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Sessão temática Cidade - 316
DRAMATURGIA URBANA E AFETIVIDADE:
O CASO DA PRAÇA DA ALFÂNDEGA E DOS EDIFÍCIOS DA
DELEGACIA FISCAL E CORREIOS E TELÉGRAFOS
Francielle Kubaski*
Resumo:
A presente pesquisa é um piloto desenvolvido por meio de entrevistas de cunho
qualitativo, realizado na Praça da Alfândega de Porto Alegre. A praça se consolidou ao
longo dos anos como uma das mais importantes centralidades não apenas na historia da
cidade, mas também na história das pessoas, ocupando um espaço importante no
imaginário coletivo. Isto se deve não apenas por uma diversidade comercial e social
associados a um paisagismo afrancesado, mas, sobretudo, pelas memórias afetivas e os
aspectos nostálgicos que a constituem não apenas de forma espiritual, mas de forma
concreta por meio de elementos arquitetônicos como os edifícios dos museus: MARGS
e o Memorial do RS que colaboram na criação de uma organização cenográfica
emoldurando e exaltando a conexão da praça com o antigo porto da cidade.
Palavras Chave: Ecletismo, afetividade, dramaturgia, imaginário coletivo
Sessão temática Cidade - 317
Introdução
Uma das maiores riquezas do centro de Porto Alegre esta contida na vitalidade
gerada pelo movimento constante e intenso de pessoas se deslocando entre as diferentes
ladeiras históricas da cidade. Cruzando pelas diversas relíquias que muitas vezes
desconhecem, mas apreciam pelo valor histórico implícito que conferem as ruas uma
atmosfera quase sagrada marcada pelos diferentes períodos de transformação da
arquitetura de Porto Alegre. Relíquias nas quais os passantes muitas vezes recriam
memórias que nunca vivenciaram, mas que reconhecem como suas, isto é, como parte
da sua própria história ao mesmo tempo em que se reconhecem como parte da cidade.
Este aspecto de orgulho e afetividade gerada pelo centro como um todo nas
diferentes pessoas, em especial aquelas que possuem mais tempo de convívio com o
espaço, é ainda mais marcante em relação àqueles elementos morfológicos manifestos
de infraestrutura urbana que congregam pessoas. (CASTELLO, 1997, p.527) Dentre
eles um dos mais importantes para Porto Alegre é a Praça da Alfândega, se
caracterizando por ser assumidamente um lugar na cidade.
A palavra "lugar" pode ser interpretada de diferentes formas, para este trabalho,
é entendido como um espaço dotado de urbanidade, isto é um espaço possui qualidades
que propiciam experiências existenciais e comunicação/intercâmbio entre pessoa e
espaço público (CASTELLO, 2007). Qualidades estas que atraem as pessoas e que
através das suas formas de ocupação criam uma identidade única para um espaço. É
como a essência que um espaço emana, sendo por tanto uma condição inerente a ele e
que é apropriado pelo corpo humano se mostrando com um caráter mais ou menos
gentil/hospitaleiro (AGUIAR, 2006).
Segundo Hiller (1983, p.49) a definição do caráter assim como a apropriação
pelas pessoas está diretamente relacionada com a forma de constituição e articulação do
lugar, e o seu sucesso é medido em termos de vitalidade, isto é, em quantidade de
pessoas que são acumuladas no espaço.
Depreende-se até aqui que lugar e urbanidade, são dois conceitos diretamente
relacionados com a forma de sentir um espaço. As sensações podem ser geradas a partir
do simples contato visual, no entanto se intensificam quando há a imersão da pessoa no
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meio. Estas sensações se manifestam em forma de afeto, um conceito que é definido
como algo que engloba a emoção (felicidade, tristeza, curiosidade, medo e etc.) e as
sensações obtidas a partir dos sentidos (IZARD, apud ULRICH, 1985, p.30).
A partir do da criação do sentimento de afeto a pessoa é capaz de atribuir um
juízo de valor; expressar uma preferência subjetiva que pode ser traduzida em "gostar
ou não gostar", isto é, em uma resposta estética positiva, negativa ou mesmo uma
posição neutra. (ULRICH, 1985, p.30). Estas respostas estéticas podem acabar por
definir comportamento das pessoas frente a um ambiente, logo, entender do
comportamento humano e usar a interpretação destas preferências subjetivas nos
desenhos de projeto é uma das chaves para a criação de lugares na cidade. No caso de
projetos já consolidados, como a Praça da Alfândega, é possível analisar o seu sucesso
em termos de vitalidade a partir do seu desenho (HILLER, 1983, pg.49), tendo como
ferramentas as opiniões das pessoas, a observação in loco do espaço e de como os
corpos se movimentam (percursos) e interagem nele e com ele. Pode-se então destacar
os elementos que colaboram mais ou menos na constituição positiva do lugar.
Os Percursos da Praça
Através da história da cidade podemos enxergar a praça como um elemento que
articula as diferentes camadas topográficas urbanas (cidade alta, cidade baixa e lago
Guaíba), estando diretamente relacionado com o porto, elemento que conecta a cidade
com o exterior. Atualmente, e mesmo em desenhos anteriores, vemos que esta
funcionalidade se reflete na forma de organização da praça a partir de dois eixos em
cruz: a Av. Sepúlveda e Rua Sete de Setembro. Em termos de vitalidade, atualmente,
possuem distinções consideráveis e que ainda se diferenciam da forma de apropriação
massiva que ocorre na Rua da Praia, atual Rua dos Andradas, onde se concentra a maior
parte do movimento.
A partir da observação in loco, atualmente, percebe-se uma falta de continuidade
no eixo transversal (Av. Sepúlveda) da praça. Primeiro de forma visual, causada pela
intersecção com vias com alto fluxo de veículos. E em segundo lugar estes mesmos
veículos se transformam em uma barreira física para o movimento em direção ao cais. O
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percurso das pessoas é desenvolvido tendo em conta os atratores aos quais os caminhos
levam ou contém, no caso da avenida em questão o elemento atrator de destaque é o
lago. No entanto, atualmente, percebe-se que o Porto não participa com a mesma
importância do cotidiano da cidade, estando muitas vezes o portão principal fechado,
limitando o contato da praça com o Guaíba. O que justifica em parte, porque a Av.
Sepúlveda não participa mais tão ativamente do percurso dos pedestres quanto o eixo da
Rua Sete de Setembro, na qual os dois lados estão possuem serviços de importância,
como os diferentes bancos além de conectar-se diretamente ao Mercado Público.
Cabe lembrar que até 1978 a Rua Sete de Setembro era uma via de circulação de
veículos em toda a sua extensão e dividia a atual Praça da Alfândega em Praça Senador
Florêncio (mais ao sul) e Praça Visconde de Rio Branco (mais ao norte). No entanto, o
seu potencial desenvolvimento do setor de serviços sempre a caracterizou como uma via
de grande fluxo de pessoas, ainda que não fosse tão percorrida quanto a rua da praia
com a sua grande concentração de comércios diversificado (que se mantém até hoje).
Figura 1: Praça da Alfândega
Fonte: Google Earth + graficação autora
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A partir das fotos encontradas em museus como o José Joaquim Felizardo de
Porto alegre, entende-se que a Av. Sepúlveda também era uma via de tráfego de
veículos com mão dupla. Nesta época o porto ainda cumpria um papel fundamental na
circulação de produtos e pessoas estabelecendo uma força simbólica como porta de
entrada e saída da cidade, habilmente emoldurada pelos edifícios dos atuais Museu de
Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS) e Memorial do Rio Grande do Sul.
Esta implantação dos dois edifícios veio acompanhada de outras medidas que, mais
tarde, acentuaram o caráter cenográfico deste eixo da praça, como o monumento ao
General Osório de 1933 e a fileira de palmeiras imperiais colocadas no canteiro central
da avenida em 1935.
A avenida faz parte de um projeto desenhado pelo Secretário de Obras Públicas
Attilio Trebi em 1909, que previa a conexão da Praça da Alfândega com a Praça da
Matriz através de um eixo viário que, no entanto, por razões diversas, não foi executado
por completo, se constituindo apenas o trecho que hoje corresponde a Av. Sepúlveda
(PEREIRA, 2008, p.12). O desenho de Trebi estava vinculado ao projeto de
Figura 2: Av. Sepúlveda, 1930.
Fonte. Museu Joaquim José Felizardo.
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modernização de Porto Alegre desenvolvido durante o governo de Carlos Barbosa, que
previa a realização de um aterro para a expansão do centro da cidade em direção ao
Porto. Desde então surgiram os quarteirões que foram ocupados pela sede da Delegacia
Fiscal e a sede dos Correios e Telégrafos, objetos de concurso vencidos pelo arquiteto
alemão Theo Wiederspahn em 1913 e 1910, respectivamente, sob a insígnia da
Escriptorio de Engenharia Rudolph Ahrons.
Os dois edifícios que ocuparam 100% de suas áreas de lote, foram alinhados de
forma a limitar o campo visual, criando "anteparos" que reforçam o eixo visual em
direção ao Guaíba. Theo caracterizou a importância da avenida dotando cada edifício de
uma torre que confere assimetria ao edifício, típica da organização volumétrica de
partidos pitorescos, o que dialoga de forma coerente com o ecletismo predominante das
suas obras, com destaque para o neobarroco exemplificado pelo edifício dos correios.
Os Lugares do Espetáculo
Dentro da linguagem teatral a cenografia é o conjunto de artifícios que criam um
plano de fundo para o desenvolver das peças pelos atores. Em arquitetura este conceito
pode ser traduzido como um conjunto de elementos capaz de criar uma paisagem de
forte significado emocional para os atores, isto é as pessoas que utilizam o espaço da
cidade, entendida por Evelyn Werneck Lima como uma estrutura viva de constante
dramaturgia, isto é um local de espetáculos:
(…) Consideramos o ambiente urbano como um texto prévio a qualquer
escolha de uma obra dramatúrgica a ser encenado, o que implica olhar a
cidade não como cenografia, mas sim como dramaturgia; Isso significa
identificar como esse texto pode gerar estímulos e suportes para a encenação
(…)(LIMA, 2012).
Segundo o projeto de Trebi, a Av. Sepúlveda não apenas servia para enquadrar o
porto, mas deveria promover o que Le Corbuiser chamou de "Promenade
Architectural", isto é um percurso nobre que neste caso faria o deslocamento das
pessoas por um eixo ladeado de jardins que levariam até a Praça da Matriz e ao Palácio
Piratini. Um percurso que prepara os transeuntes não apenas para um evento artístico
mas para o espetáculo da vida pública da capital.
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Ainda que a “promenade” de Theo sirva apenas para orientação das pessoas até a
Praça Senador Florêncio, este fato não diminui o seu valor enquanto obra cênica. E mais
do que simples cenário, era como os bastidores ou as coxias da caixa teatral, para os
atores que entram e saem de cena pelo porto, isto é, servindo como um portal, digno de
cartão postal para a cidade, ao mesmo tempo em que configurava, e ainda hoje
configura um dos limites físicos da praça.
Esta praça se tornou o palco para diversas atuações: contemplação e
deslumbramento dos imigrantes recém-chegados a capital, a compra e venda das
mercadorias em um caráter informal de feira marcado pela existência de escravos como
descreve Saint-Exupery em suas cartas (MACEDO, 1993); Exibição de status dos
burgueses que vinham se servir do comércio, recepcionar os recém chegados ou ainda
se despedir dos entes queridos que pegariam os vapores. Assim, acabou por se tornar
um lugar dotado de um caráter de pluralidade cultural.
Esta riqueza de diversidade se mantém de certa forma até hoje, e o que se
percebe no local é uma concentração de tipos de pessoas em diferentes lugares/cenários
da praça. A variação de cada cenário esta contida na atmosfera criada pelo sentimento
de maior ou menor privacidade, e neste sentido a vegetação atua como um dos fortes
elementos de composição dos espaços.
Os lugares com maior concentração de jovens, em casais ou grupos, são os
espaços entre os canteiros curvos contidos no interior da praça onde o caminho é mais
estreito e fechado por arvores, porém, onde aquela ideia de controle visual proposto por
Jane Jacobs (2009) ainda atua de forma discreta. Logo, ao mesmo tempo em que se
sentem livre para executar as suas atividades ou atuar no espaço (namorar, fumar, ouvir
musica, conversar), podem se sentir seguros. A mesma lógica se aplica aos moradores
de rua que se concentram na praça, porém nos canteiros mais próximos dos museus,
onde há um fluxo de pessoas ainda menor, porém uma condição de visualização
ampliada em função do desenho dos canteiros.
As pessoas mais velhas se concentram nos eixos principais da praça que
possuem um ângulo visual mais amplo e onde existe maior circulação de pessoas.
Quando estes estão em grupos, tendem a se concentrar nas periferias da praça, isto é, na
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Rua dos Andradas ou nas ruas Capitão Montanha e Cassiano Nascimento onde estão os
engraxates (elementos icônicos da praça) e as mesas de xadrez, respectivamente.
Atualmente, a intervenção do Programa Monumenta propôs a criação de um
bloco com banheiro público e comércio na lateral do Edifício da Caixa econômica
federal, uma medida interessante para evitar a parede cega que existia. No entanto o
comércio ainda não foi instalado, o que faz desta a interface menos animada da praça e
por tanto aquela que causa maior sentimento de insegurança para os passantes, apesar
das mesas de xadrez sempre estarem ocupadas.
A interface dos engraxates agrega junto a este serviço um comercio informal de
artesanatos criando uma fachada animada dos dois lados da rua. Já a interface da Rua
dos Andradas é composta por uma diversidade comercial e um movimento constituído
historicamente durante o período em que ainda se chamava Rua da Praia e cuja história,
neste artigo não nos cabe contar.
A Pesquisa
Entende-se que a utilização da linguagem eclética trazida pelos imigrantes
alemães como Theo, para Porto Alegre, foi uma forma de atualizar a recente capital e,
para Carlos Barbosa, de marcar a sua passagem pelo governo com obras dignas de
admiração que dura até os dias de hoje. No entanto, mais do que uma estratégia de
consagração política, os edifícios de Theo foram importantes para a determinação do
espaço da Praça da Alfândega como um lugar e um símbolo para de Porto Alegre
vinculado ao imaginário coletivo.
Acredita-se que esta aproximação afetiva se dá por meio de dois aspectos
principais. Em primeiro lugar em relação ao uso dos edifícios que determina uma das
formas de relação destes com a praça, além da relação estética de aberturas que
determina a constituição dos diferentes lugares limitados pelas suas fachadas. E em
segundo lugar os aspectos que dizem respeito a comunicação entre as atividades
cotidianas das pessoas (percursos) pela praça.
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Para investigar isso foi feita uma pesquisa de cunho qualitativo, conduzida a
partir de 6 questionamentos a serem respondidos de forma subjetiva e independente do
grau de escolaridade ou renda. O público alvo selecionado foi de pessoas idosas
entendidas como aquelas que possivelmente agregam uma maior experienciação do
espaço.
Todas as entrevistas foram conduzidas na praça (total de 4 visitas),
possibilitando não apenas identificar usuários reais da praça, mas também observar as
interações entre as pessoas, a praça e os edifícios atualmente. Optou-se por entrevistar
apenas pessoas que estivessem sentadas e visivelmente disponíveis para serem
entrevistadas, isto é, sem interromper outras atividades pessoais, tais como, ler jornal,
escutar rádio, ou conversas com outras pessoas.
Resultados
Em um primeiro momento se observou que a grande maioria dos usuários que
permanecem sentados nos bancos da praça é do sexo masculino o que justifica porque
do total de 23 entrevistados, apenas 2 são mulheres. As poucas mulheres que foram
vistas sentadas estavam acompanhadas. O que se compreende a partir de alguns
depoimentos em relação à insegurança na praça.
Vale salientar que o equilíbrio que existe entre o número de usuários mais
velhos e mais novos na praça mostra que ainda hoje a praça funciona como um polo
atrator de pessoas no centro renovando o e mantendo caráter dinâmico do lugar. Sendo
um ponto de estar mesmo para as pessoas que são de pontos distantes de dentro ou de
fora da cidade. A questão que se levantou em seguida, investigou a presença da praça no
imaginário das pessoas a partir da primeira palavra que lhes vinha a mente quando
indagadas sobre a praça.
Neste sentido, a praça como um lugar agradável se comprova pelo número de
palavras positivas as quais remete (81% das respostas). Se destacando como um lugar
de descanso, apesar das constantes entrevistas e pesquisas que são feitas no local. O
descaso que aparece como ponto negativo mais enfatizado está relacionado com a
sujeira, e por sujeira entende-se a partir da observação no local, que se trata mais
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fortemente da presença de folhas mortas e areia rente aos canteiros, logo junto aos
bancos.
Dentro de um espaço verde urbano, a condição de manutenção da vegetação é
uma das principais características que determina para as pessoas a qualidade de uma
paisagem. Um espaço com acúmulo de folhas e galhos tende a desenvolver um
sentimento de baixa afetividade. (ULRICH, 1985 p.32)
Outro aspecto importante para que haja uma apropriação física e psicológica do
espaço é a condição do mobiliário. (MARCUS, 1995, p.23) A praça é reconhecida como
um dos espaços com mais bancos no centro da cidade. E não apenas a quantidade, mas a
qualidade do posicionamento se torna um fator chave para atrair as pessoas. O
mobiliário é outro dos elementos importantes de composição do cenário, assim como as
diversas configurações de calçadas mais largas ou mais estreitas em que o mobiliário
(bancos e lixeiras) se relaciona com as árvores para criar situações diversas de luz e
sombra.
Além de luz e mobiliário, o cenário também é composto por som. Cada lugar vai
apresentar diferentes níveis de ruído e, ainda que esta seja apenas uma sensação causada
Figura 3
0 2 4 6 8 10 12
Antiguidade
Limpa
Cultura
Descanso
Família
Religião
Trabalho
Lazer
Movimento
Natureza
Descaso/sujeira
Insegurança
Caos
Aspectos transmitidos pela praça
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pelo formato e composição do espaço, é um dos elementos importantes para que se
desperte nas pessoas a sensação de descanso e relaxamento. De forma geral pode-se
dizer que a sensação de ruído é proporcional aos níveis de privacidade de cada lugar,
interessante notar, que, no entanto, os lugares de médio ruído são os preferidos pelas
pessoas mais velhas, uma vez que os níveis de privacidade estão relacionados com o
sentimento de segurança que cada lugar proporciona. Os lugares que sugerem ser mais
silenciosos, também são os mais inseguros para os idosos, no entanto os preferidos dos
jovens.
A variação de cenários permite que diferentes pessoas se sintam acolhidas de
diferentes formas, favorecendo que esta praça seja a opção em detrimento de outros
espaços como a Praça da Matriz ou a Praça XV de Novembro, uma vez que é capaz de
satisfazer as necessidades psicológicas e físicas de diferentes tipos de pessoa em
diferentes idades. Esta variação de pessoas se mostrou um dos itens importantes
apontados pelos entrevistados que enxergam a praça como um espaço de lazer e
movimento, como um bom lugar para passar o tempo sozinho ou com as crianças no
fim de semana, para namorar ou mesmo simplesmente estar no meio das pessoas vendo
o movimento. Ainda que não estejam de fato, no meio, e sim numa posição de
contemplação.
No que diz respeito a esta imagem de praça os aspectos naturais aparecem com
mais peso do que os aspectos históricos. O reconhecimento da praça enquanto um
espaço verde e de relaxamento salienta a capacidade da vegetação de diminuir o stress
(GRAHN, 2003, p.16) e para alguns entrevistados ressalta aspectos nostálgicos que
lembram as casas do interior do Estado de onde alguns vieram.
O que se nota em seguida, é que o caráter de antiguidade que a praça possui
parece estar mais vinculado a imagens dos edificios em si, do que com espaço público
que estes encerram. E neste momento os edifícios do MARGS e do Memorial do RS em
especial se identificam como elementos que mais despertam aatenção dos usuários da
praça.
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Figura 5
O valor histórico é reconhecido através da linguagem arquitetônica das fachadas
que é percebido pelos entrevistados no peso decorativo e nas esculturas que criam para
eles uma distinção temporal que separa as obras de Wiederspahn do restante dos
edifícios da cidade que seriam modernos. Assim, a linguagem eclética do ponto de vista
dos entrevistados, os qualifica como verdadeiros monumentos e, mais do que isso,
como elementos inerentes à paisagem. Nota-se que o valor histórico ganha uma
dimensão afetiva no momento em a linguagem os destaca enquanto elementos que
embelezam a praça.
A monumentalidade e o respeito pelos edifícios também fica implícito pela
associação destes a imagem da igreja através dos elementos como as cúpulas e o
relógio. Os entrevistados se reportavam mais diretamente ao edifício dos Correios e
Telégrafos o que é de se esperar pela exuberância da decoração da torre que marca o
eixo que possui um caráter mais próximo da linguagem barroca, o estilo arquitetônico
Figura 4 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
bem posicionados na praça
São Importantes
Bonitos
Bem Conservados
Arquitetura Inerte
Edificios Normais
Atrapalham a vista do Guaíba
O que você acha dos 2 edificios?
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que por essência tinha a intenção de despertar os sentimentos das pessoas por meio das
curvas e ondulações nas fachadas.
Entrevistados que demonstraram respostas mais reflexivas do que espontâneas
identificaram os dois edifícios como objetos bem conservados, no entanto inertes, isto é,
sem muita relação de uso com a praça. Esta visão possivelmente diz respeito à condição
atual dos edifícios enquanto museus. O que justifica o desconhecimento apresentado
pelas pessoas em geral sobre o uso que se desenvolve atualmente nos prédios de
Wiederspahn.
Dos entrevistados, apenas 30% soube identificar os museus. Este
desconhecimento das funções dos edifícios demonstra uma falta de participação deste
no cotidiano das pessoas, o que é resultado de uma falta de divulgação dos museus e
simultaneamente uma falta de interesse das pessoas em saber o que ocorre do lado de
dentro das paredes dos monumentos para eles tão dignos do título de patrimônio que
receberam. Esta postura reitera a importância das obras de Wiederspahn enquanto
imagem que compõe o espaço da praça, mais do que como instituições culturais.
A delegacia Fiscal ser desconhecida por 87% dos entrevistados era esperado, em
especial levando em consideração que maior parte dos entrevistados não vivenciou o
espaço durante a existência da instituição (que funcionou até 1968) Acrescenta-se
também o fato de não ser um edifício que promovesse o acesso por meio de uma
atividade de interesse público, fazendo com que permanecesse como um elemento de
pouca participação na praça. Isto é, não funcionava como um polo atrator logo, não
participava da experiência de espaço que as pessoas tinham na Praça da Alfândega por
meio de seu uso, apenas pela sua imagem que conformava o pórtico de acesso à cidade
a partir do Porto. As poucas pessoas que conheciam seu antigo uso sabiam em função
de conhecidos que trabalhavam no lugar ou eram pessoas que por meio de estudos
descobriram.
Este desconhecimento se manifesta também na falta de uma denominação uma
vez que não é identificado como delegacia e nem como MARGS, diferente do Correios
e Telégrafos que permanece sendo chamado por este nome (reconhecido por
praticamente 80% dos entrevistados) mesmo após a mudança de uso para Memorial do
RS. Este conhecimento das pessoas sobre a antiga função do edifício tem como
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facilitador o fato de estar escrito na fachada e também o fato de que a mudança de uso
ser recente (1996). No entanto, este último dado não é fundamental quando lembramos
que os entrevistados não identificaram o edifício enquanto Memorial do RS.
O que parece ser o fator determinante desta presença de caráter histórico no
imaginário coletivo é o fato de que se tratava de um edifício com uma função pública de
suma importância na época como meio de comunicação entre amigos e familiares. O
que traz lembranças nostálgicas a alguns dos entrevistados que associaram o edifício
aos avós, e em peso revelaram usar os serviços dos correios no passado.
A sua participação ativa no cotidiano da praça e das pessoas fez dele ponto de
encontro e monumento de grande prestígio sendo utilizado em cartões postais, folders
turísticos, capa de guias telefônicos e etc.
Considerações Finais
À medida que o eixo da Sepúlveda foi diminuindo a sua importância funcional,
nota-se uma crescente valorização em especial da Rua da Sete de Setembro. Esta sendo
integrada a praça em 1978 chama a atenção para o reconhecimento da importância da
unificação das praças e do forte caráter de permanência que foi se desenvolvendo ao
longo do tempo, se distanciando da ideia de local de passagem como inicialmente
parecia ser a idéia de Trebi, quando ainda se previam apenas jardins francês para a área.
Percebe-se que o potencial cenográfico e dramatúrgico desenvolveu, ainda que
em parte, de forma não planejada. Este aspecto não planejado, diz respeito em especial,
à manutenção da vegetação. Se por um lado o seu crescimento desordenado diminuiu a
permeabilidade visual escondendo os edifícios de Wiederspahn das visuais que se
poderiam ter desde a Rua da Praia, por outro lado, possibilitou a criação de outras
dimensões de praça que influenciaram de forma positiva o grau de afetividade das
pessoas em relação ao lugar.
Em relação aos edifícios, pode-se dizer que participam do imaginário coletivo no
que diz respeito a uma constituição de paisagem. Atualmente, não aparecem enquanto
elementos que participam do cotidiano das pessoas, mantendo o caráter de cenográfico
de composição da interface norte da praça.
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No passado os Correios e Telégrafos possuía uma atuação maior dentro dos
percursos das pessoas, constituindo em si um lugar, participando das experiências
espaciais de praça e enquanto edifícios. Este vínculo de uso fortaleceu o seu lugar no
imaginário coletivo. Já a delegacia vai estabelecer a sua importância dentro do
imaginário em função da sua linguagem compositiva de fachadas e de volumetria e sem
duvida, em função da noção de conjunto que forma com o correios, criando o eixo
transversal da praça.
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Bilbioteca Arquitetura e Urbanismo - UFRGS