economia solidária

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    APRESENTAO

    Configuraes do Campo e Experincias Educacionais

    Laudemir Luiz Zart

    Esta obra rene artigos que resultam de processos de investigao

    relacionados s concepes, configuraes e experincias educacionais do

    campo. Retrata trajetrias de pesquisa, formao e de prticas sociais

    compromissadas com a realidade complexa e contraditria vivida pelos

    povos do campo.

    Os locus investigativos dos autores e das autoras so os espaos de

    resistncia e de inveno da educao do campo e da economia camponesa

    no Estado de Mato Grosso. Traduzem as ambivalncias prprias de uma

    sociedade de classes sociais. Se num plo h um esforo poltico de

    dominao, que tem como orientao a manuteno da ordem existente, o

    aprofundamento da explorao do homem e da mulher do campo

    desapropriando-os dos resultados do trabalho, h por outro, e numa

    perspectiva de classe social, a construo de meios, processos e

    experincias que significam os caminhos para a consolidao de uma

    sociedade solidria.

    As possibilidades e as limitaes so refletidas a partir de pesquisas

    empricas e histricas em regies diferentes num estado, o Mato Grosso,

    que tem como discurso oficial dominante a existncia exclusiva da

    produo vinculada ao modelo de desenvolvimento do agronegcio. As

    prticas sociais, culturais e produtivas dos movimentos camponeses

    evidenciam a existncia de um amplo espectro de aes que ondulam entre

    a resistncia e a expanso da economia camponesa configurada pelas

    agroecologia, a economia solidria e a educao do campo.

    Para o acompanhamento do desenho das investigaes e reflexes

    apresento os autores e textos escritos, com a centralidade dos argumentos

    dos artigos.

    Peripoli no artigo O Fechamento das Escolas do Campo: o comeo

    do fim das comunidades rurais/camponesas demonstra que aos poucos no

    Brasil a questo agrria vem reocupando espaos perdidos nos meios de

    comunicao social, sobretudo, naqueles comprometidos com as causas

    sociais no meio rural/campo. De forma corajosa os meios de comunicao,

    a educao libertadora e os lutadores sociais denunciam os muitos e graves

    problemas enfrentados pelos chamados povos do campo. Argumenta o

    autor que como pano de fundo deste cenrio cultural, social e educacional

    est o trabalho e a presso poltica realizada pelos movimentos sociais do

    campo principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra e

    a Comisso Pastoral da Terra. As lutas sociais encontram formas de

    denncias e de anncios aliadas s facilidades proporcionadas pelos

    avanos do mundo da tecnologia, sobretudo o da informao para produzir

    uma viso de mundo compatvel com a existncia camponesa. Alm de

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    mostrar os avanos produzidos pela cincia e a tecnologia aplicados ao

    campo, o processo de modernizao, pem em evidncia as muitas

    contradies produzidas pelo atual modelo de campo imposto pelo projeto

    do capital, cujas polticas agrria, agrcola e educacional so extremamente

    excludentes e classistas. O autor reflete que uma das consequncias da

    forma do agronegcio gestar o campo tem sido o fechamento das escolas

    no/do campo. Um argumento importante, um projeto de escola para o

    campo no pode prescindir de um projeto de campo.

    Rompendo o silncio: as vozes dos (as) camponeses (as) o artigo

    de Santos e Picoli. Os autores expressam o sentido que os assentados na

    Gleba Mercedes, municpio de Sinop, na regio Amaznica atribuem s

    suas vidas a partir de diversos aspectos. Para romper com o silncio, as

    vozes de camponeses/as e professores/as so apresentadas no sentido de

    traduzir a originalidade em termos da historicidade do assentamento, da

    escola, da atuao dos polticos no assentamento, da sade, do transporte,

    das estradas, da comunicao, da agropecuria, dos recursos financeiros do

    governo federal, da produo e distribuio, da cooperativa, da energia

    eltrica, da gua, do lazer, da religio, da devastao e da desistncia dos

    lotes agrrios. Estas temticas constituem um panorama de uma totalidade

    que configura um projeto de reforma agrria. Nas falas podemos perceber

    as limitaes, mas tambm os caminhos para a construo de projetos

    sociais que tenham uma orientao para a efetividade de relaes sociais

    de cooperao. Os autores adotaram uma dinmica da apresentao do

    artigo que acontece num movimento entrelaado das falas dos

    entrevistados e a interpretao dos pesquisadores.

    A pesquisa-ao na construo de uma cooperativa de resistncia

    camponesa: o caso da COOPERREDE em Mato Grosso foi escrito por

    Vailant, Costa, Costa e Rossetto traduz uma experincia de investigao e

    de ao que incorporam atividades de organizao e de formao

    desenvolvidas pela Incubadora de Empreendimentos Econmicos

    Solidrios e Sustentveis (INCUBEESS) da UNEMAT. A agenda de

    prticas sociais refletidas conectada com as aes desenvolvidas em

    Lucas do Rio Verde pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras

    Rurais (STTR). A base social organizada, camponeses integrantes do

    movimento sindical, foi a responsvel pela mobilizao e compromisso

    assumido pelos pesquisadores e extensionistas. A articulao gerou um

    processo intenso de construo de uma rede que rene camponeses e

    camponesas para a resistncia ao modelo do agronegcio e de proposio

    da construo da Cooperativa Regional de Prestao de Servios e

    Solidariesdade (COOPERREDE) que tem como objetivo o

    desenvolvimento da economia camponesa no territrio do agronegcio.

    Unidade experimental participativa como ferramenta de ATER no

    Assentamento Antnio Conselheiro-MT apresentado por Pereira, Mattos e

    Sguarezi para refletir sobre os resultados de um estudo realizado com um

    coletivo de 12 famlias agricultoras do Assentamento Antnio Conselheiro-

    MT objetivando a organizao e a troca de experincias para a implantao

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    de uma Unidade de Experimentao Participativa (UEP). Ilustram os

    autores que a metodologia empregada teve como base a pesquisa

    participativa, atravs da qual os prprios participantes tomam as decises

    representando uma dinmica de troca e gerao do conhecimento. A

    constatao que o resultado da experincia est na capacidade e na

    possibilidade dos agricultores de replicar as experincias em suas unidades

    produtivas e da auto-organizao dos agricultores para discutir seus

    problemas sem a necessria presena do tcnico e tomarem para si a

    responsabilidade de implantar a UEP. A metodologia participativa se

    contrape aos modelos de polticas pblicas, como argumentam os autores,

    pensadas de cima para baixo e no raro, tmidas, alienadas e simplistas sem

    contradizer, argumentar ou discutir com as comunidades do campo a sua

    aplicabilidade.

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a

    Transio Agroecolgica o artigo de Borges. O autor afirma que as

    polticas de reforma agrria no Brasil esto historicamente ligadas

    mobilizao dos movimentos sociais de luta pela terra. Neste sentido a

    conquista dos assentamentos rurais fruto de tenses sociais e embates

    polticos que demonstram a condio dos trabalhadores rurais excludos

    pela acumulao de terras no pas. O surgimento do MST est intimamente

    relacionado com o contexto social e poltico de agudizao da pobreza no

    campo, e com a necessidade de reforma na estrutura fundiria vigente.

    neste cenrio que Borges demonstra que o MST tem como horizonte

    organizar a produo via mtodos de coletivizao do trabalho. As

    cooperativs, associaes e grupos coletivos, so as formas organizacionais

    pelas quais os assentados orientavam a produo. nesta perspectiva que

    so analisadas as experincias do movimento social que tem como

    finalidade construir experincias concretas de sustentabilidade nas

    dimenses social, econmica e ambiental. A transio agroecolgica

    interpretada como integrante de uma caminhada de

    descontruo/reconstruo de princpios, valores e prticas, em

    conformidade com o autor, devero abrir espao para as articulaes locais

    e o saber tradicional.

    No texto Prticas Agroecolgicas dos Empreendimentos

    Econmicos Solidrios (EES) da Comunidade Ch Guevara no

    Assentamento Antnio Conselheiro - Tangar da Serra-MT de Sguarezi,

    Duarte e Gazoni argumentam que a garantia para um desenvolvimento

    rural sustentvel na agricultura familiar parte da preocupao com a

    preservao dos agroecossistemas e a conservao dos recursos naturais.

    Deste modo, afirmam os autores, as prticas agroecolgicas passam a ser

    pesquisadas com maior nfase no campo da produo cientfica, e como

    cincia est preocupada com a aplicao direta na agricultura, na

    organizao social e no estabelecimento de novas formas de relao entre a

    sociedade e a natureza. A Agroecologia adota prticas e tnicas que visam

    o melhor aproveitamento dos recursos locais, manejo do solo, uso

    conforme sua aptido agrcola, conservao dos recursos hdricos, que

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    garante a subsistncia das unidades familiares. Neste contexto, apresentam

    o argumento que o paradigma da agroecologia prope mudanas nos

    sistemas e prticas agrcolas empresariais que so reproduzidas no campo a

    partir da lgica de desenvolvimento rural da revoluo verde.

    Oliveira Costa no artigo Parceria na oferta da educao pblica:

    relao entre universidade e movimento social na formao de professores

    do campo, analisa a partir de documentos e de entrevistas de estudantes e

    educadoras uma das primeiras experincias no Brasil de formao de

    professores/as articuladas com os movimentos sociais do campo,

    denominado de Pedagogia da Terra, realizado na Universidade do Estado

    de Mato Grosso. A autora retrata os princpios, as ideias comuns e as

    contradies ou os tensionamentos existentes entre os agentes e as

    estruturas da universidade e dos movimentos sociais. Demonstra como os

    processos de interao so conflitivos no sentido da construo de

    referenciais que elucidam os consensos possveis entre as demandas, os

    procedimentos e as possibilidades de organizaes distintas que se

    juntam/separam para fazer uma sntese na execuo de um projeto

    formativo.

    O artigo de Zart e Bitencourt intitulado O Processo de Construo

    de Conhecimentos: o dilogo entre a universidade e os movimentos sociais

    do campo na experincia do camosc uma reflexo sobre o processo de

    construo dialgica de conhecimentos entre os movimentos sociais do

    campo e agentes educadores universitrios. Retrata em termos tericos e as

    prticas pedaggicas ocorridas entre o coletivo de educadores/as do Curso

    de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo (CAMOSC) realizado

    na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) entre os anos de

    2005 a 2010, vinculado ao Programa Nacional de Educao na Reforma

    Agrria (PRONERA). Os autores partem da orientao freireana que

    afirma o princpio dos educandos e das educandas serem sujeitos da

    construo social do conhecimento e no ser colocado na perspectiva de

    objeto, um mero receptor. Para explicitar como as dinmicas pedaggicas

    se concretizaram h uma relfexo sobre a organizao da matriz curricular

    que traduziu a interao e a integralizao dos diversos momentos de

    construo dos conhecimentos. Estes momentos so o estgio curricular

    supervisionado, as atividades de pesquisa orientadas, e o trabalho de

    concluso de curso.

    Lima, Amaral e Machado no artigo Projeto Poltico Pedaggico e

    Concepes de Educao do/no Campo em Escolas de Cceres-MT

    analisam as concepes de educao do campo que emergem do processo

    de construo coletiva do Projeto Poltico Pedaggico (PPP). O foco da

    nlise so duas escolas do campo do municpio de Cceres, Mato Grosso.

    As autoras partem do pressuposto que concebe o PPP como espao

    democrtico e solidrio, no qual consideram e problematizam a vivncia e

    os saberes do povo campons, articuladas a uma educao libertadora e de

    qualidade. Afirmam para a consecuo das proposies da educao do

    campo que a organizao do trabalho pedaggico, nas escolas do campo,

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    deve contemplar a formao humana, tcnica e cientfica para que os

    sujeitos do campo sejam capazes de pensar e agir na perspectiva da

    autonomia e da coletividade, e nesta perspectiva valorizar a identidade e a

    cultura que simbolizam e representam os povos do campo.

    Assim, espera-se que a proposio de uma escola do campo

    contemple um novo projeto de sociedade, que se concretize na medida em

    que se construam novas relaes em seu interior, considerando os sujeitos

    que a compe, sua historicidade, sua identidade e os valores socialmente

    construdos. Complementar a esta proposio est a caminhada da

    construo de uma economia do campo que se caracteriza pela

    socioeconomia solidria e pela agroecologia. Os movimentos da educao

    do campo e da economia camponesa so construtos coletivos que afirmam

    a autoorganizao e a autogesto da campesenia.

    Que os leitores e as leitoras possam usufruir da diversidade de

    enfoques e de interpretaes para fundamentar concepes e prticas

    relativas aos processos sociais e cognitivos para a construo das relaes

    e estruturas possibilitadoras das convivialidades solidrias para o

    desenvolvimento intrgral do campo.

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    O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO CAMPO: O COMEO DO

    FIM DAS COMUNIDADES RURAIS/CAMPONESAS

    Odimar Joo Peripoli

    Introduo

    Quando analisamos a realidade das populaes

    rurais/do campo, no Brasil, vemos os resultados de um

    histrico de abandono e negligncias em relao s

    polticas pblicas, em especial a educao ofertada a

    esta populao. Os dados revelam que exatamente

    situam-se nesses espaos os piores indicadores

    educacionais, ou seja: as maiores taxas de

    analfabetismo, os maiores ndices de distoro

    idade/srie, a maior quantidade de escolas sem energia

    e/ou gua encanada, sem bibliotecas, sem laboratrios,

    sem TV/vdeo/parablica, etc. (BOFF, 2006 apud

    SOUSA et al., 2011, p. 157-8).

    A questo agrria no pas vem, paulatinamente, reocupando espao

    nos meios de comunicao, pondo a nu os graves problemas presentes no

    meio rural/campo. Como pano de fundo deste cenrio reapresentado, est o

    trabalho realizado pelos movimentos sociais do campo, aliado s

    facilidades proporcionadas pelos avanos do mundo da tecnologia,

    sobretudo da informao. Esta permite que se mostre, no apenas os

    avanos e benefcios advindos do uso da cincia e da tecnologia aplicados

    ao campo; mostram, sobretudo, as contradies produzidas pelo modelo de

    poltica agrria e agrcola1, extremamente excludente e classista.

    Esta forma de tratar o campo, este outro campo, no se faz por acaso. Deve-se, sobretudo, ao/poder de presso dos movimentos

    sociais ligados ao campo. Dentre outros tantos, ao MST (Movimentos dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra) e CPT (Comisso Pastoral da Terra).

    Portanto, hoje, j no d e no h como esconder os desmandos, o

    descaso, a barbrie patrocinada pelo projeto do capital no campo, em nome

    de uma agricultura de negcios agronegcio, principalmente com os muitos problemas (destruio do ambiente; mortes; vazio populacional,

    dentre outros) mostrados mundo afora, principalmente nos ltimos tempos.

    deste campo, cada vez com menos gente, com menos escolas, com

    menos oportunidades, que busco trazer algumas reflexes, sobretudo o

    fim/fechamento das escolas.

    Os governos tm demonstrado cada vez mais a clara

    opo pela agricultura de negcio o agronegcio que tem em sua lgica de funcionamento pensar num

    1 Esta preocupao procede, uma vez que e estas estatsticas se repetem ao longo dos sculos nos territrios rurais/campo que, ainda hoje, via de regra, se concentram os piores indicadores educacionais.

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    campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem

    cultura e sem escola (HILARIO, 2011 apud

    ALBUQUERQUE, 2011, p. nica).

    H um movimento no campo brasileiro. H uma inquietao dos

    trabalhadores que, paulatinamente, vm perdendo conquistas importantes

    como a possibilidade de trabalhar a terra e dar escola para os filhos. A luta

    pela consolidao de outra forma de se conceber o campo e os seus

    sujeitos: o campo para alm da concepo imposta pelo projeto do capital.

    A sociodiversidade, enquanto caracterstica sempre presente no campo,

    nem sempre reconhecida e/ou negada, impe novos olhares, novos

    projetos, novos programas, enfim, novas polticas para com os povos do

    campo.

    Cai por terra, embora de forma muito lenta, a ideia de que o campo

    s /ser vivel a partir da presena da grande explorao capitalista e do

    agronegcio: [...] o meio rural um espao de sociodiversidade e o campesinato uma das dimenses dessa realidade (CARVALHO, 2005, p. 125).

    Importa ressaltar, destaca o autor, que o campesinato no se

    manifesta como um todo indivisvel, mas se apresenta de diferentes formas no meio rural, conformando diferenciados usos da terra e dos

    recursos naturais configurando diferenciados usos da terra e dos recursos

    naturais e configurando distintas territorialidades (id.). este o campo, ao que se pode perceber, com seus muitos

    problemas, que ora, reocupa espao na mdia que, dentre outras tantas

    temticas, busca dar destaque ao esvaziamento do campo e,

    consequentemente, o fechamento das escolas.

    Sabe-se, todavia, que esse fenmeno no novo e que, embora com

    menos intensidade, preocupa, a considerar que recai, sobretudo, sobre os

    mais jovens (sobretudo mulheres/moas) e cada vez mais cedo.

    Principalmente nas regies/reas onde estas populaes esto mais

    distantes dos centros urbanos, ou seja, do alcance de recursos da

    modernidade e que no tem beneficiado estes trabalhadores.

    Portanto, para que se entenda o processo, no caso, o fechamento das

    escolas no campo, h que se faz-lo a partir de um entendimento do por

    que vem ocorrendo este esvaziamento do campo. Deste, compreende-se do

    porqu do fechamento das escolas. Ou seja, em no havendo

    comunidades/gente, no h escola. Uma escola s escola quando tem

    estudantes/alunos.

    Ressalta-se, aqui o fato de que, aos nos perguntarmos por que do

    fechamento das escolas, temos que nos perguntar que campo esse que

    fecha suas escolas? nesta perspectiva que trabalho o texto/artigo.

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    Modernizao (conservadora) do Campo

    Reconhece-se que as reas rurais, por conta dos

    complexos processos de urbanizao, foram

    historicamente colocadas margem das polticas

    educacionais, fato que contribuiu para que a

    populao que habita o meio rural no tivesse acesso a

    um processo educativo que considerasse as suas

    especificidades. Assim, a educao oferecida pauta-se,

    de modo geral, numa lgica urbanocntrica, cuja

    prtica pedaggica desenvolvida segue modelos

    transplantados das escolas urbanas (SOUSA et al,,

    2011, p. 157).

    No h, hoje, como negar os grandes benefcios trazidos pelo

    processo de modernizao do campo. O mundo da cincia e da tecnologia

    aplicados terra transformaram os mais diferentes biomas em reas

    produtivas, principalmente cultura de gros. Tome-se como exemplo,

    dentro outros, a regio de cerrado brasileiro, hoje grande produtora de soja

    e milho, culturas importantes para o mercado interno e

    externo/exportao/commodites.

    Estes avanos cientficos e tecnolgicos, todavia, vieram

    acompanhados do que h de mais perverso no atual modelo de agricultura,

    a expropriao dos meios de produo de uma parcela significativa da

    populao camponesa, mais especificamente, a terra de trabalho. Esta, o

    capital a transformou e terra de negcio, expulsando um sem-nmero de

    trabalhadores do campo.

    No s o campo tem e vem sofrendo profundas transformaes,

    como a sociedade como um todo. O rural/campo e o urbano, em um

    movimento dialtico, em vez de se oporem, se complementam,

    conservando, conservando, porm, cada um as suas especificidades, que

    o que lhes garante suas identidades prprias de cada uma destas

    realidades/espaos.

    No h como negar que o campo, em relao cidade, tem sido

    desfavorecido quanto s benesses da modernidade. Ou seja, para o campo,

    estas chegaram e chegam sempre depois de terem percorrido primeiro os

    territrios urbanos. Por isso e, tendo em vista a realidade do campo, com

    suas muitas especificidades (tempos, espaos, sujeitos), estas tm,

    principalmente nas ltimas dcadas, atingido, mais diretamente, a vida nas

    comunidades rurais/camponesas. Em outros termos, os impactos tm sido

    mais violentos, digamos, sobre o modus vivendi destes trabalhadores:

    invaso da cultura urbana no meio rural, via meios de comunicao

    (sobretudo TV e internet).

    Neste sentido, as palavras de Kremer (2011, p. nica) so

    significativas ao dizer que as transformaes em nossa sociedade, acentuadas nas ltimas dcadas, tm interferido diretamente na vida das

    comunidades rurais. Para a autora, estas referindo-se, basicamente, s

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    redes de comunicao tm influncia direta nesse processo de reelaborao das identidades scio-culturais dos moradores do campo.

    Ao falarmos do fechamento das escolas do campo no podemos

    deixar de mencionar uma questo que, ao que me parece, tem uma

    importncia bastante significativa: a relao entre a escola e o processo de

    desintegrao do campesinato (FERNANDES, 2002). A primeira vista,

    contraditrio (e de fato o ), uma vez que, ao que nos parece, a escola

    exerceria/exerce outro papel, o da integrao.

    Ocorre que na sociedade capitalista, a escola tem sido usada como

    uma ferramenta pela burguesia consolidar seu projeto de sociedade. Tanto

    que os conhecimentos, princpios, valores, desenvolvidos/valorizados na

    escola so aqueles que interessam ao projeto urbano/industrial/burgus, e

    no aqueles que nascem e partem de experincias acumuladas no fazer

    cotidiano destes trabalhadores, os camponeses.

    Esta escola no leva em conta as especificidades do campo. Seus

    contedos e metodologias so pensados para a realidade urbana, no para o

    campo. Da o fato das muitas desistncias/evaso os estudantes. Ou seja,

    uma escola longe da realidade destes, o que acaba expulsando-os da escola.

    A educao formal (escola) no valoriza as diferenas

    regionais e nem as particularidades culturais, com

    isso, na tentativa da padronizao da cultura burguesa,

    as crianas de culturas diferentes no conseguem

    acompanhar o ritmo dos outros alunos, levando

    repetncia, evaso escolar, etc. (FERNANDES,

    2002a, p. 34).

    Importa ressaltar que esta escola, com cara de escola urbana: cpia

    pobre da escola urbana (GRITTI, 2003), responsvel pelos altos ndices

    de reprovao, repetncia, quando no de evaso, de um sem-nmero de

    criana, jovem e adultos nas escolas do campo. Prximo passo: abandono

    da prpria terra/campo2.

    A lgica da simples transferncia do modelo de escola

    da cidade para o campo (POPKEWITZ, 2001) j

    demonstrou seu esgotamento, tornando imprescindvel

    a construo de pressupostos terico-metodolgicos

    que orientem as prticas pedaggicas, fazendo com

    elas considerem as especificidades dos territrios

    rurais, no que se refere as suas formas de produo da

    cultura e da vida, adequando-se s experincias,

    necessidades e anseios dessas populaes (SOUSA et

    al,, 2011, p. 157).

    2 Estes trabalhadores, na sua grande maioria, sem /ou com pouco estudo, tem dificuldades para arrumar trabalho. Esta situao os coloca, via de regra, em subempregos, morando em periferias, etc.

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    Campo: velhos (e novos) estigmas

    [...] a educao que chegou/chega a estas populaes,

    os povos do campo, no foi nem a que interessa a

    estes trabalhadores, mas a que convm aos sucessivos

    modelos econmicos implantados e que buscam, nica

    e exclusivamente, atender os interesses do capital

    (PERIPOLLI, 2009, p. 13).

    Ressalta-se o fato de que, em que pesem os muitos avanos, aqueles

    trazidos pela modernidade, o campo3, ainda hoje, visto como sinnimo de

    atraso; local da no modernidade (esta atribuda cidade); como se ali

    estivesse a sobra do urbano (FERNANDES, 2002b, p. 91).

    Para Kolling, Nry e Molina (1999, p. 21) h uma tendncia ainda

    bastante forte em nosso pas, marcado por excluses e desigualdades, de considerar a maioria da populao que vive no campo como parte atrasada

    e fora de lugar no almejado projeto de modernidade. A modernidade pertence/est ligada cidade/meio urbano.

    Este quadro revela que ao longo da histria da

    educao brasileira, o Estado sempre negligenciou,

    silenciou, (e/ou) abandonou a Educao Rural (Leite,

    1999). O que justifica esta prtica foi a ideologia

    urbanocntrica e metropolitana que entendia ser

    necessrio superar o nosso carter rural, para que o

    Pas entrasse na modernidade; da que, nesta lgica,

    no se concebia ser necessrio polticas de Estado

    para as reas rurais, relegando-as ao abandono, ao

    esquecimento, ao silenciamento e ao desinteresse,

    pelas prticas pedaggicas e saberes/fazeres ali

    desenvolvidos (SOUSA, et al., 2011, p. 158).

    Portanto, no por acaso, esta forma de se conceber o campo, qual

    seja: sob o paradigma capitalista, que tem levado as populaes do

    campo a merecer, ao longo dos anos, por parte das polticas pblicas, uma educao compensatria. No paradigma que fortalece o modelo de explorao capitalista, a educao um instrumento para adequar as

    pessoas ao mercado (JESUS, 2004, p. 114). neste sentido que caminha Ponce (2011, p. 28) quando diz que uma vez constitudas as classes sociais, passa a ser um dogma pedaggico a sua conservao, e quanto

    mais a educao conserva o status quo, mais ela julgada adequada. Pensar assim o campo significa abrir caminhos para que ervas

    daninhas, prprias do capitalismo, infestam o territrio. E, neste caso, as relaes educacionais passam a ser analisadas na perspectiva custo-

    3 Aquele campo dos chamados povos do campo: trabalhadores que vivem e trabalham na terra (pequenos lavradores, sem terra, posseiros...); povos das guas (ribeirinhos, pescadores...), povos das

    florestas (catadores de sementes, ervas...), enfim os que no se ocupam de atividades voltadas ao agronegcio.

  • 17

    benefcio4; o aluno/estudante no passa de um mero cliente; o campo,

    espao voltado produo/agronegcio; as escolas com estrutura fsica

    deficiente/precria; professores no qualificados (leigos); transporte dos

    alunos e professores relegado a segundo plano.

    Fechar Escolas no Campo: por qu?

    [...], os camponeses so considerados como atraso. Por isso, lutar contra o fechamento das escolas tem e

    constitudo como expresso de luta dos camponeses,

    de comunidades contra a lgica desse modelo

    capitalista neoliberal para o campo

    (ALBUQUERQUE, 2011, p. nica).

    Algo bastante recorrente nos ltimos tempos tem sido manchete em

    jornais e revistas, principalmente comprometidos com a causa dos

    movimentos sociais do campo, quanto aos problemas voltados

    educao/escola rural/no/do campo, como: transporte escolar, evaso

    escolar, dficit idade/srie, dentre outros. Chama tambm a ateno as

    muitas matrias que discutirem o campo5, cuja temtica vem sendo o

    fechamento das escolas do campo.

    A primeira coisa que nos vem mente nos perguntar: por que, qual

    a causa, deste fenmeno? A questo to simples, ao que parece, exige que

    se trate com bastante cuidado. O problema srio e os nmeros denunciam

    que h algo a ser pensado e feito.

    O desafio maior, ao que me parece, est em nos fazer ver que as

    questes das escolas do campo esto colocadas fora delas. Ou seja, so

    decorrentes de questes que dizem respeito ao campo. Pior: no raras vezes

    tratado sem a devida cautela e/ou vis adequado. Ou seja, tratar a questo

    sem levar em conta/considerao um conjunto de condicionantes

    imbricados no processo que envolve o contexto onde estas escolas esto

    situadas. Em outros termos, tratar a escola sem que se leve em conta o

    contexto/campo onde esta est inserida: no h como tratarmos as muitas

    questes que envolvem as escolas do campo sem pensarmos, primeiro, as

    muitas questes que envolvem o campo. Mais especificamente, a falta de

    polticas pblicas voltadas a tender os interesses da classe trabalhadora,

    que vive e trabalha a terra, os camponeses.

    Importa, acredito, trazer para a anlise alguns (outros) aspectos

    importantes para que se possa melhor trabalhar, possibilitando reflexes

    que, ao que me parece, repito, s vezes fogem do olhar do pesquisador, -

    quando no, dos que ainda veem a escola como responsvel por fixar o homem no campo -, o contexto.

    4 Na prtica significa dizer que, para os mais pobres, destinados excluso, basta que tenham acesso aos conhecimentos igualmente pobres, fornecidos por processos de instruo simplistas e simplificados (GENTILI e McCOWAN, 2003, p. 31). 5 No caso da academia (teses e dissertaes), leia-se: nmero bem/muito pequeno se comparado s

    outras temticas voltadas ao campo. No mais que 1% dos trabalhos acadmicos (Ps-graduao) tratam da questo da educao/escola do campo (PERIPOLLI, 2009).

  • 18

    Nmeros publicados falam em mais de 24 mil escolas fechadas no

    campo entre 2002 e 2011. Ou seja, em menos de 10 anos, o nmero de

    escolas do campo que eram 107.432 (2002), foi reduzido para 83.036. Ou

    seja, mais de 24 mil escolas tiveram suas portas fechadas6.

    Os nmeros so significativos a considerar que o analfabetismo no

    Brasil ainda bastante elevado, principalmente nas regies mais pobres do

    pas, principalmente no campo. Importa, portanto, saber quais so as

    causas do fechamento das escolas e, sobretudo, em um nmero to grande.

    At, porque, estamos em uma poca em que,

    aps dcadas de lutas por conquistas no mbito

    educacional, cujas reivindicaes foram atendidas em

    parte o que permitiu a consolidao da pauta o fechamento das escolas vo no sentido contrrio do

    que parecia cristalizado (ALBUQUERQUE, 2011, p.

    nica).

    Afinal, o que houve? Ou, o que no houve? O que ocorreu de

    errado? Onde est o n grdio da questo? As palavras de Hilrio (Apud

    ALBUQUERQUE, 2011, p, nica) mostram que o que se passa no campo

    vai e/ou est alm do campo, ou seja, a realidade pela qual passa o campo e

    a escola do campo resulta de uma opo poltica quanto s aes voltadas

    para o campo.

    Em outros termos, as polticas de estado/governo esto voltadas a

    atender os interesses de um projeto de campo que interessa ao projeto do

    capital: agronegcio, e no os interesses de quem tem a terra como um bem

    voltado produo do sustento da famlia (terra de trabalho):

    o fechamento das escolas no campo nos remete a olhar

    com profundidade que o que est em jogo algo

    maior, relacionado s disputas de projetos de campo (id.). E acrescenta: Os governos Tm demonstrado cada vez mais a clara opo pela agricultura de

    negcios agronegcio que tem em sua lgica de funcionamento pensar o campo sem gente e, por

    conseguinte, um campo sem cultura e sem escola

    (Ibid.).

    Tenho insistido para o fato de que, ao nos propormos pensar a escola

    do campo, h a necessidade de/em se pensar, primeiro, o campo: seria

    ingnuo pensarmos o fechamento das escolas do campo como algo

    gratuito. Ou seja, por questes que no sejam, de ato, graves. O que no se

    quer afirmar que o que vem sendo feito seja a forma adequada e/ou justa,

    at porque, pergunto: quais so os critrios (eles existem?) usados que

    6 Os dados so referentes ao Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    (INEP), do Ministrio da Educao. Estes nmeros podem ser verificados, dentre outros, no jornal

    Brasil de Fato (on-line), de 30/06/2011. Disponvel em: HTTP://[email protected]/node/6734

  • 19

    determinam o fechamento (ou no) de uma escola? Quais os motivos? Em

    que circunstncias isso possa ser feito? Mais: estas escolas esto/so, via

    de regra, sob a responsabilidade dos municpios e estados. Mas, o MEC

    (Ministrio da Educao) tem ou no responsabilidade? Quem tem e/ou

    deveria ter palavra final?

    Com as reformas promovidas no ensino fundamental,

    notadamente com a edio da Lei no 9.394, de

    20.12.96 - Estabelece Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional - os Municpios, objetivando a reduo de

    gastos com a implementao da municipalizao do

    ensino bsico, optaram pelo fechamento de diversas

    escolas multisseriadas e, atravs do processo chamado

    de nucleao, reuniram os estudantes das unidades

    desativadas em centros urbanos maiores (GNIGLER,

    2011, p. nica).

    Ao que nos parece, tanto um quanto o outro, com o objetivo de

    reduzir gastos, mais especificamente, os municpios, - em decorrncia da

    municipalizao do ensino bsico - optaram pelo fechamento de diversas

    escolas no campo e, atravs do processo de nucleao, reuniram os

    estudantes das unidades cada vez com menos alunos e que vm sendo desativadas, em escolas plo: inicialmente, dentro das prprias

    comunidades/campo e, num segundo momento conforme foi diminuindo o nmero de alunos -, em escolas maiores. S que agora, nos centros

    urbanos/cidades7.

    Assim, movidos pela ideia de que a manuteno de

    alguns poucos centros de ensino, com o agrupamento

    dos diversos alunos atravs do transporte escolar,

    implicaria economia aos cofres municipais, dado que

    reduziria o nmero de professores e de servidores

    ligados a atividade de ensino, promoveu-se a

    desativao de escolas isoladas, ao argumento de que

    o novo mtodo elevaria a qualidade do ensino, na

    medida em que a concentrao dos alunos em maior

    nmero viabilizaria a separao em classes de acordo

    com a faixa etria (Ibid.).

    7 Neste novo/outro cenrio que se forma, entra em cena o transporte escolar, em decorrncia da

    necessidade do deslocamento de crianas, de jovens e adultos para a cidade, o que implica em: longas e

    cansativas viagens, feitas atravs de estradas e nibus mal conservados, onde, no raras vezes, os acidentes se fazem parte do cotidiano dos alunos: pau-de-arara escolar tomba na Bahia e deixa 30 crianas feridas (PESSOA, 2011, p, nica); outra manchete: garoto morre aps cair de pau-de-arara escolar no CE (id.). Segundo pesquisas, 40% dos municpios brasileiros responderam a um questionrio que mostrou que atualmente mais de 4 milhes de alunos do ensino fundamental utilizam

    esse tipo de transporte para chegar escola. O transporte de graa, mas o problema a situao dos

    veculos: antigos e mal conservados. A mdia de idade da frota brasileira que leva crianas escola de 16 anos. O coordenador-geral do Programa de Transporte Escolar do FNDE, Jos Maria Rodrigues,

    afirma que a realidade de muitos municpios ainda pior. Em alguns lugares, as crianas chegam

    escola de motos, charretes, carroas, caminhes, camionetes e at a cavalo. No Nordeste, esse tipo de transporte escolar ainda mais comum. (ROCHA, 2007, p. nica).

  • 20

    E conclui o autor:

    Malgrado a determinao constitucional impondo aos

    Estados e Municpios a destinao anual nunca

    inferior a 25% da arrecadao para a manuteno e

    desenvolvimento do ensino, percebe-se que as

    polticas de conteno de gastos se fazem presentes

    numa rea to prioritria como a educao,

    especialmente num pas que convive com altssimas

    taxas de analfabetismo, cuja erradicao constitui

    prioridade absoluta, dado que a educao do povo tem

    sido a grande alavanca do desenvolvimento (Ibid.).

    Os meus/nossos8 trabalhos de campo (empiria) mostram que os

    camponeses resistem a todo custo tentativa e/ou qualquer ato que sinalize

    o fechamento de uma escola dentro das comunidades. E com razo, uma

    vez que a escola (mesmo a escolinha) tem um significado muito maior do que quem a v, simplesmente, apenas como uma (mais uma) escola.

    Uma escola representa o centro irradiador das comunidades. Ali, ao seu

    redor, que tudo acontece: encontro das pessoas em datas festivas (santos);

    da reza da missa e/ou do tero (novena); da palestra dos agentes de sade,

    do sindicato, da cooperativa; do comcio; da quermesse; etc.. H tambm o

    futebol, a cancha de bocha, o mercadinho/bolicho, a reunio danante aos finais de semana.

    Como ressalta Kremer (2011, p. nica), a escola, juntamente com a

    igreja, parecem ser fundamentais como eixo agregadores que permitem a sobrevivncia da vida em comunidade. E acrescenta: diante do fechamento da escola a comunidade rural sofre um abalo em suas

    referncias, sente que fica mais fraca, e teme que aquele seja o anncio do

    fim. Anncio do fim da/s comunidade/s. Anncio do fim de uma possibilidade: o das classes subalternas poderem superar as suas

    insuficincias mediante o conhecimento buscado/adquirido na escola.

    Concordo plenamente com Gramsci (Apud Kremer, 2011, p. nica)

    quando, ao falar sobre educao, diz que esta no tem os objetivos

    encerrados nela mesmo, mas que tem o papel de transformar as massas, pela construo de novos sujeitos sociais.

    Partindo desta assertiva, h que se perguntar: quais so as

    possibilidades dos que vivem no/do campo sem escola de superarem esta insuficincia? Que possibilidade tero de se organizarem e elaborarem outras propostas de campo, de escola, se lhes tirado o espao que

    possibilitaria esta unidade? Sem escola, porque desativada/fechada,

    gerando um sentimento de impotncia, de perda da histria, de

    desvalorizao do lugar/campo, o que esperar destes sujeitos? Que fiquem

    no campo? Fazendo o qu?

    8 As pesquisas (trabalho de campo/empiria) ocorrem, por vezes, em grupo/coletivo; outras

    individualmente, em consequncia, sobretudo, pelo tipo de pesquisa e/ou pelas circunstncias (tempo e espao).

  • 21

    Este desenraizamento, pelo qual passa o trabalhador do campo, o

    coloca, cada vez mais, na condio de no ser. Um ser sem passado, pois

    lhe foi tirado/negado a histria, e sem futuro o fechamento da escola representa o fim do sonho de uma vida melhor. Prximo passo, migrar,

    mais uma vez. Se no dentro do prprio campo, para a periferia de uma

    cidade, longe da escola. Assim se d a reproduo do analfabetismo, tanto

    no campo quanto na cidade. Esta realidade, com estes nmeros, alimenta, a

    cada levantamento, o nmero que nos coloca no fim da fila em termos

    educacionais.

    Penso/entendo que o ato de fechar uma escola no campo tem

    implicncias imensurveis e um significado ao qual precisa ser pensado

    melhor: denuncia que algo no vai bem, no na escola, mas fora dela, ao

    seu redor (contexto): o fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que est em jogo algo maior, relacionado

    s disputas de projetos de campo (ALBUQUERQUE, 2011, p. nica). Mas, que projeto de campo esse? Projeto cujas aes esto ligadas

    s polticas de ajuste estrutural defendidas pelo Banco Mundial, como

    estratgia de um projeto maior que visa garantir as bases para a expanso do neoliberalismo (MENDONA e RESENDE, 2004, p. 07).

    O Projeto do BM para o campo: mercantilizao da terra e da escola9

    Est em curso uma ofensiva do Banco Mundial (BM)

    sobre a formulao da poltica agrria dos Estados

    nacionais, com um duplo objetivo: de um lado,

    mercantilizar o acesso terra, por meio da mudana

    neoliberal do aparato estatal, de modo a favorecer o

    livre fluxo de fora de trabalho no campo, estimular o

    investimento privado na economia rural e

    potencializar a integrao subordinada de parcelas

    pontuais do campesinato ao circuito agroindustrial,

    comandado por grandes empresas; de outro lado,

    aliviar de maneira focalizada a pobreza rural,

    especialmente em situaes onde as tenses sociais no

    campo possam atingir nveis perigosos para a segurana do capital privado e/ou a estabilidade da

    ordem poltica vigente (PEREIRA, 2005, p. 01).

    O Banco Mundial (BM) tem um projeto parta o campo (leia-se,

    pases pobres) cuja caracterstica est voltada no sentido de fazer com que

    o Estado abra mo da sua obrigao de promover a desconcentrao

    fundiria por meio da distribuio da terra e, em vez disso, estimula o controle do territrio agrrio por grandes empresas (RESENDE e MENDONA, 2004, P. 07).

    Para os mentores do projeto, a presena dos camponeses, em grande

    nmero, no meio rural/campo, tem se mostrado (vejam o absurdo!) como

    9 Tema Tese, Peripolli (2009).

  • 22

    um entreve ao desenvolvimento (Id.). A forma para resolver este problema, est em fazer com que estes saiam do campo, ou seja, sejam atrados para as cidades. Livres deles, o campo poderia/poder atingir o progresso/desenvolvimento planejado pelo projeto do grande capital. Esta

    frmula, ao que nos parece, vem surtindo efeito desejado, haja vista a

    forma como o Estado vem tratando os camponeses atravs das polticas

    agrria e agrcola.

    Ressalta-se o fato de que no Brasil, a ideologia do BM passou a ter

    maior impacto no governo Fernando H. Cardoso. Na regio Norte mato-

    grossense, campo emprico das minhas/nossas pesquisas, o programa

    uma realidade e vem se consolidando. Basta que se observe a forma como

    os assentamentos de reforma agrria so realizados e gestados

    (Estado/INCRA): total abandono. Mais: os movimentos sociais encontram

    forte resistncia, por parte do latifndio monocultor, para se organizarem

    nesta regio, conhecida como terra do silncio (BECKER, 1997). Este silncio, todavia, vem sendo, paulatinamente, quebrado. Tanto

    que a burguesia rural/urbana, proprietria de latifndios improdutivos, se

    sente ameaada pela possibilidade de ter o sagrado direito da propriedade privada da terra questionado. Prova disso a presena,

    bastante significativa, ao longo da BR-163 (Cuiab/MT Santarm/PA), de acampados ligados ao MST e da CPT; bem como a conquista da terra

    (assentamentos) por parte de grupos de ex-acampados.

    A crtica mais severa ao programa do BM, em relao questo

    fundiria, est no fato de que o Estado, ao abrir mo da sua obrigao de

    promover a desconcentrao fundiria por meio da distribuio da terra, a

    entrega ao mercado. O que implica em dizer que o controle do espao

    agrrio fica nas mos das grandes empresas agropecurias nacionais e

    internacionais, ou seja, dos grandes grupos econmicos.

    A questo que se coloca como grave, est no fato de que, ao abrir

    mo dessa obrigao, o Estado a deixa por conta do mercado. Este, por sua

    vez, tem seus interesses determinados exclusivamente pelo lucro.

    Pergunta-se: e a funo social da terra (CF/1988, art. 184, 185 e 186)?

    Em termos formais e abstratos, as disposies da atual

    Constituio sobre poltica agrria representam,

    indubitavelmente, um aperfeioamento em relao ao

    passado, no sentido de se buscar atingir um nvel mais

    elevado de justia social. Na realidade, contudo, esse

    avano mais declaratrio do que efetivo. Os prprios

    redatores da Constituio traram a sua mentalidade

    conservadora, ao colocarem os artigos sobre poltica

    agrcola e fundiria e sobre reforma agrria como

    captulo do Ttulo VII, Da Ordem Econmica e

    Financeira, e no do Ttulo VIII, Da Ordem Social.

    Ou seja, para os autores da Constituio em vigor, a

    questo fundiria diz respeito exclusivamente vida

    econmica, nada tendo a ver com a desigualdade

    social (COMPARATO, 2011, p. nica).

  • 23

    Ao que nos parece, na teoria, uma lei que ampara, prope,

    encaminha; na prtica, prevalecem os interesses do projeto do capital para

    o campo.

    Guisa de Concluso

    [...] burguesia incapaz de continuar desempenhando

    o papel de classe e de impor sociedade, como lei

    suprema, as de existncia de sua classe (MARX e

    ENGELS, 2002, p. 50).

    O fechamento das escolas do campo, hoje, no pode ser tratado

    como um fenmeno isolado da realidade e/ou das discusses outras que

    envolvem o campo. Se no houver este entendimento, seremos levados,

    mais uma vez, a ver os problemas da escola como sendo da escola, ou seja,

    como partindo dela mesma, sem olhar para um conjunto de condicionantes

    que se colocam como verdadeiras cercas nesse novo cenrio que vem se produzindo no campo, o do campo sem gente, sem escola; o campo do

    vazio campons.

    Faz-se urgente nos perguntarmos: que projeto de campo queremos?

    O que defende e prope polticas voltadas a atender os interesses da classe

    burguesa (latifundirios, monoculturas, campo sem gente, sem escolas); ou

    um projeto que interessa aos trabalhadores do campo (terra de trabalho,

    multicultivos, mo-obra, renda, gente, escola)?

    L no final da linha/estrada est a escola. Esta, para que funcione, precisa de alunos. As famlias camponesas esto migrando para os centros

    urbanos, fugindo da pobreza. Os filhos/estudantes vo junto com suas

    famlias. Cada vez menos gente nas comunidades e /ou nas escolas

    (alunos), os gastos no compensam. A nucleao uma sada emergencial, primeiro no campo, depois em escolas nos centros urbanos. O

    transporte escolar com todos os problemas afasta os estudantes do sonho

    da escola/estudo.

    O mais comum, hoje, ao longo dos caminhos que nos levam ao

    campo, o das casas abandonadas/fechadas; o das comunidades que se

    desfazem; o das escolas abandonadas/fechadas.

    Frear esse movimento vai muito alm da luta, aes, localizadas (programas/projetos de governos). A complexidade da situao passa pela

    retomada, valorizao e apoio ao trabalho que (j) vem sendo realizado, h

    muitas dcadas, pelos movimentos sociais do campo, mas que a sociedade,

    como um todo (partidos, associaes, sindicatos, universidades, igrejas,

    etc.) tem dado s costas. Estes tm, historicamente comprovado10

    , a fora e

    o poder de/em dar outro rumo ao campo.

    10 As Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo /2002 so a prova de que polticas pblicas para o campo se fazem no/pelo coletivo.

  • 24

    Por fim, enquanto as formulaes de polticas para o campo,

    incluindo o uso e a ocupao do territrio (bem como as educacionais)

    estiverem sob a tutela de instituies financeiras internacionais, como vem

    ocorrendo, cada vez menos trabalhadores no campo; cada vez mais

    misria; maior o xodo; cada vez menos gente; cada vez menos escolas.

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  • 26

    ROMPENDO O SILNCIO: AS VOZES DOS (AS)

    CAMPONESES (AS)11

    Josivaldo Constantino dos Santos

    Fiorelo Picoli

    Introduo

    Tendo como referncia as diretrizes da socioeconomia solidria,

    enquanto maneira alternativa de se contrapor economia de mercado, que

    seletiva e excludente, partimos da bvia constatao que os cidados e

    cidads que trabalham e vivem no assentamento da Gleba Mercedes 5,

    esto a cada dia que passa, mais diminudos enquanto pessoas, por

    trabalharem tanto, e no usufrurem de uma vida com qualidade. As

    pessoas precisam viver, porm a qualidade de vida um direito

    fundamental do ser humano. A qualidade de vida passa no s pelo

    suprimento das necessidades econmicas, como principalmente pelo

    controle que o prprio cidado e cidad devem ter de sua vida, de seu

    destino (GADOTTI, 2000).

    A qualidade de vida, portanto, passa impreterivelmente pela

    conscincia individual (a pessoa em si), e pela conscincia coletiva

    (comunidade) de que cada um/a, um ser de vontade liberdade amor (homo volens), um ser que se expressa pela linguagem (homo loquens),

    um ser social e poltico (homo socialis), um ser que transborda cultura

    (homo culturalis), um ser que transforma a si e ao meio, pelo trabalho e

    pela tcnica (homo faber), um ser que necessita do jogo e do

    divertimento (homo ludens), um ser que transcende e que expressa sua

    transcendncia pela religio (homo religiosus), um ser que se manifesta e

    que age no mundo, sobre o mundo e com o mundo por meio de sua

    dimenso corprea (homo somaticus), enfim, um ser que vive, mas que

    no vive qualquer vida, e sim, a vida humana (homo vivens). Ora,

    reconhecer essas dimenses, em si prprio e no outro, reconhecer-se e

    valorizar-se como um ser que conhece e cujo conhecimento se expressa de

    maneira sensitiva e intelectiva (homo sapiens). (MONDIN, 1980).

    Quando essas dimenses que caracterizam o ser humano, so

    ignoradas, ou seja, quando no existe ou no se possibilita as condies

    necessrias para que essas dimenses, em sua totalidade, transpaream, a

    qualidade de vida comprometida. De um modo geral nossas

    investigaes e aes junto aos agricultores e agricultoras familiares do

    11 Este artigo parte do relatrio final do projeto de pesquisa: Educao Ambiental: Processos

    Socioculturais para a Reconstruo Curricular e a Construo da Socioeconomia Solidria,

    desenvolvido no assentamento Gleba Mercedes 5, no municpio de Sinop MT, no perodo de agosto de 2003 a setembro de 2005. Justifica-se a publicao deste artigo, anos depois do trmino da pesquisa,

    visto que a realidade no referido assentamento em muitos aspectos continua tal e qual. Os poucos

    investimentos que foram realizados pelo poder pblico, neste espao de tempo, no trouxeram mudanas significativas no que se refere a qualidade de vida em relao aos temas abordados em nossa

    pesquisa. Por outro lado, a realidade vivida pelos/as protagonistas da vida no campo, narrada por

    eles/as prprios/as, e desvelada por nossa pesquisa, reflete a situao em que vivem atualmente outros assentamentos neste pas.

  • 27

    espao pesquisado, constataram a ausncia dessas dimenses. Os cidados

    e cidads da Gleba Mercedes 5 sofrem por consequncia de um modelo

    econmico pautado pela concentrao de renda, pela concentrao da

    propriedade, pela devastao dos recursos naturais e por fim, um modelo

    econmico que pela sua base na competio, explora homens, mulheres e

    natureza. No bojo dessa explorao, as dimenses da vida humana valem

    menos que o lucro.

    Neste artigo, apresentamos como esses cidados e cidads, sujeitos

    desse espao de vida, analisam a infraestrutura que viabiliza ou no as suas

    aes. Elegemos alguns pontos que acreditamos ser importantes discuti-los

    tais como: escolas, sade, transporte, estradas, comunicao, recursos do

    governo, organizao da produo e vendas dos produtos, cooperativas,

    distribuio de gua, energia eltrica, lazer, organizao dos templos

    religiosos, devastao, abandono dos lotes pelos titulares, e, no presena

    dos representantes do poder pblico no assentamento.

    As entrevistas aconteceram de maneira muito informal. Enquanto a

    equipe da Secretaria Municipal de Educao (Sinop) reunia-se com os pais

    e mes das crianas e enquanto os professores e professoras participavam

    de um curso ministrado pelas acadmicas estagirias do curso de

    pedagogia da UNEMAT12

    , conversvamos com um grupo de agricultores e

    agricultoras que estavam para fora do barraco (escola). Isto aconteceu no

    dia 16 de novembro de 2003. Foram levantadas as mesmas questes para

    trs grupos em momentos diferentes. Primeiro foi conversado com cinco

    agricultores, em seguida a conversa aconteceu com um professor e por

    ltimo com um casal de agricultores, totalizando oito pessoas. Levantadas

    questo por questo deixou-se que ficassem vontade para falarem sobre

    cada uma delas.

    A entrevista semiestruturada iniciou-se com o grupo de agricultores.

    Foi a partir das principais necessidades levantadas pelos agricultores que as

    demais questes foram sendo elaboradas e cada dificuldade apresentada

    tornou-se um tema para ser analisado.13

    A questo que gerou o rompimento

    do silncio, a denominamos, de questo introdutria.

    Questo introdutria.

    Quais so as principais necessidades deste assentamento? (para os

    agricultores):

    R14

    - [...] falta tudo nesse local, pois o poder pblico se faz ausente. Podemos dentro de nossas necessidades eleger algumas das mais urgentes,

    tais como: posto de sade com atendimento mdico na prpria Gleba; a

    construo das escolas equipadas e professores qualificados; melhoria nas

    estradas; rede de eletrificao rural para atender a todos os assentados;

    melhoria na telefonia com tecnologia mais adequada, pois esta muito

    precria; organizao dos assentados em cooperativas com a finalidade de

    garantir a produo, organizao e comercializao de nossos produtos;

    12 Universidade do Estado de Mato Grosso. 13 As falas foram transcritas tais quais foram faladas, sem correo gramatical. 14 R= resposta.

  • 28

    escola de 2 grau15

    , para os alunos que terminam a 8 srie e no tem como

    prosseguir os estudos, mais segurana com a presena da polcia. Questo 1 - tema: incio do assentamento - para o casal de

    agricultores:

    R - Quando o INCRA 16 adquiriu est rea de terra, ela pertencia ao municpio de Tapurah, a compra ocorreu no ano de 1997. Como a grande

    maioria dos assentados era de Sinop, bem como por ser mais fcil sair por

    esse municpio por ter estradas abertas e, por ser uma regio que fornece

    madeiras para as serrarias de Sinop comeamos reivindicar a troca de

    municpio. Assim, a partir do nascimento do assentamento comeou uma

    grande luta para que os assentamentos do Caldeiro e da Agrovila

    passassem a pertencer ao municpio de Sinop. A troca de municpio s veio

    ocorrer em 2002 e, foram muitas reunies e promessas at se efetivar o

    nosso desejo. Nesse tempo ningum assumia a Gleba, pois ficaram

    esperando definir a quem de fato a gente iria pertencer. Hoje pertencemos

    ao municpio de Sinop, mas muito pouco mudou por aqui, pois estamos

    abandonados da mesma forma que antes. Tudo no passam de promessas e,

    no acreditamos mais que venham as melhorias tanto desejadas por todos

    os assentados. Questo 1 (a) - tema: atuao dos polticos no assentamento - para o

    casal de agricultores:

    R - Eles quase nunca aparecem, porm quando chega prximo as eleies eles vm. Nos prometem muitas melhorias, mas nada de concreto

    aparecem nas duas comunidades. Pelo fato de termos passado a pertencer

    para Sinop a partir do ano passado no sabemos quantos eleitores temos no

    Caldeiro e na Agrovila, mas se calcula que teremos mais ou menos 1.000

    eleitores. Mas temos um problema: muitos dos assentados votam em Sinop

    na sede do municpio, porm o ideal seria que quem tem pores de terra

    nos assentamentos votarem aqui, pois assim teramos mais fora e poder de

    negociao Para o professor:

    R - Em 1997 foram distribudos em torno de 500 lotes, de 70 hectares na Gleba 5, que contempla a comunidade da Agrovila e do Caldeiro que

    passaram a pertencer ao municpio de Sinop a partir de 2002. A Gleba 1 e

    2 formada por 1.100 lotes tambm de 70 hectares cada um, pertencendo

    ao municpio de Tabapor, ficando a uma distancia de 90 quilmetros

    daqui. A gleba 3 e a gleba 4, ningum sabe onde fica, se esta foi diluda na

    1,2,5, mas se ela pertence a algum no sabemos, porem todo esse

    territrio faz parte da antiga Gleba Mercedes que o INCRA desapropriou

    para fazer o assentamento. Na Comunidade do Caldeiro e da Agrovila

    vivem aproximadamente 1.500 pessoas. Existem muitos lotes que no so

    habitados, eles pertencem a pessoas que residem nas cidades prximas e,

    alguns dos proprietrios os visitam de vez em quando, outros nunca

    aparecem por aqui. Alguns dizem que esto esperando valorizar, outros

    15 Leia-se Ensino Mdio (como j dissemos, transcrevemos as falas do modo que foram proferidas). 16 Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria.

  • 29

    tem boa vontade de permanecer, mas no conseguiram sobreviver por aqui

    por falta de estrutura. Esse no se trata de um local de Reforma Agrria de

    fato, apenas mais um assentamento que coloca os colonos na terra e

    depois ficam abandonados pelo poder pblico.

    PESQ17

    - Nesta pergunta cujo objetivo foi compreender as formas

    de criao e organizao do assentamento, e como foi o processo de

    transferncia deste assentamento para o municpio de Sinop, percebe-se o

    desejo que as pessoas tm de falar sobre as dificuldades por que passam.

    Para os agricultores entrevistados, o sonho de pertencerem ao municpio de

    Sinop por acreditarem que teriam mais acesso a melhores estradas e a uma

    infraestrutura melhor virou pesadelo, visto que em nada mudou a situao,

    e ficaram apenas na promessa. Muitos j perderam a esperana de que este

    assentamento receber a infraestrutura necessria.

    Segundo a fala do casal de agricultores, foram eles que

    manifestaram a vontade de passarem ao municpio de Sinop, visto que o

    municpio de Tapurah no tinha estrutura para manter o assentamento que

    foi criado em 1997. Enquanto rolava os trmites burocrticos para a

    transferncia, o assentamento ficou sem nenhuma assistncia, nem por

    parte de Tapurah e nem por parte de Sinop, ou seja, de 1997 a 2002

    ficaram em um total abandono. O agravante, que uma vez sob a

    jurisdio de Sinop, a partir de 2002, o abandono continuou.

    O professor denuncia que muitos lotes no esto habitados, pois seus

    donos resolveram morar na cidade esperando que essas terras sejam

    valorizadas para depois investirem nelas. Para muitos, o assentamento se

    transformou em uma rea de camping, onde os proprietrios que j

    agregaram outros lotes aos seus, vem para caar, pescar, passar o fim de

    semana fazendo churrasco. Eis o que diz o professor:

    Tem alguns acumulando terrenos e incorporando para

    ele, por meio dos membros da famlia, dizem ser da

    sogra, sogro, irmos, filhos e assim por diante.

    Prximo ao Rio Teles Pires se tornou uma rea nobre

    e os lotes so muito cobiados e caros, pois est

    virando rea de lazer das pessoas que tem dinheiro

    para caar e pescar, bem como para passar os finais de

    semana e l nada se produz, porm esto construindo

    locais sofisticados em terras no legalizadas e que no

    foram destinadas a esse fim. No futuro teremos srios

    problemas, pois o INCRA no aparece, mas os

    desmandos vo acontecendo todos os dias

    (16/11/2003).

    O casal de agricultores confirma o que disse o professor:

    17 PESQ= Pesquisadores. A dinmica da apresentao deste artigo acontece da seguinte forma: ao final

    das falas dos 5 agricultores, do casal de agricultores e do professor, os pesquisadores tecem seus comentrios e reflexes para s depois iniciar um novo tema.

  • 30

    Muitos desistiram da terra por falta de condies e

    foram embora, alguns abandonaram o lote outros

    venderam a um novo assentado de forma irregular,

    pois o INCRA no veio reconhecer o novo dono. Tem

    gente montando fazendas, esto reunindo vrios lotes.

    Tenho conhecimento de um proprietrio que j

    encostou seis terrenos e est formando uma nica

    rea. A estratgia a seguinte: eles esto colocando

    no nome de algum da famlia, temos casos que

    colocam em nomes de parentes at fora do Estado de

    Mato Grosso. Dos primeiros assentados poucos

    restaram [...] (16/11/2003).

    Esses desmandos acontecem devido ausncia do INCRA, que

    segundo o entrevistado, esteve presente na distribuio dos lotes e nesse

    sentido na poca beneficiava muitas pessoas sem a necessidade de receber

    os terrenos para serem assentados. Por aqui aconteceu muitas coisas [...] (o entrevistado silenciou, mas seu silncio aponta que preciso uma

    melhor investigao e ao por parte do INCRA). Faz muito tempo que no se tem notcias do seu aparecimento por aqui. Os lotes foram todos

    distribudos em 1997, mas no se encontram mais 50% neles. No ano de 2003, a imprensa local de Sinop, noticiou que havia

    vereadores com terras na Gleba Mercedes 5 e inclusive um desses

    vereadores estava em conflito com um assentado por questo de posse de

    terra. O vereador chegou a se manifestar via imprensa, tentando justificar

    que tambm foi um dos beneficiados pelo INCRA na distribuio dos

    lotes. Entretanto, o que se cogitava na poca que o mesmo havia

    comprado esse lote dos primeiros e legtimos donos para fins de

    especulao. Est em parte explicado o silncio momentneo do

    entrevistado ao se referir a pessoas que no so assentadas e que se

    beneficiaram ilicitamente pelo INCRA.

    Questo 2 - tema: escola - para os agricultores:

    R - Temos duas escolas, uma na comunidade do Caldeiro e a outra na comunidade da Agrovila

    18. Nas duas temos alunos que estudam de 1 8

    sries. Os alunos e os professores so recolhidos de uma distncia que

    chega a 25 quilmetros de distncia da escola. Cada escola possui uma

    kombi e um nibus que so usados para esse fim, porm, so bem velhos e

    muitas vezes esses veculos quebram durante o percurso, ocasionando

    atraso na chegada escola. Outro fato bastante delicado que o primeiro

    aluno embarca no carro s 5:00 horas da manh e s chega de volta s

    16:00 horas, sendo que o perodo de estudos dura apenas 4 horas. Desde a

    fundao das comunidades em 1997 as aulas so ministradas em barraces

    situados dentro das mesmas.[...]. As salas de aula so de madeira, no

    possuem forro nem divisrias certa, a iluminao e a ventilao no so

    18 A Gleba Mercedes 5 est dividida em duas localidades: a Agrovila e o Caldeiro (O nome Caldeiro deve ser pelo fato desta parte da Gleba ser banhada pelo rio caldeiro).

  • 31

    adequadas para a prtica do ensino. A cozinha tambm de madeira e no

    prpria para armazenar os alimentos e muito menos para estes serem

    manipulados para o preparo da merenda. Nestas duas escolas estudam um

    nmero significativo de alunos sendo 148 de 1 4 sries e 95 de 5 8

    sries. Existe ainda um elevado nmero de estudantes que esto fora da

    sala de aula. No sabemos a quantidade certa, mas uma quantidade

    expressiva. A quadra foi construda pela comunidade, e at hoje no foram

    feitos investimentos por parte das prefeituras que mereceram

    consideraes. Alm de tudo isso, as escolas so extenses de Sinop. De 1

    4 sries pertencem prefeitura de Sinop, por meio da Escola Jardim

    Paraso e de 5 8 sries atravs da Escola Estadual Osvaldo Paula19

    tambm de Sinop. Desta maneira, as escolas funcionam sem a presena da

    direo, e raramente so visitadas pela mesma. Estamos satisfeitos com os

    professores que ali trabalham, apesar da maioria no possuir formao, so

    esforados e dedicados na execuo de suas funes. O que nos preocupa

    o fato de crianas estarem estudando junto com adultos. Temos alunos com

    idade de seis anos misturados com alunos de vinte e dois anos. Os alunos,

    que terminam a 8 srie no tm como prosseguir os estudos. Estes so

    obrigados a mudar-se da Gleba ou paralisar os mesmos. Para o professor:

    R - Sou professor da Escola da Agrovila, onde temos alunos a partir de 1 srie at 8 srie. Tambm sou um dos assentados da Gleba Mercedes 5,

    resido 500 metros da escola da Agrovila. A escola o que voc est

    vendo ali [...], funciona nesse local, mas com algumas dificuldades. A

    merenda que chega no suficiente para todos os alunos, e nem vamos

    falar da qualidade que pssima, os professores so esforados, o

    pagamento vem sempre no dia certo. Quem faz esse pagamento a

    prefeitura de Sinop. No tocante as estruturas fsicas, so de pssima

    qualidade, no se trata de um lugar adequado para a prtica docente dos

    professores e alunos, bem como para que se possa realizar algum tipo de

    trabalho de qualidade. A estrutura fsica da escola no pertence ao Estado

    de Mato Grosso e muito menos Prefeitura municipal de Sinop. Tanto no

    Caldeiro quanto na Agrovila a estrutura fsica pertence comunidade.

    Temos aqui duas extenses das escolas de Sinop. De 1 at a 4 sries, que

    organizada pela prefeitura municipal de Sinop e, de 5 at a 8 sries

    atravs do Estado de Mato Grosso (o professor se refere rede estadual). A

    direo dessas escolas fica em Sinop, mas aqui fica uma coordenadora que

    executa o trabalho de intermediao nas duas escolas. Hoje o nmero de

    alunos de 184 no Caldeiro, e 106 na Agrovila, fora os 20% de evadidos

    e transferidos, alm dos alunos no matriculados em idade escolar, sendo

    difcil avaliar a quantidade certa. As escolas esto a uma distncia entre 25

    e 30 quilmetros das casas dos assentados, sendo que os alunos e

    professores que residem distante so transportados com veculos velhos

    que quebram todos os dias, ocasionando atrasos na chegada da escola e

    consequentemente, a perda de aulas. Considero que o ambiente onde as

    19 Essas escolas atualmente no esto responsveis pelas extenses na Gleba Mercedes.

  • 32

    escolas se encontram no pode proporcionar progresso na aprendizagem,

    pois convivemos com o barulho, calor forte, devido s estruturas precrias

    das instalaes, mistura de crianas das sries iniciais com adolescentes e

    jovens. A cozinha no oferece as mnimas condies de higiene, de

    madeira e na escola no tem energia eltrica. A biblioteca no oferece

    nada alm do material bsico ao ensino at a 4 srie, e os demais

    raramente tem material para os estudos. A gua do rio, sendo utilizada na

    comida das crianas e a bebemos sem tratamento algum. Tambm no

    temos gua encanada na escola do Caldeiro nem na da Agrovila que

    tambm no tratada. Para o lazer e os esportes dos alunos no temos nada

    alm de campos de futebol, que por sinal foram construdos pela prpria

    comunidade. Para o casal de agricultores:

    R - Aqui no tem escola. A escola o barraco de madeira da comunidade e que foi construda pela comunidade e a ajuda do Governo que recebemos

    R$ 3.000,00 (trs mil reais) no incio do assentamento. As estruturas fsicas

    da escola pertencem comunidade e as prefeituras nunca assumiram nada

    das construes por aqui. Quanto a qualidade do ensino estamos satisfeitos,

    os professores fazem o que podem e dentro do que eles tem. A realidade

    muito dura, falta tudo, a cozinha como voc viu um local imprprio para

    fazer as merendas. Ns temos que fazer a merenda nesse local sem energia,

    sem geladeira, paredes de tbua, alm disso, faltam bacias pratos e

    talheres, ou so sem qualidade e velhos. A gua, ns apanhamos no rio

    com o balde, tanto para a alimentao e para beber, mas no tratada, bem

    como para fazer a limpeza das instalaes. Na biblioteca podem ser vistos

    alguns livros, mas so muito poucos e so os livros bsicos do governo. Os

    professores de 5 at 8 srie reclamam que no podem avanar nos estudos

    por falta de material. Tambm por falta de energia eltrica no podem

    passar um vdeo, televiso e outros instrumentos que necessitam de fora

    eltrica. Alm disso, temos sempre alunos e professores doentes,

    principalmente por terem contrado malria que uma praga que nos

    acompanha ha muito tempo sem soluo. Tudo aqui problemtico. As

    escolas no tm guarda e, para completar o quadro, as diretoras ficam em

    Sinop. Temos uma encarregada que cuida das duas escolas da Gleba, a da

    Agrovila e a do Caldeiro. Necessitamos urgente da construo do colgio

    e que esse seja construdo para contribuir com a aprendizagem por meio do

    direito que as pessoas que ali estudam e trabalham tem. O problema maior

    vai acontecer no comeo das aulas em fevereiro de 2004. Segundo nosso

    levantamento teremos 50 alunos que concluram a 8 srie sem aulas, pois

    ainda no temos o segundo grau e, nos falaram que no vamos ter.

    muito difcil atender alunos com mais de vinte anos misturados com alunos

    de seis anos. Tambm se faz necessrio, aulas no perodo noturno. Muitos

    esto fora da escola pela necessidade de trabalharem e investir na formao

    de adultos. PESQ - Nos trs depoimentos, vemos os mesmos lamentos em

    relao estrutura das salas de aula. Porm todos valorizam o trabalho dos

  • 33

    professores e professoras, pois segundo eles, fazem o que podem. Alm de

    no haver escolas (o que h so salas de aula que funcionam precariamente

    e como extenso de duas escolas urbanas de Sinop), os contedos

    curriculares trabalhados, no esto voltados para a realidade vivida pelo

    cidado e cidad que habita o campo; so contedos que no partem das

    experincias de vida dos alunos e alunas; so contedos da cidade,

    aplicados realidade camponesa, e consequentemente, no se percebe na

    organizao curricular o mnimo de ateno diversidade cultural, aos

    valores, aos ideais que dizem respeito identidade dos que vivem no e do

    campo. Na Gleba Mercedes 5, no h escola NO campo e nem escola DO

    campo. O mal seria ainda maior se os professores e professoras que

    lecionam no assentamento no tivessem nenhuma relao com o campo.

    Digo isso porque sendo tambm homens e mulheres do campo, os

    professores e professoras procuram dar sentido aos contedos

    relacionando-os na medida do possvel, s experincias que possuem, eles

    e seus alunos e alunas com a terra.

    Questo 3 - tema: sade - para os agricultores:

    R - A sade s em Sinop. A comunidade do Caldeiro e da Agrovila, ficam respectivamente a 98 e 70 quilmetros distantes de Sinop. A sede do

    municpio o nico meio para sermos atendidos quando necessitamos de

    atendimento mdico e de exames clnicos. Os atendimentos nos

    assentamentos so exclusivamente para os doentes de malria. feita a

    coleta do sangue e so tratados aqui mesmo, mas isso s ocorre na

    Agrovila. Hoje domingo dia 16/11, e somente nesta semana passada

    tivemos 17 casos de malria juntando a Agrovila e o Caldeiro, mas na

    realidade no baixam de 40 a 50 casos em mdia por ms. O nmero de

    casos positivos depende da poca. No perodo das chuvas os casos

    aumentam devido proliferao dos focos dos mosquitos transmissores.

    Quanto sade nos sentimos completamente abandonados. J nos

    prometeram uma ambulncia para transportar os doentes, mas tudo no

    passam de promessas que no se efetivam na prtica. As vacinaes em

    massa s acontecem aqui quando so campanhas nacionais, nos demais

    casos no. Se algum fica doente, quem tem carro leva at o recurso, quem

    no tem acaba indo de nibus, mas esse meio funciona apenas em alguns

    dias da semana. Para o professor:

    R - Tratamento aos doentes e preveno s doenas so coisas que no acontecem por aqui. Temos em mdia 40 casos de malria por ms e, esse

    o nico atendimento que pode ser feito aqui. Dizem que no querem que

    nos dirigimos at Sinop para no contaminar as pessoas de l, seria esse o

    motivo para virem at aqui atravs da SUCAM20

    realizarem os

    atendimentos. Todo o atendimento mdico, exames de laboratrio e

    medicamentos so realizados em Sinop. Alm disso, o doente tem que se

    virar como pode para chegar at o hospital, ele vai de nibus, de carona ou

    20 Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica do Ministrio da Sade.

  • 34

    de carro dos prprios assentados, lembrando que so poucos que possuem.

    Nas duas comunidades, tanto no Caldeiro como na Agrovila se faz

    necessrio, ambulncias da prefeitura, mas esta ficou s na promessa, at

    hoje as aes da prefeitura comprometem os direitos de cidados que

    temos e no so cumpridos os direitos bsicos. Temos muitas promessas,

    nossa realidade muito dura, as coisas no chegam por aqui. Estamos

    completamente abandonados, temos a quem recorrer, mas no temos

    respostas de ningum, isso o abandono total, conforme voc mesmo pode

    ver. Dos 19 professores das duas escolas, dois esto doentes com malria,

    dois contraram leschimaniose e um est com srios problemas renais

    motivados pela gua no tratada que bebida nas escolas. Para o casal de agricultores:

    R - Sade aqui, nada funciona. Tem um pequeno prdio, mas no temos mdicos, enfermeiros e muito menos remdios. A sade s na cidade de

    Sinop, mas a gente vai l, muitas vezes no somos atendidos e, para

    receber o atendimento temos que fazer muitas viagens. Nem sempre a

    gente consegue a consulta na primeira viagem. Assim, comea uma

    peregrinao, uma viagem para marcar a consulta, outra para consultar, se

    necessitar de exames mais uma viagem, depois mostrar os exames ao

    mdico. Eles fazem da gente o que bem querem. Isso quando a gente

    atendido! Pois, a maioria das vezes somos mal atendidos ou no atendem.

    mais um faz de conta que muito pouco resolve. O custo para cada

    viagem de uma pessoa de R$ 28,00 (vinte e oito reis), a grande maioria

    das pessoas no tem esse dinheiro para fazer uma viagem, imagina quatro

    ou cinco! A nossa condio de desamparo muito triste, mas no temos

    outra sada, pois vivemos o descaso do poder pblico. Aqui na Gleba eles

    atendem somente os casos de malria, e esses so acima de 30 todo ms. A

    prefeitura no aceita que os doentes de malria sejam tratados na cidade,

    quer que os doentes fiquem no assentamento. Isso ocorre pelo fato de

    terem medo que contamine o pessoal da cidade. Tenho que dar risada com

    essa condio criada, pois quando as pessoas morrem, independente da

    doena so transportadas at Sinop, para serem sepultadas. Acontece que

    no Caldeiro e na Agrovila no temos cemitrio ainda. A gua muito

    problemtica, por no ser tratada e consumida por animais e gente

    transmite muitas doenas. Alm disso, as pessoas jogam dejetos poluentes

    nos rios e contaminam a gua. PESQ - O que vemos nesses depoimentos? Vemos absurdos

    acontecendo: uma discriminao tamanha com os trabalhadores e

    trabalhadoras do campo. No podem ir cidade quando esto com malria

    para no contaminarem os cidados urbanos, e nem tampouco o atendimento que recebem em relao malria satisfatrio, agravando-se

    muito na poca da chuva com as estradas intransitveis. De um modo

    geral, at que h a quem recorrer como disse o casal de agricultores,

    porm, no so ouvidos. isso que agrava mais a situao, pois h uma

    Secretaria de Sade em Sinop, porem os moradores e moradoras da Gleba

    Mercedes ficam a merc da boa vontade deste rgo pblico.

  • 35

    Questo 4 - tema: transporte - para os agricultores:

    R - O meio de nos locomovermos at o municpio de Sinop atravs de um nibus de propriedade particular. Ele faz o caminho at Sinop todas as

    segundas, quartas, sextas e aos sbados, sendo esse trajeto de ida e volta no

    mesmo dia. O nibus volta lotado com mercadorias, principalmente de

    gneros alimentcios que so comprados nos supermercados da cidade.

    Tambm utilizamos os carros pequenos, e os assentados que possuem

    automvel juntam-se com os que no tm com o objetivo de dividirem

    despesas de viagem para fazerem as compras nos supermercados e no

    comrcio de modo geral. Outra alternativa de se chegar at a cidade

    atravs da carona, pois so muitos os caminhes de madeireiros que

    trafegam nesse percurso, mas esse transporte bastante perigoso, pois os

    caminhes viajam carregados de toras e apresentam-se bastante

    danificados pela falta de manuteno e pelas pssimas condies das

    estradas. Para o professor:

    R - O transporte muito complicado. s vezes nos sentimos sem sada por falta de opo, visto terem construdo a Gleba to distante das cidades,

    parece que foi realizado dessa forma para no dar certo. Os assentamentos

    devem ser prximos das estradas gerais e prximos das cidades. Temos um

    nibus que faz o trajeto at Sinop alguns dias por semana, mas

    insuficiente, voc fica condicionado aos horrios da empresa e tem que se

    sujeitar aos horrios que nos so determinados. Alm disso, o custo da

    passagem bastante elevado pelo nvel de vida que ns levamos aqui, pois

    o custo fica em R$ 14,00 (catorze reais) para ir at Sinop e R$ 14,00

    (catorze reais) para voltar. Para nosso oramento R$ 28,00 (vinte e oito

    reais) um valor um pouco elevado. Outra alternativa conseguir carona

    de vizinhos e dos caminhes das madeireiras, mas no ltimo caso muito

    perigoso. O problema se agrava quando algum fica doente, alm de no se

    ter atendimento mdico na Gleba tambm no temos uma ambulncia aqui.

    A ambulncia uma promessa antiga, mas as promessas no se cumprem

    por aqui. A nica alternativa que nos resta em casos de doenas recorrer

    aos vizinhos, porm, a grande maioria dos assentados no possui

    automvel. PESQ - O drama do transporte: ou atravs de carona em carros de

    passeio, ou em cima de caminhes que transportam toras do mato para as

    madeireiras em Sinop, ou ainda dividindo despesas de combustvel com os

    poucos assentados que possuem veculos. Tudo isso para escapar de uma

    tarifa muito cara (28,00 reais) para o padro de ganhos dos moradores e

    moradoras da Gleba. Quem precisar se deslocar para a cidade mais de uma

    vez por semana ter um gasto exorbitante s com passagem.

    O professor levanta uma questo muito sria que a distncia entre

    os assentamentos e as estradas principais que conduzem zona urbana.

    Parece que foi realizado dessa forma para no dar certo, disse o professor.

    Isso nos lembra, uma citao de Picoli (2005) a respeito da criao dos

    assentamentos pelo INCRA:

  • 36

    [...] distribua-se terras aos grupos organizados, tambm se fazia assentamentos via INCRA, e esses

    contemplavam os pequenos agricultores, para

    desenvolver o sentimento nacional de governo bom e

    prestativo. No entanto, esses projetos nasciam com o

    intuito de no darem certo (p. 23).

    Picoli aponta a criao dos assentamentos como estratgia dos

    governos para parecerem bons e prestativos diante dos assentados e

    assentadas, e, a negligncia em viabilizar infraestrutura digna para o

    funcionamento desses assentamentos leva-nos a pensar que tais

    assentamentos isolam os trabalhadores e trabalhadoras no campo, criando

    dois mundos paralelos e antagnicos: o mundo da cidade e o mundo do

    campo. A realidade vivida por esses homens e mulheres deste

    assentamento na pior das hipteses confirma a afirmao de Picoli.

    Entretanto, no podemos aceitar esta concluso, preciso super-la com

    outras alternativas emancipatrias, e, a socioeconomia solidria aponta

    para esta superao.

    Questo 5 - tema: estradas - para os agricultores:

    R - As estradas como voc pode observar so ruins. Existem duas entradas e sadas para a sede do municpio de Sinop, uma que sai pela

    ponte e a outra pela balsa do rio Teles Pires. Essas estradas vivem

    abandonadas pela prefeitura, e, se no fossem pelos madeireiros que as

    arrumam ns estaramos sem possibilidades de sair dos assentamentos.

    Quanto s estradas que levam at o lote do assentado, em algumas nunca

    passaram mquinas. Se o assentado vende a madeira aos madeireiros, alm

    de conseguir renda para completar as construes e comprar animais, ele

    tem a garantia da estrada construda, por parte do madeireiro. Para o professor:

    R - As estradas como voc pode ver so ruins e com a chegada das chuvas vai ficar ainda pior. Quem fez 80% das estradas foram os

    madeireiros para tirar as madeiras dos lotes dos assentados, mesmo assim,

    muitos terrenos esto sem acesso, pois os madeireiros cuidaram das

    estradas enquanto tiravam as madeiras, depois abandonaram o local e a

    prefeitura no se faz presente. Hoje a prefeitura atende de forma bastante

    precria a estrada geral, que faz o caminho entre as sedes das comunidades

    do Caldeiro e da Agrovila at o municpio de Sinop. A nossa esperana

    que sejamos atendidos por meio de estradas pelo fato que at 150

    quilmetros os fazendeiros esto abrindo suas fazendas, dessa forma

    possvel que as estradas sejam melhoradas, mas no por conta dos

    assentados. Para o casal de agricultores:

    R - A estrada geral est transitvel, tanto a que vai no sentido da ponte do Rio Teles Pires, como quem queira entrar e sair pela balsa do mesmo rio.

    Quando a chuva chegar, principalmente de janeiro em diante no sabemos

    como ela vai ficar, pois, todos os anos nessa poca, fica intransitvel. No

  • 37

    que diz respeito aos