Uma outra coisa que eu comecei a falar, eu busco muita referência. Não
necessariamente eu leio, fuço, vejo fotos. As referências que eu busco não estão
diretamente relacionadas, muitas vezes eu vou criar para um lançamento imobiliário
e vou querer ver uma revista de moda, ou de uma coisa ligada à culinária. Porque é
ate limitador, quando você vai no universo que você precisa trabalhar. Você acaba
vendo ideias que poderiam ser a solução pro seu problema e isso te limita, isso te
influencia. Então, eu busco referência, mas eu abro completamente o leque, eu vejo
qualquer coisa, mas, eu preciso alimentar. Minha mãe falava ”vai dar uma volta para
dar pasto às vistas”. Então, eu preciso muito dar pasto às vistas. Eu vejo qualquer
coisa, mas preciso ver, abro fotografia, qualquer coisa. Eu preciso ver, esse é meu
processo. Não vou me lembrar agora, mas muitas vezes eu já tive ideias vendo
coisas que não tinham nada a ver. Imagina, eu já li o briefing, fiquei horas tentando
desenhar o problema, então aquela pergunta já estava na minha cabeça, quando eu
encontro a resposta ela pode vir de qualquer lugar, o problema já está ali, né?
Teve alguma peça, ou campanha que você achou sensacional e foi bombada? Aconteceu isso? Milhares de vezes. Com certeza tem. Será que eu vou lembrar? Mas tem aquela que
você acredita. Muitas vezes, a gente sabe que isso distanciou do briefing, mas está
tão legal essa ideia... Tem hora que você faz isso, mas tem situação que você faz
assim, “puta merda, isso é muito bacana e responde o briefing”, e nem sempre. A
cada job eu esqueço tudo que eu sei, eu leio com uma vontade de resolver. Acho
que isso é meio inocente, mas acho que é bacana, porque te deixa envolver.
116
Quais dicas você daria para um profissional recém-formado? Eu só acho que, muitas pessoas passam. Eu trabalhei com muita gente, vi muita
gente passar pela carreira de publicitário na função de criativo, redator, diretor de
arte, diretor de criação. Eu sinto que muita gente nunca sentiu aquele gostinho de ter
que passar dias naquela angústia e um dia conseguir resolver, ter uma ideia que
você leva e é aprovada. Eu tenho certeza que muita gente nunca sentiu. Tem gente
que não segura a onda dessa angústia, porque é um troco fudido. Eu tenho 20 e
tantos anos de carreira e ainda fico completamente tomada por aquela angústia.
Você está tomando banho e está com aquele problema, você está tomando sua
cerveja e está com aquele problema. Você leva aquele problema pra casa e fica com
aquele troco te enchendo o saco. Consigo imaginar aqui agora “puta merda, na hora
que eu resolver essa campanha, todos os problemas da minha vida vão acabar”,
porque é um troco tão angustiante. Tem gente que não segura essa onda, mas
também não sente o maravilhoso gostinho de “puta merda, resolvi”, porque é muito
bom. Então, segura a onda da angústia, corre atrás, cola. É muito fácil perceber que
é bom, quem tem essa inquietude criativa. Cola nesses caras mesmo que eles te
desprezem. Seja um chato, porque não tem outro jeito sabe, você escolheu essa
profissão, agora vá em frente, tira o melhor dela.
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ANEXO I – ENTREVISTA CAULE RODRIGUES
Nome: Caule Rodrigues
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Pro Brasil Propaganda
Área de atuação: Supervisão de criação
Tempo de mercado: 14 anos
Sabemos que você já atuou na área de planejamento. Quais as principais diferenças no processo produtivo que você enxerga entre o planejamento e a criação? Bom, a minha formação é em direção de arte. Comecei como diretor de arte há 14
anos atrás. Quando entrei na Pro Brasil, há cinco anos atrás, entrei como diretor de
arte. Exerci a função de direção de arte aqui por cerca de um ano e pouco, aí passei
pra coordenação de criação, e depois da coordenação de criação fui pra uma área
que a Pro Brasil desenvolveu chamado Planejamento Criativo. E o Planejamento
Criativo é uma área do planejamento que está focado no desenvolvimento de
conceito. Conceito alinhado às propostas do planejamento e coisas assim. Então, a
minha principal função no Planejamento Criativo era criar conceitos e manter o
alinhamento das ideias que estavam sendo desenvolvidas a partir dali. Bom, são
duas áreas que, apesar de terem foco criativo próximos, são formas de pensar muito
diferentes. O Planejamento Criativo é mais pragmático, é mais focado em estratégia,
muito mais focado em estratégia e muito menos livre nesses sentidos, enquanto a
criação publicitária é mais livre, pensa nas ideias e coisa e tal. E ainda tem uma
diferença em relação à direção de arte, que é ainda um outro aspecto criativo que é
visual e seu repertório conta muito. Quando se está falando sobre senso estético, a
bagagem que você tem, bagagem cultural, bagagem intelectual, ela é um aspecto
importantíssimo. Então, basicamente, as diferenças que eu vejo nisso, uma é o
pensamento estratégico, focado em causa e efeito, resultado. “Isso é bom não é
bom”, “vai atender à demanda do cliente, não vai atender”. Chegavam números que
indicavam o não senso comum. O senso comum dizia que a classe C gosta de tal
coisa, e a gente tinha que contestar isso até achar um outro pensamento que fosse
estrategicamente bom pra incluir no nosso trabalho. E já na criação publicitária é
uma coisa mais focada em ideias é uma coisa um pouco mais livre. A minha
118
experiência com planejamento e a minha experiência com criação foram,
comparando, muito em torno disso.
Você tem contato com os clientes dos jobs que faz, ou apenas com o briefing? Muito por consequência da minha atuação no planejamento, dessa situação, eu tive
um enorme privilégio de ter um contato muito próximo com o cliente, principalmente
na configuração do briefing. Geralmente não chega um briefing escrito, chega pra
mim uma reunião com um cliente, e aí depois os agentes que participaram daquilo
ali, entendeu? Pra aí sim chegar um briefing, e esse briefing que vai pra equipe de
criação, e eu, como supervisor, acompanho o que está sendo desenvolvido. Mas
assim, eu, até mesmo por conta da atuação no planejamento, estou muito inserido
no contato direto com o anunciante.
E você acha que isso facilita o processo criativo?
Eu acho primordial. É essencial sentir o pulso do paciente ali na hora, e uma das
coisas que é difícil em agência, ainda mais uma agência que se propõe em ser mais
estratégica pro anunciante. É muito difícil esse distanciamento, porque a gente está
aqui pensando “nossa que legal, que bonito isso aqui, é pertinente, eu aprendi, eu
vivi, eu testei, eu pesquisei, e assim funciona”, mas o paciente tem realidades que,
por melhor que seja o departamento de marketing do cliente, é difícil de transmitir
pra gente, então, essa proximidade com o cliente é importantíssima. A agência é da
área de marketing praticamente é a única parte terceirizada a área de marketing.
Quando a gente tá falando de preço ponto, praça, promoção, o p promoção é o que
é terceirizado, e ao mesmo é o que precisa transmitir a alma da empresa, é uma
coisa curiosa: é preciso ser terceirizada, porque é preciso de você enxergar a
empresa de fora pra dentro, mas é preciso também enxergar a empresa de dentro
pra fora. E estar próximo é primordial pra que isso aconteça
O fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas influencia negativamente na propaganda a ponto de comprometer o caráter artístico e criativo da publicidade? Bom, eu acho que, tem um pensamento... Eu acho crescente entre as agências, e
as agências que estão percebendo isso, eu acho que elas estão se dando melhor, é
que ela não é um fornecedor simplesmente de comunicação do cliente, ela é um
119
braço estratégico do cliente. E o cliente que percebeu isso, que comunicação não é
se mostrar pro mercado e sim algo estratégico, algo que tem a ver com o negócio do
cara, que tem a ver com a formatação do produto dele, são clientes que estão se
despontando muito mais, são clientes que estão nesse ambiente competitivo se
dando muito melhor. Agora, claro, a interferência nesse processo modifica sim essa
relação artístico/criativo que agente vê da agência, que a gente espera da agencia.
É obvio que há uma tendência a uma burocratização maior, por conta dessa
necessidade de sermos um braço de negócios, um braço estratégico, e não só um
braço estético, bonito e belo do cliente. Então é assim que eu penso em relação a
essa questão.
Você acha que tentar se adaptar as tendências do mercado acaba sendo uma limitação da liberdade criativa?
Engraçado, vou fazer um parênteses, vocês podem cortar fazer o que vocês
quiserem com isso, mas pode ajudar a chegar nessa explicação: uma boa parte do
período com que eu trabalhei com planejamento eu trabalhei muito próximo com
design. Publicidade cria em dois dias algo que vai durar uma semana, duas
semanas, o design cria em 3 meses algo que vai durar 20 anos. E tudo que o design
faz quando ele tá começando esse processo de criação é estabelecer os limites
dele. O papel em branco é o martírio do design, então ele tem que definir que vai ser
assim, que vai ser assado. Isso com a finalidade de durar 20 anos, 30 anos o que
for, uma logomarca, um. Ok. Mas, basicamente, o que eu estou dizendo é o
seguinte: o limitador hoje em dia que é algo que se você for olhar só do ponto de
vista criativo é terrível “nossa não quero ser limitado eu quero ser livre pra ser artista,
pra criar e coisa e tal”. Como a publicidade foi muito eficiente na década de 70 e 80,
hoje esses aspectos limitadores é o que estão garantindo às marcas longevidade.
Então, é um duelo, ser criativo ser interessante, ser inusitado. Mas que dure, 20, 30,
40 anos aquela imagem, aquele conceito. É aquela coisa, o tipo de criação que a
gente via muito Pepsi e Coca-Cola nos anos 80, cada dia uma coisa diferente, cada
dia uma coisa interessante, engraçada e divertida. Hoje, não é mais o ponto central.
O ponto central é você ter um conceito e esse conceito viver 30, 40 anos, é o keep
walking, é o think different, impossible is nothing. Você pega isso aí e os caras vão
reinventado isso e isso é um limitador. Eu poderia pegar a Johnnie Walker e falar
assim, criar coisas maravilhosas sem estar preso ao “Keep Walking”, mas eu tenho
120
que estar preso ao “Keep Walking”, e se eu fizer algo maravilhoso que não combine
com isso, eu estou atrapalhando a estratégia da empresa. Então, do ponto de vista
do trabalho, é inevitável. Sentar na frente do computador sem ter uma lista de coisas
que tem que cumprir é muito melhor. A ideia pela ideia é muito mais gostoso quando
você está criando, mas isso não é a realidade hoje. E não é estratégico, e não é
pertinente. E uma coisa pra quem tá começando: gente, criação é uma atividade
pragmática, que você tem um foco, você tem uma série de parâmetros pra cumprir, e
esse é o desafio. Ser criativo para uma campanha como aids, onde você não tem
compromisso nenhum em de fato erradicar o problema da aids, é uma maravilha.
Agora, se você tem um compromisso de erradicar o problema da aids, se você tem o
compromisso de dissuadir o pensamento do outro, e não o seu ego, nossa, aí a
coisa começa. E aí sim estão os verdadeiros criativos. Criar sobre plenas condições
é fácil, criar sobre condições limitadoras é o que separa o joio do trigo. É uma coisa
que eu martelo muito aqui, “ah, mas a Mondaine tem sempre um padrãozinho aqui e
pá”. Toda vez que a galera chia, chora do padrãozinho que eles reclamam, eu viro e
falo “gente, é que tá aí, agora é extrapolar isso aí. A capacidade nossa criativa vai
ser agora”. Criar sem ter compromisso nenhum é ótimo. E geralmente saem coisas
fantásticas depois de um período de choradeira. Construir uma Ferrari com um
bilhão de dólares é fácil. Quero ver você construir uma Ferrari com mil reais. Vai
exigir muito mais criatividade, planejamento, estratégia. Que é uma queixa do varejo,
que é o limitador. O varejo é o patinho feio porque ele precisa... A questão maior que
eu vejo hoje da criação publicitária está ligado não ao criar em cima de parâmetros,
criar em cima da padrões é muitas vezes mais difícil do que criar em cima de nada.
E hoje, o que as marcas precisam muito mais do que grandes ideias, é coerência.
Elas estão prometendo um beneficio pro consumidor de alguma forma. Ser fiel a
isso, ser fiel na comunicação, ser fiel na publicidade, ser fiel na prestação de
serviços, de produto e todos os demais aspectos é o que vai garantir uma maior
longevidade daquela marca e maior fidelidade do cliente e melhore negócios, e
melhores retornos financeiros praquela empresa. Então, a criação hoje, como um
desses instrumentos, é extremamente importante, não é mais uma criação sem
sentido, sem objetivo, ela precisa, e essa é a grande questão, e o que está
separando os melhores criativos dos não, é “temos um limite”, porque a marca
precisa de ser de um mesmo jeito. E esses limites, quem conseguir extrapolá-los,
respeitando os seus parâmetros, vai conseguir fazer trabalhos criativos e pertinentes
121
pra marca, e que vai gerar negócios e que vai garantir longevidade pra marca. E é o
que o eu cito os exemplos de keep walking, think different. Conceitos que se você for
olhar aí são vigorosos há 50, 60 anos. E eles estão vigorosos porque quem está
criando em cima disso, em cima de um keep walking, são tão fiéis a isso, tão fiéis a
esse conceito. Aí você pensa “ah, mas é gostoso criar pra uma Johnnie Walker. É
fácil. Olha como que é bacana, grandioso, os caras tem muito dinheiro coisa e tal”. É
gostoso porque a gente viu pronto, mas ali tem uma pessoa olhando criticamente, às
vezes detonando ideias maravilhosas, coisas que você pensa “gente, isso aqui
ganharia Cannes em qualquer época do ano”, mas não está construindo a marca,
não está levando pra marca, não está deixando um residual pra marca que os
consumidores a médio longo prazo vão continuar lembrando, continuar se
engajando por ela e coisas assim, entendeu? Então, essa questão, é claro que os
parâmetros, as tendências, as obrigações, o posicionamento da marca, são
elementos limitadores da criação, mas o melhor criativo é aquele que vai pegar
essas limitações e aumentá-las, extrapolá-las, e fazer diferente, de forma que ao
longo de um tempo você fala “oh, essa marca tá dizendo isso pro consumidor, ela
está envolvendo o consumidor dessa maneira”. E isso é uma coisa que é muito
positiva eu acho, e assim, porque, sim a gente perde o aspecto artístico da
propaganda, mas a gente ganha e muito do aspecto profissional, do aspecto técnico,
do aspecto efetivo que eu acho que é importante pra nossa profissão.
Como costuma ser o seu processo criativo? Bom, é engraçado, essa é uma questão curiosa. Processo criativo, cada um tem um,
e talvez a cada momento você tenha um, e eu posso descrever N processos que eu
já fiz, então uma coisa que já fiz quando estava voltado muito pro Planejamento
Criativo que eu gostava de fazer: no Planejamento Criativo, o melhor exercício é
olhar a informação e não pensar o senso comum. Se o senso comum, por exemplo,
falar que a classe C não quer ler, por exemplo, a classe C está lendo pouco, se o
senso comum está dizendo isso, vamos olhar um pouco o que está chegando nessa
classe C. O que está chegando nessa classe C vem muito pela internet, vem muito
pelas revistas e vem muito por meios escritos. Ok, o consumo de livro pode estar
diminuindo, mas a leitura, creio eu, não está diminuindo. E isso, não aceitar a
informação como ela está. Então, o processo criativo quando se está falando de
planejamento criativo é muito focado em informação. Quando se está falando de
122
criação de conceito, é muito focado na promessa, o que a marca está prometendo. A
marca está prometendo preços baixos? A marca está prometendo melhor condições,
felicidade? Está prometendo ser diferente, pensar diferente? Se é essa a proposta,
você tem que botar isso na sua cabeça, entendeu? E ao mesmo tempo, pelo menos
eu faço isso, buscar nos seus referenciais. A bagagem cultural que você vai
adquirindo é o seu principal referencial, não é anuários de propaganda o seu
principal referencial. Não que seja ruim, anuários de propaganda tão aí, é bom ver o
noticiário, o que está sendo feito e estaria sendo mentiroso se não consultasse,
consulto e adoro e devoro. Mas o referencial é o boteco, é a conversa na rua, é
sentir alguma coisa. Por exemplo, atender varejo, como a gente atende, a Ricardo
eletro. Ir lá pra uma loja, e ver aquelas senhoras ali, naquele dia quente, disputando
a tapas uma oferta é de uma riqueza que um dia de loja é 2 anos de campanha
criada e com o sucesso quase que garantido. Então, esse tipo de olhar sobre as
coisas referenciais pode não ser útil naquele momento, mas ela vai ser muito útil no
processo criativo, então, tudo é referência. Então, falando sobre criação de conceito,
voltando para a questão de publicidade, uma coisa importante pro meu processo, e
eu acho que não difere muito das pessoas que tão criando é olhar o que está
acontecendo, olhar pras pessoas, e uma coisa: distanciar do pré-julgamento. “ah
isso tá acontecendo por causa daquilo”. Não. Pode ser, mas o que mais pode ser?
Esse preconceito, pré-concepção de que tal coisa funciona assim, é um limitador
criativo, um limitador do processo criativo gigantesco. É da direção de arte que aí é
uma outro aspecto. Tem o planejamento criativo, a criação de conceito e a direção
de arte. Aí é uma coisa assim, sensação, entendeu? O que determinado layout,
determinada cor, composição tá causando sensação, entendeu? E claro, eu sou
uma pessoa muito visual, muito mais visual do que textual. O texto pra mim é uma
imagem. Então isso também faz parte do meu processo criativo, ou seja, a imagem,
o que ela tá me passando de sensação, seja ela a capa de um livro, uma bagunça
de um ambiente, entendeu? É esse tipo de coisa, beleza. “É essa sensação que eu
quero causar pra esse anúncio, pra essa peça, pra esse vt, aí a partir daí é começar
a perseguir elementos que vão causar essa sensação, seja com cor, seja com
forma, logomarca, tipologias, enfim. Na direção de arte comigo conta muito que tipo
de sabor que eu quero passar, é mais energia, é mais alegre, é mais triste, é mais
pesado, é mais sagaz ou coisa assim.
123
Mais alguma coisa, alguma história que você queira contar, alguma coisa assim? Eu poderia ficar aqui até amanhã. Bom, uma coisa que eu acho interessante nesse
trabalho seus, e eu acho que uma forma geral na nossa profissão, e acho que vale
como uma dica, porque eu vivi um período bem de transição da publicidade,
entendeu? Do período em que as coisas eram mais empíricas, até mais gostosas de
fazer, e é dessa época que a gente está falando das campanhas mais premiadas,
dessa época de nascimentos de Washington Olivettos da vida, dessa época que a
gente está falando, que vem essa ditadura da ideia que as pessoas tem muito hoje.
E eu acho, posso estar redondamente enganado, que a criação publicitária não está
mais vivendo a ditadura da ideia, não é a ideia pro publicitário que interessa. Pode
ser, pra ganhar prêmio ainda é. Apesar de que Cannes, de dois anos pra cá, a
principal premiação de Cannes era filmes, neguinho estava morrendo nas agências
pra produzir um filme que seja encantador. De um ou dois anos pra cá, a principal
premiação de Cannes é o Titânio. E o Titânio premia o resultado, premia o conjunto
da obra. Às vezes você vira pra peça e fala “não é nem bonita, não é nem
interessante”, mas quando você vê o case, a transformação que aquilo ali causou.
Onde o cara foi cutucar o consumidor, invadir a mente do consumidor, é aí que fala
“é aí que tá o nosso grande filão de agora”. E eu faço analogia um pouco com a
época das artes. Até a arte contemporânea, a arte era exclusivo das esculturas,
pinturas, música, literatura e assim por diante. Então, essas eram as plataformas da
arte. Aí de repente chega um cara e fala “não, a plataforma da arte é a ideia”, e a
ideia não está presa à nada, não está presa ao papel, não está preso a harmonia,
não está preso a nada. E isso é desconcertante. Você não sabe nem por onde
começar, nem qual é plataforma. Por onde eu começo a criação de uma ação de
guerrilha? Começo por um anúncio? Não dá. Um outdoor, um VT? Começo por um
roteiro de alguma coisa? Então, voltando a questão de Titânio, Titânio já é a
principal premiação de Cannes é a prova de que quem trabalho com criação não tá
criando VTzinho de 30 segundos, anuncinho de página ou outdoor. Está criando
algo que vai transformar a cabeça do consumidor, e isso é desconcertante. É um
desafio criar cases muito maior do que criar anúncios.
124
ANEXO J – ENTREVISTA CRISTINA CORTEZ
Nome: Cristina Cortez
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Lápis Raro
Área de atuação: Direção de criação
Tempo de mercado: 20 anos
Quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Pode falar uma só, a mais importante? O aparecimento da internet. Tem 20 anos
que estou no mercado e a internet... Há 18 anos a internet é usada como ferramenta
de comunicação, se eu não me engano. E, sem dúvida, foi isso que revolucionou
como meio de comunicação, como mídia, como fonte de pesquisa... Mudou tudo. Eu
tenho uma campanha que até fala sobre isso. É uma campanha que fala assim: “O
Toy Story tem 18 anos. O Play Station já tem 6 anos”. Fala sobre as coisas que você
pensa que são atuais, mas na verdade são “velhas”. O Harrisson Ford está fazendo
70 anos, o Mick Jagger está fazendo 70 anos. Os Rolling Stones têm 50 anos. As
coisas passam rápido mesmo.
Você tem contato com os clientes dos jobs que faz, ou apenas com o briefing? O contato com o cliente é fundamental. Não só nessa parte formal, de pegar briefing,
de apresentar campanha. Mas, às vezes, em reuniões mais informais também.
Como agora a gente vai ter uma reunião pra apresentar, a Carla vai fazer uma
apresentação pro Maturana, que ela está lendo e ela quer falar sobre o livro, sobre a
obra dele. Então, chamou alguns clientes pra gente conversar sobre isso. A gente
quer fazer também com alguns clientes uma apresentação sobre Cannes, os pontos
principais, o que teve de legal, o que é tendência. Isso é importante pra você abrir
um canal mais informal de comunicação e não atender só por demanda. Você
atender também, você ter um conhecimento maior pra você poder propor, que é a
parte mais legal, que é a parte que você pode fazer com tempo. Porque às vezes a
parte da demanda é sempre "eu quero pra depois de amanhã". Mas quando você
pensa, você está conhecendo o cliente mais a fundo... E a Lápis tem essa parte do
planejamento muito forte. E você tá conhecendo o cliente mais a fundo, você pode
fazer propostas pra ele que às vezes ele não espera. Vê uma oportunidade. E hoje
125
está cada vez mais forte essa onda de aproveitar a oportunidade. Mais do que
planejar a longo prazo, porque o mundo não sabe o caminho, ninguém sabe o que
vai acontecer, what's next. Então essa parte de você conhecer o cliente pra saber
fazer a ligação na hora certa das coisas e estar sempre em contato com ele, de ter a
liberdade de ligar, a criação poder ligar, conversar, é muito importante.
Como é o seu processo criativo? Tem quatro etapas importantes no processo de criação. Uma quando você ouve o
problema e você tem a intuição. Você tem mais ou menos uma solução na cabeça,
você tem uma primeira impressão, o que você acha que pode ser, uma primeira
solução que não pode ser desprezada. Porque essa que vem pela intuição, muitas
vezes tem uma verdade nela. Depois dessa parte, vem a informação. E nisso o
planejamento ajuda demais. É internet, redes sociais, essa pesquisa pessoal. Não
só pesquisa formal, de instituto de pesquisa, mas a pesquisa pessoal, você vai em
campo, ver de perto o cliente, ver o dia-a-dia, essa parte é importante. Depois vem a
incubação. E a incubação é a parte mais angustiante do processo criativo. Porque é
aquela parte em que você acha que você não vai ter uma nova ideia. Que você é
uma farsa. E que você enganou todo mundo até aquele momento, mas que agora
você vai ser descoberto. E aí vem a parte do sofrimento que é inerente ao processo
criativo. Que é onde vai te levar um passo além. Depois desse processo vem a
inspiração. Que parece que é a parte fácil, a parte que vem dos deuses, de algum
lugar que ninguém sabe explicar, mas que vem depois, normalmente, pras pessoas
comuns no mundo, pelo menos, vem depois dessas outras três fases. Acho que
ninguém... Isso varia o tempo, até porque você tem um prazo pra cumprir, mas não
tem muito como você pular essas etapas não. Quanto mais informação você tem,
mais fácil esse processo, esse processo de incubação às vezes pode ser mais
angustiante, porque a informação é tiro pra todo lado. A parte de incubação é a hora
em que você vai ficar lá no casulo um pouco vendo o que é importante, separando o
que não presta, o que não é importante, pra depois você chegar na inspiração, você
chegar na ideia que é uma ideia original, dizer o que o cliente quer dizer de uma
forma que nunca foi dita. Eu acho que esse é o mesmo processo pra qualquer
pessoa.
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Quais aspectos você acha que mais limitam a criação no mercado atual? O medo de arriscar. Eu acho que todo mundo quer uma ideia original mas dentro do
que já existe. Porque você vê uma coisa totalmente nova, qualquer coisa totalmente
nova envolve um risco. A gente está lidando com o ser humano. Ele não é 100%
previsível, não é garantido que você vai ter a resposta que você quer. Você cerca de
todas as formas possíveis e a gente tem essas ferramentas, a gente estuda pra isso.
Mas inovar mesmo não é 100% seguro. E hoje em dia existe cada vez menos
espaço pra arriscar, pra errar. Cada vez menos margem pro erro. A Wieden +
Kennedy, que ganhou esse ano a agência do ano em Cannes, que é uma agência
muito bacana, mais underground, uma agência independente, não é associada a
nenhum grupo, o slogan deles, escrito enorme lá na agência é "fail hard". E é muita
coragem estar escrito isso na agência, né. Assim, é pra poucos.
Tem aquela frase engraçada que é "O cliente quer uma ideia nova que já foi testada". Exatamente. Ele quer o que não tem erro. E, pra maior parte das pessoas, o novo, a
gente, como tá em contato com comunicação o tempo todo, a gente vê o novo como
uma coisa mais lá na frente. O senso comum às vezes vê o novo aqui, dentro do
que ainda existe. A gente tem que levar isso em consideração, porque a gente não
tá fazendo propaganda pro publicitário. A gente tá fazendo propaganda pra um
público de velhinhos, senhoras, mocinhas, depende do público que a gente tá
tratando. Mas a gente tem que levar isso em consideração. Às vezes a gente dá 10
passos e as pessoas só entendem até o quarto. É, isso tem que ser levado em
consideração também.
O fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas influencia negativamente na propaganda comprometendo o caráter artístico e criativo da publicidade? Eu fiz uma palestra uma vez lá na Federal que era "Artista é o caralho". Que a gente
não é artista. Arte é outra coisa. Lá em Cannes teve uma palestra de um cara muito
legal, um artista de rua chamado JR, ele é francês. E ele falava "arte x propaganda".
E ele falava sobre o trabalho dele, de rua, como começou com o trabalho, ele é
grafiteiro... Falando que tudo o que ele faz é ilegal, mostra os trabalhos dele que são
maravilhosos, assim, maravilhosos, ele fez trabalhos pra vários lugares. Na África,
127
no Brasil, na favela, e ele terminou a palestra falando que a Mercedez procurou ele
pra usar uns cartazes dele em anúncios e ele falou não, não pode. E depois a
Volkswagen, acho que pra anunciar o New Beetle, que o New Beetle passava por
algum lugar onde no muro tinha um trabalho dele e ele falou não. Aí alguém falou
pra ele assim "cara, seu trabalho está lá no comercial do New Beetle". Aí ele olhou
no YouTube e eles apagaram o trabalho dele e colocaram uma imagem de um
banco de imagens mesmo assim. E ele ficou morrendo de rir. E ele terminou falando
assim: "então vocês me perguntam se arte e propaganda são a mesma coisa, eu
digo não. Vocês fazem A, eu faço B. Vocês usam foto colorida, eu ponho P&B. A
gente disputa espaço na rua. Eu sou livre. O meu limite é só a minha
responsabilidade. Vocês falam 'just do it', I do it." E ele fala: "eu estou competindo
com vocês. Disputando o mesmo espaço na rua. E vocês não vão me usar pra
propaganda". Foi aplaudido de pé por todos os publicitários. Depois ele até postou,
ele tirou uma foto do palco com o iPhone dele, e aí colocou lá no blog dele "falei
contra os caras, eu era inimigo deles e fui aplaudido de pé". A gente não é artista. A
gente não pode ter essa pretensão porque é exatamente isso que leva a gente a
tomar o trabalho pra gente e não compartilhar a ideia com o cliente, não deixar que o
cliente acrescente a ideia e achar que o trabalho é nosso. Não é. A gente faz um
trabalho pro cliente. Tem que respeitar os limites da propaganda, ela tem que ser
inteligível. A arte não tem esse compromisso. Ele segue um determinado fim. Tem
que ter um objetivo, tem que ser simples, tem que ser clara a mensagem. Se não
vender, não funcionou. A arte não tem esse compromisso com o comércio. Então
são coisas completamente diferentes.
Você acha que tentar se adaptar as tendências do mercado acaba sendo uma limitação da liberdade criativa? Não é uma limitação. Eu acho que a gente se adaptar ao mercado é um dos
desafios. A gente trabalha com um desafio, que é vender. A gente não pode criar
qualquer coisa. Não é qualquer coisa. Não é arte. Você tem o limite e esse limite é o
seu desafio. Não é qualquer um que faz. Um artista não faz. São trabalhos
diferentes.
128
Quais as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? A partir disso, quais dicas você daria a um profissional recém-formado que pretende atuar na área de criação no meio publicitário? A tendência que eu destaquei, não sei, é difícil falar de tendência. Eu acho que a
simplicidade, histórias bem contadas, a propaganda cada vez mais envolvida na vida
das pessoas. Ela vindo mais das pessoas pra marca e a marca devolvendo pras
pessoas o que ela prega. Essa interação é possível hoje de um jeito tão absurdo
que, se a gente não explorar, a gente fica, corre o risco de estar só ditando alguma
coisa de cima pra baixo e não conseguir esse feedback das pessoas. As pessoas
dão esse feedback. E a gente tem que usar. Pra interagir a marca com as pessoas e
as pessoas entre si. Algumas marcas conseguem fazer isso muito bem e eu acho
que essas marcas é que estão ditando as tendências de propaganda hoje em dia.
Conselho pra estudante é o seguinte: aquela parte de informação da ideia da
criação, do processo criativo, estudante de comunicação não tem que estudar
redação ou direção de arte, isso é só a técnica. Se você não tem de onde tirar, se
você não tem repertório na sua cabeça, se você não tem de onde tirar uma ideia,
não adianta você estudar Photoshop, redação. Você pode até ter um texto
maravilhoso e não ter conteúdo. Então, você tem que estudar cinema, arte, filosofia,
antropologia, sociologia, essas matérias que a gente não dá valor quando está na
faculdade, quando a gente quer ir logo pro mercado, elas são as mais importantes.
Elas que fazem a diferença na hora de você ver um bom profissional e um
profissional médio. Um profissional médio não consegue sair do nível dele porque
não tem repertório. O bom profissional foi o que passou a vida se abastecendo.
Porque uma pessoa que trabalha com comunicação é uma pessoa especialista em
assuntos gerais. É uma pessoa curiosa, é uma pessoa que conhece um pouco de
tudo. Que sabe falar com um velhinho, que sabe falar com uma criança. E isso é só
com leitura. Não é com leitura de web, é leitura de livro. Aquele cheio de papel que
você vira e lê como ficção, sabe? Crime e Castigo, esses livros mesmo. Não precisa
ler nenhum livro técnico. É... Lê bastante.
Existe alguma campanha que você fez e que considera um destaque na sua carreira? E alguma feita por outros profissionais que você toma como referência?
129
Tem as campanhas que a gente mais gosta de fazer e tem as campanhas que mais
agradam. Nem sempre casa uma com a outra. Às vezes a gente é surpreendido.
Fala "poxa, mas eu gosto tanto dessa ideia e essa outra agradou mais". Tem uma
que casou essas duas coisas, que foi bem legal, recentemente, que foram dois
filmes que a gente fez pra Unimed dos três mosqueteiros, que teve uma repercussão
legal e um feedback muito legal de público, de vendas, de retorno, de produção, que
a gente conseguiu fazer uma ideia legal. E isso só foi possível de fazer por causa da
parceria com o cliente, que já tá aqui há tanto tempo.
E quem produziu aquele comercial? Foi feito aqui, em Belo Horizonte. A gente gravou em Lavras Novas, em um lugar
que é igualzinho a uma taberna. Até o cavalo do cara se chama Excalibur e é
cortadinho assim o pelo dele, tudo, tudo naquele esquema. Os atores são daqui, o
diretor, tudo, tudo nosso.
Tem uma campanha, acho que antes dos Três Mosqueteiros, acho que foi a primeira vez que vi alguém usando direito aquele negócio do YouTube, aquele negócio da propaganda obrigatória do YouTube, foi da Lápis Raro. Foi um texto falando pra você esperar... Era do agendamento online? É, aquilo foi bem legal. Esse depoimento só é valido
até 30 de dezembro de 2012. Depois eu mudo de opinião. As coisas que a gente
grava ficam às vezes parecendo que a gente pensa igual pra sempre, né? Tem um
outro comercial legal também que a gente fez que é da Araujo. Que aparece nos
cinemas. Que tem um bonequinho que fala assim “ah, o verão” e que é bem varejo.
Um dia os meninos da Tag, que é um pessoal bem bacana que trabalha aqui em
Belo Horizonte com animação, eu tava fazendo uma reunião com eles de outra coisa
e aí eles falaram “a gente acabou de comprar o equipamento 3D. Se você tiver
alguma ideia pra usar”. Eu falei “ué, beleza, tá, vou pensar”. Aí eu pensei “cara,
aquele bonequinho da Araujo pode dar uma animação legal em 3D”. Aí fiz o
roteirozinho, chegou o redator que tava de férias, eu compartilhei com ele, ele
mexeu um pouco também, a gente conversou, depois a gente chamou os meninos
aqui... Então o cliente não tinha pedido, não sabia de nada. Então, a gente tinha
todo o tempo do mundo. Chamamos os meninos aqui, demos as ideias pra eles,
mas como eles trabalham com animação, eles deram as ideias mais absurdas de
130
animação. Então, a ideia era o bonequinho que chega e vai assistir a um filme e ele
senta assim de frente pra tela de cinema. Aí ele vai ligar o controle e, de repente, ele
vê alguém na platéia tomando uma Coca-Cola. Aí ele mostra a pessoa, um filme da
pessoa tomando Coca-Cola e ele “ah”, aí ele vai à geladeira, olha e não tem Coca-
Cola. Aí ele pega e vai correndo pra pular pela tela e “Tum”, bate. Aí ele fica meio
desesperado, e aí isso já tem a ideia dos meninos da animação, ele abaixa e, de
repente, ele aparece de Thor, com um martelo. Aí ele tenta quebrar, mas aí ele cai
pra trás. Aí ele está de Jason. Isso aí a gente não colocou no roteiro porque se você
coloca “Jason” no roteiro, o cliente bomba a ideia. Então nós não escrevemos isso, a
gente fez. Aí ele aparece de Jason e não consegue também. Aí ele tem uma ideia e
pega aquela espadinha, aquele sabre de luz, aí ele pega e “vrum”, faz um furo na
tela e isso foi ideia do 3D lá na frente. A ideia era o tempo inteiro brincar com o 3D,
na hora que ele olha dentro da geladeira e vê que não tem nada, vê a carona dele
em 3D assim. Por isso que a gente compartilhou com os meninos. Pra usar o 3D do
jeito mais legal que tivesse. Aí ele abre e tenta pegar e não consegue de jeito
nenhum. Aí aparece uma plaquinha assim “tá difícil sair? A Araujo tem, a Drogatel
entrega”. Aí vem um carinha por baixo, que a gente filmou. Na verdade a ideia era
chegar um cara no cinema e perguntar “alguém pediu Drogatel aí?” com a sacolinha.
Só que isso ia ficar muito caro e aí a gente filmou o cara. Então ele aparece embaixo
na tela, em uma proporção minúscula, só a cabecinha dele e fala assim “ó a
Drogatel”. Aí o bonequinho enfia a mão assim, pega a Coca-Cola, abre, toma, aí ele
vai voltar pra sala, pra poltrona e, na hora em que ele vira, ele vê a menina comendo
pipoca. Aí fechou. Aí eu vendi esse filme, fui lá um dia lá na Lu e falei “tenho uma
ideia aqui, deixa eu te contar”. Fui na mídia, pedi as grandes estreias que a gente ia
ter de cinema. Cinema é uma mídia barata, né? Tal, tal, tal, quantas semanas,
quanto custa, já fui lá com tudo pra eles. Isso aqui custa tanto, o filme custa tanto, a
gente precisa de três meses pra fazer esse filme e isso aqui é desse jeito e tal. Aí ele
falou “muito legal. Você vende esse filme pra Coca-Cola?” e eu falei “vendo”. A
gente chamou a Coca-Cola, vendeu pra Coca-Cola e a Coca-Cola pagou o filme
inteiro pra Araújo. Pagou tudo. A Araújo pagou a veiculação. O filme veiculou
durante um tempão no cinema. Na verdade, a gente tinha pedido um mês de
execução. Demorou três. E não teve stress com o cliente. O Sr. Modesto, que é o
dono da Araújo, no dia que ele foi ver, ele ficava assim “ai”, “ai”, “ai, é legal demais”,
igual criança.
131
ANEXO K – ENTREVISTA ERICK ROSA
Nome: Erick Rosa
Hoje trabalha na(s) empresa(s): JWT
Área de atuação: Direção de criação
Tempo de mercado: 12 anos
Nesse tempo, quais foram as maiores mudanças que você presenciou no meio publicitário? É difícil falar... Para ser bem honesto, as maiores mudanças eu imagino que foram...
Eu comecei a trabalhar bem na altura quando teve o 11 de Setembro, quando a
crise mundial estourou. Então, posso dizer que eu acho que comecei a trabalhar
quando tudo andava um pouco mais nos eixos. Era uma época de maiores farturas,
era um pouco mais tranquilo. Eu comecei a trabalhar no carnaval de 2000, de lá
para cá teve uma crise enorme. De tempos em tempos, eu peguei umas crises - na
Europa agora, eu tava em Portugal em 2010, 2009 quando estourou a crise lá.
Então, com a crise, porque geralmente acaba influindo diretamente nas verbas de
publicidade. Uma das primeiras coisas que cortam é a publicidade, então, eu diria
que a crise... A crise em duas épocas, né, a primeira em 2000, logo depois quando
estourou o 11 de Setembro; e agora mais recente em Portugal, quando a Europa tá
completamente parada agora, até por isso que eu acabei voltando pro Brasil. E
também no meio desses dois períodos eu tive uma experiência completamente
diferente, que a crise tava um pouquinho mais dormente.
Você costuma ter contato com os clientes dos jobs que você faz? Dos Jobs que você já fez? Ou você costuma receber direto do atendimento o briefing? Como que é esse processo na agencia? Depende assim. Muitas vezes eu tento ter o contato porque... O primeiro contato
geralmente na hora da primeira apresentação, talvez, mas... De um tempo pra cá, é
cada vez mais comum, acho que essa barreira de atendimento tem que falar com o
cliente e o atendimento depois fala com o criativo, acho que isso... Não sei, a
impressão que eu tenho é que isso, essa formalidade já não existe mais. Acho que
todo mundo fala com o cliente quando precisa e eu tenho no meu celular telefone de
cliente que às vezes eu ligo pra tirar uma dúvida, já me ligam direto às vezes, e isso
132
não cria nenhum problema... O atendimento não fica chateado acho se eu falar com
o cliente ou se o cliente fala comigo direto porque tudo que for pra somar e ajudar...
Mas, eu particularmente, que eu virei diretor de criação, eu comecei a ter muito mais
contato obviamente com o cliente de quando eu era redator. Uma coisa que eu
sempre falo com o pessoal que eu trabalho é que a agencia demora uma semana
pra ter uma ideia, dez dias pra ter uma ideia bacana, e em 30 segundos lendo um
roteiro mal apresentado você mata ela. Então, eu valorizo muito poder ter o contato
com o cliente pra poder defender a ideia, poder... Tem uma coisa que, eu vejo isso
já não com diretores de criação, mas com muitos redatores, é importante cada vez
mais importante contratar pessoas que tenham essa capacidade de relacionar bem
com o cliente para o cliente sentir a confiança na hora que você apresenta o trabalho
pra ele.
Como você descreve o seu processo criativo? A partir do momento que você recebe o briefing ou tem uma reunião com o cliente até o momento da apresentação final? É muito difícil, é muito subjetivo, mas não que... Todo mundo tem uma maneira um
pouquinho particular assim... Depende, tem cliente que você já tem um pouquinho
de, como você tem muito contato com o cliente já, você acaba... Você já sabe do
que ele gosta, você já tem uma ideia mais ou menos por onde... Até voltar à
pergunta anterior, de tanto conhecer e estar com cliente, você começa a perceber o
que pode agradar. É óbvio que não é uma regra isso, mas ajuda.
E em relação ao processo criativo, acho que com um tempo você começa a
encontrar também os macetes. É óbvio que a pessoa tem que ser criativa, mas é
muito prática também. Quanto mais prática, mais fácil você consegue chegar à ideia.
Em relação ao processo, às vezes eu gosto de pegar uma equipe, sair da agência e
ir para um bar. Lá em Portugal, como a agência ficava num bairro que é o Bairro Alto
que é cercado de bares e praças e tal, a gente costumava muito quebrar e sair
porque aqui gente fica cercado de e-mails e pessoas que podem ter acesso a você
na sua mesa, então a gente saia da agência, ia pra parques e ficava criando o dia
inteiro ou parte do dia pra tentar sei lá, escapar da formalidade do dia-a-dia, de ligar
o computador... Então o processo criativo é muito difícil falar que existe um assim
que é certo, mas eu acho que o que eu tento fazer hoje comigo é variar. Não tem
nenhuma regra muito clara. Por exemplo, ontem eu saí pra jantar com dois criativos
133
e criamos eu acho enquanto a gente pedia a comida, e quando chegou a comida a
gente não falou sobre o trabalho, e quando chegou o café, a gente voltou a falar
sobre trabalho e a gente fechou numa ideia, e hoje estamos fazendo o layout. Não
tem assim... Já, já tive horas que a gente vai pra uma sala aqui na agência, fica
trancado horas até a ideia sair. Às vezes a gente fica sem se falar dois dias depois
de ver o briefing e cada um fica com as suas ideias num canto, e depois a gente se
junta e vê o que dali é melhor, mais interessante... É difícil falar se existe um
processo. Acho que pra mim assim, se for resumir, é tentar ser criativo até na hora
do processo assim, porque se você começa a seguir sempre a mesma maneira de
criar, o perigo é você ficar um pouco redundante até na hora de criar porque fica
tudo um pouco parecido.
Quando você tava na Leo Burnett de Lisboa, você reparou alguma diferença no seu processo criativo para o processo criativo da agência no geral, em relação ao exterior e o Brasil? Eu acho que sim... O que foi bom... São Paulo, eu sou carioca, mas estou aqui em
São Paulo porque São Paulo é o centro do centro do centro, e Lisboa não é o centro
da Europa. Então, o que foi bom lá é que o holofote não tá em cima de Lisboa, então
você tem um pouco mais de liberdade de errar, um pouco mais de liberdade de criar
sem passar por 18 pesquisas, sem passar por... Pela vice-presidente, vai falar
comigo... Pô, lá é muito... Eu pegava minha ideia ia à presidente da companhia, ia à
diretora de marketing, então era muito mais estreito, muito mais simples. Então essa
simplicidade, essa falta da pressão de ser o centro de uma região, te dava um pouco
mais de liberdade pra criar. Eu acho que isso facilitou muito algumas ideias que a
gente teve lá, continua facilitando. Você vê que tem muito brasileiro que continua
não só pra Lisboa, mas pra Europa, pra alguns países que são um pouquinho
menores e que acabam tendo um trabalho relativamente mais interessante. Outra
coisa lá, eu trabalhava numa agencia de 45 pessoas. Aqui, não sei, são 300 ou 400.
Às vezes eu estou no café aqui, tem uma pessoa que eu não sei se é cliente ou se é
funcionária, me sinto até mal porque lá eu conhecia todo mundo, nome e
sobrenome. Então às vezes isso também... Aqui no Brasil também, dependendo da
agência, existe um pouquinho mais de formalidade, um pouquinho mais... Existe
uma cadeia de processos que se segue até uma ideia ficar pronta, lá, às vezes, era
tudo muito mais curtinho, muito mais simples. E nem que seja melhor ou pior, é
134
diferente. Mas sim, as ideias acabam sendo um pouquinho mais fáceis quando você
tem um pouquinho menos de pressão. Acho que é o que acontece na realidade.
Quais aspectos que você acha que limitam a criação no mercado atual? Num sei, de certa forma acho que sempre foi... Quer dizer, hoje em dia... Criam-se
muitas maneiras de testar o que às vezes não é testável, né? Vou explicar isso, as
coisas meio óbvias mas... Você cria uma coisa, por exemplo, apresento pra minha
mãe, ela acha genial, apresento pro meu pai, ele acha horrível, porque propaganda
é assim, né? Propaganda é subjetivo. Meu irmão trabalha em banco, meu irmão tem
uma tabela de Excel que chega ao final do dia, tem que dar um número. A gente não
faz isso, né? Então, às vezes quando você começa a colocar muitas e muitas formas
de teste qualitativos/quantitativos – sem querer desmerecer isso porque muita
vezes, muitos insights, muitas campanhas são salvas ou são corrigidas ou
melhoradas por isso -, mas acho que hoje, uma das grandes dificuldades eu acho
que é isso, a gente antes mesmo de ter a ideia, já passa por umas séries de testes e
pré-testes e pós-testes, até mesmo dentro da agência às vezes, e isso de certa
forma, coloca grades e cerca a ideia e deixa a ideia um pouco tímida às vezes e
começa um pouco a ficar anestesiado também eu acho, a gente começa a achar
normal. E com o tempo... Como a pessoa fala pra você “Ah, isso vai passar por um
pré-teste, depois vai passar por um qualitativo, depois por um quantitativo...”,
começa a achar normal. E é estranho quando começa a achar normal isso tudo
porque antigamente – não porque não tinha isso, porque tinha -, quando eu
comecei, que eu fazia os animatics de campanha, mas... Eu acho que, de certa
forma, hoje em dia, talvez às vezes a gente exagere um pouco. Um pouquinho de
medo de arriscar. E voltando lá a Lisboa de novo, e que às vezes era um pouquinho
irresponsável, porque a gente soltava umas campanhas, era tudo no... A gente
achava que ia dar certo, às vezes dava, às vezes não dava, mas acho que às vezes
precisa ter um pouquinho desse não-medo de arriscar, e às vezes eu acho que hoje
em dia tem muita gente aí. Tem também cliente que passa por esse processo, tem o
chefe do cliente, tem a sede em Atlanta, a sede em não sei aonde, então... Acho que
é isso.
135
Você acha que às vezes tentar a se adaptar às tendências do mercado acaba sendo uma limitação da liberdade do criativo? Assim... Quando você vai num festival de publicidade, por exemplo, eu fui a Cannes
agora, você vê tendências lá, você vê o que ganhou o Grand Prix esse ano, e você
pensa “Caramba, se os 18, as 18 pessoas do júri de titanium elegeram essa
campanha como Grand Prix, como norte a ser seguido, tem que prestar atenção
nisso.” Hoje, é o que os criativos vão estar olhando como um norte. Essa campanha
tem uma categoria A, B, C, D... Então isso é importante, mas eu não acho também
que tem que ser uma regra imutável, que a partir de agora todas as campanhas tem
que ser daquela forma. Mas é bom ver, é bom... O publicitário tem um... Tem que se
reciclar sempre, acho que não necessariamente são as tendências de publicidade,
mas tem que ser tendências de tudo. Por exemplo, a tendência de design, tem que
ver... Eu tenho que ir pra rua e ver o que as pessoas tão usando; eu assisto novela
agora – não assisto todo dia, mas assisto – a Avenida Brasil, isso é tendência, sei lá,
um terço da população, não sei quantas pessoas todo dia chegam em casa e ligam
a televisão e assistem. Tem que saber o que as pessoas consomem. Então quando
você fala tendência pra mim, é claro, tem que saber quem que ganhou um Grand
Prix em Cannes, mas também é legal saber o que as pessoas... Eu vou dizer coisas
que eu faço por exemplo, posso parecer meio estranho... Se eu estou numa praça
de alimentação, eu gosto de ver o que as pessoas tão comendo, às vezes eu passo,
se eu vou na Haagen Dazs eu gosto de ver que sorvete as pessoas... Eu fico
curioso, “que sorvete o cara vai pedir?”, o cara pede sei lá, vanilla, baunilha, ok... O
próximo pede um sorbet de manga... É interessante saber, isso é tendência também,
é você observar o pulso das pessoas e porque isso na hora que você vai criar, não
que eu vá criar um filme pra uma pessoa que compra sorvete de baunilha, mas é
bom saber que tem esse tipo de pessoa. E a novela, putz... Não que vá assistir 100
capítulos, mas é legal, você vê que isso tá mexendo com as pessoas e... Então,
acho que o publicitário tem isso, tem que estar sempre se reciclando, não acho que
é ficar abrindo anuário e ficar dissecando anuário e títulos e títulos e títulos como
fazia antigamente, tem que ver anuário, mas também tem que ler todo o resto.
136
Muitos clientes consideram a Publicidade apenas um mecanismo de venda, você acha que isso pode influenciar um pouco no caráter artístico que a Publicidade tem? É difícil falar. Muitas vezes o lado artístico da Publicidade é que faz com que ela
venda, né? Uma coisa de meio Tostines agora, né? Mas é... Assim, não é que vai
influenciar... É difícil influenciar a publicidade desse ponto de vista. Acho que ela vai
sempre ser, tentar ser tudo menos objetiva, apesar que ela tem que ser... Ela nunca
vai ser abstrata porque ela tem que vender coisas, tem que ter números, tem que ter
o “apenas por tanto”. Mas eu acho que essa intangibilidade que a publicidade às
vezes tem que você não consegue botar o dedo e falar “Putz, isso aqui é legal por
isso”, às vezes uma pessoa ri do comercial no começo, outra pessoa ri no final... Eu
acho que não, eu acho que a Publicidade vai continuar tendo esse lado sempre
porque a grande parte do apelo que ela tem com as pessoas é isso, ela tem essa...
Você considera a Publicidade arte? Não, arte pra mim é arte, né... Arte pra mim é cinema, arte é cultura... Publicidade é
um trabalho bacana, divertido... É, seria... Qual é a palavra? Seria uma injustiça com
qualquer artista falar que Publicidade é arte. Publicidade é um... Como é que...
Publicidade pra mim é uma profissão um pouquinho mais divertida do que as outras
porque eu consigo trabalhar de camiseta de tênis e... Todo dia ela é um pouquinho
diferente. Estou voltando a meu irmão, ele trabalha em banco, ele tem que fazer os
mesmo reports com os Excels quase toda semana. E a gente... Todos os briefings
são diferentes, eu não posso ano que vem fazer o mesmo anúncio pra Coca-Cola
que eu fiz esse ano celebrando o Dia do Amigo porque eu fiz esse ano. Têm, nesse
momento, 70 agências no mundo fazendo anúncio pro Dia do Amigo. Então, nesse
aspecto, é uma profissão divertida, bacana, que tá sempre mudando, mas a arte
não, a arte é arte.
Quais novas tendências você enxerga para o mercado? E, a partir disso, quais dicas você daria pra alguém que está entrando no mercado agora, que vai começar a trabalhar com Publicidade? Então... Novas tendências? É difícil... Elas são novas, não sei... Eu imagino que de
um tempinho pra cá, eu lembro que quando eu lá pra fora, tava começando essa
coisa do, em Cannes eles chamam de titanium, em não sei aonde chamam de sei lá,
137
por aí vai, começaram a criar essas categorias que são menos tradicionais e um
pouco mais é... São mais... Elas não se prendem muito a um formato. Pra mim, eu
acho que essa é a nova tendência. Vou dá um exemplo para vocês, quando eu era
pequeno tinha a TV Globo, a Record, a Bandeirantes e o SBT, eram quatro canais,
então você fazia um comercial de 30 segundos e circulava na TV e todo mundo via e
todo mundo comentava. Hoje, tirando algumas exceções, sei lá, um comercial de
cerveja que eles investem 100 milhões em mídias, é muito difícil, é muito difícil, mas
não é regra quando teve antigamente. Tomo mundo teve isso no comercial porque
hoje são, sei lá, eu tenho 502 canais na televisão e não vejo tanta televisão, estando
com internet, com telefone, já não leio tanta revista, então... As novas tendências
talvez sejam entender que mudou, as pessoas já não consomem como consumiam
antigamente e a publicidade... Não nem é publicidade, é a comunicação, as pessoas
já comunicam de maneira diferente. Outra coisa, eu sempre falo também para o
cliente as pessoas não gostam de publicitário, então, você tem que fazer... Ficou
mais difícil. Antigamente as pessoas gostavam de publicidade mais do que hoje
porque antigamente era... Não era tão massiva como é hoje. Hoje você vai no
cinema tem publicidade antes de começar o filme, você vai no banheiro tem
publicidade quando você vai fazer xixi, você pega um guardanapo tem um... Então, a
publicidade tem que ser um pouquinho mais querida com a própria publicidade
porque ela mesma está tão... Ela tem tanto que o público consumidor já não tem
tanta paciência para publicidade. Então, se existe uma nova tendência, é tentar fazer
um conteúdo mais divertido, mais simples, às vezes menos intrusivo, não sei se é
essa a palavra... Intrusivo?
Você falou sobre dar dicas? Ontem eu estava vendo o portifólio de um menino aqui
da agência, e aí ele mostrou acho que 12/13 peças e eu perguntei para ele “Você
fotografa? Você pinta? Você desenha? Você faz alguma coisa?” “Pô, eu fiz um curso
de fotografia.”. Ele mostrou as fotografias dele eu falei assim “ Ah, são lindas”, acho
que tinha 12 fotografias em preto e branco e falei “Cara, pra mim...” Na Leo Burnett,
por exemplo, eu contratava muitas pessoas que muitas vezes não tinham acesso a
uma Miami AdSchool, a uma escola tipo Cuca, que não tinham acesso porque é
caro essas escolas. Então, eu acho que o jovem tem que saber celebrar a própria
criatividade com os meios que tem, então, às vezes uma pessoa não tem acesso a
um MacBook com Photoshop, mas ele tem acesso a um lápis, ele tem acesso a uma
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câmera fotográfica descartável, ele tem acesso... Qualquer celular tem câmera hoje,
então, acho que as pessoas tem que, não é só Publicidade, eu acho que é claro que
o cara tem que saber fazer um título, tem que saber fazer um roteiro, mas eu acho
que o jovem tem que saber que a época do especialista, do cara que é só redator,
que fazia só título “Ah, o cara faz excelentes títulos”, faz, mas tem que saber fazer
outras coisas também. A gente tá numa época que tem que ter pessoas criativas
que são simplesmente criativas, isso pode ser... sei lá, o cara pode escrever ensaios
lindos, o cara pode... E eu falei pra esse menino ontem “Coloca aí no portfólio as
tuas fotos, pra mim elas são melhores que teus anúncios.” Mas eu falei de uma
maneira querida que ele entendeu que não é que o trabalho dele seja ruim, é que
ele é criativo, ele tem sei lá 23 anos de idade, tem que entender que a pessoa tem
que enxergar nele o potencial pra ser criativo.
Existe alguma campanha que você fez e que considera um destaque na sua carreira? Vou ser bem honesto, não sei como que as pessoas responderam isso, não to
querendo ser um falso, uma falsa pessoa, como é que fala? Falso modesto? É difícil
falar de si próprio assim. Então, eu vou dizer uma campanha que não
necessariamente ganhou muitos prêmios, até ganhou alguns prêmios, mas não
preciso dizer qual, mas o resultado que ela teve foi muito querido em termos do que
ela proporcionou. Foi uma campanha para, chama Projeto Viva, em que um
supermercado lá de Portugal queria fazer uma ação social no final do ano, e a gente
tinha um cliente que queria fazer qualquer coisa pra arrecadar dinheiro. A gente
estava fazendo uma campanha pra arrecadar dinheiro pra essa ONG, a gente falou
assim para o supermercado: “E se a gente juntasse a necessidade da ONG de
arrecadar dinheiro, como vocês estão precisando de alguma ação social no final do
ano, e se vocês patrocinassem e dessem meios pra eles fazerem algum tipo de
ação?” Bom, enfim, o supermercado aceitou e tal... A gente tava com um campanha
praticamente pronta que seria um pôster, tinha um filme bonito e tal, e tava no meio
da apresentação, ela já tinha aprovado a campanha a senhora lá da ONG, e entrou
uma das mais atrasadas na reunião “Putz, tal, que pena tal, fiquei 30 minutos no
trânsito, aí pedi o taxi pra parar não sei aonde, andei 10 minutos pra cá e tava com
sono e tal...” Aí uma mulher que tava na sala falou assim “Você tá reclamando que
você andou 10 minutos e a não sei quem, na tribo tal na Guiné Bissau, que é um dos
139
países mais pobres do mundo na África, que anda todo dia em média 30km pra
pegar água.” Aí, na hora que ela falou isso eu levei um susto, eu to mal acostumado
de atravessar – porque tem uma geladeira com água em cada esquina - “mas ela
anda quanto?” ela falou assim “ah, ela anda em média 20/30/40 minutos por dia pra
pegar água”. Aí eu falei “Cara, e se a gente cancelasse a campanha que eu falei
agora pra vocês, e a gente fizesse outra coisa?” Ela falou “Como assim?” Aí eu falei
“Eu estou impressionado que uma pessoa anda todo dia 30km pra pegar água, é
estranho isso...” “Não, mas é verdade, porque lá nas tribos lá na Guiné Bissau as
pessoas não têm acesso à transporte e tal, tá sempre em guerra civil...” E aí eu falei
“E se a gente pegasse – não foi sozinho, tinha uma equipe de criação, tava tentando
resolver – uma senhora de um tribo, trouxesse ela pra Lisboa, e fizesse ela caminhar
a maratona de Lisboa com uma garrafa d’água na mão pra simbolizar o dia dela
porque as pessoas não conseguem perceber que isso existe.” “Ah, mas você não vai
conseguir e tal, porque ela nunca saiu do país e tal...” Resumindo, no final, pela
primeira vez em 40 anos ela saiu duma tribo, veio, ela andou de mão dada com a
Rosa Mota que é a maior maratonista, acho que do século XX ganhou duas
medalhas olímpicas e tal. E aí, depois da maratona, os portugueses foram
convidados pra ir ao supermercado – então, voltando ao supermercado -, e tinha
uma garrafa d’água no caixa, que as pessoas simplesmente falavam assim “Eu
quero ajudar.”, então pegava uma garrafa d’água e escaneava e acrescentava um
euro a cada compra. Pra que isso tudo? No final, acho que já construíram 40 poços
de água artesiana nessas tribos na Guiné Bissau, e essas mulheres não precisam
mais caminhar. Então, essa campanha talvez não ganhou dezenas de prêmios, mas
o resultado dela é... Eu recebi uma carta dessa senhora, acho que escrita à mão,
emocionada que hoje ela vai poder levar o filho ao médico, não precisa andar pra
pegar... E mudou a vida de muita gente. Então, se tivesse uma campanha que você
fala assim “que campanha que você foi mais feliz de ter feito”, acho que é essa.
Falando dos prêmios, a gente sabe que você já foi premiado várias vezes, inclusive em Cannes. Essas campanhas mais premiadas, que têm vários prêmios ou que fazem a diferença mesmo, você acha que o processo criativo delas é diferente do das campanhas do dia-a-dia? Ou você se dedica o mesmo tanto, como que é isso?
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Vou ser bem honesto, acho que não. Acho que não pode ser, não deve ser, acho
que todo trabalho a gente tem que tentar fazer algo que a gente tenha orgulho de...
É óbvio que às vezes dependendo do prazo, dependendo da verba, e às vezes
dependendo do próprio momento do cliente, não se permite talvez você se dedicar
tanto tempo para fazer uma coisa muito específica que tem cara de uma categoria X
de um festival. Mas acho que não, acho que a gente tenta, quando a gente fez essa
campanha, por exemplo, do Projeto Viva, não era pra ganhar leão, ganhou um leão,
mas quando ela foi criada, ela foi criada única e exclusivamente pra levar água pra
essas pessoas. Ganhou um leão, a agência inscreveu e ganhou... Não sei, eu acho
que aqui eu acho que a gente está tentando... É porque tem uma coisa que é muito
verdade, as pessoas não se têm, não existe tempo, não existe mão-de-obra -
também uma agência não pode se dar o luxo de ter quase duas equipes trabalhando
separadamente, uma fazendo coisa pra prêmio, uma fazendo coisa pro dia-a-dia.
Então eu acho que acabou a época dos especialistas, o cara que só fazia título, o
cara que só fazia filme... O criativo hoje tem que saber criar uma campanha que seja
criativa o suficiente pra vender, chegar aos objetivos do cliente, e se chegar aos
objetivos do cliente e ainda ganhar um prêmio porque ela é tão, tão, tão criativa,
melhor ainda.
Quando você recebe um cliente grande, um briefing específico, você tem alguma ideia... Você já tem aquele feeling de que vem premio por aí ou que pode concorrer e concorrer bem? Tem aquelas campanhas que são feitas pras premiações? Se tiver, tem alguma diferença... Vou dar um exemplo, em Lisboa, a gente tinha um cliente que era Anistia
Internacional. A Anistia Internacional, pelo histórico que tem, quase todo criativo que
pega uma campanha da Anistia Internacional pega óbvio querendo ajudar, mas sabe
que é um cliente que tem um histórico de prêmios enorme. Então, acontece que tem
clientes que você olha e fala assim: caramba, tem um potencial pelo histórico, tem
um potencial pela... Por exemplo, a Anistia Internacional que é muito polêmico,
então... É diferente de sabão em pó, por exemplo, o sabão em pó tem que falar de
benefícios pra deixar a roupa mais branca, você não tem como fugir disso, e o
criativo entende isso, ele não pode ser louco de fazer um anúncio de sabão em pó e
num falar que deixa mais branco, ele tem que falar que deixa mais branco, ele tem
que falar que não estraga as unhas... Então tem campanhas que, pelas
141
necessidades da própria campanha - por exemplo, vender os benefícios do sabão
em pó – não existe muita margem pra você fazer algo tão original, ao ponto de uma
pessoa num júri falar “Caramba, esse cara falou que fica branco de uma maneira
muito diferente...”. Por exemplo, a Coca-Cola. A Coca-Cola tem sido um dos maiores
clientes do mundo, a maior marca do mundo, é nosso cliente aqui, esse ano deve ter
ganhado inúmeros leões e tem a mesma fórmula há cento e tantos anos, mas ela é
o cliente que a gente pega aqui... Todo mundo pega sabendo que ela é a marca que
tem essa força toda e que tem a capacidade de encantar um júri de um prêmio se a
ideia for relevante. Porque se você conseguir vender que uma ideia relevante é
divertida, qualquer coisa é um plano... Eu imagino que sim, que pode convencer
alguém a te dar um prêmio. Mas tentando responder à pergunta, acho que o
publicitário não vai pegar a campanha e fala assim “Eu vou fazer isso pra pegar um
leão”, mas, obviamente, quando você pega um anúncio pra fazer da Anistia
Internacional, você sabe que existe um histórico, você sabe que existe a... Que o
júri, há sete anos, tem um carinho por aquela marca, por tudo que ela representa e
às vezes o... Que aquela marca proporciona para as pessoas, te dá aberturas pra
criar tudo e qualquer coisa.
142
ANEXO L – ENTREVISTA FABIO SEIDL
Nome: Fabio Seidl
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Ogilvy
Área de atuação: Redação
Tempo de mercado: 15 anos
Nesses 15 anos, quais foram as maiores mudanças que você presenciou no meio publicitário? Acho que nesses últimos 15 anos, as últimas mudanças aconteceram nos últimos
cinco. A entrada das redes sociais foi brutal para a publicidade, mudou tudo, mudou
até o que a gente achava que era a internet. Quando começamos a criar para
internet, achávamos que o futuro ia ser sites maravilhosos e incríveis, e agora a
gente está vendo que está tudo migrando para um outro lado, né? Que é atuar mais
aonde o publico está, que são as redes sociais agora o que eu acho que mudou. É
que a gente está achando que o que vai determinar o caminho são as pessoas e, na
verdade, é a tecnologia. É o que a tecnologia for proporcionando pra pessoas que
vai determinar o que a publicidade será.
Você costuma ter contato com os clientes dos jobs que você faz ou apenas com o briefing? Eu sempre tive essa proximidade com os clientes, o que eu acho que faz toda a
diferença, pelo menos para o meu trabalho e me ajuda muito. Cada um trabalha de
um jeito diferente, mas é entender muito como funciona o negócio de cada marca, o
histórico, pra onde a marca quer ir. O que os clientes esperam e pretendem faz toda
a diferença praa o que você vai criar.
Então, como você pode descrever o seu processo criativo? A partir do momento que você recebe o job, até o produto final. Desde o principio dos tempos, a criação vem do caos. Então, eu acho que é um
pouco disso. Cada vez mais, a criação vem de uma confusão de informações, e
devemos saber nadar por elas e encontrar o que queremos fazer. Mas, quando eu
paro para criar, penso sempre sob a perspectiva do consumidor. Tem esse
personagem que é o consumidor, que não está envolvido nas reuniões de briefing,
143
nem nas reuniões de planejamento, nem está na produção para saber o que deu
certo ou o que deu errado. Logo, fico sempre tentando me distanciar e pensar com a
cabeça desse cara que vai ligar a televisão e vai abrir a revista, entrar na internet e
dizer " Tá, o que vocês tem pra me dizer?" e se ele está entendendo aquilo, se
aquilo ta fácil, se aquilo é divertido, se emociona, se faz alguém ter vontade
de comprar. Fico sempre tentando entrar nesse personagem, mas acho que boa
parte das coisas que eu crio, pelo menos as que eu mais gosto, tem a ver um pouco
com as minhas experiências pessoais também, seja com a marca, seja de vida
mesmo. Desde coisas que eu vivi e achei divertidas e engraçadas ou algum filme
que eu vi e me divertiu, até alguma exposição que eu fui ou alguma viagem que eu
fiz. Então, eu sempre procuro resgatar. Minha primeira gaveta é sempre minha
experiência pessoal pra eu lembrar de coisas que eu fiz que foram importantes para
mim e tento transformar aquilo em publicidade. Mas eu procuro em coisas diferentes
que não são de publicidade. Eu sei que hoje está muito fácil você ter acesso às
referências de publicidade, e o que eu procuro fazer é sempre pensar em outras
coisas, outros caminhos, outras manifestações de criatividade que não são a
publicidade.
A gente sabe que você teve experiência na McCann de Portugal. Teve alguma diferença do processo criativo de lá e o daqui? Você percebe alguma diferença no mercado? Totalmente. Isso é uma coisa que eu aconselho para quem está começando a
carreira. Se você puder ter uma experiência de morar fora, seja para trabalhar ou
para estudar, isso dá um reinício em tudo que você pensa que é fantástico. Quando
você chega num lugar em que você não tem nenhuma familiaridade com as marcas,
com o povo, com a cultura e com a língua, você começa a reaprender. Você volta à
estaca zero e começa a aprender. “Peraí, o que é engraçado nesse pais, não é o
que é no meu”. “Quais são as marcas boas, qual o histórico da relação que essas
pessoas têm com a marca?”. A gente tem no Brasil, por exemplo, marcas
acostumamos ter em casa desde criança, que a nossa mãe coloca lá e você
percebe que essas marcas são outras. E, além disso, óbvio, teve a barreira da
língua. É ridículo falar assim, mas tive que reaprender Português, porque é outro
Português, completamente diferente, e toda hora na rua ou no trabalho eu achava
que era uma coisa e era outra. Eu demorei quase 2 anos, fiquei 2 anos e meio para
144
começar a entender como a língua funcionava e passei por várias coisas que não
faziam o menor sentido. Assim, eu achava que estava acontecendo uma coisa, e era
outra. Uma vez eu fui filmar uma cena que tinha um atropelamento num comercial e
alguém dizia assim "Vai o duplo" e eu dizia "Tá ótimo, não precisa fazer de novo" e
o duplo era o dublê. Então, tinham várias coisas. Sem contar que tem vários termos
que, para nós são normais e para eles são totalmente sexuais, e você fala e as
pessoas ficam “que é isso?”. O contrario também acontece, muda tudo, é outra
língua e provavelmente todas as outras línguas que você for trabalhar, você também
tem que reaprender.
Também sabemos que você dá muita importância para o planejamento no processo criativo. Como você e a Ogilvy fazem com que essa área atue sem limitar a criação? O planejamento não pode nunca limitar a criação, pelo contrario, tem que trazer
sempre coisas sobre o consumidor e a marca que você não estava pensando.
Então, eu não acredito nessa limitação. Eu tive a sorte de trabalhar com excelentes
planejamentos, e isso sempre me ajuda. Eu gosto também de ter um envolvimento
na parte estratégica da campanha, porque é o que faz funcionar. Às vezes você tem
uma ótima ideia, mas por não ter conseguido ajustar um detalhezinho que poderia
estar no planejamento, você perde, e isso hoje é cada vez mais assim. Por exemplo,
telefonia tem termos e palavras que mudam completamente o sentido do que você
quer dizer pra aquela pessoa, tem expressões que são mais relevantes ou menos,
tem maneiras de mostrar um comportamento um personagem num filme, ou de
dizer um texto que muda tudo que faz aquilo se tornar mais eficiente. Então, isso é
ótimo. Planejamento sempre deve ser um aliado da criatividade.
Então, você acha que existem outros fatores que limitam a criação no mercado atual? A criação vive de limites. Eu acho até que é o que faz ela ser fantástica, e não só na
publicidade. Na música isso acontece, nas artes plásticas isso acontece, qualquer
manifestação de criatividade vem pra quebrar um limite. Se não houver o limite e
puder tudo, aí é fácil. Mas, o que eu acho que limita, e é ruim às vezes, é levar
algumas informações ao pé da letra, ou achar que todas as informações que estão
contidas em uma pesquisa são fundamentais para a construção da criatividade. Isso
145
é um limite ruim. Mas existem limites bons. Você saber que, em alguns momentos,
não tem todo o dinheiro do mundo para criar, força você a ter uma ideia mais
simples e que chame mais atenção. Por exemplo: às vezes, você ter um limite de
tempo, força você a construir coisas mais eficazes e mais simples que também
podem funcionar melhor. Dependendo dos limites, conhecendo as regras do jogo,
você pode se dar bem. Achar que posso tudo, “A criatividade é um exercício que
você pode fazer de tudo”, perde um pouco a graça.
Você acha que o fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de venda contribui um pouco para comprometer o caráter artístico que a publicidade tem? Publicidade não tem esse caráter artístico que os publicitários acham que tem. A
publicidade não é cinema. E mesmo o cinema, quando você vai fazer um filme, tem
que se submeter a uma série de coisas, como produtores, pesquisa, a grande
indústria do cinema vive cada vez mais disso, o cinema autoral é muito raro. A
publicidade autoral não existe, existem agências de publicidade que gostam até de
acreditar nisso “Não, a gente aqui cria o que quer, faz o que quer…”. Não é bem
assim. Não acho que a publicidade seja só um instrumento de vendas, porque a
publicidade, na essência, não vende. A função primordial da publicidade é chamar
atenção de alguém para alguma coisa que possa ser importante para
aquela pessoa, ou que pelo menos interesse a ela. A função da venda é muito mais
complicada, exige distribuição, preço, adequação do produto, qualidade, uma série
de coisas que não passam pela peça publicitária. O que a peça publicitária deve
fazer é chamar a atenção para isso. A parte artística dela está em torná-la mais
bonita, mais interessante, mais criativa. Mas publicidade não é arte, embora muita
gente ache que é, e essa se torne uma discussão ruim para os publicitários.
Porque, às vezes, alguns publicitários se comportam como artistas, e não somos
artistas. Trabalhamos com vários elementos que compõe a arte, mas é bem
diferente o nosso trabalho do de um Leonardo Da Vinci ou de um Woody Allen.
Quais são as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? Quais dicas você daria para alguém que está entrando agora no mercado? Eu acho que as novas tendências são as pessoas. Estamos construindo uma
geração completamente nova em termos de referência de utilização, de relação com
146
os meios, de relação com as marcas e com os produtos. Se você ver hoje como as
pessoas se relacionam com a música, é completamente diferente do que era há 7
anos atrás. A maneira de consumir um disco não é mais um disco nem um cd, é
baixar um disco inteiro. Antigamente, as pessoas se interessavam em ter letra e
capa, hoje em dia, nada disso importa. Antes, as pessoas se relacionavam de uma
outra maneira, hoje é outro meio social. As pessoas se relacionavam de uma
maneira diferente com a televisão, e hoje é totalmente outro, atualmente, você
consegue gravar um programa e não ver os comerciais. Então, cada vez mais,
temos que entender a tendência das pessoas, do que elas estão fazendo, querendo,
esperando em tudo. Qual tipo de desenho animado que essas pessoas assistiram
quando eram crianças? É completamente diferente como elas se relacionam com
humor, com sexo, com a família. Qual a família de hoje? Tudo isso muda, é o
comportamento que faz a tendência acontecer. O que acho que acontece também e
que, na minha opinião, é um erro, é acreditar que a tendência é o que está
acontecendo agora em termos de tecnologia. Nem sempre as pessoas olham um
passo à frente, as pessoas que querem adivinhar o que vai acontecer no futuro e
todas elas quebram a cara. Outro dia, eu estava lendo uma entrevista falando o que
algumas revistas previram que ia acontecer em 2010. Não tinha nada certo porque
as pessoas estão projetando o futuro para daqui a cinco anos, e o futuro é no ano
que vem. Quais vão ser os lançamentos do ano que vem? Porque as pessoas vão
aceitar aquilo ou não? E o ser humano também tem essa caracerística de ser
imprevisível. Você nunca sabe o que passa pela cabeça de uma pessoa para ela
começar a gostar de alguma coisa. Tem movimentos artísticos e culturais que você
pensa: "Porque diabos as pessoas gostam dessa música, novela, artista, jogador de
futebol ?”. E isso não tem nada a ver mais. Você tem que entender que a cabeça, o
pensamento, também é criativo e muda, evolui, e a gente tem que estar mais ligado
nisso do que nas informações, nos dados, nos números.
Existe alguma campanha que você fez seja na Ogilvy, na McCann que você considere um destaque na sua carreira? Tem algumas campanhas que eu considero destaque na minha carreira, mas tem
um filme que me deixou particularmente feliz. Fiz uma campanha para a Associação
Brasileira de Imprensa. Eles fizeram 100 anos e é um filme chamado “Vírgula”. Eu
gosto muito do filme porque ele fala sobre a língua portuguesa e a diferença que
147
uma vírgula pode fazer numa frase. Até hoje eu recebo emails de pessoas
mandando esse texto como se fossem de outros autores. Eu já vi meu próprio texto
assinado entre aspas pelo Arnaldo Jabor, pelo Luiz Fernando Veríssimo... E é
engraçado que, cada vez que eu vejo, alguém acrescenta alguma frase embaixo, e o
que eu gosto disso é que essa campanha se tornou algo colaborativo. Foi muito
bacana. Foi publicada nos jornais, virou questão de prova de vestibular, foi parar no
programa do Jô, mencionado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a presença
do presidente da república... Então, ela se tornou uma coisa sensacional. Talvez não
seja a campanha mais premiada da minha carreira e com certeza não é, mas o que
ela se tornou quando foi colocada na mão das pessoas, é uma coisa que me deixa
muito feliz. E meus amigos que sabem que eu fiz, falam “Olha, alguém me mandou
isso hoje desse jeito", e cada vez eu vejo aquilo mudando. Isso é muito bacana, foi
um grande prêmio que eu tive na minha carreira.
Tem alguma campanha feita por outros profissionais que você toma como referência? Tem várias, e, na verdade, tem profissionais que tomo como referência. Tive a
felicidade de trabalhar com dois ídolos, e isso é uma coisa que fez muita diferença.
Quando eu comecei a carreira, eu via esses caras e pensava “Caramba, nunca vou
trabalhar com eles”, e ter sido convidado pra trabalhar foi sensacional. Foram o
Washington Olivetto e o Nizan Guanaes, que são dois monstros da publicidade.
Hoje, tenho a felicidade de estar em um time que está fazendo história na
publicidade que é a Ogilvy, que tem uma turma, talvez não seja só uma pessoa. A
gente tem um grande diretor de criação que é o Anselmo, mas tem um time inteiro
assim. E isso é uma diferença nas agências hoje. Voltando ao Washigton e o Nizan,
eu brincava que era um MBA que eles me pagavam para fazer. É o trabalho que
esses profissionais fizeram na história da publicidade, e a simplicidade e a maneira
como eles enxergam... No caso do Nizan, o negócio hoje em dia, e no caso do
Washington, a criatividade e um bom texto. O conjunto da obra desses dois caras
para mim é uma grande influência, sem dúvida. O que eu acho é que existe um
limite em muita gente, que é a própria pessoa. Às vezes chega um job para a
pessoa fazer e ela já começa a questionar aquilo: “Ah, mas esse cliente também não
dá”, “Ah, mas esse job o briefing é ruim”, o cara pega o que acha que é para fazer e
faz. Então, a reclamação limita. É um grande limite quando você questiona aquilo
148
como uma maneira positiva, “Como que transformo isso numa coisa legal?”, aí sim
a coisa anda, as pessoas reclamam do prazo, do tema, da verba, as pessoas
reclamam das pessoas e isso é uma limitação. Eu acho que a gente tem o privilegio
de trabalhar com uma profissão que é dinâmica, e que todos os dias você cria para
uma coisa diferente. Eu tenho um segredo que poucas pessoas sabem, comecei
como cliente. Trabalhei na Shell e na Pepsi, duas empresas grandes, cheias de
processos. Eu sempre quis trabalhar com criação, mas como estava na faculdade,
pintou essa oportunidade para fazer isso e fui. Então, eu vi um pouco o outro lado, e
talvez eu entenda um pouco melhor como funciona a função de transformar
aquilo em algo criativo, e é legal que é do criativo, não é do cliente, não é do
atendimento. Então, o cara fica achando “As pessoas não pensam como eu” e isso é
ruim. Mas em relação à arte, a arte não tem limite. Se eu quiser pintar um quadro eu
pinto o quadro que eu quiser, coloco para vender e as pessoas vão comprar ou não.
Se elas comprarem ou não, não significa que aquilo vá deixar de ser arte. Na
publicidade é completamente diferente. Se você não criar uma coisa que as
pessoas comprem, aquilo não só não é arte, como deixa de ser o seu emprego
também. Essa é a função principal da coisa. Posso hoje colocar uma música na
internet e falar o que eu quiser na música, posso falar sobre qualquer assunto. Isso
é arte, colocar as coisas que eu penso em um meio de divulgar para as pessoas. A
publicidade não é assim, o meio já vem pronto e planejado, você já tem que fazer
para um certo formato. Existe, claro, a relação com fotografia, cinema e música
dentro da publicidade, mas, se existe briefing, não existe arte. Quando um músico
tem um briefing para fazer uma música, aquela música deixa de ser música e vira
um jingle. Quando um poeta tem um briefing para fazer um texto, aquilo passa a ser
uma peça publicitária, não tem como. Quando você coloca o interesse por trás, isso
se torna um limite, e, automaticamente, passa a ser uma atividade comercial, um
emprego como outro qualquer, que é um dos melhores empregos do mundo, pelo
menos para mim é. A gente tem a felicidade de trabalhar em algo que gostamos,
que não tem rotina e envolve pessoas muito bacanas em um ambiente muito
descontraído. E a parte ruim é que você nunca tem hora para sair, mas também
acho que é uma vida um pouco mais divertida.
149
ANEXO M – ENTREVISTA FILIPE ALONSO
Nome: Filipe Alonso
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Popcorn Comunicação
Área da atuação: Direção de arte
Tempo de mercado: 3 anos
Como é o seu processo criativo? O meu processo criativo, não só para cá, mas também para os meus trabalhos
pessoais, é tentar me cercar de referências. Você começa pesquisando sobre o
assunto e vai formando uma lista de referências. Você procura coisas parecidas,
áreas afins daquele assunto: se você pesquisa sobre panelas, tem que pesquisar
sobre “Bombril” também, ou o óleo que você vai usar na panela. Então, a pesquisa
se abre e, no final, você começa a mapear alguns pontos que eu acho importantes
nesta espiral, Depois, eu seleciono, processo aquilo e tento enxergar aquele
conjunto com uma perspectiva diferente. Em algumas ocasiões, eu tento me colocar
como a pessoa que vai ver o que está sendo criado, em outras, eu tenho que
pesquisar. É um negócio meio... Começa de um ponto e toma caminhos muito
diversos, não tem um formato específico. Tem uma sequência, mas o processo
mesmo não tem um formato específico. Pode demorar dias ou ser um trabalho de
estalo, sabe? Porque, às vezes, são referências que você já tem acumuladas de
outros trabalhos que você já fez, ou que você viu na rua, ou um bordão que alguém
falou. São coisas muito diversas que vão culminar naquilo.
Nas agências em que você já trabalhou e nos seus freelas também, você costuma ter contato com o cliente? Você participa das reuniões ou só recebe este briefing direto? Depende do trabalho. Tem trabalhos que são mais simples e que o briefing e uma
conversa com atendimento são suficientes, e têm outros trabalhos que são mais
complexos, com formatos menos tradicionais que, às vezes, é interessante
conversar com o cliente. Em algumas vezes, é interessante até mesmo quando não
funciona, quando acontece algum problema na criação, na aprovação que vira um
problema frequente e você tem que ir lá e descobrir por que está acontecendo
150
aquilo. Então, às vezes é legal chegar até o cliente e conversar para poder entender
esse ruído da comunicação com o cliente ou até entre o cliente e o entendimento
dele de mundo, que ele não consegue traduzir para você. Mas, normalmente, para
criar, eu prefiro ler um briefing legal e bem organizado.
Você acha que o cliente que faz muitos pedidos e dá orientações coloca muitos limites na sua criação final? Isso e as influências do mercado interferem no seu processo criativo, ou é uma coisa que, para você, tanto faz? Depende muito desses pedidos, porque quando vamos criar alguma coisa,
normalmente em comunicação, criamos a partir de uma demanda. Então, alguns
desses pedidos, são de que eles sejam coisas que direcionem a criação, ou seja,
são pedidos que você entende como pré-requisitos para fazer uma comunicação
eficiente para o seu cliente e para o consumidor final dele. Então é legal. Agora,
quando estes pedidos começam a vir de uma forma muito confusa, que não está
clara ou é incoerente às vezes, o processo começa a ficar caótico. Você percebe
que o cliente não tem, ou ele não sabe pedir, ou ele não sabe do negócio dele. Ele
não citou tudo sobre o negócio dele de maneira coerente e adequada. Aí, pode virar
um problema. Você cria um cenário a partir do que o cliente te fala e, no final,
quando você oferece aquilo, o cliente não enxerga o negócio dele ali dentro, mas ele
também percebe que ele está perdido porque não consegue definir o negócio dele
para você gerar uma comunicação adequada. Então, isso é problemático, cansativo
e pode gerar um estresse. Mas, às vezes, quando você apresenta um negócio, o
cliente volta atrás e fala: “Ah, não! Não era isso o que eu queria”. Pode acontecer
também da gente não ter entendido direito e usar aquilo para melhorar a percepção
do que o cliente espera, daquilo que aquela comunicação deve conter. Então, às
vezes, é melhor. Às vezes, um trabalho seu é bombado, mas vem com uma série de
informações adicionais que falam assim: “Agora sim eu entendi o que é. Agora sim
dá para fazer um trabalho legal!” e, nestes casos, pode aparecer uma criação muito
melhor. Uma segunda, terceira, quarta, quinta, oitava, mas que não é aquela coisa
só ladeira abaixo, em que estão destruindo o que você está criando. Parece
realmente o negócio mais adequado àquilo que ele precisa.
Já aconteceu alguma vez de você fazer a campanha inteira e acreditar que vai dar certo, quando chega uma pesquisa, posterior à criação, falando que aquilo
151
não funcionaria ou que teria que ser refeito – uma coisa que vem de fora, mas não do cliente? Comigo nunca aconteceu de pesquisa, mas acontece direto uma mudança de
prioridade, e aí, aquilo passa a ser uma questão secundária e o foco da pesquisa
passa a ser outra coisa. Mas, pelo menos, nunca aconteceu de ser contraditório.
Alguns clientes consideram a publicidade só um mecanismo de venda, eles não veem valor na publicidade. Você acha que isso compromete muito o caráter artístico e criativo da publicidade? Como isso interfere? Interfere um pouco, porque acaba comprometendo o entendimento do cliente sobre
a cadeia criativa e produtiva da comunicação. Em algumas circunstâncias, eles vêm
com prazos muito surreais, não dá tempo de desenvolver uma coisa consistente
porque o entendimento do cliente, às vezes, é muito raso, não fazem aquela
comunicação. Quando ela acerta, é um negócio que acerta por um período muito
pequeno de tempo. Ele atende a uma demanda muito pontual, específica e efêmera
e em longo prazo isso não funciona. Chega uma hora que, você não consegue ficar
oferecendo resistência ao cliente porque é um estresse, é o prazo, etc. Eu acho que
acaba sendo maléfico para ele mesmo, sabe? É um processo criativo, mas é para
ele mesmo porque ele gera uma criação que dura muito pouco, que não ajuda a
construir uma identidade para ele, que não o ajuda a se posicionar de uma forma
clara, pelo menos. Porque, às vezes, ele se posiciona, mas se posiciona de uma
forma negativa, confusa. Eu acho que nesse ponto atrapalha um pouco.
Hoje, no mercado publicitário, quais são as novas tendências que você percebe? E, a partir disso, quais dicas você daria para um profissional que está começando agora e pretende atuar na área de criação? Eu acho que a tendência, por uma série de fatores, é espalhar um pouco as pessoas
envolvidas. Eu acho que é segmentar o problema, porque a gente consegue atender
uma gama maior de problemas por causa do desenvolvimento de meios de
comunicação, da internet. A gente consegue pegar problemas que vão um pouco
além da comunicação montando uma equipe multidisciplinar que não é fixa, por
exemplo. A agência tem duas pessoas que vão cuidar de uma campanha que
envolve também uma pesquisa, a criação de mobiliário, coisas transdisciplinares
muito diversas... Às vezes, a criação de um sistema muito complexo, de um
152
programa ou coisa do tipo, a gente consegue pensar com uma limitação menor de
formato para esse resultado final: uma campanha ou o que seja. Isso porque a gente
tem facilidade de mobilizar pessoas de outras áreas que não são necessariamente
da estrutura da agência para resolver um problema. Antes já existia mais ou menos
isso, a gente mobilizava fotógrafo, gráfica e produtora de vídeo, mas agora,
conseguimos mobilizar, por exemplo, um geólogo, um sociólogo, um advogado, um
médico, um engenheiro químico... São áreas muito diversas para gerar um produto
de comunicação. Claro que tudo é relativo, depende muito da proporção da
campanha. Eu estou falando isso porque acredito que a gente pode trazer isso mais
próximo das campanhas menores com clientes que não são grandes, às vezes.
Acredito que quando isso acontecia, era restrito aos clientes grandes. Então, eu
acho que a gente consegue oferecer soluções mais complexas e mais completas de
comunicação, que englobam comunicação não só como criação de campanha, mas
consegue provocar uma mudança de comportamento da própria empresa, do
demandante. A ideia da propaganda, em grosso modo ou no senso comum, é a de
que precisa mudar o comportamento do consumidor final. O comportamento de ser
favorável àquele determinado produto ou que o induz a compra. Se antes existia a
ideia de que a propaganda deveria mudar o comportamento do consumidor final em
relação ao produto, serviço. Fazer com que aparece uma disponibilidade para ele
aceitar aquilo, com esse formato mais aberto, mas multidisciplinar, mais acessível
para clientes diversos e não só para os grandes clientes, a gente percebe que
acontece esse movimento de mudança de comportamento dentro das empresas,
sabe? Claro que existem clientes mais receptivos a isso, às vezes, a gente
consegue trazer uma perspectiva sobre o que aquela empresa pode gerar no público
dela. Então, a própria empresa começa a internalizar um comportamento e não fica
toda essa responsabilidade para a empresa de comunicação. Existe essa ilusão de
que a comunicação vai mudar a empresa, vai revolucionar os funcionários... A
comunicação faz a parte dela, mas, em longo prazo, tem que ser uma coisa entre o
cliente e a comunicação.
Existe alguma campanha que você fez e considere um destaque na sua carreira? E alguma feita por profissionais que você toma como referência? Não consegui chegar a essa conclusão de campanha, porque vejo as coisas mais
para o futuro. As coisas que eu fiz e considerei boas na época, hoje eu olho e eu
153
consigo enxergar defeitos nelas. E, não é porque eu deixei de gostar delas, mas é
que acontece um aprimoramento constante, a gente repassa alguns assuntos
algumas vezes, então, olhamos para trás, vemos algumas coisas que fizemos e
falamos: “Nossa! Se eu soubesse disso na época em que eu estava fazendo podia
ter feito diferente e melhor, ou simplesmente, ter feito diferente”. Então, eu não sei.
Acho que eu não fiz uma campanha “legalzona” ainda. Mas, em relação à campanha
de outras pessoas que é um exemplo recente é a campanha atual da Pepsi, que é a
do “Pode ser?”, que se desenrolou em vários vídeos e que eu já vi em várias etapas.
Não é uma campanha que eu pense “Oh! É uma campanha fodona, que eu acho
legal e me inspiro nela”, mas é um negócio muito legal da briga das “colas” e a forma
como a Pepsi está se posicionando no Brasil. Eles pegaram uma coisa que acontece
todos os dias, que é o “pode ser”, quando você pede uma Coca-Cola no lugar e não
tem, o garçom fala: “Tem uma Pepsi. Pode ser?”. É um negócio que acontece
realmente, a pessoa que responde também pensa nisso. Às vezes, chega uma
Pepsi e a pessoa diz: “Ah! Pode ser.” O “pode ser” está bem relacionado aos
produtos da Pepsi, então eles tiveram a sagacidade de pegar isso e a humildade de
aceitar, porque não é toda marca ou todo cliente que é humilde de aceitar. Então, eu
enxergo um salto nisso. Eu não sei se com isso criou-se uma predisposição em
aceitar a Pepsi, foi um negócio que funcionou e é engraçado. Em relação à dica que
vocês me perguntaram, pode parecer pessimista, mas é realista: é saber lidar com a
frustração. Não é com uma frustração de vida, mas uma frustração que também
envolve humildade, voltar e ter que fazer várias vezes, já que dessa coisa pode sair
uma melhor e mais adequada, com uma perspectiva mais acertada daquilo que a
pessoa está criando. Às vezes, você tem que apresentar oito propostas de uma
mesma coisa, fica nervoso por ter que fazer aquilo, pois já esgotou o que você
poderia fazer daquilo, e você acha um novo ângulo para a resposta daquele
problema. E, quando você vê, diz: “Realmente! Se o cliente não tivesse cutucado, se
não tivesse bombado, acontecido isso ou aquilo, talvez a gente não chegasse à
solução que é a melhor mesmo”. Lidar com a frustração sem se esconder no
banheiro para chorar, você deve saber que isso vai acontecer.
154
Você tem algum caso como este para contar? Eu tenho, mas eu não poderia contar, né? Tem muitos casos disso, que a gente sai
xingando, vai chutar grama no quintal, mas acaba dando certo. Acontece todos os
dias.
155
ANEXO N – ENTREVISTA GREGÓRIO REIS
Nome: Gregório Reis
Hoje trabalha na(s) empresa(s): PUC Minas e atua como freelancer
Área de atuação: Comunicação e design
Tempo de mercado: 5 anos
Fale o seu nome, as empresas em que você trabalha hoje, sua área e há quanto tempo você está no mercado.
Meu nome é Gregório Reis, atualmente sou professor da PUC Minas e trabalho
também como freelancer na área de comunicação e design. Na verdade, é difícil até
dar uma definição para a minha área. Meu percurso foi o seguinte: eu estudei na
PUC e me formei em Publicidade e Propaganda em 2007, depois fiz um mestrado
em Design de Comunicação que é algo mais ou menos como Comunicação
Integrada. Mas a minha área sempre foi essa “conversa” entre comunicação e arte.
Então, eu me denomino Diretor Criativo, Diretor Artístico e Designer, de acordo com
o projeto. Não tem um nome fixo. Atualmente, eu me denomino professor que fica
mais cômodo, porque quando eu falo que sou designer de comunicação, as pessoas
dizem “O quê?”, “Oi?”, “O que é isso?”. A minha história com a publicidade começou
antes da faculdade. Na verdade, ela começou pela arte. Eu sempre fui ligado em
arte, sabe aquela criança que falam “Você é talentoso. Consegue fazer de tudo. Ele
sabe de música, desenho...”? A partir daí, depois que eu entrei na faculdade, no
primeiro período já comecei a trabalhar. Eu fiz estágios tanto na área de
Comunicação, quanto na de Arte, e na de Comunicação e Arte integradas mesmo.
Eu trabalhei no departamento de Comunicação da Galeria de Arte do Sesi Minas
durante três anos. Depois, tive experiências de agência na Asa Comunicação em
Belo Horizonte, e depois, quando eu me formei, fui trabalhar em uma agência de
design em São Paulo que se chama Satélite SMG. Eu comecei um pouco mais na
área técnica de criação de imagem. Me concentrei, fiquei seis meses, pouco tempo,
porque no fim do ano já me chamaram para atender o Mestrado lá em Milão. Então,
eu acho que o meu percurso acadêmico explica a minha atuação.
Fale mais sobre o processo criativo... É um desafio mesmo vocês analisarem o processo criativo.
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Só de ler os livros já dá pra ver. A teoria ajuda, mas a prática é muito diferente, particular para cada um.
Tem um profissional que fala: "O processo criativo ideal é o processo criativo em que você está sentado, aí você desenha um quadrado no papel, aí você coloca o seu pé em cima da mesa e espera chegar a ideia" Vou fazer isso da próxima vez.
Quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Quando eu ainda estava na faculdade, já se falava muito na questão da mudança da
estrutura de agência. "A agência está acabando. Não vai acontecer mais o que era
antes. Os profissionais vão ser contratados com funcionários freelancer e vão
trabalhar em projeto". E, realmente, esta mudança aconteceu. Mas a maior mudança
que eu percebi desde que estou envolvido com a publicidade, é o estímulo da
internet que está acontecendo agora. Essa conversa sobre o crowdsourcing muda
tudo. Na realidade, muda tanto o processo de construção da imagem, quanto a
conexão com as pessoas, com o trabalho, o dia a dia dos profissionais. Se,
antigamente, eu tinha o contato direto entre o cliente e o criativo, hoje, tenho uma
rede de possibilidades, pela qual posso colaborar com uma pessoa do outro lado do
mundo com o mesmo ou menor custo. Eu acho que isso muda o processo inteiro.
Hoje, fica mais claro que a cultura é global e influencia no processo criativo. Então, é
como se a gente tivesse uma variedade maior, mas em um universo muito menor.
Qual é o seu processo criativo? Ele mudou alguma coisa em relação ao tempo em que você esteve em Milão? Qual é a diferença do processo criativo de lá em relação ao daqui? Acho que aprendi que o processo criativo muda de acordo com a função. Acredito
que o processo criativo para a arte é, obviamente, muito diferente de um processo
criativo para um publicitário. Mas, antigamente, eu achava – existem intersecções –
que o processo poderia ser o mesmo. A questão da inspiração, da autoria... Eu acho
que é importante o publicitário ser um pouco autor também, ser um pouco artista o
profissional de criação. Mas hoje, eu consigo ver essa separação. Eu não posso
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adotar um processo puramente artístico para produzir uma imagem publicitária. Eu já
sei bem esse fato, e acho que a minha experiência em Londres me ajudou muito
nisso. Cada profissional tem que desenvolver seu próprio processo, sua própria linha
de raciocínio na hora de criar. Seja mais confortável e otimize as qualidades. É
importante você perceber qual é a sua maior qualidade como profissional criativo e
desenvolver um processo que potencialize essa qualidade. Eu investi muito tempo
da minha carreira em pesquisa, em conhecer temas e referências diferentes. Eu
acho que meu processo criativo é 70% pesquisa e 30% “mão na massa”.
Primeiramente, divido o tempo: quanto tempo eu tenho disponível para produzir e
faço essa percentagem do tempo. Então, se eu tenho dez dias, são sete de
pesquisa e três dias de “mão na massa”, porque a partir do momento em que eu
aceito, eu quero e vou procurar os meios de produzir. Mas, essa questão de
inspiração, eu deixo ela vir pelo processo de pesquisa. Às vezes, o processo de
pesquisa me ajuda, inclusive, a chegar em um resultado puramente artístico. Às
vezes, eu faço sete dias de pesquisa e percebo que nada daquilo vai funcionar para
a comunicação, e surge uma outra ideia para este processo. Eu tento modificar e
direcionar o trabalho para os assuntos e as técnicas que eu conheço. Então, por
exemplo, se algum dia, eu aprender serigrafia super bem, eu vou incluir isso no meu
processo criativo. Eu conheço muito do mundo da música, por exemplo, então eu
trago muita referência da música para o meu processo criativo. Eu acho que é uma
mistura de pesquisa e de potencialização dos seus talentos visuais como artista
criativo.
Você acha que o formato de agência hoje permite essa referência artística? Eu acho que permite sim. Eu percebo que, em todo o processo criativo,
independente de ele ser dentro ou fora de uma agência, existe um momento em que
você está pronto, aberto para oferecer sugestões tanto para o seu chefe, quanto
para o seu cliente. Há uma porta que se abre no momento... E ele pode oferecer
alguma coisa. Eu acho que essa é a parte complicada: você aprender muito do que
você está fazendo “para vender o seu peixe”. É exatamente isso. Eu odeio essa
expressão. É péssimo falar isso, mas eu acho que o criativo também deve ter
características comerciais para poder vender a ideia. Então, se você tem um
trabalho consistente e sabe defendê-lo, não importa se você é da empresa ou é
freelancer, você pode propor uma coisa muito louca para o cliente. Se você souber
158
fazer essa proposta, se você fizer o cliente entender o que você está querendo, de
onde você está partindo e quais são os resultados que você quer com aquilo, eu
acho possível. O problema é que, geralmente, os criativos não são estimulados a
articular esse lado vendedor.
Você concorda que, atualmente, existem alguns aspectos do mercado que limitam a criação? Existe! Eu acho que a ignorância limita muito a criação.
No Brasil? Eu acho que no geral. A boa criação não se alimenta de inspiração, ela se alimenta
de referências, de observação e sensibilidade. Tantos produtos culturais, quanto
objetos cotidianos, demandam uma carga de conhecimento mesmo do profissional
de criação. E vejo que esse conhecimento está cada vez mais raro. Hoje, é muito
comum ver as pessoas confundindo o profissional de criação com o técnico que
sabe mexer no Photoshop, ou com o que sabe mexer no Illustrator. Falei de
ignorância porque eu acho que isso é ignorância de todas as partes. É um ciclo: do
cliente, de quem é o chefe daquela ação ou daquela agência, do próprio profissional.
Acredito que hoje se aceita muita coisa muito fácil. Eu tenho um design que é fácil
de ser compreendido, porque ele é próximo daquele que eu vejo na televisão. Então,
o profissional que sabe fazer e repetir aquilo, vai se dar bem em uma agência
porque consegue vender para várias pessoas facilmente e tem pouca inovação.
Porque a inovação do artista está dentro do conhecimento, da capacidade de fazer
links diferentes com produtos culturais... Eu acho que a leitura, o cinema, o
conhecimento ajudam muito no processo criativo. Não entendo muito porque esse
fenômeno existe.
Você falou sobre ter boas ideias e conseguir vender para o cliente se você tiver o embasamento inteiro por trás dessa ideia. Você não acha que o fato de o cliente ser muito conservador pode delimitar a criação e o processo criativo também? Eu acho que o profissional de criação tem que ter sensibilidade suficiente para
entender o cliente. Se o cliente é conservador, eu vou usar os meus recursos
criativos para criar dentro desse universo conservador. Eu acho que não é por ser
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conservador que ele limita a minha criação. Eu acho que pelo contrário, às vezes, é
muito estimulante. É aquela velha história: “Vamos fazer mais um cartão de Natal!
Como você faz um cartão de Natal criativo, diferente, inovador hoje?” Eu acho que
estes desafios são bons. Como você propõe uma coisa nova para um cliente super
conservador? Eu acho que esse é o nosso trabalho, então, não tem motivo para
reclamar que “O cliente é super conservador, é difícil...”. Nosso trabalho é ser
criativo, independente das circunstâncias. Existe essa possibilidade de você fazer
uma coisa bonita, interessante e diferente dentro de um universo conservador.
Na sua experiência como criativo no exterior, você percebeu muitas diferenças entre os aspectos que limitam a criação no Brasil e nos outros países? Percebi algumas diferenças, mas eu acho que estas diferenças não têm a ver com a
cultura ou o lugar que ela está inserida. Acredito que têm a ver com as
oportunidades que eu tive de trabalhar com algumas empresas. Sei que vocês vão
perguntar sobre o trabalho mais importante que eu já fiz lá, e talvez, o trabalho que
tenha mais peso na minha carreira foram os trabalhos que eu fiz para a Diesel,
empresa de moda streetwear. É uma empresa gigante e muito importante, mas que
também é conhecida por ter um aspecto criativo muito livre. Ela possibilita a
criatividade de uma forma até inconsequente, algumas vezes. Eu tive essa
oportunidade que pouco profissionais têm de trabalhar para uma empresa que te
trata como um artista, que diz “Cria o que você acha que vai ser legal”, e aí, eles
assinam embaixo. Só que aí acontece a parte chata, a parte burocrática vem antes.
Eles têm uma pesquisa muito aprofundada antes de escolher o profissional. Eles
partem do pressuposto de que, se eu escolhi um bom profissional, se eu escolhi o
melhor do mercado, isso significa que eu posso deixá-lo criar livremente. E essa foi
uma diferença que eu não acho que tem a ver com a cultura da Itália. Eu acho que
foi com esse cliente, em específico. As dificuldades são as mesmas de uma agência:
a ideia de que tem que matar um leão por dia. Você tem que fazer o meio de campo
entre o cliente, o seu chefe, as suas vontades pessoas. Às vezes, você pega um
trabalho super legal, uma coisa que te dá prazer de fazer, e, de repente, as pessoas
vão colocando limites e fica uma coisa desesperadora. Isso acontece lá e aqui. Mais
uma vez: esse é o nosso trabalho, e o desafio é você ser criativo no processo
também e não só no produto final, ou seja, no seu dia-a-dia. Mas, esses trabalhos
da Diesel, que foram apresentações para as coleções da Semana de Moda, eram
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um projeto em 360, em que a gente trabalhava com a identidade gráfica destas
apresentações até o layout do espaço, as ações de comunicação. Era tudo. Projeto
360 mesmo. Aí encontrei dificuldades ao contrário. Quando você está totalmente
livre, às vezes, você tem uma ideia super legal e o cliente fala “Que bom! Que ótimo!
Então, vamos fazer!”, e você está com aquele pepino enorme na mão, que foi o que
aconteceu. A gente queria colocar, dentro de toda viagem conceitual, um carro
queimado no quinto andar do prédio da Diesel. Eles toparam, mas e aí? Vai lá
colocar, sabe? Então, tem essa dificuldade também. Com isso eu aprendi a ser
inteligente na hora de propor porque, às vezes, a ideia é muito boa, mas vai trazer
uma série de problemas técnicos. Por isso, temos que saber ser criativo dentro dos
nossos limites, do limite do cliente, do seu chefe, da agência, mas também dos
nossos próprios limites.
Quais são as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? Das novas tendências, eu falei de crowdsourcing e essa aula que eu estou dando
para o sexto período de publicidade sobre criação criativa é baseada em tendências.
São quatro tendências da comunicação contemporânea que eu desenvolvi junto à
professora Vanessa, que dá a mesma matéria para os alunos de tarde. Tem
algumas coisas importantes, por exemplo, a criação em conjunto, a co-criação. Esta
coisa de você pegar inputs do público para criar tanto o produto, quanto à
comunicação, é uma ferramenta importantíssima. A personalização da comunicação
é um desafio também. Você não pode deixar a criatividade por conta do cliente. Aí, é
um trabalho de curadoria, ou seja, fazer a curadoria com as informações dos clientes
e colaborações diversas para direcionar o produto. Talvez, entre todas as
tendências, uma importante seja a ideia de design thinking, que é o processo de
design aplicado ao produto de comunicação do início ao fim: a arquitetura de
informação, a pesquisa, a produção e o teste como se fosse a produção do design
de uma carro, de um celular, mas para o projeto de comunicação. É uma coisa muito
boa que está emergindo, porque oferece técnica. Nosso trabalho, finalmente, vai ser
um trabalho organizado e técnico, sem que a gente fique com o pé na mesa
esperando a ideia cair. Nosso trabalho é esforço.
Tem um ditado que diz: “90% transpiração e 10% inspiração”...
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E é mesmo! A gente acha que não, principalmente quando estamos na faculdade,
vemos algumas coisas prontas e falamos: “Nossa! Que ideia incrível!”. E, na
verdade, às vezes, teve muito sofrimento na gênese dessa ideia, na produção. Ideia
boa nem sempre é fácil de produzir.
Você disse que teríamos algumas referências em sites, televisão... Como eu trabalhei muito na intersecção entre Comunicação e Moda, eu acho que
são legais alguns exemplos da Moda. Tem um site que apresenta tanto produtos de
design, como produtos de arte, e leva muito para este lado de vídeo experimental,
que é uma área de meu interesse.
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ANEXO O – ENTREVISTA LUCIANA MORETZSOHN
Nome: Luciana Moretzsohn
Hoje trabalha na(s) empresa(s): 18 Comunicação
Área de atuação: Direção de criação
Tempo de mercado: 20 anos
Qual é o seu nome e o seu cargo? Onde você trabalha e há quanto tempo você atua no mercado publicitário? Meu nome é Luciana Moretzsohn, sou diretora de criação da 18 Comunicação, onde
trabalho há uns 6 anos. Em relação ao mercado publicitário, comecei na há 22 anos,
em 1990, já tem uma estrada aí. Minha formação é de redatora, sempre trabalhei
com isso direto, e quando entrei aqui há 6 anos, o Guto me ofereceu essa
oportunidade de dividir a criação, e me ajudou assim nessa coisa de gestão. Me
ofereceu um novo desafio, porque a equipe aqui é grande. Aí, comecei a
desenvolver isso e hoje sou plena, assim digamos.
Quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Eu participei da revolução da comunicação, né? Vocês viram quando eram crianças,
enquanto eu participei atuando no mercado. Então, a gente viu surgir a internet, e
isso realmente foi uma mudança muito radical, não só na comunicação, mas como
no mundo. Foi uma coisa que impactou o mundo de uma maneira muito importante e
a publicidade também. Impactou demais a publicidade, e até hoje, vivemos uma
adaptação dessa transformação. Eu não acho que estamos prontos, pois estamos
no meio da transformação. As coisas estão acontecendo em um ritmo muito rápido,
você tem que se virar para acompanhar. Publicidade sempre foi assim, mas as
coisas aconteciam em outro ritmo. Eu acho que o que mudou muito é que depois da
internet, tudo ganhou um outro ritmo, tudo é muito mais veloz.
Você pegou também a transferência da prancheta pro computador? Peguei. Comecei em 90, com máquina de datilografar, é inacreditável. Os redatores
tinham máquinas de datilografar e os diretores de arte, acho que eles trabalhavam
na munheca, desenhando o layout e o estúdio era gigantesco. No lugar do que
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chamamos de arte final hoje, existiam ilustradores, e o trabalho era todo montado.
Com letra sete, que é aquela letra decalquezinho, ia para o fotolito, era um processo
muito mais lento, demorado, que tinha um desafio técnico enorme e tinha uma
estrutura técnica muito grande, que hoje com essa digitalização desapareceu.
Realmente, desapareceram muitas funções, que foram absorvidas e outras áreas
também foram criadas, mas, houve uma mudança dura para o mercado. Mudou
muito para os fornecedores de gráfica, fotolito, porque o principal fornecedor de uma
agência era o fotolito, e, hoje em dia, nada disso mais existe.
Você tem contato com os clientes dos jobs que você faz, ou apenas com o briefing? Somos uma agência que trabalha muito próximo do cliente. Temos essa cultura da
criação participar muito de reuniões quando os clientes vêm aqui, ou, às vezes, a
gente vai até eles. Temos de conteúdo muito grande, específicos. Então, não existe
mais você criar aquela coisa superficial, sabe? Você tem que aprofundar, conhecer,
saber da realidade do cliente, então, trabalhamos próximo do cliente. Vamos muito
até ele, apresentamos muito job e concorrências pessoalmente. A entrega do
pessoal da criação é grande. O atendimento tem o papel de interlocução, mas que
não supre o da criação. A criação tem outro peso, porque quando você cria, você se
envolveu no processo o tempo todo, você tem uma entrega talvez até com mais
paixão. Você se jogou tanto naquela ideia, que acabou possuindo um poder maior
de convencimento, de argumentação, de entendimento dos desafios.
O fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas influencia negativamente na propaganda, comprometendo o caráter artístico e criativo da publicidade? Isso foi outra coisa que eu acho que transformou nos últimos tempos. Quando
comecei, o profissional de criação era supervalorizado, existiam grandes estrelas,
grandes salários, a criação já começava com uma remuneração muito boa, existia
muito a cultura do prêmio. Antes existia espaço para o autoral. Hoje em dia, isso é
muito difícil de ver no mercado... Claro que todo mundo gosta de ganhar prêmio,
muitas vezes vaidade faz parte da criação, ou seja, as pessoas querem ter seu
trabalho reconhecido, existe a parte artística. Mas acho que essa coisa autoral está
a cada dia perdendo espaço, o desafio comercial, compromisso com a venda e com
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resultado, é muito grande. Você não pode ficar, de certa forma, experimentando com
dinheiro dos outros. Além disso, os clientes estão realmente cada vez mais
pragmáticos e mais exigentes. Então, a propaganda que fazemos aqui na 18, na
qual eu acredito, é muito comprometida com o dia-a-dia do cliente, com os desafios
de venda, com resultado mesmo.
Você acha que isso limita, ou impede a ousadia? Não, sempre trabalhei dessa forma, você precisa trabalhar dentro de um briefing.
Uma coisa é você criar o trabalho ideal que você quer, para participar de um
concurso, entendeu? Porque quando você já tem experiência, você pensa “Vou
querer criar um trabalho para entrar nesse concurso, vou querer entrar nessa revista,
nesse anuário”. Com tempo e criatividade, você trabalha com aquele objetivo e
consegue alcançá-lo, mas só que a gente não coloca isso como um objetivo aqui na
18. O nosso objetivo é atender ao cliente, então, eu prefiro ser criativa dentro de um
briefing. É claro que sempre temos restrições, principalmente de orçamento. O
cliente às vezes não tem verba, mas você não vai poder pirar por trás de uma
marca, porque você está lidando com um patrimônio, muitas vezes mais valioso, de
uma empresa que é uma imagem de marca. Você não vai poder fazer
aleatoriamente. Esse “aleatório” tem cada vez menos espaço dentro da publicidade.
Quais são as novas tendências que você enxerga hoje para o mercado publicitário? Na minha opinião, a principal mudança em termos de ferramenta é o mobile. Acho
que é o celular, aquela coisa que você leva na mão, minha ferramenta de mídia
pessoal, onde eu vou consumir os conteúdos. Isso em termos de consumo mesmo,
de mídia. Você tem que falar com a pessoa de uma maneira simples, sintética, que
caiba “aqui”. Por exemplo, eu trabalho na frente de um computador o dia inteiro, leio
os meus emails praticamente no telefone. No celular você vê filme, começa a
consumir muito conteúdo no seu smartphone. Então, acho que o mobile é a grande
tendência do momento. Essa mobilidade mesmo, “Soltei as garras e aonde quer que
eu esteja, eu tenho possibilidades mil de interação em rede social, consumir
conteúdo”.
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Você acha que tentar se adaptar às tendências do mercado acaba sendo uma limitação da liberdade criativa? Pelo contrario, acho que o mercado hoje te oferece milhões de plataformas, milhões
de possibilidades. É difícil até para uma agência. Por exemplo, somos uma agência
grande, mas não temos a estrutura para fazermos tudo aqui dentro. Teríamos que
ter um departamento de internet “supermegapower”, uma ilha de edição para editar
conteúdos... Você tem que monitorar a rede social... Atualmente, são muitas coisas
que estão na pauta da comunicação, então, acredito que sendo milhares de
ferramentas, é mesmo impossível. Mas eu acho que, por exemplo, no nosso modelo,
somos uma agência integradora, temos parceiros que ajudam a desenvolver esses
conteúdos, e o leque de opções só amplia a sua capacidade criativa. Você vai falar
em diversas linguagens, para diversos públicos em vários formatos, mas você tem
que saber adaptar e falar com cada um deles da melhor maneira possível.
Agora sobre o seu processo criativo, quando você vai escrever, como que é? Chega o briefing e ai? Como você cria até chegar num produto final assim? Eu sou uma pessoa que tem muito respeito por essa coisa de processo criativo,
sabe? Não acho que isso a gente faz com o pé nas costas. Eu acho que é um
desafio mesmo, o que já me fez muito sofrer na vida. Às vezes eu tenho uma
concorrência ou um briefing assim sabe, não de perder noite de sono, mas acordar a
noite com uma ideia e anotar e passar o final de semana às vezes pensando. É uma
coisa que te envolve, que toma conta e que eu respeito muito. Não acho que é um
negocio que você pode falar “Ah, isso é muito fácil, vou fazer isso com pé nas costas
porque aí, o desafio, ele é bom”. Eu acho que, de certa forma, você sentir um pouco
de medo, uma certa ameaça, é muito produtivo. Voltando aqui, eu acho que a gente
tem que ter respeito com o processo criativo, com a criação, para ela ser desafiadora
pra você, porque senão você vai fazer alguma coisa que já esta meio pronto na sua
cabeça, e você buscar o novo não é uma coisa fácil, então, a gente tem geralmente
que buscar superar. Eu não quero fazer alguma coisa que eu já sei, traduzir uma
referência, alguma coisa que eu vi, às vezes, você precisa se ausentar. Eu não sou
aquela pessoa que senta e fica sentada ali o tempo todo, eu leio o briefing, eu gosto
de levantar, sair, pensar em outras coisas. Aí, na hora que eu sento vem alguma
coisa e eu já faço. E aí você começa a aprimorar aquilo ali, mas é um pouco
instintivo isso, você fez algum coisa ali que você sentiu que é bacana, que aquilo te
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tocou ali, que tem uma ideia legal por trás, você percebe e começa a aprimorar
aquilo ali e acaba dando certo.
Que dicas você daria a um profissional recém-formado, que pretende atuar na área de criação publicitária? Trabalhei na área de criação ao longo desses anos todos, e vi muita gente querendo
fazer estágio, mas acho que criação exige mesmo o perfil do profissional para
trabalhar na área. Não é simplesmente para qualquer um, a pessoa tem que querer
muito porque vai se deparar com muitos desafios... “Poxa o que eu vou fazer, que
campanha, como eu vou resolver essa parada?” E existem pessoas que realmente
não conseguem, não é para elas. Então, a pessoa tem que gostar, se sentir
estimulada pelos desafios, pela busca do novo, tem que gostar desse processo,
porque algum sofrimento está envolvido aí. Chamo isso de sofrimento porque mexe
muito com a cabeça, e você está sempre sendo julgado o tempo todo “Ah isso não
tá legal”, “Isso tá...”, “Gostei, não gostei”. É uma exposição grande, mas a dica
número um é que você tem que sentir o que gosta, ter paixão. Se você fizer com
paixão, vai dar super certo. Você tem que curtir mesmo. O bem feito é bacana e as
pessoas percebem, você se empenha e o negócio aparece. Acho que a dica é essa,
ame o que você faz que vai dar certo.
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ANEXO P – ENTREVISTA RICARDO PETNYS
Nome: Ricardo Petnys
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Tutu
Área de atuação: Direção de criação
Tempo de mercado: aproximadamente 15 anos
Conta um pouco da sua trajetória... Eu comecei em uma agência de varejo, que era até pequena, onde passei
aproximadamente 3 anos. Depois de algum tempo, fui tentar trabalhar com
multimídia. Acabei depois no mercado imobiliário, que estava em uma fase média
para grande. Lá montei a área de internet, fiquei uns 3 anos. Depois, circulei por
outras agências, trabalhei em uma outra agência de imobiliário chamada Longplay,
que na época era do grupo do Justus. Aí, saí para trabalhar com BTL, que é área de
eventos e promoção. Trabalhei com profissionais bem legais. Enfim, aprendi muito
de BTL também, mudou muito minha concepção de trabalho. Depois eu saí, voltei
para o mercado imobiliário. Trabalhei na Lowe, onde fui diretor de criação, foi uma
agência bem legal de trabalhar. Aí, teve a crise de 2008, e voltei a trabalhar com
BTL. Trabalhei com eventos durante um tempo, em uma agência chamada Rock,
que hoje está indo bem. Da Rock eu vim pra cá. E aqui é uma agência que não tem
essa cultura da publicidade, ainda é um pouco restrita, mas, hoje eu trabalho muito
com o pessoal de eventos e também com a área de Publicidade. A gente está com
umas campanhas grandes, que fizemos para o principal cliente da casa que é a
Fecomercio de São Paulo.
Quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? Quando entrei no mercado, o computador ainda estava começando. Trabalhei com
muitos diretores de arte “das antigas” que rafeava, apanhavam para trabalhar no
computador. Teve uma geração que se queimou com isso. Acho que, desde então, o
que dizem é um pouco em se ouvir. O cliente hoje tem uma percepção... Ele não
consegue abstrair muito. Você não pode simplesmente levar um rafe, você tem que
levar um layout praticamente completo. Hoje, as coisas são mais aceleradas, o
cliente que ver a coisa muito próxima de finalizada. Em relação à verba, piorou
168
bastante, pelo que eu vejo. Converso com profissionais 10, 15 anos mais velhos,
que viveram uma vida de festa. Hoje não é tanto assim, tem muita gente para
trabalhar, muita gente boa e mais ou menos. Como exemplo: eu trabalhei com três
profissionais. Um era diretor de arte, ganhou dois Cannes ano passado e ele tem
vinte e poucos anos. O outro ganhou quatro ou cinco Cannes, um ano passado e
mais quatro esse ano - esse ano foi uma ação que você pegava fruta e colocava
numa caixinha de suco e a fruta aparecia no formato -, e era estagiário da Lowe. E
outro que foi estagiário lá também, acho que saiu da Lowe, foi para Leo Burnett,
depois para AlmapBBDO, foi para África depois de Cannes. Foi diretor de criação de
Cannes com vinte e poucos anos também, e acho que agora está na Thompson ou
na McCann como diretor de criação também. Então, você pega esse tipo de
profissional, que é muito bom, chega formado, tem boas ideias, pensa em tudo, não
pensa só em anúncio ou filme, mas o cara pensa em ações, pensa num todo. Hoje,
acredito que o mercado tem muita gente, o que muda a característica. Acho que o
cliente hoje está menos maduro também. Atualmente, vou para uma reunião e boa
parte do pessoal de Marketing tem menos de 30 anos, não que isso seja bom ou
ruim, mas isso não quer dizer eles sejam mais ousados. Na verdade, os caras às
vezes... É muito difícil um cliente tomar uma decisão que pode comprometer o
emprego dele, ou qualquer outra coisa, porque é arriscado. Nos dias de hoje, a
galera está menos ousada no geral, é uma coisa que eu sinto, e acho que o
mercado realmente deu uma acelerada. Tudo começa com uma ideia, é claro, ela
tem que ter uma certa flexibilidade, um fôlego para você poder desmembrar em
outras coisas. Você tem uma boa ideia que lança, um filme, uma campanha, mas
que, de repente, na web pode dar algum desdobramento, alguma ação de ativação,
talvez a guerrilha, esse tipo de coisa... Hoje acho que deveria... Foca-se mais em ter
uma boa ideia, fazer com que essa ideia vá para fora, mas, é difícil você ver
realmente ideias que você fale “Porra, essa ideia é muito foda”. Eu não vi muitas
mudanças porque são 10 ou 12 anos. Foi muito natural para mim, é difícil até de
perceber, para dizer a verdade.
Como você define o seu processo criativo? Eu gosto de trabalhar muito aliado às outras áreas. Às vezes, temos a ilusão “Porra,
vai vim um briefing super completo, um briefing do caralho, vou ter toda informação”.
Acredito que a qualidade do briefing piorou muito, você tem que se virar muito. Não
169
dá para depender muito do atendimento, “Ah, o briefing vem muito ruim, vou ter que
ir pra internet, dar uma pesquisada”. É muito difícil você depender só do cliente, ou
só do que vem do atendimento. Normalmente, quando vem algum produto, eu tento
identificar as características que são os diferenciais, o que eu posso vender, a razão
pela qual alguém compraria esse produto. Na maioria da vezes, quando está muito
confuso o briefing e eu estou em uma reunião com o cliente, eu pergunto “O que
completa o seu produto?”. Os concorrentes têm vinte produtos iguais nas mãos, mas
porque comprar necessariamente o seu? A comunicação, às vezes, não é lapidada
ao produto em si, mas é bom eu ter uma base porque não dá para contar uma
mentira. Isso, na verdade, não sou quem diz, é o óbvio: uma boa campanha só
acaba com produto ruim mais rápido. Tento analisar e ver o produto, e finalizar por
onde eu posso abordar. É bem por aí, começo a fazer exercício com o diretor de
arte, se ele não está disponível, eu tento fazer sozinho. Normalmente, tento saber se
tem alguma assinatura, um conceito para facilitar a minha vida, e até direcionar a
questão de como eu vou desdobrar isso. Depende do que cai na mão, não tem uma
regra. Também preciso pensar no público que tenho que impactar. Existem públicos
e públicos. Em um foco que o público é mais velho, não adianta eu querer inventar
uma cosa do outro mundo, o cara não vai entender. Eu sempre trabalho pensando
no público que eu vou atingir, não tem como trabalhar sem pensar nele. E, tento me
colocar no lugar desse consumidor, “Porque eu compraria esse produto?”. Tento
fazer tudo em cima da minha percepção de consumidor.
Qual a influência de outras áreas da propaganda, como, por exemplo, o planejamento no seu processo criativo? O que você pega dessas outras áreas? Olha, você tem que pegar o máximo possível. Aqui mesmo, tive uma concorrência
de SESC, que a gente ganhou. Começamos com uma abordagem “Vamos fazer um
negócio mais criativo, mais divertido, mais piada”. Aí, a mídia veio para mim e falou
“Olha, quer saber uma coisa, não vai ter filme. Tá bom, mas se não tiver um filme,
vou ter que mudar tudo...”. A ideia era muito centrada em um filme, então, mudamos
completamente a abordagem, partimos para uma abordagem muito mais gráfica e
até estratégica pra ganhar a concorrência. E, no final, deu super certo porque o
SESC também não trabalhava bem com piada, porque virava uma coisa séria, muito
politicamente correta. No final, a solução gráfica veio do input que a mídia me deu:
170
“Ah, não vai ter filme, então vocês vão ter que pensar de outra maneira.” Então, eu
sempre tento absorver o máximo do que essas outras áreas podem me passar.
Trabalhar com planejamento, normalmente, é muito legal porque eles caminham
metade do caminho para mim. O cara vai até o consumidor para entender o
comportamento dele, enfim, busca um insight ou alguma coisa. Mas, às vezes,
acaba também trabalhando paralelamente: o planejamento vai planejando, enquanto
eu já estou buscando o campo de relações que eu posso trabalhar. No final, a gente
consegue se acertar. Depende muito da situação de prazo, quer dizer, você tem um
prazo que o planejamento vai ter tempo de trabalhar, vai me entregar um
planejamento legal, eu vou poder analisar e raciocinar em cima. Normalmente, isso
não acontece, na realidade, em uma agência média é um pouco mais corrido. Mas
sempre gosto de trabalhar com planejamento, enfim, com um atendimento que seja
um pouco mais esperto, que tenha insights bons do cliente.
O cliente gosta de trabalhar em uma zona de conforto, no geral. Às vezes, a gente
se ilude “Porra, aqui vou poder criar pra caralho, aqui não vou.” É meio relativo, tem
cliente bom e ruim em qualquer lugar e em qualquer nível de grandeza. Vocês
trabalham em agências, em que elas acaba fazendo o trabalho do marketing delas,
do cliente, de clientes menores. O profissional de marketing não é aprovador ou
reprovador de campanha, ele não tem muita noção de estratégia, ele demanda
muito mais na agência. Quer dizer, ele demanda, você leva, não quer dizer que ele
vá concordar. Você pode fazer o trabalho dele e ele vai falar “Pô, mas não era
isso...”. Você faz o trabalho dele e ele ainda quer chorar, né? Acho que isso
atrapalha. Hoje, o cliente quer gastar menos, no geral. Então, às vezes te força a ter
saídas mais criativas, mas, às vezes, te limita muito porque a verba é curta. O cara
quer pagar menos, na verdade, ele não valoriza tanto o trabalho do prestador de
serviços... Você vai “arroxando”, perdendo um pouco de qualidade. Acredito que
existe uma coisa de buscar mais aprofundamento também, acho que o pessoal sai
muito “raso” de faculdade, ou chega no mercado muito “raso”. Acho que tem essa
coisa de você se autorreferenciar muito. Então, às vezes, você vai aos grandes
festivais e a galera recicla muita coisa que viu há 2, 3 anos atrás... Não tenho nada
contra, a cópia acontece em qualquer área, né? Parece que o Nizan falava isso, que
“Eu não copio, eu melhoro”. Eventualmente, tem gente que pega a ideia e melhora.
Mas acho que limitador normalmente é um pouco isso, a questão de verba, a
171
questão de como o cliente vai encarar ou não. Uma outra coisa, se você tem uma
boa ideia, tem que aprender a vender a ideia. Hoje, você tem que ter bons
vendedores de ideia. Eu estou aprendendo isso depois de um bom tempo de
mercado.
E aquela coisa que você tinha falado antes, de hoje ter que ser tudo rápido, principalmente nas agências médias e pequenas, de ter que correr atrás de tudo... Você acha que isso acaba limitando um pouco, parando o processo no meio? Uma coisa interessante: estou fazendo um curso de redação com o Marcos Ferraz,
um profisisonal que tem uma puta trajetória. Ele falou o seguinte: “Você esperar que
seu briefing vai vir com o prazo ideal, que você vai ter um puta prazo de fazer as
coisas, é muito raro.” Então, você tem que ter o seu tempo, administrá-lo, diminuir o
nível de dispersão... É claro, se te pedem uma coisa do dia para o outro, a
possibilidade de você aprofundar e buscar uma coisa mais legal é difícil. Eu acho,
claro, prazo ajuda. Eu ter um pouquinho mais de prazo, um prazo mais civilizado, vai
me ajudar. Agora, é a realidade. Não sei te dizer se isso te prejudica ou não, porque
no final, você acaba saindo com uma solução.
Muitos clientes acham que a publicidade é só um mecanismo de venda, não tem esse aspecto criativo, da publicidade na propaganda. Você acha que isso compromete ou influencia negativamente a criação? Tenho uma visão muito clara: propaganda é sim um instrumento de venda. Se você
quer fazer arte, vai ser artista plástico, se quer ser escritor, vai escrever roteiro de
cinema, vai ser diretor de cinema... Vai fazer outra coisa, entendeu? Um diretor de
cinema pode trabalhar na Publicidade muito tempo, aprender muito sobre cinema. O
Fernando Meirelles se desenvolveu muito tecnicamente na Propaganda e foi fazer
os longas-metragens dele. Eu trabalhei com um diretor de cinema, estávamos
conversando e ele falou: “Olha Ricardo, tudo que eu faço, eu faço muito bem”. Ele é
um cara muito bom, falou assim: “Eu posso fazer um filme maravilhoso de papel
higiênico, mas é um filme de papel higiênico.” A realidade do filme é essa. Pode ser
lindo, tecnicamente maravilhoso, mas ele é isso. Então, Propaganda está sempre
vendendo alguma coisa, um conceito, uma marca, um produto, é uma ferramenta
para isso. Tudo o que a gente faz é para vender. Ou você vai fazer uma coisa que
172
seja muito diferente, ou muito bonita, ou muito criativa, de qualquer maneira é para
chamar a atenção do produto. Hoje, quantos comerciais você deve ver por dia se
ligar a televisão? É muita coisa, muita informação. Então, na verdade, existe a ideia
de fazer as coisas muito diferenciadas ou impactar, “eu vou impactar através de uma
maneira diferente, que chama atenção.”. Se você ver um comercial que você acha
divertido ou mais emocional, a possibilidade de você lembrar do produto é maior. É
uma ferramenta, o que muda é como o cliente vai enxergar isso no final. Se ele acha
que o produto dele vende uma coisa muito criativa, a coisa vai vender. A gente tem
campanhas, por exemplo, das Havaianas. As Havaianas reposicionaram o produto
inteiro. O produto que era classe C, D, hoje é um produto mundial. É um trabalho de
anos, mas sempre, graficamente, todos os anúncios de Havaianas são muito
bonitos. É de você pegar um anúncio de Havaianas e falar “pô, é uma peça de
design aquilo.” Tem uma estratégia toda por trás, mas é para vender um chinelo de
borracha. Eu não vejo publicitário como artista, vejo como artesão. O artesão é o
cara que tem o domínio técnico para fazer uma coisa que vende. Eu não vejo muito
dessa maneira, como uma coisa que vai enaltecer a criatividade ou não. A função é
essa. Até porque tem muita gente que produz arte, que justamente é pzra vender o
filme, ou qualquer coisa. É até ruim às vezes, a gente falar “Ah, você era um puta
bando de louco... ah, fica pirando...” Você pira, mas, assim, tem uma ciência ali, não
tem jeito, tem técnica... Realmente você está vendendo. Qualquer filme que você
ver, por mais distante do produto que seja, ou não, está vendendo alguma coisa.
Não tem muito... Eu não vejo dessa maneira...
Quais as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? O que você falaria para alguém que está se formando agora? Quando eu comecei a trabalhar com eventos em 2008, eu falava o seguinte, e ainda
acho isso: “Acho que o futuro da comunicação toda é a interação. A interação real
ou virtual.” E virtual é o campo todo da internet, acho que as redes sociais ainda
estão começando, e já temos o Faceboook. Acho que o consumidor quer muito
interagir, fazer parte. Há a interação real, que é a questão de eventos, promoção,
ativação... Acho que são coisas que estão caminhando fortes. E acho que é sempre
buscar uma ideia boa e que seja interessante. Acho que se deve desenvolver isso:
buscar um ideia que dê pra você desdobrar em outras áreas. É complicado para
mim, porque eu tenho 42 anos e minha relação com Facebook, Twitter, com a rede
173
social em geral, é diferente da relação de quem tem 20 anos. Eu estava em uma
palestra e o cara falou “Pô, se diz especialista em rede social. Daqui 5 anos qualquer
cara que entra numa agência vai ser especialista em rede social porque ele já usa
aquilo.” É o dia-a-dia da pessoa, né? Deve-se entender a rede social e ficar
antenado com o que acontece na rua, pois muita coisa acontece na rua. Não dá
para ser rato de laboratório... Facebook é uma realidade, é uma plataforma, mas não
é tudo. Acho que devemos ficar sempre antenados com o que acontece no geral,
com o que acontece ao nosso redor, é fazer uma coleta de experiências. Por
exemplo, você pega um táxi, quantas vezes você conversou com o taxista? Taxistas,
no geral... Tem taxistas que têm histórias maravilhosas. Uma vez eu peguei um taxi,
o cara viu que eu era tatuado e começou a conversar comigo, mostrou a tatuagem
dele... Ele e o irmão queriam ser tatuadores, tinham comprado máquina e estavam
fazendo curso. Então, tem muita informação. Acho que a coisa é: você tem que está
atento para o que acontece ao se redor porque existem muitas ideias boas... Não sei
se vocês já passaram por isso, mas às vezes você olha um anúncio e pensa “Por
que eu não pensei nisso?”. Tem o clássico, que é o anúncio da pimenta: a batata
que tem um vermelhinho em cima que é a pimenta, que é um fósforo. Quantas
vezes você não “xuxou” a batata no Catchup e não percebeu que aquilo ali não era
um fósforo? Então, é está antenado para as coisas, realmente perceber o que você
está vivendo, essa é a grande dica. Acho que as ideias hoje podem buscar alguma
coisa do óbvio, pois tem muita coisa que a gente não enxerga. Acho que há uns 3
anos teve um case que ganhou Cannes e alguns outros prêmios, que era “O melhor
emprego do mundo”. Era anúncio de emprego. Quer dizer, era uma estratégia para
vender uma ilha, mas era o melhor emprego do mundo. Essa campanha espalhou
pelo mundo, tem uma estratégia, mas é uma ideia extremamente simples.
E fora “O melhor emprego do mundo”, tem alguma outra campanha que você toma como referência? E alguma outra campanha que você fez que considera destaque? Eu falo das outras primeiro. Eu acho que todas as campanhas das Havaianas, de
posicionamento da marca e que começaram com o Eugênio Mohallem, melhor
redator do mercado publicitário brasileiro... É um dos melhores publicitários do
mundo, que revolucionou a redação publicitária na minha concepção. Então, acho
que Havaianas. Acho que “Bichinhos da Parmalat”, que é uma coisa “antiga”, mas,
174
na minha opinião, foi uma campanha genial que reposicionou a marca também. Eu
gosto muito de uma do chocolate romeno que ganhou Cannes também, acho que
ano passado. Eles mudaram a embalagem do chocolate, colocaram a bandeira
norte-americana e fizeram a estratégia em cima. Tem muita coisa. Eu gostava de
uma mais antiga da Brastemp, que era uma coisa tipo “me dá uma Brastemp”, muito
interessante. Atualmente, eu gostei muito da campanha do “iPod no palito”, que é
uma campanha promocional que eu acho genial, e que não foi apenas mérito da
ideia. Não sei se em Minas teve o “iPod no palito”, que é uma história muito boa.
Quer dizer... É possível colocar o iPod dentro do sorvete, dentro da geladeira. Então,
os caras propuseram e fizeram. E o que é legal? O cliente topou. Acho que foi uma
ideia promocional muito boa. Tem muita coisa da Talent que eu gosto, no geral.
Acho que a Talent gosta de ser bem consistente. Existem uma muito antiga deles,
que era “Os Japoneses são mais criativos do que os outros”. Acho o trabalho da Lew
Lara com a Nissan muito bom, em termos de comunicação de veículo, de carro.
Quer dizer, a história dos “Pôneis Malditos”, os comparativos que eles colocavam no
ar e o Conar tirava logo depois, tudo isso acabou ajudando a reposicionar o carro e
a vender mais. Eu tento olhar isso também, quando você trabalha com Publicidade
não é para você pensar “Nossa, tive uma puta ideia genial, vou colocar no ar.” Ela
está atrelada ao resultado, e você tem que pensar nisso, quer dizer, isso vai
repercutir para a marca ou não, se vai dar realmente o resultado que você espera. O
que me vem à mente agora é isso, mas devem ter muitas outras que eu não lembro
agora.
E das suas campanhas? Olha, eu fiz uma legal que funcionou em termos regionais. A gente tinha um desafio
aqui na agência que era explicar pro público em geral que o SESC e o SENAC são
mantidos pelo comerciante, e não pelo governo. É uma coisa que pouca gente sabe,
ou sabia. A campanha não foi tão grande, tivemos uma solução simples. Foram
duas campanhas, na verdade. A gente pegou o Serginho Groisman... A ideia inicial
era o cara invadir os lugares, onde acontecia atividades de teatro e sair
perguntando. O que a gente fez? Fizemos 4 filmes, é um minidocumentário de 30
segundos. O Serginho pega um comerciante, leva pro SESC, mostra o lugar para o
cara... Primeiro, o comerciante começa a entender, porque muitos não sabem, e o
próprio comerciante não sabia, mostrando isso para o público também de uma
175
maneira não tão chata. SESC, SENAC, Fecomercio não são entidades muito
ousadas em termos de comunicação, então, funcionou bem. Foi uma campanha
interessante que eu fiz. É que muita coisa que fiz e que achava legal, não consegui
colocar na rua. Também tem isso, é uma coisa que, infelizmente, acontece muito.
Então, eu fiz coisas que gosto muito, mas que não passou. Mas, no geral, é isso.
Essa do SESC a gente consegue achar no Youtube? Consegue, eu passo o link para vocês... É até interessante. Não é nada
extremamente criativo, mas teve uma execução muito boa, fizemos quatro filmes.
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ANEXO Q – ENTREVISTA RODRIGO BERGEL
Nome: Rodrigo Bergel
Hoje trabalha na(s) empresa(s): NEOGAMA/BBH
Área de atuação: Redação
Tempo de mercado: 11 anos
Nesses onze anos você percebeu alguma mudança no meio publicitário? Sim. Mudou muito, e sempre muda. É um meio que está diretamente ligado com
tudo que acontece no mundo. Então, todas as mudanças influenciam o meio,
tornando ele cada vez mais dinâmico. É impressionante como hoje em dia tem
novos canais de mídia que não existiam naquele tempo, e tudo isso influenciou, né?
O mercado ficou mais internacional, agora todo mundo sabe o que esta acontecendo
em todo lugar do mundo, quais são as tendências, e antigamente era muito mais
difícil. Esse aparecimento de novas mídias influencia muito o que acontece na
propaganda e a criação. A propaganda tem que dar conta de acompanhar
também porque é uma coisa bem presente no mundo.
Você tem contato direto com o cliente ou apenas com o briefing quando vai fazer um job? Normalmente, a gente recebe um briefing e o nosso contacto com o cliente, na
verdade, é o atendimento. O atendimento nos passa esse briefing, já sabendo tudo,
qual é a demanda que o cliente precisa... E a gente vai tentar digerir isso, para
oferecer como ele precisa e se comunicar para dar conta dessa demanda que ele
está precisando fazer. Então, o que é passado no briefing é o que o cliente precisa,
e o que a gente faz é o como ele deve fazer. Muitas vezes o cliente não sabe
exatamente o que precisa, mas ele sente que precisa de alguma coisa, então, às
vezes, temos que visualizar uma coisa que ele está querendo e não está
conseguindo nem saber o quê. A gente também oferece isso como solução criativa,
tentamos sempre ir além do que o pedido vem.
177
A partir do momento que o briefing chega até você, o que você faz até o resultado final? Como é esse seu processo de criação? Acho que a criação tem os mecanismos que você vai adquirindo, tem os processos,
mas não tem regra. Então, o processo para cada caso é um, o que precisa é
trabalhar muito pra chegar em uma solução. Às vezes você nem está na agência,
mas está com aquilo presente em você, pensando naquilo o tempo todo. Outras
vezes, você está na agência o tempo todo e aquilo vem naturalmente, depende do
processo. É claro que temos que consultar muito o planejamento porque eles
entendem muito o cliente de uma forma que, a gente que não tem contato com as
questões da estratégia do cliente, não consegue incorporar algumas coisas, né? A
gente não consegue visualizar, então, o planejamento sabe profundamente como
está a estratégia do cliente para que aquela comunicação seja feita. É um trabalho
em equipe, o criativo de hoje não é mais aquele que fica isolado tendo ideias e
soluções pra tudo. É um trabalho em equipe, tem o papel do atendimento, tem o
papel da mídia também, que é bem importante, e tem o papel do planejamento. A
gente como criativo vem junto, tentando juntar todos os mecanismos, sintetizar
aquilo e oferecer de uma forma nova e criativa, porque esse é o nosso trabalho. Mas
não tem regra.
Quais aspectos você acha que limitam um pouco a criação de uma campanha ou de um conceito? O que limita na propaganda é o medo do novo. Então, eu acho que o trabalho de
uma agência tem que convencer e acaba que, muitas vezes, é mais difícil convencer
o cliente a apostar no novo. O novo dá medo mesmo, dá frio na barriga, é
desconhecido, então, o cliente tem medo. E isso acaba, muitas vezes, limitando o
trabalho da agência e o que ela poderia oferecer para o cliente como solução. Mas,
tem muitos clientes que entendem isso, e também a agência faz o trabalho de
convencer o cliente de apostar no diferente e conquistar territórios que ele nunca
teria imaginado ter se não apostasse no novo.
Você acha que o fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas pode comprometer o caráter artístico que a propaganda tem?
178
Sim. Eu acho que esse ponto é importante, porque a propaganda não é a venda
pura. Para muitas coisas que entram no ar o cliente não precisaria ter uma agência
de qualidade que muitas vezes tem, mas ainda não permitem que o potencial seja
atingido porque acham que tem que vender só: "compre já". Esse é um jeito de
vender, mas não é o melhor jeito, com inteligência criatividade e inovação funciona
muito mais. Na propaganda os grandes cases são sempre uma aposta na solução
criativa e não uma simples veiculação da mensagem “compre já”. Então,
propaganda não é arte porque tem começo, meio e fim. O fim é a venda, então a
arte não tem essa preocupação. O fim da arte não é a venda. A propaganda tem o
começo e o meio livres, mas o fim é a venda. Ela não é arte, mas utiliza da arte,
utiliza do novo, da inteligência e de muitas coisas que a arte pode fazer também,
mas tem esse fim definido. Então, o grande desafio é fazer o cliente apostar no
começo e fim livres, porque o fim de qualquer jeito vai ser o que ele quer, que é a
venda.
A gente pesquisou e destacou algumas campanhas que você fez durante a sua carreira como, por exemplo, "Mentos. Compartilhe se puder", "Nova Schin", "Net XXX" e a antifungo. Você lembra como foi o processo criativo em cada uma delas? Cada caso é um caso. No caso da campanha da Net, por exemplo, eu estava na
Talent e foram duas duplas mais o diretor de criação. A gente fez tudo junto, e o
processo era o grande desafio de trazer um posicionamento pra Net, que passasse
essa busca obsessiva pela qualidade. Depois de várias ideias, a gente chegou
nessa solução e convencemos o cliente de que poderia ser bacana. Um exemplo de
como os processos não têm regra foi a expressão que ele falava "Scavurska". A
gente estava procurando uma palavra que... Ele é um personagem russo, e no
imaginário das pessoas o russo é da guerra fria. Ficou esse imaginário que o
exercito russo tinha esse papel de ser muito autoritário, e a gente quis um
personagem que lembrasse um pouco isso, um personagem autoritário que falasse
alguma coisa que parecesse russo, e a gente buscou a palavra mais diferente e
inusitada. Depois de várias palavras, meu sobrenome é Scazufka, aí a gente mudou
um pouquinho e usou Scavurska. E funcionou, foi uma campanha que ficou muito
no ar, vendeu muito para a Net. Foi bom porque o cliente apostou no novo. Cada
situação é uma situação. No caso de Adécio, a gente também buscou uma solução.
179
Tanta campanha de cigarro, e o próprio governo faz muitas, que colocam sempre
fotos para chocar, e a gente quis dizer "Porque parar de fumar, né? Dar um beneficio
pra pessoa". Então, chegamos naquela solução do fôlego. Essa a gente fez aqui na
NEOGAMA/BBH e funcionou bastante, acho que eu nunca tinha visto antes uma
campanha que desse um beneficio para a pessoa parar de fumar. É subir as
escadarias da Notredame, poder conhecer a muralha da China, ir andando para
Machu Picchu... São realmente benefícios de parar de fumar. Então, buscamos esse
formato parecendo varejo, de “Ganhe seu fôlego”. Acho que é isso. Não tem muita
regra, a gente sempre quer buscar algo novo, essa é a regra.
Você enxerga alguma tendência para o mercado atual da propaganda? Sim. O mercado atual está passando por uma grande transformação, ao meu ver.
Antigamente, o espectador e o público alvo assistiam aos comerciais e eram
impactados pelos anúncios, mas sempre “de cima pra baixo”, ou seja, o comercial
vinha até ele. Agora, a coisa está mudando um pouco. O espectador está indo atrás,
vivendo aquela mensagem e fazendo parte do comercial. Na internet ele procura o
que quiser, e a gente tem que saber dialogar com esse internauta para ele vivenciar
aquela experiência, não é mais só assistir ou ver. Então, as ações de guerrilha
ganharam muita força nesse processo, como o mobile que é uma categoria que
agora está investindo muito, as pessoas querem sempre. A propaganda tem que
oferecer algum benefício para a vida da pessoa. Esta não quer mais só assistir ao
comercial, quer saber como ele vai mudar a vida dela e fazer o comercial junto. A
pessoa não é passiva, é ativa. O espectador vivencia a propaganda, acho que essa
é a grande mudança.
Quais dicas você daria para alguém que está entrando no mercado agora, que está se formando? Acho que a grande dica é sempre independente da mídia ou do meio, se é off ou on.
Acho que as pessoas que trabalham com isso tem que sempre procurar fazer coisas
novas, e realmente novas. Não buscar repetição, não aceitar nenhum desafio
porque é assim. Nossa busca como criativo é sempre pelo novo em qualquer que
seja a mídia.
180
Eu tenho uma pergunta, você fuma? Não.
A Campanha que você fez contra o fumo, você fez com pessoas que fumavam ou não? O povo que fez a campanha, ninguém fumava? Não.
Criar para uma coisa que você não acredita, ou não compra, é mais difícil, mais fácil? Como é isso? Eu acho que é uma boa pergunta. Acho que essa campanha que fiz com a Paula
Fernandes... A gente não fuma, mas temos que nos colocar como fumantes
enquanto fazemos a campanha. Então, tem que viver aquele público como se a
gente fosse ele mesmo. Se a gente não se coloca no lugar da pessoa que vai ser
atingida, não conseguimos criar pra ela. Por isso é tão importante, além da criação,
a pesquisa, seja pesquisa na internet ou perguntando pra quem fuma ou, às vezes,
usar o planejamento da agência que, talvez, tenha alguns estudos sobre isso. Mas
sempre ir atrás para entender aquele público como se a gente fosse ele mesmo.
Essa é a grande dica também: se coloque no lugar do cara. Se você não fizer isso,
não vai conseguir sensibilizá-lo. Então, a gente cria essa empatia se colocando no
lugar dele. Temos que criar para quem fuma como se fumássemos, criar para mãe
que escolhe fralda como fôssemos mães... Não é porque sou homem, que não
posso me colocar no lugar de mãe, tenho que parecer que uma mãe falando, um
fumante... Parecer que sou público alvo daquele carro, parecer jovem publicitário. Se
eu não fizer esse exercício, eu me distancio do público que vai receber aquilo.
Você passou por várias agências. Não precisa citar nomes, mas você vê a diferença no processo criativo de cada uma delas? Acha que algumas agências te limitam como profissional? Sim, algumas agências tem seu próprio DNA. Dependendo da agência que você
está, algumas áreas tem mais ou menos poder. Tem agências que apostam mais na
criatividade e outras que apostam menos, algumas trabalham melhor o cliente,
outras não. Eu acho que as grandes agências têm suas qualidades e diferenciais.
Dependendo da agência, você tem que se encaixar nela mesmo, e é um grande
desafio saber aproveitar tudo que ela tem de melhor e transformar os limites. Todas
181
as agências vão ter problemas e pontos positivos. Então, é aproveitar os positivos e
tentar transformar os negativos, e não ser passivo dentro daquilo tudo. Se você está
dentro daquele DNA, você faz parte dele.
182
ANEXO R – ENTREVISTA RUI PIRANDA
Nome: Rui Piranda
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Giovanni+Draftfcb
Área de atuação: Direção executiva de criação
Tempo de mercado: 26 anos
Sou especialista em relacionamento e comunicação dirigida, em comunicação para
funcionários, em shopper, que é diferente de consummer. Este consiste em preparar
a cabeça do consumidor para entrar na loja, já que quando se entra na loja, é “faca
nos dentes”, ninguém é de ninguém, todo mundo nu, tomara que você tenha trazido
seu gel. 75% das pessoas entram em uma loja com "Brastemp" na cabeça e apenas
15% saem com uma, ou seja, 60% das pessoas são convencidas dentro de uma loja
a comprar uma outra marca. Tem que observar o que está acontecendo dentro da
loja, isso é shopper. Também sou responsável pela área de branding. Não somos
uma agência de branding, e sim de comunicação. Mas, para algumas marcas,
quando têm projetos de branding, eu sou o responsável. Eu fiz projeto para o Itaú,
Fleury, Pão de Açúcar supermercado... Pão de Açúcar que talvez vocês não
conheçam, é de São Paulo, mas é o amor da vida dos paulistanos. Só para vocês
terem uma ideia do que significam Fleury e Pão de Açúcar para o paulistano,
quando eu me mudei pra São Paulo... Eu sou carioca, moro há 10 anos em São
Paulo e quando eu me mudei, a prima paulistana da minha mulher, falou para mim:
"São Paulo é muito simples. Não tem nada de complicado em São Paulo. Sua ponte
é Eusébio Matoso, seu laboratório é Fleury e supermercado é o Pão de Açúcar".
Então, São Paulo foi apresentada para mim por uma ponte, um supermercado e um
laboratório. Não faz o menor sentido para vocês que não têm ponte, não conhecem
o Fleury. Pois bem, olha a força de uma marca.
E há quanto tempo você está no meio? Há muito mais tempo do que você imagina, talvez desde quando tinha a sua idade.
Eu comecei com propaganda mesmo, como estagiário, em 1986. E em 1990 eu já
era diretor. Isso não faz de mim um gênio, mas um obsessivo, o que é diferente. Eu
adoro trabalhar com comunicação dirigida, adoro o atual e o digital. Eu já fui, mas
não sou diretor de digital. É exigida uma outra expertise para ser diretor de digital.
183
Eu sou diretor de contar. Não sou diretor disso que eu acho mais moderno. Apesar
da minha inteligência, da minha expertise para determinadas áreas, a gente tem que
estar tateando para ser diretor de contas. Então, eu sou o diretor da conta Pão de
Açúcar, da conta do Itaú... E isso não faz com que o diretor de digital ou o diretor de
propaganda não atuem. Eu sou a pessoa que olha e entende a conta. Isso é mais
moderno, mas isso não elimina a disciplina. Então eu estou há, sei lá, mais de 25
anos nisso.
Nesses 26 anos, quais foram as maiores mudanças que você já presenciou no meio publicitário? A maior de todas e que eu ser a grande lição, mas isso é óbvio para vocês, é a
perda do cajado. Ensinam na faculdade que o emissor é responsável pela
comunicação. Às vezes eu até sinto saudade disso, mas isso não é uma verdade
mais. Eu acho que as marcas são curadoras da comunicação. Elas não têm mais a
responsabilidade pela comunicação, podem, no máximo, fazer a curadoria dela. O
que é a curadoria? Escolher o que vai estar lado a lado: este assunto do lado
daquele assunto, do lado daquele assunto, do lado daquele assunto formam uma
opinião que pode ser parcialmente administrada nas redes sociais. E aí, absorvida,
trabalhada e administrada de uma determinada forma. Depois, olhamos daqui e
vemos o que funcionou, além de estudar o que deu certo para poder tentar
reproduzir de alguma maneira. Dessa forma, se vai administrando a comunicação.
Mas o cajado dela, aquela coisa de "Eu seguro o cajado, eu sou o responsável", não
existe mais. O consumidor é dono da comunicação.
Como é o seu processo criativo? Como ele se reflete na Giovanni+Draftfcb? Eu e a Giovanni+Draftfcb acreditamos em uma coisa, que é o que faz que eu fique
na agência: marcas se relacionam com pessoas. Como eu trabalho e absorvo isso?
Dentro do processo do meu trabalho, eu acabo transformando marca em pessoa e
tento simular relações interpessoais. Parece complicado, mas não é. Uma marca
tem propósitos e valores, e eu tento descobrir por que uma marca acorda de manhã
e vai trabalhar. Ela acorda de manhã porque o que ela produz é a mesma coisa que
outras empresas produzem. Então, a IBM acorda por uma razão, a HP acorda por
outra e a Apple acorda por outra, o que não faz uma ser melhor do que a outra. Só
faz ser diferente. As pessoas se relacionam com essas marcas justamente porque
184
elas acordam de manhã por razões diferentes. Por exemplo: a IBM acorda de
manhã porque ela quer te dar poder, ela acredita que o software e a tecnologia dela
faz você ser owner da sua vida, da sua empresa e dos seus negócios. E quando eu
digo poder, por favor não entendam poder por um lado negativo. Poder é bom, a
gente gosta de poder, é que a gente vive um país onde o poder está sempre
associado a uma coisa negativa. Poder negativo é o poder mal empregado. Então a
IBM não apregoa um poder negativo, e sim o poder que você gostaria de ter. Eu
adoraria saber o que está acontecendo com a minha carga quando ela cruza os
desertos americanos, e a IBM te dá isso. É esse tipo de poder. Já a HP acredita em
uma coisa maravilhosa, a HP Invent. O slogan da HP é HP Invent. A HP vive
Hewlett-Packard, que são dois jovens, que na idade de vocês, inventaram uma
impressora em uma garagem. A garagem é celebrada pela HP e existe até hoje,
está lá no Vale do Silício, aberta a visitação pública. E cada sala de reunião da HP
tem o nome de um inventor. Ela acredita que a tecnologia liberta pelo conhecimento,
ou seja, quanto mais você souber e mais informação tiver, mais transformadora será
sua vida. E temos a Apple, que tanto fala ao jovem e a todos nós nesse século
movimentado pela internet, e a gente vai falar dela. E ela é a transgressora, a fora
da lei. Era. Por quê? Porque quando todo mundo está digitando ela inventa um outro
movimento. Quando todo mundo vai para um lado, ela questiona e vai para outro. E
aí ela muda o nosso hábito de consumir música, de consumir filmes e etc. Aí, o que
acontece com uma empresa transgressora quando ela vira o padrão do mercado?
Será que ela continua transgredindo? E transgredindo o que, já que ela é o padrão?
Vejam Harley-Davidson. Ela é a mesma transgressora que é a Apple, só que mais
explícita, né? Tinha uma cois no site, não sei se ainda tem, que eu adorava: "O que
é a Harley-Davidson? A Harley-Davidson é a possibilidade de um assistente de
contabilidade vestir uma roupa de couro e subir em cima de uma moto e fazer uma
cidade sentir medo dele." Isso é uma Harley. Então, quando você olha para a Apple
hoje em dia, talvez ela não seja mais essa transgressora. Eu tenho o filme da
transgressão da Apple. A Apple se lançou em 1984 com um filme inspirado em um
filme do George Orwell, chamado "1984", do Big Brother. E ela se propôs a destruir
o Grande Irmão cinza, que a todos dominava. Esse Grande Irmão cinza que a todos
dominava se chamava IBM. Eu acho essas três marcas icônicas, e acho mais
icônico ainda quando eu disse para a minha filha de 19 anos de idade que eu já
tinha trabalhado para a IBM e ela perguntou pra mim: "Quem é a IBM?", e eu fiquei
185
absolutamente chocado de a minha filha não saber. E a minha filha não é uma tola e
não sabia quem era IBM. Ela sabia quem era HP, por causa da impressora. Mas HP
é muito mais do que uma impressora. Enfim, transformando marcas em pessoas e
sabendo quem que elas são, por que elas acordam de manhã e em que elas
acreditam, você consegue trabalhar vocabulário, padrão de imagem, cores,
repertório, assunto, propósito e, por último, mas não menos importante, vender
produto.
Quais aspectos você acha que mais limitam a criação no mercado atual? Tem gente que olha o copo meio cheio, outras pessoas olham o copo meio vazio. Eu
sou uma pessoa que olha o copo meio cheio, não olho para um copo que está pela
metade e fico "Ah, o copo está meio vazio". Eu sou um otimista. Tem gente na minha
empresa que diz que o otimismo é pura falta de informação, mas eu sou um otimista.
Nada limita a criação, o que eu acho que existe é norte. "Olha, você tem que ir pra
lá. Você pode fazer o que você quiser, mas você vai para lá." Algumas pessoas
pensam que isso é limitante, mas o nome disso é direção de criação: você pode
fazer o que você quiser, desde que você vá naquela direção. O que eu acredito é
que, como tudo na vida, a gente tem coisas positivas e negativas pelo fato de estar
trabalhando com pessoas. Eu costumo dizer que, hoje em dia, o que nos separa das
outras pessoas não é a informação, é o olhar que a gente lança sobre o assunto, ou
seja, a opinião. E opinião e bunda todo mundo tem. Então, algumas marcas sofrem
pela opinião de quem as administra, seja essa pessoa do cliente ou da agência. A
marca não é nada. A marca tem uma história, uma personalidade e um legado, mas
ela está à mercê das pessoas que as administram. É sempre gente, e existe gente
boa e ruim. Sorte sua se você trabalhar com gente boa. Então, dentro dessa linha,
qual é o conselho? Escolha as pessoas e não as empresas.
E nem no caso, por exemplo, do Conar, você acha que não limita a criação? Não. Eu acho que existe política e aí “volta pra gente”. Em alguns momentos o
Conar é política, e em algumas vezes eu concordo com o Conar. É complicado falar
com o jovem sobre censura. Mas vamos combinar? Você ama sua mãe, ama seu pai
porque eles também deram e souberam dar limite. Você também vai culpar sua mãe
e seu pai pelos limites que eles não souberam dar a você. Entendeu? Então, alguém
tem que dar certo limite. A princípio, o Conar é feito pelo próprio mercado.
186
O fato de muitos clientes considerarem a publicidade um mero mecanismo de vendas influencia negativamente na propaganda, comprometendo o caráter artístico e criativo da publicidade? Essa é uma pergunta muito boa e eu vou adorar responder, principalmente depois
do Festival de Cannes de 2012, que eu tive uma leitura do festival. Uma coisa é
propaganda, outra coisa é publicidade. Sabe a diferença entre uma coisa e outra?
Propaganda vende um propósito, uma ideia. E a publicidade vende produto. Olha
que diferente. Então, do que a gente está falando? A gente vende produto. Só que
hoje em dia... Tem um ótimo livro que chama "O paradoxo da escolha". Se você vai
ao supermercado, você vai passar por uma estante de pasta de dente, onde tem, da
própria Colgate, pasta para o dente ficar branco, herbal, que tira tártaro, a Total, a
Total 12, a Total 24... Então, a propaganda tem que estruturar quais são os valores
de uma marca, aquilo que ela acredita e aquilo que ela compartilha com você - e as
redes sociais dão um sentido espetacular para a palavra ‘compartilhar’. Isso é uma
coisa, a outra é o que o produto faz por você. Qual é o preço dele, onde ele está na
gôndola, qual a cor da embalagem, do lado de quem ele está, qual é o filme que
conta sobre as vantagens desse produto. Porque a gente tem que vender produto.
Então, não, a publicidade não é ruim. O que é publicidade? Publicidade é
informação. É quase como se eu dissesse pra você assim: "Olha, propaganda é o
editorial de um jornal. Publicidade é a matéria". Qual a diferença entre editorial e
matéria? Editorial é uma opinião a respeito do mundo, a respeito do que está
acontecendo. É a opinião do jornal. A matéria é o que é que aconteceu. A
publicidade é o que aconteceu. "Olha, o produto dura 10 anos, ele tem um ano de
garantia, ele é feito de A, de B e de C, ele é melhor, ele fica localizado não sei onde,
tem não sei o que, tem não sei o que lá". Ele é um conjunto de informações que
você tem que ter para você tomar uma decisão, e eu não posso deixar de dar essas
informações para você. Tenho que colocar tudo em um único lugar o tempo inteiro?
Não. Aí começam as disciplinas e as funções. Hierarquia de informação, onde a
informação tem que estar. Às vezes um filme de TV é uma opinião e uma visão
sobre o mundo, um awereness que conta para você: "Eu existo, eu acredito em tal
coisa." Aí tenho a comunicação dirigida que diz para você: quem é que consome
esse produto? O que esse produto é capaz de fazer? Te manda uma opinião a
respeito de um consumidor? Tem programa de relacionamento que dá vantagem
187
para você porque reconhece você como um cliente frequente, tem a loja com oferta,
tem a parceria com o lojista... Cada coisa da comunicação vai exercer uma função
de fazer com que no final - ainda comparando com o jornal, que é desde o editorial,
passando pela publicidade, chegando na opinião de outros consumidores seja via
mala-direta, seja email marketing ou na administração de redes sociais - você tenha
uma opinião. E, a partir do momento em que você tem uma opinião, você consome.
As marcas estão trabalhando desse jeito, de forma que você possa emitir uma
opinião. Você nem lembra, você nem viu, você nem percebeu. Você simplesmente
comprou. E funcionou. Então funcionou.
A gente fez o levantamento de todas as possibilidades de ponto de contato na
Livraria Cultura. Depois fizemos uma coisa chamada hierarquia, que é "O que que
pode ser comunicado em que ponto da loja?" para não comunicar o que não deve
ser comunicado naquele ponto. Ok. Então, são três tipos de comunicação para três
objetivos distintos que podem usar aquele corner. Qual o color code para cada uma
dessas comunicações? Qual é a cor? Hierarquia de cor para não ter briga. Em
relação ao tipo de informação, se tiverem três informações acontecendo ao mesmo
tempo naquele ponto, quem vai falar mais alto e por quê? Combinou? Combinou.
Isso aumentou 15% das vendas e ninguém viu, nem aprendeu sobre as cores. Eu
tinha algum objetivo de fazer o consumidor entender que a comunicação institucional
é roxa e verde e a comunicação de varejo é mais laranja e a comunicação de
eventuais campanhas é verde e fazer você aprender isso? Não. Eu só tinha uma
intenção: quando eu estiver vendendo, eu quero que você preste atenção,
entendeu? Eu quero chamar a sua atenção. Quando você está procurando uma
informação, eu posso trabalhar com uma cor mais neutra. Você está procurando!
Então o consumidor percebeu? Não. Se eu fizer uma pesquisa alguém vai dizer "Ah,
olha, o color code da loja mudou"? Não. Mas 15% das vendas disseram que o
consumidor entendeu. Não é perceptível. É outra coisa.
Sendo um jurado do Festival de Cannes duas vezes, uma em 2003 e outra em 2009, você percebeu alguma mudança nas propagandas desses dois anos? Quais? Sim, claro. Primeiro que o nome do festival mudou. Em 2003, ele era o Festival de
Publicidade e em 2009, ele era o Festival de Comunicação. Em 2012, ele era o
Festival de Criatividade. O festival sutilmente mudou de nome. E isso diz muito a
188
respeito do festival. Em 2003, alguém estava decretando a morte da publicidade?
Não. A morte da publicidade foi decretada em 2006, mas em 2007 ela estava
completamente ressuscitada. Isso porque não faz o menor sentido decretar a morte
da publicidade quando ela é encarada como informação, formação de opinião e etc.
Lembra que eu perguntei para você do De Chirico? Que você estava falando sobre a
exposição da Casa Fiat? Eu falei para você sobre um outro pintor que dialoga com
De Chirico que é um pintor americano chamado Hopper. Vejam, Hopper pintava
quadros quase realistas, tá? Ele pintou um quadro que retrata muito o vazio, pintou a
Grande Depressão americana e uma das coisas que ele pintou foram paisagens
urbanas onde a publicidade aparece. Sabe por que a publicidade aparece na
paisagem urbana? Porque ela provoca calma e reconhecimento. A publicidade
provoca calma e reconhecimento. Eu me reconheço, eu sei quem sou porque eu
estou encontrando coisas que dialogam comigo. Esso, Shell, IBM, Apple, Levi's... Eu
sei o que é. Eu estou em casa. É diferente de estar no meio do deserto, no meio de
uma floresta. É outra coisa. Então, o que mudou no festival entre 2003 e 2009? Eu
vou começar com coisas que são mais complicadas, tá? Em 2009 já era possível,
hoje em dia é muito fácil você olhar marcas mundiais. Então, você vai para o festival
e analisa peças. Lembrem-se: um jurado analisa peças. Ele analisa campanhas e
peças. E aí, você não sabe qual é o propósito da marca, você não é o dono do
branding dela, você só acha muito bom ou não. Diferente ou não diferente. É
diferente ou não é diferente, é legal ou não é legal. Entendeu? Eu faria ou não faria.
Dá preguiça às vezes. "Ah, eu já vi". Eu vi peças maravilhosas caírem porque um
dos 37 jurados diz "eu já vi". "Eu já vi"? Sabe, eu olhei para a cara do cara e falei
assim: "desculpe, meu querido. Você já viu? Você é da Bélgica!", e aí, ficou todo
mundo olhando para a minha cara e eu falei assim: "cara, Bélgica? É menor que o
Rio de Janeiro! Socorro, cara. Você já viu, é? Ah, nossa! Que relevância que você já
viu! Vamos julgar de novo a partir do prisma que alguém da Bélgica já viu?" falei
assim: "gente, vamos nos poupar do 'eu já vi'? E vamos olhar de outro jeito para as
coisas? Porque o 'eu já vi' realmente não vai dar. Se ela disser que é de Nova Iorque
e 'eu já vi', vamos combinar que Nova Iorque é a transfashion do mundo, né? Então
se você já viu em Nova Iorque, você já viu no mundo inteiro." Mas assim, "eu já vi"
em BH e "eu já vi" na Bélgica não vai contar..Vamos lá. "Eu vi no Rio de Janeiro",
"eu vi no Rio de Janeiro" e "eu vi na Bélgica" não vai contar como relevante para o
mundo. O cara ficou puto, né? Aí, paramos com essa história do "eu já vi" no
189
Festival porque “caem as coisas”. Então, uma das coisas do Festival é que ele
julgava a peça. Hoje em dia, está julgando mais do que a peça, pretende ser mais
amplo do que o julgamento da peça. E o que eu acho interessante no Festival de
Cannes, é claro que eu adoro ver as peças que são absolutamente transformadoras
e mobilizadoras para mim também, são os seminários de Cannes. São muito bons.
Esse ano não foi tão bom quanto no ano passado, mas no ano que vem vai ser
ótimo. É inteligente, mas ele é um museu do passado porque tudo o que está em
Cannes... Que é diferente do SXSW. Tudo o que tem em Cannes já aconteceu, e no
SXSW você vê muita coisa que ainda vai acontecer. O que é muito bom.
Em contato com propagandas do mundo todo, você vê algum fator, positivo ou negativo, que diferencia a propaganda mundial da brasileira? Não... O que eu acredito e vejo no Brasil, é nós ainda somos um país broadcast.
Apesar de a gente estar no mundo, perceba que a geografia influencia. Por exemplo,
quando você observa a Europa, apesar de um mercado como o europeu, o francês e
o inglês e o italiano já passaram por poucas e boas na vida deles. Já se invadiram,
sabe? Já fizeram coisas. Então, não é verdade que a propaganda italiana aconteça
na França ou coisas do gênero. Eles são mercados menores que a gente e, por isso,
às vezes, eles sejam menos advertising que a gente. Nós somos um país
continental. Você já ouviu essa frase. E isso se reflete na comunicação e na
propaganda. Por quê? Porque nada vence uma cobertura de 80%. Então, a gente
ainda é muito broadcasting, muito publicidade, muito filme, muito Globo, muito
Record. Nada contra, viu? É só constatação do fato, sem mágoa. Existem outros
mercados que são menos dependentes da propaganda de TV. Aí, você tem mais
coisas acontecendo: outdoor, coisas acontecendo mais na rua, no digital. É
diferente. Logo, as coisas estão mudando nesse sentido, mas o Brasil ainda é muito
filme, muito print. Ele é menos digital do que deveria ser tal a força das redes sociais
nesse país. A gente ainda tateia nas redes sociais. Eu acho que a gente tem que se
aprimorar nas redes sociais. A gente não tem, apesar dos grandes grupos varejistas,
a mesma inteligência de varejo que o americano tem, por exemplo. Que um Walmart
tem, por exemplo, nos Estados Unidos, que faz com que um pensamento de
shopper seja muito poderoso na rede americana. Então, mais uma vez: quando você
olha para um Festival de Cannes que mudou o nome para Festival de Comunicação,
ele não é advertising, é menos filme, parece que a gente está mais velho. A gente só
190
está atendendo a uma demanda de mercado, não estamos mais velhos, mas
coerentes com o nosso mercado.
Mas você acha que isso já está mudando? Ah, sim. Já está mudando.
Tem alguma campanha, ganhadora ou não, que foi marcante para você devido à criatividade dela? Qual? Por quê? Tem algumas campanhas do Festival de Cannes que eu gosto muito, além de
algumas peças ganhadora. Algumas ganharam ouro, não foram grand-prix, outras
são antológicas do Festival de Cannes... Tem uma antiga que abriu uma categoria,
acho que é de 2006, BMW Films. Por causa dessa campanha, se criou a categoria
Titãnio, que é de inovação em comunicação, porque foram uns filmes produzidos
para a internet - isso em 2006. Tem uma de 2009 que eu julguei e que não ganhou
grand-prix, mas ganhou ouro, que eu adorei. Uma campanha espanhola chamada "A
cidade onde nada acontece". Era para mostrar o poder de anunciar em uma rede de
TV que faz documentários. Então, o que eles fizeram? Eles pegaram uma cidade, a
cidade onde nada acontece, que é uma cidade medieval perdida no meio da
Espanha, que tinha só 12 habitantes e foram fazer um programa lá. Fizeram o
programa, e reproduziram a cidade na internet. Cada morador virou um personagem
de filme de propaganda ou do documentário propriamente dito da cidade onde nada
acontece, e também virou personagem que você podia comprar em bonecos na
web. Com isso, cada boneco vendido ajudava na reforma da igreja medieval que
estava caindo. De repente, os anúncios começaram a acontecer mesmo. O objetivo
era mostrar que dava resultado, que tinha audiência, então, eles conseguiram provar
a audiência deles tal a quantidade de bonecos vendidos, acessos no site, jogar com
os personagens da cidade, a resposta aos filmes, os hotéis ficaram lotados e aí... E
aí, eles estragaram a cidade, que, na verdade, agora deve ter um shopping center
na porra da cidade. Eu adoro essa campanha pelo deslocamento. Depois você viu
nos anos seguintes ideias semelhantes como Sandwich, que é um outro case da
Pepsi Co. A cidade de Sandwich, que é da Pepsi Co., que não faz só Pepsi, né? Ela
faz batata frita também. Para você perceber a semelhança, eles fizeram uma
pesquisa na Inglaterra e descobriram que as pessoas na Inglaterra acham que o
melhor acompanhamento para um sanduíche é a batata frita. Mas isso não faz com
191
que as pessoas comam batata frita junto com o sanduíche. Então, elas acreditam
nisso, mas não consomem assim. O que eles fizeram? Foram para uma cidade,
perdida também no meio da Inglaterra, chamada Sandwich, e fizeram shows de
rock, levaram a Pamela Anderson para trabalhar no bar da cidade... A cidade de
Sandwich virou a coisa mais in da face da terra, porque tudo estava acontecendo em
Sandwich, e isso tudo era para falar sobre batata frita. Muito bom, né? Mas é a
cidade onde nada acontece. A cidade onde nada acontece, release 2, e ganhou
troféu em Cannes e etc, etc, mas é o release 2. A cidade onde nada acontece, para
mim, é um fator de diferenciação. No ano dela – 2009, quando fui jurado, quem
ganhou foi "O melhor emprego do mundo". Que é uma maravilha de case também,
uma campanha para o para falar sobre um resort. Eles criaram uma campanha que
era para você ter o melhor emprego do mundo, que era trabalhar nesse resort.
Mobilizou milhões de pessoas no mundo inteiro que se candidataram ao emprego
para trabalhar no melhor lugar do mundo. Esse filme é uma maravilha, né? É um
deslocamento de pensamento. Esse ano, uma das coisas que eu gostei de ver em
Cannes foi o que a Procter & Gamble fez para os Jogos Olímpicos. Aquilo é
poderoso. Porque você ser um anunciante como a Procter & Gamble que, vamos
combinar, é a coisa mais parecida com a caixa de Maizena que a gente pode
imaginar, então, tem todas aquelas nomenclaturas, todas aquelas maneiras de
anunciar, todas aquelas coisas que você diz que são limitadoras da propaganda, e
eles viraram patrocinadores dos Jogos... E o que eles fazem? Como é um
institucional da Procter & Gamble para os Jogos Olímpicos? Como que ela se
apropria disso? De que maneira ela faz isso? Como isso desce para o produto?
Porque foi maravilhoso, né? Eles fizeram as mães dos atletas. Aquilo foi espetacular
porque “desce” para o produto. A mãe do atleta tolera coisas que você não imagina.
Sua mãe tolera você olhando para um comercial de TV e fazendo comentários. A
cada comercial de TV que passa, ela deve olhar para a sua cara e esperar um
comentário. Você imagina o que é a mãe de um atleta, entendeu? Os móveis, as
louças caem, e aí está lá... Os produtos de limpeza, as coisas acontecendo, para
sanar os danos provocados pelos exercícios desavisados dentro da sua casa entre
um aparador e um sofá. Aquilo é muito bom, né? Fora os filmes institucionais que
são espetaculares. Propaganda com propósito, contando a importância da marca
para a mãe e o olhar da Procter & Gamble para a mãe. Perceba o olhar particular, e
192
a “descida” disso para o produto. Isso é propaganda associada à publicidade. As
duas coisas andando juntas. Isso é poderoso e muito bom.
Quais as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? A partir disso, quais dicas você daria a um profissional recém-formado que pretende atuar na área de criação no meio publicitário? Vou tecer sobre o óbvio, tá? Se eu fosse um visionário, estaria fazendo produtos e
outras coisas. Mas enfim, é um pouco mais difícil pra gente. As coisas estão mais no
comando das pessoas do que no comando das marcas. Então, o digital permite esse
comando. Perceba como isso é menos transgressor, porque isso está estabelecido.
Isso parecia transgressor para mim, que tenho a idade que tenho. Eu comprava LP,
depois passei a comprar CD, e depois passei a comprar nada. Faço o download de
coisas, eu compro um cartão da Apple Store de US$100 para comprar música e é
isso. E aí, eu entro em um site e desço música. É assim hoje em dia com filme, em
alguns outros países. Não tem mais DVD. Entendeu? Os lançamentos da Disney
não ganham mais DVDs. Imagina o que é que vai ser uma loja de alugar blu-ray ou
DVD. Tem coisa mais velha do que blu-ray? Porque é um equívoco, ele não vai
existir. Ele é o upgrade do nada. Mas tem umas coisas que são bastante
interessantes para os jovens que dialogam muito com eles. Primeiro, tem um site
chamado freelancers.com. Ele é maravilhoso, inclusive para pessoas da África, por
exemplo. São pessoas que sabem fazer tudo. Assistente de contabilidade,
escritores, tradutores, publicitários... Então, em qualquer lugar do mundo em que
você estiver, você pode trabalhar para qualquer empresa de qualquer lugar do
mundo que contrate os trabalhos do freelancers.com. Você vai ter um profile, alguém
vai te contratar e você pode trabalhar de qualquer lugar do mundo. Isso é uma
maravilha. Mas e a casa, a família, o plano de previdência privada, a aposentadoria,
os 85 anos? Você quer realmente falar sobre esse assunto? A gente pode falar. Mas
tem gente que não quer falar sobre esse assunto em hipótese alguma. Então, o que
eu acho que é uma boa dica para o jovem é que o digital permite uma liberdade
muito maior, permite que você trabalhe onde é que você queira trabalhar. E eu vi
uma palestra de um cara que eu achei ótima, era sobre o lançamento de um livro. E
aí o que era a história? O cara estava contando que pegou o carro um dia, bateu
com o carro, capotou e perdeu o movimento dos braços, o que exigiu dele uma
fisioterapia horrorosa e muito tempo de molho no hospital. E aí, o que ele faz da
193
vida? Olha o smartphone, olha o smartphone, olha o smartphone. Que o movimento
é esse, né? E aí ele começou a fazer aplicativos para smartphone. Lembrem-se: ele
ficou muito tempo em uma cama de hospital. Então, ele jurou para ele mesmo que
ele não ia mais ficar parado em lugar nenhum na vida dele, inclusive em escritórios.
Então, hoje em dia ele trabalha 2, 3 horas por dia no máximo, desenvolvendo
aplicativos com pessoas que também não trabalham dentro de lugar algum, e vende
na Apple Store. Então, existe uma maneira ou outra de lidar com o mundo. E isso
não é a publicidade que está mudando nem é a propaganda que está mudando. O
mundo está mudando e a gente acompanha. A publicidade é follow, e não trend.
Nunca se esqueçam disso. Às vezes, parece que a gente está falando de alguma
coisa que você não sabe, mas é tendência. A gente vende para o macro, então a
gente é follow.
Existe alguma campanha que você fez e que considera um destaque na sua carreira? E alguma feita por outros profissionais que você toma como referência? É difícil falar sobre as nossas coisas. Eu gosto muito do trabalho que a gente faz
para o Pão de Açúcar. Muito. Quando você reduz, sabe como é? Olha, é um
supermercado. That's it. Não é. São 160 lojas em São Paulo, as pessoas adoram.
Você lê em pesquisas e eles chamam "o meu Pão de Açúcar". É referencial, é mapa.
Lembra do Hopper? Sabe? Dá uma sensação de dispensa, de tranquilidade. E a
gente estabelece relação com essas pessoas e administra o programa de
relacionamento das campanhas digitais deles. A gente recebe correspondência de
volta das pessoas. Imagina alguém escrevendo para um supermercado: "Olha,
adorei o presente de aniversário que vocês mandaram para mim. Gente, que
gentileza, adorei, que coisa emocionante" - três sacos de chá. É estabelecer um
diálogo, entender as pessoas, entender qual é a dinâmica que elas estão
estabelecendo com essa marca e ir. Vai! Vai, tem gente do outro lado. Para de
olhar... É da Contagious essa frase, que eu achei ótima, “Consumidor não é target, é
gente”. Tem gente do outro lado. Estabeleça contato. Tem duas frases que são
minhas e que, particularmente, gosto muito. Uma é "não existe transgressão na
ignorância". Então, para você transgredir, você precisa saber a regra. Então, vai lá,
aprende, aproveita que está na faculdade, aprende e vai transgredir, porque se você
não aprender, você está apenas sendo ignorante. Você não está aprendendo nada.
194
Pode dar certo como pode dar errado. Muito mais divertida a transgressão do que a
ignorância. A minha outra frase que eu gosto muito e que também é boa para
estudante é: "têm três grandes carreiras: a medicina, a comunicação e o direito. A
medicina porque ela é o grande símbolo da sociedade, da boa sociedade, que é o
homem cuidando do homem. A comunicação porque, afinal de contas, é ela que nos
administra. Ela faz as coisas acontecerem e ela nos diferencia. Ela perpetua o nosso
conhecimento. E a lei, que faz com que a gente não se mate. Se as duas primeiras
fizerem o trabalho delas direito, a gente não precisa da terceira". Essa é a grande
mensagem para quem vai fazer comunicação: faça seu trabalho direito. Fazer errado
e fazer bem feito dá o mesmo trabalho, ocupa a mesma quantidade de horas. No
final do dia, quando você botar a cabeça no travesseiro, orgulhe-se do que você está
fazendo. A comunicação é uma coisa muito poderosa e ela não se reduz a um
comercial, a uma mala direta ou a qualquer coisa. Ela é o efeito, é o grande efeito
que você consegue provocar. É a mobilização que você consegue fazer. Isso é
muito bom.
195
ANEXO S – ENTREVISTA RUY LINDENBERG
Nome: Ruy Lindenberg
Hoje trabalha na(s) empresa(s): Leo Burnett
Área de atuação: Redação, Direção de criação, VP de criação
Tempo de mercado: 25 anos
A gente estava conversando com o Ricardo Aguiar, que foi seu aluno e trabalhou com você, que ressaltou que você é um profissional que se dedica muito à campanha, você faz e refaz muitas vezes e fica em cima da campanha mesmo. Como você consegue descrever o seu processo criativo? Para mim, pelo menos, não existe muito um processo criativo. É claro que existe um
jeito de fazer, quer queira, quer não, você vai descobrindo, aprendendo, criando seu
jeito. Eu procuro começar com alguma coisa... Qual o objetivo? Aonde a gente quer
chegar? Aí, eu acho que o segundo passo é estabelecer o caos, o meu caos, ou
seja, o caos significa o vale-tudo. Você pega o que for, o que interessar, em termos
de ideias, de técnica, de mídia... Hoje você tem um número imenso de canais de
comunicação pra você usar. Muitas vezes, se pede um filme, quando, na verdade,
você poderia oferecer uma outra mídia que talvez seja mais interessante. Pedem um
evento, quando, de repente, você poderia oferecer um filme, ou uma outra mídia que
tem uma aplicação. De repente com a mesma verba ou com uma rentabilidade
maior. Então, eu acho que, na verdade, a criação tem que juntar duas coisas que,
teoricamente, não andam juntas: o caos e a objetividade. E eu acho o segredo é um
pouco isso, como dosar essas coisas, como entrar no caos para tirar algo
interessante e sair dele com alguma objetividade. Se focar só na objetividade, você
vai ser provavelmente distante do consumidor, próximo dos problemas, das
soluções, do racional e muito longe do emocional. Acho que o mundo é muito mais
emocional. Então, você precisa “pegar” pela emoção, mesmo que o produto seja
técnico. Aliás, para o consumidor normal, talvez, quanto mais técnico o produto,
mais emocional você deve ser.
Muitas vezes os diretores de criação, os VPs de criação, tentam impor o seu estilo, as suas ideias para a equipe inteira. Quando a gente estava conversando com o Carrascoza e com o Ricardo, eles falaram que você dá
196
muita liberdade para a sua equipe. Como você acha que essa atitude influencia no processo dos criativos que você comanda, no resultado final? E como você faz, ao mesmo tempo, para não deixar passar alguma coisa ruim? Eu sou de formação redator, tenho meu jeito de ver, meu estilo, meus critérios.
Então, evidentemente, isso está valendo no momento de julgar e selecionar os
trabalhos. Eu gosto muito da diversidade de idades, então, é bom ter equipes, onde
você tem gente mais experiente, gente mais iniciante. Eu gosto da diversidade de
estilos, que é, justamente, a pessoa ter uma coisa que você não tem, e isso é legal.
Se você quiser simplesmente impor a sua ideia ou o seu estilo, eu acho que vai
limitar as oportunidades de aparecerem coisas legais. Que é um pouco isso, o caos.
Talvez tenha coisa interessante, mas não sabe o que é, se é viável ou se é
apropriado para o momento. Então, eu acho que a própria diversidade te traz uma
matéria-prima mais interessante em termos criativos. E aí sim, aí entra o VP, que vai
falar “Pessoal, a verba é essa, o mercado é esse, o objetivo é esse e vamos por
aqui.” Acho que não tem sentido você trabalhar em criação se você não tem
liberdade. Agora, liberdade também tem que ser direcionada para um objetivo muito
claro. Então, é dentro desse espaço que você pode exercer sua liberdade, sua
criatividade e mostrar o teu talento. Então, a diversidade eu acho fundamental, e
respeitar esses critérios, tanto do lado deles - o critério depois do VP de criação -,
mas também a oportunidade deles de fazerem coisas que eu quero que me
surpreenda, que eu jamais pensaria naquela ideia. “Opa, isso é legal.”
Então, você acha que são poucas as coisas que limitam a criação publicitária? Não. Na verdade, as coisas são muitas, quer dizer, existe o mercado, o objetivo,
uma verba, um cliente e existem comportamentos de empresas “que eu não faço
isso” ”eu não faço aquilo” “não gosto desse tipo de brincadeira”. Então, as limitações
são muitas, eu acho que a criatividade... Eu só consigo ver a criatividade nesse
sentido de superar barreiras, quando você faz uma ideia que é “desse tamaninho”
valer muito mais porque você teve um insight interessante, seja da comunicação,
seja na mídia que você está usando, seja no conjunto de eventos que você faz.
Acho que isso é criatividade. Acho que a criatividade pela criatividade é outra coisa,
é mais no campo da arte. E nesse sentido, acho que até a arte está virando
propaganda, porque eu vejo muita coisa de arte hoje que me parece bons exemplos
de propaganda. Eu acho que, em propaganda, você tem que ter uma liberdade
197
direcionada. É o que eu estou dizendo, é o caos com o objetivo, depois final. E não o
caos pelo caos.
Quando a gente estava pesquisando sobre você e seu trabalho, a gente encontrou três grandes campanhas que você fez em épocas diferentes. Uma delas é “Bonita camisa, Fernandinho.”, a outra é “Tem gente achando que você é analfabeto e você nem desconfia.”, e a campanha feita pra linha de ambulâncias da Fiat. Você lembra como foi o processo de criação de cada uma dessas campanhas? E se houve alguma mudança no seu processo criativo durante esse tempo? Na verdade eu fiz as duas primeiras, da terceira eu fui só o diretor de criação. A
primeira, o Fernandinho, ela veio depois... Normalmente, um bom trabalho de
criação, é um trabalho que custa muito suor, muito esforço pra você achar a ideia
certa. Você tem que achar a ideia certa, trabalhar a ideia do jeito legal, ter essa ideia
aprovada, produzir, e, além disso, tem que dar a sorte da coisa emplacar. Então, no
caso do Fernandinho foi muito isso, foi um trabalho muito difícil porque a conta tinha
chegado há pouco tempo na Talent. O histórico... Eu atendi essa mesma conta de
camisas quando eu trabalhei na Thompson, que era um agencia mais engessada, e
na Talent a gente tinha uma liberdade maior. Logo, a gente queria realmente um
filme que pudesse marcar. Então, o Fernandinho demorou pra sair. A gente
produziu, por exemplo, com o Dôdi, que é um diretor excelente que ajudou muito na
escolha do casting, na interpretação, a Ana Carmem que era a diretora de criação,
quem eu acho que falou “Poxa, isso aqui... vamos lá Julio, vamos lá Zé Francisco”,
então ajudou muito nesse processo. E deu muito certo, né? Já no caso do “Tem
gente achando que você é analfabeto e você nem desconfia”, foi um insight muito
rápido. Então, eu acho que isso mostra um pouco a diversidade das coisas. Na
verdade, o jornal “Valor” estava oferecendo uma página inteira pra algumas duplas
de criação, então escolheram 8 duplas e deram uma página. Quando eu comecei a
ver os primeiros trabalhos, percebi que eram grandes coisas gráficas com um título
pequeno. Eu falei “Caramba, vou fazer exatamente o contrário.”. Pensei nisso
porque acho que quem pega um jornal para ler, quer informação e acredita naquele
veículo. Eu falei “Cara, eu acho que é um momento da gente fazer alguma coisa
legal pra jornal e exatamente o contrario do que tão fazendo.”. Trabalhei com o
Javier Talavera, que é um diretor de arte maravilhoso. Claro que tinha pensado em
198
outras coisas também, então, discutimos e fechamos nessa ideia. Eu trabalhei o
texto e o Javi trabalhou muito a tipografia, o peso das letras, o que é fundamental
porque o pessoal acha “Ah, escreve aí porque lá o pessoal vai ler.” , não vai ler.
Muito difícil. Quer dizer, você tem que ter uma argumentação muito interessante
para fazer com que o cara leia. E, nesse caso, a gente fez, o cara veiculou e foi
impressionante. Eu tenho um livrinho que a W publicou e tenho os dados. Naquela
época, a internet devia ser um milésimo do que é hoje, se for pegar tráfego ou
alguma coisa assim, era pouquíssimo. Eu cheguei na agência, peguei o computador,
começaram a pipocar emails, porque a gente deixou no final o endereço eletrônico.
Um negócio impressionante. Aí, a gente começou a prestar um pouco de atenção no
que tinha acontecido. Naquela semana, a Veja tinha recebido, se eu não me
engano, 60 cartas e uns 40 emails. A gente recebeu, em dois dias, mais de 400
emails. Se você pegar esse livrinho da W, tem todos esses dados confirmados.
Então, foi o contrário do Fernandinho, quer dizer, foi um insight, não deu muito
trabalho para pensar. Deu mais trabalho para pensar nas outras ideias que a gente
queria, que envolvia explorar outros campos para ver se a gente tinha alguma coisa
mais interessante, e o texto também não deu muito trabalho. Acho que foi meio de
(faz um barulho tipo assobio com a boca) do começo ao fim. Como não tinha
aprovação de cliente, a gente só mostrou pro Washington, que adorou, falou “Pô,
vamos fazer isso.” . No dia seguinte esse “mundaréu” de email, aí o Washington
falou “ Vamos fazer o livro, vamos explicar essa história.”. Em relação ao trabalho da
linha de ambulâncias, envolve muito mais trabalho da dupla... Fui diretor de criação,
sei lá, eu falei “Pô, bacana...”. Ganhou uma “muntueira” de prêmios.
E você acha que você influenciou alguma coisa nessa criação? Sem tratar dessa especificamente, eu acho que todo mundo, principalmente o diretor
de criação, tem uma influência... Eu acho que a sua influência depende se
aumentam a liberdade, ou se diminuem a sua liberdade, você oferece um estilo mais
para um lado ou mais para outro. Na verdade, a influência que eu procuro dar é que
as pessoas coloquem... A minha função seria “Como é que eu tiro o melhor daquele
cara ali? Daquele outro eu pego o melhor...” , e são coisas diferentes. Então, essa
alquimia, vamos dizer assim, é um pouco a minha função. Eu também não dou a
liberdade de graça porque também é legal, eu acho que ela produz o resultado mais
original para os clientes. Normalmente, dá muito mais trabalho, e, às vezes, dá
199
errado também, faz parte um pouco da busca do que se quer. A coisa mais fácil é
fazer propaganda média, essa que o cliente aprova, gosta e está dentro da verbinha.
O difícil é você fazer uma coisa melhor que isso e que normalmente surpreende, e
que às vezes surpreende o cliente de um jeito “Pô, vou num vou, aposto nessa ideia
ou não..”. Por isso que eu digo também, o talento tem que estar dos dois lados da
mesa, não só com quem faz, com quem está sugerindo a ideia, mas com quem tem
a visão e o entendimento da ideia e que tem a coragem de acreditar também. Então,
eu acho que normalmente o publicitário sobe no palco “Ô, legal, eu sou o bacana.”,
quando, na verdade, deve subir também o cliente também. Não é só porque ele
botou o dinheiro, além do dinheiro, ele botou a responsabilidade e a confiança dele.
E você acha que tem muito isso, do cliente muitas vezes vetar uma campanha que seria bacana porque não acredita... Você acha que isso acaba limitando um pouco? Acho que limita. Como tudo na vida, eu acho que... Até onde eles limitam com
razão? Até onde eles limitam sem razão? Quer dizer, essa é a dificuldade. Porque,
inclusive, eu tenho visto coisas que não aprovaria se fosse cliente, porque eu acho
que é jogar dinheiro fora. E eu também não acho que o melhor cliente é o que me
aprova tudo. O melhor cliente é aquele que conhece o negócio dele, que confia em
ideias que possam mudar o negócio dele de um jeito legal, um cara que tem
confiança nos profissionais que trabalham para ele, que sabe dialogar e sabe
criticar. Porque acredito que critica não é ruim, mas a crítica burra é ruim, ou a crítica
invejosa. A crítica pertinente só melhora o meu trabalho. Então, eu acho
fundamental.
Sobre o fato do cliente aceitar uma ideia ou não, você acha que mudou alguma coisa dos anos 80 e 90 para os dias de hoje? Para o jeito que o mercado é hoje em relação ao jeito que o mercado era antigamente aqui no Brasil? Acho que mudou, existe mais medo. Eu acho que o cara quer acertar sem muito
risco. Nesse sentido é mais complicado.
Tem uma frase que fala: “O cliente quer uma ideia nova que já foi testada.” É um pouquinho isso. Eu também gostaria se fosse cliente, só que o jogo não é
esse, é se iludir. Então, nessa ilusão, precisa tomar cuidado para não perder ou
200
gastar dinheiro, perder oportunidade. Claro que, às vezes, a agência propõe coisas
que sejam... Volto a dizer, eu tenho visto coisas que eu acho que não aprovaria,
acho que é jogar dinheiro fora, muita coisa boba, muita coisa “boazinha”,
“legalzinha”. Então, eu acho que isso são perdas de oportunidades que você poderia
fazer um negócio mais inteligente, mais arrojado, tentando se comunicar. Sinto hoje
que nós estamos trabalhando cada vez mais com redes sociais e com a web. Na
web todo mundo palpita, todo mundo tem palpite, porque antigamente você tinha
que mandar uma carta, botar no correio ou ligar, ficar na espera para reclamar. Hoje
é muito fácil reclamar. E hoje também, eu acho que o número das pessoas
informadas sobre o mercado de consumo é muito maior, porque a internet permite
uma liberdade, te dá um “mundaréu” de informação. Então, hoje, você tem que
conviver com gente te criticando, criticando o que você faz, a sua propaganda, o seu
jeito de apresentar o produto, o que quer que seja. É uma situação diferente do que
você tinha na mídia, que simplesmente falava e não te ouvia, ou a dificuldade de
ouvir era tanta, que o cara nem falava. Então, é uma dificuldade para o anunciante
entender que ele vai ser criticado, seja pela propaganda, seja pelo produto, seja pelo
serviço. O problema não é ser criticado, porque ele vai ter uma legião de pessoas
que vão gostar, e alguns que vão criticar. A crítica é normal, a crítica hoje faz parte
do jogo. Antes também fazia, mas ele não escutava, porque essa crítica tinha uma
dificuldade de chegar até ele. Essa crítica tinha uma dificuldade de se espalhar.
Então, eu acho que é um mundo mais competitivo, mais crítico. Eu acho que o
anunciante tem que entender isso e tem que participar desse jogo, porque é esse
jogo que se está jogando. E, às vezes, eu sinto uma dificuldade, ou uma saudade do
tempo antigo, quando só ele falava e não tinha resposta, ou a resposta era
demorada ou era esporádica.
E, a partir disso, quais dicas você daria para alguém que está entrando no mercado agora, que está querendo entrar para essa área?
Tem muitas dicas, mas eu acho que a primeira coisa é buscar originalidade. Eu
estou insistindo bastante nisso, porque é uma coisa que eu sinto muito no dia-a-dia,
sabe? As pessoas simplesmente mastigam uma coisa que já existe. Eu acho que as
pessoas perderam um pouco a capacidade de ir buscar coisas novas. Então, eu
acho que é pensar um pouco mais simples, é voltar a olhar para as pessoas com
quem ela vai se comunicar, voltar a conversar com os públicos, analisar o
201
comportamento das pessoas, ir direto à fonte. Acho que hoje, isso vale muito mais.
Vou dar um exemplo: eu tenho um cliente de cerveja que, para fazer um trabalho
para ele, é muito mais produtivo a gente passar uma manhã naqueles bares ali da
Avenida Santo Amaro – que tem aqui em São Paulo, que é um grande laboratório –,
vendo como funciona o trade, como funcionam as pessoas, entender o que mobiliza
as pessoas e conversando com essas pessoas e descobrindo qual é a vida dessas
pessoas, do que passar o dia inteiro na internet olhando o que as grandes marcas
de cerveja estão fazendo e tentar fazer igual.
202
ANEXO T – ENTREVISTA VAL SAMMARONE
Nome: Valeria Sammarone
Hoje trabalha na(s) empresa(s): freelancer
Área de atuação: Direção de arte
Tempo de mercado: 25 anos
Nesses 25 anos, quais foram as maiores mudanças que você já presenciou? Eu peguei muitas mudanças. Bom, a primeira mudança radical foi a entrada do
computador. Na agência, eu entrei antes do computador. Você trabalhava com lápis
e papel branco na sua frente. Depois veio o computador, que permitiu que você
trabalhasse com mouse e tela, isso já foi uma mudança radical. A gente teve que se
adaptar completamente a essa nova linguagem. Além disso, outra mudança
importante que eu peguei foi a internet. Antes, você trabalhava sem internet, agora
você trabalha com. Isso é uma mudança muito importante, porque você muda o seu
jeito de trabalhar, de criar, de tudo, você tem acesso a tudo o tempo todo. Antes,
para você criar uma campanha, para você ter uma referência, você tinha que
realmente ter a referencia na mão, você tinha que ter livros, uma biblioteca, você
tinha que ir aos lugares pesquisar. Agora, em dois minutos, você consegue toda a
informação que quer no computador, isso influenciou muito nos processos criativos
nas agências. Tem uma outra mudança que foi estrutural mesmo. Nas agências,
antes, a criação era formada por uma dupla, cada dupla trabalhava em um sala,
então, era muito bacana. Na Thompsom, por exemplo, as agências eram gigantes, a
Sales... Tinham salas e cada dupla trabalhava numa sala, era muito bacana. As
duplas eram super importantes, a criação tinha todo aquele glamour da época. Com
o tempo, acho que junto com o computador, essa estrutura mudou, não se trabalha
mais em sala, como era antigamente. Agora, as agências são áreas abertas, todos
trabalham juntos. Ainda existem as duplas, mas é um trabalho mais aberto, não é
mais nichado como era antes.
O que você acha que essas mudanças fizeram no seu processo criativo, no processo criativo das outras pessoas, das agências? Como isso influenciou? Antes, a criação era a estrela na agência. De uns anos pra cá, acho que dos anos
90 pra cá, entrou o planejamento junto com isso. O planejamento hoje tem um papel
203
muito importante. Eles dão a base para o trabalho, eles fazem a parte da pesquisa,
da estratégia, e aí, a criação entra com a parte criativa em si. Hoje, é um trabalho de
trio. Não é mais uma dupla que nem era, é um trio. Hoje, o redator, o diretor de arte
e o planejamento trabalham juntos para criar uma campanha. Então, eles recebem o
briefing, fazem uma pesquisa para ver do que se trata o cliente, faz um
aprofundamento sobre o que já foi feito para o cliente, ou seja, todas as informações
que conseguem encontrar antes de começar a criar. E, depois, sentam e fazem um
brainstorm, começam a ter ideia, falam tudo que têm para falar, e selecionam o que
seria mais importante pra apresentar. Hoje, é um trabalho de três mãos.
Antes, você trabalhava em agência, porque você decidiu parar de trabalhar em agência e abrir um escritório próprio?
Eu trabalhei em agência a vida inteira e direto, só parei pra ter filho e voltei. Mas,
depois de tanto tempo, deve existir um momento para dar uma equilibrada. Eu
estava sentindo falta de ficar um pouco mais com meus filhos e, ao mesmo tempo,
não queria parar porque eu adoro criação, adoro agência, adoro a movimentação
que é dentro da agência. Eu tinha que achar um ponto de equilíbrio. Então, eu
resolvi trabalhar em casa, fazer home office, continuar prestando serviço para as
agencias de criação. Hoje, não sou mais diretora de criação, porque para ser
diretora de criação, você tem que estar dentro da agência, dirigindo um grupo, e eu
não faço mais isso. Hoje, voltei a ser diretora de arte. Crio a campanha, logo, presto
serviço para as agências. Continuo a mesma coisa, é o mesmo processo criativo: eu
vou para a agência, pego o briefing, faço a reunião com o redator que é deles, o
planejamento é deles, às vezes também é contratado um freelancer, mas a gente
senta para criar juntos, e a hora que falar “É isso? Resolveu?”, cada um vai para o
seu nicho de trabalho, e eu faço aqui. E aí, a gente trabalha com email, enfim,
continua o mesmo processo de trabalho, a única diferença é que, em vez de estar
com a estação dentro da agência, estou com ela aqui em casa. Mas, é a mesma
coisa.
Então você não tem contato direto com os clientes dos jobs, você recebe através do briefing? Quando eu estava na agência, eu só tinha contato com o cliente quando era um
projeto maior, uma concorrência que exigia que a criação fosse junto para
204
apresentar, ou em alguma apresentação que tivesse muitas duvidas da técnica, de
como ia ser feito aquilo e precisava da criação para ajudar. Existia o contato em
casos mais específicos, senão, o atendimento acabava indo sozinho apresentar. Se
você vai muito para reuniões, acaba ocupando seu tempo, perdendo seu tempo, e
aí, falta a parte de criação. Então, você tem que dedicar à criação e em casos
específicos, quando dá, a criação vai junto às reuniões para poder ajudar.
E agora, com o escritório continua a mesma coisa? Então, agora menos. Como eu sou freelancer, não sou mais da equipe da agência,
não tem mais sentido eu ir ao cliente junto com eles. Faz, aproximadamente, um ano
que estou trabalhando nesse esquema, ainda não surgiu nenhuma necessidade de
levar a criação. Nos trabalhos que eu fiz, a agência está dando conta e eles
apresentam.
Você presta freelancer só para as agências? Você não vai direto ao cliente? Não que eu não queira, é que eu tenho muito contato nas agências, então eles
acabam me solicitando. Mas, se surgir um cliente direto, que queira passar o
trabalho, dá para fazer também. Eu tenho uma equipe que trabalha junto comigo,
tenho uma redatora que é freelancer, tenho um planejamento que é freelancer, a
gente faz um pull de criação e dá para atender esse cliente.
Como você define o seu processo criativo? O que você faz até chegar na concepção final? Quando você olha um papel em branco e fala “Agora eu tenho que criar uma
campanha para geladeira.”. Então, isso como funciona? Primeira coisa: você tem
que ter um briefing muito bem feito, é o primeiro passo para você fazer um trabalho
bacana. Na hora que você lê o briefing e entende, você tem que saber tudo sobre
aquele cliente, sobre aquela marca, fazer pesquisa... Isso começa a te dar a base
para criar alguma coisa. Você tem que estar aprofundada naquela marca para saber
como eles se comunicam. Depois de ter feito toda essa pesquisa, você vai trabalhar
junto à equipe de criação, começar a ter ideias, e ver o que é relevante para aquela
marca, ver o que já foi feito e o que é novidade. Porque o que eles pedem hoje?
“Tudo tem que ser “fora da caixa”, tudo tem que ser novo porque tudo já foi feito”. E
hoje, como existe o acesso à internet, você vê que tudo já foi feito. Antes, você
205
ficava sabendo “Olha, foi feito uma campanha em tal lugar...”. Hoje não, você vê
tudo, então, a impressão que se tem quando está criando, é que tudo já foi feito.
Então, o que realmente é importante e o que realmente é novidade? Isso é o mais
bacana para você apresentar para o cliente: sempre a busca pelo novo.
Então depois da pesquisa, você vai direto para o computador? Ou você prefere começar fazendo algum rascunho à mão? No caso de direção de arte, é legal dar uma rascunhada. Eu ainda tenho um pouco
essa coisa. Eu não sei se os mais novos hoje passam pelo rafe, de repente, eles já
vão direto para o computador. Mas, “dar uma rafeada” é sempre bom, porque você
ainda tem aquela coisa da mão, do rascunho, de ter ideias. E nem sempre o
computador te dá essa liberdade. Ou às vezes, dependendo da campanha que está
fazendo, a pessoa vai direto pro computador pois já tem alguma coisa na cabeça. Eu
preciso de uma referência de imagem. Tem muito banco de imagens hoje dando
suporte para você criar, ou não, às vezes, você não acha o que quer para fazer o
layout e tem que mandar alguém fazer a foto, ou tem que mandar algum ilustrador
desenhar. Você vai juntando tudo e aí sai. Você tem que escolher o tipo de letra, a
cor que aquilo vai ficar, é um conjunto de elementos que formam o layout.
A gente sabe que existem várias coisas que limitam a criação. Você não pode fazer qualquer coisa que vem à sua mente. O que você acha que mais limita a sua criação? Eu acho o seguinte: a primeira coisa consiste em ter um briefing bem feito, isso é o
primeiro passo pra você ter uma campanha bacana. Se você tem um briefing que
não está estruturado, que você não entende, você já fica limitado, “O que eu vou
fazer? O que eles querem dizer?”. Outra coisa que limita a criação, mas, ao mesmo
tempo, você tem que achar um caminho, é a verba. O cliente chega e fala “Olha, eu
tenho 30 mil reais pra fazer um Plano 360”. A gente sabe que aquilo não vai ser
possível, que com 30 mil reais ele vai ter que optar: ou vai fazer o PDV, ou vai fazer
uma ativação, ou vai fazer uma mala direta, ele vai ter que optar. Então, você acaba
ficando limitado porque o cliente quer uma mega campanha, mas a verba dele é
pequena. Só que isso não pode acontecer. O que você tem que fazer? Se ele tem
uma verba pequena, você não pode ficar limitado por conta daquilo. Você tem que
ver o que é possível fazer com aquela verba, você tem que ter criatividade em
206
dobro, entendeu? A verba pequena significa que você vai ter que ser muito mais
criativo.
O fato de muitos clientes considerarem a Publicidade só um mecanismo de venda afeta um pouco o caráter criativo da Publicidade? Eu acho que não afeta. O caráter criativo continua, não importa o que o cliente acha.
Se ele tem um briefing, ele tem uma campanha para fazer, ele tem um produto para
lançar. Ele vai passar para agência e agência vai ter que ter criatividade suficiente
para por aquilo na rua e deixar aquilo bom.
Quais são as novas tendências que você enxerga para o mercado publicitário? O que você falaria para algum profissional que está se formando agora, que está entrando para o mercado? Acho que hoje, a tendência são as campanhas integradas. Então, desde fazer um
cartão de visita para uma marca, até um filme na TV, deve se utilizar uma
comunicação única, integrada. A pessoa tem que olhar para a marca em qualquer
coisa, numa mala direta, num outdoor, e ver que é aquela marca. Tem que estar
tudo integrado, tudo conversando. Por exemplo, não pode acontecer de uma
agência de BTL estar criando uma promoção, ou uma ativação falando uma coisa e
a agência de ATL, a publicidade, a mídia, o filme estarem falando outra coisa, eles
tem que estar em linha. Até a agência de design, que vai criar a embalagem para
aquele produto tem que estar integrada com tudo isso. As agências de internet têm
que estar conversando também com a comunicação toda. Então, isso é a tendência.
Existe alguma campanha que você fez e considera um destaque na sua carreira? Alguma feita por outros profissionais que você toma como referência? Como eu sou diretora de arte, eu adoro a campanha das Havaianas porque é uma
campanha de direção de arte. Eles têm aquelas ilustrações lindas que eu adoro, é
que são boas referências para direção de arte. A campanha existe há anos, e toda
hora você tem um anúncio bacana, diferente, que chama a atenção. Hoje, o que tem
de atual e que está me chamando muita atenção, é a campanha da Heineken. É um
comercial meio maluquinho que é um casal que está numa festa... É um filme que eu
gosto bastante, é bem diferente. Você fala “Pô, os caras conseguiram fazer um filme
207
completamente louco, assina Heineken no final e mostra uma coisa diferente, uma
trilha bacana...”. Me chama a atenção a campanha, é internacional. Em relação a
campanhas que eu fiz... Quando eu tava na Power, eu trabalhei muito tempo com a
Consul. A gente desenvolveu todo o PDV da Consul. Eles fazem pouca campanha
de filme, não tem muito anúncio, não tem muita mídia, mas o PDV deles é muito
forte e era o que a gente fazia. Você tinha que construir uma marca no PDV. Você
tem que chamar a atenção da pessoa que entra na loja e que não sabe qual marca
comprar. Ela vai entrar na loja e você tem que chamar a atenção dela de alguma
maneira, então, o trabalho de PDV é muito importante também. A pessoa tem que
entrar, e, de longe, saber que ali tem Consul. Como que eu vou vender uma
geladeira? Como é que eu vou vender um fogão? O que eu vou dizer para essa
pessoa? Você tem que ter alguma coisa ali que chama a atenção daquela pessoa
pra vender. Às vezes, você não tem um promotor do lado pra contar o que é o
produto, ou a pessoa não viu o filme, ou ela vai chegar e vai falar com o vendedor da
loja: “Qual que é o melhor?”. Você fica na mão do vendedor da loja, entendeu?
Então, você tem que ter um diferencial pra pessoa olhar para aquele produto. E a
gente fez uma campanha que, na verdade, foi também uma comunicação visual.
Durante 4,5 anos, a pessoa entra e identifica a Consul pela cor. Então, você entra no
ponto de venda e sabe que verde é Consul, onde tem a comunicação laranja é
Brastemp, onde tem a comunicação cor de rosa é Eletrolux. Logo, ali você já
começa a dividir a comunicação do PDV, de longe você já começa a identificar. E aí,
a gente fez a campanha, posso mostrar aqui?
Val mostra a campanha feita para a Consul, enquanto isso vai explicando:
Aqui você tem um pouco de comunicação integrada. Isso aqui é material de PDV
que a gente fez. Todos os produtos da Consul tinham essa comunicação, uma hora
era com fruta, outra hora era com toalha ou com flor. Isso daqui foi uma
comunicação que ficou muito forte no ponto de venda. Ele foi evoluindo, conforme o
tempo. A gente ia mudando as fotos, incluimos algumas texturas depois de um
tempo, mas, ele durou muito tempo, então, as pessoas conseguiam identificar a
Consul no PDV por essa comunicação. Quando falo comunicação integrada, isso
aqui por exemplo... A gente tinhatodo o material dentro da loja, e fora tinha uma
ativação que era um microondas gigante... Isso aqui foi para o lançamento do
208
Consul Facilita, que vinha com um pote para a pessoa cozinhar arroz. E como que a
gente ia contar isso no PDV? Então, a gente trouxe isso pra fora da loja. Colocamos
um microondas gigante, que virou um parquinho de diversões, tinha pula-pula, tinha
parede de escalada, tinha escorregador que acabava caindo no tal do pote que era o
diferencial do produto. Enquanto as crianças ficavam brincando aqui, na área do
lado tinham promotores explicando o que era o produto. Foi um sucesso. A loja, por
exemplo, (foi feito no Extra) vendia um microondas por dia, mas quando tinha ação
na loja, eram vendidos cerca de 50 microondas. Foi muito bacana essa ação, eles
depois rodaram para outras lojas. Existe uma comunicação que sempre está
permeando todos os produtos, então, tem que identificar que o aspirador é da
Consul. Você tem que ter essa comunicação integrada no ponto de venda. Havia
também uma carreta que ficou 4 anos rodando o Brasil inteiro, foi muito bacana, foi
case, ganhou prêmio... Era uma plataforma que trabalhou muito a culinária e o
artesanato, mas o mais forte era a culinária. Então, eles iam naquelas cidades que
não tinha nada nunca. A cidade muito pequena, nunca acontecia nada, chegava a
carreta da Consul, parava a cidade, era um evento. As pessoas iam lá para fazer o
curso de culinária que acontecia aqui dentro... A carreta ficava 4 dias na cidade,
então, a pessoa marcava o curso, fazia aula de culinária ou de artesanato. Além
disso, tinha atividade para as crianças. Isso daqui é o desenho, o layout como eu
apresentei pro cliente, e isso daqui é como ficou. Foi um trabalho que ficou muito
igual, é muito bacana, porque às vezes você faz um layout e quando você vai ver o
final, mudou muito. Mas, nesse caso, ficou muito igual ao layout, funcionou super
bem, uma carreta que fez um sucesso.
Continua mostrando.
Aqui eram os objetos, as coisas que tinham dentro da carreta. Aqui, festas regionais.
Está vendo que sempre tem a historia de você ter alguma coisa forte aqui no meio e
as texturas? Aqui foi feito um cinema, que não tinha nada a ver com o produto ou
com o que a gente ia fazer no ponto de venda, mas eu mantive a comunicação. A
gente fez um cinema 4D, em um evento lá no nordeste, e a comunicação visual
também ficou de acordo com o que é feito no PDV. Isso é a comunicação integrada
que eu estava falando pra vocês.
209
Após mostrar a campanha, retoma à segunda parte da pergunta.
Dica para vocês? Bom, é um mercado que está concorrido... Na minha época já era,
agora, acho que para entrar na USP, já é mais que medicina, né? É o seguinte,
realmente, o mercado é bem concorrido, há muita gente fazendo Publicidade, muita
gente querendo trabalhar em agência. É um trabalho maravilhoso, eu super
incentivo vocês que querem trabalhar com criação ou planejamento ou atendimento
ou marketing. É muito legal, é muito gratificante você fazer uma campanha e vê-la
no ar. É uma delícia. Vocês têm que ter persistência, dedicação total, tentar se
sobressair mesmo. Acho que dedicação é a palavra-chave. É isso... Mas, gente,
vocês escolheram uma profissão linda!
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ANEXO U – ENTREVISTA ZICO FARINA
Nome: Zico Farina
Hoje trabalha na(s) empresa(s): DM9DDB
Área de atuação: Redação
Tempo de mercado: 24 anos
Quais foram as principais mudanças que você já presenciou no mercado publicitário desde que você começou? Eu presenciei várias. Sou de uma geração que é um pouco do “elo perdido”, entre a
propaganda Mad Men e ela virar o que ela é hoje: totalmente digitalizada, integrada.
Sou de uma geração que uma agência, uma criação, parecia uma Redação de
cartórios. Todo mundo usava máquinas de escrever, o trabalho era muito mais
manual e mais artesanal, a gente tinha um processo mais solto, muito mais intuitivo.
E eu peguei muito essa mudança da digitalização, da entrada dos computadores.
Hoje, com a internet, há toda uma cobrança que existe em função dos resultados.
Então, a criatividade deixa de ser muito mais intuitiva. Ela continua sendo intuitiva,
óbvio, em busca do insight original, mas ela tem uma cobrança muito maior do que
tinha antigamente. Principalmente, em função dos resultados, ela tem que ser uma
criação que leva a um resultado maior de venda, de imagem, de marca. Enfim,
sempre tem um objetivo maior e que é mensurado. Eu sinto que hoje a comunicação
virou uma ciência exata, matemática. A gente tem que saber quantos segundos tem
um gole de cerveja, quantos minutos vai aparecer uma criança mordendo um
macarrão. Engessamos tudo de um jeito para poder ser mensurado e, ao mesmo
tempo, provar a eficiência e a eficácia da comunicação. É um processo que a gente
precisa se acostumar, tem que saber lidar, tem que ter muita paciência e
aprendizado para lidar com esse tipo de situação, porque é difícil. O mundo hoje é
assim, é como a gente é avaliado, é como a criatividade é avaliada. Mas eu sempre
acho que dá para fazer diferente, é possível fazer melhor. E por ser de uma geração
que acompanhou justamente essa transformação, eu tenho facilidade de lidar com
algumas coisas, como o relacionamento, a forma de criar mais, de conseguir juntar
mais esses dois mundos.
211
E você estava falando que começou a carreira em Porto Alegre. Como que você percebe a diferença do mercado de Porto Alegre, do processo criativo de Porto Alegre pro daqui de São Paulo? Tem alguma mudança que você acha que é regional mesmo? Eu acho que os mercados regionais têm muito das características regionais. Aqui,
por ser um mercado nacional e internacional, o tipo de linguagem que a gente tem
que usar é diferente. Eu acho que isso passa não só pela linguagem, mas pela
forma de você pensar assim: “Eu vou ter que atingir aqui um cara que trabalha no
Amapá, mora no Rio Grande do Sul, trabalha em Minas...”. É uma criação para
marcas nacionais, latino-americanas e globais. Então, esse entendimento tem que
ser maior, tem que ser mais genérico. Não genérico superficial, mas genérico que
mais pessoas possam entender a mensagem. Os mercados regionais são um pouco
diferentes porque a gente esbarra muito no fator verba. E o tipo de negócio,
geralmente, são negócios familiares, é uma forma de relação diferente com o cliente
que você tem. Acredito que, hoje em dia, os grandes clientes regionais já são
clientes que têm uma cultura de empresa, já são mais profissionalizados. Mas eu
vejo que um é pensar pequeno, dentro do tamanho do mercado; outro é pensar
grande, do tamanho do mundo. Essa é a maior diferença.
Na DM9DDB você tem contato com os clientes do jobs que faz? Ou você recebe o briefing direto? Tenho. Acho que esse contato é uma coisa que o criativo deve buscar sempre,
sabe? A gente consegue ver a criação, em sua essência, no momento em que você
está conversando com o cliente. Eu acompanho, vou à reunião, vou pegar o briefing,
vou apresentar. No momento do planejamento, entro na discussão de mídia. Uma
das coisas que eu percebo que mudou, é que a ideia hoje não vem só do
departamento de criação, ela pode vir do próprio cliente, do departamento de mídia,
ou pode ser uma ideia de posicionamento que o planejamento achou. E é todo
mundo trabalhando pra tentar deixá-la mais poderosa. Então, ela se torna
multidisciplinar, se torna mais atraente, mais sexy na medida em que as pessoas
forem colocando suas habilidades pra deixar isso maior.
Você acha que o processo criativo não está mais só nas mãos dos criativos na agência?
212
Acho que, hoje em dia, não. Na minha opinião, isso é bom e ruim. Bom porque você
se alimenta de mais fontes de pensamentos. Ruim porque tira a autoridade criativa
do departamento de criação. Hoje, na verdade, a gente trabalha muito mais em
função da ideia da criatividade. Criatividade tem que buscar a originalidade, buscar
uma forma, uma linguagem diferente de contar essa ideia. A ideia vem acima de
qualquer outra coisa. E aí, ela pode vir tanto da criação, quanto de qualquer outro
departamento. Como você descreve o seu processo criativo? O que você faz a partir do momento que você recebe o briefing? Você vai para uma reunião com o cliente até... Existem algumas coisas. Na verdade, eu acho que não tem uma forma. O que eu
costumo fazer, a partir do briefing, é mergulhar no mundo do cliente, entendeu? Se é
uma campanha sobre cerveja, preciso mergulhar no mundo da cerveja, entender
não só a marca dele, mas, principalmente, entender quais são as outras marcas e
poder avaliá-las. O meu processo de criação envolve muita investigação, estudo
mesmo. Quanto mais eu souber do universo dessa marca, desse produto, mais
capacidade vou ter de comparar e buscar saídas estratégicas e criativas para
apresentar. Então, o meu processo é de pegar o briefing, discutir com o
planejamento, discutir com as duplas ou com o grupo em que estou envolvido, tentar
achar um lugar que é silencioso, que dê para gente trocar uma ideia. Mas, é
principalmente esse negócio de investigação, de cair dentro, de mergulhar, e, a
partir do momento que você consegue entender mais ou menos o mundo e esse
universo da marca e do produto que você está inserido, você começa a buscar
resposta nos outros setores, nas outras coisas. Às vezes, tem alguma coisa que foi
muito usada em uma determinada área, que para outra não foi. Então, começa
assim, primeiro entender e depois tentar criar um significado novo para o produto,
para a marca.
E quais aspectos você acha que mais limitam a criação no mercado atual? É difícil... Bom, a pesquisa é limitante. Não vou entrar no mérito de polemizar sobre
a pesquisa, mas ela é um limitante. Você vai se submeter a um monte de gente
comendo coxinha de frango e tomando refrigerante no seu filme, num grau de
entendimento que não é um filme ainda, às vezes, é um estímulo visual que é um
213
animatic, que é muito longe de ser um filme. O ser humano tem uma dinâmica de
querer aparecer. Existe 100% de chance de sempre existir alguém que vai querer
ser o líder em um grupo de pesquisa, que vai querer fazer com que as pessoas se
sujeitem à opinião dele. Então, na verdade, o grupo de pesquisa serve pra apontar
alguns caminhos, sendo que a avaliação final é muito disforme. A verba também é
um limitante. Não necessariamente tenho que trabalhar com verbas milionárias, mas
é um limitante, principalmente em relação à qualidade do produto final. Você pode
ter um fornecedor melhor, um pouco maior. Para mim, o maior limitante é o tempo.
Acho que a gente trabalha com prazos de execução cada vez menores. Acho
também que hoje, o sistema de aprovação dentro dos clientes é diferente, porque
antes você sentava com o dono e resolvia, e hoje não, é uma aprovação muito mais
horizontal, cheia de leis. Ficou muito mais burocratizado. Não tem uma coisa
específica que limita, mas são vários fatores. Muitos clientes acham que publicidade é só um mecanismo de venda, você acha que isso, às vezes, compromete um pouco o caráter artístico e mais livre da propaganda? Não sei exatamente te dizer isso. Na realidade, é meio equivocado achar que a
propaganda tem alguma coisa artística, ela é totalmente comercial. É uma atividade
comercial que se alimenta de linguagens artísticas para criar alguma coisa nova, a
sensação de novo, de diferente. Você vai encontrar fontes na arte, na literatura,
cinema, teatro, enfim, na vida... O teu tio vai contar um monte de histórias, então,
você vai fazer milhares de roteiros, de coisas engraçadas. Eu acho que, se existe
uma relação com a arte, a arte é de vender, entendeu? E se você quiser fazer arte
na propaganda, vai ser diferente, não vai acontecer. Hoje em dia, a gente tem
muitos espaços para fazer arte, trabalho autoral, acho que o trabalho de propaganda
é totalmente comercial, totalmente voltado à venda. Às vezes, a venda não é
necessariamente a venda do produto, pode ser a venda da própria imagem do cliente ou de uma marca.
A gente sabe que você já criou para vários clientes grandes (Itaú, Vale, Suzuki, Vivo, Mercedez, Perdigão...). Na hora de criar para esses clientes, você sente uma pressão diferente de quando você cria para algum outro cliente menor, com menos visibilidade?
214
É engraçado. O pânico, o desespero, a pressão é igual pra todos eles. Pode ser até
para fazer o convite de aniversário do teu sobrinho, a pressão é a mesma, é sempre
desafiador. É o medo daquela folha em branco, sabe? Pode ser qualquer coisa.
Então, a pressão é a mesma.
Quais tendências que você enxerga para o mercado publicitário? E o que você falaria pra alguém que está entrando no mercado agora? Acho que a persistência é o mais importante para quem está entrando. Penso que
primeiro é ter certeza de onde você está entrando, ter certeza que a propaganda não
tem a ver com marketing, não tem a ver cinema, não tem a ver com literatura,
mesmo tendo tudo a ver. Tem que entender que o melhor é você ser um grande
artista, e não tentar fazer isso em propaganda. Mas eu acho que tem que ser
persistente. Se é isso que você quer, tem que fazer com vontade, tem que ter brilho
no olho, tem que ter vontade de se superar sempre, e tem que ter uma sede infinita
de aprender, sabe? De estudar, de investigar, porque as coisas mudam muito
rápido, cada vez mais eu acho que você tem que ter alguma coisa. O que dá pra
perceber é que a propaganda não se resolve mais na TV, no jornal, no rádio, nem na
revista como era antigamente. Hoje, ela é toda multidisciplinar e integrada. Acho que
aí está a riqueza de tudo o que a gente vive hoje, há informação em todos os
lugares.
Existe alguma campanha que você fez que você considera um destaque na sua carreira? Tem várias coisas legais. Acho que uma das coisas que eu me orgulho muito é
trabalhar com uma marca que nem o Itaú, tenho um carinho muito grande por essa
marca. Já trabalhei para marcas menores. Tem a Vale que é muito legal de
trabalhar, tem várias. É sacanagem falar de umas e esquecer dos outros. Uma coisa
que me trouxe até onde eu cheguei, e ainda quero ir muito além, é justamente esse
somatório dessas aprendizagens que você tem de fontes tão diferentes. Então,
elogiar um ou dois e deixar os outros de fora é sacanagem.
A gente sabe que você já ganhou vários prêmios, já foi premiado várias vezes, e você acha que o processo criativo nessas campanhas foi diferenciado dos
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outros? Teve uma dedicação maior, talvez por tempo ou por algum outro fator que te permitisse? Acho que são circunstâncias. Acho que determinados jobs ou determinados
briefings, pela sua natureza, são mais duros de você fazer alguma coisa. Você pode
fazer coisas excelentes, mas que, talvez, não se destaque tanto em relação ao que
já foi feito numa categoria. Então, eu vejo que, se você trabalhar pensando no
prêmio, entendo os prêmios como referência, você vai começar a se exigir sempre
mais. Eu acho que é isso que a gente tem que fazer. Mas você não pode achar que
ganhando prêmios, você sai com tudo, entendeu? Aí é o uso incorreto da premiação,
ela marca um trabalho, marca uma fase, mas ela não te dá certeza que você vai ser
incrível pro resto da vida, até porque são muito rápidas as mudanças.
Eu sei que você não quis falar muito de um cliente, mas a gente vai ilustrar com algumas campanhas durante o documentário, tem alguma premiada ou não que você queira falar, que você lembra, que acha que seria interessante? É difícil, sinceramente... Acho tão delicado isso.