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Artigo sobre dupla negaçãoTRANSCRIPT
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Texto.Jus NURTNúcleo de Revisão Textual
Edição 23, novembro/2011
a) O perito encontrou vestígio do crime.b) O agressor gostava da vítima.
Logo, para os defensores da tese lógica, fra-ses com dupla negação geram incoerência de sentido, uma vez que contradizem a ideia pretendida pelo emissor da mensagem.
2ª) Interpretação gramatical
Apesar da perfeita aplicação do princípio lógico, gramáticos de referência da Lín-gua Portuguesa – M. Said Ali, Mário Barre-to, Antônio Suárez Abreu, Mário A. Perini, Adalberto J. Kaspary, Celso Pedro Luft – registram que a dupla negação é fenôme-no típico da Língua Portuguesa, apontando exemplos extraídos dos clássicos literários. Esses autores argumentam que, apesar da duplicação, as frases preservam o valor negativo desejado. Sob essa perspectiva, consideram-se corretos os exemplos apre-sentados no início deste artigo.
Aspecto histórico
Com efeito, os próprios registros das gramá-ticas históricas apresentam não só a dupla, mas até mesmo a tríplice negação, como em O perito não encontrou nenhum vestígio do crime, não. A Gramática Histórica de M. Said Ali menciona variadas formas de dupla ne-gação encontradas em textos produzidos em Língua Portuguesa, inclusive nos clássicos mais antigos.
O gramático Mário Barreto (1924) afi rma que o argumento lógico constitui apenas “remi-niscências latinas”, uma vez que se nega
A repetição de termos de negação
constitui tema bastante polêmico na
Língua Portuguesa, em especial nas
estruturas com o advérbio não, combinado
com palavras negativas, como os pronomes
indefi nidos nenhum, nada, ninguém. Confi ra
os exemplos a seguir:
a) O perito não encontrou nenhum vestígio do crime.
b) O agressor não gostava nada da vítima.
O estudo ora proposto pretende contribuir
para esclarecer a questão, bem como apre-
sentar aos artífi ces de texto deste Tribunal
orientação sobre o fato linguístico denomina-
do dupla negação.
Existem duas interpretações sobre o fenô-meno:
1ª) Interpretação lógica
Os defensores desta tese são contrários ao emprego da dupla negação, pois entendem que a proposição com duas negativas se tor-na positiva, ou seja, uma negativa anula a outra.
Com base nesse raciocínio dedutivo, disse-
minou-se o entendimento de que a estrutura
da Língua Portuguesa não comporta constru-
ções que contenham a duplicação de vocá-
bulos de negação.
Ao aplicar o raciocínio lógico aos exemplos apresentados, tem-se, com a eliminação dos dois vocábulos negativos, o seguinte resultado:
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Edição 23, novembro/2011
com mais força em Português ao serem utili-zadas duas negações.
Vale ressaltar que o uso dessas negações não é criação linguística recente; mas, sim, emprego secular muito comum na produção textual em Língua Portuguesa.
No entanto, apesar de justifi carem determi-nados usos, a constatação histórica e a prá-tica literária não revelam as razões que os originaram.
Aspecto argumentativo
Para avançar na discussão, o primeiro pas-so é observar como fi cam os dois exemplos apresentados após a eliminação da segunda negativa:
a) O perito não encontrou vestígio do crime.
b) O agressor não gostava da vítima.
Nota-se que essas frases estão perfeitamen-te adequadas à estrutura da Língua Portu-guesa.
Agora, no segundo passo, observe apenas o primeiro exemplo em ambas as versões – com duas e com uma negação:
a.1) O perito não encontrou nenhum vestí-gio do crime.
a.2) O perito não encontrou vestígio do cri-me.
No processo de eliminação da segunda ne-gativa, facilmente se reconhece que a se-gunda versão perdeu a força argumentativa contida na primeira, ou seja, não se manteve a equivalência exata de signifi cação entre ambas as construções.
Ao se antepor ao vocábulo vestígio a segun-da marca de negação da estrutura oracional, por meio do pronome indefi nido nenhum,
percebe-se que ocorre alteração de sentido na argumentação. Na primeira versão, a ne-gação é mais forte: o perito não apenas não encontrou vestígio; mais do que isso, ele não encontrou qualquer vestígio do crime.
A adequação do emprego reiterado de nega-ção é confi rmada na lição de Celso Cunha e Lindley Cintra sobre os valores de alguns pro-nomes indefi nidos, na qual esclarecem que o pronome nenhum, quando reforçado por ne-gativa, pode equivaler ao indefi nido um, como em: O perito não encontrou nenhum (= um)
vestígio do crime.
Afi rmam, ainda, que o pronome nada, cujo signifi cado é nenhuma coisa, pode ser apli-cado com valor de alguma coisa em frases interrogativas negativas, ou com valor adver-bial junto a um adjetivo ou a um verbo intran-sitivo. Além disso, registram que o pronome algum adquiriu, na língua moderna, quando posposto a substantivo, signifi cação negati-va mais forte do que nenhum, ou seja, coisa alguma. Assim, são possíveis as seguintes
construções:
a) O perito não encontrou nada?
[frase interrogativa negativa = O perito não encontrou coisa alguma?]
b) A perícia não foi nada fácil.
[com valor adverbial junto ao adjetivo fácil]
c) O perito não dormiu nada.
[com valor adverbial junto ao verbo intransiti-vo dormir, que não exige complemento]
Aspecto estilístico
Além dos aspectos histórico e argumentati-vo, é necessário realizar uma interpretação estilística do tema.
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Edição 23, novembro/2011
Como é do conhecimento daqueles que se aventuram na artesania de alinhavar pala-vras para expressar o pensamento humano, a Língua Portuguesa dispõe de diversos re-cursos a serviço desse ofício, entre os quais estão as chamadas fi guras de linguagem, caracterizadas por conferir expressividade à comunicação.
Uma dessas fi guras é denominada ênfase, por meio da qual se recorre a repetições in-tencionais para traduzir com maior perfeição as ideias. Não se trata, no caso, da repeti-ção considerada como pobreza vocabular. O próprio valor do termo ênfase é tomado da retórica, com aplicação também nas re-lações sintáticas, ou seja, na ordenação dos elementos da frase, bem como nas relações
entre ideias.
Com a intenção de realçar, pode-se repetir, por exemplo, o objeto direto, representa-do por pronome oblíquo átono, como nesta construção:
» A testemunha, o juiz a intimou para com-parecer à audiência.
Com base no aspecto estilístico, compreen-
de-se que os recursos da linguagem estão a
serviço da expressividade e que a repetição
de vocábulos negativos, no fenômeno ana-
lisado, visa intensifi car a ideia de negação,
efeito que não seria obtido apenas com uma
palavra negativa.
Orientação do NURT
Enfi m, após a análise dos aspectos gramati-cais, percebe-se que a própria dinâmica da Língua priorizou a reiteração de negações, a fi m de benefi ciar a intelecção do pensamen-to. Essa estrutura está tão arraigada no pro-cesso de expressão da Língua, que é impos-sível eliminá-la sem prejuízo semântico.
Com base nas razões listadas, entende-se que a dupla negação pode ser aplicada na Língua Portuguesa sem que isso confi gure ofensa à lógica formal, uma vez que favore-ce a expressividade e a compreensão das ideias, fatores que são imprescindíveis para a produção textual, desde a clássica até a
moderna técnica argumentativa.
Quando ocorre a “dupla negação” com resultado positivo?
Convém destacar que, segundo Celso Pedro Luft, a repetição de termos negativos pode gerar, sim, efeito contrário em construções formadas por “negativa” + “palavra negativa ou com prefi xo negativo”, como nos seguintes casos:
a) não é inútil = é útil;b) não desrespeitar = respeitar;c) não deseja a morte = deseja a vida.
De fato, nessas combinações, uma negativa anula a outra, tornando a sentença positiva. Não se trata, pois, de reforço da negação – “traço negativo que se expande por pronomes indefi nidos”, como esclarece Luft.
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