Download - Vila Lothammer 03
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Vila Lothammer
PIRATABA, município de TORRES – RS.
Elio E. Müller 3
Veja, no alto, a enchente quase lambendo o alicerce do templo. Ela
isolou o núcleo comunitário da IECLB na Vila Lothammer, em 1973.
FOLHETO POPULAR – VL 3
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® de Elio Eugenio Müller, 1974
Revisão em 1999.
Reservados todos os direitos ao autor.
EUO EUGENIO MÜLLER
Rua Guilherme Pugsley 2512, Ap 1003
80600-310 - Curitiba - PR
Fone: (041) 99511741
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Um daqueles dias em que a
Vila Lothammer ficou ilhada.
Dentre os momentos que mais me marcaram relembro o dia quando
para lá seguimos para a inauguração do templo e do novo Salão Comunitário
da Vila Lothammer, recentemente concluído.
Lamento não ter encontrado o registro da data do ocorrido, pois quando
o evento falhou, não confeccionei o costumeiro boletim informativo. Mas em
minha memória isso deve ter ocorrido nos primeiros meses de 1973.
Havíamos chegado a Vila Lothammer já um dia antes. Kunert veio
sozinho no seu carro e eu e Doris e filhos em outro veículo. Ficamos
hospedados na casa de Lothar e Idelga Lothammer pois que a mesma ficava
diante do Salão a ser inaugurado, apenas no lado oposto da estrada.
Naquele mesmo dia veio chuva intermitente e que durou inclusive a noite
inteira. Amanhecemos ilhados na casa de Lothar e Idelga, pois a enchente se
fizera de modo pleno e fechara todas as vias de acesso oela estrada, tanto do
sul bem como do norte. Ninguém conseguiria vir para participar do culto festivo
no templo e da inauguração do salão.
Desta forma Kunert e eu com Doris e Carlos Augusto tivemos que
esperar a água baixar, para retornamos aos nossos domicílios.
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Recebemos um domingo totalmente diferente do imaginado,
simplesmente ilhados, isolados.
Ao amanhecer, assim que levantamos, Lothar Lothammer já foi
avisando: - “Estamos cercados pela água e sem comunicação com outros
moradores, à não ser o meu irmão Frederico e família que vocês conhecem
muito bem e sabem que eles moram aqui ao lado.
Lothar e Idelga revelaram-se como bons anfitriões mostrando-se muito
alegres e até divertidos com a inusitada situação.
O chimarrão passou a correr de mão em mão e, para quem desejasse,
havia também café para ir bebericando, com acompanhamento de amendoim
que ia sendo torrado sobre a chapa do fogão.
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A atividade do Professor Dario Holz.
Em certa altura das conversas com o pastor Kunert ele lembrou ter lido
em meus relatórios.algo sobre a presença do professor Dario Holz em Vila
Lothammer e perguntou: - “Ele ainda se encontra aqui trabalhando com
vocês?”.
Tratava-se de um professor oriundo da Escola Normal Evangélica de
Ivoti, onde ele se formara em magistério, no nível de 1º grau. O Presbitério sob
a liderança do Sr. Waldemar Herr conseguira para ele um contrato pelo
município para lecionar na E. M. Vila Lothammer. Além dessa atividade
remunerada ele também prestara serviços à Comunidade ministrando o ensino
confirmatório e realizando ensaios semanais de canto para as famílias
interessadas. Para esta atividade adicional ele recebia a hospedagem sem
custo.
Lothar explicou: - “Nós o dispensamos e ele foi transferido para Itati!”.
Kunert revelou interesse pelo assunto e quis saber dos motivos que
levaram a Comunidade de Vila Lothammer de suspender as atividades que o
professor viera desenvolvendo na localidade.
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O Sr, Lothar explicou: - “O serviço dele na nossa Comunidade até que
foi muito proveitoso, pois os ensaios de canto movimentaram as nossas
famílias. Mas já a atividade de professor na escolinha não deu certo, pois lhe
faltaram condições para dar conta de duas ou três diferentes turmas numa
mesma sala. Isso foi muito areia para o caminhão dele pois surgiram casos
de indisciplina, que passou a reinar nas aulas dele. Já na fase mais
complicada tinha aluno subindo nos bancos, escrevendo no teto e até outros
que saíam pelas janelas”.
Entrei na conversa e expliquei: - “Consegui um contrato pelo Estado e
levei o professor Holz para Itati onde ele atualmente leciona na Escola Rural
Pastor Voges. Encontrei, portanto, um perfeito aproveitamento para ele
permitindo de podermos continuar contando com os serviços dele em nossa
área paroquial”.
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F. Valter T. Lothammer no CARI, em Itati.
Valter Lothammer fez estágio agrícola na Alemanha, patrocinado pela
Deutsche Stiftung für Entwicklungsländer – Fundação Alemã para
Países em desenvolvimento, em 1970.
Foto de Valter Lothammer, na Alemanha segurando uma bola de neve.
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Assistência aos pequenos agricultores
Em rápida explanação tive que relatar ao pastor Kunert a respeito do
jovem de Vila Lothammer que havíamos levado para uma atuação em Itati.
Expliquei que em 1972 foi firmado um convênio entre Prefeitura
Municipal de Osório e a Comunidade Evangélica de Três Forquilhas, de Itati.
Coube à Prefeitura contratar o assistente rural Frederico Walter Trein
Lothmammer, que se tornou responsável pelo trabalho de apoio aos pequenos
agricultores do vale do rio Três Forquilhas.
Este jovem, assumiu a tarefa de apoio aos pequenos agricultores com
muito entusiasmo e otimismo, contando com um acompanhamento da
Associação de Desenvolvimento de Itati – ADITA.
O jovem Valter passou a ministrar aulas, para alunos da Escola Estadual
Pastor Voges, instalou canteiros para práticas agrícolas em terras da
Comunidade e, dinamizou uma assistência direta aos agricultores voltados à
produção de hortifrutigranjeiros.
Este técnico passou também a fazer visitas aos agricultores, em suas
propriedades, visando apoiá-los no encaminhamento de amostras de terra,
para análise em laboratório, orientação para o combate de doenças em
vegetais e animais e a conservação do solo, dos rios e das matas, promovendo
campanhas para o reflorestamento.
O assistente rural Walter Lothammer ao lado do autor, em 1973, diante da área de experimentação com alunos da Escola Pastor
Voges, de ITATI, no cultivo de moranguinho. Fonte: Arquivo fotográfico do autor.
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Canteiros de moranguinho na área de experimentação.
Foi possível constatar que o pastor Kunert aprovava integralmente esta
iniciativa em especial no aproveitamento de um jovem da própria área
paroquial.
Lothar buscou algumas fotos onde apareciam os seus sobrinhos, filhos
do seu irmão Frederico Lothammer e as mostrou, com orgulho, enaltecendo a
aprendizagem que estes receberam na Alemanha.
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“Proveitoso momento que Deus
nos proporcionou...”.
Depois de tomarmos o café da manhã, fomos até a sala, apenas Kunert,
Lothar e eu.
O pastor Kunert abriu uma nova abordagem em nossa conversa e falou:
- Bruder Elio, não imaginas o quanto foi proveitoso este momento que Deus
nos proporcionou, deixando-nos ilhados aqui na casa do nosso amigo Lothar e
família. O que me foi dado saber me deixa ainda mais tranquilo e convicto com
o fato de eu ter aprovado o teu nome para suceder o pastor Fischer e que
também agi bem em te apoiar incondicionalmente após este teu envio para
Três Forquilhas. Deves ter conhecimento que desde que lá pisaste, de vez em
quando chegam até mim pedidos para que sejas tirado desse pastorado.
Quando solicito motivos sempre fica patente que despertaste ciumeiras e até
invejas de lideranças políticas de Itati que reclamam contra a tua conduta com
a alegação que promoves uma contínua ingerência nas questões que eles
alegam ser da vida político-administrativa local, que somente a eles compete
seja para definir atividades ou para conduzir e liderar. Recebi até um
telefonema onde me foi dito que o pastor Elio deveria receber ordens muito
severas para apenas ficar cuidando do altar e dos assuntos de Deus, pois, que
vive se intrometendo nas coisas terrenas que, afinal, eles sabem cuidar muito
melhor do que um pastor”.
Fiquei feliz com esta oportunidade de escutar essa abordagem e mais
ainda de poder dialogar com o meu superior, não num mero nível distrital, mas
de poder estar diante do pastor regional, numa conversa aberta e franca.
Timidamente arrisquei uma pergunta: - “O senhor pode dar alguns nomes de
pessoas que encaminharam reclamações contra a minha ação pastoral?”.
Kunert sorriu e disse: - “Bem sabes de que não deves pedir isso e que
não devo mencionar nenhum nome, pois, que isso não faria bem nem para ti,
nem para eles e muito menos para o serviço pastoral que precisa ser
desenvolvido sem discriminar pessoas, particularmente os que são os
adversários ou mesmo inimigos ocultos de um pastor. A única coisa que me é
permitida é de dizer que se trata de gente que reside na sede de Itati, não
longe da casa pastoral. Tenho certeza que você muito bem sabe quais são
estas pessoas... Deves lembrar que já em 1970 tive que comparecer em Itati,
pois, que me viera um pedido para cercearmos o teu serviço pastoral. Os
motivos que na ocasião me foram declarados não foram sinceros e detectei
isso na conversa franca que tive com o nosso amigo Eugenio Bobsin. Ele
apontou com clareza a origem de toda a animosidade contra você, quando já
então ficara claro que até o nosso colega Fischer ingenuamente foi envolvido,
quando ele tentou desviar o foco da origem das reclamações e das exigências
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para o cerceamento e a limitação de teus poderes pastorais. Pastor Fischer
tentou dizer que o pedido de cerceamento teria vindo de pastores ordenados
da IECLB. Alguns pastores ordenados de fato podem ter reclamado contra o
teu envio, pois que foste assumir uma responsabilidade pastoral plena sobre
toda uma grande área paroquial da IECLB. E finalizando, pastor Kunert, como
quem faz profecias declarou < se porventura saíres muito cedo deste
pastorado, antes da consolidação do vosso trabalho no Centro de
Assistência Rural, o mesmo será abandonado pelas lideranças de Itati,
logo após a tua saída >. Por isso convém que não te esqueças que: < o
espinho que te machuca está encravado no chão que precisas pisar
diariamente... > ”.
Não entendi estas frases finais e não tive coragem, diante destas
colocações feitas pelo pastor Kunert, ou melhor, eu não quis me arriscar a
continuar num assunto tão delicado, à não ser que ele desejasse ainda
conceder algum andamento ao nosso diálogo.
Nesse meio tempo chegava à cozinha o jovem Luis Libório Lothammer,
sobrinho de Lothar e vizinho. Ele, orgulhosamente, trazia debaixo do braço o
livro de atas da Comunidade.
Lothar vendo a chegada do sobrinho, sabiamente nos interrompeu e
falou: - “Imagino que será mais conveniente buscarmos de novo o ambiente da
cozinha onde Idelga e Doris estão tomando chimarrão”.
Libório saudou o pastor Kunert e explicou: - “Peço que o senhor me
desculpe por não saber o que devo fazer no meu papel de secretário. Vejo que
estamos aqui ilhados e ninguém poderá comparecer à nossa festa... Como irei
fazer uma ata a respeito disso?”.
O pastor Kunert apertou a mão de Libório com um largo sorriso no rosto.
Porém no mesmo momento ele recebia também a cuia de chimarrão que lhe
era estendida pela dona da casa.
Libório continuou na conversa: - “Não sei agora o que devo fazer, pois
se sou o secretário da nossa comunidade me cabe escrever alguma coisa. O
senhor quer que se faça alguma ata, para que o senhor a assine, antes de seu
retorno para São Leopoldo?”.
Kunert sorriu novamente e respondeu: - “Meu caro jovem Libório, não
esquente a cabeça com essa preocupação de escrever alguma ata, agora. Isso
vocês poderão fazer na próxima reunião do Presbitério, quando este item sobre
o insucesso na realização da festa poderá ser incluído. Nós queremos
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aproveitar a folga que Deus nos concedeu para tratarmos de amenidades e até
para tomarmos o nosso bom chimarrão”.
Kunert interrompeu suas palavras e voltou a sorver o mate, pois se
preocupava em passar a cuia adiante.
Todos então passaram a sentar em volta da mesa. Libório aproveitou
para rapidamente largar o livro de atas sobre um armário, no canto da cozinha
e também veio se reunir conosco.
Lothar sempre muito esperto, com muita inteligência buscou por um
novo assunto para nos entretermos. Ele se dirigiu ao pastor Kunert e se
mostrando bem sério, como se fosse algo muito grave ou importante que ele
teria que perguntar, falou: - “Porque o pastor Elio é tão magro? Vejo que ele
come muito, porém, nunca engorda, nem que seja um miligrama...”.
Kunert ficou mais sério ainda, escondendo a vontade de rir, e explicou: -
Lothar, die Langschnissischenschwein, die wehra ja nie fet. (Os porcos de
focinho comprido jamais engordam!).
A gargalhada foi em uníssono e geral, pois as tiradas de humor de
pastor Kunert eram sempre tão refinadas quanto as de Lothar. Dava gosto ver
os dois reunidos e estabelecendo uma boa prosa sobre assuntos dos mais
inesperados e diversos.
. Permanecemos reunidos na cozinha até a hora do almoço, tendo
Lothar e Idelga como bons anfitriões.
O chimarrão ficou correndo de mão em mão e, para quem desejasse,
havia também café para ir bebericando, com acompanhamento de amendoim
que ia sendo torrado sobre a chapa do fogão.
Lothar e Idelga relembram histórias do tempo de Kunert e sobre a
pessoa dele. Depois ficaram relatando histórias sobre mim e sobre a minha
pessoa e para relatar sobre as muitas virtudes de Doris. Contaram ainda
histórias deles e de seus familiares, desde o tempo dos pais e, com tristeza,
sobre o dia da morte de um irmão de Lothar que fora fulminado por um raio
enquanto estava no arrozal, trilhando cereal, quando sobreviera um repentino
temporal.
Em certa altura Liborio pediu desculpas, informando que prometera `mãe
de que retornaria para a sua casa até a hora do almoço.