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Livro do curso Ecologia da Floresta Amazônica 2014 Foto: Camila Celestino Hohlenwerger

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Livro do curso

Ecologia da Floresta Amazônica 2014

Foto: Camila Celestino Hohlenwerger

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Coordenadores e monitores

José Luiz C. Camargo

Raul Costa Pereira

Paulo Enrique C. Peixoto

Lucas Navarro Paolucci

Paulo Estefano D. Bobrowiec

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Índice

Colosso – projetos orientados Magrinho hoje, gordinho amanhã: investimento diferencial em crescimento entre fases do desenvolvimento de Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae) Alexandre C. Siqueira, Camila J. P. Ramos, Larissa P. Lemes & Paulo H. Araujo-Camargo ................................. 10 Que venha o tsunami: alagamentos imprevisíveis e a diversidade de formigas epigéicas Vítor de C. Rocha, Alessandro Rocha, Gabriela P. Hass & Nelson S. Pinto .................................................... 17 Sempre cabe mais um: herbívoros galhadores e mastigadores não segregam o consumo de folhas

Bruno G. Melati, Camila C. Hohlenenwerger, Isabel C. Barragàn & Maíra D. Sagnori ......................................... 24 Comunidades de plântulas em florestas secundárias são mais homogêneas do que em florestas primárias Júlia F. dos Santos, Daniele J. Moreno, Paulo R.L. Bittencourt, Ronildo A. Benício............................................ 29 Dividir e proteger: folhas compostas são menos consumidas do que folhas simples Flávio R. O. Rodrigues, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Giulliana Appel ................................................ 38

Colosso – projetos livres Tamanho de folíolos confere proteção contra herbivoria, mas a dureza não Gabriela Decker, Bruno G. Melati, Gabriela Hass & Giulliana Appel ............................................................. 44 A composição de epífitas de mata em regeneração não é um subconjunto aninhado de mata primária Alessandro Rocha, Alexandre C. Siqueira, Danielle K. Petsch & Ronildo A. Benício........................................... 45 A dureza das folhas não influencia a diferença da taxa de decomposição da serapilheira entre borda e interior de fragmentos Daniele J. Moreno, Flávio R. O. Rodrigues, Paulo H. Araújo-Camargo, Vítor de C. Rocha ................................... 46 Tricomas facilitam o deslocamento de uma espécie de saúva (Atta sp.) Paulo R. L. Bittencourt, Larissa P. Lemes, Júlia F. dos Santos & Isabel C. Barragán .......................................... 47 A formiga Pheidole minutula investe igualmente na defesa de folhas jovens com e sem domáceas Camila C. Hohlenenwerger, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori & Nelson S. Pinto ........................................ 48

Catalão – projetos orientados Não há investimento ótimo em estruturas de predação em baratas d’água (Belostomatidae) Camila J.P. Ramos, Gabriela P. Hass, Paulo H. Araújo-Camargo &Vítor de C. Rocha ........................................ 49

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Ausência de demanda conflitante entre reprodução e defesa em uma planta de floresta alagável Giulliana Appel, Gabriela Decker, Camila C. Hohlenwerger, Ronildo A. Benício ................................................ 55 A predação não influencia a abundância de peixes em bancos de macrófitas Nelson S. Pinto, Alexandre C. Siqueira, Isabel C. Barragán & Júlia Ferrúa ..................................................... 61 A atividade de forrageio de larvas de odonata não é alterada pela pressão de predação em bancos de macrófitas Maíra D. Sagnori, Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt & Alessandro Rocha ................................................... 67 Nem em pé nem de ladinho: não existe demanda conflitante entre investimento foliar e estrutural em ramos com diferentes formas de crescimento em uma espécie arbórea de várzea Danielle K. Petsch, Bruno G. Melati, Daniele J. Moreno & Flávio R. O. Rodrigues ............................................. 74

Anavilhanas – projetos orientados “Fazer bico” facilita a vida de plantas em florestas inundáveis? Gabriela Hass, Alessandro Rocha, Isabel C. Barragan, Maíra D. Sagnori ....................................................... 80 O custo energético para a produção de teias de aranhas afeta a colonização de novos habitats Gabriela Decker, Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati & Daniele J. Moreno ................................................. 86 Borboletas da espécie Phoebis sp. ajustam o comportamento de voo em resposta a pressões de predação e migração Ronildo A. Benício, Paulo H. Araújo-Camargo, Camila C. Hohlenwerger, Júlia F. dos Santos ................................ 92 A prevalência das interações bióticas de formigas é maior em uma comunidade mais antiga Danielle K. Petsch, Flávio R. O. Rodrigues, Giulliana Appel & Nelson S. Pinto ................................................. 98 Não há correlação entre atributos funcionais de folha e de caule em florestas de igapó

Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt, Camila J. P. Ramos & Vítor de C. Rocha .............................................. 105

Anavilhanas – projetos livres Efeito do tempo de inundação de ilhas sobre a diversidade beta de plântulas em uma área de igapó na Amazônia Central Julia F. dos Santos, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori, Ronildo A. Benício ............................................. 113 “Ado-a-ado, cada um no seu quadrado”: distribuição agregada de plântulas ao longo de um gradiente de inundação Gabriela Hass, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Larissa P. Lemes ..................................................... 114

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O formato do fruto favorece a capacidade de dispersão hidrocórica? Isabel C. Barragán, Alessandro Rocha, Flávio R. O. Rodrigues, Vítor de C. Rocha .......................................... 115 A coloração vermelha em folhas não atua como sinal aposemático Camila C. Hohlenenwerger, Bruno G. Melati, Paulo Bittencourt, Nelson S. Pinto............................................. 116 A maior capacidade de absorção de nutrientes por plântulas reflete a troca das folhas após a inundação Paulo H.S. Araújo-Camargo, Alexandre C. Siqueira, Daniele J. Moreno & Giulliana Appel ................................. 117

Km 41 – projetos orientados Risco de predação afeta o comportamento de girinos Isabel C. Barragán, Larissa P. Lemes, Alessandro Rocha & Paulo H. Araújo-Camargo ..................................... 118 O hemíptero Jalisus ossae não utiliza camuflagem química para evitar o ataque da formiga Pheidole minutula Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati, Camila J.P. Ramos & Danielle K. Petsch ........................................... 125 A riqueza de artrópodes da serapilheira diminui com o aumento da heterogeneidade ambiental Maíra D. Sagnori, Nelson S. Pinto, Giulliana Appel & Ronildo A. Benício ...................................................... 131 O tamanho corporal media interações antagonistas entre formigas predadoras? Paulo Bittencourt, Daniele J. Moreno, Gabriela Decker, Júlia dos Santos ..................................................... 139 Um é bom, dois é melhor: mecanismos de defesa contra herbívoros em plantas são complementares? Vítor de C. Rocha, Camila C. Hohlenwerger, Flávio R. O. Rodrigues & Gabriela Hass ...................................... 144

Km 41 – projetos individuais A heterogeneidade ambiental em troncos de árvores não afeta a comunidade, nem a partição temporal de nichos em formigas Alessandro Rocha .................................................................................................................... 151 Maior investimento em prole aumenta os custos do cuidado parental em aranhas Paratrechalea sp. Alexandre C. Siqueira ................................................................................................................ 159 Ter filho sai caro: o gasto energético associado ao cuidado parental na aranha Hingstepeira folisecens Bruno G. Melati ........................................................................................................................ 170 A qualidade de abelhas operárias aumenta a eficiência em explorar recursos para construção do ninho? Camila C. Hohlenwerger ............................................................................................................. 178

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O tamanho corporal e a reserva energética dos machos da libélula Micrathyria hesperis não estão associados à probabilidade de ocupação de um território de acasalamento Camila J. P. Ramos ................................................................................................................... 187 Ninhos temporários de formigas Crematogaster sp. não conferem maior defesa em Palicourea guianensis (Rubiaceae) Daniele J. Moreno ..................................................................................................................... 196 Pequenos recursos, grandes indivíduos: o tamanho do indivíduo e do recurso determinam a capacidade de gerrídeos (Hemiptera) dominarem uma presa Danielle K. Petsch .................................................................................................................... 204 A disponibilidade de nutrientes no solo aumenta o investimento radicular, mas não a resistência foliar de Ischnosiphon arouma (Marantaceae) Flávio R. O. Rodrigues ............................................................................................................... 213 As aranhas Paratrechalea sp. selecionam habitats que conferem proteção à ooteca? Gabriela Decker ....................................................................................................................... 222 Se piscar o predador pega, se piscar a larva come: bioluminescência em larvas de coleópteros (Lampyridae) Gabriela P. Hass ...................................................................................................................... 233 A presença de espinhos nas palmeiras não afeta a propensão das aranhas a reconstruírem as teias após um distúrbio Giulliana Appel ........................................................................................................................ 243 Risco de predação reduz a movimentação de girinos em diferentes estágios ontogenéticos Isabel C. Barragán .................................................................................................................... 251 O aumento do tamanho melhora a eficiência de captura de presas de aranhas pescadoras (Aracnida: Trechaleidae) Júlia F. dos Santos.................................................................................................................... 262 A mancha abdominal em machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) e a sinalização de qualidade do macho Larissa P. Lemes ...................................................................................................................... 269 Atributos do substrato não determinam a riqueza de fungos Maíra D. Sagnori ...................................................................................................................... 276 O cuidado parental não afeta o investimento nas estruturas de captura da aranha Hingstepeira folisecens Nelson S. Pinto ........................................................................................................................ 284 Formigas subordinadas se arriscam mais quando o recurso é mais valioso Paulo H. Araujo-Camargo ............................................................................................................ 291

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Propriedades estruturais e químicas das folhas não estão associadas à ocorrência de epífilas em plântulas de uma floresta tropical úmida Paulo R. L. Bittencourt................................................................................................................ 300 Influência da heterogeneidade ambiental sobre a riqueza e abundância de aracnídeos em uma floresta de terra firme na Amazônia Central Ronildo A. Benício .................................................................................................................... 310 É das flores que elas gostam mais? Comparação da eficiência de defesa das estruturas vegetativas e reprodutivas por formigas do gênero Crematogaster em Palicourea guianensis (Rubiaceae) Vítor de C. Rocha ..................................................................................................................... 319

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Colosso – projetos orientados _____________________________________________________________________________

Magrinho hoje, gordinho amanhã: investimento diferencial em crescimento entre

fases do desenvolvimento de Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae)

Alexandre C. Siqueira, Camila J. P. Ramos, Larissa P. Lemes & Paulo H. Araujo-Camargo

Introdução

Limitações na disponibilidade energética impõem restrições fisiológicas aos organismos, de

modo que recursos utilizados em uma função tornam-se indisponíveis para outras (Begon et

al. 2006). Essa relação de alocação de recursos para uma determinada função em detrimento

de outra é conhecida como demanda conflitante (Tilman 1988). Especificamente para as

plantas, demandas conflitantes são amplamente debatidas em relação ao balanço do

investimento energético entre crescimento, reprodução e defesa contra herbívoros (Tilman

1988).

O crescimento vegetativo em plantas demanda grande quantidade de energia

(McMahon 1973). Ao longo do crescimento as proporções de uma planta variam entre

diferentes dimensões como altura, diâmetro do caule e tamanho da copa (Gould 1966). Essas

variações alométricas podem ser determinadas pelo investimento em componentes do

crescimento de acordo com as condições ambientais em que os indivíduos se encontram

(Archibald & Bond 2003). Um exemplo é o investimento diferencial em crescimento vertical

em detrimento do espessamento do caule, que é influenciado por demandas conflitantes entre

interceptação de luz e sustentação (Silveira et al. 2012). Para maximizar a obtenção de luz,

plantas investem em crescimento vertical, alcançando extratos do ambiente onde há menor

disputa por esse recurso. No entanto, o aumento em altura do caule pode gerar problemas de

sustentação biomecânicos, o que aumenta o risco de tombamentos (Henry & Aarssen 1999).

Ao longo da ontogenia vegetal indivíduos experimentam contextos ambientais

distintos, então o investimento em crescimento pode estar sujeito a variações o

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desenvolvimento. Plantas jovens tendem a experimentar maior limitação na disponibilidade

de luz do que quando adultas devido ao sombreamento gerado por outros indivíduos maiores

(Poorter et al. 2006). Por sua vez, plantas adultas podem ser menos limitadas por luz, mas

necessitam ter maior capacidade para suportar o incremento da biomassa vegetativa (e.g.

galhos e frutos). Além disso, indivíduos adultos estão mais expostos à ação dos ventos,

aumentando a chance de tombamentos (van Gelder et al. 2004). Portanto, as diferentes

condições experimentadas entre as fases de desenvolvimento podem levar a um investimento

diferencial entre altura e espessamento no crescimento das plantas ao longo da ontogenia.

O arbusto Miconia cf. biglandulosa (Melastomataceae) é comumente encontrado em

sub-bosques de mata secundária amazônicos. Nós utilizamos essa espécie pioneira para

responder se há um investimento diferencial em crescimento ao longo das fases de

desenvolvimento da planta. Nossa hipótese é que plantas jovens investem mais no crescimento

em altura em detrimento do diâmetro, enquanto plantas adultas investem mais no crescimento

em diâmetro em detrimento da altura.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo em outubro de 2014 em uma área de mata secundária na fazenda

Esteio – acampamento Colosso, localizada a aproximadamente 70 km de Manaus (2º25' S,

59º50' O), uma das áreas de estudo do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos

Florestais (PDBFF). A temperatura média é de 24,8 ºC e a precipitação média anual é de 2.500

mm, com a estação seca de junho a outubro (Setz et al. 1999).

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Coleta de dados

Dada as dificuldades em se determinar a idade de uma planta em campo, usamos o tamanho

dos indivíduos como um estimador dessa variável. Verificamos a amplitude da altura dos

indivíduos de M. cf. biglandulosa em campo e classificamos os indivíduos de forma arbitrária

em jovens ou adultos, considerando como jovens os indivíduos com altura entre 0,1 e 2,0 m e

adultos os indivíduos com altura acima de 4 m. Não amostramos indivíduos intermediários

para garantir uma representativa distinção de tamanho entre nossas classes ontogenéticas.

Estimamos visualmente a altura (da base até a gema apical) dos indivíduos utilizando um

bastão de 1 m como escala. Medimos o maior e o menor diâmetro do caule na altura do solo

usando um paquímetro e calculamos a média dessas medidas para cada indivíduo.

Análises estatísticas

Para mensurar o investimento de crescimento em cada fase de desenvolvimento (jovens e

adultos), precisávamos obter uma métrica que representasse o quanto do crescimento em

diâmetro incrementava a altura. Para isso, usamos uma regressão linear, tendo como variável

preditora o diâmetro médio e como variável resposta a altura (transformados em logaritmo).

Com as regressões obtivemos a inclinação da reta (β) para cada uma das fases de

desenvolvimento, que corresponde a nossa variável operacional de investimento em

crescimento. Esperamos que a inclinação da reta obtida para jovens seja maior do que a

inclinação da reta para adultos. Para verificar se a inclinação da reta da relação entre diâmetro

e altura diferia entre as fases de desenvolvimento, realizamos uma análise de covariância

(Ancova), tendo como variável resposta a altura da planta, variável preditora a fase de

desenvolvimento (jovens e adultos) e covariável o diâmetro. Especificamente, a interação

entre diâmetro e classe de idade nos permitiu avaliar a diferença entre as inclinações de reta

(Gotelli & Ellison 2011). As análises foram realizadas no programa estatístico R (R

Development Core Team 2013).

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Resultados

Jovens (n=29) apresentaram diâmetro médio de 0,97±0,38 cm (média±DP) e altura média de

1,12±0,57 m, enquanto os adultos (n=23) tiveram diâmetro médio de 5,23±2,37cm e altura

média de 6,4±1,84 m. Há uma relação positiva entre diâmetro e altura para ambas as fases de

desenvolvimento, sendo que a inclinação da reta da relação para os indivíduos jovens

(β1=1,25) foi pouco mais de duas vezes maior que a inclinação da reta para os indivíduos

adultos (β2=0,59) (F= 26,17; gl=1,48; p<0,001; Fig. 1).

Figura 1. Relação alométrica entre diâmetro (cm) e altura (m) de indivíduos de Miconia cf.

biglandulosa (Melastomataceae), em matas secundárias da Amazônia Central. Os pontos

vazados representam indivíduos jovens, enquanto que pontos preenchidos representam

adultos.

Discussão

Nós encontramos que existe investimento diferencial na relação de crescimento em altura e

em diâmetro em M. cf. biglandulosa entre as fases de desenvolvimento da planta. Enquanto

jovens investem mais em crescimento em altura comparado ao investimento em diâmetro, os

adultos investem mais no aumento do diâmetro em detrimento da altura.

-2

-1

0

1

2

3

-2 -1 0 1 2 3

Lo

g A

ltu

ra (

m)

Log Diâmetro (cm)

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O investimento diferencial em crescimento reflete as diferentes pressões ambientais

sob as quais uma espécie vegetal está submetida ao longo de sua ontogenia. A estratificação

vertical das plantas limita a disponibilidade de luz para organismos localizados no sub-bosque.

A estratégia de investimento em crescimento encontrada para indivíduos jovens de M. cf.

biglandulosa parece estar relacionada a esta condição uma vez que, ao investir no crescimento

em altura, os indivíduos jovens alcançam estratos mais elevados da estrutura da vegetação,

onde há aumento da disponibilidade de luz. Então, a partir do momento em que a limitação

por luz se torna menos pronunciada, o investimento da energia adquirida pode ser direcionado

para outras demandas como reprodução e crescimento em espessamento.

Na medida em que há o investimento no crescimento em altura, há também aumento

de biomassa de estruturas como galhos, folhas e frutos, o que exige maior capacidade de

sustentação mecânica (Henry & Aarssen 1999). Além disso, os indivíduos adultos estão mais

expostos ao vento, o que demanda um investimento em espessamento em relação a indivíduos

jovens. Adicionalmente, os indivíduos de M. cf. biglandulosa são típicos de ambientes

abertos, o que os torna ainda mais expostos ao efeito do vento e, consequentemente, a

tombamentos. Nesse sentido, a mudança no padrão de investimento em crescimento

observada entre jovens e adultos pode estar associado à maior necessidade de estabilidade

estrutural e sustentação pela fase adulta comparada à fase jovem.

Plantas com diferentes estratégias de história de vida (e.g. pioneiras vs. tardias) podem

ser caracterizadas de acordo com a forma que respondem às diferentes pressões ambientais

(e.g. Sposito & Santos 2001, Silveira et al. 2012). Espera-se que espécies pioneiras

apresentem um investimento maior em crescimento em altura comparado ao espessamento

nas fases iniciais (Sposito & Santos 2001). Nossos resultados indicam que M. cf.

biglandulosa, espécie típica de ambientes abertos, apresenta esse mesmo padrão, sugerindo

que o acesso à luz nas fases iniciais do desenvolvimento é um fator importante para a planta.

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Concluímos que o investimento em crescimento nas plantas pode ser influenciado por

demandas específicas de cada fase de desenvolvimento. Nossos resultados indicam que as

variações no investimento em crescimento por M. cf. biglandulosa podem ser influenciadas

principalmente pela disponibilidade de luz para jovens, e exposição ao vento e aumento da

capacidade de sustentação em adultos. Sugerimos que futuros estudos visando compreender

o investimento diferencial em crescimento abordem a importância relativa de cada um desses

fatores.

Agradecimentos

Agradecemos ao INPA e ao PDBFF por nos proporcionar a oportunidade de desenvolver esse

projeto e aumentar nosso conhecimento científico. Agradecemos especificamente aos

coordenadores Paulo Enrique Cardoso Peixoto e Paulo Estefano Dineli Bobrowiec, ao monitor

Raul Costa Pereira e à professora Christiane Erondina Corrêa por nos guiar nas etapas desse

projeto.

Referências

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allometry of Acacia karroo in forest, savanna, and arid environments. Oikos, 102:3-

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Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.

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Gotelli, N.J. & A.M. Ellison. 2011. Princípios de estatística em ecologia. Porto Alegre:

Artmed.

Gould, S.J. 1966. Allometry and size in ontogeny and phylogeny. Biological Reviews, 41:587-

640.

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Henry, H.A.L. & L.W. Aarssen. 1999. The interpretation of stem diameter-height allometry

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McMahon, T. 1973. Size and Shape in Biology. Science, 179:1201-1204.

Poorter, L., L. Bongers & F. Bongers. 2006. Architecture of 54 moist-forest tree species: traits,

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R Development Core Team. 2013. R: A language and environment for statistical computing.

R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. http://www.R-project.org/.

Setz, E.Z.F., J. Enzweiler, V.N. Solferini, M.P. Amêndola & R.S. Berton. 1999. Geophagy in

the golden-faced saki monkey (Pithecia pithecia chrysocephala) in the Central

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Silveira, A.P., F.R. Martins & F.S. Araújo. 2012. Are tree ontogenetic structure and allometric

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Tilman, D.T. 1988. Plant strategies and the dynamics and structure of plant communities.

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van Gelder, H.A. Van, L. Poorter, & F.J. Sterck. 2004. Wood mechanics , allometry , and life-

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Que venha o tsunami: alagamentos imprevisíveis e a diversidade de formigas

epigéicas

Vítor de C. Rocha, Alessandro Rocha, Gabriela P. Hass & Nelson S. Pinto.

Introdução

Os ambientes estão sujeitos a distúrbios (eventos causadores de perda total ou parcial de

biomassa) que podem alterar características microclimáticas, estruturais e a disponibilidade

de recursos (Townsend & Hildrew 1994). Essas mudanças podem afetar a estruturação das

comunidades, alterando o número, abundância e composição das espécies em decorrência de

mudanças nas interações interespecíficas ou por abrir espaço para a colonização de novos

organismos (Andersen 2000).

Distúrbios podem variar quanto à sua intensidade (amplitude comparada a outros

eventos), frequência (número de ocorrências por intervalo de tempo) e previsibilidade

(periódicos ou imprevisíveis). Na floresta Amazônica, áreas ao longo dos grandes rios são

periodicamente alagadas em resposta ao pulso de inundação, inundando as florestas por até

seis meses (Goulding et al. 1988, Tockner & Stanford 2002). Dessa forma, os pulsos de

inundação são considerados distúrbios previsíveis e severos para os organismos terrestres que

habitam essas áreas.

Por outro lado, pequenos cursos d´água (igarapés) em florestas tropicais estão sujeitos

a diferentes variações de inundações e podem ter suas margens alagadas de forma imprevisível

em decorrência de chuvas locais (Baccaro et al. 2013). Esses alagamentos podem variar de

intensidade, dependendo da quantidade de chuva que cai em um curto espaço de tempo. Além

disso, os solos das zonas ripárias das florestas tropicais são mais arenosos e permeáveis,

podendo permanecer temporariamente alagados (Drucker et al. 2008).

Os alagamentos podem causar perda de habitat para formigas que vivem sobre o solo

(epigéicas; Seal &Tschinkel 2010). Entretanto, encontramos essas formigas tanto em

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ambientes não alagáveis como alagáveis (Lach et al. 2010). Como as espécies de zonas

ripárias dependem de áreas secas para estabelecer seus ninhos (Philpott 2005, Philpott et al.

2010), podemos esperar que alagamentos imprevisíveis afetem a diversidade de formigas.

Nossa hipótese é que ambientes com distúrbios frequentes e imprevisíveis terão menor

diversidade de formigas quando comparados com ambientes que não sofrem esse distúrbio.

Esperamos que áreas não alagáveis terão maior número de espécies de formigas do que áreas

alagáveis. Adicionalmente, esperamos que a abundância de formigas em áreas alagáveis será

menor do que em áreas não alagáveis.

Métodos

Área de estudo

Desenvolvemos este estudo nas imediações do acampamento Colosso (Fazenda Esteio),

localizado na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de

Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O; ca. 50-100 m altitude), região

central da Amazônia (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am -

tropical úmido de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007). A

área possui uma estação seca durante o período de junho a outubro com precipitação média

de 1900 mm/ano, e uma estação chuvosa entre novembro e maio com precipitação média de

2500 mm/ano (Bierregaard et al. 2001).

A cobertura vegetal da área é constituída de floresta tropical úmida de terra firme. O

relevo é constituído basicamente por três tipos: platô (área plana de maior altitude, com solo

argiloso bem drenado), vertente (ecótono entre zonas de maior e menor altitude) e baixio (área

de relevo baixo, geralmente sob influência de cursos de água; Ribeiro et al. 1999). No nosso

estudo, a área alagável ficou localizada no baixio e a área não alagável no platô.

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Delineamento amostral

Selecionamos uma área alagável e uma área não alagável, equidistantes 100 m. Em cada área

foram amostrados 10 pontos, onde foram instaladas 5 iscas distribuídas em um desenho

circular de 30 cm de raio. Escolhemos usar várias iscas por ponto amostral para evitar possível

efeito de dominância de espécies de formigas que monopolizam o recurso e impedem o acesso

de outras espécies formigas às iscas (Bolton 2006). Cada isca foi composta por c.a. 5 g de

sardinha (fonte proteica) e 5 g de goiabada (fonte de carboidratos). Nós amostramos as duas

áreas simultaneamente.

Utilizamos o tempo (em minutos) que a primeira formiga levou para visitar cada isca

para estimar a abundância de formigas nas áreas. Essa medida pode ser considerada como um

equivalente da abundância de formigas, pois em áreas com maior abundância as formigas

encontrarão as iscas mais rapidamente quando comparado com áreas com menor abundância.

Nós coletamos os indivíduos após 30 minutos de exposição das iscas e os identificamos em

morfoespécie. Comparamos o tempo médio que as formigas levaram para visitar as iscas e o

número de morfoespécies entre áreas não alagáveis e alagáveis usando um teste-t para

amostras independentes (Zar 1999).

Resultados

A riqueza média observada nas áreas não alagáveis foi de 2,8 ± 1,32 (média ± desvio padrão)

morfoespécies e nas áreas alagáveis foi de 2,8 ± 0,92. O número de morfoespécies por unidade

amostral nas áreas não alagáveis variou de um a quatro, enquanto que nas áreas alagáveis a

variação foi de dois a cinco. A riqueza de formigas foi semelhante entre as duas áreas (t =

0,00; gl = 18; p > 0,99; Fig. 1). As formigas em áreas não alagáveis levaram em média 13,1 ±

6,3 minutos para visitar as iscas, enquanto as formigas de áreas alagáveis levaram 11,0 ± 8,4

minutos. O tempo para visitar as iscas entre as áreas também foi semelhante (t = 0,63; gl = 18;

p = 0,53; Fig. 2).

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Figura 1. Número médio de morfoespécies de formigas coletadas em áreas não alagáveis e

alagáveis. Linhas verticais nas barras representam o desvio padrão.

Figura 2. Abundância estimada pelo tempo médio de encontro das iscas por formigas

coletadas em áreas não alagáveis e alagáveis. Linhas verticais nas barras representam o desvio

padrão.

Discussão

Nossos resultados indicaram que locais com alagamentos frequentes e imprevisíveis não

alteram a diversidade de formigas de solo. As formigas que constroem ninhos na serapilheira

deslocam seus ninhos frequentemente (a cada 34-147 dias), podendo mover seus ninhos para

áreas seguras e recolonizar o ambiente após o fim do distúrbio (Bryne 1994). Visto que a

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competição entre formigas é muito forte, o deslocamento do ninho de volta para a área que

sofreu alagamento é frequente (Lach et al. 2010). Como nosso trabalho foi realizado quando

o ambiente não se encontrava alagado, pode ter passado tempo suficiente para que houvesse

recolonização do baixio pelas formigas.

Formigas de solo e folhiço forrageiam dezenas de metros de seus ninhos (Hölldobler

& Wilson, 2005) e são capazes de se deslocar de áreas mais secas até a margem do igarapé

(aproximadamente 5 m). Embora seja possível que os alagamentos frequentes e imprevisíveis

impeçam ou diminuam a possibilidade de construção de ninhos nas áreas alagáveis, é possível

que as formigas nidifiquem em áreas mais secas e forrageiem nas áreas alagáveis. Isso pode

explicar a abundância semelhante entre platô e baixio. Além disso, mesmo que parte das

operárias sejam perdidas ou mortas pelos alagamentos imprevisíveis, o prejuízo para a colônia

é pequeno pois as operárias que forrageiam representam apenas cerca de 15% do total de

operárias da colônia (Hölldobler & Wilson 2005).

Somente a imprevisibilidade do distúrbio parece não influenciar a estruturação da

comunidade de formigas, já que a intensidade de inundação do igarapé é relativamente

pequena e em pouco tempo (cerca de três horas) ele volta a correr no seu curso normal. A

combinação da intensidade e frequência do distúrbio podem ser mais importantes para

estruturar a comunidade de formigas nas margens dos igarapés de florestas. Áreas inundadas

com maior frequência e por longos períodos de tempo limitariam mais a disponibilidade de

recursos que em ambientes com inundações menos frequentes e mais curtas (Vasconcelos et

al. 2010).

Referências

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Sempre cabe mais um: herbívoros galhadores e mastigadores não segregam o

consumo de folhas

Bruno G. Melati, Camila C. Hohlenenwerger, Isabel C. Barragàn & Maíra D. Sagnori

Introdução

Seleção de habitat ocorre quando um indivíduo escolhe ativamente os locais com

características específicas para ocupar. Esse comportamento seletivo pode evoluir quando

características dos locais ocupáveis influenciam a aptidão dos indivíduos. Em geral, os

atributos do habitat usados para seleção normalmente estão associadas à disponibilidade de

alimento, abrigos, parceiros sexuais ou risco de predação (Hembre & Peterson 2012).

A competição por alimento tem forte influencia na seleção de habitat pelos indivíduos

(Scott 2005). Quanto mais escasso o recurso, maior deve ser o benefício para indivíduos que

consigam evitar as áreas onde a competição é mais intensa e, portanto, maior deve ser o nível

de seletividade dos organismos quanto ao habitat. Por exemplo, fêmeas do anuro Hyla

chrysoscelis diminuem a atividade e oviposição em poças que contenham predadores e

competidores de suas larvas (Resetarits Jr. & Wilbur 1989).

Herbívoros galhadores e mastigadores podem competir por recursos alimentares (Ali

& Agrawal 2012). As larvas dos insetos galhadores se alimentam do limbo foliar, diminuindo

a quantidade de nutrientes disponíveis na folha. Consequentemente, para os insetos

mastigadores, folhas atacadas por herbívoros galhadores seriam um alimento de menor

qualidade nutricional. Por outro lado, os insetos mastigadores consomem a lamina foliar,

diminuindo a quantidade de folha disponível. Portanto, insetos galhadores que escolham essas

folhas para ovipor teriam menos recurso alimentar disponível para suas larvas (Coley &

Barone 1966). Logo, herbívoros galhadores e mastigadores que usem a mesma folha teriam

prejuízos em relação a folhas intactas.

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Em florestas tropicais tanto herbívoros galhadores quanto mastigadores são muitos

comuns (Carneiro et al. 2009). Logo, é provável que haja competição entre eles pelas folhas.

Nessa situação, nossa hipótese é que insetos galhadores e mastigadores se evitam

reciprocamente para diminuir a competição por alimento.

Métodos

Realizamos o estudo na Fazenda Esteio, acampamento Colosso (02° 24’ S, 59° 43’ O)

pertencente ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Instituto de

Pesquisas da Amazônia (INPA), na Amazônia Central. O clima da região é tropical quente

úmido, com pluviosidade média anual de 2.186 mm e temperatura anual média de 26,7 ºC

(Oliveira & Mori 1999).

Para avaliar se as folhas com galhas eram menos consumidas do que as sem galhas

amostramos 13 plantas com galhas. Em cada planta coletamos a folha com galha e duas folhas

adjacentes: uma imediatamente anterior e a outra imediatamente posterior à folha com galhas

do mesmo ramo. Consideramos as folhas com galha quando estas apresentavam

aproximadamente 10% de sua superfície foliar coberta por galhas. Para estimar a área foliar

consumida, calculamos a área foliar usando papel transparente de quadricula de 0,5 x 0,5 cm.

Consideramos a área ausente da folha como consumida. Estimamos a proporção de área

consumida em função da área total desconsiderando a área ocupada pelas galhas. No caso de

folhas compostas, estimamos a média dos folíolos.

Dado que é uma coleta pontual, não é possível prever qual herbívoro chegou primeiro.

Porém, se houver evitação reciproca, o galhador escolheria uma folha intacta ou muito pouco

consumida, enquanto o mastigador escolheria uma folha intacta ou, se houver galha,

consumiria pouca folha. Então, se a nossa hipótese for verdadeira, ao selecionar folhas com

galhas, a área foliar consumida por mastigador em uma folha com galha deveria ser menor

que a área consumida por mastigadores em uma folha sem galha da mesma idade.

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Para testar se a média de área foliar consumida difere entre as folhas com galhas e sem

galhas da mesma planta usamos um teste t pareado. Utilizamos como variável independente a

presença e ausência de galhas e como variável resposta a porcentagem de área foliar

consumida na folha com galha e a média de área foliar consumida nas folhas adjacentes

coletadas no mesmo ramo. Optamos por usar a média de área foliar consumida nas folhas

adjacentes, pois a média delas deveria representar a área foliar perdida em uma folha sem

galhas de idade similar a folha com galhas coletada.

Resultados

Folhas com galhas apresentaram em média 6,01% (DP=±7,45) de área foliar consumida. Já as

folhas sem galhas apresentaram em média 7,35% (DP=±6,53) de consumo foliar. Não

encontramos diferença na porcentagem de área foliar consumida por insetos mastigadores

entre folhas com e sem galhas (t=0,59; gl=12; p=0,28; fig. 1).

Figura 1. Relação entre porcentagem de área foliar consumida por herbívoros mastigadores e

a presença de galhas na fazenda Esteio, Amazônia Central. As linhas ligam os pares de folhas

que ocorriam no mesmo ramo.

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Discussão

Não observamos diferença entre a porcentagem de área foliar consumida em folhas com

galhas e sem galhas. Isso indica que não há evitação recíproca entre herbívoros galhadores e

mastigadores. Como houve baixa porcentagem de área média foliar consumida em folhas com

e sem galhas, é possível que a ausência de evitação recíproca seja um reflexo da baixa

intensidade de herbivoria. Um dano foliar baixo pode ser insuficiente para fazer com que

herbívoros galhadores evitem folhas atacadas por mastigadores. Da mesma forma, a presença

de herbívoros galhadores ocupando uma área pequena da folha pode ser insuficiente para que

os herbívoros mastigadores evitem essas folhas.

Plantas apresentam diversas estratégias para reduzir os danos causados por herbivoria

que podem limitar o crescimento populacional dos herbívoros. Quando mais de um herbívoro

está presente na mesma folha, as restrições causadas pela planta - por exemplo, produção de

compostos de defesa na folha - podem limitar o consumo dela pelos herbívoros. O baixo

consumo foliar deveria atenuar as pressões de competição entre herbívoros e

consequentemente a seleção de folhas sem indícios de consumo por competidores não deveria

ser favorecida (Schoonhoven et al. 2005).

Entre os herbívoros que depositam ovos em folhas, os galhadores costumam ser os

mais especialistas (Ali & Agrawal 2012). Além disso, a larva do galhador é incapaz de

abandonar a folha na qual o ovo foi depositado caso esse ambiente desfavoreça seu

desenvolvimento. Dessa forma, para espécies de galhadores a seleção de habitat deve ser mais

rígida do que para espécies de vida livre. Portanto, apesar de não ocorrer evitação recíproca,

ainda é possível que os galhadores evitem folhas consumidas por mastigadores, enquanto os

mastigadores não devem evitar folhas com galhadores. Nesse contexto, explorar os processos

de seleção de habitat para cada um dos organismos pode auxiliar na compreensão de como a

competição pode moldar a seleção de habitat e como herbívoros galhadores e mastigadores

interagem entre si e com as espécies que consomem.

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Agradecimentos

Agradecemos a orientação do professor Mário de Almeida Neto pelos ensinamentos,

esclarecimentos e paciência empregados para a construção, compreensão e desenvolvimento

do projeto. Agradecemos também o auxílio dos outros professores, em especial aos Paulinhos

e Bruno, e ao monitores, em especial ao Lucas. Por último agradecemos o companheirismo,

mesmo que indireto, de todos os alunos do EFA 2014.

Referências

Ali, J.C. & A.A. Agrawal. 2012. Specialist versus generalist insect herbivores and plant

defense. Special Issue: Specificity of plant–enemy interactions,17:293-302.

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G.W. Fernandes. 2009. Are gall midge species (Diptera, Cecidomyiidae) host-plant

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Coley, P.D & J.A. Barone. 1966. Herbivory and plant defenses in tropical forests. Annual

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Comunidades de plântulas em florestas secundárias são mais homogêneas do que

em florestas primárias

Júlia F. dos Santos, Daniele J. Moreno, Paulo R.L. Bittencourt, Ronildo A. Benício.

Introdução

Na Amazônia os processos de ocupação e expansão das atividades humanas levaram ao

desmatamento de aproximadamente 750 mil km² até 2011 (INPE 2012), o que representa 18%

da cobertura florestal original (Massoca 2012). Muitas dessas áreas são utilizadas para

agricultura e agropecuária e, após o declínio da produtividade, são abandonadas (Massoca

2012). Até 2006, aproximadamente 20% das áreas desmatadas na Amazônia Brasileira se

tornaram áreas em estágio secundário de sucessão (INPE 2012).

Áreas em estágio avançado de regeneração possuem maior número de espécies quando

comparadas com áreas em estágios iniciais (Laurance et al. 2006). Em estágios iniciais,

espécies pioneiras são favorecidas, pois as alterações ambientais facilitam seu

estabelecimento (Laurance et al. 1998). À medida que estas espécies se desenvolvem, a

alteração das condições bióticas e abióticas (e.g. sombreamento, atração de animais

dispersores de sementes) facilita o estabelecimento de espécies mais exigentes quanto ao

ambiente, tornando a comunidade mais heterogênea. Esse padrão foi observado para espécies

arbóreas adultas em áreas com diferentes estágios sucessionais (Laurance et al. 2006).

Alguns estudos observaram maior dissimilaridade da composição de espécies para áreas

em estágio avançado de regeneração quando comparado com áreas em estágios iniciais

(Laurance et al. 2006). Entretanto, a maior parte desses estudos enfocou apenas a comunidade

de árvores adultas negligenciando as plântulas (Laurance et al. 1998). Plântulas representam

um estágio crítico para a sucessão de comunidades vegetais, pois são mais susceptíveis à

competição por luz e predação. Portanto, a composição das espécies de plântulas pode alterar

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a comunidade das plantas adultas no futuro, com implicações importantes para o processo de

regeneração em uma escala temporal distinta das fornecidas pelos adultos.

Nós avaliamos se a comunidade de plântulas é mais homogênea na floresta secundária

do que na floresta primária, padrão observado para árvores adultas (Laurence et al. 2006).

Nossa hipótese é que na floresta secundária, a comunidade de plântulas é mais homogênea

que em florestas primárias.

Métodos

Nós realizamos o estudo na Fazenda Esteio, acampamento Colosso (02º 24’ S, 59º 43’ O),

localizado cerca de 80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central.

A fazenda tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme

(Laurance et al.. 2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de

26,7 °C e pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Estudamos um fragmento de floresta primária de 10 ha e uma de floresta secundária

com aproximadamente 25 anos de regeneração (Laurance et al. 2011). Em cada uma dessas

áreas amostramos as plântulas em oito parcelas de 1 x 1 m, distantes 10 m entre si. Somente

plântulas maiores que 20 cm e menores que 1 m de altura foram amostradas e identificadas

em morfoespécie.

Para testar nossa hipótese, utilizamos a diversidade β (dissimilaridade da composição

de espécies entre dois sítios) como métrica de heterogeneidade das espécies de plântulas.

Dessa forma nossa previsão é que a floresta secundária possui menor diversidade β do que o

fragmento de floresta primária. Para isso, utilizamos a métrica proposta por Anderson (2006).

Primeiro, realizamos uma Análise de Coordenadas Principais (PCoA) para ordenar as parcelas

de acordo com a composição de espécies baseado no índice de dissimilaridade de Bray-Curtis.

Este índice é considerado relativamente independente da riqueza de espécies e mais acurado

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para amostras pequenas (Soininen et al. 2007). Depois, calculamos o centróide de cada um

dos grupos (floresta primária e floresta secundária) e a distância de cada amostra (parcela) até

o centróide. A distância da amostra ao centróide dentro de cada grupo representou o valor de

diversidade β. A comparação dos valores da diversidade β entre cada área foi feita por uma

Análise de Homogeneidade de Dispersão Multivariada (PERMADISP). As análises foram

computadas no programa R usando o pacote vegan (The R Development Core Team 2009,

Anderson 2006).

Resultados

Nós registramos 92 plântulas distribuídas em 44 morfoespécies. Na floresta primária, foram

encontradas 44 plântulas de 27 morfoespécies, sendo 23 exclusivas desta área. Na floresta

secundária, registramos 48 plântulas de 20 morfoespécies, das quais 17 foram exclusivas. A

densidade de plântulas por parcela foi de 5,5 ± 2,56 (média ± desvio padrão) na floresta

primária e 6,0 ± 2,72 na floresta secundária. O número médio de morfoespécies de plântulas

por parcela registradas na floresta primária foi de 5, 12 ± 2,47, enquanto que na floresta

secundária foi de 3,62 ± 1,30 morfoespécies. As morfoespécies sp3 (n=5), sp2 (n=5) e sp28

(n=9 plântulas) foram as mais comuns na floresta primária e secundária, respectivamente (Fig.

1).

Apenas três morfoespécies ocorreram em ambos os tipos de vegetação. A

dissimilaridade (diversidade β) de plântulas dentro de cada área foi alta (0,86 ± 0,14 para a

floresta primária e 0,90 ± 0,17 para a floresta secundária). A dispersão das unidades amostrais

da ordenação por PCoA de cada tipo de vegetação foi similar. A diversidade β entre as duas

áreas foi similar (PERMDISP; F=0,25; p=0,62; Fig. 2).

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Figura 1. Rank de abundância das morfoespécies de plântulas na floresta primária (acima) e

secundária (abaixo) em uma área do PDBFF, Amazônia central, Brasil.

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Figura 2. Análise Coordenadas Principais (PCoA) de morfoespécies de plântulas coletadas em

áreas do PDBFF, Amazônia central, Brasil. A floresta primária (triângulos pretos) e a floresta

secundária (círculos brancos) mostram uma dispersão similar dos pontos em relação ao

centróide (círculos cinza).

Discussão

A diversidade β (dissimilaridade entre sítios) da floresta primária e da floresta secundária foi

relativamente alta (média maior que 80%). Isso pode ter contribuído para a diversidade β das

comunidades de plântulas da floresta primária e secundária ser semelhante. A similaridade na

diversidade β dentro da floresta primária e da floresta secundária ocorreu devido ambos tipos

de vegetação apresentarem valores similares de riqueza de espécies por parcela, densidade de

plântulas e alta dominância de espécies.

A sobreposição de morfoespécies entre a floresta primária e secundária foi baixa (três

espécies apenas). Isso indica um baixo fluxo de sementes vindo de plantas adultas da floresta

primária para a secundária, conforme encontrado por Lindsay et al. (2011). A floresta

secundária que estudamos é separada da floresta primária por uma área aberta de

aproximadamente 100 m. Mesquita et al. (2001) encontrou que o número de plantas que

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regeneram na floresta secundária é muito reduzido mesmo quando localizado próximo à

floresta primária (50-100 m). O autor sugere que a dispersão de sementes por aves e

mamíferos limita o recrutamento de plântulas na floresta secundária. O mesmo pode ter

acorrido na floresta secundária estudada o que pode explicar a baixa sobreposição de espécies

registrada. A comunidade de plântulas da floresta secundária deve ter sido originada de

sementes vindas de outras florestas secundárias próximas em diferentes estágios de

regeneração e com diferentes composições de espécies (Mesquita et al. 2001).

A literatura mostra que a comunidade de árvores de florestas secundárias é mais

empobrecida em espécies e mais homogênea que a floresta primária (Laurance et al. 2011).

Contudo, nós não encontramos esse padrão para a comunidade de plântulas. Na nossa área de

estudo, a floresta secundária é dominada por espécies de Vismia. A dominância de Vismia

dificulta o estabelecimento de outras espécies e retarda a sucessão vegetal comparado a outros

tipos de floresta secundária (Lindsay et al. 2011). Isso pode explicar os padrões distintos de

homogeneidade entre comunidades de plântulas e árvores adultas, indicando que a dominância

por Vismia deve ter um efeito negativo sobre o estabelecimento de plântulas em florestas

secundárias.

Para verificar o efeito de árvores do gênero Vismia e outras espécies arbóreas adultas no

estabelecimento de plântulas, Mesquita (2000) realizou um experimento de criação de

clareiras em florestas secundárias e encontrou que clareiras estimulam o crescimento de

plântulas. O autor sugere que a criação de clareiras pode ser utilizada como uma estratégia

para acelerar o processo de restauração de áreas degradadas. Como as comunidades de

plântulas da floresta primárias e secundárias foram igualmente homogênias, acreditamos que

estratégias de restauração de florestas secundárias que empregam o manejo de Vismia é uma

alternativa interessante para restauração do sistema estudado.

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Dividir e proteger: folhas compostas são menos consumidas do que folhas simples

Flávio R. O. Rodrigues, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Giulliana Appel

Introdução

Características morfológicas são selecionadas por conferirem vantagens aos organismos

frente a uma pressão específica. Eventualmente estas adaptações podem desempenhar funções

secundárias que diferem daquela pela qual o atributo foi selecionado originalmente (Mayhew

2006). Por exemplo, a ecolocalização dos morcegos foi selecionada por conferir melhor

habilidade de percepção durante o vôo. No entanto, esta característica também auxilia na

localização e consequente captura de presas (Schnitzler et al. 2013).

Disponibilidade de água, luz e nutrientes do solo representam importantes agentes

seletivos de variações estruturais nas plantas. Por exemplo, em ambientes com pouca

disponibilidade hídrica, o espessamento da cutícula foi favorecido por atuar como uma

barreira contra a perda de água. Em locais com alta incidência de luz, o tamanho reduzido de

folhas pode evitar danos associados à radiação excessiva de luz no dossel das árvores. Em

solos encharcados, raízes escoras e adventícias permitem melhor ancoragem e respiração

radicular, que aumenta a absorção dos nutrientes (Pugnaire & Valladares 2007).

As plantas também podem apresentar variações nos tipos foliares em respeito a

diferentes tipos de pressão. Folhas compostas, em particular, podem ser vantajosas em

ambientes expostos à restrição hídrica, pois a compartimentalização da folha pode aumentar

a dissipação de calor, e assim diminuir perdas de água da planta (Malhado et al. 2010). Ainda,

a compartimentalização das folhas compostas em folíolos independentes evita que um

eventual dano se espalhe por toda a lâmina foliar, como ocorreria em uma folha simples

(Brown et al. 1991). Por fim, folhas compostas também são mais rígidas do que folhas simples

(Westbrook et al. 2011). A maior rigidez e a compartimentalização do dano presumivelmente

conferem vantagens à planta contra herbivoria.

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Apesar dos potenciais benefícios contra a herbivoria associados a folhas compostas,

Warman et al. (2010) não encontraram diferença na intensidade de herbivoria entre os dois

tipos foliares, sugerindo que folhas compostas podem não possuir vantagens contra

herbívoros. No entanto, o efeito encontrado pode ser dependente de características específicas

do ambiente, como a maior restrição hídrica, que afetam os padrões gerais de herbivoria do

local. Dessa forma, avaliamos se o tipo foliar está relacionado com a proteção contra

herbivoria em um ambiente tropical sem restrição hídrica. Nossa hipótese é de que a

intensidade de herbivoria é maior em limbos foliares simples do que em limbos subdivididos

em uma região da Amazônia Central. Esperamos que a porcentagem de área foliar perdida

seja menor em indivíduos com folhas compostas em relação a indivíduos com folhas simples.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo em uma área de mata em regeneração (há aproximadamente 20 anos)

localizada na Fazenda Esteio, acampamento Colosso, área do Projeto Dinâmica Biológica de

Fragmentos Florestais (PDBFF). A área está localizada a aproximadamente 80 km ao norte

de Manaus, na Amazônia Central (2º 25’ S, 59º 50’ O).

Coleta de dados

Nós amostramos 42 indivíduos com folhas simples e 42 indivíduos com folhas compostas.

Procuramos ativamente por plantas com folhas compostas e, ao encontrarmos uma planta com

essa característica, amostrávamos também uma planta vizinha com folhas simples.

Selecionamos apenas plantas arbustivas lenhosas de sub-bosque com altura entre 1 e 3 m, e

sorteamos de duas a sete folhas maduras entre o terceiro e quinto nós para a amostragem.

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Em cada folha estimamos a intensidade de herbivoria utilizando o índice proposto por

Dirzo & Dominguez (1995). De acordo com este índice, a área foliar perdida se baseia em

cinco categorias de porcentagem de área foliar perdida, que são estimadas visualmente: I-0%;

II > 1-6%; III > 6-12%; IV > 12-25%; V> 25-50%; VI> 50%. Para calcular a porcentagem de

área foliar perdida em cada indivíduo, calculamos a seguinte equação: Índice de herbivoria =

(ni).i/N, onde ni = número de folhas na categoria i de dano; N = número total de folhas

amostradas; e i = categoria de dano. Para testarmos se há menor porcentagem de área foliar

perdida em indivíduos com folhas compostas do que indivíduos com folhas simples

realizamos um teste t pareado no programa R (R Core Team 2012). Utilizamos a média

ponderada das classes das folhas amostradas para cada indivíduo como variável resposta e o

tipo foliar como variável preditora.

Resultados

A porcentagem de área foliar perdida foi menor em indivíduos com folhas compostas (1,27 ±

0,54 média ± desvio padrão) do que em indivíduos com folhas simples (1,62 ± 0,72) (t=3,06;

gl=41; p<0,01; Fig. 1).

Figura 1. Porcentagem de área foliar perdida em relação ao tipo foliar (folhas simples e

compostas) de plantas na Fazenda Esteio, Amazônia Central, Brasil. Os pontos conectados

pelas retas representam pares de indivíduos vizinhos com folhas simples e compostas.

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Discussão

Conforme o esperado, folhas compostas apresentaram menor intensidade de herbivoria do que

plantas com folhas simples. Apesar dos atributos associados às folhas compostas poderem

dificultar o consumo pelos herbívoros, foi demonstrado recentemente que a dureza não difere

entre folhas simples e compostas na região de estudo (Decker et al. 2014). Desta forma, outras

vias como a compartimentalização do dano ou a alocação diferencial de compostos químicos

de defesa podem explicar as diferenças observadas na intensidade de herbivoria entre folhas

simples e compostas.

Com relação à compartimentalização da folha composta, a vantagem contra a

herbivoria pode estar associada a uma contenção do dano para o resto da folha. Se um folíolo

for consumido por um herbívoro, a folha pode perder apenas esse folíolo e o dano não se

propagará para o restante da lâmina foliar, como ocorreria na folha simples (Brown et al.

1991). Com relação à alocação de compostos químicos de defesa, folhas compostas podem

eventualmente apresentar respostas induzidas de produção de defesas somente nos folíolos

atacados, evitando gasto desnecessário de energia na produção de compostos na folha toda.

Da mesma maneira, eventuais danos colaterais dos compostos para a folha terão efeito

reduzido por estarem localizados em folíolos específicos (Gall 1987 apud Warman et al.

2010).

Nossos dados indicam que o efeito do tipo foliar sobre a redução de herbivoria não

parece ser difundido globalmente. Aparentemente o efeito do tipo foliar sobre a herbivoria

pode variar em função das condições ambientais onde as plantas se desenvolvem. Em

ambientes áridos, como o estudado por Warman et al. (2010), o investimento em produção de

compostos de defesa pode demandar maior consumo de água que poderia ser alocada a outras

funções essenciais para a planta (Taiz & Zeiger, 2004). Consequentemente, nestas condições

folhas simples e compostas podem apresentar capacidades defensivas similares. Desta forma,

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variações ambientais como a disponibilidade de água, podem regular a importância do tipo

foliar na proteção contra herbivoria.

Agradecimentos

Agradecemos a Bruno Rosado e Lucas monitor pela orientação na execução deste trabalho,

ao Paulinho ‘Henrique’ Bunitaaa e Lucas “coceirinha-exatamentchy” pela revisão, paciência

e ajuda na construção deste manuscrito.

Referências

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Colosso – projetos livres

Tamanho de folíolos confere proteção contra herbivoria, mas a dureza não

Gabriela Decker, Bruno G. Melati, Gabriela Hass & Giulliana Appel

Adaptações morfológicas foliares estão associadas a processos fisiológicos como

termorregulação, captura de recursos e defesa. As folhas compostas são menos consumidas

que folhas simples, o que pode estar relacionado à maior dureza, tornando-as menos palatáveis

aos herbívoros. Adicionalmente, a estratégia de compartimentalizar a lâmina foliar torna o

folíolo menor e possivelmente menos atrativo. Investigamos se a dureza e o tamanho dos

folíolos estão relacionados com a herbivoria em uma comunidade vegetal Amazônica. Nossas

hipóteses são: (1) folhas compostas apresentam maior dureza que folhas simples e (2) a área

dos folíolos é relacionada positivamente com o grau de herbivoria. Estimamos a dureza foliar

pela razão massa/área (g/cm²) e, para controlar o efeito do tamanho, coletamos folhas simples

e folíolos de tamanho similar de forma pareada. Mensuramos o grau de herbivoria com um

índice de área foliar consumida e estimamos a área dos folíolos pela fórmula da elipse. A

dureza de folhas simples e compostas foi similar (t=1,10; gl=15; p=0,85). Folíolos com área

maior sofreram mais herbivoria (rs=0,49; p=0,003). Ainda que as folhas compostas sejam

menos consumidas, a dureza não parece ser o mecanismo de defesa responsável por esta

diferença. Isto pode estar associado a especialização trófica de herbívoros tropicais a

determinados tipos foliares. Já o tamanho dos folíolos tem efeito positivo sobre a herbivoria,

padrão que pode ser explicado pela maior atratividade potencial de folíolos maiores.

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A composição de epífitas de mata em regeneração não é um subconjunto aninhado

de mata primária

Alessandro Rocha, Alexandre C. Siqueira, Danielle K. Petsch & Ronildo A. Benício

O processo de regeneração de áreas degradadas depende da dispersão de organismos das áreas

de entorno e das espécies ainda presentes no local em regeneração. Entretanto, as condições

abióticas das áreas em regeneração, como alta luminosidade e ventos, podem agir como um

filtro que permite o estabelecimento de apenas algumas espécies provindas do entorno. Na

Amazônia Central ocorrem epífitas e hemiepífitas em áreas derrubadas e em áreas pouco

perturbadas próximas. Nossa hipótese é que a mata em regeneração restringe o

estabelecimento dos propágulos de epífitas e hemiepífitas provindos da mata adjacente.

Esperamos que a composição de epífitas e hemiepífitas na mata em regeneração seja um

subconjunto aninhado da composição da mata adjacente. Para testar nossa previsão,

amostramos 10 árvores em uma mata primária e 10 árvores em uma área onde a mata foi

derrubada há mais de 30 anos. Identificamos as morfoespécies de epífitas e hemiepífitas nos

troncos até 10 m de altura. Calculamos o aninhamento usando a métrica NODF. Encontramos

14 morfoespécies: seis exclusivas da mata primária, quatro exclusivas da mata em regeneração

e quatro compartilhadas entre áreas. A composição da mata em regeneração não representou

um subconjunto da mata primária (NODF= 0,5; p=0,205). Portanto, a mata em regeneração

não restringe o estabelecimento dos propágulos de epífitas e hemiepífitas provindos da mata

adjacente. Além disso, a presença de espécies exclusivas na mata em regeneração indica que

o padrão observado é consequência da diferença na composição do banco de sementes da mata

em regeneração quando comparado à mata adjacente.

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A dureza das folhas não influencia a diferença da taxa de decomposição da

serapilheira entre borda e interior de fragmentos

Daniele J. Moreno, Flávio R. O. Rodrigues, Paulo H. Araújo-Camargo, Vítor de C. Rocha

A taxa de decomposição da serapilheira em área de borda de fragmentos é menor do que no

interior, porém os mecanismos que determinam esta diferença ainda precisam ser melhor

esclarecidos. Dado que condições microclimáticas da borda impõem maior perda hídrica nas

plantas, suas folhas devem apresentar maior dureza para diminuir a perda de água. Nossa

hipótese é que a maior dureza das folhas das plantas de borda causa uma menor taxa de

decomposição em comparação às folhas de plantas do interior. Nós estabelecemos 15 plotes

(1x1 m) distantes 10 m entre si e localizados na borda e no interior de um fragmento de 10 ha

do acampamento Colosso no PDBFF. Em cada plote, nós coletamos as 10 folhas mais íntegras

da serapilheira. Nós usamos a razão entre a massa seca e a área foliar como medida de dureza

das folhas. A dureza das folhas das plantas da borda (0,10 ± 0,01 g/cm²; média ± DP) e das

plantas do interior (0,11 ± 0,02 g/cm²) do fragmento foi semelhante (t = -1,64; gl = 28; p =

0,94). Embora a dureza das folhas tenha sido semelhante entre as áreas, a menor umidade do

solo na borda pode conferir condições menos favoráveis para organismos decompositores,

diminuindo a riqueza, abundância e atividade desses organismos. Isso pode explicar taxas

mais baixas de decomposição na borda do fragmento.

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Tricomas facilitam o deslocamento de uma espécie de saúva (Atta sp.)

Paulo R. L. Bittencourt, Larissa P. Lemes, Júlia F. dos Santos & Isabel C. Barragán

As plantas apresentam diversos mecanismos de defesa contra herbivoria, tanto físicos quanto

químicos. Os tricomas, em particular, podem reduzir a herbivoria. No entanto, a forma como

isso ocorre é pouco conhecida. Nossa hipótese é que os tricomas funcionam como obstáculos

físicos para o deslocamento de herbívoros por tornarem a superfície da planta irregular. Assim,

esperamos que a presença de tricomas diminua a velocidade de deslocamento de formigas.

Para testar essa previsão, cortamos 22 galhos de 15 cm de comprimento de indivíduos de uma

mesma espécie e removemos os tricomas de 11 galhos. Colocamos uma formiga de

aproximadamente 1 cm de comprimento na extremidade cada galho. Utilizamos a mesma

formiga a cada dupla de galhos (com tricoma/sem tricoma) e comparamos o tempo de

travessia de cada formiga nos dois tratamentos. Ao contrário do esperado, o tempo de travessia

em galhos com tricomas foi em média 8,5 s menor que em galhos sem tricomas (t=2,8; gl=10;

p=0,01). Isso indica que o tricoma é um mecanismo de defesa ineficiente contra transito de

herbívoros na planta, já que a superfície com tricomas parece favorecer o trânsito da formiga.

Talvez os tricomas restrinjam a herbivoria por outras vias como redução do aceso ao limbo

ou aumento da resistência da folha para o consumo por insetos mastigadores.

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A formiga Pheidole minutula investe igualmente na defesa de folhas jovens com e

sem domáceas

Camila C. Hohlenenwerger, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori & Nelson S. Pinto

Relações mutualísticas envolvem diferentes espécies que interagem entre si conferindo

benefício mútuo, como ocorre em mirmecófitas e formigas. Nesta relação, câmaras formadas

na base da folha (domáceas) são utilizadas por formigas como locais de nidificação. Devido

ao seu comportamento territorial, formigas que ali nidificam conferem proteção à planta. Em

Maieta sp. folhas jovens possuem tamanhos similares entre si e apresentam domáceas em

formação, com aproximadamente 10% do tamanho da domácea da folha adulta, o que pode

ser usado por formigas para identificar futuras domáceas. Nós testamos a hipótese de que

formigas recrutam mais indivíduos na defesa de folhas com domáceas por reconhecerem este

recurso, mesmo em folhas jovens. Cortamos aproximadamente 1/3 do tamanho total de 11

folhas jovens com domácea e de 10 sem domácea para simular o ataque de herbívoros. Para

medir o número de formigas recrutadas, contamos quantas formigas patrulhavam a folha antes

do estímulo e subtraimos do total de formigas contabilizado após 4 minutos do estímulo. O

número médio de formigas recrutadas foi de 3,27 (D.P.=±7,07) em folhas com domácea e

0,40 (D.P.=±0,69) naquelas sem domácea. Não observamos diferença no recrutamento em

folhas jovens com e sem domácea (U=42,5; p=0,38). Sabe-se que há maior recrutamento de

formigas P. minutula em folhas adultas com domácea, assim podemos concluir que estas

formigas não são capazes de diferenciar na folha jovem o recurso que será utilizado no futuro.

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Catalão – projetos orientados

Não há investimento ótimo em estruturas de predação em baratas d’água

(Belostomatidae)

Camila J.P. Ramos, Gabriela P. Hass, Paulo H. Araújo-Camargo &Vítor de C. Rocha

Introdução

Manter e produzir qualquer tipo de estrutura biológica requer um gasto energético para o

organismo (Gilman & Crawley 1990). No caso de predadores, estes podem desenvolver

estruturas especializadas para capturar suas presas de forma mais eficiente (Pough 2008). Por

exemplo, as formigas do gênero Odontomachus apresentam mandíbulas alongadas que ficam

abertas constantemente e se fecham instantaneamente ao encostar-se a uma presa (Lach et al.

2010). Embora o desenvolvimento desta estrutura traga custo para a formiga, ele deve ser

compensado pelo maior sucesso na captura de presas.

O sucesso na captura de presas confere ao predador uma melhor condição corporal,

muitas vezes refletida no armazenamento de energia extra em forma de gordura (Barbosa &

Castellanos 2005). Além disso, essa energia ainda pode ser investida em seu crescimento,

desenvolvimento e reprodução (Begon et al. 2006). Neste sentido, pouco investimento

energético na formação de estruturas de caça pode levar a uma menor eficiência de predação,

fazendo com que os indivíduos tenham uma pior condição corporal em relação aos indivíduos

que são mais eficientes. Por outro lado, investir em demasia nestas estruturas também pode

reduzir a aptidão dos indivíduos (Ridley 2004). Uma estrutura muito desenvolvida pode

dificultar a locomoção, acarretando maior gasto energético para sua manutenção, além de ser

potencialmente menos eficiente na caça. Portanto, é de se esperar que alguns organismos

maximizem o retorno de energia durante a caça desenvolvendo estruturas de tamanho

intermediário (Thompson 1989).

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As baratas d’água (Belostomatidae) são predadores generalistas, cuja dieta inclui

larvas de outros insetos aquáticos, girinos e pequenos peixes (Triplehorn & Jonnson. 2011).

Estes insetos possuem uma modificação no primeiro par de pernas (pernas raptoriais) que são

usadas para capturar as presas (Gillot 2005; Triplehorn & Jonnson 2011). Nossa hipótese é

que um investimento intermediário em estrutura de predação garantirá uma melhor condição

corporal ao indivíduo.

Métodos

Coletamos baratas d’água em três bancos de macrófitas. no lago do Catalão, na região de

várzea próxima a confluência dos rios Negro e Solimões, Amazonas, Brasil. Medimos a massa

de cada indivíduo em uma balança com precisão de 0,001 g. Estimamos o volume corporal

submergindo os indivíduos em um tubo Falcon de 50 ml e medindo o deslocamento de água.

Calculamos a densidade corporal de cada indivíduo pela razão entre massa e volume do corpo.

Utilizamos o valor da densidade corporal como indicador da condição corporal do indivíduo.

Consideramos que indivíduos menos densos apresentam uma melhor condição corporal, por

possuírem uma maior reserva de gordura.

Medimos o comprimento do corpo e da perna raptorial de cada indivíduo com

paquímetros. Para avaliar o investimento das baratas em pernas raptoriais em função do

tamanho corporal, utilizamos os resíduos de uma regressão linear entre comprimento do corpo

(variável preditora) e comprimento da perna raptorial (variável resposta). Esta medida será

chamada de comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo daqui em

diante.

Para verificar a relação entre investimento em estrutura de predação e condição

corporal realizamos uma regressão quadrática, tendo como variável preditora o comprimento

da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo, e como variável resposta a

densidade do indivíduo. Para atender os pressupostos do teste, os dados de densidade foram

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logaritimizados. Esperávamos encontrar menores densidades corporais em valores

intermediários de comprimento de perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo.

Resultados

Coletamos 35 baratas d’água. O comprimento médio do corpo dos indivíduos foi 21,51±4,71

mm (média±DP), enquanto o comprimento médio da perna raptorial foi 11,8 ±2,05 mm. A

densidade média dos indivíduos foi 1,35±1,62 g/cm². Não encontramos relação entre o

comprimento da perna controlado pelo comprimento do corpo e a densidade corporal dos

indivíduos (r² = 0,002; p= 0,366; Fig. 1; Tabela 1).

Figura 1. Relação entre comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do

corpo e a densidade (log) de baratas d’água em bancos de macrófitas no lago do Catalão,

Manaus, AM. A curva mostra o ajuste da regressão quadrática.

Comprimento da perna raptorial controlado pelo comprimento do corpo

Densid

ade (

log)

-1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5

-1,0

-0,5

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

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Tabela 1. Resumo da regressão quadrática entre comprimento da perna raptorial controlado

pelo comprimento do corpo (CP|CC) e densidade corporal (log) de baratas d’água do lago do

Catalão, Manaus, AM. Os dados apresentados são o valor estimado; EP: erro padrão; t:

estatística do teste, e p: significância do teste.

Coeficientes Valor estimado EP t P

(Intercepto) -0,065 0,132 -0,495 0,624

CP|CC 0,045 0,264 0,172 0,865

(CP|CC)² 0,341 0,283 1,205 0,237

Discussão

Não observamos relação entre investimento na estrutura de predação e condição corporal de

barata d´água. As baratas d’água são predadores generalistas, e desse modo, é possível que

consumam uma grande variedade de presas independentemente do investimento em suas

estruturas de predação. Animais generalistas podem também adotar diferentes estratégias de

predação. Por exemplo, animais com pernas raptoriais pequenas podem ter como estratégia a

busca ativa, e assim aumentar a taxa de encontro de suas presas e o acúmulo de gordura

capturando presas menores e mais fáceis de subjugar. Por outro lado, animais com pernas

raptoriais maiores que adotem a estratégia de caça por senta-e-espera podem ter uma menor

taxa de encontro de suas presas, mas o predador seria compensado pela captura de presas

maiores em cada tentativa de predação. (MacArthur & Pianka 1966, Krebs &Davies 1993).

A especialização individual também poderia explicar o padrão encontrado (Bolnick et

al. 2003). Alguns indivíduos de baratas d’água podem apresentar predileção pelo consumo de

uma determinada presa, ou tamanho de presa. Os indivíduos com pernas raptoriais maiores

podem consumir presas maiores, e os que apresentam pernas menores consumiriam presas

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menores. Neste sentido, todos os indivíduos teriam ganho energético equivalente

independente do investimento em estrutura de predação.

Verificamos que a condição corporal de baratas d’água não pode ser determinada

apenas pelo tamanho relativo da estrutura de predação, mas também por aspectos

comportamentais, como estratégias de caça, e especialização individual na dieta. Desta forma,

sugerimos que esses mecanismos diminuam a pressão de seleção sobre o tamanho relativo de

estruturas de caça em predadores generalistas.

Agradecimentos

Agradecemos aos professores Paulo Estefano e Danilo Muniz pela orientação no projeto,

contribuição nas coletas e desenvolvimento do relatório, e a Laura Leal pelas críticas e

sugestões ao trabalho. Agradecemos também aos integrantes dos outros grupos dessa fase que

participaram da coleta de dados. Agradecemos também ao Instituto Nacional de Pesquisas da

Amazônia e ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais pela oportunidade de

realizar esse projeto e aumentar nossos conhecimentos científicos.

Referências

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Oxford University Press.

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Editora Atheneu.

Ridley, M. 2004. Evolution. Oxford: Blackwell Publishing.

Thompson, D.J. 1989. Sexual size dimorphism in the damselfly Coenagrion puella

(L.). Advances in Odonatology, 4:123-131.

Triplehorn, C.A. & N.F. Jonnson. 2011. Estudos dos insetos. São Paulo: Cengage

Learning.

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Ausência de demanda conflitante entre reprodução e defesa em uma planta de

floresta alagável

Giulliana Appel, Gabriela Decker, Camila C. Hohlenwerger, Ronildo A. Benício

Introdução

Reprodução e defesa são dois aspectos decisivos na história de vida dos organismos, mas, ao

mesmo tempo, são custosos em termos energéticos (Hendrix 1988, Roeder et al. 2012). A

energia disponível aos organismos é limitada, o que pode levar a um conflito de investimento

de energia entre reprodução e defesa. Dessa forma, a demanda conflitante por energia entre

essas duas atividades ocorrerá se uma das vias de alocação de energia necessariamente reduzir

o investimento em outra (Roeder et al. 2012).

O investimento energético em uma atividade está associado a sua importância para o

organismo. Dado que o ambiente é dinâmico, o investimento energético diferencial entre

atividades de um organismo pode variar em função de pressões ambientais (Alcock 2001). A

pressão imposta por herbívoros pode ter implicações negativas a aptidão de plantas e, portanto,

demandar um alto investimento energético (Raven 1996). Caso este investimento reduza a

quantidade de energia disponível para outras atividades, como crescimento e reprodução pode

haver um conflito de demanda de energia na planta.

Algumas variações ambientais que ocorrem previsivelmente ao longo do tempo podem

ser críticas para as plantas. Um exemplo evidente são os ciclos sazonais de seca e cheia de

rios da região amazônica, que atuam como reguladores de processos fisiológicos de plantas

como fotossíntese e ciclos fenológicos (Parolin et al. 2001, Junk et al. 2010). Durante os

períodos de inundação, algumas plantas podem entrar em estado de dormência ao reduzir suas

atividades metabólicas, o que garante a conservação de energia que será utilizada após a

vazante, quando suas funções fisiológicas são retomadas (Parolin 2009). Uma estratégia

comum em plantas de planícies inundáveis é a abscisão das folhas quando estão submersas

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(Raven et al. 1996). Com o final da inundação, estas plantas investem uma grande quantidade

de energia para repor as folhas perdidas e retomar suas taxas fotossintéticas (Junk et al 2010).

No entanto, a planta precisa garantir também a reprodução que, para algumas espécies,

coincide com o período pós-inundação (Parolin 2009). A produção e manutenção de flores

também é um processo energeticamente custoso (Raven et al 1996). Essas duas vias distintas

de investimento energético associadas ao período pós inundação podem levar a um conflito

de demandas energéticas entre defesa contra herbívoros e reprodução.

Nós observamos que uma espécie de planta na várzea apresenta flores e todas as folhas

recém-expandidas, algumas com sinais de herbivoria. Como a proteção contra herbívoros e a

produção de flores têm alto custo energético (Roeder et al. 2012), nós perguntamos se existe

demanda conflitante entre reprodução da planta e defesa das folhas. Nossa hipótese é que

existe correlação negativa entre o investimento em defesa das folhas contra herbivoria e o

investimento em reprodução em plantas sujeitas a inundação.

Métodos

Estudamos uma população de um arbusto (não-identificado) em uma ilha sazonalmente

submersa no lago do Catalão (03°09’ S - 59°54’ O), próximo à confluência dos rios Negro e

Solimões, Amazônia Central, Brasil. A vegetação da região é característica de ambientes de

várzea (Junk 1997), composta por florestas sazonalmente alagadas pelas águas brancas e ricas

em nutrientes do Rio Solimões (Junk 2000).

Para avaliar se há demanda conflitante entre investimento em reprodução e defesa contra

herbívoros em plantas, nós selecionamos 30 indivíduos com folhas novas e flores. Em cada

indivíduo, avaliamos o investimento em reprodução usando o número de flores, e o

investimento em defesa usando a porcentagem de área foliar preservada (AFP). Buscamos

controlar a variação no número de flores em relação ao número de ramos usando os resíduos

de uma análise de regressão simples. Mas como a relação entre o número de ramos e o número

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de flores foi fraca (r²=0,002; F=0,05; p=0,824), optamos por utilizar diretamente o número de

flores como variável independente.

Para garantir que as folhas coletadas representassem bem a AFP do indivíduo, retiramos

aleatoriamente um ramo em três diferentes classes de altura da planta: ápice, centro e base.

Em cada um desses ramos, estimamos usando papel milimetrado, a AFP em cinco folhas. A

AFP representa a área total da folha menos a área consumida por herbívoros. A média dos

valores da AFP nessas cinco folhas dividido pelo número total de folhas utilizadas nas três

diferentes classes de altura representou nossa variável operacional de investimento em defesa.

Nós utilizamos um teste de correlação de Spearman para testar se há uma correlação entre o

número de flores e a área foliar preservada. A nossa previsão é que quanto maior o número de

flores, menor a porcentagem de área foliar preservada.

Resultados

A maioria dos indivíduos apresentou baixa produção de flores (Fig. 1a) e altas porcentagens

de área foliar preservada (Fig. 1b). Não encontramos correlação entre o número de folhas e a

porcentagem da área foliar preservada nas plantas (N=30; p=0,49; S=3509,25; Fig. 2).

Figura 1. Número de flores (a) e a porcentagem de área foliar preservada (b) em indivíduos

de uma espécie de arbusto coletados em uma ilha sazonalmente inundável no Lago do Catalão,

Amazonas, Brasil.

a)

A B

mer

o d

e o

bse

rvaç

ões

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Figura 2. Correlação entre número de flores e a porcentagem de área foliar preservada em

indivíduos de uma espécie de arbusto coletados em uma ilha sazonalmente inundável no Lago

do Catalão, Amazonas, Brasil.

Discussão

O aumento no número de flores não esteve associado à redução de porcentagem de área foliar

preservada em indivíduos da espécie de arbusto estudada. Portanto, não observamos demanda

conflitante entre estruturas reprodutivas e estratégias de defesa contra herbívoros nesta planta.

Adicionalmente, observamos uma grande quantidade de folhas com mais de 85% de área

preservada. Isso indica duas possibilidades: as folhas estão bem defendidas contra os

herbívoros ou há baixa pressão de herbivoria.

Em ambientes com pulsos sazonais de inundação, as plantas maximizam sua obtenção

de energia produzindo folhas novas que prontamente realizam fotossíntese quando emersas

(Vieira et al. 2010). Apesar deste custo associado a produção de folhas novas, a alocação para

a produção de flores pode não ser comprometida (Parolin 2009). Logo, a planta pode investir

em defesa das folhas sem que isso comprometa o investimento em floração, uma vez que o

investimento em defesa das folhas pode ser compensado pelo aumento de energia disponível

decorrente da fotossíntese nas folhas novas (Reich 1992). Alternativamente, ambientes de

várzea apresentam alta produtividade, que potencialmente sustenta grandes populações de

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herbívoros. Contudo, as folhas da espécie estudada foram pouco consumidas, o que indica que

a relação entre produtividade local e a riqueza de herbívoros do arbusto estudado pode não ser

tão clara.

A alocação de energia em uma via sem que ocorra detrimento de outra sugere que,

mesmo em ambientes sob estresse hídrico, os organismos podem manter funções que

demandam alto gasto energético. Nestes ambientes, o investimento em estruturas reprodutivas

e defesa das plantas é compensado rapidamente pela produção de folhas novas que aumentam

a entrada de energia na planta. Este mecanismo parece ser essencial para plantas no sistema

estudado, onde existe uma janela temporal curta em que as plantas podem desenvolver as

etapas do seu ciclo de vida sem influência da inundação.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor Rodrigo, ao Paulinho Bunita, a Laura e ao monitor Raul pela

orientação, clareza de pensamentos e paciência em nos auxiliar neste trabalho.

Referências

Alcock, J. 2001. Animal behaviour. Sunderland: Sinauer Associates, Inc.

Hendrix, S.D. 1988. Herbivory and its impact on plant reproduction, pp. 246-263. In: Plant

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Junk, J.W. 1997. The Central Amazon floodplain: ecology of a pulsing system. Berlin:

Springer.

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York: Springer.

Parolin, P. 2001. Morphological and physiological adjustments to waterlogging and drought

in seedlings of Amazonian floodplain trees. Oecologia, 128:326-335.

Parolin, P. 2009. Submerged in darkness: adaptations to prolonged submergence by woody

species of the Amazonian floodplains. Annals of Botany, 103:359-376.

Raven, P.H., R.F. Evert & S.E. Eichom. 1996. Biologia Vegetal. Rio de Janeiro: Guanabara

Koogan.

Reich, P.B., M.B. Walters, D.S. Ellsworth. 1992. Leaf life-span in relation to leaf, plant, and

stand characteristics among diverse ecosystems. Ecological Monographs, 62:365-392.

Roeder, M., D. Holscher & I.D. Kossmann-Ferraz. 2012. Traits and growth of liana

regeneration in primary and secondary forests of Central Amazonia. Applied Vegetation

Science, 15:108-118.

Vieira, C., B. Cid, J. Capurucho, L.C. Leal & T. Grande. 2010. Tudo que sobe, desce:

estômatos de plântulas submersas de várzea permanecem abertos na vazante do rio, pp.

1-6. In: Curso de Campo Ecologia da Floresta Amazônica 2010 (J.L.C. Camargo, P.E.D.

Bobrowiec & P.E.C. Peixoto, eds.). Manaus: INPA.

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A predação não influencia a abundância de peixes em bancos de macrófitas

Nelson S. Pinto, Alexandre C. Siqueira, Isabel C. Barragán & Júlia Ferrúa

Introdução

A predação é uma interação direta entre consumidor e presa (Ricklefs 2012), na qual os

consumidores causam um efeito negativo no crescimento e sobrevivência das populações-

recurso (Odum & Barrett 2007). Por outro lado, apesar do efeito dos predadores ser prejudicial

no nível do indivíduo, a predação pode diminuir os efeitos da competição interespecífica nas

assembleias de presas, possibilitando a ocorrência de maior riqueza de espécies de presas

(Nakazawa et al. 2007).

A distribuição agregada de recursos pode levar a uma distribuição agregada das

espécies (Begon et al. 2006). Essa agregação também pode levar a uma maior agregação na

abundância de predadores, aumentando a intensidade de predação. Portanto, a massa dos

predadores nestes locais está diretamente relacionada com a abundância de presas (Calsbeek

& Cox 2010). Paralelamente a isto, o acúmulo de espécies de presas pode proporcionar um

aumento de estratégias de predação (Barbosa & Castellanos 2005).

Na Amazônia, o pulso de inundação sazonal influencia diretamente as populações de

peixes que vivem em bancos de macrófitas. Estes bancos são importantes áreas de refúgio,

alimentação e reprodução para diversas espécies de peixes (Wittmann et al. 2010). Durante o

período de seca, estes bancos são fragmentados e diminuem de tamanho. As espécies de peixes

ficam agregadas nos banco de macrófitas, o que aumenta a intensidade de predação nestas

áreas. Dessa forma, avaliamos como a predação pode modificar a estrutura das assembleias

de peixes nesses ambientes. Nossa hipótese é que a intensidade de predação afeta

negativamente a abundância de espécies-presa de peixes em bancos de macrófitas. Nós

esperamos que a abundância de presas diminua com o aumento da massa e riqueza dos

predadores.

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Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo em uma área de várzea no lago do Catalão (3º09’S – 59º54’ O),

próximo à confluência dos rios Negro e Solimões, no município de Iranduba, Amazonas,

Brasil. As coletas foram conduzidas no mês de outubro, correspondente ao final da estação

seca.

Amostragem dos peixes

Nós amostramos seis bancos de macrófitas, onde capturamos os peixes usando uma rede de

arrasto de 2x5 m com 0,5x0,5 cm de malha. Nós coletamos todos os peixes de cada banco e

categorizamos os indivíduos coletados em presas e predadores. A massa total de cada

categoria foi medida com uma balança tipo Pesola.

Análises estatísticas

Como a área do banco pode estar positivamente relacionada com a abundância dos peixes,

nós realizamos uma regressão linear entre a área do banco e a abundância dos peixes presa.

Para o cálculo da área dos bancos, nós medimos o diâmetro maior e menor de cada banco. O

tamanho dos bancos de macrófitas amostrados variou de 5,5 m² a 17,2 m². A área dos bancos

de macrófitas não foi correlacionada com a abundância de peixes presa (F=0,97, gl=4,

p=0,38). Assim, nós realizamos uma regressão múltipla entre a abundância de peixes e as

variáveis preditoras massa e riqueza de peixes predadores.

Resultados

Nós coletamos 3555 indivíduos de 40 espécies de peixes. Deste total, 34 foram categorizados

como espécies de presa e seis como predadores. A composição de espécies de predadores foi

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dominada por uma espécie de traíra (Hoplias malabaricus) e uma de piranha (Serrasalmus

maculatus). A massa total de presas foi de 2690 g, variando de 40 a 1140 g, enquanto que a

de predadores foi de 5560 g, variando entre 30 e 2810 g.

A abundância das presas foi relacionada com a riqueza dos predadores (t=4,14;

p=0,002; Fig. 1), mas não com a massa dos predadores (t=0,68; p=0,54; Fig. 2). As variáveis

massa e riqueza de predadores explicaram 81% da variação da abundância das presas.

Figura 1. Relação entre abundância de peixes presas e a riqueza de peixes predadores em

bancos de macrófitas no lago do Catalão, Amazônia Central.

Figura 2. Relação entre abundância de peixes presa e a massa de peixes predadores em bancos

de macrófitas no lago do Catalão, Amazônia Central.

Ab

un

dân

cia

de

pre

sas

-p

arci

al

Número de espécies de predadores - parcial

Ab

un

dân

cia

de

pre

sas

-p

arci

al

Massa de predadores - parcial

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64

Discussão

Nossos resultados indicaram que a intensidade de predação não afetou a abundância dos

peixes presa nos bancos de macrófitas. A abundância de presas não foi relacionada com a

massa de predadores, e a abundância das presas aumentou com o número de espécies

predadoras.

A massa de predadores em um sistema fechado no qual não há entrada nem saída de

indivíduos pode refletir a intensidade do consumo de presas (Barbosa & Castellanos 2005).

Nós consideramos os bancos de macrófitas como um sistema fechado que concentra grande

quantidade de presas e predadores em uma área delimitada. Em termos energéticos era

esperado que a massa dos predadores refletisse a intensidade de predação no banco.

Entretanto, nós não observamos uma diminuição na abundância de presas com o aumento da

massa de predadores. A massa de predadores foi, em média, duas vezes maior do que a massa

de presas. Esta relação de massa seria inviável energeticamente a não ser que as espécies

predadoras estivessem forrageando em bancos adjacentes. Assim, a biomassa dos peixes

predadores não deve refletir diretamente a intensidade de predação em um banco específico,

mas do conjunto de bancos adjacentes. Predadores como a traíra e a piranha são espécies de

grande porte e podem se deslocar entre bancos próximos.

A disponibilidade de presas no ambiente pode influenciar a riqueza de espécies de

predadores (Barbosa & Castellanos 2005). Na medida em que a disponibilidade de espécies

de presa aumenta, mais espécies de predadores com diferentes estratégias de predação podem

ser atraídas para os bancos. Por outro lado, as espécies de presas são limitadas aos bancos por

possuírem menor mobilidade e tamanho corporal. Por causa disso, nós esperávamos que esta

relação fosse resultar em uma redução na abundância de presas nos bancos. Entretanto, nós

observamos que o aumento na abundância de presas foi positivamente relacionado com o

número de espécies de predadores. Considerando que as espécies de predadores podem se

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movimentar entre bancos de macrófitas, mais espécies de predadores podem ser atraídas para

bancos com maior abundância de presas.

Concluímos que a predação não influenciou diretamente na abundância de peixes

presa associadas aos bancos de macrófitas. Sugerimos que os bancos de macrófitas são

ambientes fechados para as espécies de presa, mas não para as espécies de predadores.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao maior pescador de bancos de macrófitas do mundo Jansen

Zuanon por compartilhar seu enorme conhecimento e dedicação ao trabalho conosco.

Agradecemos também a minuciosa revisão do professor Paulo Estéfano e do monitor Lucas

Paolucci. Ao INPA agradecemos pela oportunidade, e aos demais professores e monitores do

EFA por nos ensinar ciência da melhor forma possível.

Referências

Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. New York: Oxford

University Press.

Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.

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Calsbeek, R. & R. M. Cox. 2010. Experimentally assessing the relative importance of

predation and competition as agents of selection. Nature, 465:613-616.

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67

A atividade de forrageio de larvas de odonata não é alterada pela pressão de

predação em bancos de macrófitas

Maíra D. Sagnori, Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt & Alessandro Rocha

Introdução

Predação é uma interação importante tanto para dinâmica de populações quanto para a

estruturação de comunidades. No nível populacional, a presença do predador pode gerar

oscilações de abundância nas populações de presas (Abrams 2000). Já no nível de

comunidade, esta interação pode ser um importante estruturador ao afetar os padrões de

riqueza ou de abundância relativa das espécies (Barbosa & Castellanos 2005; Reynolds &

Bruno 2013).

Em geral, trabalhos sobre predação tem enfoque no efeito letal que o predador exerce

sobre a presa (Abrams 2000). Contudo, os predadores também podem exercer um efeito não

letal sobre elas. Este efeito pode ser observado quando há alteração morfológica, fisiológica

ou comportamental da presa em resposta à presença do predador (Hoverman & Relya 2011;

Walsh et al. 2012; Reynolds & Bruno 2013). Tais alterações são favorecidas por reduzir as

chances de predação.

Estudos sobre efeitos não letais de predação tradicionalmente consideram que apenas

a presença do predador é suficiente para modular alterações nas estratégias anti-predação

(Wooster & Sih 1995). Dado que muitas das alterações nas presas ocorrem somente na

presença do predador, é provável que elas tenham algum custo. Caso contrário, elas seriam

exibidas mesmo quando o predador estivesse ausente. Nesse sentido, se a resposta anti-

predatória também for modulada pela intensidade de predação, ela pode conferir vantagens

nos indivíduos quando comparada a estratégias menos flexíveis que são exibidas pela presença

do predador, independentemente da intensidade de predação. Essa vantagem seria conferida

por minimizar os custos em resposta a diferentes intensidades de pressão de predação.

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Em bancos de macrófitas, larvas de odonatas são presas comuns para peixes (McPeek

1990b). Em geral, as larvas e os peixes vivem restritos aos bancos e, portanto, esse sistema é

ideal para nos ajudar a entender melhor os efeitos dependentes de densidade de predadores

sobre o comportamento de presas. Um efeito não letal que pode ocorrer em larvas de odonata

é a redução dos períodos de atividade de forrageio quando detectam a presença de peixes

predadores (e.g. McPeek 1990a). Como peixes predadores são visualmente orientados, a presa

reduz sua chance de detecção ao diminuir sua atividade de forrageio (Carvalho et al. 2006).

No entanto, o comportamento de reduzir a atividade de forrageio resulta em menor aquisição

de nutrientes pela larva de odonata. Sabendo disso, queremos responder se a intensidade da

pressão de predação por peixes afeta o comportamento de forrageio das larvas de odonata.

Nossa hipótese é que o aumento da pressão de predação dos peixes reduz a atividade de

forrageio das larvas.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo em uma área de várzea no Lago Catalão (3º09' S - 59º54' O), na

confluência dos rios Negro e Solimões, na Amazônia Central, Brasil. Esse lago é mais

influenciado pelo rio Solimões, que possui águas com alta concentração de nutrientes e grande

quantidade de sedimentos em suspensão.

Coleta e análise de dados

Para estimar a intensidade de pressão de predação de peixes e o comportamento de forrageio

das larvas de odonata nos bancos de macrófitas, nós coletamos peixes e larvas de odonatas em

seis bancos usando uma rede de arrasto. Escolhemos as cinco primeiras larvas de odonatas

que encontramos em cada banco para estimar a atividade de forrageio. Medimos também a

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massa total dos peixes predadores em cada banco de macrófita utilizando uma pesola.

Estimamos a área dos bancos de macrófita ao medir o diâmetro maior e menor com uma trena.

Considerando que o formato dos bancos se assemelha a uma elipse, usamos as medidas dos

raios para estimar sua área usando a fórmula de cálculo de área de elipses. .

Animais geralmente armazenam suas reservas energéticas na forma de lipídios, que

possuem baixa densidade. Assim, quanto maior a atividade de forrageio de um organismo,

menor sua densidade corpórea (Moya-Laraño et al. 2008). Portanto, para estimar a atividade

de forrageio das larvas de odonata calculamos a densidade corpórea de cada indivíduo. Para

esse cálculo, dividimos a massa da larva pelo seu volume. Medimos a massa com uma balança

(precisão de 0,001 g) e estimamos o volume usando o método do deslocamento de água. Nesse

método mantivemos a larva de odonata dentro de um recipiente com água de modo que ela

não exercesse nenhuma força contra o recipiente, e medimos a mudança de massa na balança.

O empuxo exercido pela água é proporcional ao volume do objeto suspenso. Como a

densidade da água é de 1 g cm-3, cada mudança de 1 g de massa na balança corresponde a 1

cm-3 do volume do objeto suspenso na água.

Para estimar a pressão de predação de peixes nos bancos de macrófitas

independentemente da área do banco, calculamos os resíduos de uma regressão linear da

biomassa de peixes predadores em função da área dos bancos de macrófitas. Se a nossa

hipótese for verdadeira, esperamos que densidade corpórea das larvas de odonata aumente

quando aumentar o resíduo da biomassa dos predadores em relação a área dos bancos. Para

testar essa previsão, realizamos uma regressão linear entre o resíduo da biomassa de peixes

por área do banco (variável preditora) e a densidade corpórea média das larvas (variável

resposta).

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Resultados

A biomassa e a densidade corporal das larvas de libélulas foram 97±30 mg (média±desvio

padrão) e 0,98±0,13 g cm-3, respectivamente. A área dos bancos de macrófita variou de 5,5

m2 a 17,2 m2 e a biomassa de peixes predadores por área variou de 7,2 g m-2 a 163,3 g m-2.

Encontramos seis espécies de peixes predadores: Hoplias malabarius (Characiforme),

Serrassalmus maculatus (Characiforme), Acaronia nassa (Occhlidae), Cichli temporalis

(Occhlidae), Hypselecara temporalis (Occhlidae) e Rhamdia sp. (Heptapteridae). Não

encontramos relação entre a densidade média do corpo das larvas de libélulas e o resíduo da

biomassa de peixes predadores em função da área nos diferentes bancos de macrófitas

(F(1,4)=0,09; p=0,72; Fig. 1).

Figura 1. Densidade corpórea média das larvas de odonata de cada banco de macrófita em

função do resíduo da biomassa de peixes por área do banco de macrófita no lago Catalão,

Amazonas, Brasil.

Discussão

O fato de não encontrarmos relação entre a densidade corpórea média das larvas e a biomassa

de peixes predadores nos bancos indica que não o comportamento das larvas de odonata não

sofreu alteração em resposta ao aumento da densidade de peixes predadores. Na comunidade

de peixes, encontramos predadores com estratégias de caça distintas: i) os que usam uma

estratégia do tipo busca ativa (Serrassalmus maculatus e Cichla temporalis) e ii) os que caçam

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usando estratégia do tipo emboscada (Hoplias malabarius) (Sazima 1986). Predadores que

usam caça ativa devem detectar preferencialmente indivíduos que se locomovem com

frequência. Já os predadores que usam estratégia de caça do tipo emboscada devem detectar

os indivíduos com menor mobilidade (Romero & Vasconcellos-Neto 2007). Sendo assim, a

ocorrência de ambos os tipo de estratégia de caça deve gerar pressões de predação em direções

opostas, dificultando um possível ajuste comportamental das presas de odonatas (Lima 1998).

Outro fator que poderia explicar a ausência de relação entre a atividade de forrageio e

a pressão de predação é que talvez apenas a presença do predador constitua um fator relevante

para a resposta do comportamento de forrageio. De fato, as larvas de libélula podem ajustar

seu comportamento de forrageio apenas em resposta à presença ou ausência do predador

(McPeek 1990a). Talvez a pressão de predação dentro de cada banco seja muito variável, visto

que os bancos podem sofrer quebras por conta da correnteza (Thomaz et al. 2007). Se a

pressão de predação é variável temporalmente, um ajuste em resposta a ela pode ser

improvável, dado o alto nível de regulação exigido.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor Paulo Enrique Bunita e Xexéuzinho pela orientação, clareza e

paciência em nos orientar nesse projeto.

Referências

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Nem em pé nem de ladinho: não existe demanda conflitante entre investimento

foliar e estrutural em ramos com diferentes formas de crescimento em uma

espécie arbórea de várzea

Danielle K. Petsch, Bruno G. Melati, Daniele J. Moreno & Flávio R. O. Rodrigues

Introdução

Para explorar os recursos, os organismos investem em determinadas características que

maximizam o seu consumo de forma eficiente (Begon et al. 2007). Porém, investir nessas

características demanda um gasto energético que pode ser alto. Assim, os organismos podem

investir de forma diferencial em uma determinada estrutura em detrimento de outra pois os

recursos são limitados no ambiente. Quando o investimento energético é maior em uma

característica e diminui em outra, existe uma demanda conflitante (Tilman 1988).

O investimento diferencial pode ser importante tanto para espécies como para

indivíduos (Bohlman & O’Brien 2006, Sposito & Santos 2011). Em plantas, uma relação bem

conhecida é o aumento do comprimento do tronco e ramos em detrimento do diâmetro

(McMahon 1973, Bohlman & O’Brien 2006). Isso pode ocorrer em situações em que plântulas

investem mais em altura do que em diâmetro para atingir mais rapidamente o dossel para

captar luz (Begon et al. 2007). Plântulas investem menos em sustentação do que as adultas e

por isso sua estabilidade mecânica é menor (Chazdon 1986). Por outro lado, plantas adultas

tendem a investir mais em diâmetro do que em altura para garantir maior sustentação

(McMahon 1973).

No entanto, a pressão gravitacional pode ser diferente de acordo com a posição das

estruturas de uma planta (McMahon 1973, Minamino & Tateno 2014). Ramos com

crescimento horizontal devem ser mais propensos à queda devido à pressão da gravidade do

que ramos com crescimento vertical. Nos ramos horizontais, isso pode aumentar o

investimento em estruturas de sustentação em detrimento de estruturas fotossintetizantes.

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Nesse sentido, nós investigamos se existe uma demanda diferencial entre investimento foliar

e estrutural em função da direção do crescimento dos ramos. Caso isto ocorra, esperamos um

maior investimento em sustentação em detrimento do investimento foliar em ramos com

crescimento horizontal comparado a ramos com crescimento vertical.

Métodos

Área de estudo

Nós conduzimos o estudo em uma área de várzea do lago do Catalão (3°9’S - 59°54’O),

localizado no município de Iranduba, AM, Brasil. Realizamos a coleta de dados no período

seco, o que possibilitou o acesso às plantas em terra firme.

Coleta de dados

Nós selecionamos uma planta arbórea que possui ramos com crescimento vertical e horizontal

em um mesmo indivíduo. Amostramos 15 indivíduos com ramos de crescimento vertical e 15

indivíduos com ramos de crescimento horizontal. Em cada indivíduo, selecionamos um ramo

de segunda ordem (vertical ou horizontal), medimos o diâmetro da base do ramo e contamos

todas as folhas presentes no ramo.

Análise de dados

Nós realizamos um teste t para avaliar se o número de folhas e o diâmetro dos ramos foi

diferente entre ramos com crescimento horizontal e vertical. Nós consideramos o número de

folhas como variável resposta, o diâmetro do ramo como variável preditora e a forma de

crescimento do ramo (vertical e horizontal) como covariável em uma Análise de Covariância

(ANCOVA). O número de folhas foi transformado em logaritmo para garantir normalidade

dos resíduos. Nós comparamos as inclinações das retas (β) da relação entre diâmetro e número

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de folhas das diferentes formas de crescimento do ramo. Esperamos que o coeficiente angular

entre o número de folhas em função do diâmetro do ramo seja maior nos ramos com

crescimento vertical em relação aos ramos com crescimento horizontal. As análises foram

realizadas no programa R (R Core Team 2012).

Resultados

O diâmetro dos ramos vertical variou de 11 a 45 mm e dos ramos horizontais variou de 7 a 61

mm. O número de folhas variou de 5 a 88 nos ramos com crescimento horizontal e de 8 a 141

nos ramos com crescimento vertical. O diâmetro médio foi similar entre ramos com

crescimento vertical e horizontal (t=0,34; gl=13; p=0,73; Fig. 1A), enquanto que o número de

folhas foi 1,9 vezes maior nos ramos com crescimento vertical comparado com os ramos

horizontais (t=2,4; gl=13; p=0,02; Fig. 1B).

Figura 1. Diâmetro médio do ramo (A) e número médio de folhas (B) em função da direção

de crescimento (vertical ou horizontal) de uma planta arbórea da floresta de várzea do lago

Catalão, Amazônia central. As barras verticais representam o erro padrão.

A relação entre o diâmetro do ramo e o número de folhas não foi diferente entre os

ramos com crescimento vertical e horizontal (ßvertical= 0,03; ßhorizontal=0,02; F(1,2)=2,08; p=0,16;

Fig. 2).

Vertical Horizontal

Crescimento do ramo

26

27

28

29

30

31

32

33

34

35

36

Diâ

met

ro d

o r

amo

(m

m) A

Vertical Horizontal

Crescimento do ramo

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

mer

o d

e fo

lhas

B

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Figura 2. Relação entre número de folhas e diâmetro dos ramos com crescimento horizontal e

vertical em uma planta arbórea da floresta de várzea do lago Catalão, Amazônia central.

Discussão

A relação entre o número de folhas e o diâmetro não foi maior nos ramos com crescimento

vertical do que nos ramos com crescimento horizontal. Isso significa que nessa planta de

várzea não ocorre uma demanda conflitante entre investimento foliar e investimento em

estruturas de sustentação em ramos com diferentes formas de crescimento.

A inundação sazonal das várzeas (Junk 1989) pode ser um fator regulador no

desenvolvimento das plantas. Durante a inundação, o volume de água e a correnteza exercem

uma pressão mecânica muito alta sobre a planta submersa, o que aumenta o investimento em

estruturas de sustentação. Dessa forma, quando a água baixa, a planta investe em mais

sustentação para não ficar próximo do limiar de tombamento (i.e. ponto de capacidade máxima

de sustentação em biomassa fornecido pelo ramo; Farnsworth & Niklas 1995). Nessas

condições, o investimento necessário para suportar os efeitos da inundação deve ser similar

tanto em ramos de crescimento horizontal como em ramos de crescimento vertical,

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demonstrado pela similaridade de diâmetro médio entre os ramos com diferentes direções de

crescimento. Quando o nível das águas baixa e a planta emerge, pode ocorrer um maior

investimento em produção de folhas sem a necessidade de investir em estrutura de sustentação

diferenciada entre ramos verticais e horizontais.

Em ambientes não sujeitos a inundação onde a força gravitacional é a principal pressão

modeladora de estruturas de sustentação, o investimento em diâmetro dos ramos com

crescimento horizontal é maior em detrimento do investimento de produção de folhas. Porém,

em áreas de inundação sazonal, as estruturas de sustentação são mais importantes e não ocorre

um investimento diferencial entre diâmetro do ramo e folhas em ramos de crescimento

horizontal e vertical. Neste caso, acreditamos que as plantas podem investir em produção de

folhas somente quando emergem.

Agradecimentos

Agradecemos à Chris, aos “Paulinhos” e ao Lucas pelo aprendizado, companhia em campo e

orientação na realização desse projeto.

Referências

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Anavilhanas – projetos orientados

“Fazer bico” facilita a vida de plantas em florestas inundáveis?

Gabriela Hass, Alessandro Rocha, Isadora C. Barragán & Maíra D. Sagnori

Introdução

Pressões ambientais são capazes de modelar características morfológicas ou fisiológicas que

afetam o desempenho dos indivíduos. Essas pressões poder ter tanto origem biótica (e.g.

herbivoria) quanto abiótica (e.g. temperatura e umidade; Violle et al. 2007) e favorecem

atributos com funções específicas nos indivíduos. No entanto, apesar de uma estrutura ser

fixada evolutivamente em uma população por apresentar uma determinada função que confere

maior aptidão aos indivíduos, eventualmente, ela pode ter uma função alternativa, podendo

conferir vantagem adicional ao portador.

Em ambientes com alta precipitação e umidade, como as florestas tropicais, uma

estrutura comumente observada nas plantas são os bicos gotejadores (Turner 2001). Estas

estruturas são formadas pela expansão afilada do apice da folha (Camargo et al., 2008; Ivey

& DeSilva 2001). Presumidamente, os bicos gotejadores atuam como facilitadores para o

escoamento da água que se acumula na lâmina foliar (Lightbody 1985). Esta especialização

estrutural representa uma vantagem para a planta em regiões úmidas, pois o acúmulo de água

sobre a lâmina foliar dificulta as trocas gasosas. Esse acúmulo também pode propiciar a

colonização de algas, epífilas (liquens e briófitas), fungos e musgos, os quais comprometem

o desempenho fotossintético (Ivey & DeSilva 2001).

Na floresta Amazônica, existem regiões banhadas por águas de rios com baixa

disponibilidade de sedimentos (Junk 1997). Estas regiões ficam inundadas periodicamente,

havendo submersão da maioria das plantas. Durante a vazante, as plantas rapidamente

retomam suas trocas gasosas e realizam fotossíntese ao emergirem (Vieira et al. 2010).

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Contudo, durante a redução da coluna de água, sedimentos se acumulam sobre a superfície

das folhas, o que dificulta a atividade fotossintética. Assim, se a água auxilia na remoção de

sedimentos, e se o bico gotejador facilita o escoamento de água sobre a folha, nos

questionamos se o bico gotejador confere um benefício adicional às plantas que enfrentam

esses ciclos de deposição de sedimentos sobre as folhas no período de inundação. Nossa

hipótese é que plantas com maior investimento em bicos gotejadores apresentarão uma

vantagem adaptativa em ambientes alagáveis onde há deposição de sedimentos sobre as

folhas.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos este estudo no Parque Nacional de Anavilhanas (02º47’ S; 60º48’ O),

localizado no baixo Rio Negro, Amazônia Central, Brasil. Na região, ocorre a elevação

periódica do nível do rio promovendo inundações nas áreas terrestres, onde a vegetação pode

ficar total ou parcialmente submersa por até 270 dias por ano (Bierregaard et al. 2001).

Coleta e análise de dados

O fato das bordas das ilhas estarem em cotas mais baixas, faz com que estas regiões alaguem

antes das áreas mais elevadas e sejam as últimas a emergirem durante a vazante. Diante disso,

as plantas de borda passam mais tempo alagadas em comparação às plantas em áreas mais

centrais das ilhas. Como o tempo de alagamento condiciona o acúmulo de sedimento sobre as

plântulas, utilizamos a distância da borda ao interior da ilha como indicativo do acúmulo de

sedimentos sobre as folhas. Consequentemente, para amostrar as plântulas ao longo do

gradiente de tempo de inundação, fizemos coletas em uma ilha seguindo um transecto de 100

m perpendicular a borda da ilha. A cada 10 m, selecionamos cinco indivíduos de plântulas de

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diferentes espécies (medindo até 1 m de altura) e coletamos três folhas jovens de cada

indivíduo.

Para quantificar o investimento da planta no ápice da folha, medimos o comprimento

do bico gotejador. Para isso, calculamos a distância a partir do ponto de inflexão da borda

laminar até o ponto mais distal do ápice da folha. Também medimos o ângulo do bico. Para

essa medida, desenhamos um triângulo cuja base foi representada por uma linha transversal

na altura do ponto de inflexão na base do ápice da folha. Medimos a altura do triângulo pela

distância da base ao ápice da folha. Com o triângulo montado, estimamos o ângulo formado

no vértice oposto à base do triângulo usando um transferidor.

Para testar se os bicos gotejadores são mais desenvolvidos em plantas na borda, que

passam mais tempo submersas e acumulam mais sedimentos fizemos dois testes: i) uma

correlação de Pearson entre distância da borda e ângulo do bico gotejador, e ii) uma regressão

linear com distância da borda como variável explicativa e comprimento do bico gotejador

como variável resposta. Caso nossa hipótese seja verdadeira, esperamos que à medida que as

plantas estejam mais distantes da borda, por estarem em cotas mais altas no terreno e

apresentarem menor acúmulo de sedimentos, seus bicos gotejadores sejam, em média, mais

curtos e com ângulos maiores.

Resultados

O comprimento médio do bico foi 0,90±0,25 cm (média±desvio padrão) e o ângulo médio foi

47,63±8,65°. O comprimento do bico não foi alterado com o aumento da distância da borda

(t=0,50; gl=9; p=0,62; Fig.1a). Da mesma forma, o ângulo do bico não variou com o aumento

da distância da borda (F(1,9)=0,25; p=0,23; Fig.1b).

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Figura 1. Relação entre a distância da borda ao interior da ilha em relação ao comprimento (a)

e ao ângulo (b) do bico gotejador das folhas, em uma ilha fluvial no baixo Rio Negro,

Amazônia Central.

Discussão

A ausência de relação entre o comprimento e o ângulo do bico gotejador com a distância da

borda indica que a morfologia do bico gotejador não é uma característica que confere

benefício adaptativo adicional às plantas que passam por longos períodos de alagamento.

Provavelmente, as chuvas frequentes (Malhado et al. 2012) na região sejam suficientes para

manter a superfície foliar limpa e garantir a atividade fotossintética da planta após a vazante.

O investimento na aquisição ou aperfeiçoamento do bico gotejador (Lightbody 1985)

pode conferir vantagens, mas eventualmente também pode gerar custos. Folhas com maior

investimento nesta estrutura têm uma maior razão entre borda foliar e limbo. Isto implica em

uma diminuição da área foliar e, consequentemente, uma perda da superfície fotossintetizante

(Ivey & DeSilva 2001). Portanto, é possível que as caraterísticas morfológicas das folhas

sejam moldadas por um balanço entre vantagens associadas ao escoamento de água

(Tokumoto et al. 2013) e custos com redução da capacidade fotossintética.

Concluímos então que o bico gotejador não está relacionado com o acúmulo de

sedimentos na folha, portanto, não há benefício adaptativo adicional, talvez o balanço entre

b) a)

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investimento no bico foliar e a área foliar fotossintética seja um mecanismo alternativo que

pode estar respondendo à pressão ambiental, mas com um alto custo em diminuição da

capacidade fotossintetizante e portanto, sem gerar um padrão de investimento em bico

gotejador.

Referências

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O custo energético para a produção de teias de aranhas afeta a colonização de

novos habitats

Gabriela Decker, Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati & Daniele J. Moreno

Introdução

Ecólogos têm buscado entender a distribuição das espécies e grupos funcionais de acordo com

as características do ambiente e fatores intrínsecos das espécies (Verhoef & Morin 2010).

Uma das características relacionadas às espécies que podem influenciar a estruturação das

comunidades biológicas é a capacidade de colonização (Drake 1991). Além disso, a

ocorrência de uma espécie em uma comunidade com condições e recursos adequados depende

de dois fatores principais. Primeiramente, a espécie deve ser capaz de alcançar o local, o que

vai depender de sua capacidade de dispersão e colonização e, em segundo lugar, sua

ocorrência vai depender de outras espécies competidoras ou predadoras presentes no local

(Begon et al. 2006).

A capacidade de colonização de novos ambientes depende das estratégias utilizadas

pelos organismos para se deslocar para outro ambiente e se estabelecer nele (Cook & Quinn

1995). Algumas estratégias possuem um maior gasto energético que outras. Por exemplo,

espécies que investem em cuidado parental, possuem um maior gasto energético do que

espécies que não exibem cuidado parental (Begon et al. 2006). Danos causados na sua prole

podem representar um elevado custo energético. Sendo assim, a dispersão para outro ambiente

pode significar um risco energético muito alto para as espécies que exibem esse tipo de

estratégia. Então, espécies que apresentam cuidado parental podem ser piores colonizadoras

comparadas a espécies que não apresentam cuidado parental. Outro exemplo são organismos

que dependem da construção de abrigos. Essas espécies são influenciadas pelo balanço

energético do abandono e construção de abrigo no local colonizado. Dessa forma, estratégias

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menos custosas tendem a ser favorecidas para que os organismos alcancem e se estabeleçam

em novos ambientes.

Ambientes novos são formados sazonalmente em locais que apresentam dinâmica de

alagamento, como as florestas de igapó. Esta dinâmica ocorre a partir de pulsos de inundação

com períodos de cheia que podem durar até seis meses. A inundação cobre grande parte da

floresta, fazendo com que a fauna migre horizontalmente para se abrigar nos locais não

alagados ou verticalmente para a copa das árvores (Adis & Junk 2002). No período da vazante,

os habitats terrestres são expostos e ficam novamente disponíveis, sendo colonizados pelos

organismos que migraram para as áreas não inundadas. Essa dinâmica de colonização dos

habitats recém-formados depende do custo energético do deslocamento e estabelecimento das

espécies.

As aranhas são exemplos de organismos que realizam a migração vertical durante o

período de cheia nos igapós (Adis & Junk 2002). A ocupação de hábitats por estes organismos

vai depender de fatores como a qualidade e a quantidade de recursos alimentares, refúgios

contra predadores e da estrutura da vegetação para a construção das teias (Vieira et al. 2007).

Além disso, a dinâmica de colonização das aranhas nos igapós pode depender das diferentes

estratégias de construção de teias com seus custos energéticos associados. Entre os vários

tipos de teias construídas pelas aranhas, dois formatos básicos apresentam grande diferença

em relação ao custo energético para a construção. Teias bidimensionais (orbiculares) são

menos custosas energeticamente, enquanto teias tridimensionais são mais custosas. Esta

diferença no custo de produção está relacionada com o consumo de teias velhas pelas aranhas

que constroem teias bidimensionais, enquanto as aranhas com teias tridimensionais

simplesmente abandonam as teias para a construção de novas teias (Vieira et al. 2007).

Nos ambientes de igapó podem ser encontradas tanto aranhas que constroem teias

bidimensionais como aquelas que constroem teias tridimensionais. Contudo, não se sabe se

estas diferentes estratégias afetam a colonização de ambientes recém-formados. Nossa

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hipótese é de que aranhas construtoras de teias com baixo custo energético (teias

bidimensionais) colonizam primeiro os habitats recém-formados pela seca nos ambientes de

igapó.

Métodos

Nós realizamos o estudo em uma área de igapó localizada no baixo Rio Negro, no Parque

Nacional de Anavilhanas, Amazônia Central. As coletas foram realizadas em uma ilha que

estava seca há sete dias e outra ilha com o nível das águas a 1 m do solo. Isso permitiu

comparar a distribuição dos tipos de teias em um ambiente que representou o período de cheia

e outro a seca.

Nós buscamos ativamente por teias bidimensionais e tridimensionais em 10 plotes de

5 x 4 m. Incluímos teias localizadas até dois metros de altura em cada plote. Para avaliar o

efeito do custo energético da construção de teias sobre a colonização de novos ambientes,

comparamos as porcentagens de cada tipo de teia (bidimensional e tridimensional) entre os

locais (área alagada e não alagada) usando um teste qui-quadrado (χ2). Dessa forma,

esperamos que a porcentagem das teias bidimensionais seja maior na área seca em relação à

área alagada, indicando que estas aranhas colonizam primeiro os habitats recém-secos.

Resultados

Encontramos 216 teias nos dois ambientes, sendo 114 registradas no ambiente alagado e 102

no ambiente não alagado. As aranhas com teias orbiculares foram representadas

principalmente por indivíduos da família Araneidae e as aranhas com teias não orbiculares

pela família Theridiidae. Na ilha alagada, os indivíduos foram predominantemente adultos,

enquanto na ilha não alagada todos os indivíduos foram jovens. No ambiente alagado, 65,8%

(n=75) das teias foram bidimensionais e 34,2% (n=39) tridimensionais. Na área não alagada,

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registramos 36 teias tridimensionais (35,3%) e 66 teias bidimensionais (64,7%). A proporção

de teias bidimensionais foi maior na área alagada (χ2 = 42,14; gl = 1; p<0,001; Fig. 1).

Figura 1. Frequência de teias orbiculares e tridimensionais em ambientes alagados e não

alagados, no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazônia Central.

Discussão

A porcentagem de teias bidimensionais foi maior do que a de teias tridimensionais no

ambiente que ficou recentemente disponível após a redução do nível da água. Este padrão não

foi resultado da estratificação vertical das aranhas com diferentes tipos de teia, pois aranhas

bidimensionais e tridimensionais podem ocupar os diferentes estratos da vegetação de forma

similar. Por isso, o resultado observado confirma nossa previsão de que aranhas com teias

menos custosas (bidimensionais) colonizam novos ambientes de forma mais rápida do que

aranhas com teias mais custosas (tridimensionais).

Algumas características do ambiente recém-exposto podem ser desvantajosas para o

estabelecimento das teias tridimensionais. Após o fim da vazante a floresta que fica exposta

possui um sub-bosque mais aberto, o qual está sujeito a distúrbios que podem danificar as

0

10

20

30

40

50

60

70

Alagado Não alagado

Porc

enta

gem

dos

tipos

de

teia

Tipo de ambiente

Teia orbicular

Teia tridimensional

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teias como galhos que caem da copa das árvores. Nesta situação, o ambiente fica mais inóspito

para a colonização por aranhas com teias tridimensionais. Além disso, a alta eficiência de

captura de presas das teias tridimensionais (Vieira et al. 2007) permite que estas aranhas

mantenham seus ganhos energéticos na copa das árvores durante a cheia. Desta forma, não é

vantajoso para aranhas com teias tridimensionais se estabelecer no novo ambiente, pelo menos

até quando a vegetação apresentar uma estrutura que não assegure a estabilidade da teia. Por

outro lado, para as aranhas que constroem teias bidimensionais, o custo de colonizar ambientes

instáveis não é alto, pois se a teia for destruída pelo vento a aranha pode consumir a teia

(Triplehorn & Jonnson 2011) e reconstruí-la em um novo local.

Nós observamos que as aranhas colonizadoras do sub-bosque do ambiente não alagado

foram representadas apenas por indivíduos jovens. Isso sugere que a pressão de abandonar o

dossel e colonizar o sub-bosque pode ser maior para os juvenis do que para os adultos. Isso

ocorre porque, em geral, as espécies de aranhas orbitelas têm filhotes que permanecem por

pouco tempo na teia materna. O tipo de teia orbicular não permite a formação de uma colônia

mais efetiva para a caça coletiva e, portanto, os filhotes deixam a teia materna à procura de

novos ambientes para construção de suas próprias teias. Por outro lado, espécies de aranhas

com teias tridimensionais permanecem na colônia por mais tempo ajudando na captura de

presas (Gonzaga 2007). Assim, os jovens de aranhas orbitelas descem para o sub-bosque

pouco tempo depois do nascimento enquanto os indivíduos adultos permanecem no dossel por

mais tempo.

Aranhas com teias que apresentam um menor custo energético serão pioneiras nos

locais recém-expostos. Isso explica a maior frequência das teias bidimensionais no sub-bosque

recém-seco. Esse padrão deve ocorrer apenas na época de colonização do sub-bosque, quando

a vegetação desses ambientes ainda não está estruturada. Com o avanço da estação seca, a

vegetação do sub-bosque fica mais densa e é esperado que mais aranhas com teias

tridimensionais vindas do dossel ou de ilhas próximas possam colonizar o sub-bosque.

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Agradecimentos

Agradecemos ao Thiago pela orientação, ao Paulinho pai pela revisão e aos demais

professores pelas críticas e auxílio no manuscrito do relatório.

Referências

Adis, J. & W. J. Junk. 2002. Terrestrial invertebrates inhabiting lowland river floodplains of

Central Amazonia and Central Europe: a review. Freshwater Biology, 47:711-731.

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Cook, R.R. & J.F. Quinn. 1995. The influence of colonization in nested species subset.

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Drake, J.A. 1991. Community-assembly mechanics and the structure of an experimental

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Gonzaga, M.O. 2007. Sociabilidade e cuidado parental. In: Ecologia e comportamento de

aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Rio de Janeiro:

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Triplehorn, C.A & Jonnson N.F. 2011. Estudos dos insetos: tradução da 7a edição de Borror

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Verhoef, H.A. & P.J. Morin. 2010. Community ecology processes, models and applications.

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Vieira, C., H.F. Japyassú, S.J.Adalberto & M.O. Gonzaga. 2007. Influência da estrutura de

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aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds). Rio de Janeiro:

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Borboletas da espécie Phoebis sp. ajustam o comportamento de voo em resposta a

pressões de predação e migração

Ronildo A. Benício, Paulo H. Araújo-Camargo, Camila C. Hohlenwerger, Júlia F. dos Santos

Introdução

Assim como ocorre em atributos morfológicos e fisiológicos, o comportamento dos

organismos está sujeito a diferentes pressões seletivas. Consequentemente, comportamentos

que maximizem a aptidão dos indivíduos em relação a uma determinada pressão devem ser

favorecidos. Entre estas pressões, a predação e a migração são importantes moduladores do

comportamento animal (Sansom et al. 2009).

Em espécies que usam voo como principal mecanismo de deslocamento, variações nas

pressões ambientais podem alterar o padrão de deslocamento durante o voo. Em borboletas,

pressões associadas à predação e migração podem determinar comportamentos distintos de

voo. Borboletas palatáveis, por exemplo, apresentam um voo mais errático quando

comparadas a borboletas aposemáticas. Como elas são mais atacadas que borboletas

aposemáticas, o voo errático, apesar de mais custoso, tende a ser favorecido por reduzir a

chance de acerto do predador (Chai & Srygley 1990, Marden & Chai 1991). De maneira

semelhante, em espécies migratórias, o voo tende a ter menores números de desvios de rota,

pois voos retilíneos e com menor frequência de batimentos das asas demandariam menor custo

energético (Chai & Srygley 1990).

Geralmente, comportamentos de voo são tratados como fixos nas espécies de borboletas.

No entanto, se as pressões seletivas de fato determinam o comportamento, em espécies nas

quais os indivíduos sofrem diferentes tipos de pressões ao longo do tempo ou em diferentes

locais, espera-se que haja um ajuste do comportamento de acordo com essas variações nas

pressões. Tentando compreender esse mecanismo, utilizamos como objeto de estudo a

borboleta Phoebis sp. (Pieridae), uma espécie palatável, que realiza migrações anuais do

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litoral do nordeste brasileiro à Amazônia Central. Uma vez que os indivíduos dessa espécie

migram, o padrão de voo deles deve ser retilíneo. No entanto, observamos que, durante a

migração, os indivíduos de Phoebis sp. usam rios como rotas de deslocamento, podendo voar

a diferentes distancias das margens. Uma vez que próximo à margem do rio o número de

poleiros de aves predadoras é maior e, portanto, a pressão de predação deve ser maior,

propomos a hipótese de que a trajetória de voo dessa borboleta será mais errática à medida

que elas se aproximam da margem do rio.

Métodos

Realizamos este estudo no Parque Nacional de Anavilhanas, próximo ao município de Novo

Airão, localizado no baixo Rio Negro, AM, Brasil (03º05’ S, 59º59’ O). A temperatura média

anual da região é de 26,7 ºC e a precipitação é de 2186 mm (Junk & Piedade 2010).

Para avaliarmos a trajetória de voo das borboletas, realizamos observações dos

indivíduos das 8:00 h às 10:00 h. Amostramos borboletas que voavam próximas às margens

do Rio Negro (até uma distância de 10 m da margem; n=50 observações) e longe da margem

do Rio Negro (a partir de 50 m da margem; n=55 observações). Observamos cada borboleta

por um período de 10 s e, durante esse período, quantificamos o número de desvios de rota.

Nós consideramos como desvio de rota de voo qualquer alterações de pelo menos 90° na

direção principal de deslocamento, independentemente do sentido. Esses desvios foram

caracterizados por uma subida e descida brusca, subida brusca, descida brusca ou círculos

(Fig. 1). Para evitar o efeito do observador sobre o registro dos desvios, a cada 30 min de

observação, os observadores que amostravam a área próxima à margem passavam a amostrar

a área longe da margem. Para testar se o número de desvios de rota de voo difere nos dois

ambientes, usamos um teste t. Consideramos o tipo de ambiente (próximo à margem e longe

da margem) como variável preditora e o número de desvios como variável resposta.

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Figura 1. Esquema de voo da borboleta Phoebis sp., mostrando voos retilíneos e desvios de

rota. No esquema representamos dois desvios de rota ao longo dos 10 s de observação.

Resultados

O voo das borboletas iniciou às 9:30 h e durante todo o período de amostragem não

observamos eventos de predação. O número de desvios de rota de voo próximos à margem

variou de 0 a 8 e longe da margem de 0 a 4. Borboletas que voavam próximas a margem

desviaram a rota 2,1 vezes mais que borboletas que voavam longe da margem (t=3,9; gl=103;

p<0,001; Fig. 2).

Figura 2. Número médio de desvios de rota de voo em borboletas da espécie Phoebis sp.

voando a até 10 m da margem do Rio Negro (próximas à margem) e a partir de 50 m da

margem do Rio Negro (longe da margem) no Parque Nacional de Anavilhanas, AM, Brasil.

Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.

Voo

Retilíneo

Desvio Desvio

10 s

0

1

2

3

próximo à margem longe da margem

de

des

vio

s d

a ro

ta

Tipo de ambiente

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95

Discussão

O maior número de desvios de rota dos indivíduos próximos às margens do rio em relação a

indivíduos distantes da margem indicou que houve um ajuste comportamental em relação às

variações nas pressões do ambiente. Como existe esse ajuste, as borboletas devem ser capazes

de perceber mudanças na estrutura do ambiente. No entanto, o mecanismo fisiológico

subjacente à percepção ainda é pouco conhecido. Borboletas podem ser orientar por vias

químicas ou visuais (Marden & Chai 1991). Dado que a percepção química desses insetos

ocorre principalmente pelo contato das patas com a superfície da planta (Triplenhorn &

Johnson 2011), e que o desvio de rota dos indivíduos aconteceu antes deles alcançarem às

margens do rio, é provável que em Phoebis sp. a orientação de voo esteja associada

principalmente às vias visuais.

Pressões de predação podem ser importantes moduladores do comportamento animal

(Sih et al. 1998, Sansom et al. 2009). Em ambientes nos quais a chance de ser predado é alta,

é esperado que comportamentos que façam com que os organismos atacados sobrevivam

sejam favorecidos. Por outro lado, em ambientes nos quais a chance de ser predado é

moderada, é esperado que comportamentos que façam com que os organismos evitem seus

predadores sejam favorecidos (Sansom et al. 2009). Como o comportamento de trajetória de

voo mais errática dificulta o ataque pelo predador, é provável que a pressão de predação sob

as borboletas no ambiente estudado seja moderada. De fato, o deslocamento de Phoebis sp.

durante a migração envolve muitos indivíduos se deslocando simultaneamente. Como a

agregação de indivíduos proporciona uma menor chance individual de predação (Krebs &

Daves 1993), a migração em massa dessa borboleta reforça a lógica de que a intensidade de

predação é moderada.

Apesar de termos demonstrado que o comportamento de voo pode variar em

indivíduos de uma mesma espécie, isso não deve ser necessariamente um padrão para

diferentes borboletas. Se indivíduos de uma determinada espécie sofrem pouca variação na

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natureza das pressões seletivas (como borboletas aposemáticas que estão sujeitas a baixa

pressão de predação), não haveria motivo para encontrar variações em seus comportamentos.

Nesse sentido, podem existir grupos de espécies nas quais os indivíduos apresentem variação

comportamental, enquanto em outros grupos, essa variação deve estar ausente.

Agradecimentos

Gostaríamos de “mandar um beijo para nossa mãe e para o nosso pai”, Paulinho Bonita e

Paulinho Bonito, por toda orientação e paciência na construção do trabalho. Obrigada por

terem nos permitido “matar” a vontade de trabalhar com bichos na “Mazonha”.

Referências

Chai, P. & R.B. Srygley. 1990. Predation and the flight, morphology, and temperature of

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98

A prevalência das interações bióticas de formigas é maior em uma comunidade

mais antiga

Danielle K. Petsch, Flávio R. O. Rodrigues, Giulliana Appel & Nelson S. Pinto

Introdução

A composição de uma comunidade está relacionada tanto a processos espaciais quanto

temporais (Schamp et al. 2008). Interações bióticas constituem fatores estruturadores

fundamentais para determinar a dinâmica populacional das comunidades (Paine 1969). Neste

contexto, o tempo de estruturação de uma comunidade é um dos fatores importantes para

determinar a emergência e o estabelecimento de interações entre populações. Quanto mais

antiga a comunidade, maior a probabilidade da emergência de interações, e maior a

importância dessas interações na estabilidade do sistema (MacArthur 1955).

Em tese, comunidades mais antigas e estabelecidas apresentam maior a riqueza local

de espécies e maior a abundância de indivíduos nas populações componentes, o que pode levar

a comunidade a limites próximos à capacidade de suporte do ambiente. Em contrapartida,

comunidades mais antigas devem permitir o estabelecimento de maior diversidade de grupos

funcionais e guildas (Giller 1984). Isto possibilita o aumento do número de populações

competidoras na comunidade, mas diminui o efeito da competição sobre cada população.

Dessa forma, a complexidade de interações aumenta com a idade da comunidade, ampliando

também a riqueza local e o número de nichos potenciais (Simberloff & Abele 1976; Santos et

al. 2007). Este mecanismo possibilita o estabelecimento de populações que sejam

especializadas em diferentes recursos.

Em ambientes sujeitos a inundações sazonais é possível observar locais com diferentes

tempos de exposição ao distúrbio. Após uma inundação, o período para emersão do solo é

variável, sendo o maior tempo de alagamento nas áreas mais baixas e mais próximas ao curso

d’água. Conforme a água desce, novos locais ficam expostos e são colonizados por diferentes

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espécies. Nós avaliamos a importância de interações bióticas na estruturação de comunidades

de formigas com diferentes idades. Nesse estudo usamos a comunidade de formigas com

diferentes idades para testar o modelo idade/riqueza de interações. Nossa hipótese é de que

quanto mais antiga uma comunidade, maior será a ocorrência de interações bióticas, em

particular competição, na estruturação das comunidades. Se essa hipótese for verdadeira,

esperamos que i) a diferença entre as frequências de espécies de formigas seja maior na

comunidade mais antiga (com menor tempo de alagamento) que na mais recente e que ii)

existam mais guildas tróficas na comunidade mais antiga que na mais recente.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos este estudo durante a fase seca em uma floresta de igapó, inundada

sazonalmente pelo rio Negro, localizada no Parque Nacional de Anavilhanas, Novo Airão –

AM, Brasil (02˚07’ S; 61˚02’ O).

Coleta de dados

Nós estabelecemos um transecto próximo à margem do rio, e outro a 65 m do primeiro no

sentido margem-interior. Instalamos em cada transecto 14 iscas distantes 5 m entre si,

contendo porções iguais de proteína e carboidrato (sardinha e goiabada), de forma a atrair

formigas com diferentes preferências alimentares. Após 50 minutos as iscas foram recolhidas

e as formigas presentes triadas e separadas em morfoespécies.

Para avaliar se há diferença de frequência entre as espécies dos dois locais, calculamos

a diferença dos valores de frequência entre pares de espécies para a comunidade mais antiga

e mais recente separadamente. Em tese, valor de diferença alto indica que algumas espécies

são mais numerosas, e provavelmente mais dominantes, que outras.

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Utilizamos uma abordagem de modelo nulo para testar se a média do valor da diferença

de frequências das formigas na comunidade mais recente é maior que na comunidade mais

antiga. Para isso, aleatorizamos os valores da diferença entre as áreas e, após cada permutação,

calculamos a média do valor de diferença para as duas comunidades. Em seguida subtraímos

o valor médio de diferenças de um local pelo valor médio de diferença do outro local

(estatística do teste). Após 1000 permutações, geramos uma distribuição nula dos valores da

estatística do teste. Calculamos a chance do valor observado de diferença entre os locais ser

gerado pelo acaso ao dividir o número de vezes que o valor da estatística do teste nas

aleatorizações foi maior ou igual ao valor observado pelo número total de permutações (Manly

1991). Para testar nossa segunda previsão, classificamos os gêneros de formigas em guildas

tróficas de acordo com Brandão et al. (2009). Posteriormente avaliamos se o número de

guildas diferia entre as comunidades mais jovens e mais antiga.

Resultados

Nós coletamos 10 espécies de formigas, pertencentes a cinco gêneros: Acromyrmex,

Camponotus, Crematogaster, Cephalotes e Pheidole. Apenas Camponotus sp.1 e Camponotus

sp.3 ocorreram tanto na comunidade mais recente quanto na mais antiga. Coletamos quatro

espécies exclusivamente na comunidade mais recente, todas pertencentes ao gênero Pheidole

(Fig. 1). Também coletamos quatro espécies exclusivamente na comunidade mais antiga,

pertencentes a outros quatro gêneros (Fig. 1). A diferença na frequência entre os pares de

espécies foi de 1,46 (p=0,05), sendo maior na comunidade mais antiga (3,6±2,8)

(média±desvio padrão) do que na comunidade mais recente (2,13±1,5). O número de guildas

tróficas também diferiu entre as comunidades. Registramos quatro guildas tróficas na

comunidade mais antiga, e apenas a guilda de formigas generalistas na comunidade mais

recente (Fig. 2).

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Figura 1. Frequência relativa de ocorrência das formigas nas comunidades com diferentes

tempos de exposição ao alagamento na Amazônia Central, Brasil.

Figura 2. Número de guildas tróficas de formigas em comunidades sujeitas a um menor tempo

de alagamento (comunidade mais antiga) e a um maior tempo de alagamento (comunidade

mais recente) na Amazônia Central, Brasil.

Discussão

A diferença na frequência de ocorrência das espécies, bem como o número de grupos

funcionais de formigas foi maior na comunidade mais antiga do que na comunidade mais

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recente. Sugerimos que a comunidade mais antiga possui maior complexidade de interações

biológicas que a comunidade mais recente, constituindo uma comunidade mais complexa. A

maior diferença entre a frequência das espécies na comunidade mais antiga indica a

importância das interações entre populações como ator estruturador da comunidade de

formigas. Padrão semelhante foi encontrado na planta Acacia drepanolobiu, que possui mais

formigas competidoras quando adultas do que na fase de plântulas (Stanton et al. 2002).

O maior número de guildas tróficas de formigas na comunidade mais antiga em relação

à comunidade mais nova também é indicativo de maior complexidade de interações bióticas.

A presença de quatro guildas tróficas distintas na comunidade mais antiga (consumidores de

pólen -Cephalotes atratus-, cultivadores de fungo -Acromyrmex sp.-, consumidores de recurso

açucarado -Crematogaster sp.- e generalistas -Camponotus sp.) pode indicar uma maior

variedade de recursos alimentares para as formigas, como folhas, nectários e afídeos. Por outro

lado, na comunidade mais recente observamos apenas quatro espécies, todas pertencentes ao

mesmo gênero. Como este gênero é classificado como generalista (Mertl et al. 2010), isso

pode ser um indicativo do porquê registramos apenas essas espécies no ambiente onde

supostamente há menor variedade de recursos.

Em alguns grupos de animais, características das espécies que são favoráveis quando

um hábitat é mais recente podem ser desvantajosas em estágios sucessionais mais tardios

(Stanton et al. 2002). Dado que obtivemos gêneros exclusivos na comunidade mais recente, é

possível que indivíduos dessas espécies tenham alta capacidade de se estabelecer quando a

comunidade é mais recente, mas não sejam bons competidores em comunidades mais antigas.

Por outro lado, duas espécies de Camponotus ocorreram em ambas as áreas. Isso é indicativo

que essas espécies apresentam maior valência ecológica e capacidade de explorar os recursos

disponíveis tanto na comunidade mais recente quanto na comunidade mais antiga.

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Referências

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Não há correlação entre atributos funcionais de folha e de caule em florestas de

igapó

Larissa P. Lemes, Paulo Bittencourt, Camila J. P. Ramos & Vítor de C. Rocha

Introdução

Atributos funcionais são características morfológicas, fisiológicas ou fenológicas associadas

ao desempenho dos indivíduos no ambiente (Violle et al. 2007). Variações nesses atributos

determinam como as plantas respondem a fatores ambientais e bióticos, e como influenciam

em processos ecossistêmicos (Kattge et al. 2011). A escolha de um atributo funcional para um

estudo requer conhecimento sobre a sua funcionalidade (Rosado et al. 2013), pois diferentes

atributos podem estar relacionados à mesma função e um único atributo pode estar relacionado

a diferentes funções (Wright et al. 2004).

Em plantas, existem processos que necessariamente envolvem atributos de diferentes

órgãos. Por exemplo, o transporte de água do solo para as folhas depende que atributos

funcionais na raiz, caule e folha mantenham a continuidade do sistema hidráulico ao longo da

planta (Tyree & Ewers 1991). Algumas relações entre atributos que compartilham a mesma

função ecológica e são vinculados a uma mesma estrutura morfológica são bem estabelecidas

em plantas. Por exemplo, nas folhas há uma forte relação entre a massa foliar por área e

longevidade foliar, atributos relacionados à capacidade fotossintética (Wright et al. 2004).

Entretanto, a relação entre atributos funcionais de estruturas diferentes ligadas a um mesmo

processo fisiológico ainda não é bem compreendida (Fortunel et al. 2012).

Duas teorias buscam entender as relações de funcionalidade entre os atributos de

diferentes estruturas ligadas a um mesmo processo fisiológico de plantas: a teoria das formas

de vida (Grime et al. 1997) e a teoria do indivíduo modular (Baraloto et al. 2010). A teoria

das formas de vida prediz que, como os atributos funcionais em todas as estruturas

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morfológicas das plantas devem funcionar de modo coordenado, as pressões seletivas devem

atuar de modo dependente em estruturas envolvidas em um mesmo processo (Grime et al.

1997). Nesse sentido, por exemplo, se a seleção natural agir sobre um atributo no caule, isso

implicará em uma alteração nos atributos da folha envolvidos na mesma função (e.g.

transporte de água; West et al. 1999).

Entretanto, Baraloto et al. (2010) propôs que atributos funcionais associados a defesa,

resistência e crescimento em altura de plantas são independentes e ortogonais, o que foi

denominado de teoria do indivíduo modular. Nessa proposta, cada estrutura morfológica de

um indivíduo é um módulo que está sujeito a pressões seletivas independentes. Dessa forma,

a seleção natural pode agir de maneira distinta em cada módulo, e, assim, estruturas com a

mesma função em diferentes órgãos podem variar independentemente (Baraloto et al. 2010).

Segundo essa teoria, o caule e as folhas, do ponto de vista evolutivo, são módulos distintos e

independentes entre si. Assim, um mesmo indivíduo pode apresentar, por exemplo, o caule

com alto custo energético e as folhas com baixo custo energético.

Apesar de sabermos como a seleção natural pode atuar nos módulos com funções

distintas (Baraloto et al. 2010), pouco compreendemos como as pressões seletivas atuam em

atributos funcionais de diferentes estruturas vegetais associadas a um mesmo processo

fisiológico. Por exemplo, a função de transporte de água envolve estruturas da raiz, do caule

e das folhas. A capacidade de transporte hídrico deve ser proporcional entre estruturas, caso

contrário, a funcionalidade de uma estrutura poderia limitar a capacidade da outra, ou uma

delas não estaria sendo utilizada de forma ótima (Cruiziat et al. 2002).

Entretanto, limitações fisiológicas podem impor pressões seletivas distintas entre

estruturas associadas a uma mesma função. Por exemplo, a capacidade de transporte de água

está inversamente relacionada com a vulnerabilidade do sistema hídrico. Apesar do

incremento no diâmetro dos vasos do xilema garantir uma maior capacidade de transporte de

água, ele também está associado com o aumento da susceptibilidade à cavitação (entrada de

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ar nos vasos; Tyree & Ewers 1991). Deste modo, talvez haja um limite máximo para o

aumento do diâmetro dos vasos do xilema, possibilitando a ocorrência de pressões seletivas

diferenciadas no caule e folha, o que poderia levar ao desacoplamento dessas estruturas.

Avaliamos se os atributos funcionais de estruturas que transportam água em plantas de

florestas sazonalmente inundáveis estão correlacionados. As florestas alagáveis do rio Negro,

regionalmente conhecidas como igapós, são fortemente associadas com os pulsos sazonais de

inundação (Junk 2000). Nossa hipótese é que atributos funcionais relacionados ao transporte

hídrico no caule e nas folhas de uma planta são dependentes, conforme a teoria proposta por

Grime et al. (1997). Desse modo, esperamos que o diâmetro dos vasos do xilema no caule,

responsáveis pelo transporte de água no caule (Cruiziat et al. 2002), esteja positivamente

correlacionado à densidade de venação da folha, que representa a capacidade de distribuição

de água no limbo (Sack et al. 2013).

Métodos

Área de estudo

Nós estudamos uma floresta de igapó no arquipélago fluvial de Anavilhanas (03°05’ S -

59°59’ O), a aproximadamente 200 km a leste de Manaus, Brasil. O Rio Negro apresenta

baixo pH e águas escuras com pouco sedimento e nutrientes (Junk & Furch 1985). O pulso

sazonal de inundação faz com que as ilhas permaneçam sazonalmente submersas. A coleta de

dados foi realizada em outubro de 2014, período em que as plantas estavam emersas.

Coleta de dados

Nós coletamos ramos com folhas de 22 morfotipos de árvores. Armazenamos as amostras em

sacos de plástico para diminuir a transpiração e evitar alterações nos atributos interesse (e.g.

colapso dos vasos do xilema). Para quantificar o diâmetro médio dos vasos do xilema do caule,

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fizemos cortes histológicos transversais do caule para visualização em lupa estereoscópica.

Fotografamos o corte histológico de cada morfotipo com uma câmera fotográfica acoplada à

lupa. Utilizamos o software de análises gráficas ImageJ (versão 1.44; Rasband 1997) para

selecionar, arbitrariamente, cinco vasos do xilema e medir a área de cada um deles, a partir da

qual obtivemos o diâmetro médio do xilema de cada espécie.

Fotografamos uma folha de cada morfotipo e utilizamos o software ImageJ para

delimitarmos, arbitrariamente, uma área de 1 cm2 na imagem. Para obtermos a densidade de

venação, medimos o comprimento das venações secundárias e terciárias dentro dessa área.

Finalmente, verificamos se havia correlação entre a densidade de venação e o diâmetro médio

dos vasos do xilema de cada morfotipo usando a correlação de Spearman.

Resultados

A densidade média de venação foi de 0,56±0,25 mm mm-2 (média±desvio padrão) e o

diâmetro médio dos vasos do xilema foi de 0,15±0,03 mm. Não encontramos relação entre a

densidade de venação e o diâmetro médio dos vasos do xilema (rs=-0,04; p=0,85; Fig. 1).

Figura 1. Correlação entre densidade de venação (mm mm-2) e logaritmo na base 10 do

diâmetro médio dos vasos (mm).

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Discussão

Não encontramos relação entre a densidade de venação nas folhas e o diâmetro dos vasos do

xilema do caule. Isso sugere que os atributos analisados sofrem pressões seletivas

diferenciadas de modo que há um desacoplamento entre o transporte hídrico da folha e do

caule. Nossos resultados vão contra o esperado pela teoria das formas de vida (Grime et

al.1997) e corroboram o proposto pela teoria do indivíduo modular (Baraloto et al. 2010).

O desacoplamento das estruturas envolvidas no transporte hídrico nas folhas e caule

pode estar relacionado ao período em que a floresta de igapó está imersa. Plantas em áreas

alagadas possuem duas estratégias para lidar com o alagamento: (i) evitação, em que as plantas

reduzem transpiração, respiração e fotossíntese, e (ii) tolerância, em que as plantas possuem

características morfológicas e fisiológicas que permitem suportar o alagamento e continuar

transpirando e fotossintetizando (Luttge 2008). Para plantas com estratégia de evitação, o

sistema de transporte hídrico deixa de ser utilizado durante o alagamento, enquanto que em

plantas com estratégia de tolerância o sistema de transporte hídrico continua funcionando.

Esperaríamos assim um desacoplamento entre a densidade de venação e o diâmetro do xilema

para plantas com estratégia de evitação, porque o fechamento dos estômatos pode ser

suficiente para interromper o transporte hídrico. Essa situação não imporia pressões seletivas

dependentes em estruturas distintas ao longo do sistema hídrico. Já para as plantas com

estratégia de tolerância esperaríamos que os atributos continuassem acoplados, pois os

estômatos permanecem abertos e ainda há transporte de água. Assim, dependendo da

estratégia empregada pela planta durante o período de inundação, diferentes padrões da

relação entre atributos funcionais podem ocorrer. Nesse sentido, sugerimos incorporar a

diferenciação das estratégias para lidar com a inundação nos próximos trabalhos que estudem

a relação entre atributos funcionais de áreas alagadas.

O desacoplamento dos atributos funcionais estudados pode também ser resultado do

estresse hídrico que as plantas passam durante a estação em que a floresta está emersa. Com

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as altas temperaturas e radiação que ocorrem durante o dia, a demanda atmosférica de água

(força dessecante da atmosfera) se torna alta, aumentando a tensão da coluna de água do

xilema e podendo rompê-la. Desse modo a cavitação é possível apenas nos vasos do xilema

do caule, mas não na venação das folhas (Tyree & Ewers 1991). Assim, o diâmetro dos vasos

do caule pode estar respondendo simultaneamente à pressão seletiva de resistência à cavitação

e de eficiência de transporte hídrico, enquanto a densidade de venação pode estar respondendo

apenas à pressão seletiva de eficiência de transporte hídrico (Cruiziat et al. 2002; Sack et al.

2013). A diferença nas pressões seletivas atuando em caules e folhas pode gerar o

desacoplamento que observamos entre os atributos funcionais associados ao transporte

hídrico.

Agradecimentos

Agradecemos a Fabrício Baccaro, pela orientação do projeto, ao monitor Raul Costa Pereira

pela contribuição nas coletas, esclarecimentos e sugestões ao desenvolvimento do relatório. E

agradecemos também ao Thiago G. Kloss (Chow Chow) pelas correções e críticas ao trabalho.

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Anavilhanas – projetos livres

Efeito do tempo de inundação de ilhas sobre a diversidade beta de plântulas em

uma área de igapó na Amazônia Central

Julia F. dos Santos, Camila J. P. Ramos, Maíra D. Sagnori, Ronildo A. Benício

Inundações sazonais podem agir como filtros ambientais, selecionando as espécies que

ocorrem em diferentes cotas de inundação. Nas florestas inundáveis da Amazônia, plantas

localizadas em cotas baixas estão sujeitas a um tempo maior de submersão, o que caracteriza

uma condição mais instável. Esta instabilidade se reflete em uma composição de espécies de

plântulas mais homogênea comparado a áreas mais estáveis em cotas mais altas. Nossa

hipótese é que a diversidade beta de plântulas é maior em áreas que ficam inundadas por

menos tempo. Em uma ilha fluvial do Arquipélago de Anavilhanas, no baixo Rio Negro,

Amazônia Central, estabelecemos seis parcelas de 1 x 1 m ao longo de cada ambiente.

Coletamos plântulas entre 10 e 50 cm de altura e identificamos as morfoespécies. Utilizamos

o índice de dissimilaridade de Jaccard para medir a diversidade beta, e esperamos que o valor

do índice seja maior em áreas mais altas do que em áreas mais baixas. A média de

dissimilaridade da composição de plântulas entre as parcelas da cota mais alta (90%±12%;

média±dp) foi 1,5 vezes maior do que entre as parcelas da cota mais baixa (59%±36%;

F=2,01; gl=1; p=0,03). A maior homogeneidade na composição de plântulas da cota mais

baixa pode ser reflexo das condições mais restritivas destas áreas. O maior tempo de

submersão e a escassez de luz em períodos de cheia podem selecionar espécies de plântulas

mais resistentes, enquanto nas cotas mais altas pode ser encontrado espécies generalistas e

especialistas. Isso diminui a diversidade beta nas áreas mais instáveis.

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“Ado-a-ado, cada um no seu quadrado”: distribuição agregada de plântulas ao

longo de um gradiente de inundação

Gabriela Hass, Danielle K. Petsch, Gabriela Decker & Larissa P. Lemes

A distribuição das espécies nos ambientes é definida por fatores bióticos e abióticos. Estes

fatores podem variar de forma abrupta ou gradual no ambiente, sendo esperado que a

distribuição das espécies acompanhe esse padrão de variação. Em ambientes com distúrbios

de inundação, o tempo que as plantas ficam submersas é menor em cotas mais altas e aumenta

com a proximidade da borda. Nossa hipótese é que o padrão de distribuição de plântulas é

gradual ao longo do gradiente de inundação. Nós esperamos que a substituição de espécies de

plântulas ocorra de forma gradual à medida que nos distanciamos da borda. Para testar a nossa

previsão, delimitamos 11 parcelas de 1 m² a cada 3 m em um transecto borda-interior.

Coletamos as plântulas que ocorreram dentro de cada parcela e separamos em morfotipos.

Utilizamos o índice de Morisita (IM) para avaliar como as espécies são substituídas entre as

parcelas. Ao contrário do esperado, as plântulas são substituídas de modo agregado ao longo

do gradiente de inundação (IM=1,16; gl=9; p=0,03). Quando determinado grupo de espécies

possui tolerâncias similares, essas espécies co-ocorrem localmente, formando grupos distintos

uns dos outros ao longo do gradiente. Sugerimos que a faixa de tolerância à inundação das

plântulas é curta, pois a substituição é abrupta mesmo em uma pequena distância entre

parcelas. Portanto, apesar da inundação ocorrer de forma gradual, as plântulas se distribuem

de forma abrupta por tolerarem períodos de alagamento específicos e curtos.

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O formato do fruto favorece a capacidade de dispersão hidrocórica?

Isabel C. Barragán, Alessandro Rocha, Flávio R. O. Rodrigues, Vítor de C. Rocha

A dispersão de sementes é eficiente quando reduz predação, diminui a competição e facilita o

estabelecimento e germinação. Por outro lado, o formato do fruto pode influenciar a

capacidade dispersiva das sementes por facilitar a transposição de obstáculos. No caso da

hidrocoria, a vegetação ripária pode impor obstáculos para a dispersão destas sementes. Dado

que frutos esféricos não têm arestas e possuem menor superfície de contato com a água e

obstáculos, nossa hipótese é que frutos esféricos têm maior capacidade de dispersão

hidrocórica quando comparados com frutos de formato discóide. Caso isto ocorra, esperamos

que sementes esféricas superem mais obstáculos em menor tempo. Para testar esta previsão,

coletamos 16 sementes esféricas (Astrocaryum jauari) e 16 discóides (Macrolobium

acaiifolium) com massa similar. Colocamos as sementes de cada formato em uma área de

correnteza com obstáculos naturais (raízes, galhos e troncos). Em seguida, medimos o tempo

(segundos) que cada semente levou para superar os obstáculos pré-estabelecidos. O tempo foi

similar para as sementes de formato esférico 179,7± 86,9 (média ± desvio padrão) e discóide

162,8 ± 78,2 (t=0,57; gl=15; p= 0,56), e a frequência de insucesso de superação dos obstáculos

foi de 68% para as duas espécies. Como a forma das sementes não influencia na dispersão

hidrocórica, o formato pode ter sido selecionado por convergência funcional. Em florestas

tropicais, de 50 a 90% das espécies são zoocóricas. Sendo assim, é possível que a zoocoria

atue como um importante fator que influencia na modulação do formato dos frutos.

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A coloração vermelha em folhas não atua como sinal aposemático

Camila C. Hohlenenwerger, Bruno G. Melati, Paulo Bittencourt, Nelson S. Pinto

Organismos impalatáveis podem apresentar colorações características que indicam sua

impalatabilidade a seus predadores (aposematismo). Enquanto em animais e frutos este

fenômeno é bem conhecido, pouco se sabe sobre sua importância em folhas. Como algumas

folhas jovens apresentam coloração vermelha intensa associada à sua impalatabilidade, nossa

hipótese é que a cor vermelha em folhas é um sinal aposemático. Para avaliar essa hipótese,

medimos a herbivoria controlando por diferenças na intensidade de vermelho entre folhas

localizadas na borda e no interior de uma floresta de igapó. Se nossa hipótese for verdadeira,

esperamos que a herbivoria seja maior em folhas no interior em relação às folhas da borda,

visto que a detecção de um eventual sinal aposemático deveria ser menor onde há menor

luminosidade. As folhas da borda tiveram em média 7,2% (± 2,27) de herbivoria, enquanto

no interior a média foi de 5,0% (± 2,10). As folhas vermelhas foram consumidas em

quantidade semelhante na borda e no interior (F=0,42; gl=1,22;p=0,52). Isso indica que não

existe aposematismo em folhas vermelhas jovens. A coloração vermelha de folhas jovens

pode estar relacionada à presença de antocianinas e compostos fenólicos que são impalatáveis.

Desta forma, o acúmulo destas substâncias nas folhas jovens pode estar ligado à defesa contra

herbivoria, sem que a cor resultante transmita sinais visuais sobre sua impalatabilidade.

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A maior capacidade de absorção de nutrientes por plântulas reflete a troca das

folhas após a inundação

Paulo H.S. Araújo-Camargo, Alexandre C. Siqueira, Daniele J. Moreno & Giulliana Appel

Em florestas sob inundações periódicas, plantas submersas têm sua fotossíntese

comprometida. Frente a isso, algumas plantas têm estratégias de perder as folhas durante a

inundação e produzir novas ao ficarem emersas, enquanto outras mantêm suas folhas durante

a inundação. Estas, apesar de não terem o gasto energético da troca de folhas, dado que esse

processo demanda muitos nutrientes, têm sua fotossíntese dificultada pelo acúmulo de

sedimento no limbo. Nossa hipótese é que plântulas que possuem maior capacidade de

absorção de nutrientes conseguem trocar as folhas após a cheia. Em uma floresta de igapó na

Amazônia, medimos a altura da plântula e o diâmetro das raízes de plântulas de 13

morfoespécies com folhas maduras e de 13 morfoespécies com folhas novas. Para verificar a

relação entre a troca da folha e o diâmetro da raiz, realizamos uma regressão logística entre o

tipo de folha e os resíduos da regressão linear entre diâmetro da raiz e altura das plântulas.

Esperávamos que plântulas que apresentam folhas novas tivessem um diâmetro maior de raiz

controlado pela altura do que plântulas que mantêm as folhas. Plântulas que trocam folhas

apresentaram maior diâmetro da raiz (0,06±0,15, média±DP) do que plântulas com folhas

maduras (-0,06±0,11) (χ² =5,40, n=26, p=0,04) e, consequentemente, possuem maior

capacidade de absorção de nutrientes. Como o igapó é um ambiente com baixa disponibilidade

de nutrientes, a troca das folhas deve ser custosa para as plântulas. Portanto, o

desenvolvimento de raízes com maior diâmetro pode ser importante para espécies de plantas

desse ambiente.

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Km 41 – projetos orientados

Risco de predação afeta o comportamento de girinos

Isabel C. Barragán, Larissa P. Lemes, Alessandro Rocha & Paulo H. Araújo-Camargo

Introdução

Organismos se distribuem em um contínuo que pode ir desde uma configuração espacial

dispersa até agregada (Begon et al. 2006). Variações na disposição de indivíduos

coespecíficos podem estar associadas às condições ambientais tais como luminosidade,

umidade ou temperatura (Ricklefs 2008). Adicionalmente, interações biológicas também têm

papel importante na configuração das populações no espaço. Por exemplo, a competição

intraespecífica pode ser o mecanismo responsável pela distribuição uniforme de plantas

arbóreas (Ricklefs 2008). Por outro lado, o padrão agregado em peixes pode ser uma resposta

à pressão de predação que esses organismos estão sujeitos (Hamilton 1971).

A predação é um dos mais importantes mecanismos de pressão seletiva sobre indivíduos

(Langerhans 2006). Predadores podem influenciar populações de suas presas reduzindo a

abundância, diminuindo a competição entre elas e restringindo suas áreas de ocorrência

(Gascon 1990). A predação pode ter efeitos letais (Abrams 2000) e não letais (McPeek 1990).

Efeito não letal pode ser observado quando há alteração morfológica, fisiológica ou

comportamental da presa em resposta à pressão do predador (Hoverman & Relya 2011, Walsh

et al. 2012, Reynolds & Bruno 2013). Entre os efeitos não letais ressaltamos a mudança

comportamental frente ao predador, como por exemplo, a formação de agrupamentos como

estratégia de defesa contra predadores (Krebs & Davies 1993).

Em diversos grupos animais, a vida em grupo pode conferir quatro principais vantagens

em relação ao risco de predação (Krebs & Davies 1993). A agregação aumenta a eficiência da

vigilância do grupo, uma vez que, a taxa per capita de procura e aquisição de recursos pode

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aumentar já que nem todos os indivíduos precisam vigiar o grupo ao mesmo tempo. Outra

vantagem é o efeito de diluição, dado que a probabilidade de um indivíduo ser predado

diminui conforme o tamanho do grupo aumenta, já que o predador consome uma presa por

vez. Além disso, grupos de animais que investem em colorações crípticas associadas a

movimentos coordenados de grupo, podem desorientar o predador via efeito de confusão.

Também existem grupos de presas que conseguem se organizar para se defender ativamente

do predador (Krebs & Davies 1993). Desse modo, populações que se distribuem de modo

agregado experimentam menores taxas per capita de predação.

Nós observamos em poças temporárias que girinos mantêm uma distribuição agregada.

Quando ocorre algum distúrbio, como, por exemplo, uma vibração na água, os girinos se

dispersam momentaneamente e, em seguida, se reagrupam. Dado que nestas poças, os

predadores de girinos, como baratas d’água, aranhas e larvas de odonata são abundantes,

procuramos responder como os predadores determinam o agrupamento dos girinos. Nossa

hipótese é que o risco de predação aumenta a agregação dos girinos.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do km 41, formada

por floresta ombrófila densa de terra firme e contínua, administrada pelo Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação

da Biodiversidade (ICMBio). A reserva localiza-se a 80 km ao norte de Manaus, Amazonas,

Brasil.

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Delineamento amostral

Para mensurar o efeito do risco de predação no nível de agregação dos girinos, realizamos um

experimento com dois tipos de tratamento: um com sinal do predador e outro sem sinal do

predador. Dessa forma, preparamos um extrato de predador utilizando baratas d’água da

família Bellastomatidae, mantidas em repouso por 24h em água. Usamos essa solução para

simular o sinal químico do predador.

Para quantificar o efeito do risco de predação na agregação dos girinos, montamos um

experimento com 26 recipientes plásticos cilíndricos de 200 ml (8 cm de diâmetro e 6 cm de

altura), contendo água das poças (aproximadamente 60 ml). Colocamos seis girinos,

capturados na mesma poça e da mesma espécie (família Leptodactylidae), em cada recipiente

e esperamos por 30 minutos para aclimatação dos girinos e estabilização da sua distribuição.

Passado este tempo, fotografamos a lâmina d’água de todos os recipientes com vista de cima

e com escala métrica para registrar a disposição inicial dos girinos.

Para avaliar o efeito da presença do predador na distribuição dos girinos, realizamos o

ensaio com dois tratamentos. Em metade dos recipientes adicionamos, com o auxílio de uma

pipeta de Pasteur, 1,0 ml de solução com extrato de predador e na outra metade dos recipientes

1,0 ml de água. Distribuímos os tratamentos nas amostras de forma alternada. Depois da

aplicação dos tratamentos, aguardamos 5 minutos para estabilizar a distribuição dos girinos.

Passado este tempo, fotografamos cada recipiente novamente para registrar a disposição dos

girinos pós-tratamento.

Cálculo de Agregação

Utilizamos as fotos tiradas pré e pós-tratamento para calcular o mínimo polígono convexo da

distribuição dos girinos usando o programa “ImageJ” (versão 1.48v, Rasband 2014). Como

métrica da mudança no grau de agregação dos girinos, mensuramos a diferença entre a área

dos polígonos antes e depois da aplicação dos tratamentos.

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Esperamos encontrar maior diferença entre as áreas dos polígonos pré e pós-aplicação

do extrato de predador quando comparados à aplicação de água. Para testar nossa previsão

realizamos um test t. Usamos como variável preditora o tipo de tratamento (extrato de

predador ou água) e como variável resposta a diferença da área de agregação (pré-tratamento

menos pós-tratamento).

Resultados

Após o tratamento com extrato de predadores a área média formada pela distribuição dos

girinos diminuiu de 17,6±3,1 cm² (média±DP) para 12,3±5,8 cm², o que representa uma

redução de 30% da área de distribuição inicial. Por outro lado, os girinos submetidos ao

tratamento controle, aumentaram sua área de distribuição de 13,7±4,2 cm² para 14,5±6,1 cm²,

expandindo 5,8% da área de distribuição. A diferença de área das distribuições do grupo de

girinos submetidos ao extrato de predador foi, em média, 6,1 cm² maior que a diferença de

área das distribuições do grupo de girinos submetidos ao tratamento controle (t=2,98; gl=24;

p=0,003; Fig. 1).

Figura 1. Média das diferenças de área de agregação de girinos submetidos ao extrato de

predador e à água (controle) em uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil.

Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.

-4

-2

0

2

4

6

8

Extrato de predador Água

Dif

eren

ça d

e ár

ea d

e ag

reca

ção

(cm

²)

Tratamento

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Discussão

Os girinos responderam ao risco de predação aumentando a sua agregação. Das quatro

possíveis vantagens do comportamento de agregação como estratégia de escape a predação

(Krebs & Davies 2005), apenas uma pode ser atribuída aos girinos no sistema estudado.

Podemos descartar tanto o efeito de confusão, quanto o efeito de vigilância, pois a água das

poças é turva e nesses ambientes os girinos são visualmente mal orientados (McDiarmid &

Altig 2000). Girinos também não apresentam defesa de grupo (mobing), uma vez que não têm

estruturas de defesa (McDiarmid & Altig 2000). Nesse sentido, o efeito de diluição

possivelmente é o mecanismo que confere vantagem adaptativa aos indivíduos que se

agrupam frente ao risco de predação. Ao se agruparem, girinos possivelmente encontram

menor probabilidade de serem predados à medida que o número de indivíduos no grupo

aumenta (Hamilton 1971).

Apesar do agrupamento favorecer os indivíduos em ambientes com maior risco de

predação, ele também gera um efeito negativo, que é o aumento da competição intraespecífica

entre membros de um mesmo agrupamento (Scott 2005). A limitação de alimento e espaço

gerado pela competição reflete negativamente na aptidão dos indivíduos que formam o grupo

(Morin 2011). Dado a redução local de recursos disponíveis, a competição pode levar à

redução da sobrevivência, crescimento e reprodução dos indivíduos envolvidos (Begon et al.

2006, Fitzpatrick et al. 2007). Assim, podemos esperar que, em populações naturais, a aptidão

dos girinos será menor em ambientes com maior risco de predação.

O efeito de diluição é uma estratégia usada pelos girinos que minimiza o risco de

predação. Entretanto, estratégias reprodutivas também podem afetar a sobrevivência da prole,

como mudanças no período reprodutivo para evitar o contato com o predador (Langerhans

2006). Caso as fêmeas sejam capazes de avaliar o risco de predação dos ambientes, a

deposição de ovos em sítios com menor risco de predação deve aumentar a aptidão da prole.

Nesses ambientes, os girinos poderão se distribuir de modo mais disperso e,

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consequentemente, estarão sob menor pressão da competição intraespecífica. Dessa forma, o

balanço entre as pressões de predação e competição entre girinos em poças pode ser uma

pressão sobre a seleção de sítios de oviposição pelas fêmeas.

Os girinos responderam ao risco de predação aumentando a agregação. Podemos

afirmar que existe uma mudança na distribuição espacial dos girinos frente à ameaça de

predação, mas essa mudança pode estar sendo modulada pelo balanço entre a vantagem

adquirida com o efeito de diluição da predação e as desvantagens trazidas pelo aumento da

competição intraespecífica entre girinos em uma mesma poça.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a todos que colaboraram com este nosso trabalho. Em especial ao

nosso orientador e amigo Raul pela dedicação, paciência e pelos comentários sempre

pertinentes e construtivos. Valeu meu caro!!! E a Laura Leal, pela atenção e delicadeza suas

contribuições foram valiosas não só pelo conteúdo, mas também pela forma de transmissão

do seu conhecimento. Ficamos muito gratos!!! ;)

Referências

Abrams, P.A. 2000. The evolution of predator-prey interactions: theory and evidence. Annual

Review of Ecology and Systematics,31:79-105.

Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. 2006. Ecology: from individuals to ecosystems.

Oxford: Blackwell Publishing.

Fitzpatrick, M.J., E. Feder, L. Rowe & M.B. Sokolowski. 2007. Maintaining a behaviour

polymorphism by frequency-dependent selection on a single gene. Nature, 447:210-

213.

Hamilton, W.D. 1971. Geometry for the selfish herd. Journal of Theoretical Biology, 31:295–

311.

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Hoverman, .J.T. & R.A. Relyea. 2011. The long-term impacts of predators on prey: inducible

defenses, population dynamics, and indirect effects. Oikos.

Krebs, J.R. & N.B. Davies. 1993. An introduction to behavioural ecology. Oxford: Blackwell

Publishing.

Langerhans, R.B. 2006. Evolutionary consequences of predation: avoidance, escape,

reproduction, and diversification.

McDiarmid, R.W., R. Altig. 2000. Tadpoles: The biology of anuran larvae. Chicago: The

University of Chicago Press.

McPeek, M.A. 1990. Behavioral differences between Enallagma species (Odonata)

influencing differential vulnerability to predators. Ecology, 71:1714-1726.

Morin, P.J. 2011. Community Ecology. Malden: Blackwell Science.

Oxford University Press.

Rasband W. 2014. ImageJ versão 1.48v. U.S. National Institutes of Health, Bethesda, MD,

USA. http://imagej.nih.gov/ij/index.html. Acesso em 23 jun. 2014.

Reynolds, P.L. & J.F. Bruno. 2013. Multiple predaotr species alter prey behavior, population

growth and a trophic cascade in a model estuarine food web. Ecological Monographs,

83:119-132.

Ricklefs, R.E. 2008. The economy of nature. New York: W. H. Freeman and Company.

Scott, G. 2005. Essentials of animal behaviour. Oxford: Blackwell Publishing.

Walsh, S.M., S.L. Hamilton, B.I. Ruttenberg, M.K. Donovan & S.A. Sandin. 2012. Fishing

top predators indirectly affects condition and reproduction in a reef-fish community.

Journal of Fish Biology, 80:519-537.

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O hemíptero Jalisus ossae não utiliza camuflagem química para evitar o ataque da

formiga Pheidole minutula

Alexandre C. Siqueira, Bruno G. Melati, Camila J.P. Ramos & Danielle K. Petsch

Introdução

Estratégias que maximizam a aptidão de organismos quanto à eficiência na obtenção de

recursos e a sobrevivência tendem a ser selecionadas. Uma das estratégias que evoluiu para

conferir tais vantagens é se tornar menos conspícuo, o que é conhecido como mimetismo

(Ricklefs 2012). Alguns organismos se tornam mímicos para não serem percebidos por suas

presas, ou para reduzirem o risco de predação (Begon et al. 2006). Há ainda organismos que

usam o mimetismo como mecanismo para explorar recursos de outras espécies sem que sejam

reconhecidos como invasores (e.g. aranhas associadas a formigueiros) (Rettenmeyer 1970).

O mimetismo pode ser tátil, visual, comportamental ou químico (Ruxton et al. 2004).

A comunicação por meio de sinais químicos é comum em grupos de artrópodes. Algumas

espécies se especializaram em mimetizar esses sinais (Greenfield 2002). Nesse sentido, o

mimetismo químico ocorre quando o indivíduo mímico emite sinais químicos semelhantes

aos sinais emitidos por indivíduos de outras espécies (Ruxton et al. 2004). Dessa forma, o

mímico é identificado como um coespecífico, o que pode conferir vantagens para captura de

presas e escape do predador (Greenfild 2002).

A capacidade de perceber sinais químicos é bem desenvolvida em diversos

organismos. Por exemplo, nas formigas os sinais químicos estão associados a detecção de

invasores e a comunicação entre formigas da mesma colônia (Lach et al. 2010). Um exemplo

dessa capacidade vem dos sistemas de mutualismo entre plantas mirmecófitas e formigas.

Nestes sistemas, as formigas são capazes de detectar compostos químicos voláteis que a planta

emite quando suas folhas sofrem danos (Romero & Izzo 2004). Quando as formigas detectam

esses sinais químicos, patrulham a folha e atacam os organismos invasores, protegendo a

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planta contra herbivoria (Bronstein 1994). Nesses sistemas mutualísticos, não só os sinais

químicos são detectados, mas também os sinais físicos, como vibrações na folha. Portanto,

para que um organismo tenha sucesso em permanecer em uma folha nesses sistemas

mutualísticos, é necessário que ele consiga evitar ser atacado ou se defender das formigas.

Uma das estratégias para evitar o ataque pode ser mimetizar os sinais químicos emitidos pelas

formigas (Rettenmeyer 1970).

Um exemplo de mutualismo de defesa ocorre entre a formiga Pheidole minutula que

nidifica nas domáceas da planta mirmecófita Maieta guianensis. Nessa interação, as formigas

atacam qualquer organismo que visite as folhas de M. guianensis. Contudo, o hemíptero

predador Jalisus ossae consegue permanecer nessas plantas sem ser atacado pelas formigas.

Portanto, nós buscamos entender por que o hemíptero J. ossae não é atacado pela P. minutula

associado a M. guianensis. É provável que ao pousar na folha, esse hemíptero não seja

percebido pelas formigas. Como as formigas se orientam quimicamente, nossa hipótese é que

o hemíptero J. ossae apresenta camuflagem química, que seria uma vantagem contra a

predação por formigas, o que poderia possibilitar a associação à M. guianensis. Se nossa

hipótese for verdadeira, indivíduos de J. ossae que tiverem seus sinais químicos removidos

serão atacados por P. minutula após serem colocados em folhas de M. guianensis, enquanto

os indivíduos que não tiverem seus sinais químicos removidos, não serão atacados.

Métodos

Área de estudo

Realizamos o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do km 41,

administrada pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), localizada

a 80 km ao norte de Manaus, Amazônia Central. A vegetação da ARIE é constituída por

floresta ombrófila primária úmida (Lovejoy & Bierregaard 1990).

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Delineamento experimental

Para avaliar se J. ossae emite sinal químico de camuflagem para evitar ser detectado pela

formiga P. minutula, coletamos 20 indivíduos desse hemíptero, em arbustos de M. guianensis.

Mergulhamos 10 indivíduos em solução de hexano para remover substâncias químicas do

exoesqueleto (Uma & Weiss 2009), incluindo potenciais sinais químicos que mimetizam P.

minutula. Outros 10 indivíduos não foram mergulhados no hexano (controle). Como os

indivíduos mergulhados no hexano morrem quando submetidos ao tratamento, os indivíduos

do experimento controle também foram mortos, com o auxílio de uma pinça, para manter

todos os indivíduos na mesma condição. Esses hemípteros foram mortos segundos antes de

serem colocados sobre as folhas de M. guianensis. Consideramos que se houver emissão de

sinal químico para o hemíptero se camuflar entre as formigas, essa emissão é constante e a

substância química é acumulada sobre o exoesqueleto. Desse modo, mesmo com o animal

morto, o sinal químico continuará ativo.

Cada hemíptero foi colocado no limbo das folhas mais apicais (folhas mais jovens) de

um indivíduo de M. guianensis que estava sendo patrulhado por formigas operárias.

Observamos até, no máximo, três minutos para verificar se havia ou não o ataque ao

hemíptero. Caracterizamos o ataque como a remoção dos indivíduos de J. ossae das folhas de

M. guianensis realizado por indivíduos de P. minutula.

Resultados

No tratamento que recebeu a aplicação do hexano (n=10), todos os indivíduos de J. ossae

foram atacados ao serem colocados sobre as folhas de M. guianensis. No tratamento controle,

observamos o mesmo resultado, sendo todos os indivíduos (n=10) atacados por P. minutula

no tempo estipulado. Em todos os indivíduos, o ataque se iniciou a partir da identificação do

hemíptero por uma formiga operária. Após o reconhecimento, ocorreu o recrutamento de um

grupo de operárias para iniciar a retirada do hemíptero que era levado para as domáceas.

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Discussão

Observamos que o hemíptero J. ossae não mimetiza os sinais químicos das formigas,

contrariando nossas expectativas. Portanto, uma possível camuflagem química não explica o

fato do hemíptero não ser atacado por P. minutula em M. guianensis.

Uma potencial explicação para os resultados obtidos é o fato de que a produção de

compostos químicos por animais é extremamente custoso em termos energéticos (Ruxton et

al. 2004). A evolução de sinais químicos envolve o desenvolvimento de uma via metabólica

complexa que só deve ocorrer a partir de fortes pressões seletivas (Ruxton et al. 2004). Nesse

sentido, seria mais parcimonioso pensar em outros mecanismos, como atributos físicos

presentes na planta mirmecófita, que permitissem que o hemíptero não fosse atacado pelas

formigas.

Uma possibilidade é que o hemíptero não é atacado porque ele não gera estímulo

mecânico detectável pelas formigas ao pousar e se deslocar nas folhas. Observamos em campo

que o hemíptero J. ossae caminha sobre os tricomas das folhas sem tocar no limbo. Alguns

artrópodes predadores ocorrem preferencialmente em plantas com tricomas, pois essas

estruturas podem auxiliar a captura de presas (Romero & Vasconcellos-Neto 2007). Portanto,

a presença de tricomas em M. guianensis pode favorecer a ocorrência do hemíptero predador

J. ossae na planta tanto pela facilitação na obtenção de recursos quanto por evitar a detecção

pelas formigas. As pernas compridas do hemíptero podem facilitar que ele caminhe sobre os

tricomas da folha sem ser detectado pelas formigas. Um experimento de simulação do pouso

de diferentes organismos em M. guianensis demostrou que o impacto do pouso de J. ossae

sobre a planta não é detectado pelas formigas (Pires et al. 2012). Como a remoção dos sinais

químicos do hemíptero necessariamente mata os indivíduos, ao colocarmos os hemípteros

sobre as folhas eles entravam em contato com o limbo. Esse contato permitiu que tanto os

indivíduos com sinal químico, como os sem sinal químico, fossem atacados. Isso fortalece

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129

ainda mais que a forma como J. ossae caminha sobre os tricomas de M. guianensis pode ser

o mecanismo que evita a detecção pelas formigas.

Concluímos que a camuflagem química não é o mecanismo utilizado pelo hemíptero

para o ataque pelas formigas na planta mirmecófita. A partir disso, propomos a hipótese a

posteriori de que J. ossae utiliza uma barreira física contra o ataque das formigas, o que

permite a permanência do hemíptero nas folhas de M. guianensis.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao grande Xexéu (chauchau) pela orientação e pelas explicações

sobre aranhas e grilos. Também agradecemos a paciência e atenção do Raulzito para com

nosso manuscrito. Agradecemos ainda ao INPA e aos demais professores do EFA por tudo.

Referências

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131

A riqueza de artrópodes da serapilheira diminui com o aumento da

heterogeneidade ambiental

Maíra D. Sagnori, Nelson S. Pinto, Giulliana Appel & Ronildo A. Benício

Introdução

A heterogeneidade espacial do habitat é um importante fator estruturador da diversidade

biológica. Ambientes estruturalmente mais complexos favorecem um número maior de nichos

(Allouche et al. 2012). Isso possibilita a coexistência de espécies com diferentes

requerimentos de recursos e condições, permitindo o aumento o número de espécies. A relação

espécie-área é outro padrão que possui diferentes mecanismos causais responsáveis pelo

aumento no número de espécies (Preston 1962). Um dos mecanismos que podem explicar esse

padrão é que áreas maiores suportam populações maiores de diversas espécies. Isto porque ,

áreas maiores podem ter mais tipos de habitats ou maior heterogeneidade ambiental,

permitindo a entrada de organismos por migração. Isso também leva a um aumento linear do

número de espécies.

Entretanto, o aumento da heterogeneidade pode causar a diminuição no espaço

disponível para a ocupação pelas espécies em uma área fixa. Esta é uma abordagem recente

sobre a relação entre heterogeneidade de habitats e a riqueza de espécies, a qual sugere que o

padrão esperado é uma relação unimodal (Kadmon & Allouche 2007). Esta teoria, chamada

de “Demanda conflitante entre área e heterogeneidade” (sigla AHTO em inglês), é baseada na

relação entre aumento de heterogeneidade e da área disponível para ocupação por novas

espécies (Allouche et al. 2012). A heterogeneidade aumenta a área disponível até certo ponto,

quando esta fica tão alta que o espaço disponível em cada tipo de habitat diminui, e dessa

forma não comporta muitas espécies (Fig. 1). A grande diversidade de medidas de

heterogeneidade ambiental (e.g. altitude, distribuição geográfica, tipos de paisagens e

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composição vegetal) dificulta a generalização deste padrão para diferentes escalas e sistemas

biológicos (Stein et al. 2014).

Figura 1. Relação entre heterogeneidade ambiental e riqueza segundo a teoria da AHTO. As

setas vazadas indicam um ambiente hipotético para cada faixa da curva. N= número de

espécies em cada espaço, S=riqueza total da área.

A relação linear positiva entre riqueza e heterogeneidade é mais frequentemente relatada

na literatura (Hortal 2013, Allouche 2013). Em uma revisão recente sobre a relação entre

heterogeneidade de habitats e riqueza de espécies, Stein e colaboradores (2014) relatam que

estudos empíricos da AHTO ainda são escassos em escalas espaciais menores. Além disso,

faltam estudos que demonstrem ou refutem a relação unimodal da heterogeneidade do solo e

da vegetação sobre a riqueza de invertebrados. Neste trabalho buscamos avaliar qual é o

padrão da relação riqueza-heterogeneidade em organismos de serapilheira em uma escala

local. Nós acreditamos que o aumento da diversidade de componentes da estrutura de

serapilheira e o aumento de sua densidade geram um padrão unimodal na riqueza de

artrópodes.

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Métodos

Nós realizamos este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizado

cerca de 80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto

Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A fazenda

tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al.

2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e

pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Para avaliar como a heterogeneidade influencia a riqueza de espécies de artrópodes de

serapilheira, amostramos 10 parcelas de 25 cm x 25 cm de serapilheira em uma área no interior

da floresta primária de terra firme. As amostras de serapilheira foram coletadas em diferentes

ambientes para captarmos uma maior variação de habitats, e consequentemente uma maior

heterogeneidade. Utilizamos a ocorrência e abundância de objetos e a densidade de cada

amostra como medidas de heterogeneidade. Classificamos os objetos encontrados em 18

categorias (Tabela 1). O peso do resíduo de cada amostra foi considerado com a matéria

orgânica não identificada dentro de cada uma das 18 categorias de objetos da serapilheira.

Tabela 1. Objetos encontrados na serapilheira e usados para estimar a heterogeneidade local

em uma floresta de terra firme, Amazônia Central, Brasil.

Objetos Valores

Folha decomposta pequena (1 – 9 cm) Abundância total

Folha decomposta média (9,1 – 15 cm) Abundância total

Folha decomposta grande (15,1 – 25 cm) Abundância total

Folha decomposta extra grande (> 25 cm) Abundância total

Folha verde pequena (1 – 9 cm) Abundância total

Folha verde média (1 – 15 cm) Abundância total

Folha verde grande (15,1 – 25 cm) Abundância total

Graveto fino (0,1 – 0,3 cm) Abundância total

Graveto médio (0,31 – 0,6 cm) Abundância total

Graveto grosso (0,61 – 0,9 cm) Abundância total

Galho (> 1 cm) Abundância total

Casca Ocorrência

Raiz Ocorrência

Fruto Abundância total

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Palha Ocorrência

Flor Abundância total

Plântula Abundância total

Resíduo da serapilheira Peso (mg)

Para obter a densidade (peso/volume) de cada amostra, pesamos a serapilheira com uma

balança de precisão e calculamos o volume de cada parcela multiplicando o comprimento pela

largura e altura média da serapilheira. A altura média da serapilheira foi estimada pela média

da altura de cinco pontos dentro de cada parcela, sendo um em cada vértice da parcela e um

no centro.

Nós estimamos a heterogeneidade de cada parcela usando o índice de Simpson baseado

nas 18 categorias de objetos. Como valores mais altos do índice de Simpson (S) representam

uma menor diversidade, nós utilizamos o inverso deste índice (1/S), que representa uma

relação direta com a diversidade. Quantificamos o número de espécies de invertebrados dentro

da serapilheira como variável resposta. Nós relacionamos a riqueza de espécies com o índice

de heterogeneidade (1/S) e a densidade da serapilheira usando uma regressão múltipla. Para o

índice de heterogeneidade nós incluímos o termo quadrático no modelo de regressão. A

densidade da serapilheira também é uma medida espacial da heterogeneidade, mas não é uma

medida de abundância ou ocorrência. Por isso, esta variável foi colocada como um fator

separado no modelo de regressão. As análises foram feitas no programa R usando o pacote

vegan (The R Development Core Team 2009, Anderson 2006).

Resultados

A riqueza de espécies de invertebrados por parcela variou de 7 a 14 espécies (média = 10

espécies). Dentre os objetos classificados, folhas decompostas foram os mais abundantes

(N=852), enquanto plântulas foram os menos abundantes, com apenas seis indivíduos. O peso

da serapilheira variou de 85 a 170 g (média = 126,3 g). Não encontramos relação entre a

riqueza de espécies de invertebrados e a densidade das amostras (F = 0,68; gl. = 1; p = 0,43).

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Por outro lado, a relação entre a riqueza de espécies e a heterogeneidade da serapilheira (1/S)

foi negativa e linear (F = 6,16; gl. = 1; p = 0,04; Fig. 1).

Figura 1. Relação entre riqueza de espécies de invertebrados e a heterogeneidade (1/S) da

serapilheira em uma área de floresta primária de terra firme, localizada na Amazônia Central,

Brasil.

Discussão

A relação entre espécie e área presume que o número de espécies aumenta com o aumento da

área, enquanto o aumento da heterogeneidade de habitats pode diminuir a área disponível para

ocupação das espécies, como explicado pela AHTO. Em nosso estudo nós encontramos uma

relação linear negativa entre heterogeneidade da serapilheira e a riqueza de espécies de

artrópodes associados. De modo geral, respostas negativas para esta relação são encontradas

em escalas espaciais pequenas (Tamme et al. 2010). Nesta situação, a heterogeneidade do

ambiente pode ser responsável por promover a dominância de poucas espécies (Tamme et al.

2010). Estas espécies dominantes provavelmente são bem adaptadas a ambientes

heterogêneos, e podem impedir o estabelecimento de outras espécies menos competitivas.

Esse mecanismo leva ao descréscimo na riqueza observada mesmo em áreas muito

heterogêneas.

A relação entre heterogeneidade ambiental e riqueza de espécies geralmente é associada

com fatores que determinam o estabelecimento das espécies, tais como a movimentação dos

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animais, o tamanho do corpo e os requerimentos de hábitat (Lassau & Hochuli 2004 apud

Stein et al. 2014). Em uma escala muito pequena, o número de espécies pode decair com a

heterogeneidade ambiental quando o hábitat é tão denso que os organismos gastam muita

energia na movimentação (Lassau & Hochuli 2004 apud Stein et al. 2014). Dessa forma, em

ambientes mais heterogêneos o número de obstáculos e interstícios aumenta para certas

espécies de invertebrados de solo, o que pode dificultar na locomoção destes organismos

(Kaspari &Weiser 1999). Portanto, os indivíduos precisam de mais energia para se

movimentar no local, o que pode dificultar o estabelecimento de algumas espécies, e

consequentemente diminuir o número de espécies no ambiente (Farji-Brener et al. 2004).

A movimentação dos organismos nos interstícios de ambientes terrestres é

inversamente relacionada com seu tamanho (Kaspari &Weiser 1999). Para organismos

menores, a capacidade de perceber os recursos nesses interstícios é maior quando comparada

com organismos maiores que utilizam o mesmo espaço. Entretanto, a separação das estruturas

que compõem o interstício pode aumentar a distância até o recurso. Esta distância cria um

padrão que pode representar uma microfragmentação do habitat para certos organismos da

serapilheira (Tamme et al. 2000). Os organismos menores e com menor capacidade de

deslocamento não conseguem acessar esses locais, o que diminui o número local de espécies

(Stein et al. 2014).

O padrão identificado em nosso estudo demonstra que o aumento da heterogeneidade

na serapilheira é acompanhado por uma redução do número de espécies. O padrão observado

em nosso estudo para escalas espaciais pequenas refuta o padrão AHTO. Logo, diferentes

padrões podem ser observados em diferentes escalas, o que torna necessária a avaliação do

padrão em outras escalas espaciais.

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Agradecimentos

Agradecemos a Lucas “coceirinha” e Paulo “morcegão” pela orientação, esclarecimentos e

paciência. Foi óoootimooooo!

Referências

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O tamanho corporal media interações antagonistas entre formigas predadoras?

Paulo Bittencourt, Daniele J. Moreno, Gabriela Decker, Júlia dos Santos

Introdução

Competição é uma interação em que um organismo restringe o acesso de outro a um recurso

(competição por interferência) ou consome um recurso e diminui sua disponibilidade para

outro (competição por exploração) (Burns & Lester 2008). Em ambos os casos, quando há

competição, há redução da aptidão dos organismos envolvidos. Em geral, a competição ocorre

por acesso a presas, nutrientes, locais de nidificação, áreas de forrageamento ou por parceiros

reprodutivos (Begon et al. 2006).

A compreensão do conceito de nicho é fundamental para entender processos

relacionados à competição. O nicho de uma espécie é definido como o espaço

multidimensional composto por faixas de condições e recursos nas quais indivíduos de uma

determinada espécie conseguem sobreviver e reproduzir (Hutchinson et al. 2006). De acordo

com esse conceito, a competição deve ocorrer quando as dimensões dos eixos deste nicho

relacionadas a recursos de duas espécies se sobrepõem. Quanto maior for essa sobreposição,

maior será a probabilidade de haver competição entre as espécies (Grime 1973).

Atributos morfológicos podem representar boas ferramentas para estimar a

possibilidade de uso de recursos e consequentemente parte do nicho de diferentes populações

(Polechová & Storch 2008). Em particular, o tamanho corporal é um atributo frequentemente

utilizado para estimar o nicho de vários organismos (Moen & Wiens 2009). Isso ocorre porque

o tamanho do corpo de um organismo determina diferentes componentes do nicho, como

mecanismos de defesa que ele apresenta, o tipo e o tamanho de recursos consumidos ou o

espaço físico que ele irá ocupar (Pianka 1994).

Neste estudo, nós analisamos o efeito do tamanho do corpo nas interações competitivas

entre formigas que ocupam inflorescências de Palicouria guianensis (Rubiaceae). Nesse

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sistema, formigas de diferentes tamanhos ocorrem nas plantas que oferecem nectários

extraflorais e, em contrapartida, as formigas protegem a planta contra herbivoria. Nossa

hipótese é que formigas de tamanhos semelhantes apresentarão interações antagonistas.

Métodos

Área de estudo

Nós realizamos o estudo em uma área de floresta de terra firme contínua pertencente ao

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02°24’ S e 59°44’ O), na Amazônia

Central, Brasil. O clima do local é classificado como tropical úmido segundo a classificação

de Köppen (Peel et al. 2007) com temperatura média de 26,7 ºC e pluviosidade anual em torno

de 2186 mm.

Coleta de dados

Para avaliarmos se as formigas nas flores apresentam respostas distintas a formigas de

diferentes tamanhos, percorremos um transecto de 800 m. Nessa área, nós selecionamos

plantas de P. guianensis com inflorescências ocupadas por apenas uma espécie de formiga.

Para simular possíveis invasores, utilizamos formigas vivas de tamanhos pequeno (Pheidole

sp./3 mm, aproximadamente) e grande (Ectatoma sp./11 mm, aproximadamente) coladas em

filetes de madeira. Em cada inflorescência colocamos um filete de madeira com formiga

pequena ou um filete de madeira com formiga grande. Em seguida, observamos o

comportamento das formigas presentes nas inflorescências por 2 min e anotamos se elas

atacavam as formigas do filete. Consideramos como ataque quando as formigas ferroavam ou

mordiam as formigas presentes no filete. Se nossa hipótese for verdadeira, esperamos que as

formigas presentes em P. guianensis ataquem as formigas de mesmo tamanho colocadas na

inflorescência, ao passo que quando os tamanhos das formigas diferirem, não ocorrerá ataque.

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Análise de dados

Avaliamos a resposta das formigas presentes nas inflorescências usando um teste qui-

quadrado. Consideramos os tamanhos relativos (grande e pequena) do par de formigas

presentes na flor e no filete de madeira como variável explicativa e a ocorrência de ataque

como variável resposta.

Resultados

Analisamos 23 inflorescências: 16 estavam ocupadas por formigas pequenas (Pheydole sp.

e/ou Crematogaster sp.) e sete por formigas grandes (Ectatoma sp.). As formigas Ectatoma

sp. (grandes) atacaram 100% das invasoras grandes e nenhuma das invasoras pequenas

(χ2=9,27, gl=3, p=0,03).

As formigas Pheidole sp. (pequenas) atacaram formigas grandes e pequenas com

frequência similar (χ2= 2,05, gl=1, p=0,15). Registramos ataques contra 43% das invasoras de

corpo grande e 78% das invasoras pequenas. Em algumas plantas, observamos a presença de

ninhos temporários dessas formigas.

Discussão

A diferença na frequência de ataque a formigas grandes e pequenas exibida somente pelas

formigas grandes indica que o tamanho do corpo foi importante para mediar o comportamento

agonístico para elas. Para as formigas pequenas o tamanho não media o tipo de interação com

outras formigas.

Algumas características das formigas pequenas podem explicar porque o tamanho foi

irrelevante para modular a resposta de ataque a outros predadores. As formigas pequenas

apresentam alta capacidade de recrutamento, permitindo o domínio de recursos maiores

(Holldobler & Wilson 2009). Essas características permitem que as formigas pequenas sejam

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competidoras tanto de formigas de mesmo tamanho quanto de formigas maiores, explicando

o comportamento agonista que encontramos contra ambos tamanhos.

Com relação formigas grandes, é possível que a diferença de resposta exibida por elas

esteja associada ao comportamento de forrageio. Formigas predadoras de maior tamanho, em

geral, não apresentam comportamento de recrutar outros indivíduos quando encontram algum

recurso (Holldobler & Wilson 2009). Como elas apresentam sistemas de comunicação

primitiva e não recrutam, frequentemente perdem a posse de recursos para formigas de menor

tamanho devido à diferença na capacidade de monopolizá-lo. Uma vez que em sistemas

naturais, as formigas grandes tipicamente perdem a posse do recurso para as pequenas, é de

se esperar que elas não reajam agressivamente à chegada de formigas pequenas na

inflorescência. Por outro lado, formigas grandes devem ser mais equivalentes em termos de

capacidade de monopolizar o recurso, justificando a agressão entre elas.

Apesar das formigas pequenas atacarem igualmente formigas de ambos tamanhos, em

algumas observações não houve ataque. Eventualmente a presença de ninhos temporários na

planta pode determinar a exibição de comportamentos agonísticos, visto que eles aumentam

a abundância relativa das formigas na planta e facilitam o recrutamento. Além disso, o ninho

pode tornar a planta mais valiosa para as formigas. Como há aumento de comportamentos

agonistas com o aumento da qualidade do recurso (presença de ninhos neste caso; Rathcke,

1976), isso poderia explicar a variação encontrada na resposta das formigas pequenas.

Teoricamente, a competição interespecífica ocorre quando há sobreposição em

qualquer eixo do nicho das espécies em questão (Hutchinson 1959). Entretanto,

demonstramos que um atributo (tamanho do corpo), relacionado a um ou poucos eixos do

nicho, pode explicar a existência de comportamentos de agressão. Isso indica que talvez

existam eixos com níveis de importância diferentes para induzir comportamentos agressivos

relacionados à competição.

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144

Um é bom, dois é melhor: mecanismos de defesa contra herbívoros em plantas são

complementares?

Vítor de C. Rocha, Camila C. Hohlenwerger, Flávio R. O. Rodrigues & Gabriela Hass

Introdução

As plantas desenvolveram ao longo de sua história evolutiva diversos mecanismos de defesa

contra a herbivoria (Agrawal & Fishbein 2006). Essas defesas podem ser classificadas em

diretas ou indiretas. Atributos estruturais como espinhos, tricomas e dureza foliar, assim como

alocação de substâncias tóxicas ou repelentes para folhas podem ser classificadas como

defesas diretas (Frederickson 2013). Por outro lado, defesas indiretas são aquelas associadas

a atração de espécies predadoras de herbívoros pelas plantas. Essa associação é mediada por

estruturas vegetais especializadas que oferecem abrigo, comida ou local de nidificação para

esses predadores (Agrawal 2006; Bronstein et al. 2006). Essa interação é considerada

mutualista, uma vez que ambas se beneficiam com a associação: a planta recebe proteção

contra herbívoros e as formigas recebem recurso alimentar ou sítio de nidificação (Kessler &

Heil 2011).

Uma planta pode possuir mais de um mecanismo de defesa. Contudo, as plantas devem

investir energia nesses mecanismos de forma a evitar gastos desnecessários em estruturas que

exerçam funções redundantes (Stamp 2003). Assim, o investimento energético em mais de

um mecanismo de defesa só será vantajoso para a planta se o efeito positivo conjunto dos dois

mecanismos for maior quando comparado com apenas um deles. No caso das plantas com

defesas bióticas, por exemplo, os indivíduos devem investir mais em defesas diretas apenas

se os predadores atraídos não forem capazes de reduzir a pressão de herbivoria na planta

(Agrawal 2006; Frederickson 2013).

As formigas são os principais organismos que atuam como agentes bióticos de defesa

contra herbívoros em plantas. Essas associações ocorrem em diversos ecossistemas, mas são

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especialmente diversas em ecossistemas tropicais (Keeler 1980). Um exemplo de estrutura

vegetal atrativa para formigas são os nectários extraflorais (NEFs) que produzem néctar rico

em açúcar e podem estar localizados em diferentes partes das plantas, como folhas, flores e

frutos (Elias 1983). Essa interação é um exemplo de mutualismo difuso, onde diferentes

espécies de plantas podem se associar com diferentes espécies de formigas que visitam os

nectários (Bronstein 1994).

A eficiência da defesa das formigas é um fator que pode ser determinante no sucesso

reprodutivo de plantas mimercófilas (Marazzi et al. 2013). Como diferentes espécies de

formigas podem dominar os nectários, a eficiência da defesa das formigas contra os herbívoros

varia de acordo com suas características comportamentais (Subedi et al. 2011). Formigas mais

agressivas, com alta dominância e comportamento de recrutamento são defensoras mais

eficientes para mirmecófilas que formigas menos agressivas e que forrageiam solitariamente

ou com baixo recrutamento de operárias (Rutter & Rausher 2004). Desta forma, plantas

mirmecófilas que se associam com formigas pouco eficientes devem sofrer maior pressão de

herbivoria. Consequentemente, plantas mirmecófilas que se desenvolvem associadas com

formigas menos eficientes no controle da herbivoria devem investir mais em outros tipos de

defesa (Agrawal 2011, Frederickson 2013).

Palicourea guianensis (Rubiaceae) é uma planta que possui nectários extraflorais

visitados por diversas espécies de formigas. As formigas mais frequentemente observadas

nessas plantas nidificam ao redor dos nectários, dominando a planta ao longo do seu

crescimento e impedindo que outras espécies de formiga frequentem os nectários (Brandão et

al. 2009). Nosso objetivo foi verificar se a eficiência da defesa de P. guianensis por formigas

associadas a seus nectários influencia o investimento dos indivíduos em outros mecanismos

de defesa contra herbívoros. Nossa hipótese é que plantas que são visitadas por formigas

menos eficientes na remoção de herbívoros vão investir mais em defesas estruturais que

aquelas visitadas por formigas mais eficientes.

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Métodos

Nós realizamos este estudo em uma floresta de terra firme próximo ao acampamento do Km

41, localizado a 80 km de Manaus na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), região central da

Amazônia (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am - tropical úmido

de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007).

Para avaliar nossa hipótese, selecionamos 20 indivíduos de Palicourea guianensis que

possuíam nectários sendo visitados por pelo menos uma espécie de formiga ao longo de uma

trilha no interior da floresta. Como encontramos indivíduos de P. guianenses em diferentes

estágios fenológicos, selecionamos sempre aqueles com inflorescência com flores em botão.

Utilizamos a taxa de recrutamento das operárias como indicativo da eficiência das formigas

na remoção de herbívoros. Em cada indivíduo, cortamos parte de uma folha do par mais distal

em relação à base da planta, para promover estímulos mecânicos e químicos, de modo a

simular o dano causado por um herbívoro. Após o corte, nós medimos a taxa de recrutamento

de formigas contando o número de operárias recrutadas após um intervalo de 2 minutos.

Para avaliar o investimento em defesa estrutural da planta, nós utilizamos a dureza das

folhas, calculada pela razão da massa foliar por área. Nós pesamos 1 cm² de três folhas

coletadas em cada indivíduo e obtivemos o valor médio da massa foliar por área. As folhas

foram coletadas em diferentes alturas, sendo a primeira sempre logo abaixo da inflorescência.

Assim, esperamos encontrar maior taxa de recrutamento em plantas visitadas por formigas

com menor massa foliar por área. Realizamos uma correlação de Spearman para testar se

existe relação entre estas variáveis, já que os dados não apresentaram distribuição normal.

Resultados

Nós amostramos seis gêneros de formigas em todas as 20 plantas analisadas (Fig. 1). O gênero

Crematogaster foi o mais frequente, com 10 indivíduos, seguido de Pheidole com quatro

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indivíduos, Dorymyrmex com três indivíduos e Ectatomma, Camponotus e Dolichoderus com

um indivíduo cada. A dureza da folha não foi relacionada com a taxa de recrutamento das

formigas (S = 1134,25; p = 0,53) (Fig. 1).

Figura 1. Relação entre a massa foliar média por área (g/cm²) e a taxa de recrutamento de

formigas em indivíduos de Palicoura guianenses em uma floresta de terra firme na Amazônia

Central.

Discussão

Não houve relação entre a taxa de recrutamento em indivíduos de P. guianensis sendo

visitados por diferentes espécies de formigas e a massa foliar por área. Esse fato indica que

não há relação entre a eficiência da formiga em proteger a planta e o investimento da planta

em estruturas físicas de defesa contra a herbivoria. Os mecanismos de defesa das plantas

possuem custos distintos, sendo que mecanismos diretos são menos custosos que mecanismos

indiretos, que dependem da atração e presença de outro organismo (Frederickson et al. 2012).

Apesar de existirem tais diferenças de custo, sugerimos que esses mecanismos de defesa

podem ser complementares. Mecanismos de defesa física podem afastar herbívoros que não

conseguem cortar uma folha mais rígida. No entanto, alguns herbívoros conseguem superar

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essa defesa imposta pela planta e consumir esses indivíduos. Nesse caso, a associação dessas

plantas com formigas pode atuar como uma segunda linha de defesa que previne o ataque por

um conjunto diferente de herbívoros. Dessa forma, esses mecanismos de defesa podem

funcionar de maneira sinérgica, não havendo redundância em seus investimentos.

Plantas mutualistas obrigatórias ou facultativas se associam com diferentes espécies

de formigas, que variam quanto o número de operárias que patrulham as plantas. Isso ocorre

porque essas interações possuem níveis diferentes de dependência entre os parceiros. Em

interações facultativas, como no caso de formigas associadas a NEFs, onde a dependência

entre os parceiros é baixa, o número de operárias patrulhando a planta deve ser menor e mais

sujeito a variações diárias, sazonais ou microclimáticas que em interações obrigatórias

(Bronstein 2009). Dessa forma, essas plantas passam longos períodos sem nenhuma formiga

patrulhando suas folhas, o que favorece a presença de mais de um tipo de mecanismo de defesa

(Frederickson et al. 2012). Dado que indivíduos de P. guianenses nem sempre estão sendo

patrulhados por formigas, é esperado que esta planta invista em mais de um mecanismo de

defesa, independentemente da eficiência das formigas quando estas são presentes.

Diferentemente do que encontramos para plantas mirmecófilas, plantas mirmecófitas

regulam o investimento em defesa direta produzindo estruturas ou compostos de defesa nas

folhas de acordo com a eficiência da formiga associada (Frederickson et al. 2012; Santos

2012). Esse ajuste das defesas diretas em mirmecófitas indica que a intimidade da relação tem

papel importante no investimento em diferentes estratégias de defesa em plantas. Em sistemas

nos quais há maior especialização entre os parceiros, os mecanismos de defesa devem ser mais

redundantes, e consequentemente a regulação do investimento em diferentes estratégias anti-

herbivoria deve ser maior.

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Agradecimentos

Agradecemos à tia Laura pela orientação, correção do texto e paciência diante de tantas

dúvidas e curiosidades. Agradecemos também ao Lucas pela correção dos textos e por estar

aberto a tirar dúvidas mesmo enquanto lavava roupas no igarapé.

Referências

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Km 41 – projetos individuais

A heterogeneidade ambiental em troncos de árvores não afeta a comunidade, nem

a partição temporal de nichos em formigas

Alessandro Rocha

Introdução

Interações interespecíficas estão entre os principais mecanismos que regulam a coexistência

de espécies. A competição, em particular, pode ser mediada pela heterogeneidade do ambiente

(Begon et al. 2006). Ambientes heterogêneos têm uma maior complexidade estrutural, e por

isso abrangem maior diversificação de nichos. A maior variedade de nichos, por sua vez,

possibilita uma menor competição por recursos, e geralmente maior diversidade de espécies

(Tews et al. 2004).

Ambientes com baixa heterogeneidade e alto potencial de competição podem

selecionar espécies que apresentam estratégias alternativas que permitam coexistência. Uma

possível alternativa é a partição espacial ou temporal no uso dos recursos (Pianka 1980). Por

exemplo, em florestas tropicais, frutos de algumas palmeiras são visitados diurnamente por

aves e noturnamente por morcegos, particionando os recursos temporalmente (Zona 2006 e

Zona & Henderson 1989). Dentro de um mesmo grupo animal também pode haver partição

temporal de recursos, como no caso do primata Aotus nancymaae (macaco-da-noite) que se

alimenta dos frutos de Socratea exorrhiza à noite, enquanto Ateles geoffroyi (macaco-aranha)

alimenta-se do mesmo recurso durante o dia (Aquino & Bodmer 2004).

Formigas são extremamente abundantes e diversas na maioria dos ambientes terrestres,

e utilizam diferentes habitats como o hipogéico, epigéico, serapilheira e arbóreo (Bluthgen &

Feldhaar 2010). Nestes habitats, a heterogeneidade é um dos fatores que pode regular a riqueza

de espécies (Silva et al. 2014). De fato, muitas espécies de formigas apresentam requerimentos

similares de recursos e condições. Isso faz com que a competição, e indiretamente a

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heterogeneidade ambiental, sejam fatores estruturantes dessas comunidades (Hölldobler &

Wilson 1990). Este efeito pode ser ainda mais conspícuo para as espécies arborícolas que

geralmente são mais agressivas e territorialistas que outras espécies de formigas.

Na Floresta Amazônica formigas arborícolas são comumente encontradas em árvores

com epífitas (Richards 1996). Árvores com fustes repletos de epífitas podem apresentar maior

heterogeneidade ambiental para essas formigas, ampliando os nichos ecológicos e a

disponibilidade de recursos. Por outro lado, árvores sem epífitas apresentam menor

heterogeneidade ambiental e menor disponibilidade de recursos, e por isso devem abrigar

comunidades de formigas sob maior pressão competitiva. Por essa razão, minha hipótese é

que a ocorrência e diversidade de epífitas possibilita maior diversidade da comunidade de

formigas e altere a forma como o recurso é dividido entre as espécies. Se a minha hipótese for

verdadeira, espero que fustes com maior riqueza de epífitas terão maior ocorrência de

formigas. Também acredito que exista partição temporal de atividade em fustes sem epífitas,

gerando diferenças de composição da comunidade de formigas amostradas durante o dia e à

noite.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo próximo ao acampamento do km 41 na Área de Relevante Interesse

Ecológico - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF), a qual é

administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A

formação vegetal da área é constituída por floresta ombrófila densa de terra firme e contínua

(Ribeiro et al.1999). A reserva localiza-se a 80 km ao norte de Manaus (02º 24’ S, 59º43’ O),

Amazonas, Brasil (Lopes 2013).

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Delineamento amostral

Para avaliar o efeito da heterogeneidade ambiental sobre a comunidade de formigas

arborícolas, selecionei 50 árvores como unidades amostrais, divididas em 25 fustes sem e 25

fustes com epífitas. A distância mínima entre elas foi de 20 m. Em cada fuste coloquei um

pitfall formado por um copo descartável (200 ml) localizado a 2 m de altura do solo e contendo

25 ml de solução aquosa de detergente e sal. Mantive as armadilhas abertas por 48 h.

Contabilizei a riqueza e abundância das epífitas de cada fuste, exceto as briófitas, e as

classifiquei em morfoespécies. Coletei as formigas que caíram nas armadilhas no final de cada

período: dia (06:30 às 18:30h) e noite (18:30 às 06:30h). Posteriormente, separei as formigas

em espécies.

Avaliei se a ocorrência das formigas aumenta em função da riqueza de epífitas usando

uma regressão logística. Para avaliar se a composição de espécies de formigas muda entre dia

e noite em função da presença ou ausência de epífitas, utilizei um teste de aleatorização. Nesse

teste considerei separadamente os dados das formigas que encontrei no fuste das árvores com

epífitas e os dados das formigas que encontrei no fuste das árvores sem epífitas. Para cada

conjunto de dados calculei o índice de dissimilaridade de Jaccard comparando as formigas

coletadas durante o dia e à noite. Posteriormente, realizei a aleatorização dos dados entre dia

e noite 1000 vezes, calculando a dissimilaridade entre os dois períodos a cada aleatorização.

Com os valores calculados nas aleatorizações, obtive uma distribuição nula do índice de

dissimilaridade. Comparei o valor de dissimilaridade real obtido em cada conjunto de dados

com a distribuição do modelo nulo para avaliar a chance dos valores obtidos serem explicados

pelo acaso.

Resultados

Encontrei 15 espécies de formigas pertencentes sete gêneros (Tabela 1). Quatros espécies são

arborícolas: Cephalotes sp., Dolichoderus sp., Crematogaster sp.1, Crematogaster sp.2. Duas

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não são essencialmente arborícolas, mas podem nidificar em árvores: Pheidole sp.1 e Pheidole

sp.2. As restantes são formigas de solo (Tabela 1). Considerando o conjunto total de espécies,

algumas ocorreram exclusivamente em fustes com epífitas (n=6), outras apenas em fustes sem

epífitas (n=8) e uma parcela menor em ambos os tipos de fustes (n=2). Também encontrei

espécies que ocorreram exclusivamente no período diurno (n=4), apenas no noturno (n=5) e

em ambos os períodos (n=6; Tabela 1).

Não houve relação entre a ocorrência de formigas e a riqueza de espécies de epífitas

por fuste (χ 2=67,3; gl=1; p=0,45; Fig.1). A dissimilaridade entre as amostras das árvores com

epífitas foi de (0,88), enquanto a dissimilaridade das árvores sem epífitas foi de (0,73). Não

houve diferença entre os valores encontrados e aqueles esperados pelo acaso, tanto para

formigas coletadas em árvores com epífitas (p=0,37), quanto para aquelas em árvores sem

epífitas (p=0,58).

Tabela 1. Espécies de formigas amostradas em pitfall colocados em fustes com e sem epífitas,

em uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil. As espécies que ocorrem em

comum nos dois períodos (dia e noite) estão destacadas em cinza.

COM EPÍFITAS (s=8) SEM EPÍFITAS (s=10)

Diurnas Noturnas Diurnas Noturnas

Crematogaster sp.1 Camponotus sp.2 Brachymyrmex sp.1 Camponotus sp.1

Pheidole sp.2 Crematogaster sp.1 Camponotus sp.2 Camponotus sp.2

Solenopsis sp.1 Crematogaster sp.2 Cephalotes sp1. Camponotus sp.3

Solenopsis sp.2 Gnamptogenys sp. Crematogaster sp.1 Camponotus sp.4

Solenopsis sp.3 Pheidole sp.2 Dolichoderus sp1. Crematogaster sp.1

Pheidole sp.1 Dolichoderus sp1.

Solenopsis sp.1 Pheidole sp.1

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Figura 1. Relação entre a presença de formigas e a riqueza de epífitas no fuste das árvores em

uma área de mata contínua na Amazônia Central, Brasil.

Discussão

Não ocorreram mais formigas em fustes com maior riqueza de epífitas. Isto indica que a

presença de epífitas não contribui para a maior diversidade da comunidade de formigas. De

forma semelhante, a similaridade entre dia e noite na composição de espécies em fustes com

e sem epífitas indica que não há partição temporal de nicho nos fustes das árvores. Em

conjunto, estes resultados indicam que as epífitas não aumentam a coexistência entre espécies

de formigas.

Devido à maior agressividade das formigas arborícolas, é possível que o aumento da

heterogeneidade não seja suficiente para possibilitar o forrageio do fuste por outras espécies

de solo. Entretanto, há formigas terrestres que também podem defender o território de

forrageio e, eventualmente, forragear no fuste das árvores. Os meus resultados mostram que

formigas terrícolas também ocorrem nos fustes das árvores. Como os troncos têm áreas bem

definidas, é possível que as formigas, independentemente de serem arborícolas ou terrícolas,

impeçam o acesso de outras espécies uma vez que estejam forrageando no local. Dessa forma,

a competição por recursos deve ser intensa, mesmo em locais com maior heterogeneidade.

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Essa alta intensidade competitiva e a maior facilidade de defesa de troncos poderia fazer com

que as espécies territoriais evitem a chegada e recrutamento de novas espécies.

As árvores com e sem epífitas não tiveram partição temporal de espécies entre os

períodos diurno e noturno. Entretanto, há outros fatores que independem das epífitas e podem

afetar a estrutura da comunidade de formigas. Como este padrão foi semelhante para fustes

com e sem epífitas, provavelmente a presença dessas plantas não alivia a intensidade de

competição. Por essa razão, o fato de algumas espécies ocorrerem apenas em um período

talvez esteja vinculado a características específicas das mesmas (Lach et al. 2010). Por

exemplo, espécies de formigas apresentam diferenças em relação ao horário e a temperatura

para o forrageio, o que muitas vezes depende da hierarquia de dominância (Philpott 2010) ou

simplesmente de traços fisiológicos.

A heterogeneidade ambiental em fustes de árvores não foi um fator modulador da

comunidade de formigas. A competição, o comportamento agressivo e outros fatores não

relacionados diretamente com a competição podem sobrepor-se ao efeito do aumento da

heterogeneidade sobre a estruturação da comunidade de formigas. Como as formigas

necessitam de grandes áreas de forrageio, talvez seja necessário um grande incremento de

heterogeneidade ambiental para possibilitar a coexistência de espécies.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todos que colaboraram com este trabalho. Em especial ao Lucas

Paolucci pela orientação e ajuda em campo e na identificação das formigas. Ao Raul C. Pereira

e Paulinho Bonita pela ajuda nas análises … grato por tudo!!! Ao Flávio (Boto fé) pela ajuda

na coleta de campo e pelos diálogos ecológicos. Ao Gilberto Marcos de Mendonça Santos

pela orientação e dicas do trabalho. E, finalmente, mas não menos importante, aos Paulinhos

(Pai e Mãe), afinal sem vocês eu não estaria aqui. Agradeço muito a todos! ;)

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Maior investimento em prole aumenta os custos do cuidado parental em aranhas

Paratrechalea sp.

Alexandre C. Siqueira

Introdução

A reprodução é uma das principais fases do ciclo de vida dos organismos. Esta fase envolve

altos custos energéticos devido à produção de estruturas reprodutivas e a busca por parceiros

reprodutivos (Oliveira et al. 2008). Estes custos levam a uma demanda conflitante na qual os

recursos alocados para a reprodução se tornam indisponíveis para o uso em outras funções

como crescimento e defesa. Então, o investimento na atividade reprodutiva pode resultar em

uma redução da probabilidade de sobrevivência do indivíduo ou uma redução na capacidade

de reprodução futura (Reznick 2000). Sendo assim, qualquer estratégia que maximize o

sucesso de cada evento reprodutivo em detrimento dos custos energéticos associados deve ser

selecionada evolutivamente.

Um comportamento reprodutivo que envolve altos custos energéticos é o cuidado

parental. Este comportamento dos parentais pode envolver a escolha de locais protegidos para

a desova e nidificação, defesa direta da prole contra inimigos naturais e o fornecimento direto

de recursos alimentares para a prole (Clutton-Brock 1991). Então, os parentais que apresentam

este comportamento investem energia para garantir recursos para a prole em detrimento de

sua própria manutenção e crescimento (Krebs & Davies 1993). Exemplos de cuidado parental

com animais ocorrem entre aves que regurgitam alimento para os filhotes no ninho, peixes e

crocodilianos que carregam a prole na boca durante os estágios mais vulneráveis e mamíferos

que defendem os territórios durante o período de crescimento dos filhotes (Clutton-Brock

1991). Espécies que apresentam esses comportamentos estão, normalmente, associadas a

ambientes que oferecem alto risco para a sobrevivência da prole, com altas taxas de predação

e parasitismo (Krebs & Davies 1993). Para que este comportamento seja selecionado nestes

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ambientes, o custo energético associado ao cuidado parental deve ser inferior aos custos

relacionados à perda da prole (Clutton-Brock 1991).

Apesar de muito difundido entre vertebrados, o cuidado parental também é frequente

entre invertebrados (Clutton-Brock 1991). Este comportamento evoluiu entre muitos grupos

de artrópodes, dentre os quais as aranhas se destacam (Triplehorn 2011). Aranhas apresentam

cuidado maternal que varia desde o envolvimento dos ovos em fios de seda (ooteca) até a

proteção e alimentação dos filhotes durante os primeiros estágios de desenvolvimento

(Gonzaga 2007). O cuidado maternal em aranhas envolve benefícios para os filhotes,

principalmente, devido à proteção contra inimigos naturais e ao aumento na disponibilidade

de alimento (Gundermann et al. 1997). Entretanto, este comportamento envolve alto custo

energético, já que fêmeas reduzem a atividade de forrageamento alocando energia para

atividades paternais em detrimento de sua própria manutenção e crescimento (Buzzato et al.

2007). Apesar disso, pouco se sabe sobre como os custos associados ao cuidado maternal,

particularmente da atividade de carregar ootecas, pode influenciar a condição das aranhas.

A aranha Paratrechalea sp. é comumente encontrada nas matas ciliares ao longo de

riachos na Amazônia. Indivíduos desta espécie são predadores que forrageiam

preferencialmente em substratos como troncos e vegetação arbustiva encontrados nas margens

dos riachos (Silva et al. 2005). Parte do ciclo reprodutivo de Paratrechalea sp. envolve a

proteção das ootecas, que são carregadas pelas aranhas com as quelíceras e pedipalpos até o

momento da eclosão (Macedo-Rego 2014). Considerando que existe uma variação no

tamanho das ootecas carregadas pelas fêmeas de Paratrechalea sp. e que esta variação pode

estar associada à condição das fêmeas, eu busquei entender a influencia do investimento em

cuidado parental na condição corporal desta espécie. Minhas hipóteses são que: (I) aranhas

portando ooteca terão uma condição corporal inferior comparado à condição de aranhas sem

ooteca; e (II) aranhas com ootecas maiores investem mais energia em cuidado parental. Além

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de testar estas hipóteses, também descrevi a relação entre o número de descendentes e o

tamanho das ootecas.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo nas margens de um riacho de segunda ordem, localmente denominado

igarapé, em uma floresta de terra firme na Amazônia Central (02º24’ S - 59º22’ O). O local

está inserido na Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto Dinâmica Biológica de

Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), no acampamento do Km 41, localizado

aproximadamente 80 Km ao norte de Manaus, AM, Brasil (Bierregaard et al. 2001).

Coleta de dados

Para avaliar a condição das aranhas, eu coletei ativamente 31 fêmeas adultas de Paratrechalea

sp. ao longo da margem do igarapé, local onde a espécie é comumente encontrada. Dentre

estes indivíduos, 18 apresentavam ooteca e 13 não apresentavam. Eu fotografei os indivíduos

coletados para posterior medição das estruturas morfológicas. A relação entre o volume do

abdômen e o comprimento do cefalotórax é comumente utilizada como um indicativo da

condição corporal de aranhas, considerando que as reservas energéticas estão localizadas no

abdômen destes animais (Moyá-Laraño et al. 2008). Quanto maior esta proporção, melhor a

condição corporal dos indivíduos. Então, utilizei o programa de processamento de imagens

ImageJ (Versão 1.48v, Rasband 2014) para medir o comprimento do cefalotórax e o

comprimento e a largura do abdômen das aranhas, separando os indivíduos que apresentavam

ooteca e os que não apresentavam esta estrutura. Considerei que o abdômen das aranhas

apresenta a forma ovoide elipsoide. Sendo assim, utilizei a fórmula correspondente a esta

forma geométrica (Dunham 1983) para o cálculo do seu volume:

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𝑉 =4

3𝜋(𝐶 2⁄ )(𝐿 2⁄ )2

onde C representa o comprimento e L representa a largura da estrutura. Nos indivíduos que

apresentavam ooteca, eu também medi o diâmetro desta estrutura com o mesmo programa de

processamento de imagens, além de contar o número de ovos presentes em cada ooteca

utilizando uma lupa.

Análises estatísticas

Com o objetivo de comparar a condição corporal das aranhas com e sem ooteca, realizei uma

ancova utilizando o volume do abdômen como variável resposta, o comprimento do

cefalotórax como covariável e a presença da ooteca como variável preditora. O comprimento

do cefalotórax foi usado como covariável para controlar a variação no volume do abdômen

devido ao tamanho da aranha. Para testar se o tamanho da ooteca influencia a condição

corporal das aranhas, realizei uma regressão simples entre o diâmetro da ooteca e o

comprimento do cefalotórax e extraí os resíduos desta relação. Estes resíduos representam a

proporção do tamanho da ooteca pelo tamanho da aranha. Então, realizei uma regressão

múltipla utilizando estes resíduos como variável preditora e o volume do abdômen das fêmeas

com ooteca controlado pelo comprimento do cefalotórax como variável resposta. O

comprimento do cefalotórax também foi usado neste caso para controlar a variação no volume

do abdômen devido ao crescimento da aranha. Posteriormente, para entender a relação entre

o tamanho da ooteca e o número de descendentes, realizei uma regressão linear simples usando

o número de ovos como variável resposta e o diâmetro da ooteca como variável preditora.

Todas as análises foram realizadas no programa R (R Development Core Team 2014).

Se minha primeira hipótese for verdadeira, eu espero encontrar maior volume de

abdômen em relação ao corpo em indivíduos sem ooteca. Para a segunda hipótese, eu espero

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encontrar uma relação negativa entre a proporção do tamanho da ooteca e o volume de

abdômen das aranhas.

Resultados

Os indivíduos de Paratrechalea sp. foram encontrados, predominantemente, sobre a

superfície de folhas próximas à água. Em média, as aranhas com ooteca apresentaram um

comprimento do cefalotórax de 0,44 cm (± 0,05 DP), enquanto as aranhas sem ooteca

apresentaram a média de 0,37 cm (± 0,04 DP). Com relação ao volume do abdômen, as aranhas

portando ooteca apresentaram uma média de 161,1 mm3 (± 48,59 DP), enquanto nos

indivíduos sem ooteca a média foi de 218,6 mm3 (± 137,32 DP). A condição corporal das

aranhas com ooteca não diferiu daquela de aranhas sem ooteca (F(2,28)=7,34; p=0,78; Fig. 1).

Figura 1. Variação na condição corporal (volume do abdômen controlado pelo comprimento

do cefalotórax) entre indivíduos da aranha Paratrechalea sp. com ooteca e sem ooteca,

encontrados nas margens de um riacho na Amazônia central.

As ootecas apresentaram um diâmetro médio de 0,54 cm (± 0,07 DP), sendo que esta

medida foi negativamente relacionada com o volume do abdômen das aranhas (F(2,15)=10,27;

p<0,01; Fig. 2). Encontrei uma ooteca parasitada por um himenóptero da família

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Ichneumonidae que havia consumido todos os ovos presentes nela. Esta ooteca foi retirada da

análise da relação do número de ovos com o diâmetro. Encontrei indivíduos de himenópteros

parasitoides da família Scelionidae em três outras ootecas e a porcentagem de parasitismo

variou entre 2 e 22%. Estas três ootecas apresentaram um número de ovos similar à média das

outras ootecas não parasitadas, o que indica que os parasitoides predaram poucos ovos. O

número médio de ovos encontrado por ooteca foi de 294 (± 96 DP) e foi relacionado

positivamente com o diâmetro da mesma (F(1,15)=12,79 ; p<0,01; Fig. 3).

Figura 2. Relação entre a condição corporal (volume do abdômen controlado pelo

comprimento do cefalotórax) e os resíduos da relação entre o diâmetro da ooteca e o

comprimento do cefalotórax em indivíduos da aranha Paratrechalea sp. encontrados nas

margens de um riacho na Amazônia central.

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Figura 3. Relação entre o número de ovos e o diâmetro das ootecas de indivíduos da aranha

Paratrechalea sp. encontrados nas margens de um riacho na Amazônia central.

Discussão

Observei que não houve diferença no volume do abdômen entre aranhas com e sem ooteca, o

que indica que elas possuem uma condição corporal semelhante. Apesar disso, o volume do

abdômen das aranhas está relacionado negativamente com o diâmetro das ootecas carregadas

por elas, o que indica que ootecas maiores possuem custo de cuidado parental maior que

ootecas menores. Observei ainda que quanto maior o diâmetro das ootecas, maior o número

de ovos presentes nelas, o que indica que ootecas maiores estão associadas a um maior número

de descendentes. A partir destes resultados é possível inferir que a manutenção de ootecas

maiores durante o cuidado parental demanda maior investimento energético.

Uma potencial explicação para a similaridade da condição corporal entre aranhas com

e sem ooteca é o sistema de acasalamento complexo apresentado pelo gênero Paratrechalea.

Espécies deste gênero exibem um sistema sexual poligínico, no qual os machos devem

oferecer presentes nupciais para fêmeas para efetivar a cópula (Costa-Schmidt et al. 2008).

Os presentes consistem em presas capturadas pelos machos e envoltas em seda, que serão

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carregadas até o encontro com as fêmeas. Esta estratégia envolve custos energéticos altos para

os machos, já que os presentes não serão consumidos pelos próprios machos que realizaram a

captura (Macedo-Rego 2014). Em campo, observei que a proporção sexual da população de

Paratrechalea sp. estava enviesada para as fêmeas, já que nenhum macho foi encontrado nas

margens do riacho. Esta baixa abundância de machos associada ao comportamento sexual da

espécie pode favorecer uma situação na qual os poucos machos da população selecionem

apenas as melhores fêmeas para o acasalamento. Assim, machos estariam escolhendo as

fêmeas que maximizassem seus benefícios reprodutivos em detrimento dos custos energéticos

da cópula.

A principal vantagem do comportamento de carregar a ooteca é a redução da predação

dos ovos (Gillespie 1990). Apesar desta vantagem, o cuidado parental apresentado por

Paratrechalea sp. envolve riscos associados ao grande gasto energético do comportamento.

As ootecas estão sujeitas à ação de parasitoides como os que observei, o que reduz a

sobrevivência da prole. Além disso, o resultado encontrado para a relação entre a condição

corporal e o tamanho da ooteca demonstra que existe um investimento diferencial em cuidado

parental por Paratrechalea sp. Enquanto ootecas maiores estão relacionadas com maior

número de descendentes, o custo energético de cuidado destas ootecas pode comprometer a

sobrevivência das aranhas que realizam o cuidado. Este comprometimento da sobrevivência

está associado ao fato de que as aranhas não se alimentam durante o período em que estão

carregando as ootecas e, portanto, não repõem a energia dispendida no cuidado. Por outro

lado, aranhas que investem em menores ootecas com menor número de descendentes

comprometem menos sua própria sobrevivência durante o período do cuidado parental.

Possivelmente então, deve haver uma pressão de seleção por estratégias que favoreçam uma

condição intermediária no balanço entre sobrevivência e número de descendentes em

Paratrechalea sp.

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Em conclusão, o padrão encontrado de condições corporais entre aranhas com e sem

ooteca pode ter sido influenciado pela proporção sexual desigual dentro da população e pelo

alto investimento necessário para machos de Paratrechalea sp. realizarem a cópula. Dentre

as fêmeas que realizaram a cópula, deve existir uma demanda conflitante entre sobrevivência

e número de prole gerado, já que o cuidado da ooteca envolve um alto custo energético.

Agradecimentos

Então é chegada a hora em que relembramos cada segundo desse mês maravilhoso que

passamos por aqui. Tarefa difícil essa, já que o tempo é muito relativo por aqui. Ao mesmo

tempo em que chegamos ontem e tudo parece ter passado tão rápido, sinto como se já

estivéssemos aqui há anos pela intensidade com que tudo aconteceu. Foi um privilégio poder

conviver com professores de tão alto nível e ao mesmo tempo tão companheiros durante esse

tempo. Paulinhos (Pai e mãe), muito obrigado pela oportunidade, podem ter certeza de que

vocês marcaram a minha vida e de muitas pessoas por aqui. A dedicação e competência de

vocês me inspirou e vai continuar me inspirando pelo resto da minha vida! Aos monitores

Raulzito e Lucas, também agradeço por toda a dedicação e parceria ao longo do curso, vocês

são fodas e ajudaram muito mesmo. Também gostaria de agradecer a todos os professores que

passaram pelo curso, a contribuição de cada um foi muito importante. Em especial, agradeço

ao Xexéu e Laura que se mostraram muito solícitos e parceiros em todos os momentos,

principalmente, na delicada reta final. Obviamente não poderia deixar de agradecer àqueles

que fazem o curso muito mais gostoso, Seu Jorge e Dona Eduarda, vocês são pessoas

maravilhosas e merecem tudo de melhor que existe nesse mundo! Também agradeço àquelas

pessoas responsáveis pela parte logística que, apesar de não estarem presentes durante o curso,

se esforçaram para que tudo corresse bem e foram muito bem sucedidos.

Finalmente, faço questão de dedicar um parágrafo inteiro às pessoas que fizeram meu

EFA muito mais feliz. Fico muito orgulhoso ao pensar que não preciso citar nomes em

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nenhuma ordem de importância, pois, definitivamente, todos os alunos que participaram deste

curso junto comigo foram incríveis. Ter que viver nas condições que vivemos no último mês

sem nenhum atrito pode parecer tarefa difícil pra muita gente. Porém, vocês mostraram que a

boa convivência e a harmonia são a chave para a felicidade. Eu poderia passar anos aqui com

vocês e tenho certeza que seria tudo muito agradável como foi esse mês. Sinto-me lisonjeado

de ter feito parte deste grupo tão maravilhoso e espero que nossos caminhos voltem a se cruzar

em breve! Obrigado a todos vocês...

Referências

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Ter filho sai caro: o gasto energético associado ao cuidado parental na aranha

Hingstepeira folisecens

Bruno G. Melati

Introdução

O investimento parental ocorre quando pelo menos um dos progenitores investe

metabolicamente na produção de gametas para a produção da prole, gerando um custo

energético para os progenitores, reduzindo inclusive a capacidade de investimento em proles

futuras (Trivers 1972; Reznick et al. 2000). Porém, o investimento com a prole não termina

na produção de gametas. Em muitos animais, esse investimento demanda alguma forma de

cuidado parental, como o fornecimento de alimento e proteção dos filhotes por parte de um

ou ambos os pais (Trivers 1972; Krebs & Davies 1993). Ao exercer o cuidado parental, os

pais investem na prole em detrimento ao investimento próprio, o que pode gerar custos, como

o aumento do tempo de forrageio, consequentemente, maior tempo de exposição a predadores

e redução da condição física.

Devido aos custos gerados pelo cuidado parental, seria interessante para machos e

fêmeas desertar e deixar para que o outro cuide da prole (Krebs & Davies 1993). Então, seria

esperado que o cuidado parental não tivesse evoluído. Por outro lado, o cuidado parental pode

ter evoluído em sistemas em que desertar seja mais custoso do que ficar e cuidar da prole,

aumentando o sucesso reprodutivo (Tallamy & Brown 1999). Seria esperado que o cuidado

parental evoluísse em sistemas onde investir no cuidado com a prole proporcionasse aos pais

mais benefícios do que custos. Em locais com elevado risco de predação da prole, com poucos

locais para nidificar ou parceiros sexuais, o custo energético de abandonar os filhotes deve ser

maior do que cuidar da prole.

Em locais onde a disponibilidade de alimento é baixa, o risco do cuidado parental é

maior, pois os pais precisam exercer comportamentos alternativos, como aumentar o forrageio

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para alimentar a prole (Reznick et al. 2000). Da mesma forma, onde a disponibilidade de

parceiros sexuais é baixa, as chances de encontrar um parceiro diminuiriam muito, pois outros

possíveis parceiros já podem ter copulado (Krebs & Davies 1993). Além disso, sistemas em

que o risco de predação da prole é alto, abandonar os ovos pode aumentar muito os riscos da

prole ser predada. Por exemplo, no opilião Iporangaia pustulosa, quando os machos

cuidadores são removidos experimentalmente, a frequência de ataque aos ovos aumenta muito

(Requena et al. 2009). Sendo assim, seria mais vantajoso investir no sucesso da prole já

existente, aumentando os benefícios para a prole (consequentemente o sucesso reprodutivo

dos pais).

Diversos artrópodes exercem cuidado parental. Os principais benefícios do cuidado

parental são a proteção da prole contra o ataque de predadores, redução do risco de

desidratação de ovos, (criando microclimas com maior umidade, ou levando os ovos para

locais mais úmidos), e aumento da oxigenação dos ovos (movimentando os ovos para que

ocorram as trocas gasosas com o ambiente) (Clutton-Brock 1991 apud Requena et al. 2009).

Em aranhas o cuidado parental varia bastante, abrangendo desde o cuidado com os ovos,

gerado pelo envolvimento dos ovos em seda (ooteca), até a captura de alimento para os

filhotes. Em alguns casos, os filhotes podem habitar a teia materna por toda a vida, como

ocorre em algumas espécies de aranhas sociais (Gonzaga et al. 2007). Dois grupos bem

estudados de aranhas são as que produzem teias com formatos tridimensionais e aranhas que

produzem teias bidimensionais (orbiculares). Em aranhas que constroem teias orbiculares, o

cuidado parental possui distribuição bem menor. Essa diferença pode estar relacionada com a

arquitetura das teias orbiculares, que dificultam a agregação com outras teias, impedindo que

os filhotes estabeleçam teias associadas à teia materna (Gonzaga et al. 2007).

A aranha Hingstepeira folisecens é uma espécie de aranha orbitela que exerce cuidado

parental. A H. foliscesens enrola e fixa folhas na região central da teia, utilizando essas folhas

como abrigo (Hanashiro 2009). Na época reprodutiva, essas aranhas depositam a ooteca

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dentro da folha e, após a eclosão, os filhotes permanecem dentro da folha até se tornarem sub

adultos. Quando os filhotes se tornam sub adultos, a mãe abandona a teia. Enquanto a mãe

esta cuidando da prole, ao capturar uma presa na teia, a mãe enrola a presa e a traz para

próximo do abrigo. Uma vez que a presa esteja enrolada na teia e próxima ao abrigo, a mãe

abandona a presa e os filhotes saem do abrigo para se alimentar, assim, é provável que a mãe

não se alimente dessa presa. Esse comportamento pode gerar consequências negativas para a

fêmea, pois, provavelmente a mãe se alimenta menos, e o investimento energético na captura

da presa não é recuperado. Dessa forma, minha hipótese é que o cuidado parental na aranha

H. foliscesens demanda um alto custo energético. Se minha hipótese for verdadeira, pretendo

encontrar um menor volume corporal em fêmeas de H. foliscesens com filhotes quando

comparado com fêmeas sem filhotes.

Métodos

Área de estudo

O estudo foi realizado na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica

de Fragmentos Florestais (ARIE – PDBFF), no sítio km 41, localizada a 80 km ao norte de

Manaus, AM. A reserva possui uma área 10.000 ha de floresta tropical úmida (Fonseca 1999),

inserida em uma área de 500.000 ha de floresta contínua (Fonseca & Ganade 1996).

Delineamento amostral

Comparei o volume corporal das fêmeas com filhotes com o volume corporal das fêmeas sem

filhotes. Para calcular o volume corporal das fêmeas, calculei o volume do abdome e o volume

do cefalotórax e somei os dois valores. Para o cálculo do volume de cada estrutura usei a

fórmula,

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173

𝑉 =4

[3𝜋 (𝐶2) (

𝐿2)2

]

onde, V representa volume, C representa comprimento e L representa largura.

Para comparar se as fêmeas com filhotes tem um menor volume corporal que fêmeas

sem filhotes, realizei o teste Mann-Whitney. Utilizei como variável independente a presença

de filhotes e o volume corporal das fêmeas como variável dependente. Para comparar a

variância entre os grupos, realizei o teste de Levene.

Resultados

Para comparar o volume corporal de fêmeas com filhotes e fêmeas sem filhotes, coletei 18

indivíduos de H. folisecens, sendo sete fêmeas com filhotes e 11 fêmeas sem filhotes. Não

encontrei diferença de volume corporal entre fêmeas com filhotes e fêmeas sem filhotes

(N=18; U=22; P=0,07). Porém, ao testar o pressuposto de homogeneidade dos grupos,

verifiquei que a variância do volume corporal de fêmeas com filhote (DP=207,55) foi 8,45

vezes menor que a variância do volume corporal de fêmeas sem filhote (DP=1754,77)

(F=24,29; gl=16; p=0,001; Fig. 1).

Figura 1. Diferença de variação do volume corporal (mm³) de fêmeas de Hingstepeira

folisecens com filhotes e sem filhotes.

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Discussão

Ao contrário do esperado, não encontrei diferença na média do volume corporal de fêmeas de

H. folisecens com filhotes e fêmeas sem filhotes, porém, encontrei uma variação no volume

corporal desses grupos. Esse resultado representa uma diferença de custos energéticos para as

fêmeas de H. folisecens com e sem filhotes. Algumas fêmeas de H. folisecens sem filhotes

apresentaram um volume corporal muito maior que as fêmeas com filhotes, representando

uma condição física maior do que as fêmeas com filhotes. Por outro lado, algumas fêmeas

sem filhotes apresentaram um volume corporal parecido com as fêmeas que estavam cuidando

de filhotes, o que indica que elas possuem a mesma condição física (Fig. 1). Dessa forma,

posso presumir, com essa variação, que há um alto custo energético associado ao cuidado

parental.

É provável que as fêmeas sem filhote que apresentam volume corporal parecido com

as fêmeas com filhotes tenham reproduzido recentemente e ainda não recuperaram a condição

física anterior à reprodução. Isso pode ser evidenciado por meio das observações de campo,

onde muitas teias de H. folisecens estavam somente com os filhotes, sugerindo o abandono da

teia pelas mães. Outra possibilidade é que essas fêmeas sem filhotes e com volume corporal

reduzido sejam fêmeas que não possuam naturalmente uma condição física que as permita

reproduzir. É possível que essas fêmeas não sejam predadoras eficientes, o que as impediria

de armazenar reservas suficientes para suportar os gastos relacionados com a reprodução e

cuidado parental. Por outro lado, as fêmeas com maior condição física podem ainda não ter

reproduzido, tendo armazenado reservas para a reprodução, o que explica o maior volume

corporal apresentado por essas fêmeas. Sendo assim, esse resultado pode indicar que não há

um sincronismo no período reprodutivo dessa população de H. folisecens.

Por existir um alto custo energético associado ao cuidado parental, como esse

comportamento poderia ter surgido em H. folisecens, uma vez que o cuidado parental em

aranhas orbitelas não é comum? O risco de predação e o comportamento de construção de

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abrigo no centro da teia podem explicar o surgimento do cuidado parental. Em campo pude

observar filhotes que estavam fora do abrigo serem predados após a remoção da mãe. O abrigo

proporciona uma proteção para os filhotes contra predadores e parasitoides (Gonzaga et al.

2007). Dessa forma, a aranha não precisa investir em novas estruturas de proteção para os

filhotes, direcionando assim energia para a alimentação da prole. Isso pode ser corroborado

pelo fato da mãe abandonar a teia, deixando o abrigo para os filhotes quando estes atingem

um maior tamanho, que foi observado diversas vezes em campo.

Esse trabalho mostra que o investimento em cuidado parental demanda um alto custo

energético. Esse custo em aranhas H. folisecens pode estar associado ao fato dessas aranhas

alimentarem sua prole em detrimento a própria alimentação. Esse comportamento pode se

manter em um grupo onde o cuidado parental não é comum, porque mesmo com a construção

de abrigos, a pressão de predação pode ser alta, então, os riscos de abandonar a prole podem

gerar um custo muito alto. Dessa forma, o cuidado parental associado à construção de abrigos,

pode representar uma proteção dos filhotes contra predadores, gerando um maior sucesso

reprodutivo para as fêmeas.

Agradecimentos

Meus primeiros agradecimentos em um trabalho, então não poderia jamais deixar de agradecer

a você meu pai. “Zézinho”, muito obrigado por tudo que fez por mim, me transformar no

homem que eu sou. Se eu consegui chegar aqui, foi tudo graças a você. Um dia nos

encontraremos e poderei agradecer pessoalmente. Mãe, muito obrigado por tudo, minha

amiga. Obrigado por me apoiar sempre e junto com meu pai me transformou na pessoa que

sou e me permitiu alcançar meus objetivos. Vida, obrigado por tudo, por estar ao meu lado

sempre, por me apoiar. Mesmo que isso nos afaste fisicamente, estaremos sempre juntos. Aos

meus irmãos, Samir e Rodrigo, que sem vocês eu não seria a pessoa que eu sou. A vó, que

junto com meus pais, me criou como um filho, e ainda me cria. Amo muito todos vocês

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Um agradecimento mais que especial ao Paulinho e a Laura, muito obrigado por tudo

que vocês tem feito por mim. Laura, obrigado por me aceitar como seu orientando e poder me

proporcionar a realização de um sonho. Vocês ainda não tem noção da gratidão que sinto por

vocês, mas saibam que se eu conseguir alcançar meus objetivos, vocês serão responsáveis

diretos por isso! Tenho um carinho mais que especial por vocês. Nelson, meu brother, te

considero um irmão. Obrigado de mais por ter aberto as portas da sua casa para mim. Obrigado

pelas lições de wing chun e as horas jogando “The Last of Us”. Sou extremamente grato a

você, e você sabe disso. Conte comigo pro que precisar. Paulo “morcego”, obrigado por todos

os ensinamentos. Xexéu, Xauxau, Xouxou, porra, 3 POs seguidos é sacanagem. Muito

obrigado por todas as orientações, e zueiras. Mano, um salve especial prus munitor, certo!?

Raul e Lucas, vocês são fóda! A todos meus companheiros de curso, obrigado pelo tempo de

convivência. Viver esse mês com vocês foi especial. Tenho um apreço por cada um de vocês

e espero levar uma amizade com vocês para toda a vida. Ao seu Jorge e dona Eduarda,

obrigado por todas as refeições, me sustentar não é fácil, e vocês conseguiram. Obrigado a

todos vocês!

Referências

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hypotesis. Journal of Tropical Ecology, 15:807-825.

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A qualidade de abelhas operárias aumenta a eficiência em explorar recursos para

construção do ninho?

Camila Celestino Hohlenwerger

Introdução

Buscar e manipular recursos geram custos aos organismos (Smith 2006). Dessa forma,

indivíduos que consigam maximizar a quantidade de energia obtida frente a esses custos

devem ser favorecidos (Smith 2006). Particularmente, indivíduos que carregam recursos até

o ninho ou colônia têm de lidar com os custos adicionais associados ao transporte. Nesses

casos, a quantidade ótima de carga será aquela que maximize a quantidade de recurso

transportado pelos indivíduos e minimize os custos associados ao transporte (Krebs & Davies

1993). Inicialmente, a teoria de quantidade ótima de carga foi proposta para modelar o

transporte de recursos alimentares por animais (Krebs & Davies 1993). No entanto, animais

podem carregar outros tipos recursos como, por exemplo, ferramentas, ornamentos e material

pra construção de ninho (O’Donnell 2003, Connor et al. 2008), e esse transporte também está

sujeito a custos energéticos (Krebs & Davies 1993). Nesses sistemas, o peso da carga,

distância do ninho até o recurso, frequência de viagens, experiência e qualidade física do

indivíduo são fatores que podem alterar o balanço entre a quantidade de carga e a energia

necessária para o transporte (Krebs & Davies 1993, Santos et al. 2000).

O tamanho do indivíduo é um atributo que pode ter relação com a sua habilidade de

explorar os recursos (Robinson 2003, Costa-Pereira 2014). Para algumas espécies, o tamanho

do corpo pode refletir a experiência do indivíduo (Schoener 1971), o que pode indicar que

indivíduos maiores são mais hábeis na exploração, remoção e transporte do recurso (Costa-

Pereira 2014). No entanto, essa relação entre tamanho e habilidade de explorar recursos pode

não ser tão clara para todos os grupos animais. Para organismos que possuem exoesqueleto,

por exemplo, o tamanho corpóreo pode não refletir sua habilidade em explorar o recurso, já

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que este não representa bem o volume interno do indivíduo. Como o exoesqueleto é rígido,

ele é sempre maior que o volume interno do indivíduo para permitir o crescimento dos tecidos

internos (Andersen 2003). Dessa forma, o tamanho externo pode não representar, por

exemplo, quantidade de reserva energética ou de músculos que ele possui (Triplehorn &

Jonnson 2011). Medidas como a densidade corpórea, devem representar melhor a qualidade

do organismo já que estas características estão relacionadas com a quantidade de energia

acumulada que o organismo possui (Andersen 2003). Indivíduos com menor densidade, por

exemplo, possuem mais gordura no corpo e, portanto, maiores reservas energéticas. Esses

indivíduos são considerados de melhor qualidade já que quanto maior a reserva energética,

maior a capacidade do indivíduo em realizar atividades (Robinson 2003).

Para insetos sociais, o resultado do balanço entre a quantidade de carga e os custos do

transporte é importante não somente para aptidão do indivíduo, mas também para aptidão da

colônia. Em populações de insetos sociais com divisão de trabalho, as operárias são

responsáveis por tarefas como, defesa da colônia e construção de ninhos (O’Donnell 2003).

Dessa forma, a eficiência da operária em executar suas tarefas individuais vai afetar o valor

adaptativo de toda a colônia. Por exemplo, abelhas operárias com uma quantidade fixa de

energia disponível por dia, ao transportarem mais carga, têm a expectativa de vida reduzida e,

portanto, colaboram por menos tempo com a colônia (Krebs & Davies 1993). Dessa forma,

operárias que otimizam o transporte de carga conseguem aumentar a expectativa de vida e,

consequentemente, colaborar mais com a colônia (Zablotny 2003).

Em abelhas eusociais, as operárias são responsáveis pela construção dos ninhos

(Zablotny 2003). Algumas espécies de abelhas sem ferrão removem argila de determinados

locais próximos a riachos para construção de ninhos (Costa-Pereira 2014). As operárias

removem argila com a mandíbula e com auxílio do segundo par de patas, acumulam essa

argila nas corbículas, estruturas que fazem parte da tíbia das patas traseiras (Carvalho-Zilse et

al. 2007, apud Costa-Pereira 2014). Dado que a quantidade de argila removida por essas

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abelhas varia entre as operárias (Costa-Pereira 2014) e que as colônias possuem operárias com

diferentes qualidades (O’Donnell 2003), me questionei sobre qual o efeito da qualidade das

operárias na exploração de recurso para construção de ninhos. A minha hipótese é que

operárias de melhor qualidade são mais eficientes no uso do recurso que operárias de pior

qualidade. Se minha hipótese for verdadeira, espero que indivíduos com menor densidade

corpórea removam mais argila por unidade de tempo e carreguem maior quantidade de argila

ao final da remoção.

Métodos

Realizei este estudo em bancos de argila localizados no acampamento do Km 41, à 80 km de

Manaus. Esta área pertence à Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), Amazônia central.

Estudei a abelha sem ferrão Melipona lateralis (Meliponinae) que remove grãos de

argila em barrancos de riachos amazônicos (Costa-Pereira 2014). Amostrei essa espécie de

abelha durante dois dias das seis da manhã às 12 da tarde em dois dias de novembro de 2014.

Para testar se a qualidade do indivíduo está relacionada à quantidade de argila retirada e a

eficiência de remoção de argila, eu filmei cada indivíduo separadamente do início ao fim da

coleta de argila e o capturei ao final da coleta da argila utilizando duas peneiras. Para ter uma

referência do tamanho da abelha nas filmagens, coloquei uma escala graduada (5mm) nos

locais onde elas removiam a argila. Utilizando fotografias obtidas das filmagens, medi no

programa Image J (Rasband 2014), o comprimento anteroposterior dos indivíduos (medida da

cabeça da abelha até a parte distal do abdome) e a quantidade de argila armazenada em uma

das corbículas (como variável nas análises, utilizei a raiz quadrada da área da agregação da

argila). Calculei a taxa de remoção de argila como a razão entre a quantidade de argila retirada

ao final da coleta pelos indivíduos e o tempo de remoção (área da elipse dividida pelo tempo

no qual a abelha permaneceu removendo argila). Obtive valores de massa de cada abelha

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pesando os indivíduos em uma balança de precisão com três casas decimais. Em seguida,

obtive os valores de volume dos indivíduos medindo o volume de água deslocado com auxílio

de um paquímetro ao inserir o indivíduo em um pote milimetrado. Para medir a qualidade do

indivíduo, calculei a densidade corpórea (massa dividida pelo volume do indivíduo). Utilizei

duas regressões simples, uma entre densidade dos indivíduos e a eficiência de remoção, e

outra entre densidade dos indivíduos e a raiz quadrada da área da elipse.

Resultados

As abelhas demoraram em média dois minutos e cinco segundos para remover argila, sendo

que o tempo máximo de remoção foi três minutos e 40 segundos e o mínimo foi um minuto e

seis segundos. A média de argila retirada por viagem foi 0,2 mm², e a média da densidade

corpórea das abelhas foi 0,11 (DP±0,02). A densidade corporal dos indivíduos de M. lateralis

não esteve relacionada à taxa de remoção de argila (r²=0,08; p=0,12; β=-0,29; Fig 1). Da

mesma forma, a densidade dos indivíduos não esteve relacionada à raiz quadrada da área da

agregação da argila removida (r²=0,11; p=0,09; β=-0,32; Fig. 2).

Figura 1. Relação entre a densidade corpórea abelhas operárias de Melipona lateralis

(Meliponinae) e a taxa de remoção de argila em bancos de argila no acampamento do Km 41,

Amazônia Central.

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Figura 2. Relação entre a densidade de abelhas operárias de Melipona lateralis (Meliponinae)

e raiz quadrada da área da agregação da argila removida em bancos de argila no acampamento

do Km 41, Amazônia Central.

Discussão

A qualidade dos indivíduos não esteve relacionada à quantidade de argila removida, nem a

eficiência de remoção por operárias de M. lateralis. Apesar da elevada variação na qualidade

dos indivíduos removendo argila, todos realizaram o serviço de remoção de argila com a

mesma eficiência.

Uma possibilidade é que a eficiência de exploração do recurso para construção de

ninhos não se restrinja apenas a capacidade do indivíduo de carregar grandes quantidades de

carga ou de removê-las em um curto período de tempo. Outros atributos podem estar

associados ao sucesso do indivíduo em explorar o recurso (Krebs & Davies 1993). Ser capaz

de fazer um maior número de viagens, ter mais estabilidade de voo, depositar mais

eficientemente o recurso no ninho, podem ser exemplos de características importantes que

determinam a eficiência na exploração de recurso nesses animais. Essas habilidades podem

não necessariamente estar associadas à qualidade dos indivíduos, mas a experiência destes.

Abelhas operárias são capazes de acumular experiência enquanto exercem determinada

função (O’Donnell 2003). O aumento dessa experiência pode estar associado principalmente

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à quantidade de vezes que o indivíduo exerceu a função e não necessariamente ao quanto de

reserva energética o indivíduo possui (O’Donnell 2003). Dessa forma, atributos associados à

experiência do indivíduo talvez possam representar melhor a eficiência de exploração de

recursos para construção do ninho.

Para colônia, destinar indivíduos que variam quanto a sua qualidade, mas removem

quantidades de argila similares é uma estratégia vantajosa. Isso porque o valor total de

recursos coletados ao final do processo será o mesmo independentemente da qualidade

intrínseca dos indivíduos que realizam essa função. Dessa forma, a colônia não precisará

correr o risco de alocar todos os indivíduos de maior qualidade para uma única atividade

(O’Donnell 2003). Por outro lado, se indivíduos de melhor e pior qualidade removem

quantidades similares de argila, os de pior qualidade terão de despender proporcionalmente

mais energia no transporte da mesma quantidade de argila removida pelos indivíduos de

melhor qualidade (Krebs & Davies 1993). Isso pode reduzir a expectativa de vida desses

indivíduos de pior qualidade e, consequentemente, sua contribuição para a colônia (Krebs &

Davies 1993). Como indivíduos de M. laterallis são sociais, a aptidão da colônia é mais

importante que a aptidão de cada indivíduo (O’Donnell 2003). Sendo assim, mesmo que essa

estratégia traga potenciais desvantagens para os indivíduos, ela deve ser vantajosa para a

colônia a longo prazo.

Agradecimentos

Agradeço ao PDBFF-EFA por nos proporcionar essa experiência maravilhosa na “Mazonha”,

e me permitir realizar esse sonho guardado desde 2010 quando comecei a ouvir sobre o EFA.

Aos amigões Tiko por todo incentivo e ajuda no texto da seleção, e a Keka e Vick pelo apoio

gigantesco mesmo que distante. À Deus, Kátia e Sônia que são meus alicerces. Ao meu

namorado Bruno pelo apoio tanto na vida acadêmica como na vida pessoal, e por me

incentivar incondicionalmente a vir pro EFA independente dos 31 dias que ficaríamos distante

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um do outro. Obrigada por criar na minha mente e no meu coração um lugar de conforto e

calmaria mesmo em tempos de tempestades. “Quero mandar um beijo para minha mãe e para

o meu pai”! Rsrs Agradeço aos Paulinhos por todo aprendizado acadêmico e pra vida.

Obrigada “mãe”, pela paciência com essa aluna ansiosa e desesperada, e obrigada “pai” pelas

dicas para o “mundo real”. Agradeço ao Ronronzinho, Gabi Porradinha, Staloooooone,

Andróógena, Lucas e Ju por terem me visto “tropeçar no caminho” e terem tido o carinho de

parar e dedicar um pouco dos seus preciosos tempos para me mostrar como é possível

caminhar mais leve nessa vida. Agradeço aos monitores e professores pelo apoio e

aprendizado. Ao Seu Jorge e a Dona Eduarda pelo carinho enorme e por todas as delííícias

que pude saborear no meio da “Mazonha”!! Agradeço ao Lucas, Seu Jorge e Profeta por terem

impedido que meu experimento alagasse, ao Pinto e Dani Outra pelo carinho e auxílio com as

análises, à CamINPA pelo empréstimo do PC para as análises das imagens, e principalmente

ao Raul, Laura e Pinto por todas as dicas e ensinamentos necessários para que esse PI pudesse

sair, muito obrigada! Queria poder agradecer a cada unzinho com detalhes, mas como seria

impossível separar a melhor risada com cada um, vão os nomes que ficarão na cabeça pra

sempre: Dani uma, Bandidim, Black&Decker, Porradinha, Andróógena, Larica, Dani outra,

Pinto e Piroka, Profeta, Mayara, Ju, Vomíííto, Stalooone, Bote Fé, Bitoca, CamINPA, Issa e

Ronronzinho. Obrigada por terem tornado 31 dias da minha vida inesquecíveis!

Referências

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R.T. Cardé, eds.). San Diego: Academic Press.

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O tamanho corporal e a reserva energética dos machos da libélula Micrathyria

hesperis não estão associados à probabilidade de ocupação de um território de

acasalamento

Camila Julia Pacheco Ramos

Introdução

Indivíduos de uma mesma espécie podem competir por meio de interações agressivas pelo

acesso a um recurso limitado, como alimento ou parceiros sexuais (Andersson 1994). Em

muitas espécies esse acesso ocorre por meio da defesa de um território. Território pode ser

definido como uma área que é defendida por um indivíduo para que ele tenha prioridade de

acesso a um dado recurso em relação aos seus coespecíficos (Kaufmann 1983). Em insetos o

comportamento territorial em machos que defendem áreas de acasalamento é muito comum

(Córdoba-Aguilar 2008).

Em encontros agonísticos pela posse de territórios, existem atributos dos indivíduos

que podem aumentar a chance de vitória. No entanto, a importância de diferentes atributos em

determinar o resultado de uma briga pode variar de acordo com as espécies (Parker 1974,

Arnott & Elwood 2009). Por exemplo, o desenvolvimento de estruturas usadas

exclusivamente nas brigas (armas) pode auxiliar um indivíduo a subjulgar o seu oponente.

Um exemplo são os besouros Euoniticellus intermedius, nos quais indivíduos com chifres

maiores têm maior probabilidade de ganhar brigas (Pomfret & Knell 2005). Em outras

espécies, atributos fisiológicos podem determinar o vencedor, como no caso da mosca

Drosophila melanogaster, na qual os machos que conseguem aumentar mais a sua

temperatura vencem mais brigas (Zamudio et al. 1995). A reserva de gordura também pode

ser determinante da chance de vitória por assegurar maior persistência em uma luta, como

ocorre nas brigas entre machos de libélula Calopteryx maculata (e.g. Marden & Rollins 1994).

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Contudo, o atributo mais comum que determina a habilidade de luta é o tamanho corporal, o

qual geralmente está relacionado à força física (Archer 1988).

Em odonatas os machos tipicamente defendem territórios que são sítios de oviposição

das fêmeas. Alguns machos conseguem ocupar áreas com melhor qualidade, que conferem

um maior número de cópulas (Emlen & Oring 1977). A eficiência desses machos na defesa

dos territórios parece ser correlacionada ao maior tamanho corpóreo, à maior quantidade de

reserva energética e ao desenvolvimento da musculatura alar (e. g. Contreras-Garduño et al.

2006). Esses atributos possibilitam maior capacidade de dano, maior resistência e melhor

capacidade de voo durante os embates.

Os machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) são encontrados em poças

temporárias, onde comumente defendem territórios de acasalamento. As áreas defendidas por

esses machos são aquelas nas quais há galhos emergindo da lâmina d’água, que servem como

poleiros que ficam expostos ao sol. Uma vez que os machos brigam por esses locais, deve

haver algum atributo que determine a chance de vitória. A minha hipótese é que os machos

territoriais que venceram as brigas possuem maior tamanho e maior reserva energética em

relação aos machos que não possuem territórios.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de

Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), no acampamento do km 41, localizada a 80 km ao

norte de Manaus, Brasil. A vegetação local é constituída por floresta ombrófila primária úmida

(Lovejoy & Bierregaard 1990). O clima na região é quente e úmido, apresenta temperatura

anual média de 26°C, duas estações marcadas pela variação na quantidade de chuva e

precipitação anual variando de 1.900 a 2.300 mm (RADAMBRASIL 1998). Eu observei as

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libélulas em uma poça temporária, com aproximadamente 15 m de comprimento e 6 m de

largura, localizada ao lado de uma estrada que dá acesso ao acampamento.

Coleta de dados

Para avaliar se machos com a posse de territórios possuem diferenças de atributos em relação

a machos sem territórios, desenvolvi um experimento ao longo de três dias. No primeiro dia

coletei os machos com puçá, e fiz uma marcação numérica na região dorsal da asa usando

uma caneta para retroprojetor. Essa marcação foi necessária para garantir o reconhecimento

de cada macho nos dias subsequentes sem a necessidade de captura. No dia seguinte à

marcação realizei as observações dos machos durante o período de atividade territorial (entre

as 0800 h e as 1500 h). Observei cada macho durante 10 min para determinar quais eram

territoriais. Para tanto, cada macho deveria defender uma área, de modo que depois de realizar

voos de patrulha (voos circulares ao redor de um mesmo poleiro) e de interagir com outros

machos (por meio de colisões e voos circulares sincronizados), ele deveria retornar para o

mesmo local. Eu denominei esses machos territoriais como residentes. Após essa observação

eu coletei esses machos e esperei o poleiro vago ser ocupado por outro macho (macho

substituto). Observei cada macho substituto durante 2 min para avaliar se eles também

apresentavam comportamento territorial. Em caso afirmativo eu também coletava os machos

substitutos. Quando os machos não estavam marcados, usei a presença de danos nas asas como

uma forma de individualizá-los. Esses danos estavam presentes na maioria dos machos.

Em laboratório, medi a massa total e a massa do tórax de cada indivíduo em uma

balança com precisão de 1mg. Em seguida, estimei o volume do tórax de cada indivíduo. Para

isso submergi o tórax de cada libélula em um tubo de Falcon de 50 ml e medi o volume de

água deslocada com um paquímetro digital. Com os dados de volume e massa, calculei a

densidade do tórax. Eu usei a medida de densidade torácica como indicadora condição

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corporal, uma vez que as libélulas acumulam gordura no tórax. Assim, indivíduos com menor

densidade torácica apresentam maior reserva de gordura (Moya-Laraño et al. 2008).

Análises estatísticas

Usei um modelo linear generalizado misto com distribuição de erros binomial para testar se a

probabilidade de um macho ser residente ou substituto estava correlacionada com a massa

corporal e a densidade torácica de cada indivíduo. Considerei o status do macho (residente ou

substituto) como variável resposta, a massa corporal e densidade do tórax como variáveis

explicativas fixas e o par (residente e seu respectivo substituto) como variável explicativa

aleatória. Deste modo, comparei os primeiros indivíduos territoriais com os indivíduos

territoriais que ocuparam os poleiros quando vagos. Se a minha hipótese estiver correta, espero

que os machos residentes tenham maior massa corporal ou menor densidade do tórax do que

os machos substitutos.

Resultados

Coletei 16 machos, sendo oito residentes e oito substitutos. Os machos residentes brigaram

em média 5,42 vezes (DP=1,87) por observação e o tempo médio de cada briga foi 2,3 s

(DP=0,77). Em geral, eles exibiam contatos físicos durante os embates. A massa corporal

média dos residentes foi 80 mg (DP=7) e a dos substitutos foi 84 mg (DP=8). A densidade

torácica média dos residentes foi 0,56 mg/mm³ (DP=0,12) e a dos substitutos foi 0,58 mg/mm³

(DP=0,13). A massa corporal e a densidade dos indivíduos não estiveram associadas à

probabilidade dos machos serem residentes ou substitutos (χ²=1,05; gl=2; p=0,47; Fig. 1).

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Figura 1. Probabilidade de machos de Micrathyria hesperis serem residentes (categoria 1) ou

substitutos (categoria 0) em relação a massa corporal (a) e a densidade do tórax (b), em uma

poça d’água na Amazônia Central, Brasil.

Discussão

A massa corporal e a densidade do tórax dos machos de M. hesperis não estiveram associadas

à probabilidade deles serem residentes ou substitutos. Isso indica que o tamanho dos machos

e a quantidade de reserva energética não determinam a chance de vitória em uma disputa

intraespecífica por territórios de acasalamento. Talvez outros fatores não ligados à habilidade

de luta tenham efeito na definição de quem ocupa os territórios (Jennions & Backwell 1995).

Uma possibilidade é que a valorização do recurso disputado pode ser diferenciada entre os

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indivíduos da mesma espécie. Assim, por mais que o recurso em disputa seja o mesmo, o valor

do recurso para cada competidor pode determinar a motivação e o investimento de cada um

em defender o território (McNamara & Houston 1989). Um dos fatores que determina maior

motivação está associado a quem ocupa primeiro uma área. Em geral, os indivíduos residentes

têm mais interesse em defender um território no qual já investiram energia para conquista-lo

quando essa energia compromete o restante disponível para acasalamentos (Smith & Parker

1976). Outro fator que pode afetar a motivação diferencial pode estar associado ao tempo sem

cópulas. Em grilos, por exemplo, machos valorizam mais a oportunidade de cópula quando

estão mais tempo sem acasalar (Brown et al. 2006).

A semelhança de tamanho e de reserva energética entre machos residentes e substitutos

não exclui completamente a possibilidade de que eles possuam diferenças em relação a outros

atributos que influenciam na capacidade de luta. Existem espécies em que os machos

vencedores são os menos parasitados, o que indica que somente machos em boas condições

corporais são capazes de ocupar e defender um território (Córdoba-Aguilar 2008). A

habilidade em realizar manobras nos voos também pode ser importante na defesa de territórios

e na perseguição de fêmeas (Coelho & Holliday 2001). Observei em campo que muitos

machos territoriais de M. hesperis estavam com as asas desgastadas, sendo que alguns

indivíduos estavam com metade das asas faltando. Talvez esse desgaste alar seja produzido

nas colisões durante as disputas, podendo prejudicar a habilidade de manobra de voo desses

indivíduos.

A ausência de relação entre indivíduos maiores e com maior reserva energética e a

ocupação dos territórios pode indicar que a territorialidade não necessariamente é vantajosa.

Quando o risco de sofrer injúrias em um confronto é alto, os machos mais fortes podem ter

mais a perder do que os mais fracos em termos de expectativa de sucesso reprodutivo. Isso

pode ser particularmente importante se rivais mais fortes forem capazes de encontrar fêmeas

por vias não ligadas à defesa territorial (e.g. Hernández & Benson 1998). Assim, os machos

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que estão competindo pelos territórios eventualmente podem ser indivíduos mais fracos ou

mais velhos, que estão mais motivados a defender um território mesmo que essa não seja a

estratégia mais vantajosa.

Agradecimentos

Agradeço à coordenação do EFA 2014, Paulinho Mãe, Paulinho Pai e ao Zé, pela oportunidade

de participar dessa incrível experiência. Realmente o EFA é um curso que nos proporciona

enorme crescimento acadêmico e profissional. São 30 dias muito intensos, cheios de

ensinamentos e conversas sobre ecologia sem fim. Os professores também fizeram muita

diferença! Jansen, Fabrício, Danilo, Laura, Cris e Xexéu, muito obrigada pela paciência e por

compartilhar o conhecimento de vocês. Muito obrigada, dona Eduarda e Seu Jorge, pelas

comidinhas maravilhosas e pelos doces providenciais. Preciso agradecer aos meus colegas de

curso, que se tornaram pessoas queridíssimas para mim! Incrível como pessoas tão diferentes

puderam conviver e trabalhar tão bem e harmoniosamente. Isa, espanhola brasileira querida

demais! “Meu nome não é Maiara”, figuraça, sempre agitando a galera! “Dani uma” e “Dani

outra”, duas fofuras e sempre de bom humor. Giu, Staloooone e Flávio, foi muito bom

conhecer e conviver mais com vocês mesmo! Lari, Alê e Vítor valeu demais pela parceria em

vários trabalhos e por tudo. Juuu, sempre engraçada e sincera. Gaúcha, menina elétrica e

empolgando a gente sempre! Bitoca, Bruno, Mila, Nelson (valeu pelos chocolates), Ronron

(valeu pelo chapéu), Gabi BlackDecker (valeu pelas botas), obrigada pela ajuda e carinho

também. Bandinho, “arrojado”, obrigada pela parceria também. Cada um tornou esse mês

muito especial! Os monitores também fizeram grande diferença. Raul, valeu por tooooodas as

correções (sempre cheias de caricaturas e desenhos) paciência e humildade! E por fim,

Paulinho Mãe, obrigada por toda ajuda no projeto individual! Obrigada pela parceria nas

coletas, correções e incentivo. É desafiador trabalhar com uma pessoa que a gente admira.

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Obrigada à tod@s vocês, pessoas que foram muito parceiras e que tornaram esse curso

maravilhoso.

Referências

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Archer, J. 1998. The behavioural biology of agrresion. Cambridge: University Press.

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Ninhos temporários de formigas Crematogaster sp. não conferem maior defesa em

Palicourea guianensis (Rubiaceae)

Daniele J. Moreno

Introdução

O mutualismo é um tipo de interação entre espécies que envolve a troca de bens ou serviços

que beneficia ambas partes (Bronstein 1994, Begon 2007). Um exemplo desse tipo de

interação é a relação de algumas espécies de formigas com plantas que oferecem algum tipo

de recurso, normalmente abrigo e alimento (e.g. Christianini & Machado 2004).

Algumas plantas possuem nectários extraflorais (NEFs), que são glândulas

encontradas em partes vegetativas (e.g. caule) e reprodutivas (e.g. inflorescência) da planta.

Os NEFs secretam um néctar rico em carboidratos, aminoácidos e nitrogênio (Koptur 1992

apud Ness et al. 2010, Marazzi et al. 2013). Tal recurso pode ser explorado tanto por besouros,

mariposas e abelhas, assim como por formigas (Keller & Gordon 2009, Lanan & Bronstein

2013). O gênero Crematogaster é um exemplo de formigas que usam NEFs e defendem a

planta contra herbívoros (Fisher 2010, Ness et al. 2010). A relação entre Crematogaster sp.

com as plantas mostra um mutualismo facultativo (difuso), no qual a interação entre as

espécies não é obrigatória. Na ausência das formigas, as plantas conseguem sobreviver depois

de sofrer herbivoria. Do mesmo modo que as formigas conseguem outra fonte de recurso

alimentar caso não tenham mais o néctar da planta. Por outro lado, embora a relação seja

independente, a aptidão de ambas as espécies pode ser mais eficiente caso tenha essa

interação.

Ninhos polidômicos são formados por um ninho central com ninhos satélites

interligados com o principal (Hölldobler & Wilson 1990). Os ninhos satélites podem ser

temporários e estão localizados sobre as plantas com NEFs. Isso facilita o forrageio das

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formigas e garante um uso mais intenso do néctar dos nectários (Lach et al. 2010, Lanan &

Bronstein 2013).

Palicourea guianensis é uma rubiácea que possui NEF no caule. A espécie é uma

arvoreta que se distribui desde o México, Caribe ao norte do Brasil (Ribeiro et al. 1999).

Alguns indivíduos de P. guianensis podem possuir ninhos satélites temporários de formigas

Crematogaster sp. em seus caules. Ninhos satélites localizados sobre as plantas podem

conferir uma proteção maior à planta com NEF comparado a plantas sem ninho (Lanan &

Bronstein 2013). No entanto, a eficiência de defesa pela presença dos ninhos satélites

localizados na planta nunca foi avaliado. Diante desse fato, busquei avaliar qual o efeito desses

ninhos nas plantas. Minha hipótese é que plantas com ninhos temporários de formigas seriam

mais defendidas.

Métodos

Área de estudo

Eu desenvolvi o presente estudo em uma área de floresta contínua de terra firme na Reserva

1501 (acampamento km 41) da ARIE Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais

(2º30’S; 60º00’O), localizada a cerca de 80 km ao norte de Manaus, AM. O clima do local é

tropical úmido segundo a classificação de Köppen (Peel et al. 2007) com temperatura média

de 26,7 ºC e pluviosidade anual média de 2186 mm.

Coleta de dados

Para avaliar se a presença de ninhos temporários confere maior proteção às plantas, selecionei

37 indivíduos de P. guianensis sem inflorescência e que apresentassem NEFs ativos e

formigas Crematogaster sp associadas. Dentre as plantas selecionadas, 19 indivíduos tinham

ninhos temporários de formigas no caule principal próximos à intersecção com a folha e 18

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plantas não tinham ninhos. Em cada planta, realizei um estímulo mecânico cortando 2/3 de

uma folha. Após isso, contei dentro de 1 min a ocorrência ou não de recrutamento das formigas

e contabilizei o número de indivíduos recrutados. Todas as folhas cortadas não tinham

formigas antes do corte.

Análise de dados

Avaliei a resposta das formigas ao estímulo usando um teste chi-quadrado. Considerei a

presença e a ausência de ninhos temporários como a variável independente e a ocorrência de

recrutamento como variável dependente. Em relação à intensidade de defesa pelas formigas,

usei um teste t, sendo o número de formigas recrutadas a variável dependente e a presença e

ausência de ninhos temporários a variável independente. Espero que a ocorrência de folhas

com recrutamento das formigas seja maior nas plantas de P. guianensis com os ninhos e que

o número de formigas recrutadas nessas plantas seja maior comparado a plantas sem ninhos.

As análises foram feitas no Programa R 3.0.1 (R Development Core Team 2013).

Resultados

O número de formigas recrutadas variou de um a seis indivíduos nas plantas sem ninhos e de

um a 18 indivíduos nas plantas com ninhos. A ocorrência de recrutamento das formigas não

foi diferente entre plantas com e sem ninho (χ²=3,28; gl=1; p=0,07). O número de formigas

recrutadas também não diferiu nas plantas com ninho comparado com plantas sem ninhos

(t=1,36; gl=35; p=0,09; Fig. 1).

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Figura 1. Número médio de formigas Crematogaster sp. recrutadas em Palicourea guianensis

(Rubiaceae) com e sem ninhos temporários após um dano foliar, em uma área de floresta

contínua de terra firme, Amazônia Central. As linhas verticais sobre as barras representam o

erro padrão.

Discussão

Os resultados indicaram que a presença de um ninho satélite no caule de plantas de P.

guianensis não aumenta a proteção à planta. Os NEFs fornecem um recurso complementar

importante para as formigas de hábito alimentar generalista, como Crematogaster sp. que

também forrageia no solo (Philipott et al. 2010, Marazzi et al. 2013). A presença dos ninhos

satélites nas plantas pode ser uma estratégia para acessar mais rapidamente os NEFs (Lach et

al. 2010), sem melhorar o forrageio em outras partes da planta, como as folhas. Isso indica

que mais formigas na planta por causa dos ninhos satélites não melhora o benefício à planta.

Ninhos satélites temporários são partes da colônia que ficam distribuídos distantes do

ninho principal em locais estratégicos (Steiner et al. 2010). Estes ninhos não possuem todas

as castas de formiga normalmente presentes, nem mesmo a rainha (Hölldobler & Wilson

1990). Desta forma, qualquer dano causado no ninho satélite não tem consequência grave na

aptidão da colônia. Além disso, a arquitetura simplificada, contendo apenas uma câmara e

com material de menor qualidade (Steiner et al. 2010) faz com que o custo energético

0

1

2

3

4

Com ninho Sem ninho

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Planta

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envolvido na construção desses ninhos seja menor. Essas duas características dos ninhos

fazem com que o investimento no recrutamento de formigas para a defesa dessa estrutura não

seja tão necessária. Provavelmente, o ninho temporário próximo ao NEF auxilie apenas em

uma defesa mais pontual e talvez mais efetiva das formigas sobre os NEFs.

Lanan & Bronstein (2013) observaram que Crematogaster opuntiae defendiam NEFs

de uma espécie de cacto em plantas distantes até 5 m. O estudo mostrou que formigas com

ninhos satélites fazem um recrutamento semelhante em diversas plantas localizadas dentro da

área do ninho principal. Dado que no presente estudo as formigas são do mesmo gênero do

estudo de Lanan & Bronstein (2013) e possuem o mesmo comportamento de construir ninhos

satélites, é possível que ocorra o mesmo processo no sistema de estudo P. guianensis-

Crematogaster sp. Desta forma, qualquer estímulo dado em uma planta que esteja dentro da

área do ninho principal pode induzir um recrutamento de formigas de forma semelhante,

independente da presença do ninho satélite na planta focal.

Em um mutualismo difuso, no qual a interação não é obrigatória, como ocorre em

alguns casos de plantas mirmecófilas, é esperado que uma das espécies (i.e. formigas)

apresente uma melhor interação, enquanto a outra (i.e. planta) apresente adaptações que

favoreçam a associação (Law & Koptur 1986). Como nesse estudo a presença de ninhos

satélites de Crematogaster sp. não aumenta a defesa nas plantas de P. guianensis, então não

seria esperado que houvesse alguma adaptação nas plantas que favorecesse uma associação

mais específica com Crematogaster sp., além dos NEFs. De fato, outros trabalhos mostram

que P. guianensis tem associações com outras espécies de formigas como Azteca,

Dolichoderus e Ectatomma (Câmara 2011, Lopes 2013) e em nenhuma dessas associações a

planta investe em estruturas que favorecem o mutualismo, além dos NEFs.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço a minha família, pois sem eles, nada teria acontecido. Agradeço

imensamente à organização do EFA 2014 pela oportunidade de ter passado todo esse tempo

em meio a tanta coisa boa e aprendizado. Ao Paulinho bonita (mãe), pela simpatia, boa

vontade e alegria que trouxe durante todos os momentos, pelos ensinamentos e sempre

sabendo a dose certa entre o riso e o trabalho. Ao Paulo Morcego (pai), pelas milhões de

correções em praticamente todos os meus relatórios, pelas dicas, ensinamentos e conversas. E

a ambos, meus parabéns pela organização de toda essa “gentarada”. A todos os professores

que passaram pelo curso (alguns mais próximos, outros apenas por conversas paralelas), os

quais trouxeram o que possuem de melhor para nós por passarem dias corrigindo nossos

relatórios. Agradeço às orientações do Paulinho, Cris, Xexéu e Gilberto. Agora sei reconhecer

teias bi e tridimensionais (isso é mais viciante que ver passarinho!) e a contar a história para

a avó antes de passar para o papel; à Laura pela companhia em campo e sugestões no PI. Aos

monitores, Raul e Lucas, sempre gracinhas, pela paciência, companhia em campo e pela ajuda.

Ao Seu Jorge (po@#$, cara@#$!!) e à Dona Eduarda, pelo trabalho intenso durante o mês,

pelas comidas, pudins, bolos e pipocas (EFA ostentação)! Às demais pessoas que fizeram toda

a parte logística do curso acontecer. Aos novos amigos (Dani Outra, Júlia, Ronronzinho,

Bitoca/Príncipe, Vomíítor, Giu, Porradinha, Gabi, Milla, CamINPA, Maíra, Staloone, Pinto

& Piroca, Flávio-Boto-Fé, Profeta, Larica, Íssa), que em apenas 30 dias, conseguiram passar

de pessoas estranhas para pessoas queridas. Cada um com seu jeitinho, mas que durante todo

o curso, tivemos uma intensa e forte vivência. Dormir um do lado do outro por um mês, ver

acordar, depilar as pernas no Igarapé, dividir tensão de relatório, alegria nas festas, risadas nos

bilhetinhos (“Hoje tem!!!”). Ao Bandidinho (PH) desse curso, que já era bandido há muito

tempo por ter roubado meu coração. Melhor não poderia ter sido! Passar pelo EFA é uma

experiência para se levar pro resto da vida!

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204

Pequenos recursos, grandes indivíduos: o tamanho do indivíduo e do recurso

determinam a capacidade de gerrídeos (Hemiptera) dominarem uma presa

Danielle Katharine Petsch

Introdução

Indivíduos de uma população não são idênticos. Eles podem variar, por exemplo, em

características relacionadas à morfologia, comportamento ou fisiologia (Bolnick et al. 2011).

Quando um recurso é limitante, a variação intraespecífica pode ser crucial para determinar o

sucesso de forrageio do indivíduo. Em particular, disputas diretas pelo acesso a recursos

devem ser mais frequentes em organismos que vivem agrupados. Nessas situações em que há

uma forte competição intraespecífica, indivíduos maiores e mais fortes podem dominar um

recurso enquanto indivíduos menores adotam estratégias alternativas de forrageio, como o

comportamento de pilhagem (Braz et al. 2005).

Uma das formas de assegurar acesso ao recurso é a monopolização (Emlen & Oring

1977). O monopólio pode ser vantajoso por garantir a exclusividade na exploração do recurso.

Por outro lado, a defesa do recurso monopolizado contra outros indivíduos pode ser custosa

(Begon et al. 2006). Esse balanço entre custos e benefícios da monopolização pode ser

particularmente associado ao tamanho do recurso. Quando o recurso é menor, o monopólio

deve ser favorecido pela facilidade em defendê-lo. No entanto, é possível que em recursos

grandes, o custo em defesa não compense a tentativa de monopólio, aumentando a

possibilidade de pilhagem ou compartilhamento do recurso entre os indivíduos (Braz et al.

2005). É esperado, portanto, que recursos menores são mais facilmente monopolizados.

Em adição ao tamanho do recurso, o tamanho do indivíduo também pode afetar a

capacidade de monopolização. Indivíduos maiores podem ter mais força e serem competidores

superiores, impondo aos demais indivíduos a utilização dos recursos de menor qualidade ou

estratégias secundárias de forrageio (Brown 1969). Portanto, indivíduos maiores devem ser

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205

mais capazes de dominar o recurso que indivíduos menores (Vieira & Peixoto 2012). Nesse

sentido, recursos menores devem ser dominados por indivíduos grandes, o que tende a

diminuir a variabilidade fenotípica dos organismos que o exploram. Por outro lado, se recursos

maiores forem mais difíceis de monopolizar, tanto indivíduos dominantes quanto pilhadores

devem explorá-lo. Dessa forma, a variabilidade fenotípica de tamanho dos indivíduos deve

ser mais alta em recursos maiores.

Gerrídeos (Hemiptera) são predadores que podem viver agrupados na superfície de

corpos aquáticos (Triplehorn & Jonnson 2011). Quando há uma presa disponível na superfície

da água, os gerrídeos se agregam em torno dela para consumi-la. Dependendo do tamanho da

presa, esses insetos podem adotar diferentes estratégias de forrageio: monopolizar o recurso

no caso de uma presa pequena ou compartilhá-la quando a presa é maior (e.g. Braz et al.

2005). Observei que agregações de gerrídeos de uma mesma espécie consumiam presas de

diferentes tamanhos em uma poça temporária. Nesse contexto, minha primeira hipótese é que

quanto menor o recurso, maior a chance dele ser monopolizado. Caso essa hipótese seja

verdadeira, espero que (i) o número de indivíduos aumente exponencialmente com a área do

recurso, (ii) que o desvio padrão do comprimento dos indivíduos dentro de cada agregação

aumente em função da área do recurso e (iii) que o comprimento médio dos indivíduos seja

maior quando a área do recurso é menor. Minha segunda hipótese é que o aumento do tamanho

dos indivíduos de gerrídeos assegura melhor acesso ao recurso. Caso essa hipótese seja

verdadeira, espero que os indivíduos do centro das agregações, os quais ficam em contato

direto com a presa, sejam mais compridos que os indivíduos da borda das agregações.

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206

Métodos

Área de estudo

Conduzi o estudo em uma poça temporária de aproximadamente 50 cm de profundidade, 3 m

de largura e 6 m de comprimento. A poça está localizada em uma área de floresta de terra

firme contínua, situada na Área de Relevante Interesse Ecológico – Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE – PDBFF) (02°24’ S e 59°44’ O), Amazônia

Central, Brasil. O clima é do tipo tropical úmido (Peel et al. 2007), com temperatura média

de 26,7 ºC e pluviosidade anual em torno de 2186 mm (Lovejoy & Bierregard 1990).

Delineamento amostral

Para testar as previsões de que o número de indivíduos e o desvio padrão do comprimento

deles nas agregações aumentam com a área do recurso, e que o comprimento médio dos

indivíduos é maior quando a área do recurso é menor, amostrei 28 agregações de gerrídeos.

Para isso, coletei todos os indivíduos da agregação, bem como o recurso que estava sendo

consumido, com uma peneira. Posteriormente, contei o número de indivíduos de cada grupo

e medi o comprimento do início da cabeça ao fim do abdômen (mm) de cada indivíduo.

Identifiquei o tipo de recurso utilizado e medi o maior comprimento e maior largura (mm) do

recurso. Como as presas possuíam um corpo em forma oval achatado dorso-ventralmente,

calculei a área do recurso utilizando a fórmula da elipse (3/4 π *R*r, sendo R=comprimento/2

e r=maior largura/2).

Para testar a previsão de que o aumento do tamanho dos indivíduos assegura maior

acesso ao recurso, amostrei oito agregações de gerrídeos em torno de presas de tamanho maior

(e.g. baratas d´água). Em cada agregação provoquei um deslocamento de ar próximo à

superfície da água, o que fazia com que os indivíduos do centro permanecessem consumindo

a presa e os indivíduos da periferia se dissipassem. Com a utilização de duas peneiras, coletei

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imediatamente os indivíduos que permaneceram aderidos ao recurso (centro da agregação) e

os que se distanciaram (borda da agregação). Medi o comprimento do início da cabeça ao fim

do abdômen (mm) de cinco indivíduos do centro e cinco indivíduos da borda de cada

agregação. Considerei como indivíduos dominantes os que estavam no centro da agregação,

e como pilhadores, os que estavam mais próximos à borda da agregação.

Análises estatísticas

Para avaliar se o número de indivíduos aumenta exponencialmente com a área do recurso,

comparei, usando o critério de informação de Akaike, os ajustes de uma função linear e uma

função exponencial considerando a área do recurso como variável explicativa. Embora o

melhor ajuste tenha sido linear (veja Resultados), o modelo não se adequou bem. Portanto,

realizei uma correlação de Spearman para testar a significância da relação entre a área do

recurso e o número de indivíduos. Para mensurar a variabilidade no comprimento dos

gerrídeos, calculei o desvio padrão do comprimento dos indivíduos dentro de cada agregação.

Em seguida, utilizei uma regressão linear simples para testar se o aumento da área do recurso

estava associado a um aumento do desvio padrão no comprimento dos gerrídeos em cada

agregação. Para avaliar a relação entre o comprimento médio dos indivíduos com a área do

recurso consumido usei uma regressão linear simples. Por fim, para avaliar se os indivíduos

do centro da agregação são maiores que os indivíduos da borda, realizei um teste t pareado

usando os comprimentos médios dos indivíduos como variável resposta e a localização deles

no centro e na borda de cada agregação como variável preditora.

Resultados

Encontrei sete diferentes itens alimentares sendo consumidos pelos gerrídeos nas agregações:

baratas d´àgua, girinos, larvas de dípteros, efemerópteros, formigas, vespas e cigarrinhas. A

área mínima dos recursos foi 0,58 mm2, e a área máxima foi 33 mm2. Encontrei 753 gerrídeos

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em agregações que variaram de 4 a 77 indivíduos. O critério de informação de Akaike

referente a relação entre o número de indivíduos e a área do recurso foi menor para a relação

linear (241,18) do que para a relação exponencial (244,1). O número de indivíduos (Rs=0,57;

n=28; p=0,001; Fig. 1A) e o desvio padrão do comprimento dos indivíduos em cada agregação

(F(1,26)=7,21; r2=0,21; p=0,013; Fig. 1B) aumentaram com a área do recurso. Por outro lado, o

comprimento médio (comprimento mínimo=0,5 mm e comprimento máximo=3 mm)

diminuiu em função o aumento da área do recurso (F(1,26)=6,30; r2=0,19; p=0,018; Fig. 1C).

Figura 1. Número de indivíduos (A), desvio padrão do comprimento dos indivíduos em cada

agregação (B) e comprimento médio dos gerrídeos em cada agregação (C) em relação a área

do recurso sendo consumido por gerrídeos em uma poça temporária na Amazônia Central,

Brasil.

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Área do recurso (mm2)

0

10

20

30

40

50

60

70

80

mer

o d

e in

div

ídu

os

A

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Área do recurso (mm2)

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

Des

vio

-pad

rão

B

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Área do recurso (mm2)

2,1

2,2

2,3

2,4

2,5

2,6

2,7

Co

mp

rim

ento

méd

io (

mm

)

C

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209

Em relação à minha segunda hipótese, o comprimento dos indivíduos do centro da

agregação (comprimento mínimo=2,36 mm e comprimento máximo=2,76) foi, em média,

cerca de 0,5 mm maior que os gerrídeos da borda (comprimento mínimo=1,88 e comprimento

máximo=2,42; t=4,04; gl=7; p=0,04; Fig. 2).

Figura 2. Comprimento médio dos indivíduos no centro e na borda da agregação de gerrídeos

consumindo um recurso alimentar em uma poça temporária na Amazônia Central, Brasil.

Discussão

O número de indivíduos não aumentou exponencialmente com a área do recurso. Portanto,

recursos menores não estão sendo monopolizados por um único indivíduo. Por outro lado,

como o tamanho médio deles diminuiu com o aumento do recurso enquanto o desvio padrão

aumentou, é possível que os recursos menores sejam dominados por alguns gerrídeos de maior

tamanho. De fato, os indivíduos mais próximos ao recurso foram maiores que os indivíduos

que estavam mais afastados, indicando que o tamanho do indivíduo deve determinar a

capacidade do gerrídeo em acessar um recurso.

Embora indivíduos maiores ocorram em presas menores, não deve haver

necessariamente um monopólio do recurso pois nenhuma presa foi dominada por um único

indivíduo. Quando uma presa se movimenta na água, os gerrídeos mais próximos são atraídos

(Braz et al. 2005). Entretanto, como presas menores tem menor perímetro para ser

monopolizado, isso pode fazer que os indivíduos maiores consigam se agregar e limitem o

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acesso dos indivíduos menores. Presas maiores, por outro lado, podem favorecer a ocorrência

tanto de indivíduos maiores quanto de indivíduos menores. Ainda, presas maiores podem não

impor limitações para os gerrídeos se alimentarem, diminuindo assim a competição

intraespecífica e aumentando o compartilhamento da presa. No entanto, mesmo nessas

situações o tamanho dos indivíduos parece determinar uma ocupação privilegiada na presa.

Talvez, indivíduos maiores consigam acessar as presas mais rapidamente ou expulsar os

menores do centro das agregações.

Apesar do uso do recurso por gerrídeos variar entre as espécies (Braz et al. 2005), fui

capaz de mostrar que variações intraespecíficas podem produzir padrões semelhantes aos

padrões interespecíficos de competições por recursos. Portanto, embora diferentes espécies

possam apresentar estratégias de forrageio distintas, o padrão do uso dos recursos pode ser

mediado principalmente pela diferença de tamanho entre indivíduos e não necessariamente

pelas diferenças entre espécies.

Agradecimentos

Não posso deixar de começar agradecendo todos que me incentivaram a participar do EFA

tanto em Maringá quanto em Goiânia! Todos diziam que seria uma experiência incrível, e

realmente foi! Agradeço aos organizadores (Zé, Paulinho sorriso sincero e Paulinho Meeeo

Deeels) por prepararem um curso tão bacana! Em especial, agradeço aos Paulinhos por toda

a experiência, conselhos e conhecimentos transmitidos. Vocês se tornaram exemplos

profissionais e pessoais para mim! Raul e Paulinho, muito obrigada por todos os comentários,

sugestões e “mãos de fada” para a realização desse PI! Monitores Lucas e Raul: vocês são

muito queridos, obrigada por existir...haha! Obrigada por tudo, tenho certeza que terão um

lindo futuro profissional! Agradeço ainda todos os professores que passaram pelo curso pela

paciência e por todo o aprendizado: Bruno, Rodrigo, Chris, Mário, Jansen, Fabrício, Axpira,

Thiago Xauxau (Alles blau!), Laaaura, Gilberto, Ana e Joana. Ao seu Jorge e à dona Eduarda,

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um muito obrigada não apenas pela comida gostosa mas principalmente pelo zelo e simpatia

(vamos comer essa po..! haha). E claro, agradeço aos meus novos amigos da Mazooonha por

tornarem esse período tão especial: Laaari minha parceira desde Goiânia; Giu Andróóógina,

obrigada por existir nesse EFA!; Gabi Porradinha, animando todos os nossos dias e todas as

festas!; Gabi Nóia obrigada pelo segundo curso de campo juntas e felizes; Flávio,

companheiro eterno de PO; RonRonzinho (palmas pro RonRon!), Bandidin (Hoje teeeeeeem),

Dani uma, chará querida; Mila Queen, Caminpa, Jú, Íssa, Maíra meu nome não é Mayara,

obrigada por toda a parceria em todos esses dias; Alê Profeta, Staloooooone por ser

Staloooone, Vomiiiitor, Nelson “Pinto”, Bruno Piroka e Paulo Bitoca, sempre gentis todos os

dias! Guardo cada um com muito carinho!

Enfim, foi lindo!

Referências

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A disponibilidade de nutrientes no solo aumenta o investimento radicular, mas não

a resistência foliar de Ischnosiphon arouma (Marantaceae)

Flávio Rogério de Oliveira Rodrigues

Introdução

As estratégias de vida dos organismos são resultado tanto de forças evolutivas quanto de

respostas imediatas ao ambiente em que vivem (Begon et al. 2006). A capacidade de um

genótipo expressar diferentes respostas morfológicas, anatômicas e fisiológicas em razão de

mudanças ambientais é conhecida como plasticidade fenotípica (West-Eberhard 1989). Tal

capacidade confere vantagens aos organismos em ambientes que apresentam mudanças

imprevisíveis, aumentando a aptidão média dos indivíduos de uma população (DeWitt &

Scheiner 2004). Por exemplo, plantas podem apresentar mudanças em características

morfológicas e fisiológicas quando expostas a competição interespecífica e em ambientes com

variações na disponibilidade hídrica e de nutrientes (Rice et al. 1993).

Em ambientes com alta disponibilidade de nutrientes e competição por luz, espécies

vegetais tendem a investir mais em crescimento vertical e na produção de folhas em

detrimento de crescimento radicular (Popma & Borgers 1988). Dessa forma, as plantas

aumentam a probabilidade de captação de luz. Por outro lado, em ambientes com escassez de

nutrientes é esperado que as plantas invistam mais em crescimento radicular, aumentando a

capacidade de obter nutrientes do solo (Aerts & Chapin 2000, Paz 2003). Nesse sentido, o

investimento radicular em detrimento ao investimento em crescimento aéreo pode constituir

uma demanda conflitante entre obtenção de nutrientes e assimilação de luz, dois componentes

chave para o estabelecimento e desenvolvimento das plantas (Tilman 1988). Dessa forma, a

plasticidade fenotípica destes atributos pode fazer com que indivíduos de uma mesma espécie

invistam de forma diferencial em crescimento radicular em relação ao crescimento aéreo ao

longo de um gradiente de disponibilidade de nutrientes no solo.

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Ao mesmo tempo em que as plantas investem em biomassa aérea para a produção de

folhas, elas também devem garantir a proteção dessas folhas, especialmente em ambientes

com baixa disponibilidade de nutrientes, onde perdas foliares representam um custo elevado

para a planta (Coley et al. 1985, Endara & Coley 2011). Em locais com alta abundância de

herbívoros e taxas elevadas de herbivoria, como em florestas tropicais (Coley & Barone 1996),

plantas adotam estratégias para conciliar a obtenção de recursos e proteção das folhas (Coley

et al. 1985). Neste contexto, é esperado que em ambientes com baixa disponibilidade de

nutrientes e elevada abundância de herbívoros as plantas invistam proporcionalmente mais

em defesa estruturais (e.g. tricomas, dureza e espessura foliar) (Coley et al. 1985).

Em florestas de terra firme na Amazônia central, há uma marcante variação nas

características do solo associadas à topografia local. Áreas mais altas, denominadas platôs,

têm solos argilosos e mal drenados enquanto que áreas mais baixas, localmente chamadas de

baixios, possuem solos arenosos bem drenados com menor disponibilidade de nitrogênio

(Ribeiro et al. 1999, Luizão et al. 2004). Essa limitação nutricional deve tornar a produção de

folhas novas um processo custoso, de modo que estratégias para prevenir perdas foliares

devem ser favorecidas em baixios. Neste estudo avaliei qual é a resposta de Ischnosiphon

arouma (Aubl.) Körn. (Marantaceae) em relação à absorção de nutrientes, armazenamento de

energia e resistência da folha em baixios e platôs. Minha hipótese é que haja um investimento

proporcionalmente maior em crescimento radicular, maior acúmulo de reservas e mais defesa

estrutural em folhas de baixios comparados com indivíduos estabelecidos no platô.

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Métodos

Área de estudo

Realizei este estudo em uma floresta de terra firme, localizado a 80 km ao norte de Manaus

na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos

Florestais (ARIE - PDBFF) (02º24’S e 59º44’O), Amazônia central.

Coleta de dados

Eu fiz busca ativa por indivíduos de I. arouma jovens (altura entre 10 e 50 cm) em uma faixa

de 4 m de largura ao longo de 4 km de trilhas. Coletei 12 indivíduos nos platôs e 12 indivíduos

nos baixios, distando no mínimo 20 m entre si, para evitar a coleta de indivíduos clonais. Por

apresentar reprodução vegetativa, não amostrei plantas jovens conectadas a indivíduos com

caule lignificado.

Para avaliar a resistência da folha selecionei três folhas de cada indivíduo

completamente expandidas e com o menor grau de herbivoria possível. Utilizando dois

prendedores de roupa fixos em uma base de madeira (distância de 7 cm um do outro), mantive

as folhas tensionadas igualmente. Utilizei um perfurador de folhas, montado com um estilete

de triagem inserido dentro de um copo plástico de 25 ml. Para calcular a resistência da folha,

adicionei areia seca no recipiente do perfurador até o estilete romper a lâmina foliar.

Posteriormente, pesei a quantidade de areia necessária para perfurar a folha. Desse modo

obtive uma medida em unidades de massa que representa a pressão por área necessária para

perfurar a folha. Minha previsão é que uma maior massa de areia seca é necessária para

perfurar folhas de I. arouma provenientes do baixio do que folhas de indivíduos estabelecidos

nos platôs.

Para mensurar o investimento em absorção de nutrientes e em reservas energéticas

separei raiz e rizoma de cada indivíduo para obter, respectivamente, a massa seca de raiz e

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rizoma. Para controlar o efeito do tamanho do indivíduo sobre a massa da raiz e do rizoma,

separei o pecíolo e limbo foliar de cada indivíduo para obter a massa seca da parte aérea. Cada

amostra foi seca em forno a 240 ºC durante 40 min e posteriormente pesada em balança digital

com precisão de duas casas decimais. Minha previsão é que nos baixios os indivíduos de I.

arouma apresentem maior investimento em massa seca de raiz fina e em rizoma.

Análise de dados

Para avaliar se indivíduos de I. arouma variam em relação ao investimento em massa de raiz

e rizoma entre baixio e platô realizei uma Ancova. Neste modelo as variáveis resposta foram

massa da raiz e massa do rizoma. Considerei o ambiente como variável independente (baixio

e platô) e a massa da parte aérea como covariável para controlar o efeito da diferença em

massa de raiz associada à diferença de tamanho entre as plantas. Transformei os dados em

logarítimo para garantir normalidade e homogeneidade dos resíduos. Para comparar a massa

necessária para perfurar a folha entre baixio e platô realizei um teste t. Fiz os testes no

programa R (R Core Team 2012).

Resultados

A massa seca total dos indivíduos nos baixios foi de 9,43±5,26 g (média±desvio padrão) e

4,58±4,75 g nos platôs. O investimento em crescimento radicular foi proporcionalmente maior

em indivíduos estabelecidos nos baixios (0,69±0,57 g) que nos indivíduos do platô (0,21±0,11

g; p<0,001; F(3,24)=16,56; Fig. 1). Do mesmo modo, a massa do rizoma foi maior em baixios

(3,23±3,39 g) que em platôs (0,69±0,61 g; F(3,24)=9,01; p=0,006; Fig. 2). No entanto, o

investimento em defesa estrutural foi similar nos indivíduos de baixio e platô (t=0,06; gl=22;

p=0,95).

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Figura 1. Massa seca da raiz controlada pelo tamanho dos indivíduos de I. arouma em baixios

e platôs, Amazônia central, Brasil. As caixas representam o intervalo entre 25% e 75% dos

valores de massa seca da raiz. A linha horizontal dentro da caixa representa a mediana.

Figura 2. Massa seca do rizoma proporcional ao tamanho dos indivíduos de I. arouma em

baixios e platôs, Amazônia central, Brasil. As caixas representam o intervalo entre 25% e 75%

dos valores de massa seca do rizoma. A linha horizontal dentro da caixa representa a mediana.

Discussão

Neste trabalho encontrei que os indivíduos de I. arouma em baixios investem

proporcionalmente mais em massa de raiz e de rizoma comparado com os indivíduos

estabelecidos em platôs. No entanto, não houve investimento diferencial em resistência foliar

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em locais com menor disponibilidade de nutrientes (baixio) comparado com áreas mais férteis

(platô).

A maior alocação em massa de raiz dos indivíduos de I. arouma nos baixios

comparados com aqueles estabelecido em platôs deve ser uma estratégia vantajosa em

ambientes com baixa disponibilidade de nutrientes (Rice et al. 1993, Reynolds & D’Antonio

1996). Como baixios tendem a ter o dossel mais aberto e receber mais luz no sub-bosque (Gale

2000), a maior limitação fisiológica deve estar associada à menor disponibilidade de

nutrientes nestes locais. Com isso, os indivíduos de I. arouma investem de forma diferencial

em massa radicular, o que permite uma absorção mais efetiva de nutrientes em baixios que

em platô.

Os indivíduos de I. arouma também investem proporcionalmente mais em massa de

rizoma quando estão localizados nos baixios que indivíduos nos platôs, o que indica uma

maior reserva energética no sistema radicular. Tais reservas podem garantir uma rápida

disponibilização de energia, capaz de garantir funções fisiológicas em ambientes instáveis,

como os baixios. Na Amazônia central, os baixios estão localizados entre vales e geralmente

associados a corpos d’água, sendo periodicamente lixiviados tanto pela chuva como pelo

transbordamento lateral dos corpos d’água. Assim, recursos absorvidos nos baixios são

convertidos em reserva energética na forma de rizoma, como uma estratégia eficiente em

locais com baixa capacidade de retenção de nutrientes (Luizão et al. 2004).

Apesar da maior limitação de nutrientes em baixios que em platôs (Chauvel et al.

1987), o investimento em resistência foliar foi similar em ambos os locais. Desse modo, os

indivíduos de ambas as áreas não devem investir de forma diferencial em resistência foliar.

Uma maior dureza das folhas e maior massa foliar por área tendem a diminuir a eficiência

fotossintética (Wright & Westoby 2002). Com isso, pode haver um ajuste, no qual indivíduos

dos baixios investem em maior área foliar específica em detrimento da dureza e massa foliar

por área.

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Na Amazônia central, variações ambientais podem ocorrer em uma pequena escala

espacial associadas à topografia local, como por exemplo, na disponibilidade de nutrientes

entre baixios e platôs. Em I. arouma, a plasticidade fenotípica no sistema radicular associada

a mudanças na disponibilidade de recursos pode aumentar a probabilidade de estabelecimento

da espécie tanto em baixios como em platôs. Desse modo, a plasticidade fenotípica no sistema

radicular deve ser um atributo importante para o estabelecimento de espécies vegetais ao longo

de gradientes de disponibilidade de nutrientes.

Agradecimentos

Agradeço e boto fé em toda a equipe deste EFA! Vida longa a este curso! Gostaria de

agradecer ao Zé Luís que sempre soube da minha vontade em participar e me incentivou

momentos pontuais durante 6 anos de espera. Ao Paulinho pai e Paulinho mãe pela

prestatividade e disponibilidade em ajudar, mesmo com mil coisas rolando ao mesmo tempo.

A calma e feeling para perceber o ambiente, fazem toda a diferença nesse curso. A Dona

Eduarda e Seu Jorge, pelos rangos providenciais, especialmente as caldeiradas e costelinhas

fritas de tambaqui. Aos monitores Rauzito e Lucas pela parte técnica das correções dos

manuscritos e dicas cientificas, e pela parceria nos momentos de “folga”! Aos professores de

forma geral que agregaram muito e fizeram desta turma a melhor de todas!! A todos os

companheiros de EFA que tornaram os dias, menos dias, e o tempo em mera convenção da

sociedade. Valeu mesmo!

Referências

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evaluation of processes and patterns. Advances in Ecological Research, 30:1-67.

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As aranhas Paratrechalea sp. selecionam habitats que conferem proteção à

ooteca?

Gabriela Decker

Introdução

Ambientes naturais são heterogêneos e fornecem habitats que diferem em relação à qualidade

das condições e recursos (e.g Holmes et al. 1999). A seleção natural favorece indivíduos que

apresentam estratégias de seleção de habitat que maximizem a sobrevivência e o sucesso

reprodutivo. A escolha dos indivíduos é mediada por características relacionadas às condições

do ambiente, à disponibilidade de presas, à parceiros sexuais e à suscetibilidade a predadores

(Morin 1999). Entretanto, características como a idade e eventos reprodutivos podem alterar

a escolha do habitat. Organismos que durante o período reprodutivo investem no cuidado

parental precisam selecionar habitats que garantam a sobrevivência da prole (Gonzaga 2007).

Habitats que favorecem a sobrevivência da prole podem ser hostis em termo de

condições e recursos aos indivíduos que estão cuidado dos filhotes. Assim, o investimento na

proteção e alimentação da prole pode ser uma atividade altamente custosa. Ao reduzir o tempo

no qual o organismo pode forragear, há aumento na alocação de energia para atividades que

não estão relacionadas ao seu próprio crescimento e manutenção (Clutton-Brock 1991). Além

disto, pode haver redução nas taxas de sobrevivência, uma vez que os organismos ficam mais

expostos a predação enquanto cuidam dos filhotes (Krebs & Davies 1993). Entretanto, garantir

a sobrevivência dos descendentes é fundamental para o sucesso reprodutivo dos indivíduos,

sendo assim, selecionar um habitat que não forneça proteção à prole pode ser mais custoso ao

organismo quando comparado às perdas em relação à aquisição de recursos.

Em alguns grupos de aracnídeos, a presença do cuidado parental é indispensável para

a sobrevivência dos filhotes. Algumas aranhas podem investir na sobrevivência da prole por

meio da produção da ooteca. A ooteca é um invólucro produzido com fios de seda que ajuda

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a manter os ovos unidos, mantendo as condições adequadas de umidade e temperatura e

conferindo proteção contra parasitoides. Outras espécies investem no cuidado parental

fornecendo alimento e abrigo durante os estágios iniciais de desenvolvimento dos filhotes. A

nutrição da prole promove o atraso na dispersão e reduz as taxas de canibalismo entre os

filhotes. Sendo assim, em aranhas, a produção de ooteca e a alimentação dos filhotes são

investimentos essenciais para a sobrevivência da prole e para garantir o sucesso reprodutivo

da espécie (Gonzaga 2007).

As aranhas da espécie Paratrechalea sp. (Araneae: Trechaleidae) são predadoras que

durante atividade de forrageio se posicionam em troncos e em superfícies de folhas próximas

a corpos de água (Silva et al. 2005, Couto 2011). Estes locais são favoráveis à caça, contudo

são hostis por haver intensa atividade de predadores. Ao longo do período reprodutivo, estas

aranhas envolvem seus ovos em ootecas, e por utilizarem suas quelíceras e os pedipalpos para

segurar a ooteca, são impossibilitadas de caçar. Dado que durante o período de cuidado

parental a aranha não pode caçar e os locais de forrageio oferecem riscos de predação à ooteca,

eu espero que aranhas que estão cuidando da ooteca devem alterar os locais de ocorrência.

Minha hipótese é que as aranhas que estão apresentando cuidado parental devem selecionar

ambientes distantes dos locais com maior risco de predação e que confiram proteção à ooteca.

Se as aranhas com ooteca selecionam habitats com maior proteção eu espero que (i)

aranhas com ooteca irão se posicionar em locais mais distantes do corpo de água, pois as áreas

mais próximas da água apresentam maiores riscos de predação à ooteca; (ii) aranhas com

ooteca irão se posicionar na base da folha, porque na inserção foliar a aranha pode estar mais

protegida por ficar menos exposta ao predador. Além disto, por estar mais próxima a base

foliar, ela pode fugir rapidamente na presença de ameaça; iii) aranhas com ooteca irão escolher

locais cobertos por galhos e folhas, pois a presença de estruturas vegetais confere proteção

por dificultar a visualização do predador.

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224

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo em um riacho de água doce localizado no km 41, Fazenda Esteio,

pertencente à Área de Relevante Interesse Ecológico do Projeto de Dinâmica Biológica de

Fragmentos Florestais (ARIE PDBFF). A ARIE está localizada a 80 km ao norte de Manaus

(2°24’ S - 59°43’ O) é formada por floresta contínua de terra firme e abrange uma área de

aproximadamente 10.000 ha de floresta ombrófila densa (Bruna et al. 2004).

Coleta de dados

Para investigar o efeito do cuidado parental de aranhas Paratrechalea sp. na seleção de habitat

eu mensurei características do ambiente de 16 aranhas que estavam cuidando de ooteca e de

17 aranhas que não estavam cuidando de ooteca. Para caracterizar o ambiente, em relação à

proteção conferida a aranha, eu mensurei a distância da aranha em relação ao corpo de água

do riacho, a posição da aranha na superfície foliar e a existência de estruturas vegetais acima

e abaixo da folha na qual a aranha estava posicionada.

Eu busquei ativamente por aranhas adultas de Paratrechalea sp. ao longo da margem

de um riacho. Ao encontrar cada aranha, eu identifiquei se ela estava ou não carregando a

ooteca. Para avaliar o afastamento da aranha em relação à água eu mensurei a distância entre

a aranha e o corpo de água. Para avaliar a posição da aranha na folha, eu avaliei se a aranha

estava posicionada na região mais basal ou na região mais apical da folha. Para investigar se

as aranhas estavam selecionando ambientes menos visíveis a predadores, eu avaliei se haviam

estruturas vegetais obstruindo a visualização da aranha, e categorizei o local como obstruído

e não obstruído.

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Análises estatísticas

Para testar se as aranhas com ooteca estão mais distantes da água do que aranhas sem ooteca

eu utilizei o teste t. Para investigar se a ocorrência de aranhas com ooteca e sem ooteca

diferiam em relação à posição na folha e a presença de obstruções acima e abaixo eu utilizei

o teste qui-quadrado para cada variável.

Resultados

Eu analisei 33 aranhas, das quais 16 estavam cuidando de ooteca e 17 não estavam em período

reprodutivo. Eu encontrei diferença na seleção de habitat por aranhas com e sem ooteca. As

aranhas com ooteca estavam em locais em média 2,42 vezes mais distantes da água do que as

aranhas sem ooteca (t=2,197, gl=31, p=0,018) (Fig. 1). As aranhas com ooteca foram

encontradas mais frequentemente em locais com obstrução de vegetação abaixo delas (14 dos

16 indivíduos) e as aranhas sem ooteca preferiram locais onde não havia obstrução abaixo

delas (15 dos 17 indivíduos) (χ2=9,409, gl=1, p=0,002) (Fig. 2a). Porém, as aranhas com

ooteca não diferiram em relação aos locais com obstrução acima (8 indivíduos em cada

categoria ) (Fig. 2b), enquanto que, as sem ooteca preferiram locais sem obstrução acima (13

de 17 indíviduos) (χ2=2,496, gl=1, p=0,114). As aranhas com ooteca se posicionaram de

forma similar na base (9 dos 16 indivíduos) e no ápice (7 dos 16 indivíduos) das folhas. As

aranhas sem ooteca preferiram ficar mais próximas do ápice (14 dos 17 indivíduos) (χ2=5,308,

gl=1, p=0,021) (Fig.3).

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Figura 1. Distância média da água do riacho para aranhas que estavam cuidando de ooteca e

para aranhas que não estavam cuidando de ooteca. A barra representa o erro padrão.

Figura 2. Frequência das aranhas que estavam cuidando de ooteca e de aranhas que não

estavam cuidando de ooteca em ambientes obstruídos por estruturas da vegetação abaixo

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Figura 3. Frequência das aranhas que estavam cuidando de ooteca e de aranhas que não

estavam cuidando de ooteca no ápice e na base das folhas.

Discussão

Aranhas que apresentam cuidado parental alteram o seu local de ocorrência quando

comparadas a aranhas que não estão em período reprodutivo. As aranhas com cuidado

selecionaram preferencialmente habitats que possam conferir proteção a ooteca. O

investimento energético para produção dos ovos de Paratrechalea sp. deve ser alto,

justificando os custos adicionais de proteção da ooteca. Isto pode indicar que a evolução do

cuidado parental em Paratrechalea sp. está associada a evolução deste grupo em ambientes

com altos riscos de predação.

As aranhas com ooteca ocupam locais na vegetação mais distantes da água do que as

aranhas sem ooteca. As aranhas devem ocorrer mais distantes da água para se afastar dos

predadores. Além disso, aranhas com ooteca selecionaram locais com obstruções abaixo da

folha na qual elas estavam posicionadas. Possivelmente, a seleção de locais mais obstruídos

pode dificultar a detecção das aranhas por predadores de solo que são visualmente orientados.

As aranhas com ooteca não selecionaram locais com obstruções na porção superior. A

presença de predadores voadores noturnos como morcegos e insetos que atacam estas aranhas

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deve ser baixa, assim, não há uma pressão que faça com que estas aranhas procurem locais

que dificultem visualização deste tipo de predador. Por outro lado, as aranhas com ooteca

selecionaram folhas sem obstruções na face superior. A presença de obstruções pode não ser

vantajosa para aranhas sem ooteca, pois elas predam insetos voadores e as obstruções

poderiam prejudicar a caça.

As aranhas que estavam cuidando da prole não apresentaram diferenças no

posicionamento na folha e ocorreram de forma similar na base e no ápice da folha. As aranhas

sem ooteca se concentraram preferencialmente no ápice destas. As aranhas sem ooteca se

posicionam no ápice da folha, pois esta posição otimiza a atividade de forrageio próximo à

agua (Silva et al. 2005). É provável que, como as aranhas que estão cuidando da ooteca

preferem locais mais protegidos, o posicionamento na folha seja irrelevante para a proteção

da ooteca. Assim, a presença de obstruções deve ser o fator mais importante para proteção da

ooteca.

Além dos riscos associados à predação, estas aranhas também sofrem com ataques de

parasitoides. Hymenopteros parasitoides da família Ichneumonidae e Scelionidae foram

registrados em 3 ootecas de uma população de Paratrechalea sp. coletada na mesma área de

estudo (Siqueira 2014). Os parasitoides consomem os ovos presentes na ooteca, apresentando

um potencial risco ao sucesso reprodutivo das aranhas. Entretanto, estes parasitoides são

quimicamente orientados e a seleção de locais que são visualmente obstruídos não seria

relevante para proteção contra estes organismos. Dado que a frequência de parasitoides em

ootecas de Paratrechalea sp.é baixa (3 ootecas parasitadas em 18), a pressão de parasitismo

não deve modular a seleção de habitat nestas aranhas.

Em conclusão, aranhas que estão em período de cuidado parental selecionam habitats

que irão conferir proteção à prole. Essa seleção deve estar relacionada principalmente aos

altos riscos de predação existentes nos locais onde as aranhas forrageiam. A seleção do habitat

durante o cuidado da ooteca esta relacionada com o distanciamento do predador e redução da

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capacidade de detecção visual dos predadores. Isto sugere que a principal pressão de predação

à ooteca é conferida aos predadores do solo que são visualmente orientados. Os altos custos

de produção dos ovos, associados à intensa pressão de predação devem ser os principais

mecanismos que favorecerão a manutenção do comportamento de cuidado parental em

Paratrechalea sp.

Agradecimentos

Primeiramente, agradeço aos coordenadores, ao PDBFF e ao INPA pela oportunidade de

participar deste curso. Esta foi sem dúvida, uma das experiências mais incríveis que eu tive

oportunidade de vivenciar.

Agradeço em especial ao Paulinho mãe “Bunita” “Del Fuego” e ao Paulinho pai

“Morcego” “Meeel Deus”, por toda dedicação, paciência e comprometimento com nosso

aprendizado.

Paulinho “Del Fuego”, você é o cara! Jamais esquecerei a sua incrível capacidade de

nos fazer rir mesmo nas aulas de estatística logo após o almoço, debaixo da uma lona e com

sensação térmica de 50 graus. Você é a essência do EFA! Atoro seu pericoooon!

Uma obrigada especial à Joana pela revisão deste trabalho.

Ao “Xechéu” “Chachau”, pela revisão e orientação durante a elaboração deste

trabalho. Obrigada por nos introduzir ao incrível mundo das aranhas! Por toda força e

incentivo e por nos divertir compartilhando as histórias dos EFAs anteriores.

Um salve ao Ale “Profeta”, parceiro do campo na caça as aranhas e ootecas. “Eu quero

meu PI no céu, no no no céu...”.

Gostaria de agradecer também a todos os professores que vieram para fazer o curso

melhor. Ao Bruno “Carioca Mala Marrento” pela introdução do regime militar no EFA e pela

orientação e apoio no PO aterrorizante dos “atributox funcionaix”. Ao Rodrigo pela orientação

do PO “herbivoria-demanda conflitante”. Ao Xechéu pela orientação no PO das teias muitcho

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loucas. Ao Gilberto pela paciência durante o campo do PO das aranhas no super-bond.

Agradeço também aos outros professores, Cris, Mario, Ana, Laura “Pezão”, Danilo “Axpira”,

Janzen e Fabricio que foram sempre muito solícitos a atenciosos na elaboração dos nossos

PLs.

Um agradecimento sincero também aos queridos e prestativos monitores, Lucas “Pão

de queijo” “Noossa” e Raul “O gigante”. Obrigada pela ajuda nos campos, nas elaborações

do relatório, parceria nos Igarafests e por aguentarem as nossas chatices e desesperos.

Aos fofos e queridos, seu Jorge, aquele que tudo sabe e tudo vê e a dona Eduarda, por

cuidarem da gente e nos paparicarem com os doces maravilhosos.

Aos 20 efanos, gonorantes, sortudos e insanos, minha eterna gratidão em ter

compartilhado essas 3583 quartas-feiras com vocês! Nós somos um grupo e não uma

cambada! À minha chara, mongolona Gabi “Gaúcha” “Porradinha” pela parceria e por

encantar a todos sendo essa “coisa querida” e me alimentar com chocolates, todynhos e

salgadinhos. À AndroGiuna não só pela parceria durante o EFA mas também pelos conselhos

pré-EFA. Obrigada por me fazer passar frios nas noites do km41, afinal, quem precisa de saco

de dormir na Amazônia, rsrs. À Dani “Peste” e à “Princesa Larica”, companheiras em

desbravar Manaus! Jamais me esquecerei do nosso passeio seguro ao porto, da fuga do

mendigo e da “deliciosa” e “barata” pizza de camarão em frente ao teatro. Ao casal mais

divertido do EFA, Dani “Sutra” e Bandidim “Hoje teeeeem!”. A Íssa, a espanhola mais

estilosa do EFA (desculpe pela delicadeza com que tratei os girinos do seu experimento). À

todas as integrantes do clube da Luluzinha, parceiras nas loucuras, fofocas e passeios insanos

na caçamba da caminhonete. Maira “Gataaam” “Sararazinha”, Mila “Queen”, Júlia e

CamINPA. Aos integrantes do clube do bolinha, que por aguentarem as retardadices da ala

feminina, “Vomiiiitor” pelas caipirinhas que agregam valor aos igarafests, Paulo “Bitoca”

pelas aulas circenses, a unidade “Piroca” & “Piroca”, RonRonZinho “Palmas pro RonRon”,

Flávio “Boto Fé” e Staloooooooooone.

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Um agradecimento mais que especial aos meus queridos pais Agostinho e Teresinha e

à minha irmã Rafaela. Obrigada por entenderem e sempre apoiarem as minhas “aventuras”

por esse mundão afora. Amo vocês!

Estou imensamente feliz por fazer parte da família EFA! Aprender a fazer ciência em

plena “Mazônha” com pesquisadores incríveis foi certamente, uma das melhores experiências

da vida! Nem acabou e já sofro de saudades. Melhor impossível! TÂMO JUNTO!

Referências

Bruna, E.M., D.M. Lapola & H.L. Vasconcelos. 2004. Interspecific variation in the defensive

responses of obligate plant-ants: experimental tests and consequences for herbivory.

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233

Se piscar o predador pega, se piscar a larva come: bioluminescência em larvas de

coleópteros (Lampyridae)

Gabriela Pacheco Hass

Introdução

Muitos organismos utilizam sinais para comunicação, tais como movimentos específicos,

pistas químicas, estímulos auditivos e visuais (Barbosa & Castellanos 2005). Estes sinais são

utilizados principalmente para obtenção de parceiros reprodutivos, evitação de predadores e

localização e captura de presas (Barbosa & Castellanos 2005). Um estímulo visual utilizado

por vários organismos (e.g. bactérias, fungos, algumas plantas e 11 filos animais) é a

bioluminescência, que consiste na produção de luz por meio da oxidação de uma substância

chamada luciferina (Grimaldi & Engeli 2005, Triplehorn & Jonnson 2011).

A bioluminescência em insetos é um tipo de sinalização visual que ocorre

esporadicamente em Diptera (e.g. Mycetophilidae) e frequentemente em Coleoptera (e.g.

Elateridae e Lampyridae; Lloyd 1983). Nos besouros lamparídeos, este sinal visual serve para

atrair parceiros sexuais e por isso apresentam duração, frequência, rítmo e intensidade

distintos para cada espécie (Grimaldi & Engeli 2005). Embora a emissão destes sinais

luminosos apresente vantagens importantes, este tipo de sinalização também pode acarretar

algumas desvantagens. Uma das principais desvantagens é que a emissão de luz tem um custo

energético bastante alto (Triplehorn & Jonnson 2011, Wood 1995). Além disso, a emissão de

sinais luminosos aumenta a chance de predação por organismos visualmente orientados

(Barbosa & Castellanos 2005). Visto isso, o objetivo do investimento neste atributo e a sua

vantagem para os indivíduos dos grupos onde esse fenômeno ocorre ainda são bastante

discutidos.

A bacia Amazônica possui um complexo de riachos denominados localmente como

igarapés. Áreas adjacentes aos igarapés são habitadas por larvas de coleópteros Lampyridae

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234

que são predadoras e apresentam órgãos fóticos nos esternitos abdominais. Se estes indivíduos

não estão em estágio de desenvolvimento potencialmente reprodutivo e se a bioluminescência

poderia deixar estes animais mais susceptíveis a predação, me questionei qual a vantagem do

investimento em bioluminescência para essas larvas. Há registros de fêmeas de algumas

espécies de lamparídeos predadores que mimetizam as emissões luminosas de outras espécies

para atrair os machos e predá-los (e.g. Photuris, Grimaldi & Engeli 2005; Triplehorn &

Jonnson 2011), assim como existem larvas de Elateridae que utilizam sua luminosidade na

captura de presas (Pyrearinus termitilluminans, Grimaldi & Engeli 2005). Considerando o

exposto acima, a minha hipótese é que a emissão de sinal luminoso por larvas de coleópteros

está relacionada com a obtenção de alimentos.

Métodos

Área de estudo

Realizei este estudo em uma floresta de terra firme na Amazônia Central, em uma área

localizada a aproximadamente 80 km ao norte de Manaus, Brasil. Conhecido como

acampamento do Km 41. O local está inserido na Área de Relevante Interesse Ecológico

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF) (02º24’S e 59º44’O),

que abrange aproximadamente 10000 ha (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical

do tipo Am – tropical úmido de monções de acordo com a classificação de Köppen-Geiger

(Peel et al. 2007), caracterizado por possuir uma estação seca com precipitação média de

1900 mm/ano (junho-outubro) e uma estação chuvosa com precipitação média de 2500

mm/ano (novembro-maio; Ferreira & Laurance 1997). A temperatura média anual é de 26,7

ºC e a precipitação pluviométrica anual média é de 2300 mm (INMET, 2014).

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Coleta e análise de dados

Observei e coletei 22 larvas de coleópteras do tipo campodeiforme da Família Lampyridae

que estavam emitindo luz, durante o período noturno. Para cada indivíduo, foi contado o

número de vezes que as larvas emitiram sinais luminosos em um intervalo de tempo de 5 min.

Utilizei este valor como indicativo do investimento das larvas em emissão luminosa.

Para avaliar o estado nutricional das larvas, utilizei a medida de condição corporal de

cada indivíduo, medi a sua massa em uma balança com precisão de 0,001 g e as suas

dimensões corporais, tais como comprimento e largura, com paquímetro digital. Estimei o

volume corporal por meio da fórmula ovoide-elipsoide: V=4/3π(C/2)(L/2)², onde C é o

comprimento corporal e L a largura (Dunham 1983). Calculei a densidade corporal de cada

indivíduo pela razão entre massa e volume do corpo. Utilizei o valor da densidade corporal

como indicador da condição corporal do indivíduo. Considerei que indivíduos menos densos

apresentam melhor condição corporal, por possuírem maior reserva de gordura. Para testar se

indivíduos que emitem maior frequência de sinais luminosos apresentam menor densidade

corporal fiz uma regressão linear simples considerando o número de emissões de luz como

variável independente e densidade corporal como variável dependente. Se indivíduos

investem em emissão de luz como uma estratégia para captura de presas, eu espero que

indivíduos que emitem sinais de luz em maior frequência apresentem menor densidade

corporal.

Resultados

Larvas emitiram luz, em média, 34±14 vezes por 5 min. (média±desvio padrão). A densidade

corporal média das larvas foi 2,3±0,7 mg/cm³. Larvas que investem mais em emissão de luz

não apresentam menor densidade corporal (F(1,2)=5,75; r² (ajustado)= 0,18; p=0,026; Fig.1).

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Figura 1. Relação entre o número de emissões luminosas de larvas de Lampyridae

(Coleoptera) e a densidade corporal das larvas (g/mm³), em área adjacente a um igarapé na

Amazônia Central.

Discussão

Larvas que investem mais em emissão de luz não exibem melhor condição corporal. Então,

as larvas que investem mais em sinais luminosos não parecem ter vantagem na captura de

presas. Isto indica que a sinalização não está unicamente relacionada com a obtenção de

alimento.

Ao longo das análises, observei que as larvas que tinham maior densidade e emitiam

mais sinais luminosos eram também aquelas com maior tamanho corporal. Durante o

desenvolvimento larval (instares) dos coleópteros, os indivíduos são geralmente semelhantes

em forma, aumentando apenas em tamanho (Triplehorn & Jonnson 2011). Ao longo do

crescimento, larvas precisam de mais energia para sustentar suas taxas metabólicas mais

elevadas, o que explicaria a baixa reserva de gordura em larvas maiores. Desta forma, levantei

a hipótese a posteriori de que o investimento em emissão luminosa estaria relacionado com a

idade dos indivíduos. Para avaliar isso, realizei uma regressão linear considerando o

comprimento do corpo como variável independente e número de emissões de luz como

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variável dependente, obtendo um resultado significativo (F(1,2)=9,8; r² (ajustado)= 0,29; p=0,005;

Fig.2). Desta forma, existe um padrão onde indivíduos menores investem menos em emissão

de luz e que, à medida que os indivíduos se desenvolvem, este investimento aumenta. Estes

resultados sugerem que a emissão de luz nesses insetos não atua primariamente para a atração

de presas para alimento.

Figura 2. Relação entre o comprimento corporal (mm) e o investimento em emissão luminosa

por larvas de Lampyridae (Coleoptera), em área adjacente a um igarapé na Amazônia Central.

Uma das possíveis explicações para os resultados encontrados é que ocorra um

balanço entre vantagens na obtenção de alimentos e desvantagens com a emissão de sinais

luminosos em larvas de Lampyridae (Coleoptera). Um exemplo deste impasse

comportamental pode ser observado em anfíbios onde, a vocalização é emitida para atração

de parceiros sexuais, embora aumente as chances de serem detectados por predadores (Wells

2007). É possível que larvas pequenas sejam mais susceptíveis à predação por terem menor

chance de escape frente ao predador. Por outro lado, pequenas quantidades de alimentos são

suficientes para suprir sua demanda energética para realizar suas atividades. Logo, emitir

poucos sinais luminosos pode ser suficiente para garantir o retorno energético necessário e

reduzir a exposição a predadores. À medida que as larvas crescem elas têm mais habilidade

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de escape de predadores. Contudo, necessitam de mais energia para suas atividades, fazendo

com que invistam mais em sinais luminosos. Considerando que a emissão de luz é um

processo energeticamente custoso (Wood 1995), à medida que as larvas sinalizam mais, elas

gastam mais energia e consequentemente, reservam menos gordura. Neste sentido, o maior

investimento em sinais luminosos por larvas de instares mais tardios (mais “velhas”) sugere

que estas larvas estejam investindo mais em atração de presas, embora a liberação deste sinal

implique em um maior gasto energético. Esta hipótese é apoiada pelas relações encontradas

entre o tamanho e a densidade corporal das larvas e o seu investimento em emissão de luz

(Figuras 1 e 2).

Por meio deste estudo concluí que larvas maiores (instares mais tardios) exibem uma

reserva energética mais baixa e apresentam um maior investimento em sinal luminoso. Por

outro lado, larvas menores (instares mais iniciais) possuem maior quantidade de gordura e

investem menos em emissão de sinal luminoso. Sendo assim, sugiro a hipótese que o sinal

luminoso pode atuar como uma forma secundária na atração de presas, mas que deve ser

regulada por outras pressões, como a de predação por organismos visualmente orientados.

Agradecimentos

Ao PDBFF e ao INPA pela disponibilização de toda a sua estrutura e investimento sem

os quais este sonho não teria sido realizado.

Ao “dono do curso” José Camargo pela dedicação e por “fantasmagoricamente” estar

sempre cuidado de todos nós.

Ao Paulinho Enrique “Mãe Bunita” e Paulinho Estefano “Papi Morcego” por terem

me selecionado e proporcionado essa experiência inenarrável, na qual pude aprender

muuuuito sobre (n) coisas, as quais nunca tinha tido contato. Além disso, por terem me

instigado a observar os fatos, fazer mais perguntas, montar hipóteses e refletir sobre previsões,

ou seja, por a cachola para pensar! Especialmente, “Mãe bunita (e baranga é claro) obrigada

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pelos “esporros”, pelas risadas e diversão, mas principalmente, te agradeço por me motivar a

correr atrás para sanar as minhas deficiências e me encorajar e mostrar que eu sei e que eu

posso! “Papi Morcego (bate o cabelo vai) quero te agradecer pelos conselhos sérios (alguém

tem que ser né), pelos momentos de conversa e passagem de conhecimento que me fizerem

pensar muito, mas em especial, por ter sido parceirão em atolar no lodo em plena escuridão

em busca das larvas piscantes do capeta!

Aos integrantes do “alto clero” que nos acompanharam ao longo destas intensas 30

quartas-feiras, sempre dispostos a conversar, tirar dúvidas, ensinar, discutir e passar trabalho,

mas o mais incrível, sempre com sorriso nos rostos e nos tratando de igual para igual. Chris

Corrêa, Mário Almeida-Neto, Bruno Rosado, Rodrigo Cogni, Jansen Zuanon, Axpira Muniz,

Fabrício Baccaro, Gilbero Saltos, Joanna e Ana Andrade, o meu muito obrigada por

disponibilizarem um pouquinho do precioso tempo de vocês para o nosso crescimento!

Gostaria de dizer um “vlw por tudo” especial para os dois teachers que mais tive contato e

que me ajudaram demais durante os últimos PÓ’s e PI, Tiago Kloss “Chau-Chau” e Laura

Leal “Pezão do Capeta”. Laura, adorei conhecer mais sobre o mundo das formigas, foi demais!

Juro que vejo-as com outros olhos agora. E obrigada pelas infinitas e pacienciosas explicações

sobre tudo, e principalmente no PI da “piscância”. Chau-chau, trabalhar contigo foi muito tri,

pois une aprendizado e diversão, além disso, queria te agradecer principalmente por abraçar a

ideia das larvas do capeta comigo! Teachers queridos e loucos vlw por isso e todas as demais

loucuras! Adorei abusar de vocês, thsssss!

Aos melhores e mais fofos, dedicados e amigos monitores de todos os EFAS (tenho

certeza que são) “Pão de Queijo” e “Gigante da Guerra”: Lucas, obrigada pelos diários

“eaimm gaúcha” demonstrando um carinho (de irmão mesmo) que sempre senti receber de ti,

pelas aulas de capoeira (vou começar a fazer certo) e por toda a força nas mill versões dos

trabalhos intermináveis. Raulzito, nooooossa quero que saiba que tu foi um amigão muito

importante para mim ao longo destes dias eternos e intensos do EFA, só tenho a te agradecer

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por todo o carinho, pelos papos cabeças e pelos nem tão cabeças kkk, pelos abraços

inesperados que fazem tanta falta nesta nossa vida paralela, e por sempre acreditar no meu

potencial e fazer com que eu mesma acreditasse. Guris, vocês fizeram toda a diferença neste

curso, agradeço por ter tido monitores tão queridos, e que ajudaram este sonho ser exatamente

como sonhei! Obrigada pela preocupação, companheirismo e pelos conselhos de veteranos de

EFA, foram muuuuito importantes. E, talvez vocês não saibam, mas vocês dois fizeram a

gaúcha aqui se sentir muito especial no curso! (visualizei aquela cara do Paulinho agora kkkk)

Ao seu Jorge “Mundinho” por todas as suas porradices, que divertidamente

coordenava nossos horários de rango e, além disso, ficou firme e forte sempre parcerão nas

festas. A dona Eduarda pelo carinho e pelos pudins e bolos deliciosos dos deuses!

Queria agradecer a amizade e coleguismo de todos os guris do curso, “Bandidin”, “Bitoka”,

“Boto Fé” “Pinto”, “Piroka”, “Profeta”, “RonRon”. “Stallone” e “Vomito”. Foi muito legal

conviver, estudar e dividir toda essa experiência com vocês, foram incríveis!!! Mas o meu

agradecimento mais que especial vai para todas as gurias que arrasaram em amizade,

companheirismo, divertimento, beleza, força e coragem para enfrentar seus medos e

dificuldades, mas principalmente, em empolgação e felicidade! Gurias foi óóóóótimooooo

estas com vocês!!!! “Queen” nunca irei esquecer teus cuidados, tu és d+; “CamInpa” tu é uma

queriiiiiida, tua tranquilidade foi o equilíbrio da mulherada; Dani “Uma” minha anja, tu és um

máximo, forte, inteligente e divertida; “Issa” o estilo em mulher, tua presença fez toooda a

diferença; Júlia tu é a doidice em pessoa, completou o time; Maíra “Gatam” simplesmente a

felicidade em pessoa, foi um prazer conviver contigo. Em particular, gostaria de agradecer de

coração as gurias do Sul e a Lari, gurias que me ajudaram muito, que estiveram ao meu lado

em todos os momentos, tantos os felizes quanto os difíceis, e que tenho a convicção em dizer

que se tornaram grandes amigas: Dani “Peste” tu é uma amigoooona, como esquecer do teus

carinhos de cabeça, eles ficaram marcados no meu coração; Gabí “B&D” fia, sem palavras...

nunca pensei em ganhar uma amiga tão especial neste curso, ainda mais uma tão retardada

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como eu, amizade inesquecível; “AndroGIUna” tu és uma guria fora de série, sério foi

óóótima a tua parceria e amizade na seriedade e nas loucuras; Lari nóóóssa empolgante te ver

crescer e se libertar, ameiiii demais a companhia. Gentem amei conhecer cada uma de vocês

com as suas personalidades particulares e peculiares e, principalmente, perceber o respeito

que rolou entre este GRUPO e ver que todos nós nos demos muito bem e que crescemos

juntos!!! “Mas bah foi tri especial para mim” ver como existem pessoas especiais neste

brasilzão e saber que agora posso chamá-las de amigos. Grande abraço gurizada e, espero que,

até logo!

Referências

Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. Oxford:

Oxford University Press.

Bierregaard, R.O.Jr., C. Gascon, T.E. Lovejoy & R.C.G. Mesquita. 2001. Lessons from

Amazonia: the ecology and conservation of a fragmented forest. New Haven &

London: Yale University Press.

Dunham, A.E. 1983. Relized niche overlap, resourse, abundance, and intensity of interspecific

competition, pp. 261-280. In: Lizard Ecology: studies of a model organism.

Cambridge: Harvard University Press.

Ferreira, L.V. & W.F. Laurance. 1997. Effects os forest fragmentation on mortality and

damange of selected trees in Central Amazonia. Conservation Biology, 11:797-801.

INMET, 2014. Instituto Nacional de Meteorologia <www.inmet.gov.br/>. Acessado em 22 de

junho de 2014.

Grimaldi, D. & M.S. Engeli. 2005. Evolution of the insects. New York: Cambridge University

Press.

Lloyd, J. E. 1983. Bioluminescence and communication in insects. Annual Review of

Entomology 28: 131-60.

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Peel, M.C., B.L. Finlayson & T.A. Mcmahon. 2007. Updated world map of the Köppen-

Geiger climate classification. Hydrology and Earth System Sciences, 11:1633-1644.

Triplehorn, C.A. & N.F. Jonnson. 2011. Estudos dos insetos. São Paulo: Cengage

Learning.

Wells, K.D. 2007. The Ecology and behavior of amphibians. Chicago: The University of

Chicago Press.

Wood, K. V. 1995. The chemical mechanism and evolutionary development of beetle

bioluminescence. Photochemistry and Photobiology, 62: 662-73.

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A presença de espinhos nas palmeiras não afeta a propensão das aranhas a

reconstruírem as teias após um distúrbio

Giulliana Appel

Introdução

Os animais, por serem móveis, podem buscar locais que ofereçam o recurso e estrutura

necessária para a sua sobrevivência, crescimento e reprodução. Estes locais podem apresentar

complexidade estrutural variada, tanto horizontais quanto verticalmente (Rypstra et al. 1999).

Locais com maior complexidade estrutural possuem características vantajosas relacionadas à

abrigo, ao risco de predação e à disponibilidade de alimentos, os quais devem conferir maior

aptidão aos indivíduos (Allan 1995, Souza 2007).

Aranhas usam informações como a frequência de visitas de presas e características do

substrato para encontrar locais que aumentem sua chance de sobrevivência (Romero &

Vasconcelos-Neto 2007a). Características da vegetação, como estruturas disponíveis para a

ancoragem das teias podem proporcionar um local de melhor qualidade para o

estabelecimento das aranhas (Krebs & Davies 1993). Logo, os indivíduos devem permanecer

nesses locais mesmo após algum distúrbio, caso a qualidade do ambiente permaneça. Além

disso, a estrutura da vegetação pode favorecer as aranhas a evitar predadores, localizar áreas

de forrageamento, encontro de parceiros sexuais, acasalamento e proteção contra dessecação

(Romero & Vasconcelos-Neto 2007a; Souza 2007). Dessa forma, o número de ramificações

em planta, tricomas, tamanho e forma de folhas devem influenciar na decisão das aranhas de

permanecerem no local.

Algumas aranhas apresentam diferentes arquiteturas de teias e armadilhas que

necessitam de locais específicos para a sua construção. Por exemplo, representantes da família

Salticidae ocorrem preferencialmente sobre bromélias, e a arquitetura da planta em forma de

roseta facilita a construção de teias destas aranhas (Romero & Vasconcelos-Neto 2007b). Já

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as aranhas construtoras de teias tridimensionais (Theridiidae e Pholcidae) ocorrem

preferencialmente em plantas com maior densidade de folhas e galhos, pois a construção de

suas teias normalmente requer espaços pequenos entre os suportes (Uetz 1991). Por isso, estas

teias geralmente necessitam de mais pontos de ancoragem. Sendo assim, é esperado que as

aranhas construtoras deste tipo de teia tenham maior fidelidade quanto ao local de nidificação.

Aranhas que constroem teias tridimensionais frequentemente ocorrem mais em

palmeiras com espinhos do que em outras plantas (Santos 2013). Porém, a relação entre a

estrutura da planta e a seleção de habitat das aranhas ainda é pouco conhecida (Souza 2007).

Dessa forma, os espinhos dispostos na ráqui das palmeiras acaules podem fornecer uma

arquitetura favorável na construção de teias tridimensionais nessas plantas, constituindo assim

um local de alta qualidade para construção de teias. Sendo assim, a minha hipótese é que a

arquitetura das palmeiras por possuírem muitos pontos de ancoragem, são locais de melhor

qualidade que proporcionam às aranhas maior proteção. Se minha hipótese for verdadeira, eu

espero que após um dano o número de abandonos das teias será menor nas palmeiras com

espinhos. E o número de reconstruções será maior nas palmeiras com espinhos.

Métodos

Realizei este estudo no sítio do Km 41 (02º 24’ S-59º43’ O), que está localizada cerca de 80

km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica

de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A área é caracterizada como

floresta de terra firme e apresenta cerca de 10.000 ha de floresta (Laurance et al. 2010). O

clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e pluviosidade

média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Selecionei 30 palmeiras acaules que tivessem espinhos na ráquis e teias

tridimensionais construídas sobre a planta. Em cada palmeira as teias estavam ancoradas em

pelo menos dois pontos da planta focal. Em todas as plantas desconectei a teia de uma das

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ráquis. Dessa maneira, a teia ficou parcialmente ancorada em pelo menos outros dois pontos

que poderiam ser outra ráqui da palmeira ou em outras plantas, ou folhiço. Para verificar se a

arquitetura das palmeiras são locais de melhor qualidade, em 15 palmeiras cortei os espinhos

de todas as ráqui e em 15 palmeiras mantive os espinhos. Nas plantas em que eu retirei os

espinhos, a minha expectativa era de que as aranhas não reconstruíssem as teias e

abandonassem o local. Enquanto naquelas onde os espinhos foram mantidos, eu esperava que

as aranhas reconstruíssem as teias após 24 horas do distúrbio imposto.

Utilizei um teste Qui-quadrado para testar a previsão de que o número de abandonos é

menor nas palmeiras onde mantive os espinhos do que naquelas em que retirei os espinhos.

Assim como testei a previsão de que o número de reconstruções é maior nas palmeiras onde

mantive os espinhos do que naquela em que retirei os espinhos. Considerei o abandono ou não

da aranha na teia como variável resposta, e a presença ou não de espinhos como variável

preditora.

Resultados

Das 30 palmeiras que eu utilizei durante o experimento, 28 indivíduos eram da espécie

Astrocaryum sciofolium e dois indivíduos pertenciam ao gênero Bactris. As aranhas

pertenciam a diferentes espécies da família Pholcidae, sendo que esta é uma das famílias

caracterizadas por construir teias tridimensionais (Vieira et al. 2007).

As aranhas apresentaram três tipos de respostas após a retirada dos pontos de

ancoragem: (I) abandono de teia, (II) reconstrução dos pontos de ancoragem da teia, (III)

permanência na teia mesmo com os pontos de ancoragem desfeitos. A resposta mais

encontrada foi o abandono de teia, com 53,33%, seguida de reconstrução com 16,66% e

permanência na teia sem os pontos de ancoragem nos espinhos com 10% do total.

Nas palmeiras que eu retirei os espinhos, 40% (N=6) das aranhas abandonaram suas

teias (Tabela 1). Para as palmeiras que os espinhos permaneceram, a percentagem de

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abandonos foi de 66,67% (N=10). Não houve diferença em relação ao número de abandonos

entre palmeiras que os espinhos foram retirados e palmeiras que os espinhos foram mantidos

(χ2=0,15; gl=1; N=30; p=0,69).

Nas palmeiras que eu retirei os espinhos, 46,66% (N=7) das teias foram reconstruídas,

enquanto naquelas que os espinhos foram mantidos houve 26,66% (N=4) de reconstruções

(Tab. 1). Também não houve diferença em relação ao número de reconstruções entre os dois

tipos de palmeiras (χ2=2,00; gl=1; N=30; p=0,15). Das 11 reconstruções de teias, seis foram

realizadas em outros locais da palmeira, usando outros espinhos ou a própria ráqui como

pontos de ancoragem. Apenas três aranhas permaneceram na teia após eu ter desfeito os pontos

de ancoragem, sendo duas nas palmeiras em que foram retirados os espinhos e uma na

palmeira que os espinhos foram mantidos.

Tabela 1. Número de observações para os abandonos das teias, reconstruções e permanências

nas teias construídas em palmeiras acaules onde os espinhos foram mantidos (controle) e em

palmeiras onde os espinhos foram retirados.

Resposta Controle Palmeiras com espinhos

retirados

Nº de

observações

Porcentagem em

relação ao total

Nº de

observações

Porcentagem em

relação ao total

Abandonos 10 66,66% 6 40%

Reconstrução 4 26,66% 7 46,6%

Permanência na teia 1 6,66% 2 13,33%

Discussão

A retirada dos espinhos das palmeiras não resultou em maior abandono ou reconstrução das

teias em relação ao observado nas palmeiras em que os espinhos foram mantidos. Isto indica

que a presença de espinhos não influencia na permanência das aranhas no local. Uma vez que

a teia está estabelecida a fidelidade destas aranhas pelo local é independente da quantidade de

pontos de ancoragem disponíveis para a construção da teia. Dessa forma, o número de

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espinhos pode ser importante no momento da escolha do local para a construção da teia, mas

a presença de espinhos não confere qualidade suficiente para um distúrbio afetar a estrutura

da teia.

Como o abandono foi a resposta mais encontrada neste trabalho, o dano causado a teia

pode ter indicado a aranha que aquele local não é mais seguro para a permanência na teia.

Assim, posso inferir que a presença de espinhos não é um fator decisivo para a permanência

das aranhas, pois quando existe dano na teia, as aranhas mudam de local independentemente

da presença de estruturas que podem favorecer à ancoragem da teia. Além disso, aranhas têm

um alto custo energético para construir teias tridimensionais (Vieira et al. 2007). Desse modo,

é possível que a reconstrução de teias em um novo local pode ser mais eficiente que a

construção de uma nova teia em um local previamente escolhido.

O fato das palmeiras acaules serem dominantes no sub-bosque da floresta amazônica

(Balslev et al. 2011), pode indicar que as aranhas estão construindo suas teias porque a

arquitetura destas plantas e o padrão mais abundante na floresta. Provavelmente, estas aranhas

só precisam de alguns pontos de ancoragem para a construção de teias tridimensionais, e uma

maior quantidade de espinhos representa apenas mais pontos de ancoragem do que as aranhas

podem utilizar. Dessa forma, outros componentes estruturais do sub-bosque podem ser pontos

de ancoragem tão eficientes para a construção da teia quanto são os espinhos.

Agradecimentos

Primeiro, EFA obrigado por existir!! Nunca pensei que pudesse gostar tanto de um curso como

eu curti esse! (*Sorriso Sincero*) Vida longa ao EFA! Mas acima de tudo, queria agradecer a

família e aos amigos, que sem eles EU não existiria. MEU MUITO OBRIGADOO aos

Paulinhos (pai e mãe) por tanto me ensinarem e me inspirarem (Já o apelido não agradeço

tanto – zuando)!! A dona Eduarda e ao Seu Jorge por sempre nos alimentar bem (Minha mãe

agradece!!), a todos os professores que passaram pelo EFA – Bruno, Axpira, Fabrício, Thiago,

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248

Mário, Gilberto, Cris, Rodrigo, Laura, Ana e Joana (cada um com seu jeito louco de revisar e

desenhar nos POs), ao Lucas MÉÉUDEUSS feliXXXmente passei mais esse tempo contigo

(Since Ducke) thanksss por me acompanhar no campo da onça parda, ao Rauuuul por sempre

se preocupar e ser LECAU com todo mundo, continue assimmmm guriiii. A todos os miguxos

(ohhhh) do EFA 2014 (a melhor turma!!), OBRIGADÃMM as gurias do suuuuullllllll (Gabi

Porradinha, Gabi Nóia e Dani pexxte) pelas gordices eternas, risadas e parceria, incrível

pensar que em pouco tempo temos a sensação de nos conhecer a muito mais tempo!! FOI

ÓTXXIMO também passar esse mês com toda a alegria do pessoal (sim vou agradecer um

por um que vamos ser justos!), a Mayara Gata pela empolgação em pessoa, a Dani Sutra pelas

piadas, a Caminpa pela meiguice, ao Isógina pela preocupação e cuidados pós PT, ao Pinto

(Meeow!) pelas brincadeiras, a Larica pela palavras de impacto, a Mila pelas dicas e

conversas, ao Stalooooooooooooone pela amizade e convívio diário em Manaus city, ao Boto

Fé pelos perrengues dos POs, ao Vomiitor pela ajuda e conhecimento, a Issa pelo bom humor

e jeito fofa de ser, ao Profeta pelas zueiras, ao Bandidim por ter um dos sotaques mais

engraçados que já conheci, a Júúlia lindinha pela cabeça malicioooosa, ao Ronronzinho

(PAALMAS) por ter as mensagem mais épicas nos recadinhos do coração e ao Bitoca pela

gentileza! Obrigado a todos envolvidos na organizaaation do curso! E valeu gente, ficarão

eternos na minha memória e no meu coração! (Momento breguice! Hahah) beijooooooooooo

Referências

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251

Risco de predação reduz a movimentação de girinos em diferentes estágios

ontogenéticos

Isabel C. Barragán

Introdução

O risco de predação é um dos principais moduladores do comportamento animal (Sih 1992).

Presas podem adotar diversas estratégias de defesa, como adaptações fenotípicas (Ruxton et

al. 2004, Svanbäck & Eklöv 2012), modificações no ciclo de vida (De Block et al. 2007) e

comportamentais (Lima & Dill 1990, McPeek 1990, Wooster & Sih 1995, Losos et al. 2004,

Samsom et al. 2009). Na natureza, comportamentos que maximizam a sobrevivência dos

organismos são favorecidos evolutivamente, destes, dois podem estar relacionados à evitação

do ataque de predadores: diminuir a chance de encontro ou escape após ser detectado

(Langerhans 2006).

Dentro das estratégias comportamentais, o agrupamento das presas pode diminuir o

risco de predação de diferentes maneiras (Krebs & Davies 1993). Uma delas é o aumento da

eficiência da vigilância do grupo, uma vez que indivíduos agrupados conseguem perceber a

aproximação de predadores mais eficientemente que indivíduos solitários. Outra estratégia é

a intimidação do predador através de movimentos coordenados de grupo que simulam a

silhueta de um animal maior. Algumas espécies de presa podem, ainda, se organizar para se

defender ativamente do predador (mobing). Outra estratégia é o efeito de diluição, no qual, ao

se agregar, um indivíduo tem sua probabilidade de ser predado diluída em função do tamanho

do grupo (Krebs & Davies 1993).

Outra estratégia antipredação está relacionada com o padrão de movimento das presas.

Na presença de predador, as presas podem aumentar, diminuir ou não alterar seu movimento.

Presas rápidas tendem a fugir ativamente porque têm uma alta chance de escape.

Adicionalmente, presas rápidas podem desenvolver outras estratégias associadas, como

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movimentos erráticos de fuga, colorações que desviem a atenção do ataque a membros não

vitais, ou perda induzida de membros atingidos e autotomia (Ruxton et al. 2004). Por outro

lado, presas com mobilidade limitada, devem adotar estratégias distintas, como por exemplo,

a tanatose, onde os animais se fingem de mortos para tentar que o predador perca o interesse

por elas (Del-Claro 2004).

O tipo de estratégia comportamental contra predação depende das características

morfológicas e fisiológicas da presa. Apesar de usualmente estudadas entre espécies, essas

características podem mudar também ao longo da ontogenia. Assim, um mesmo indivíduo que

sofre transformações de suas habilidades motoras e sensoriais pode responder de diferentes

maneiras aos riscos de predação ao longo do seu ciclo de vida. Um exemplo são os anuros,

que sofrem mudanças drásticas durante seu desenvolvimento. Nos primeiros estágios de

girinos, os indivíduos têm tamanho menor e as estruturas natatórias ainda não estão totalmente

desenvolvidas, logo sua mobilidade é reduzida. Na medida em que o estágio ontogenético

avança, as estruturas natatórias e respiratórias dos girinos se desenvolvem, aumentando suas

habilidades motoras. Esse incremento na capacidade de movimentação ao longo da ontogenia

pode levar a variações nas estratégias para diminuir o risco de predação durante a fase de

girino.

Observei girinos da mesma espécie em diferentes estágios ontogenéticos em poças

temporárias. Nas poças, os girinos em fases iniciais de desenvolvimento mantêm uma

distribuição agregada. Quando ocorre algum distúrbio, como por exemplo, uma vibração na

água, os girinos se dispersam momentaneamente e, em seguida, se reagrupam e permanecem

parados. Porém, girinos em estágios mais tardios de desenvolvimento parecem permanecer

dispersos nas poças, se movimentando ativamente quando ocorre algum distúrbio na água.

Dado que nestas poças, predadores de girinos são abundantes (como baratas d’água, aranhas

e larvas de odonata) procurei responder como os predadores determinam a distribuição e a

movimentação de girinos em diferentes fases ontogenéticas. Considerando que os girinos dos

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primeiros estágios têm uma mobilidade limitada, e que essa mobilidade aumenta nos estágios

mais avançados, minha hipótese é que a estratégia antipredação mude ao longo da ontogenia

dos girinos. Assim, espero que os girinos de estágios mais iniciais respondam ao risco de

predação se agregando e diminuindo sua movimentação para se proteger via efeito de diluição.

Por outro lado, espero que os girinos nos estágios mais avançados respondam se dispersando

e aumentando sua movimentação via efeito fuga.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo em poças temporárias formadas numa estrada arenosa que dá acesso ao km

41 da reserva do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e é declarada

Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE). As poças apresentam tamanho variável, desde

1 m por 0,3 m de largura até de 7 m por 3 m.

Delineamento amostral

Capturei os girinos em 4 poças temporárias utilizando uma peneira de 2 mm de malha.

Considerei quatro estágios ontogenéticos consecutivos de uma mesma espécie (família

Leptodactylidae), que variam no nível de desenvolvimento de estruturas motoras e tamanho

(estágio 1: 0,27 ± 0,05 cm, estágio 2: 0,73 ± 0,07 cm, estágio 3: 0,92 ± 0,15, e estágio 4: 2,03

± 0,39 cm; média ± DP do comprimento).

Para quantificar o efeito do risco de predação na distribuição e movimentação das

quatro classes ontogenéticas dos girinos, montei um bloco experimental para cada uma das

classes. Cada bloco consistia em 16 pratos plásticos de 20 cm de diâmetro e 2 cm de

profundidade com aproximadamente 100 mL de água das poças por prato para cada estágio

ontogenético (n=32). Coloquei seis girinos do mesmo estágio em cada prato e esperei por 30

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minutos para sua aclimatação. Para simular o risco de predação, preparei o extrato de predador

mantendo baratas d’água (Bellastomatidae) em um recipiente com água, por um período de

24 horas.

Em seguida, eu filmei durante 30 segundos e, logo depois, fotografei a lâmina d’água

com vista ortogonal para registrar a disposição inicial e a movimentação dos girinos sem

estímulo. Após o registro inicial de cada prato, inoculei 2,0 mL de solução em cada um, sendo

oito com o extrato de predador (tratamento) e os oito demais com água (controle). Em seguida,

para registrar a disposição e a movimentação dos girinos pós-tratamento, filmei durante 30

segundos e fotografei a lâmina d’água. Repeti esses procedimentos para cada um dos blocos

experimentais dos quatro estágios ontogenéticos.

Cálculo de Agregação

Para estimar a variação na agregação dos girinos, mensurei a diferença entre a área dos

polígonos antes e depois da inoculação do tratamento. Para isso, usei as fotos para calcular a

área do polígono formado pelas posições dos girinos usando o programa ImageJ (versão

1.48v, Rasband 2014). Quando a diferença da área entre o polígono pré tratamento e pós

tratamento é positiva, significa que os girinos se aproximaram, indicando agregação. Se a

diferença da área entre o polígono pré e pós tratamento for negativa, quer dizer que os girinos

se afastaram após do tratamento, logo houve um efeito de dispersão.

Dado que minha expectativa é que ao longo da ontogenia os girinos respondem ao

risco de predação se agregando menos, espero encontrar diferença positiva entre as áreas dos

polígonos pré e pós-aplicação do extrato de predador quando comparados à aplicação de água

em todas as classes ontogenéticas, mas espero também que a magnitude dessa agregação

diminua ao longo da ontogenia.

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Cálculo do tempo de movimentação

Para estimar o tempo de movimentação dos girinos, mensurei a diferença entre o tempo

acumulado de movimento em 30 segundos de observação antes e depois da aplicação dos

tratamentos. Considerei movimento quando ao menos um dos 6 indivíduos do prato se

deslocava.

Dado que minha expectativa é que ao longo da ontogenia os girinos respondem ao

risco de predação aumentando sua movimentação, espero que a diferença entre os tempos

acumulado de movimentação pré e pós-aplicação do extrato de predador diminua ao longo da

ontogenia, indicando uma maior movimentação.

Analises estatísticas

Para testar minhas previsões, realizei uma ANOVA fatorial. Usei como fatores o estágio

ontogenético do girino (4 níveis), o tratamento (com predador e controle), e sua interação,

para avaliar se houve diferença na agregação dos girinos (diferença de área dos polígonos

formados pre e pós-tratamento) e na movimentação dos girinos (diferença do tempo

acumulado de movimentação).

Resultados

Após o tratamento com extrato de predadores a área média formada pela distribuição dos

girinos contraiu 23,9 ± 0,47 (média ± DP) vezes, independentemente de seu estágio

ontogenético (Fig. 1). Esse resultado indica que os girinos submetidos ao extrato de predador

agregam-se independentemente de seu estágio ontogenético (F(1,66)=3,843, p=0,054). No

entanto, esse efeito deve ser interpretado com cautela devido ao valor de significância indicar

que há 5,4% de probabilidade desse resultado ter acontecido ao acaso. O tempo acumulado de

movimentação dos girinos, após o tratamento com extrato de predadores diminuiu, em 6,72 ±

6,47 (média ± DP) segundos, enquanto no tratamento com água esse tempo aumentou em

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0,29±9,74 segundos (Fig. 2), indicando que os girinos submetidos ao extrato de predador

diminuem sua movimentação independentemente de seu estágio ontogenético (F(1,39)=9,479,

p=0,003).

Tabela 1. ANOVA fatorial com os efeitos do estágio ontogênico do girino (tamanho, 4 níveis),

do risco de predação (tratamento: 2 níveis) e da interação desses 2 fatores sobre a agregação

dos girinos (diferença de área dos polígonos formados pré e pós-tratamento) e a movimentação

dos girinos (diferença do tempo acumulado de movimentação).

Resposta Efeito gl F P

Δ área de agregação

Estágio Ontogenético (O) 3 0,471 0,703

Tratamento (Tr) 1 3,843 0,054

Interação (OxTr) 3 0,377 0,769

Resíduo 66

Δ tempo acumulado

de movimento

Estágio Ontogenético (O) 2 2,409 0,103

Tratamento (Tr) 1 9,479 0,003

Interação (OxTr) 2 0,290 0,749

Resíduo 39

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Figura 1. Média das diferenças de área de agregação de girinos submetidos ao extrato de

predador (barras cinza) e controle (barras pretas) em estágios consecutivos de

desenvolvimento ontogenético em poças temporárias de uma área de mata contínua na

Amazônia Central, Brasil. Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.

Figura 2. Média das diferenças de tempo acumulado de movimentação de girinos submetidos

ao extrato de predador (barras cinza) e água (barras pretas) em estágios consecutivos de

desenvolvimento ontogenético em poças temporárias de uma área de mata contínua na

Amazônia Central, Brasil. Linhas verticais sobre as barras representam o erro padrão.

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Discussão

Os girinos responderam ao risco de predação diminuindo sua movimentação

independentemente de seu estágio ontogenético. Ao contrário do esperado, os girinos de

estágios ontogenéticos mais avançados parecem não buscar a fuga frente ao risco de predação,

embora tenham uma maior capacidade natatória.

No contexto das poças temporárias, os potenciais predadores, principalmente baratas

d’água e larvas de odonata, são mais rápidos que os girinos. Por isso, uma maior capacidade

natatória pode não necessariamente levar a um aumento na sobrevivência em tentativas de

fuga. Além disso, poças de água estão sujeitas a dessecação, que frequentemente resultam em

uma diminuição drástica do volume de água, e, consequentemente, na redução de espaço

disponível para fuga (De Block et al. 2007). Assim, os girinos parecem não utilizar estratégias

de escape do predador associadas a movimentação em poças temporárias, indicando que

devem investir em outras estratégias que não a fuga.

Uma alternativa às estratégias relacionadas com a movimentação pode ser o ajuste da

disposição dos girinos no espaço. Se aceitarmos que o risco de predação induz a um padrão

de agregação independentemente de seu estágio ontogenético (p=0,054), há evidências que o

efeito de diluição é uma estratégia de evitação ao predador consistente ao longo do ciclo de

vida dos girinos. Conforme a estratégia do efeito de diluição, o aumento do número de

indivíduos no grupo leva a uma diminuição na probabilidade individual de predação

(Hamilton 1971, Del-Claro 2004). Especificamente para os girinos estudados, podemos

descartar as outras estratégias pelas quais a presa pode diminuir o risco de predação formando

grupos. Ao observarmos que o risco de predação induz à diminuição de movimento, podemos

descartar o efeito de tamanho de grupo na intimidação do predador, pois este frequentemente

está associado à movimentação. Girinos também não apresentam defesa de grupo (mobing),

uma vez que não têm estruturas especializadas para a defesa (McDiarmid & Altig 2000). O

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efeito de vigilância também não é uma via plausível, já que os girinos são visualmente mal

orientados (McDiarmid & Altig 2000) e a água das poças é turva, o que dificulta a vigilância.

Entretanto, levando em consideração que predadores abundantes nas poças

temporárias são visualmente orientados, como baratas d’agua e larvas de odonata, ou se

orientam pelas vibrações na água, como aranhas (Silva et al. 2005), é provável que os girinos

diminuam a probabilidade de detecção permanecendo parados. Assim, se aceitarmos que o

acaso determinou o padrão de agregação nos girinos sujeitos ao risco de predação (p=0,054),

podemos concluir que os girinos se distribuem aleatoriamente independentemente do estágio

ontogenético e da pressão de predação. Uma distribuição aleatória pode ser vantajosa para

diminuir os custos associados com a agregação, como a competição intraespecífica por

recursos (Begon et al. 2006).

As possíveis estratégias antipredação inferidas neste trabalho podem estar associadas

com características específicas do sistema, como a limitação de espaço das poças temporárias.

Nesse sentido, é possível que a estratégia antipredador de girinos varie em função do tipo de

ambiente. Anuros podem desovar em diferentes sistemas, desde poças até riachos de águas

correntes (Del-Claro 2004). Assim, num ambiente onde o espaço não é limitante, como em

riachos, pode ser que a capacidade de movimentação seja uma vantagem que aumenta a

probabilidade de sobrevivência frente ao risco de predação. Então, é interessante pensar que

nesses ambientes girinos de estágios ontogenéticos mais avançados, e, portanto, com maiores

capacidades motoras, escolham o efeito de fuga como resposta ao risco de predação, já que a

área disponível é maior nesses sistemas.

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262

O aumento do tamanho melhora a eficiência de captura de presas de aranhas

pescadoras (Aracnida: Trechaleidae)

Júlia F. dos Santos

Introdução

O recurso alimentar geralmente está distribuído de forma não uniforme no ambiente (Pulliam

& Danielson 1991). Essa variação na distribuição de recurso pode determinar a adoção de

diferentes comportamentos de forrageio pelos animais. Tais comportamentos estão associados

aos tipos de itens alimentares consumidos, bem como o local e o momento do consumo (Scott

2005). No caso de predadores, características das presas como o comportamento e a

abundância também interferem no comportamento de caça (Barbosa & Castellanos 2005).

A eficiência de predação depende principalmente de características intrínsecas dos

indivíduos, como o aprendizado, tamanho corpóreo e idade. Por exemplo, a capacidade de

escolher e capturar a presa pode ser adquirida através de aprendizado ao longo da vida (Scott

2005). À medida que um indivíduo vai acumulando experiência, ele aumenta a capacidade de

discernir entre alimentos palatáveis e impalatáveis (Scott 2005). O tamanho do corpo é outro

fator que pode influenciar na eficiência de captura das presas, já que predadores grandes de

uma mesma população podem ser mais capazes de acessar presas maiores que predadores

pequenos (Trillmich & Trillmich 1986). A idade dos organismos também pode influenciar o

comportamento de forrageio (Brown & Chivers 2005, Uma & Weiss 2012). Indivíduos jovens

tendem a ter uma menor atividade cerebral, podendo prejudicar a realização de

comportamentos comuns em adultos (Durst et al. 1994; Seid et al. 2005). Assim, a eficiência

de predação pode variar com o estágio ontogenético.

As aranhas possuem vários comportamentos de forrageamento, como a busca ativa e

a estratégia de caça do tipo senta-e-espera. Muitas das espécies que usam a estratégia de caça

do tipo senta-e-espera fazem isso com a utilização de teias, sendo um mecanismo que aumenta

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a capacidade de detecção e subjugação das presas (Vieira et al. 2007). Por outro lado, a

estratégia de senta-e-espera depende da aproximação da presa e da capacidade da aranha de

percebê-la. Nesse caso, o tamanho da aranha pode ser um fator importante que influencia no

sucesso de predação. Dessa forma, minha hipótese é que quanto maior o tamanho de aranhas

que forrageiam adotando a estratégia de caça do tipo senta-e-espera sem o uso de teias, maior

a sua eficiência de captura de presas. Se essa hipótese for verdadeira, eu espero uma relação

positiva do comprimento das aranhas com a ocorrência de capturas de presas.

Métodos

Realizei este estudo em uma floresta de terra firme contínua, na Área de Relevante Interesse

Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-PDBFF), no

acampamento do Km 41 (02°24’ S e 59°44’ O), Amazônia Central. O clima da região é

tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 ºC e pluviosidade anual de

aproximadamente 2186 mm (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Como sistema de estudo, escolhi uma espécie de aranha pescadora da família

Trechaleidae. Indivíduos dessa espécie vivem associados a corpos de água e são caçadores

que utilizam a estratégia de caça do tipo senta-e-espera sem o uso de teias. Essas aranhas

caçam encostando o primeiro par de pernas na superfície da água e atacam quando percebem

as oscilações das presas na superfície (Silva et al. 2005).

Para avaliar minha hipótese desenvolvi um experimento oferecendo presas a aranhas

de diversos tamanhos. Como presas utilizei hemípteros pertencentes à família Hydrometridae

com comprimento médio de 14 mm. Escolhi esses insetos, por fazerem parte da dieta das

aranhas e terem a capacidade de escapar das mesmas (obs. pess.).

Em cada observação eu induzi uma presa se deslocar a uma distância máxima de 4 cm

da aranha e registrei a ocorrência ou não de captura. Após oferecer o hemíptero, medi o

comprimento (cefalotórax + abdômen) da aranha ao posicionar o paquímetro sobre a mesma

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(precisão das medidas foi de 1 mm). Realizei todas as medições do mesmo modo de forma

que o erro nas medidas de tamanho deve ser similar em todos os indivíduos amostrados. Nos

casos em que as aranhas se movimentaram ou fugiram, eu medi novamente a aranha.

Para realizar o experimento, eu percorri aproximadamente 30 m ao longo do igarapé

procurando aranhas pescadoras nas duas margens. Realizei o experimento em um único dia,

entre 8:20 h e 16:00 h. Obtive 30 aranhas amostradas. Durante a amostragem, as aranhas

observadas estavam caçando e não se deslocavam. Mantive uma distância de 1 m entre cada

aranha, assegurando a independência entre as observações. Para testar se o tamanho das

aranhas foi relacionado com o sucesso de captura, eu usei uma regressão logística. Utilizei o

comprimento do corpo das aranhas como variável preditora e a ocorrência de captura como

variável resposta.

Resultados

O tamanho das aranhas variou de 4 mm a 13 mm (7,26±2,51 mm; média±DP). Metade das

aranhas capturaram a presa oferecida (n=15 aranhas). O sucesso de captura aumentou com o

tamanho do corpo das aranhas (χ2=5,26; n=30; p=0,02; Fig. 1).

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Figura 1. Probabilidade de ocorrência de capturas das presas em relação ao tamanho de

aranhas da família Trechaleidae na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais, Amazônia. O valor “zero” representa aranhas que não

capturaram a presa ofertada e “um”, aranhas que capturaram a presa. O valor acima de cada

ponto indica o número de observações superpostas.

Discussão

Os resultados desse trabalho indicam que existe uma relação entre o tamanho das aranhas e o

sucesso de captura de presas, uma vez que quanto maior o comprimento da aranha, maior a

chance de captura. Os hemípteros que ofertei foram até três vezes maiores que as menores

aranhas observadas. Entretanto, considerando o tamanho total das aranhas (incluindo as

pernas), a diferença de tamanho entre elas e as presas se torna menor. Desta forma, aranhas

pequenas parecem ser capazes de capturar os insetos oferecidos, os quais tem comprimento

longo, mas em torno de 1 mm de largura. Dado que para aranhas é bem documentada a captura

de presas maiores que elas (Gonzaga et al. 2007), é pouco provável que apenas a capacidade

física associada ao tamanho do corpo tenha influenciado a eficiência de captura.

Uma explicação para os resultados do presente estudo pode estar relacionada com a

estratégia de caça da aranha pescadora. Para o sucesso na captura das presas, a aranha precisa

ter uma alta sensibilidade no primeiro par de pernas, pois isso permite distinguir o tamanho e

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tipo de presa pela forma e intensidade da oscilações na água (Silva et al. 2005). Dessa forma,

a aranha pode primeiro decidir se o ataque é compensatório e, caso seja, definir a força e

velocidade do ataque. Caso a aranha não tenha precisão na tentativa de captura, ela pode

desperdiçar energia se lançando precipitadamente sobre a presa, como foi observado durante

as amostragens. Assim, aranhas grandes e consequentemente com o sistema motor mais

desenvolvido seriam capazes de ter um sucesso maior de captura devido à maior precisão no

ataque. Alternativamente, essas aranhas podem ser mais velhas e experientes. Isso poderia

assegurar maior exatidão no ataque devido ao maior tempo de aprendizado.

Dado que existe uma relação entre o desenvolvimento ontogenético e a capacidade de

capturar determinadas presas, é possível que exista uma variação na dieta das aranhas ao longo

da vida. Aranhas mais jovens devem predar predominantemente presas mais fáceis de serem

capturadas, restringindo a amplitude do nicho alimentar. Essa diferença entre os tipos de presa

pode aliviar a competição intraespecífica, permitindo a coexistência de indivíduos jovens e

adultos.

Agradecimentos

Agradeço aos Paulinhos, professores convidados e monitores pelas aulas, palestras e correções

de relatórios. Aprendi muito mais sobre o método hipotético-dedutivo com vocês e a ciência

passou a fazer mais sentido.

Ao Seu Jorge e à Dona Eduarda pela comida, limpeza e carinho.

À galera pelas risadas, trocas de ideias, oficinas circenses, yoga, forró, cafés da manhã

acompanhado dos botos rosa e tucuxis, aos banhos coletivos de igarapé, às festas, à

criatividade (ou não) nos bilhetinhos do coração. Esses momentos foram essenciais pra aliviar

as tensões e revigorar as energias pra trabalhar nos relatórios. No final compartilhamos muito

mais que apenas conhecimento.

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267

Agradeço mais ainda aos lugares que passamos. Às estrelas refletidas nas águas calmas

do Rio Solimões. Ao céu incrível de Anavilhanas. Á floresta e seu dossel gigante. Muita

energia boa. Fontes de inspiração.

Foi ruim? Foi óóótemo.

Referências

Barbosa, P. & I. Castellanos. 2005. Ecology of predator-prey interactions. Oxford: Oxford

University Press.

Brown, G.E. & D.P. Chivers. 2005. Learning as an adaptive response to predation, pp. 34-54.

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Oxford University Press.

Durst, C., S. Eichmüller & R. Menzel. 1994. Development and experience lead to increased

volumes of sub compartments of the honeybee mushroom body. Behavioural Neural

Biology, 62:259-263.

Gonzaga, M.O., A.J. Santos & H.F. Japyassú. 2007. Ecologia e comportamento de aranhas.

Rio de Janeiro: Interciência.

Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard. 1990. Central Amazonian forests and the minimal critical

size of ecosystems project, pp 60-71. In: Four Neotropical rainforests (A.H. Gentry,

ed.). New Haven: Yale University Press.

Pulliam, H.R. & B.J. Danielson. 1991. Sources, sinks and habitat selection: a landscape

perspective on population dynamics. The American Naturalist, 137:50-66.

Scott, G. 2005. Essentials of animal behavior. Oxford: Backwell Publishing.

Seid, M.A., K.M. Harris & J.F. Traniello. 2005. Age-related changes in the number and

structure of synapses in the lip region of the mushroom bodies in the ant Pheidole

dentata. Journal of Comparative Neurobiology, 488:269-277.

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Trillmich, K.G.K. & F. Trillmich. 1986. Foraging strategies of marine iguana Amblyrhynchus

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Uma, D.B. & M.R. Weiss. 2012. Flee or fight: ontogenetic changes in the behavior of cobweb

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Vieira, C., H.F. Japyassú, A.J. Santos & M.O. Gonzaga. 2007. Teias e forrageamento, pp 45-

65. In: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga, A.J. Santos & H.F.

Japyassú, eds.). Rio de Janeiro: Interciência.

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A mancha abdominal em machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) e

a sinalização de qualidade do macho

Larissa P. Lemes

Introdução

Indivíduos de uma população que estejam sob pressão de seleção devem possuir

características distintas que confiram maior sobrevivência e reprodução em relação aos

demais indivíduos (Sober 2006). Caso essas características sejam hereditárias, espera-se que

as vantagens também sejam conferidas à prole. A teoria da seleção sexual explica como

caracteres sexuais conferem vantagens para indivíduos que os possuem (Darwin 1871). Com

base nesses caracteres sexuais fenotípicos, a fêmea seleciona os parceiros sexuais de melhor

qualidade (Futuyma 1997). Esses caracteres sexuais visualmente selecionados pela fêmea são

geralmente ornamentações de cores vivas e chamativas. Essas ornamentações dos machos

facilitam sua detecção pelo predador e aumentam seu risco de predação. Assim, um macho de

coloração chamativa que foi capaz de escapar dos predadores e alcançar a idade reprodutiva

deve ser um macho de melhor qualidade (Zahavi 1975).

As fêmeas são recursos escassos em ambientes naturais, enquanto os machos são

abundantes (Oliveira 2008). Em odonatas, as fêmeas copulam com um macho e ovipõem logo

após a cópula. O parceiro sexual da fêmea a defende contra outros machos até a oviposição

terminar, tornando-a indisponível para outras cópulas até o fim da oviposição. Isso faz com

que a competição intrasexual por fêmeas seja alta. Como fêmeas procuram por territórios para

reprodução que ofereçam condições para nutrir sua prole, os machos competem por esses

territórios para obter cópulas (Rowe 1988). Dessa forma, características fenotípicas que

confiram vantagem para conseguir um bom território, e consequentemente aumentar o número

de cópulas, também aumentarão a aptidão do macho (Plaistow & Tsubaki 2000). Assim, essas

características deverão ser fixadas na população pela seleção sexual.

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A posse de um território aumenta a aptidão dos machos. Entretanto, a competição por

território é custosa, acarretando em gasto energético, possíveis injúrias e risco de predação,

principalmente quando a competição é por meio de conflito físico (Briffa & Elwood 2004).

Dessa forma, características fenotípicas também podem ter evoluído como sinais da condição

física entre machos coespecíficos. Neste caso, a seleção favoreceria indivíduos capazes de

avaliar a condição física do oponente através de suas características fenotípicas. A avaliação

do oponente permite ao competidor balancear os custos e benefícios no conflito, e assim tomar

decisões em relação a sua continuidade ou interrupção (Parker 1974).

Os machos de Micrathyria hesperis (Odonata: Libellulidae) defendem territórios em

ambientes aquáticos para atrair fêmeas e copularem. Os machos dessa espécie também

possuem manchas amarelas na parte posterior do abdôme, cuja função ainda não é conhecida.

Como na maioria das espécies de odonata, poucos machos de M. hesperis conseguem

territórios (Contreras-Garduño et al. 2006), e a baixa disponibilidade de território aumenta a

competição intrasexual por esse recurso. Os machos de M. hesperis disputam os territórios

por meio de conflitos físicos. Sendo assim, em situações de alta competição intrasexual, a

seleção de algum sinal visual de qualidade do macho deve ser favorecida (Glass &

Huntingford 1988). Minha hipótese é que as manchas abdominais em machos de M. hesperis

são sinais da qualidade do indivíduo em caso de conflitos com outros machos. Caso isto

ocorra, espero que quanto maior a mancha no abdôme do oponente, menor será o tempo de

duração do ataque.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo na ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) do km 41 (02°24’S /

59°44’O), administrada pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF).

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A ARIE é formada por um floresta contínua de terra firme, situada a aproximadamente 80 km

ao norte de Manaus, na Amazônia Central. Realizei as coletas em duas poças temporárias

adjacentes à estrada que dá acesso à reserva.

Coleta e análise de dados

Para avaliar se o tempo de investimento em ataque de um macho (variável resposta) depende

do tamanho da mancha abdominal do macho rival (variável preditora), observei um macho

territorial de M. hesperis durante dez minutos. Assim, obtive o número de ataques e o tempo

de duração dos ataques investidos a cada macho territorial. Posteriormente, calculei o tempo

médio de ataques investidos sobre cada macho territorial. Ao total, observei e coletei 14

machos territoriais de M. hesperis. Fotografei dorsalmente e lateralmente cada macho

coletado, e utilizei o programa de análises gráficas ImageJ (versão 1.44; Rasband 1997) para

medir a área de sua mancha abdominal e seu comprimento.

Utilizei o resíduo da regressão entre o tamanho do macho (variável preditora) e o

tamanho de sua mancha abdominal (variável resposta) para controlar o efeito do tamanho do

macho territorial no tempo de ataque à ele investido. Realizei uma regressão linear ponderada

pelo número de brigas investido sobre cada macho territorial. Como machos que tiveram

maior número de ataques possuem tempo médio de ataques mais confiável que machos que

foram atacados poucas vezes, utilizei a ponderação para atribuir maior peso aos machos com

maior número de ataques.

Resultados

O tamanho da mancha abdominal em machos de M. hesperis variou de 0,01 cm² a 0,023 cm²,

e o tempo médio de ataque variou de 1,67 s a 4,14 s. O tempo médio de duração dos ataques

sofridos por um macho territorial não depende do tamanho de sua mancha abdominal (F(1,14)

= 2,35; p = 0,81; Fig. 1).

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Figura 1. Tempo médio de duração dos ataques investidos sobre machos territoriais em relação

ao resíduo do tamanho da mancha abdominal do respectivo macho independente de seu

tamanho corpóreo.

Um dos machos coletados representa um ponto extremo, já que sua mancha abdominal

é pequena para seu tamanho corpóreo. Por isso, realizei novamente a análise sem o ponto

extremo, para verificar se esse macho estaria mascarando um possível padrão. Entretanto,

mesmo após a remoção do ponto extremo, o tempo médio de duração dos ataques a um macho

não dependeu do tamanho de sua mancha abdominal (F(1,13) = 2,35; p = 0,12; Fig. 2).

Figura 2. Tempo médio de duração dos ataques investidos sobre machos territoriais em relação

ao resíduo do tamanho da mancha abdominal do respectivo macho independente de seu

tamanho corpóreo. Análise realizada excluindo o ponto extremo.

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Discussão

A sinalização de qualidade entre indivíduos coespecíficos através de características

fenotípicas ja foi demonstrada em vários grupos (Arnott & Elwood), incluindo odonatas

(Contreras-Garduño et al. 2006). No entanto, o tempo médio de ataques investidos contra

machos territoriais de M. hesperis não depende do tamanho de sua mancha abdominal.

Portanto, essas manchas em machos de M. hesperis não servem como sinais de sua condição

física para seus oponentes, e não devem ter evoluído como sinal de qualidade entre machos.

A relação entre a mancha abdominal em machos de M. hesperis e seu sucesso reprodutivo

também é conhecida: tamanhos maiores da mancha não levam a um maior número de cópulas

(Lins 2009). Então, temos que essa mancha também não evoluiu como um sinal de qualidade

do macho para a fêmea.

As manchas abdominais caracterizam um dimorfismo sexual entre machos e fêmeas

de M. hesperis, sendo que a seleção sexual é o processo responsável pela evolução dessas

características (Darwin 1871). É improvável que características fenotípicas evoluam por

deriva genética, principalmente quando essa característica é presente em apenas um dos sexos,

como as manchas abdominais em M. hesperis. Portanto, as manchas abdominais nos machos

devem exercer uma função relacionada ao processo de seleção sexual. Apesar de não existir

relação com a seleção intrasexual, as manchas dos machos podem estar relacionadas com a

sinalização intersexual.

Caso a função da mancha seja intersexual, ela deve orientar a relação fêmea-macho,

sendo que possivelmente a fêmea muda seu comportamento em relação a mancha do macho.

Machos de odonata são capazes de remover da genitália da fêmea o esperma acumulado em

cópulas anteriores (Córdoba-Aguilar 2008). Assim, é possível que as fêmeas de M. hesperis

optem por não ovipor após copularem com machos cuja mancha abdominal é pequena.

Consequentemente, o esperma desses machos será retirado pelo próximo parceiro sexual da

fêmea e não fecundará seus ovos. Assim, é possível que a ausência de relação entre o tamanho

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da mancha abdominal e o tempo de duração dos ataques seja provocada pela seleção

intersexual após a cópula.

Agradecimentos

Agradeço ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia) e ao PDBFF por me

proporcionar a oportunidade de desenvolver esse projeto e aumentar meu conhecimento

científico. Agradeço aos coordenadores Paulo Enrique Cardoso Peixoto e Paulo Estefano

Dineli Bobrowiec, assim como a todos os professores que participaram do curso, por todo o

conhecimento a mim passado. Agradeço ao Paulo Enrique Bunita pelas piadas e gracinhas

divertidissimas. Agradeço também aos monitores Raul Pereira e Lucas Paolucci pela eterna

disposição em ajudar. Agradeço novamente ao Raul por todas as palavras de encorajamento

durante todo o curso. Agradeço a todos os amigos EFA (Dani Peste, RonRonzim, Porradinha,

Paulo Bitoca, Gabi Black & Decker, AndroGiuna, Pinto, Piroka, Staloooone, Vomítor, Meu

nome não é Mayara, Fáuvo, Dani uma, Bandidinho, Queen, Jú, Profeta, CamINPA e Íssa)

pelo companherismo, amizade, ajuda e por todos os momentos felizes que passamos nas

festas, momentos de coleta, durante as conversas à noite e no almoço. Agradeço ao Seu Jorge

e Dona Eduarda pela comida de todos os dias e pelos doces que fizeram de mim uma pessoa

mais feliz. E finalmente, agradeço ao Lucas Paolucci e Thiago Kloss pela paciência em

corrigir as besteiras que escrevi neste trabalho.

Referências

Arnott, G. & R.W. Elwood. 2010. Startle durations reveal visual assessment abilities during

contests between convict cichlids. Behavioural Processes, 84:750-756.

Briffa, M. & R.W. Elwood. 2004. Use of energy reserves in fighting hermit crabs. Science,

271:373-379.

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Contreras-Garduño, J., J. Canales-Lazcano & A. Córdoba-Aguilar. 2006. Wing pigmentation,

immune ability, fat reserves and territorial status in males of the rubyspot damselfly,

Hetaerina americana. Journal of Ethology, 24:165-173.

Córdoba-Aguilar, A. 2008. Dragonflies and Damselflies: Model organisms for ecological and

evolutionary research. Oxford: Oxford University Press

Darwin, C. 1871. The descent of man and selection in relation to sex. London: John Murray.

Futuyma, D.J. 1997. Biologia evolutiva. Brasília: Sociedade Brasileira de Genética.

Glass, C.W. & F.A. Huntingford. 1988. Initiation and resolution of fights between swimming

crabs (Liocarcinus depurator). Ethology, 77:237-249.

Lins, L.S.F. 2009. Relação entre a qualidade dos machos da libélula Micrathyria sp. (Odonata:

Libellulidae) e a aquisição de cópulas. In: Livro do curso de campo “Ecologia da

Floresta Amazônica”. Manaus: PDBFF/INPA.

Oliveira, R.F. 2008. Alternative reproductive tactics: an integrative approach. Cambridge:

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Plaistow, S.J. & Y. Tsubaki. 2000. A selective trade-off forterritoriality and non-territoriality

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Sober, E. 2006. Conceptual issues in evolutionary biology. London: The MIT Press.

Zahavi, A. 1975. Mate selection: a selection for handicap. Journal of Theoretical Biology,

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Atributos do substrato não determinam a riqueza de fungos

Maíra D. Sagnori

Introdução

A riqueza de espécies é um componente da diversidade que pode ser explicada tanto por

fatores bióticos quanto abióticos. Em particular, a disponibilidade de recursos alimentares e a

estabilidade de condições microclimáticas são essenciais para determinação de padrões locais

de riqueza. Por exemplo, o aumento da produtividade primária e da variabilidade climática,

em geral, determinam o aumento da riqueza por afetarem a quantidade de recursos disponíveis

para diferentes espécies e determinar onde indivíduos de diferentes espécies podem se

estabelecer (Gaston & Blackburn 2000).

Regiões que apresentam condições microclimáticas menos extremas (e.g. elevada

pluviosidade, temperaturas mais estáveis e constante incidência solar), devem representar

habitats mais adequados para o estabelecimento de diferentes espécies. Desta forma, locais

com uma gama mais ampla de condições estáveis apresentarão maior riqueza de espécies

(Gaston 2000). Por outro lado, ambientes menos estáveis devem apresentar menor riqueza, já

que exigem adaptações das espécies a uma amplitude de condições extremas.

Além das características microclimáticas, a disponibilidade de recursos também pode

afetar padrões de riqueza. As espécies possuem diferentes requerimentos alimentares e um

aumento na disponibilidade e variedade destes recursos permite maior amplitude de

exploração destes recursos por diferentes espécies (Thompson & Townsend 2005). Sendo

assim, o aumento da disponibilidade de recursos deve permitir a coexistência de maior número

de espécies no local (Begon et al. 2006). Por exemplo, espécies de formigas predadoras podem

não encontrar nas clareiras a mesma disponibilidade de alimento oferecido na mata,

restringindo sua distribuição à mata (Puida 2011). Portanto, locais com maior disponibilidade

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e variedade de recursos alimentares permitem a coexistência de maior número de espécies

com diferentes requerimentos.

Apesar de condições microclimáticas e disponibilidade de recursos serem bem

documentados como determinantes de padrões de riqueza em escala local para plantas e

animais, tais aspectos ainda não foram bem documentados para microorganismos como os

fungos (Green & Bohanan 2006). Estes organismos, decompositores ou saprotróficos,

possuem requerimentos muito específicos e são constantemente afetados pelas variações no

microclima e na disponibilidade de nutrientes. Logo, condições ambientais locais tem um

papel determinante no estabelecimento e manutenção da riqueza de espécies desse grupo de

microorganismos (Hedlund & Öhrn 2000).

Em florestas tropicais, a umidade relativa retida no substrato (e.g. serapilheira e solo)

é um dos fatores abióticos que favorecem a ocorrência de fungos (Read 2007). A

disponibilidade de nutrientes (e.g. carbono e nitrogênio), o potencial hídrico, e a diversidade

dos substratos (e.g. tipos de solo, tronco e serapilheira), são fatores importantes que

influenciam o estabelecimento destes organismos (Braga-Neto 2008). Assim, minha hipótese

é que atributos do tronco (umidade e estágio de decomposição) são determinantes na riqueza

de fungos em uma floresta tropical.

Métodos

Área de estudo

Realizei este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizado cerca de

80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. O sítio de estudo

tem cerca de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al.

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2010). O clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e

pluviosidade média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Coleta de dados

Amostrei corpos de frutificação em 30 troncos caídos ao longo de um transecto de 400 m. Em

cada tronco, coletei um representante de cada morfoespécie de fungo basidiomicetos que

classifiquei de acordo com características do estipe, píleo e superfície himenal (ver Braga-

Neto 2006). Medi a circunferência de cada tronco como um indicativo da área disponível para

ser ocupada e retirei uma amostra da madeira de tamanhos diferentes.

Para determinar o nível de decomposição do tronco, fixei um prego na madeira e soltei

um peso de 450 g de uma altura de 30 cm, em cada tronco. A profundidade que o prego

penetrou na madeira foi considerada como um indicativo do nível de decomposição. Troncos

com maior penetrabilidade foram considerados em estágio de decomposição mais avançado.

Para calcular a umidade de cada tronco, pesei a amostra de madeira fresca em uma balança de

precisão. Em seguida, as amostras foram secas no forno durante 40 min e posteriormente pesei

novamente as amostras a fim de obter o peso seco. Com esses valores calculei o percentual de

umidade de cada tronco da seguinte forma: peso úmido-peso seco/peso úmido.

Análise estatística

Devido à baixa variação da riqueza de morfoespécies por tronco, os dados não apresentaram

uma distribuição normal. Por isso, categorizei os dados de riqueza para que se ajustassem a

uma distribuição binomial, onde 0 representou os troncos com apenas uma morfoespécie e 1

representou troncos com duas ou mais morfoespécies. Realizei um teste de correlação entre

as variáveis explicativas para me certificar de que a umidade não é um fator correlacionado

com o nível de decomposição do tronco. Observei que as variáveis explicativas estão

correlacionadas (r=0,32; p<0,05). Contudo, a correlação foi gerada pela ocorrência de três

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pontos extremos. Após a remoção desses pontos, as variáveis não estiveram correlacionadas.

Por essa razão, realizei as análises usando o conjunto de dados onde removi esses pontos.

Realizei uma regressão logística múltipla, usando como variável resposta a ocorrência de

morfoespécies, como variáveis explicativas o percentual de umidade e profundidade de

penetração. Utilizei a circunferência do tronco como uma covariável em cada modelo de

regressão, uma vez que a área do tronco pode afetar a riqueza de espécies. Espero que troncos

com maiores percentuais de umidade e menores profundidades de penetração apresentem

maior número de morfoespécies de fungos basidiomicetos.

Resultados

Coletei 50 fungos classificados em 34 morfotipos. O morfotipo mais comum foi encontrado

em oito troncos (23,52%). Grande parte dos troncos (N=23) apresentou apenas um morfotipo

cada (67,64%). O tronco que abrigou a maior riqueza de fungos continha representantes de

oito morfotipos. As características dos troncos apresentaram grandes variações. O nível de

penetração médio foi 1,79 cm±1,40 cm. Troncos em níveis iniciais de decomposição, nos

quais a profundidade de penetração no foi menor que 2 cm, foram mais comuns (Fig. 1a). O

percentual médio de umidade foi 59,31±16,31 (média±desvio padrão), com maior parte dos

troncos apresentando umidade superior a 50% e apenas uma morfoespécies ocorrendo sobre

eles (Fig. 1b). O tronco com a maior riqueza de morfoespécies (N=8) encontrava-se no estágio

mais avançado de decomposição, e apresentou alto percentual de umidade (74,73%). A

circunferência média foi 73,85 cm±57,0 cm. Não houve relação entre a riqueza de

morfoespécies e os atributos avaliados nos troncos (χ2=3,75; gl=26; p=0,28, Fig. 1).

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Figura 1. Relação entre a ocorrência de morfoespécies de fungos basidiomicetos e a

profundidade de penetração (a) e o percentual de umidade de troncos caídos (b) em uma área

de floresta tropical, Amazônia Central, AM. No eixo das ordenadas, 0 representa uma

morfoespécies por tronco e 1 representa duas ou mais morfoespécies por tronco. Gráfico

referente ao conjunto de dados dos quais foram excluídos três pontos extremos.

Discussão

A riqueza de fungos em troncos caídos não foi determinada pelo percentual de umidade e

dureza de cada tronco. Apesar da riqueza por tronco ter sido muito baixa, a riqueza de corpos

de frutificação de basidiomicetos foi alta (N=34 morfoespécies). A seletividade por recursos

a)

b)

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específicos, como fósforo, nitrogênio e carbono, pode explicar a maior ocorrência de algumas

morfoespécies. Espécies competitivamente dominantes investem mais em dispersão através

da extensão dos micélios em busca de alcançar estes recursos. Por isso, essas espécies têm

maior probabilidade de colonizar o substrato e evitar que outras espécies se estabeleçam

(Setala & McLean 2004). Isto pode justificar o padrão que observei em campo, de que a

grande maioria dos troncos (67,64%) estava ocupada por apenas um tipo de fungo

basidiomicetos.

A baixa riqueza de morfoespécies por troncos também pode estar relacionada com a

distribuição heterogênea de matéria orgânica no tempo e no espaço (i.e. substratos diferentes

apresentam processos distintos de decomposição; Braga-Neto 2008). Em florestas tropicais,

nutrientes provenientes de matéria orgânica normalmente se encontram em diferentes estágios

de decomposição, o que significa que estes podem não estar prontos para consumo (quando

os envoltórios de lignina ainda estão presentes na célula vegetal). Além disso, a concentração

de nutrientes disponíveis para serem metabolizados por fungos pode não ser suficiente para

suprir a demanda de mais de uma morfoespécies por tronco. Isto, por sua vez, pode gerar

competição entre organismos decompositores que desenvolvem estratégias semelhantes para

buscar e monopolizar tais recursos (Boddy & Jones 2007).

Observei neste trabalho que a umidade e estágio de decomposição do tronco não são

determinantes da riqueza de fungos. Contudo, a ocorrência de uma única morfoespécie na

maioria dos troncos amostrados pode indicar que existe algum tipo de preferência pelos fungos

ao substrato disponível. Portanto, sugiro que próximos estudos incorporem dados de

distribuição relacionados à disponibilidade de recursos em diferentes substratos e níveis de

especificidade entre espécies de basidiomicetos e substratos distintos, ajudando a entender

melhor o que determina a ocorrência destes fungos.

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Agradecimentos

Antes de mais nada, agradeço a oportunidade de fazer parte da turma EFA 2014. Obrigada

Paulinhos pai e mãe pelos ensinamentos, conversas informais e esclarecedoras, pelas dúvidas

e respostas colocadas na minha cabeça. Vocês são um casal top! Obrigada amigos e amigas!

Nada teria sido igual se não fosse a presença, energia, encanto, personalidade de cada um de

vocês. Me sinto especial por ter tido a chance de conviver e viver com todos. Obrigada Raul

e Lucas pela companhia em momentos de nervosismo, de calma, de descontração, ócio

produtivo ou brainstorm. Vocês são grandes inspirações para nós que estamos na mesma

caminhada, e alguns passinhos atrás. Obrigada Seu Jorge e Dona Eduarda pelo carinho direto

ou indireto, pelas piadas e agrados, respectivamente. Não menos importantes, agradeço a

todos os professores agregados que ajudaram a renovar os ares a cada semana e também

contribuíram com novos conhecimentos. Obrigada Floresta Amazônica por ter me acolhido e

me dado inspiração, respiração e piração por todos esses dias (gostaria que fosse por tempo

ilimitado). Tudo e todos são igualmente importantes, insubstituíveis e inesquecíveis.

Obrigada, obrigada e obrigada!!!

Referências

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Manaus:INPA/CPEC.

Braga-Neto, R., R.C.C. Luizão, W.E. Magnusson, G. Zuquim & C.V. de Castilho. 2008. Leaf

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284

O cuidado parental não afeta o investimento nas estruturas de captura da aranha

Hingstepeira folisecens

Nelson S. Pinto

Introdução

O cuidado parental é uma relação na qual um dos indivíduos parentais ou ambos cuidam da

prole. Este cuidado pode aumentar a sobrevivência da prole e, consequentemente, a aptidão

do parental (Krebs & Davies 1993). Este comportamento deve ter sido selecionado em

ambientes com grande risco de predação dos filhotes, escassez de recursos, menor

disponibilidade de abrigos ou de indivíduos do sexo oposto (Tallamy & Brown 1999). Dessa

forma, os custos de abandonar a prole seriam muito altos, uma vez que os filhotes poderiam

ser predados ou não conseguir recursos suficientes para seu desenvolvimento (Tallamy &

Brown 1999; Reznick et al. 2000).

As formas mais comuns de cuidado parental incluem o cuidado com os ovos, defesa

direta contra predadores ou fungos, captura e manipulação de alimento e construção de abrigo

para os filhotes (Tallamy & Brown 1999; Boos et al. 2014). Entretanto, essas formas de

cuidado representam custos energéticos para o parental. Por exemplo, fêmeas do opilião

Acutisoma proximum que investem na proteção dos ovos tem menor probabilidade de ovipor

novamente, provavelmente por conta do investimento na reprodução (Buzatto et al. 2007).

Em algumas espécies de aranhas, as mães podem defender ativamente a ooteca o que aumenta

o risco de injúria ou predação (Gonzaga 2007a). Durante o período de cuidado, os parentais

podem diminuir a frequência com que se alimentam, o que diminui a quantidade de reservas

energéticas do indivíduo (Requena et al. 2009). Portanto, o custo energético para os pais

aumenta proporcionalmente ao investimento no comportamento de cuidado.

Em aranhas o comportamento de cuidado parental varia muito, com espécies que

protegem apenas a ooteca e outras que cuidam dos filhotes até chegarem a idade adulta

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(Gonzaga 2007a). Além da proteção, as aranhas podem oferecer presas para os filhotes

(Gonzaga 2007a). Durante este período a aranha mãe pode diminuir a quantidade de presas

consumidas, priorizando a alimentação dos filhotes (Gonzaga 2007a,b). Mesmo privada de

nutrientes a mãe investe na produção de teias para a captura de presas para a prole. Entretanto,

o impacto de presas de maior porte contra os fios adesivos pode arremessar os filhotes para

fora da teia ou colapsar totalmente a estrutura, resultando na queda do abrigo. Além disso, o

investimento na área de captura pode facilitar o acesso de predadores que podem atacar tanto

a mãe quanto os filhotes. Neste caso, espera-se que as fêmeas diminuam a área de captura da

teia.

Os indivíduos da espécie de aranha Hingstepeira folisecens constroem teias e fixam

uma pequena folha enrolada na região central que é usada como abrigo (Hanashiro 2009). No

período reprodutivo, as fêmeas mantêm os filhotes neste abrigo. Ao coletar alguma presa, a

mãe posiciona a presa na abertura da folha para que os filhotes possam se alimentar.

Presumindo que a estrutura da teia pode aumentar os riscos de predação ou de que os filhotes

morram pela quebra da teia, avaliei se o cuidado parental afeta a arquitetura das teias em H.

folisecens. Minha hipótese é de que as aranhas investem menos na estrutura de captura quando

estão no período de cuidado parental. Minha previsão é de que o número de espiras será menor

em teias de aranhas com filhotes.

Métodos

Eu realizei este estudo no acampamento do km 41 da Área de Relevante Interesse Ecológico

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02º 24’ S, 59º43’ O), localizada a 80

km da cidade de Manaus, Amazonas, Brasil. A vegetação do local é classificada como floresta

tropical úmida de terra firme (Laurance et al. 2010).

Fotografei 19 teias de H. folisecens, oito com aranhas cuidando de filhotes e 11 com

aranhas sem filhotes. Para avaliar o investimento diferencial na construção da teia durante o

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período de cuidado parental e o período não reprodutivo, contei o número de espiras no maior

raio da teia. Este número representa o investimento da aranha na construção da teia (Vieira et

al. 2007).

Para avaliar a previsão de que o número de espiras seria menor em aranhas com filhotes

usei uma Análise de Covariância (ANCOVA). Considerei como variável resposta o número

de espiras e a presença/ausência de filhotes como variável independente categórica. Como o

tamanho da aranha pode estar positivamente relacionado com o tamanho da teia, usei o

comprimento do cefalotórax da aranha como co-variável para controlar o efeito do tamanho

da aranha sobre o número de espiras.

Resultados

O número médio de espiras nas teias com filhotes foi de 28,4±20,4 (média±DP) e de 30,8±16,8

nas teias sem a presença de filhotes. Não houve diferença entre o número de espiras em teias

de aranhas com filhotes e sem filhotes (F=0,72; gl=1,15; p =0,41; Fig. 1).

Figura 1. Número de espiras em teias de H. folisecens com e sem filhotes. O comprimento do

cefalotórax sobre o número de espiras foi usado como co-variável para controlar o efeito do

tamanho da aranha sobre a produção de teias. Linhas representam o desvio padrão.

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Discussão

Neste estudo observei que não houve diferença no investimento em estrutura de captura nas

teias de H. folisecens com e sem filhotes. Como essas aranhas apresentam cuidado parental,

este resultado indica que a manutenção da teia não representa um grande custo energético para

as aranhas durante o período reprodutivo. Além disso, a probabilidade de que a teia quebre

pelo impacto de presas deve ser baixa, o que pode reduzir o número de vezes que a teia precisa

de manutenção.

Os filhotes possivelmente são protegidos pelo abrigo, pela resistência da teia e

presença da mãe. O abrigo diminui a exposição dos filhotes. Os fios do quadro, a estrutura na

qual o abrigo é fixado, são muito resistentes e isto pode reduzir o risco de quebra no caso de

impactos de presas grandes. Esta proteção também permite que a aranha mãe invista na área

de captura de presas durante o período de cuidado parental. A defesa direta proporcionada

pela mãe contra predadores também parece ser muito importante nessa espécie, uma vez que

observei em campo a predação dos filhotes por outra espécie de aranha, quando a mãe estava

na periferia da teia e os filhotes estavam fora do abrigo.

Apesar do investimento similar em estruturas de captura de presas durante a fase de

cuidado parental, as aranhas com filhotes possuem condição nutricional menor que as aranhas

sem filhotes (Melati 2014). Isto indica que existe um custo energético para a aranha mãe

associado ao cuidado parental, uma vez que as fêmeas ofertam presas aos filhotes. Logo, a

baixa condição nutricional deve estar ligada ao menor número de presas consumidas pela

aranha mãe. Contudo, para aranhas orbitelas o custo da teia é baixo (Vieira et al. 2007) e o

investimento na reconstrução da teia não deve representar um gasto energético alto. Por isso,

mesmo aranhas com altos gastos energéticos provocados pelo cuidado parental, como

observado em H. folicesens, conseguem investir em estruturas de captura da teia, o que

justifica o investimento similar nessas estruturas durante o cuidado parental.

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O cuidado parental não reduz o investimento na estrutura de captura em H. folicesens.

É possível que a presença do abrigo confira uma proteção adicional aos filhotes, mesmo diante

da quebra das teias. Como a estrutura do abrigo está fixada em fios mais resistentes, grandes

impactos não devem quebrar a estrutura. Outro fator importante é que a teia tem baixo custo.

Isso permite que mesmo aranhas com poucas reservas energéticas, resultante do cuidado

parental, possam investir na construção e manutenção das estruturas de captura.

Agradecimentos

A todos os colaboradores que fazem esse curso possível. Aos coordenadores, em especial ao

Paulinho Morcegão e ao Paulinho Bola Del Fuego (Painha) por tornar nossos dias engraçados

e tão cheios de trabalho. Aos monitores, Raul (o cara mais gentil do mundo!) e Lucas (grande

parceiro e ombro amigo!). Ao Seu Jorge e Dona Eduarda, por tudo. Aos professores, pela

convivência e ensinamentos. Em especial ao Thiago (Xexéu, Chaw-Chaw, Michel, e todos os

“el” possíveis!) Kloss, pela paciência no campo, ensinamentos e risadas. Valeu meu brother,

você é show!!! Aos colegas de curso, pela convivência. Em especial, para a AndroGIUna, te

adoro! Obrigado pelas risadas! Abração do Ginógina procê! Um abração para a Camila,

companheira de projetos e risadas! Valeu, moça! Ao Bruno, pela amizade (Lembre-se: Pinto

e Piroka desbravando a Amazonha em busca das aranhas!!!). Saiba que você é um irmão para

mim. Valeu galera, um abraço do Pinto/Ginógina procês!

Referências

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protection to eggs in the European earwig. Behavioral Ecology, 25:754-761.

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Formigas subordinadas se arriscam mais quando o recurso é mais valioso

Paulo H. Araujo-Camargo

Introdução

A competição entre espécies tem papel fundamental na dinâmica das populações e na estrutura

de comunidades (Begon et al. 2006). Essa interação pode alterar as taxas de crescimento e

sobrevivência de populações, além de determinar a coexistência de espécies na comunidade

(Tilman 1994, Mayfield & Levine 2010). A competição entre duas espécies é moldada pela

disponibilidade de recursos e habilidade das espécies em acessá-los (Parr & Gibb 2010).

Assim, as espécies devem competir mais por recursos limitantes (Davidson 1998). Nessas

condições, espécies competitivamente superiores têm maior vantagem na exploração dos

recursos, o que limita a coocorrência de espécies competitivamente inferiores (Andersen

1992, Tilman 1982). Todavia, espécies com menor habilidade competitiva podem ocorrer no

ambiente se apresentarem estratégias que as permitam acessar esses recursos limitados. Por

exemplo, algumas espécies de peixes de linhagens mais recentes exibem a estratégia de

forragear recursos de baixa qualidade energética para escapar da pressão competitiva sobre

recursos mais valiosos (Lobato et al. 2014).

As formigas constituem um dos grupos mais bem sucedidos entre os animais,

representando a maior parte da biomassa animal de vários ambientes (Hölldobler & Wilson

1990). Estes organismos apresentam requerimentos de nicho bastante similares e por isso têm

seu comportamento moldado em resposta à forte pressão competitiva (Andersen 2008). No

caso da competição por recursos alimentares, esses organismos podem adotar diferentes

estratégias comportamentais. Por exemplo, algumas espécies dominantes podem dominar

numericamente o recurso e/ou adotar comportamento agressivo ao expulsar outras espécies

de formigas (Hölldobler & Wilson 1990, Andersen 1992). Por outro lado, formigas

subordinadas podem forragear em condições menos favoráveis, como sob altas temperaturas

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(Cerdá et al. 1998) ou ainda, inserir-se de forma inconspícua e capturar parte de recursos

dominados por outras espécies (Hölldobler & Wilson 1990). Assim, mesmo que haja o

domínio do recurso por alguma espécie dominante, espécies de formigas subordinadas podem

apresentar estratégias para acessá-lo, mesmo que isso envolva um alto risco de mortalidade

(Cerdá et al. 1998, Parr & Gibb 2010).

Formigas possuem uma dieta baseada em alimentos ricos em carboidratos e proteínas

(Hölldobler & Wilson 1990). Contudo, a disponibilidade desses recursos pode variar no

ambiente. Por exemplo, formigas arborícolas têm uma grande disponibilidade de alimentos

ricos em carboidratos oriundos de exudatos de homópteros e nectários extraflorais (Yonoviak

& Kaspari 2000). Porém, encontram escassez de alimentos proteicos (Yonoviak & Kaspari

2000). Por outro lado, a presença de carcaças de animais, fezes e fungos são recursos de alto

valor proteico abundantes para formigas que habitam o solo. No entanto, neste ambiente,

existe baixa disponibilidade de recursos ricos em carboidratos (Yonoviak & Kaspari 2000).

Sendo assim, alimentos proteicos são recursos valiosos para formigas arborícolas, ao passo

que, alimentos ricos em carboidratos são mais valiosos para formigas de solo.

Dado que a competição é modulada pela disponibilidade do recurso e que espécies

subordinadas podem ajustar suas estratégias frente ao aumento da pressão competitiva, avaliei

como o valor relativo do recurso afeta a estratégia de forrageio de formigas subordinadas.

Minha hipótese é que formigas subordinadas arriscam mais na obtenção de recursos mais

escassos.

Métodos

Área de estudo

Realizei o estudo em uma floresta contínua de terra firme na Área de Relevante Interesse

Ecológico do km 41 (ARIE-PDBFF), localizada a aproximadamente 80 km ao norte de

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Manaus, Amazonas, Brasil (2º30’ S, 60º O). A área pertence ao Projeto Dinâmica Biológica

de Fragmentos Florestais – PDBFF cogerido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da

Amazônia (INPA) e Smithsonian Institution. A temperatura média anual na região é de 26 ºC,

com mínima de 19 ºC e máxima de 39 ºC, e a precipitação anual varia entre 1.900 e 3.500

mm, com uma estação seca de junho a novembro (Gagnon et al. 2011).

Coleta de dados

Para amostrar as formigas, coloquei 10 iscas de sardinha (rica em proteína) e 10 iscas de

goiabada (rica em carboidrato) sobre papel filtro de forma intercalada, separadas por 10 m às

8:00 h. Da mesma forma, coloquei 10 iscas de sardinhas e 10 de goiabada em interseções de

galhos de árvores localizados a no mínimo 4 m de altura. As árvores estavam separadas por

pelo menos 10 m, e cada árvore recebeu apenas uma das iscas. Após 10 min da colocação das

iscas, iniciei seções de observação com duração de 2 min em cada isca. Repeti as observações

mais duas vezes na mesma isca, com um intervalo de 10 min entre cada observação,

totalizando 6 min de observação por isca. Durante cada seção de observação, verifiquei o

número de pilhagem nas iscas realizadas por formigas subordinadas. Uma pilhagem foi

definida como a investida de uma formiga em uma isca monopolizada, que resultava em

sucesso de captura de parte da isca e posterior fuga. Considerei como dominantes espécies

com comportamento agressivo em relação à outra espécie e com maior abundância relativa

nas iscas. Já as subordinadas não dominavam e geralmente eram expulsas do recurso pelas

dominantes. Ao fim das seções de observação, coletei todas as espécies presentes em cada

isca (dominantes e subordinadas). As formigas foram separadas e identificadas por

especialistas.

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Análise de dados

Para avaliar a estratégia de forrageio de formigas subordinadas no solo e em árvores, realizei

um modelo linear generalizado com distribuição de erros Poisson, tendo como variáveis

preditoras o local (solo e árvore) e o tipo de isca (sardinha e goiabada), e como variável

resposta o número de pilhagens realizadas por formigas subordinadas. Avaliei a significância

de cada variável por comparação de modelos (Quinn & Keouh 2002). Caso minha hipótese

esteja correta, espero encontrar um maior número de pilhagens por formigas subordinadas de

solo em iscas de goiabada e um maior número de pilhagens por formigas subordinadas

arborícolas em iscas de sardinha. As análises foram realizadas no programa R (R Development

Core Team 2013).

Resultados

Registrei 26 espécies de formigas divididas em cinco subfamílias (Tabela 1). Desse total, nove

espécies ocorreram nas árvores, sendo três dominantes e seis subordinadas. Dentre estas, cinco

espécies foram atraídas exclusivamente às iscas de sardinha, e quatro espécies foram atraídas

exclusivamente às iscas de goiabada. Registrei 19 espécies no solo, sendo 12 espécies

dominantes e sete espécies subordinadas. Quatro espécies foram atraídas exclusivamente às

iscas de sardinha no solo e 11 foram atraídas exclusivamente às iscas de goiabada (Tabela 1).

Tabela 1. Espécies de formigas atraídas por iscas de goiabada e sardinha no solo e em árvores

em uma área de floresta contínua de terra firme próxima a Manaus, AM, Brasil.

Formigas Local Hierarquia de

dominância Isca

Ectatomminae

Ectatomma sp. 01 solo subordinada goiabada

Ectatomma sp. 02 árvore subordinada sardinha

Formicinae

Brachymyrmex sp. árvore subordinada goiabada

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Formigas Local Hierarquia de

dominância Isca

Camponotus sp. 01 solo, árvore subordinada goiabada, sardinha

Camponotus sp. 02 árvore subordinada sardinha

Gigantiops destructor solo subordinada goiabada, sardinha

Pseudomyrmicinae

Pseudomyrmex sp. árvore subordinada goiabada

Myrmicinae

Crematogaster sp. 01 solo, árvore dominante goiabada, sardinha

Crematogaster sp. 02 solo dominante goiabada, sardinha

Daceton sp. solo subordinada sardinha

Pheidole sp. 01 solo dominante sardinha

Pheidole sp. 02 solo dominante sardinha

Pheidole sp. 03 solo dominante goiabada

Pheidole sp. 04 árvore dominante goiabada

Pheidole sp. 05 árvore dominante goiabada

Solenopsis sp. 01 solo dominante goiabada

Solenopsis sp. 02 solo dominante goiabada, sardinha

Solenopsis sp. 03 solo dominante goiabada

Solenopsis sp. 04 solo dominante sardinha

Solenopsis sp. 05 solo dominante goiabada

Trachymyrmex sp. solo subordinada goiabada

Wasmannia sp. 01 solo dominante goiabada, sardinha

Wasmannia sp. 02 solo dominante goiabada

Ponerinae

Neoponera sp. solo subordinada goiabada

Odontomachus sp. solo subordinada goiabada

Pachycondyla sp. solo subordinada sardinha

O modelo completo indica que o número de pilhagens de formigas subordinadas varia

em função do local e do tipo de isca (χ²=49,00; gl=3; p<0,001). A comparação entre o modelo

completo e o modelo em que removi apenas a interação entre o local e o tipo de isca indica

que a interação entre essas variáveis explica melhor o número de pilhagens por formigas

subordinadas (χ²=32,72; gl=1; p<0,001). O número de pilhagens de formigas subordinadas no

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solo em iscas de goiabada foi em média, 5,3 vezes maior que o número de pilhagens em iscas

de sardinha. Por outro lado, o número de pilhagens de formigas arborícolas subordinadas em

iscas de sardinha foi em média, oito vezes maior que o número de pilhagens em iscas de

goiabada (Fig. 1).

Figura 1. Efeito do local e do tipo de isca no número de pilhagens realizadas por formigas

subordinadas em uma área de floresta contínua de terra firme próximo à Manaus, AM, Brasil.

Pontos representam médias e as barras verticais os erros-padrão.

Discussão

Formigas subordinadas arborícolas se arriscam mais no forrageio de recursos proteicos, ao

passo que formigas de solo se arriscam mais em recursos açucarados. Portanto, as formigas

subordinadas se arriscam mais em forrageio quando o recurso é mais escasso. Quando o

recurso é limitante, formigas dominantes investem mais na aquisição desses recursos ao

monopolizá-los (Andersen 1992, Yonoviak & Kaspari 2000). Da mesma forma, meu resultado

indica que esse padrão também é semelhante para formigas subordinadas, sugerindo que a

hierarquia competitiva entre diferentes espécies de formigas pode ser quebrada diante da

escassez de recurso.

Verifiquei que espécies competitivamente inferiores podem exibir estratégias

diferentes, e ajustar o comportamento diante de recursos escassos. De fato, espécies

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subordinadas quebram o monopólio das espécies dominantes ao inserir-se no meio delas e

capturar o alimento (Parr & Gibb 2010). Esse padrão de comportamento já foi observado em

outras espécies que apresentam hierarquia de dominância como beija-flores e peixes (Parr &

Gibb 2010). Nesses organismos, onde a habilidade competitiva determina a posição na

hierarquia de dominância de recursos (Parr & Gibb 2010), desenvolver estratégias para

acessar o recurso possibilta o estabelecimento das espécies menos competitivas (Cerdá et al.

1998). Por exemplo, em beija-flores, espécies territorialistas monopolizam o recurso e

impedem o acesso de outras espécies a ele (Piratelli 1997). Neste sentido, algumas espécies

exibem a estratégia de invadir vários territórios para capturar seu alimento (Piratelli 1997).

Essa diferenciação de estratégias em escala evolutiva provavelmente permitiu o sucesso de

ambos os grupos de espécies em diferentes ambientes.

A escassez de recurso ou a qualidade do mesmo em termos energéticos pode gerar

variações na pressão de competição à qual as espécies estão submetidas, podendo determinar

a exclusão competitivas de espécies que tenham menor habilidade em utilizar os recursos

(Andersen 1992). Todavia, ao quebrar o monopólio e utilizar-se de recursos dominados por

outras espécies, formigas subordinadas promovem uma segregação do nicho alimentar. Uma

das consequências dessa segregação é a possibilidade de coexistência entre espécies

dominantes e subordinadas (Andersen 2008). Em ambientes limitados em proteína e

carboidrato como o arbóreo e o solo, respectivamente (Yonoviak & Kaspari 2000), seria

esperado a exclusão de espécies menos competitivas, e o monopólio de espécies dominantes

(Andersen 1992). Contudo, o ajuste de comportamento de forrageio de formigas subordinadas

deve permitir a coexistência dessas espécies com as dominantes.

Este trabalho suporta a ideia que a disponibilidade de recursos além da habilidade das

espécies em acessá-los, são importantes estruturadores de comunidades de formigas. Embora

seja bem estabelecido que espécies dominantes investem mais em forrageio de recursos de

boa qualidade, este padrão era pouco documentado para formigas subordinadas. Neste sentido,

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se uma pressão competitiva por recursos está modulando este tipo de comportamento em

formigas, pode-se esperar um ajuste de comportamento para outros grupos de organismos que

apresentem hierarquia de dominância.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer imensamente aos Paulinhos por todo suporte e orientação ao longo

desse um mês de curso. Gostaria de agradecer a Laura Leal por todas as ideias, ajuda na

discussão, por aguentar minhas “encheção de saco” e pela identificação das formigas.

Agradeço também ao monitor Raul, por ser “forte” e suportar o peso de carregar minha escada

em campo, e ao monitor Lucas pela ajuda na identificação das formigas e leitura crítica e

comentários ao trabalho. Queria agradecer também à Daniele Moreno, por ser minha

namorada e amiga, e por me levantar em momentos de cansaço durante o curso. E a todos

meus colegas de EFA, obrigado por esse mês de convivência e de troca de experiências.

Referências

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Propriedades estruturais e químicas das folhas não estão associadas à ocorrência

de epífilas em plântulas de uma floresta tropical úmida

Paulo Roberto de Lima Bittencourt

Introdução

Uma grande parte da superfície terrestre é coberta por folhas. Na floresta amazônica, por

exemplo, existem em média 6 m2 de área foliar para cada metro quadrado de solo (Bréda

2008). Em função disso, uma série de processos e padrões associados às plantas dependem de

efeitos que ocorrem no nível da folha. Elas, ao transpirar, conectam, através de caule e raízes,

diferentes profundidades do solo com a atmosfera (Tyree & Ewers 1991), realizam a

transformação de energia solar em energia química (Chapin III et al. 2002), influenciam na

entrada e saída de radiação do planeta (Campbell & Norman 1998) e são um dos principais

determinantes do acoplamento da camada de ar da superfície terrestre com a atmosfera

(Penman 1948; Gentine et al. 2011).

Um dos fatores que pode afetar fortemente o funcionamento das folhas e,

consequentemente, os processos e padrões associados às plantas é a quantidade de água que

fica retida na superfície das folhas após eventos de chuva, neblina ou formação de orvalho

(Rosado & Holder 2012). A camada de água que fica retida na lâmina foliar afeta as trocas

gasosas das plantas, visto que o CO2 difunde 10000 vezes mais lentamente na água do que no

ar (Brewer et al. 1991). Plantas com a superfície foliar molhada reduzem a abertura estomática

e a fotossíntese (Ishibashi & Terashima 1995). Além disso, a retenção de água na superfície

das folhas também leva à maior ocorrência de doenças foliares (Djurle et al. 1996). Por outro

lado, folhas que passam mais tempo molhadas transpiram menos (Eller et al. 2013) e,

possivelmente, absorvem mais água pelas folhas (Oliveira et al. 2014). Assim, propriedades

estruturais (como morfologia e ângulo da folha), propriedades químicas das ceras na cutícula

foliar e características microestruturais foliares (como tricomas e projeções da cutícula)

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ligadas à retenção de água (Holder 2012), podem estar sob pressão seletiva nas plantas. Esse

pode ser, por exemplo, um dos motivos de plantas de ambientes mais úmidos apresentarem

menor retenção de água nas folhas que plantas de ambientes mais secos (Brewer & Smith

1997).

Em florestas tropicais úmidas, a alta frequência de chuvas faz com que as folhas de

plantas do sub-bosque permaneçam muito tempo molhadas. Isso favorece o crescimento de

organismos epífilos sobre a superfície das folhas. A epifilia em florestas tropicais úmidas pode

chegar a 45% em folhas com dois anos de idade, reduzindo a interceptação de luz entre 55-

85% e a fotossíntese em no mínimo 20% (Coley et al. 1993). O prejuízo causado às plantas

pelas epífilas pode inclusive estar relacionado ao surgimento de adaptações foliares, como os

bicos de gotejamento, que reduzem a retenção de água na folha (Burd 2007; Tokumoto et al.

2013).

Tokumoto (2013) não encontrou a relação entre epifilia e dois fatores que favorecem

o escoamento de água da folha: a eficiência de diferentes bicos de gotejamento e a inclinação

das folhas. Eventualmente, os mecanismos de defesa contra epifilia podem estar associados a

outros atributos foliares. Desta forma, busquei entender se há relação entre propriedades da

superfície foliar e a ocorrência de organismos epífilos. Minha hipótese é que a epifilia é menor

em folhas que retém menos água.

Métodos

Realizei esse estudo em uma floresta tropical úmida de terra firme contínua na Área de

Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE-

PDBFF; 2°24’ S; 59°44’ O), localizada a aproximadamente 80 km ao norte de Manaus, Brasil.

A região apresenta temperatura anual média de 26,7 oC, sazonalidade de precipitação e

pluviosidade anual variando entre 1900 e 2400 mm. A estação seca é de julho a setembro e

apresenta, em média, menos de 100 mm de chuva por mês (Lovejoy & Bierregaard 1990).

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Para medir a cobertura de epífilas, a retenção de água da folha e estimar a aderência

de água na folha, coletei folhas de 30 morfotipos diferentes de plântulas entre 0,5 e 1,5 m de

altura, sendo que nenhuma das plântulas apresentava ramos laterais. Para medir a cobertura

de epífilas, coletei três folhas em alturas diferentes de cada planta. Coletei a primeira, terceira

e quinta folha de cada morfotipo, contando da base para o ápice. Presumi que quanto mais

basal a folha, maior sua idade. Para medir a cobertura de epífilas, coloquei uma grade

transparente de 9 cm2 dividida em 144 células de mesmo tamanho sobre a folha. Contei o

número de células da grade com epífilas e dividi pelo número total de células sobre a folha

para obter a porcentagem de área foliar coberta por epífilas. Utilizei a média da porcentagem

de área coberta por epífilas das três folhas como indicador de cobertura de epífilas de cada

morfotipo.

Estimei as propriedades químicas e estruturais da folha que promovem aderência à

água ao medir o ângulo de retenção da gota de água na lâmina foliar (AR; Rosado & Holder

2012). Para isso, fixei uma folha adulta sem epífilas em uma base plana na horizontal e, usando

uma pipeta pasteaur, coloquei uma gota de água de aproximadamente 40 μL sobre a lâmina

foliar. Inclinei essa base com a folha até a gota de água se deslocar. Medi o ângulo de

inclinação da base em relação à horizontal com um transferidor no momento em que a gota se

deslocou (Brewer et al. 1991). De acordo com esse procedimento, quanto mais fortemente a

água se aderir à folha, maior será seu AR.

Estimei a retenção de água da folha (RF) medindo a massa de água na folha após

simular um evento de chuva que sature a folha de água. A RF depende tanto da aderência da

folha para a água quanto da morfologia e do ângulo da folha (Holder 2012). Por essa razão,

medi a inclinação em relação à horizontal de uma folha adulta sem epífilas ainda na planta

com um transferidor e coletei essa folha. Em seguida, medi sua massa, fixei a folha na mesma

inclinação que medi na planta e a molhei com um regador. Posteriormente medi a massa da

folha com a água que permaneceu nela. Subtraí a massa da folha antes desse procedimento

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pela massa da folha molhada para obter a RF. Dividi a RF pela área da folha para obter a RF

por unidade de área foliar e poder comparar folhas de diferentes tamanhos. Para estimar a área

das folhas, considerei que as folhas possuem a forma de uma elipse e calculei sua área

considerando o comprimento como o raio maior e a largura como o raio menor.

Para testar minha hipótese de que a epifilia é menor em folhas que retém menos água,

verifiquei (i) se folhas com menor AR apresentam menor cobertura de epífilas; e (ii) se folhas

com menor RF apresentam menor cobertura de epífilas. Utilizei uma regressão linear múltipla

para verificar se há relação entre AR e RF (variáveis preditoras) e a porcentagem de cobertura

de epífilas (variável resposta). Realizei as análises no programa R (versão 2.15.1; R Core

Team 2012).

Resultados

A área das folhas amostradas foi de 245±164 cm2 (média±desvio padrão). A inclinação das

folhas dos diferentes morfotipos na planta foi de -4,1±17,0o, enquanto o AR foi de 39,7±17,6o.

Os resultados indicam que a cobertura de epífilas aumentou com a idade da folha (Kruskal-

Wallis H=16,9, gl=2, p<0,001; Fig. 1).

Figura 1. Cobertura de epífilas (%) em folhas de diferentes idades nos morfotipos amostrados

em uma floresta tropical úmida da Amazônia Central. A folha basal é a mais velha e folhas

acima da basal são folhas progressivamente mais jovens (basal+2 e basal+4 indicando o

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número de folhas acima da folha basal). A linha horizontal representa a mediana, as caixas

representam os percentis 25 e 75 e as barras verticais representam ±2 desvio padrões.

O AR foi maior que a inclinação das folhas na planta em todos os morfotipos. No

entanto, não encontrei relação entre AR (F(1,26)=0,59,p=0,44), RF (F(1,26)=0,002,p=0,96) e a

interação de AR e RF (F(1,26)=0,79,p=0,79) com a cobertura de epífilas (Fig. 2).

Figura 2. Relação entre ângulo de retenção de gota de água (o) e porcentagem de cobertura de

epifilas (a); e relação entre retenção de água na folha (g m-2) e porcentagem de cobertura de

epífilas (b) em plântulas de uma floresta tropical úmida da Amazônia Central.

Discussão

A ausência de relação entre AR e cobertura de epífilas indica que as propriedades

microestruturais e químicas da folha consideradas nesse estudo não estão associadas à

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ocorrência de epífilas. Já a ausência de relação entre RF e a cobertura de epífilas indica que a

morfologia da folha também não está associada à ocorrência de epífilas. Todas as folhas

apresentaram inclinação natural menor que o AR, indicando que o escoamento de água devido

à inclinação da folha possui uma baixa eficiência.

A cobertura de epífilas foi maior em folhas mais velhas (basais) que em folhas mais

jovens (apicais; Fig. 1). Conforme as folhas envelhecem, sua capacidade fotossintética

diminui (Rodriguez-Calcerrada 2012) e elas recebem menos luz por serem sombreadas pelas

folhas mais jovens. Isso pode fazer com que folhas velhas contribuam pouco para a capacidade

fotossintética total da planta e tenham pouca importância adaptativa. Dessa forma, não haveria

uma forte pressão seletiva para a retenção de água na folha.

Outra possibilidade é que a ocorrência de epífilas não tenha uma relação direta com a

retenção de água da folha, mas dependa de uma quantia mínima de umidade no ambiente,

acima da qual elas podem ocorrer independentemente da água acumulada na lâmina foliar.

Isso é possível considerando que florestas tropicais úmidas têm alta umidade (Mendes e

Marenco 2014), principalmente no sub-bosque (De Frenne et al. 2013). Além disso, folhas

com epífilas retêm mais água que folhas sem epífilas por aumentarem a tridimensionalidade

da superfície da folha (Lücking 1999). Portanto, mesmo que haja períodos secos, o

estabelecimento eventual de uma epífila em um período particularmente úmido pode facilitar

a ocorrência de outras epífilas ao modificar as propriedades de retenção de água da folha.

Apesar da epifilia implicar em uma redução na capacidade fotossintética da planta, é

possível que as adaptações para reduzir essa interação sejam mais custosas para a planta que

os prejuízos causados por ela. Para a superfície foliar permanecer pouco aderente é necessária

a manutenção de uma camada de ceras que é constantemente lixiviada pela chuva (Neinhuis

& Barthlott 1997). Essa camada é feita de lipídios (Raven et al. 2007) e o custo energético

para mantê-la pode ser alto para plântulas do sub-bosque. Além disso, a luz do sub-bosque é

um fator limitante para o crescimento de plântulas (Craine & Dybzinski 2013) e a manutenção

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de folhas mais inclinadas para reduzir a retenção de água pode levar a uma redução na

interceptação de luz e, consequentemente, na capacidade fotossintética. A soma desses custos

pode fazer com que seja menos custoso ter epífilas do que evitá-las.

A epifilia foi quase ubíqua nos morfotipos analisados. Apesar dos possíveis prejuízos

que a epifilia pode causar (Coley et al. 1993), o custo de evitá-la pode ser muito alto. Nesse

sentido, é possível que as plantas utilizem a produção contínua de novas folhas como

estratégia de escape da epifilia. Assim, a epifilia pode não estar associada à retenção de água

na folha, mas à longevidade foliar. Em uma situação extrema, como casos em que as plântulas

são incapazes de produzir novas folhas, a epifilia pode ser um fator importante de mortalidade

por reduzir a capacidade fotossintética.

Agradecimentos

Agradeço ao Paulinho pelas idéias e orientações. Agradeço ao Paulinho e à Joana por

revisarem este trabalho. Agradeço à meus amigos do EFA pelo carinho, companhia e

guloseimas. Agradeço ao Seu Jorge e Dona Eduarda pela comida gostosa. Agradeço às

pessoas invisíveis da equipe logística do EFA. Agradeço ao café, sem o qual nada disso seria

possível. Agradeço às festas, sem as quais tudo seria pela metade. Agradeço ao Igarapé.

Referências

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Influência da heterogeneidade ambiental sobre a riqueza e abundância de

aracnídeos em uma floresta de terra firme na Amazônia Central

Ronildo Alves Benício

Introdução

A heterogeneidade de hábitats é um importante mecanismo estruturador das comunidades

(Tews et al. 2004). No geral, ambientes estruturalmente mais complexos fornecem um número

maior de nichos (Allouche et al. 2012). Isso possibilita a coexistência de espécies com

diferentes requerimentos de recursos e condições, permitindo o aumento do número de

espécies (Townsend et al. 2006).

Em ambientes onde muitos hábitats podem suportar diferentes populações de espécies,

a diversidade pode ser alta por causa da presença de espécies especialistas que exibem

distintas preferências de hábitats. Esta associação entre hábitats e espécies com requerimentos

específicos sugere que a diversidade é afetada pela heterogeneidade do hábitat (Cramer &

Willig 2002). A heterogeneidade do hábitat geralmente é associada à vegetação, que tem sido

considerada como uma dos principais fatores estruturadores da comunidade de artrópodes

(Scheidler 1990). Locais com vegetação mais densa pode proporcionar mais locais de refúgio,

sítios de nidificação e maior variedade de alimento, favorecendo a ocorrência de mais

espécies.

Os aracnídeos estão entre os organismos mais comuns que habitam a vegetação. Estes

organismos apresentam diferentes estratégias para forragear e capturar presas nesses

ambientes (Santos et al. 2003). Por exemplo, enquanto alguns grupos adotaram a estratégia

do tipo de senta-e-espera, outros grupos forrageiam ativamente na vegetação. Além disso,

muitas espécies estão associadas a flores, folhas, e troncos de várias espécies de plantas, que

podem representar diferentes recursos e condições para estes organismos (Nentwing et al.

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1993). Logo, quanto maior a variedade destes recursos nos hábitats maior o número de locais

potenciais de forrageamento, abrigo e captura de presas para os aracnídeos.

Meu objetivo foi avaliar como a heterogeneidade de hábitat, medida por atributos da

estrutura da vegetação, afeta as comunidades de aracnídeos do sub-bosque. Acredito que a

riqueza e abundância de aracnídeos será maior em ambientes mais heterogêneos.

Métodos

Realizei este estudo na Reserva Florestal do Km 41 (02º 24’ S, 59º43’ O), localizada cerca de

80 km ao norte de Manaus, na Área de Relevante Interesse Ecológico Projeto Dinâmica

Biológica de Fragmentos Florestais (ARIE - PDBFF), Amazônia Central. A reserva tem cerca

de 10.000 ha de vegetação classificada como floresta de terra firme (Laurance et al. 2010). O

clima da região é tropical úmido, com temperatura média anual de 26,7 °C e pluviosidade

média de 2000 mm por ano (Lovejoy & Bierregaard 1990).

Para avaliar a influencia da heterogeneidade sobre a riqueza e abundância de aracnídeos,

amostrei 30 parcelas de 3 x 3 m do sub-bosque em uma área no interior da floresta primária.

Cada parcela distava pelo menos 20 m entre si. Selecionei parcelas em diferentes ambientes

para captar uma maior variação de hábitats, e consequentemente uma maior heterogeneidade.

Selecionei 15 componentes do sub-bosque e utilizei a abundância de cada um para medir a

heterogeneidade de cada parcela (Tabela 1). Esses 16 componentes representam locais

potenciais de forrageamento, abrigo e captura de presas de escorpiões, opiliões, amplipígeos

e para a construção de teias de aranhas (Dias 2004).

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Tabela 1. Categorias selecionadas para estimar a heterogeneidade em parcelas de 3 x 3 m em

uma floresta de terra firme, Amazônia Central. DAP = Diâmetro à altura do peito.

Categorias Abundância total

Araceas no solo 15

Árvores (DAP 10 – 30 cm) 71

Árvores (DAP 31 – 50 cm) 18

Árvores (DAP 51 – 70 cm) 3

Árvores (DAP 71 – 90 cm) 6

Árvores (DAP > 91 cm) 8

Árvores com lianas 25

Árvores com epífitas 3

Árvores mortas (não tombada) 9

Bromélias no solo 4

Cipós 38

Plântulas (altura 1 cm – 50 cm) 622

Plântulas (altura 51 cm – 2 m) 2091

Palmeiras 51

Troncos caídos 43

Coletei os aracnídeos no sub-bosque entre o solo e 2 m de altura do solo. As coletas

duraram três dias, e foram conduzidas entre 20:00 h e 1:00 h. Exemplares sobre a serapilheira

não foram coletados. Os espécimes coletados foram separados em morfoespécie.

Para quantificar a heterogeneidade da parcela usei o índice de diversidade de Simpson

(S). Como valores mais altos do índice de Simpson representam menor diversidade, usei o

inverso do índice de Simpson (1/S) como medida de heterogeneidade. Assim, valores mais

altos do inverso do índice de Simpson indicam um maior número e equabilidade de

componentes da vegetação por parcela. Fiz uma regressão linear simples da riqueza e

abundância dos aracnídeos (variáveis respostas) em função da heterogeneidade do hábitat

(1/S), usando distribuição de Poisson. Comparei cada regressão com o modelo nulo. As

análises foram feitas no programa R (The R Development Core Team 2009).

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Resultados

Contabilizei 3007 componentes estruturais da vegetação do sub-bosque. E as plântulas (altura

51 cm – 2 m) foram as mais abundantes (n = 2091; Tabela 1). A abundância dos componentes

variou de 3 a 2091 (200±527; média±DP)

Coletei 192 indivíduos de aracnídeos de 105 espécies, sendo 94 da família Araneae, oito

de Opilionida, uma espécie de Amblypygi (Heterophrynus longicornis), uma espécie de

Scorpionida (Tityus obscurus) e uma de Pseudoscorpionida. O número de espécie por parcela

variou de 1 a 13 (6±4 espécies). A maioria das espécies (82%, n = 86) só foi capturada uma

vez. Apenas uma espécie (Opilionida) foi amplamente distribuída na área de estudo,

ocorrendo em 11 parcelas. Encontrei uma relação positiva da riqueza (χ2= 79,77; gl. = 28; p <

0,01; Fig. 1) e abundância (χ2 = 110,67; gl. = 28; p < 0,01; Fig. 2) dos aracnídeos com a

heterogeneidade do sub-bosque.

Figura 1. Relação entre riqueza de espécies de aracnídeos e a heterogeneidade (1/S) do sub-

bosque em uma área de floresta primária de terra firme na Amazônia Central.

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Figura 2. Relação entre abundância de aracnídeos e a heterogeneidade (1/S) do sub-bosque

em uma área de floresta primária de terra firme na Amazônia Central.

Discussão

Neste estudo encontrei uma relação positiva da riqueza e abundância de aracnídeos com a

heterogeneidade do sub-bosque. Essa relação provavelmente deve-se à maior disponibilidade

de locais para refúgio, nidificação e obtenção de alimento, o que permite a coexistência de um

maior número de espécies (Scognamillo et al. 2003, Tews et al. 2004).

A complexidade estrutural, medida pelo número de ramificações, tamanho e forma das

folhas, tem sido considerada um dos principais fatores na determinação da abundância de

aranhas (Robinson 1981, Gunnarsson 1990, Scheidler 1990, Evans 1997). A vegetação

aumenta os pontos de ancoragem das teias, locais para construção de abrigo e captura de

presas para esses organismos. Para opiliões e amblipígeos, o número de árvores e troncos

caídos têm sido determinantes para a ocorrência das espécies (Dias 2004, Pinto-da-Rocha &

Bonaldo 2006). No presente estudo, os ambientes mais heterogêneos foram aqueles que

apresentaram o maior número de componentes da vegetação. A ocorrência dos aracnídeos é

determinada pelo maior número de atributos do hábitat (Battirola et al. 2004, 2005). Algumas

espécies de aranhas, por exemplo, ocorrem preferencialmente sobre bromélias, e outras vivem

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estritamente associadas a flores, folhas, e troncos de várias espécies de plantas (Nentwing et

al. 1993, Romero & Vasconcellos-Neto 2007).

Com um aumento da heterogeneidade, mais espécies e indivíduos podem coexistir.

Como as espécies possuem diferentes requerimentos, quanto maior a heterogeneidade maior

será a variedade de nichos, logo diferentes espécies podem ocupar os espaços disponíveis

(Pianka 1994). Indivíduos territorialistas que selecionam melhores hábitats podem obter

abrigos de melhor qualidade e ter mais sucesso na captura de presas. O padrão encontrado

neste estudo demonstra que o aumento da heterogeneidade local pode aumentar a riqueza e

abundância das espécies de aracnídeos do sub-bosque. Logo, uma maior heterogeneidade

pode proporcionar uma gama maior de territórios adequados para ocupação das espécies e

uma menor competição por espaço.

Agradecimentos

À Paulo Estefano Bobrowiec e Paulo Enrique Peixoto pelas orientações e discussões

esclarecedoras. À Gabriela Hass, Isa Barragan e Maíra Sagnori pelo auxílio em campo. Aos

monitores Lucas Paolucci e Raul Costa-Pereira por toda ajuda. E, finalmente, a todos que

formaram a turma EFA 2014 pela alegria e companheirismo.

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É das flores que elas gostam mais? Comparação da eficiência de defesa das

estruturas vegetativas e reprodutivas por formigas do gênero Crematogaster em

Palicourea guianensis (Rubiaceae)

Vítor de C. Rocha

Introdução

Interações entre pares de espécies que geram benefícios para as espécies envolvidas são

chamadas de mutualismo (Bronstein 2009). Quando essa interação não exige obrigatoriedade

entre as espécies associadas é denominada de mutualismo difuso. Nesse caso, os benefícios

para as espécies envolvidas variam de acordo com quais espécies fazem parte da associação

(Bronstein 1994).

A interação entre diferentes espécies de formigas e diferentes espécies de plantas

(mirmecófilas) é um exemplo de mutualismo difuso, sendo comumente encontrado em

ecossistemas tropicais (Keeler 1980). A associação formiga-planta pode acontecer devido à

presença de estruturas nas plantas que são atrativas para as formigas, como, por exemplo, os

nectários extraflorais (NEFs). As formigas são atraídas pelo néctar produzido pelos NEFs e

em contra partida podem acabar atuando como agentes de defesa contra herbívoros (Miller

2014).

NEFs podem ser encontradas em partes da planta como folhas, flores e frutos e não

estão diretamente ligadas à reprodução das plantas (Elias 1983). O néctar secretado pelos

NEFs é uma substância rica em açúcares e aminoácidos que requer um custo energético

elevado para sua produção (Heil 2011). Estima-se que 37% da energia provinda da

fotossíntese seja alocada para a produção do néctar (Bronstein 1998).

Acredita-se que existe uma relação de custo-benefício entre a produção do néctar e a

defesa promovida pelas formigas, o que justificaria a manutenção desse mutualismo ao longo

do processo evolutivo (Del-Claro & Santos 2000, Leal et al. 2006). Algumas plantas podem

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apresentar maior número de NEFs nas partes reprodutivas do que nas vegetativas (Ribeiro et

al. 1999). Maior número de NEFs pode elevar o número de formigas forrageando nas partes

reprodutivas das plantas, uma vez que a disponibilidade de recurso aumenta (Shenoy et al.

2012). Assim, os locais que apresentam maior número de NEFs podem apresentar uma defesa

promovida pelas formigas mais eficiente contra herbívoros (Subedi et al. 2011).

As formigas do gênero Crematogaster são frequentemente encontradas forrageando

em plantas que apresentam NEFs. A dieta dessas formigas é composta principalmente de

recursos ricos em açúcares, o que faz os NEFs uma fonte altamente atrativa (Brandão et al.

2009). As formigas do gênero Crematogaster podem nidificar ao redor dos NEFs das folhas

(obs. pess.) e impedir que outras espécies de formiga acessem os nectários. Além disso, essas

formigas podem expelir ácido fórmico contra predadores ou competidores quando ameaçadas

(Hölldobler & Wilson 2005). Essas características fazem com que essas formigas ao

forragearem a planta acabem expulsando possíveis herbívoros, dominando e defendendo seu

recurso de forma eficiente (Brandão et al. 2009).

Formigas do gênero Crematogaster já foram registradas visitando os NEFs de

Palicourea guianensis (Rubiaceae; obs. pess.). Essa planta é uma espécie arbustiva que

apresenta NEFs na base de suas folhas e na base das flores de sua inflorescência (Ribeiro et

al. 1999). Nesse sentido, meu objetivo foi comparar a eficiência da defesa das estruturas

reprodutivas e vegetativas de P. guianensis por formigas do gênero Crematogaster. Minha

hipótese é que as inflorescências de P. guianensis serão defendidas de maneira mais eficiente

por formigas do gênero Crematogaster do que as folhas.

Métodos

Realizei este estudo em uma floresta de terra firme da Área de Relevante Interesse Ecológico

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (02º24’S e 59º44’O), região central da

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Amazônia Brasileira (Bierregaard et al. 2001). O clima da região é tropical do tipo Am -

tropical úmido de monções, conforme classificação de Köppen-Geiger (Peel et al. 2007).

Selecionei 26 indivíduos de P. guianensis com inflorescência visitadas por formigas

do gênero Crematogaster. Apliquei dois tipos de tratamento utilizando os mesmos indivíduos

de P. guianensis. No primeiro tratamento, cortei um botão floral localizado na parte mais

apical da inflorescência para promover estímulos mecânicos e químicos, de modo a simular o

dano causado por um herbívoro. Utilizei como indicativo de recrutamento o aparecimento de

duas ou mais formigas no local do estímulo. O recrutamento das formigas operárias foi o

indicativo da eficiência da defesa contra herbívoros. Após o corte, contei o número de

formigas recrutadas no local após um intervalo de dois minutos, tempo suficiente para o

recrutamento das formigas (obs. pess.). No segundo tratamento cortei uma folha da parte mais

apical das mesmas plantas que tiveram a inflorescência danificada para promover estímulos

mecânicos e químicos assim como no primeiro experimento. Após o corte, contei o número

de formigas recrutadas no local do corte após um intervalo de dois minutos. Cada tratamento

foi realizado uma única vez por indivíduo, em dias consecutivos e no mesmo horário. Realizei

um teste-t pareado para comparar a taxa de recrutamento das formigas nas inflorescências e

nas folhas cortadas.

Resultados

Dos 26 indivíduos de P. guianensis observados, apenas um indivíduo não apresentou

recrutamento na inflorescência e três indivíduos não apresentaram recrutamento na folha.

Nenhuma planta não apresentou recrutamento nas duas estruturas observadas. O número de

formigas recrutadas foi muito variável em cada estrutura. Nas inflorescências o número de

formigas variou de zero a 29, enquanto que na folha a variação foi de zero a 33 formigas. O

valor médio da taxa de recrutamento das operárias nas inflorescências foi de 4,37 ± 3,34

formigas por minuto (média ± desvio padrão) enquanto que nas folhas foi de 3,21 ± 4,01. A

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taxa de recrutamento de operárias foi semelhante nas inflorescências e nas folhas (t = 1,32; gl

= 25; p = 0,099; Fig. 1).

Figura 1. Recrutamento de operárias de Crematogaster (nº formigas/min) em inflorescências

e folhas danificadas de Palicourea guianensis em uma floresta de terra firme na Amazônia

Central. As linhas conectam os valores da taxa de recrutamento da inflorescência e da folha

de um mesmo indivíduo.

Discussão

O resultado demonstrou que as formigas do gênero Crematogaster defendem com a mesma

intensidade as folhas e as inflorescências de P. guianensis, indicando não haver ajuste de

defesa pelas formigas em função do tipo de estrutura da planta. Possivelmente, a planta investe

igualmente na produção de NEFs nas estruturas vegetativas e reprodutivas. Esse investimento

parece ser suficiente para garantir a atração e a defesa das formigas por toda a planta.

Embora a planta invista de forma fixa na atração das formigas, os benefícios que cada

indivíduo recebe vai depender das características intrínsecas das formigas que a visitam

(Miller 2014). A frequência de patrulha das formigas na planta está diretamente relacionada

com a qualidade do benefício (Vázquez et al. 2005). Plantas que são patrulhadas com maior

frequência pelas formigas, acabam sendo melhor defendidas, uma vez que aumenta a

probabilidade de uma formiga encontrar um possível herbívoro na planta.

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Em P. guianensis, o recrutamento das formigas foi muito variável entre os indivíduos.

Isso pode ter sido um reflexo da variação na qualidade e quantidade do néctar nos NEFs.

Plantas que disponibilizam pouco néctar ou de baixa qualidade possivelmente atraem poucas

formigas. Além da qualidade dos NEFs, a disponibilidade de alimento próximo ao ninho pode

determinar a qualidade de defesa na planta, mesmo que todos os indivíduos de P. guianensis

tenham formigas do gênero Crematogaster. Ninhos com déficit de recursos açucarados

provavelmente irão alocar mais operárias para visitar a planta em busca de néctar (Hölldobler

& Wilson 2005). Isso pode aumentar a taxa de recrutamento, conferindo maior defesa para o

indivíduo de P. guianensis.

A variação dos benefícios recebidos pela planta pode trazer implicações evolutivas

(Kessler & Heil 2011). Os NEFs tem sido indicado como um atributo importante para a

proteção da planta contra herbívoros (Quintero et al. 2013). Indivíduos com NEFs de melhor

qualidade podem ser selecionados principalmente em locais onde a taxa de herbivoria exerce

alta pressão na sobrevivência e reprodução dos indivíduos. Aqueles indivíduos que

conseguem se associar com formigas melhor defensoras contra herbívoros podem ter maior

sucesso reprodutivo. Deixando mais descendentes, os atributos desses indivíduos podem

acabar sendo selecionados.

Agradecimentos

Agradeço à coordenação e a comissão organizadora do curso de Ecologia da Floresta

Amazônica pela qualidade do curso e por propiciar experiências únicas e inesquecíveis de

alegria e aprendizado no meio da “Amazônha biodiversíti”. Agradeço também todos os meus

orientadores dos POs: Rodrigo “rabisco” pela chuva de formigas, Danilo “axpira” pelo plano

b de barata, Fabrício “chapado” por nos fazer entrar pelo cano e a Tia Laura pelas incontáveis

infinitas formigas. E claro, agradeço também a eles pelas ideias, dicas e ensinamentos. Meu

obrigado a todos os professores que passaram pelo curso e aos revisores dos trabalhos. A

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contribuição de vocês foi essencial para ampliar o conhecimento da galera, e para nos fazer

rir com as besteiras que escrevemos. Um salve também pros monitores, Lucas e Raul, pela

ajuda nas “correição” dos trabalhos e nas parcerias já de manhã logo cedo.

Um agradecimento especial para Paulinho “bonita” e Paulinho “morcego” que sempre

se certificavam que eu ainda estava respirando durante minha semana de zica no barco. E

também pela ajuda na contagem de quantas vezes eu tinha vomitado por dia. Mas não só por

isso mas também pelos medicamentos e pela ajuda nas contribuições em todos os trabalhos.

Cabe aqui também mencionar a Tia Laura, pois sem seus conhecimentos mutualísticos, eu

ainda estaria andando em círculos no meu projeto individual.

Valeu pela companhia de todos coleguinhas de EFA! Mais de uns do que de outros,

mas faz parte né!! Citar a contribuição de cada um de vocês não caberia aqui. Mas o importante

é que graças a vocês, tivemos momentos hilários, depressivos, surreais, assustadores,

nostálgicos e alucinantes!!!

Referências

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