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Copyright © 2014 by E.R. Garcia
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O autor
Responsabilidade pela revisão:
O autor
Gênero:
Suspense, aventura, romance / Literatura brasileira
Garcia, E. R., 1988 - Juan Sebástian, O Caçador de Mitos – A
Garota Da Matilha/2014. 97p.
E. R. Garcia
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
Minibiografia
E. R. Garcia nasceu no inverno de 1988, no coração de Goiás.
Apaixonado por histórias desde a mais tenra infância, sempre
elaborou enredos em sua agitada mente. Todavia, foi apenas em
2005 que de fato iniciou uma relação íntima com a literatura.
Tendencioso para as narrativas de suspense, possui fortes deslizes
para o fantástico e o terror. Permeia suas tramas com investigação,
lógica, e uma boa dose de folclore.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, à minha mãe e ao meu pai
que sempre ficaram ao meu lado dando-me forças para
continuar meu intenso e prazeroso trabalho de escrever.
Ressalto também a cooperação da minha namorada Juliete de
Sousa Lima, da minha grande amiga Ana Karine e dos meus
amigos de longa data Marcelo José da Silva e Vinícius
Mendonça que ao lado da minha queridíssima mãe foram os
primeiros a ler a obra e assim, cada qual com o seu tipo de
observação, deram-me valiosos conselhos.
E. R. Garcia
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Apresentação
Indague-se sobre a origem dos mitos que regem a nossa vida!
Questione-se sobre o que eles fazem por você! Para que servem?
Donde vem a sabedoria do povo; as receitas e as curas que muitas
vezes nem a ciência encontra provas se são reais? Por que existem
superstições e rituais esotéricos? Como já dizia um estudioso: “Os
deuses caem com o avançar da ciência”. Será mesmo verdade?
Ser um caçador de mitos é ir de encontro aos medos mais
inatos, não só do indivíduo, mas de toda uma sociedade que carrega
uma bagagem hereditária muito forte e enraizada no seu folclore
local.
Devo dizer-lhe, sobretudo, que nada me agrada mais do que
“sentar” e ouvir da boca de testemunhas seus relatos misteriosos e
sobrenaturais. Isso me atiça a imaginação e me faz sonhar com as
aventuras da vida real que muitas vezes se mesclam com a fantasia.
Com a globalização, os relatos ganharam novo fôlego e não
mais somos bombardeados por simples histórias/estórias verbais.
Inúmeras provas nos são apresentadas: fotos, vídeos, gravações em
áudio etc. A internet está recheada desses enredos fascinantes. Qual
é, entretanto, a função dos mitos?
Os mitos servem para responder perguntas cujas respostas ainda
não são conhecidas, ou que as pessoas não querem conhecer. É a
válvula de escape do ser humano que não admite não possuir total
domínio da sua vida. Servem também como forma de organizar a
sociedade: Criando vínculos com os personagens da narrativa, as
pessoas tendem a citá-los como exemplos de ações nobres a serem
imitadas ou de ações abomináveis a serem repudiadas.
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Voltando a uma das perguntas do início. Os deuses caem sim,
menos o Deus verdadeiro. E, seguindo essa premissa,
compreendemos que quanto mais nos aprofundamos nesses
assuntos mais entendemos como a Bíblia é um livro fascinante e
como o conhecimento colocado nela ainda é pouco extraído. Dentre
aqueles que a estudam com exaustão, não existe quem não se
fascine pelo seu conteúdo, muitas vezes, tão atual.
Devemos compreender, acima de tudo, que o folclore é uma
grande característica de um povo, uma marca e, por vezes, até
mesmo uma digital por ser algo único e exclusivo. E isso não pode
ser arrancado de uma cultura. Pelo contrário. Deve ser preservado
se não causar danos à boa convivência e aos valores morais dignos
de pessoas honrosas e puras. Nunca, portanto, deve ser usado como
forma de dominação.
Convido-o, agora, a embarcar nas aventuras de Juan Sebástian,
O Caçador de Mitos, e ao lado desse personagem, testemunhar
grandiosos enredos recheados de mistério, suspense, romance e
tragédia. Descubra se realmente existem mais coisas entre o Céu e a
Terra do que possa imaginar a nossa pobre filosofia, como diz
William Shakespeare em Hamlet. Ou se tudo não passa de nossa
fértil imaginação.
O Autor
E. R. Garcia
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A Garota da Matilha
Juan Sebástian desligou o celular e o jogou sobre o banco do
passageiro de sua caminhonete, justamente em cima de uma revista
que continha um lobo-guará na capa. O cansaço aos poucos ia
vencendo-o. Com os olhos pesados e o corpo dolorido, tentava não
ceder à tentação de descansar por alguns minutos antes de terminar
sua viagem. Dirigindo a exatamente oito horas consecutivas, os
vinte minutos restantes não lhe pareceram nenhum problema.
Deu um largo trago no cappuccino, acelerou um pouco mais a
caminhonete preta e refletiu sobre o enredo que se seguia. Há pelo
menos duas semanas, constantemente, deparava-se com notícias de
uma cidade no extremo sul de Goiás, mais precisamente na divisa
de Goiás com Minas Gerais. A cidadezinha pacata, com pouco mais
de dez mil habitantes, de nome Rosáepolis, passava por uma
situação insólita: a histeria tomava conta do município devido a
supostos avistamentos de uma grande e peluda criatura que diziam
ser um lobisomem. Com reportagens sensacionalistas, os programas
de TV tentavam criar matérias assustadoras, alternavam os relatos
das testemunhas com cenas de monstros dos filmes de Hollywood e
incrementavam com belos closes da lua cheia. Mas o resultado era
uma reportagem mais cômica do que propriamente apavorante. Os
jornais impressos de todo o estado também deram “vida” ao
Lobisomem de Rosáepolis. Seria um fenômeno da fauna local?
Uma brincadeira de mau gosto, ou apenas histeria coletiva? Os
jornalistas ressaltavam o folclore, os causos da roça. Mas o sempre
cético Juan não se dava por satisfeito por qualquer teoria enfiada
goela abaixo nas pessoas. Teria que investigar, ir a fundo e
descobrir do que se tratava aquele frenesi. Afinal de contas era essa
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a sua profissão, um caçador de mitos. Há seis anos abandonara o
seminário, mas seu tutor, o bispo Dom Damião percebera o instinto
rebelde, intrépido e investigador de Juan e então, presenteou-o com
o emprego de investigar assuntos relacionados a mitos e lendas
urbanas. Nunca soube de fato de onde vinha esse cargo ou para
quem realmente trabalhava. A princípio pareceu-lhe apenas um
projeto do bispo de acabar com falsos mitos e fantasias que, para
ele, aprisiona a fé das pessoas, no entanto, Dom Damião algumas
vezes comporta-se de maneira estranha e o que parece é que ele
também recebe ordens superiores, mas Juan jamais teve alguma
confirmação sobre isso.
Após fazer uma curva, pôde ver a cidade logo à frente. Já
estava na hora, pensou ele, jogando os finos e despenteados
cabelos negros para trás. Apertou as mãos no volante e seguiu em
frente.
Bem-Vindo a Rosáepolis, dizia a placa no trevo. Juan Sebástian
avançou, ganhando a pequena, porém, charmosa cidade. Os
casarões centenários com suas largas janelas de madeira e seus
telhados avermelhados; as ruas em paralelepípedos; árvores
imensas por todos os lados e os passantes simples, que caminhavam
a passos lentos e despreocupados. Ah, como é bom o interior,
pensou, lembrando-se da infância, do casarão onde funcionava o
orfanato onde fora criado, na zona rural de Minas.
Às seis da tarde, os raios do sol cobriam toda a cidade como
um manto dourado; crianças descalças jogavam bola na rua;
senhores de cabelos brancos sentavam nos bancos da praça para
conversar e contar suas histórias, algumas vezes estórias, simples e
longas vidas tranquilas; mulheres carregavam cestas de compras e
as moças e rapazes usavam as duas sorveterias próximas à praça
para enamorarem-se. Estarão falando do lobisomem? Ou foi
simplesmente a mídia que acabou por romantizar alguns casos
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isolados? Não seria de se espantar. O certo é que na noite passada,
Dom Damião o telefonou para pedir-lhe que fosse até a cidade
investigar o caso. Ele, obviamente aceitou a missão sem titubear.
Contornou a praça e dirigiu-se até uma pequena lanchonete.
Estava na hora de satisfazer as necessidades do seu corpo,
começando pela fome e depois passaria para o sono.
Ao descer da caminhonete, a bola de couro usada pelos garotos
rolou até seus pés e um menino franzino correu em sua direção para
pegá-la.
– Eu conheço você – disse o menino ao levantar os olhos e fitar
Juan atentamente.
Juan simplesmente sorriu.
– Você é aquele homem que caça fantasmas, não é? – indagou,
entusiasmado.
– Não só fantasmas, mas todo tipo de mito. – Juan foi
simpático, mesmo estando com mais vontade de entrar logo na
lanchonete e devorar um imenso sanduíche.
– Eu te vi na televisão. Você veio procurar o lobisomem? –
insistiu o garoto, com mais entusiasmo.
Lobisomem não existe, quero apenas saber o que tem assustado
vocês! Sabia que não podia ser direto, conhecia bem o perigo de
questionar as crenças das pessoas, poderia causar aversão da
população e assim ser impedido de fazer a investigação.
– Sim, eu vim caçar o lobisomem – respondeu. – Você o viu?
– Já escutei ele uivar.
– E você tem certeza que não era um lobo ou um cachorro? –
questionou Juan, iniciando ali mesmo sua investigação.
– Claro que tenho. – O menino arregalou os olhos como se
estivesse vivendo novamente a cena. – Eu não tenho medo do uivo
de um cachorro ou de um lobo, mas aquele negócio foi diferente,
assustador, foi mais forte... Ele rosnou depois.
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– Onde você o viu?
– Foi antes de ontem, eu e o Lucas estávamos na Floresta dos
Torturados quando ouvimos algo se mexer no mato. Ele pisava com
tanta força que parecia ter uns quinhentos quilos, uivou e rosnou
para nós, aí então saímos correndo.
– Floresta dos Torturados?!
– É, dizem que quando os escravos fugiam, os fazendeiros
contratavam – o menino parou por alguns instantes tentando
encontrar a palavra certa – homens para procurar eles, e quando
esses homens os encontravam, torturavam e os matavam.
– Entendo. – Juan refletiu e imaginou quantas lendas mais a
pequena cidade poderia ter. Tentou continuar o diálogo, mas foi
interrompido pelos outros garotos que gritaram:
– Bruno, traz logo essa bola!
– Seus amigos o estão chamando – disse Juan, sorrindo.
– Se quer saber mais sobre o lobisomem é só me procurar,
conheço mais gente que viu ele. – O garoto saiu correndo, sem ao
menos esperar a resposta, com a bola debaixo do braço.
A pequena, provavelmente limpa e aconchegante lanchonete era
o lugar perfeito para Juan fazer o seu tão esperado lanche. Alguns
clientes ocupavam quase todas as mesas. Pessoas de todas as
idades. Juan a atravessou e sentou em um dos bancos do balcão.
Pelo espelho da vitrine de bebidas, viu uma linda mulher de cabelos
escuros sentada a uma mesa, aparentemente, lendo inúmeras
revistas e jornais. Ele girou a cabeça para olhá-la melhor. Ela tinha
longos cabelos negros com franjas que ajudavam a desenhar um
rosto alvo e harmonioso; lábios pequenos, úmidos e avermelhados;
e os óculos de armação preta apenas ressaltavam a beleza nada
rebuscada daquela mulher que insistia em ler concentradamente.
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– O que o senhor vai querer – disse o atendente. Um homem de
mais ou menos quarenta anos, cabelos enrolados e barriga
acentuada.
– Um minuto, por favor. – Juan olhou o cardápio e em seguida
pediu o maior sanduíche que tinha com um suco de laranja.
O homem afastou-se após anotar o pedido, cochichou algo com
o funcionário que fixou um olhar curioso para Juan.
Nesse momento, Juan percebeu que não tinha apenas atraído
olhares curiosos dos servidores da lanchonete. Muitas pessoas que
estavam ali o olhavam de forma discreta, contudo, com olhos
desconfiados, analíticos e céticos.
Os garotos continuavam a jogar futebol do lado de fora, mas
não por muito tempo. Uma viatura da polícia militar parou no
estacionamento e os dois homens corpulentos e fardados que
desceram do carro os repreenderam severamente, mandando-os
irem embora. Obedeceram sem objetar.
Os policiais dirigiram-se para a lanchonete. Com rostos
emburrados, caminharam em direção ao balcão como qualquer
militar: opressores e arrogantes.
– A última coisa que queremos é mais absurdos sobre
lobisomens – disse um deles. De estatura um pouco menos robusta
que o outro, cabelos levemente grisalhos e óculos redondos.
– O de sempre Zé! – O outro fez o pedido. Bastante alto, de
olhos escuros e queixo quadrado. – Foram esses moleques que
criaram essa estória de lobisomem.
– Só que estão levando a sério – disse Zé, o homem de barriga
saliente.
Os militares o olharam e ele levou seu olhar para o outro lado,
pousando-o em Juan.
– Então você está aqui atrás de lobisomens? – indagou Queixo
Quadrado.
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Juan continuou comendo tranquilamente, sem ao menos notá-
los.
– Aqui não tem nada disso, rapaz – insistia, rispidamente.
Olhares espantosos dos outros clientes foram inevitáveis.
Alguns sérios, outros concordantes, mas a maioria, repulsiva.
Juan insistia em ignorá-los.
– São esses moleques que inventam essas coisas. – Percebendo
a indiferença do homem, os policiais entreolharam-se.
– Se o senhor bisbilhotar algo que não deve, vamos acabar com
a sua raça – rosnou o de óculos. – Não vai passar por cima da lei.
Não gostamos de arruaceiros em nossa cidade.
– A conta, por favor! – Juan acenou para o atendente.
Os policiais sacaram as armas rapidamente.
– Pra parede! – berrou mais uma vez Queixo Quadrado.
Juan continuou não esboçando reação alguma, olhou novamente
para a mulher, e ela o fitava com seus olhos castanho-misteriosos.
– Anda logo, vagabundo! – O policial de óculos pegou no
colarinho do homem desobediente e pronto para puxá-lo, foi
interrompido.
– O que acontece aqui – disse um homem parado na soleira da
porta. Alto, negro, bem apessoado, trajava uma camisa branca e
calça jeans escura. – Cabo Roberto, Monteiro, podem me explicar.
– Esse elemento... – disse sem soltar Juan.
– Não fez nada, senhor – retrucou um senhor de aparentemente
setenta anos que usava uma boina bege. Estava sentado a uma mesa
próxima à porta.
– Vamos embora, temos trabalho a fazer – disse, ainda parado
junto à porta, com voz de comandante. – Peço desculpas ao senhor.
Juan apenas balançou a cabeça, fazendo sinal positivo.
– Devo lembrar aos senhores que a situação que estamos
passando é um pouco inusitada, e o que estamos fazendo não é
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impor um toque de recolher. Estamos simplesmente recomendando
que não fiquem até tarde na rua, talvez a criatura que muitos alegam
ter visto seja um maníaco. Obrigado. – Saiu rapidamente, sendo
seguido pelos dois policiais que não hesitaram em lançar um último
olhar intimidador para Juan.
Enquanto ia deixando a lanchonete com o intuito de procurar
uma pousada para descansar, para que então pudesse iniciar sua
investigação no outro dia bem cedo, Juan Sebástian foi bloqueado
pelo senhor que havia testemunhado a seu favor.
– Você está bem, rapaz? – quis saber.
– Não se preocupe, não foi nada de mais – respondeu com um
tímido sorriso. – Já estou acostumado a não ser bem-vindo.
– Policiais são assim mesmo. Eles usam a revista como forma
de humilhar as pessoas. Estão tensos e mal-humorados pelo fato de
não conseguirem resolver o caso do lobisomem.
– Então quer dizer que realmente há um lobisomem rondando a
cidade? – Juan abriu um sorriso fácil.
– Não sei bem se é um lobisomem – respondeu o velho. – Mas
nas manhãs pós-lua cheia podemos encontrar vários animais mortos
por toda a cidade.
– Isso é sério? – perguntou Juan, demonstrando surpresa.
– Claro. Eu mesmo já perdi quatro vacas e meu companheiro,
Marrão.
– Quem é Marrão?
– Meu pastor-alemão. – O envelhecido homem olhou para
vazio, lembrando-se do seu antigo amigo. – O melhor cão de caça
que já tive. E há mais gente aqui que já acordou de manhã e se deu
conta de que havia perdido animais: vacas, porcos, galinhas...
enfim.
Juan vasculhou a lanchonete com o olhar. Pôde ver que a bela
mulher continuava a olhá-lo atentamente. Não só ela. Na verdade,