Editor responsávelZeca Martins
Projeto gráfico e diagramaçãoJuliana Smeers
Controle editorialManuela Oliveira
CapaAudifax Rios
RevisãoMárcio Christian Friedl
IlustraçõesAudifax Rios
Esta obra é uma publicação da
Editora Livronovo Ltda.
CNPJ 10.519.6466.0001-33
www.editoralivronovo.com.br
@ 2011, São Paulo, SP
Impresso no Brasil. Printed in Brazil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
C837vCosta, José Armando da
Volta de coloridos balões / José Armando da Costa. -- São Paulo: Livronovo, 2011.
342 p.ISBN 978-85-8068-021-8Inclui bibliografia
1. Regionalismo. 2. Cidade nordeste. 3. Ceára - Aracati I. Título.
CDD – 304.20981
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À minha companheira Zilce Maria Farias – que em boa hora veio
preencher com muita sabedoria e afago todos os espaços que há muito
prosseguiam vagos do lado de dentro de mim – dedico este livro.
Reconhecendo-lhe como fonte dissipadora de uma solidão que já se
demorava em mim por tanto tempo, quase a se perder de vista.
Obrigado por zelar-me com tanto amor, carinho, paz e dignidade.
Com você aprendi que o tempo do amor é o de todos os dias, é o de sempre.
Posso dizer que – no meu avanço das esquinas outonais – você veio
desfazer todas as minhas descrenças do amor entre um homem e uma mulher.
Em sua companhia harmoniosa e atenciosa, encontrei o embalo para a
urdidura de novos sonhos extraídos das cinzas de mim mesmo. E logo
eu que – de tanto sofrer solidão na multidão – quase desabo como
um prédio velho nas ruas da cidade!
Sou muito agradecido a você, por haver eliminado com muito afeto
e desapego de si própria esses abismos que habitavam o meu interior. E que
ecoavam da minha alma como sombras que se evadiam do meu ser; refletindo-se
de volta para o lugar de onde se haviam projetado. Evadiam-se de mim para
aprisionar-se dentro de mim. Retumbavam de mim para mim! Hoje, tenho
você, e ambos temos a nossa neguinha Maria Antônia, tão astuciosa quanto
querida e amada, tanto por mim quanto por você.
Sumário
Apresentação............................................................................................9
Capítulo 1 - Por que saí da minha terra? ...............................................13
Capítulo 2 - Recordar é tão bom quanto viver........................................23
Capítulo 3 - Rodeios e descaminhos perpassados..................................33
Capítulo 4 - Devaneios que se foram com a infância.............................39
Capítulo 5 - Perdas irreparáveis..............................................................45
Capítulo 6 - Solidão a dois....................................................................59
Capítulo 7 - O menino de Aniceto.........................................................69
Capítulo 8 - Linha e botões...................................................................81
Capítulo 9 - Salutares interferências e conselhos....................................89
Capítulo 10 - Brandura em mim...........................................................99
Capítulo 11 - Acertos extraídos dos desacertos....................................111
Capítulo 12 - Devir arrebatador da mocidade......................................117
Capítulo 13 - Encanto dos nostálgicos cantos......................................129
Capítulo 14 - Divindade musical..........................................................143
Capítulo 15 - Desbotamento da conterraneidade.................................159
Capítulo 16 - Esmaecimentos das cicatrizes........................................171
Capítulo 17 - Redomatização cultural..................................................181
Capítulo 18 - Solidariedade na desventura alheia................................193
Capítulo 19 - Indiferentismo diferenciado...........................................203
Capítulo 20 - Tamanho da boca do povo.............................................213
Capítulo 21 - Cenários das mais remotas ilusões.................................223
Capítulo 22 - Balanços de brincar e voar.............................................235
Capítulo 23 - Bumba-meu-boi e pastoril.............................................251
Capítulo 24 - Brinquedos da infância...................................................261
Capítulo 25 - Criatividade entretecida na diversão...............................271
Capítulo 26 - Aulas de ensinar e brincar..............................................281
Capítulo 27 - Salvação ameaçadora......................................................287
Capítulo 28 - Ilusões que se foram......................................................301
Capítulo 29 - Energia superior que vem de onde não se sabe..............313
Capítulo 30 - Sonhos de coloridos multicores......................................323
Bibliografia...........................................................................................335
Volta de coloridos balões 9
O texto literário que aqui se contém realiza – ou pelo menos
tenta realizar – o singelo sonho de resgatar sentimentos de há muito deixa-
dos para trás. Embora sem descuidar-se de relevantes tópicos científicos
tangenciados aqui e acolá, destaque-se que esta obra faz referência a preté-
ritos fatos que, em sua fenomenologia existencial, envolveram direta ou in-
diretamente este autor. Portanto, trata-se em sua maioria de coisas singelas
e com pouco teor de requinte social, embora apareçam aqui recheadas por
ingredientes psicológicos, antropológicos e socioculturais razoavelmente
ponderáveis.
As letras aqui contextualizadas não animam certamente aqueles que
– movidos única e exclusivamente pelas forças da razão – somente veem na
vida duas formas de sucesso plausível: o econômico e o político, qualquer
que seja o seu campo de manifestação. Conforta mais àqueles que, já ha-
vendo conquistado com dignidade o pão da velhice, conscientiza-se de que
nesta vida tudo é muito passageiro.
O acervo de sua memorização ora faz-me rir, ora leva-me a chorar.
Apresentação
10 José Armando da Costa
E essas emoções me acodem à mente com muita profusão. Mas isso não
quer dizer nada, pois somos muito risonhos e não muito menos chorões.
Com sua leitura, fico mais corajoso, ou menos medroso, frente à angus-
tiante ideia da morte. No que toca à questão da alma, tanto me conforta a
concepção filosófica de sua imortalidade quanto à de sua mortalidade. Se a
vida tem uma segunda época espiritual, abre-se chance de corrigir os nos-
sos erros terrenos. Mas, se for uma só, tanto melhor: a morte tudo resolve,
e não se tem mais conta a pagar.
Nesta vida, parece ser possível o impossível, desde que não seja in-
verossímil. Por isso é que já ponderavam os sábios da antiga Grécia que “é
preferível escolher o impossível verossímil que o possível incrível.” Da lei-
tura deste livro, podemos deduzir ainda que as verdades mais convincentes
são extraídas das renitentes ambivalências. São as veridicidades emanadas
das coisas paradoxais. Daí poder-se extrair o amor do ódio e este, daquele.
O doce do amargo, e vice-versa.
Faço ver aqui – nas linhas que se seguem – que o presente é como
um piscar de olhos. Passa tão rápido que chega até mesmo a insinuar que
não existe. E mais – deixando a mente se esgueirar do futuro – mergulha
de corpo e alma no pretérito de tudo. Fazendo, ainda, com que o leitor
perceba nitidamente que o que existe é o que já passou, uma vez que o
presente vivencia uma constante fuga para o passado. É tal qual o amor
sensual entre coelhos que, de tão rápido que é, faz a fêmea indagar: “Está
bom, não foi?!”
E o futuro – por ser imperceptível no presente – quando chega já
está de saída. É como visita de rico à casa de pobres: só dura enquanto
chega. E logo que chega se acaba. Já o passado – mesmo deficientemente
reconstituído, mal contado e um pouco desbotado – impõe-se pela im-
ponível verdade contida nos coloridos racionais e emocionais que lhe so-
Volta de coloridos balões 11
brerrestam. Quiçá por isso já se tenha dito que “no Brasil, até o passado é
imprevisível”.
O que ficou para trás é tão real e imponente que uma pessoa pobre,
ainda que se lhe escancarem os risos fáceis de uma grande fortuna, não
consegue esconder a sua cara de pobre. É por isso que se diz que o rico
que fica pobre passa a chamar-se “rico arruinado”. Ao passo que o pobre
que amealha um grande patrimônio passa a ser considerado como “po-
bre enriquecido”. Este, para ser mais desfeiteado possível, é estereotipado
ainda com a pecha de “novo rico”. Pesa aí a tarjeta do passado. Posto que as
vicissitudes da gangorra social – fazendo-nos subir ou descer no escalona-
mento econômico-financeiro em dada sociedade – não conseguem apagar
os estigmas arraigados no antanho, pelo menos por um bom tempo. Pois
tanto demora um rico arruinado a ser considerado pobre quanto um pobre
enriquecido a deixar de ser tido e havido como pobre.
Batendo nessa tecla, procuro – no esforço de um espiar poético, e
não apenas prosaico – reconstituir o que passou utilizando-me dos mais
harmônicos e emocionantes sentimentos. Já que nada é mais verdadeiro
e autêntico do que as coisas que são extraídas dos acordes dotados de alta
musicalidade emocional. E mais, nessas conversas íntimas de mim para
mim, faço-me chorar e rir a mim mesmo.
Ainda no embalo de tais cantos – onde desfilam fatos acontecidos ou
apenas reconstituídos com o auxílio da imaginação –, procuro levar o leitor
a crer que as verdades mais prenhes de conjecturas possíveis são aquelas
que brotam das lendas, dos axiomas folclóricos e das fantasias verossímeis
pintadas por uma mente livre e inteligente. De tais fontes, brotam as mais
cromáticas e autênticas manifestações criativas do espírito. Podem sair daí
verdades mais verazes do que a própria verdade!
Nestas letras, deixo entretecer em várias de suas passagens que o todo
parece vir do nada. E que o nada seja uma consequência natural do todo.
Isso porque entendo que nada é senão a busca constante do seu contrário.
E que, de qualquer momento do tempo e de qualquer ponto do Universo,
as coisas materiais ou imateriais se processam nessa constante dialética: o
verso buscando o seu anverso, e este se voltando para aquele.
Daí porque concluo que nada é para sempre, nem mesmo as nossas
saudades. E já que os tempos que se foram demoram eternidades para vol-
tarem, o único remédio para o alívio dos saudosistas é vê-los de volta nas
visões quiméricas dos coloridos balões que ora voltam no redesenho das
mais sentidas emoções pintadas aqui.
Caro oculto ou impossível leitor, este livro foi feito para ser lido por
mim mesmo! É uma reflexão que – mergulhando num passado simples –
foi feita de mim para mim, embora não seja de todo impérvia a alternativa
de mim para ti. Ouse. Leia-o!
O autor.
Volta de coloridos balões 13
Capítulo 1
Quando me vejo envolto em meditações que me fazem voar no es-
paço da minha imaginação, tenho saudades dos tempos que já se foram para
nunca mais voltar, onde a lua, longe de ser um mero sinal de trânsito como é
hoje, era o sublime e doce encanto dos amantes e enamorados. Ah, como era
mágico o luar dos tempos idos, cheio de sentimentos, mistérios e sensuali-
dade! E as noites de lua cheia que eram desfrutadas com a amada em um re-
canto em que os únicos olhares estranhos eram as suas próprias curiosidades
refletidas nas ondas do mar enluarado! E quando a paisagem se desenhava
em meio às palmas de velhos coqueiros? Ah, nem se fale! É de fazer chorar! A
dor dessas saudades é dura, é doida, é doída. Por mais empedernido que seja o
coração, nenhum ser humano se mantém imune a essas intensas emoções das
saudades provocadas pelas lembranças do que se foi para nunca mais voltar.
As notícias mais tristes que corriam na minha terra de outrora eram,
primeiramente, anunciadas pelo melancólico e saudoso dobrar dos sinos da
Igreja matriz. Toda vez que um parente, amigo, ou simplesmente conterrâneo
passava desta vida para a outra, aqueles magoados e tristes murmúrios me
Por que saí da minha terra?!
14 José Armando da Costa
comoviam sobremaneira. Era como se anunciasse que um pedaço do meu
corpo se havia desprendido de mim próprio. Que dor profunda, sentida e
dorida! Ah como dói a dor na carcaça de quem tem sentimento! “A saudade
mata a gente”, como bem dizia o poeta carioca Braguinha. De tanto fazer
velórios e enterrar amigos, ali, naquele berço de minha recepção à vida, apren-
di a fazer da minha tristeza o neutralizador da minha dor. Naquele torrão de
pouca gente e muitos amigos, a força para suportar o pesar pelos que partiam
não conseguia, entretanto, apagar as saudades que deles sentíamos. Era o
contrário: quanto mais dor, mais saudades ainda! Ah como seria confortante
que as dores desses pesarosos momentos pudessem, pelo menos, servir de
enxameio ao emocionante vácuo deixado pela saudade! E, naqueles lúgubres
momentos, o defunto ali exposto e estático era o atestado de sua própria
ausência. É que, desta vida, não se parte de uma só vez: primeiro despacha-se
a alma, depois encomenda-se o corpo. Pelo menos isso é o que se deduz dos
ensinamentos socráticos.
Tresloucado pelas emoções saudosas do meu passado, há dias no meu
atual doer e sofrer que chego numa reverência respeitosa a relembrar os meus
mortos queridos. São país, irmãos, parentes e amores. E aí – como quem tira
a cura de picada de cobra da própria cobra –, para matar as saudades, bebo
ainda mais no cálice da saudade e leio passagens literárias tão comoventes
como esta: “João de Deus fica olhando a manhã. Sente saudade do campo: as
vacas mugindo, o cheiro das mangueiras, as criadas tirando leite de manhã,
as sestas largas, as longas galopadas pelas coxilhas, o banho na sanga... Agora
tudo se foi. Onde estão aquelas léguas e mais léguas de campo, herança dos
Albuquerques de pai para filho há quase duzentos anos? Tudo os bancos le-
varam” (Erico Verissimo – Música ao Longe, p. 68).
Pranteando a saudade dos seus oito anos, verseja Casemiro de Abreu:
“Ai que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida/ Da minha infância
Volta de coloridos balões 15
querida/ Que os anos não trazem mais...”. Enquanto que o poeta maranhense
Gonçalves Dias, em sua Canção do Exílio, deixa aflorar os seus sentimentos
telúricos nestes belíssimos versos: “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta
o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”. “Nosso céu tem
mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/
Nossa vida mais amores”. “Em cismar sozinho, à noite/ Mais prazer encontro
eu lá/ Minha Terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá. Minha terra tem pri-
mores/ Que tais não encontro eu cá/ Em cismar – sozinho à noite –/ Mais
prazer encontro eu lá/ Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá”. “Não
permita Deus que eu morra/ Sem que eu volte para lá/ Sem que desfrute
os primores/ Que não encontro por cá/ Sem que ainda aviste as palmeiras/
Onde canta o sabiá”.
Em meio às nossas queixas outonais do acinzentar da vida, sentimos
que matam mais ainda as saudades do passado que ficaram retidas no in-
consciente dos nossos coloridos primaveris. É como os queixumes contidos
neste lamento: “Minha mente repassava imagens da minha infância. Então,
todas as cores magníficas que preencheram aqueles anos se desvaneceram,
tornando-se um vazio. Neste vazio fui despido de todo o meu poder e voltei a
ser o enjeitado nu que eu era” (Da Chen - A Montanha e o Rio, p. 473).
Mergulhando nas coisas da infância, acode-me à mente a resposta de
Riobaldo à pergunta que lhe fora feita por Diadorin: – “Não tenho saudade
do tempo de menino, o que eu queria era ser menino... ”(Guimarães Rosa –
Grande Sertão: Veredas, p. 244).
O que mais mata os saudosistas da infância é constatar que todos aque-
les recantos ficaram para trás. Tudo mudou, mudou de tamanho, de forma e
de cor. Como são diferentes as águas dos meus banhos de rio! O aprender a
nadar, os mergulhos e os rabos-de-arraia com a meninada da minha infância,
naquele venturoso rio que mudou em tudo, menos de lugar. Consola-me,