1
Virgínia Clezar Carvalho
Ependimoma em felinos – Relato de caso
São Paulo – SP
2014
2
Virgína Clezar Carvalho
Ependimoma em felinos – Relato de caso
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do curso de pós-graduação,
especialização Clínica Médica de Felinos, do
Centro de estudos superiores de Maceió da
Fundação educacional Jayme de Altavila,
orientada pela MV; MSc., Rochana Rodrigues
Fett.
São Paulo - SP
2014
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Virgína Clezar Carvalho
Ependimoma em felinos – Relato de caso
Aprovado em: _____/______/______
Orientador: MV, MSc. Rochana Rodrigues Fett.
__________________________________
Profª. M.Sc. Aline Santana da Hora
Coordenadora de Pós-Graduação
São Paulo- SP
2014
4
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora e a todos os professores do curso e principalmente a
coordenação, pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão e pela amizade.
Vocês foram muito importantes no desenvolvimento desta monografia.
Aos amigos e colegas de curso, mas principalmente à Juliana Rosa
Bastos, Karine Mamedes, Amanda Ondani, Carla Sofia Morais e Kátia Borges
Vahia, pelo incentivo, paciência e apoio constantes. E desejo, do fundo do
coração, que a distância não atrapalhe essa amizade iniciada neste curso. E que
não percamos o contato nunca. Obrigado pela paciência gurias.
Enfim, agradeço a todos aqueles que de alguma forma estiveram e que
estão próximos de mim, fazendo esta vida valer cada vez mais a pena.
5
RESUMO
Tumores intracranianos representam a principal causa de disfunção
neurológica em animais de meia idade a idosos. Neoplasias primárias do
sistema nervoso central são menos frequentes que o acometimento secundário,
por extensão tumoral ou lesões metastáticas. O objetivo dessa revisão foi
detalhar os aspectos clínico-patológicos de uma dessas neoplasias, o
ependimoma, e um relato de caso. O ependimoma é uma das neoplasias intra-
axiais mais comuns. Os sinais clínicos decorrentes de neoplasias intracranianas
dependem da localização, extensão e taxa de crescimento da neoformação. No
ependimoma, hidrocefalia, ataxia e cegueira podem ocorrer. Sinais vestibulares
são mais frequentes. O diagnóstico definitivo desta neoplasia só é possível após
o exame histopatológico do tecido tumoral, no entanto a suspeita clínica pode
ser obtida a partir do exame clínico e dos exames de imagem, com destaque
para a tomografia computadorizada e ressonância magnética. O prognóstico de
felinos com neoplasias intracranianas é significativamente alterado a partir do
tratamento com cirurgia, radioterapia e quimioterapia, utilizadas isoladamente
ou em combinação. No entanto, o elevado custo de implantação da radioterapia
e a morbidade e a mortalidade associadas à neurocirurgia limitam a biopsia e o
tratamento cirúrgico as centros veterinários que disponham de alta qualificação
e técnicas avançadas de anestesias e cuidados intensivos.
Palavras- chaves: Neoplasia, neurologia, histopatologia.
6
Sumário
1. INTRODUÇÃO............................................................................................7
2. REVISÃO ......................................................................................................8
2.1. Incidência e etiologia.........................................................................8
2.2. Sinais clínicos..................................................................................10
2.3. Diagnóstico......................................................................................11
2.4. Diagnósticos diferenciais..................................................................13
2.5. Tratamento........................................................................................13
2.6. Prognóstico........................................................................................15
3 . RELATO DE CASO...................................................................................17
DISCUSSÃO....................................................................................................19
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................20
REFERÊNCIAS..............................................................................................21
ANEXOS..........................................................................................................22
7
1 INTRODUÇÃO
A vasta gama de tipos celulares encontradas no sistema nervoso central
pode dar origem a uma igualmente ampla gama de tumores. Diagnósticos de
neoplasias intracranianas eram anteriormente feitos exclusivamente para
interesse acadêmico. No entanto, esta tendência parece estar mudando. Na
medicina felina, a obtenção de um diagnóstico histológico não é tão rara
atualmente. Com os avanços nos exames de imagem, como tomografia
computadorizada e ressonância magnética, o uso de técnicas cirúrgicas e
radioterapia, muitos tumores estão sendo diagnosticados, e tratados
adequadamente quando possível. Isto melhorou significativamente o tempo de
sobrevivência de animais com neoplasias intracranianas (TROXEL, 2010).
Tumores do sistema nervoso central são raros em felinos. Tumores
cerebrais são mais comuns que tumores na medula espinhal. Tumores do sistema
nervoso central raramente fazem metástase. Seus efeitos ocorrem como
resultado da expansão e deslocamento ou destruição do tecido nervoso
adjacente. Os sinais iniciais podem ser leves e ignorados pelos proprietários até o
advento de algum distúrbio neurológico mais grave, como uma convulsão ou
paresia (ROSENTHAL; SPECIALE, 2004).
A neuro-oncologia é o estudo das neoplasias que acometem o sistema
nervoso. O termo “tumor” refere-se a qualquer aumento de volume ou
intumescência, mas em neuro-oncologia, frequentemente é utilizado como
sinônimo de neoplasia (McENTEE; DEWEY, 2013).
Os termos benignos e malignos devem ser utilizados com cautela, uma vez
que neoplasias classificadas histologicamente como benignas, podem apresentar
elevada probabilidade de levar o paciente ao óbito, por efeitos secundários de
alta morbidade, que incluem herniação, edema, hemorragia, obstrução ao fluxo
cefaloraquidiano e aumento da pressão intracraniana (LeCOUTER; WITHROW,
2007).
8
Diante disso, se objetivou realizar uma revisão e um breve relato de caso
sobre um tumor cerebral primário em felinos, o ependimoma. Definindo alguns
conceitos básicos, de forma a orientar o médico veterinário no diagnóstico,
prognóstico e tratamento dessa afecção.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Incidência e etiologia
Neoplasias intracranianas representam a causa mais frequente de disfunção
neurológica em animais de companhia de meia idade a idosos, com uma
incidência aproximada de 3,5 a cada 100.000 gatos, contabilizando
aproximadamente 2,2% de todos os tumores (McENTEE; DEWEY, 2013).
A real incidência de tumores do sistema nervoso central em felinos, na
verdade é incerta. A quantificação das neoplasias intracranianas em felinos é
complicada pela alta incidência de felinos com tumores cerebrais assintomáticos.
Necropsias têm revelado até 6% de tumores cerebrais em felinos assintomáticos
(ROSENTHAL; SPECIALE,2004).
As neoplasias intracranianas podem ser classificadas em primárias e
secundárias. Tumores primários incluem meningiomas, gliomas, tumores do
plexo coróide, ependimoma, meduloblastoma, entre outros. Tumores
intracranianos secundários incluem: tumores hipofisários, tumores que invadem
por extensão direta o sistema nervoso central (tumores nasais, por exemplo) e
tumores metastáticos entre outros (McENTEE; DEWEY, 2013).
Histologicamente essas neoplasias são classificadas como neuroepiteliais,
embrionárias ou mesenquimais. Apesar do reconhecimento de focos
proliferativos primários, a maioria das lesões é secundária, acometendo o
encéfalo por extensão local ou metástase (McENTEE: DEWEY, 2013).
Quanto à localização, são distribuídas em intra e extra-axiais, significando
que se originam no parênquima à superfície (espaço subaracnóideo e meninges)
9
do encéfalo, rostro ou infratentoriais, ocorrendo rostralmente ou caudalmente ao
tentorium cerebelli (COATES: JOHNSON, 2010).
Ependimoma faz parte do grupo de neoplasias neuroepiteliais do sistema
nervoso central, juntamente com os papilomas e carcinomas. Estes tumores se
originam das células que revestem o plexo coróide, ou assoalho dos ventrículos
encefálicos e do canal medular. O ependimoma apresenta histomorfologia
benigna, e pode se situar em qualquer ventrículo encefálico ou mais raramente
no canal medular. É raro nos cães, mas parece ter a mesma frequência dos
astrocitomas nos gatos. É considerado o segundo tumor primário mais comum
em felinos, perdendo somente para o meningioma. Assim como os gliomas, os
ependimomas apresentam maior incidência em felinos domésticos de pelo
curto, com média de seis anos de idade (TROXEL, 2003).
Ependimomas são mais raros que tumores do plexo coróide, e por essa
razão, a caracterização do comportamento clínico é incompleta
(ROSENTHAL; SPECIALE, 2004).
A etiologia atualmente é desconhecida. Não há estudos até o momento na
literatura veterinária, que correlacione fatores genéticos ou ambientais com
neoplasias intracranianas (VERNAU; DICKINSON, 2006).
Este tumor tem sido relatado em felinos com idade entre dezoito meses a
doze anos, com uma média de seis anos de idade. A maioria dos felinos
afetados são domésticos de pelo curto; um burmese (BERRY et al., 1998); dois
siameses também foram relados. Um felino apresentou-se positivo para o vírus
da leucemia felina (INGWERSEN; GROOM, 1989).
Ependimomas crescem a partir do revestimento epitelial (células
ependimárias) do sistema ventricular. Considerado um tumor raro,
ependimoma foi identificado em um estudo com a mesma frequência (2,8%)
que o astrocitoma. Em um estudo, aproximadamente 70 % de todos os
ependimomas ocorreram no terceiro ventrículo (TROXEL, 2003).
10
2.2 Sinais clínicos
Vale ressaltar que dentro do sistema nervoso central, determinar se um
tumor é benigno ou maligno pode não ser tão importante como é em outros
órgãos. Alguns tumores com aspecto histológico maligno lentamente infiltram
o cérebro, e os sinais clínicos podem progredir lentamente ou manter-se
controlados por anos. Em outras ocasiões, um cisto benigno pode causar sinais
que progridem rápida e inexoravelmente. Raramente os tumores do cérebro
metastatizam para os pulmões (ROSENTHAL; SPECIALE, 2004).
Os sinais resultam da localização da lesão, e geralmente progridem
lentamente e são assimétricos. Muitos tumores são incidentais e não causam
sinais clínicos. A intensidade dos sinais clínicos pode estar associada com
hemorragia, pressão intracraniana, metabolismo, comprometimento vascular ou
distorção lateral do tronco encefálico (TROXEL, 2010).
Os sinais clínicos de tumores cerebrais são causados pelos efeitos
primários e secundários da lesão. Efeitos primários incluem compressão direta
do parênquima cerebral circundante ou invasão do tecido cerebral adjacente.
Efeitos secundários incluem: edema, hidrocefalia obstrutiva e hemorragia
(TROXEL, 2010).
Felinos com sinais clínicos não específicos são bastante comuns. Um
estudo retrospectivo com 160 felinos com neoplasias intracranianas mostrou
que 21% dos animais não apresentavam sinais neurológicos específicos no
momento da consulta. Os sinais clínicos mais comumente relatados foram
letargia (20%) e inapetência ou anorexia (18%) (TROXEL, 2003).
Ependimomas tendem a crescer rapidamente, como sugere um estudo
onde foi constatada uma extensa área de necrose central em amostras
histopatológicas de alguns tumores (FOX; SNIDER, 1973), e uma curta
11
duração de sinais clínicos (< 2 semanas) na maioria dos felinos (BERRY;
HIGGINS, 1998).
A interferência na distribuição do líquido cefalorraquidiano pode levar a
hidrocefalia, alterações comportamentais, fraqueza, déficits visuais, cegueira,
desorientação, e incoordenação ou tetraparesia com reflexos espinhais normais
(BERRY, HIGGINS, 1998). Sinais vestibulares são predominantes (FOX,
SNIDER, 1973). Sinais clínicos mais graves como convulsão, estupor e
semicoma, podem evoluir para morte caso ocorra herniação cerebral
(TREMBLAY; GIRARDI, 1998).
2.3 Diagnóstico
Os sinais clínicos, o histórico e a resenha são os dados mais importantes
que elevam o índice de suspeição para um diagnóstico inicial. Deve-se,
primeiramente, obter-se uma coleta mínima de dados do paciente em questão:
hemograma, perfil bioquímico, urinálise, sorologia para o vírus da Leucemia e
da Imunodeficiência Felina, T4 total e radiografias torácicas. Esses exames
raramente mostrarão alguma alteração, mas são necessários para descartar
outras doenças ou morbidades concomitantes (VERNAU; DICKINSON,
2006).
A tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética
são superiores às radiografias convencionais para a detecção de lesões do
sistema nervoso central, mas nenhuma delas é completamente confiável para o
diagnóstico. Anormalidades que podem ser observadas com qualquer um
desses exames de imagem incluem efeito de massa e incremento de contraste.
Sinais de efeito de massa incluem obliteração dos ventrículos e desvio das
estruturas da linha média. O incremento de contraste do cérebro ocorre porque
o crescimento dos tumores e os processos inflamatórios são acompanhados por
surgimento de novos vasos que não formam junção ocludentes entre as células
endoteliais para impedir o vazamento de agentes de contraste radiopacos ou
paramagnéticos (TROXEL, 2010).
12
Imagens do cérebro por tomografia computadorizada são menos
detalhadas que as obtidas por ressonância magnética. A tomografia
computadorizada baseia-se no incremento do contraste vascular para visualizar
a lesão, ao passo que, as imagens obtidas por ressonância magnética no
conteúdo de água do tecido cerebral (McENTEE; DEWEY, 2013).
A análise do líquido cefalorraquidiano é raramente diagnóstica para
neoplasias do sistema nervoso central, mas, ainda assim, pode ser útil para
caracterizar a natureza do processo patológico. O líquido cefalorraquidiano
pode ser normal ou mostrar elevação do conteúdo protéico, de células ou de
ambos. No entanto, certos tipos de tumores apresentam um padrão
característico. Em geral, a coleta do líquido cefaloraquidiano é segura.
Contudo, se a pressão intracraniana estiver aumentada em decorrência da
neoplasia, a alteração da mesma em decorrência da coleta pode levar a
herniação cerebral. A coleta do líquido cefaloraquidiano deve ser feita após os
exames de imagem quando possível, avaliando assim o potencial risco deste
procedimento (VERNAU; DICKINSON, 2006). No entanto, em um estudo de
duas séries de herniação cerebral publicada na literatura veterinária não foi
possível demonstrar correlação entre herniação cerebral e coleta de líquido
cefaloraquidiano (ROSENTHAL; SPECIALE, 2004).
No ependimoma, tanto a tomografia quanto a ressonância, irão
demonstrar um aumento dos ventrículos, com retenção de contraste, a lesão é
usualmente bem delimitada (TROXEL, 2010).
Embora os achados no exame neurológico e nos exames de imagens
levem a um diagnóstico presuntivo de neoplasia intracraniana, o exame
histopatológico continua sendo o teste padrão para o diagnóstico definitivo. A
biopsia pode ser obtida através de cirurgia. O exame citológico do tecido
obtido pode ser útil para um diagnóstico rápido (Le COUTER;WITHROW,
2007).
13
2.4 Diagnósticos diferenciais
Deve ser incluído no diagnóstico diferencial: doenças infecciosas
(bactérias, vírus, fungos, protozoários), doenças inflamatórias do sistema
nervoso central (meningoencefalite granulomatosa), acidente vascular cerebral,
principalmente se os sinais forem agudos, não progressivos e assimétricos,
outras neoplasias do sistema nervoso central (meningioma, linfoma entre outras),
e finalmente, toxinas e doenças metabólicas, que geralmente cursam com sinais
agudos, não progressivos e assimétricos (VERNAU; DICKINSON, 2006).
2.5 Tratamento
As opções de tratamento se dividem em duas categorias: tratamento
sintomático e tratamento definitivo. O objetivo do tratamento sintomático é
reduzir os efeitos secundários do tumor e envolve também tratamento de
suporte e paliativo ao paciente. Anti-inflamatórios esteróides constituem a
principal droga de escolha para o tratamento sintomático. São utilizados para
reduzir o edema peritumoral e diminuir a produção do líquido
cefalorraquidiano. Isto ajuda a diminuir a pressão intracraniana e a reduzir
temporariamente os sinais clínicos. Prednisona ou prednisolona é a droga mais
comumente utilizada. É utilizada na dose de 0,5 mg/kg a 2mg/kg cada doze
horas durante uma a duas semanas. Após estas duas semanas, deve-se reduzir
para a menor dose efetiva, uma ou duas vezes ao dia. Uma dose diária na
menor dose efetiva, por tempo indeterminado, pode ser necessária para o
controle dos sinais clínicos (VERNAU; DICKINSON, 2006).
O uso de anticonvulsivantes deve ser iniciado caso ocorram convulsões.
Fenobarbital é a droga de escolha em felinos e deve ser iniciado na dose de 1 a
2 mg/kg a cada doze horas. Os níveis séricos de fenobarbital devem ser
mensurados após iniciado o tratamento ou após qualquer mudança na dose. Os
14
níveis aceitáveis são de 15 a 45 µg/ml. Embora a hepatotoxicidade pareça ser
menos comum em gatos comparados a cães, muitos neurologistas preferem não
exceder o nível plasmático de 35µg/ml, para diminuir o risco de induzir dano
hepático. Esta droga induz a síntese e a liberação de enzimas hepáticas,
particularmente fosfatase alcalina. A dosagem de ácidos biliares deve ser
realizada a cada seis meses para diferenciar hepatotoxicidade de um aumento
normal nas enzimas hepáticas. Este teste e possivelmente uma ecografia
abdominal e biopsia hepática, devem ser realizados quando sinais clínicos de
uma disfunção hepática, alterações bioquímicas compatíveis (aumento das
enzimas hepáticas, diminuição da ureia, diminuição do colesterol, diminuição
da albumina), ou ocorrer o aumento dos níveis plasmáticos de fenobarbital sem
aumento da dose prescrita (VERNAU; DICKINSON, 2006).
O tratamento definitivo para o ependimoma envolve cirurgia (quando
indicada), radioterapia, e cuidados de suporte e paliativo. Cirurgia foi descrita
como tratamento para dois gatos com ependimoma. A remoção cirúrgica do
tumor em um gato, que estava próximo do cerebelo resultou na piora dos sinais
clínicos por duas semanas, antes da sua completa recuperação (McKAY;
TARGETT, 1999). Este animal continuou sem sinais clínicos por dois anos
após a cirurgia. Em outro relato, onde um ependimoma foi removido do
terceiro ventrículo de um gato, a terapia anticonvulsivante foi necessária no
pós-operatório. O animal se manteve estável por sete meses após a cirurgia
(SIMPSON; HUNT, 1999).
A remoção cirúrgica de um ependimoma seguido de radioterapia resultou
em uma sobrevida de mais de oito meses em outro felino (NIEUBAUER;
DAYRREL-HART, 1991). Radioterapia sozinha foi utilizada para tratar outros
dois animais (BERRY; HIGGINS, 1998). Um desses animais continuou vivo
por quatorze meses após o procedimento, enquanto o segundo teve uma
melhora dos sinais antes da regressão clínica três semanas após o tratamento.
Prednisona após a radioterapia não obteve sucesso no controle dos sinais
clínicos neste segundo animal, que foi posteriormente submetido à eutanásia.
Em um relato, a administração de corticosteróide não obteve sucesso na
melhora dos sinais clínicos em um felino (INGWERSEN; GROOM, 1989),
mas foi responsável por uma melhora significativa dos sinais clínicos em outro
15
animal, que fez uso anteriormente a remoção cirúrgica (SIMPSON; HUNT,
1999).
O elevado custo de implantação da radioterapia é extremamente limitante
para sua utilização na rotina clínica. No entanto, os benefícios desta
modalidade terapêutica encontram-se bem estabelecidos para os caninos e
felinos portadores de neoplasias intracranianas. A escolha da dose e da técnica
de administração deve-se basear no tipo tumoral, localização e tolerância dos
tecidos adjacentes não acometidos pela neoplasia (McENTEE; DEWEY,
2013).
Até o presente momento, não foram publicados relatos detalhando o uso
de agentes quimioterápicos para o tratamento de tumores cerebrais em felinos.
Quimioterapia normalmente não é muito efetiva para tumores cerebrais e
poucos agentes quimioterápicos são capazes de atravessar a barreira
hematoencefálica. As exceções são a lomustina e citarabina, ambas são bem
tolerados pelos felinos. Os efeitos colaterais mais comuns com a lomustina são
neutropenia e trombocitopenia (VERNAU; DICKINSON, 2006).
2.6 Prognóstico
O prognóstico para neoplasias intracranianas em felinos é extremamente
variável com o tamanho, tipo e localização anatômica do tumor, mas, de uma
forma geral, é considerado desfavorável, principalmente para pacientes que
recebem apenas tratamento paliativo. As informações disponíveis na literatura
veterinária em relação ao prognóstico em longo prazo para um tipo específico
de tumor são limitadas, com exceção dos meningiomas (VERNAU;
DICKINSON, 2006).
Na espécie felina, em um relato de um felino com ependimoma, a cirurgia
isolada, proporcionou uma expectativa de mais de dois anos de vida, com
craniotomia e excisão total da massa. Contudo, taxa de sobrevida de dois anos
foi relatada com terapia paliativa com corticosteróides (TROXEL, 2003).
16
Os resultados de diversos estudos confirmam que o prognóstico de cães e
gatos com neoplasias intracranianas pode ser significativamente alterado,
aumentando a sobrevida destes pacientes, a partir do tratamento com cirurgia,
radioterapia e quimioterapia, utilizadas isoladamente ou em combinação
(MacENTEE; DEWEY, 2013).
17
3 RELATO DE CASO
Um felino, macho, de sete anos, doméstico de pelo curto, foi apresentado
à clínica com o histórico de apatia e anorexia. Animal não tinha acesso à rua e
não havia outros contactantes. Havia sido vacinado cerca de quatro dias antes.
Não foi observada nenhuma alteração significativa ao exame clínico. Um
hemograma e um perfil bioquímico completo foram solicitados pelo veterinário
responsável, onde não foi observada nenhuma alteração. O animal apresentou-
se negativo na sorologia para o vírus da leucemia felina e da imunodeficiência
felina. Foi utilizado o teste rápido da IDEXX.
O proprietário relatou ainda que o animal apresentou alguns episódios de
fezes pastosas. Uma amostra de fezes foi então coletada e foi solicitado um
exame parasitológico de fezes, que constatou a presença de Giardia SP, através
da técnica de sulfato de zinco. Foi então iniciado o tratamento com febendazole
50 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia, durante cinco dias seguidos.
Após vinte dias da primeira consulta, a proprietária voltou à clínica. A
queixa principal era de letargia, hiporexia e que o animal mostrava-se relutante
ao andar. O paciente ao exame clínico apresentava sinais neurológicos.
Apresentava estado mental alterado, ataxia, déficits visuais transitórios e
desidratação leve. Foi avaliado por um neurologista, que solicitou uma
tomografia e análise do líquido cefalorraquidiano. Entre os diagnósticos
diferenciais estava quadro infeccioso (peritonite infecciosa felina- forma seca)
e neoplasia cerebral. A proprietária não autorizou os exames solicitados pelo
neurologista e optou por fazer o tratamento paliativo com corticosteróide.
Utilizamos prednisolona na dosagem de 0,5 mg/kg, por via oral, uma vez ao
dia e fluidoterapia com ringer lactato, 30ml/hora. O animal ficou internado por
cinco dias, estabilizado e sendo liberado com grande melhora nos sinais
clínicos. Voltou a se alimentar normalmente e não apresentava mais sinais de
ataxia e qualquer outro sinal neurológico. Foi mantido com o tratamento com
prednisolona em casa por tempo determinado, duas semanas, e orientação de
retorno em três semanas, ou antes, caso houvesse alguma mudança no quadro
do paciente.
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Após aproximadamente dois meses da primeira consulta, o animal
retornou à clínica com apatia, hiporexia, desidratação leve e estado mental
alterado. Foi coletado material para hemograma e perfil bioquímico, que
novamente não apresentaram nenhuma alteração. Nesse dia foi iniciada com
fluidoterapia, 30 ml/hora, e novamente a terapia com corticosteróide foi
instituída, na dose de 1 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia. O animal chegou a
se alimentar de forma regular durante o dia. Após dois dias da internação,
houve piora dos sinais clínicos, animal voltou a apresentar ataxia, obnubilação,
convulsão e estupor. Seguidamente à convulsão e ao estupor, o animal
apresentou opistótomo, estado semicomatoso que evoluiu para o óbito. A
proprietária autorizou o encaminhamento do animal para necropsia. Na
necropsia foi observado ao exame macroscópico o encéfalo com grande
quantidade de líquido e um nódulo no assoalho do ventrículo lateral direito, de
0,6 cm de diâmetro, granular, macio e cinza. Na descrição microscópica do
encéfalo foram observadas as seguintes alterações: proliferação de células
neoplásicas em formações trabeculares e radiadas. Em muitas áreas, há
formação de rosetas, com células pseudoestratificadas ao redor de vasos
sanguíneos. O citoplasma é abundante, fibrilar, eosinofílico e bem delimitado.
O núcleo é central ou basal, redondo, com cromatina grumosa e densa. Não
foram observadas figuras de mitose. O diagnóstico foi de ependimoma com
hidrocefalia secundária.
19
DISCUSSÃO
Os sinais clínicos apresentados neste caso são os mesmos relatados na
literatura. Predominância de sinais vestibulares e com déficits visuais transitórios.
Os primeiros sinais clínicos observados pela proprietária, que foram letargia e
hiporexia, também foram relatados em trabalhos como sendo os primeiros
relacionados com neoplasias intracranianas em felinos, antes mesmo dos sinais
neurológicos. A raça, pêlo curto doméstico, e a idade também estão de acordo
com os casos relacionados na literatura. A melhora dos sinais clínicos, mesmo que
por um curto período, também foi relatado na literatura. A única divergência da
literatura que foi observada foi com relação à freqüência deste tipo de tumor. Na
nossa prática clínica, apesar de poucos casos, a freqüência do ependimoma foi
igual a do meningioma. Ainda é muito difícil fazermos o diagnóstico ante-mortem
através dos exames de imagem e exames de histopatologia, na maioria das vezes
pela não autorização do proprietário.
20
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Medicina Veterinária, existem poucos estudos controlados, com
grande número de animais, que permitam um melhor esclarecimento sobre o
comportamento biológico das neoplasias intracranianas, seu prognóstico e
condutas terapêuticas. E os estudos se tornam mais escassos, quando
individualizamos o tipo de neoplasia, como no caso desta revisão. A morbidade
e a mortalidade associada à neurocirurgia limitam a biopsia e o tratamento
cirúrgico aos centros veterinários que disponham de alta qualificação e técnicas
avançadas em anestesia e terapia intensiva.
21
REFERÊNCIAS
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and hydrocephalus in three cats. Journal of Veterinary Internal Medicine;
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22
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SIMPSOM, D.J.; HUNT, G.B.; TISDALL, T.L.C. Surgical removal of an
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system of the cat. Journal of Small Animal Practice, v. 17, p. 773-782, 1976.
23
ANEXOS
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Encéfalo: Proliferação de células neoplásicas em formações
trabeculares e radiadas. Em muitas áreas, há formações de rosetas, com
células pseudoestratificadas ao redor de vasos sanguineos. O
citoplasma é abundante, fibrilar, eosinofílico e bem delimitado. O
núcleo é central ou basal, redondo, com cromatina grumosa ou densa.
Não foram observadas figuras de mitose. Coloração – Hematoxilina eosina.
Aumento de 40X.
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Encéfalo: Proliferação de células neoplásicas em formações
trabeculares e radiadas. Em muitas áreas, há formações de rosetas, com
células pseudoestratificadas ao redor de vasos sanguineos. O
citoplasma é abundante, fibrilar, eosinofílico e bem delimitado. O
núcleo é central ou basal, redondo, com cromatina grumosa ou densa.
Não foram observadas figuras de mitose. Coloração – Hematoxilina eosina.
Aumento de 100X.
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Encéfalo: Proliferação de células neoplásicas em formações
trabeculares e radiadas. Em muitas áreas, há formações de rosetas, com
células pseudoestratificadas ao redor de vasos sanguineos. O
citoplasma é abundante, fibrilar, eosinofílico e bem delimitado. O
núcleo é central ou basal, redondo, com cromatina grumosa ou densa.
Não foram observadas figuras de mitose. Coloração – Hematoxilina eosina.
Aumento de 200X.
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